UM POR UM Ana era uma garota especial. Por

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UM POR UM Ana era uma garota especial. Por
UM POR UM
Ana era uma garota especial. Por isso mesmo ela era odiada por todas as
outras garotas da classe. Em uma noite, Ana se viu cercada pelas garotas que mais a
odiavam. Era para ser só uma lição, mas naquela noite Ana foi morta.
No dia seguinte, Ana apareceu na escola como se nada tivesse acontecido.
Claro que para aquelas que a mataram, isso não fazia sentido, e o terror se
estabeleceu.
Essa é a história de Ana, uma garota especial, que morreu de forma trágica e
que voltou para impiedosamente se vingar de todos que a prejudicaram, até que um
por um, estivessem todos mortos.
1 - Ana
— Pessoal! Esta é a Ana — diz a Professora Dryka, apresentando a tímida
garota magra, pele muito branca de quem não toma Sol há anos, óculos de nerd e
cabelos pretos lisos — Ela é nova na cidade. Por isso quero que sejam legais com ela,
ok?
Beatriz fez cara feia, girando a caneta com os dedos enquanto mascava
chiclete. A bela loira de olhos azuis, conhecida como “Beth” é considerada a mais
bonita da classe, e, naturalmente, foi “eleita” a líder da turma. É Beth que dá as cartas
na escola Rio Dourado. Sem a aprovação de Beth, nenhuma garota consegue fazer
nada lá.
— Era só o que faltava,… uma nerdgirl… — diz Beth, olhando para Mary, a
garota ao lado direito dela. — Agora vai ser “mangá” pra cá, “anime” pra lá,… Todo
esse papo de garota “otaku” irritante… Olha só o caderno da Hello Kitty dela! Parece
coisa de menina do maternal. Essa menina não cresceu?
— Deixa com a gente. Vamos mostrar o lugar dela… — diz Mary, fazendo cara
de desgosto.
Mary, a amiga de Beth, é uma morena também muito bonita e sensual, de
olhos verdes fulminantes e pele também muito branca, que contrasta com seus
cabelos, bem pretos e esvoaçantes. Mary faz o tipo “Suicide Girl”: bonita, mas
perigosa.
2 - Gêmeas
— Vamos ver onde ela vai sentar. Depois que a pegarmos de jeito no banheiro,
ela vai saber como são as coisas aqui — diz Josy, uma garota ruiva de cabelos cortados
na altura do queixo. Josy é a mais violenta das garotas satânicas, como são chamadas
as meninas do grupo da Beth.
— Quando vai ser o “batismo” dela? — pergunta Cassy, ou Cassandra, uma das
gêmeas que faz parte do grupo das garotas satânicas. Cassy faz o tipo calada, mas
explosiva. Geralmente ela fica na dela, sem mexer com garota alguma, mas é só a Beth
mandar que Cassy mostra serviço. Bater, machucar de alguma forma é a especialidade
de Cassy.
— Como sempre, né, Carly? Na hora do intervalo — diz Beth, ainda girando a
caneta — Mas vê se dessa vez você espera pela gente.
— Ok, ok,… Mas falando sério, eu mal posso esperar para apertar essa daí
contra a parede do banheiro… — diz Carly, sorrindo. Ela é a outra gêmea, irmã de
Cassy. Diferente de Cassy, Carly gosta de falar e se mete a aterrorizar as novatas,
mesmo sem Beth mandar, o que já provocou muitas discussões entre as duas. Assim
como a Cassy, Carly é loira natural, e anda sempre de cabelo amarrado.
— Quem não pode esperar sou eu… — diz Beth, encarando a novata, que agora
procura o seu lugar na classe.
3 - Podemos ser amigas?
— Você pode ficar aqui, Ana — diz a professora Dryka, apontando para a
carteira distante apenas duas carteiras da de Beth.
— Obrigada, professora. Você é muito gentil… — diz Ana, deixando sua mochila
na cadeira.
— Obrigada, professora. Você é muito gentil — diz Mary, fazendo cara de
enjoada.
Ana, que ouviu Mary falar, olha para ela.
Mary a encara.
— Que foi? Tá me achando bonita? — diz Mary, hostilizando-a.
Ana anda até Mary, fazendo todas as garotas satânicas que estavam na classe
olharem para ela. Ana estende a mão para Mary.
— Olá. Eu sou Ana. Podemos ser amigas? — pergunta Ana.
Mary, incrédula, olha para Beth, que esnobando a novata, vira o rosto para o
outro lado.
Mary olha para a novata e sorri.
— Por que você não morre? — diz Mary, mas não tão alto que a professora
possa ouvir.
Ana, chocada com aquela resposta, fica sem ação, piscando nervosamente os
olhos, e sem saber para onde ir. Isso faz a classe inteira rir da assustada Ana.
4 - Mudança de Planos
Finalmente, Ana consegue ir até a sua carteira e se senta. Ela puxa o caderno e
começa a anotar coisas nele.
— Tá de brincadeira?… — diz Beth, surpresa.
— O que foi? — pergunta Carly, excitada.
— Ela tem um diário — responde Beth, abrindo um sorriso de um canto a outro
do belíssimo rosto.
As demais garotas satânicas olham para Ana, que está anotando furiosamente
os últimos acontecimentos.
— Mudança de planos, meninas,… — diz Beth, lambendo os lábios — Não
vamos mais pegar a novata no banheiro. Em vez disso, vamos pegar outra coisa: a
alma dela…
— “Alma”? — pergunta Mary, aparentemente sem entender.
— Qual Mary? Você nunca teve um diário? — pergunta Beth, incrédula — Tudo
que é garota já teve um diário! Até você já deve ter tido um!
— Tá! Tá,… Já tive um sim, mas e daí? Isso foi há muito tempo, e eu acabei
rasgando ele todo… — diz Mary, ainda sem entender.
— Mas você não colocava tudo nele? Suas experiências, boas ou más? —
pergunta Beth.
— É,… Mais ou menos… — responde Mary. — Foi por isso mesmo que eu o
rasguei. E depois queimei, até não restar nada.
—… Uma vez eu anotei o meu primeiro beijo… — diz Cassy, embarcando na
conversa.
— Que bonitinho… — diz Josy, fazendo graça — Mas o que isso tudo tem a ver
com a “alma” dela?
— Acontece que uma garota assim, comportadinha, toda fresquinha, deve ter
algum segredo ou algo sujo que a gente possa usar para chantagear ela — responde
Beth. — Vamos esperar ela ir para o intervalo, e aí a gente rouba o diário dela. Deve
ter alguma coisa que a gente possa usar para transformá-la na nossa putinha.
As demais garotas satânicas riem, excitadas. Elas sabem que Beth sabe ser mais
má do que ninguém naquela escola, ou melhor, naquela cidade toda. E quando Beth
quer ser mesmo muito má, ela consegue.
5 - Intervalo
Toca a sirene, indicando que é hora do intervalo.
Até esse momento, Ana se manteve calada, absorta no seu diário, e nas suas
anotações. Agora ela abre a sua mochila, guarda seu diário e tira uma carteira de bolso
para pegar o dinheiro para o lanche. Tudo supervisionado de não muito longe pelas
atentas garotas satânicas.
Ana sai da classe.
— Vai lá, Josy! — diz Beth.
Josy segue Ana não de muito perto, a fim de pegá-la de surpresa quando
chegar a hora.
Enquanto isso, Beth e as demais garotas satânicas vão até a mochila de Ana, e
a abrem sem muito cuidado.
Ana para no corredor.
— Droga, esqueci meu remédio contra enxaqueca! — diz ela, falando sozinha.
Ana dá meia volta e se depara com a sorridente Josy.
— Onde você pensa que vai? — pergunta Josy, com os braços cruzados diante
de Ana.
— Com licença,… é que eu… — começa a tímida Ana, tentando ser o menos
inconveniente possível. — Eu preciso voltar na sala, para pegar…
— Você precisa é ir comigo — diz Josy, pondo um braço em volta de Ana, por
trás, e carregando-a na direção dos banheiros, como se fossem duas amigas de longa
data.
— Onde você está me levando? — pergunta Ana, ainda não se tocando que a
coisa é mais séria do que ela pensa que é.
— Relaxa. Eu só quero bater um lero com você — diz Josy, mantendo Ana
firmemente presa à ela.
Enquanto isso, as outras garotas satânicas acharam o diário. Com cadeado.
— Que merda é essa? — pergunta Mary, irritada.
— Me dá isso aqui… — diz Beth, tomando o diário das mãos de Mary, e
tentando abrir o cadeado — Mas que puta! Como vamos abrir isso?
— Deixa comigo — diz Cassy, sacando um canivete do bolso.
— Você ainda anda com isso, mesmo depois daquela bronca da professora? —
pergunta Mary, espantada.
— Eu não tenho medo daquela merdinha… — diz Cassy, apoiando a lâmina do
canivete debaixo do cadeado e arrancando-o com um golpe só. Cassy passa o diário
para Beth — Taí!
— Agora vamos ver… — Beth abre na primeira página.
6 - Meu amigo diário,…
— “Meu amigo diário,…” — lê Beth, fazendo careta — Ah! Vai se foder! Essa
garota é mesmo muito fresca!
— Continua! — concorda Mary, ansiosa.
— Tá, eu continuo… — Beth olha rapidamente para o lado do diário, para ver a
quantidade de páginas que ele contém. — Nossa, isso é muito grosso… Será que ela
escreveu tudo isso?
— Beth, a Josy disse que iria segurar a garota por uma meia hora, mas meia
hora não é tanto tempo assim! — alertou Carly.
— Vocês são muito nervosas… — diz Beth, balançando a cabeça em tom de
reprovação. — Ok,… “Hoje eu encontrei aquele garoto de novo…”
— Um garoto? — diz Cassy, espantada.
— Ela tem um namorado? — pergunta Mary, curiosa.
— Ah! Sei lá… Quem iria querer namorar uma nerd? — diz Beth, incomodada
com tantas perguntas — Continuando,… “Pelo que pude perceber, ele está sempre
passeando no parque com aquele cachorro dele…”
— “Pelo que pude perceber”? — diz Cassy, parecendo ainda mais espantada —
Será que a nerd é uma stalker?
— Que diabos é isso? — pergunta Mary, confusa.
— É alguém que persegue as pessoas, geralmente com fins de namoro —
responde Cassy.
— Ah,… — diz Mary, parecendo ter entendido.
— Vocês podem parar de falar a cada linha que leio? — diz Beth, nervosa.
— Ok,… — respondem as garotas.
— Vamos lá,… “Eu acho que posso dizer que realmente posso encontra-lo aqui
amanhã…” — Beth para pra pensar — Hum!… Acho que a nerd tinha planos para o
garoto…
Amanhã continuo com mais capítulos… Até mais! o/
7 – Negócio muito particular
Enquanto Beth, Cassy, Carly e Mary liam o diário de Ana, Josy a segurava no
banheiro.
— O que estamos fazendo aqui? — pergunta Ana, confusa e assustada. Josy a
tinha carregado até o banheiro, sem dizer-lhe nada.
— Sabe o que é,… É que eu queria te dizer uma coisa… — inventa Josy, partindo
para a improvisação.
— E o que é que só pode ser dito aqui? — pergunta Ana, mais nervosa, mas
tentando ainda ser corajosa — Será que não poderíamos conversar noutro lugar?
— Não, não podemos,… — diz Josy, ainda improvisando — É que é um negócio
muito particular, sabe,…
Josy, que estava barrando a saída do banheiro, apenas permitindo a passagem
de uma ou outra garota, agora se aproxima de Ana, fazendo-a ficar literalmente contra
a parede.
— Como assim, “particular”? A gente ainda nem se conhece… — pergunta Ana,
mais confusa e agora com mais medo, já que está acuada pela forte Josy.
Josy põe uma mão na parede, ao lado do rosto de Ana, e a outra mão no ombro
dela.
—… Vou ser franca com você, gatinha,… — diz Josy, alisando o braço de Ana —
… Assim que te vi, caí direto na sua. Você é muito gostosa, sabia?
Ana, que nesse momento treme de nervosismo e tem a cabeça lotada de
sentimentos estranhos e conflitantes, tenta passar por Josy, mas esta a empurra de
volta contra a parede.
— Calma, gatinha, eu não vou te machucar não,… — diz Josy, quase encostando
o rosto no de Ana, que sua frio.
— Po-por favor,… Me-me deixa ir, e-e-eu preciso ir… — diz Ana, olhando para a
boca de Josy, perigosamente perto da sua.
Foi mal, mas esqueci de postar esse capítulo antes dos outros… Agora tá tudo
de volta.
8 – Beijo roubado
— Você já beijou uma garota? — pergunta Josy, que se diverte cada vez mais
com a tímida Ana.
— Não! E-eu não,… nunca,… — responde Ana, agora com medo de ter ofendido
Josy — Mas não que eu tenha algo contra, não é isso, é só que,… por favor, não faça
isso…
Enquanto mantém Ana prisioneira da parede, Josy puxa o celular dela do bolso
e vê as horas.
— É,… Acho que dá tempo — diz Josy.
Ana fica ainda mais confusa.
— Tempo de quê? — pergunta Ana, esperando que não seja nada a ver com o
fato de estarem perdendo aula logo no primeiro dia dela.
— Disso! — responde Josy, agarrando o rosto de Ana e tascando-lhe um
violento, molhado e penetrante beijo de língua.
— Naumf!…. — Ana não consegue falar nada, totalmente absorvida pela boca
de Josy, que cobre a sua, forçando Ana a receber aquela língua ágil, grande e quente,
juntamente com o vapor da boca de Josy.
Ana bate nas costas de Josy, que para se proteger dela, aperta seu corpo contra
o de Ana, fazendo o calor entre as duas aumentar.
Duas alunas entram no banheiro, e momentaneamente chocadas com a cena,
olham uma para a outra e riem, e depois seguem para os respectivos boxes,
simplesmente deixando as duas para lá.
Enquanto isso, Ana, sentindo-se sufocar pelos beijos e amassos de Josy, que
passa a mão sobre seus peitos e bunda, consegue um segundo para falar.
— Por favor, pare! Eu não tou respirando! — diz Ana, apelando para a
inexistente piedade de Josy.
— Calma, gatinha,… — sussurra Josy, tocando com a língua na orelha de Ana —
Só mais uns minutinhos, e eu te libero…
— Por que você está fazendo isso comigo? — pergunta Ana, desesperada — Eu
não fiz nada para merecer isso…
— Você fez sim! — diz Josy, olhando Ana de frente — Você nasceu gostosa…
E então Josy continua com a sua “surra” de beijos e amassos pesados em Ana,
que não tem tempo nem de gritar ou chorar.
E enquanto tolera as investidas violentas da língua daquela garota louca na sua
boca, e espera pacientemente que ela se sacie logo e a deixe sair do banheiro, Ana
tenta não pensar em nada. Ela apenas quer sair dali sem se machucar e depois correr o
mais rápido possível para casa.
9 – S.O.S.
— Socorro! SOCORRO! — diz Ana, conseguido falar um momento ou outro.
— Cala a boca e curte, sua burra! — diz Josy, que deixou a boca de Ana livre um
segundo para lamber seu pescoço, e voltou novamente para a boca.
Ana continua tentando bater nas costas de Josy, ou mesmo chutá-la, mas Josy a
segura com os braços e as pernas, pressionando Ana cada vez mais contra a parede.
As duas alunas que entraram no banheiro saem dos boxes e ao ver Ana e Josy
de novo, começam a desconfiar de alguma coisa errada.
— O que está acontecendo? — pergunta uma delas, olhando para a outra.
— Eu sei lá,… — responde a outra, dando de ombros e lavando as mãos — É
melhor a gente ir…
Quando as duas estão saindo, Ana encontra outro momento para falar, quando
Josy novamente lambe o pescoço dela, mas do outro lado.
— Por favor, me ajudem! — diz Ana, erguendo a mão livre na direção das
garotas.
— O quê? — diz uma delas, hesitando sair — Pensei que vocês estavam
curtindo.
— Vamos nessa! — diz a outra garota, reconhecendo Josy — Aquela é a Josy!
Isso é coisa das garotas satânicas. Melhor a gente não se meter com isso!
Ao ouvir aquele nome, “garotas satânicas”, a outra garota apenas balança a
cabeça e vai-se com a amiga.
— Desculpe… — diz a garota falando para Ana, antes de ir.
— NÃO! — grita Ana, em vão.
Josy, que ouvia tudo enquanto lambia Ana, sorri satisfeita da sua reputação, e
enfia a mão por baixo da saia de Ana, depois por dentro da calcinha dela, apertando
com o dedo o seu lugar mais sensível. Ao mesmo tempo Josy dá uma pequena mordida
no ombro de Ana, que, tendo perdido o controle do próprio corpo por um segundo,
grita de dor e prazer ao mesmo tempo.
10 – Cessar fogo
— Ah, gostou, né, safada?… — diz Josy, vendo Ana gemendo como se se
estivessem lhe tirando a vida devagar. E enquanto Ana parece derreter, escorregando
pela parede, Josy a segura com um braço e com o outro faz movimentos leves de
subida e descida com a mão por baixo da calcinha de Ana, apenas para manter o
estímulo nela.
Nesse momento, a Professora Dryka entra no banheiro, conversando com
alguém pelo celular.
— Sim, eu vou comprar, mas é que ainda não sei onde botar aquilo,… — diz a
professora, que distraída, passou direto para o box, ignorando a cena ao fundo do
banheiro.
Mesmo assim, Josy acha que é demais até para ela se arriscar com a professora
por perto e larga Ana, que, sem forças, escorrega de costas para a parede até sentar
no chão.
— Eu vou ter que ir nessa… — diz Josy, olhando de novo para o celular. —
Depois a gente se encontra para mais uma “sessão”. Tchau.
Josy passa a mão nos cabelos de Ana, que não reage, e então vai embora.
Quando Josy sai, Ana continua no chão ainda alguns minutos, mas então junta
forças e tenta se erguer, apoiando uma mão no balcão do lavatório.
A Professora Dryka, que não tinha interrompido a conversa mesmo dentro do
box, dá descarga e sai, deparando-se com a ainda zonza Ana.
— Ana? O que aconteceu? Você caiu? — pergunta a professora, preocupada,
mas sem largar do celular.
Ana, sem responder, apenas sai do banheiro, quase correndo.
— Ei! Ana? O que houve? Ana? — grita a professora, chamando-a da porta do
banheiro. Mas Ana já tinha sumido de vista.
11 – Leitura do Diário - 1
Ao mesmo tempo em que as coisas esquentavam no banheiro da escola Rio
Dourado, Beth, Mary, Cassy e Carly se deliciavam com a leitura do diário de Ana.
— “Eu esperei ele aparecer, mas ainda não tinha coragem para falar com ele…”
— leu Beth para as demais garotas, igualmente atentas à leitura — “Então eu o vi
novamente, caminhando perto do chafariz, sempre com as mãos nos bolsos, e olhando
para o céu, como se estivesse triste com alguma coisa. Algo que talvez o atormentasse
profundamente.”
— Nossa! O que será? — pergunta Cassy, curiosa e preocupada.
— Sei lá, deve ser alguma coisa com a família dele… — diz Carly, do mesmo
jeito.
— Vocês duas podem parar de falar um pouco? — diz Beth, tentando se
concentrar na leitura. E vedo que as duas obedeceram — Obrigada. Continuando,…
“Eu queria poder ir até lá, falar com ele, ajudá-lo! Mas minha timidez não me deixa. E
vê-lo sofrer assim me faz sofrer ainda mais por ser tão medrosa…” Argh! Mas que
garota idiota!
— O que você esperava de uma “garota mangá”? — diz Mary, irritada — Essas
garotinhas que estão por aí são todas assim. Parece uma praga!
— É, eu só vejo isso no shopping — diz Carly. — E isso só piora quando os
cinemas colocam coisa de otaku para ver, como aquele filme tosco de desenho
animado 3D dos cavaleiros… Como é que alguém vai para um cinema para ver aquilo?
Maior coisa de babaca! Estão todos virando babacas!
— É,… — concorda Cassy.
— É mesmo… — concorda Beth.
Mary faz que “sim” com a cabeça.
— Continuando,… — Beth vira a página. — “Mas depois que eu o vi assim de
novo, eu me decidi. Vai ser amanhã ou nunca.” Há, quero só ver… — diz Beth,
duvidando.
12 – Leitura do Diário - 2
— “A minha mãe me chamou para falar da mudança,…” — Beth parou de ditar
e começou a ler rápido — Agora é só um monte de coisa chata sobre ela e a mãe dela
falando de como vieram para cá, eu acho…
— Tá, então vai logo para a parte que interessa! — diz Mary, impaciente.
— Calma, garota! — diz Beth, folheando as páginas, e de repente parando em
uma — Ah! Tá aqui! “Outro dia, outra chance. Estou escrevendo da cama. Ainda não
consegui pensar numa maneira de chegar até ele,…” — Beth para novamente de ler —
Querem que eu leia tudo, ou que vá direto para o parque?
— Sei lá, lê tudo! — diz Cassy, atenta.
— Vai direto para o parque! — diz Mary, mais impaciente.
— É, pula esse besteirol de menina emo e vai logo para o parque! — diz Carly,
também impaciente.
— Ok,… Só achei que seria interessante saber o que ela pensa,… — diz Beth,
folheando as páginas novamente — Ah, é aqui,… “Está mesmo frio hoje. Mas nem
mesmo o frio irá me fazer desistir de tentar. Estou escrevendo do meu banco favorito.
Estou morrendo de medo, só de pensar em como ele vai me receber, se vai achar
estranho ou não… Mas pode ter certeza, meu querido diário! Ou é hoje ou nunca!”
Beth faz uma parada para olhar uma coisa.
— Eu… não… acredito… — diz ela, assim mesmo, falando lentamente.
— O que foi? — pergunta Cassy, curiosa.
— O que foi? — pergunta Mary, igualmente curiosa.
Beth vira o diário para as garotas e aponta o dedo para elas verem exatamente
onde é.
— Olhem! — diz ela, excitada e sorrindo de um canto a outro da face.
13 – Leitura do Diário - 3
Ao olhar para o diário, nenhuma das garotas percebe o que era que tinha
deixado Beth tão feliz.
— O que tem a data? — pergunta Cassy, confusa.
— Péra,… — Mary pensa um pouco e olha para Beth — É de ontem? Como
pode?
Beth, que não tinha mais para onde sorrir, virou o diário para continuar a ler.
— “Eu e a minha mãe ficamos conversando sobre as coisas que deixamos no
Recife, antes de virmos para cá correndo, como se fôssemos fugitivas da máfia. Mas foi
quase isso. Claro, tudo por causa do “Ex” dela que não a deixava em paz…” — Beth
para de ler para falar com as demais garotas satânicas, mostrando-lhes novamente a
data — Perceberam? Quando ela escreveu isso, ela já estava aqui, em Rio Dourado! E
isso foi há mais de três meses! Ela está aqui há mais de três meses!
— Tá, e daí? — pergunta Carly, sem entender.
— É, e daí? — pergunta Cassy, do mesmo jeito, sem entender.
— Eu saquei! — diz Mary, tão excitada quanto Beth — Isso quer dizer que
aquele lance do cara que ela quer namorar…
— Está rolando aqui mesmo, em Rio Dourado — Beth completa. — Ou seja, o
tal parque do chafariz, ele é o parque Rio Dourado!
Cassy e Carly se entreolham.
— Quer dizer que ela mora perto de nós? — pergunta Carly.
— Pode ser, ou apenas ela vai até lá para fazer alguma coisa… — diz Beth,
voltando ao diário — Vamos ver, ok?…
Enquanto Beth procura a parte onde parou, Cassy olha o celular.
— Ei! Se liga! A Josy já está com a nerdgirl há uns vinte minutos! — diz ela.
— Não tem problema — diz Mary, sorrindo diabolicamente — Josy sabe como
manter uma garota entretida…
Cassy e Carly se olham de novo e sorriem, e então voltam a prestar atenção à
Beth.
14 – Leitura do Diário - 4
— Vou começar, ok? — avisa Beth — “Eu consegui! Esperei por ele no meu
banco favorito e tomei coragem para abordá-lo! Meu Deus! Estou muito nervosa!” —
Beth para a leitura — Que garota fresca!
— Continua! — diz Carly, ansiosa.
Beth faz uma cara feia para as duas gêmeas e volta para o diário.
— “Eu o vi chegando perto do chafariz e disse para mim mesma que era a hora,
e então andei até ele e perguntei-lhe as horas…” — Beth balança a cabeça — “… e
quando ele falou comigo, ele sorriu! Então eu comentei como os gansos gostavam de
nadar nesses dias frios e ele…” — Beth faz outra pausa — Cara! Isso é muito fresco!
— Pelo amor de Deus, Beth! Continua! — diz Cassy, já roendo as unhas.
— Tá, mas não precisa roer as unhas só por isso… “… E ele concordou, e então
começamos uma conversa sobre patos e gansos, e passamos o fim de tarde
conversando…” Sério, eu vou pular essa parte, pois é só um monte de merda… Ah,
enfim algo que presta: “Ele simpatizou comigo de cara! Ele é tão fofo e meigo! E de
perto, é mais bonito ainda. Marcamos de nos encontrar na terça à noite, na lanchonete
preferida dele… Ele disse que me mostraria a cidade. Já falei com a mamãe e ela disse
que estava tudo ok, desde que eu chegasse em casa antes das nove da noite…” — Beth
faz uma pausa, e quase gritando diz — É isso!
— É isso o quê? — pergunta Mary.
15 – Alguém para apanhar por nós
— Vamos fazer uma com essa garota no dia do encontro dela, que será
amanhã. Nós vamos ao encontro, e mostramos para ela que se quiser ter encontros
aqui, na nossa cidade, vai ter que fazer parte do nosso grupo — explica Beth, fechando
o diário.
— Como assim? Essa garota-mangá vai parte do nosso grupo? — diz Mary,
indignada. — Eu não quero essa nerda no nosso grupo!
— Nem eu! — diz Cassy.
— Nem eu! — diz Carly.
Beth balança a cabeça, reprovando-as.
— Vocês não entenderam, suas burras! — começa Beth — Se ela fizer parte do
nosso grupo, nós poderemos fazer dela nossa escrava para sempre!
— Mas nós também podemos fazer dela a nossa escrava sem colocá-la no
grupo! — protesta Mary.
— É, mas com ela no grupo, nós teremos mais número na hora de enfrentar
aquelas putas do colégio Marina — diz Beth.
Cassy, Carly e Mary se entreolham, desconfiadas.
— Ei! Acordem! Eu não estou dizendo que acho a nerda útil, nem que gostei
dela nem nada! — diz Beth, irritada — Eu só acho que é bem melhor quando temos
alguém que não seja a gente para apanhar no nosso lugar, ou não é? Afinal, as garotas
do Marina batem para valer, não são como as pamonhas daqui.
— Quer dizer que pretende jogar a nerdamerda contra as garotas do colégio
Marina, para apanhar por nós? Tipo, quando quisermos mandar algum recado? —
pergunta Mary, pensando entender a situação.
— Isso mesmo! — diz Beth, satisfeita — Agora vamos nessa. A Josy já deve ter
feito o maior estrago na nerda. Coloca o diário na mochila dela!
Beth entrega o diário para Cassy, que joga ele de qualquer jeito na mochila de
Ana, bem na hora em que ela chega à sala de aula.
16 – Fuga
— Na hora! — diz Cassy, que se junta às demais garotas satânicas quando Ana,
totalmente desnorteada, entra na sala.
Ana cambaleia até a carteira de outra aluna, e então percebe que não era a
dela, e gira procurando pela sua mochila, enquanto as garotas satânicas olham
admiradas para ela.
— Caramba! A Josy deve ter pegado pesado com essa aí! — diz Mary, sorrindo.
— É, ela curte garotas magrinhas como ela — diz Beth, também sorrindo —
Ainda bem que ela nunca foi com a minha cara…
— Não foi isso que eu ouvi outro dia… — diz Carly, dando uma cotovelada de
leve em Cassy.
— Como é que é? — diz Beth, querendo briga — O que vocês ouviram de mim e
da Josy?
— Shh! — Mary interrompe a discussão para apontar para Ana — Olha a nerda!
Ela tá quase vomitando!
De fato, Ana senta-se numa carteira para não cair e coloca uma mão na cabeça
e outra sobre a saia, no local onde Josy “mexeu” com ela. Ana começa a chorar.
— É, a Josy pegou pesado mesmo… — diz Cassy, admirada com a cena — E
acho que essa daí acabou de perder a “virgindade técnica” para os dedos de Josy.
Falando isso, Cassy fez as três amigas rirem de se acabar. Cassy também riu.
Ana, que parece oscilar como uma boia na água, anda até a carteira dela, mas
não consegue segurar. E então Ana vomita no meio da sala de aula.
— Eca! — dizem as garotas satânicas, fazendo cara de nojo.
Ao vomitar, Ana recupera um pouco do juízo e vê a mochila dela. Ana a pega,
sem nem notar que ainda estava aberta, e sai correndo da classe.
— Até amanhã! — diz Mary, fazendo graça.
17 – No Quarto
Ana sobe como um relâmpago as escadas do prédio onde mora, abre a porta,
corre para o quarto e se tranca. Depois ela deita de costas na cama, e tenta entender o
que se passou.
— Ana? É você? — pergunta a mãe de Ana, ouvindo a porta bater.
— S-sou eu, mãe!… — responde Ana, tentando não puxar conversa. A cabeça
de Ana já estava cheia de coisas, e não precisava de mais nenhuma.
— Pensei que você só largasse de cinco e meia da tarde… — diz a mãe, falando
da cozinha — Você não está doente, está? Afinal, você nunca faltou uma aula na sua
vida…
— Não, mãe! Eu não estou doente, eu só… — Ana se esforça para pensar numa
resposta que cale a mãe e a impeça de fazer mais perguntas, de fazê-la pensar em
qualquer outra coisa que não seja o que lhe aconteceu hoje —… Eu estou estudando!
Uma das professoras ficou doente e como os outros professores faltaram, então
dispensaram a turma. E… Eu não quero ficar ainda mais atrasada por isso, por isso vou
estudar a noite toda.
— Essa é a minha filha querida, que gosta de estudar! — diz a mãe, orgulhosa
— Vai fundo, garota! Mais tarde eu te levo um lanche, ok?
— Não, mãe, não precisa! Eu trouxe meu lanche da escola! E eu não tou com
fome! Sério!
— Tá, mas não exagere nisso de ficar magra, ok? Ninguém mais vai fazer
bullying com você por ser gorda. Isso já passou, foi só uma coisa da sua infância minha
querida — diz a mãe, preocupada.
— É, eu sei, mãe… Eu tou legal. Obrigada — diz Ana, que com isso se livra da
mãe por talvez algumas boas horas.
Ana relembra do ataque de Josy. Ela relembra de como Josy a fez sentir prazer,
mesmo quando Ana não queria isso.
— Por quê? Por que, Deus? Por que ela fez isso comigo? — diz Ana, falando
baixo conseguiu mesma.
18 – Música e Mulheres na ponte
Ana ergue a cabeça e olha para baixo, para seu ventre.
Ela põe a mão sobre o lugar onde Josy a tocou. Ana passa a mão de leve no
lugar, como que tentando saber se alguma coisa mudou depois daquilo.
Ana morde os lábios e junta coragem. Depois enfia a mão por baixo da calcinha.
Ela enfia um dedo no lugar onde Josy a tocou mais fundo.
— Droga! — diz Ana, que tira o dedo depressa, mais por medo do que por ter
descoberto alguma coisa.
Ana se vira de lado e fica na posição fetal. Ela então fecha os olhos e põe o
dedão na boca. Uma lágrima cai pelo canto do olho e molha o travesseiro.
— Por que… Deus,… por que me deixou isso acontecer? Por que me deixou
sentir aquilo? O que eu fiz de errado para isso acontecer logo comigo?
Ana adormece com muitas dúvidas na cabeça.
Enquanto isso, quatro das cinco garotas satânicas estão reunidas na velha
ponte da ferrovia que passava ali, desativada há muitos anos.
Beth atira algumas lascas de ferro na água turbulenta do rio, enquanto Mary
escuta Goodbye, do Apparat.
— Kiss me… Goodbye… — canta Mary. Entretida com a música.
Do outro lado da ponte, Cassy e Carly também curtem um som dividindo o fone
do celular — If I Had A Heart, do Trevor Morris — enquanto esperam.
— More… Give me more… Give me more… — canta Cassy, de olhos fechados,
viajando na voz grave do cantor.
Carly, por outro lado, não consegue ficar tão distraída. Ela observa Beth,
pensativa, ainda a atirar coisas da ponte.
— E aí, Beth? O que estamos esperando? — pergunta Carly.
Beth para de atirar ferrugem na água e olha para Carly.
— Que horas são? — pergunta Beth.
Carly olha no celular.
— Cinco e meia — responde ela.
— Então elas já vem — diz Beth.
— “Elas”? — diz Carly, confusa — Não me diga que são…
— É, são sim — diz Beth, apontando para o lado da ponte que leva à parte
antiga da cidade de Rio Dourado. Quatro garotas, vestidas com o uniforme escolar azul
escuro do colégio Marina se aproximam.
19 – Dia de Pagamento - 1
— Quê? — diz Carly, tirando o fone do ouvido ao ver as garotas.
Cassy percebe que alguma coisa aconteceu também e vê as garotas chegando.
— Beth! — grita ela.
— Calma… — diz Beth. — Elas só vieram pegar a grana da semana.
— Mas,… — Cassy não sabe o que dizer e apenas olha para a irmã, que se
encontra na mesma situação.
— Onde tá a Josy, quando precisamos dela? — pergunta Mary, se juntando
com Beth, que espera de braços cruzados no meio da ponte.
— Ela disse que tinha que resolver uma coisa em casa, mas que alcançaria a
gente aqui assim que pudesse — responde Beth.
— Isso é ruim. Ela vai fazer falta se não chegar logo — diz Mary, preocupada.
— Não podemos depender da Josy toda vez que tivermos uma conversa com as
“marinas” — diz Beth, inspirando fundo — Além do mais, já é tarde demais para Josy
nos ajudar.
As quatro “marinas” chegam ao meio da ponte, onde as quatro garotas
satânicas já estavam todas reunidas.
A garota que veio na frente se aproxima de Beth.
— Olá, Ludmila… — diz Beth, sem forçar um sorriso, como fizeram Cassy e
Carly.
— Olá um caralho. Cadê a nossa grana, puta? — diz Ludmila, a líder do grupo
das “marinas”. Ludmila faz o tipo garota gótica: sombra nos olhos pretos, e cabelos,
que também são bem pretos, além de naturalmente finos e longos.
Beth inspira fundo, fecha os olhos, conta até dez e então pega um pacote que
tinha guardado no bolso de trás da calça jeans.
— Tá aqui — diz Beth, mostrando o pacote.
Ludmila o pega, usando suas luvas pretas, e ao desenrolar o papel, conta as
notas de vinte.
— Cadê o resto? Eu disse que eram seiscentos reais! Aqui só tem quatrocentos!
— diz Ludmila, esfregando o pacote no rosto de Beth.
Mary, Carly e Cassy se entreolham, impotentes, enquanto a amiga é humilhada
na frente delas.
Mais uma vez Beth conta até dez e responde.
— As meninas do colégio não querem comprar mais os estimulantes — diz
Beth. — Elas dizem que eles as fazem ter enxaqueca.
Ludmila ri. As amigas dela também.
— E quem disse que eu quero saber o que essas putinhas viciadas pensam ou
sentem? — diz Ludmila, voltando a falar sério com ela — Seu papel é vender! O meu é
fornecer a coisa e receber! E a minha histamina é da boa! Agora ou você dá essa sua
bunda por aí, ou vende tudo e me dá a minha grana, entendeu? — Ludmila empurra
Beth, que quase cai de costas no chão.
Mary não se aguenta mais e fica no caminho de Ludmila.
— Se essa sua merda que você chama de histamina fosse mesmo da boa, não
dava dor de cabeça! Se quer mesmo ganhar mais dinheiro, tem que vender coisa
melhor, sua idiota! — diz Mary, tremendo de raiva.
20 – Dia de Pagamento - 2
Ludmila abre os braços e a boca num sorriso e olha para as demais “marinas”.
— Vocês ouviram isso? — pergunta ela, surpresa — Vocês ouviram o que essa
putinha acabou de dizer pra mim? Vocês viram do que ela me chamou?
— Eu acho que ela te chamou de idiota, Lu… — diz rindo sarcasticamente uma
das “marinas”, a garota de cabelos ruivos e rosto redondo, a mais alta de todas.
— É,… eu acho que ela disse isso mesmo… — diz Ludmila, aproximando-se de
Mary, que sentindo o perigo, dá um passo para trás.
— Não! Não faz nada com ela, Lu! Por favor! Eu arranjo a grana toda! — diz
Beth, prevendo o que vai acontecer.
Ludmila aponta para Beth.
— Fica na tua aí se você sabe o que é melhor para vocês… — diz Ludmila. — O
meu papo é com essa daqui…
Cassy e Carly se entreolham, temendo o pior.
Ludmila chega mais perto de Mary, que dá mais dois passos para trás.
— Olha, desculpa, Lu, eu só tava tentando dizer… — começa Mary, mas sem
poder terminar.
Ludmila a agarra pelo pescoço com as duas mãos, e a ergue do chão.
— Ugh! — diz Mary, sentindo-se estrangular.
— NÃO! — grita Beth, desesperada, querendo correr na direção das duas.
Mas as outras três “marinas” a param quando uma delas, a mesma ruiva de
antes, lhes aponta um revolver 38.
— Fica na tua, sua puta! — diz a ruiva, agora muito séria.
Beth, Cassy e Carly ficam sem saber o que fazer, diante daquela cena horrível.
— Agora você vai ver o que é bom… — diz Ludmila, erguendo ainda mais Mary,
que se debate como pode, com as mãos agarradas nos braços de Ludmila, e tentando
bater com as pernas na garota. Mas é inútil. Ludmila é bem mais forte que Mary, e a
domina facilmente.
— Para com isso, Lu! Você vai matá-la! — grita Beth, nervosa.
— “Matá-la”? Eu ainda nem comecei… — diz Ludmila, que joga Mary no chão
de ferro da ponte , onde ela cai de cara.
Mary, rosto arranhado, nariz sangrando, pescoço vermelho com as marcas das
mãos de Ludmila, apoia-se de quatro no chão, arfando e tossindo muito.
Ludmila dá-lhe um chute na bunda, fazendo-a cair de novo de cara no chão.
— Já está bom, Lu! — grita Beth, chorando de raiva — Ela já teve o que
merecia! Não precisa mais puni-la!
Ludmila ri e olha para Beth.
— E quem disse que é você quem determina quando eu devo parar?
Ludmila agarra novamente Mary pelo pescoço, mas dessa vez pelas costas, com
um golpe conhecido como “mata-leão”. Com o braço em volta do pescoço de Mary,
ela a ergue do chão e anda com ela até a beira da ponte. Mary volta a se debater,
ainda mais aterrorizada do que antes ao ver a correnteza barrenta do rio.
21 – Dia de Pagamento - 3
— Não! — grita Mary, desesperada — Por favor!… Me larga!…
— Ludmila! Por favor! A Mary não sabe nadar! Se você a soltar, ela vai… — grita
Beth, sem saber o que pode acontecer, e já quase correndo para ajudar a amiga.
— Eu disse para ficar na tua! — diz a ruiva, apontando a arma na cabeça de
Beth.
Ludmila leva Mary até a beira da ponte.
— Agora vamos ver quem é a idiota… — diz Ludmila, de repente soltando Mary
da ponte.
— ÁÁÁH! — grita Mary, antevendo a própria morte, mas sem realmente cair.
No último instante, Ludmila a agarra pelo braço.
— Oh meu Deus! — grita Cassy, sem conseguir olhar. Carly também não
consegue dizer uma palavra, paralisada de medo.
— Mary! — grita Beth, sentindo o coração doer de tanto medo.
Ludmila segura Mary apenas pelo pulso.
— E aí, Maryzinha? Que tal dar um mergulho? — pergunta Ludmila, abaixando
Mary até que seus pés toquem a água revoltosa do rio.
— Não! Pelo amor de Deus, Ludmila! Não me solta! — implora Mary, tentando
agarrar a mão de Ludmila com a outra mão.
22 – Dia de Pagamento - 4
Beth, Cassy e Carly não têm coragem de dizer nada, com medo que qualquer
coisa que digam faça Ludmila soltar a amiga no rio, o que seria morte certa para Mary.
— Pois é, amigas,… — diz a ruiva, ainda apontando a arma para Beth — É isso
que dá quando a ralé da escola pública resolve nos enfrentar. Ela fica assim, como a
amiguinha de vocês… implorando para viver. Como um verme rastejante…
— Desgraçada! — diz Beth, arriscando-se a ser penalizada também.
A ruiva apenas ri.
— Ludmila! — diz Mary, sentindo a água a molhar até os joelhos — Me tira
daqui! Eu não quero morrer!
— Eu não sei… Acho que você quer sim… Senão você não me enfrentava, Mary.
E você sabe que não foi a primeira vez… — diz Ludmila, que já estava ajoelhada na
ponte, abaixando Mary ainda mais.
Mary entra até o pescoço na água do rio.
— Socorro! — grita Mary, completamente aterrorizada, sufocando com a água
ora cobrindo sua cabeça, ora descobrindo-a.
— Ludmila! Se você matar a Mary, você irá presa! Você quer ser presa? — grita
Beth, numa última tentativa de salvar a pele de Mary.
— Eu não ligo para ser presa… — diz Ludmila, sorrindo — Mas eu ligo para ver a
cara de terror da sua amiga. E ela é ótima quando está com medo! Agora, se vocês
derem mais um pio, eu a largo aqui mesmo… É só falar.
Sem mais opções, as garotas satânicas se calam, enquanto Ludmila mantém
Mary suspensa no rio.
— Nada, garotinha, nada, vai… — diz Ludmila, como se recitasse um poema.
Mary já não fala nada há quase um minuto, totalmente submersa na água do
rio, com apenas o braço segurado por Ludmila de fora.
Beth, Cassy e Carly olham para Ludmila, temendo que já tenha acontecido o
pior.
23 – Dia de Pagamento - 5
— Bruna, por favor, diz pra Ludmila parar! — diz Beth, falando apenas o
suficiente para a ruiva poder ouvir.
— Ela decide quando parar, não eu — diz Bruna, mantendo a arma apontada
para Beth.
Enquanto isso, Beth vê, por cima do ombro de Bruna, Ludmila, segurando Mary
no rio revoltoso. Apenas Ludmila está visível, o que deixa Beth completamente perdida
sobre o que pode estar acontecendo com Mary.
— Maryzinha? Você já aprendeu a nadar? — pergunta Ludmila, divertindo-se
com o sofrimento de Mary, que não dá resposta há um minuto.
Subitamente, Ludmila vê uma mão pousar sobre a dela e agarrar seu pulso, e
depois de puxá-la com força, outra mão agarrar o pulso de Mary, e puxar as duas para
a ponte.
— Josy? — diz Ludmila, surpresa — Mas o que você está…?
Beth, Cassy e Carly, vendo que Josy aparecera para salvar a amiga, começam a
gritar.
— SALVA ELA, Josy! — grita Carly.
— VAI LOGO! — grita Cassy.
Beth, que tinha se mantido falando com Bruna para distraí-la e impedi-la de se
virar e ver Josy chegando, também grita.
— JOSY! A MARY ENGOLIU MUITA ÁGUA!
Josy puxa Mary completamente para fora da água do rio e ignorando Ludmila, a
deita de costas no chão de ferro da ponte.
— Me larga! — diz Ludmila, cujo punho Josy manteve agarrado durante todo o
processo.
Josy larga Ludmila, que esfrega o punho dolorido. Foi como se um alicate o
tivesse apertado.
— Sua vadia! Você esmagou o meu pulso! — exagera Ludmila, apesar de sentir
muita dor no lugar onde Josy a apertou.
Ainda ignorando Ludmila, Josy partiu rapidamente para o procedimento de
respiração boca a boca e ressuscitação.
