Plantas do Cerrado comumente utilizadas - Galileu

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Plantas do Cerrado comumente utilizadas - Galileu
VIABILIDADE DE CONSERVAÇÃO DOS
REMANESCENTES DE CERRADO DO ESTADO DE
SÃO PAULO
(PROJETO 98/05251-0)
ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS : TIPOLOGIA DOS
AGRICULTORES E ADEQUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA
CONSERVAÇÃO DOS REMANESCENTES DE CERRADO DE
DOMÍNIO PRIVADO NO ESTADO DE SÃO PAULO
Maristela Simões do Carmo
Valeria Comitre
Agosto de 2002
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1
2. CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS DOS REMANESCENTES DO CERRADO EM
SÃO PAULO......................................................................................................................... 3
3. METODOLOGIA........................................................................................................... 6
3.1
Área de Estudo .....................................................................................................................................7
3.2
Pesquisa de Campo...............................................................................................................................7
3.3
Tipologia dos Agricultores...................................................................................................................8
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................... 9
4.1
Pesquisa de Campo: Caracterização das Áreas e dos Agricultores do Entorno das Manchas
Selecionadas......................................................................................................................................................9
4.1.1
A Palavra das Lideranças............................................................................................................9
4.1.2
Os Agricultores Respondem ......................................................................................................13
4.2
Tipologia dos Agricultores.................................................................................................................17
4.2.1
Tipo1: Produtor de Leite ...........................................................................................................18
4.2.2
Tipo 2: Pequeno a Médio Pecuarista ........................................................................................18
4.2.3
Tipo 3: Agricultor Diversificado ...............................................................................................19
4.2.4
Tipo 4: Agricultor Exclusivamente Familiar ...........................................................................20
4.2.5
Tipo 5: Pecuarista Capitalizado................................................................................................21
4.2.6
Tipo 6: Grande Pecuaristas e Criador de Cavalos ..................................................................21
5. CONCLUSÕES ............................................................................................................ 24
5.1
Pesquisa de Campo: Estudo Exploratório do Entorno Social e Econômico dos Remanescentes
Particulares de Cerrado do Estado de São Paulo........................................................................................24
5.2
Uso Sustentável e Conservação das Áreas Particulares Remanescentes de Cerrado no Estado de
São Paulo ........................................................................................................................................................25
5.3
Agricultores–Tipo e as Políticas Públicas.........................................................................................27
5.4
Proposta Metodológica de Trabalho com Vistas a um Programa de Conservação dos
Remanescentes Particulares de Cerrado do Estado de São Paulo .............................................................29
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 30
ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS : TIPOLOGIA DOS AGRICULTORES E
ADEQUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONSERVAÇÃO DOS
REMANESCENTES DE CERRADO DE DOMÍNIO PRIVADO NO ESTADO DE
SÃO PAULO1
Maristela Simões do Carmo2
Valeria Comitre3
1. Introdução
Os cerrados paulistas, e também brasileiros4, vêm sendo gradativamente devastados
devido a uma política voltada apenas ao aumento da produção e produtividade de culturas
agroindustriais de grandes mercados, resultando em poucos e dispersos estudos sobre sua
dinâmica regenerativa e manejo auto sustentáveis.
As espécies vegetais e animais presentes nos remanescentes de cerrado no Estado
de São Paulo deveriam ser objetos de estudo que visassem usos econômicos e que
estimulassem os agricultores à uma exploração racional e sustentável. Assim, por meio de
incentivos econômicos os proprietários desses remanescentes contribuiriam à conservação
dos fragmentos de cerrado.
Uma característica importante desses remanescentes, no entanto, é a situação
espacial pulverizada em que se encontram, trazendo dificuldades na viabilização de uma
exploração comercial. Os fragmentos estão diminuindo em área, o que obstaculiza a
exploração racional de essências nativas pela pequena escala, impedindo um volume de
produção/extração que justifique uma atividade econômica rentável5.
Ademais, a literatura sobre a tecnologia extrativa/produtiva das espécies de cerrado
com potencial de exploração econômica é escassa. Existem poucas informações sobre a
biologia, utilização agronômica e florestal dessas espécies, e menos ainda, estudos de
avaliação econômica e mercadológica, que possam subsidiar um manejo ou um cultivo
mais eficiente e racional para os produtos com potencial econômico.
1
Este trabalho é parte da pesquisa temática “A Viabilidade da Conservação dos Remanescentes de Cerrado no Estado de
São Paulo”, financiado pelo Programa Biota da FAPESP e coordenado pela Profa Dra Marisa Dantas Bitencourt do
Instituto de Biociências da USP.
2
Engenheira Agrônoma, Profa Adjunta da FCA/UNESP - Botucatu e Profa Colaboradora do Programa de Pós-Graduação
da FEAGRI/UNICAMP, Área de Concentração Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável (e-mail:
[email protected])
3
Administradora, Doutora em Planejamento de Sistemas Energéticos, Bolsista FCA/UNESP/CNPq (e-mail:
[email protected])
4
A importância do domínio do ecossistema cerrado no Brasil, é inquestionável. Ela só é menor, quando comparada em
área, com a Floresta Amazônica. No cerrado se concentram um terço da biodiversidade nacional e 5% da flora e da fauna
do mundo (http://www.atech.br/agenda21.as/bsb.htm, acesso em 11/04/2000)
5
Diferentemente da Região Centro-Oeste e do Estado de Minas Gerais, São Paulo não apresenta extensas áreas contínuas
de cerrado que possibilitem uma exploração extrativista de média a grande proporções. Naqueles Estados podem ser
encontradas famílias de trabalhadores rurais, ou ainda pequenos proprietários familiares, que procuram alternativas para
sua sobrevivência explorando a vegetação do cerrado, em terras de grandes proprietários, em terras do Estado, ou ainda
em suas próprias terras.
A abordagem sócio-econômica mais disseminada na literatura sobre esse
ecossistema é a agropecuária de cerrado, na linha de estudos e avaliações tecnológicas e
econômicas sobre a opção de se desenvolver sistemas produtivos nos cerrados brasileiros.
O potencial produtivo desse bioma é exaltado em vários trabalhos6, tendo em vista a
grande extensão desse ecossistema no país, e as técnicas, atualmente disponíveis, de
correção desses solos. A idéia é, portanto, a ocupação dos cerrados enquanto fronteira
agrícola para a produção de grãos e carne bovina7. Parte das áreas desses cerrados foi, e
continua sendo, objeto de Programas Governamentais de incentivo à produção
agropecuária8.
Poucos trabalhos tratam da exploração da vegetação do cerrado de forma
extrativista sustentável. POZO (1997), estudando a dinâmica extrativista do pequi
(Caryocar brasiliense) no cerrado do norte de Minas Gerais, procurou uma alternativa
sócio-econômica para a exploração desse bioma sem destruí-lo. Buscou também
compreender a dinâmica social e econômica do sistema extrativista dessa espécie que
pudesse embasar ações voltadas ao desenvolvimento sustentável daquela região.
O pequi é um alimento muito nutritivo, com concentrações elevadas de vitaminas,
gorduras e proteínas. Ele é um reforço na alimentação das famílias pobres do norte de
Minas, e de outros estados com grandes áreas de cerrado. É também uma importante fonte
de renda, sendo processado em pequenas indústrias que retiram do fruto subprodutos como
licor, óleos, doces, bálsamo e remédios, temperos e sabão. O autor identificou ainda a
cadeia de comercialização do pequi, partindo dos coletores do fruto até os consumidores
finais, calculando, inclusive, as margens de comercialização entre os diferentes elos da
cadeia.
