LIVRO MONTADO PDF

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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Copyright © 2009 by Fórum Carajás
Ficha Catalográfica:
Márcia Pereira de Abreu Pinheiro
AL
UMÍNIO NA AMAZÔNIA:
ALUMÍNIO
SAÚDE DO TRABALHADOR,
MEIO AMBIENTE
E MOVIMENTO SOCIAL
Editoração e Impressão:
Fort com. Gráfica e Editora
Foto de Capa:
Sindmetal/Maranhão
Tiragem: 1.000 exemplares
Alumínio na Amazônia: saúde do trabalhador, meio ambiente e movimento
social / Rogério Almeida (organizador). – São Luís: Fórum Carajás, 2009.
154 p.: il.
1.Alumínio – Amazônia. 2. Alumínio – Indústria – Aspectos Ambientais.
3. Alumínio – Indústria – Aspectos sociais. 4. Trabalhadores – Cuidados médicos
– Amazônia. 5. Movimentos sociais – Amazônia. I. Almeida, Rogério.
CDD 338.47669722
A reprodução não autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constitui violação do copyright
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Centro dos Direitos das Populações da Região de Carajás Fórum Carajás
Programa: Siderurgia na Amazônia- Projeto “Políticas Públicas e
Sustentabilidade da Região de Carajás”.
Coordenação Executiva do Fórum Carajás:
Antonio Gomes de Morais
Edmilson Carlos Pinheiro
Jean Carlos Santos
AL
UMÍNIO NA AMAZÔNIA:
ALUMÍNIO
SAÚDE DO TRABALHADOR,
MEIO AMBIENTE
E MOVIMENTO SOCIAL
Apoio: Misereor
Textos: Maurílio de Abreu Monteiro, Eder Ferreira Monteiro, Marluze
Pastor Santos, Hermano Albuquerque de Castro, Ednalva Maciel
Neves, Elio Lopes dos Santos, Manoel Maria de Morais Paiva,
Reinaldo Damasceno e Rogério Almeida
Organização: Rogerio Almeida (Jornalista)
Colaboração: Edmilson Pinheiro
Fórum Carajás
Avenida João Pessoa, Q. 09, Casa 19- Filipinho
CEP: 65040-000 São Luís/MA/Brasil
Site: www.forumcarajas.org.br
E-mail: [email protected]
Fone/fax: (098) 3249-9712
São Luís - MA
2009
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
CADEIA PRODUTIVA DO ALUMÍNIO: PROCESSO
INDUSTRIAL E FONTES DE POLUIÇÃO
Elio Lopes dos Santos
Agradecimentos
III PARTE
Movimentos sociais, saúde do trabalhador, meio ambiente e
política
CADEIA PRODUTIVA DE ALUMÍNIO NA AMAZÔNIA:
IMPACTOS AMBIENTAIS, SOCIAIS E A PELEJA
SINDICAL
Manoel Maria de Morais Paiva
LINHAS SOBRE A ASSOCIAÇÃO DOS VITIMADOS DAS
FÁBRICAS DE ALUMÍNIO DE BARCARENA, PARÁ:
SAÚDE E MEIO
Reinaldo Damasceno
Rogério Almeida
O Fórum Carajás nestes seus 17 anos tem-se consolidado na luta, na
resistência e também nas proposições numa região onde os grandes
projetos assolam as populações locais. Os estudos, as pesquisas e as
informações nascidas no meio desta Articulação têm pautado e
subsidiado os mais diversos grupos, organizações e movimentos nos
seus embates e na busca por seus direitos.
Este livro ora apresentado é apenas uma parcela do que o movimento,
academia e pesquisadores vem acumulando nestas ultimas décadas,
o que nos enaltece e nos fortalece a cada dia. Agradecemos por mais
esta caminhada aos companheiros, colaboradores e pesquisadores:
Maurílio de Abreu Monteiro, Eder Ferreira Monteiro, Marluze Pastor
Santos, Hermano Albuquerque de Castro, Ednalva Maciel Neves,
Manoel Maria de Morais Paiva, Reinaldo Damasceno, Rogério
Almeida e a toda equipe do Fórum Carajás.
Este livro não seria possível sem o apoio das comunidades e populações
da Região de Carajás, dos químicos, dos metalúrgicos, funcionários e
sindicalistas que trabalham e lutam por dias melhores e por mais
dignidade na Amazônia.
Edmilson Pinheiro
Fórum Carajás
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
SUMÁRIO
Apresentação
I PARTE
Contexto do Alumínio na Amazônia
AMAZÔNIA: OS (DES) CAMINHOS DA CADEIA
PRODUTIVA DO ALUMÍNIO
Maurílio de Abreu Monteiro e Eder Ferreira Monteiro
O DIÁLOGO INTERNACIONAL DO ALUMÍNIO
Marluze Pastor Sántos
II PARTE
Saúde do trabalhador
A SAÚDE DOS TRABALHADORES DA CADEIA
PRODUTIVA DO ALUMÍNIO
Hermano Albuquerque de Castro
A PONTA DO ICEBERG: ESTUDO SOBRE ACIDENTES,
“INCIDENTES” E DOENÇAS DE TRABALHADORES NA
INDÚSTRIA DO ALUMÍNIO EM
SÃO LUÍS – MA
Ednalva Maciel Neves
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Alumínio na Amazônia 2009
representações dos(as) trabalhadores(as) e ex-operários(as),
pontuando a peleja em torno de suas demandas sociais, ambientais e
políticas.
Mais que um registro, pretende-se que esta publicação seja
uma ferramenta de base técnica que possa ser usada para a efetivação
da garantia dos direitos dos(as) trabalhadores(as) em diferentes frentes:
de enfrentamento com o capital privado e junto aos órgãos públicos
do setor da saúde e da liberdade de organização sindical, meio
ambiente e política.
Fórum Carajás
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Alumínio na Amazônia 2009
Apresentação
A intervenção militar ao apagar das luzes da década de 1960 e
início da década de 1970 cimentou a trilha do saque rumo às terras e
aos recursos naturais nela existentes na Amazônia. Com o aporte do
Estado, o capital privado nacional e internacional se alastrou sobre
imensas áreas na região, equivocadamente considerada um vazio
demográfico. Uma indiferença aos habitantes originais, os(as) indígenas.
A sanha sobre os recursos naturais engendrou um vasto leque
de passivos das mais variadas ordens, que espocam como chagas, a
repetir a experiência ibérica nas Américas em tempos coloniais. Na
trilha do saque germinam concentração de poder político e econômico,
grilagem de terras, mortes, devastação da floresta, trabalho escravo,
prostituição infantil, desastres ambientais, introdução de monoculturas
e cultivos de espécies exóticas e indiferença/silêncio da mídia. O balanço
nas dimensões sociais e ambientais dos diferentes ciclos econômicos,
baseados em variadas formas de extrativismo poderia ser pior?
A lógica do que é conhecido como grandes projetos: a
exploração madeireira, o extrativismo mineral, a pecuária, a construção
de empresas de gusa, a fomentação de empresas de eletro intensivo
(fábricas de alumínio), a construção de hidrelétricas e a edificação de
portos é a transferência de riquezas para além-mar.
Trata-se do que os economistas chamam de economia de
enclave, onde as mazelas são socializadas entre os nativos: camponeses,
quebradeiras de coco babaçu, pescadores, indígenas, coletores,
ribeirinhos, quilombolas e tantas outras categorias que dão colorido à
diversidade social da Amazônia.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
A inquietação sobre a questão não é nova. Há pelo menos
duas décadas, numerosas interrogações povoam o ambiente: É a
condição periférica a nossa sina? Desenvolvimento para quem? Que
projeto de desenvolvimento desejam os que habitam a Amazônia?
O horizonte das políticas públicas para a região não soa
animador. Uma visita aos planos nota-se uma manutenção das lógicas
pretéritas. Há um conjunto de obras de infra-estrutura que objetivam a
integração do continente sul-americano através de eixos de integração:
energia, transporte e comunicação. A base é animar a circulação de
mercadorias, ao invés dos pólos de produção: madeira, pecuária e
minérios, dos tempos ditatoriais.
Especialistas sugerem que é necessário mensurar
economicamente a Amazônia para que a gula do capital não a subjugue.
É possível uma outra globalização? Em dias idos, o geógrafo Milton
Santos alertou para o aumento da sanha dos grandes conglomerados
sobre as terras e os recursos naturais renováveis ou não, nas periferias
do mundo. O mundo de cá parece fatiado para os grandes.
A presente publicação que ora se apresenta busca lançar um
pouco de luz sobre um dos passivos sociais originados das grandes
empresas do setor de alumínio na região. O foco reside na saúde do
(a) trabalhador(a) nas fábricas de alumínio do Pará, Albras e Alunorte,
sob o controle do grupo Vale; e da Alumar, empresa do grupo Alcoa,
com sede no Maranhão. A publicação pontua ainda aspectos ambientais,
com registros de acidentes industriais.
A demanda agora registrada em livro foi ponto de diferentes
encontros da rede Fórum Carajás ocorridos dentro e fora do país.
Representantes dos(as) trabalhadores(as) das duas fábricas sempre
sublinharam o passivo na área da saúde da categoria no interior das
fábricas e a imensa dificuldade em se conseguir estabelecer o nexo
causal das doenças com a atividade laboral. Limites que passam pela
má fé de profissionais em níveis privado e público, além do poder das
empresas em questão.
A publicação se encontra dividida em três partes. A primeira
contempla a construção do contexto do processo da produção do
alumínio na Amazônia e o debate do assunto no interior da rede Fórum
Carajás. Os pesquisadores Maurílio Monteiro ao lado do jovem Eder
Monteiro fazem a contribuição inicial. Já o segundo artigo da seção é
produzido pela ex-coordenadora da rede, Marluze Pastor, que recupera
a linha do tempo do debate no interior da rede.
Três especialistas se debruçam sobre a temática central do livro,
a saúde do trabalhador, são eles Hermano Albuquerque de Castro,
médico do trabalho e doutor em Saúde Pública, coordenador do Centro
de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH)
da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) – Fiocruz/MS; que trata
da problemática a partir de pesquisa realizada com trabalhadores nas
fábricas do grupo Vale da cadeia de produção de alumínio localizadas
no município de Barcarena, Pará. Já o levantamento da doutora
Ednalva Neves, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) trata
da questão na fábrica Alumar, do grupo ALCOA, localizada no
Maranhão. O trabalho do professor Elio Lopes dos Santos, técnico
do Ministério Público Federal e professor da Faculdade de Engenharia
Química e coordenador do curso de Engenharia de Segurança do
Trabalho da Universidade de Santa Cecília, de Santos (Unisanta),
consiste em analisar os poluentes e seus efeitos na cadeia de
transformação do minério.
Já terceira enfoca a trajetória de algumas representações dos
(as) trabalhadores(as) e ex-trabalhadores(as) das fábricas de alumínio
no Pará. Os mesmos fazem a reconstrução das trajetórias das
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produzidas, respectivamente, pelas empresas Alumínio Brasileiro S.A.
(Albras) e a Alumina do Norte S.A. (Alunorte).
Mesmo nos anos 1990, o Estado nacional brasileiro, já sem o
poder de centralização e recursos financeiros de que dispunha nos
anos 1980, patrocinou planos como o “Brasil em Ação” (1996-1999)
e o “Avança Brasil” (2000-2003), e recorreu, naquele momento, ao
discurso da eficiência das forças de mercado como propulsoras de
desenvolvimento regional e indicou a necessidade da criação de eixos
estruturadores de desenvolvimento regional. Estes, por sua vez, seriam
reforçados pelo aporte infra-estrutural para que corredores multimodais
estimulassem o dinamismo regional. Naquele contexto, uma vez mais,
o município de Barcarena assumiu destaque nos planos do governo
central como um local-chave dos “eixos de integração nacional”.
No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a visão
oficial, expressa pelo “Plano Plurianual 2004-2007”, indicava que se
fosse dada máxima prioridade para o controle da inflação e a elevação
do saldo da balança comercial. Isto implicou dispensar tratamento
privilegiado aos agentes econômicos que para exportar não necessitem
realizar grandes importações, como no caso das grandes empresas
mínero-metalúrgicas, sendo que, neste especial, teve significância
simbólica a presença do presidente Lula na cerimônia que comemorou
a ampliação da fábrica da Alunorte, em 25 de fevereiro de 2006.
No Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciando
pelo presidente Lula no primeiro ano de seu segundo mandato (2007),
as obras de ampliação do Porto de Barcarena foram indicadas com
uma das prioridades em termos nacionais. Assim, as diferentes tentativas
estratégicas de modernização patrocinadas pelo Governo Federal na
Amazônia oriental tiveram, de formas diversas, repercussão decisiva
para a implantação e ampliação da indústria de alumínio em Barcarena.
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I PARTE
Contexto do Alumínio na Amazônia
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AMAZÔNIA: OS (DES) CAMINHOS DA CADEIA
PRODUTIVA DO ALUMÍNIO *
Maurílio de Abreu Monteiro**
Eder Ferreira Monteiro***
1 A indústria do alumínio em Barcarena: decorrência de
estratégias modernizantes
Durante os governos militares, as estratégias de modernização
para a Amazônia intensificaram o ritmo e alteraram a forma pela qual
se desenvolviam na região os processos de reestruturação espacial, de
mudanças demográficas e econômicas. O Governo Federal lançou os
fundamentos de intervenção do Estado na economia como forma de
favorecer o desenvolvimento. Para tanto, foram escolhidas áreas que
deveriam concentrar espacialmente capitais, receber a maior parte dos
incentivos e de aporte infra-estrutural. Barcarena, no Estado do Pará,
foi um dos municípios escolhidos para receber indústrias de
transformação da bauxita (minério de alumínio) em alumina e em alumínio
primário.
Em função das ações do Estado nacional, o município de
Barcarena se tornou um importante exportador de commodities
minerais, com destaque para o alumínio primário e a alumina,
∗ A elaboração deste trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
∗∗ Doutor em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental, professor do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA). E-mail:
maurí[email protected].
∗∗∗ Graduado em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
**** Publicado pelo NAEA
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para o que, segundo a empresa, foram realizados investimentos que
superam US$ 1,6 bilhão.
2 Macrocenário da implantação da indústria do alumínio
na Amazônia
A instalação de fábricas de alumínio primário na Amazônia
oriental brasileira se deu no contexto de reestruturação da indústria
mundial de alumínio, no qual os governos militares se empenhara para
que, paralelamente à exploração das reservas de bauxita, fossem
também regionalmente produzidas alumina e alumínio primário, o que
se fez por meio da adoção de uma série de medidas que favoreceram
os capitais interessados na valorização da bauxita, da alumina e do
alumínio primário.
Como parte destes esforços, criou-se, em 1973, a Centrais
Elétricas do Norte do Brasil S. A. (Eletronorte), com a finalidade de
viabilizar a implantação de usinas capazes de aproveitar o potencial
hidroelétrico da região, tarefa indispensável para a transformação
industrial da alumina em alumínio. Assim, logo após a sua criação, a
Eletronorte assumiu a coordenação da construção da Usina
Hidroelétrica de Tucuruí.
O acordo inicialmente firmado entre a CVRD e a Light Metals
Smelters Association (LMSA), empresa japonesa, em 1974, estimava,
em valores da época, que seriam necessários investimentos de US$
2,5 bilhões para se implantar na Amazônia uma fábrica de alumina com
capacidade de produção para 1,3 milhão de toneladas anuais, que
supririam a demanda de uma outra unidade voltada à produção de
alumínio primário. Destes investimentos, 28% deveriam ser destinados
à participação na construção da Usina Hidroelétrica de Tucuruí, e 8%
para obras de infra-estrutura (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE;
LIGHT METALS SMELTERS ASSOCIATION, 1974, p.17).
Em 1975, os sócios japoneses questionaram a viabilidade da
sua participação no empreendimento, especialmente devido aos
3 Indústria do alumínio e promessas modernizantes
Com a implantação da Albras, criou-se uma gama de novas
relações sociais, ambientais e econômicas na região, transformando
com isso a realidade e a paisagem até então existentes. Como se indicou,
a atuação do Estado nacional brasileiro e a do capital transnacional
foram fundamentais para a instalação dessa nova realidade na região.
A estruturação da indústria de alumínio sofre pressões que
guardam ligações estreitas com reestruturações das bases financeiras
e produtivas da economia mundial e que se refletem nas dinâmicas
estabelecidas entre o capital e o trabalho. Algumas destas pressões e
mudanças delas decorrentes, no âmbito da Albras, são discutidas a
seguir.
O apoio à edificação de gigantescas plantas industriais
destinadas à produção de alumínio guardou, e ainda guarda, sintonia
com um recorrente discurso sobre o desenvolvimento da Amazônia;
nele se afirma que, em face das “grandes dimensões”, dos “enormes
problemas existentes” e mesmo do reconhecimento da existência de
“gigantescas potencialidades”, a tarefa de modernização da Amazônia
só é capaz de ser realizada por grandes capitais.
Esta visão ideologizada acerca do processo de modernização
da região se presta muito bem a justificar expressões como a de
“civilização do alumínio”, presente na reportagem da revista Veja, de 5
de janeiro de 2000 (FERRAZ, 2000), assinada pelo jornalista Silvio
Ferraz, que a utiliza para caracterizar o ambiente social que envolve a
relação entre a Albras, seus funcionários e a sociedade local. A
reportagem busca ressaltar os avanços ocorridos na relação entre
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Alumínio na Amazônia 2009
elevados custos referentes à construção da Usina Hidroelétrica de
Tucuruí e à montagem da infra-estrutura para dar suporte aos projetos.
Para manter os capitais japoneses como partícipes do empreendimento,
no processo de negociações, o governo brasileiro eximiu os parceiros
da responsabilidade de qualquer participação na edificação da usina
para a geração de energia elétrica e assumiu, integralmente, a
responsabilidade com todos os custos referentes à construção da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí.
Assim, como parte destas novas formas de investimento em
“países em desenvolvimento”, que se generalizaram mundialmente na
década de 1970, consolidou-se, em 1978, a Albras, uma associação
entre a CVRD e a substituta da LMSA, a Nippon Amazon Aluminiun
Corporation (NAAC), que representava um consórcio, mais amplo,
que envolvia 33 empresas e o próprio Estado nacional japonês que,
participou com 49% do empreendimento, cabendo o restante à empresa
brasileira. Para a produção da alumina, criou-se a Alunorte, na qual a
participação do consórcio japonês seria menor do que na Albras, e
deveria ser equivalente a 39,2% do empreendimento.
No ano de 1980, os favores patrocinados pelo governo
brasileiro ao empreendimento foram ampliados através da assinatura
de um contrato entre a Eletronorte e a Albras, garantindo acesso ao
fornecimento de energia elétrica a preços não vinculados aos custos
de geração e transmissão da energia, mas sim ao valor do alumínio no
mercado mundial. Estabeleceu-se no contrato de fornecimento três
fórmulas de cálculo dos valores da energia, cabendo à Albras optar
pela que mais lhe fosse benéfica. De tal contrato, com duração de 20
anos, resultou o fornecimento de energia com custos abaixo dos de
produção, implicando num subsídio em favor da Albras. Este contrato
vigorou desde 1984 e foi encerrado em junho de 2004.
Sob tais condições, e com o apoio e aval estatal ao
empreendimento, a Albras foi instalada no distrito industrial de
Barcarena, em uma área com cerca de 320 ha, próxima ao terminal
portuário. O Governo Federal, por meio da Portobras, construiu o
porto de Vila do Conde para atender às demandas de carga e descarga
derivadas da produção do alumínio. Ele foi edificado em uma área de
430 ha à margem direita do rio Pará, no local então denominado Ponta
Grossa, com condições para receber navios de grande calado. Já a
implantação da malha viária que serviria ao projeto foi efetivada pelo
Governo Estadual.
Os custos inicialmente previstos para a implantação daquela
unidade industrial apta a valorizar 320 mil toneladas de alumínio primário
por ano, foram estimados em US$ 1,343 bilhão, em valores da época.
Na negociação que envolveu a implantação da Albras, estabeleceu-se
uma relação debt/equity de 70/30 (VIVACQUA; ANDRADE;
MACHADO, 1981, p. 25). Uma decisão que implicou a necessidade
de se recorrer a empréstimos que ultrapassaram a cifra de US$ 1 bilhão
e que foram efetivados, em sua maioria, em moeda japonesa,
endividamento que elevou imensamente os custos financeiros da unidade
de transformação industrial, fazendo com que se acumulassem em seus
balanços sucessivos prejuízos vinculados a despesas realizadas com
custeio da dívida.
A Albras foi implantada em duas fases, cada uma com
capacidade para produzir 160 mil toneladas por ano de alumínio. A
fase I foi inaugurada em outubro de 1985. Em fevereiro de 1991 se
completou a instalação da fase II. E em dezembro do mesmo ano foi
finalizado o processo de melhorias tecnológicas que possibilitaram a
elevação da produção a um patamar de 350 mil toneladas por ano.
Disto resultou um ritmo ascendente de produção de alumínio primário,
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Gráfico 02: Número de empregados e produtividade física.
Fonte: Pesquisa de campo. Dados do Tribunal Regional do Trabalho/8ª
região (1986-2006).
É necessário ir além das aparências manifestas nestes números
e estatísticas, amplamente divulgadas em uma grande variedade de
documentos da empresa, e investigar parte do conteúdo a ela subjacente
e, em parte, materializada pela relação entre a empresa e seus
funcionários. No caso da Albras, estes números (Gráfico 02) são a
manifestação mais visível de uma reestruturação produtiva aos moldes
das que ocorriam noutras partes do planeta e que impunham relações
de trabalho fortemente caracterizadas pela flexibilização das relações
trabalhistas e pela terceirização de atividades.
A reestruturação produtiva na Albras proporcionou um grande
impacto na estrutura da força de trabalho e teve um grande preço para
os trabalhadores do setor. A partir dos anos 1990, sob o novo modelo,
o número de trabalhadores diretamente contratados pela Albras foi
sendo sistematicamente reduzido. Assim, enquanto os índices de
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Alumínio na Amazônia 2009
empresa e empregados nos últimos anos, assim como suas ações que
beneficiam algumas das comunidades existentes em Barcarena.
Assim, o recurso à expressão “civilização do alumínio” guarda
sintonia ideológica com as expectativas de se atingir uma rápida
modernização e desenvolvimento da região através da extração e a
transformação industrial de minerais na Amazônia oriental
(MONTEIRO, 2005).
Figurando na lista das maiores empresas do país, a empresa
passou a vincular o crescimento da produção e faturamento (Gráfico
01) e as mudanças decorrentes da sua operação como sendo resultado
da “civilização do alumínio”, em especial no âmbito da produção de
riquezas, da responsabilidade social e ambiental, da qualidade no
trabalho e da assistência junto às comunidades que cercam a área da
empresa. A evocação da dimensão civilizatória do empreendimento
ganha reforço discursivo pelo fato de a empresa passar a ser uma das
maiores e mais produtivas empresas dedicadas à produção de alumínio
primário do mundo (EXAME, 2000; 2001; 2002; 2003).
Gráfico 01: Evolução da produção das vendas da Albras.
Fonte: Site da Albras. Acesso em 20 abr. 2007.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
4 Flexibilização produtiva e resistência dos trabalhadores
A presença da Albras na lista das empresas mais produtivas do
segmento tem articulação com um processo iniciado ainda no fim da
década de 1980: sua reestruturação produtiva e administrativa. Naquele
momento (1989) a empresa iniciou mudanças em seu modelo de gestão,
implantando um novo programa de gestão da força de trabalho e do
processo produtivo, que utiliza a metodologia do Total Quality Control
(TQC – Controle de Qualidade Total), no estilo japonês. A adoção
desde modelo de gestão ressaltou, em grande medida, a percepção
dos sócios nipônicos sobre a condução de negócios. Adotaram-se
mudanças que tinham por objetivo ampliar o potencial produtivo da
planta, adequando-a às novas dinâmicas do mercado mundial.
Essa reestruturação proporcionou mudanças significativas na
distribuição e configuração de seu quadro funcional, tendo sido
provavelmente a Albras a primeira grande empresa na Amazônia Oriental
a introduzir o novo paradigma de gestão, proporcionando a
“flexibilização” de seu processo produtivo, reorganizando “os postos
de trabalho, mantendo as atividades centrais (focais) em seu quadro
funcional e terceirizando as demais, e, finalmente, a aplicação de outros
métodos de trabalho que incorporem a incerteza e novos padrões de
temporalidade com dados fundamentais para obter constantes melhorias
no processo de produção, na qualidade do produto, o que exige do
trabalhador uma predisposição para um aperfeiçoamento constante”
(EXAME, 2003, p. 19-20).
Eunápio Dutra do Carmo (2000), em seu trabalho sobre gestão
do trabalho na Albras, ressalta as transformações ocorridas na empresa
no início dos anos 1990, quando o novo modelo de gestão TQC passou
a ser empregado. Trata-se de um modelo de gerenciamento que se
baseia na liderança, gestão de pessoas, desenvolvimento tecnológico
e gestão de processos. Com isso a empresa buscava adequar-se aos
padrões internacionais obtendo maior competitividade.
A adesão ao TQC provocou uma reestruturação no quadro
funcional da Albras, extinguindo antigos postos de trabalho e criando
outros novos:
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A redução do número de empregados não é o único elemento
para apontarmos o momento de reestruturação pelo qual passa a empresa.