Vendo que a coisa era mesmo séria, Beth ignorou Bruna e o seu revolver e
correu para ajudar Josy. Percebendo que Bruna não iria atirar, Cassy e Carly fizeram o
mesmo, e correram para junto da amiga.
Com algumas massagens torácicas e respiração boca a boca, Josy consegue
fazer Mary tossir água e respirar novamente.
Enquanto veem Mary voltar à vida, Beth, Cassy, Carly, Josy, e até Bruna, as duas
“marinas” e Ludmila ficam caladas, esperando.
Mary, sem forças, mas viva, não fala. Ela apenas olha para Josy, que ainda está
em cima dela, pronta para tudo.
— Josy… — diz Mary.
— Fica calma, Mary. Já acabou — diz Josy, passando a mão na cabeça de Mary.
Josy então se levanta.
Bruna, temendo algo inesperado, aponta a arma para Josy.
Josy olha para Bruna.
— Se você pretende atirar, é melhor fazer isso agora, ou eu vou enfiar essa
merda no seu rabo até sair pela sua boca — diz Josy, inundada de ódio.
Bruna, percebendo que Josy não está para brincadeira, abaixa a arma.
Josy olha para Ludmila, que sente um arrepio percorrer seu corpo.
24 – Dia de Pagamento - 6
— O que foi? Eu não tenho medo de você, Josy… — diz Ludmila, terminando a
frase um milésimo de segundo antes de levar um murro no nariz.
Com o baque seco, a cabeça de Ludmila vira-se para trás, e ela toda cai de
costas no chão frio da ponte de ferro, ficando lá mesmo, desacordada.
Como que por instinto, Bruna saca novamente o revolver e o aponta para Josy.
— Não chega perto ou eu atiro! — diz Bruna tentando ser durona, e ao mesmo
tempo morrendo de medo de Josy.
— ATIRA! — grita Josy, definitivamente puta da vida — ATIRA, PORRA!
Bruna fica sem ação, diante da perigosa Josy. Ela olha para Ludmila, mas esta
não pode fazer nada para ajuda-la.
Josy anda na direção de Bruna, que anda para trás para manter a distância.
— Sai de perto, Josy! Eu atiro! — diz Bruna, tremendo de medo, e até
tropeçando nas vigas da ponte — E-eu tou falando a verdade! Eu atiro mesmo!
— VAI, ATIRA, SUA PUTA! VOCÊS SÃO UM BANDO DE PUTINHAS, FILHINHAS DE
PAPAI! — diz Josy, andando de punhos e dentes cerrados para cima de Bruna — EU
VOU ACABAR COM VOCÊS!
— Josy! — grita Beth, temendo que Bruna atire por puro medo — Não faz isso,
Josy! A Mary está bem! Isso é o que importa!
— NÃO! O QUE IMPORTA É EU ARRANCAR TODOS OS DENTES DESSAS PUTAS!
— diz Josy, babando de raiva.
Ao ouvir isso, as duas “marinas” que estavam só para fazer número correm o
mais rápido que podem para longe de Josy, deixando apenas Bruna e Ludmila para
segurar a fera.
— Desgraçada! — diz Bruna, abandonando a cena, e correndo para junto das
outras “marinas” fugitivas.
Ao verem Bruna fugindo e abandonando a própria líder à própria sorte, Beth,
Cassy e Carly urram, gritam, xingam e comemoram.
Josy é a única que não está feliz.
— Que merda foi essa, Beth? — diz Josy, virando-se para a amiga.
— Deixa para lá, Josy. Já acabou — responde Beth, levantando a agora quase
acordada Mary do chão — Vamos para casa.
Cassy e Carly ajudam Beth a carregar Mary. Josy fica olhando para Ludmila,
ainda desacordada, deitada no chão, e com o nariz parecendo mais um chafariz de
sangue.
— E ela? — pergunta Josy.
— Deixa essa puta aí, que daqui a pouco as outras imbecis voltam para ajuda-la
— responde Beth.
Josy então dá de ombros e acompanha as amigas para levar Mary para casa.
25 – O Dia Seguinte - 1
— Ana? Você ainda não acordou? — pergunta a mãe de Ana, batendo na porta
do quarto da filha.
— Eu já vou, mãe! — responde Ana, que já estava acordada há muito tempo.
Ana está sentada na cama, agarrada aos seus joelhos, encolhida, sem coragem para ir
à escola.
— Mas minha filha! Já são quase nove horas! Você ainda nem tomou café, nem
lavou suas roupas, nem estudou… Você está mesmo bem? — pergunta a mãe zelosa.
Ana respira fundo, antes de responder.
— Eu estou mãe… eu só estou um pouco cansada de estudar — mente a filha.
— Eu entendo — diz a mãe. — Eu vou preparar um chá para você, minha filha.
— Tá,… — diz Ana, apenas desejando que a mãe a deixe em paz naquele
momento.
Desde o dia anterior, sempre que fechava os olhos Ana via Josy apertando-a
contra a parede do banheiro, enfiando-lhe a língua goela abaixo, e esfregando as mãos
fortes no seu corpo magro e frágil. Ana até podia sentir as mãos de Josy na pele dela,
procurando seus pontos mais sensíveis, apertando seus peitos até doerem, e descerem
até o meio das suas pernas. Quando pensava nisso, Ana instintivamente passava a mão
na virilha, tentando apagar aquela sensação, ou quem sabe, tentando senti-la de novo,
só para entender o que aconteceu.
Ana olha para o relógio na parede. Quase nove horas. Fazia mais de ano que ela
não acordava tão tarde.
E é só nesse momento que Ana se lembra de algo muito importante.
— O encontro! — diz Ana, quase gritando, e saltando da cama para o meio do
quarto. Ela mesma surpresa de ter esquecido completamente do garoto de quem
gostava.
Ela sabe que o encontro será de noite, mas o que ela não sabe mais é o que
sente em relação a isso. Parece até que o garoto não é mais tão importante quanto era
no dia anterior, antes do ataque de Josy, e de tudo que Ana sentiu antes, durante e
após isso acontecer.
Ana simplesmente não sabe o que sente pelo garoto, e de repente, isso parece
importar muito.
— E agora? O que eu vou fazer? — pergunta-se ela, achando até o fato de se
perguntar algo inacreditável.
Ana senta-se de novo na cama. Ela está confusa demais para sair e enfrentar o
mundo.
26 – O Dia Seguinte - 2
— Ah! Finalmente! — diz a mãe de Ana, vendo a filha sentada diante da mesa
da cozinha, colocando cereais no prato e enchendo-o depois de leite desnatado —
Coma tudo logo, mocinha, e venha me ajudar um pouco, sim?
— Mãe, eu… — Ana sente que deve falar alguma coisa, mas não sabe ainda o
quê, e se cala novamente.
Ana olha para mãe, indo de um lado ao outro do apartamento.
A mãe de Ana, a senhora Angélica, nem parece ser mãe dela. Sendo também
morena, magra e muito bonita, com seus longos cabelos pretos e lisos, quase sempre
soltos, que descem até a bunda, Angélica está mais para irmã mais velha que para
mãe. Tem até quem ache a mãe bem mais bonita que a filha, e não foram raras as
vezes que as confundiram com sendo duas irmãs saindo juntas, fosse para a igreja,
fosse para fazer compras ou ir ao cinema.
— Eu te amo, mãe — diz Ana, assim, do nada.
A mãe de Ana, que carregava um pesado cesto de roupas, percebendo algo
errado na filha, coloca-o no chão e senta ao lado dela.
— O que foi, minha filha?
Ana sente o coração bater forte, quase saindo pela boca.
— Eu,… É que, ontem… — Ana tenta, mas as palavras não saem. Um nó na
garganta as impede de sair.
— Alguma coisa aconteceu na escola? — advinha a mãe.
Ana olha para baixo. É o sinal de que a mãe dela acertou.
— Ana, você sabe que pode contar comigo para tudo, não sabe? — pergunta a
mãe.
— Sim, mãe… eu sei que posso, mas é que… — Ana sabe que não existem
palavras ideais para dizer o que sente, então escolhe apenas dizer o que lhe vem à
cabeça — Ontem uma garota mexeu comigo.
A mãe de Ana faz uma cara de espanto, e depois, confusa, pergunta:
— “Mexeu”?
Ana olha de novo para baixo. Ela respira fundo.
— É o seguinte, mãe. Ontem algumas garotas não foram muito com a minha
cara, e uma delas me cercou no banheiro… e,…
—… Ela abusou de você? — pergunta a mãe, tentando ser o mais impassível
possível.
27 – O Dia Seguinte - 3
— Eu não sei… — responde Ana, sendo sincera. — Eu não sei o que aconteceu,
mãe, e é por isso que eu não consigo dizer! Eu não sei!
Ana abraça a mãe, que também a envolve com seus braços.
Ana não chora, mas também não ri. Ela não fala nada, nem tem vontade de
ouvir nada. Ana apenas se sente vazia, como um saco, sem nada dentro.
— Vamos procurar outra escola, está certo? — diz a mãe, tentando fazer
alguma coisa e se sentir útil.
Ana olha para a mãe.
— Não! Eu não quero ir para outra escola de novo, mãe! — diz Ana.
— Mas minha filha! Você sabe como são essas pessoas! Elas vão pegar no seu
pé! Elas vão fazer você perder outro ano! — diz a mãe, chateada — Eu não posso…
Ana a interrompe.
— Sou eu que não posso mais ficar me mudando de cidade ou de escola toda
vez que alguém decide me perseguir, mãe! Eu não quero ficar fugindo a vida toda, e
você também não devia fugir! — diz Ana.
— Isso não tem nada a ver! O meu caso é diferente, Ana! — diz a mãe de Ana,
levantando-se e pegando o cesto novamente. — Isso não tem nada a ver com o que
aconteceu com você naquela escola!
— Eu sei! Mas eu não quero ser assim! Eu sei que tenho que ser forte e
enfrentar isso em algum momento da vida! — diz Ana — Então eu me decidi: vou volta
à escola hoje mesmo, e enfrentar aquelas garotas. Melhor dizendo, vou confrontá-las,
sendo gentil e amável, como você e o papai me ensinaram.
Ao ouvir Ana falar do pai dela, a mãe suspirou e deixou o cesto de novo no
chão.
— Está bem, filha. Faça o que achar melhor. Afinal, a vida é sua, e você não tem
que ser como eu, ou o seu pai, que sempre fugimos quando as coisas dão errado.
— Eu não disse isso e você sabe — diz Ana, aborrecida — E o papai não fugiu.
Ele morreu, mãe!
— Não, ele fugiu — rebate a mãe. — Quando decidiu trabalhar naquela
plataforma idiota e perigosa, longe de nós, e no meio do oceano, foi isso que ele fez!
Ele fugiu e nos deixou aqui, sozinhas!
Angélica começa a chorar. Ana vai até ela e a abraça.
— Nós não estamos sozinhas, mãe! Eu tenho você, e você me tem! — diz Ana
— E eu nunca vou deixar você. Eu juro!
A dona Angélica faz que sim com a cabeça, e dando uns tapinhas nas costas de
Ana, retoma o duro trabalho de arrumar a casa.
28 – O Dia Seguinte - 4
— Como você está? — pergunta Beth, sentada no chão do terraço da escola Rio
Dourado.
— Ainda viva, graças à Josy — responde Mary, com um band-aid no nariz,
acabando de subir ao terraço, e sentando-se ao lado de Beth. — Tem outro aí?
Beth oferece um cigarro para Mary, e o acende.
Mary dá uma longa tragada e solta a fumaça.
— Cadê todo mundo? — pergunta Mary, olhando para os lados e não vendo
nenhuma das demais garotas satânicas.
— Cassy e Carly tiveram que sair com os pais para ver o avô delas, que está no
hospital. Josy disse que ia dormir até a hora da aula.
— Sério, eu amo aquela garota — diz Mary, puxando outra tragada — Ela
merece ser muito feliz. Espero que encontre alguém que a faça se sentir melhor do
que eu fiz. Você sabe, né? Esse lance de namoro com garotas, nunca dá certo…
— Eu sei como é… — diz Beth, curtindo o silêncio.
As duas ficam olhando o céu e fumando. A manhã mal tinha começado e já
parece que vai acabar.
— O que você vai fazer com as “marinas”? — pergunta Mary.
— Eu não vou mais vender merda nenhuma para elas — responde Beth,
decidida.
— Mas e a Ludmila? — pergunta Mary — Ela disse que te mataria se você não
vendesse para ela.
— Que me mate, eu não quero saber. Eu não tenho medo dela — diz Beth. —
Depois de ontem eu vi isso. Aliás, eu devo isso à Josy.
— É,… — diz Mary — Ela mostrou que as “marinas” são um bando de
merdinhas, que só tem pala… Mas fazer que é bom, elas não conseguem.
— Pois é… — diz Beth — Mas a Josy consegue. Se não fosse eu dizer que você
estava bem, eu acho que ela tinha matado aquelas duas.
— E por que você não deixou ela matar?… — diz Mary, fazendo graça.
As duas riem dos últimos acontecimentos, curtindo as horas que restavam
antes da aula começar.
Mary joga o que restou do cigarro longe e dá uma espreguiçada.
— E a nerda? Ainda tá pensando em juntá-la ao nosso bando? — pergunta
Mary.
— Eu não sei,… — responde Beth — Acho que ela não serve nem para ser nossa
slave.
— É? Então mudou de ideia? — pergunta Mary, surpresa — Pensei que queria
tirar um sarro dela… Ou será que o sarro era com ela?
— Ah, qual é? Aquela magrela? — diz Beth, mostrando-se indignada — Eu não
curto garotas magras. Aliás, eu nem tou nessa mais de garotas, sacou?
— Saquei… — responde Mary, desconfiada.
— Eu tou falando sério! — insiste Beth — Tanto que já esqueci aquela idiota.
Acho que prefiro me divertir pensando no que vamos fazer com as “marinas”, quando
as encontrarmos de novo. Tava pensando que seria uma boa darmos uma grande surra
nelas para firmar o fim do nosso “acordo”. É, é isso que devemos fazer, e não ficarmos
pegando no pé de uma sonsa garota-mangá sem graça…
— Se você diz… — diz Mary, deitando-se no chão do terraço e olhando as
nuvens.
— É isso aí… — diz Beth, dando outra tragada e jogando fora o que sobrou.
— Mas até que estava sendo divertido ler o diário dela… — comenta Mary.
Beth olha para Mary com um olhar indecifrável.
— O que foi? Eu achei divertido, ora! — diz Mary, tentando se justificar.
29 – O Dia Seguinte - 5
— Não é isso, imbecil… — diz Beth, olhando para frente — É que eu me lembrei
que hoje é o dia do encontro da nerda com o amor platônico dela.
— E daí? — pergunta Mary — Você não disse que já desistiu de tirar uma com
ela?
— Eu disse, mas posso desdizer — diz Beth. — Além do mais, até pensarmos no
que vamos fazer com as “marinas”, eu queria fazer alguma coisa para me divertir.
— Então no que está pensando? — pergunta Mary, excitada, voltando a se
sentar.
— Sei lá,… — responde Beth, pensativa — Que tal darmos uma surra nele?
— Que tal pegarmos ele, levarmos ele para a fábrica abandonada e transarmos
com ele na frente dela? Nós podemos pegar um daqueles “dicks” enormes que a sua
mãe usa e enraba-lo enquanto a nerda chora ao ver seu príncipe encantado tomar no
rabo. Uh! Uh! Uh! — diz Mary, fazendo gestos no ar, como se fosse um ator de filme
pornô dando tapas no traseiro de uma atriz, normalmente de quatro.
— Você é pirada — diz Beth, rindo. — E eu não toco naqueles troços dela nem
que me paguem.
— Que pena… Adoraria comer um cara, só para ver a cara de dor dele — diz
Mary, sorrindo.
— E eu adoraria te ver comendo um cara, só para ver a sua cara de
supervadia… — diz Beth, também sorrindo.
As duas ficam rindo à toa por vários minutos, até que esgotam as risadas.
— Eu te amo — diz Beth.
Mary olha para Beth, como que não entendendo o que ela disse.
— Sabe, Mary… Quando te vi nas mãos da Ludmila… — diz Beth, lágrimas
descendo pela face — Eu pensei em tudo que a gente já passou, e como tudo aquilo
poderia acabar daquele jeito idiota. Eu vi que eu nunca me perdoaria, se você
morresse ali.
— Eu sei… — diz Mary, sem saber o que mais dizer.
— Eu te amo, Mary — diz Beth.
Mary coloca a mão na coxa de Beth.
— Eu também te amo, Beth — diz Mary.
30 – O Dia Seguinte - 6
As duas ficam olhando uma para a outra, quando surgem Cassy, Carly e Josy.
— Ei! O que está acontecendo aqui? Vocês vão trepar no terraço? — diz Josy,
sentando no meio das duas de propósito.
— Ah! Vai se fuder, Josy! — diz Beth, rindo.
— Só quem pode fuder você sou eu — diz Josy, falando com Beth, e depois,
voltando-se para Mary — E só quem pode fuder com você sou eu. Então, se querem
fuder, vocês têm que pedir a minha bênção, ou então, nada feito.
— Ah, vai se danar, sua sapatona do caralho! — diz Mary, batendo no ombro
de Josy.
— E eu não tenho que pedir a benção de ninguém para comer alguém! Eu sou a
líder do grupo, esqueceu? — diz Beth, também batendo no ombro de Josy, mas do
outro lado.
Cassy e Carly riem muito, vendo aquilo.
— Ei! Parem com isso! O meu braço ainda dói depois de ontem!
Mary para de bater em Josy e as lágrimas começam a descer.
— Josy… obrigada! — diz Mary, saltando no pescoço de Josy.
— Calma gatinha… calma… — diz Josy, afagando a amiga.
— Aquelas putas vão pagar caro pelo que fizeram a você, Mary… — diz Carly. —
Eu juro.
— É, eu também — diz Cassy.
— Aquelas vadias abandonaram a chefa delas, mas isso nunca aconteceu com a
gente. E sabe por quê? — pergunta Beth — Porque somos melhores que aquelas
merdas.
— É! — diz Cassy e Carly ao mesmo tempo.
As garotas satânicas ficam só olhando para Mary e Josy, encantadas com o
amor que todas elas sentem umas pelas outras.
Até segunda, pessoal. Se puder, eu postarei mais capítulos amanhã ou
domingo. Mas semana que vem com certeza tem mais. Hasta la vista! o/
31 – A Decisão - 1
— Tou indo, mãe! Tchau! — avisa Ana, saindo apressada do apartamento.
depois da conversa que teve com a mãe, Ana se arrumou e ficou como antes, no dia
anterior, usando as mesmas roupas de nerdgirl de sempre: saia plissada azul, que
combina com o uniforme da escola Rio Dourado, e um casaquinho para cobrir a camisa
de manga comprida. Óculos de aro quadrado grande, bolsa e mochila da Hello Kitty e
sapatos iguais aos usados pelas alunas nos animes.
— Ana! Espera! — grita a mãe, a senhora Angélica.
— O que foi? — diz Ana, parando na porta aberta.
A senhora Angélica alcança Ana, que logo percebe a preocupação da mãe.
— Mãe,… vai ficar tudo bem… — Ana trata logo de tentar tranquilizar a mãe.
— Ei sei, querida. Eu sei… — diz a senhora Angélica. — Eu só não quero que
você se machuque. Tenha cuidado com essas meninas, sim?
— Eu vou ter. Aliás, não… Farei melhor: eu as farei minhas amigas! — diz Ana,
convicta.
A senhora Angélica sorri, orgulhosa.
— Essa é a minha filha — e dá um beijo na testa de Ana.
Ana desce as escadas convencida de que poderá desfazer qualquer malentendido entre ela e as garotas satânicas. Mais que isso, Ana está convencida de que
o que as garotas satânicas queriam com ela era apenas serem suas amigas.
Ao descer rapidamente o segundo lance de escada, Ana se lembra de Josy,
agarrando-a no banheiro, e para.
Ana tem um pequeno acesso de medo ao pensar que terá que encarar sua
abusadora, e praticamente estupradora uma hora ou outra, ainda mais se quiser
coexistir com as garotas satânicas.
—… Eu não tenho medo dela… — diz Ana, mais para se convencer do que para
afirmar alguma verdade.
Para esquecer de vez aquelas lembranças, Ana põe seus fones de ouvido e
aperta o “play” do celular para tocar sua última música preferida: Hello Kitty, de Avril
Lavigne.
Cantando a música, Ana continua a descer as escadas, ciente de que esse dia
será bom. Principalmente porque esse é o dia do encontro dela com o seu príncipe
encantado do parque.
32 – A Decisão - 2
Faltando poucos minutos para começar a aula, as garotas satânicas continuam
fumando no terraço da escola Rio Dourado.
— Então vamos mesmo encontrá-lo? — pergunta Carly, sorrindo de excitação.
— Calma,… Eu tou só estudando a possibilidade — responde Beth, também
sorrindo.
— Eu topo comer o cara — diz Josy, soprando a fumaça do cigarro. — Eu já
quase comi aquela gostosinha… Seria massa comer os dois de uma vez.
Com essa declaração, Josy fez todas as garotas satânicas olharem assombradas
para ela.
— O que foi? — pergunta Josy, surpresa.
— Você estuprou a menina? — pergunta Beth, muito séria.
Josy faz uma cara de incrédula, e depois, revoltada.
— Ah, péraí… Agora vai diz que meter a mão por baixo da calcinha é crime? —
diz Josy, fazendo pouco caso.
— Claro que é, sua imbecil! Isso é abuso sexual, para dizer o mínimo! Ela
poderia até te prender, se quisesse! — diz Beth, revoltada — Além disso,… tentar
comer aquela patricinha? Porra, Josy, você baixou o nível tanto assim?
Josy abre a boca, mas não ri. Ela fica mais admirada do que surpresa.
Ao perceber a discussão se aproximando, as demais garotas satânicas não
ousam falar nada.
—… Você tá com ciúme de mim, Beth? — pergunta Josy, agora bem sorridente.
— Eu não tou com ciúmes! Eu estou… Enojada! — justifica-se Beth — Pensei
que você tinha dito uma vez que não pegava uma patricinha nem que ela te pagasse
uma chupada no meio da rua.
— Eu nunca disse uma merda dessas! — diz Josy, indignada.
— É, você disse isso, Josy…— diz Mary, em defesa da amiga.
— É… Foi naquela festa na casa daquela velha drogada, a Bárbara, se
esqueceu? — diz Carly, metendo mais lenha na fogueira.
— Foi sim, você disse — diz Cassy, apoiando a irmã.
Josy fica olhando de uma para uma das suas amigas, e sentindo que não teria
apoio de nenhuma, resolve se desarmar.
— Tá! Eu disse! E daí? — diz Josy, erguendo os braços — Não se pode mais
mudar de ideia por aqui?
As demais garotas satânicas ficam olhando umas para as outras,
aparentemente desapontadas com a amiga.
33 – A Decisão - 3
— E olha aqui, Beth… — Josy aponta para a amiga, de pé, e de braços cruzados,
como que pronta para a briga — Eu já dei em cima de você uma vez, e você disse que o
seu negócio não era garotas, lembra? E agora? O que é isso? Pra que esse papo?
Beth ri.
— Sua imbecil! Eu só tou tentando fazer você ver o tamanho da merda que
você fez! — diz Beth, balançando a cabeça — Você é tão burra que não vê que poderia
ter se fudido muito fazendo isso. E se a nerda quiser ir à polícia?
Ao falar isso, Josy mostra-se realmente preocupada.
—… “Polícia”? — diz Josy, não escondendo a sua preocupação — Acha que ela
vai fazer isso?
— É uma possibilidade — diz Mary.
Josy fica ainda mais preocupada.
— E agora? O que eu faço? — pergunta Josy, com as mãos na cintura, e
olhando para o horizonte, como se perguntando para onde ir.
— Eu não sei se você pode fazer alguma coisa, ainda mais se a nerda já tiver ido
à polícia… — diz Beth, pensando mais seriamente na coisa.
— Beth, pelo amor de Deus! Diz qualquer coisa! — diz Josy, desesperada —
Beth! Eu não quero ser presa! Minha prima foi presa, e eu vi como é! Eu fui lá, visitar
ela com a minha tia! É um pesadelo, Beth! Pior! É o próprio inferno na Terra!
Josy para de falar, sentindo sua garganta doer com o nó de preocupação que
deu nela. As lágrimas desciam pela face dela, antes bonita, mas agora distorcida pelo
terror que queima sua alma.
Carly, Cassy e Mary entreolham-se, ainda mais assombradas, e sem ousar dizer
alguma coisa sobre esse assunto do qual sabem tão pouco. A única coisa que elas
sabem é que se Josy está com medo de alguma coisa, é porque essa coisa é mesmo de
meter medo.
34 – A Decisão - 4
— Eu acho que só tem uma coisa que você pode fazer… — diz Beth, séria.
Josy olha incrédula para Beth.
— Tem ou não tem? — pergunta Josy, quase chorando abertamente — Beth,
pelo amor de Deus! Não brinca comigo!
— Bem… — diz Beth, sombria — Não vai ser nada fácil, e nem um pouco
bonito, se quer saber. E você pode até não ter nem a capacidade ou força para ir
adiante com isso, mas… é a única coisa a fazer.
— Qualquer coisa! — diz Josy, sentindo-se sem saída — Eu faço! Qualquer coisa
,Beth!
Beth olha incrédula para amiga.
— Qualquer coisa? — pergunta Beth, com o olhar inquiridor.
— Sério! Qualquer coisa! — responde Josy, arfando de medo — Eu não tou
brincando! Eu não quero ir para a prisão, Beth! E para não ir eu juro que faço qualquer
coisa mesmo! É só dizer!
— Muito bem,… — Beth se aproxima de Josy — O que você vai ter que fazer é…
35 – A Decisão - 5
As garotas satânicas saem da porta da escada do terraço para o corredor da
escola Rio Dourado. Todas estão muito sérias e preocupadas. Mas nenhuma delas está
mais do que Josy.
As alunas passam de um lado para o outro, entrando nas salas de aula ou
procurando amigas.
As garotas satânicas param de andar e se recostam no parapeito do grande vão
do que vai de um lado ao outro do corredor. Josy apenas fica no meio do corredor,
olhando de um lado para outro.
— Olha… Eu tou meio mal… Eu vou lá no banheiro e já volto… — diz Josy,
parecendo um zumbi.
Cassy e Carly olham para a amiga, que anda a passos lentos, como alguém indo
para o corredor da morte.
Nervosa, Mary esquece a “regra de ouro” de nunca fumar nos corredores para
não chamar atenção da diretora, e puxa um cigarro.
— A Josy vai mesmo ter que fazer isso? — pergunta Mary, dando uma tragada
e olhando incrédula para Beth.
— É triste, mas é o único jeito… — diz Beth, não disfarçando sua própria
preocupação com a amiga — A Josy fez merda, Mary, e agora ela vai ter que tentar
desfazer a merda que fez.
— Mas logo isso? — diz Cassy, indignada — Não tem mesmo outro jeito?
— Prefere mesmo que a Josy seja presa? — pergunta Beth, olhando Cassy com
um olhar fulminante.
— Eu não disse isso… — diz Cassy, recolhendo-se a sua própria insignificância.
— Eu acho melhor ela fazer mesmo isso… — diz Carly — E quanto mais cedo ela
fizer, melhor. Aquela nerda pode ir para a polícia a qualquer momento.
— Isso se ela já não foi — diz Mary, dando outra tragada.
— Vamos rezar que não tenha ido ainda — diz Beth.
Mary olha para Beth. Nunca, em nenhum momento dos anos que conheceu e
andou com ela, Mary tinha ouvido Beth falar em “rezar”.
36 – A Decisão - 6
Ana passa pelo parque Rio Dourado, que fica no caminho da sua casa para a
escola Rio Dourado. Ela relembra da última vez que esteve lá, conversando com o seu
amor platônico.
Ana tira os fones dos ouvidos e para pra admirar o lugar. Naquela hora do dia, o
parque parece ser ainda mais bonito.
— Vai ser hoje! — diz ela, confiante — Hoje eu me declaro para ele!
Ana coloca os fones de ouvido de volta e muda a música para Get Lucky, do
Daft Punk com o rapper Pharrell Williams.
Feliz da vida, Ana anda pelo caminho que corta o bosque de pinheiros do
parque, cantando e balançando a cabeça ao som da música.
Para entrar ainda mais no clima da música, que naquele momento Ana acredita
representar perfeitamente seu estado de espírito, ela fecha os olhos.
Nesse momento, ela bate fortemente de frente com alguém saindo do lado de
fora da trilha.
Ana abre os olhos, assustada.
— Oh, desculpa, eu… — diz Ana, desnorteada.
Ana olha para a pessoa com quem colidiu e se cala. É Ludmila, a líder das
“marinas”, com o uniforme do colégio Marina.
— DESCULPA É O CARALHO, PORRA! — diz ela, abrindo os braços como um
gigantesco urubu azul escuro sobre a presa, propositalmente para assustar Ana.
— AH! — grita Ana, assustada mais com aquela cara cheia de band-aids do que
com o berro revoltado de Ludmila.
— Sai da minha frente, sua merda! — diz Ludmila, que passa direto,
aparentemente apressada.
Completamente surpresa, Ana acompanha Ludmila com o olhar até ela dobrar
a curva da trilha e desaparecer atrás dos pinheiros.
Então Ana ouve mais alguém andando fora da trilha.
Ela se vira e vê um homem de aparência sinistra, de casaco cobrindo até os
joelhos olhando para ela de volta. O rosto do homem cheio de cicatrizes.
— Meu Deus… — diz Ana, que nunca tinha visto um homem tão assustador
antes na vida.
O homem não diz nada para Ana. Ele apenas vira do outro lado e continua
andando para longe da trilha, na direção de um buraco aberto na cerca do parque.
37 – A Decisão - 7
Quando chega à escola, Ana já não está tão confiante nem feliz quanto antes
de esbarrar em Ludmila, no parque Rio Dourado.
A visão daquele homem sinistro também não ajudou para melhorar o astral de
Ana, que já tinha várias dúvidas sobre o que fazer com relação às garotas satânicas.
Ana entra na sala de aula. Está vazia. Ela olha para o relógio. Ainda é muito
cedo. Ana se amaldiçoa por não ter percebido isso antes. Ela poderia ter passado em
alguma loja para comprar uma água tônica, sua bebida preferida, antes de ir para a
escola.
— Fúuuu! — suspira Ana ao se deixar cair na cadeira onde a professora disse
para ela se sentar.
Pensando no que iria fazer até a aula começar, Ana puxa seu diário da mochila
e o abre na última página escrita, onde registrou o encontro que terá com o seu
amado do parque.
Ana balança a cabeça, para espantar os maus pensamentos, e vira a página,
para escrever sobre os últimos acontecimentos.
Mas justamente nessa hora entra Josy, com sua mochila nas costas.
Ana, que mal tem tempo para pensar no que fazer, apenas abre a boca,
assustada. Ela tinha se esquecido de que Josy também era da mesma sala.
Josy, sem esperar por nada, anda direto para Ana, que apenas olha para Josy
com seus olhos bem abertos e atentos.
Josy coloca a mochila na mesa da carteira de Ana, e a abre.
Ela enfia a mão na mochila e dela tira uma água tônica bem gelada.
Josy coloca a lata na frente de Ana.
Então Josy se ajoelha na frente de Ana, e com os joelhos no chão e a cabeça
baixa, ela grita:
— POR FAVOR, ME PERDOA!
Ana, completamente perdida, sentindo que talvez tivesse atravessado algum
portal dimensional para um episódio de além da imaginação, apenas diz:
—… What?
38 – Perdão - 1
— POR FAVOR! — continua Josy — Eu tou arrependida de ter feito o que fiz com
você! Eu não quero ser presa! Eu não fiz aquilo por mal! Eu só fiz aquilo por que
realmente achei você gostosa! Sério!
— Hã?… Eu… O quê? — Ana continua confusa, e sem saber o que dizer.
— Bem, eu não acho que achar alguém gostosa seja errado, mas eu sei que o
que fiz foi errado, porque eu não pedi permissão, e mesmo sabendo que você queria,
eu sei que eu tenho que pedir permissão… — continua Josy, ainda de cabeça baixa e
agora completamente perdida no seu próprio discurso. — Mas é sério! Eu apenas perdi
a cabeça, porque, vamos lá, você vem para a escola de minissaia, com essas pernas e
essa bundinha e não quer que ninguém pense em meter a mão, isso já é pedir demais
dos outros, não acha? Eu espero que não tenha ido à polícia, mas se foi, por favor,
retire a queixa! Eu já visitei a prisão e é o lugar mais horrível que já vi! Além do mais,
eu só segui meus instintos. Eu sou só humana…
Ana leva as mãos à cabeça, tentando relacionar os acontecimentos e as
palavras.
39 – Perdão - 2
— Como assim? Do que você está falando? O que é isso de vir de minissaia
agora permitir abuso e estupro, e que eu queria aquilo? — pergunta Ana, ainda
confusa, mas disposta a entender o que está acontecendo — Você quase me estuprou!
Aliás, você praticamente me estuprou, e agora está pedindo desculpa? E de onde veio
essa água tônica? Como você sabia que eu?… Ah! Eu não estou entendendo mais
nada…
Ana sente a sua cabeça doer.
Josy, percebendo que Ana parou de falar, olha para ela.
— Você tá bem? — pergunta Josy, demonstrando um pouco de compaixão.
Ana continua calada. Porém, Josy vê lágrimas descendo pela face de Ana.
Josy desfaz a posição de arrependida e se levanta.
— Ei… O que foi? Eu não fiz nada! Por que você está… — diz Josy, confusa.
— Mas afinal,… o que… foi que eu fiz?… — diz Ana, fungando.
Josy morde os lábios, sentindo-se impotente, tanto para se ajudar em conseguir
o perdão, como para ajudar Ana.
Então Josy pensa na única coisa que é boa em fazer.
— Olha, se alguém te machucou… — Josy se dá conta de que ela se encaixa
nesse grupo — Ou melhor, se alguém além de mim te machucou, pode ficar tranquila
que eu acabo com a raça dele! Seja lá quem for!
Ana, sentindo que está no meio do picadeiro de algum circo de horrores, olha
para Josy, que parece muito séria na sua decisão.
—… Pelo menos você admite que me machucou — diz Ana.
40 – Perdão - 3
—… Mas então,… — diz Josy, esperançosa —… Você me perdoa?
Ana se ajeita na cadeira. Ela balança a cabeça algumas vezes, como que para se
situar novamente, e olha para a lata de água tônica. Ana está definitivamente
morrendo de sede.
Num gesto impensado, Ana pega a lata e em um segundo a abre e toma um
gole tão longo que quase esgota a lata de uma vez. Então Ana bate com a lata na mesa
e limpa o líquido que escorre pela boca.
Josy fica sem entender o que está acontecendo, e ciente da sua culpa, prefere
não dizer nada.
Ana pensa no que disse hoje à sua mãe, sobre fazer das garotas satânicas suas
amigas.
— Está bem… — diz Ana, falando devagar. — Eu te perdoo, mas,…
— AÊ! — grita Josy, comemorando — Bem que Beth disse! Esse negócio de
pedir perdão funciona mesmo!
Ana, sem saber do que Josy está falando, a interrompe.
— Ei! Eu ainda não terminei de falar — diz Ana. — Eu te perdoo, mas com uma
condição.
Josy, vendo que sua condição ainda não está totalmente definida como
perdoada, volta a se ajoelhar.
— O que você quiser, eu faço!
— OK,… vamos ver — diz Ana, decidida, tomando mais um gole da água tônica.
41 – A 6ª garota satânica - 1
— Será que deu certo? — pergunta Carly, impaciente, esperando com Cassy,
Mary e Beth no corredor do prédio direito da escola, para não atrapalhar.
— Tudo depende da Josy — responde Beth, desconfiada. — Se ela não fez
merda, talvez a nerda, sendo toda educadinha, tenha perdoado ela. Mas sendo a Josy
como é, acho isso difícil…
— Não diz isso, Beth! — diz Cassy, preocupada — A Josy não pode ser presa! O
que vai ser da gente se as “marinas” aparecerem para se vingar por causa de ontem?
Beth, que ainda não tinha pensado nessa possibilidade, não diz nada, mas fica
visível sua preocupação.
— A Cassy está certa — diz Mary. — A gente não pode perder a Josy. Se isso
acontecer, é melhor a gente deixar a cidade, ou estaremos todas mortas.
Carly, Cassy e Beth olham para Mary.
— Você acha mesmo que elas podem querer matar a gente? — pergunta Carly,
que aparentemente nunca tinha pensado nessa possibilidade.
Mary dá outra tragada no seu cigarro fora da lei.
— Com aquelas ali não se brinca — diz ela. — Uma vez que a Bruna não atirou,
mesmo tendo a vida em perigo, isso quer dizer que, ou aquele revolver é de mentira,
ou a Bruna é uma covarde, o que sabemos que ela não é. O fato, porém, é que a Bruna
abandonou a Ludmila. Então, eu não ficaria nada surpresa se a Ludmila já não tivesse
comprado uma arma para cuidar da gente ela mesma. Contatos para isso ela tem.
Ouvindo isso, as outras garotas satânicas se calam. Elas sequer querem pensar
na possibilidade de Mary estar certa.
42 – A 6ª garota satânica - 2
— Olha! — diz Cassy, apontando para o final do corredor.
Josy aparece, aparentemente feliz.
Beth, Mary, Cassy e Carly abrem um sorriso, mas logo o fecham, quando veem
surgir Ana, logo atrás de Josy.
— Droga… — diz Mary, que não vai com a cara da garota.
— Deu tudo certo, Beth! — diz Josy, toda feliz — Foi como você disse! Ela me
perdoo, e não foi na polícia!
— Tá, tá, Josy… — diz Beth, percebendo que o problema não estava nisso, e sim
em Ana ter vindo com ela. Era óbvio que Ana queria conversar, e sobre o que seria,
Beth não sabia. E não saber das coisas a irrita muito.
— Olá! — diz Ana, toda simpática, acenando para todas.
— Nós estamos bem aqui, não precisa acenar — diz Beth, séria.
— Eu só vim aqui para firmar o nosso acordo — diz Ana, ainda sorridente.
Beth, Mary, Carly e Cassy se entreolham, surpresas.
—… “Acordo”? — diz Beth, confusa e muito desconfiada de que não vai gostar
do que vai ouvir.
— Sim, acordo — confirma Ana. — Já que vocês sabem muito bem o que
fizeram comigo, e que eu poderia até ter ido à polícia e colocado vocês em algum
reformatório, mas eu não fiz isso, pelo menos acho que devem alguma coisa, certo? E
essa coisa é fazermos um acordo.
Beth, Mary, Carly e Cassy novamente se entreolham, desconfiadas. Josy, no
entanto, parece mais preocupada com a reação das amigas que com o que Ana tem a
falar.
— Vocês vão gostar! — diz Josy, esperançosa — É sério! É um acordo bem
legal!
Beth olha para a cara de Ana, que parece bem convencida de si.
—… Então desembucha — diz Beth, nada amigável.
43 – A 6ª garota satânica - 3
— Eu quero ser uma de vocês — diz Ana.
Novamente, Beth, Mary, Carly e Cassy se entreolham, mas dessa vez, por
incredulidade mútua.
— Eu não disse que seria legal? — diz Josy, excitada.
— Você quer ser uma de nós? — diz Mary, incrédula.
— Isso mesmo — confirma Ana. — O que me dizem?
— Para começar, por que você quer ser uma de nós, se nós não fazemos o seu
tipo? — pergunta Beth. — Quero dizer, você é uma dondoca, filhinha de papai, que
veste roupas caras e usa mochila da Hello Kitty, cabelo alisado,…
— É natural — corrige Ana.
— Que seja! — diz Beth, irritada — E não tem nada a ver com a gente.
Resumindo, você é de um mundo todo colorido, enquanto nós somos do mundo real,
o mundo cinza! O que alguém como você poderia querer com garotas como nós?
Ana respira fundo, antes de falar.
—… Talvez,… Tudo? — responde Ana.
A mesma cena das garotas satânicas se entreolhando se repete.
Ana continua sua explicação.
—… Desde pequena, as pessoas me tratam como se eu fosse algo frágil, como
um copo de cristal. As pessoas me veem como se eu fosse delicada e tentam me
proteger do lado ruim da vida. Antes de ter que fugir até aqui, por causa do namorado,
minha mãe só me colocava em colégios pagos. Ela sempre tentou controlar com quem
eu fazia amizades, e sempre me deixava longe das garotas que considerava
“encrenca”…
— Tá, corta o poema e vai direto ao assunto — diz Beth, impaciente.
— Ok,… O fato é que…
44 – A 6ª garota satânica - 4
—… Que?… — Beth espera a resposta.
—… Que eu já tenho dezessete anos e ainda sou virgem — responde Ana.
— Eu sabia! — diz Josy, quase gritando, como se tivesse acertado a uma
pergunta de um show de televisão.
Beth olha para Mary, que balança a cabeça, enquanto Cassy e Carly riem.
— É, eu sei,… — diz Ana, sentindo-se mais frustrada que constrangida em
contar isso —… E hoje eu vou encontrar um garoto que gosto, e nem sei como me
comportar perto dele, porque, até hoje eu nunca tive um namorado.
— Tá maus, hein? — diz Carly, que não se segura.
— Muito maus… — diz Cassy, também não se segurando.
— Tá,… E aí? — diz Beth, cortando os comentários — O que você quer então?
Que a gente tire a tua virgindade?
— Ei! Se for o caso, eu estou aqui! — diz Josy, apontando para si mesma.
Cansada, Ana olha para Josy e põe a mão na cabeça.
— Péra,… No que isso tudo tem a ver com ser uma de nós? — diz Mary,
parecendo ter outra visão da coisa.
— Bem,… — começa Ana — Eu apenas achei que já que eu sei de coisas que
vocês não sabem e vocês sabem de coisas que eu não sei, nós podíamos ajudar umas
às outras.
— Hã? O que você disse? — diz Beth, confusa e irritada — Você disse que sabe
de coisas que nós não sabemos? Tá falando de quê? Dos nomes das garotas de Sailor
Moon? Qual o nome do último filme de Pokémon? O que você sabe que nós não
sabemos que valha a pena saber?
45 – A 6ª garota satânica - 5
—… Que tal… — Ana finge pensar com dificuldade —… Tudo sobre todas as
matérias escolares?
Beth e as demais garotas satânicas, menos Josy, abrem a boca de tão pasmas
que ficam ao ouvir aquilo.
— Há! — grita Josy, excitada — Ela te pegou Beth! Realmente, a gente não sabe
nada disso, não é?
— Cala a boca, Josy! — diz Mary, irritada.
— Você deve ser mesmo muito idiota de pensar que só porque não somos
como você, nós temos que ser burras — diz Beth, indignada. — Como você acha que
chegamos aqui? Pagando aos professores? Chantageando-os, ou talvez os
ameaçando?
— Não, mas tenho certeza de que a época de provas deve ser a maior barra
para vocês, não é? — diz Ana convicta. — Além do mais, eu não disse que vocês não
sabem nada das matérias. Eu só disse que eu sei mais. E convenhamos, nisso eu estou
certa. Eu não passo quatro horas por dia estudando para nada.
— Você passa quatro horas por dia estudando? — pergunta Cassy, incrédula.
Beth olha para Cassy com um olhar que se fosse um raio laser a teria matado na
hora.
— Deixa ver se eu entendi… — diz Mary, pensativa — Você está nos
oferecendo seus serviços de nerda para nos ajudar a passar nas provas em troca de te
ajudarmos a transar com o garoto do seu encontro?
— Não exatamente… — corrige Ana — Eu quero que vocês me considerem uma
de vocês. Eu quero que todas na escola saibam que eu sou uma de vocês. Mas não só
isso. Eu quero sair com vocês e fazer as coisas que vocês fazem.
46 – A 6ª garota satânica - 6
— E tudo isso para quê? — pergunta Beth.
— Para mostrar a mim mesma que eu posso ser quem eu quiser ser, e fazer o
que eu quiser fazer, independente do que os outros esperam que eu seja ou faça —
responde Ana.
— Mas por que nós? — pergunta Mary.