Outro trabalho com enfoque econômico e social é de GOMES (1998) que trata do
extrativismo e comercialização da fava d’anta, uma espécie utilizada nas indústrias
farmacêuticas e de cosméticos. Também realizada no norte de Minas Gerais, a pesquisa
ressalta que a rutina, um dos princípios ativos da planta, oriunda dessa região é exportada
para 18 países e abastece 50% do mercado mundial, sendo que mais de 50% do preço final
obtido nessa extração é apropriado pelo atacadista regional. Também concluiu que esse
sistema de exploração deverá permanecer por muito tempo, pois propostas de manejo
racional e políticas de investimentos em plantas de cerrado com potencial econômico, não
fazem parte da preocupação das autoridades locais, e nem nacionais, embora o setor à
jusante da cadeia extrativa esteja bem consolidado, com 95% de produção entregue ao
mercado externo. Embora o negócio chegue a movimentar US$ 12 milhões, nem uma
pequena parte deste valor volta à região de onde foi extraída a fava d’anta.
De acordo com GOMES (1998:2), no cerrado encontram-se “...centenas de espécies
de plantas potencialmente úteis e viáveis para exploração econômica: alimentícias,
6
Ver entre outros CUNHA (coord.), 1993; SHIKI et al., 1997.
A situação dos cerrados brasileiros é bastante crítica, uma vez que a visão de fronteira agrícola coloca esse bioma em
risco permanente, face a necessidade de aumentar a produção de carne e de grãos-commodities, como se fossem apenas
estas as potencialidades dessas áreas.
8
Dentre estes destaca-se o POLOCENTRO (1975) que procurava estimular a abertura de extensas áreas de cerrado,
beneficiando principalmente grandes e médias propriedades. KLINK; MACEDO & MUELLER (1995), apontam
indicadores importantes para mostrar a elevação do padrão tecnológico na exploração do cerrado, como por exemplo, a
elevação do estoque de tratores agrícolas de 12.282 unidades, em 1970, para 94.345, em 1985. Outro programa
governamental importante é o PRODECER - Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos
Cerrados (PÉRET, 1997). Visa estabelecer, com a ajuda da JICA - Japan International Cooperation Agency, o
agribusiness nas áreas de vegetação de cerrado no centro-oeste do Brasil, principalmente para o “café do cerrado” e
grãos. No entanto, segundo o autor, o custo social desse “agribusiness de cerrado” é alto, porque elimina, para as
populações rurais carentes, as áreas de extrativismo e criação extensiva de gado, além da extração de lenha, frutos e
várias plantas medicinais, simbolizada pela figura do raizeiro (a), em estreita relação com a vegetação na transmissão de
conhecimentos populares das propriedades das espécies utilizadas como remédios.
7
2
oleaginosas, fibrosas, forrageiras, frutíferas muito apreciadas, como pequi (Caryocar
brasiliense Camb.), araticum (Annona crassiflora Mart.), araçá (Psidium sp.), mangaba
(Hancornia speciosa Gomez), murici (Byrsonisa verbascifolia Rich.), coco buriti
(Mauritia vinifera Mart.), macaúba (Acrocomia aculeata Mart.) e centenas de espécies
medicinais, das quais as populações locais fazem uso e que contêm elevado potencial de
cura das mais variadas doenças, dezenas delas já sendo extraídas em larga escala para
suprir a demanda de laboratórios farmacêuticos internacionais, como é o caso da fava
d’anta (Dimorphandra sp.)”.
A relação entre as pessoas e o meio ambiente, e a utilização que fazem dos recursos
encontrados, têm sido há alguns anos, objeto da mídia internacional9, e também de
pesquisas nas universidades brasileiras. O interesse dos alunos em programas de pósgraduação, nas três universidades estaduais paulistas, pode ser observado pelo aumento do
número de teses e dissertações com enfoque na compreensão do conhecimento que culturas
nativas e tradicionais empregam no seu cotidiano para se alimentarem e curarem doenças10.
Os cerrados paulistas encontram-se em pior situação em relação aos dos outros
Estados brasileiros11, uma vez que, os impactos ambientais e sociais da revolução verde
foram muito mais profundos neste Estado. É por isso que, além da política de implantação
de áreas de proteção e reservas pelo poder público, é mister pesquisar e atuar no que resta
desse bioma em terras particulares, trazendo suporte às ações políticas do governo paulista,
não apenas no que tange ao ambiente, mas também aos aspectos sociais e econômicos, que
possam incentivar a permanência e mesmo o aumento em área desses remanescentes.
Os principais objetivos desta pesquisa foram obter uma caracterização do entorno
social e econômico dos remanescentes de cerrado em terras de particulares no Estado de
São Paulo e estabelecer uma tipologia dos agricultores que vivem nas faixas limítrofes dos
fragmentos e manchas dos cerrados paulistas que possibilite detectar a diferenciação sócioeconômica existente entre eles. Por meio dessa tipologia pretendeu-se mostrar que os
proprietários desses remanescentes possuem características e estruturas sócio-produtivas
que os diferenciam, e portanto, por serem desiguais não podem ter os mesmos tratamentos
quando do estabelecimento de políticas preservacionistas12.
Complementarmente elaborou-se um conjunto de ações/propostas como parte de
Políticas Públicas para São Paulo, com a finalidade de estimular a permanência, e quem
sabe o aumento, das manchas de cerrado nas propriedades rurais. E por fim, como um
objetivo mais abrangente, estabeleceu-se passos de uma proposta metodológica de
abordagem da população rural que vive nesses entornos, e que possam ser utilizados na
efetivação de um Programa Geral que incentive a preservação dos remanescentes
particulares e estanque a sua devastação em todo o Estado.
2. Características Espaciais dos Remanescentes do Cerrado em São
Paulo
A fronteira agrícola no Estado de São Paulo já se esgotou há duas décadas atrás, e
este fato o torna bastante diferente de outras regiões do país, uma vez que não é possível a
9
Ver Revista TIME INTERNATIONAL, 1991.
Entre elas encontram-se MAGALHÃES, 1997; BORN, 2000; SILVA, 2001, GONÇALVES, 2002.
11
Este projeto talvez seja uma das iniciativas recentes mais importantes dirigidas à preservação dos cerrados de domínio
privado que restam em São Paulo.
12
A hipótese básica trabalhada foi que os fragmentos de cerrado recebem pressões diferenciadas conforme a situação em
que se encontram. Essa situação é função da história de ocupação da região, da distribuição fundiária, e das
características sócio-econômicas da população do entorno.
10
3
substituição de uma cultura a não ser que se subtraia terras de outras, ou então se promova
o desmatamento das poucas reservas florestais, públicas ou particulares, ainda existentes.
As áreas que sobraram de cerrado, após o esgotamento dessa fronteira, acabaram
por configurar um mosaico de poucas, e na sua maioria, pequenas manchas (Figura 1). Essa
conformação coloca problemas de exploração extrativista e de preservação diferentes
daqueles enfrentados nos Estados do centro-oeste, nos quais ainda existem grandes áreas
contínuas com a vegetação típica de cerrado.
Figura 1. Regiões Administrativas do Estado de São Paulo e Zonas Indicadas para
Conservação dos Remanescentes do Cerrado. Detalhe: Área Amostral desta Pesquisa.
Fonte: Projeto Biota/FAPESP no 98/05251-0, São Paulo, 1997.