Há também outros elementos que irão direcionar para a mesma
compreensão. Porém é certo que este é um dos mais marcantes
(EXAME, 2003, p. 55).
O modelo TQC representou na visão da empresa a introdução
de técnicas gerenciais e de produção que integram, do ponto de vista
da empresa, o “movimento internacional pela qualidade” (CARMO
2000, p. 64), ao qual muitas empresas se adequaram. Sua implantação
como novo modelo de gestão na Albras provocou mudanças
significativas nas estruturas da empresa e uma reformulação considerável
em seu quadro funcional.
A política de redução do pessoal diretamente empregado e a
ampliação da terceirização permitiram que, enquanto os índices de
produtividade seguissem escalas crescentes, caísse o número de
trabalhadores em números absolutos.
Para sustentar sua produção, em 1990 a empresa empregou,
em média, 2356 empregados, que foram responsáveis por uma
produção anual de 82 toneladas de alumínio por trabalhador diretamente
contratado. Em 2006, o número médio de empregados tinha caído
para 1357 e a produtividade anual por trabalhador tinha sido elevada
para 336 toneladas (Gráfico 02).
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
férias (presente em 71 processos), Adicional de insalubridade (presente
em 67 processos), FGTS (presente em 69 processos) e demais
diferenças concectárias (presente em 58 processos).
No julgamento desses casos, a Albras foi muitas vezes acusada
de “se furtar ao pagamento das parcelas trabalhistas” postuladas nos
processos. Percebendo a gravidade da situação, a Albras começou a
fazer acordos de indenização com os trabalhadores das empresas
terceirizadas. Apesar de não assumir o vínculo empregatício, a empresa
pagava aos trabalhadores valores referentes aos seus direitos
trabalhistas, declarando esse ato como “mera liberalidade” de sua parte.
A partir dos 375 processos trabalhistas analisados em detalhes,
observou-se uma proporção de sete vezes mais homens envolvidos
do que mulheres, confirmando o fato do trabalho no setor metalúrgico
ser dominado, ainda, pela presença masculina.
Os processos analisados e detalhes apresentam reivindicações
de trabalhadores ocupantes de vários postos na hierarquia funcional
da empresa, sendo encontrados 90 tipos diferentes de objetos
reclamados, havendo, como já se indicou, processos que continham
mais de um objeto.
produtividade da empresa cresceram, o número de funcionários, ao
contrário, decresceu (Gráfico 02).
A empresa passou a adotar discursos diferenciados, tanto para
a sociedade quanto para os trabalhadores. Afirmava que “qualidade
no trabalho é uma etapa essencial nessa nova atitude de mudanças”; a
empresa alegava que, em 1995, foi abolida a obrigação de ponto dos
seus operários, eliminando, também, “a humilhante revista nos portões”
(FERRAZ, 2000), e com outras medidas que seguiam o mesmo
objetivo, presenciou o salto de sua produtividade. Parece óbvio que
isso foi o “natural resultado do estabelecimento de um nível de relação
patrão-empregado” (FERRAZ, 2000).
Nestes termos, as alterações mais significativas nas relações
entre os trabalhadores e a empresa, nas mais de duas décadas de sua
existência, decorreram de um processo de mudança que teve como
referência temporal o último ano da década de 1980, quando a empresa
começou a adotar políticas buscando flexibilizar suas estruturas
produtivas. Tais alterações acarretaram conflitos e tensões entre os
trabalhadores e a empresa que, em alguma medida, foram captados
pelas reclamações trabalhistas movidas contra a Albras.
Assumindo os processos trabalhistas como um componente
capaz de sinalizar elementos da reação dos trabalhadores aos processos
de reestruturação produtiva, foram levantadas todas as reclamações
trabalhistas dos empregados contra a Albras. Um levantamento que
cobriu mais de 18 anos de história daquela empresa (1986-2003),
sendo localizados um total de 1.245 processos (Gráfico 03).
Dos 1.245 processos localizados, 377 encontravam-se nas
varas do trabalho da cidade de Belém. Os outros processos estavam
distribuídos nas 25 varas da justiça trabalho do Estado do Pará. Em
Abaetetuba, encontra-se a maioria dos processos contra a Albras (941
28
25
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
processos). Dos processos, em sua totalidade, 375 foram analisados
um a um, com o intuito de buscar elementos para reconstruir as tensões
entre trabalhadores e a direção da empresa.
A ampliação do número de processos trabalhistas contra a
Albras ocorrido no ano de 1997 (Gráfico 03) tem relação com o
processo de reestruturação, especialmente com a adoção, pela
empresa, da estratégia de terceirização de atividades. A análise dos
processos daquele ano indicou que o maior número de reclamações
trabalhistas contra a Albras está relacionado à atuação de funcionários
de empresas que prestavam serviços àquela.
Portanto, o cenário de 1997 foi diferente daquele dos anos de
1990 e 1991, quando se verificou um crescimento de reclamações
trabalhistas motivado por ações empetradas contra a empresa por
empregados até então diretamente vinculados à Albras. Assim, a maioria
dos processos referentes aos anos de 1996 e 1997 corresponde a
reclamações contra empresas que prestavam serviços à Albras.
Nas pesquisas dos processos arquivados na vara do trabalho
do município de Abaetetuba, foram encontradas demandas contra
quatorze empresas que prestavam serviços à Albras. Naqueles
processos, a Albras foi chamada a integrar o processo como
litisconsorte.1 Dos 137 processos contra a Albras analisados no TRT
de Abaetetuba, em nível de detalhe, 87 correspondiam às empresas
terceirizadas. Era grande o número de objetos das ações referentes,
sobretudo ao não cumprimento, pelos empregadores, de direitos
básicos dos trabalhadores. Naqueles processos os trabalhadores, no
geral, apresentavam mais de uma demanda por ação, sendo mais
comum a alegação do não pagamento pela empresa de: Aviso prévio
(presente em 72 processos), 13° salário (presente em 65 processos),
Gráfico 03: Número de reclamações trabalhistas movidas contra
a Albras (1986-2003)
Fonte: Pesquisa de campo. Dados do Tribunal Regional do Trabalho/8ª
região (1986-2006).
O levantamento permitiu evidenciar que o ano de 1991, quando
foram registradas 177 reclamações trabalhistas, e o ano de 1997, no
qual houve 229 reclamações, foram os anos de maior incidência de
reclamações contra a Albras. Trata-se, evidentemente, de indicadores
da resistência dos trabalhadores, a diversos aspectos, da reestruturação
produtiva empreendida pela empresa.
O rápido crescimento no volume de reclamações trabalhistas
nos anos de 1990 e 1991 (Gráfico 03) está diretamente relacionado à
reestruturação produtiva iniciada pela empresa que teve como uma de
suas conseqüências o estabelecimento de uma tendência de redução
do número trabalhadores diretamente vinculados à Albras (Gráfico 02).
26
1
Termo jurídico utilizado quando uma empresa é intimada a fazer parte do processo e
dividir responsabilidades com a empresa reclamada, por ter sido beneficiada de alguma
forma dos serviços dos trabalhadores dessa empresa. Nos processos relacionados às empresas
prestadoras de serviços à Albras e à Alunorte, estas são constantemente convocadas a
integrarem o processo.
27
Alumínio na Amazônia 2009
e do agir social em praticamente todas as formações sociais do planeta.
Enfim, deles decorreram dinâmicas responsáveis pela “europeização”
ou “ocidentalização” do globo, que se denominam de modernização –
termo supostamente menos carregado de conteúdo etnocêntrico.
Advoga-se que empreendimentos como a Albras têm, em si,
um papel modernizador, pois são parte de um processo normalmente
associado à crescente destruição das formas tradicionais de estruturação
social, à ascensão do moderno capitalismo industrial e à crescente
integração produtiva dos serviços e bens ambientais e da tecnificação
da produção social. A modernização, então, é pensada como um
conjunto de permanentes transformações políticas, sociais, econômicas
e culturais que se inter-referenciam reciprocamente, vistas como
intrinsecamente positivas e como se representassem, sobretudo, o
amadurecimento das sociedades, mesmo tendo tais mudanças vingando
integralmente em pouquíssimas frações da economia moderna.
As multifacetadas manifestações da modernização, em termos
da organização social, estão associadas à ampliação de poderes
públicos; à consolidação e legitimação do Estado; à construção de
uma rede de instituições na sociedade civil; à progressiva especificidade
funcional na esfera política; e à introdução de mecanismos de
racionalização crescente de todos os setores da sociedade. A
modernização, assim, deveria, supostamente, conduzir ao
entrelaçamento de estruturas alta e crescentemente tecnificadas, capazes
de ampliar permanentemente o acervo de bens e o volume de serviços
socialmente disponíveis.
Todavia, estudos recentes sobre as conseqüências da
implantação das plantas industriais instaladas em Barcarena têm
apontado para a ampliação da concentração de renda; concentração,
em espaços muito limitados, da melhoria das condições de vida; e,
32
Alumínio na Amazônia 2009
Gráfico 04: Relação dos pedidos mais freqüentes nos processo.
Fonte: Pesquisa de campo. Dados do Tribunal Regional do Trabalho/8ª região
(1986-2006).
29
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
A reivindicação mais freqüente dos trabalhadores era a de
diferenças pecuniárias de diversas ordens. Esta reclamação era seguida,
em termos de freqüência, por horas extras não pagas (8%), não se
limitando apenas as horas extras no período normal de trabalho, pois,
além das horas da jornada de trabalho regular, é freqüente também o
pedido de horas extras face ao diálogo de segurança, com 18
processos.
Os pedidos de equiparação salarial também foram um dos mais
freqüentes, representando 5,5% dos objetos de reivindicação dos
trabalhadores. Era requerido pelos funcionários lesados, pois, apesar
de exercerem as mesmas atividades que um outro colega, percebiam
que seus rendimentos eram menores. Não era raro encontrar
reclamações onde um operador de forno pedia equiparação salarial a
seu superior, alegando exercer a mesma função deste na área em que
trabalhava.
Outra reclamação freqüente encontrada nos processos se refere
às chamadas horas extras “in intineri”. O número de processos em que
se percebe a presença de pedidos de parcelas de horas extras “in
itinere”, 3,4% dos pedidos, revela a visão que os empregados têm
desse tipo de conjunto habitacional. Os pedidos de horas extras “in
itinere” correspondem ao tempo gasto pelos trabalhadores no percurso
entre suas residências e o local onde fica a fábrica. Para eles, esse
tempo deve ser computado na jornada de trabalho, pois, ao residirem
em um conjunto de propriedade da fábrica e tomarem condução em
um veículo fornecido pela mesma, alegando também não haver outra
forma de transporte, estão sujeitos aos horários estabelecidos pela
empresa.
Outros objetos recorrentes nas reclamações dizem respeito aos
adicionais por insalubridade (4,9% pedidos) e por periculosidade (2,8%
pedidos). Nos processos os trabalhadores são enfáticos em ressaltar
o perigo a que estão expostos diariamente em seu ambiente de trabalho,
mesmo aqueles que não trabalham diretamente em áreas consideradas
insalubres pela empresa; todavia, detalham o risco que correm ao
transitarem por certos ambientes no qual se detecta certos riscos à sua
integridade física.
Aqui, é importante ressaltar o grau de perigo aos quais os
trabalhadores se consideram submetidos, já que a empresa possui uma
escala de ampliação de pagamento para os trabalhadores sujeitos à
situação de maior risco, onde, logicamente, aqueles que trabalham em
contato maior com o risco ou perigo recebem uma porcentagem maior
desse beneficio em seus rendimentos. Para os funcionários, esse valor
sempre é maior do que o concedido pela empresa ao serem dispensados;
quanto maiores forem os riscos de morte, maior os rendimentos
conseguidos.
A redução dos processos trabalhistas (Gráfico 03) parece
também sinalizar a derrota da resistência mais organizada dos
trabalhadores e representar a afirmação de um novo modelo de gestão
da força de trabalho, que reduziu o número de trabalhadores diretamente
vinculados à empresa, estabeleceu mecanismos de recompensas
individuais, mas, sobretudo, fragilizou a organização sindical e seu poder
de intervenção.
30
5 Os limites das promessas modernizantes
A gestação e os desdobramentos dos processos que envolveram
a produção de alumínio na Amazônia oriental brasileira, em última
instância, decorrem dos profundos e significativos processos de
transformação que introduziram novas formas de organização da
capacidade e potencialidade produtivas, de estruturação institucional
31
Alumínio na Amazônia 2009
OS CAMINHOS DO ALUMÍNIO
Marluze Pastor Santos1
Resumo
O documento é uma síntese histórica do Programa de diálogo
sobre a cadeia de alumínio na Amazônia desenvolvido por organizações
brasileiras e alemãs no período de 1999 a 2003. Foi elaborado a partir
de documentos existentes sobre o Programa e informações de
participantes. Na parte introdutória relata fatos motivadores da criação
do programa, destacando as conseqüências da exploração, produção
e comercialização do alumínio para comunidades que vivem no entorno
das fábricas e trabalhadores. A segunda parte trata do desenvolvimento
e resultados do Programa, os eventos e estudos que foram realizados
que contribuíram sobremaneira para a qualificação das organizações
envolvidas. Na terceira parte a autora analisa o programa, as ações
implementadas e seus desdobramentos.
Alumínio na Amazônia 2009
sobretudo, o crescimento da pobreza (RIBEIRO, 2006). Outros
estudos demonstram que estratégia de terceirização da Albras (CORÔA
FILHO, 2005) e de outras empresas localizadas em Barcarena (LIMA,
2005; COELHO, 2006) não tem se prestado à transferência de
tecnologia para seus contratados e fornecedores, não representando,
neste especial, uma perspectiva de enraizamento social do crescimento
econômico verificado no município.
Torna-se, portanto, mais necessário refletir sobre os limites das
promessas modernizantes vinculadas à implantação da indústria de
alumínio na região. Em especial, porque a implantação da Albras
acalentou, em diversos e amplos segmentos sociais, expectativas de
rápida modernização local. Uma convicção que se expressou, ao longo
do tempo, em diversas práticas governamentais, vários planos estatais
de desenvolvimento, discursos e ações de partidos de distintos matizes
políticos, posicionamentos e intervenções de sindicatos, tanto patronais
quanto de trabalhadores etc. Uma convicção que, portanto, mobilizou
e ainda mobiliza uma pluralidade de atores sociais empenhados, na
maioria das vezes com sucesso, em verem transformadas industrialmente
as reservas minerais da região de Barcarena, como alternativa para
desenvolvimento social.
Palavra chave: alumínio, cadeia de produção, diálogo do
alumínio.
1
Marluze é agrônoma, MSc em agroecologia, foi coordenadora do Fórum Carajás quando
da MRI e do Programa do Alumínio. [email protected]
36
33
Alumínio na Amazônia 2009
Referências Bibliográficas
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alumínio Albras: a noção de qualidade e seus interlocutores. Belém:
Alumínio na Amazônia 2009
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Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará,
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CÔROA FILHO, Vicente Uparajara. Redes de subcontratação e
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34
35
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
áreas degradadas, criação de reserva para conservação da
biodiversidade, ampliação dos benefícios (impostos, empregos),
liberação de recursos naturais imobilizados pelas empresas e ampliar a
discussões Norte/Sul.
Foi iniciado em 1995 com um intercâmbio entre organizações
e trabalhadores do Brasil e da Europa, essa primeira atividade teve
lugar em outubro de 1995 com o objetivo de conhecer as empresas, o
ambiente de trabalho, as relações com os trabalhadores e as relações
no entorno das fábricas. Uma comissão formada por representantes
do Fórum Carajás, pesquisadores brasileiros, representantes da
Conferência Conjunta das Igrejas Católica e Evangélica Alemãs sobre
Desenvolvimento (GKKE), Associação de Indústria de Alumínio da
Alemanha visitaram a Mineração Rio do Norte (MRN), a Usina
Hidrelétrica de Tucurui, Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A
(ELETRONORTE), o Consórcio de Alumínio do Maranhão S/A
ALUMAR). Visitaram também o Sindicato de Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Tucuruí, Associação de Remanescentes de
Quilombos de Oriximiná/PA (ARQMO) e o Sindicato dos Metalúrgicos
do Maranhão (SINDMETAL-MA). Essa atividade permitiu conhecer
o caminho do alumínio, a importância das empresas e impactos.
Formaram-se então duas equipes de trabalho, uma no Brasil
coordenada pelo Fórum Carajás e outra na Alemanha, coordenada
pelo GKKE, para articular com organizações da região, com
comunidades atingidas pelos processos de produção, trabalhadores
(as) das empresas de alumínio e moradores (as) do entorno das fábricas;
identificação de pesquisadores, organizações e estudiosos sobre o tema;
articulação com as empresas, com organizações de paises compradores
dos produtos e com legislativos.
Participaram do Programa organizações sindicais, associações
de moradores, organizações quilombolas (Quadro 1), empresas alemãs
40
INTRODUÇÃO
Em março de 1995, foi realizada em São Luís do Maranhão
uma Mesa Redonda Internacional (MRI), evento central de uma
articulação criada por Ongs da região de Carajás2, sindicatos,
pesquisadores, organizações de mulheres, associações, em 1992, com
o propósito de abordar e reconstruir políticas públicas e privadas para
que proporcionassem democratização dos recursos, mitigação e/ou
compensação dos danos sócios ambientais causados por grandes
projetos implantados. A articulação foi chamada Fórum Carajás.
Fez parte do temário da MRI, a cadeia de produção do ferro,
a expansão da sojicultura, a expansão da eucaliptocultura. Na avaliação
da MRI, as organizações coordenadoras, decidiram estabelecer um
programa sobre a cadeia de produção do alumínio na Amazônia
brasileira por não ter sido contemplado no trabalho anterior e, por ser
o alumínio, um dos primeiros projetos implantados na região de Carajás.
Esse programa foi denominado “Diálogo do Alumínio,
responsabilidade global, da exploração ao consumo”, teve como
objetivos: estabelecer diálogo com as empresas, trabalhadores (as)
das fábricas e outras categorias de trabalhadores (as) e moradores
(as) afetadas pelos processos de produção, organismos públicos e
privados; ampliar o alcance das ações compensatórias e mitigadoras;
estabelecer novos mecanismos de controle e de monitoramento dos
empreendimentos; identificar doenças ocupacionais; avançar nas
discussões sobre a relação Sul/Norte, inclusive com novos acordos
internacionais.
2
região instituída pelo Decreto Lei 1813/24.11. 1980
37
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
A produção de alumínio na Amazônia iniciada em 1974 com a
implantação da Mineração Rio do Norte (MRN) em Oriximiná/Pará;
em 1984. O Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR); em
1985, Alumínio Brasileiro S.A. (ALBRÁS) e em 1995 Alumina do
Norte do Brasil (ALUNORTE), quatro consórcios de empresas
nacionais e internacionais para exploração, produção e comercialização
de bauxita, alumina e alumínio. Para as comunidades que viviam nessas
áreas foi início da desestruturação de famílias, povoados e organização
comunitária, com a destruição de recursos que dispunham para
alimentação e renda. Em São Luís, capital do Maranhão, com instalação
das fábricas de alumínio e alumina da ALUMAR, foram desapropriadas
17 comunidades tradicionais de pescadores entre elas Jacamim,
Coquilho, Ilha Pequena, Boa Razão, parte de Igaraú, Tainha, Paquatiua,
Santa Efigênia, Itaperuçu, Andiroba, Aracaua.
A comunidade de Igaraú além da luta pela terra teve outros
enfrentamentos com a empresa, um deles, tem relação com o período
da construção do segundo reservatório de rejeitos, a ALUMAR,
através das suas construtoras, desmatou a área de Reserva Legal da
comunidade e usou sem autorização da comunidade água e argila das
terras pertencentes ao povoado.
Os canais Ilha de Tauá-Mirim e do Rio dos Cachorros em São
Luís/Maranhão foram fechados pela empresa, tal medida impediu a
pesca dos moradores de Tauá-Mirim, Taim e Rio dos Cachorros; os
pescadores de Taim tiveram equipamentos de pesca apreendidos pela
empresa. A comunidade de Aracaua teve parte de sua área sobreposta
às terras adquiridas pela ALUMAR, durante esses anos peleja para
obter a reintegração da propriedade.
No município de Barcarena, norte do Pará, a comunidade
Montana foi remanejada para dar lugar à instalação da fábrica de
alumínio da ALBRÁS. Na região do Rio Trombetas, sudoeste do Pará,
no processo inicial de exploração da bauxita, matéria prima para a
produção do alumínio, a MRN depositou os resíduos da argila no Lago
Batata. Poluiu também o Igarapé Água Fria, Saracá e Araticum e
Lago Sapucuá, prejudicando as comunidades de Boa Vista, Boa Nova,
Amapá, Casinha, Castanhal, São Pedro, Maceno, Ajarazal, Cunuri e
Ascenção que se utilizavam dessas fontes de água.
Além dos problemas vivenciados pelos moradores (as) e
trabalhadores (as) do entorno, do interior das fábricas chegavam
informações sobre mortes, acidentes e doenças ocupacionais sem
registro ou estudos que pudessem subsidiar as organizações sindicais.
Por outro lado, as organizações que acompanharam o a implantação
desses consórcios como a Cáritas Brasileira já não atuava com essa
temática, o Comitê de Defesa da Ilha estava com redução de seus
quadros e o escritório da Federação de Órgãos de Assistência Social
e Educacional (FASE) foi extinto em São Luís.
38
DIÁLOGO INTERNACIONAL SOBRE O ALUMÍNIO:
RESPONSABILIDADE GLOBAL DA EXTRAÇÃO AO
CONSUMO
O Programa teve como finalidade estudar a cadeia de produção1
do alumínio; visibilizar os problemas decorrentes dos processos de
produção; propor medidas mitigadoras, tais como recuperação de
3
O conceito de cadeia de produção se desenvolveu na escola francesa de economia industrial
na década de 60. MORVAN define cadeia produtivo como uma sucessão de operação de
transformação dissociáveis capazes de serem separadas e ligadas entre si por um
encadeamento técnico; é também um conjunto de relações comerciais e financeiras que
estabelecem, entre todos os estados de transformações, um fluxo de troca situado de
montante a jusante, entre fornecedores e clientes.
39
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
• Oficina na Alemanha sobre organização
sindical e visita a órgãos públicos, parlamentares,
empresas e igrejas, GKKE, Ministério de Meio
Ambiente Agricultura e Urbanismo da Alemanha,
Embaixada Brasileira na Alemanha, parlamentares da
Comissão Brasil Alemanha, Aluminium-Zentrale
(Associação da Indústria de Alumínio), fábrica de
alumínio Hoogovens. Nessa atividade estiveram
presentes representantes do SIDMETAL, STTR de
Tucuruí, MONAPE e Fórum Carajás, a oficina foi
organizada pelos trabalhadores (as) da Thissen;
• Seminário Internacional “Diálogo sobre
Alumínio, responsabilidade global, da exploração
ao consumo”, em São Luís, maio de 1999, com
participação de 128 pessoas, sendo 20 da Europa.
Participaram representantes de organizações sindicais
de metalúrgicos, químicos e trabalhadores rurais,
centrais sindicais; organizações quilombolas;
organizações de pescadores; pesquisadores;
representantes de igrejas evangélicas e católica; Ongs;
órgão de estado; deputados; empresas, banco;
jornalistas;
• Conferência sobre Alumínio do Programa de
Diálogo Brasil, Alemanha, em junho de 1999,
atividade conjunta da Aluminium-Zentrale, GKKE e
do Instituto Evangelische Akademie Mühlheim
(Cen-tro de Pesquisas e Congressos mantido pela
Igreja Evangélica), objetivou implementar os resultados
do Seminário Internacional na Alemanha e discutir
44
através da Aluminium (Associação da Indústria de Alumínio da
Alemanha), Internacional River Network (rede organizações de rios
da América); organizações de apoio, pesquisa e desenvolvimento
(Quadro 2).
Quadro 1: organizações de fabrica e atingidas pelos processos de
produção
Nome
Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais (STTR)
STTR de Tucuruí
CEAP
STTR de Oriximiná
Tipo, categoria
Atingido pela UHT
Localidade
Novo Repartimento/Pará
Atingido pela UHT
Atingido pela UHT
Atingido pela exploração
da bauxita
Atingido pela exploração
da bauxita
Tucuruí/Pará
Tucuruí
Oriximiná/Pará
Trabalhadores da MRN
Oriximiná
Trabalhadores da
ALBRAS
Trabalhadores da
ALUNORTE
Trabalhadores da
ALUMAR
Atingidos pelos resíduos
Barcarena/Pará
STTR de São Luís
Centro de Apoio e Pesquisa
ao Pescador Artesanal
(CAPPAM)
Associação de Moradores de
Taim
Associação de Moradores de
Igaraú
Movimento Nacional dos
Pescadores (MONAPE)
Movimento dos Pescadores
(MOPEMA)
Associaçãodos Trabalhadores
Rurais
Colônia de Pescadores
SIMETAL
Atingidos pelos resíduos
Atingidos pelos resíduos
São Luís
São Luís
Atingidos pelos resíduos
São Luís
Atingidos pelos resíduos
São Luís
Atingidos pelos resíduos
Organização Nacional
Atingidos pelos resíduos
Organização do Maranhão
Atingidos pelos resíduos
Curuperé/Pará
Atingidos pelos resíduos
Sem relação direta
Abaetetuba/Pará
Açailândia/Maranhão
SIMETAL
Sem relação direta
Parauapebas/Para
Associação dos
Remanescente de Quilombos
(ARQMO)
Sindicato dos Trabalhadores
das Indústrias Extrativas de
Minerais Não-ferrosos
Sindicato dos Metalúrgicos
(SIMETAL)
Sindicato de Químicos
(SINTRANORTE)
Sindicato dos Metalúrgicos
(SINDMETAL)
STTR de Barcarena
Oriximiná
Barcarena
São Luís/Maranhão
Barcarena
41
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Quadro 2: Organizações de pesquisa, apoio e desenvolvimento.