— Por que eu consigo tudo que eu quero — responde Ana. — E vocês sabem:
se não puderem me ajudar nisso, eu ainda posso contar à polícia o que me fizeram.
Lembrando que existem ao menos duas testemunhas do que me aconteceu no
banheiro.
— Droga… — diz Josy, voltando a se preocupar — Você tem que me ajudar
nisso, Beth! Por favor! Eu não quero ser presa!
Beth olha para as garotas satânicas.
— O que vocês acham disso? — pergunta ela.
Mary, Carly e Cassy entreolham-se novamente.
— Se é para ajudar a Josy, eu concordo — diz Cassy.
— Eu também — diz Carly.
Mary, no entanto, não diz nada.
— E você, Mary? — pergunta Beth.
— Eu concordo, se… — diz Mary, decidida —… ela realmente se tornar uma de
nós.
— Ah… — diz Beth, parecendo ter se lembrado de alguma coisa — Tem razão.
Para ser uma de nós, você terá que se tornar uma de nós, tanto de corpo, como de
alma.
— Quê? — diz Ana, confusa — Como assim? Do que vocês estão falando? De
algum tipo de “batismo”?
47 – A 6ª garota satânica - 7
— Mais ou menos… — responde Beth, sorridente — Na hora certa você vai
saber.
A sirene da escola toca, indicando o início de primeira aula do turno da tarde.
— Droga, tenho que ir para a classe — diz Ana, preocupada.
— Nada disso — diz Beth, segurando-a pela mão. — O que você tem a fazer
agora é ir conosco para um lugar.
Ana olha preocupada para Beth. Mas depois de pensar um pouco, dá de
ombros.
— Posso pegar a minha mochila, pelo menos? — pergunta Ana.
— A gente te espera no terraço — diz Beth. — Não se atrase.
Ana sorri e corre para a classe. Enquanto isso, Beth e Mary andam na direção
da porta das escadas do terraço. As demais garotas satânicas olham umas para as
outras, preocupadas, e as seguem de perto. Josy, a mais preocupada das cinco, vai
atrás.
— O que você acha? — pergunta Mary, puxando outro cigarro.
— Acho que essa idiota caiu do céu — responde Beth, tirando um cigarro do
maço de Mary.
— Como assim? — pergunta Mary, acendendo seu cigarro e depois o de Beth.
— Simples: nós a colocamos para vender a histamina da Ludmila que ainda
temos em estoque, e ficamos com a grana para nós. E quando Ludmila vier nos cobrar,
mandamos a nerda para falar com ela, como parte do seu “batismo” — diz Beth,
dando uma tragada. — Aí, se alguma coisa acontecer, vai sobrar para a nerda, e não
para nós.
— Tá, mas e se a Ludmila matar a garota? — pergunta Mary, dando uma longa
tragada.
— Se a Ludmila matar a nerda, será pior pra Ludmila, que irá presa por
homicídio, e melhor para nós, que nos livraremos dela. E por outro lado, se a polícia
aparecer para falar conosco, só precisamos dizer que a nerda e Ludmila trabalhavam
juntas, sem a ajuda de ninguém.
— An,… Saquei — diz Mary, soprando a fumaça.
48 – A 6ª garota satânica - 8
Enquanto isso, no pátio do colégio Marina duas amigas estão em discussão
sobre o que uma delas quer fazer.
— Você tá louca, Lu? Você não pode fazer isso! — diz Bruna, preocupada.
— Eu já comprei o troço… Tu acha mesmo que eu não vou usar, agora que já fui
tão longe? — diz Ludmila, também preocupada, com as mãos nos bolsos — Agora eu
vou até o fim!
As duas garotas discutem no pátio vazio do colégio Marina, o colégio mais caro
da cidade de Rio Dourado, enquanto que dentro as aulas já começaram.
— Lu, uma coisa é usar uma arma de brinquedo, e outra coisa, muito diferente
é usar uma arma de verdade! — insiste Bruna — Você pode até se matar!
— Eu sei atirar, idiota! Eu aprendi com o meu pai! Ele é policial, esqueceu? —
diz Ludmila, quase gritando.
— Lu, você vai ser presa! Você vai apodrecer na cadeia! — diz Bruna, ainda
mais preocupada — Eu não vou deixar você fazer isso! Me dá a arma!
Bruna puxa Ludmila pela mochila, mas Ludmila resiste.
— Você tá maluca? Me larga! — grita Ludmila, puxando a mochila de volta.
— Eu não vou deixar você fazer isso, Lu! ME DÁ A PORRA DA ARMA!
— NÃO! — grita Ludmila, empurrando a amiga, que cai de costas no jardim do
pátio.
Uma professora que passava entre os prédios do colégio vê a briga, e anda na
direção das duas.
— Ei! O que está acontecendo aqui? — pergunta a professora.
— Merda! — grita Ludmila, que aproveita que Bruna está no chão para fugir.
— Lu! LU! — grita Bruna, em vão.
— Senhorita Bruna, o que foi isso afinal? — pergunta a professora, confusa.
Bruna, olhando para Ludmila fugindo para o portão de entrada, pensa em falar,
mas sabe que ela também teria muito a perder, e se cala.
49 – A 6ª garota satânica - 9
— Ok,… Aqui estou eu, faltando aula pela primeira vez na minha vida… — diz
Ana, se apresentando — E agora, o que acontece?
Beth, Carly, Cassy, Mary e Josy, todas as garotas satânicas, esperavam sentadas
no chão, recostadas na enorme caixa d’água retangular, a nerdgirl chegar ao terraço da
escola Rio Dourado.
— O que acontece? — diz Beth, irônica — Acontece que agora você vai ter que
provar que pode ser uma de nós. Só isso.
— E como faço isso? — pergunta Ana, entre excitada e preocupada.
— Entrega isso aqui na sala 8B, para uma garota chamada Cláudia — diz Mary,
jogando um pequeno pacote de papel embrulhado nas mãos de Ana. — E vê se faz isso
sem mais ninguém perceber, e o principal: sem perguntas.
Ana olha para o pacote altissimamente suspeito.
— O que é isso? Drogas? — pergunta ela, claramente preocupada.
Mary balança a cabeça, decepcionada.
— Só pode ser brincadeira… — diz Beth, que ri, sarcástica.
— O que foi? Eu só queria saber… — diz Ana, parecendo perdida.
— Porra, um segundo e você já faz duas perguntas? — diz Carly — Sei não,
Beth, mas acho que essa aí não serve para ser uma de nós…
— Também acho — diz Cassy, a irmã gêmea de Carly.
— Ah, dá mais uma chance pra menina… — diz Josy — Ela só tá começando.
Todas nós fomos assim no começo, não fomos?
— Cala a boca, Josy — diz Beth, irritada — Você só tá defendendo ela porque
quer comê-la.
— Olha, sabe o que é, é que eu não curto esse lance de drogas… — diz Ana,
jogando o pacote de volta para Mary.
Mary balança a cabeça de novo.
— Sua filhinha de papai estúpida… Isso aqui não são drogas! — diz Mary, se
levantando para mostrar o interior do pacote para Ana — Olhaqui!
50 – A 6ª garota satânica - 10
Ana olha para o pacote e vê um monte de jujubas coloridas.
—… Jujubas? — diz Ana, sem graça.
— O que você pensava que era? Cocaína? — diz Beth, novamente sarcástica —
Deixa de ser idiota, garota! A gente não quer ser presa não! Isso dá cadeia!
— É! — concordam Carly, Cassy e Josy.
— Olha, Beth, eu não sei não… — diz Mary, saindo de perto de Ana — Essa
garota não tá me passando confiança. Acho que ela não consegue.
Ana olha indignada para Mary.
— Como assim? Tá dizendo que eu não consigo entregar um pacote de jujubas?
— pergunta Ana, sentindo-se desafiada — É claro que eu consigo! Me dá isso aqui!
Ana sai apressada para a porta da escadaria que vai do terraço para o andar de
baixo.
— Vê se não se deixa ver fazendo isso, ou você não será uma de nós! — grita
Carly.
— É! E vê se faz isso rápido! Não podemos ficar o dia todo te testando! Temos
mais o que fazer! — grita Cassy.
— Eu volto em cinco minutos! — diz Ana, antes de bater a porta.
Beth, Mary, Carly, Cassy e Josy se entreolham.
— Sério que ela caiu assim, tão fácil? — pergunta Mary, incrédula.
— Eu disse para vocês que essas patricinhas são tudo umas molóides, sem nada
na cabeça! — diz Beth, confiante — Isso é o que dá ficar assistindo anime o dia todo.
Você vira uma idiota que pensa que o mundo é perfeito.
— Tem razão… — diz Josy, preocupada — Eu pensei que ela ia descobrir fácil
que aquilo era a nossa “histamina”. Pobre Ana… Tomara que não peguem ela.
Bem pessoal, esses foram os capítulos postados de hoje. Amanhã tem mais!
Obrigado a quem comentou e aos que não comentaram, mas que acompanham
fielmente também! Até os próximos! o/
51 – A 6ª garota satânica - 11
— Sala 8B,… sala 8B,… Aqui! — Ana encontra a sala depois de procurar por dois
andares do prédio do lado esquerdo da escola Rio Dourado.
Ana abre a porta. A aula de matemática já tinha começado e todos os alunos e
alunas estão escrevendo o que a rígida professora Vanessa coloca no quadro negro.
— E agora? — diz Ana, preocupada com a professora.
—… Não se esqueçam de que os algoritmos são a base da programação, e que,
se vocês desejam entrar no ramo de tecnologia da informação, principalmente como
programadoras, que é muito requisitado hoje, é essencial saber tudo sobre isso… — a
Professora Vanessa dá sua aula, falando como um general nazista, sempre com o nariz
e o queixo empinado, e sua postura retíssima.
E enquanto dá aula, a professora tem a mania de andar de um lado a outro da
sala, indo até o final e depois voltando. E é justamente aí que ela vê Ana esperando na
porta aberta.
— Deseja alguma coisa, mocinha? — pergunta a Professora Vanessa, dando um
susto na distraída Ana, que procurava entre as alunas aquela que se parecesse com
alguém chamada “Cláudia”.
— Ah, eu… Não, eu só… — Ana fica sem fala, diante da rigidez da Professora
Vanessa.
— Se você veio falar alguma coisa com alguém dessa classe, é melhor esperar
minha aula terminar. Eu não tolero ser interrompida — diz a professora.
— Er,… — Ana sente que se não fizer logo alguma coisa, e for obrigada a
esperar vinte minutos, será reprovada pelas garotas satânicas. — É que eu tenho uma
mensagem para Cláudia.
— “Mensagem”? — pergunta a professora, desconfiada.
No fundo da sala de aula, uma garota de cabelos esverdeados abaixa a cabeça e
a balança, incrédula.
52 – A 6ª garota satânica - 12
— É,… — diz Ana, nervosa, mas segurando a cara dura, para não transparecer
— É da mãe dela, que é minha vizinha. É sobre a tia dela, que está muito doente.
— Doente? Oh,… — diz a Professora Vanessa, impressionada — Tudo bem,…
Cláudia! Pode sair um minuto. Se quiser ir para algum lugar apenas me diga antes que
eu não lhe darei falta.
— Obrigada, professora… — diz Cláudia, levantando-se com sua mochila, para
completar a encenação começada por Ana.
Cláudia vai até Ana, que a espera longe da porta da sala de aula.
— Que merda é essa de “tia doente”? — pergunta Cláudia, impaciente.
— As garotas satânicas me mandaram entregar isso… — responde Ana, tirando
o pacote do bolso da mochila e entregando para Cláudia.
Cláudia olha para o pacote, e o abre. Ela sorri.
— Ah,… Sei… As minhas jujubas… — diz Cláudia. — Valeu. Toma aqui…
Cláudia tira do bolso da calça jeans preta que usa uma nota de vinte reais.
— Hã? Troca uma de vinte? Acho que eu não tenho troco… — diz Ana,
sentindo-se perdida, procurando sua carteira na mochila — Elas deviam ter me dito
que compraram isso para você lá na cantina…
— Compraram pra mim na cantina? Como assim? Eu que tou comprando delas
— diz Cláudia, confusa — Afinal, você é uma das garotas satânicas, não é? Então, o
que eu sei é que é vinte por pacote. E taí. Agora eu tenho que entrar. Manda um
abraço lá para a Mary, minha chapa.
Ana olha para Cláudia.
— Tá… Eu mando… — diz Ana, sentindo-se já dentro do grupo.
53 – A 6ª garota satânica - 13
— Eu… fiz… — diz Ana, chegando exasperada, quase sem conseguir respirar —
Entreguei o… pacote… Pra Cláudia…
Beth e Mary balançam a cabeça, sorrindo, enquanto Carly, Cassy e Josy se
acabam de rir.
— É,… Essa fase você passou… — diz Beth. — Embora que tenha demorado
“apenas” meia hora para fazer algo tão simples quanto entregar um pacote de jujubas.
Acho que é um recorde.
Carly e Cassy riem. Josy balança a cabeça, decepcionada.
— O que eu faço agora? — pergunta Ana, sentindo-se pronta para outra.
Mary olha para Beth.
— A menina quer serviço, Beth… — diz Mary.
— Tá, eu já entendi… — diz Beth. — Vamos passar para outro nível agora. Tá
preparada?
— Sim! — responde Ana, excitada — Desde que não seja matar ninguém,
claro… — diz ela, tentando brincar, mas logo mudando de ideia quando vê que
ninguém riu — Brincadeirinha…
— Escuta aqui, garota… — diz Mary, muito séria — Ou você leva isso a sério, ou
está fora. Sacou?
Ana se sente intimidada com o jeito extremamente hostil de Mary.
— Relaxa um pouco, Mary,… — sussurra Josy, preocupada, no ouvido de Mary
— Lembra que ela sempre pode ir à polícia por causa daquele lance meu… Então não
me ferra!
— Relaxa você! — diz Mary, irritada — Eu não posso deixar essa merdinha nos
fazer de palhaças, Josy! É como a Beth sempre diz: mão firme, trabalho firme!
— Tá, mas vê se manera um pouco nessa sua mão firme aí… — insiste Josy,
ainda sussurrando. — Vê se deixa ela mais macia… Só hoje…
Mary balança a cabeça e vira os olhos para cima, cansada, e depois retoma a
conversa com a Ana.
— Apenas vê se não brinca com isso, ok? — diz Mary, mais “macia”.
— Muito bem,… — diz Beth, retomando o rumo da reunião — Se próximo
trabalho é…
54 – A 6ª garota satânica - 14
— Quê? Ir até o colégio Marina? Mas ele fica do outro lado da cidade! —
protesta Ana.
— Que do outro lado o quê! Fica só a uns novecentos metros daqui, sua
exagerada! — diz Mary, irritada. — Essas garotinhas mimadas são mesmo muito
molengas! — resmunga Mary.
— Tá, eu já entendi… — diz Ana, pensando ter captado algo no ar — Agora é
um teste de resistência, não é? Eu vou.
Beth olha para Mary, que continua irritada.
— O que é para entregar agora? Mais jujubas? — pergunta Ana.
— Não… — responde Beth calmamente — O que você vai entregar agora é o
nosso recado.
Mary se levanta de novo e tira papel dobrado do bolso da calça.
— E para ter certeza de que você não vai esquecer, nem se perder, nós fizemos
o favor de escrever o endereço e o nome da garota no lado de fora do papel — Mary
dá o papel para Ana. — Mas veja bem!…
Ana quase toma um susto com aquela maneira de falar de Mary.
Mary continua seu aviso.
—… Você não pode ver o que está escrito aí dentro — diz ela. — Se você ler o
que está escrito aí, eu juro que você não vai entrar para o nosso grupo, nem mesmo se
você for à polícia, entendeu?
Ana olha para o papel dobrado, pensando em qual seria a importância daquilo.
— Tá,… Eu acho que posso fazer isso… — diz Ana — Depois disso eu já posso
me considerar uma garota satânica ou vai ter outros testes? Sabe o que é, é que eu
vou ter um encontro mais tarde e…
— Relaxa — diz Beth, sorrindo simpática. — É só fazer isso que você já poderá
se dizer uma de nós. Mas com o tempo é que você vai mesmo saber o que é ser uma
de nós. Capitche?
55 – A 6ª garota satânica - 15
— Capitche! — responde Ana, excitada — Você é quem manda, chefa. Já vou
indo.
Ana corre para a porta do terraço, deixando Beth e as demais garotas satânicas
para trás.
Mary suspira, sentindo-se cansada.
— É agora… não é? A “nova era”?… — pergunta Mary.
— É… — responde Beth, insegura — É a nova era… Para nós todas! Agora nós
mesmas que compramos os estimulantes, graças a uma amiga minha cuja mãe passou
a trabalhar numa grande farmácia. Nunca mais dependeremos de alguma “Ludmila”
para nos fornecer.
Josy se levanta.
— Por falar nisso,… E a Ana? — pergunta Josy, preocupada — O que a Ludmila
vai fazer com ela, quando ler aquele bilhete da gente?
— Isso é com ela e com a Ludmila… — responde Beth, puxando um cigarro do
maço que retirou do bolso da calça — Se a Lu for com a cara dela, quem sabe ela
sobreviva ao seu acesso de raiva…
Josy olha de novo para a porta.
— Mas e se a Ludmila pirar quando vir que nós abandonamos o seu esquema?
Ela não pode machucar a Ana? — pergunta Josy, ainda mais preocupada — Acho que
eu devia ir atrás dela, só por precaução…
— Para com isso, Josy! — diz Mary, aborrecida — Essa garota não vai dar para
você, só porque você se preocupa com ela! Deixa de forçar a barra! Foi por sua causa
que nos metemos nessa, e por sua causa que ela está nessa também! Agora, se você
não quer ver ela metida em mais problemas, e nós também, claro, acho melhor você
ficar aqui mesmo, esperando ver o que acontece.
Ouvindo a sábia Mary falar, Josy sente que ela tem razão e se senta junto com
as outras garotas satânicas.
— Agora está tudo nas mãos da nossa sexta garota satânica — conclui Beth,
dando uma baforada para cima.
56 – O recado - 1
— É aqui… — diz Ana, de frente para o colégio Marina — É, realmente não era
muito longe…
Ana não tem problema em passar pela portaria quando, improvisando, diz que
veio para dar um recado da mãe de Ludmila.
— Agora como eu encontro essa tal de Ludmila?…
Ana anda meio perdida pelos longos corredores do colégio Marina, quando
cruza com Bruna, que imediatamente reconhece o uniforme da escola Rio Dourado.
— Quem é você? — pergunta Bruna, curiosa.
— Você é Ludmila? — pergunta Ana, crente que a tal garota já a estaria
esperando, e que, portanto, só poderia ser aquela.
Ao ouvir aquele nome sagrado, Bruna deduz que Ana foi enviada pelas garotas
satânicas. Bruna teme o pior.
Bruna agarra Ana pelo braço e a arrasta até uma sala vazia próxima. Bruna solta
Ana e fecha a porta por dentro.
— Ei! Mas o que foi isso? — diz Ana, zangada com mais aquela violência — Será
que tudo que é garota que eu tenho contato nessa cidade tem que me tratar assim?
— O que a Ludmila fez? — pergunta Bruna, preocupada — RESPONDE!
— Quê? “O que a Ludmila fez”? — diz Ana, confusa — Então você não é a
Ludmila?
Bruna se aproxima de Ana e a agarra pelos braços.
— Anda, porra! Me diz o que a Lu fez! — diz Bruna, quase gritando.
— E-eu não sei de nada que ela fez! — responde Ana, agora temendo pela
própria segurança.
— Então quem é você? — pergunta Bruna — E por que está atrás de Ludmila?
— Eu… — Ana se esforça para mexer o braço e tirar o papel dobrado do bolso
—… Eu só vim entregar isso para ela… É das garotas satânicas…
Bruna pega o papel e solta Ana, que esfrega seus braços doloridos.
Ao abrir o papel, Bruna vê:
“Querida Lu, pode enfiar sua histamina no cú. Agora a gente se vira sem você.
Então sua puta, cê sabe: vai se fuder. Fica o rap aqui pra você. Beijos seus da sua
boca melada na minha buceta caramelada. Beth.”
— Essa não! — diz Bruna, nervosa.
57 – O recado - 2
— O que foi? — pergunta Ana, instintivamente — Er,… Desculpa, eu não tenho
nada a ver com o que está aí,…
— Depressa! — diz Bruna, novamente agarrando Ana — Me diz onde estão as
garotas satânicas!
— Ora, na escola… — responde Ana, sentindo medo do olhar de Bruna — Mas
o que foi?
— Me leva até elas! Agora! — diz Bruna, puxando novamente Ana pelo braço.
— Ei! Me larga! — protesta inutilmente Ana, que se deixa levar pela força bem
superior de Bruna.
Minutos depois, as garotas satânicas ainda esperam Ana voltar do colégio
Marina.
— A essa altura a Ludmila tá espumando de raiva,… — diz Beth, sorrindo e
expelindo mais fumaça pelo nariz — Aquela vaca filha da pu…
Beth é interrompida pelo barulho da porta de metal que dá acesso ao terraço.
Alguém a abriu com tanta força que ela se chocou com a parede da caixa d’água.
— BETH! — grita Ludmila, entrando no terraço armada com um revolver.
Beth, Mary, Cassy, Carly e Josy se levantam com o susto.
— LUDMILA? — diz Beth, surpresa.
— Agora vamos ver quem manda aqui, Beth… — diz Ludmila, apontando a arma
para Beth.
— Que porra é essa, Ludmila? — diz Mary, nervosa, ao ver a amiga na mira da
rival — Abaixa isso!
— Puta que pariu! — diz Josy, também nervosa, sentindo-se impotente diante
da fúria de Ludmila. Josy sabe que Ludmila é bem diferente de Bruna. Ao contrário da
capanga, quando se trata de fazer alguma coisa que não deve, Ludmila não pensa
muito antes.
— É, abaixa isso, Lu! Vamos conversar! A gente pode resolver esse lance da
histamina numa… — diz Beth, sendo interrompida pelo disparo da arma.
— NÃO! — grita Mary, aterrorizada.
58 – O recado - 3
— Mas que merda?… — diz Beth, abaixada, com as mãos cobrindo a cabeça.
Ludmila, sorridente, continua apontando a arma para Beth.
— Está vendo, Beth?… — diz Ludmila, com um olhar que chega a brilhar de tão
fulminante — Ao contrário de Bruna, eu tenho uma arma de verdade, e coragem para
usá-la.
As garotas satânicas, assustadas, olham para o outro lado, e veem o outdoor
do prédio vizinho à escola com um furo bem no olho do macaquinho Ioga, que é a
mascote de uma propaganda de macacões para ginástica.
— Tou vendo… — diz Beth, erguendo-se para encarar a inimiga — Agora você
se sente a foda, não é?
— É,… E você é a minha escrava, Beth — responde Ludmila, ainda com o
mesmo olhar — E quando eu disser para você dar a bunda para me dar a minha grana,
você vai fazer o quê?
Beth fica calada, apenas encarando Ludmila.
— Eu perguntei… Você vai fazer o que, Beth? — Ludmila levanta o cão do
revolver, pronta para atirar de novo.
Beth começa a andar na direção de Ludmila.
— Fica aí mesmo, porra! — diz Ludmila.
Mas Beth continua a andar na direção da rival, preocupando ainda mais as
demais garotas satânicas. Principalmente a Mary.
— Beth! — grita Mary, mesmo sabendo que não deve se meter nas decisões da
líder do grupo.
— Eu disse para ficar aí mesmo, porra! Eu vou atirar, e você sabe que eu não
brinco! — ameaça novamente Ludmila.
— Então atira logo, sua puta! — diz Beth, a apenas três metros de Ludmila, e
abrindo os braços — Vai! Atira!
— NÃO! — grita Bruna, chegando com Ana — Não faz isso, Lu!
59 – O recado - 4
— Cala a boca, Bruna! Você não vai me dizer o que fazer! — diz Ludmila, ainda
apontando a arma para Beth.
— Acabou, Lu! — diz Bruna — Vamos deixar as garotas satânicas fazerem o
que querem! É melhor para a gente! A gente se vira para vender a droga!
— “Droga”? — diz Ana, mais surpresa do que ficou ao ver aquela cena — Oh
meu Deus! Então vocês vendem drogas mesmo? Essa não…
— Eu não vou deixar elas livres porra nenhuma! Elas são minhas! — grita
Ludmila, prestes a cometer alguma loucura.
Vendo aquilo, Ana corre em disparada, fugindo pela porta do terraço, sem ser
notada por ninguém, já que todas estão de olho em Ludmila e Beth.
— Para com isso, Lu! Se você fizer merda aqui, você vai presa! Todas nós vamos
presas! — diz Bruna, tentando convencer a amiga — Assim ninguém vai ganhar nada
com isso! E a gente não precisa delas! Tem outras escolas que podemos usar! Me dá
essa arma!
Enquanto isso, Beth continua com os braços abertos.
— Me deixa em paz, Bruna! Eu vou tirar esse sorriso de merda da cara dessa
puta! — diz Ludmila, babando de raiva.
Enquanto isso, Ana chega ao corredor da escola e vê um professor passar.
— SOCORRO! — grita Ana, desesperada — TEM UMA GAROTA ARMADA NO
TERRAÇO DA ESCOLA!
— O quê? — diz o professor, incrédulo — Isso é verdade?
— É sim! Rápido! Ela está prestes a matar alguém! — diz Ana, apontando para
a porta do terraço.
— Vá para fora da escola! Eu vou chamar a polícia! — diz o professor.
— “polícia”? — De repente, Ana percebe que com a polícia no jogo, as coisas
podem não ser exatamente como ela esperava que fossem.
60 – O recado - 5
— Lu! Eu tou chegando! — diz Bruna, se aproximando da amiga.
— Para trás, porra! — grita Ludmila, agora apontando o revolver para Bruna —
Você não vai me atrapalhar!
Beth vê nisso a possibilidade de virar o jogo, e corre para a distraída Ludmila.
— Que p… — diz Ludmila, que não tem tempo de reagir ao ataque de Beth, que
a derruba no chão.
Segue-se uma luta feroz entre as duas pela posse da arma, com Ludmila e Beth
a segurando ao mesmo tempo, e rolando no chão.
— LU! — grita Bruna, desesperada, hesitando fazer alguma coisa que talvez
piore a situação.
Mas ao contrário dela, Josy não pensa e parte para cima das duas.
Ela agarra a mão de Ludmila e a força a largar a arma. Então Josy, de posse do
revolver, se levanta e o aponta para Ludmila.
— PERDEU, LU! JÁ ERA! — grita Josy, sentindo-se vitoriosa.
Beth sai de perto de Ludmila, que fica deitada no chão, chorando.
— VADIA! — grita Ludmila, ensandecida — Você é minha! VOCÊ É MINHA!
— Eu não sou porra nenhuma sua! — diz Beth, ao lado de Josy — E agora que
nós temos quem nos dê a histamina, é que eu não sou mesmo. Portanto, pode me
esquecer, Ludmila. Dessa vez acabou tudo entre nós. Tudo mesmo!
Ludmila, cabisbaixa, apoia-se nas mãos e acaba ficando de quatro no chão,
chorando muito.
— Beth,… Você era minha… E estava tudo certo entre nós, com nosso negócio
da histamina, eu te passando e você vendendo… — choraminga Ludmila — Mas aí,
você se juntou com essa puta da Mary, e tudo se estragou… Você me deixou, Beth…
Agora eu não tenho nada.
Bruna se sente ofendida ao ouvir aquilo, e olha para o lado, perdida, e depois
para baixo.
Beth também não tem coragem de dizer nada. Ela, Josy e todas as garotas
satânicas ficam caladas.
— Eu não tenho nada?… — pergunta-se Ludmila —… Nada?
Um som de sirene é ouvido.
— A polícia! — grita Beth, que olha para os lados — Cadê a Ana?
Bruna percebe que Ana sumiu, e se desespera.
— Ludmila! A gente tem que fugir daqui! — grita Bruna — Vamos!
Mas antes que Bruna consiga pegar Ludmila, ela se levanta e corre para a beira
do terraço.
— LU? — grita Bruna, apavorada, vendo a amiga ir para longe dela. Bruna corre
atrás, mas não adianta.
Ludmila se joga do terraço na direção do pátio da escola Rio Dourado, cerca de
quatro andares abaixo.
61 – Um mês depois, o recomeço - 1
Anoitece em Rio Dourado.
.
O noticiário regional fala do incidente da escola Rio Dourado, onde uma garota
se atirou do terraço do prédio da escola, após uma discussão envolvendo drogas e um
caso amoroso não resolvido entre alunas de escolas diferentes.
Ludmila, a garota que tentou suicídio, escapou miraculosamente da morte
certa, ao cair sobre algumas árvores do pátio. Porém, ficou seriamente ferida ao se
chocar com as árvores, e deu entrada no hospital Rio Dourado com traumatismo
craniano, além de braços e pernas quebrados. Apesar do estado da garota, os médicos
dizem que ela tem chances de não desenvolver nenhuma sequela grave.
A notícia ainda fala de uma suposta vingança, e que a garota portava um
revolver, mas até agora nenhuma arma foi encontrada no local.
As alunas envolvidas no caso, as que foram encontradas no terraço pelos
policiais, todas menores de idade, foram liberadas após interrogatório. Todas
afirmaram que se tratava apenas de uma briga entre ex-namoradas.
Apenas uma garota, cuja identidade a polícia não quis revelar, sustentava que a
briga era por causa de drogas, que eram vendidas na escola com o codinome de
“histamina”.
Mas após averiguar o caso, nenhum sinal de drogas foi encontrado, o que a
rigor descartou essa hipótese.
No entanto, a polícia continua investigando o caso.
.
Amanhece na Cidade de Rio Dourado, um mês depois do incidente de Ludmila.
.
A escola Rio Dourado volta à sua atividade normal.
.
— Eu já disse que vou, mãe! Não adianta você tentar me impedir! — diz Ana,
convicta.
— Mas minha filha! Aquelas garotas são perigosas! Você mesma viu! — diz a
senhora Angélica — Eu não acho que seja seguro você ir para a escola com elas por aí!
— Mãe, relaxa!… As garotas satânicas foram todas expulsas da escola! Está
tudo bem agora, eu não vou encontrar nenhuma delas por lá! — diz Ana, pegando a
mochila — Na verdade, graças ao que aconteceu, aquele lugar está bem mais seguro
agora. Nada de drogas, nem garotas violentas. E tudo graças ao fato de eu ter
chamado a polícia. Agora as meninas me veneram como uma heroína! Então, mãe,
com licença, que eu vou estudar. Tchau!
62 – Um mês depois, o recomeço - 2
— Tchau… — diz a senhora Angélica, conformada com a coragem da filha.
De certo modo, Ana estava mesmo certa. A escola Rio Dourado ficou mais
segura depois do incidente. Policiais ficam patrulhando as ruas próximas, e nenhum
caso de abuso foi mais relatado depois do caso de Ludmila.
E falando nela, ela também foi expulsa do colégio Marina, assim como sua
amiga, amante e comparsa, Bruna.
Enquanto Ana vai para a escola, alguém recebe uma visita no hospital.
— Olá, Lu… — diz Bruna, vestida casualmente com um casaco de frio e calça
jeans.
— Bruna?… — diz Ludmila, falando com dificuldade — Por que você veio me
ver assim? Eu não te chamei aqui! Como deixaram você entrar?
A visão de Ludmila, toda entubada, faz Bruna chorar de emoção.
— Lu,… Por que você não me ouviu? — diz Bruna, emocionada — Por que você
quis se matar, quando eu estou aqui para você? Por que mentiu para mim?
Ludmila, com a cabeça presa por ferros, não a pode virar para o lado, mas tenta
não encarar Bruna.
— Me deixa em paz… — diz Ludmila.
— Por que não me disse que tudo aquilo era por causa da Beth? — pergunta
Bruna, sentindo-se incomodada por dentro — Por que não me disse que ainda gostava
dela, e que eu não valia nada para você? Eu teria saído de cena, e deixado vocês se
resolverem. Isso teria sido melhor para nós duas, e você não estaria aí,… toda… —
Bruna não consegue dizer mais nada.
— Vai embora! Eu não te quero aqui!… — diz Ludmila, ainda olhando para o
lado.
— Eu vou sim. Eu vou embora, Lu. Mas eu vou voltar aqui, todos os dias, meses
ou anos, até você sair daqui — diz Bruna, derramando um rio quente de lágrimas
enquanto fala — E sabe por quê? Porque eu, ao contrário de Beth, amo você de
verdade, e nunca te abandonarei.
Ludmila, ainda sem encarar Bruna, também se põe a chorar.
— Vá embora… — diz Ludmila.
— Até amanhã, Lu — diz Bruna, que então sai do quarto.
Ludmila, que até então segurou as emoções, fecha os olhos e grunhe, de raiva
de si mesma.
63 – Um mês depois, o recomeço - 3
Parque Rio Dourado.
Ana para de andar para olhar para o chafariz.
Ela se lembra de quando esperava para ver seu amado, que todos os dias
passava ali, sempre no mesmo horário.
— Será que ele vai me perdoar? — pergunta-se ela.
Ana inevitavelmente é levada a se lembrar dos acontecimentos do mês
passado, quando ela e as garotas satânicas enfrentaram a ira de Ludmila, que acabou
se atirando do terraço da escola.
Aquele dia foi para Ana o pior dia da vida dela.
Além de todo o terror que ela passou, a vergonha de se meter com drogas e a
polícia, Ana não pôde ir ao encontro marcado com o seu amado.
Obviamente, pensa Ana, ele não deve ter gostado de levar um bolo.
E para piorar, desde aquele dia, Ana não viu mais o garoto.
— Espero que algum dia ele possa me perdoar… — pensa ela, dando de
ombros. Afinal, é tudo que ela pode fazer.
— Oi! — diz alguém atrás dela.
Ana se vira para ver quem é.
— Victor?! — diz Ana, muito surpresa. Ela até sorri abertamente, sem perceber.
— É, sou eu… — diz ele, meio sem graça — Eu não sei se deveria estar aqui,
mas eu estive pensando se você teve algum motivo para não ir naquele dia… até que
eu vi o noticiário de ontem, e então…
— Ah, então você já sabe… — diz Ana, entre aliviada e envergonhada —… Que
eu nunca iria te dar um bolo se não tivesse um bom motivo.
— É, eu sei sim… — diz Victor, também sem jeito — E estou realmente
envergonhado de não ter te dado algum crédito. Eu deveria ter aparecido aqui no
outro dia, para falar com você.
64 – Um mês depois, o recomeço - 4
— É,… mas… você não veio — diz Ana, chateada — E eu esperei até a noite por
você.
Victor se aproxima mais de Ana.
— Bem, eu esperei por você anteontem e ontem,… o dia todo — diz ele. — E eu
sei que isso não justifica nada, mas eu nunca tive, sabe… alguém.
Ana ri de nervosa e surpresa.
— Ai, desculpa, eu não… eu não queria rir, mas é que… — diz Ana, encabulada
— É que eu também nunca tive ninguém, e nunca pensei que um gato como você…
Quero dizer, um garoto da sua idade… — Ana leva as mãos à cabeça — Ai meu Deus,
eu só estou falando besteira!
Victor ri.
— Não se preocupa… Que tal a gente ir tomar alguma coisa? — pergunta ele,
quando de repente ele parece se lembrar de algo óbvio — Ah, desculpa,… esqueci que
é nessa hora que você vai para a escola…
— É, eu tenho que ir… — diz Ana, olhando para trás, como se visse a escola
chamar por ela —… Ou não.
— Como assim? — pergunta Victor, confuso.
— Eu também posso não ir — responde Ana. — Afinal, eu sou boa mesmo nos
estudos, e nunca… quero dizer, quase nunca falto, então, um dia a menos não iria fazer
nenhuma diferença.
— Pois eu não acho — diz Victor. — Eu não acho certo você faltar para sair
comigo.
— Quê? — diz Ana, surpresa — Mas é sério, eu posso…
— Não, você não deve, Ana — diz Victor, convicto — Se vamos começar um…
relacionamento… — Victor sente que tem que tomar cuidado com as palavras —…
Acho que ele deve ser baseado em alguns princípios. E um deles é “não mude quem
você é”.
Ana fica maravilhada ao ouvir aquilo.
— Ok,… — diz ela, rendendo-se e ainda mais sorridente — Então,… como
ficamos agora?
— Eu posso acompanhar você até a sua escola — responde Victor, também
sorrindo — Que tal?
Ana não consegue se segurar de tanta felicidade, e sorri como uma criança ao
ver seu desenho favorito.
— Claro que sim — responde ela.
Ana e Victor continuam o caminho de Ana até a escola Rio Dourado.
Não muito longe dali, atrás de um pinheiro do bosque dos pinheiros do parque
Rio Dourado, uma garota assiste ao casal indo juntos para a saída do outro lado do
parque. Essa garota é Mary.
Olá pessoal! Espero que estejam gostando de UM POR UM [ ou 1x1, pra facilitar
]. Essas foram as postagens de hoje. Amanhã eu postarei mais capítulos, sempre
começando às 14 horas e indo até as 18 mais ou menos.
Ah! E um obrigado especial para Gigi, que acompanhou comentando capítulo a
capítulo. Até mais Gigi! Amanhã tem mais! o/
65 – Um mês depois, o recomeço - 5
Ao ver que os dois saíram do seu campo de visão, Mary vai embora, na direção
contrária.
Mary segue para fora do parque Rio Dourado, atravessa alguns condomínios e
chega à beira da cidade, nos morros que a cercam, especificamente na pedreira nova,
uma pedreira que surgiu nos anos 60, mas que foi abandonada quando se descobriu
que o minério que extraíam na época, o tungstênio, tinha se esgotado.
Além disso, muitas mortes por acidente aconteceram, criando uma aura de
medo entre os funcionários da pedreira. Para culminar, o caminhão do casal que eram
os donos da pedreira virou perto do precipício e caiu no lago profundo que tem
embaixo, formado pela água da chuva, afogando-os. Esse acidente trágico marcou o
fim da pedreira, e deixou-a conhecida para sempre como um lugar amaldiçoado, onde
ninguém deve ir.
E é nesse lugar que as garotas satânicas se reúnem agora.
— Eu os vi — diz Mary, chegando à parte mais alta da pedreira, onde Beth,
Cassy, Carly e Josy a esperam.
Beth está de pé, perto do precipício onde ocorreu o acidente.
— E aí, Beth? O que vamos fazer? — pergunta Carly, olhando para Beth.
Beth, no entanto, não responde nada. Apenas fica olhando para o lago
amaldiçoado e atira nele algumas pedras da pedreira, espalhadas por ali.
— Ei! O que é que há, Beth? — pergunta Mary, aborrecida — Vai me dizer que
você não pretende fazer nada com aquela puta que nos fudeu?
Beth para de atirar pedras.
Ela olha para o horizonte.
—… Sabe,… Hoje minha mãe me chamou de vagabunda — diz Beth. — Foi até
engraçado. Ela sempre me chamou de coisas bem piores do que isso…
66 – Um mês depois, o recomeço - 6
Mary, Carly, Cassy e Josy se entreolham, confusas.
— Mas ela nunca me chamou de vagabunda… — diz Beth, olhando agora para o
lago. — E é engraçado, mas,… por algum motivo, essa palavra doeu muito mais que as
outras…
Mary, Cassy, Carly e Josy continuaram se entreolhando, confusas.
—… E agora a nerdgirl é a heroína da cidade… Há! — diz Beth, rindo e ainda
olhando para o lago — “A garota que limpou a escola Rio Dourado das vagabundas”…
Sim,… vagabundas como nós… como eu… uma vagabunda.
— O que está acontecendo com ela? — pergunta Josy para Cassy.
— Eu não sei… — responde Cassy, confusa e com medo.
— Vagabunda… — repete Beth, olhando agora de volta para o horizonte.
Beth dá meia volta e anda até uma pedra do tamanho de uma caixa de sapatos.
Beth a pega, erguendo-a com alguma dificuldade, já que a pedra é feita de granito
puro.
Beth anda carregando a pedra, devagar, mas insistentemente, até a beira do
precipício que dá para o lago, mais de 40 metros lá embaixo.
— Vagabunda… — grunhe ela, falando com dificuldade por estar cerrando os
dentes.
Beth a ergue sobre a cabeça, preocupando ainda mais as amigas.
— Mas o que ela vai…? — pergunta Carly, confusa.
Beth grita quando usa todas as suas forças para atirar a pedra no lago,
causando uma explosão de respingos para todos os lados.
— “VAGABUNDA”? — grita Beth com tanta força que chega a cuspir — É ISSO
QUE EU SOU PARA VOCÊ AGORA, MÃE? UMA VAGABUNDA? POIS EU VOU SER MUITO
MAIS DO QUE ISSO, SUA PUTA VADIA!
— Beth?… — diz Mary, com receio do que Beth possa fazer naquele lugar.
67 – Um mês depois, o recomeço - 7
— EU VOU MOSTRAR PRA VOCÊ MÃE! EU VOU ACABAR COM AQUELA PUTA
NERDAMERDA! — diz Beth, literalmente falando cuspindo de raiva — EU VOU
MOSTRAR PARA AQUELA PUTINHA, PRA VOCÊ E PRA ESSA CIDADE DE CUSÕES QUE
NINGUÉM FODE COM AS GAROTAS SATÂNICAS! NINGUÉM FODE COMIGO! NEM VOCÊ,
SUA PUTA!
— Beth? — diz Mary, não reconhecendo naquela criatura a sua amiga.
— Não, Mary… — diz Josy, segurando Mary, impedindo-a de tocar Beth — Não
vai lá não… Fica aqui, comigo.
Mary olha para a amiga, que urra para o céu como um monstro feito de puro
ódio.
— ANA!!! — grita Beth, continuando sua explosão de raiva — ANAAAAAA!!! EU
VOU MATAR VOCÊ, SUA PUTA! EU VOU ARRANCAR A SUA CABEÇA COM AS MINHAS
MÃOS! EU VOU MATAR O SEU NAMORADO TAMBÉM! E VOU MATAR A SUA MÃE, O
SEU PAI, SEUS IRMÃOS, E TUDO QUE VOCÊ TIVER DE VIVO NA SUA VIDA! EU VOU
MATAR TODOS QUE VOCÊ GOSTA, SÓ PRA TE FAZER SOFRER, DESGRAÇADA! — grita
Beth, chutando tudo que é pedra e pedaço de equipamento de mineração para o lago
— EU VOU ACABAR COM AQUELA PUTA! EU JURO POR DEUS QUE EU VOU! EU VOU
ACABAR COM ELA! EU VOU MATÁ-LA! EU VOU MATAR AQUELA PUTA!
— Beth, calma… — Josy deixa Mary e se aproxima devagar de Beth, para não
provocar nenhuma reação indesejável — Calma, Beth,… Calma…
— EU VOU…! — Beth já está cansada de gritar — Eu vou matar… todos…
Beth cai sentada no chão.
Josy, Mary, Carly e Cassy correm para ajuda-la.
— Me larga! — diz Beth, rejeitando as mãos das amigas — Eu não quero ajuda!
É aquela nerda que precisa de ajuda! Não eu!
68 – Um mês depois, o recomeço - 8
— Eu sei! — diz Mary, insistindo em ajudar Beth — Mas você precisa sair daqui.
Esse precipício é muito perigoso! Vive tendo desabamentos. A gente tem que se
afastar da borda, Beth…
— Perigoso? Eu sou perigosa! — grita Beth — E eu vou mostrar para aquela
ordinária! Aquela… vagabunda! Sim, VAGABUNDA, quem é perigosa aqui!
Vendo que é inútil ajudar, Mary, Josy, Cassy e Carly se afastam de Beth, que
acaba se levantando sozinha.
Beth continua respirando rapidamente por algum tempo, olhando para o chão,
como se estivesse olhando para o futuro, talvez.
— Ana, Ana… Você mal perde por esperar — diz Beth.
Mary novamente toma coragem para se aproximar de Beth.
— O que a gente vai fazer? — pergunta Mary, com os braços cruzados de frio.
— Primeiro, vamos atrás daquela puta… — responde Beth, ainda cansada de
tanto gritar e chutar — Depois,… vamos pensar no que faremos.