Para o Estado de São Paulo a dispersão dos remanescentes de cerrado é tal que
dificulta, ou mesmo, não propicia condições exploratórias econômicas. As manchas,
espacialmente distribuídas de forma descontínua, encontram-se muito fragmentadas e em
diferentes propriedades o que, na maioria dos casos, implica na não existência de área
4
mínima que possibilite uma atividade de extração/manejo de espécies que seja
economicamente viável13.
O que resta de vegetação natural em São Paulo, mata, cerradão e cerrado está
distribuído nos municípios agrupados em Escritórios de Desenvolvimento Regional
(EDR’s), divisão adotada no Levantamento de Estatísticas Agrícolas (LUPA) da Secretaria
da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAASP) 14.
Somando-se o que resta de cerradão e cerrado obtém-se em nove das quarenta
EDR’s, áreas totais acima de 20.000 hectares. Nesses totais estão incluídas aquelas de
domínio privado e as preservadas pelo Estado. Agregando-se todos os fragmentos, o total
desse bioma em terras paulistas não atinge 500 mil hectares (tabela 1).
13
Por outro lado, muito pouco se preservou, neste Estado, de hábitos alimentares utilizando os produtos do cerrado, fato
que pode ser percebido pela pouca literatura existente sobre o assunto, e que também pôde ser verificado em
levantamento de campo efetuado durante esta pesquisa.
14
As áreas que compõem essa variável no LUPA são: mata natural, capoeira, cerrado, cerradão, campos e similares.
Segundo o Manual de Instruções de Campo do levantamento “A mata natural refere-se a florestas ainda intocadas pelo
homem, bem como aquelas em adiantado grau de regeneração. A capoeira refere-se ao tipo de vegetação que representa a
fase inicial de regeneração de uma mata natural. Cerrado/cerradão refere-se a esse tipo próprio de vegetação e suas
variações, como é o caso de campo limpo e campo sujo” (PROJETO LUPA, 1995: 16).
5
Tabela 1. Área da Cobertura Florestal, por Escritório de Desenvolvimento Regional,
Estado de São Paulo, 2000.
EDRs
Andradina
Araçatuba
Araraquara
Assis
Avaré
Barretos
Bauru
Botucatu
Bragança Paulista
Campinas
Catanduva
Dracena
Fernandópolis
Franca
General Salgado
Guaratinguetá
Itapetininga
Itapeva
Jaboticabal
Jales
Jaú
Limeira
Lins
Marília
Moji das Cruzes
Mogi Mirim
Orlândia
Ourinhos
Pindamonhangaba
Piracicaba
Presidente Prudente
Presidente Venceslau
Registro
Ribeirão Preto
São João da Boa Vista
São José do Rio Preto
São Paulo
Sorocaba
Tupã
Votuporanga
Estado
Mata Natural
(ha)
24.209
12.003
30.663
18.750
50.086
16.958
26.459
31.038
37.164
18.434
12.359
7.279
12.090
25.630
21.468
88.848
84.400
169.974
5.592
12.143
13.562
23.469
12.994
27.025
51.537
7.970
7.835
19.304
261.031
16.202
17.684
57.253
775.519
23.636
35.777
15.511
294.464
291.440
8.013
14.361
2.680.133
Cerradão
(ha)
1.771
1.994
17.235
6.656
6.033
11.702
9.965
5.041
1.600
1.766
6.028
2.850
9.760
6.455
1.300
5.550
7.440
2.879
1.315
5.993
1.610
2.930
802
1.140
10.174
4.335
300
9.150
1.000
20.383
7.348
4.623
2.360
20.568
1.000
10.205
211.261
Cerrado
(ha)
4.657
2.310
17.713
4.039
10.210
11.659
15.120
10.404
3.450
1.320
6.075
4
1.696
14.654
9.876
31.280
10.388
2.961
215
8.461
9.069
2.180
742
1.420
8.483
3.618
540
20.280
18.394
3.422
10.968
2.145
6.198
925
2.241
257.117
Cerrado + Cerradão
(ha)
6.428
4.304
34.948
10.695
16.243
23.361
25.085
15.445
5.050
3.086
12.103
4
4.546
24.414
22.786
1.300
36.830
17.828
5.840
1.530
14.454
10.679
5.110
1.544
-2.560
18.657
7.953
-840
29.430
1.000
-38.777
10.770
15.591
4.505
26.766
1.925
12.446
468.378
Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
Por esse motivo, São Paulo apresenta peculiaridades que podem favorecer uma
maior degradação dos remanescentes existentes, mas, dependendo das decisões a serem
tomadas, também é possível reverter esse quadro e favorecer sua conservação. O futuro do
cerrado depende de políticas públicas que estão sendo tomadas hoje. Com elas tanto podem
desaparecer centenas de espécies, conhecimentos e tradições, num verdadeiro “holocausto
cultural” (TIME INTERNATIONAL, 1991), como obter-se avanços na preservação de
ecossistemas ameaçados.
3. Metodologia
6
3.1 Área de Estudo
A área de estudo foi delimitada a partir das informações sobre os fragmentos,
coletadas pela equipe do levantamento florístico15. Foram oito os municípios e cinco as
manchas selecionadas para o levantamento das informações: Martinópolis (Mancha G);
Campos Novos Paulista e Ocauçú (Mancha A); São Pedro do Turvo e Ubirajara (Mancha
B); Agudos e Borebi (Mancha C) e; Bauru (Mancha D) (Figura 1 - detalhe).
A princípio pode-se categorizar três grandes zonas de impactos antrópicos para as
manchas de cerrado selecionadas:
a) manchas próximas às cidades, sob a alta pressão da expansão imobiliária. Estas
encontram-se em áreas de expansão de loteamentos urbanos e sofrem invasões e
depredações constantes por parte da população da periferia das cidades, principalmente
aquelas de porte médio para cima. É o caso dos fragmentos encontrados em Bauru.
b) manchas sob pressão de pequenos produtores, com pequena extensão e sujeita à
alto impacto. Geralmente são menores e situadas nas propriedades médias/pequenas de
agricultores de base familiar, ou próximas aos assentamentos rurais. Sofrem também um
grande impacto principalmente pela extração de lenha para cozimento dos alimentos da
família, usos esporádicos na atividade produtiva e pequenos beneficiamentos da produção.
Exemplo dessa situação está em Martinópolis.
c) manchas mais extensas situadas em grandes propriedades. As maiores manchas,
como era de se esperar, pertencem aos grandes proprietários de terras. Geralmente em
zonas de pecuária de corte e do cultivo de cana-de-açúcar, sujeitas à invasão do gado e
expansão da cana, localizadas em Campos Novos Paulista e Ocauçú. Nesses casos,
dependendo da conscientização do proprietário, o impacto sobre os remanescentes pode
diminuir. Muitos deles também, sob a força da lei, costumam proteger os fragmentos.
Os agricultores e moradores desses entornos foram identificados, compondo um
universo para a amostra e posterior levantamento dos dados. Para o reconhecimento das
características sociais e econômicas desses ocupantes dirigiu-se a pesquisa sob duas
diferentes abordagens. A primeira relativa a um levantamento de campo nos municípios
selecionados, numa ótica exploratória, de reconhecimento e de identificação mais
qualitativa da situação geográfica e social dessa população; e a segunda com o emprego de
dados secundários, com o objetivo de se construir uma tipologia dos agricultores. Para
tanto, foram selecionados os agricultores e moradores desses entornos, constituindo-se um
sub-conjunto amostral de agricultores, de acordo com a disponibilidade dos dados.