Pará
Maranhão
Outros estados
Outros paises
NAEA
Tijupá
CESE
GKKE
ELO
Deutsche
Gerwerkschaftsbund
(DGB)
CESUPA
CENTRU
CEPASP
FATA
GTA Nacional
UFMA
SMDH
Cáritas Brasileira
Fórum Carajás
STR de Imperatriz
CUT/MA
MAB
CPT/FIAN
Federação
dos
Sindicatos (IG Metal)
FIAN
Universidade
de Kassel
GHK
Rede Internacional de
Rios (IRN)
MISEREOR
Pão para o Mundo
KOBRA
Academias
Evangélicas
Eclesiásticas
Foram realizados eventos no Brasil e na Alemanha, de intercâmbio
de informações entre trabalhadores (as) e pesquisadores (as); de
formação de lideranças onde as temáticas sobre o processo de
produção do alumínio e sobre saúde do trabalhador e organização
sindical foram priorizadas; audiências com empresas, bancos
financiadores, órgãos do governo em Brasília, nos estados do Pará e
Maranhão e municípios de São Luís, Barcarena e Tucuruí; reuniões
públicas e seminários, destacando-se os que se seguem:
• Oficina sobre “Saúde do Trabalhador”, realizada
em maio de 1998, na cidade de São Luís. O propósito
desse trabalho foi elaborar mapa de risco dos locais
42
de trabalho e estabelecer a relação entre processo de
trabalho e doença;
• Encontro com cipeiros e trabalhadores das áreas
afetadas pelos processos produtivos, em agosto de
1998 em Belém, buscou conhecer problemas relativos
ao ambiente de trabalho e à saúde do trabalhador (a)
do interior das fábricas, do entorno e das áreas de
exploração das matérias primas, energia e bauxita;
• Seminário “Preparatório sobre Alumínio”,
realizado em Tucuruí, Estado do Pará, em outubro de
1998, priorizou questões referentes aos impactos da
produção do alumínio e medidas para superação dos
problemas detectados, o evento tratou também da
organização do seminário internacional já proposto pela
coordenação do evento;
• Oficina sobre o “Programa Diálogo Alumínio”
e visita às fábricas da ALBRAS e ALUNORTE,
em Barcarena, Pará, em janeiro de 1999, essa oficina
teve como objetivo principal reforçar articulação do
Programa do Alumínio na região de Barcarena, os
participantes discutiram questões referentes aos
impactos da produção do alumínio na região de
Barcarena;
• Visitas no Brasil, ELETRONORTE, ALCAN,
ABAL, ALUNORTE, MRN, ALBRÁS e
ALUMAR em janeiro de 1999, participaram da
atividade representantes do Fórum Carajás e GKKE
para reapresentação do Programa e convite para
participação do seminário internacional;
43
Alumínio na Amazônia 2009
• Seminário Internacional sobre Alumínio:
subsídios para trabalho em grupo”, é resultado do
seminário preparatório realizado em Tucuruí em outubro
de 1998, que reuniu pesquisadores do Brasil e
Alemanha, representantes sindicais dos metalúrgicos
do Maranhão e Pará, trabalhadores e moradores de
áreas afetadas pelas indústrias de alumínio e pela
Hidrelétrica de Tucuruí.
• A Produção de Alumínio e a Sociedade Civil no
Brasil em 2005, Susanna Schaefer (Universidade
Kassel, Socióloga) e Martin Studte (Universidade
técnica de Berlim, Engenharia Ambiental), relatório
sobre destruições ambientais e assuntos sociais da
produção de alumínio na Amazônia Brasileira.
O LEGADO DO PROGRAMA
O diálogo durou até 2003, foram oito anos de estudo e
mobilização, compartilhamento de experiências de trabalhadores e
comunidades da região, novas organizações da sociedade civil passaram
a discutir a produção do alumínio, houve aglutinação de diversos
segmentos sociais, fortalecimento das organizações sindicais e criação
de novas organizações sindicais e populares inclusive de mulheres.
Informações e análise sobre a cadeia de produção do alumínio,
empoderamento de lideranças o que resultou em aumento do controle
social sobre a indústria do alumínio no Brasil e na Alemanha.
As empresas no Brasil não participaram do programa,
acataram as visitas que foram solicitadas, a Eletronorte e a ALCAN
participaram do Seminário Internacional em São Luís. Após a
48
Alumínio na Amazônia 2009
sustentabilidade do uso de alumínio naquele país,
abordando aspectos sócio-ambientais globais. Foram
participantes do evento: empresas, associações e
institutos especializados da indústria de alumínio, igrejas,
políticos, representantes de sindicatos, organizações
não-governamentais e institu-tos de pesquisa da
Alemanha e Brasil;
• Campanha pela criação da Resex do Lago
Tucuruí que envolveu produção de material didático
e contato com órgãos públicos especialmente o IBAMA
e SECTAM.
• “Disputa sobre Aluminio, intercambio de
trabalhadores brasileiros, alemães e suiços, em
Hannover/Alemanha, outubro de 2000 com
participação de 10 sindicalistas brasileiros;
• “Seminário Internacional Saúde e Segurança
no Trabalho e Meio Ambiente” em Hannover/
Alemanha, palestras e debate sobre os projetos
industriais e desenvolvimento regional com
apresentação do estudo “O caso alumínio na Amazônia
e no vale Wallis na Suiça, em Zurique/Suiça;
• Seminário “O Outro Lado da Ilha”, impactos no
interior da Ilha de São Luís, alternativas e organização,
janeiro de 2001 em Taim/São Luís com a participação
das comunidades de Taim, Rio dos Cachorros, Porto
Grande, Limoeiro, Vila Maranhão, Cajueiro, Tauá
Mirim;
• Oficinas sobre a cadeia do alumínio na Amazônia
no II e III Fórum Social Mundial em 2002 e 2003, em
Porto Alegre/RS;
45
Alumínio na Amazônia 2009
• Articulação com a Comissão Mundial de
Barragens 4 no sentido da inclusão da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí no estudo e acompanhamento
do estudo, essa atividade foi realizada principalmente
pelo equipe de trabalho na Alemanha;
• Carta aos presidentes da ALCOA e BILLITON,
em julho de 2001 motivada por acidente na fábrica da
ALUMAR, solicitando providências para esse caso e
outras questões já levantadas pelo Programa;
• Participação na Coordenação da Campanha
Contra as Barragens do Araguaia/Tocantins”
nessa campanha o Programa contribui principalmente
demonstrando a conexão entre a construção de
hidrelétricas e a indústria do alumínio;
• Debate Internacional Estratégico sobre a
Indústria do Alumínio, em São Luís, outubro de
2003.
Vários estudos sobre a problemática do alumínio,
nos vários aspectos da realidade em debate, foram
produzidos por especialistas, brasileiros e alemães:
• Indústria de alumínio: impactos ambientais e
sócio-econômicos no Maranhão, de autoria de
Rogério Almeida, revisão dos estudos sobre o alumínio
produzidos no Maranhão. Produz uma visão
4
A Comissão Mundial de Barragens (CMB), foi criada em 1988, durante encontro sobre o
tema patrocinado pelo Banco Mundial e União pela Conservação Mundial (IUCN), teve
por finalidade elaborar um relatório mundial sobre a contribuição das grandes barragens ao
desenvolvimento e estabelecer normas e diretrizes internacionalmente aceitáveis para a
tomada de decisões futuras.
46
Alumínio na Amazônia 2009
panorâmica do surgimento da indústria do alumínio e o
processo de implantação desse tipo de indústria no
Maranhão; identifica os principais agentes externos e
internos que colaboraram para isto e detecta
conseqüências sociais e ambientais resultantes desse
processo.
• Indústria de alumínio, impactos sociais e
relações de trabalho: um ensaio de estudos
recentes, de Eunápio do Carmo, buscou problematizar
os impactos sociais advindos da implantação dos
empreendimentos na Amazônia, com especial atenção
à indústria do alumínio em Barcarena. Discute as
relações de trabalho no interior das fábricas, ressalta o
fato de que há impasses entre os modelos adotados
nessas fábricas e o modelo de desenvolvimento
industrial brasileiro.
• Impactos da indústria do alumínio sobre a Saúde
do Trabalhador: o caso da ALUMAR, autoria de
Edinalva Maciel, trata das questões de saúde e
ambiente de trabalho em fábricas produtoras de
alumínio, a partir do resgate das experiências dos
trabalhadores de um espaço fabril particular
(ALUMAR). Faz um mapeamento dos possíveis riscos
e danos, demarca as condições de trabalho e os agravos
à saúde dos trabalhadores, permitindo visualizar o
panorama dos agravos à saúde, acidentes de trabalho
e doenças ocupacionais, presentes nos ambientes de
trabalho.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
responsabilidad de los productores, los consumidores y los estados
sobre la línea del producto. Mimeo. S./D.
Conferência na Alemanha, em Mühlheim, a Aluminium-Zentrale se
retirou do Programa em atenção a não participação das empresas
brasileiras. Aqui vale refletir que o diálogo é muito utilizado na Alemanha
o que facilitou o envolvimento das suas empresas.
Durante o Programa foram elaboradas 113 propostas políticas
para mitigação dos danos ambientais e sociais provocados no processo
de produção e exportação e de organização social, que foram
amplamente divulgadas entre os envolvidos (as) das propostas
implementadas, destacam-se:
• Eletrificação dos municípios afetados pela UHE de
Tucuruí, proposta atendida no Governo Lula através
do Programa Luz para Todos;
• Criação das unidades de conservação APA do Lago
de Tucuruí; RDS Alcobaça e RDS Pucuruí-Ararão Lei
do Estado do Pará Nº. 6.451/2002. lagos.
• Em processo de criação da Reserva Extrativista de
Taim em São Luís, pelo IBAMA, para proteção das
áreas de manguezais.
• Redução da poluição no Lago Batata, houve ações
da empresa e processo natural de regeneração, com
redução na turbidez da coluna de água, aumento na
concentração de matéria orgânica no sedimento,
recuperação de vegetação de igapó e a colonização
por peixes na área impactada;
• Criação de centros de referência de saúde do
trabalhador (a) em Barcarena, Belém e São Luís;
• Criação de Programas de formação para
trabalhadores (as) pela centrais sindicais;
NEVES, E.M. Impactos da indústria do alumínio sobre a saúde
dos trabalhadores , o caso da ALUMAR em São Luís: UFMA/Fórum
Carajás. 1999
PIMENTA, A. P e FILHO, D. C. A Saúde do trabalhador. São
Paulo: Hucitec,1988.
SWITKES. G. A Conexão Hidrelétricas e Alumínio, considerações
estratégicas sobre energia e hidroeletricidade relevantes a uma
campanha para aumentar o controle social sobre a industria de
alumínio.Rio de Janeiro: IRN, 2003.
52
49
Alumínio na Amazônia 2009
• Criação do Sindicato de Químicos de Barcarena, e
da Associação de Def. dos Reclamantes e Vitimados
por Doenças do Trabalho na Cadeia Produtiva do AL.
no Estado do PA (ADRVDT-CPA)
Muitas outras ações foram desenvolvidas por outras
organizações no decorrer e após o seu término que teve significação
para o redirecionamento das negociações e fortalecimento das
organizações sindicais com foi à criação do GT Alumínio na Amazônia,
da CUT Nacional, em parceria com a DGB, os estudos sobre alumínio
realizados pelo Instituto Observatório Social.
Alumínio na Amazônia 2009
Referências Bibliográficas
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construção dos lagos de resíduos de bauxita. São Luís: ALUMAR
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tóxicos”. “em uma amostragem populacional de São Luís – MA.”
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São Paulo: Vol. 4, n. 02,1998.
CARMO, E.D. Apagando a mente, ativando as mãos. Ainda? Uma
análise do processo de gestão do trabalho na indústria do alumínio.
Belém: UFPA, 1995. Mimeo.
CASTRO E.M.R. “Flexibilização e gestão do trabalho em
indústrias de”. “alumínio na Amazônia” In: COELHO, Maria
Célia Munes, COTA, Raymundo Garcia (org.). 10 Anos da Estrada
de Ferro Carajás. Belém: Supercores, 1997.
FORUM CARAJÁS. Diálogo Internacional do Alumínio .
responsabilidade global da extração ao consumo. São Luís: Fórum
Carajás, 1999
MOREIRA, J.C. R. A implantação da Alcoa em São Luis: uma
análise espacial da inserção do Maranhão no pólo de alumínio da região
norte do Brasil. Belo Horizonte, 1989. (Texto mímeo-Tese de
Mestrado)
MINISTERIO DA SAÚDE. Saúde no Brasil .Brasília: Ministério
da Saúde , 1997- MÜLLER-PLANTENBERG, C. La producción
sostenible de aluminio -¿ una utopia realizable? La
50
51
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Inicialmente será apresentado um pequeno resumo do processo
de trabalho em alguns pontos da cadeia de produção da alumina e da
tranformaçào do alumínio. A seguir será tratada a questão da toxicidade
do alumínio, as doenças específicas do processo, as doenças
relacionadas aos agentes de risco físico e ergonômico. Ao final serão
apresentados e analisados os casos atendidos na Casa do Trabalhador
de Belém (CASAT), no ano de 2004.
O alumínio na natureza, porque mexer com ela ?
Toda vez que o homem resolve manipular a natureza para
melhorar o seu “bem-estar” a natureza responde de alguma forma e a
sociedade paga um preço por isso. O preço a se pagar pode ser muito
elevado e coloca sob risco a vida de trabalhadores e da população.
Da extração do alumínio, passando pela bauxita, pela alumina, pelo
alumínio até se transformar em panelas e em todos os produtos onde
existe esta matéria-prima, o processo de transformação vem carregado
de um poder nocivo invisível para a maior parte da população.
Deste modo, o que vem a ser este tal alumínio? É uma substância
presente na natureza e constitui aproximadamente 8% da superficie
terrestre. Sempre se encontra combinado com outros elementos tais
como oxigênio, silício e cloro. O alumínio é amplamente utilizado em
utensílios domésticos, como panelas e outros artigos de cozinha, em
vasos, em materiais de construção, como coberturas, por exemplo.
Utiliza-se ainda em tintas e produção de vidros, cerâmicas e também é
de uso comum em medicamentos, como os anti-ácidos.
O Brasil é a terceira maior reserva mundial de bauxita e é o
sexto maior produtor de alumínio primário, segundo os dados da
indústria. Em 2000 faturou 6,7 bilhões de dólares americanos. E neste
mesmo ano o povo brasileiro consumiu per capita a quantidade de
56
II PARTE
Saúde do trabalhador
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
A SAÚDE DOS TRABALHADORES DA CADEIA
PRODUTIVA DO ALUMÍNIO
Hermano Albuquerque de Castro1
Introdução
Historicamente, os estudos realizados sobre a saúde dos
trabalhadores na cadeia produtiva do alumínio revelam uma prevalência
elevada para diversas doenças, variando desde doenças específicas
relacionadas ao alumínio e outras substâncias químicas até as doenças
osteomusculares relacionadas às cargas existentes na indústria e seus
problemas ergonômicos. Estes estudos demonstram a nocividade do
processo com uma exposição intensa dos trabalhadores a situações
perversas do ambiente de trabalho.
Os diferentes processos, em toda cadeia produtiva, mantêm
trabalhadores expostos a mais de uma dezena de compostos químicos,
tais como: soda caústica, fluoretos, dióxido de enxofre e outros. Os
colocam ainda em situações de posturas incorretas, em ambientes com
excessivo calor onde a soma destes diversos fatores irão causar danos
respiratórios, sanguíneos, osteomusculares, dermatológicos, mentais,
alterações no sistema nervoso central e periférico, entre outros.
Um dos objetivos desta revisão é dar maior visibilidade ao
adoecimento dos trabalhadores da cadeia produtiva do alumínio visando
fornecer subsídios para uma real atenção à saúde de todos os
trabalhadores ativos e inativos, oriundos desta atividade econômica no
país.
1
Médico do trabalho e doutor em Saúde Pública., coordenador do Centro de Estudos de
Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) da Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP) – Fiocruz/MS. Email: [email protected]
54
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
d) Precipitação - onde a alumina é precipitada por um processo
de cristalização da solução através de filtragem e resfriamento.
e) Calcinação - onde os cristais de alumina são aquecidos a
alta temperatura, removendo a água, e formando a alumina
propriamente dita.
Ainda de acordo com Batista (2000), na produção do alumínio
primário, “a transformação da alumina em alumínio consiste em colocála em um banho eletrolítico dentro de um forno onde se utiliza correntes
elétricas contínuas. A alumina é dissolvida em um banho de criolita
derretida a 950oC, em grandes fornos, por meio de uma corrente elétrica
que passa através do banho entre os anodos de carbono (polo positivo)
e catodos (polo negativo). O alumínio se junta ao corpo do catodo e
se precipita no fundo do forno. Posteriormente é aspirado por um
“cadinho” a vácuo pronto para ser ligado e fundido a outros metais. O
oxigênio da alumina combina-se com o carbono do anodo, sendo
expelido como monóxido ou dióxodo de carbono. Portanto, o refino
do alumínio primário é um processo eletrolítico e a produção de
transformados é um processo metalúrgico”. É importante conhecer o
processo, pois nele está a gênese dos problemas ambientais e
ocupacionais, com todas as conseqüências na saúde do trabalhador,
expostos aos riscos físicos de esforço repetitivo até a exposição ao
calor e aos riscos químicos com inalação de diversas substâncias
químicas.
O número de substâncias químicas utilizadas na produção de
alumínio é exageradamente elevado, com mais de 50 substâncias
conhecidas, dentre elas podemos citar acetileno, ácido clorídrico,
passando por benzeno, berílio, cádmio, cloro, cromo, dióxido de sílicio
(sílica), fosfina, magnésio, monóxido de carbono, chumbo, potássio,
sódio e titânio. Cada uma destas substâncias produz doenças
4,0kg/hab. No entanto, ainda um consumo baixo se comparado com
os americanos que consumiram 36,2g/hab, neste mesmo ano.
No processo industrial, cada país define seus limites de
exposição ocupacional ao pó de alumínio, e as diferenças de valores
encontradas entre os países estão em função dos fatores sociais,
políticos e econômicos e de um modo geral não estão relacionados à
saúde (Quadro 1). Infelizmente no Brasil, a nossa norma
regulamentadora, do Ministério do Trabalho, não define indicadores
de saúde e nem limites de exposição ocupacional para trabalhadores
da indústria.
60
Quadro 1 - Limites de exposição à substância pó de alumínio
País
Limites de exposição ocupacional ao pó de alumínio
ACGIH (Americana)
10 mg/m3 TWA (p oeira metálica)
Áustria
6 mg/m3 MAK
Bélgica
10 mg/m3 VLE
Dinamarca
10 mg/m3 TWA (pó e poeira); 5 mg/ m 3 TWA (vapores)
França
10 mg/m3 VME (metal); 5 mg/ m3 VME (poeira)
Alemanha
200 µg/L; Parâmetro = alumínio; Material = urina; Tempo de amos tragem = fim da
exposição/turno 1.5 mg/m3 MAK (fracção respirável)
Grécia
10 mg/m3 TWA (fracção inalável); 5 mg/m3 TWA (fracção respirável)
Irlanda
10 ppm TWA (total de poeira inalável); 4 ppm TWA (poeira respirável)
Holanda
10 mg/m3 MAC
Portugal
10 mg/m3 TWA (poeira metálica)
Espanha
10 mg/m3 VLA-ED (na forma de poeira)
Suécia
5 mg/m3 LLV (total de poeira); 2 mg/ m3 LLV (poeira respirável)
Reino Unido
10 mg/m3 TWA (total de pó inalável); 4 mg/ m3 TWA (pó inalável)
57
Alumínio na Amazônia 2009
O processo de trabalho
Não é nossa intenção descrever todo o processo da cadeia
produtiva do alumínio, mas apenas chamar a atenção para alguns pontos
com a finalidade de dimensionar as cargas de exposição nos processos,
tanto para as cargas de trabalho físico, como para a exposição química,
capazes de causar danos ao trabalhador e ao ambiente. De acordo
com Batista (2000), em seu relatório do projeto Cepal/IDRC, a primeira
etapa da cadeia consiste no processo de extração e tratamento do
minério. Primeiro é realizada uma lavagem do minério, posteriormente
o peneiramento, quando se reduz a taxa de areia e sílica combinada a
bauxita, e a seguir a secagem. A alumina é produzida através do
isolamento do óxido de alumínio (alumina) com a retirada de outros
componentes da bauxita, como por exemplo o óxido de ferro e de
silício. O processo de Bayer (Figura 1) é o processo comercial
atualmente em uso e é realizado através de modificações químicas com
alterações de pressão e temperatura, a partir de uma mistura de bauxita
e soda cáustica. São necessárias aproximadamente 2,5 toneladas de
bauxita para a produção de 1 tonelada de alumina.
Alumínio na Amazônia 2009
Figura 1 - Diagrama simplificado do processo Bayer para
produção de alumina a partir da bauxita
Fonte: Constantino et al. (2002)
As principais etapas do processo de refino podem ser
agrupadas da seguinte forma (BATISTA, 2000):
a) Britagem e moagem - consistem na redução controlada das
dimensões das partículas do minério.
b) Digestão - onde o minério é combinado à soda cáustica em
condições de alta temperatura e pressão, resultando em uma solução
de aluminato de sódio misturada com resíduos insolúveis de impureza.
c) Decantação e lavagem - onde os resíduos são separados do
aluminato de sódio por um processo de decantação e filtragem e onde
a soda cáustica é separada dos resíduos por um processo de lavagem.
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Alumínio na Amazônia 2009
degeneração de células do fígado e que as atividades enzimáticas das
transaminases e fosfatases podem aumentar com a intoxicação.
Trabalhadores diabéticos sofrem duplamente, pois o alumínio
potencializa os efeitos adversos e nocivos causados pelo aumento de
açúcar no sangue.
Do ponto de vista endocrinológico o alumínio em excesso
funciona como um disruptor endócrino, ou seja, produz uma modificação
na resposta endócrina do organismo, como por exemplo as alterações
de hormônios da paratireóide ocorrendo um hiperpatireoidismo
secundário à insuficiência renal crônica. A intoxicação ou excesso de
alumínio é responsável também por quadros de anemia e redução de
ferro sérico. As alterações no sistema reprodutor têm sido pouco
estudadas em seres humanos, mas em ratos foi encontrada infertilidade
relacionada à diminuição de espermatozóide e morte fetal em cobaias
grávidas.
isoladamente, como a leucemia do benzeno e podem produzir outras
doenças por sua ação sinérgica ou combinada no processo de trabalho.
Do ponto de vista ambiental ocorrem emissões de gases na
atmosfera tais como: fluoretos gasosos (fluoreto de hidrogênio; poeira,
principalmente de alumínio e sódio, um dos poluentes principais da
unidade de redução de uma fábrica; emissão de SO2 e óxidos de
carbono; escória (resíduo sólido) que se exposta ao “ar livre” pode
gerar gases/particulados e amônia, perigosos para o meio ambiente.
Emissões de gases de combustão e material particulado (pó de alumina
calcinada, cal virgem em pó). O principal rejeito é a lama vermelha
formada por resíduos insolúveis de bauxita mais soda caústica,
prejudicial para o solo e águas (lençol freático, lagos, igarapés e rios).
A lama vermelha pode causar assoreamento de rios e igarapés e em
contato com águas pluviais pode contaminar o lençol freático. A soda
cáustica é também um dos elementos mais nocivos ao meio ambiente.
O alumínio, enquanto produto largamente utilizado pela
população, causa um enorme impacto na saúde humana dos
consumidores destes produtos. Neste aspecto, tem sido demonstrada
a liberação do metal em grande quantidade, principalmente, em águas
e alimentos cozinhados com panelas de alumínio. De acordo com o
estudo da pesquisadora da USP, Elaine Bocalon, publicado pela agência
USP de notícias, em dezembro de 2005, ela encontrou uma transferência
de alumínio para água com sal (10 gramas em 4 litros) de 20 miligramas
por litro (mg/l), após 3 horas de fervura, quando o admissível seria de
12 a 14 mg/dia.
Esta mesma pesquisa também constatou que a transferência
do metal cresce com uma maior quantidade de sal e com o pH (Potencial
Hidrogeniônico) mais básico. Quando se aumenta a salinidade, de 10
para 50 gramas por 4 litros, a concentração de metais na água sobe
Alguns estudos sobre doenças presentes na cadeia
produtiva do alumínio
A – Asma: é uma doença presente na população, mas muito
frequente entre trabalhadores da indústria do alumínio. A asma
ocupacional é definida como uma doença respiratória caracterizada
por obstrução reversível ao fluxo aéreo e/ou hiperresponsividade
brônquica devido a causas e condições atribuíveis a um
determinado ambiente de trabalho onde ocorre a presença de gases,
fumos, vapores ou poeiras.