— Você vai mesmo matar ela? — pergunta Josy, preocupada.
Beth olha para Josy, como que atirando com os olhos.
— Josy,… você! — Beth aponta para a amiga — Você irá estupra-la! Isso
mesmo! Você vai foder aquela vadia na nossa frente! — diz Beth, com um olhar
ensandecido — E pode abusar bem muito dela! Eu ajudo você nisso. Vamos fuder ela
até ela sangrar por todos os buracos!
— Nossa! — diz Cassy, com medo de Beth.
— E quando a gente acabar, nós a traremos aqui,… e a jogamos no lago —
continua Beth — Aí eu quero ver só a nerda nadar naquela água podre, cheia de
corpos de desova. Eu sei que tem gente morta lá, porque meu tio que é bandido me
disse. Ele disse que já apagaram um monte de gente aqui, na beira desse precipício, e
depois jogaram os corpos lá em baixo. E a nerda vai nadar lá, até se afogar. Isso vai ser
bem legal. Não vai?
69 – Um mês depois, o recomeço - 9
— S-sim! — respondem as demais garotas satânicas. Todas com medo de Beth.
— É,… nós vamos fazer isso… — Beth limpa a trilha de saliva que tinha escorrido
da boca até o queixo — E vamos fazer isso hoje. OK?
— Quê? — diz Josy, surpresa — Mas já?
— É… Já — responde Beth, ainda com o olhar de louca na cara.
— Ok… — respondem as demais garotas satânicas, que se entreolham
novamente, preocupadas, mas sempre dispostas a fazer o que a líder manda.
Beth marcha na direção da rampa de acesso, feita de pedra escavada, que leva
à entrada da pedreira. Mas para quando vê alguém se aproximar.
—… Bruna? — diz Beth, surpresa.
— Ouvi dizer que vocês agora só ficam aqui… — diz Bruna, andando com as
mãos nos bolsos.
— O que você quer? — pergunta Mary, ríspida.
— Eu quero impedir vocês de fazer merda — responde Bruna.
— Como a que a sua líder fez? — pergunta Beth, sem o mínimo de tato,
propositalmente sarcástica.
Bruna balança a cabeça e sorri.
— Acho que o que aconteceu com Ludmila deixou você mais mal que eu, Beth
— diz Bruna. — Mas eu entendo… Eu nunca tive uma história de amor com ela, como
vocês tiveram.
Esse comentário faz Mary querer olhar para as árvores que cercam a pedreira,
como se elas fossem muito mais interessantes que tudo à volta dela.
— Sai da frente, Bruna. A gente tem mais o que fazer do que ficar ouvindo uma
fracassada como você — diz Josy, andando ao lado de Bruna, e batendo ombro com
ombro, de propósito, quase derrubando-a.
— Então… — diz Bruna, vendo todas passar em volta dela, ignorando-a —…
Vocês não querem saber da boa notícia?
Beth sente que tem alguma coisa no que Bruna falou. Cansada, Beth se vira
para falar com ela.
— Desembucha logo, porra! — diz Beth, impaciente.
— Nós vamos voltar — diz Bruna, sorrindo.
Beth, Mary, Josy, Carly e Cassy ficam sem entender.
— Como assim, “vamos voltar”? — pergunta Mary.
Bruna ri.
70 – Um mês depois, o recomeço - 10
Enquanto isso, longe dali, Ana e o seu amado garoto do parque chegam à
escola Rio Dourado.
— Bem,… chegamos — diz ela, num tom um pouco triste.
— É… — diz o garoto, no mesmo tom.
— Falando nisso,… onde você estuda? — pergunta Ana, curiosa.
— No colégio Marina — responde o garoto. — Você sabe onde fica?
— Sim, eu sei… — responde Ana, surpresa e meio sem graça ao ter que se
lembrar de tudo que se passou teve também a ver com aquele lugar.
— Ah, desculpa! — diz Victor, percebendo a situação — É claro que você sabe…
Por causa daquilo…
— É… — confirma Ana, agora ainda mais sem graça.
— Mas não vamos mais falar disso, certo? — diz Victor, tentando subir o nível
do humor — Se você quiser, eu posso vir aqui te pegar, e aí a gente pode ir para uma
lanchonete, sei lá, tomar uma Coca, comer uma batatinha…
— Eu não como essas coisas… Faz mal — diz Ana, rindo de novo — Desculpa,
mas você pode comer e eu fico olhando. Não tem problema.
— É claro que eu não vou deixar assim — diz Victor. — A gente pode tomar um
sorvete. Você toma sorvete, não toma? Ou talvez não… — Victor olha para Ana de
cima a baixo — Afinal, você é tão magrinha…
— Ah,… Então você gosta de garotas mais “cheinhas”? — pergunta Ana,
sentindo um pouco de insegurança ao ouvir aquele comentário.
— Hã? O quê? Cheinhas? — diz Victor, confuso — Ah! Entendi… Você pensou
que eu estava te avaliando, não é?
Ana ri, entre surpresa e encabulada.
— Não, desculpa… Eu não queria dizer isso… — mente ela.
71 – Um mês depois, o recomeço - 11
— Bem, é claro que eu não sou cego, então… — Victor sorri — Acabou que eu
não pude deixar de notar o quanto você é…
Victor faz uma pausa que deixa Ana sem respirar.
—… Gata — responde ele, sorrindo com um olhar safado que novamente
percorre o corpo de Ana, fazendo-a literalmente sentir um frio na espinha.
Os dois ficam quase um minuto sem dizer nada.
—… Ufa! — diz Ana, sem saber o que dizer, mas também não aguentando mais
o silêncio.
— Desculpa, eu não devia… Quero dizer… — agora Victor é quem fica
encabulado, coçando a cabeça de nervoso — Quero dizer, eu não devia falar coisas
assim para você,… quero dizer, não no nosso primeiro encontro de verdade.
— Não tem problema — diz Ana, se divertindo muito com tudo aquilo. — Eu te
dou um desconto mais tarde.
— Como assim? — pergunta Victor, confuso.
— Eu não sei… — responde Ana, sendo sincera — Eu só estou falando besteira,
como sempre…
— Bom, então… — Victor nota que os alunos fora da escola começam a
escassear — Até a hora de você sair.
— Até — diz Ana, dando um tchauzinho para ele, e entrando toda contente na
escola Rio Dourado.
Enquanto sobe pelas rampas de acesso — que Ana prefere mais que as
escadas, por serem mais fáceis de subir — Ana vê muitos alunos e alunas olhando para
ela, e dizendo coisas entre si. Algumas não tão baixo.
— É ela! A garota que expulsou as garotas satânicas! — diz uma garota.
— Essa garotinha magrinha? — pergunta a outra — Só pode ser mentira!
— Foi ela quem as entregou — diz um garoto. — Nem mesmo os caras tinham
coragem de enfrenta-las.
72 – Um mês depois, o recomeço - 12
— Sério? — pergunta o outro.
— É,… ela que entregou o lance delas com as drogas — diz o outro. — Só que
ninguém achou nada, e as garotas satânicas acabaram sendo só expulsas.
— Ah,… — diz o outro.
Ana fica ouvindo comentários desse tipo até chegar ao terceiro andar, onde fica
sua turma, a 9C.
Quando coloca sua mochila na carteira onde senta, Ana ainda ouve alguns
comentários dos alunos que já chegaram à sala de aula.
— Ela deve ser muito corajosa para ferrar as garotas satânicas desse jeito — diz
uma garota.
— Deve mesmo… — diz a outra. — Eu nunca tive coragem nem de olhar na cara
delas.
Ana balança a cabeça e tenta se concentrar na matéria que tem que estudar.
Mas os comentários de fundo não param.
— Ela disse para a polícia que a Beth tava armada? — pergunta outra garota,
surpresa.
— Foi sim. Bem, eu ouvi dizer que sim, já que ninguém mais falou nada… —
responde a outra.
— Mas e a Beth? O que aconteceu com ela? — pergunta a de antes.
— Bem, ela foi expulsa, mas também dizem que ela pode parar num
reformatório, se encontrarem a arma — diz a outra garota.
— E ninguém achou a arma? — pergunta a anterior.
— Não, e acho que nem vão achar — responde a outra. — Ouvi no noticiário
que a polícia acha que uma delas jogou do terraço, mas fizeram buscas em volta da
escola e não acharam nada. Só que a polícia ainda espera que a pessoa que achou a
arma se apresente. Quem sabe. Né?
— É… — diz a anterior.
Ana novamente balança a cabeça e tenta se concentrar na matéria.
73 – Um mês depois, o recomeço - 13
— Com licença,… — diz alguém com voz de menina.
Ana para de estudar para olhar para uma garota muito baixa e também muito
simpática, de grandes olhos azuis e rosto de menina.
— Você é a Ana, não é? — pergunta a garota.
— Sou,… — responde Ana, meio desconfiada, apesar da menina,
aparentemente, não representar perigo —… Sou eu sim,… por quê?
A garota olha para baixo antes de falar.
—… Eu sou Sara… — responde a garota, falando mansamente —… E eu queria
te agradecer por ter expulsado as garotas satânicas da escola.
— Como é? — pergunta Ana, surpresa e um pouco irritada — Mas isso de
novo? Eu não fiz nada! Eu só disse o que vi! Só…
A garota balança a cabeça, claramente discordando de Ana.
— Não, você fez sim — responde Sara, ainda sorridente. — E eu sou a prova
disso.
— Como assim? — pergunta Ana, confusa.
— Todos os dias as garotas satânicas tiravam sarro de mim por ser baixinha, e
me derrubavam quando me viam no corredor — responde Sara. — Elas me
derrubavam e diziam “Cuidado para não passar do chão, anã!”…
— Meu Deus! — diz Ana, chocada.
— Pois é… — diz Sara, cabisbaixa — Mas tudo isso acabou. Agora eu posso
andar com meu lanche no corredor, sabendo que não vou mais perdê-lo, porque as
garotas satânicas não estão mais aqui. E tudo isso graças a você.
— Mas Sara,… — insiste Ana — Eu não fiz nada.
— Você fez sim — insiste Sara. — Você expulsou as garotas satânicas.
Ana põe a mão na cabeça, cansada.
— Ok, eu agradeço que você pense assim… — diz Ana, que logo se corrige —
Ou melhor, que você ache que fiz algo, mas afinal… O que você quer de mim?
74 – Um mês depois, o recomeço - 14
— Nada — responde Sara, bem séria — Apenas queria te agradecer, e dizer
que, se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, é só falar comigo.
— Tá certo… — diz Ana, tentando ser simpática, mesmo com aquela situação
que nunca acaba — Obrigada, Sara.
Sara sorri e vai embora.
— Meu Deus,… quando é que isso vai acabar? — pergunta-se Ana, deitando a
cabeça entre os braços sobre a mesa.
Apesar disso, o dia corre normalmente para Ana na escola Rio Dourado, e
quando está acabando, a última aula também termina.
— Espero que tenham entendido o significado da singularidade tecnológica
para o futuro da interação humana enquanto espécie emocional — diz a professora
Thabata, de sociologia. — Até amanhã.
Ana arruma suas coisas, pegando o caderno e o diário, que escreveu algumas
coisas durante a aula, sobre o seu príncipe encantado do parque, e os coloca na
mochila.
Quando está descendo as rampas, Ana ouve mais comentários, mas como
antes, os ignora e tenta pensar só no encontro com o seu príncipe.
Ana termina de descer a rampa e passa pela entrada do prédio, que fica entre
dois grandes prédios. A escola Rio Dourado, se vista de cima, pareceria um grande “H”
com um grande prédio de um lado, outro grande prédio do outro, e um pequeno e fino
no meio, servindo de ligação entre os dois. É nesse prédio de ligação que ficam as
escadas. As rampas ficam nos prédios dos lados.
Ao sair do prédio de ligação, Ana passa pelo pátio da escola, onde Ludmila se
jogou. Como sempre acontecia desde o incidente de Ludmila, quando Ana passava por
lá, ela fechava os olhos.
Ana sai da área da escola Rio Dourado. ela olha para os lados, procurando pelo
seu príncipe encantado.
75 – Um mês depois, o recomeço - 15
— Olá! — diz Victor, aparecendo vindo de um grupo de árvores que tem na
frente da escola Rio Dourado.
— Oh! Olá! Eu não tinha visto você aí… — diz Ana, surpresa e aliviada. Por
torturantes dez segundos ela imaginou que tinha levado um “bolo” do príncipe.
— Então,… Vamos? — pergunta ele, sorrindo, apontando para o caminho da
lanchonete.
— Vamos! — responde Ana.
E enquanto andam, Ana pensa no que irá falar com ele. Infelizmente ela não
teve nenhum tempo durante as aulas do dia para pensar nisso. Isso acabou sendo uma
agonia para Ana na sala, tirando ouvir uma vez ou outra, algum comentário sobre o
que aconteceu.
— Você está preocupada com alguma coisa? — pergunta Victor, percebendo a
cara de Ana.
— Não! Não… nada — mente ela.
— Sabe outra coisa que eu acredito ser importante num relacionamento? —
pergunta ele.
— Dizer o tempo todo o que é importante num relacionamento? — responde
Ana, logo percebendo que fez uma brincadeira com o jeito dele de falar — Não, foi
mal. Eu só queria… Ah, enfim, me desculpa! Eu não sei. O que é?
E enquanto espera a resposta de Victor, Ana se pergunta “Mas que diabos eu
tava dizendo? O que há comigo?”.
Victor acha o jeito de Ana um pouco estranho, mas apenas sorri com o canto da
boca e retorna à sua linha de pensamento.
— Bem,… Eu acho que uma coisa importante… — ele faz uma pequena pausa
antes de terminar —… Pode ser… Deixar a outra pessoa quieta quando você percebe
que é assim que ela quer ficar.
Ao ouvir aquelas palavras, Ana sente-se mal consigo mesma.
— Ai, que droga… — diz ela. — Eu fui rude com você. Me desculpa! Eu não tava
querendo dizer que você é um chato cheio de regras. Eu só estava…
76 – Um mês depois, o recomeço - 16
—… Querendo dizer que eu sou um chato cheio de regras — completou ele.
Ana para de andar, pasma com o que fez.
— Ah, não… Desculpa mesmo! Eu sou uma idiota! — diz Ana, sentindo-se triste
consigo mesma.
— Ei! Eu tava brincando! — diz Victor, abrindo um largo sorriso — Eu sei que
sou mesmo chato às vezes. O Aleph vive dizendo isso de mim.
—… “Aleph”? — diz Ana, pensando se tratar de algum amigo dele.
— É,… — nesse momento, Victor fica meio sem graça —… O meu irmão mais
velho.
Ana leva as mãos à boca quando ouve isso.
— Ah! — Ana dá um gritinho de alegria — Você tem um irmão mais velho? Que
fofo!
E nesse momento, Victor mostra um sorriso meio sem graça e um tanto
forçado.
— É,… Eu tenho — diz ele.
Ana percebe que tem algo errado e desfaz a pose de gatinha surpresa.
—… Victor?… — diz ela, pisando em ovos — Algum problema?
Victor hesita falar por quase dez segundos. Uma eternidade no tempo do
coração de Ana.
—… É que assim que você conhecer ele, você com certeza não vai mais querer
saber de mim — responde Victor.
Ana faz uma careta, incrédula.
— Como assim? Por acaso o seu irmão é algum astro do rock, ou ator famoso
de alguma novela? — ironiza ela — Ou talvez, modelo fotográfico, halterofilista,
surfista sarado ou algum estereótipo de homem irresistível que não me vem à cabeça
agora?
— Mais ou menos sim — responde Victor. — Na verdade, você acertou na
mosca…
— É? — pergunta ela, bem surpresa e um tanto ainda incrédula — E qual
estereótipo que eu acertei?
77 – Um mês depois, o recomeço - 17
— Na verdade, você acertou um e quase um, então dá meio que um e meio —
responde Victor. — Meu irmão é modelo fotográfico e ator.
— Sério? — pergunta Ana, ainda incrédula — Quero dizer, poxa! Isso é incrível!
Victor faz aquela cara de quem acabou de perder o avião de novo.
— Ei! Ei! — diz Ana, tentando chamar a atenção de Victor para o lado dela, em
vez de para os morros que cercam a cidade — Você não tá achando que só porque o
seu irmão é um ator ou modelo, eu vou ficar interessada nele, está? Porque se está,
você acabou de me ofender.
Victor olha para Ana e depois para os próprios pés.
—… É, eu acho que pensei um pouco que você pudesse ser assim, sim… —
confessa ele —… Mas é por que… Bem, é uma longa história… ou talvez eu deva dizer
sequência de longas histórias.
Ana fica ainda mais confusa com o que Victor acabou de dizer.
— Sabe,… Acho que é melhor deixarmos esse encontro para um outro dia… —
diz Victor, claramente sem nenhuma motivação.
— Eu não acredito — diz Ana, realmente incrédula ao ouvir aquilo. — Victor!
Por favor, me desculpa! Eu não quis dar a entender nada,…
— Não é você, Ana — diz Victor, aparentemente magoado — Sou eu.
— Ah, não me vem com essa! Todo mundo usa essa desculpa! — diz Ana,
irritada — E olha, quer saber? Eu acho que você deveria me apresentar o seu irmão.
— Como é que é? — pergunta Victor, ele mesmo incrédulo.
— Isso mesmo. E agora, se for possível — responde Ana, convicta.
78 – Um mês depois, o recomeço - 18
— Mas,… Como assim? Você… Já…? — Victor fica tão confuso que não
consegue dizer nada.
— Olha, eu vou ser bem direta: — diz Ana, falando bem séria e bem rápido —
Eu fiquei olhando você desde que vim para esse lugar, que a princípio eu odiei de cara,
mas quando te vi andando com as mãos nos bolsos, sozinho no parque, sei lá, eu me
apaixonei.
Nesse momento, Victor abre a boca, surpreso.
— É? Mas eu… eu não…
— Deixa eu terminar — interrompe Ana. — Enfim, eu gostei de você. Aliás, eu
gosto de você. E sinceramente, eu acho que procuro mais num cara que aquilo que ele
faz ou a aparência dele. Eu procuro conteúdo, Victor, e eu acho que você tem isso, ou
então eu não estaria aqui.
— Ah,… — diz Victor, que não sabe dizer se aquilo significa algo bom ou mau.
— Por isso eu quero conhecer o seu irmão, para que você veja que eu não
fiquei afetada, como provavelmente suas pretendentes anteriores ficaram, e por isso
essa de “sequência de longas histórias”, que eu nem sei nem quero saber, se você quer
saber.
— Hã? Ah! Ok… — diz Victor, novamente sem saber se está ganhando ou
perdendo.
— Então! Pode mostrar logo o bofe pra podermos comer um sanduíche, que eu
estou com fome? — diz Ana, fazendo cara e pose de piriguete.
— Tá,… tá bom — responde Victor, balançando a cabeça, e achando graça —
Vamos lá, então.
— Você entendeu, não entendeu? — pergunta Ana, só para ter certeza.
— Que eu não devo ficar com medo do meu irmão tomar você de mim? —
pergunta ele — Acho que sim…
— Se eu gostar dele, você ainda será meu amigo? — pergunta Ana.
Victor faz uma cara de surpresa.
— Brincadeirinha, bobo… — diz Ana, fazendo cara de gatinha.
Victor novamente balança a cabeça e os dois seguem para a casa dele.
Olá, pessoal! Espero que tenham gostado desses capítulos de hoje.
Normalmente eu posto capítulos de UM POR UM entre as 14 e 18 horas. Assim fica
mais fácil para eu organizar as coisas, e fazer mais capítulos [ para quem não sabe, esse
é o horário das postagens que sempre seguirei [ espero ]]. Então, obrigado por terem
lido minha fic, e até amanhã! Ah! E um obrigado especial para quem comentou.
Embora que não seja obrigatório [ hoje em dia acho errado cobrar comentários para
continuar, afinal, se alguém lê, isso já é em si o prêmio maior ], é sempre legal ver
comentários novos apoiando a fic. Até mais! o/
79 – Um mês depois, o recomeço - 19
Minutos depois, Ana e Victor chegam a casa dele.
Victor mora numa casa grande, mais para o sul, e não muito longe do colégio
Marina.
A casa, de três andares, cujo terreno tem o tamanho de um quarteirão inteiro,
foi construída no estilo colonial, das primeiras casas de Rio Dourado, e reformada para
ganhar um ar mais atual.
Ela tem piscina e uma área limpa, perfeita para festas ao ar livre.
Ao passar pelo jardim de entrada da casa, Ana fica admirada com toda a pompa
da família de Victor, e se pergunta o que um garoto tão rico estaria fazendo estudando
no colégio Marina, se fora da cidade tinham outros, bem mais conceituados e caros.
— Nossa! Se contar pelo dinheiro, você é um partidão, hein? — diz ela, olhando
em volta.
— Só pelo dinheiro? — pergunta Victor.
— Você sabe que eu não estou falando sério, não sabe? Você não sabe?… — diz
Ana, olhando desconfiada para Victor, que lhe sorri de volta.
— Vamos entrar logo, sua boba — responde Victor, abrindo a porta da frente.
Ao entrar Ana vê que a casa parece até maior por dentro do que já era por fora.
Um par de escadarias gêmeas, dispostas cada uma num canto da imensa sala
de recepção leva aos andares superiores. Ana pisa sobre um tapete todo bordado, que
daria para cobrir um caminhão.
— Isso é muito lindo! — diz Ana, boquiaberta.
Victor sorri, indisfarçavelmente orgulhoso e também por achar graça na
admiração de Ana.
— O que é muito lindo? — pergunta um rapaz descendo as escadas.
Ana olha para ele. E se o queixo dela não estivesse muito bem preso à sua
boca, ele teria caído no chão.
80 – Um mês depois, o recomeço - 20
O rapaz de olhos amendoados verdes, cabelo loiro, penteado para o lado, de
queixo quadrado, além de um corpo malhado olha fixamente para Ana, enquanto
desce as escadas.
— Nossa… — deixa escapar ela.
—… Ana,… — diz Victor, meio sem graça, percebendo como a visão do irmão
dele inevitavelmente perturbou Ana — Esse é o meu irmão, Aleph.
Aleph termina de descer as escadas e anda com toda a classe de um lorde
inglês na direção de Ana.
— Prazer, Ana… — diz ele, apertando a mão pequena e frágil de Ana com sua
mão grande e muito quente, mas delicada.
O contato com a mão de Aleph, juntamente com o olhar penetrante dele no
dela provocaram um arrepio involuntário em Ana, que a faz puxar a própria mão sem
querer, como se tivesse levado um choque.
Percebendo o impacto inegável que a presença dele provocou na garota, Aleph
sorri.
Victor olha para o lado, tentando fingir que não percebeu como Ana reagiu.
Ana não consegue evitar olhar para Aleph e percorrer seu corpo com os olhos,
dez vezes por segundo, como que tentando entender se o que estava vendo era real
ou não.
Foi nesse momento que Ana entendeu todo o problema de Victor. Aleph era,
sem nenhuma dúvida, o sonho de toda adolescente. Inclusive o dela. E o pior: ela não
podia negar isso, pois o seu corpo estava simplesmente lhe gritando para pular em
cima dele, e se entregar para ele, naquele instante, e naquela sala.
81 – Um mês depois, o recomeço - 21
Sentindo-se perdida, coração batendo forte, Ana olha para Victor, que agora
lhe olhava de volta, decepcionado, como que cobrando dela a postura que ela tinha
prometido para ele que teria. Mas não dava. Ana sabia, ou melhor, sentia que estava
lidando com algo muito maior que ela.
A sua única saída é fugir.
— E-E-Eu… — Ana gagueja de nervosismo — Eu tenho que ir. Com licença.
Ana sai da casa de Victor, tropeçando no tapete e quase caindo,
completamente confusa, e sentindo-se tão mal consigo mesma que não consegue
olhar para nada além do chão.
Ela passa pelo jardim andando rápido, e quando Ana sai e o empregado fecha o
portão da casa, Victor, que viu a fuga desesperada de Ana da porta da casa, olha para
trás.
Aleph está logo atrás de Victor, e dá de ombros.
— O quê? — pergunta ele, abrindo os braços, mas sorrindo por ter achado
graça na reação da garota.
Victor balança a cabeça e passa direto por Aleph, seguindo para as escadarias.
— Ei! — grita Aleph, incrédulo, vendo o irmão caçula subir as escadas,
visivelmente aborrecido — Você não vai me culpar por isso também, vai?
— Não, Aleph… — diz Victor, sem olhar para o irmão — Você esqueceu? Você
não tem culpa de nada!
Aleph balança a cabeça, põe as mãos na cintura e olha para o portão.
Não muito longe dali, uma garota confuso e arrependida volta para casa, a
passos lentos, quase se arrastando. Suas lágrimas de uma profunda decepção de si
mesma caindo pelo chão.
82 – Um mês depois, o recomeço - 22
Uma semana se passou desde que Ana foi até a casa de Victor, e teve aquela
grande descoberta, de que ela não podia controlar o próprio corpo quando este
estivesse diante de algo que ele nunca teve e que quer muito: sexo. E especialmente,
ela não o poderia controlar principalmente se esse alguém diante dela fosse o Aleph.
Ana passou os dias evitando sair de casa, ou passar pelo parque quando ia para
a escola Rio Dourado. A culpa que sentia por não ter conseguido falar algo mais do que
“prazer” diante de Aleph a consumia de tal modo que ela não poderia nem pensar em
Victor, que sentia sua barriga doer.
Por outro lado, Ana passou vários dias pensando em Aleph, principalmente
quando ficava sozinha em casa. Isso até diminuiu o rendimento de Ana nos estudos,
cujas horas dedicadas a eles foram quase todas tomadas para pensar só no Aleph.
— Já estou indo, mãe… — diz Ana, colocando a mochila nas costas.
— Ana, espera um pouco… — diz a senhora Angélica, vindo da cozinha
apressada, e limpando as mãos.
A senhora Angélica passa a mão nos cabelos de Ana.
— Ana, o que aconteceu com você? — pergunta a senhora Angélica — Eu
tenho percebido que você anda chorando no banheiro, e às vezes, no quarto, de
noite… você está com algum problema?
— Não, mãe… não é nada… — mente Ana, olhando para o lado.
A senhora Angélica, percebendo que a filha não quer dizer nada, apenas joga
um olhar maternal sobre a Ana.
— Ok,… Você fala pra mim quando puder — diz a senhora Angélica.
— Eu tou indo… — limita-se a dizer Ana.
83 – Um mês depois, o recomeço - 23
Ana sai do prédio onde mora, e, como tem feito nos últimos dias, desvia do
caminho que sempre fez, passando a duas ruas de distância do parque Rio Dourado.
Mesmo demorando mais para chegar à escola, Ana prefere esse percurso a se
arriscar a encontrar com Victor entrando ou saindo do parque.
Ana deduziu que ele tentaria falar com ela uma hora ou outra, não por ela ter
feito o que fez, mas para dizer que a perdoa. Ana sabe que Victor é um cavalheiro.
Mas é justamente isso que ela não quer dele: sua piedade.
Ana nunca conseguiria olhar nos olhos dele depois do que aconteceu na casa
dele.
Além disso, Ana ainda não sabe o que sentiu, e o quanto isso significa para ela e
para o relacionamento dela com Victor.
Ana decidiu que antes de ver Victor, seja lá para o que for, ela precisa saber o
que aconteceu, por que ela reagiu daquele jeito, e qual o caminho a tomar após
descobrir essas coisas.
Após quase meia hora caminhando e pensando em tudo isso, Ana chega na rua
da escola Rio Dourado.
E como tem feito esses dias, ela para.
Ana olha para os lados. Nenhum sinal de Victor.
Ela olha para a escola. Nenhum sinal de Victor.
Ana anda apressada para entrar antes que o portão se feche.
E quando entra, ela não vai diretamente para a entrada do prédio da escola. Ela
dá a volta e entra pela saída dos fundos, que dá para a quadra de esportes.
84 – Um mês depois, o recomeço - 24
E como nada disso é suficiente para quem deve, Ana escolhe a rampa do prédio
oposto ao dela.
Ao subir os três lances de rampas, Ana passa de um prédio para o outro pela
ligação central que os dois têm um com o outro, que dá forma ao “H” que é a escola,
se vista de cima.
Ao se ver no corredor da sala onde estuda, Ana anda apressada até entrar nela.
— Ufa! — diz Ana, jogando a mochila na mesa da carteira onde fica, a mesma
de antes do incidente com Ludmila.
Ana se senta e relaxa pela primeira vez desde que acordou.
Automaticamente, a visão do olhar de Aleph toma a sua mente.
Ana sente o corpo esquentar. O calor, embora que prazeroso, a incomoda. Ana
não tem tempo de ter isso agora.
Ana olha para os lados. Ninguém chegou ainda na sala.
Ela sabe que precisa fazer uma coisa, a única coisa que poderia tirar aquela
visão da mente dela, mas que naquela hora aquilo seria absolutamente impossível.
Ela pensa num lugar. O terraço.
Ana pega sua mochila e anda apressada até o centro do prédio, onde fica a
porta que dá acesso ao terraço.
Mas para sua decepção, Ana se depara com uma corrente e um cadeado
trancando a porta.
— Droga! — diz ela, pondo a mão na cabeça, sentindo que irá explodir em
alguns segundos.
Ana anda a esmo pelo terceiro andar, procurando algum lugar onde não tenha
ninguém.
85 – Um mês depois, o recomeço - 25
Ela vê uma porta que nunca tinha visto antes por nunca ter andando por ali. É a
porta de serviço, onde o zelador guarda os baldes, os esfregões, escada, entre outras
coisas.
Ana olha para os lados, e quando vê que não tem ninguém olhando, corre para
a porta.
Por sorte, ela está aberta, apenas fechada com um cadeado com o gancho
colocado em cima do buraco, para dar a entender que está trancado.
Ana abre a porta e entra. É escuro e apertado dentro. O suficiente para não ver
mais que o próprio nariz, e não poder levantar o braço reto sem bater na outra parede.
Ana procura um interruptor, mas não o liga. De repente ela percebe que
prefere assim.
Apenas um minuto depois de Ana estar ali os pensamentos sobre Aleph
retornam.
Sem mais conseguir resistir, Ana desce sua mão sobre a saia jeans e a sobe até
ficar com toda a calcinha à mostra.
Ana suavemente coloca uma mão por dentro da calcinha, outra sobre os seios
por baixo da camisa e começa a se acariciar.
Quando percebe que não se ouve ninguém andando naquela área, onde mal
passam alunos, Ana intensifica as carícias.
Ela começa a gemer, cada vez mais intensamente.
Em alguns momentos, Ana chega mesmo a gritar. Então ela para e espera. Se
não ouve nenhum barulho, ela continua.
Ana repete esse processo prazeroso e torturante ao mesmo tempo durante
cerca de uma hora.
Por fim, Ana chega lá, imaginando Aleph sendo o mais rude possível com ela.
Talvez por causa do que aconteceu com ela e Josy, cuja imagem várias vezes se
misturou às dela e de Aleph, provocando em Ana o equivalente a uma overdose de
prazer.
86 – Um mês depois, o recomeço - 26
O último grito de Ana demora quase um minuto. Ela acaba banhada em suor,
respirando ofegante, quase sem ar naquele lugar apertado.
Após mais algum tempo, relaxando e se arrumando, Ana decide que é hora de
sair dali.
Ela abre a porta com cuidado e olha em volta. Ninguém.
Ana sai e olha para o relógio.
Mais de uma hora e meia se passou desde que ela entrou pela porta de serviço.
Ana não está preocupada. Ela sabe que faltar uma aula ou outra não irá afetar
suas notas.
Ana anda calmamente, pensando no que a fez fazer o que fez. Ana não se
reconhece mais.
— O que está havendo comigo? — pergunta-se ela — Será que eu sou
ninfomaníaca?
Esse pensamento a tortura, mas não tanto quanto o de se lembrar da cara de
decepção de Victor.
Ana sabe que em algum momento ela e Victor irão se encontrar naquela cidade
pequena, mas nem tanto do interior. É só uma questão de tempo para esbarrar com
ele em alguma lanchonete ou no próprio parque, que ela pretende visitar de novo
algum dia. Afinal, o parque de Rio Dourado é ainda o lugar preferido de Ana.
Desde que Ana saiu quase que correndo da casa de Victor, a vida dela na escola
Rio Dourado não tem sido a mesma. Tanto para bom quanto para mau.
Se por um lado Ana não passava um minuto de paz, sempre pensando que
veria Victor surgir pela porta da sala de aula, por outro lado ela nem prestava mais
atenção aos comentários dos outros alunos sobre o que aconteceu com relação à
tentativa
de
suicídio
Ludmila.
87 – Um mês depois, o recomeço - 27
Ana chega à sua sala de aula. Ela entra sem nem olhar para a praticamente
neonazista Professora Vanessa, que ministrava mais uma aula chata de matemática.
— Ana? — diz a professora, percebendo a entrada sutil de Ana.
— Olá, professora… — diz Ana, colocando a mochila na cadeira da carteira
onde sempre se senta.
Estranhamente, ao olhar para a Professora Vanessa, Ana não vê aquela
expressão séria ou irritada de sempre. Muito pelo contrário, Ana vê a Professora
Vanessa com uma expressão que mais parece de pena.
Ana estranha muito esse olhar, que chega a lhe incomodar de um modo que ela
mesma não consegue dizer qual.
— Ana, minha querida!… — diz a professora, falando num tom maternal —
Acho que você não foi avisada a tempo, não é?
Ana fica realmente preocupada ao ouvir aquilo.
— “Avisada”? — diz Ana, confusa e com um sentimento ruim tomando seu
corpo — Avisada de quê?
A Professora Vanessa, ainda com aquele olhar de piedade, se limita apenas a
olhar para o meio da sala de aula.
Ana faz o mesmo.
E o que ela vê é Beth, Mary, Josy, Carly e Cassy, as garotas satânicas, todas
sentadas juntas e com suas respectivas mochilas, olhando para ela de volta.
— Olá, Ana… — diz Beth, com um sorriso sarcástico — Quanto tempo, não?
Ana sente como se estivesse num pesadelo, e que talvez esteja mesmo, já que
chegou a quase desmaiar quando estava na área de serviço da escola.
— Eu sinto muito, querida… — diz a Professora Vanessa, tomando novamente a
atenção da perdida Ana —… Mas foi o próprio juiz quem decidiu isso. Ele disse que
como não existe nenhuma prova contra elas, a lei manda que elas voltem a estudar
normalmente, inclusive, se for o gosto delas, na mesma escola.
— E é claro que nós não iríamos para outra escola — diz Mary, sorrindo para
Ana — Já que é aqui que está a nossa melhor amiga, Ana. Não é Ana?
Como tudo isso é demais para Ana, ela não aguenta e desmaia, caindo com um
baque seco no chão, diante de todos.
88 – Garotas satânicas, o retorno - 1
Enfermaria da escola Rio Dourado. Horas depois de Ana desmaiar na sala de
aula.
— Como ela está? — pergunta a senhora Angélica, preocupada.
— Calma, senhora Angélica, a sua filha está bem. Ela só teve um colapso
nervoso, muito provavelmente provocado pelo choque de ver as garotas que ela
acusou de volta à escola — responde a diretora Alberta, ao lado da belíssima
enfermeira Velma.
— “Colapso nervoso”? “Choque”? Mas afinal o que está acontecendo aqui
nessa escola? — diz a senhora Angélica, quase gritando de tão aborrecida. — Como
podem permitir que aquelas garotas voltem para cá, depois de tudo aquilo?
— Mas senhora Angélica,… vejo bem… — diz a diretora Alberta — A polícia não
achou nenhuma arma, nenhuma droga, nada! Como podemos acusar essas meninas,
que já têm tantos problemas em casa se não temos nenhuma prova?
— Minha filha disse que elas traficavam drogas nessa escola! E ela nunca
mente! — diz a senhora Angélica, furiosa.
— Eu sei que a sua filha não mente, senhora Angélica — diz a diretora Alberta
— Mas mesmo ela não mentindo, ela pode ter sido levada a pensar que tudo isso
acontecia, quando na verdade, não acontecia. Você sabe, as crianças acreditam em
tudo que veem. Ela pode ter confundido alguma coisa com uma arma ou com drogas…
— A minha filha não se confunde com nada! — protesta a senhora Angélica,
não deixando a diretora Alberta falar — Eu vou à polícia, ao ministério da educação e
até ao inferno se for necessário, mas vou fazer de tudo para tirar essas bandidas da
escola!
A diretora Alberta balança a cabeça e dá de ombros, vencida.
89 – Garotas satânicas, o retorno - 2
— Certo, certo, senhora Angélica… pode fazer o que quiser — diz a diretora —
Mas o meu trabalho é acatar a decisão da justiça quanto ao ensino que essas meninas
precisam ter. Por outro lado, a senhora sempre pode transferir a sua filha para outra
escola. Então, se me permite, com licença que eu tenho uma escola para administrar!
Furiosa, a diretora Alberta deixa a enfermaria, bufando e andando rápido para
o andar de baixo, onde fica a administração da escola.
A senhora Angélica volta suas atenções para a filha, que escutava a tudo da
cama onde estava deitada, recuperando-se do desmaio.
Ana olhava para o teto. Ela queria não estar ali. Ela não queria nem ter nascido.
— Vamos embora, Ana! — diz a senhora Angélica, pegando a mochila de Ana e
colocando no ombro — Eu vou hoje mesmo falar com a polícia. Amanhã nós vamos ver
se essas garotas vão continuar aqui!
Ana se levanta apenas o suficiente para se sentar na cama.
— Eu não vou, mãe — diz ela.
— O quê? — pergunta a senhora Angélica, que pensa não ter ouvido direito —
O que você disse?
— Que eu não vou para casa — responde Ana, decidida. — Me dá a minha
mochila. Eu vou para a classe. Eu não posso perder mais aulas.
A senhora Angélica deixa a mochila em cima da cama onde Ana está e se
ajoelha para falar cara a cara com Ana.
— Minha filha, esqueça essa escola! — diz a senhora Angélica, preocupada —
Esqueça tudo! A gente te tira daqui. Vamos para outra escola, ou, se quiser, até outra
cidade. Com o que ganhamos do seu pai podemos ir para onde quisermos!
90 – Garotas satânicas, o retorno - 3
— Eu não vou ficar fugindo para sempre! — diz Ana, com raiva — Eu não sou
covarde, mãe! Eu não tenho medo delas! Eu vou ficar! Me dá a minha mochila!
Ana se levanta e pega a mochila. E sai andando rápido, embora que um pouco
cambaleante por causa do desmaio, na direção da classe 9C.
— Ana! — grita a senhora Angélica.
— Vai para casa, mãe! Eu vou dobrar essas garotas! — diz Ana, decidida,
gritando de volta.
— Meu Deus… — diz a senhora Angélica, sentindo que não pode fazer nada
para convencer sua filha a desistir.
Ana anda a passos rápidos para a classe, e enquanto anda, pensa em tudo que
passou.
Ao chegar à classe, Ana entra sem pedir licença à Professora Dryka e se senta
bem na frente de Beth, onde aluna alguma ousaria sentar.
Imediatamente Ana se vira para falar com Beth.
— Oi — diz Beth, séria. — Cuidado, por favor. Eu não quero que você desmaie
vendo a minha cara…
— Primeiro! — diz Ana, mostrando um dedo, e falando quase sussurrando —
Eu desmaiei porque tive a melhor gozada da minha vida alguns minutos antes de ver a
sua cara feia, e foi por ter gozado tanto assim que eu desmaiei, e nem adianta você
querer saber o que é que me fez sentir assim, pois como é lésbica, nunca na sua vida
você saberá. Segundo! Eu não estou nem aí se você está com raiva de mim por eu ter
dito que vi o que vi, pois foi você quem me enganou, para começar. Terceiro! Eu não
estou com medo de você, e nem vou estar! Quarto! Eu não vou deixar essa escola.
Então, se quiser me azucrinar ou se vingar de mim, dane-se! Você quem sabe o quanto
quer se ferrar na vida. Quinto! Acho que você deveria agradecer por eu ter chamado a
polícia, pois agora tudo aquilo acabou, e você pode seguir seu caminho livre daquela
sujeira, mas se você quiser voltar e fazer tudo de novo, sinceramente, foda-se! Sexto!
Eu não quero mais nada com vocês. Então eu agradeço se nunca falarem comigo!
Sacou?
91 – Revanche - 1
Quando termina de falar, Ana está resfolegando de raiva.
Josy, Mary, Carly e Cassy, que se sentam em volta de Beth e Ana, apenas olham
uma para outra, sem saber o que dizer.
— Já acabou? — pergunta Beth, falando calmamente.
— Já — responde Ana, não tão calma, mas ainda um pouco furiosa.
Beth aproxima seu rosto do de Ana para falar sem ser escutada pela Professora
Dryka, que continuava a dar sua aula sem ligar para nada.
— Eu não estou nem aí para você — diz Beth.
Beth retoma sua postura anterior, de escrever tudo que a Professora Dryka
escreve no quadro negro.
Enquanto isso, Ana fica com cara de boba, sem saber o que pode significar
aquilo.
Finalmente, Ana dá de ombros e faz a mesma coisa que Beth, só que bem mais
rápido, por ter pegado a aula no meio e o quadro estar cheio de anotações.
Beth olha para Ana quando esta não percebe, e depois para as demais garotas
satânicas, que ainda não entendem o que houve.
Depois Beth retoma as anotações.
Depois da aula, a sirene toca e o turno da tarde chega ao fim. A turma 9C é
liberada, e Ana, uma das primeiras a sair, anda rápido para não ser alcançada por
nenhuma das garotas satânicas. Antes de estar com medo delas, Ana quer evitar
seguir pelos mesmos caminhos que fazia até em casa. E para isso ela tem que
aproveitar que ainda é de dia.
Já Beth, Mary, Carly, Cassy e Josy ficam na sala de aula, esperando todas as
demais garotas saírem.
92 – Revanche - 2
Quando não há mais nenhuma garota na sala, as garotas satânicas saem da
sala.
— Podemos mesmo ir agora? — pergunta Mary, preocupada com alguma coisa,
mas ainda com sua aparência de garota má, de quem sempre está pensando em
alguma coisa sinistra.
— Sim, todas as garotas e até a Professora Dryka viram que estávamos na sala
de aula quando Ana saiu — responde Beth, andando com as mãos nos bolsos. — Assim
o nosso álibi está garantido.
— E Bruna? — pergunta Mary, sempre querendo saber de tudo — Podemos
confiar que ela fará a parte dela?
— Ela fará — responde Beth, segura do que diz. — Ela não deixará Ana se sair
numa boa quando a namorada dela continua no hospital.
— E quando vai ser? — pergunta Carly.
— Que horas são? — pergunta Beth.
— Cinco e vinte — responde Cassy, olhando no seu relógio.
Beth para pra pensar um pouco. Ela olha para o horizonte pelo vão do corredor.
— Acho que é agora — responde ela.
As garotas satânicas olham para o horizonte, todas pensando no que vai
acontecer.
Enquanto isso, Ana continua seguindo pela sua rota de fuga, evitando a todo
custo encontrar Victor.
Ela está chegando perto vizinhança do parque Rio Dourado, umas três ruas
longe dele. De repente, ela para de andar.
— Eu não acredito… — diz ela, não muito surpresa.
Um garoto de cabelos pretos, olhos verdes, de rosto um pouco redondo espera
numa encruzilhada que tem vista para a entrada do parque, além de poder ver quem
passasse nas ruas paralelas a ele.
— Mas como ele?… Droga! — diz Ana, escondendo-se atrás de um poste, e
olhando para Victor.
Muito ocupada em ficar fora da vista de Victor, Ana não percebe uma moto se
aproximando na frente dela.
93 – Revanche - 3
— Ei! — diz o motoqueiro, de capacete abaixado, roupa preta e capacete preto.
Ana se volta para o motoqueiro, e então percebe a arma apontada para ela.
— Quê? O que é isso? — diz ela, assustada.
— Monta! — diz o motoqueiro.
Ana deixa cair a mochila, e faz menção de que vai correr.