3.2 Pesquisa de Campo
As propriedades foram escolhidas a partir de uma amostragem intencional, portanto
não probabilística, com o auxílio dos técnicos e funcionários da Coordenadoria de
Assistência Técnica e Integral (CATI) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do
Estado de São Paulo (SAASP), que forneceram os nomes dos proprietários e a localização
das Unidades de Produção Agropecuária (UPAs)16, com base nas cartas planialtimétricas
15
Esta equipe foi coordenada pela Dra Giselda Durigan, pesquisadora científica do Instituto Florestal (IF) da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA).
16
Nesta pesquisa UPAS, imóveis rurais, estabelecimentos, propriedades, etc. estão sendo utilizados como sinônimos, não
havendo, portanto, cuidados com a precisão dos termos como equivalentes aos empregados para fins de levantamentos
censitários de órgãos governamentais.
7
escala 1:50.000 do IBGE, nas quadrículas correspondentes aos munícipios onde se
localizavam as manchas de cerrado selecionadas.
A suposição que o julgamento e o conhecimento do problema, acrescido de uma
estratégia adaptada de seleção e abordagem, leva às melhores escolhas dos elementos da
amostra que sejam adequados e satisfatórios às necessidades da pesquisa (Mattar apud
GOMES, 1998), possibilitou escolher as propriedades localizadas no entorno das manchas
selecionadas, cujos proprietários ou responsáveis pela exploração se dispuseram a fornecer
as informações.
Também foram entrevistadas algumas lideranças locais cujo conhecimento da
realidade possibilitou o entendimento da dinâmica entre a sociedade local e o ecossistema
cerrado.
O número de elementos tanto da amostra de agricultores, quanto de lideranças não
foi definido a priori, compreendendo, no final, nove agricultores e quinze lideranças, num
total de 24 entrevistas na pesquisa de campo.
Utilizou-se questionários, ao nível das propriedades, para entrevistas diretas semiestruturadas com o proprietário ou o administrador responsável pela UPA (ALENCAR,
1999; TRIVIÑOS, 1987). O questionário contemplou as características gerais do imóvel,
uso do solo, valor da produção, rendas, mão-de-obra, patrimônio, padrão tecnológico,
dimensões ecológica e social e as expectativas dos entrevistados com as áreas de cerrado.
Com esses dados construíram-se indicadores com a intenção de demonstrar a
relação estabelecida entre os agricultores e o bioma cerrado. Os indicadores definidos
foram: área total da unidade de produção (AT); autoconsumo (AC); renda agrícola (RA);
número de tratores (NT); valor do patrimônio (VPt); nível tecnológico (Ntec)-número de
práticas empregadas na produção; área preservada em relação à área total (AP); e número
de práticas conservacionistas (NPC).
3.3 Tipologia dos Agricultores
Foram listadas todas as propriedades dos entornos das manchas selecionadas, cujos
dados constam do Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA) da
Coordenadoria de Assistência Técnica (CATI/SAASP). De um total de 55 propriedades, 35
foram analisadas, o que forneceu cerca de 65% do universo de unidades de produção
localizadas na bordadura dos fragmentos escolhidos para a pesquisa.
O LUPA iniciado em 1995/96, passa por atualizações periódicas na sua base de
dados, conforme esclarecimentos dos técnicos responsáveis. O objetivo básico desse
levantamento é conhecer a realidade sócio-econômica da agropecuária do Estado, bem
como realizar análises com a finalidade de subsidiar estudos para o desenvolvimento rural
paulista (http://www.cati.sp.gov.br, acesso em 10/11/2001).
As informações básicas obtidas nesse levantamento, por meio de entrevistas diretas
junto aos produtores rurais do Estado de São Paulo, estão agrupadas em grandes blocos
sobre o proprietário; identificação e localização da UPA; ocupação do solo; áreas e
tecnologias das explorações vegetais; rebanho bovino; outras explorações animais;
máquinas e equipamentos; benfeitorias e instalações; utilização de mão-de-obra;
informações adicionais e atividades econômicas rurais não agrícolas.
As variáveis criadas a partir do LUPA para a construção da tipologia dos
agricultores foram agrupadas em 8 blocos temáticos, tão somente com a finalidade de
facilitar as análises de conteúdo que se seguiram à aplicação dos métodos de análise
fatorial. Esses blocos foram denominados: uso do solo; relações sociais de trabalho e
8
produção; gestão administrativa do estabelecimento; produção animal; benfeitorias,
instalações, máquinas e equipamentos; caracterização tecnológica da produção vegetal;
práticas agrícolas ambientalmente recomendáveis; e variáveis suplementares.
A metodologia adotada para a tipificação dos agricultores foi a Análise Fatorial de
Correspondência Múltipla (ACM) seguida da Classificação Hierárquica Ascendente17.
Segundo ESCÓFIER & PAGÉS (1992), a Análise Fatorial de Correspondência
Múltipla (ACM) pode ser definida como a aplicação de uma Análise Fatorial de
Correspondência (AFC) a uma tabela disjuntiva de dados, de forma a permitir o estudo das
relações entre indivíduos (agricultores) e variáveis (modalidades) e, com isso, compor uma
tabela analítica/descritiva da realidade pesquisada.
A análise da representação gráfica destas nuvens de pontos permite a identificação
de grupos homogêneos de indivíduos, segundo o conjunto das características observadas,
pela sua localização nos quadrantes formados pelos eixos ortogonais.
4. Resultados e Discussão
4.1 Pesquisa de Campo: Caracterização das Áreas e dos Agricultores do
Entorno das Manchas Selecionadas
4.1.1 A Palavra das Lideranças
Em Campos Novos Paulista e Ocauçú, municípios que abrigam a mancha A, a
grande pressão exercida sobre o cerrado é o cultivo da cana-de-açúcar. Existem seis
usinas18 na região que acabam “forçando” os agricultores a arrendarem suas terras para
produzir cana. Para o agricultor é preferível obter uma renda segura, por pequena que seja,
do que apostar nas incertezas climáticas e nas políticas agrícolas vigentes.
Existem ainda pequenas, médias e grandes propriedades, estas últimas com
atividade pecuária, que também pressionam as áreas remanescentes de cerrado na região.
Segundo os técnicos, em Campos Novos Paulista, são cerca de 194 ha de cerrado, 6.200 ha
de soja, 2.000 ha de mandioca e 30.000 ha de pasto, distribuídos entre 460 propriedades.
Em Ocauçú, considerada a terra da mandioca, existe uma tendência de
fragmentação das propriedades, sendo cerca de 67% de base familiar. Talvez seja por isso
que a figura do “melanceiro” esteja se tornando popular no município. A maioria desses
produtores estabelecem relações de parceria e arrendamento com os donos da terra, e
cultivam de pequenas a médias áreas.
Para esses informantes não existem produtos no cerrado que tenham valor
comercial. E mais, os fazendeiros só têm interesse em preservar os fragmentos se tiverem
retorno financeiro. Os grandes fazendeiros, na sua maioria, são absenteístas, morando em
São Paulo ou nas cidades pólos regionais, como Marília, Assis e Ourinhos. O agricultor
familiar, que mora quase sempre na propriedade, e em alguns casos nas cidades sede dos
municípios, são mais acessíveis e abertos ao diálogo19.
17
Para um maior detalhamento ver CRIVISQUI (1998), JUDEZ (1979/80) e EVERITT (1981).
Nova América em Tarumã; Quatá em Cocal; Maracaí em Maracaí; Pau d’Álho em Ibirarema; São Luís em Ourinhos, e
Paraálcool em Paraguaçú Paulista.
19
A estrutura agrária e as principais explorações agropecuárias dos municípios pesquisados podem ser encontradas em
CARMO, M. S. do & COMITRE, V., 2002.