Como critérios diagnósticos temos a presença de chiado no
peito, dispnéia, dor torácica e tosse. Estes sintomas podem surgir após
duas semanas da exposição, às vezes acompanhados por sintomas
noturnos e melhoram com o afastamento do posto de trabalho.
64
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25%. A variação do pH tornando-o mais básico aumenta em 160% a
concentração do alumínio na água. O mesmo ocorre no cozimento do
arroz por 10 minutos, na panela de alumínio, onde concentração do
metal quase dobra, o aumento passa de 130%, comparando-se ao
arroz não lavado. No feijão não foi diferente onde a concentração do
metal sobe aproximadamente 35% em relação ao grão não lavado.
Vários estudos mostram um incremento na concentração do alumínio
nos alimentos, mas qual será o verdadeiro impacto na saúde humana?
Neste caso, quando há possibilidade do risco, o melhor é assumir o
princípio da precaução, da Organização Mundial da Saúde, onde diz
o seguinte: “quando uma atividade representa uma ameaça para a saúde
humana ou para o meio ambiente, devem ser tomadas medidas
preventivas e precaucionárias, ainda que algumas relações de causa e
efeito não tenham sido totalmente determinadas de maneira científica”
(Declaração de Wingspread sobre o princípio da precaução, janeiro
de 1998). Nosso dever e os das autoridades constituídas é o de reduzir
e eliminar a exposição como o melhor caminho para manter a vida
saudável.
Resumidamente, o processo de retirada da bauxita causa um
dano ambiental irremediável produzindo uma devastação na área de
mineração, incluindo a geração de poeiras. O processo de lavagem da
bauxita com soda cáustica para a produção da alumina produz um
rejeito com a soda e que se não for bem fiscalizado vai parar quase
sempre nos rios da região, ocasionando mortandade de peixes e danos
à fauna e à flora da região. No processo de eletrólise encontra-se
presente o coque, com benzeno, fluoretos e sódio, o que se não for
bem controlado no processo causa danos ambientais e ocupacionais
irreversíveis.
As doenças específicas do alumínio
As principais vias de absorção do alumínio são a pele, a via
digestiva, para a contaminação ambiental e a respiratória, principalmente
para os trabalhadores expostos da indústria.
Uma extensa revisão foi realizada por Prasunpriya Nayak
(2002), do Instituto de Ciências Médicas da Índia e por Becaria e
cols. (2002) do Centro de Ciências da Saúde Ambiental e ocupacional
de Irvine, EUA, mostrando múltiplas manifestações clínicas associadas
com a exposição ao alumínio. Nesta revisão é documentado o impacto
do alumínio no sistema nervoso central atribuindo sintomas neurológicos
à intoxicação por alumínio em populações expostas. Dentre os sintomas
são relatados os tremores de extremidades, perda de memória, ataxia
e até convulsões generalizadas parecidas com estado epiléptico.
Por exemplo, trabalhadores em fábricas de esquadrias de
alumínio, depois de um certo período de exposição, podem sofrer de
tonturas, falta de coordenação, e perdas do equilíbrio e de energia,
por acúmulo de alumínio no cérebro. A doença senil, a doença de
Alzheimer e a doença parksoniana com degeneração neurofibrilar
também se encontram associadas ao risco de exposição ao alumínio.
Para o sistema músculo-esquelético esta revisão mostra uma toxicidade
direta no osso, conduzindo em alguns casos à osteomalácia
caracterizada por um desmineralização óssea o que conduz a fraturas
e dores constantes. Ocorre ainda uma redução na atividade
osteoblástica perpetuando as alterações ósseas.
No sistema cardio-vascular pode ocorrer um acúmulo de
alumínio no coração com estudos sugerindo uma possível hipertrofia
cardíaca e um aumento de arritmias cardíacas. Os efeitos adversos
produzidas pelo alumínio no fígado têm sido bem documentados. O
aumento de alumínio no fígado pode ser responsável por colestases e
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
– anorexia e conseqüente fraqueza e até psicoses, o que
se agrava em crianças com dificuldades de eliminação
desse metal devido a problemas renais crônicos.
• Sintomas clínicos e doenças da intoxicação por alumínio em
adultos:
– dormências e paralisias em membros inferiores;
– seborréia intensa no couro cabeludo, acompanhada
de queda dos cabelos;
– envelhecimento precoce;
– esclerose cerebral (doença de Alzheimer);
– conjuntivite crônica;
– dificuldades no metabolismo do cálcio;
– osteomalácia.
A literatura aponta diversos estudos relacionando asma em
trabalhadores da indústria do alumínio, tendo como causa as diversas
substâncias químicas produzidas nestes ambientes, tais como óxido de
alumínio, gás SO2 e fluoretos. Como existe uma concentração de
diferentes substâncias químicas no processo fica difícil identificar um
único agente, mas a maioria dos estudos têm apontado os fluoretos
como um dos principais agentes causais (SOYSETH; KONGERUD,
1992; STEINEGGER; SCHLATTLER, 1992).
A primeira manifestação clínica da asma no trabalhador exposto
pode variar entre semanas e anos após a primeira exposição e é possível
que haja tanto um efeito irritante como uma reação imunológica na
gênese da asma (SARIC, 1979; CHAN-YEUNG, 1986).
B – Febre dos metais: a inalação do pó de alumínio pode causar
uma febre específica dos metais provocada por inalação de óxidos de
metais, que é uma doença semelhante à gripe, com duração de até 24
horas.
C – Pneumopatias, aluminose e Doença de Shaver: a aluminose
é uma patologia pulmonar conhecida como uma pneumoconiose
causada por poeira de alumínio e a Doença de Shaver é causada por
exposição aos abrasivos de óxido de alumínio (Al2O3) e fumos de
bauxita. A doença produz um infiltrado instersticial, principalmente na
parte superior do pulmão e às vezes ocorre a presença de bolhas
pulmonares.
Um estudo retrospectivo realizado na China por Peng e cols.
(2005), no qual avaliaram 75 casos de aluminose de trabalhadores
que se internaram no período entre 1972 e 2004, verificou-se que
alguns trabalhadores apresentaram período curto de exposição de até
03 anos e 1/3 dos pacientes apresentaram a forma mais grave da
doença evoluindo com fibrose intensa. No Brasil existem poucos relatos
Os trabalhadores doentes de Barcarena-PA
No ano de 2003, iniciou-se uma demanda do município vizinho
a Belém, chamado Barcarena, onde funcionam duas grandes indústrias
da cadeia do alumínio do grupo Vale. Na maioria eram trabalhadores
desassistidos em seu município, abandonados e demitidos da empresa
para a qual trabalhavam. A demissão era sempre seguida de um
diagnóstico qualquer de doença, o que caracterizava uma demissão
irregular, pois não obedeçe as normas regulamentadoras do Ministério
do Trabalho e as portarias do Ministério da Previdência, que definem
o amparo ao trabalhador no caso de doença produzida no ambiente
de trabalho.
A relação do diagnóstico da doença com o trabalho nem sempre
é fácil e torna-se ainda mais difícil quando entram em cena o poder
econômico da principal empresa da região. O poder econômico local
limita a ação de saúde em vários aspectos, principalmente na liberdade
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Alumínio na Amazônia 2009
de casos de aluminose entre trabalhadores da cadeia produtiva do
alumínio. A falta de diagnóstico se deve provavelmente à incapacidade
do sistema de saúde diagnosticar os casos e dar visibilidade ao
problema, específico deste tipo de exposição.
Estudo conduzido por Lin e cols (2003), com 1615
trabalhadores expostos na indústria do alumínio, avaliando alterações
respiratórias, sintomas e exame espirométrico encontraram uma
correlação das alterações respiratórias com um elevado nível de
exposição ao fluoreto, dentro de uma matriz de exposição aos gases e
vapores, fluoreto, dióxido de enxofre e outras substâncias químicas e
ajustado para fumo e idade. Ao final, o estudo mostrou um redução na
capacidade respiratória e aumento de sintomas, até 04 vezes mais, nos
trabalhadores expostos comparados com não expostos.
Em um estudo realizado por Randon e cols (1999), entre 147
trabalhadores expostos numa indústria primária de alumínio na Alemanha
foi encontrada uma redução na função pulmonar, ou seja, a perda de
capacidade do trabalhador respirar atribuída à exposição as substâncias
químicas da indústria e aos fluoretos.
D – Alterações dentárias: a presença de névoas de fluoretos é
responsável por provocar erosões dentárias nos trabalhadores, fato
conhecido entre os profissionais da saúde bucal, mas pouco
diagnosticado na sua relação com a exposição no trabalho.
E – Câncer: de acordo com algumas monografias do IARC,
do inglês Institute Agency Research Center (IARC, 2006), o
aparecimento de câncer em trabalhadores com exposição nos
ambientes com produção de alumínio tem sido demonstrado em diversos
estudos, alguns apontam o pulmão como o órgão mais atingido,
aparecem também estudos sobre excesso de câncer de bexiga nos
trabalhadores do alumínio. Outros estudos relacionados à indústria
primária do alumínio apontam excesso de canceres como o linfosarcoma/
reticulosarcoma, câncer de pancreas e leucemias.
F – Doença de Alzheimer: um tema polêmico é a relação entre
a exposição ao alumínio e a doença de Alzheimer, aqui se encontram
vários estudos apontando na direção desta relação. O mais recente
estudo foi desenvolvido por Walton (2005), quando examinou tecidos
de necrópsia de casos confirmados da doença de Alzheimer e comparou
com um grupo controle. O estudo encontrou alterações de tecidos e
células do sistema nervoso central nos doentes sugerindo a hipótese
de que o alumínio tem um papel importante na formação das alterações
e que deveria ser considerada a exposição ao alumínio como um fator
causativo para a doença de Alzheimer.
G – Doença Osteomuscular e Lesão de Esforço Repetitivo
(LER): um dos problemas de saúde também identificados na cadeia
produtiva do alumínio é a presença de alterações músculo-esqueléticas
em trabalhadores da indústria. Um estudo realizado em 2000, por
Morken e cols, mostrou uma elevada prevalência de distúrbios músculoesqueléticos, entre 5654 trabalhadores da indústria do alumínio. Os
operários apresentaram uma maior incidência quando comparados aos
trabalhadores de escritório e houve ainda uma correlação entre o tempo
de trabalho e o risco de alterações músculo-esqueléticas.
Apresenta-se abaixo uma síntese de algumas doenças e
sintomas relacionados ao alumínio, em crianças e adultos:
• Sintomas clínicos e doenças da intoxicação por alumínio em
crianças:
– anemia microcítica hipocrômica refratária ao
tratamento com ferro;
– alterações ósseas e renais;
66
67
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Tabela 2 – Freqüência de diagnósticos nos trabalhadores avaliados
profissional do médico local, que não dispõe, às vezes
propositadamente, de meios adequados para realizar o diagnóstico e
relacionar com o trabalho. Outras vezes o sistema de atenção à saúde
local torna-se vulnerável e sofre pressão por parte do poder econômico
estabelecido na região. Os trabalhadores foram obrigados a se deslocar
para o município vizinho, Belém, e outros trabalhadores foram
encaminhados para cidades como a de São Paulo, com a finalidade de
realizar exames específicos e toxicológicos para o diagnóstico de
intoxicação.
O processo de trabalho é descrito de forma singular por diversos
trabalhadores avaliados, comparando a atividade no forno de redução
a uma anti-câmara da “morte”. Um operador de forno, por exemplo,
realiza o rastelamento de fornos que constitui uma limpeza com um
rastelo, instrumento formado por uma fileira de dentes de ferro, atividade
que mantém o trabalhador permanentemente curvado, realizando um
esforço físico, em um ambiente extremamente quente.
Realiza ainda levantamento de vigas, troca de anodos, limpeza
do butts, transferência de banho, adição de criolita, fluoreto e barrilha
para formar o banho para a partida de forno. Aqueles que trabalhavam
nas unidades de aquecimento retiravam a crosta que se formava dentro
da câmara de combustão. Alguns trabalhadores realizavam sua tarefa
na empilhadeira, no transporte de anodos, operando a ponte rolante,
enfornando e desenfornando anodo. Após este processo, o trabalhador
ainda realiza a limpeza da área quando havia transbordo de banho de
fornos e caixas. O rejeito era apanhado com uma pá e colocado em
um carrinho de mão e conduzido até as baias fora da área de produção.
Outro processo de produção envolvia os lingotes, onde o
trabalhador devia carregar pilhas de lingotes, pesar e transportá-las
para a área de estoque, realizando esforço físico, muitas vezes, acima
Fonte:- CASAT/BELÉM/2004
Somente dois trabalhadores conseguiram realizar exames
toxicológicos, em Campinas/SP, e os dois apresentaram aumento na
dosagem de alumínio no sangue. Um dos exames atingiu o valor de
77mg/l, quando o máximo aceitado é de 8 mg/l.
72
69
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
da sua capacidade física. Um trabalhador descreveu a atividade no
distribuidor que controlava o tamanho do lingote como uma atividade
altamente desgastante, em função do excesso de esforço físico.
Realizavam ainda tratamento de escória, principalmente quando a
máquina apresentava problemas mecânicos, aumentando o rejeito e
precisando catá-lo manualmente.
Na caldeiraria, os trabalhadores descreviam como trabalho
pesado, onde carregavam peças rejeitadas de até 30kg, a uma distância
de 1 metro. Manipulavam, sem proteção adequada a manta de amianto
e o pó de caulim. O operador de chumbamento realizava limpeza de
butts com martelete, chumbamento de anodo, feito de piche e pó de
coque. O processo era realizado com um martelete de aproximadamente
30kg, suspenso em um balancinho de cabo de aço e aclopado a uma
mangueira de ar para a limpeza do butts.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a saúde de trabalhadores
da cadeia produtiva do alumínio, demandados à Casa do Trabalhador
do Município de Belém (CASAT/BELÉM), nos anos de 2003 e 2004,
com a finalidade de dar maior visibilidade ao adoecimento relacionado
ao trabalho daqueles que entregam sua força de trabalho à produção
do alumínio e nem ao menos foram informados sobre os riscos reais a
que estariam submetidos. Será apresentado um estudo descritivo de
41 trabalhadores avaliados neste período, todos do sexo masculino.
Dos 41 trabalhadores avaliados, 28 (68,3%) eram operadores
de forno (Tabela 1).
Resultados
Os 41 trabalhadores foram atendidos na CASAT na condição
de ex-empregados da indústria. A média de idade foi de 42,7±6,5
anos com um mínimo de 30 anos e máximo de 57 anos. A média de
tempo de trabalho na indústria foi de 6,9±4,0 anos.
70
Tabela 1 - Distribuição dos trabalhadores por atividade na indústria
Fonte:CASAT/BELÉM/2004
Foram realizados 57 diagnósticos, 25 trabalhadores com 01
diagnóstico, 13 trabalhadores apresentando 02 diagnósticos e 03
trabalhadores apresentando 03 diagnósticos. A Tabela 2 mostra a
freqüência e o percentual de diagnósticos nos trabalhadores.
A queixa mais freqüente entre os trabalhadores estava
relacionada com as doenças osteomusculares. Deste modo, o principal
dagnóstico foi a lombalgia com 65,9% dos trabalhadores apresentando
problemas de coluna.
71
Alumínio na Amazônia 2009
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76
Alumínio na Amazônia 2009
Discussão dos casos
Este é um estudo de uma pequena parcela de trabalhadores
(41) que conseguiram buscar atendimento médico no município de
Belém. Os dados apresentados não representam prevalências ou
incidências de doenças dos trabalhadores da indústria do alumínio,
por não ter sido avaliado a totalidade de trabalhadores expostos. Porém,
este relato expressa o adoecimento em uma parcela de trabalhadores
que se expuseram por um período curto de tempo, vivenciando
situações de trabalho extremamente insalubre e às vezes perigosa. A
informação deste estudo descritivo reveste-se de importância pela
possibilidade de levantarmos hipóteses da relação com o trabalho e
principalmente para iniciar um processo de transformação da realidade,
a partir do relato de casos.
A primeira questão que chama a atenção é o fato da maioria
estar fora do processo de produção e todos com alguma queixa de
saúde. Tal fato possivelmente pode refletir a precariedade no acesso
ao serviço de saúde, quando estão na produção ou então são
consequências do efeito do trabalhador sadio na indústria. Quando
adoecem são demitidos e só ficam na produção os trabalhadores
aparentemente sadios.
Os trabalhadores encontravam-se numa faixa etária altamente
produtiva, num país onde a idade para aqueles que se aposentam é de
65 anos. A indústria do alumínio está devolvendo para a sociedade,
trabalhadores doentes em plena faixa produtiva. A média de idade, em
torno de 40 anos, deixa claro a sobrecarga de trabalho a que esses
trabalhadores são submetidos.
Um fator que expressa esta sobrecarga, nesta parcela de
trabalhadores atendidos na Casa do Trabalhador é o pouco tempo de
trabalho. O pouco tempo de trabalho ou de exposição demonstra a
73
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
precariedade do processo e a falta de políticas de saúde e segurança
na cadeia produtiva que visassem a melhoria das consdições de trabalho.
Do ponto de vista da saúde, o principal problema verificado e
diagnosticado entre os trabalhadores foi o problema osteomuscular,
com quase 70% dos trabalhadores apresentando problemas de coluna.
Entre as vértebras existe um disco cartilaginoso que funciona como
proteção da coluna, evitando atritos entre os mesmos e concedendo
movimentos à coluna. A extrusão deste tecido cartilaginoso é o que
chamamos de hérnia de disco.
O ser humano, ao movimentar-se no trabalho, emprega os
músculos que se apóiam na estrutura osteoligamentar da coluna
vertebral. A movimentação corporal e as demais atividades
desenvolvidas (força, destreza etc.) causam um desgaste importante
em três estruturas: articulações interapofisárias; disco intervertebral;
músculo e fáscias. A sobrecarga nessa estrutura produz dano na coluna
que se expressa como doença osteomuscular e diversos sintomas
assinalados entre estes mesmos trabalhadores.
Avaliou-se 4 casos de surdez ocupacional (10% da população
estudada), provavelmente este número não reflete o problema real da
indústria. O que está se apresentando são casos diagnosticados, a partir
da suspeita do dano, não houve uma avaliação audiológica em todos
os trabalhadores demandados. É possível que se todos tivessem
realizado um exame audiométrico estes números poderiam ser ainda
maiores.
Cada caso avaliado possui uma nítida interpretação da sua
relação com o trabalho. Os casos de sinusite, faringite, leucemia,
adoecimento mental, doenças cardiovasculares, dermatose, aluminose
e outros são facilmente relacionados com as exposições ocorridas em
cada processo de trabalho, referido na história ocupacional dos
trabalhadores. No entanto, vários dos trabalhadores ainda permanecem
sem o devido reconhecimento da sua doença ocupacional, tanto pela
empresa quanto pela seguridade social.
Infelizmente não foi possível realizar os exames toxicológicos
em todos os trabalhadores avaliados, principalmente naqueles que
haviam saído da produção recentemente. Seria possível mostrar
resultados alarmantes visto que nos dois casos com exames
mineralógicos realizados em São Paulo os níveis estavam elevadíssimos,
em um dos casos dez vezes superior ao limite superior aceitável.
Finalizando, pode-se apontar algumas dificuldades encontradas
na região onde os trabalhadores deveriam ser acompanhados, em um
programa de atenção integral à saúde. As principais dificuldades dos
serviços podem estar relacionadas à falta de recurso humano para
diagnóstico, à falta de infra-estrutura laboratorial e a ausência, quase
que completa, de uma retaguarda hospitalar e um sistema de saúde de
alta complexidade, que responda à demanda dos trabalhadores.
74
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Alumínio na Amazônia 2009
trabalhadores (NEVES; PEREIRA; CABRAL, 1999). A justificativa
é inspirada nos relatos de trabalhadores que alegam, por um lado,
difíceis condições de trabalho e, por outro lado, nenhum conhecimento
elaborado sobre acidentes e doenças que padecem. Este aspecto é
condizente com os raros estudos sobre adoecimentos e agravos à saúde
dos trabalhadores em indústrias de alumínio não somente no Brasil,
como também no mundo.
A dura realidade em que vivem os trabalhadores brasileiros foi
outra motivação para a investigação realizada, em razão de que eles
sofrem dupla penalização social, tanto por suas condições de vida
quanto pelas condições de trabalho. Assim, submetem-se aos modelos
organizacionais das empresas para garantir sustento às suas famílias, é
o que declaram, o que se constitui numa argumentação incontestável,
em particular porque são desprovidos de qualificação profissional, numa
região em que “empregos” são difíceis e de baixa remuneração8.
Além da relevância social do estudo, é sempre bom esclarecer
que o alumínio, produto do processo industrial investigado, é um
elemento químico (metal) cuja natureza inorgânica não permite o
metabolismo pelo corpo humano. Em termos práticos, significa a
impossibilidade de ser eliminado pelo organismo, sendo continuamente
acumulado3 (MENDES, 1995). A principal ação deste metal é sobre o
equilíbrio eletroquímico do organismo, com subseqüente deposição
no sistema nervoso, daí a suspeita de provocar doenças degenerativas,
LIN, F.; MALCOM, R. et al. Respiratory synptoms and lung-function
changes with exposure to five substances in aluminium industry. Int
Arch. Occup. Environ. Health, London.n. 76, p. 103-110, 2003.
2
Nas atuais condições de recrutamento das empresas, as empresas multinacionais exigem o
ensino médio completo, o que torna mais crítica a situação de trabalhadores que não
alcançaram um grau de escolarização compatível.
3
Este é um debate presente na literatura acerca da ação dos metais não orgânicos no
organismo humano, tanto a respeito de sua metabolização quanto às possíveis formas de
eliminação do corpo. Neste estudo, nos filiamos à perspectiva apresentada por Mendes
(1995), ao afirmar que metais são acumulados organicamente, sendo improvável a sua
eliminação, por ausência de enzimas ou mecanismos biológicos, resultando em processos
de adoecimento de longa duração que, por seu caráter insidioso, são de difícil diagnóstico.
80
LUND M. B.; ØKSNE, P. I., HAMRE, R.; KONGERUD, J.
Increased nitric oxide in exhaled air: an early marker of asthma in nonsmoking aluminium potroom workers? Occup Environ Med,
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Ednalva Maciel Neves1
Introdução
Este texto explora as relações entre trabalho e saúde no mundo
contemporâneo, associadas à vertente da saúde dos trabalhadores.
Os estudos científicos, neste domínio, reclamam que as relações de
trabalho, as condições e formas de organização do processo de
produção são consideradas fatores determinantes das modalidades de
agravos à saúde dos trabalhadores. E, neste sentido, tanto a tecnologia
quanto a pressão da produtividade exercida podem ocasionar um
acidente ou um adoecimento, situações que nem sempre são registradas,
mas que integram a experiência social dos trabalhadores.
A caracterização destes aspectos relacionados ao trabalho
permite reconhecer o padrão de desgaste e adoecimento operário,
presentes nas atividades desenvolvidas e nas condições, nas maquinarias
e na concentração de componentes que podem ocasionar acidentes e
doenças ocupacionais (ROCHA et al., 1993).
Este estudo aborda as condições de trabalho e os agravos à
saúde na indústria do alumínio, a partir da experiência social dos
1
Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia, Centro de Ciências Humanas
da Universidade Federal do Maranhão, doutora em Antropologia Social,
[email protected].
78
79
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Alumínio na Amazônia 2009
por método estatístico aleatório e os principais dados obtidos dizem
respeito a: identificação do trabalhador, descrição do acontecimento,
caracterização da lesão orgânica sofrida, horário da ocorrência, tempo
de afastamento e tratamento.
A etapa mais significativa do estudo compreendeu a coleta de
informações primárias, realizada junto aos trabalhadores. Foram
recolhidas as percepções que estes agentes sociais constroem acerca
dos aspectos que consideram “arriscados” no ambiente de trabalho,
envolvendo as tarefas, o processo e a organização do trabalho. As
informações foram obtidas através de entrevistas semi-estruturadas,
cujo objetivo é garantir ao investigado narrar livremente sua experiência
laboral motivado pelas questões fornecidas pelo pesquisador7.
O saber elaborado pelos trabalhadores sobre a produção de
alumínio foi central para a compreensão dos processos e formas de
organização do trabalho. O levantamento sobre o sistema industrial de
produção a partir da experiência dos trabalhadores no chão de fábrica
foi inspirado num estudo semelhante realizado por Facchini et al. (1991),
em Pelotas (RS). Embora alguns trabalhadores declarassem que “não
conheciam todo” o processo e, em particular, as substâncias químicas
comumente utilizadas na produção, a experiência acumulada permitiu
montar o processo e compreender rotinas e normas que regem o
cotidiano da vida fabril.
A Norma Regulamentadora 09, da Portaria 3.214/1978, do
Ministério do Trabalho, foi o parâmetro utilizado para levantar os fatores
como o Mal de Alzheimer. Este é um aspecto relevante quando se
considera que o processo de produção de alumínio se caracteriza pela
liberação de agentes químicos na forma de vapores que são facilmente
absorvidos pelo organismo através do sistema respiratório.