— Se correr, eu atiro na sua cabeça — diz o motoqueiro, fazendo Ana
imediatamente mudar de ideia. — Agora monta!
Sem uma escolha melhor, Ana faz o que o motoqueiro diz e monta atrás dele.
— Agarre-se com força — diz o motoqueiro. — Se você cair, eu volto e atiro em
você, entendeu?
Ana não responde. Ela apenas agarra o motoqueiro pela cintura, com força,
como ele indicou.
O motoqueiro então acelera a moto e dispara para frente. Antes de sair da rua,
Ana dá uma rápida olhada para Victor, que ainda está olhando para os lados, com as
mãos nos bolsos por causa do frio. Ele não percebe que não muito longe dele Ana está
sendo sequestrada.
Ana ainda pensa em gritar, mas no último instante pensa que isso poderia fazer
o motoqueiro querer atirar em Victor, e disso ela nunca se perdoaria.
Deixando seu destino aos céus, Ana pensa no porquê de aquilo estar
acontecendo, e então encontra a resposta. A única resposta possível.
— Você está fazendo isso por causa das garotas satânicas, não é? — pergunta
Ana.
O motoqueiro não responde. Ele apenas anda o mais rápido que pode sem, no
entanto, chamar a atenção da polícia.
Ana continua pensando.
94 – Revanche - 4
— É a Ludmila, não é? Ela quer o dinheiro dela, que ela perdeu quando eu
acabei com o esquema dela. Ela sabe do dinheiro do meu pai, não é? É por isso que
você está me sequestrando? — Ana tenta de novo.
Porém, o motoqueiro nada diz. Ele continua levando Ana para longe do parque.
Minutos depois, ele chega à pedreira nova, onde dias antes as garotas
satânicas se reuniam.
Ele sobe a ladeira com Ana, que começa a desconfiar que aquilo não é só um
sequestro.
— Você vai me matar? — pergunta ela, ainda que com medo de saber a
resposta.
Mais uma vez, o motoqueiro não responde.
Ana e o motoqueiro vão parar no topo da pedreira, onde fica o precipício. O
motoqueiro para a moto bem perto dele.
— Desce! — ordena ele.
Ana obedece. Ela sai da moto e anda alguns metros.
— Agora vamos esperar… — diz o motoqueiro, ainda sentado na moto, mas
apontando a arma para Ana.
— Eu sei que você não quer me matar — diz Ana, achando melhor falar alguma
coisa do que nada. — Eu não acredito que a Ludmila queira me matar. Ela não é
assassina.
O motoqueiro continua apontando a arma para Ana, sem dizer nada.
— Afinal, o que estamos fazendo aqui? — pergunta Ana, perdendo a calma
com o silêncio do motoqueiro.
Ele nada diz.
— Fala alguma coisa, droga! — diz ela, ganhando alguma coragem com o medo
— Você vai fazer alguma coisa comigo?
— Eu não — responde ele.
“Eu não”? pensa Ana, tentando entender de quem ele poderia estar falando.
95 – Revanche - 5
— Escuta… — Ana tenta ganhar tempo — Meu pai deixou uma grande
quantidade de dinheiro para mim e para a minha mãe… Se você quiser, eu posso te dar
algum para…
— Relaxa, garota. Eu não estou fazendo isso por dinheiro — diz o motoqueiro,
antes que Ana termine.
— Então por quê? — pergunta Ana, quase chorando de medo — Quem é você?
O que quer de mim?
— Eu já disse. Eu não quero nada de você. Eu apenas fui contratado para te
trazer aqui — responde o motoqueiro. — Mas a pessoa que me contratou sim, ela têm
algo a tratar com você.
— Eu já disse! Eu tenho dinheiro! — diz Ana, desesperada — Eu posso pagar
muito para você, se você apenas me levar de volta para a cidade! Meu pai…
— Háháháháhá… — ri o motoqueiro. — Vocês filhinhas de papai, são todas
iguais… pensam que o dinheiro compra tudo. Mas não compra. Existem coisas mais
valiosas que dinheiro, sabia?
— O quê? — pergunta Ana, achando que conversando com ele ganhará a
confiança dele e quem sabe, ele acabe deixando-a ir.
—… Amor, por exemplo — responde o motoqueiro. — O amor, ao contrário das
pessoas, não pode ser comprado. Acho que você que é tão romântica deveria saber
disso melhor do que ninguém. A vida é mesmo irônica… hehehe…
Ao ouvir aquela resposta, Ana fica confusa.
— “Amor”? — diz ela, desconfiada que aquilo possa não ser exatamente o que
ela pensa — Afinal, quem te enviou para me pegar?
— Eu já disse. Eu fui contratado por alguém que quer falar com você —
responde o motoqueiro. — E por falar no diabo,…
O motoqueiro aponta para a ladeira. Ana imediatamente olha para lá.
96 – Revanche - 6
— E aí, Ana? — diz Bruna, subindo a ladeira com as mãos nos bolsos.
— Eu sabia! — diz Ana, entre zangada e nervosa de medo, mas mais calma ao
ver que estava certa quanto a quem foi que enviou o sequestrador para pegá-la.
Bruna anda até chegar perto de Ana, e o motoqueiro joga a arma para Bruna
pegar.
— Eu já paguei minha dívida com seu pai. Agora é com você — diz o
motoqueiro, saindo em disparada.
— O que você quer, Bruna? — pergunta Ana, agora cheia de coragem, por estar
com alguém que ao menos já viu antes — Sabia que sequestro é crime hediondo? Você
quer ir para a prisão?
— Relaxa, garota… — diz Bruna. — Eu só quero dar uma festa aqui. Você gosta
de festas, não gosta?
— Eu vou nessa! — diz Ana, andando rápido para a ladeira que é a saída da
pedreira.
Ana ouve um tiro, e instintivamente se abaixa. O tiro pegou de raspão uma
pedra diante dela.
— Melhor não ir agora — diz Bruna, ameaçando atirar de novo.
— Você não vai atirar em mim — diz Ana, convicta.
— Quer mesmo arriscar? Acha que depois disso tudo eu vou mesmo ter medo
de atirar em você, Ana? — pergunta Bruna, mirando nela.
— Você não atirou em Josy naquele dia — responde Ana. — Você não tem
coragem. Melhor dizendo, você não pode ser tão louca a ponto…
Ana para de falar quando vê Bruna sacar uma faca e ir na direção dela.
— E que tal se eu cortar esse teu rostinho de boneca?
— Você não faria… — diz Ana, quase gaguejando de medo.
97 – Revanche - 7
— Não faria o quê? Isso? — Bruna faz um gesto rápido, e Ana sente algo como
uma coceira no lado esquerdo do rosto.
Quando Ana passa a mão no lugar, ela sente algo escorrendo. Ana olha para a
mão e vê sangue.
— Oh meu Deus! — diz Ana, assustada, passando novamente a mão no rosto e
vendo mais sangue — Oh meu Deus! Oh meu Deus!
— O que foi, dondoquinha? — pergunta Bruna, sarcástica, cruzando os braços e
rindo — Você não aguenta ver sangue?
— Por favor, Bruna, me deixa ir!… — diz Ana, novamente voltando a ficar
desesperada — Eu não digo a ninguém que você me sequestrou! Eu juro!
— Acho que é tarde demais para você ir. As demais convidadas já chegaram —
diz Bruna, apontando para a ladeira.
Ana olha para a ladeira e vê cinco pessoas subindo.
— Olá, idiota! — diz Mary, chegando à frente das demais garotas satânicas.
— Ah, Eu sabia!… — diz Ana, revoltada — Eu sabia!
— Você sabia o quê, idiota? — pergunta Beth, chegando perto de Bruna e
ficando ao lado dela — Você não sabe de nada…
— Ah, eu não sei… — diz Bruna, sarcástica — Talvez ela saiba alguma coisa.
— Que nada! Ela só sabe bater siririca na área de serviço da escola — diz Mary,
sorrindo. — Tem que ver como ela geme quando goza. Parece que tá morrendo…
Ao ouvir isso, tanto Bruna quanto as garotas satânicas riem abertamente.
— O que vocês querem de mim? — pergunta Ana, ao mesmo tempo revoltada
e amedrontada.
— Pra quê a pressa? — pergunta Beth — A noite ainda é uma criança.
As garotas riem novamente.
— Acho melhor aproveitarmos desde já — diz Mary.
— Tá bom — diz Beth. — Acho que a Mary tem razão. Vamos começar. Carly!
Vai lá pegar os brinquedos!
—… “Brinquedos”? — pergunta Ana, confusa.
— Deixa que eu pego! — diz Josy, correndo excitada na direção de um banheiro
de madeira abandonado — Eu pego!
Minutos depois de Josy entrar no banheiro, ela volta com uma sacola
aparentemente cheia de coisas.
Ana, confusa e com medo olha para a sacola, tentando adivinhar o que tem
dentro.
—… Agora a festa vai começar — diz Bruna.
Olha, pessoal! Infelizmente os capítulos de hoje já acabaram.
Amanhã eu posto mais, sempre começando às 14 horas e indo até as 18 horas
mais ou menos.
Agradeço àqueles que favoritaram, acompanham e comentam a fic! Espero que
estejam gostando. Até amanhã! o/
98 – Revanche - 8
— O que é isso? — pergunta Ana, cada vez mais amedrontada.
— Algo que você deve estar querendo muito,… — responde Beth, pegando a
sacola da mão de Josy, e colocando sobre uma rocha da altura de uma cadeira —…
como isso.
Beth retira da sacola um consolo de plástico cinza, uma imitação perfeita de
pênis, de uns dezoito centímetros de comprimento, e uns cinco centímetros de
largura, junto com uma esfera colada embaixo, imitando um escroto endurecido pela
excitação.
Ao ver isso, Ana entra em um profundo estado de desespero, e tenta correr,
mas as garotas satânicas já a tinham cercado, e Mary a agarra, juntamente com Carly.
— Tá correndo do pau, virgenzinha? — diz Mary, agarrando firmemente o
braço direito de Ana — Mas não se preocupe. Hoje nós vamos resolver esse teu
problema!
— Não, Mary, por favor! — choraminga Ana, tentando se livrar dela e de Carly
— Assim não! Não faz isso comigo!
— E aí? — pergunta Carly, segurando o braço esquerdo de Ana — Como a
gente faz agora? Tira a roupa dela?
Beth está de braços cruzados, segurando o consolo com a mão direita, sorrindo,
aparentemente se divertindo muito com aquilo. Ela olha para Bruna, que está do seu
lado, também adorando que vê.
— Quer fazer as honras? — pergunta Beth.
— Eu prefiro deixar minha parte para o final — responde Bruna.
Beth olha para Ana, que está praticamente implorando com o olhar que a
soltem.
— É. Tira a roupa dela. Toda a roupa! — ordena Beth.
— NÃO! — grita Ana, usando toda a força dos seus pulmões.
99 – Revanche - 9
— Cala a boca! — diz Mary, arrancando o casaco e depois a camiseta de Ana,
enquanto Cassy e Josy ajudam a segurar os braços e as pernas dela.
Carly retira os sapatos e depois a meia calça.
— De meia calça? Mas que delícia… — diz Carly, arrancando a peça — Sua
safada!
Mary puxa o sutiã de Ana com tanta força, que o fecho se parte, mostrando
seus seios pequenos.
Josy aproveita que Ana está só de saia para puxar a calcinha dela, revelando sua
nudez.
— Já tá bom assim — diz Beth, quando Ana está só com minissaia jeans. — Eu
gosto dessa visão. E você, Bruna?
— Hum,… — Bruna coloca a mão no queixo, como que avaliando o que vê —
Acho que assim tá bem sexy.
Ana, deixada só pelas garotas satânicas, que se afastam para ver o que fizeram,
fica de pé, com os braços cruzados, protegendo os seios e as pernas juntas, tentando
manter-se protegida também embaixo. Percebendo que não tinha saída, Ana desaba,
e chora, soluçando muito.
Enquanto isso, as garotas satânicas e Bruna riem à toa, deliciando-se com cada
gemido e soluço de choro de Ana.
— Ah,… Coitadinha da nerdamerda… — diz Mary, fazendo pouco de Ana —… Tá
com frio, tá? Deixa que eu aqueço você… — Mary olha para Beth, que compreendendo
o que Mary quer, lhe entrega o consolo.
— Manda ver nessa vadia — diz Beth.
— Deixa comigo — diz Mary, decidida.
Mary anda com o consolo na mão, olhando para Ana como se ela fosse um
animal a ser sacrificado.
100 – Revanche - 10
— Não, Mary,… — diz Ana, choramingando.
— Coloquem essa vadia de quatro! — ordena Mary.
Josy, Carly e Cassy obedecem e novamente agarram Ana. Cassy e Carly cuidam
de segurar Ana pelos braços, e Josy segura as pernas. As três garotas forçam Ana a se
abaixar.
— Não, Josy! Por favor, não! — implora Ana — Você disse que não me
machucaria de novo! Você prometeu isso!
Josy se sente balançada por aquilo que Ana disse, mas a fidelidade dela para
com as garotas satânicas, e principalmente Beth, é maior.
— Foi mal, Ana — diz Josy, forçando as pernas de Ana a se dobrar. — É só
relaxar. Vai acabar logo.
— Vai acabar logo nada! — replica Carly. — Vamos fazer isso durar, não é,
Mary?
— Por mim, eu fico com essa puta a noite toda — responde Mary,
posicionando-se atrás de Ana.
— NÃO! — grita Ana, quando finalmente é colocada de quatro.
— Ei! Espera! — diz Josy, olhando para o lado — O que foi isso?
Carly e Cassy, que agora seguram Ana pelos ombros, forçando-a a permanecer
no chão, olham na direção de onde Josy olhou.
— O que foi? — pergunta Carly.
— Eu não sei… — responde Josy, confusa — Eu acho que vi alguém com uma
lanterna, lá atrás do armazém. Acho que tem mais alguém aqui!
— Alguém? — pergunta Bruna, olhando para trás, na direção do armazém, que
fica uns duzentos metros distante do precipício — Você tem certeza?
— Eu vou lá — diz Bruna, de revolver na mão, andando na direção do armazém.
Enquanto esperam Bruna ver o que é, Carly, Cassy e Josy mantém Ana de
quatro, com as mãos e joelhos no chão.
101 – Revanche - 11
— Por favor, Josy… — diz Ana, apelando para a humanidade da garota satânica
— Me deixa ir embora. Eu nunca mais vou mexer com vocês. Eu até me mudo de
escola! De cidade!
De onde está, atrás de Ana, Josy olha com um misto de piedade e desejo para
ela, e parece hesitar.
— Eu não sei… — diz Josy.
— Não sabe o quê? — pergunta Carly, irritada com aquela conversa.
— Eu não sei! — repete Josy, claramente cheia de dúvidas na cabeça — Eu não
sei se devemos fazer isso com ela. Talvez aquela luz seja um sinal, sei lá,…
— Cala a boca e para de falar merda! — diz Cassy, igualmente irritada.
— Deixa de ser covarde, Josy! — diz Mary, igualmente irritada, esperando a
hora para enfiar o consolo em Ana.
Ana percebe que aquela pode ser a chance de se sair daquela situação.
— Josy! Se você me ajudar a fugir daqui, eu transo com você! — diz Ana,
tentando ser o mais convincente possível — Ouviu o que eu disse, Josy? Eu transo com
você! Eu serei sua escrava! Eu faço o que você quiser! Eu te chupo! Eu faço tudo!
— Tudo? — pergunta Josy, parecendo encantada pela ideia — Tudo mesmo?
— TUDO! — insiste Ana — É só você me ajudar que eu sou sua! Eu juro por
Deus!
— CALA A BOCA, PUTA! — grita Mary com raiva — BETH! ESSA PUTA QUER
DOMINAR JOSY!
Beth ri.
— Deixa ela falar, Mary — diz Beth, ainda de braços cruzados. — Ela não sabe
que eu tenho a Josy na minha mão. Não é, Josy?
Josy olha para Beth, como que pensando no que fazer.
— Não é, Josy ?… — repete Beth, com mais ênfase na frase.
102 – Revanche - 12
— É,… Beth… — responde Josy, visivelmente falando contra a própria vontade.
Carly e Cassy olham uma para outra, desconfiadas de que Beth sabe alguma
coisa sinistra sobre Josy.
Enquanto isso, Bruna chega ao armazém. Ela se encosta na parede de madeira
e olha para trás do armazém. Então ela anda devagar, sempre com a arma na mão,
pronta para atirar.
Bruna chega perto da parte de trás do armazém. Ela corre e vê atrás dele. Ela
não vê nada de suspeito. Apenas mato, peças enferrujadas de tratores e caminhões,
lixo de visitantes recentes, como bêbados e maconheiros — geralmente garrafas e
latas de cerveja, sacolas plásticas, seringas usadas e embalagens de sanduíches.
Bruna olha para o mato que existe atrás do armazém, o mato que cobre todo o
morro além da pedreira, na direção do descampado, do lado de fora da cidade. Ela
tenta ouvir qualquer coisa que denuncie a presença de alguém. Mas Bruna não ouve
nada.
Minutos depois, Bruna retorna.
— E aí? — pergunta Beth.
— Nada — responde Bruna. — Acho que a sua amiga aí tá bolada. Não tem
nada lá atrás a não ser mato e lixo.
— Mas eu vi! Eu não tou bolada! Eu não fumo nem cheiro nada faz meses! Eu
juro! — diz Josy, tentando se justificar — Eu sei que vi uma luz lá atrás!
— Feito aquela ali? — pergunta Beth, apontando para uma moita não muito
longe delas. Um vagalume piscava e acendia sua luz amarelada.
103 – Revanche - 13
— Qual é! Não era a porra de um vagalume! — diz Josy, irritada — Eu não sou
tão idiota a ponto de confundir isso com o que eu vi! Aquilo era bem mais forte! Como
uma lanterna!
— Então era um monte de vagalumes, sua idiota, tanto faz… — diz Bruna,
rindo.
— Vai ver você viu um fantasma… — diz Beth, também rindo.
Ao ouvir aquela palavra, Carly e Cassy novamente se entreolham, assustadas.
— Tá dizendo que aqui tem fantasma? — pergunta Cassy, mais medrosa que
Carly.
— Eu não pensei nisso… Será? — diz Josy, confusa.
Mary leva uma mão à cabeça, decepcionada.
— Deixem de ser idiotas! — diz Beth, irritada com a ingenuidade das suas
garotas satânicas — Essa coisa de fantasma não existe! Deve ter sido só coisa da
cabeça de Josy, que tá aí, toda melosa por causa dessa umazinha aí!
Beth anda na direção das garotas.
— Eu assumo sua parte — diz Beth, olhando para Josy.
— Não! Por favor, Beth, deixa eu ficar aqui! — implora Josy — Eu quero ver isso
de perto!
— Eu não vou dizer de novo, Josy — diz Beth, muito séria e assustadora.
Josy, como um cachorro com o rabo encolhido entre as pernas, obedece, e se
levanta, deixando para Beth o trabalho de segurar as pernas de Ana.
Ao deixar as pernas de Ana livre, ela, que passou o tempo todo ouvindo a tudo
atentamente, aproveita um momento de desatenção de Beth, que se abaixa para
pegar as pernas dela, para chutá-la na cara.
104 – Revanche - 14
— FILHA DA PUTA! — grita Beth, caindo de costas no chão duro da pedreira.
Com o susto, Carly e Cassy afrouxam as mãos e Ana se aproveita para empurrar
as duas também, que igualmente caem de costas, embora que não deitadas, como
Beth.
Com o caminho livre, Ana corre o máximo que pode na direção da ladeira.
— Bruna! Ela tá fugindo! — grita Beth, com a mão no nariz, que sangra muito.
— Merda! — diz Bruna, correndo atrás de Ana.
— Pega ela! — grita Mary, deixada para trás naquela correria.
Mas Ana, desesperada como está, corre mais rápido que Bruna.
— ELA VAI ESCAPAR! — grita Beth, já de pé — NÃO DEIXA ELA ESCAPAR, OU A
GENTE TÁ FUDIDA!
Bruna não vê outra alternativa, a não ser atirar. Bruna mira nas pernas de Ana e
dispara.
O tiro a atinge na batata da perna direita, fazendo-a cair de cara no chão.
— ÁÁH! — grita Ana, segurando a perna atingida, que verte sangue como uma
torneira aberta.
— ISSO! — comemora Beth, com os olhos em chamas de tanta raiva — AGORA
TRAGAM ESSA PUTA AQUI PARA EU MATA-LA!
Carly e Cassy correm na direção de Ana, que apenas fica gritando de dor.
Josy, no entanto, não tem coragem de sair de onde está. Ela fica passando as
mãos na cabeça o tempo todo, muito preocupada.
— Porra, Beth! Você atirou na guria!… — diz Josy, sempre passando as mãos na
cabeça, como que tentando limpar alguma coisa — A gente tá fudida!
— Fudida está ela — diz Beth, andando na direção de Ana, que está sendo
arrastada pelas duas gêmeas, que a levantam pelas axilas.
105 – O Mal é mesmo mau - 1
As gêmeas param diante de Beth, que ergue a cabeça de Ana, puxando-a pelos
cabelos.
— E agora, sua puta? Vai tentar fugir de novo? — Beth começa e termina a
frase dando fortes tapas na cara de Ana.
— Me leva para o hospital… — diz Ana, parecendo que vai desmaiar.
Quando vê Ana assim, Josy fica ainda mais nervosa.
— Jesus Cristo, Beth! A garota está perdendo muito sangue! Vamos levar ela
pro hospital, ou ela vai… — Josy não ousa dizer a palavra.
— Que nada,… — diz Bruna, ficando ao lado de Beth. — Isso foi só um tiro na
perna. Ela vai ficar bem.
— “Ficar bem”? — diz Josy, quase chorando de preocupação — Quando?
Quando ela chegar em casa, toda fudida e disser “Oi, mãe! Hoje eu tava passeando, aí
levei um tiro! Veja só!” É assim que ela vai ficar bem? A mãe dela vai chamar a porra
da polícia para a gente! Vamos todas ser… — novamente, Josy não ousa dizer a
palavra.
Cassy e Carly se entreolham, mais preocupadas do que antes, quando Beth
falou em fantasmas.
— Beth, isso é verdade? A gente vai ser presa? — pergunta Cassy, sempre a
mais medrosa do grupo.
— Cala a boca! — diz Beth, irritada — Essa merdinha aqui não vai ter coragem
de dedurar a gente. Ela vai fazer o que dissermos e dizer o que dissermos. E ela vai
dizer para a mamãe dela que ela foi assaltada, e só! Não é, idiota? — pergunta Beth,
erguendo ainda mais a cabeça de Ana.
Mas Ana não responde.
Carly e Cassy olham de novo uma para outra, mas agora com um olhar
desesperador.
106 – O Mal é mesmo mau - 2
— Ela morreu? — pergunta Carly, a mais corajosa das duas gêmeas.
Bruna ri.
— Que nada. Ela apenas apagou, de medo — diz ela.
Beth dá mais uma tapa em Ana.
— ACORDA, FILHA DA PUTA! — grita Beth.
— Quê? Oh meu Deus!… Não! Não… — diz Ana, percebendo que aquilo não era
um sonho — Não! NÃO façam isso comigo! Por favor!…
Mais que irritada, Beth aplica um soco no estômago de Ana.
As gêmeas largam Ana, que cai de joelhos no chão, e vomita.
— Nossa! — diz Mary, com nojo — Mas que porcaria foi essa que ela comeu?
— Meu Deus, Beth! Vamos parar com isso! Ela vai morrer! — grita Josy, já
chorando de medo.
— Cala a boca, Josy! Você tá me envergonhando, chorando feito uma menina
que quebrou o pote de açúcar — diz Beth, sorrindo. — Isso aqui é só uma lição que
tamos dando nessa vadia. Amanhã ela vai acordar sabendo no que dá se meter com as
garotas satânicas.
Ana, caída no chão, melada de vômito, com o rosto e a perna sangrando e
doendo muito, não consegue ouvi-las. Ela apenas pensa em sair dali.
E enquanto as garotas satânicas conversam, Ana olha para os lados, buscando
uma maneira de fugir.
Ana olha para cima. Ela vê Carly e Cassy cercando-a pelos lados, e na frente
dela, Beth e Bruna, conversando entre si. Mas tudo que Ana ouve é um zumbido alto
na sua cabeça.
Ana sabe que alguma coisa vai acontecer de muito ruim se ela ficar lá, parada,
esperando. Ana sabe que tem que pensar em escapar de alguma maneira, ou talvez ela
morra. O sentimento de isso pode ser realidade dá força à Ana.
107 – O Mal é mesmo mau - 3
— E agora? O que vamos fazer com ela? — pergunta Carly, preocupada com a
ideia de ser presa.
— O que íamos fazer! O combinado, porra! — diz Beth, irritada com a dúvida de
Carly — Essa putinha não vai sair daqui virgem! Quero que fodam ela toda!
Bruna ri da insanidade de Beth.
Josy, esmagada pelo medo de ser presa, senta no chão duro de pedra da
pedreira, e chora.
— Eu vou ser presa… — lamenta ela, chorando e olhando para o chão. — Eu
não quero ser presa, Beth… Vamos soltar ela,… por favor…
— Ah! Pelo amor de Deus!… — diz Mary, ainda mais decepcionada com Josy.
Vendo aquela cena improvável, da mais forte garota satânica chorando como
um bebê, Carly e Cassy ficam ainda mais preocupadas com o que possa acontecer-lhes.
— Beth… — choraminga Josy. — Solta ela…
— Caralho! — diz Beth, mais irritada que antes — Cala essa porra dessa tua
boca, Josy, sua covarde de merda!
Ana vê que Beth está prestando atenção à Josy, e vê nisso sua chance de
escapar.
Ela se levanta e tenta correr, mas a perna ferida a faz cair em cima de uma
moita.
— Eu não acredito… — diz Beth, incrédula, e já puta de tanta raiva — Vem cá,
porra!…
Beth levanta Ana e a vira para ela. Beth arrasta Ana para perto do precipício.
— Não! Não, não, não, não, não! — grita Josy, temendo o pior, acordando com
o que vê.
— Oh meu Deus! — diz Cassy, olhando como Beth arrasta Ana, como se ela
fosse um boneco, sem se preocupar com as pernas dela batendo nas grandes pedras
espalhadas pelo chão.
Até Bruna fica preocupada.
— Ei, calma aí! — diz ela, tentando chamar a atenção de Beth.
108 – O Mal é mesmo mau - 4
Beth para de arrastar Ana quando as duas estão a um metro do precipício.
Beth agarra Ana pelo pescoço, por trás, e com a outra mão segurando-a pelo
braço direito, ela inclina Ana na direção do precipício, de tal modo que Ana fica de
frente para o lago feito de água da chuva, quarenta e cinco metros abaixo.
— Que tal um banho, hein? — pergunta Beth, também olhando para baixo.
Ana olha para o lago, que de tão profundo chega a ser preto, parecendo mais
um buraco que um lago feito de chuva.
— Sabe o que é aquilo lá embaixo? — pergunta Beth — Aquilo é o lago que se
formou por causa das escavações da pedreira. Sabe o tamanho dele? Maior que um
prédio! E sabe do que ele está cheio? Você sabe?
Ana não responde. Depois de tentar fugir duas vezes sem sucesso, ela apenas
espera que aquilo tudo acabe.
—… De corpos! — diz Beth, respondendo à própria pergunta — E sabe, acho
que você pode ser o próximo corpo lá embaixo. Que tal?
Ana ri. E o fato dela rir deixa Beth surpresa. Ana vira a cabeça o máximo que
pode para trás, para falar com Beth.
— Eu sei… — diz Ana, falando com dificuldade —… Que você não tem coragem
de fazer isso,… sua merda.
Ao ouvir aquilo, Beth fica literalmente sem ação.
— O quê? — pergunta ela, incrédula e confusa ao mesmo tempo.
— Você me ouviu bem… — diz Ana, agora sorrindo — Você vai ter que me
deixar ir. E quando eu for, eu vou à polícia. Vocês todas serão presas. Sua vida de
merda vai acabar assim, Beth. Você vai para a prisão. Vocês todas vão.
109 – O Mal é mesmo mau - 5
Beth mal consegue acreditar no que está ouvindo.
— Você tá maluca? — pergunta Beth, sem saber o que dizer — Você acha
mesmo que eu não posso te largar aqui? Você quer morrer?
Carly, Cassy, Bruna, Mary e Josy ouvem muito atentas àquela conversa, cada
vez mais preocupadas com o que pode lhes acontecer.
— Eu, morrer?… — diz Ana, rindo-se logo em seguida — Eu não vou morrer.
Não hoje. Mas você, Beth, você provavelmente vai morrer, sim… Quando você for para
a prisão, você vai ser usada pelas outras presas, essas sim, realmente más. Você vai
lamber o chão delas, e elas vão te comer todos os dias. E sabe como as presas são, não
sabe? Você deve ter visto nos filmes… Elas são horríveis. São perversas. Elas vão te
estragar todinha. E quando você já tiver feito tudo que elas quiserem, uma delas vai
enfiar uma faca feita com colher afiada na parede na sua barriga, só por ter ciúmes de
você fudendo com outra, ou porque não foi com a sua cara de menina perdida que não
sabe o que quer na vida. Porque é isso mesmo que você é, Beth: Uma menina perdida
que vai morrer na prisão porque fez merda. Você, e todas as suas amigas. Você as
fudeu, Beth. Você fudeu com as vidas delas. As de Mary, de Josy, de Carly, de Cassy e
de Bruna também. Vocês todas estão fudidas. Muito fudidas. Vocês vão morrer na
prisão, e a culpa disso tudo será toda sua,… Beth. Elas poderiam ser alguma coisa na
vida, mas você impediu que fossem. Elas vão morrer por sua culpa.
Após ouvir tudo isso, Beth está respirando rápido, visivelmente nervosa, e
tentando passar que não está sentindo nada, fazendo força para impedir as lágrimas
de rolarem pelo rosto.
110 – O Mal é mesmo mau - 6
Beth, tonta com tudo aquilo que ouviu de Ana, começa a tremer. Seja por
medo ou por ter feito muitas coisas violentas momentos antes, como bater em Ana,
correr e levar um chute dela na cara, Beth não controla mais seu corpo tão bem
quanto deveria.
E num momento de distração, sem nem mesmo perceber o que está fazendo,
Beth afrouxa a mão que segura Ana pelo pescoço.
Ana, inclinando-se mais para frente, e vendo que vai cair, grita desesperada.
Beth acorda do torpor que sentia, e tenta agarrar Ana, mas o pescoço dela está
longe demais da mão de Beth para segurá-lo de novo.
Com a outra mão segurando o braço de Ana, ela tenta mantê-la em cima do
precipício. Mas com o peso de Ana puxando-a para baixo, o braço dela lhe escapa à
mão suada.
Ana cai.
Do topo do precipício Beth vê Ana cair gritando e agitando os braços, como que
tentando ainda se agarrar em Beth.
Ao ver que Ana sumiu das suas vistas, Mary, Bruna, Josy, Carly e Cassy ficam
boquiabertas, mas mudas de medo.
Beth vê o exato momento em que Ana se espatifa na água, com um baque seco
e muito alto. Para quem cai daquela altura a água é tão dura quanto uma calçada.
Respingos d’água e sangue disparam em todas as direções. Quando a espuma feita na
explosão desaparece, Beth vê o que parece ser um monte de carne irreconhecível
boiando na superfície do lago, e logo depois afundando na sua escuridão.
Beth dá dois passos para trás, cai de costas no chão, vira-se de lado e vomita.
— Oh meu Deus! OH MEU DEUS! — grita Josy, enlouquecendo por saber que
Ana acabara de morrer — Não! Não! Não, NÃO, NÃO, NÃO!
As demais garotas satânicas, Mary, Carly e Cassy não conseguem dizer nada.
Bruna também não.
Beth vomita mais duas vezes, e olha de novo para a borda do precipício.
— O que foi que eu fiz? — pergunta-se ela, sem conseguir acreditar no que
aconteceu.
111 – O Mal é mesmo mau - 7
Beth, ainda tonta por tudo que aconteceu, levanta-se, cambaleante.
Mary, Josy, Carly, Cassy e Bruna continuam sem acreditar no que viram e
ouviram.
Beth fica apenas olhando para o precipício, sem saber se vai e olha de novo, ou
se foge dali o mais rápido que pode.
Josy fecha os olhos, cai de joelhos e começa a gritar, fazendo sons desconexos,
apenas lamentações sem sentido, dando murros no ar e batendo no chão.
Mary anda devagar até Beth, que não saiu do lugar.
— Ela não morreu, morreu? — pergunta Mary.
— Eu não sei… — responde Beth, tremendo de medo.
Mary olha para o precipício e decide andar até ele.
— Será que não dá para salvá-la? — pergunta-se Carly — Beth! Será que ela
não tá viva?
Beth se vira para ouvir a amiga, e considera a possibilidade real. Beth então
corre para o precipício de novo, ficando ao lado de Mary, que já chegou lá, e está
olhando para baixo.
— O que você viu? — pergunta Beth.
— Eu não vi nada — responde Mary. — E você, o que viu?
— Eu vi ela cair e… — Beth arranja forças do “nada” para falar —… E eu vi uma
explosão de água e sangue misturados.
Mary engole seco.
— Será que ela ainda está viva? — pergunta-se Mary.
— Eu não sei… — responde Beth de novo.
— Se estiver, não será por muito tempo, naquela água — diz Mary.
— O quê? — diz Beth, que de tanto pensar em como seria cair naquela água
não ouviu Mary falar.
— Beth! Se ela está viva, ela vai morrer afogada, a menos que a gente tire ela
de lá! — diz Mary, preocupada — Beth! Acorda! Precisamos correr para salvar a Ana,
antes que ela morra!
112 – O Mal é mesmo mau - 8
Ao ver que havia uma possibilidade de Ana estar viva, Beth desperta e se põe a
correr o mais rápido que pode, descendo a ladeira com tanta gana que quase tropeça
duas vezes nas pedras do caminho.
Vendo que Beth correu para salvar Ana, Bruna, Mary, Carly, Cassy e também a
não mais chorosa Josy correm para ajuda-la.
Enquanto desce por um tempo que lhe parece uma eternidade, Beth reza para
que Ana ainda esteja viva, e que seja possível salvá-la.
Beth chega ao pé do precipício e corre até o lago escuro. Ela tira rapidamente
os sapatos e se prepara para entrar na água.
As garotas chegam também.
Ouve-se um som alto e muito grave, como um “crack”.
Beth, as demais garotas satânicas e Bruna olham para cima, na direção do
precipício.
Um pedaço dele, do tamanho de uma casa, se desprende e desce como uma
guilhotina gigantesca na direção do lago.
A queda na água escura provoca uma explosão de água suja, molhando todas
as garotas, principalmente Beth, que está mais perto.
Com a queda desse primeiro pedaço do precipício, outros pedaços se
desprendem dele e caem, formando uma espécie de monte de pedregulhos no meio
do lago.
Mais pedaços continuam a cair.
— A gente tem que sair daqui! — grita Bruna, correndo para longe da pedreira.
Beth, ignorando Bruna, tenta ir na direção do meio do lago, agora repleto de
pedras tão grandes quanto um carro.
— BETH! — grita Mary, enquanto todas as outras garotas já fugiram — Sai daí!
113 – O Mal é mesmo mau - 9
Beth tenta nadar, mas mais pedaços do precipício caem em volta dela.
— BETH! — grita Mary, com toda a força — Você vai morrer! Sai daí!
Mas Beth não se importa em morrer. Ela apenas pensa em tudo que Ana disse
antes de cair, que ela, Beth, seria a responsável por todas as garotas satânicas terem
suas vidas estragadas. E que no final elas morreriam na prisão, como ela mesma, pela
besteira que fez.
Os pedregulhos caem e Beth nada, até que eles caem com cada vez menor
frequência, até parar.
Mary, que ficou olhando com o coração na mão Beth nadar entre aquela chuva
de pedras, acha incrível que a amiga não tenha sido atingida por nenhum deles.
Beth para de nadar quando alcança o monte de pedras.
— Ana!… — diz Beth, sabendo ser impossível alguém sobreviver àquilo.
Bruna e as garotas satânicas voltam para ver o que aconteceu, e encontram
Mary ajudando Beth a sair do lago.
— Beth! Cadê a Ana? — pergunta Josy — Onde ela tá?
Beth, ajudada por Mary a andar, com as pernas fracas, olha para Josy.
— Ela morreu, Josy — responde Beth, rendendo-se à dura realidade.
— NÃO! — grita Josy — Ela não morreu, Beth! Ela não morreu! Ela tá lá!
— Lá aonde, idiota? — diz Mary, servindo de apoio para Beth e zangada por
todas as terem abandonado — Debaixo daquele monte de pedras?
Josy olha para o lago e também se rende às evidências. Ela abaixa a cabeça e
chora. Dessa vez, um choro silencioso, solitário.
Bruna olha para cima, para o topo do precipício.
— Por que isso aconteceu? — pergunta Carly, sem entender nada.
— Acho que foram os tiros — responde Bruna. — Esse lugar todo é instável. Foi
por isso também que essa pedreira foi abandonada.
114 – O Mal é mesmo mau - 10
Mary deixa Beth sentar numa pedra que tem perto do lago. As garotas todas
estão em volta, procurando algum sinal de Ana, mas em vão.
Bruna olha para a cidade. Já é noite faz algum tempo.
— Beth! A gente tem que se mandar! — diz ela — Daqui a pouco esse lugar vai
estar cheio de curiosos, por causa do barulho!
Beth não consegue pensar. Está tonta demais para isso.
— Ok! Vamos! Vamos! — diz Mary, percebendo a situação de Beth e assumindo
temporariamente a liderança das garotas satânicas. Não sem ter que arrastar a
derrotada Beth com ela.
Enquanto descem o morro, elas ouvem e veem carros da polícia se
aproximando pelas ruas próximas. Elas ainda estão na parte escura, longe das luzes
dos postes.
— Vamos andando pelo mato, até chegarmos a um lugar onde possamos entrar
na cidade de volta — diz Mary, apontando um caminho. — Se sairmos aqui, estaremos
admitindo nossa culpa.
Ao ver os carros de polícia e ouvir a palavra “culpa” Josy treme de nervoso, e
cai no chão.
— E-eu não posso! Mary, eu não posso! — diz Josy, paralisada de medo.
— O que foi isso? — as garotas ouvem alguém gritar.
— Foi na pedreira! — grita mais alguém.
Mary fica mais preocupada.
— Temos que ir logo! — diz Bruna.
Mary pensa rápido.
— Carly! Cassy! Ajudem Josy! — ordena Mary, que não precisa de um mandato
para as demais garotas satânicas saberem que agora é ela quem manda.
Carly e Cassy fazem o que Mary diz e pegam Josy, que felizmente ainda pode
andar se apoiada em alguém, tal qual Beth.
115 – O Mal é mesmo mau - 11
— Tinha alguém lá? — pergunta o policial.
— Eu ouvi tiros — responde o morador próximo da pedreira, os dois olhando
para ela.
Mary e as outras garotas ouvem a conversa de não muito longe, escondidas
pelo mato alto que cerca a pedreira nova.
Elas conseguem passar despercebidas por todos os curiosos, até chegarem
numa entrada de rua bem longe da pedreira.
— E o que faremos agora? — pergunta Carly.
— Agora é cada uma por si — responde Bruna. — Vão para suas casas e ajam
como se nada tivesse acontecido. É o único jeito de não sermos pegas!
— Mas e se a polícia achar alguma coisa lá em cima? — pergunta Mary,
pensando nos brinquedos eróticos que deixou para trás.
— Eu não acredito que sobrou alguma coisa da pedreira para eles olharem —
responde Bruna. — Além do mais, se eles não souberem que tinha gente lá, eles nunca
vão procurar ninguém.
— Mas e quanto… — Cassy faz uma pausa para ter coragem de falar —… Ana?
Bruna e Mary se entreolham. Beth ainda está tonta e não fala nada. Josy, quase
catatônica de medo, muito menos.
— Aquelas pedras que caíram sobre ela… — diz Bruna, achando difícil até se
lembrar disso — Bem, aquelas pedras são grandes demais, até para o maior guindaste
da cidade conseguir erguê-las. Não tem como acharem e muito menos tirarem a Ana
de lá. Na verdade, se ninguém souber que ela está lá, ninguém pensará que tem
alguém debaixo daquilo tudo.
— Mas quando a família dela ver que ela não voltou, vão pensar na pedreira,
não acha? — diz Mary.
116 – O Mal é mesmo mau - 12
— Pode ser, mas só se fizerem a ligação dela com a pedreira — diz Bruna. — E,
sinceramente, eu não acho que alguém vá pensar que a Ana, toda purinha como era,
foi parar lá, naquele lugar deserto. Quero dizer, ninguém nunca irá procurar por ela lá,
pois ela nunca iria para lá. Sacou? Vão primeiro pensar que ela fugiu com algum
namorado, ou que apenas foi sequestrada por algum tarado. Ninguém vai desconfiar
de vocês porque vocês tem o álibi de ficarem na escola até bem depois dela sair de lá,
e ninguém desconfiará de mim porque eu consegui fugir antes da polícia chegar lá no
terraço, quando Ludmila pulou.
Mary pensa um pouco e deduz que Bruna está certa.
— E agora o que temos que fazer é simples: voltar ao normal — diz Bruna. —
Então tudo que devem fazer é voltar depressa para suas casas, ou, seja lá para onde
vocês vão nessa hora da noite, e fazer o que sempre fazem. E amanhã, só temos que ir
para a escola e agir como se não soubéssemos de nada a não ser que a pedreira
desabou. Só isso!
— E você acha mesmo que se fingirmos que nada aconteceu ninguém vai nos
culpar pelo que aconteceu com Ana? — pergunta Carly.
— Eu não acho. É fato! — diz Bruna — Se não há ligação, não há provas. Se não
há provas, não podemos ser acusadas. Porém,…
Bruna fica pensativa, e isso preocupa principalmente Josy.
— Porém o quê? — pergunta ela.
—… Pode ser que recebamos alguma visita dos policiais… — responde Bruna.
117 – O Mal é mesmo mau - 13
— Policiais? Essa não… — diz Josy, quase tendo um infarto.
— Mas isso não é problema também, é normal — diz Bruna, muito segura do
que diz. — Quando eles estiverem procurando por Ana, vão atrás de nós, só para saber
se a vimos, quando falamos com ela, essas coisas.
— Mas Bruna! Se os policiais forem atrás de nós é porque eles vão suspeitar de
nós, certo? — pergunta Carly — E que eu saiba, por causa do que aconteceu no
terraço da escola, nós somos as principais suspeitas.
— É, mas sem provas, eles não têm um caso — responde Bruna, que parece
entender da coisa. — E sem provas, e sem ninguém para falar alguma coisa, eles não
têm absolutamente nada! É só ficarmos de bico fechado. Vai dar tudo certo!
— Eu não sei… — diz Josy, sentindo que vai vomitar — Policiais,…
— Relaxa, porra! — diz Mary, severa — Vê se segura essa tua onda, ou então
vamos todas nos fuder, entendeu? Cala teu bico e não fala nada! É como a Bruna diz!
Sem provas, e sem ninguém para falar, eles não têm nada!
Josy parece entender e para de choramingar.
— Então estamos todas combinadas? Nada de falar sobre o que aconteceu aqui
hoje! — diz Mary, esperando confirmação das demais garotas.
Bruna faz que “sim” com a cabeça.
O mesmo fazem Carly, Cassy e Josy.
— Ela está certa… — diz Beth, voltando a si — Sem um caso, eles não têm nada.
Meu pai, que sempre se meteu em encrenca, nunca foi pego. E ele sempre dizia isso.
— Ah, você voltou do passeio no espaço? — diz Bruna, sarcástica — Bem,
espero que agora cuide de controlar suas garotas satânicas. Eu vou para casa. Vejo
vocês algum dia.
As garotas satânicas não se despedem de Bruna. Elas apenas a veem sair da
trilha para a rua deserta que tem perto e sumir ao virar na esquina.
— Então é isso… — diz Mary, ainda usando seu mandato como líder das
garotas satânicas — Vamos cada uma para suas casas. Amanhã nos encontramos na
escola. Tudo normal. Entenderam?