18
9
No município de Martinópolis encontra-se a mancha G, dentro de uma situação de
alto impacto que se caracterizou como áreas sob pressão de pequenos produtores.
Encontra-se na região o assentamento Chico Castro Alves com 86 famílias, em lotes de
mais ou menos 18 ha cada. Segundo o entrevistado a área seria viável para exploração
comercial, porém os níveis de produtividade, dada a fertilidade da terra, são muito baixos,
o que acaba diminuindo a receita dos assentados, levando a um desestímulo pela produção
agropecuária. A área de reserva legal chega, segundo ele, a 410 ha naquela área. Os
agricultores apenas conseguem produzir para subsistência20, e muitos ainda não
conseguiram construir uma casa de alvenaria.
A mancha B encontra-se na EDR de Ourinhos, nos municípios de São Pedro do
Turvo e Ubirajara. Ali se encontram grandes propriedades, acima de 1.700 ha. A pecuária
predomina nestas zonas de cerrado, em que também se cultivam a mandioca para indústria,
milho, soja, melancia e café. A mandioca está ocupando área significativa entre as culturas
anuais, principalmente em Ubirajara, onde foi criada uma cooperativa para processar a
mandioca de mesa em palitos pré-cozidos e congelados. Tem pouca cultura irrigada
(laranja e melancia), embora não tenham problemas com a escassez de água.
A opinião das lideranças entrevistadas é que os fazendeiros não tem interesse em
conservar o cerrado. Eles não o derrubam por força da lei, mas se tiverem incentivos fiscais
ou outras vantagens, é possível que se estimulem a conservá-lo. No fundo o que está
mantendo o cerrado naquela região é a atuação firme da Política Florestal.
Embora a maior parte da atividade econômica seja com a pecuária (em São Pedro
do Turvo, 70% da área tem brachiária), a lotação dos pastos é de apenas uma cabeça por
alqueire, 0,4 por hectare, porque o solo é muito pobre, e as pastagens estão muito
degradadas, sendo, por isso, muito comum colocar o rebanho no cerrado. Se o pecuarista
não consegue manter os animais alimentados na área de pastagem, vai avançando e
desmatando o cerrado. Por isso, um programa do Governo para recuperar as pastagens
degradadas da região poderia aliviar um pouco a pressão sobre os remanescentes de
cerrado.
A educação ambiental, também seria um instrumento importante para os
agricultores perceberem a necessidade de preservar o meio ambiente, e entenderem que
manter o cerrado em pé é uma parte do esforço de garantir que a natureza não se degrade
ainda mais, produzindo efeitos diretos sobre o clima e as águas, e conseqüentemente sobre
a manutenção e produção nas suas propriedades agrícolas. Neste sentido, o programa de
Microbacias Hidrográficas da SAASP vêm reforçando a idéia da preservação do meio
ambiente aos agricultores, e seria importante ações conjuntas com esta iniciativa.
Os entrevistados de Agudos e Borebi, onde se encontra a Mancha C, afirmaram que
os municípios são predominantemente ocupados por grandes propriedades. Embora a maior
parte da área esteja com pastagem, a cana-de-açúcar vem apresentando uma expansão
bastante rápida, promovida pelas grandes usinas sucroalcooleiras, por meio do
arrendamento das terras.
O Engo Agro da Casa da Agricultura de Agudos forneceu a seguinte estatística de
ocupação de área para o município, com base nos dados do LUPA de 1.996: pastagem
cultivada 40,81%; pastagem natural (cerrado) 4,23%; reflorestamento 22,67%; cultura
perene 1,27%; culturas semi-perenes 11,96%; culturas anuais 1,54%; vegetação natural
12,17%. As pastagens estão bastante degradadas, comportando uma lotação muito baixa de
cerca de 0,6 a 0,7 unidades animais/ha.
20
Feijão, arroz, mandioca, milho, algumas verduras e legumes, e leite. O excedente é levado para venda na feira de
sábado em Martinópolis.
10
Alguns fragmentos de cerrado dessa região quase desapareceram com o avanço da
cana-de-açúcar, cujo cultivo favoreceu o surgimento de erosão, problema grave ampliado
pelo fato de grande parte do solo ser podzólico. A cana é uma cultura muito agressiva,
principalmente quando estimulada pela usina, por ocupar toda a área da propriedade
derrubando cercas, casas, construções e benfeitorias. Ainda apresenta outro aspecto
negativo fruto da relação de produção arrendamento, que acomoda os proprietários
levando-os a uma gradativa descapitalização, o que dificulta a retomada da produção pelo
agricultor quando da devolução da terra.
Porém, na visão das lideranças, se a cana foi prejudicial pelo aspecto ambiental,
trouxe vantagens pelo lado social como o aumento da arrecadação dos municípios,
conservação das estradas vicinais e geração empregos, mesmo que sejam subempregos.
Outro aspecto levantado nesses municípios diz respeito à pressão urbana sobre as
áreas do cerrado para a implantação de loteamentos destinados a formação de chácaras de
lazer e condomínios.
Na região existem várias espécies vegetais características de cerrado, como cajú,
guabiroba, pitanga, pequi, etc, que vêm desaparecendo com as derrubadas, e também com o
avanço da cidade. Nesses casos, é comum ocorrerem roubos nestas propriedades, além de
incêndios provocados, retirada de madeira, captura e caça de pássaros e animais silvestres,
invasões e delitos de toda ordem. Um problema bastante grave é que a população faz
dessas áreas depósito de lixo e entulho urbanos.
Em Borebi, município criado há 9 anos, segundo informações prestadas, nenhum
dos grandes proprietários mora no imóvel rural ou tampouco na sede do município. Em
geral têm como moradia a capital do Estado (São Paulo), e a grande maioria arrenda suas
terras para as usinas e para a RIPASA S. A. Celulose e Papel (reflorestamento).
Os pequenos produtores do município têm pasto para o gado de leite, que muitos
estão abandonando, substituindo-o pela cultura da mandioca. A Cooperativa Rural
Industrial de Borebi está processando a mandioca na forma de croquetes para a rede de
supermercados Pão-de-Açúcar e para exportação. Está-se tentando também introduzir a
mamona como alternativa aos pequenos agricultores. Outro dado interessante é que 70% da
população da cidade é bóia-fria na cana-de-açúcar, de acordo com a engenheira agrônoma
local.
Em Bauru encontra-se a mancha D, em situação bastante diferenciada das demais,
uma vez que a cidade está crescendo para dentro dos fragmentos. Estes já são praticamente
fragmentos “urbanos” e muitos estão loteados, inclusive com licenças regularizadas.
Segundo o engenheiro florestal da DEPRN, não existem leis específicas de controle
e preservação do cerrado. O Código Florestal muitas vezes não se aplica à área urbana. A
Lei de Crimes Ambientais da SEMA é incompleta em relação às áreas de transição, em
regeneração e cerrado (BRASIL, 1998). Bauru possui um cinturão de cerrado, onde é
intensa a especulação imobiliária para loteamentos já legalizados/registrados. Essa é uma
situação também encontrada nas cidades vizinhas de Pederneiras, Agudos e Arealva.
Além da pressão urbana, a expansão da pecuária, da cana e do reflorestamento são
as que mais ameaçam o que resta da vegetação natural, embora a área rural de Bauru não
seja muito grande em extensão.
Segundo o entrevistado, existem dois tipos de produtor, aquele tradicional, nascido
na zona rural, cuja consciência preservacionista é menor, e os de origem urbana sem
nenhum vínculo anterior com a agricultura, e que podem ter uma maior consciência
ecológica. Este fato pode ser explicado em função desses proprietários possuírem nível
superior (cerca de 50% dos proprietários de Bauru).