A investigação que desenvolvi, juntamente com uma equipe de
duas pesquisadoras, pode ser caracterizada como um estudo
exploratório ou survey que tem como objetivo demonstrar a existência
e magnitude de certo fenômeno. A intenção é fornecer conhecimentos
acerca da incidência ou prevalência de um acontecimento, num intervalo
de tempo. Na investigação acerca dos agravos à saúde dos
trabalhadores, identifica formas de adoecimento (aguda ou insidiosa)
resultantes do ambiente de trabalho e fornece elementos acerca de
fatores e situações consideradas determinantes, que, devidamente
ponderadas, são modificadas ou redimensionadas para garantir a
condição de saúde dos trabalhadores.
Os princípios que regem toda a pesquisa estão associados à
saúde do trabalhador na perspectiva de Mendes e Dias (1991),
envolvendo, também, a perspectiva de Lacaz (2007), ao considerar
os dilemas vividos pelos estudos sobre saúde do trabalhador nos
contextos sociais contemporâneos4. O conhecimento produzido a partir
destes estudos provê futuros empreendimentos, aprofundando
investigações sobre condições e relações sociais que compõem a
situação de trabalho.
7
O roteiro de entrevista consta de cinco itens: identificação do entrevistado, condições
socioeconômicas, vida laboral, vida na fábrica de alumínio (ingresso, tarefas, processo e
rotinas, hierarquias e normas do trabalho etc), fatores de risco e agravos à saúde identificados no ambiente de trabalho (informações emitidas espontaneamente a partir da experiência do entrevistado e questionados conforme a NR 09). Foram entrevistados 21 trabalhadores de todos os setores da produção, com duração variável, gravadas, transcritas e analisadas por categorias temáticas, conforme recomenda estudos qualitativos.
84
4
Para Lacaz (22307, p. 757), “Saúde do Trabalhador é campo de práticas e conhecimentos
cujo enfoque teórico-metodológico, no Brasil, emerge da Saúde Coletiva, buscando conhecer (e intervir) (n)as relações trabalho e saúde-doença, tendo como referência central o
surgimento de um novo ator social: a classe operária industrial, numa sociedade que vive
profundas mudanças políticas, econômicas, sociais”.
81
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
O objetivo principal da pesquisa consistiu em fornecer subsídios
aos trabalhadores através do levantamento histórico e sistemático das
formas de adoecimento (acidentes e doenças) resultantes dos processos
e das condições de trabalho na indústria do alumínio. São subsídios,
na modalidade de conhecimento científico, que fomentam a tomada de
decisão e garantia de direitos sociais pelos trabalhadores e seus
representantes, pelos órgãos e agentes sociais que atuam na promoção
da justiça social (como os tribunais de justiça do trabalho).
Este trabalho apresenta informações acerca dos acidentes de
trabalho e das percepções dos trabalhadores sobre fatores de risco e
adoecimento relacionado ao ambiente na indústria do alumínio. Para o
entendimento das dificuldades de realização de um estudo como este,
começo com uma exposição sucinta sobre os procedimentos realizados
na pesquisa e, em seguida, apresento os resultados obtidos.
As situações investigadas deixam entrever que existe uma
política industrial de culpabilização dos trabalhadores pela empresa
perante os agravos à saúde que lhes atingem, a que chamamos de
ideologia da responsabilização. As narrativas dos trabalhadores são
apresentadas tal como expressadas, num diálogo entre literatura
existente e a Norma Regulamentadora 09, desvelando aspectos do
ambiente de trabalho que podem ser apropriados pela empresa para
reconhecer riscos e intervir na melhoria das condições de trabalho.
estão submetidos. O objetivo da investigação foi revelar as modalidades
de acidentes e doenças5 ocupacionais que acometem trabalhadores
da indústria de alumínio6, fornecendo um panorama baseado em
informações oficiais e primárias. Em resumo, além da revisão
bibliográfica sobre o tema, o desenho da investigação privilegiou duas
fontes de informações: as comunicações de acidente e os relatos dos
trabalhadores. Etapas realizadas simultaneamente.
As Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) são
documentos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que
registram e caracterizam os agravos a partir da descrição médica do
dano físico ocorrido no ambiente e no trajeto para o trabalho. O
levantamento anual dos acidentes foi o instrumento utilizado para
caracterizar o perfil dos eventos. A coleta de dados privilegiou o
intervalo de tempo entre a construção da indústria, no ano de 1984,
até o ano de 1990, totalizando 14 anos, em razão de que dados mais
contemporâneos não eram acessíveis no momento da investigação. O
levantamento e sua análise histórica permitiram não só a identificação
dos acidentes registrados pela empresa, mas a caracterização dos
acontecimentos, viabilizando a comparação com informações recolhidas
junto a outras fontes, tais como a literatura científica e, em particular,
os relatos obtidos de trabalhadores.
Tais comunicações de acidentes foram localizadas nos arquivos
do INSS, em São Luís. Examinadas 239 comunicações, selecionadas
Sobre a pesquisa
A pesquisa partiu do levantamento de informações sobre os
agravos registrados em comunicações de acidentes de trabalho para,
em seguida, se dedicar à coleta de informações junto aos trabalhadores
acerca das condições e organização do processo de trabalho às quais
82
5
Acidentes de trabalho são definidos através de legislação trabalhista específica. O leitor
pode encontrar a definição na legislação em vigor, a partir da qual acidentes e doenças do
trabalho são caracterizados, o que inclui as definições de “acidente típico” e de “acidente
de trajeto” (Consolidação das Leis Trabalhistas e complementares como: Lei 8.213/1991
e Decreto 2.172/1997).
6
Os trabalhadores metalúrgicos, empregados diretos do Consórcio de Alumínio do Maranhão
S. A. (Alumar), indústria situada em São Luís, capital do estado do Maranhão, compreenderam
os agentes sociais de interlocução.
83
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ocupação que não exige qualificação do trabalhador, e que todos que
a ocupam exercem as mesmas tarefas.
Na caracterização das lesões, os membros superiores (88
acidentes) e a extremidade superior (55 casos que atingiram o pescoço
e cabeça) são as partes mais acometidas do corpo dos trabalhadores,
perfazendo percentuais de 36,8% e 23%, respectivamente. Estas partes
são seguidas por lesões nos membros inferiores, com 46 lesões referidas
em 19,2% das comunicações, seguidos das lesões que atingem o tórax
e a região lombar da coluna vertebral (cada representa 6% do total de
acidentes examinados).
Tais informações se conjugam com o registro da causa atribuída
na comunicação, revelando que 38% das ocorrências tiveram como
conseqüência a manipulação de “máquina ou ferramenta” (91 casos).
Outros agentes referidos como causas são: “poeiras” e “agentes
químicos” (28 ocorrências, 11,7% para cada um dos itens); “esforço
físico excessivo” e “queda de níveis”, fatores que são responsáveis por
9,2% dos agravos cada uma delas. Demais causas registradas são:
colisão com objetos presentes no ambiente de trabalho, colisão e
atropelamento automobilísticos, queda de peso sobre o corpo do
trabalhador, picada de inseto, sonolência.
As informações revelam, também, que pouco mais de 10%
das ocorrências levaram à concessão de afastamento do trabalho (24
acidentados), embora a taxação de não registro desta informação seja
elevada, pois apresenta um percentual de 51% de comunicações
examinadas. No entanto, apenas 15% dos acidentados (36) tiveram
um tempo médio menor que 10 dias para se submeter a tratamento,
enquanto que 18% dos trabalhadores (43) tiveram direito a um tempo
médio igual ou superior a 30 dias para realização de tratamento do
de adoecimento no ambiente de trabalho, a partir do seu anexo IV que
estabelece a classificação8 dos riscos ambientais segundo a natureza
do agente9. A utilização deste anexo foi estratégica para o estudo, já
que este é considerado um dos principais instrumentos de normalização
do ambiente de trabalho e de fiscalização dos órgãos competentes,
devendo ser apropriado pelas comissões de prevenção e segurança
no trabalho. Os grupos de risco indicados foram, também, referências
para configurar o roteiro de entrevistas, bem como para os resultados
da pesquisa.
Quando se trata da busca por informações atualizadas, a equipe
de pesquisa se deparou com dificuldades de várias ordens, e o
obstáculo mais marcante para a coleta de dados está nas instituições
estatais que alegam a indisponibilidade de documentos. Afirmava-se
que a burocracia dos sistemas de notificação e benefícios disponibiliza
os dados apenas após cinco anos do registro da ocorrência. Já as
informações acessíveis (sites institucionais e do Ministério do Trabalho,
por exemplo), apresentavam dados consolidados do estado do
Maranhão, não contabilizados por empresa. Restava, ainda, o fato de
que ao Sindicado dos Metalúrgicos do Maranhão (Sindmetal), os
acidentes de trabalho ocorridos não são comunicados, o que leva ao
desconhecimento da real situação pela representação dos trabalhadores.
88
8
Trata-se da Tabela 1 do Anexo IV – NR- 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais)
da Portaria nº 3.214/1978, sobre a Classificação dos Principais Riscos Ocupacionais em
Grupos, de Acordo com sua Natureza e a Padronização das Cores Correspondentes (Mapa
de Riscos). Segundo a legislação, o objetivo é construir um mapa sobre riscos ambientais que
podem depreciar a saúde dos trabalhadores. As normas regulamentadoras indicam limites de
tolerância ambientais, equipamentos de proteção e segurança, assim como procedimentos
para o acompanhamento da saúde dos trabalhadores.
9
O processo de produção de alumínio se caracteriza por um trabalho contínuo, de natureza
química, visando a liberação do metal da forma encontrada na natureza, na composição
chamada bauxita. Por isso, não iremos discorrer sobre riscos biológicos, já que não estão
presentes neste processo, tal como relatado por trabalhadores e verificado na literatura
sobre o processo de trabalho de produção de alumínio.
85
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A qualidade das informações é prejudicada pela natureza
incompleta, descrição ilegível ou ausência do dado. Esta dificuldade
está relacionada ao preenchimento das Comunicações de Acidente e
revela o nível de atenção dada ao registro da informação pelo
profissional de saúde.
Na realização das entrevistas, a dificuldade surgiu por parte
dos trabalhadores, que reclamavam de medo de “perder o emprego”
ou de receber alguma represália da empresa. Por tais motivações, foi
garantido o anonimato dos entrevistados como condição de participação
e ética da pesquisa.
acidente de trabalho e de trajeto simultaneamente (0,4% do total das
comunicações examinadas).
Apesar do número de comunicações sem registro (ou escrito
de maneira ilegível) do turno de ocorrência do acidente (121), 93 delas
indicavam que o acidente ocorreu durante turnos diurnos (38,9%),
contra 23 (aproximadamente 10%) são declaradamente sofridos no
turno da noite ou noturno, como registrado.
No exame da faixa etária dos trabalhadores acidentados,
observa-se que 121 (50,6%) dos eventos ocorreram em trabalhadores
com idade entre 19 e 29 anos, fenômeno que se agrava quando
acumulamos os acidentados com idade até 39 anos, cujo percentual
alcança a cifra de 86,4% das ocorrências, equivalente a 206
comunicações de 239 examinadas. Este perfil etário revela que os
trabalhadores acometidos encontravam-se no início da vida
economicamente ativa, com possibilidades perdas sociais variadas
comprometendo sua permanência no mercado de trabalho.
Quando se verifica a ocupação dos trabalhadores, ressalta-se
que a maior incidência de acidentes recai sobre os envolvidos no
processo de produção, o que compreende 205 ou 86% das
comunicações examinadas. Dentre estes, os operadores despontam
como os mais atingidos (82 ocorrências, aproximadamente 34,3%),
seguidos pela categoria dos mecânicos que totalizam 17,1% dos
acometimentos (41 acidentados). Apenas em 17 eventos (5,7%), os
atingidos não estão diretamente envolvidos na produção, são categorias
como: administrativos (08), auxiliares de segurança (03), trabalhadores
do almoxarifado (02), auxiliares de serviço (02) e técnico de meio
ambiente (02 casos). Este dado se torna muito relevante quando é
acrescido da informação de que a função de “operador” é uma
Perfil dos acidentes de trabalho: dos “incidentes” e da
ideologia da responsabilização
Na construção do perfil dos acidentes de trabalho registrados,
dois aspectos foram centrais para entender a experiência cotidiana dos
trabalhadores: um deles consistiu nos dados concretos armazenados
nas CAT e o outro compreendeu a discussão levantada pelos
trabalhadores sobre a caracterização e a definição do que são acidentes
de trabalho pela empresa. Tal discussão surgiu quando os trabalhadores
exploravam os riscos de acidentes presentes no ambiente de trabalho.
Um dos aspectos relevantes da comunicação de acidentes é
caracterizar o tipo de agravo. Do total de comunicações examinadas,
em 205 as lesões descritas pelos profissionais são consideradas
decorrentes de acidentes típicos de trabalho, o que equivale a
aproximadamente 86% dos registros, já em 21 delas o profissional
não qualifica a causa da lesão ou o faz de forma ilegível. Apenas 12
acontecimentos, cerca de 5%, foram descritos como conseqüências
de acidentes de trajeto, enquanto um caso estava registrado como
86
87
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Adota-se uma nomenclatura oportuna, distinguindo-se entre
“incidente” e “acidente”. São considerados e chamados de “incidentes”
as ocorrências avaliadas como “menos graves”, tais como:
“queimaduras, cisco no olho”. Já aqueles eventos que exigem apenas
o “afastamento do setor de trabalho”, são costumeiramente designados
como condição do “regime restrito”.
Os acontecimentos considerados “menores” não aparecem no
âmbito das estatísticas, descaracterizando os fatores de risco presentes
no ambiente de trabalho. Os baixos percentuais de afastamento do
trabalho indicam que a classificação fundada no “incidente” tem sido
eficaz na cultura da empresa em limitar o número de acidentes de
trabalho comunicados, e que recebem assistência à saúde no ambiente
de trabalho. Apenas os acidentes que provocam lesões graves são
notificados como acidentes de trabalho. Estes quase sempre exigem
dias de afastamento ou provocaram lesões que exigem tratamento de
saúde.
Outro recurso que reforça esta política compreende a
implantação do “recorde de dias sem acidentes12”, que passa a ser um
objetivo a ser atingido pelas equipes de trabalho na empresa. Os
trabalhadores alegam que existe um custo para aquele que é acidentado,
em razão de que toda a equipe é “marcada” por ter maculado a quebra
do recorde.
Isto provoca um “sentimento de culpa” nos trabalhadores
acidentados, estigmatizados pelos colegas de trabalho. Trata-se de que
agravo, mediados por 30,6% que tiveram entre 10 e 29 dias de tempo
médio para assistência ao agravo sofrido (73 acidentados)10.
Em resumo, pode-se dizer que o trabalhador acidentado é jovem
e de baixa qualificação profissional. Os acidentes de trabalho sofridos
ocorreram durante o dia, com aparente baixa taxa de concessão de
afastamento, porém com elevados percentuais de tempo médio de
tratamento. As lesões corporais são resultantes de agressões
provocadas por: manipulação de “máquina ou ferramenta”, poeiras e
agentes químicos presentes no ambiente, esforço físico excessivo e
queda de níveis.
Informações coletadas junto aos representantes dos
trabalhadores, no Sindmetal, revelaram que até 1999 haviam apenas
quinze ações ajuizadas sobre acidentes de trabalho. As ações decorriam
de danos e lesões sofridas no ambiente de trabalho, impetradas pelos
trabalhadores para buscar o reconhecimento de seus direitos trabalhistas
pela empresa. As principais reclamações dizem respeito a problemas
de saúde caracterizados como: problemas de coluna (06 casos, 40%
do total), infortúnio laboral (04 casos, o que corresponde a 26% das
queixas), perda da visão (02 casos, equivalente a 13%), ferimentos
nas mãos e mutilações de dedos (02 casos, 13%) e perda de olfato e
amígdalas (01 registro, equivalente a 8%).
Quando o trabalhador é questionado sobre fatores que
consideram arriscados no ambiente de trabalho, os aspectos indicados
reforçam o perfil encontrado nas comunicações e fornecem outros
elementos que contribuem para a compreensão do cotidiano no trabalho.
Para eles, “arriscadas” são aquelas “condições ou situações de perigo
12
O recorde é registrado em outdoor, estrategicamente posicionado na empresa, de modo
que trabalhadores e visitantes o percebam. No entanto, isto não impede que “[caso] o
trabalhador seja, pelo menos capaz de ir à indústria, mesmo que não possa trabalhar o
recorde não é quebrado, porque não está ‘caracterizado’ o afastamento. Deste modo, o
record estatístico continua até que um trabalhador esteja gravemente ferido ou doente”
(MOREIRA, 1992, p. 112).
92
10
Cabe ressaltar que 36,4% das comunicações de acidentes de trabalho não registravam
essa informação ou o registro estava ilegível, o que leva a ponderar sobre a responsabilidade
do profissional de saúde que atende ao acidentado e preenche o formulário, e, em tais
situações, os maiores prejudicados são os trabalhadores, que não têm a sua disposição
informações fidedignas acerca das circunstâncias e da intensidade dos agravos.
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Alumínio na Amazônia 2009
que podem causar um acidente ou fazer adoecer e impedir de trabalhar”
(depoimento). A referência ao “impedimento de trabalhar” é uma das
preocupações destes indivíduos, em razão de o trabalho ser um valor
social cuja realização depende da saúde do corpo físico (BOLTANSKI,
1989), em particular quando a qualificação é limitada. Daí porque os
trabalhadores acumulam conhecimento sobre situações insalubres e
“arriscadas” de trabalho que podem comprometer o corpo e ameaçar
o cumprimento do ofício.
Segundo Duarte (1996), os trabalhadores associam a idéia de
adoecimento apenas com casos de acidentes graves que limitam ou
impossibilitam sua capacidade para exercer o trabalho. Nessa lógica,
o trabalhador não valoriza acidentes de menor gravidade e não
relacionam sintomas leves e insidiosos de doenças com o trabalho, por
conseguinte não contabilizam as pequenas ocorrências diárias de
“choques” ou outros agravos que sofreram. Entre os trabalhadores
entrevistados, esta estratégia desponta de maneira bastante espontânea
quando afirmam que nunca “sofreu[ram] acidentes, apenas uns
choquinhos”. Poucos trabalhadores chegaram a afirmar (03 dos
entrevistados) que “[o] risco maior de adoecer é de queimadura e de
morrer é por doença ocupacional” (depoimento).
Os trabalhadores revelaram, ainda, que conhecem fatores do
ambiente de trabalho que podem resultar em acidentes, no entanto
preferem banalizar os riscos que correm em razão do objetivo maior
que é a garantia do emprego e, conseqüentemente, dos salários. Tal
estratégia está associada ao duplo sentido que atribuem ao trabalho,
entendido, por um lado, como esfera de valorização da vida pessoal
(identidade cultural) e, por outro, pela manutenção da qualidade de
vida familiar, o que inclui os projetos familiares de reprodução
reforçados com os ganhos secundários fornecidos pela empresa (plano
de saúde, lazer etc.).
É nesta trilha que se chega ao dilema da definição do acidente
de trabalho, e que compreende também a administração política da
empresa destes acontecimentos. Nas informações recolhidas junto aos
trabalhadores, eles relataram que, quando se trata de acidentes de
trabalho, o Decreto 2.172/199711 delibera sobre duas formas de
caracterização do acidente: administrativa e técnica, como “instrumento
de reconhecimento do direito do trabalhador”. Na caracterização
administrativa, o setor de benefícios do Instituto Nacional de
Previdência Social estabelece o nexo existente entre o trabalho exercido
e o acidente, enquanto na caracterização técnica da perícia médica
busca-se identificar o nexo causal do acidente ou lesão ocorrida com a
atividade desenvolvida. A caracterização do acidente é relevante em
razão de que procedimentos de segurança são adotados como
estratégia de prevenção de eventos futuros, com gravidade variável e
que podem acarretar afastamentos do ambiente de trabalho.
Na experiência dos trabalhadores, a política adotada pela
empresa busca minimizar a ocorrência de acidentes de trabalho, por
isso adota estratégias que limitam o registro dos acontecimentos. A
empresa recomenda que, diante da ocorrência de um “quase acidente”,
o trabalhador deve informar ao líder de seu grupo, responsável pelo
preenchimento do relatório. No entanto, pequenas ocorrências não
são relatadas, por força do “medo de ficar marcado”. Nesta política
inclui-se, também, o afastamento do ambiente de trabalho utilizandose os dias de folga acumulados pelo trabalhador, no caso de acidentes
que exigem “poucos dias de afastamento”.
90
11
Trata-se de Decreto da Presidência da República que regulamenta os Benefícios da
Previdência Social, revogado pelo Decreto nº 3.048, de 12 de maio de 1999, sobre o
Regulamento da Previdência Social.
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Alumínio na Amazônia 2009
durante as entrevistas, em razão de que os trabalhadores não têm
conhecimento sistematizado sobre as composições que utilizam na
realização das tarefas. No entanto, a partir da reconstituição do
processo de trabalho, eles puderam indicar os compostos que são
manipulados na produção. O relato abaixo é emblemático da descrição
feita pelos trabalhadores dos processos de trabalho e dos agentes
químicos encontrados no ambiente.
Essa função, hoje, é mais de monitoramento do processo
em si, porque lá na fábrica de alumina, onde transforma o
minério, a bauxita em si, e sai a alumina que é um pozinho
branco, tipo açúcar. Desse produto é transformado em
alumínio metálico. O produto químico que é usado nesse
processo é só a soda cáustica misturada com água, ela forma
uma solução chamada licor e esse licor com uma
determinada concentração e a uma temperatura é
adicionado com a bauxita. Ele fica que nem uma pasta e
daí é que é feito o processo (depoimento).
Na perspectiva dos trabalhadores, são empregadas várias
substâncias, tais como: soda cáustica, coque, piche, ácido sulfúrico,
hidrocarbonetos, fluoreto de alumínio, solventes, alumínio (alumina e
metálico), criolita, extrato de carvão, enxofre, magnésio entre outros
que não aparecem nos discursos dos trabalhadores. Apesar deste
inventário, os conhecimentos sobre essas substâncias são adquiridos
através de várias fontes, desde reconhecimento por experiência anterior
de trabalho com certas substâncias até a identificação a partir das
conversas entre líderes de equipes e supervisores. Alegam que muitos
agentes químicos são conhecidos pela leitura dos rótulos presentes nas
embalagens e que indicam a gradação de perigo da substância química.
se “sentem responsabilizados” pelo ocorrido, o que leva o trabalhador
acidentado a aceitar as condições impostas pela empresa como uma
forma de não ficar “mal visto” pelos companheiros de equipe. Cria-se,
desta forma, um mecanismo de controle entre os membros da equipe,
que consiste no controle sobre si-mesmo e sobre os colegas. Assim,
afirmações como: “nosso grupo nunca aconteceu um acidente”, “no
dia tal, batemos o recorde de acidente” são expressões comumente
valorizadas pelos trabalhadores.
Esta política exerce um desvio na responsabilização do acidente,
passando da análise dos aspectos relacionados à natureza e processos
de trabalho para a pessoa do trabalhador. O desvio da responsabilização
repercute sobre direitos sociais, já que a ausência de registro oficial
dos acontecimentos não possibilita seu reconhecimento posterior por
instituições sociais de direito.
Estes elementos são reveladores de uma política de segurança,
fundada numa idéia de risco em que o trabalhador é considerado o
responsável pelos danos que o atingem no ambiente de trabalho. Tal
sistema de responsabilização e controle pelos trabalhadores caracteriza
o que designo de ideologia da responsabilização, que é reforçada
pela baixa oferta de trabalhos, pelo contingente de trabalhadores
disponíveis e pela sensação de ameaça de “perder o emprego”, como
já enfatizado.
Os trabalhadores reconhecem fatores associados ao ambiente
de trabalho e, neste sentido, valorizam a política de segurança
desenvolvida na empresa. No entanto, ponderam sobre as exigências
que lhe são feitas e a pouca intervenção da empresa nas condições e
nas relações de trabalho.
96
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Alumínio na Amazônia 2009
Fatores de risco e formas de adoecimento
A partir da descrição das tarefas que realizam na indústria de
alumínio, os trabalhadores exploraram os aspectos do ambiente de
trabalho abalizados como fatores que podem provocar algum
adoecimento. Nas narrativas operárias, as situações de risco por eles
identificadas foram relatadas tendo como referência casos de acidentes,
sofrimentos vividos por colegas e mortes que testemunharam ou que
são contadas por colegas de trabalho, o que inclui a experiência própria
com problemas de saúde. Estes “casos” fazem parte da memória coletiva
dos trabalhadores e compõem o conhecimento acumulado no cotidiano
laboral.
A sistematização das informações coletadas teve como
referência o Anexo IV da Norma Regulamentadora 09 (Portaria 3.214/
1978), como já dito. Assim, foi possível recolher informações sobre
fatores de risco e sinais de adoecimento referidos pelos trabalhadores.
Dentre os agentes reunidos no primeiro grupo, definido como
riscos físicos (ruídos, vibrações, pressões anormais, temperaturas,
umidade e ventilação etc.), encontram-se os fatores que presentes no
ambiente de trabalho podem provocar danos à saúde quando
extrapolam limites de tolerância. São fatores que podem ser medidos
através de instrumentos objetivos, como fotômetros, fonômetros e
outros.