As demais garotas fazem que “sim” e seguem seus caminhos. Mary continua
com Beth, para leva-la para casa.
A noite caiu em Rio Dourado.
Olá, pessoal. Espero que tenham curtido até agora. As postagens de hoje
acabaram, mas segunda feira tem mais, sempre começando às 14 horas e indo até as
18. Até lá, e um bom fim de semana para vocês! o/
118 – No portão da escola - 1
— Tou indo — diz Beth, pondo a mochila nas costas.
— Ah! Indo cedo? Finalmente resolveu ser alguém na vida! — diz a dona
Betânia, mãe de Beth, lavando as mãos na pia, cheia de pratos e panelas sujas.
Beth para na saída do apartamento. Ela conta até dez para não responder à
mãe.
— Agora seria bom você arrumar um trabalho, não é? Assim não ficava
vagabundando por aí com aquelas vadias que você chama de amigas.
Beth não aguenta.
— Para… de chamar minhas amigas de vadias — diz Beth, falando devagar.
— E elas não são vadias mesmo? — diz a dona Betânia, chegando junto à porta
com o pano de enxugar pratos na mão — Se fossem mesmo suas amigas, elas te
arrumariam um emprego, que é o que a gente tá precisando!
— Ah, foda-se! — diz Beth, indo embora.
— Olha como fala comigo, sua desnaturada! — grita a dona Betânia, da porta
— Eu sou sua mãe! Eu exijo que me respeite! Você come da minha comida e nem para
trazer um real pra casa! Vá procurar logo um emprego ou eu mando você pra casa dos
seus avós!
— ÁÁH! — grita Beth, irritada, descendo as escadas intermináveis do prédio
velho e condenado pela prefeitura. Beth, como a maioria das amigas dela, mora num
condomínio sujo e praticamente esquecido pelo mundo, na periferia sul de Rio
Dourado. Com o tempo o lugar, que possui cerca de doze prédios de quinze andares
cada, ganhou o apelido de “Fossamínio”, por causa do mau cheiro derivado dos vários
e constantes vazamentos de fossas.
119 – No portão da escola - 2
— E aí? — diz Mary, esperando Beth no banco quebrado que tem debaixo de
uma árvore, num parque sujo bem em frente ao prédio onde Beth mora.
— Vamos nessa — diz Beth, andando na direção da escola Rio Dourado.
Mary veste a mochila e a acompanha.
— Como você tá? — pergunta Mary.
— Eu mal consegui dormir meia hora. E você? — pergunta Beth.
— Eu consegui dormir algumas vezes, mas só tive pesadelos — responde Mary.
As duas andam um tempo sem dizer nada, apenas relembrando o que
aconteceu na noite anterior.
— Acho que se você tentar muito pode fingir que nada aconteceu — diz Mary,
quebrando o silêncio.
— Se eu pudesse tomar uma pílula e esquecer tudo, pode crer que eu tomaria
umas dez — diz Beth, chateada — Por que não existem essas coisas? Deveria existir
algo assim. A gente apenas toma e pronto, passado apagado. Seria muito bom se
existisse algo assim…
— É, seria… — diz Mary, também chateada — Seria mesmo.
As duas voltam ao pacto de silêncio até chegar perto da escola. Beth para de
andar e puxa Mary para o lado do portão de entrada.
— Ainda tá cedo. Vamos esperar as garotas chegarem para a gente combinar o
que vamos fazer — diz Beth.
— Certo — diz Mary, recostando-se no muro e puxando um cigarro, já que, do
lado de fora, pelo menos, é permitido fumar. Claro, desde que a diretora Alberta não
veja.
Depois de quase meia hora, aparecem as gêmeas Carly e Cassy, muito
preocupadas em como será depois daquele dia. Beth diz para esperarem por Josy
antes de decidirem qualquer coisa.
Mais dez minutos e Josy chega, visivelmente abatida.
120 – No portão da escola - 3
— O que foi que a gente fez, Beth?… — choraminga Josy — Por que você não
deixou ela ir quando eu pedi? Por que você não me ouviu?
Beth olha para o lado, claramente tentando esquecer tudo, inclusive, Josy,
falando inutilmente.
Então de choramingar Josy passa a chorar e soluçar abertamente.
— Para de chorar, sua merda! — diz Mary, irritada — O que está feito, está
feito! Agora é bola pra frente! O que passou, passou!
— Isso é fácil de falar, Mary… — diz Carly, abatida —… Mas quando tentei
dormir e fui ao banheiro tomar uns comprimidos para o sono, eu me olhei no espelho
e… tive nojo de mim! Sabe o que é isso? Ter nojo de ver você no espelho? Parecia que
haver um monstro ali, e não eu! Eu nem conseguia ver apenas uma parte de mim. Eu
tive que abrir a farmácia para virar o espelho e não me ver mais. Agora eu odeio me
ver até no reflexo dos vidros das lojas e dos carros. Eu nunca fiquei com medo de me
ver antes, mas agora eu fico!
— É,… Eu também me senti assim — diz Cassy, igualmente abatida — Como
também não conseguia dormir, pus meus fones e toquei minha playlist preferida, mas
eu não conseguia ouvir as músicas, cara. Eu não ouvia nada! Eu só ouvia… ela…
gritando.
Ao dizer isso, Cassy cai no choro. Mary olha para os lados, preocupada com o
fato de alguém poder achar estranho aquilo, já que as garotas satânicas nunca
choram. Pelo menos, não em público.
121 – Passado Apagado - 1
— Podem começar — diz a professora Dryka.
No quadro negro, uma série de questões.
Beth, Mary, Josy, Carly e Cassy anotam tudo rapidamente. Elas estão como
sempre, ocupando as carteiras do fundo da sala.
— Quando terminarem, eu quero que façam uma redação sobre o tema…
Mesmo no maior silêncio, a professora Dryka não era ouvida pelo grupo das
garotas satânicas, que apenas pensava em fingir naturalidade o mais perfeitamente
possível, antes que a polícia entrasse pela porta da sala para interrogá-las.
No entanto, cada uma delas sabia exatamente o que falar, graças à Mary, que
bolou uma história realmente convincente.
Cassy para de escrever, pensando na história que deveria contar. Ela relembra
o que Mary lhe disse no portão da escola.
— Lembrem-se! — diz Mary, muito séria — Vocês estavam na minha casa,
comigo, fumando uns cigarros e bebendo vinho. Nós ouvimos música a noite inteira.
As músicas que ouvimos eram as de todos os álbuns do “Metallica” e “Ratos do
Porão”. Vocês sabem todas as músicas de cor, então não precisamos combinar essa
parte. Eu já falei com a minha mãe, e ela pensa que a polícia vai nos procurar por causa
de uma acusação falsa das “marinas”. Por isso ela concordou em confirmar o nosso
álibi. Mas ninguém pode falhar, ou tudo vai por água abaixo. É só ficarmos calmas que
vai dar tudo certo. Entenderam?
— Sim — responderam todas.
Cassy volta a copiar as questões e tenta esquecer mais uma vez as cenas da
noite anterior.
122 – Passado Apagado - 2
Cabeças baixas, concentradas em decorar a história bolada por Mary, e
também em fazer a redação, as garotas satânicas não notam quando uma garota
entra atrasada na sala. Elas apenas ouvem a garota falar com a professora Dryka.
— Desculpe, professora, mas eu tive um probleminha para chegar aqui cedo…
Mas isso não vai se repetir, eu juro! — diz a garota, falando com um jeito tímido e
meigo.
A professora Dryka não diz nada. A garota anda pela frente das alunas, todas
ocupadas com o teste surpresa, até a última fila de carteiras.
Beth reconheceu aquela voz, mas como achou que era mais uma das torturas
mentais que tem sofrido pela sua mente perturbada, por tudo que aconteceu na noite
anterior, ela buscou ignorar. Mesmo assim, ela não resiste ao impulso de ver quem
falava tão parecido com a Ana.
Ela olha para a garota que anda entre as carteiras da frente, vindo em sua
direção.
— Olá! — diz Ana, sorrindo e com um aceno de mão.
Ana se senta na carteira da frente de Beth, que se encontra totalmente
paralisada de medo. Beth simplesmente não pode crer que Ana está lá, viva, diante
dela.
Ao ouvir aquele “olá!”, Josy, Mary, Carly e Cassy têm o mesmo impulso de ter
reconhecido a voz, e querem ver quem poderia estar falando do mesmo jeito que Ana.
E como Beth, sentem um verdadeiro choque elétrico percorrer suas espinhas ao ver a
própria Ana, viva, e sentada na carteira dela, copiando tudo que tem no quadro negro.
Ana, percebendo que alguém olhava para ela, se vira para encarar as garotas
satânicas.
— E aí, meninas? Tudo bem com vocês? — pergunta ela, sempre sorridente.
123 – Passado Apagado - 3
— Que porra é essa? — diz Mary, surpresa e zangada por aparentemente ter
sido feita de boba.
Ana, que parece desinteressada na reação de Mary, ignora também a tão
conhecida regra de não usar fones de ouvido na sala de aula, e põe seu celular para
tocar sua playlist preferida, iniciando com Hello Kitty, de Avril Lavigne. Mesmo de onde
Mary está, é perfeitamente possível ouvir a música.
Carly e Cassy entreolham-se, abismadas.
Josy, no entanto, toma coragem e resolve se aproximar de Ana, a fim de
confirmar que ela não se trata de um fantasma.
—… Ana? — diz Josy, com receio de que aquela visão desapareça, ou de
acordar e ver que aquilo tudo não passa de um sonho.
— Olá, Josy — responde Ana, sorridente.
Apesar de ouvir Ana falar, Josy fica confusa, e toca no ombro de Ana para
confirmar que ela é fisicamente real. O toque dos dedos de Josy mostra que Ana é real,
e tão quente quanto qualquer pessoa viva.
— AAH! — grita Josy, assustada.
Ao ver que aquilo realmente não se trata de uma ilusão, Josy tem um acesso de
nervosismo, e, com uma súbita falta de ar, desaba sobre as carteiras de trás,
chamando a atenção de todos na sala.
— Josy! O que é isso? — pergunta a professora Dryka, zangada pela interrupção
do teste — Volte já para a sua carteira! Vamos! Vamos!
Mas Josy não ouve a professora. Ela mantém os olhos fixados nos olhos de Ana,
que apenas olha admirada e um tanto surpresa para Josy, como que não entendendo
aquela reação dela.
124 – Passado Apagado - 4
— Está tudo bem? — pergunta Ana, parecendo confusa.
Josy não responde. Ainda com dificuldade para respirar, ela sai tropeçando da
sala, derrubando cadeiras e carteiras, e sem pedir permissão à professora Dryka, se
dirige correndo na direção dos banheiros.
Ao ver tudo aquilo, Beth, igualmente surpresa, também se levanta e segue para
fora da sala de aula, e imitando Josy, anda apressada na direção dos banheiros.
Sem parar para pensar, Mary, Carly e Cassy fazem o mesmo, e seguem Beth.
— Mas que diabos? — diz a professora Dryka, sentindo-se completamente
desrespeitada.
Quando chega ao banheiro, Beth encontra Josy sentada num vaso, com as mãos
na cabeça, tentando entender o que aconteceu.
— Josy! Fala comigo! — diz Beth, preocupada com a amiga.
— Ela voltou! Ela voltou! — diz Josy, assustada — Como pode isso? A gente viu
ela morrer! Você viu ela morrer! Como pode ser isso?
Beth também não tem as respostas, e como Josy, ela também está assustada.
— Eu não sei… — responde Beth, tentando pensar direito — Sei lá, talvez ela
tenha escapado de alguma maneira.
— Mas e as pedras? — pergunta Josy, ainda respirando com dificuldade —
Como ela saiu daquele monte de pedras que caiu em cima dela? Isso é possível?
Beth fica cada vez com mais medo ao perceber que a situação é realmente
estranha.
— Eu não sei,… Talvez ela… — Beth se força a pensar — Talvez ela já tivesse
saído quando tudo caiu…
Mary, Carly e Cassy chegam para completar o grupo.
— O que tá acontecendo, Beth? — pergunta Mary, confusa e irritada por não
saber o que a atormenta — Como diabos ela conseguiu escapar daquilo? Você não
disse que viu ela em pedaços?
125 – Passado Apagado - 5
— Mas eu vi!… — confirma Beth, porém, não tão convicta como esperava ser
ao dizer isso — Eu,… Eu sei que vi!
— Você viu ou não viu? — diz Mary, percebendo a sutil diferença na forma
atual de Beth falar, em comparação com antes, quando ela falava sobre algo que
julgava ser certeza.
Beth para pra pensar um pouco, tentando se lembrar de todos os detalhes do
que viu. E já que Ana parece mesmo estar viva, se lembrar daquilo não parece ser algo
tão torturante.
— Eu vi a Ana boiando na água, quando caiu… Ela estava de frente para mim,
e…
De repente, a visão de Ana despedaçada, com a carne soltando-se dos ossos
invade a mente de Beth, que tem uma forte ânsia de vomitar e corre para um banheiro
aberto.
— Beth? — diz Mary, surpresa de ver a amiga vomitar com tanta força.
— Oh meu Deus! — diz Beth, com a boca ainda suja de vômito — Eu vi, Mary!
Eu vi! Ela não pode estar viva! Eu vi ela despedaçada, com os músculos, a carne… —
Beth segura outra forte vontade de vomitar —… Ah! Eu os ossos à mostra!…
Cassy e Carly sentem tanto horror ao ver Beth falar daquele jeito que elas
mesmas também têm ânsia de vomitar.
— Isso só pode ser um fantasma! — diz Josy, ainda sentada no vaso, de mãos
juntas, como se estivesse pedindo perdão a Deus — Só pode!
— Pensando bem, isso é mesmo estranho — diz Mary, mais calma — Ela levou
um tiro na perna! Ela não poderia se recuperar disso em algumas horas… Ou talvez
pudesse.
126 – Passado Apagado - 6
— Como assim? — pergunta Carly.
— Eu não sei… talvez, se ela tivesse ajuda de alguém… — diz Mary, cenho
franzido, forçando a mente a pensar — Josy… Você disse que viu uma luz de uma
lanterna, não disse?
— HÁ! — grita Josy, sentindo-se o máximo — Eu disse para vocês! Eu disse! Eu
disse que tinha alguém lá!
—… Talvez ela tivesse planejado tudo aquilo… Afinal, ela é uma nerda, então
ela é inteligente, não é? — pergunta Mary — Os nerds podem ser uns merdas, uns
idiotas que só falam de jogos e desenhos, mas que eu saiba eles são inteligentes, não
são? Quem sabe ela não passou a perna na gente, e agora mesmo está rindo a lote,
enquanto nós estamos aqui, todas com caras de bobas?
Josy e Beth se entreolham, desconfiadas.
—… Será? — diz Carly, forçando o pensamento também — Mas isso não é
muito genial para alguém poder fazer?
— É, eu também não sei se acredito nisso… — diz Cassy — Eu já ouvi falar de
pessoas capazes de bolar planos mirabolantes, mas isso… É demais!
— Como assim? — pergunta Mary — Está dizendo que não pode ser porque é
muito genial?
— Sim! — diz Cassy — Como uma garota como ela, que ainda é virgem, iria
bolar um plano desses? E para quê?
Josy, Beth, Carly e Mary ficam pensativas, todas pensando a mesma coisa, de
que aquilo seria genial demais para uma garota que nem sequer conseguiu tirar a
própria virgindade.
—… É apenas uma hipótese, mas e se… — diz Mary —… Ela não for virgem?
127 – Passado Apagado - 7
— Como assim? — pergunta Beth — Tá querendo dizer que ela finge ser sonsa?
— Por que não? — diz Mary, convicta — Existem todos os tipos de mentirosos
no mundo. Ela pode ser do tipo que mente o tempo todo, até para a, mãe, e que finge
ser uma pessoa que não é, só para poder enganar a todos na hora certa.
— Até que, pensando bem, isso não é tão impossível… — diz Beth.
— Tem razão… — diz Carly.
— É,… faz sentido — diz Cassy.
Josy demora mais para dizer alguma coisa.
—… Eu não sei,… Eu me lembro de quando coloquei o meu dedo bem fundo na
buça dela… — diz Josy, pensativa — Ela não parecia ser experiente no assunto. Na
verdade, ela parecia ser bem virgem. E vocês sabem que eu já comi várias buças
virgens, eu sei como elas são.
— Ok. Talvez ela seja virgem, mas isso não muda o fato de que ela pode ser
inteligente — diz Mary, defendendo sua tese — Eu acho que ela nos passou a perna de
alguma forma. Afinal, ela está viva, não está?
Beth, Josy, Carly e Cassy concordam com a cabeça.
— É só a gente pensar direito… — continua Mary — A gente pensou que matou
ela, mas no outro dia ela aparece numa boa, como se nada tivesse acontecido. Claro
que isso é uma armação! Senão, caso ela estivesse bem, ela iria parar na delegacia,
para nos denunciar! Afinal, para ela, nós todas tentamos tirar a vida dela, não foi?
—Ei! Peraí! Eu não queria tirar a vida dela não! — protesta Josy, que se levanta,
indignada.
128 – Passado Apagado - 8
— Deixa de ser otária, Josy! — diz Mary, zangada — Só porque tu ficou
chorando, pedindo para a gente soltar ela, tu acha mesmo que ela vai te perdoar? Tu é
cúmplice, porra!
— Cúmplice o caralho! — grita Josy, ainda mais indignada — Foram vocês que
quiseram ferrar com ela! Vocês que avacalharam com ela! Eu só queria curtir um
pouquinho, mas vocês é que foram até o fim com ela!
— VOCÊS É O CARALHO! — grita Mary, puta da vida — Você tava lá! Você é tão
culpada quanto nós!
— Eu não vou ser presa sem ter feito nada não! — protesta Josy, num misto de
raiva e temor — Eu não fiz nada, caralho! Vocês que avacalharam! Eu só pedia para
pararem, e vocês não me ouviram! Agora a merda tá feita e eu não vou pagar o pato!
— SUA COVARDE DO CARALHO! — grita Mary, partindo com tudo para cima de
Josy.
— EI! — grita Beth, se levantando para tentar deter as duas, mas já tarde
demais.
Mary e Josy se chocam no meio do banheiro, trocando socos, tapas e chutes.
— PUTAQUEPARIU! — grita Carly, saindo de perto das duas. Cassy, temendo
levar um soco de graça, faz o mesmo.
— PARA COM ISSO, PORRA! — grita Beth, tentando segurar qualquer uma das
duas, mas sem sucesso — Porra! Para com isso! PARA, CARALHO!
Mas não adianta gritar. Mary e Josy caem no chão, uma puxando os cabelos da
outra, e aplicando socos na barriga, arranhando o rosto e chutando com o joelho,
tentando provocar o máximo de dano na outra.
129 – Passado Apagado - 9
— ME AJUDA, AQUI, PORRA! — grita Beth, conseguindo agarrar Mary, e
arrastando-a para longe de Josy, que, no entanto, se aproveita para bater em Mary
com os pés.
Carly e Cassy agarram os braços de Josy, que se solta e volta a chutar Mary, que
ainda está no chão, sendo arrastada por Beth.
— DESGRAÇADA! — grita Josy, com o rosto arranhado, pisando na barriga de
Mary, que grita de dor — PUTA!
Carly e Cassy voltam a agarrar Josy, que se debate e se solta de novo.
— PARA COM ISSO, JOSY! VOCÊ VAI MATAR ELA! — grita Cassy, chorando.
— ESSA PORRA TEM QUE MORRER MESMO! — grita Josy, também chorando,
parando de resistir e se deixando deter pelas duas. — É POR CAUSA DELA QUE A
GENTE VAI PRA CADEIA! ELA DEVIA TER DITO ISSO TUDO PRA GENTE ANTES DE
FAZERMOS AQUILO!
Enquanto isso, Mary se contorce de dor no chão, com Beth sobre ela, sem
saber o que fazer.
— PORRA, JOSY! QUE MERDA É ESSA? VOCÊ FICOU LOUCA? VOCÊ QUER
MATAR A MARY? — grita Beth, com raiva e assustada por aquele acesso de pura raiva
das suas duas melhores amigas — RÁPIDO! VAMOS LEVAR MARY PARA A
ENFERMARIA! — diz Beth, preocupada, e depois se voltando para Josy — Você não.
VOCÊ FICA!
— Quê? — diz Josy, incrédula de ver o olhar de ódio de Beth. — Puta merda!
Era só!…
Carly e Cassy ajudam Beth a carregar Mary, com a cara sangrando, cuspindo
sangue, e mal conseguindo andar, para a enfermaria.
130 – Passado Apagado - 10
— O que vamos dizer na enfermaria? — pergunta Carly, enquanto carrega a
fragilizada Mary junto com Beth e Cassy.
— Sei, lá! A gente diz que ela caiu da escada! — responde Beth, impaciente,
pensando em mil coisas ao mesmo tempo.
Quando viram no final do corredor, as quatro garotas satânicas se deparam
com Ana, sozinha, parada bem no meio do caminho.
Ana olha para elas, sorrindo. A expressão dela é completamente insondável.
Apesar da urgência da situação, as três garotas que carregam Mary param de
andar e apenas olham fixamente para aquela figura que deveria parecer normal, mas
que naquela hora era a coisa mais assustadora que já viram.
— Vamos! — diz Beth, mas como um pedido do que como uma ordem.
Carly e Cassy obedecem, mas sem tirar os olhos de Ana. E quanto mais se
aproximam dela, mais medo sentem.
— Beth… — diz Cassy, quase como um pedido de socorro, sentindo ainda mais
medo quando chegam perto de Ana e percebe que ela não sai do caminho.
— Vamos! — diz Beth, com mais força, como se isso fizesse Ana desaparecer,
tal qual um fantasma o faria diante de alguém com muita força de vontade.
Mas mesmo a líder das garotas satânicas sente temor ao ver Ana, inteira e de
rosto limpo, sorrindo para elas como se as estivesse recebendo como convidadas de
uma festa no inferno.
Instintivamente, as quatro se espremem para passar ao lado de Ana, que
permanece imóvel como uma estátua.
Mas quando as quatro passam exatamente do lado dela, Ana se vira para falarlhes.
— Vocês vão morrer.
131 – Passado Apagado - 11
— Ai meu Deus! — diz Cassy, desmanchando-se em lágrimas de medo ao ouvir
aquilo.
— Vamos sair logo daqui! — diz Carly, também se entregando ao medo.
Beth, que também tremeu na base ao ouvir Ana, tenta dizer alguma coisa para
fazer Cassy e Carly voltarem ao normal, e crerem que aquilo que viram no corredor é
apenas uma pessoa normal, querendo fazer terror psicológico, mas ela não consegue.
Quando estão dobrando o corredor novamente, Beth se contorce para virar a
cabeça e olhar para trás, para ver Ana, mas ela não está mais lá.
Beth então se volta para frente, para a porta da enfermaria, e tenta apagar a
visão de Ana olhando para elas quando passaram a apenas alguns centímetros dela.
Ana parecia uma gata faminta olhando para um bando de ratinhas indefesas.
Quando entram na enfermaria, as três garotas largam a quase desmaiada Mary
numa maca e caem sentadas no chão.
Cassy e Carly, ambas tremendo de medo, se abraçam e choram
compulsivamente, enquanto Beth tenta entender porque teve tanto medo de olhar
para Ana.
— Meu Deus! O que foi isso? — pergunta a enfermeira, ao ver tamanha cena.
Beth, a única a não chorar ali, olha fixamente para frente, para o vazio. Na
cabeça dela, um único pensamento se repetia incessantemente: o de que aquela
garota não era Ana.
Beth junta forças e sai da enfermaria, deixando a cargo das gêmeas contar o
que aconteceu com Mary. Beth nem se importa se a história vai ser convincente ou
não, ou se terão problemas com a briga de Mary com Josy. Beth só quer não sentir
medo.
— Vadia! — diz Beth, pensando em Ana.
Olá, pessoal. Infelizmente as postagens de hoje de UM POR UM acabaram. Mas
amanhã tem mais! Sempre a partir das 14 horas até umas 18 horas.
E para quem quiser se adiantar um pouco, eu programei para postar novos
capítulos a partir das duas da madrugada.
Obrigado a todas que leram e as que comentaram! E até amanhã! o/
132 – Passado Apagado - 12
Beth anda apressada para o corredor onde encontrou Ana, e como já sabia que
ela não estava lá, Beth corre para a sala de aula.
No meio do caminho, Beth ouve a sirene da escola tocar, indicando que a aula
da professora Dryka terminou. Vários alunos e alunas passam por Beth, indo na
direção das rampas para chegar ao pátio e à cantina, que fica no térreo.
Beth não vê Ana entre os alunos, e deduz que ela ainda não saiu da sala de
aula.
Beth chega ao corredor da sala onde estuda. Ninguém está saindo mais da sala,
o que significa que não deve ter mais ninguém lá a não ser Ana.
Enquanto anda rápido para a sala, Beth cerra os punhos, pronta para briga.
Quando entra na sala de aula, Beth encontra Ana sentada na carteira dela,
escrevendo no seu diário.
Beth arranca o diário de Ana e o atira no quadro negro.
— Sua vadia de merda! O que você quer dizer com isso? Que vai matar a gente?
Acha que eu tenho medo de você e das suas ameaças de merda? — diz Beth, quase
cuspindo de raiva.
Ana, que mal tinha se movido quando Beth jogou longe seu diário, apenas
recosta-se na cadeira e sorri para Beth, colocando a ponta da caneta na boca.
Beth não entende aquela expressão de Ana, e se irrita ainda mais. Ela toma a
caneta de Ana e a joga no chão, depois pisa nela com força.
— Não adianta dar uma de fodona comigo, sua puta! — diz Beth, decidida a
desfazer a pose de Ana — FALA LOGO! QUAL É A JOGADA?
133 – Passado Apagado - 13
— “Jogada”? — diz Ana, claramente fingindo não entender — Sinceramente,
Beth,… do que você está falando?
Beth sente um impulso de bater em Ana, mas acha melhor saber primeiro do
que se trata tudo aquilo, para então rever suas opções.
— Fala logo, sua puta! — diz Beth, arfando de raiva — É chantagem? Mas que
pergunta, não é? Claro que é isso! É isso que você quer fazer com a gente, não é? Quer
ter a gente na mão! Sua porra de nerdamerda do caralho!
Ana se põe a rir abertamente.
Beth fica pasma com a cena. Ana se divertindo à custa dela.
Ana ri tanto que até chora de rir. Ela tira os óculos e com o dorso das mãos
limpa as lágrimas.
— “Chantagem”? Sério, isso é demais… — diz ela. — Eu acho que nunca ri tanto
na minha vida.
Beth fica ainda mais pasma ao ouvir aquilo. Para Beth Ana está fazendo pouco
da situação. Como fica mesmo furiosa, Beth derruba as cadeiras próximas e abre
espaço para poder puxar Ana e socá-la.
— Vem cá! — diz Beth, levantando Ana pelo casaco.
Quando abre os olhos, Beth vê o teto da sala de aula.
Beth demora quase três segundos para perceber que está deitada no chão.
Com o susto, Beth se levanta rapidamente, e olha em volta.
As cadeiras e carteiras estão como Beth deixou, jogadas no chão e afastadas da
carteira de Ana.
Mas nada de Ana, ou da mochila dela, ou do seu diário jogado no quadro
negro, ou da sua caneta quebrada.
— Deus! — diz Beth, sem saber o que fez tudo mudar de cena tão rápido. Em
um momento, ela estava erguendo a sorridente Ana, e no outro, estava deitada no
chão.
Sentindo-se tomar por um imediato e inevitável pavor, Beth foge correndo dali.
134 – Passado Apagado - 14
— O que disse? Você “apagou”? — pergunta Cassy, confusa.
— Eu não sei… — responde Beth, igualmente confusa — Eu só sei que eu
peguei ela, e aí… Eu tava no chão! Era como se tivesse sido tudo um sonho, mas… não
pode ser!
Beth, Carly e Cassy ficam pensando no que poderia ter sido aquilo, enquanto
andam da enfermaria, onde Beth foi encontrar as amigas e saber o estado de Mary,
para o banheiro feminino.
Beth se lembra das palavras da enfermeira.
— Ela sofreu um golpe muito forte no estômago — disse a enfermeira Velma —
Se tivesse sido um pouco mais forte, ela teria uma séria hemorragia, e poderia ter
morrido. Mesmo assim é preciso mandar a Mary para o hospital. Somente lá eles
poderão fazer exames e descobrir se ela sofreu mais alguma coisa.
Beth pensa em como foi bom ela ter acreditado que Mary sofreu uma queda
nas escadas, ou ao menos, ter fingido acreditar nessa história. As garotas satânicas já
têm problemas demais para arranjar mais alguns.
Agora era hora de lidar com um dos maiores problemas das garotas satânicas:
Josy.
Quando Beth, Carly e Cassy entram no banheiro encontram Josy sentada no
chão, com a cabeça apoiada nos joelhos.
— LEVANTA, PORRA! — ordena Beth, muito disposta a brigar.
Josy ergue a cabeça e olha com os olhos lacrimosos e vermelhos de tanto
chorar para Beth.
—… Como ela tá? — pergunta Josy, com medo da resposta.
135 – Passado Apagado - 15
— Quase morta! E por sua culpa, sua vadia do caralho! — responde Beth,
ríspida — Vão mandar ela para o hospital, para saber o tamanho do estrago. Eu juro
por Deus, Josy, que se a Mary morrer… VOCÊ VAI MORRER JUNTO!
— Não,… não diz isso, Beth… — choraminga Josy, levando as mãos à cabeça,
como sempre faz quando se sente perdida — Eu não quis fazer isso, Beth!… Desculpa,
Beth… por favor… eu não quero que nada aconteça à Mary…
— PARA DE CHORAR PORRA! — diz Beth — Agora a merda já foi feita! A Mary
vai pro hospital, e você… — Beth respira fundo —… Eu vou decidir o que fazer com
você. E não vai ser pouca coisa não…
Cassy se aproxima de Beth para falar com ela.
—… Calma, Beth,… — diz Cassy — Eu sei que a Josy fez merda, mas todas nós
estamos muito tensas, por causa da Ana! Qualquer uma pode explodir de uma hora
para outra!
— É mesmo, Beth — diz Carly, também chegando para socorrer Josy — Não é
hora da gente se dividir! A Ana tá por aí, e ninguém sabe do que ela é capaz de fazer! A
gente tem que ficar unida, por mais que isso seja difícil! Afinal, se não tivermos umas
às outras, quem teremos para nos ajudar?
Beth pensa nas palavras de Cassy e Carly e respira fundo mais algumas vezes.
Então ela dá seu veredicto.
— Você tem sorte de que a Carly e a Cassy estão aqui, senão eu acabava com
você, sua puta! — diz Beth, ainda tentando conter a sua raiva de Josy — Primeiro
vamos resolver esse negócio com a Ana, e quando isso tiver acabado eu penso no que
vou fazer com você.
136 – Passado Apagado - 16
— Beth… — diz Josy, ainda choramingando — Me perdoa, Beth… Eu não queria
fazer mal…
— CALADA! — diz Beth, quase perdendo a cabeça ao ver Josy choramingar de
novo — Agora levanta daí, que a gente tem que fazer uma coisa.
Percebendo que é melhor obedecer, Josy se levanta e limpa o rosto do muco do
nariz e das lágrimas.
— Tá… O… o que vamos fazer? — pergunta Josy, olhando para baixo, sem
coragem para encarar Beth, e sendo o mais submissa possível no tom de voz.
— Sendo nerda como ela é, aquela puta não deve ter ido embora da escola tão
cedo. Ela deve estar em algum lugar da escola, e uma hora ela vai voltar para a classe,
para a aula dela. Mas aqui dentro não dá para fazer nada. Então, vamos pegar a Ana,
quando ela sair da escola — diz Beth. — Melhor dizendo, você vai pegar ela! E, e sem
ninguém ver, vai trazer ela para nós, que vamos estar no terraço. E é melhor você não
falhar nisso, sua puta, pois só assim que talvez eu te perdoe.
— Pegar a Ana e levar para o terraço, sem ninguém ver… — repete Josy, como
que passando a limpo as ordens — Entendi.
— Você vai fazer exatamente como eu disse. Uma falha, e eu juro que eu acabo
com você. Entendeu bem? — pergunta Beth, intolerante.
Josy faz que “sim” com a cabeça, ainda sem coragem para encarar Beth.
— Agora você vai esperar Ana na saída da sala de aula — diz Beth. — Você vai
segui-la, e quando achar uma chance, vai pegar ela e esconder do resto dos alunos.
Vamos estar esperando no terraço. Eu não preciso repetir o que vou fazer se você
falhar, preciso?
Olá para quem estiver lendo isso nessas postagens de madrugada, espero que
esteja gostando. ^^ UM POR UM é sempre postado entre 14 e 18 horas. Obrigado para
quem leu e se alguém comentar, para quem comentou também. Até amanhã! o/
AVISO! Alguns capítulos novos foram publicados hoje de madrugada, a
partir das duas da manhã [ capítulos 132, 133, 134, 135 e 136 ].
137 – Passado Apagado - 17
— Não,… não precisa — responde Josy, dócil como um cachorrinho.
— Agora vai! Vai! — ordena Beth, exatamente como se falasse com um
cachorro.
Sem dizer palavra, Josy sai quase correndo do banheiro para cumprir sua
missão.
Beth, Carly e Cassy olham para Josy, que some ao dobrar a esquina do corredor
da escola.
— Sério? Você vai pegar a Ana e levar ela até o terraço? — pergunta Carly,
incrédula.
— Vou sim — responde Beth. — Quero ver o que ela vai fazer lá em cima, com
nós quatro juntas. Quero ver só a mágica dela.
Carly e Cassy olham uma para outra, preocupadas com o que possa acontecer.
Beth, no entanto, olha para o grande e largo espelho do banheiro, para o
próprio reflexo dela. Ela sabe que somente se não temer Ana, nem nenhum dos seus
truques que poderá enfrenta-la.
Enquanto isso, Josy chega à sala de aula da turma 9C onde ela, as demais
garotas satânicas e Ana estudam. É nesse exato momento que a sirene toca, fazendo
os alunos voltarem do intervalo da tarde.
Josy decide se sentar bem atrás, onde Ana não poderá vê-la a não ser que se
vire.
Quase todos os alunos voltam, mas nada de Ana.
Josy sente-se inquieta, preocupada, pois sabe que depende de Ana aparecer
para cumprir sua missão e talvez assim ser perdoada por Beth.
Impaciente para esperar um segundo que seja, Josy cruza os dedos e com os
cotovelos na mesa da carteira, apoia a cabeça neles.
Os últimos alunos chegam. E com eles, logo atrás de uma garota de vestido
azul, entra Ana.
138 – Passado Apagado - 18
— Uf! — diz Josy, relaxando. Ela senta da maneira como sempre faz, apoiando a
cabeça nos braços cruzados atrás dela, e com os pés na mesa da carteira. Ela olha para
o lado, fingindo não estar interessada em Ana.
Ana coloca a mochila na carteira e se senta. Ela se vira para abrir a mochila e
retira seu diário e a caneta da Hello Kitty que sempre usa para escrever nele.
A professora Vanessa entra na sala de aula.
— Ok, ok! Vamos começar! — diz a rígida professora de matemática, apagando
do quadro negro algumas frases indicando relações amorosas entre alunos da classe —
Abram seus cadernos e guardem seus celulares. Se eu vir algum na mão de um de
vocês, eu vou confisca-lo.
Josy olha para Ana, que não mudou nada desde que a professora Vanessa
entrou na sala, e continuou a escrever seu diário.
— Alguém aqui já ouviu falar de fatoração de números primos? — pergunta a
professora Vanessa, sem se virar para ver se alguém responde. Ela escreve alguns
números no quadro negro com uma mão e vira-se apenas para olhar para o caderno
que carrega na outra mão — Vai cair no ENEM, viu?
Josy olha da professora para Ana. Novamente, Ana continua a escrever no seu
diário.
Josy então passa a fingir escrever alguma coisa no seu caderno, mas só para
que ninguém a perceba vigiando Ana.
Para não parecer que não está escrevendo nada, Josy resolve desenhar alguma
coisa.
Ela faz um desenho de uma tatuagem tribal que há muito deseja fazer no
pescoço.
139 – Passado Apagado - 19
Depois de ficar distraída com aquilo durante alguns minutos, ela se lembra de
que tem que ficar vigiando Ana, e olha para ela.
Josy vê Ana olhando para ela por cima do ombro, com uma expressão
indecifrável.
Josy não consegue tirar os olhos dos olhos de Ana.
Ana não pisca os olhos nem uma vez. Seu olhar faz Josy sentir um arrepio
inesperado na espinha.
Então, devagar, Ana volta a escrever no diário.
Josy engole seco e larga a caneta. Ela olha para os lados, para ver se alguém
mais a viu no combate olho a olho com Ana. Mas ninguém está olhando.
Josy decide ficar só olhando para frente, para não ter que encarar Ana de novo.
Ela vigia Ana apenas com a visão periférica. Só que com a visão periférica Ana parece
se transformar em alguma coisa que não parece humana. Num impulso para saber o
que está acontecendo, Josy olha de novo para Ana.
Nesse exato momento Ana ergue o diário dela. Josy percebe que tem alguma
coisa escrita em letras grandes nas duas páginas abertas. Ana bate três vezes com a
caneta no meio do diário e o fecha. Mas em vez de guarda-lo na mochila, ela o deixa
sobre a mesa da carteira.
Ana então se levanta.
— Professora Vanessa, eu peço permissão para ir ao banheiro — diz ela.
Como a professora, absorta no assunto dos números primos, não responde,
Ana dá de ombros e sai da sala de aula.
Josy se pergunta se deveria seguir Ana, e, na dúvida, se levanta também.
Ela passa pela carteira de Ana e vê o diário.
140 – Passado Apagado - 20
Josy não resiste à curiosidade e abre o diário, cujas últimas páginas escritas
foram fechadas com a caneta dentro.
Josy vê o que Ana escreveu no diário:
“Como você foi legal comigo, eu matarei você primeiro.”
— Ah! — grita Josy, assustada, quase caindo de novo nas carteiras de trás.
— O que foi? — pergunta a professora Vanessa, assustada com o grito de Josy.
Perdida, Josy não sabe o que dizer.
— Na-não foi nada, professora… Com licença! — diz Josy, correndo para fora da
sala.
A professora Vanessa olha para os outros alunos, todos rindo da situação. Ela
balança a cabeça desapontada e volta para o quadro negro.
Enquanto isso, Josy corre até o final do corredor, onde vê Ana seguindo para as
rampas, em vez de ir ao banheiro.
— O que ela tá tramando? — pergunta-se Josy.
Josy pensa no que Beth falou, de levar Ana lá para o terraço quando ela
estivesse indo embora. Mas Josy acha que aquela pode ser uma chance melhor de
fazer isso, e corre para não perder Ana de vista.
Ao sair do corredor para as rampas, Ana para de andar e olha para trás.
Josy se esconde atrás da parede da esquina do corredor.
Uns cinco segundos depois, Josy olha de novo para onde estava Ana. Ela sumiu.
Josy deduz que Ana desce as rampas, e corre até ela.
— Eu ou pegar você, Ana! — diz Josy, decidida — Você não vai me enganar!
Josy chega às rampas, e olhando de cima, ela tenta ver Ana descendo. Mas não
vê nada.
Josy então desce as rampas o mais rápido possível, para tentar chegar até Ana.
141 – Passado Apagado - 21
Josy chega ao final das rampas. Ela olha para o interior da entrada do prédio,
Nada de Ana.
— Onde ela está?… — pergunta-se Josy, preocupada com a possibilidade, ainda
que remota, de Ana ter aproveitado para ir embora.
Josy anda até o jardim de entrada da escola, esperando ver Ana saindo para a
rua.
Não há ninguém na entrada da escola. Apenas o pipoqueiro de sempre,
preparando-se para a hora da saída dos alunos.
Josy aproveita para comprar pipoca e se acalmar. Ela sabe que é ilógico que
Ana deixe a escola com a sua mochila e seu precioso diário na sala de aula, para todos
verem.
Inevitavelmente, Josy se lembra do que estava escrito no diário de Ana, sobre
Josy morrer primeiro que as outras.
— Tem doce? — pergunta Josy, tentando espantar os pensamentos com pipoca
doce, sua preferida.
— Tem sim… — responde o pipoqueiro, abrindo o carrinho de pipoca para tirar
um monte de pipoca doce.
Enquanto espera o velho lhe servir, Josy olha para os lados e para a escola,
tentando ver Ana.
Um caminhão cegonha cheio de carros esportivos estaciona perto dali, na
frente de uma concessionária, aparentemente para deixar algum carro.
— Aqui está — diz o velho pipoqueiro, entregando a pipoca doce de Josy.
— Valeu — Josy paga a pipoca e inicia a volta para a escola.
Como gosta de carros, Josy para antes de atravessar a pista pra admirar um
carro esportivo que passa diante dela.
Depois desse segundo de distração, vendo o esportivo seguir estrada, Josy
retoma sua missão de encontrar Ana e se volta para a escola.
Ana está diante dela, sorrindo, do outro lado da pista.
142 – Passado Apagado - 22
— Ana? — diz Josy, surpresa. Ela esperava ver Ana dentro da escola, mas não
ali, e aparentemente esperando por ela.
—… … … … — Ana diz alguma coisa, mas Josy não consegue ouvir, pois ela fala
muito baixo.
— Quê? — segurando o saco de pipoca, Josy se aproxima mais para ouvir o que
é.
— Vo… va… mo… a… — diz Ana, falando calma e pausadamente, e sempre
sorridente.
— Mas que porra é essa? Fala mais alto! Eu não ouvi! — diz Josy, parando de
andar, com raiva, ao ver Ana repetir a frase sem conseguir saber o que é — Fala direito
droga! O que você quer me…
—… Você… vai… morrer… agora! — diz Ana, abrindo um largo sorriso maternal.
— Quê? — diz Josy, tremendo de medo com o susto.
Josy olha para o lado.
Ela vê, vindo a toda para cima dela, o mesmo caminhão cegonha que viu antes
parado na concessionária, com todos os sons e tremedeira no chão que ela não estava
ouvindo ou sentindo por estar completamente atenta ao que Ana dizia.
Não dá nem tempo de Josy gritar.
O caminhão bate com muita força nela, derrubando-a no chão, já quase morta,
e passa por cima dela com todos os sete grandes pneus do lado esquerdo, esmagandoa sucessivas vezes, até não restar mais que um monte de carne e ossos moídos e
irreconhecíveis.
Enquanto isso, na porta de entrada da escola Rio Dourado, Beth, que do terraço
tinha visto Josy sair da escola e por isso desceu correndo para dar uma bronca nela, viu
toda a cena.
Também, do mesmo modo, Carly e Cassy viram de cima do terraço quando Josy
foi estraçalhada pelo caminhão cegonha, e ambas gritam de pavor e horror ao verem a
macha de carne e sangue que foi um dia a amiga delas.
— Na… Na… Na… — diz Beth, sem conseguir falar direito, em pleno estado de
choque.
Ana, que assistiu a cena de perto, sem se mover um centímetro, vira-se para
olhar para Beth, e depois para Carly e Cassy.
Ana ergue um braço e aponta o dedo para as gêmeas, e então fala alguma
coisa.
Mesmo estando Ana longe delas, dá para elas entenderem, pelo movimento
dos lábios, o que ela está dizendo:
“Vocês… serão… as… próximas”.
143 – Passado Apagado - 23
— JOSYYYYYY! — grita Beth, enfim conseguindo falar.
Beth corre com todas as forças das suas pernas até a avenida que fica em frente
à escola Rio Dourado.
Quando passa do portão da escola, ela é agarrada pelo pipoqueiro, que a
impede de chegar mais perto do que restou de Josy.
— Não, menina! Você não pode ver! Aquilo tá muito feio! — diz ele, que apesar
de velho, ainda é forte o suficiente para segurar uma garota.
— NÃO! JOSY! NÃO! NÃÃÃÃO!