11
Os entrevistados tiveram dificuldades para quantificar a área de cerrado do
município. Por esse motivo, esses valores foram retirados do LUPA, e se referem à área
com mata natural, não especificando o ecossistema (tabela 2). No entanto, como a região é
típica de áreas de cerrado e cerradão, embora existam algumas zonas de transição para
mata, esses valores podem ser uma boa aproximação para a área ocupada por esse bioma.
Tabela 2. Área de Vegetação Natural dos Municípios Selecionados para a Pesquisa de
Campo, Estado de São Paulo, 1995/96.
Município
Área de Vegetação Natural (ha)
Agudos
13.635,00
Bauru
3.770,50
Borebi
3.206,60
Campos Novos Paulista
4.037,50
Martinópolis
4.536,50
Ocauçú
2.513,10
São Pedro do Turvo
4.287,60
Ubirajara
1.376,90
Fonte: SAASP/LUPA/CATI.
Ao serem indagados sobre a importância do cerrado e a necessidade da sua
conservação, 100% dos entrevistados disseram ser fundamental a manutenção desses
remanescentes. Os motivos mais ressaltados foram: preservação dos habitats dos animais
silvestres; sustentabilidade do ambiente; perda da biodiversidade; perda da oportunidade de
explorar os produtos do cerrado; necessidade de manter a reserva legal.
Com relação às plantas e animais, que do conhecimento deles, são extraídos do
cerrado, as mais citadas constam da tabela 3, embora a noção sobre o uso das plantas seja
pequeno e quase intuitivo. Praticamente inexiste o negócio extrativista com fins lucrativos,
e tudo o que se coleta do cerrado é para consumo próprio.
Quanto ao que se poderia fazer para preservar os fragmentos de cerrado, na maioria
das vezes se reportaram à educação ambiental de forma vaga; à promoção de cursos e
palestras para conscientização da população (parte da educação ambiental); alguma
maneira de compensar o agricultor pela manutenção do cerrado (ressarcimento financeiro);
isenção de impostos (ITR) para as áreas averbadas; diminuição do ITR das áreas de cultivo
(para aquele com áreas acima de 100 ha de cerrado preservado); alternativas econômicas
viáveis (duas foram apontadas para pequenas áreas: apicultura e sistemas de exploração
agroflorestais); aprimoramento das leis (e sua aplicação) que protegem as áreas com
cerrado; utilização da grande mídia para conscientização (Globo Rural, por exemplo);
conscientização dos filhos dos agricultores nas escolas; distribuição de folhetos técnicos
em linguagem acessível; uso da mala direta para promover a conscientização; revitalização
do cerrado via Programa de Microbacias Hidrográficas da SAASP; por fim, por meio de
denúncias e aplicação efetiva da lei para os pequenos e também grandes proprietários.
Aparecem ainda as seguintes sugestões/opiniões: pesquisas por parte das
universidades e institutos de pesquisa para fornecer técnicas de manejo sustentável do
cerrado; isenção das multas para aqueles que desmataram em troca da averbação de área
correspondente com cerrado; cobrar da SAASP um programa específico para a recuperação
12
do cerrado; um programa da SAASP para recuperação das pastagens degradadas; fazer o
cerrado ser “rentável”; formar viveiros municipais com espécies do cerrado; programa de
reflorestamento (plantar eucaliptos com o compromisso de plantar igual número de árvores
nativas, na borda do cerrado ou na beira dos rios); decretos e leis mais adaptadas ao
cerrado.
Também foram lembrados como “produtos” do cerrado animais e insetos como
tatu, capivara, paca, veado e abelhas.
Segundo os informantes a maior parte das plantas tem finalidade caseira e
pouquíssimo comércio, exceção feita ao marolo, cuja venda é praticada pelas crianças de
porta em porta. Uma parte do que é coletado vai para o mercado local e às vezes para as
cidades maiores como as feiras de Marília e Bauru. É consenso que a cultura de como
utilizar essas espécies vem se perdendo, restando raríssimos “curandeiros” e raizeiros
locais, que por tradição oral, atendem em suas casas, e ainda utilizam os produtos do
cerrado para curar doenças.
4.1.2 Os Agricultores Respondem
As entrevistas com os agricultores propiciaram uma aproximação da realidade e das
dificuldades encontradas na produção agropecuária, bem como das expectativas
relacionadas à interação das atividades exploratórias e os fragmentos de cerrado.
Com esses dados foi possível obter-se as características gerais das propriedades e
dos produtores quanto ao uso do solo, níveis tecnológicos, nível de capitalização, impactos
da tecnologia e preocupações com o meio ambiente, além das expectativas quanto ao
futuro dos remanescentes de cerrado em suas propriedades21.
Os imóveis pertencem as EDRs de Presidente Prudente, Marília, Assis, Ourinhos e
Bauru (tabela 4). A topografia dessas UPAs são, à exceção da Fazenda AG05 (ondulado) e
Fazenda AG11 (montanhoso), compostas de terrenos levemente ondulados.
Os resultados aqui apresentados referem-se à análise dos indicadores sócioeconômicos e ambientais definidos na metodologia (tabela 5), e as expectativas dos
entrevistados com relação ao cerrado.
21
Ver CARMO, M. S. do & COMITRE, V., 2002.
13
Tabela 3. Plantas do Cerrado e sua Utilização, segundo Depoimentos das Lideranças,
Municípios Selecionados, Estado de São Paulo(1), Outubro de 2.000.
Nome Popular
Angico (casca)
Araçá
Araticum comum
Arnica
Barbatimão (casca-tanino)
Boldo
Cafezinho Bravo
Caju
Candeia
Caraguatá
Cáscara Sagrada
Cereja do Campo
Cinzeiro/Pau Cinza
Cipó Japecanga
Cipó São João
Cotó
Erva de Rato
Erva de Sta Maria
Espinheira Santa
Faveiro
Goiaba vermelha
Guabiroba
Ingá
Ipê (casca)
Jabuticaba
Marolo
Moça Bonita (raiz)
Óleo de Copaíba
Pau Tenente
Pequi (óleos e gorduras)
Pitanga do Cerrado
Rubi
Uvaia do Campo Anã
Uvaia Grande
Vacapariu (Bacapari) (fruta)
Abelha
Capivara
Paca
Tatu
Veado
Serve para que
Suporte para plantas ornamentais
Cicatrizante (hemorróidas)
Palanque/moirão/cerca
Xarope para bronquite
Laxante
Depurativo do sangue
Cólica de rim
Cicatrizante de feridas
Matar o gado envenenado
Pedra de rim
Mercado de venda/canais
Uso caseiro
Raizeiros em feiras locais
Uso próprio
Venda na feira
Raizeiro
Medicinal
Cerca
Fazer sorvete
Mercado local/Marília
Suporte para plantas ornamentais
Comestível, sorvete e medicinal
Venda de porta em porta; Mercado
(diabetes)
local/Marília
Colocar na pinga, perfumar o fumo
do cigarro
Cicatrizante
Uso caseiro
Culinária regional
Comestível e medicinal
(1)
Lideranças entrevistadas nas cidades de: Martinópolis, Campos Novos Paulista, Ocauçú, Ourinhos, São Pedro do
Turvo, Ubirajara, Bauru, Agudos e Borebi.
Fonte: Dados da Pesquisa.
14
Tabela 4. Localização e Área das Propriedades Selecionadas para Pesquisa de
Campo, nos Municípios Amostrados, Estado de São Paulo, outubro de 2.000.