Questionados sobre como era o ambiente de trabalho, os
entrevistados foram unânimes em dizer que “[escuro] não é. Calorento,
sim”, outros foram ainda mais enfáticos ao relatar que “[até] porque o
ambiente de trabalho é muito desconfortável, desconfortável mesmo,
é quente; você sua, você perde calor, você se irrita fazendo o serviço,
porque no momento que você tá suado, você já perde a concentração,
e lá você só trabalha suado. É quente, super-quente” (depoimentos).
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O calor advém do uso da energia elétrica em alta voltagem
para garantir a composição química e liberação do alumínio, resultando
em altas temperaturas ambientais. O calor provoca a perda de líquidos
e altera a homeostase orgânica, e o risco de desidratação e
desfalecimento é elevado, por isso foi dito que “às vezes, o cara desmaia.
Já houve caso de pessoa desmaiar” (depoimento).
Os trabalhadores informaram ainda que o ruído é também outro
aspecto físico presente no ambiente de trabalho. As informações revelam
que “o ruído é um negócio que incomoda muito a gente. Barulho, se
bem, a gente usa o protetor, abafador, mas o ruído incomoda. Nem
sei, há dias que a gente se irrita. Não sei se é do barulho, se é mesmo
do processo” (depoimento). Mantido o controle pelo uso de protetores
auriculares, parece que o ruído é deslocado frente ao “calor”.
A este conjunto de fatores, os trabalhadores reclamam de
desidratação, sudorese intensa, câimbras, desfalecimentos, distúrbios
na pele, entre outros aspectos relacionados ao comportamento, como
irritabilidade.
O segundo grupo do Anexo IV reúne os fatores químicos,
entendidos como “substâncias, compostos ou produtos que podem
penetrar no organismo pelas vias respiratórias em forma de névoas,
fumos, gases, ou vapores; ou que pela natureza da atividade e exposição
possam ter contato ou ser absorvidas pelo organismo através da pele
ou por ingestão” (MIRANDA, 1998, p. 30). Os agentes químicos são
considerados, na literatura da saúde do trabalhador, como causadores
de doenças ocupacionais, em razão da exposição prolongada e da
natureza insidiosa da agressão ao organismo.
Segundo os entrevistados, as substâncias aparecem na forma
de vapores e líquidos. A identificação das substâncias e compostos
químicos presentes no ambiente de trabalho foi um exercício difícil
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Alumínio na Amazônia 2009
consiste na substituição do cálcio ósseo, por isso provoca lesões neste
sistema e tecidos associados, causando osteofluorose que compreende
a esclerose das articulações, tendões, dos ossos da região pélvica e da
coluna vertebral. Os principais sintomas da doença são: dor de cabeça,
dores reumáticas, insônia, estado de debilidade física, náuseas, diarréia,
resfriado, vômito, além de variação da pressão arterial (MÜLLERPLANTENBERG, s/d, p. 26).
Questionados sobre doenças do trabalho, sete deles incluíram
em suas narrativas questões relacionadas ao fluoreto, um deles alegou
“[já] ouvi falar bastante, inclusive teve gente que foi transferido de área
porque estava com fluorose, doença, doença provocada pelo flúor”
ou ainda “[rapaz], tem um vapor. Vapor, não. É um que eles chamam
fluoreto que existe mais é em salas de cubas. Quando houve um caso
desse no lingotamento, de excesso de fluoreto, todo mundo parece
que tem essa substância no corpo” (depoimentos). Corroborando com
estas preocupações, um entrevistado relembrou que, até 1993, não
usavam o EPI na área de lingotamento, alegando-se que “jamais havia
sido provado que a doença nesse setor de qualquer fábrica de alumínio”.
Consta na literatura que uma intoxicação aguda por fluoreto raramente
acontece no ambiente de trabalho, uma vez que sua liberação em
grandes quantidades produz um odor característico, sendo facilmente
identificável.
A presença de substâncias nocivas nos ambientes de trabalho
deve ser considerada um dos fatores de agravos à saúde. A inalação
de vapores ou fumos é a modalidade mais freqüente de adoecimento
(intoxicação aguda ou doença ocupacional). Este fato é potencializado
quando associado ao esforço físico (levantamento de peso, por exemplo), em razão da maior ventilação exigida dos pulmões. Embora a via
respiratória seja aquela de maior absorção de substâncias tóxicas,
devemos considerar também a pele e a via digestiva como possibilidades de contaminação.
Acerca destas substâncias, os trabalhadores reclamam também de queimaduras e dermatites de contato, assim como de partículas que penetram nos olhos e de “asma ocupacional” – o chamado
cansaço.
Os trabalhadores reconhecem que a empresa produz, também,
os insumos necessários à produção do alumínio (anodo é um produto
químico indicado por eles, por exemplo). No entanto, os componentes utilizados não são identificados pelos trabalhadores que alegam
desconhecer a totalidade das substâncias e seus componentes utilizados na produção do alumínio. Essas substâncias dificilmente serão reveladas pela empresa, em razão de que se trata da produção industrial
e, portanto, da competência e competição internacional de fabricação
de metais flexíveis utilizados na confecção de bens materiais de consumo: automotivos, embalagens, engenharia de construção etc.
Muitas substâncias químicas referidas pelos trabalhadores possuem limites de tolerância definidos pela legislação internacional e nacional, baseados em estudos prévios sobre a fisiopatologia das agressões sobre o organismo. Porém, cabe ressaltar que algumas citadas
pelos trabalhadores exigiriam estudos específicos, como é o caso do
manganês, causador de uma patologia denominada Parkinson
Los efectos de la exposición profesional a los fluoruros tardan
muchos años en manifestarse. Según los casos publicados,
incluso después de una exposición a concentraciones
extremas de fluoruro en el aire (que van de 20 mg/m³ a 9g/m³),
las primeras lesiones óseas detectables se produjeron
aproximadamente el cabo de 10 años (OMS, 1997, p. 99).
Nesse sentido, o risco de uma intoxicação crônica é bem mais
aceitável, porque a contaminação ambiental pelo fluoreto de alumínio
é aparentemente imperceptível. Dentre os trabalhadores com mais de
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mangânico e que pode ser potencializado pela exposição concomitante
com outras substâncias.
Diante da profusão de substâncias citadas pelos trabalhadores,
a estratégia, então, foi investigar os danos à saúde provocados por
duas substâncias químicas presentes na cadeia produtiva: o alumínio e
o flúor, na forma de fluoreto de alumínio.
Entre as doenças geradas pelo alumínio, estão as denominadas
pneumoconioses. Segundo Mendes (1980, p. 217), pneumoconioses
metálicas resultam reação pulmonar à deposição de alumínio inalado,
podendo variar o quadro clínico até a chamada asma ocupacional. No
levantamento bibliográfico sobre doenças provocadas pelo alumínio,
surgiram a referência a dois quadros consideradas de maior gravidade:
aluminose e a doença de Shaver. A primeira é determinada pelo alumínio
metálico e a segunda pelo óxido de alumínio ou corundum, segundo
Mendes (1980, p. 217). Essas duas já foram descritas na Alemanha
(1940), no Canadá (1947) e também no Brasil (1963).
A aluminose é uma doença crônica ocupacional provocada pela
inalação e fixação da poeira do alumínio no pulmão, que produz um
quadro progressivo e grave de fibrose pulmonar difusa. Reconhecida
em estudos comparativos envolvendo grupo de trabalhadores
(população exposta) e grupo de população não exposta, no entanto,
por não ter sido ainda intensamente estudada, acredita-se que o tempo
de exposição para o desenvolvimento varia de 2 a 20 anos, com
tendência a ser inferior a 10 anos na produção de corundum.
O Imparcial, jornal de circulação diária do estado do
Maranhão, estampou em suas páginas no dia 24 de janeiro de 1999,
uma matéria sobre um trabalhador da indústria de alumínio, de 51 anos
dos quais doze trabalhados na Alumar, que desenvolveu quadro
respiratório semelhante. Os sintomas descritos caracterizam doença
pulmonar restritiva tal como descrita na literatura sobre a aluminose,
não reconhecida como doença ocupacional. Demitido pela empresa e
a doença tem sido considerada como asma brônquica, de herança
familiar, que se acompanha de sinusite e resfriados.
Ao alumínio também é atribuída a capacidade de provocar
danos neurocomportamentais. Isto se deve à natureza neurotóxica desse
metal, e produz as encefalopatias tóxicas de origem exógenas. Segundo
Mendes (1995, p. 270), as manifestações neurotóxicas dependem de
dois aspectos principais: o tempo de exposição e o agente neurotóxico.
Os danos provocados pelo alumínio são classificados nas denominadas
encefalopatias tóxicas e podem ser agudas ou crônicas. Pelo menos
dois trabalhadores alegaram que:
Eu já senti coisas até piores. Eu cheguei com problema de
estressar, processo alérgico, ficar muito irritado, não ter
tolerância com nada. Eu já superei isso. Essa parte,
também, já melhorei mais um pouco, esse lado. Mas, esse
problema de esquecer, de não lembrar, de saber mais é da
tabela, que hora que vai trabalhar em tais fornos. Quer
dizer, a gente fica como se fosse num outro planeta, vivendo
mais o trabalho do que a vida, do jeito que deveria ser
feito. Isso é a gente sair da realidade e ficar mais no
cumprimento de um dever (depoimento).
A encefalopatia tóxica crônica caracteriza-se por efeitos sutis,
decorrentes do processo gradual de deterioração do sistema nervoso,
alterando a capacidade de raciocínio, memória, coordenação e demais
funções complexas do sistema nervoso.
A fluorose, um dos primeiros sinais de intoxicação por flúor e
seus compostos, caracteriza-se por manchas esbranquiçadas nos dentes
que passam despercebidas, em razão de que a instalação da fluorose
depende do tempo de exposição. Seu mecanismo fisiopatológico
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A luminosidade é um dos agentes comumente referidos pelos
trabalhadores. Causado pelo reflexo no metal da luz ambiente, provoca
ofuscamento resultando na contração prolongada da retina. É
responsável por lesões nas estruturas oculares e pelo surgimento de
doenças como a catarata, além de gerar irritabilidade e cefaléias. Os
trabalhadores comentam que “[durante] a noite, ele é de muita luz. Ela
reflete muito forte e é muito quente. Muito quente com muita luz. A luz
de cima” (depoimento). Cabe lembrar que dos 15 processos ajuizados,
segundo o Sindmetal, dois deles estavam associados à perda de visão.
Dentre os mais referidos agravos encontra-se a “queimadura”,
para eles “[é] quando você encosta em qualquer equipamento daquele,
você é queimado” (depoimento), em razão do “fogo de energia” e que
submete o trabalhador, também, aos “pequenos choques”. Em termos
de acidentes, como já observado nas comunicações, os membros
superiores e também inferiores são algumas das partes do corpo mais
atingidas. Outros agravos são revelados com o seguinte teor: “[quebrar]
dedo é quando os mecânicos. Aí, o camarada vai tirar qualquer peça
daquela, ele usa material inadequado aí acontece. Já aconteceu vários
colegas quebrar os dedos nesse tipo de trabalho” (depoimento).
Uma declaração que surpreendeu a equipe foi a de que se
trabalha “numa área pressurizada, tipo uma bomba”, e tal referência
foi expressa por vários entrevistados, Essa declaração sobre os riscos
como “pressão”, ou como uma “bomba” busca expressar a intensidade
das tensões vividas no ambiente de trabalho. A metáfora usada se
constitui num desabafo sobre condições e relações de trabalho,
confessado que “[e] outra coisa, o maior índice de, pra morrer mesmo
é no caso de prensar, ser prensado de máquina, por exemplo”
(depoimento).
10 anos de trabalho na operação, alguns alegaram que colegas
queixam-se de muitas dores de coluna e de cabeça, “fadiga no corpo”.
Um deles chegou a narrar que: “[eu] sinto muitas dores, dores todo
tempo. Eu estou ainda em tratamento com um reumatologista, que eu
estou sentindo disso aqui, oh, [dor] nos braços e no joelho dos dois
lados” (depoimento). A grande dificuldade dos trabalhadores é
conseguir comprovar que a doença ocupacional existe.
O grupo quatro relaciona os agentes designados como
ergonômicos, e que compreendem os equipamentos e esforços
realizados no desenvolvimento das tarefas. Neste, são considerados
fatores vinculados à organização (turnos, monotonia, repetitividade,
pressões, intensidade, conteúdo e controle sobre o trabalhador), aos
equipamentos e às atividades físicas de levantamento, transporte e
descarga de materiais associados ao trabalho. Aqui, a centralidade é
sobre a postura física, mudanças de níveis, deslocamento de pesos e
esforço físico excessivo.
O adoecimento provocado por estes fatores envolve
principalmente as lesões do sistema osteomuscular, conforme aparece
nas comunicações de acidentes de trabalho. Neste sentido, um
entrevistado esclareceu que os maiores acometimentos “são doenças
de coluna. É o que mais acontece, que a gente sobe e desce, pega
peso. O serviço braçal, o esforço físico é muito grande” (depoimento).
Associando-se a altura das pontes rolantes e a obrigação do
cumprimento das tarefas, os riscos são potencializados.
A caracterização das tarefas, ritmos e pausas revela pouca
margem de administração do trabalho, anulando a iniciativa e a
capacidade criativa do trabalhador. Apesar da referência ao
planejamento introduzido pela organização em sistema de qualidade
total, as tarefas e objetivos estão previamente definidos, cada vez mais
limitadas à monitoração de sistemas e manutenção de equipamentos.
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O ritmo do trabalho é muito forte, muito agitado, muito
acelerado. A pressão sobre o trabalho lá é muito grande, muito
grande. A pessoa é pressionada tanto, é fisicamente, o
desgaste é muito grande, como psicologicamente
(Depoimento).
Conjuga-se, desta forma, fadiga física e insatisfação no trabalho,
que associadas com outros aspectos resultam no que alguns autores
denominam de fadiga industrial. A denominada fadiga industrial,
segundo Oddone et al. (1986, p. 24) “incide profundamente sobre a
saúde psicofísica do trabalhador”, de maneira que esse é um dos grupos
que mais concentra comentários dos trabalhadores sobre situações
causadoras de estresse físico e/ou psíquico.
Cabe ressaltar que estão aí incluídas operações desenvolvidas
sempre da mesma forma e repetidas durante toda a jornada de trabalho,
caracterizando a monotonia, provocando distúrbios de ordem
psicológica – doenças inespecíficas de adaptação (ODDONE et
al., 1986, p. 39). Tais distúrbios acabam por gerar disfunções orgânicas,
principalmente doenças que se apresentam com “sintomas não
específicos”, tais como: alterações da atenção, distúrbios do humor,
irritabilidade, alterações no ritmo do sono, e outros, por exemplo: dor
de cabeça (cefaléia), taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos),
gastrite (azia) e distúrbios intestinais – colites.
Outros elementos relacionados à organização do trabalho
chamam a atenção quando se trata do sistema de controle sobre a
realização da tarefa pela empresa. Compreende, assim, o modelo de
gestão do trabalho13 adotado e das relações sociais hierarquizadas
que aí se desenvolvem para garantir a produtividade. É neste contexto
que o trabalho revela que:
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E, hoje, com o TPM (Manutenção de Produtividade Total), a gente tá
sendo, além de todo esse trabalho que é um pouco técnico, tem outro lado que
é com a introdução da TPM, a gente se torna também um zelador, porque a
gente faz a parte de mecânica. Aquele detalhe mínimo de mecânica, de elétrica e
faz a parte da limpeza total, chega a ponto de me dar pano pra limpar uma
estrutura de ferro, uma coisa assim (depoimento).
As novas propostas de organização do trabalho impõem, assim,
o acréscimo de atividades que descaracterizam a especialização do
ofício tão cara ao trabalhador, em razão da experiência e conhecimento
acumulados, e que conferem autoridade ao portador. Os novos métodos
de gestão introduzem novas atribuições aos trabalhadores, aliando
controle de tempo e tarefas (CORIAT, 1994).
As hierarquias e pressões, também, são incorporadas e os
trabalhadores explicitam essa situação explorando as figuras do “líder
de equipe” e do “supervisor”, dito da seguinte forma: “[o] que ele faz?
Ele é só pressionar, cobrar nós. A cobrança do nosso trabalho.
Mesmo quando num tá, a produção não saiu correta, alguém deixou
de fazer alguma coisa, neguinho cobra” (depoimento).
O quinto grupo reúne os agentes que provocam acidentes
vinculados à organização do ambiente, tais como: arranjo físico
inadequado, máquinas e equipamentos sem proteção, ferramentas
inadequadas ou defeituosas, iluminação inadequada, eletricidade,
probabilidade de incêndio ou explosão, armazenamento inadequado,
animais peçonhentos, entre outras situações de risco que poderão
contribuir para a ocorrência de acidentes.
13
Em 1993, a Alumar iniciou a implantação do sistema de gestão fundado sobre o princípio
da manutenção de produtividade total (TPM) e dos círculos de controle de qualidade
(CCQ). Segundo Castro (1977) as tensões do mercado mundial, o que inclui a competitividade,
têm influenciado a adoção de programas e inovações tecnológicas com padrão organizador
da rotina nas fábricas (p. 169).
103
Alumínio na Amazônia 2009
Referências Bibliográficas
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Ainda? Uma análise do processo de gestão do trabalho na indústria
do alumínio. Belém: UFPA, 1995.
Alumínio na Amazônia 2009
Como a crônica de uma morte anunciada, este comentário foi
feito antes do acidente de trabalho que vitimou um trabalhador, levandoo à morte. O acontecimento refletiu entre trabalhadores e
pesquisadores, emocionalmente sensibilizados. Além disso, a ausência
de informações sobre o acontecimento em órgãos públicos responsáveis
pela fiscalização de empresas desvelou o grau de dificuldades pelas
quais passam os trabalhadores para alcançar o reconhecimento de seus
direitos sociais.
Em resumo, os principais sintomas que os trabalhadores
reconhecem como principais fenômenos que os afetam são os casos
de “doença de coluna”, “questões de vista”, “cansaço”, “irritabilidade”,
“mudanças de humor”. Alguns revelaram conhecer sobre “problemas”
causados pelo chamado “fluoreto” e pelo “alumínio” e associaram ao
fato de que tinham colegas que haviam “acusado” nos exames
periódicos, que tiveram de “mudar de setor”.
Aqui, a compreensão da doença insere-se na mesma lógica
político-administrativa da ideologia da responsabilização, já que os
trabalhadores consideram que doenças ocupacionais “[são] doenças
que você adquire dentro do trabalho por descuido ou erro”
(depoimento). Segundo esta versão, as doenças são desenvolvidas
pelos trabalhadores, por causas que são inerentes ao organismo de
cada um, desviando da exposição ocorrida no ambiente de trabalho.
Assim, a empresa deixa de reconhecer os adoecimentos que atingem
aqueles que ali trabalham e o pagamento de direitos sociais à
coletividade.
CASTRO, Edna Maria Ramos de. Flexibilização e gestão do trabalho
em indústrias de alumínio na Amazônia In: COELHO, Maria Célia
Munes; COTA, Raymundo Garcia (orgs.). 10 anos da estrada de
ferro Carajás. Belém: NAEA/UFPA, 1997. p.165 a 182 ...-...
108
105
Alumínio na Amazônia 2009
Conclusões
Já se foi uma década desde a realização deste estudo. As
inquietações permanecem, assim como as expectativas de realização
de investigações que possam aprofundar as questões relativas aos
agravos à saúde dos trabalhadores na indústria do alumínio. Carecemos,
ainda, de um mergulho demorado, sistemático e intenso sobre as
situações de saúde dos trabalhadores, que permita dimensionar e
acompanhar a parte imersa do iceberg. Desde então, as mudanças nas
relações de trabalho, com a terceirização, por exemplo, e a implantação
de sistemas automatizados e grupos organizacionais são alguns dos
aspectos que podem motivar o desenvolvimento de novos estudos.
Antecipo que as inquietações resultam, também, das dificuldades
de intervenção sobre os processos de trabalho, a assistência e as
políticas de saúde voltadas para os trabalhadores a partir do
conhecimento produzido. Nos documentos analisados, os
pesquisadores se depararam com informações incompletas ou
preenchidas de maneira ilegível, aspectos que revelam atitudes de
descaso com a assistência à saúde de trabalhadores. As conseqüências
deste descaso despontam no chamado subregistro de acidentes e
doenças do trabalho, assim como no domínio do direito social, em
particular quando se trata de reconhecer direitos trabalhistas.
Cabe lembrar que o estudo sobre a saúde de trabalhadores
envolve agentes sociais que integram perspectivas de si mesmo
(identidade profissional) e estratégias familiares. Articulação que fomenta
a estimativa cotidiana dos riscos a correr no ambiente de trabalho.
Portanto, os riscos que se corre são considerados menores, já que
apenas o trabalhador é atingido, e não a sua família. Da urgência pelo
trabalho ao pacto com a ideologia da responsabilização, os
106
Alumínio na Amazônia 2009
trabalhadores vivem novos dilemas (exigências de qualificação) e
mantêm antigos problemas (contingente de reserva industrial de
trabalhadores, menosprezo pela representação sindical).
Ideologia fornecida pela concepção de risco e de fatores de
risco, compreendendo que se o trabalhador conhece as tarefas que
realiza, a ele cabe a responsabilidade de evitar os danos. A idéia de
risco atua aí como um mediador da gestão industrial e indicador de
“descuido” e “irresponsabilidade” do trabalhador. Assim, os pequenos
acidentes, ou “incidentes”, são menosprezados e isso vai de encontro
à política empresarial e do Estado quando mantêm um sistema de
indenização pelo dano ocorrido. Vive-se, desta forma, no prenúncio
do perigo das perdas (do emprego, da auto-estima, do vigor físico
etc.), cristalizado na metáfora da bomba utilizada pelos trabalhadores
para sintetizar a sua experiência social.
107
Alumínio na Amazônia 2009
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110
111
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
permanecem em solução. O precipitado de Al(OH)3 é calcinado
(aquecido fortemente), convertendo-se em Al2O3 purificado.
CADEIA PRODUTIVA DO ALUMÍNIO: PROCESSO INDUSTRIAL E FONTES DE POLUIÇÃO
Elio Lopes dos Santos1
1.1 Principais fontes de poluição
Resumo
As principais emissões, provenientes da produção da alumina,
são formadas por poluentes atmosféricos como materiais particulados
e vapores cáusticos. Os efluentes líquidos, assim como os resíduos
sólidos, também se destacam e merecem uma atenção especial em
relação a sua contenção e tratamento. As figuras abaixo destacam as
principais fontes de poluição desprovidas de sistema de controle de
poluentes, assim como aquelas providas de sistemas de controle, porém
com sérios problemas de operação e manutenção.
A cadeia produtiva do alumínio apresenta um elevado potencial poluidor com emissões constituídas primordialmente por material
particulado, gases ácidos e vapores alcalinos. Neste contexto a poluição do ar é a que mais afeta o meio ambiente e a saúde do trabalhador.
Entre as principais fontes emissoras de poluentes destacam-se as cubas eletrolíticas. O sistema de controle de poluição dessas unidades
utiliza numa primeira fase a própria alumina para adsorção do gás fluoreto, retendo numa segunda fase a alumina, (adsorvida com fluoreto
e compostos orgânicos) em filtros de tecido. Os poluentes recuperados são utilizados como matéria-prima no processo produtivo. Porém
existem falhas de operação e manutenção nestes sistemas de controle
de poluentes, assim como também existem nas várias fases de produção da alumina e do alumínio, onde diversas fontes de poluição desprovidas de equipamentos e sistemas de controle de poluentes colocam em risco o meio ambiente e a saúde do trabalhador.
Palavras-chave: alumina, alumínio, fluoreto, fontes de poluição,
poluentes, poluição, meio ambiente, saúde do trabalhador.
Figura 3 – A emissão de poeiras fugitivas provenientes da
armazenagem e operações de manuseio da bauxita faz parte da poluição
difusa, característica da inexistência do controle ambiental.
116
1
Mestre em Engenharia Urbana, Pós-Graduado em Engenharia de Controle de Poluição,
Químico, Engenheiro Industrial e de Segurança do Trabalho. Foi Gerente da Cetesb em
Cubatão, Assistente Técnico do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo e Consultor Ambiental do Ministério da Saúde.
Atualmente exerce as seguintes atividades: Assistente Técnico ad hoc do Ministério Público Estadual - SP e Ministério Público Federal, Professor da Faculdade de Engenharia
Química e Coordenador do curso de Engenharia de Segurança do Trabalho da Unisanta e
Consultor da ECEL Ambiental.
113
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
1 Processo de produção da alumina
ÁREA BRANCA
As principais fases de produção da alumina (matéria-prima para
produção do alumínio) são: armazenagem, transporte, moagem,
digestão, filtração, evaporação, precipitação e calcinação.