Entre Beth, o pipoqueiro, e o corpo de Josy, está Ana, no mesmo lugar de antes,
encarando Beth a apenas três metros de distância dela.
— Eu disse que você iria matar suas amigas, lembra? — diz Ana, eterna
sorridente.
Beth range os dentes de raiva, tentando agarrar Ana, mas sendo afastada do
lugar pelo pipoqueiro, que a leva para dentro da escola.
— ALGUÉM! AJUDEM AQUI! — grita o pipoqueiro, ainda carregando Beth.
Alguns alunos e professores correm para ajudar o pipoqueiro, e só então
percebem a tragédia que acabou de ocorrer fora da escola.
Quando solta Beth, esta corre na direção da cantina.
— Ei! Aonde você vai, garota? — pergunta o pipoqueiro, preocupado com Beth.
Mas Beth não ouve ninguém. Ela ignora a todos até chegar à cantina e pular
sobre o balcão.
Beth entra na cozinha, e derrubando tudo, acha o que quer. Um facão de
setenta centímetros de pura lâmina.
Sem hesitar, Beth corre de volta para a entrada da escola.
144 – Passado Apagado - 24
Como a massa da escola está se reunindo lá, Beth tem alguma dificuldade em
atravessar a todos para chegar fora da escola.
Carros da polícia e bombeiros estão no local do acidente. O motorista do
caminhão cegonha dá seu lado da história ao policial, que o algema e o coloca no
camburão, talvez para própria proteção do sujeito.
Centenas de pessoas, entre alunos, transeuntes e professores estão em volta
do local do acidente.
Beth, de facão na mão, olha para todos os lados, mas não vê, naquela multidão,
o menor sinal de Ana.
— ANAAAAAAAAAA!!! — grita Beth, desesperada.
Mas é inútil. Ana não aparece.
Beth se lembra então das outras garotas satânicas, Carly e Cassy, que ela
deixou esperando no terraço da escola.
Beth olha para o terraço, e vê Ana olhando para ela por trás da grade de
proteção.
Ana faz um sinal de “dois” com os dedos e depois passa um dedo no próprio
pescoço, num sinal de degola.
— NÃO! — grita Beth, correndo para dentro da escola, adivinhando o que
estava por vir.
Ao entrar, Beth se depara com a professora Dryka, que se assusta ao ver Beth
com um facão na mão.
— Beth! Espere! Você tem que ficar calma! Me dê esse…
Mas Beth não tem tempo para dialogar com a professora. Cada segundo conta.
Num gesto instintivo, Beth dá um golpe com o facão e corta superficialmente o braço
direito da professora.
— SAI DA FRENTE! — grita Beth, desesperada, passando pela professora, que
grita de dor ao sentir o corte na pele.
145 – Passado Apagado - 25
Dois professores correm para acudir a professora ferida, que sangra muito.
— Esqueçam de mim! Peguem ela! Ela ficou louca! Ela vai ferir alguém! — diz a
professora, preocupada com a segurança dos alunos, e da própria Beth.
Um dos professores fica com a professora, enquanto o outro corre atrás de
Beth.
Mas Beth é mais rápida, e alcança a escadaria que leva ao terraço.
Beth sobe os lances de escada saltando de quatro em quatro degraus, e chega
ao terraço.
Mas em vez de encontrar Ana, Carly ou Cassy, ela não encontra ninguém.
— Droga! — diz ela, pensando no pior.
Um segundo depois Beth é agarrada por trás pelo professor que a perseguia.
Com o impulso da corrida, ele acaba derrubando Beth no chão. Com a queda, o facão
voa longe.
— ME LARGA! ELA VAI MATAR MINHAS AMIGAS! ME LARGA, PORRA! — grita
Beth, lutando com todas as suas forças, mas sem conseguir se soltar.
— Calma! Calma! — diz o professor, mantendo os braços e pernas de Beth bem
presos ao chão, enquanto espera por ajuda.
E a ajuda não demora. Dois bombeiros surgem pela porta do terraço e ajudam
o professor a deter a selvagem Beth.
— ME LARGA! ELA VAI MATAR MINHAS AMIGAS! ELA VAI MATAR MINHAS
AMIGAS! — grita Beth, sendo levada pelos bombeiros, que a erguem do chão para que
ela não possa correr.
— Do que ela está falando? — pergunta um bombeiro para o professor que a
pegou.
— Eu não sei. Ela deve estar delirando porque viu a morte da amiga dela —
responde ele.
146 – Passado Apagado - 26
— Me solta! Me larga! — Beth continua gritando, tentando desesperadamente
sair dali e procurar por Carly e Cassy.
Os bombeiros a deitam numa maca.
— Pelo amor de Deus! Vocês têm que me soltar! Ela vai matar minhas amigas!
Ela vai matar a Cassy! A Carly também! — fala Beth, sem parar para respirar.
Um homem vestindo um jaleco de médico se aproxima de Beth com uma
seringa na mão.
— Calma, menina… Você vai ficar bem — diz ele, apalpando o braço de Beth,
segurado firmemente por um dos bombeiros.
— Não! NÃO! Eu tenho que salvar minhas amigas! Me deixa em paz! —
protesta Beth, mas tudo isso é em vão.
O médico aplica a injeção em Beth, que em segundos adormece
profundamente.
Quando abre os olhos novamente, ela está em um quarto do hospital Rio
Dourado.
Do lado dela, a mãe dela, a dona Betânia. E junto com ela, um homem vestindo
camisa de botão e calça social.
Beth se lembra de Josy. Essa lembrança a faz ter uma forte ânsia de vômito. A
mãe de Beth, percebendo o que iria acontecer, a ajuda, colocando o balde já
disponível para isso na frente dela.
Beth vomita no balde duas vezes.
—… Onde está a Carly? E a Cassy? Onde estão? — pergunta Beth, cuspindo
parte do vômito no balde — Vocês as acharam, não acharam?
A mãe de Beth mostra uma cara de preocupação como Beth jamais viu, e olha
para o homem que está ao lado dela.
— Beth… — começa ela — Esse homem quer falar com você sobre o que
aconteceu na ontem na escola.
147 – Passado Apagado - 27
Beth para de cuspir ao ouvir a palavra “ontem”.
—… “Ontem”? — pergunta ela, confusa — Como assim? A Josy morreu hoje, e
não ontem.
A mãe de Beth mostra aquele olhar novamente, e o homem faz um sinal para
deixa-lo falar no lugar dela.
— Beth,… Eu sou investigador da polícia — diz o homem, sem nenhuma
cerimônia —… Você teve um ataque de pânico, e os médicos acharam melhor fazer
você dormir. Você dormiu um dia inteiro.
Beth olha para o homem com um olhar assustado.
— Onde estão Carly e Cassy? — pergunta Beth, no que parece ser quase uma
ordem.
— Não sabemos — responde o homem.
Beth sente o estômago embrulhar e vomita novamente.
— Elas… estão mortas? — pergunta Beth, tentando ser forte e encarar logo a
situação.
— Não, não… — diz o homem, num tom paternal — Como eu disse… não
sabemos onde elas estão, mas não achamos que existe algum motivo para elas
estarem feridas ou mortas. Achamos que elas desapareceram porque estão com
medo. E é isso que queremos saber: do que estão com medo. Você sabe de alguma
coisa que poderia causar o desaparecimento delas?
Beth olha para o homem. Ele não lhe inspira nenhuma confiança, afinal, ele é
um policial e ela é uma delinquente conhecida por ser violenta, cuja última suspeita é
a de estar vendendo drogas na escola. Não, com certeza ele não é confiável.
—… Não. Não sei de nada — responde Beth.
O homem suspira, cansado, e cruza os dedos. Então se inclina para falar mais
de perto com Beth.
148 – Passado Apagado - 28
— Beth… — começa ele —… Nós sabemos que estava vendendo drogas na
escola Rio Dourado.
Beth estremece com aquela notícia, mas está disposta a não dizer nada sobre
Ana, a menos que ele mostre saber sobre isso. Além disso, ela não acredita que ele
sabe mesmo alguma coisa sobre as drogas, uma vez que as investigações iniciais não
tinham demonstrado nenhuma ligação das garotas satânicas com drogas. Ao menos,
até agora.
—… Eu não sei de nada — diz Beth, lembrando-se do conselho de Bruna, de
que se não falasse nada, eles, os policiais, não teriam nada. E sem nenhuma prova, eles
não poderiam acusa-las.
O homem sorri, ciente de que Beth é mesmo uma garota esperta, e que não é à
toa que ela é a líder do grupo das garotas satânicas.
— Ok… — diz ele. — Mas eu só quero dizer para você que quanto mais tempo
se passa, mais difícil se torna acharmos as gêmeas. E que a vida delas, caso estejam em
perigo, o que, até agora, não sabemos, pode estar em suas mãos.
Mais uma vez alguém diz para Beth que a vida das suas amigas pode estar em
suas mãos. Ouvir isso novamente faz Beth se sentir mal, mas ela não diria nada à
polícia, mesmo que a torturassem.
— É só isso? — pergunta ela.
O homem sorri de novo.
— É você quem decide, Beth — responde o investigador, levantando-se. — Se
souber alguma coisa que possa amenizar a preocupação dos pais das gêmeas, sua mãe
sabe o meu número do celular.
O homem sai do quarto. Imediatamente a mãe de Beth se volta para ela.
149 – Passado Apagado - 29
— Beth! No que foi que você se meteu? — pergunta a dona Betânia, vertendo
lágrimas e fazendo uma careta de dor — Minha filha! Primeiro as drogas, agora o
desaparecimento das suas amigas? Por acaso a morte de Josy teve alguma coisa a ver
com tudo isso? Pelo amor de Deus, Beth! Você se meteu com algum traficante
grandão, não foi? Foi isso? FOI?
— ENFERMEIRA! ENFERMEIRA! ENFERMEIRA! — grita Beth, que não aguenta
mais ouvir a mãe lhe falar dos seus problemas. — ENFERMEIRA! ALGUÉM!
A mãe de Beth, num acesso de fúria, começa a bater na filha, estapeando-a sem
ligar para o fio do soro, que voa longe com as tapas.
— DESGRAÇADA! MALDITA! FILHA MISERÁVEL, ABORTO! — grita a mãe de
Beth, enquanto estapeia a filha em todos os lugares que suas mãos podem alcançar.
Beth, por sua vez, continua gritando, e se protege como pode das tapas, que
são muito fortes.
Duas enfermeiras e um segurança, alertado por causa dos gritos, agarram a
mãe de Beth e a retiram do quarto. Mas não sem ela sair gritando com o máximo de
força dos seus pulmões.
— DESGRAÇADA! VOCÊ ACABOU COM A MINHA VIDA! COM A SUA VIDA! VOCÊ
NÃO É MINHA FILHA! VOCÊ NEM DEVIA TER NASCIDO! EU DEVERIA TER FEITO
ABORTO! SEU ABORTO FRACASSADO!
As enfermeiras que ficam com Beth olham uma para a outra, admiradas com a
raiva daquela mãe com relação à filha.
Beth, que recebe os cuidados das enfermeiras, parece não ligar para nada. Ela
apenas olha para o “nada”, aparentemente desligada de tudo.
150 – Passado Apagado - 30
Meia noite no hospital Rio Dourado. Reina o silêncio.
Beth havia passado por vários exames para determinar se ela estava
mentalmente perturbada ou com drogas no corpo. No dia seguinte viriam os
resultados.
A maioria dos pacientes está dormindo, mas Beth não.
Ela olha para o teto, imaginando que tudo aquilo talvez seja só um sonho, um
pesadelo que por algum motivo demora mais que os outros. Tudo que Beth deseja
agora é acordar.
Beth olha para os lados. Desde que acordou ali, naquele quarto, ela nunca havia
reparado bem nele. De um lado, Beth vê o sofá onde estava a mãe, e a cadeira onde
estava o investigador da polícia. Do outro, Beth vê um pequeno móvel com aberturas
para revistas e coisas como escovas e brinquedos. Em cima do móvel, um abajur e um
telefone sem fio. Beth se pergunta se seria uma boa ideia ligar para uma das gêmeas.
Mas Beth já assistiu a muitos filmes policiais, e ela sabe que o telefone pode
estar grampeado, só para que ela ligue e leve a polícia para onde quer que as gêmeas
estejam. E até onde Beth sabe, elas podem ter fugido de Ana.
Beth pensa em todos os conhecidos que poderiam estar escondendo suas
amigas. Nenhum deles parece ser capaz de protegê-las nesse momento. Nenhum deles
parece ser alguém que as gêmeas procurariam numa hora dessas, onde a vida delas
corre perigo.
Mas eis que Beth se lembra de alguém que pode protegê-las.
— Bruna! — diz ela, pensando alto.
151 – A luz no fim do túnel - 1
Sem pensar duas vezes, Beth pega o telefone e liga para o celular de Bruna,
cujo número pegou quando combinaram a armadilha para pegar Ana.
—… “Monstra”? — diz Beth, usando o código que combinaram na época.
— “Horrenda”? — pergunta Bruna, do outro lado, confirmando a senha —
Onde você está?
— No Hospital Rio Dourado — responde Beth. — Pelo amor de Deus, diz que
elas estão com você!
— Relaxa. Elas estão comigo — diz Bruna. — Assim que viram o que aconteceu
com Josy, e viram a Ana dizer que elas seriam as próximas, elas vieram direto pra
minha casa.
— Graças a Deus… — diz Beth, tapando o telefone para não ser ouvida por
Bruna. Beth derrama uma lágrima de felicidade. Mas não querendo demonstrar
fragilidade, ela limpa a lágrima e retoma o tom sério de voz de quando estava falando
com Bruna.
— Você pode garantir a segurança delas? — pergunta Beth.
— Cara, aqui só tem amante de armas — diz Bruna. — Meu pai, meus tios e até
o meu avô são loucos por armas. Todos gostam de comprar armas e de atirar. Aqui
tem mais revolveres que numa delegacia. Se elas estão seguras aqui? Acho que sim…
— Valeu. Eu te devo essa — diz Beth, intimamente surpresa de como foi acabar
dependendo de uma “marina” para ter alguma ajuda.
— Olha, uma delas quer falar com você… — diz Bruna, passando o telefone.
— Beth? — diz a garota que Beth reconhece ser Cassy. — O que tá
acontecendo, Beth? O que vamos fazer?
— Era para você me chamar de “Horrenda”, mas tudo bem,… — diz Beth, já não
se importando tanto com a segurança ao saber que as gêmeas estão bem — Fica aí
mesmo, cara. Não saia daí por nada, entendeu?
152 – A luz no fim do túnel - 2
— Ok… — responde Cassy, assustada — Mas Beth! E você?
— Eu tou bem… ou “quase” — responde Beth. — Eu só quero pensar numa
maneira de sair daqui e pegar a Ana. Assim que eu fizer isso, eu fico realmente bem.
— Mas como assim? O que você vai fazer se pegar ela? — pergunta Cassy,
confusa.
— Fazer o que já fiz, ué… — responde Beth, dessa vez tomando cuidado com as
palavras — Só que agora, de um jeito que eu tenha certeza de que ela não volte.
— E se ela… — Cassy se demora a falar —… For… você sabe,… aquilo…
— Isso não me afeta. Eu não acredito nessas coisas — responde Beth,
adivinhando o que Cassy queria dizer. — O que eu acredito é que precisamos fazê-la
parar de fazer esse terror. Josy já se foi por causa dela, e eu não vou deixar ela fazer
mais alguém se fuder só por causa de ontem à noite.
Nesse momento Beth ouve alguém mexer lentamente na maçaneta da porta do
quarto dela.
— Eu tenho que desligar… — diz Beth, falando baixinho. — Eu vou aí assim que
puder.
— Beth?… — diz Cassy, confusa com a interrupção repentina, um segundo
antes de Beth colocar devagar o telefone sem fio na base dele.
Beth pega o abajur e após deixar o topo dele no móvel, ela se prepara para usálo como arma.
— Pode vir, sua puta,… — diz Beth, falando baixinho, como se rezasse — Eu vou
arrancar esse sorriso da sua boca, junto com ela e todo o seu rosto!
A maçaneta para de se mexer de um lado para o outro. Ouve-se um som de
“click”. Quem quer que esteja do outro lado conseguiu abrir a porta.
Olá pessoal! As postagens de hoje terminaram. Amanhã tem mais, a partir das
14 horas, até umas 18, como sempre. Até os próximos capítulos! o/
153 – A luz no fim do túnel - 3
Uma garota morena, cabelos, bem pretos e esvoaçantes, de olhos verdes
fulminantes e pele também muito branca, vestida com avental de paciente entra no
quarto.
— Mary? — diz Beth, tão surpresa quanto se visse um verdadeiro fantasma.
— É,… — responde Mary, falando com dificuldade — Eu soube… que você
estava aqui, mas não sabia o quarto… Eu acho que abri uns dez quartos diferentes até
acertar o seu.
Beth, muito mais saudável que Mary, retira o soro do braço e salta da cama
para falar com a amiga.
— Como você está? — pergunta Beth, olhando Mary de cima a baixo.
— Estou bem… — diz Mary, apoiando-se na cama para não cair. — Disseram
que meu baço… ou sei lá, um órgão qualquer aí foi perfurado, mas que eu vou viver.
— É, mas a Josy… — diz Beth, lembrando que foi Josy quem deixou Mary assim.
Diante de Mary, Beth sempre sentiu que poderia ser mais sincera, e por isso
mesmo, ela desata a chorar.
Mary esfrega suas costas.
— Eu sei,… Eu soube quando acordei, hoje de manhã — diz Mary, também
derramando lágrimas, mas mantendo-se mais firme que a líder das garotas satânicas.
— Eu tava mesmo com muita raiva de Josy, mas agora…
Mary e Beth se abraçam e choram juntas por alguns minutos. Depois, se
desvencilham novamente.
— O que vamos fazer Beth? — pergunta Mary, limpando as lágrimas.
— “Vamos” não. O que “eu” vou fazer — corrige Beth. — Eu vou matar Ana. E
dessa vez, não vai ser sem querer, por acidente, como foi da outra vez. Dessa vez eu
faço questão de ver a cabeça dela estourando, como vi a de… — Beth junta forças para
não chorar de novo. — Ela vai pagar caro, Mary. EU JURO!
154 – A luz no fim do túnel - 4
— Você tem que tomar cuidado… — diz Mary, fraca — A Ana pode estar
recebendo ajuda de alguém…
Beth acha aquele conselho estranho, mas não improvável.
— Alguém pode estar ajudando ela? Você acha mesmo isso? — pergunta Beth,
incrédula.
— Como alguém poderia fazer as coisas que ela faz sem ajuda? — pergunta
Mary — É claro que ela tem alguém ajudando ela! Só pode ser! Lembre-se de que Josy
disse que viu uma luz na pedreira. Essa pode ser a nossa grande pista!
Com essa história de luz na pedreira de novo, Beth se convence de que deve
investigar isso. Ainda mais pela memória de Josy.
— Então eu vou lá… — diz Beth, convicta. — Se houver lá o mínimo sinal de que
alguém mais está envolvido nessa história, eu vou descobrir. Eu vou pegar essa pessoa
e tratar ela como quero tratar Ana: como se trata um peixe. Eu vou abrir e deixar cair
fora o que tem dentro.
— Para com isso, Beth! Você tem é que tomar cuidado! — diz Mary,
preocupada com a amiga — Eu não quero perder outra amiga!
Beth olha para Mary, que sempre foi durona, mas que agora parece claramente
fragilizada por causa dessa história toda.
— Eu não vou morrer — diz Beth. — Não sem antes acabar com a raça de Ana.
— Eu só quero que você tome muito cuidado — diz Mary, abraçando Beth. —
Se você se for, eu não conseguirei continuar com isso. Na verdade, eu prefiro até
morrer junto.
— Que é isso, Mary… — diz Beth, correspondendo ao abraço dela com outro.
— Nem eu nem você vamos morrer. E nem Carly ou Cassy! Eu vou pegar a Ana, e vai
ser logo!
155 – A luz no fim do túnel - 5
Mary não diz nada. Ela apenas fica abraçada com Beth, até que chega a hora
delas se despedirem.
Após combinar o que fazer, as duas se desvencilham novamente.
Beth pega suas roupas e começa a vesti-las.
—… Mary,… Eu tenho que aproveitar que é noite para chegar na pedreira — diz
Beth, olhando para o pequeno relógio em cima do móvel, que indica que são duas da
madrugada.
— Beth,… eu estou com medo! — diz Mary, olhando-a nos olhos.
Beth acaricia os cabelos da amiga.
—… Eu também estou — diz Beth. — Mas alguém tem que dar um fim a isso,
antes que mais alguma amiga da gente morra. E esse alguém tem que ser eu. Fui eu
quem deixou Ana cair naquela lagoa horrível. É de mim que ela quer se vingar. E se é a
mim que ela quer, ela vai ter, só que eu é que vou acabar com ela. E dessa vez para
sempre!
Mary limpa outra lágrima que surgiu ao pensar que aquela talvez seja a última
vez que vê a amiga.
— Eu vou voltar — diz Beth, abrindo a porta que dá para o corredor.
Mary faz que “sim” com a cabeça e espera.
— Lembre-se: espere cinco minutos e então faça o que combinamos — diz
Beth. — Adeus.
— Até logo! — diz Mary, zangada — Você deve dizer até logo! Se você diz
adeus, isso quer dizer que você sabe que não vai voltar!
Beth sorri.
Ela entra de novo no quarto, pega o rosto de Mary com as duas mãos e a beija
ternamente na boca.
156 – A luz no fim do túnel - 6
—… Até logo — diz Beth, sorrindo.
Mary sorri de volta, ainda que meio forçada pela vontade de acreditar que tudo
vai dar certo.
Então Beth deixa o quarto sem falar mais nada.
Mary espera os cinco minutos combinados do plano.
Enquanto isso, Beth se esgueira entre as máquinas de refrigerante e suco, e as
macas deixadas nos corredores, para tentar chegar até a porta de entrada sem ser
notada.
Beth vê, pela vidraça da porta que separa o saguão de entrada do corredor, que
a polícia está montando guarda do lado de fora do hospital.
— Mas que merda! — diz Beth, percebendo que sair do hospital não será tão
fácil quanto pensou que seria.
Enquanto isso, no quarto de Beth, Mary vê no relógio que já se passaram cinco
minutos.
Ela pega o abajur que Beth iria usar para lutar contra o suposto invasor e o usa
para quebrar o lacre do botão de incêndio, fazendo soar o alarme.
Com o barulho, a polícia entra no hospital. Beth, que estava escondida debaixo
de uma maca, aproveita para sair e correr até a porta de serviço.
Do lado de fora Mary vê que ainda restaram dois policiais, dentro do carro de
polícia estacionado na frente do hospital.
Um deles aponta para Beth, chamando a atenção do outro, que olhava para a
multidão de pessoas abandonando o prédio.
Beth corre para o muro do estacionamento do hospital e o escala. Antes que os
policiais consigam alcança-la, ela já dobrou a esquina da rua que tem atrás do hospital.
— Nós a perdemos! — diz um dos policiais — Fala com a central! A garota
suspeita fugiu!
157 – A luz no fim do túnel - 7
— Que droga… Isso é escuro para caralho… — diz Beth, falando sozinha,
enquanto escala o morro que leva à pedreira nova.
Ao chegar ao pé da pedreira, voltam as lembranças da noite de dois dias atrás,
quando Ana aparentemente morreu ali, na lagoa formada pela água da chuva
acumulada num buraco de escavação de tungstênio. Ana teria morrido ou da queda ou
do desabamento que ocorreu logo depois da queda, provocado, possivelmente pelos
disparos da arma de Bruna.
Mesmo estando escuro, Beth começa sua caminhada até o topo da pedreira,
em busca de alguma pista sobre o que está acontecendo.
Enquanto Beth sobe a ladeira, que é praticamente uma gigantesca rampa reta,
feita de cascalhos, a Lua aparece de detrás das nuvens, iluminando tudo como um
holofote branco azulado.
Beth olha novamente para o topo da pedreira, para ver melhor para onde está
indo.
Um vulto não muito alto está de pé no final da ladeira.
Beth para de andar. Ela reconhece Ana pelos cabelos soprados pelo vento, que
àquela altitude é muito forte.
—… Impossível… — diz Beth, pensando alto.
Aquela visão balança a convicção de Beth de que a Ana que tem aparecido
depois daquela noite fatídica é na verdade a própria Ana, bem viva, usando de truques
para confundir Beth e suas amigas. Beth sabe que não tem como Ana saber que ela
estava indo para a pedreira.
Beth engole seco, e mesmo não sabendo como Ana poderia estar lá, esperando
por ela, decide continuar subindo a rampa.
158 – A luz no fim do túnel - 8
Enquanto sobe, Beth se lembra de como cada passo ali é difícil, por causa dos
pedregulhos soltos, que rolam debaixo dos seus pés.
Mas mesmo os pedregulhos rolando não fazem Beth tirar os olhos de Ana, que
a uns cinquenta metros de distância, parece inexpressiva, como que esperando por
alguma coisa. Talvez, a própria Beth.
— Vamos ver o que você quer afinal, Ana… — diz Beth, falando consigo mesma,
disposta a acabar com aquela situação de uma vez por todas.
Mas algo interrompe a subida de Beth: uma luz vinda do lado esquerdo dela, do
mato que cerca a pedreira.
— PARE! — grita alguém com voz de velho — NÃO SUBA!
Acreditando ser algum vigia da pedreira, Beth tem o impulso de subir correndo,
mas então ela se lembra do que Mary falou, da luz que Josy viu naquela noite.
Beth olha para cima. Ana continua esperando, com a mesma expressão na cara.
Beth sente que tem que tomar uma decisão rápida. Ou sobe, e se arrisca a
talvez levar um tiro, caso o vigilante esteja armado; ou fica, e toma uma bronca do
vigilante, caso ele não tenha visto nada naquela noite; mas se viu, é possível que ele a
leve até a polícia e ela seja presa. De qualquer jeito as opções não são muito boas.
— NÃO SE MEXA! — diz o velho com a lanterna, aproximando-se de Beth.
— Calma, senhor,… eu não vou me mexer — diz Beth, erguendo as mãos.
Ela decide não subir e não se deixar levar um tiro, o que só faria tudo piorar, já
que baleada ela não poderia ajudar Mary, Carly e Cassy. Beth pensa que, mesmo com
o vigia a impedindo agora, ela sempre poderia conseguir fugir depois.
159 – A luz no fim do túnel - 9
— O que você ia fazer? — pergunta o velho, um homem de uns setenta anos ou
mais, usando um casaco com capuz e carregando na mão esquerda uma lanterna de
leds nova. Na outra mão, uma arma. Ao ver isso Beth percebe que fez bem em não
correr.
O velho vigia aponta sua lanterna para o alto da rampa, na direção de Ana,
iluminando-a fracamente, por causa da distância. Beth tem a sensação que o fato dele
poder iluminá-la a exclui de ser um fantasma.
— VÃO! — grita o velho, como se estivesse vendo várias pessoas, e não só a
Ana — VÃO EMBORA! VOCÊS NÃO PODEM PASSAR DAQUI! VÃO!
Beth olha do velho para Ana, que então se afasta da rampa e desaparece de
vista. Beth se pergunta se o velho estava mesmo vendo Ana, ou outra coisa. Talvez por
ser velho, ele estivesse delirando, pensa ela.
— O que você pensa que ia fazer? — pergunta novamente o velho, agora bem
perto de Beth.
Sem saber o que dizer, Beth fica muda.
— Você acha que pode enfrenta-la? Sua tola! Ela ia matá-la! — diz ele,
enfático.
Beth percebe então que o velho estava, de fato, vendo Ana.
— Você a viu… — diz ela, mais surpresa que preocupada por ter sido pega.
— Venha! — diz o velho, dando-lhe as costas — E nem pense em subir só
porque eu lhe dei as costas. Eu posso ser um velho, mas a minha mira é muito boa.
Vamos!
Sentindo que não tem opção, Beth segue o velho por uma trilha que leva para
dentro da mata que cerca a pedreira. E enquanto caminha por aquela trilha escura,
Beth se pergunta o que mais o velho sabe sobre Ana.
160 – A luz no fim do túnel - 10
— Não tenha medo! — diz o velho, andando na frente de Beth. — Aqui é fora
da área da pedreira! É seguro!
Beth não entende por que o lugar seria seguro só por ser fora da área da
pedreira, mas naquele momento não saber disso é a menor das suas preocupações.
Beth e o velho vigia chegam a uma clareira circular no meio do mato. No meio
da clareira, uma casa de madeira, simples, apenas dois cômodos: um quarto com uma
cama, um criado mudo e um rádio. Na sala, uma mesa e duas cadeiras, também de
madeira, e um armário onde o velho possivelmente guarda suas bugigangas que usa
no dia a dia.
— Pode sentar! — diz o velho. Ele vai até o armário e pega uma garrafa de água
mineral e um copo. Ele enche o copo com água até a borda e o põe na frente de Beth
— Tome! Você precisa beber alguma coisa. Rápido!
Beth olha do copo para o velho, que foi pegar alguma coisa no quarto. Cansada,
e realmente com muita sede, por causa de toda a correria dos últimos dias, Beth pega
o copo e toma tudo de um gole só.
A ideia de que o velho poderia ser um tarado e que a água pudesse ter alguma
coisa lhe passou pela cabeça, mas naquela altura do campeonato Beth realmente não
dava a mínima para o risco de ser estuprada.
— Você tomou tudo? — pergunta o velho, voltando do quarto com um grande
embrulho de papel nas mãos.
— Sim — responde Beth.
— Ótimo! — diz o velho, puxando a outra cadeira para junto da mesa e
colocando o embrulho em cima da mesa.
161 – A luz no fim do túnel - 11
Ele abre o embrulho e revela o que está dentro: as roupas de Ana, que naquela
noite as garotas satânicas tiraram dela, quando decidiram violenta-la.
Ao ver aquilo, Beth, que tinha se mantido calma até agora, toma um susto, e se
levanta, fazendo menção de ir embora.
— Não! Não tenha medo! — diz o velho, preocupado — Isso é só para você
saber que o que viu lá em cima não é a Ana!
Beth olha para o velho e depois para as roupas. As mesmas roupas que viu
naquela Ana do topo da pedreira, minutos atrás. Definitivamente, percebe Beth,
aquela não poderia ser a mesma Ana.
— O que é isso? — pergunta Beth, coração batendo rápido — O que é isso
então? O que é tudo isso afinal?
O velho se levanta devagar.
— Primeiro de tudo, temos que enterrar isso em algum lugar. Nós dois temos
— diz o velho, destacando a palavra “nós”.
Ele pega duas pás que tinha encostadas atrás da porta e sai da casa. Ele olha
para Beth, como que esperando que ela já soubesse o que era para fazer.
— Pega as roupas dela — diz o velho, percebendo que Beth não entendeu o
que era para fazer.
Beth olha confusa para o velho e depois para as roupas. Finalmente, ela decide
fazer o que ele diz e pega o embrulho todo.
Os dois andam até outra clareira, não muito distante da primeira, mas muito
maior que ela. O velho joga uma das pás no chão e vai até o meio dela e enfia a pá no
chão, tirando o primeiro naco de terra. Depois ele se volta para Beth.
162 – A luz no fim do túnel - 12
— Vamos! Você também deve cavar! — diz ele, apontando para a outra pá no
chão, perto de Beth.
Beth olha para a pá, depois em volta, como que procurando por mais alguém,
talvez uma pessoa que pudesse lhe dizer se está sonhando ou delirando, e que lhe
explicasse tudo aquilo, mas não vê ninguém. Então ela dá de ombros, deixa o
embrulho com as roupas de Ana no chão, e pega a outra pá.
Os dois ficam cavando até abrir um buraco de sete palmos de profundidade, e
um metro de largura.
Quando terminam, o velho limpa o suor da testa.
— Agora pega as coisas dela. Rápido! — diz o velho, esperando perto do
buraco.
Beth, que já estava afundada naquilo até a cabeça, anda até o embrulho e o
trás para perto do buraco. Beth faz menção de jogar o embrulho no buraco, mas o
velho a faz parar.
— Não! Não é assim! Primeiro, nós temos que rezar! — diz ele, alarmado.
Beth olha novamente para o velho, pensando se ele não é só algum maluco,
mas depois pensa em como ele sabia sobre Ana não ser a Ana de verdade, e resolve
fazer o que ele diz.
— Pai nosso, que estai no céu… — começa o velho, olhos fechados,
concentrado na reza, e esperando ser seguido por Beth.
Beth faz o mesmo, dizendo as mesmas palavras, até que os dois formam um
coro.
Quando a reza do pai nosso acaba, o velho reza uma Ave Maria. Beth, cansada,
mas disposta a ver até onde aquilo a levaria, novamente acompanha o velho.
Ele abre os olhos. Beth também.
— Joga aí dentro — diz ele, mais calmo.
163 – A luz no fim do túnel - 13
— Isso vai acabar com ela? — pergunta Beth, lembrando-se daqueles filmes
sobre fantasmas que viu na televisão.
O velho sorri. Beth teme o que o sorriso dele possa significar.
— Não, não vai acabar com ela. Mas vai acalmá-la por alguns dias. Um dia ou
dois, no Máximo — responde ele. — O tempo que você precisa para fazer o que tem
que fazer. Agora joga logo, ou teremos que rezar de novo.
Beth, ainda confusa, mas sentindo que vem mais explicação por aí, joga o
embrulho na pequena cova aberta na clareira.
— Agora vamos enterrar isso aí. Vamos logo — diz o velho, enchendo o buraco
de areia.
Quando terminam, a Lua está quase tocando a copa das árvores, mostrando
que não estão muito longe do amanhecer.
— E agora? — pergunta Beth, impaciente e confusa — Vai me dizer o que é
tudo isso?
O velho, cansado, senta numa pedra que tem perto, e apoia as mãos na pá.
— Eu vi vocês naquela noite — diz o velho. — Eu sei que você se chama Beth, e
que é a líder daquelas garotas. Eu vi tudo que aconteceu entre vocês naquela noite. Eu
vi a garota cair no precipício.
Beth fica com medo. Muitas perguntas surgem na sua cabeça. Por que ele não
as entregou para a polícia? O que aquele velho poderia querer com isso?
— Eu sei que você não a matou — continua o velho, muito sério. — Eu vi tudo!
Foi só um acidente! Ela escorregou e você tentou pegá-la, mas não conseguiu. Foi só
uma fatalidade. Uma horrível fatalidade. Você não queria matar ninguém naquela
noite, não é mesmo? Claro que não… Deus sabe que não. Afinal, você é só uma menina
como todas as outras. Meninas nunca querem matar ninguém. Meninas só querem
comprar coisas, se divertir e namorar. E você é só uma menina, Beth. Uma menina com
muita raiva do mundo, mas ainda assim, uma menina. E você sabe que não queria
mata-la. Queria assustá-la, sim! Queria mostrar para ela quem é que manda, sim, mas
mata-la, não. Nunca. Não é verdade?
Ao ouvir aquelas palavras, Beth olha para o lado, para disfarçar, mas não
consegue conter as lágrimas, que rolam impiedosamente face abaixo, revelando seu
lado mais frágil.
164 – A luz no fim do túnel - 14
— Mas então… — diz Beth, limpando as lágrimas e ainda olhando para o lado,
para não encarar o velho —… O que é isso tudo?
O velho respira fundo antes de falar.
— Eles apenas querem justiça, Beth — diz o velho. — Eles também não queriam
ferir ninguém, mas agora tudo está feito. E não vai parar até eles terem o que querem.
Ela não os deixará parar.
Beth olha para o velho, agora ainda mais confusa que antes.
—… “Ela”? “Eles”? Afinal, do que ou de quem você está falando? — pergunta
ela, impaciente e com medo.
— Eu não posso entrar em detalhes, a não ser que você já os conheça —
responde o velho. — Mas eu posso dizer para você, com toda certeza, que isso não
está acontecendo porque a Ana morreu.
— Como é? — pergunta a Beth, que não entende mais nada.
— Não, não foi o que vocês fizeram, ou o que você fez que os fez mirar em
vocês, Beth — diz o velho, ainda mais enigmático — Não… Foi algo que você disse.
Agora Beth fica literalmente muda.
— Tente se lembrar disso, Beth… — diz o velho, ainda apoiado na pá, como um
rei apoiado sobre o seu cetro — Teve uma coisa que você disse naquela noite que não
contaria para ninguém a não ser suas amigas? Algo que não contaria nem para a sua
mãe? Nem para um padre, se fosse se confessar algum dia?
— Eu não sei… — diz Beth, realmente não se lembrando de nada no momento.
— Pense, Beth! Pense! — diz o velho, insistente — O que você pode ter dito
naquela noite que só diria num momento extremo de fúria? Algo que você só diria…
para uma pessoa que desejasse matar?
165 – A luz no fim do túnel - 15
Então Beth finalmente se lembra de algo. Ela se lembra que foi nos últimos
momentos antes de Ana morrer. Beth relembra o que aconteceu:
………
………
………
Beth para de arrastar Ana quando as duas estão a um metro do precipício.
Beth agarra Ana pelo pescoço, por trás, e com a outra mão segurando-a pelo
braço direito, ela inclina Ana na direção do precipício, de tal modo que Ana fica de
frente para o lago feito de água da chuva, quarenta e cinco metros abaixo.
— Que tal um banho, hein? — pergunta Beth, também olhando para baixo.
Ana olha para o lago, que de tão profundo chega a ser preto, parecendo mais
um buraco que um lago feito de chuva.
— Sabe o que é aquilo lá embaixo? — pergunta Beth — Aquilo é o lago que se
formou por causa das escavações da pedreira. Sabe o tamanho dele? Maior que um
prédio! E sabe do que ele está cheio? Você sabe?
Ana não responde. Depois de tentar fugir duas vezes sem sucesso, ela apenas
espera que aquilo tudo acabe.
—… De corpos! — diz Beth, respondendo à própria pergunta — E sabe, acho
que você pode ser o próximo corpo lá embaixo. Que tal?
………
………
………
Beth retorna ao presente momento, onde está parada de pé, com uma pá na
mão, diante de um velho vigia, no meio de uma clareira no meio da mata de Rio
Dourado.
— Os corpos!… — diz Beth, sentindo nos seus ossos que acertou.
O velho não diz nada. Ele apenas observa Beth com seus olhos de águia,
refletindo a luz da Lua.
166 – A luz no fim do túnel - 16
Beth relembra outro momento em que falou dos corpos na lagoa da pedreira.
Foi antes daquilo, quando decidiu fazer Ana pagar por as garotas satânicas terem sido
expulsas da escola Rio Dourado:
………
………
………
— E quando a gente acabar, nós a traremos aqui,… e a jogamos no lago —
continua Beth — Aí eu quero ver só a nerda nadar naquela água podre, cheia de corpos
de desova. Eu sei que tem gente morta lá, porque meu tio que é bandido me disse. Ele
disse que já apagaram um monte de gente aqui, na beira desse precipício, e depois
jogaram os corpos lá em baixo. E a nerda vai nadar lá, até se afogar. Isso vai ser bem
legal. Não vai?
………
………
………
Beth novamente retorna ao presente.
— Eu falei… sobre os corpos… E o meu tio… E sobre o que ele me disse… — diz
Beth, sentindo que tudo fazia cada vez mais sentido.
— Agora você sabe quem são “eles” — diz o velho. — Mas você não sabe quem
é “ela”. E é ela o problema, Beth. Ela os convenceu de que você é a chave para eles
alcançarem a paz que tanto querem, tanto para eles mesmos quanto para suas
famílias. E “ela” vai usar a vontade deles para conseguir isso de uma maneira ou de
outra. Mas não para ajuda-los, porque ela não se importa com ninguém, mas sim
porque ela quer conseguir apenas uma coisa. Uma coisa que você tem e que lhe
importa muito: a sua alma!
Beth olha para o velho, tentando entender.
— Está dizendo que alguma coisa está controlando as almas das pessoas
mortas na pedreira, só para ter a minha alma?
167 – A luz no fim do túnel - 17
— Não… — diz o velho — Estou lhe dizendo que essa entidade está controlando
as almas das pessoas mortas na pedreira para conseguir ter uma alma mais forte,
capaz de dar a ela o que ela quer: mais poder.
— “Entidade”? — diz Beth, confusa — Está falando do diabo?
O velho cospe no chão ao lado e volta seu olhar fulminante para Beth.
— Não existe isso de diabo, garota! — responde o velho — Mas é um fato que
assim como existe uma diferença entre nós e os animais, existe uma diferença entre
nós e aqueles que estão acima de nós. A entidade está nesse nível da existência. Ela é
maior que as almas da pedreira, que esperam por um enterro digno. Ela é maior que
todas as almas de Rio Dourado juntas. Mas a força dela vem de ter almas como as
nossas, à disposição dela, para ela fazer o que tanto quer.
— E o que é isso que ela quer? — pergunta Beth, mais curiosa do que crédula
na história do velho vigia.
— A mesma coisa que ela quis desde que os primeiros mineradores vieram a
essa região desolada, quando havia aqui apenas um rio e um descampado sem fim:
que abandonemos esse lugar.
Beth ri.
— Ah! Entendi… — diz ela, sorrindo — Então tudo que eu tenho que fazer é
retirar todo mundo da cidade de Rio Dourado que essa tal “entidade” me deixa em
paz. Fácil!…
O velho não diz nada. Apenas espera, olhando Beth com os mesmos olhos
perfurantes como raios laser.
— Tá bom… — diz Beth, mais séria —… O que eu tenho que fazer para acabar
com tudo isso?
168 – A luz no fim do túnel - 18
— Tudo que a entidade quer é usar suas almas para destruir a cidade e impedir
que mais pessoas venham aqui, mas as almas da pedreira vão ajuda-la a matar vocês
apenas porque acham que assim irão ter paz. Só que elas não sabem que existe outro
modo: se você falar para a polícia sobre os corpos, e sobre seu tio, ele será preso, elas
terão um enterro digno, e tudo estará acabado. Restará apenas a entidade. Mas sem
as almas para apoiá-la, não é impossível vencê-la.
Ao perceber que apesar de estranho, aquilo tudo fazia sentido, ela senta na
grama úmida da clareira.
— Você é algum maluco? — pergunta Beth — O que você é afinal?
— Se eu disser que sou um bruxo, um mago, um profeta ou um paranormal
você me dará mais crédito? — pergunta o velho vigia — Você não tem escolha, a não
ser ouvir o que esse velho lhe diz. Ou melhor, você tem uma escolha: continuar o que
estava fazendo, e ir até a entidade, enfrenta-la. Mas tudo o que ela quer é te matar,
juntamente com as suas amigas. Se você quer se arriscar a perdê-las, pode ir em
frente. Eu não vou mais tentar detê-la. Mas se você entregar o seu tio, tudo isso acaba.
Ou melhor, quase tudo. Restará ainda enfrentar a entidade. Mas nisso eu posso te
ajudar. Mas claro, só depois de você fazer o que tem que ser feito.
— E você acha mesmo que eu vou entregar o meu tio assim? — pergunta Beth,
rindo — Você acha que é só chegar na polícia e dizer “Olá policial, eu sou a sobrinha de
um bandido que já matou um monte de gente, e eu sei onde os corpos estão”? O que
você acha que vai acontecer comigo se eu fizer isso? Ele vai me matar na primeira
chance!
169 – A luz no fim do túnel - 19
— Você pode entrar no programa de proteção à testemunha — diz o velho,
mostrando que sabe das coisas.
— Cara, isso não funciona!… — diz Beth, pondo as mãos na cabeça — De
qualquer jeito, eu tou fudida.
— Isso funciona — diz o velho. — Eu estou nessa faz mais de trinta anos.
Beth tira as mãos da cabeça e olha incrédula para o velho.
—… Você? — pergunta ela.
— Há trinta anos eu testemunhei um massacre no lugar onde eu morava —
responde o velho. — Então eu entrei no programa. Desde então eu me tornei o vigia
dessa pedreira. Foi aí que eu conheci eles…
Beth balança a cabeça, crente que perdeu a noite toda falando com um maluco.
— Valeu, cara… Eu vou nessa — diz Beth.