Propriedade
MA23
MA22
CN21
OC25
ST31/ST30
ST27
AG05
AG03
AG11
Fonte: Dados da Pesquisa.
Município
Martinópolis
Martinópolis
Campos Novos Pta
Ocauçú
São Pedro do Turvo
São Pedro do Turvo
Agudos
Agudos
Agudos
EDRs
Pres. Prudente
Pres. Prudente
Assis
Marília
Ourinhos
Ourinhos
Bauru
Bauru
Bauru
Mancha
G
G
A
A
B
B
C
C
C
Fragmento
18a
18b
1
8
1
9
13
2
2
Área (ha)
18,15
18,20
5.435,11
934,12
1.600,00
2.904,00
499,00
229,90
1.282,60
Tabela 5. Indicadores Sócio-Econômicos e Ambientais das Propriedades Selecionadas
para Pesquisa de Campo, nos Municípios Amostrados, Estado de São Paulo, outubro
de 2.000(1).
Prop.
AT
AC
RA
NT
VPt
Ntec
AP (%) NPC
CN21
5.435,11 N
414.000,00
5
19.347.420,46
NM
40
NB
ST27
2.904,00 N
24.990,00
1
10.810.976,00
NM
50
NB
ST30/
1.600,00 N
214.131,00
2
5.619.200,00
NA
30
NB
AG11
1.282,60 S
3.613,50
5
2.271.420,47
NA
20
NB
OC25
934,12
N
104.000,00
---
2.019.199,69
NM
20
NB
AG05
499,00
N
40.880,00
---
883.704,05
---
25
NB
AG03
229,90
N
---
1
480.200,72
NM
50
NB
MA22
18,20
S
1.189,64
0
39.382,00
NM
13
NB
MA23
18,15
S
905,76
0
25.096,00
NB
0
NB
ST31
(1)
Em ordem decrescente de Área Total.
--- sem informação, NB=nível baixo – de 1 a 5 práticas; NM=nível médio – de 6 a 10 práticas; NA.=nível alto – mais de 11 práticas.
Fonte: Dados da Pesquisa.
Observa-se que a área total possui uma estreita correlação com o valor do
patrimônio, por aí estar incluído o preço da terra. O auto consumo não é uma prática
adotada nessas propriedades, à exceção das MA22 e MA23, que são lotes do
assentamentos, e da AG11, uma exploração que, por possuir características bastantes
diferenciadas das unidades produtivas típicas, necessita consumir parte do leite produzido
com os alunos em atividades de cursos e internato.
A renda agropecuária mostrou-se um indicador bastante inconsistente pelas
dificuldades de se obter informações sobre rendimentos financeiros. O número de tratores
também está associado ao tamanho do estabelecimento.
O valor do patrimônio, embora seja uma variável “estoque”, no sentido em que
estes bens tem uma baixa taxa de liquidez, ou seja, demora um certo tempo para se
15
transformar em dinheiro corrente, é um indicador que aufere a dimensão desses imóveis
enquanto potencial produtivo, e de obtenção de crédito para custeio e investimento. O nível
tecnológico das propriedades, de um modo geral, está na faixa média, na qual os
agricultores se utilizam de 5 a 10 práticas tecnológicas para produzir. As mais comuns são
uso de sementes certificadas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, curvas de nível,
vacinação e ração balanceada para o gado.
Em relação às áreas preservadas, talvez pelas dificuldades econômicas de produzir,
encontrou-se porcentagens significativas, ou seja, além da obrigatoriedade legal de
preservação de 20% da área total do imóvel. Porém, também ficou claro, ao analisar as
práticas conservacionistas, que nestas propriedades, não existem maiores preocupações
ambientais. Somando-se as práticas conservacionistas com as de reciclagem, observa-se o
pouco interesse com os recursos naturais, inclusive os produtivos. O cuidado maior se
refere ao controle da erosão, talvez pela perda da fertilidade do solo, e também como fruto
de campanhas, que a Secretaria da Agricultura vem promovendo ao longo de vários anos.
É interessante notar que, embora todos os entrevistados considerem o cerrado como
um legado importante e que deve ser conservado, ao mesmo tempo querem derrubá-lo pois
o enxergam como um mato cuja finalidade básica seria extrair lenha. Parece existir um
conflito entre a preservação, fruto de um sentimento atávico, e a derrubada como uma
exigência do progresso e dos imperativos da produção.
Com relação à expectativa dos entrevistados com os fragmentos de cerrado, todos
acharam importante preservar essas áreas22, porém à exceção de um informante que
utilizava o cerrado como pastagem, os demais nunca tiveram qualquer experiência com o
manejo desse bioma para fins econômicos. A maior parte (70%) acredita que é possível
utilizar o cerrado para instruir as pessoas, educando-as para a preservação da natureza, mas
não sabem como fazer para viabilizar a idéia. Para a questão sobre se a propriedade possuía
reserva legal, apenas três entrevistados responderam que sim, dois não possuíam e quatro
não souberam responder. Das reservas legais somente uma está averbada em cartório.
Indagados sobre o conhecimento de algumas plantas/animais do cerrado, sua
utilidade e mercados existentes (tabela 6), todos responderam que “ouviram dizer” que as
plantas tem determinados usos, mas eles mesmos desconhecem e não se utilizam delas.
Os mercados para estas plantas e animais são praticamente inexistentes e, em geral,
para consumo próprio.
Quanto às questões de como o Governo e o entrevistado poderiam auxiliar a
preservação dos fragmentos, foram respondidas de forma vaga e pode-se resumi-las:
palestras de esclarecimento; cursos para usos das plantas como remédio; mostruário de
raízes e outras partes da planta para conhecimento dos agricultores; programas de
esclarecimento pela mídia, especialmente pela TV; reeducação para o reflorestamento
diversificado com usos múltiplos; educando as crianças, inclusive com o pagamento de um
salário à semelhança da bolsa escola; pagamento (ou estímulo) para a área conservada em
relação à área plantada; incentivar a exploração sustentável; explorar economicamente os
fragmentos de forma sustentável; instituir as reservas legais.
22
Entre os motivos alegados encontram-se: abrigo para os animais silvestres; criação de cabras; retirada de lenha e
moirões de cerca; madeira para ferramentas e instalações.
16
Tabela 6. Produtos do Cerrado e sua Utilização, segundo os Entrevistados das
Propriedades Selecionadas, nos Municípios Amostrados, Estado de São Paulo,
Outubro de 2.000.
Nome Popular
Abiu
Angico preto
Arnica rubi
Aça-peixe
Azedinha
Barbatimão (casca)
Babosa
Candeia
Caraguatá
Cariobinha
Cinzeiro
Cotó (folha)
Framboesa
Gravatá
Guabiroba
Jatobá
Maracujá silvestre
Milho de grilo
Pau de gema
Pequi
Peroba
Picão
Pitanga
Raiz de gema
Salsaparilha
Sucupira
Uvaia
Capivara
Lebrão
Paca
Onça
Veado
Serve para que
Fruta comestível
Hematomas
Melífera e medicinal
Fazer suco; pressão alta
Cicatrizante, hemorragia, adstringente (p/ animais)
Queimadura
Palanque de cerca
Xarope para bronquite
Anti alérgico; machucadura
Cocho para o gado
Medicinal, chá de quebra pedra do rim
Fruta comestível
Para gripe
Fruta comestível
Calmante
Depurativo do sangue
Culinária regional
Diurético
Gases; dor de estômago
Diabetes; sangue
Medicinal
Comestível
Comestível
Fonte: Dados da Pesquisa.