ÁREA VERMELHA
Bauxita
Armazenagem
de cal
Estocagem de
licor pobre de
soda cáustica
Decantação
Evaparação
Figura 2 – Diagrama de processo (área branca) de produção
da alumina
Filtração do
transbordo
Transferência de Iama
Figura 1 – Diagrama de processo (Área vermelha) de
produção de alumina
114
No processo Bayer, a primeira etapa é a purificação do minério
(bauxita), onde são removidas as impurezas (principalmente compostos
de ferro, silício e gálio) que poderiam afetar as propriedades do
produto. Adiciona-se NaOH ao minério, e como o alumínio é anfótero,
dissolve-se, formando aluminato de sódio. O SiO2 também se dissolve
na forma de íons silicato. Todos os rejeitos insolúveis, particularmente
óxido de ferro, são removidos da solução fortemente alcalina de
aluminato. Isso pode ser feito com borbulhamento de CO2 (óxido que
diminui o pH) ou então semeando a solução com Al2O3. Os íons silicato
115
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
2 Processo de produção do alumínio
A transformação da alumina em alumínio metálico recebe o nome
de redução, e se realiza em cubas eletrolíticas, em altas temperaturas
(960ºC), em banho de criolita fundida. O processo foi patenteado em
1886 por Hall-Héroult, onde ocorrem as reações de eletrólise:
2Al2O3 + 3C
Al2O3 + 3C
4 Al + 3 CO2
3CO + 2 Al
Figura 4 – Os sistemas de transporte e pontos de transferência
da bauxita (correia transportadora e elevadores de caneca) geralmente
são dotados de sistema de ventilação local exaustora e filtros de tecido.
Enclausuramento inadequado das correias transportadoras aéreas
permitem o arraste, pela ação dos ventos, de particulados finos para a
atmosfera.
Figura 10 – Cuba eletrolítica
Nesse processo a alumina Al2O3 é fundida, misturada com
criolita, Na3[AlF6], e eletrolisada num tanque de aço revestido de grafita,
que atua como cátodo. Os ânodos também são feitos de grafita. A
célula funciona continuamente, e a certos intervalos o alumínio fundido
(ponto de fusão 660°C) é removido do fundo da célula, adicionandose também novas quantidades de alumina.
Al(OH)3 + 3NaOH + 6HF
120
Na3[AlF6] + 6H2O
Figura 5 – A moagem da bauxita é realizada adicionando-se
uma mistura de solução de soda cáustica e cal.
117
Alumínio na Amazônia 2009
Figura 6 – A adição de soda cáustica e cal geram emissão de
vapores cáusticos através dos vent´s dos moinhos e conseqüentemente
um ambiente insalubre.
Figura 7 – A unidade de filtração da lama de bauxita, via de
regra desprovida de sistema de controle de poluentes, apresenta
emissões significativas de vapores cáusticos na atmosfera, pondo em
risco o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores.
118
Alumínio na Amazônia 2009
Figura 8 - A evaporação do licor cáustico, associada à
inexistência de sistema de controle de poluentes, acarreta emissões
atmosféricas em diversos pontos de armazenamento.
Figura 9 – O sistema de filtração de lama da bauxita, além de
apresentar emissão significativa de vapores cáusticos, gera resíduos
sólidos alcalinos. As operações de carregamento de caminhões e
transferência dos resíduos geram efluentes líquidos contaminados. A
fase mais crítica da contaminação ambiental ocorre no percurso entre
a unidade de filtração e o local de disposição dos resíduos. A ausência
de sistema de contenção de efluentes, aliada aos procedimentos
operacionais de lavagem do piso da unidade tem potencial para poluir
o solo, águas superficiais e subterrâneas.
119
Alumínio na Amazônia 2009
Figura 11 – Emissão de material particulado: tem início no poço
de recebimento de insumos básicos (pixe e coque). Esses sistemas
normalmente são providos de sistema de ventilação local exaustora e
equipamentos de controle de poluentes (filtros de tecido). O arraste
de material particulado para a atmosfera ocorre pela ação dos ventos,
devido à ausência de uma porta (enclausuramento) na entrada do poço
de descarga
Alumínio na Amazônia 2009
A criolita melhora a condutividade elétrica da célula, pois o
Al2O3 não é um bom condutor de eletricidade. Além disso, a criolita é
uma impureza adicionada que reduz o ponto de fusão da mistura a
cerca de 960°C. No ânodo formam-se vários produtos, incluindo O2,
CO2 e F2, compostos de carbono e flúor. Eles provocam desgaste do
ânodo, que deve ser substituído periodicamente. Os traços de flúor
formados provocam séria corrosão. Nas primeiras semanas depois de
se colocar em operação uma célula recém revestida, o eletrólito é
rapidamente absorvido no revestimento e no isolamento, com a
absorção preferencial marcada da parcela em alto teor de sódio, o
que tende a tornar a razão NaF/AlF3 inferior ao nível desejado.
Compensa-se esta perda pela adição de material alcalino, por exemplo,
barrilha:
3Na2CO3 + 4AlF3
2(3NaF.AlF3) + Al2O3 + 3CO2
Depois das primeiras semanas de operação das cubas, ocorre
uma perda de AlF3 mediante a volatilização dos compostos ricos em
AlF3 e também em virtude da reação com a soda cáustica residual na
alumina, na hidrólise do ar ou nos materiais adicionados:
3Na2O + 4AlF3
3H2O + 2 AlF3
Figura 12 – Forno de cozimento de coque com detalhe da
emissão de poluentes orgânicos e inorgânicos gerados pelo refluxo
das câmaras
124
2(3NaF.AlF3) + Al2O3
Al2O3 + 6HF
Para manter a composição desejada, as perdas são
compensadas mediante adição periódica de AlF3 ao eletrólito. A
pequena quantidade de cal normalmente presente na alumina é suficiente
para manter a concentração desejada de fluorita durante a reação.
121
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Os fluoretos volatilizados e os fluoretos de hidrogênio são
coletados, juntamente com outros gases liberados nas células, por
sistema de ventilação local exaustora e encaminhados para uma central
de tratamento e recuperação de gases.
seqüência um processo de cozimento a altas temperaturas, para adquirir
as propriedades apropriadas ao processo eletrolítico.
2.1 Principais insumos básicos
2.1.1 Fluoreto de alumínio (AlF3)
A eletrólise da alumina é realizada em meio a um banho de sais
fundidos, ou eletrólitos, constituídos basicamente de fluoretos de sódio
e alumínio. No início de funcionamento, o constituinte principal do banho
é a criolita (NaF3.AlF6), mas, durante a operação das cubas, a
composição química do eletrólito sofre variações que necessitam ser
permanentemente ajustadas, para manter as condições adequadas ao
processo eletrolítico. Este ajuste é feito pela adição programada de
fluoreto de alumínio, pó de aspecto esbranquiçado.
2.1.3 Piche (C)
O piche eletrolítico, obtido a partir da destilação do alcatrão
de carvão mineral, é utilizado na fabricação de ânodos como
aglomerante das partículas de coque. O produto tem que atender a
especificações rígidas para a indústria do alumínio, sendo fornecido na
forma líquida ou na forma sólida, o chamado piche “pencil”.
2.1.4 Óleo pesado
Normalmente são utilizados óleos, BPF, ou Tipo A, nos fornos
de cozimento. Esse óleo serve como combustível para queima e geração
do calor necessário para produzir anodos cozidos com as propriedades
especiais exigidas pelo processo eletrolítico, dentre elas, elevadas a
resistência mecânica e a baixa resistividade elétrica.
2.1.2 Coque de petróleo (C)
2.2 Principais fontes de poluição
Via de regra a indústria de alumínio dispõe de instalações
completas para fabricação do anodo. Este produto, obtido pela
calcinação do chamado coque verde originado nas refinarias de petróleo,
tem o aspecto de carvão granulado e é recebido a granel. Após
beneficiamento na Fábrica de Anodos Verdes, para ajuste na distribuição
granulométrica, o coque é então misturado a certa quantidade de piche
eletrolítico, de função aglomerante. Passa, a seguir, por um processo
de moldagem para constituir o bloco de anodo verde, que sofrerá na
122
Essas unidades de apoio, assim como as unidades de eletrólise,
apresentam diversas fontes de poluição ambiental, que colocam em
risco a saúde dos trabalhadores, conforme descritos nas figuras
seguintes:
123
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
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Parecer técnico sobre a cadeia produtiva do alumínio. Produto
OPAS/OMS. Brasília, 2005.
Figura 13 – As emissões de compostos orgânicos voláteis são
geradas durante as operações do pré-aquecimento do agregado. Nesta
fase a indústria controla as emissões no próprio processo produtivo
utilizando alumina na adsorção. Trata-se de uma operação de alto risco,
onde se mistura particulados com gases, potencializando a toxicidade
dessa mistura de poluentes (material particulado + fluoreto + orgânicos)
SHREVE, R. N; BRINK JR., J. A. Indústrias de processos
químicos. 4. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill; Editora Guanabara
Koogan S. A., 1977.
Figura 14 – À direita, em primeiro plano, observa-se detalhe
do sistema de ventilação local exaustora e filtros de tecido da unidade
de pré-aquecimento de agregado. Nesse sistema, a alumina adsorvida
128
125
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
com compostos orgânicos voláteis é estocada em silos e, a seguir,
misturada com o produto da britagem de crosta (limpeza dos anôdos
usados com alumina fresca). Essa mistura de resíduos constituída de
material particulado adsorvido com fluoreto e poluentes orgânicos
retorna por caminhão para as unidades de redução. Essas operações
envolvendo o carregamento, transporte e descarregamento, geram
emissões atmosféricas e são as principais fontes de poluição ambiental,
disseminando poluentes altamente tóxicos nas áreas internas e externas
à indústria de alumínio.
Figura 15 – Central de tratamento e recuperação de gases.
Utiliza alumina para adsorver os fluoretos volatilizados e os fluoretos
de hidrogênio, juntamente com outros gases liberados nas células. Essa
tecnologia é bastante eficiente na recuperação desses gases. Porém,
os pequenos vazamentos em conexões juntas e equipamentos do
sistema, permitem uma perda desses poluentes (alumina adsorvida com
fluoreto e outros gases). A ação dos ventos se encarrega de espalhar
os poluentes por toda área da indústria de alumínio, colocando em
risco o meio ambiente e a saúde do trabalhador.
126
3 Conclusão
Excetuando as fontes de poluição desprovidas de controle de
poluentes, supracitadas, as quais representam um risco direto ao meio
ambiente e à saúde dos trabalhadores, de uma maneira geral as
indústrias de alumínio, são dotadas de equipamentos e sistemas de
controle de poluentes para as fontes emissoras de material particulado
que garantem uma eficiência de até 99% na retenção de material
particulado. Todavia, essa eficiência pontual da emissão primária, passa
a ser ameaçada pelas emissões secundárias, representadas pela
ausência e/ou procedimentos errôneos de operação e manutenção.
Devido à tecnologia de controle da indústria de alumínio, utilizar a
própria alumina como fluido de adsorção para recuperação dos gases
de fluoreto, pequenos vazamentos dessa fração de material particulado
inalável (alumina), adsorvida com gases tóxicos (fluoreto e compostos
orgânicos), representam um efeito aditivo na ação tóxica, pois além da
ação mecânica e irritativa das partículas inaláveis, ocorre um efeito
tóxico e inflamatório da mucosa respiratória pela ação dos gases tóxicos,
o que representa uma grande ameaça ao meio ambiente e à saúde do
trabalhador.
Neste contexto, o monitoramento das emissões primárias de
poluentes passa a ser uma ferramenta importante de fiscalização e deve
ser realizada através de sistema “on-line” em tempo real com a agência
de controle ambiental, única forma de se manter a regularidade dos
padrões de emissão.
Para as fontes de poluição secundárias e difusas, representadas
por diversos pequenos vazamentos, faz-se necessário um rígido
programa de operação e manutenção preventiva e corretiva dos
equipamentos e sistemas de controle de poluentes, assim como dos
equipamentos do processo de produção.
127
Alumínio na Amazônia 2009
de ferro, manganês, níquel, cromo, estanho, caulim e ouro) além de
imenso potencial hidrelétrico, podendo gerar até um quarto na energia
brasileira. O Pará é o maior exportador mundial de ferro, produz mais
de 80% da bauxita do país e ostenta o primeiro lugar no ranking mundial
de produção de alumina.
Mesmo assim, parece que a Amazônia está fadada ao
subdesenvolvimento, a sermos mera província exportadora de minérios
e energia, sem nos beneficiarmos com a riqueza, que é transferida para
outras regiões brasileiras e países do outro lado do mundo.
Vários são os exemplos dessa realidade. Citamos os processos
da celulose e do caulim do Projeto Jarí e do manganês do Amapá,
com a Icomi. Os primeiros já passam de 20 anos de história, e o segundo
acabou em menos de 50 anos. A bauxita (minério do alumínio), do rio
Trombetas tem quase 25 anos.
A verticalização é a saída? Temos condições de participar do
processo e fazer realidade o sonho da verticalização da produção no
Pará. O mesmo necessita de discussão ampla entre sociedade
organizada, governos e empresas. Desta forma, poderemos ver
apontando na mesma direção, as linhas comprovativas do crescimento
das indústrias e da qualidade de vida que hoje estão em direções
opostas.
Alumínio na Amazônia 2009
III PARTE
Movimentos sociais, saúde do trabalhador, meio ambiente e
política
O brilho do alumínio do Pará
A descoberta de reservas de 600 milhões de toneladas de
bauxita de ótima qualidade próximas ao rio Trombetas, município de
Oriximiná, em 1967, deu início à implantação e consolidação do ciclo
do alumínio no Pará. A cadeia de produção de alumínio totalmente
paraense foi um dos principais fatores para o Brasil sair da condição
de importador para exportador de alumínio primário para o mundo.
132
129
Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
CADEIA PRODUTIVA DE ALUMÍNIO NA AMAZÔNIA:
IMPACTOS AMBIENTAIS, SOCIAIS E A PELEJA SINDICAL
Manoel Maria de Morais Paiva1
A despeito do tão amplamente propagado desenvolvimento do
Pará, pesquisas revelam o crescente empobrecimento da população
não só do estado como de toda a região Norte. Por outro lado, estudos
de cientistas econômicos revelam que a região Norte é uma das mais
pobres do país, superando, em muito, o Nordeste.
Segundo economistas do Instituto Nacional de Altos Estudos
(INAE), e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em
1997, 42% da população do Norte eram compostos por pessoas que
não possuíam renda familiar per capita suficiente para o atendimento
de suas necessidades básicas. No Nordeste este número era de 31%,
no Sudeste 15%, Centro-Oeste 9% e no Sul 8%.
As causas que levam a estes números desanimadores são muitas
e complexas. Mas estes números são sentidos na pele pelos
trabalhadores paraenses. O que não se consegue entender, e muito
menos aceitar, ao nos depararmos nos meios de comunicação com
informações que mostram o Pará abrigando grandes indústrias, de
visibilidade internacional, que batem recordes de produção, aumentam
as exportações e consolidam expansões.
Os números dos estudos também revelam as riquezas naturais
do estado, marcadas por imensas reservas minerais (bauxita, minério
1
Engenheiro ambiental – Universidade do Estado do Pará (UEPA) e ex-presidente do
Sindicato dos Químicos de Barcarena, PA.
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ações que não vão ao fundo da questão do subdesenvolvimento
regional. Não passam de maquiagem rasa sobre as chagas.
Reformas e construção de postos de saúde, escolas, pontes,
asfalto, quadra de esportes são obras que estão sendo feitas,
principalmente pela Albras, mas que no conjunto final, não trazem o
benefício esperado. Com a expansão das duas fábricas, para que
tivessem direito a juros menores no financiamento do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as empresas se
comprometeram a fazer investimentos na área social.
A propaganda feita em cima de tais investimentos sociais é muito
maior que os benefícios reais para a comunidade, e não chegam a
modificar a situação em que vivem as pessoas ao redor do projeto. A
Albras divulga um investimento social, desde 1985, de US$18 milhões,
mas que não são identificáveis nas condições de vida da população.
Além disso, o discurso da responsabilidade social não é aplicado com
a mesma veemência quando se trata da relação com os empregados,
responsáveis direto pelo crescimento das empresas.
Aí as perdas só são comparáveis ao crescimento industrial,
numa relação inversa. Enquanto aumentou sua produção em mais de
240 mil toneladas ano, a Albras passou de cerca de 3.200 empregados
no início da operação para os atuais 1.336. O salário base de um
operador na partida da fábrica equivalia a 10 salários mínimos, o que
hoje não chega a seis. Sem contar a perda do poder de aquisição do
próprio salário mínimo nos últimos anos. A Alunorte já começou a
operar com o mínimo de pessoal possível, e ao passar da Albras para
a nova fábrica, os trabalhadores já saíam perdendo.
Atualmente as perdas mais sentidas pelos trabalhadores são: a
moradia, antes cedida sem ônus para o trabalhador, vale transporte
(ônibus e barco), medicamentos, assistência médica, escola, clube de
Em 1972 a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), então
estatal, foi convocada pelo governo para revitalizar a Mineração Rio
do Norte (MRN), empresa que faria a extração do minério e estava
com as obras paralizadas. O envolvimento da Vale despertou o interesse
dos japoneses, seus tradicionais parceiros comerciais. Em 1976 os
governos brasileiro e japonês se comprometeram a cooperar na
construção no Pará de um complexo para a produção de alumínio.
Depois de vários estudos o município de Barcarena, a 30km
em linha reta da capital Belém, foi escolhido para a implantação das
indústrias de produção da bauxita e do alumínio. Entre os fatores
favoráveis, podemos enumerar: características de solo (topografia
plana), energia elétrica suficiente fornecida pela Hidrelétrica de Tucuruí,
sistema viário, porto de Vila do Conde com capacidade para atender
navios de até 60.000 toneladas, em seus 250 metros de extensão e
profundidade de 17 metros, disponibilidade de mão-de-obra barata, e
área com baixa densidade de ocupação.
Outros elementos contribuíram como a pequena distância de
um grande centro urbano, a relativa proximidade das fontes de seus
principais insumos. Deve-se ressaltar ainda a ausência de políticas
ambientais no estado. Desta forma não ocorre o monitoramento dos
rejeitos das fábricas até hoje. Nem há orçamento para investimento
em pesquisa, que vise o reaproveitamento dos resíduos gerados pelas
indústrias. Atualmente os resíduos são enterrados em solos a céu aberto.
Assim, em 1985, entrou em operação a Alumínio Brasileiro S.
A. (Albras) com capacidade instalada de produção inicial de 160 mil
toneladas de alumínio primário. Dez anos depois, foi inaugurada a
Alumina do Norte do Brasil S. A. (Alunorte), para fornecimento da
matéria-prima da Albras. Consolida-se assim o ciclo do alumínio no
Pará. A bauxita extraída pela MRN é utilizada pela Alunorte, que entrega
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a Albras a alumina, que dá origem ao alumínio primário exportado
para o Japão e a Europa, ficando apenas uma parte para o consumo
interno.
O investimento público tornou-se crucial para a consolidação
do ciclo do alumínio da Amazônia. O mesmo se deu via incentivos
fiscais. Até hoje o Governo Federal subsidia a energia elétrica consumida
pela Albras. A fábrica paga a menor tarifa do país. Hoje as três indústrias
estão em expansão. Com a recente inauguração de sua terceira fase, a
Albras tem capacidade instalada de produção de 410 mil toneladas
anuais de alumínio, 250 mil a mais que a projeção inicial.
Assim se firma como a maior da América do Sul. A Alunorte,
com capacidade inicial prevista para 1 milhão e 100 mil toneladas de
alumina por ano. 4,2 milhões de toneladas é a meta estimada para
2007, o que tornará a fábrica a maior produtora de alumina do
continente.
A MRN segue a mesma trilha. A previsão para 2006 é uma
quantidade superior a 16,3 milhões de toneladas, “provavelmente a
maior produção mundial em uma única mina”, segundo o jornalista
Lúcio Flávio Pinto. As três empresas já operam com lucros líquidos.
concedido por 20 anos para a Albras e a Alumar (Maranhão). Até o
final do contrato deve alcançar o equivalente a cinco bilhões de dólares.
O mesmo valor de reposição de duas fábricas de alumínio inteiramente
novas.
“AAlbras pagou US$ 18 por megawatt/hora que a Eletronorte
gera em Tucuruí com um custo de US$ 72, durante o contrato do
primeiro subsídio. Essa diferença de tarifas é coberta pelo Tesouro
Nacional, ou seja, o contribuinte brasileiro. O valor do subsídio dado
a Albras corresponde a dez anos de receita de ICMS, principal fonte
de tributos do Estado. Não há como negar o investimento público.
Sendo também um investimento privado, o lucro é seu objetivo, mas
“este lucro, por sua origem e antecedentes, deve ser mediado pela
função social e discutido com a sociedade que o avalizou e suportoulhe o peso”, lembra o jornalista Lúcio Flávio.
Investimento público – incentivos fiscais e energia elétrica
Entre as três grandes empresas do ciclo do alumínio no Pará, a
Albras é a de maior visibilidade, não só pelo tamanho da fábrica, como
pelo investimento público que ela comporta. A empresa é um consórcio
da CVRD (51%) com a Nippon Amazon Aluminium Co. Ltda. (NAAC)
(49%).
O investimento foi de US$1,4 bilhões, direto dos acionistas.
Mas quase US$ 2 bilhões de dinheiro público estão na empresa sob
várias formas, sendo a principal o subsídio energético. O subsídio foi
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Impactos sociais e ambientais da indústria do alumínio
em Barcarena
Os números que atestam a pobreza do Estado e da região
Norte são visíveis ao se observar a forma de vida da população
diretamente atingida pela indústria do alumínio em Barcarena. O
crescimento industrial definitivamente, não se traduziu em melhoria da
qualidade de vida da população que vive no entorno do grande projeto.
Nem sequer aos trabalhadores das duas empresas em Barcarena.
Há nesta constatação vários fatores que devem ser levados em
consideração. A arrecadação do município, que ultrapassa R$ 1 milhão
mensais, nestes quase 17 anos de pólo industrial do alumínio, não tem
sido revertida para o bem-estar da população. O poder público também
não executou sua parte na história. A responsabilidade social que as
empresas fazem questão de alardear aos quatro cantos, não passa de
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na época R$1,00, de cada trabalhador sem nenhuma explicação para
adquirir cotas de ações da companhia. Pulverizou essas cotas pagando
de forma diferenciada por região.
recreação, transporte escolar e creche eram fornecidos pela empresa.
Hoje em dia os trabalhadores estão obrigados a contribuir com
percentagens. A perda também se dá no adicional de insalubridade
(40%) e adicional por tempo de serviço (anuênio de 1% por ano); pais
e filhos acima de 18 anos ficaram fora do plano de saúde, entre tantas
perdas.
O grande bordão dessa modalidade de projeto reside na
geração de emprego, renda, melhoria da qualidade de vida da
população. No entanto a realidade em Barcarena desnuda um quadro
diferente. Os bolsões de pobreza circulam a cidade. Ao se anunciar
empreendimento dessa magnitude, sempre ocorre o processo de
migração. Milhares de pessoas de outras cidades e estados chegam
ao município em busca de um emprego nas grandes indústrias ou nas
empresas terceirizadas.
Não sabem que mesmo esposas e filhos dos trabalhadores não
têm onde empregar sua força produtiva. Esta situação contribui para o
aumento da violência, proliferação de ocupações habitacionais e
desmatamentos. Os impactos sociais acabam também favorecendo
impactos ambientais.
O golpe
A privatização da Vale foi marcada pela falta ou a manipulação
da informação em diferentes níveis. No caso dos empregados da
companhia ocorreu o desconhecimento do edital de privatização, que
segundo informações, contempla em uma cláusula o percentual da
transação a serem distribuídas em ações e o valor de cada cota.
Qual o número de cotas e o valor total que cada trabalhador
teria direito pelo pagamento de um real? Algum tempo depois
conhecemos que para a CVRD existe diferença de valores para um
real. Ela realmente ela foi doce para os trabalhadores do Rio de Janeiro,
onde com um real, receberam 1000 cotas. Mostrou-se salobra para
os trabalhadores de Minas Gerais, Espírito Santo e Carajás, onde com
um real receberam 626 cotas. E revelou-se salgada para os
trabalhadores de Barcarena, que com o mesmo um real só receberam
313 cotas. Pior para Pará Pigmentos e Mineração Rio do Norte que
nada receberam.
Ocorre interrogar: por que a diferença entre as regiões?
Em 2004 o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Químicas do Município de Barcarena, PA, juntou-se ao Metabase de
Carajás e Ferroviários do Espírito Santo, para juntos reivindicarem
suas diferenças na distribuição das cotas, já que todos pagaram o mesmo
valor.
Os representantes das outras categorias já haviam pedido
explicações a Investvale, que foi a operadora autorizada pela Comissão
de Valores Mobiliários (CVM), órgão do Governo Federal, e que até
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Verticalização da produção como melhor alternativa de
desenvolvimento da região
Deixar de ser mero exportador de produtos semiindustrializados (quando muito), para agregar maior valor à sua
produção é a solução para o estado do Pará sair da condição em que
se encontra e passar a se beneficiar de suas riquezas. A verticalização
da produção é um sonho dos paraenses que tem de sair do onírico e
do discurso de políticos em vésperas de eleição para se tornar
realidade.
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O próprio Jório Dauster, quando ainda presidente da CVRD
disse que o Pará, pela abundância de recursos naturais que dispõe, de
solo, subsolo, floresta e água “tem tudo para ser a mais rica unidade da
federação”. Para a utopia se tornar realidade a participação da
sociedade é fundamental na busca de um equilíbrio do tripé formado
com as empresas e governo.