— A garota… aquela que ficou com você quando um pedaço do precipício
desabou… — diz o velho. —… Como é o nome mesmo… Ah! Lembrei: Mary.
Preocupada, Beth se volta para o velho.
— O que tem ela? — pergunta Beth, muito séria.
— De todas as suas amigas, a entidade vai mata-la por último, antes de matar
você — diz o velho. — Ela vai fazer isso para mostrar a você o que pode fazer. Você
quer mesmo se arriscar a ver isso acontecer?
— É claro que não! — diz Beth, convicta.
— Então, Beth,… — diz o velho, fitando os olhos dela — Você tem que escolher:
ou se arrisca a ver a sua amiga morrer, ou arrisca a você mesma. No final, é isso que a
vida nos dá. É sempre uma morte pela outra.
Ouvindo essas palavras, Beth respira fundo e anda até a saída da clareira. O dia
está amanhecendo em Rio Dourado. A luz do Sol surge devagar no horizonte.
170 – A luz no fim do túnel - 20
— Beth? — diz Mary, surpresa de ver a amiga entrando no seu quarto, no
hospital Rio Dourado.
— Eu disse que ia voltar logo — diz Beth, sorridente e feliz, como se tudo já
tivesse sido resolvido.
Mary se senta na cama. Beth senta ao lado dela.
— O que aconteceu? Você encontrou alguma coisa? — pergunta Mary.
— Eu não sei… — responde Beth, confusa. — Alguma coisa muito estranha
aconteceu, sem dúvida. Mas eu não sei se eu tenho a resposta para isso tudo.
— Como assim? O que aconteceu? — pergunta Mary, também confusa.
Depois que Beth explica a Mary tudo que aconteceu naquela última noite, as
duas ficam um tempo em silêncio, pensando.
—… Acha que esse velho é mesmo confiável? — pergunta Mary, sempre
desconfiada.
— Eu não sei, Mary, mas eu sei de uma coisa: eu não quero que você morra —
responde Beth.
— Então você quer entregar o seu tio para ver se isso tudo acaba? — pergunta
Mary.
— Acho que é uma possibilidade… — responde Beth, preocupada — E do jeito
que estão as coisas, eu não tenho muito que fazer. Eu pensava que estava lidando com
alguém real, ou melhor, “vivo”, mas aquilo!… — Beth balança a cabeça, descrente nas
próprias forças. — Eu não sei nada sobre o mundo sobrenatural, Mary.
— Mas você acha que esse velho sabe? — pergunta Mary.
— Eu não sei. Ele disse coisas, e eu vi coisas,… — diz Beth, ainda confusa — Ele
poderia ter nos entregado, e tudo estaria acabado, mas ele não fez isso. Além disso,
ela, ou, seja lá o que aquilo for, o obedeceu! Ela foi embora quando ele mandou! Eu
não sei o que ela teria feito comigo se eu subisse a pedreira. Aquilo não era humano,
Mary! Disso, eu tenho certeza. Por isso acho que ele merece algum crédito.
— Então, minha amiga… — diz Mary, pegando na mão de Beth. — Faça o que
acha que tem que fazer.
Beth olha para Mary, e as duas se abraçam.
171 – Victor e Aleph - 1
— Ana? — diz Victor, incrédulo, ao ver Ana sentada no mesmo banco do
parque que sempre costumava sentar, e no mesmo horário que visitava o parque.
Victor, que decidiu passear pelo parque mais uma vez, em busca de Ana, já
estava sem esperanças quando a viu.
— Olá, Victor — diz Ana, sempre sorridente, com seu diário aberto nas mãos.
Victor estranha toda aquela felicidade de Ana, mas como faz muitos dias desde
que aquela situação constrangedora do encontro dela com seu irmão, Aleph,
aconteceu, ele dá um desconto.
— Posso sentar? — pergunta ele, sempre educado.
— Não. Não pode — responde ela, sorrindo.
Victor ri.
— OK… — ele considera aquilo uma brincadeira, e então, ignora o que ela disse
e senta ao lado dela.
—… Bem,… acho que, para começar, você poderia pedir desc…
Ana fecha o diário com força, fazendo um barulho alto o suficiente para
interromper o que Victor está falando.
— Acho que eu disse claramente que não permitia você sentar ao meu lado…
— diz ela, ainda sorrindo.
Victor não consegue crer no que ouve, e faz uma careta, como se tivesse sido
muito ofendido.
— Como assim? Depois de tudo que você fez, você não quer que eu me sente
ao seu lado? — pergunta ele, indignado — Ou você que acha que você não merece que
eu me sente ao seu lado? É isso? Porque, se for isso, eu posso…
— Ah, por favor, sua bichinha enrustida com ares de príncipe! Me poupe dessa
conversa mole de filhinho de papai educado e burguês! — diz Ana, ríspida. — E,
falando na sua família, cadê aquele gostoso do seu irmão, o Aleph? Eu tenho quase
certeza de que o pau dele é exatamente do tamanho que eu preciso, ou seja: bem
maior que o seu. Não estou certa? Bem, se for pela sua cara, de quem já deve ter visto
ele, me parece que sim.
Ao ouvir aquilo, Victor fica tão perplexo que mal consegue respirar, quanto
mais falar. Ele se levanta e anda rápido para a saída do parque.
Olha, pessoal! Como sabem quando posto esse aviso, os capítulos de hoje
acabaram. Amanhã, a partir das 14 horas, tem mais, indo até as 18, por aí.
Obrigado a quem leu e a quem comentou! Um abraçãozão para todos! Até
amanhã! o/
172 – Victor e Aleph - 2
— Era só que o me faltava!… — diz Ana, que sorri enquanto vê Victor tropeçar
umas duas vezes antes de sair do parque, na direção do estacionamento das bicicletas.
Ana pega seu diário e se levanta, e anda na direção oposta à de Victor.
Apenas um minuto depois, Ana está tocando a campainha de uma casa estilo
colonial, de três andares.
Alguém abre a porta. É Aleph.
— Você? — diz ele, surpreso — Eu… eu não esperava que voltasse… — Aleph
sorri, convencido.
— Tem razão… — diz Ana, sorridente —… Sabe, eu não sei o que deu na minha
cabeça para fugir daquele jeito… Eu sei que magoei seu irmão, mas acho que foi mais
forte do que eu.
Aleph não se segura de tão convencido e sorri olhando para baixo, tentando
não demonstrar.
—… Quer entrar um pouco? — pergunta ele, abrindo toda a porta.
Ana suspira, como que se sentindo vencendo um desafio.
— Quero sim! — responde ela, saltitando para dentro da casa.
Aleph fecha a porta de olho na bunda de Ana.
Dez minutos depois, Victor chega de bicicleta, no portão da casa dele. Victor
deixa a bicicleta no jardim e anda devagar, meio que desmotivado, para frente da casa
e abre a porta.
Quando entra na sala, Victor ouve gemidos no andar de cima. Ele balança a
cabeça, cansado.
— Esse meu irmão… Eu já disse que o papai não quer mais que ele traga as
namoradas aqui pra casa… — diz Victor, falando consigo mesmo. — É melhor eu ir
alertá-lo, antes que o papai chegue…
Victor sobe até o primeiro andar e anda até a porta do quarto do irmão, que
está entreaberta. Percebendo isso, Victor fica hesitante.
173 – Victor e Aleph - 3
— Será que eles já estão?… — pergunta-se ele, falando baixinho.
Em vez de abrir mais a porta e falar com Aleph, Victor prefere se esgueirar para
o lado, para ver o que o irmão está fazendo.
Victor vê uma garota nua, magra, de cabelos bem pretos e lisos, pele bem
branca, indo para cima e para baixo, de costas para ele, sobre a cama. Embaixo dela,
Aleph, também nu, delirando, segura na cabeceira da cama com os dois braços,
enquanto que com o resto do corpo ele acompanha os saltos da garota, afastando
quando ela afasta e aproximando quando ela aproxima.
Aquela cena barulhenta hipnotiza Victor, que da porta consegue sentir o cheiro
de sexo. Sem resistir mais, Victor põe a mão por debaixo da calça e se masturba,
tentando acompanhar o ritmo dos dois.
Deixando-se levar pelo fato de não ter mais ninguém dentro da casa, Victor não
liga quando suas calças caem até os pés, mostrando tudo.
Quase no auge da transa, a garota se volta para a porta, e revela-se.
— Nossa! Como é grande a diferença! — diz Ana, lambendo os lábios e sorrindo
para Victor.
Surpreso por ser Ana a garota que Aleph está traçando, Victor corre para as
escadas, com as calças abaixadas, e tropeça, rolando pela escadaria até cair morto no
saguão de entrada, com o pescoço quebrado.
Aleph, que percebeu que a transa tinha sido interrompida pela presença de
Victor, corre para falar com ele, mas encontra Victor morto.
— VICTOR! — grita Aleph, abraçando o irmão e dando-lhe tapas na cara, para
tentar acordá-lo — VICTOR! VICTOOOOR!
Enquanto isso, Ana desce as escadas, já devidamente vestida, e sai de fininho,
sem que Aleph perceba. Mas não sem antes fazer um comentário:
— Está vendo, Ana? Fiz isso por você. E se você ficar do meu lado, faremos
muito mais…
174 – A luz no fim do túnel se apaga - 1
— Então é isso mesmo que eu entendi? Você veio entregar o seu tio, Arnaldo
Velasco? — pergunta o investigador policial Eduardo, que tinha ido ao hospital onde
Beth estava internada. Ele liga o gravador e o coloca na mesa da sala de interrogatório.
— Sim — responde Beth. — Eu vim aqui para dizer que o meu tio matou
mesmo as pessoas que vocês acusam que ele matou. Além disso, eu sei onde ele
escondeu os corpos, pois foi ele mesmo quem me disse.
— E onde fica esse lugar, Beth? — pergunta o investigador.
Beth respira fundo, mas não para ter forças. Ela já estava decidida quando
entrou na delegacia.
—… Na pedreira nova, em um buraco feito no interior dela, e que vive cheio
d’água — responde Beth.
— Ouviu, Ferreira? — diz o delegado Jefferson, que também está presente ao
interrogatório, falando com um dos guardas — Mande os bombeiros lá, averiguar.
Leve dois carros para garantir a segurança do lugar.
— Entendido — diz o policial, saindo imediatamente para cumprir o ordenado.
Depois de mais uma hora de perguntas, Beth é liberada. A mãe dela, a dona
Betânia, teve que ser levada ao hospital, porque passou mal durante o interrogatório.
Ela acusava a filha de estar traindo a família, mas foi detida pelo delegado, e acabou
sendo solta após o interrogatório.
Beth, pelo contrário, sai da delegacia se sentindo bem por saber que fez a parte
dela.
— Beth! — diz Mary, que esperava por ela na praça que fica em frente à
delegacia.
Beth recebe com felicidade o abraço de Mary.
— Como foi? — pergunta Mary.
— Deu um pouco de medo falar com os investigadores, mas foi tranquilo.
Acabou, Mary — responde Beth.
Aquela palavra, “acabou”, teve um efeito instantâneo em Mary, que suspira de
cansaço.
— Finalmente! — diz ela, abraçando Beth.
175 – A luz no fim do túnel se apaga - 2
— Olá, Beth! Mary! — diz Carly, chegando junto com Cassy. As gêmeas, que
estavam escondidas na casa de Bruna desde que Josy morreu, finalmente sentem-se
seguras para sair, desde que Beth foi até elas contar a história do vigia da pedreira.
Mary se afasta de Beth, e depois de olhar para o chão e para o lado, resolve
encarar as demais garotas satânicas.
— E aí? — diz Mary, com seu jeitão durão de sempre restaurado — Cadê a
Bruna? Pensei que ela vinha também.
— Ela está muito ocupada se preparando para contar à família dela sobre tudo
que houve… — responde Cassy, olhando preocupada para Beth. — E é por isso mesmo
que estamos aqui,… Beth, você tem certeza de que é isso mesmo que quer fazer?
— Agora é tarde, Cassy. Já está feito — responde Beth. — Não tem mais volta.
Nem para mim, nem para nenhuma de nós, incluindo a Bruna. Mas o lado bom é que o
delegado acreditou em mim. E o advogado que falou comigo disse que eu não irei
presa agora. No máximo irei passar um tempo no reformatório, e cumprir alguns
meses na cadeia quando fizer dezoito anos.
Carly, Cassy e Mary entreolham-se, visivelmente preocupadas com a amiga.
— Não olhem assim para mim! — diz Beth — Lembrem-se de que vocês
também irão cumprir pena. Ainda ficaremos livres um tempo, por termos confessado,
e depois vamos ser julgadas e talvez passar um tempo atrás das grades, mas isso tudo
ainda é melhor do que morrer por aquela coisa.
— Ninguém aqui está preocupada com isso, Beth — diz Cassy, entristecida. —
Nós temos a nossa família, que irá nos apoiar ou nos visitar na prisão, mas você… Sua
mãe disse mesmo que iria embora para o lugar de onde vocês vieram?
176 – A luz no fim do túnel se apaga - 3
— É,… ela disse — confirma Beth.
— E é verdade que, tirando seu tio, você não tem mais nenhum parente? —
pergunta Carly.
— É,… é verdade — responde Beth.
Novamente as demais garotas satânicas entreolham-se, dessa vez,
profundamente entristecidas.
— Não se preocupa, Beth! — diz Carly — Minha mãe já disse que vai te visitar
na prisão, e quando formos soltas, iremos também! Todos os dias!
Mary não diz nada. Ela apenas finge olhar alguma coisa distante e limpa
rapidamente uma lágrima traidora que escorre pelo seu rosto.
— Relaxem… — diz Beth, fazendo pouco caso — Vai ser divertido. Pensem
bem! As garotas satânicas terão experiência de vida na cadeia! Quando sairmos, nós
seremos as ex-presidiárias! Ninguém poderá dizer que não somos mesmo pauleira!
Ainda assim essa afirmação de Beth não consegue deixar as garotas satânicas
contentes.
— Então,… — diz Cassy, lembrando de algo —… Agora que fizemos isso, e a
polícia vai achar os corpos,… “acabou”?
Beth se lembra do que o velho vigia lhe falou, de que restaria a entidade.
— Não acabou… Eu acho — responde Beth. — Mas é isso mesmo que eu vou
saber, indo até aquele velho hoje mesmo, enquanto ainda estou livre.
— Eu vou com você — diz Mary, convicta.
— Nós também! — dizem em coro, Carly e Cassy.
Beth põe as mãos na cintura e sorri.
— Eu não acho que preciso de tantas guarda-costas assim, mas,… se vocês
querem ir, eu também não posso impedi-las — diz ela, achando graça.
— Não é mais uma questão de sermos amigas, Beth! — diz Mary, mostrando a
mesma firmeza e fidelidade violenta de sempre — É uma questão de honra! Todas nós
queremos ir porque queremos vingar a Josy! E se tiver um jeito de fazer isso, nós todas
faremos! Então nós todas iremos!
Beth fica sem saber o que dizer, ou como negar aquilo.
— Iremos para onde? — pergunta Bruna, chegando com as mãos nos bolsos.
177 – A luz no fim do túnel se apaga - 4
— Agora que estamos todas juntas… — diz Mary, olhando de uma por uma do
grupo de garotas —… Acho que essa é a melhor hora para resolvermos logo isso. Não
acha?
Beth corresponde ao olhar de Mary balançando a cabeça em sinal de “sim”.
— Então é agora? — pergunta Bruna — Aquele lance que cê falou, do vigia?
— Isso mesmo, Bruna — responde Beth. — Embora você não tenha acreditado
quando eu lhe disse, lá na sua casa, você vai mudar de ideia quando ouvir o cara. Ele
sabe com o quê estamos lidando melhor que nós. Ele é o único que pode nos ajudar.
— Então tá,… — diz Bruna, ainda não muito convencida — Tou pronta.
— Eu também — diz Mary.
— Eu também — diz Carly.
— Eu idem — diz Cassy.
— Vamos nessa — diz Beth.
As cinco garotas partem para a pedreira, que fica do outro lado da cidade, na
região oeste. São quatro da tarde.
Quando chegam ao morro onde fica a pedreira, quase uma hora depois, as
garotas se deparam com carros de bombeiros e da polícia cercando o lugar.
— Isso já era esperado — diz Beth. — Venham! A cabana do velho fica por
aqui…
Beth entra pelo mato que fica ao lado da pedreira, e que cerca a cidade, indo
na direção noroeste, fora da área da pedreira. As demais garotas a seguem.
— Merda! Isso vai acabar com a minha calça! — reclama Bruna, sentindo os
espinhos dos carrapichos ferir suas pernas.
Vinte minutos depois, já quase escurecendo, as cinco garotas chegam à clareira
onde fica a cabana do velho.
Antes de se aproximar mais, as garotas param de andar.
178 – A luz no fim do túnel se apaga - 5
— Você sabe o nome dele? — pergunta Mary.
— Bem,… — diz Beth, meio sem jeito — Ele não disse. E eu também não me
liguei de perguntar…
— Então vamos chama-lo de vigia mesmo — decide Bruna, dando um passo à
frente e colocando as mãos de lado da boca — EI! SEU VIGIA! O SENHOR ESTÁ AÍ?
Com a demora a responder, as garotas ficam preocupadas.
— Ele não morreu, não,… — diz Cassy, com medo —… Morreu?
— Aquele cara morrer? Acho que não… — responde Beth, indo na direção da
casa do vigia e olhando pela janela. Ela não vê ninguém. Pensando que talvez esteja
em algum lugar da casa, ela grita — EI! SEU VIGIA! SOU EU! BETH! EU VIM LHE
PERGUNTAR UMA COISA!
— Então pode fazer isso falando na minha direção — diz o velho vigia, falando
de detrás das garotas.
— Ah! — grita Cassy, assustada.
— Putamerda! Isso foi ducaralho! — diz Bruna, excitada — Como é que você
fez isso?
— Tá falando de andar silencioso no mato? — pergunta o velho, que segura um
machado de lenhador em uma das mãos e alguns pequenos troncos de árvore na outra
— Isso você aprende a fazer quando se vive na mata.
Beth se aproxima do velho.
— Eu fiz aquilo que você me aconselhou… — diz ela. — Agora preciso saber
como lidar com a tal entidade de que você falou.
O velho inspira fundo, dá uma sacudida nos troncos e anda até a cabana.
Depois, já na porta dela, ele se vira para as garotas.
— O que estão esperando? Que eu as carregue nos braços? — diz o velho,
ríspido, entrando na cabana logo em seguida.
As garotas entreolham-se, achando graça no jeitão matuto do velho.
179 – A luz no fim do túnel se apaga - 6
Quando estão todos na cabana, o velho deixa a madeira e o machado perto da
porta e lhes serve a mesma água que serviu para Beth.
— Então você decidiu mesmo seguir o caminho da coragem e se sacrificar para
salvar suas amigas… — diz ele, enchendo o próprio copo — Nossa! Você me
surpreendeu, garota! Não pensava que pudesse ir tão longe nisso.
Beth corta o papo furado.
— Velho! Eu não tenho muito tempo. Preciso saber como deter a entidade de
que você falou, antes que eu seja presa!
O velho olha para Beth e para as demais garotas, e sorri.
— Você fez mesmo muito bem, garota… — diz o velho. — Mas sabe,… Você
nunca ouviu aquele ditado que diz que você não deve acreditar em alguém com mais
de trinta anos?
Beth acha muito estranha aquela conversa, e olha para as garotas, que também
desconfiam de algo.
— O que é isso, velho? — pergunta Beth, nervosa Do que você está falando?
— Eu não tou gostando disso… — diz Bruna, desconfiada, olhando para Mary.
Cassy e Carly também olham uma para outra, desconfiadas.
— PODE VIR! — grita o velho, chamando alguém do lado de fora da cabana.
Todos os olhares das cinco garotas se voltam para a porta aberta da cabana do
velho. Como está quase escurecendo, a luz do Sol poente faz com que as árvores e a
grama da clareira pareçam estar em brasa, criando uma visão tal que faria qualquer
um se sentir como se estivesse no próprio inferno.
E é esse mesmo sentimento que as garotas têm ao ver Ana aparecer diante da
porta.
— Olá, meninas — diz Ana, sempre sorridente.
180 – A luz no fim do túnel se apaga - 7
— Que porra é essa? — pergunta Bruna, assustada, ao ver, pela primeira vez
desde aquela noite, Ana, aparentemente viva e em carne e osso.
— Oh meu Deus! — grita Cassy, saltando da cadeira para junto de Mary. Carly
faz o mesmo.
— Que é que tá acontecendo? O que é isso? — pergunta Mary, tentando
manter a calma, mas muito nervosa.
— VELHO! — diz Beth, olhando de Ana, que se mantém sorrindo na porta, para
o velho vigia.
— Você é meio devagar da cabeça, não é, garota?… — diz o velho, olhando
para Beth com seus olhos de águia — Ainda não percebeu que caiu numa armadilha?
Ao ouvir aquelas palavras, Beth se enche de fúria e de medo ao mesmo tempo.
Fúria, por ter sido enganada por aquele velho que ela pensou que queria lhe ajudar, e
a quem confessou coisas muito íntimas, e até chorou. Medo, por saber que tinha
trazido todas as suas amigas para aquele lugar, onde Ana as esperava.
Assustadas, e, acima de tudo, sem saber o que fazer, Mary, Carly, Bruna e Cassy
juntam-se no fundo da cabana, o mais longe que podem ficar de Ana, que se mantém
diante da porta, do lado de fora.
— SEU DESGRAÇADO! — diz Beth, tomando rapidamente posição na frente das
garotas, para ficar entre elas e Ana.
O velho se levanta, e, calmamente, anda até porta, pega o machado que está
perto e se volta para Ana.
— Então,… como quer que eu faça isso? — pergunta o velho — Queimo elas?…
Enterro elas vivas?… Atiro nelas?…
— Pode usar o machado mesmo… — diz Ana, sempre sorrindo — É mais lento,
mas… é bem mais divertido!
{{ PAUSA }} Olá, pessoal! Esse aviso é só para dizer que as postagens de UM
POR UM de hoje sofrerão uma pequena pausa [ algumas horas ] por causa do meu
trabalho… :( Mas assim que eu terminar as coisas aqui, eu retomo as postagens! Então,
até breve! o/
181 – A luz no fim do túnel se apaga - 8
— CORRAM! — grita Beth, correndo na direção do velho, tentando fazer as
garotas escaparem.
O velho vigia levanta o machado e desfere um golpe em Beth, enfiando metade
da lâmina no ombro direito dela.
Mesmo ferida, Beth consegue derrubar o velho, que cai de costas para o chão,
com Beth em cima dele.
— CORRAAAAM! — grita novamente Beth, sentindo o ombro arder em chamas
por causa do corte.
As meninas, não entendendo muito bem o que aconteceu, mas vendo que a
porta estava desimpedida, a não ser por Ana, arriscam tudo e correm o máximo que
podem para fora da cabana.
— BETH! — grita Mary, pegando Beth pela cintura e levantando-a para correr
com elas.
Bruna, aproveitando que o velho está caído no chão, dá um chute na cara dele,
que tenta acertá-la com o machado, mas por sorte erra.
— DESGRAÇADA! — diz Bruna, passando correndo por Ana, que ri muito de
tudo isso.
— Nossa! Isso está melhor do que eu pensei! — diz ela, levando uma mão à
boca para conter os risos.
— Maldição! — diz o velho, levantando-se com o rosto sangrando em cima do
olho esquerdo — Essa vadia me paga!
— Lembre-se! Você deve matar primeiro as gêmeas! — diz Ana, vendo o velho
correr atrás delas.
— Tá, tá, eu sei! — diz o velho, impaciente, segurando com o machado com as
duas mãos.
Enquanto isso, as cinco garotas alcançam o limite da clareira.
— E agora? Para onde? — pergunta Bruna, que consegue chegar primeiro que
as demais.
— Para qualquer lugar! — grita Beth, sendo levada por Mary.
182 – A luz no fim do túnel se apaga - 9
— LÁ VEM ELE! — grita Carly, olhando para trás.
Bruna, Cassy, Mary, Beth e Carly entram na mata, nessa ordem.
O velho, vendo que as garotas estão escapando, joga seu machado, que gira
velozmente no ar, até alcançar e se cravar nas costas de Carly, que cai gritando de dor.
— BETH! — grita ela, erguendo a mão para a amiga, a uns dez metros de
distância.
Mary e Beth, que estão juntas, se viram para ver Carly.
As duas correm para Carly, mas o velho vigia consegue alcança-la primeiro.
O velho retira o machado das costas da garota, que grita novamente com a dor
do puxão da lâmina. Com as duas mãos, ele ergue o machado e desfere o golpe fatal
na cabeça da garota satânica.
— CARLYYYYY! — grita Cassy, aterrorizada ao ver a sua irmã morrer.
O velho retira o machado do crânio de Carly, e depois de dar um golpe no ar,
para se livrar do sangue, anda na direção da outra irmã, paralisada de medo.
— NÃO PARA! — grita Bruna, agarrando Cassy e puxando-a com ela.
O velho sorri e para de andar.
— VOCÊS NÃO VÃO CONSEGUIR ESCAPAR DESSA MATA! ELA É AMALDIÇOADA!
— grita ele, vendo as garotas se distanciarem cada vez mais.
Mas Bruna, Cassy, Mary e Beth não estão nem aí para os avisos do velho. Tudo
que elas querem é conseguir sair dali e chamar a polícia o mais rápido possível.
Enquanto observa as garotas sumirem, o velho mexe os ombros e o pescoço,
estralando os ossos.
— E aí? Deixo elas se divertirem fugindo ou acabo logo com isso? — pergunta o
velho, girando o ombro direito.
Ana chega perto e olha para o corpo de Carly.
— Nada disso… Como disse uma vez a minha amiga aqui, “Vamos fazer isso
durar”, não é Carly? — pergunta Ana para o cadáver.
183 – A luz no fim do túnel se apaga - 10
— A Carly morreu! A Carly morreu! — grita Cassy, chorando muito, enquanto é
praticamente arrastada através da mata densa por Bruna.
— Droga! Cala essa boca! Ele pode nos ouvir! — diz Bruna, zangada.
— Não grita com ela! — diz Beth, mais zangada ainda, correndo junto com
Mary.
Mary olha para trás, para ver algum sinal do velho, mas não vê nada além de
árvores.
Quando Mary retoma a visão da frente, percebe que a sua camisa está
vermelha com o sangue de Beth.
— Beth! — diz Mary, preocupada.
— Depois, Mary! — diz Beth, adivinhando o que Mary quis dizer — Agora a
gente tem que sair daqui!
— Tou vendo a saída! — grita Bruna, vendo uma luz fraca do que parece ser um
poste, logo à frente.
— Carly… — diz Cassy, sentindo-se fraca.
As quatro garotas saem da mata e veem que a luz era, na verdade, de uma
fogueira, onde duas pessoas cobertas com lençóis se aquecem.
— Ei! Vocês aí! — grita Bruna, largando Cassy na grama para ir até os dois
sujeitos — Socorro! Tem um velho querendo nos pegar!
— Mas que porra é essa? — pergunta Mary, olhando confusa em volta — Cadê
a estrada? Eu tinha certeza que era por aqui…
— Ei! Vocês… — diz Bruna, já quase sem ar de tanto correr, aproximando-se
das pessoas na fogueira — Por favor…
— Sim? — pergunta o velho, mordendo um pedaço do queijo que estava
fritando no fogo.
— Quê? — diz Bruna, assombrada, ao ver o velho sorrindo para ela.
— Acho que ela precisa de ajuda, querido… — diz Ana, sempre sorridente.
Ao ver os dois, Bruna tenta fugir, mas se atrapalha e cai de costas. Ela se vira
rapidamente, tentando escapar.
184 – A luz no fim do túnel se apaga - 11
— Pra onde você vai, garota? Você não queria ajuda? — pergunta o velho,
tirando o machado de debaixo do lençol que o cobria.
Bruna tenta se levantar duas vezes e cai, desequilibrada por estar tremendo de
medo.
— SOCORRO! — grita ela.
É aí que Mary, Beth e Cassy se dão conta de que as pessoas no meio daquela
clareira eram o velho e Ana, e que a clareira era a mesma de antes.
— MERDA! — diz Mary, arrastando Beth de volta para a mata.
— Oh meu Deus! — diz Cassy, juntando-se a elas na fuga.
O velho anda até ficar na frente de Bruna e espera ela se levantar.
Bruna, percebendo que não iria a lugar algum, para de se arrastar e se ergue,
ainda trêmula.
— Por favor… Não faz isso… — implora Bruna.
O velho olha para trás, e vê as três garotas restantes fugindo novamente mata
adentro.
— E agora? — pergunta o velho, voltando-se para Ana, que se aproxima dos
dois — Você disse que queria que as gêmeas morressem primeiro…
Ana olha para Bruna, que olha para ela com desespero.
— Você atirou na minha perna, e disse que isso não ia me matar — diz Ana. —
Eu não quero matar você antes da Cassy. Isso não seria legal…
— Por favor,… por favor, Ana… — diz Bruna, derramando rios de lágrimas.
— Eu posso só deixar ela meio morta — diz o velho.
Ana olha para as pernas de Bruna.
— Ok… Corta as pernas dela. Isso deve dar tempo de matar a Cassy antes que
ela morra — diz Ana.
Ana se afasta de Bruna, enquanto o velho chega mais perto, girando o
machado.
— Não! Não! Não! — grita Bruna, desesperada.
— Vai! Deita logo aí! — diz o velho, empurrando Bruna com um chute na
barriga dela.
— NÃO! — grita Bruna, vendo o machado reluzir na luz alaranjada da fogueira
antes de descer com tudo sobre ela.
De longe, as três garotas fugitivas ouvem os gritos de dor de Bruna, quando o
velho lhe corta fora suas duas pernas.
— Isso é um pesadelo! Isso é um pesadelo! — diz Cassy, correndo e tropeçando
nas raízes da mata.
Mary e Beth continuam a correr junto com ela, olhares fixos na frente,
tentando ver alguma coisa em meio às árvores iluminadas pela Lua no escuro da noite.
Olá, pessoal! Infelizmente acabou as postagens de hoje. :| Mas amanhã, das 14
às 18 horas, tem mais! Obrigado a quem leu e a quem comentou! Um abração para
vocês e até amanhã! o/
185 – A luz no fim do túnel se apaga - 12
— Para onde vamos? — pergunta Mary, confusa, achando todos os caminhos
iguais.
— Volta! — diz Beth.
— O quê? Voltar? Você ficou louca? — diz Mary, estranhando o que Beth falou.
— Nós precisamos salvar a Bruna, Mary! — diz Beth — Eles vão mata-la!
— Ela já está morta, Beth! — diz Mary, sem parar de andar, carregando a Beth
— Não tem como eu voltar para lá! Ela já está morta e você sabe disso!
Beth abaixa a cabeça e se põe a chorar.
Cassy, que corre logo atrás delas, também chora.
Mary também não se aguenta e chora, mas não sem tirar os olhos do caminho.
De repente, Mary percebe que só ouve duas pessoas correndo na mata: ela
mesma e Beth.
Mary para de correr e se vira, virando Beth também. Ela olha para trás. Cassy
sumiu.
— Não! — diz Beth, assombrada — Cassy também não!… CASSY NÃO!
— Vamos embora! — diz Mary, virando-se para continuar a correr.
Mas Beth não corre. Pelo contrário, ela freia com os pés, impedindo Mary.
— Beth? O que é isso? — diz Mary, desesperada — Temos que fugir!
— Não, Mary… — diz Beth, decidida — Você tem que fugir daqui. Eu não. Sou
eu quem a Ana quer.
— Não! — diz Mary, abraçando Beth — Não é hora para isso Beth! Vamos
logo!…
— NÃO! — grita Beth, largando Mary — JÁ CHEGA DE FUGIR! EU NÃO QUERO
MAIS!
Mary, sentindo-se perdida, abaixa os braços.
— Não, Beth… Não desista… Não agora… — diz ela, sentindo-se sem forças.
— Eu vou voltar, Mary… — diz Beth, segurando o braço ferido pelo machado do
velho vigia. — Eu vou lá, tentar salvar a Cassy e a Bruna. É a única coisa que eu posso
fazer. Você tem que fugir e chamar a polícia.
186 – A luz no fim do túnel se apaga - 13
— NÃO! — grita Mary, desesperada — VOCÊ VEM COMIGO!
— MARY! NÃO TEMOS TEMPO PARA DISCUTIR! A CASSY E A BRUNA VÃO
MORRER! — grita Beth de volta.
— ELAS JÁ ESTÃO MORTAS! VOCÊ NÃO ENTENDE? NÃO TEM COMO VOCÊ
ENFRENTAR AQUILO! JÁ ERA! — grita Mary.
— MARY! FAÇA LOGO O QUE EU DISSE! NÓS TEMOS…
Beth fica muda ao ver o velho vigia surgir de detrás de uma árvore, atrás de
Mary.
— Quê? — diz Mary, que não entendendo a reação de Beth, se vira para olhar.
— Olá — diz o velho, sorrindo para Mary.
— CORRE! — grita Beth.
Mas Mary não sai do lugar. Ela ignora o velho e se vira para Beth.
— Eu te amo, Beth! — diz Mary, sabendo que aquelas podem ser suas últimas
palavras.
O velho vigia agarra Mary pela cabeça, inclinando-a para trás com uma das
mãos, e com a outra, ergue o machado.
— Ainda não! — diz Ana, atrás de Beth.
O velho vigia para o machado na posição em que estava, esperando as ordens
da sua mestra.
Beth se vira para encarar Ana.
— Olá, Beth — diz Ana, sempre sorridente. — Que tal ir com a gente, ver a
Cassy e a Bruna? Ah! — Ana finge que lembrou uma coisa — Isso não é um pedido.
Sem poder reagir, Beth abaixa a cabeça.
Minutos depois, os quatro saem da mata, de volta para a clareira.
No meio dela, perto da fogueira, está Bruna, caída no chão, sangrando muito, e
em pé, ao lado do corpo de Carly, está Cassy, amordaçada e amarrada a um poste de
madeira.
187 – A luz no fim do túnel se apaga - 14
Os quatro se reúnem em volta da fogueira. Mary, mantida presa no abraço do
velho, e Beth, segurando o braço ferido, sem nada poder fazer, com medo que matem
Mary e as outras garotas.
— Bem! Vamos começar a nossa festinha… — diz Ana, batendo palmas.
— É isso aí! — diz o velho, se divertindo muito.
Beth e Mary não dizem nada. Só esperam a chance de poder fazer alguma
coisa.
— Antes de começar, eu queria terminar uma coisa… — diz Ana, se
aproximando de Bruna. — Vigia!
— Sim senhora! — diz o velho vigia, sempre todo ouvidos.
— A outra gêmea… — diz Ana, sorrindo como sempre.
— Quê? — diz Beth, surpresa — Espera! Não faça isso!
O velho vigia joga Mary de cara pro chão e senta em cima dela, amarrando as
mãos e os pés dela.
— Me larga, seu filha da puta! — protesta Mary, se debatendo o quanto pode.
— Cala a boca! — diz o velho, amordaçando Mary também.
Com Mary amordaçada e amarrada, o velho vigia pega novamente o machado.
Vendo isso, Cassy, que está amarrada ao poste, tenta gritar, mas não consegue
por causa da mordaça.
— NÃO! — grita Beth, em vão.
O velho prepara o golpe, enquanto Cassy espera de olhos arregalados a morte
certa.
Com um único golpe, ele decepa a cabeça de Cassy, que cai rolando até chegar
perto da cabeça aberta ao meio de Carly.
— Iupii!!! — grita Ana, dando saltinhos e batendo palmas — Essa foi demais!
— E não é que foi mesmo? Hehehe! — diz o velho, orgulhoso do próprio feito.
Horrorizada com a cena, Beth fecha os olhos, para não ver.
188 – A luz no fim do túnel se apaga - 15
Mary, no entanto, mantém os olhos bem abertos, e aproveita a distração do
velho para lhe dar um chute na canela direita, quebrando-a em duas partes, e fazendo
o osso aparecer do outro lado.
— AAAH! DESGRAÇADA! — grita o velho, urrando de dor.
— Ora, ora… — diz Ana, como que surpresa, mas ainda se divertindo com a
cena.
Beth, que despertou com o grito do velho, corre para pegar o machado dele.
— Ei! — diz o velho, percebendo tarde demais que o machado não está mais
em suas mãos.
— Morre! — diz Beth, erguendo bem alto o machado.
— Espera! — diz o velho vigia, parecendo desesperado.
Beth, num último instante de humanidade, para pra ver o que ele tem a dizer
antes de morrer.
— Se segurar desse jeito, pelo meio do cabo, só vai criar um corte superficial.
Você tem que segurar na ponta do cabo! — diz o velho.
— Foda-se! — diz Beth, desferindo o golpe na cabeça dele.
Como o próprio velho disse, o golpe só fere o rosto dele, deixando à mostra os
ossos da face, mas ainda o mantendo vivo.
— Eu… disse… — diz o velho, cuspindo sangue enquanto fala.
Beth, seguindo o conselho do velho, pega o machado pela ponta e o ergue
novamente, desferindo agora um golpe muito mais poderoso, que literalmente abre a
cabeça do velho em duas partes, como uma noz.
— Fantástico! — diz Ana, admirada, batendo palminhas.
Sem dar ouvidos para Ana, Beth retira a lâmina do machado do meio da cabeça
do velho e se prepara para matar Ana.
189 – A luz no fim do túnel se apaga - 16
— Sua vez, puta! — diz Beth, andando de machado na mão para cima de Ana.
— Será? — diz Ana, fazendo uma cara de gatinha.
— MORRAAAAAAA! — grita Beth, aplicando o corte de cima para baixo em Ana.
Quando Beth abre os olhos, ela vê o céu estrelado acima dela.
Beth percebe então que a mesma coisa que aconteceu quando ela tentou bater
em Ana na escola aconteceu de novo. Ela, Beth, “apagou”.
Beth se levanta com o susto, e olha em volta.
A fogueira, os corpos de Carly e Cassy, e Bruna, que sangrou até morrer, ainda
estão lá, mas Ana e Mary sumiram.
— Mary!… — diz Beth, sentindo-se impotente e com medo de que alguma coisa
ruim tenha acontecido com sua amiga.
Beth olha para baixo, para onde estava deitada, e vê que o machado ainda está
lá.
Ela pega o machado, pronta para lutar.
— ANA! SUA VADIA COVARDE! PARA DE FUGIR! MOSTRE-SE E LUTE COMIGO!
— grita Beth, cuspindo enquanto fala, de tanta raiva que sente.
— Eu estou aqui — diz Ana, falando detrás de Beth.
Sem piscar, Beth se vira aplicando um golpe fulminante em Ana. Apenas para
ver, um segundo depois, que na verdade quem está atrás dela é Mary.
O golpe acertou o rosto de Mary, bem no meio, acima da boca.
— MARY? — diz Beth, surpresa e incrédula. Ela não consegue acreditar que
acabou de matar sua grande amiga — Não, Mary! NÃO!
Mary, de boca aberta, e surpresa pelo ataque da sua melhor amiga, mal
consegue falar.
— Beth… por quê?… — diz Mary, também parecendo surpresa.
Mary cai de costas para o chão, com o machado cravado no rosto dela.
190 – A luz no fim do túnel se apaga - 17
— MARY! — grita Beth, tentando ajudar a amiga, mesmo sabendo que
provavelmente será inútil.
— Pobre Mary… — diz Ana, surgindo de detrás de Beth.
Beth, vendo a melhor amiga morrendo, não liga para Ana. Ela apenas quer fazer
alguma coisa para salvar Mary, ainda que isso seja impossível.
Ana anda até Mary.
Beth olha para Ana, esperando ver o que ela vai dizer.
Ana se ajoelha e olha para Mary, que num último esforço olha para Ana.
— Ei, Mary,… — diz Ana, sorrindo —… Por que você não morre?
Beth lembra que foi isso que Mary disse quando Ana se apresentou, querendo
ser amiga dela.
Mary fecha os olhos e morre.
Vendo que é tarde para Mary, para Bruna e para todas as demais garotas
satânicas, Beth se rende, e se levanta, esperando o fim.
— Vai,… — diz Beth, quase um zumbi — Acaba logo com isso, sua vadia do
caralho.
Ana pega o machado, e o ergue com dificuldade, já que não é nem de longe tão
forte quanto Beth ou Mary.
— Espera… — diz Ana, atrapalhando-se com a maneira de pegar o machado —
Ah! Acho que acertei… Sabe como é… eu não tenho jeito com essas coisas… Eu não sou
como vocês… “Selvagens” — Ana ri e faz cara de gatinha.
Beth não diz nada. Ela apenas espera o golpe.
— Então vamos lá,… — diz Ana, com o machado de lado, levando a lâmina do
machado para trás e para frente, como que testando como dar o golpe no pescoço de
Beth — Vai no três! É um,… É dois,…
Como última visão, Beth olha para cima, para o céu estrelado, e a Lua,
iluminando tudo.
—… É TRÊS! — Ana desfere seu golpe em Beth.
191 – A luz no fim do túnel se acende de novo - FINAL
Beth abre os olhos. Ela está na escola Rio Dourado, no meio de uma aula.
— Pessoal! Esta é a Ana — diz a Professora Dryka, apresentando a tímida
garota magra, pele muito branca de quem não toma Sol há anos, óculos de nerd e
cabelos pretos lisos — Ela é nova na cidade. Por isso quero que sejam legais com ela,
ok?
Beth olha para a garota, girando a caneta com os dedos enquanto masca
chiclete.
— Era só o que faltava,… uma nerdgirl… — diz Beth, olhando para Mary, a
garota ao lado direito dela. — Agora vai ser “mangá” pra cá, “anime” pra lá,… Todo
esse papo de garota “otaku” irritante… Olha só o caderno da Hello Kitty dela! Parece
coisa de menina do maternal. Essa menina não cresceu?
— Deixa com a gente. Vamos mostrar o lugar dela… — diz Mary, fazendo cara
de desgosto.
Beth pensa no que Mary falou, e no que ela mesma falou, e olha novamente
para a novata.
— Eu não sei… — diz Beth, parando de girar a caneta — Talvez devêssemos
deixar essa garota boba para lá. Afinal, o que importa para nós se ela é otaku?…
Mary, estranhando a atitude de Beth, olha para ela, como que vendo um ser do
outro mundo.
O mesmo o fazem Josy, Carly e Cassy.
Beth percebe que as suas garotas satânicas estão olhando estranho para ela, e
se irrita.
— O que foi? — pergunta Beth — Eu só tou dizendo que isso de gosto não
importa. Ou importa?
—… What? — diz Mary, confusa.
Enquanto isso, a novata recebe as últimas instruções da professora Dryka.
— Você pode ficar aqui, Ana — diz a professora, apontando para a carteira
distante apenas duas carteiras da de Beth.
— Obrigada, professora. Você é muito gentil… — diz Ana, deixando sua mochila
na cadeira.
— Obrigada, professora. Você é muito gentil — diz Mary, fazendo cara de
enjoada.
Ana, que ouviu Mary falar, olha para ela.
Mary a encara.
— Que foi? Tá me achando bonita? — diz Mary, hostilizando-a.
Ana anda até Mary, fazendo todas as garotas satânicas que estavam na classe
olharem para ela. Ana estende a mão para Mary.
— Olá. Eu sou Ana. Podemos ser amigas? — pergunta Ana, sorrindo
gentilmente.
Mary, incrédula, olha para Beth, que espera a reação de Mary.
Mary olha para a novata e sorri, pronta para dar sua resposta.
Mas Beth sai na frente, se levanta e fala por Mary.
— Claro! — responde Beth, apertando a mão da nerdgirl — É sempre bom
termos mais amigas, mesmo que sejam diferentes da gente.
Novamente, Mary, Josy, Carly e Cassy se entreolham, surpresas.
Ana sorri e expira de alívio, sentindo-se mais à vontade com o sorriso sincero
de Beth.
Fim
E é o fim…
Espero que tenham gostado de UM POR UM!
A todos que leram, acompanharam e comentaram, um
MUITO OBRIGADO! \O/
Tudo de bom para vocês! E até [ quem sabe quando ] outras fics! o/
Cristiano Gomes