O ciclo do alumínio está consolidado no Pará, mas não podemos
nos conformar com o limite do produto industrial primário, na forma
de lingote de alumínio da Albras. A mineração do alumínio no Pará está
chegando a 25 anos de história, mas não tem trazido os benefícios
para os paraenses. Esta característica se repete com o ferro, com história
um pouco mais nova, mas com avanço ainda menor.
O Pará é o segundo maior produtor mineral do país e continua
a ser quase zero em siderurgia, tendo apenas três usinas de ferro-gusa
em seu território. Minério não dá duas safras, lembra o jornalista Lúcio
Flávio Pinto. “Uma vez exauridos os depósitos de interesse comercial,
acabou a história”. E já acabou para o manganês do Amapá, em menos
de 50 anos. A mina de ouro do igarapé Bahia, em Carajás, está
chegando ao fim não passando dos 15 anos. O minério de ferro e o
manganês de Carajás estão chegando aos 20 anos e a bauxita do rio
Trombetas já tem um quarto de século.
No balanço entre o que estará acabando e o que se iniciará, o
saldo será positivo por algumas décadas. Mas o Estado deve dar
conseqüência prática e inteligente a esta extração, senão ficaremos
apenas com os buracos, não apenas no solo.
Os grandes projetos na Amazônia são concebidos e executados
para atrair as riquezas do subsolo e colocá-las no mercado internacional.
Além do exemplo do ferro, pode-se citar o caulim, com três fábricas
(uma no Jari e duas em Barcarena) no estado, que está prestes a se
tornar o terceiro produtor mundial de caulim e não tem uma única fábrica
de papel.
A sociedade, organizada em sindicatos, cooperativas e
associações, pode chamar o governo e empresas para a discussão da
verticalização, para que deixe de ser apenas mais um ponto no discurso
de políticos em busca de votos e passe a fazer deste estado, o mais
rico do Brasil, não apenas nas teorias dos números de estudos e
pesquisas, mas na vida de cada paraense.
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CVRD privatizada: breve histórico sobre a situação dos
trabalhadores
A garantia de pagamento de casa, água, luz, telefone,
medicamentos, transporte, ônibus escolar, assistência médica, ticket
alimentação, além de bons salariais, deram forma ao pacote de gentileza
das fábricas Albras/Alunorte. A tática era atrair mão-de-obra barata
dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão e
de outras regiões do Pará.
Em 1997 com a privatização da CVRD a nova diretoria põe
fim ao pacote de benefícios. A partir da privatização a empresa começa
a repassar os custos aos trabalhadores. A decisão se deu de forma
unilateral, sem a participação dos trabalhadores e das comunidades
envolvidas nos projetos.
Vale ressaltar que houve mobilizações em vários estados do
país contrários ao processo de privatização da empresa. Fato que foi
questionado na Justiça e agora toma novo fôlego e mobiliza várias
entidades nos estados onde a CVRD possui projeto. Através de várias
ações na Justiça o processo pode ser revisto.
Ainda sobre a privatização um fato chama a atenção. Para
desmobilizar as manifestações contra a privatização, a CVRD cobrou
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dos Ferroviários do Espírito Santo foi firmada. Uma equipe analisa os
documentos coletados no Rio de Janeiro. A meta seguinte será entrar
com o processo.
agora não se pronunciou. Em Barcarena são mais de 800 trabalhadores,
entre Albras e Alunorte que foram discriminados, lesados, enganados
quando receberam pagando o mesmo valor por inferior número de
cotas.
Apesar das reivindicações até hoje nenhum dos órgãos
envolvidos se pronunciou. Entre eles a CVRD, a Investvale, a CVM e
o BNDES. Temos esperança que com a reabertura da CPI da
privatização da Vale, possamos rever nossos direitos sendo visto de
forma igualitária, bem como possamos rever os benefícios como direitos
adquiridos.
Os trabalhadores da MRN, que extrai a bauxita, a Alunorte
que produz a alumina, e a Albras que produz o alumínio, estão dispostos
a brigar para ver seus direitos serem respeitados. O comportamento
adotado pela CVRD, após a privatização, tem refletido negativamente
na vida dos trabalhadores. Não podemos mais aceitar que o capital
internacional capitaneado por empresas como a CVRD não respeitem
as leis do nosso país.
A tomada do sindicato pela empresa
Além de privatizada a antes Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD), uma referência ao local de origem, - o vale mineiro -, tratou
de enxugar o nome. Agora apenas Vale e adotou uma nova logomarca.
A empresa privatizada sob o manto de inúmeras nuvens de atitudes
suspeitas se espraia para além da fronteira nacional.
Em solo pátrio agenda e já desenvolve inúmeros projetos de
ampliação da produção de alumínio, como a exploração de minas no
município de Paragominas, nordeste do Pará, com vistas a garantir a
política de aumento da produção de suas fábricas no município de
Barcarena.
Para a garantia da energia necessária para a ampliação da
produção fez um projeto de uma usina termoelétrica na mesma cidade.
O município que já teve as praias consideradas impróprias para uso
por conta de diversos acidentes ambientais, pode ter dias piores ainda,
posto a enorme capacidade de poluição de tal modelo de usina.
No município de Canaã dos Carajás a empresa desenvolve
exploração de cobre, já no município de Marabá deseja erguer uma
siderúrgica. As duas cidades ficam no sudeste do Pará, onde se encontra
a província mineral de Carajás. A ferrovia que liga a mina ao porto em
São Luís, capital do Maranhão, encontra-se em fase de duplicação.
Ainda no Maranhão deseja-se erguer uma termoelétrica e uma fábrica
de produção de pelotes.
Como se nota, a companhia se encontra em franca expansão.
Ao longo dos 10 anos de atuação, o Sindicato dos Químicos se
144
Todos temem o DRAGÃO
Há quem diga que a CVRD é maior que o Pará. Entre os
tentáculos de seu poder o marketing tem papel estratégico. Cogita-se
que a mesma, após o estado, seja um dos principais anunciantes da
mídia na região. Possui grande habilidade em transformar ações
modestas em colossais.
Qualquer doação destinada a reformas de prédios, construção
de obras em universidades, repasse a organizações filantrópicas, ganha
dimensões faraônicas. Com tal poder, torna-se batalha árdua conseguir
pautar qualquer tipo de passivo ambiental ou social nas áreas de atuação
da mesma, ou mesmo estabelecer um discurso contra-hegemônico. O
trem passa e a “galera” diz amém.
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A partir de 1998, quando surge o Sindicato dos Químicos de
Barcarena, algumas feridas foram abertas e mexidas contrariando o
discurso das empresas instaladas em Barcarena. Entre as denúncias
constam: indiferença às leis, pagamento extra de demissões para
trabalhadores doentes, os chamados Planos de Demissão Indicados
(PDI) (“sopão”). Tal prática foi adotada pelo médico da empresa
Albras, baseado em resultados de exames periódicos dos
trabalhadores.
O sindicato denunciou tal ação. Entre os desdobramentos
ocorreu a criação de uma associação para defender os direitos dos
trabalhadores seqüelados. Não bastassem as agressões aos
trabalhadores diretos e indiretos (terceirizados), as empresas em
Barcarena criaram um cartel que as representa para se omitirem em
caso de contaminações. Como por exemplo, a contaminação por
fuligem em Vila do Conde, que por incompetência dos órgãos de
fiscalização e investigação, até agora segue sem apuração.
Acreditamos ser possível uma mudança nesse modelo sindical,
que se curva diante de empresas subsidiadas pelo capital internacional
para oprimir trabalhadores nos países bases para seus investimentos e
enriquecimento. Não concordamos com o modelo de desenvolvimento
dito sustentável, que na verdade sustenta somente o capital, às custas
da desgraça dos trabalhadores e das comunidades próximas aos
projetos.
do trabalho. Fenômeno da relação entre capital e trabalho que engendra
a terceirização. Uma ferramenta para que o capital possa faturar mais
através de redução de custos.
No mesmo período veio a automação, responsável pelo fim de
inúmeros postos de trabalho em diversos setores. O posto de trabalho
passa a ser palavra de ordem das entidades dos trabalhadores. Em
detrimento de conquistas salariais, redução de jornada de trabalho,
alimentação e garantias de saúde. Neste solo todo tipo de assédio
floresce.
O desafio para o sindicato torna-se ainda maior pelo fato do
empregador ser uma das maiores mineradoras do mundo. Se antes o
debate era com o Estado, a peleja tornou-se mais árdua com a
privatização. Como caminhar sem se vender? A saída foi integrar redes
e fóruns na Amazônia e fora dela. Hoje o Sindicato dos Químicos é
referência dentro e fora da região sobre o debate do setor de alumínio.
No período em que o sindicato teve um caráter combativo o
embate residiu na garantia de uma agenda política e salarial. Como a
ajuda dos(as) trabalhadores(as) a sede própria foi erguida. O sindicato
saiu de uma sala para uma casa que conta com auditório com
capacidade para 250 pessoas, com arena esportiva e sala de inclusão
digital.
Uma associação com a Central Sindical Alemã (DGB)
possibilitou a construção da sede própria. Não só com o recurso dos
operários alemães, mas, antes de qualquer coisa, com a contribuição e
confiança dos associados. Um outro ponto de avanço foi a garantia do
ticket refeição, bem como o turno francês.
Através da assessoria jurídica o Sindicato dos Químicos buscou
rever as perdas no processo de venda das cotas da empresa junto a
Investvale. Os passos já foram dados e uma parceria com o Sindicato
Pequena retrospectiva sobre o Sindicato dos Químicos
de Barcarena
O Sindicato dos Químicos de Barcarena possui apenas 10 anos
de vida. Veio ao mundo justo no processo de fragilidade dos
trabalhadores ante o capital. Momento conhecido pela precarização
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Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Rede de Justiça Ambiental,
Fórum de Militantes em Saúde do Trabalhador.
A ADRVDT-CPA estima em número de 130 as pessoas
vitimadas no processo de produção no complexo de alumínio nas
fábricas de Barcarena. Boa parte do contingente é filiado à associação.
A princípio, a avaliação da associação é que os trabalhadores estão
abandonados pela CVRD.
O gargalo na luta dos vitimados no processo de produção do
alumínio, reside em conseguir comprovar que as doenças de coluna,
mentais, bursite, esclerose, intoxicações, entre outras, foram provocadas
pelo contato por conta do processo da transformação do metal.
configurou com um dos atores de publicização dos passivos sociais e
ambientais da cadeia do alumínio dentro e fora do país, através da
participação em várias redes. Com vistas a neutralizar a ação da
entidade a Alunorte teve papel preponderante na eleição ocorrida em
maio de 2007. A empresa se empenhou em formar chapa de oposição
e emprestar seu staff de comunicação.
A eleição foi vencida ainda graças à política de assédio no interior
da fábrica. E ganhou ares de caso de polícia com ameaça de capangas
da chapa da empresa, fato registrado na delegacia do município. Agora
os dois sindicatos estão sob a tutela da Vale, o dos Metalúgicos que
abriga os funcionários da Albras, há muito um leão de circo, e agora o
dos Químicos, tomado à força do dinheiro, do “muque” e do assédio.
Dias melhores virão?
Sobre as empresas
A Albras e a Alunorte integram o consórcio de produção de
indústrias de alumínio da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), junto
ao capital japonês. Funciona desde 1985 na cidade de Barcarena, a
30 quilômetros de Belém. A primeira empresa produz alumínio, e a
segunda alumina.
O empreendimento integrou o Programa Grande Carajás,
cunhado no regime militar, como projeto de desenvolvimento para a
região de Carajás, sudeste do Pará. A matéria-prima para a produção
da alumina, a bauxita, vem do município de Oriximiná, oeste do estado.
Mão-de-obra abundante e barata, matéria-prima, e energia,
muita energia subsidiada, o principal insumo na produção do alumínio,
contaram a favor para a implantação das fábricas na Amazônia. O
processo de transformação da alumina em alumínio é considerado um
dos mais poluentes.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
LINHAS SOBRE A ASSOCIAÇÃO DOS VITIMADOS DAS
FÁBRICAS DE ALUMÍNIO DE BARCARENA, PARÁ: SAÚDE E MEIO
A via crucis residia na ansiedade de tentar rever o processo
do PDI, buscar uma forma de encaminhar benefícios ou aposentadoria,
posto o impedimento ao trabalho, ou mesmo a ausência de possibilidade
de recolocação no mercado. Situação provocada por questão de idade
avançada, e agravada com o quadro de saúde.
É a partir de tal contexto que surge a Associação em Defesa
dos Reclamantes e Vitimados por Doença do Trabalho na Cadeia
Produtiva do Alumínio no Estado do Pará (ADRVDT). A organização
legal da associação se deu em setembro do ano de 2003.
Reinaldo Damasceno22
Rogério Almeida23
Sobre a ADRVDT
A baía do Guajará separa o município de Barcarena da capital
do Pará, Belém. A busca por uma racionalidade radical, na ambição
incessante do produzir mais, numa menor margem de tempo, e com
menos custo; separa a direção das empresas Albras e Alunorte, dos
trabalhadores por elas demitidos.
No coração da exploração, o local de trabalho, no ano de
1992, as empresas criaram uma política denominada Plano de Demissão
Indicada (PDI). A mesma serviu para que as empresas descartassem
os operários com registro de doenças.
Além dos direitos garantidos pela legislação, as empresas
abonaram os trabalhadores com recursos a mais. Outros PDI são
registrados nos anos de 1997 e 1999.
No desenrolar dos fatos, os operários demitidos malograram
em suas tentativas de comerciantes e similares. Sem emprego, recurso
financeiro e com a saúde abalada, os operários passaram a procurar o
Sindicato dos Químicos de Barcarena.
1
Reinaldo Damasceno é coordenador geral da Associação em Defesa dos Reclamantes e
Vitimados por Doenças do Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio no Estado do Pará
(ADRVDT-CPA). Fone (91) 8123 3972, e-mail: [email protected]. Av. Cônego Batista
Campos, Qd. 377, Lt. 04, CEP: 68.447-000, Vila dos Cabanos, Barcarena, Pará.
2
Rogério Almeida é colaborador da Rede Fórum Carajás, mestre em Planejamento pelo
NAEA, da Universidade Federal do Pará (UFPA).
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A missão da ADRVDT
Produzir uma amostra do desrespeito aos direitos dos
trabalhadores acidentados, diagnosticar os casos de doenças
relacionadas ao trabalho, bem como articular a atenção aos adoecidos
em decorrência de condições insalubres nas fábricas da cadeia
produtiva do alumínio (Albras e Alunorte), estão entre os motivadores
da criação da associação.
Constam como missões da ADRVDT: a)investigar omissões
no encaminhamento de casos à Previdência Social; b) tratar de
“acordos” firmados com trabalhadores afastados da empresa por longo
período, e após passarem por reabilitação e posterior demissão; c)
buscar reparação dos danos físicos, mentais e sociais decorrentes dos
diversos males ocasionados pela exposição continuada a agentes físicos
e químicos no ambiente de trabalho.
A delicada situação dos trabalhadores e vitimados da cadeia
do alumínio no Pará, tem colocado a ADRVDT na articulação de vários
fóruns e redes de organização da Amazônia, nacional e internacional.
Entre eles, o Fórum Carajás – rede de entidades sociais que
acompanham os impactos sociais e ambientais da Ferrovia de Carajás,
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Há 10 anos desempregado, Ariovaldo Oliveira, 44, vive hoje
com a ajuda de familiares. Fala que perdeu tudo que tinha. Trabalhou
na Albras por quatro anos. Tem um sério problema na coluna que o
dificulta até mesmo de um simples movimento de virar a cabeça quando
alguém o chama.
Muitos desses trabalhadores afastados das fábricas, receberam
além de direitos trabalhistas, uma espécie de bônus. Reinaldo
Damasceno, aposentado por doença, coordenador da ADRVDT,
explica que a situação é de desamparo total, pelas empresas e pelos
órgãos públicos. Conta que a rotina desses ex-funcionários é transitar
entre hospitais, INSS e corredores da Justiça.
Ações: Seminário de Belém, um passo histórico
Ainda que os abalos na saúde dos(as) trabalhadores(as) fossem
assunto no debate do Sindicato dos Químicos, a questão ganha uma
outra dimensão com a ADRVDT-CPA. É a partir da demanda dos
trabalhadores com seqüelas, que buscam no sindicato um
encaminhamento de suas questões, que nasce a associação.
A realização do seminário para debater o assunto no ano de
2004, configura um marco no debate sobre a questão. Com o nome
de Os impactos na saúde dos(as) trabalhadores(as) provocados
pela cadeia produtiva do alumínio, foi realizado entre os dias 11 e
12 de novembro, no Hotel Equatorial, centro de Belém.
Entre as autoridades científicas estiveram presentes: Dr.
Hermano Albuquerque Castro, da Escola Nacional em Saúde Pública
(ENSP), médico do trabalho e doutor em saúde pública (FIOCRUZ),
Dr. Elio Lopes, consultor Ministério da Saúde, Ednalva Neves, doutora
e professora da Universidade Federal do Maranhão, entre outros.
O encontro foi possível graças à articulação com os fóruns em
que a ADRVDT participa, bem como apoio de pessoas e instituições
municipais, estaduais e federais. O evento teve apoio da Secretaria de
Saúde de Belém, através da Casa de Saúde do Trabalhador (CASAT),
da Secretaria de Saúde do Estado e do Ministério da Saúde.
O seminário possibilitou o aprofundamento do debate com base
científica. E ainda, que se ouvisse os depoimentos de trabalhadores
em situações de saúde debilitada. Sobre a questão ambiental, ocorreram
relatos de emissão de poluição no ar, como uma fuligem negra, e
resíduos nos igarapés de Barcarena, como no caso do rio Murucupi.
Sobre o aspecto de poluição, foram inúmeros os depoimentos que
ratificaram a ocorrência.
O poder público não fiscaliza
O poder público não exerce nenhum tipo de vigilância sobre as
empresas nas áreas de saúde do trabalhador e meio ambiente. A questão
foi um consenso durante as várias mesas com especialistas em saúde
do trabalhador e meio ambiente. Entre eles Hermano Castro, técnico
da Fiocruz, Rio de Janeiro, que vem acompanhando vários casos de
saúde dos trabalhadores.
A ausência de controle perpassa por várias esferas. Uma delas
é falta de pessoal técnico qualificado para aferir os impactos ambientais
e na saúde dos trabalhadores das fábricas. Passando por artimanhas
das empresas, como a terceirização de setores para buscar isenção de
determinados impactos, e mesmo cooptação de técnicos de órgãos
públicos, denuncia a ADRVDT.
Perplexidade
Apesar dos dois maiores jornais da cidade enviarem seus
jornalistas à abertura do encontro, nenhuma linha sobre o assunto foi
152
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Alumínio na Amazônia 2009
Entre os desdobramentos indicados no final do seminário
constou a produção da presente publicação. Um outro ponto recai em
encaminhar denúncias a diversas esferas do poder público.
O seminário teve o caráter de aglutinar os trabalhadores doentes.
Possibilitou ainda uma inserção na mídia local e nacional. Inclusive com
uma entrevista do coordenador da associação, Reinaldo Damasceno,
na Rádio Nacional de Brasília e espaço em páginas na rede mundial de
computadores (Justiça Ambiental, Grupo de Trabalho Amazônico e
Coalizão Rios Vivos).
Enquanto o seminário ocorria, dois ex-funcionários das fábricas
estavam num hospital de Belém passando por tratamento. Sendo que
um perdeu a visão total, e o segundo necessita de transplante de rim e
coração.
AADRVDT está empenhada na organização da Rede Nacional
de Atenção Integrada em Saúde do Trabalhador (RENAST) no Pará.
A ação é desenvolvida com o apoio do Centro de Referência em Saúde
do Trabalhador – Núcleo de Referência Metropolitana em Saúde do
Trabalhador, órgão municipal de Belém. AADRVDT integrou a oficina
de planejamento da RENAST da Amazônia Legal (novembro de 2004).
Sobreviventes - depoimentos
Aos 44 anos, Raimundo de Jesus, quatro deles trabalhando no
setor de redução da Albras, entre os anos de 1989 a 1993, anda hoje
amparado por duas muletas e recursos ortopédicos na cintura e perna
direita. Padece de esclerose múltipla e é aposentado pelo INSS por
invalidez.
Conforme depoimento, já andou em tudo que é hospital, pois
sofre de fortes dores de cabeça e tem desmaios. O ex-funcionário da
Albras conta que entre as muitas falhas no processo dele, há o de
apesar de aposentado no ano de 1996, na carteira, só foi desligado da
empresa em 1999, uma diferença de três anos.
Pedro Santos, 36, demitido em 1995, ex-funcionário da redução
da Albras, sofreu um grave acidente na fábrica. Segundo ele, por conta
de excesso de trabalho. Tratava-se de fase de implantação, os operários
eram exigidos ao máximo. A fábrica funcionava como casa. Ninguém
se retirava da área. No acidente fraturou a perna esquerda. Já sofreu
duas operações. Reclama de amnésia, dores de cabeça, problema na
arcada dentária. Avalia que é por conta da contaminação com o
alumínio. O diagnóstico é que a contaminação ocorreu por conta do
contato com flúor (fluorose do esqueleto). É intenso o uso do flúor no
setor de redução.
No aspecto técnico e jurídico, o caso dele tem três versões.
Na cópia de documento timbrado da fábrica, consta como acidente
grave no interior da mesma; o que obrigaria a empresa a enviar
documento de registro de acidente ao INSS comunicando o caso.
Segundo ele não foi feito. Na carteira de trabalho, o caso tem outra
versão, e no INSS uma terceira. Segundo ele não possui 40% da função
motora da perna esquerda.
Impactos sociais e ambientais
40 famílias estão sem fonte de renda em Barcarena. Elas tinham
no rio Murucupi a sua fonte de proteína e renda, o qual foi poluído por
resíduos das fábricas Albras e Alunorte, o que foi denunciado pelo
Sindicato dos Químicos de Barcarena nos anos de 2004 e 2005.
Representantes expuseram que a Secretaria de Meio Ambiente do
Estado (Sema) nunca concluiu o laudo das amostras de água coletadas.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
publicada em ambos. No segundo jornal em circulação do Estado, ao
invés de notícias sobre o encontro, uma página inteira sobre os
estrondosos números de investimento e faturamento da Vale, que, a
cada dia se internacionaliza mais, com desenhos de projetos para
Moçambique, Austrália, e em consórcio com a China, no setor de
siderurgia em São Luís, Maranhão.
Entre os investimentos na região, consta a ampliação da
capacidade da Alunorte. Estimado em US$ 44 milhões, os recursos
tornarão a empresa a maior do mundo no setor até 2006. A inauguração
da ampliação ocorreu em março de 2006. São várias as estratégias da
Vale para não ter a sua imagem maculada.
Sob a auréola da responsabilidade social, distribui recursos a
entidades assistencialistas, prefeituras, banca reformas em prédios
públicos de todas as esferas do governo, mesmo universidades.
FORT COM. GRÁFICA E EDITORA
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Este livro foi composto na fonte Time News Roman, corpo 12 x 16
impresso em papel Offset 75g/m2, capa em papel cartão supremo 250g.
pela FORT COM. GRÁFICA E EDITORA End.: Rua Castro Alves, 510 - Retiro
Natal - São Luís Maranhão - CEP: 65025-230- Fone/Fax: (98) 3222-7139
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Nexo causal - o gargalo da luta
O Sindicato dos Químicos e a ADRVDT, denunciam, que
através de uma política conhecida como Plano de Demissão Indicada
(PDI), as empresas conseguiram se livrar do quadro técnico onde foi
diagnosticado problemas de saúde. A política consistia de uma espécie
de abono. O abono era uma quantia incluída além dos direitos
estabelecidos no processo da demissão. Conforme depoimentos, ocorre
que se deu a desgraça.
Os demitidos sem conhecimento para o empreendedorismo, e
muitas com a saúde profundamente debilitada, tiveram as suas famílias
destruídas. Relatos durante o seminário atestam o fato.
Com o fim das indenizações, falidos, ou simplesmente sem
dinheiro, ex-funcionários foram abandonados por seus pares. Com a
saúde agravada, muitos contam com a ajuda de parentes. Conforme a
ADRDVT, há registros de caso de suicídio.
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Alumínio na Amazônia 2009
Alumínio na Amazônia 2009
Como já pontuado acima, há casos de transtornos mentais,
esclerose, cegueira, asma entre os demitidos. Ocorre que devido às
artimanhas das empresas, e à frágil fiscalização, não se consegue
estabelecer o nexo causal. Ou seja, comprovar que as enfermidades
que acometem os trabalhadores demitidos, e muitos os que estão nas
fábricas, são provenientes do processo de produção do alumínio.
Com a ausência da ficha de registro das fábricas, limita-se o
encaminhamento de medidas junto aos órgãos públicos. Com isso, se
emperra qualquer denúncia junto ao Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), Delegacia Regional do Trabalho (DRT), e outros. E assim, as
empresas seguem a colecionar certificações de todos os tipos. E, a
inundar a capital com outdoors (e outras mídias) festivos. Não raro,
com a estampa de gente uniformizada, a exibir um riso largo.
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