4.2 Tipologia dos Agricultores
A primeira etapa na interpretação da Análise Fatorial de Correspondências
Múltiplas (ACM) consiste em definir o número de fatores a serem selecionados para
constituição dos planos fatoriais, e esta decisão baseia-se na análise da decomposição da
inércia, ou variabilidade, total da população estudada. A aplicação da Análise Hierárquica
Ascendente sobre o conjunto de trinta e três variáveis ativas resultou na identificação de
seis tipos de produtores rurais com características semelhantes23. Esses tipos foram
formados pelas propriedades discriminadas na tabela 7.
23
Por ser uma análise complexa os detalhes podem ser encontrados em CARMO M. S. do & COMITRE, V. 2002.
17
Tabela 7. Classificação das Propriedades Rurais segundo os Tipos de Produtores dos
Entornos nas Manchas Selecionadas de Cerrado, nos Municípios Amostrados, Estado
de São Paulo, 1995/96.
No total de indivíduos
Tipos
Código de identificação das propriedades
1
AG01
1
2
AG03
1
3
AG04; AG06; AG07; AG08; AG09; BA12; BA13; BO15;
BO16; BO17; BO18; CN19; OC25; ST26; ST33; UB35
16
4
MA22; MA 23; ST28
3
5
AG02; BO14
2
6
AG05; AG10; AG11; CN20; CN21; OC24; ST27; ST29;
ST30; ST31; ST32; UB34
12
Total
35
Fonte: Dados da pesquisa.
Com base nas características preponderantes dos indivíduos atribuiu-se um nome
para cada tipo. A designação, a descrição das características de cada tipo e a localização
das propriedades são apresentadas a seguir.
4.2.1 Tipo1: Produtor de Leite
Neste grupo, denominado de Produtor de Leite, encontra-se apenas um indivíduo da
amostra, cuja propriedade, localiza-se no município de Agudos, com área total inferior a
200 ha. Menos de 30% desta área era ocupada com pastagem, menos de 25% com
reflorestamento e de 30 a 60% com vegetação natural. Não havia cultivo de lavouras
perenes, semi-perenes ou temporárias.
Este produtor não cedia área para arrendamento ou parceria e compunha sua força
de trabalho com membros da família e empregados permanentes. Recebia assistência
técnica mas não mantinha controle contábil das atividades produtivas.
Em relação à produção animal, conduzia um rebanho bovino (misto ou de corte) de
pequeno tamanho (menos de 150 cab.) e um leiteiro de tamanho médio (com 21 a 69 cab.);
seu plantel eqüino era pequeno (de 10 a 49 cab.). A tecnologia associada a estas atividades
incluía apenas o pastoreio intensivo sendo, no entanto, sua lotação de pasto inferior a 1,0
cab/ha. Utilizava apenas equipamentos simples para preparo da alimentação complementar
aos pastos, no caso, desintegrador/picador/triturador e misturador de ração.
Seu patrimônio predial somava de 6 a 9 itens de benfeitorias ou instalações; era
proprietário de apenas 1 trator; não tinha sistema de irrigação nem animais de trabalho. Ele
não realizava nenhuma prática conservacionista de solo; não residia no estabelecimento;
participava de associações, cooperativas ou sindicatos e seu nível de instrução era o 1o grau
completo.
4.2.2 Tipo 2: Pequeno a Médio Pecuarista
O tipo 2, composto por uma propriedade do município de Agudos, recebeu a
denominação de Pequeno a Médio Pecuarista por apresentar características diferenciadas
18
na forma de ocupação dos solos agrícolas, ou seja, neste estabelecimento não havia áreas
com culturas perenes ou reflorestamento e as pastagens ocupavam de 30 a 60% do total.
Além disso, não fazia arrendamento ou parcerias; recebia assistência técnica;
mantinha formalizada a escrituração e contabilidade do estabelecimento; não participava de
organizações formais de produtores e o proprietário possuía formação universitária.
Tinha rebanho bovino misto ou corte, com menos de 150 cabeças. Não possuía
rebanho leiteiro, assim como não usava eqüinos como animais de trabalho e não tinha
criação de pequenos animais.
Em relação aos descritores tecnológicos para produção animal registrou-se valores
de lotação de pasto de 1,0 a 2,5 cab/ha; não fazia confinamento do rebanho nem pastejo
intensivo ou inseminação artificial. A classificação deste produtor, segundo os
equipamentos para produção de alimentação complementar aos pastos, localizou-se no
nível equipamentos básicos.
Para produção vegetal, tinha sistema de irrigação convencional; usava sementes e
mudas fiscalizadas; executava práticas conservacionistas no solo, mas não fazia adubação
verde. Não usava asininos e muares nas tarefas agrícolas, fazia adubação mineral das
lavouras, e não tinha equipamentos motomecanizados para colheita, limpeza e
beneficiamento dos produtos.
O tamanho do estabelecimento ficou na faixa de 200 e 499 ha (médio
estabelecimento). Na composição da força de trabalho registrou-se a presença de mão-deobra familiar e de empregados permanentes.
Na ocorrência de vegetação natural possui mais de 60% da área total. Em relação às
benfeitorias e instalações, apresentou de 6 a 9 itens de infra-estrutura. O número de tratores
foi de 2 a 3.
4.2.3 Tipo 3: Agricultor Diversificado
O tipo 3, designado como Agricultor Diversificado, foi formado pela maior parte
dos estabelecimentos, em número de dezesseis, sendo cinco localizados no município de
Agudos, dois em Bauru, quatro em Borebi, um em Ocauçú, dois em São Pedro do Turvo,
um em Ubirajara e um em Campos Novos Paulista.
Metade desses estabelecimentos apresentaram dimensões entre 500 a 999 ha; cerca
de 19% menos de 200 ha; outros 25% de 200 e 499 ha e apenas uma propriedade era maior
que 1.000 ha.
A força de trabalho predominante era de origem externa à família do produtor, ou
seja, exclusivamente contratada. Esta situação ocorreu em 75% dos estabelecimentos. Não
se registrou relações de parceria ou arrendamento. Mais de 60% dos produtores não
mantinham uma contabilidade formal de receitas e despesas das atividades produtivas e
50% não eram assistidos tecnicamente por nenhuma entidade pública ou privada.
O patrimônio predial deste grupo mostrou-se bastante baixo, uma vez que 63% dos
estabelecimentos apresentavam de 2 a 5 itens de benfeitorias ou instalações, 31% até 1 item
e 6% de 6 a 9 itens. Em nenhum deles detectou-se a existência de equipamentos de
irrigação ou o uso de animais de trabalho. Em 63% não haviam tratores e nos demais,
apenas um.
Em relação ao uso do solo, pode-se destacar que: a) as culturas perenes não
ocorreram em 81% dos estabelecimentos; b) os reflorestamentos não se encontravam em
88% deles; c) as lavouras semi-perenes ou temporárias mostraram-se relevantes em 44%
dos estabelecimentos, nos quais a proporção de área ocupada variou de menos de 30% a
mais de 60%, predominando, no entanto esta última situação; d) em 56% dos
19
estabelecimentos haviam espaços com vegetação natural, numa proporção, em geral, de
menos de 30% da área total e, e) as áreas de pastagem ocorreram em mais da metade das
propriedades, na maioria delas ocupando mais de 60% de área.
Em aproximadamente 56% dos estabelecimentos foi registrada a presença de
rebanho bovino (misto, de corte e bubalinos) com menos de 150 cabeças e, em quatro
estabelecimentos (25%), entre 151 a 500 cabeças. A produção leiteira (menos de 20
cabeças), se restringiu a apenas duas propriedades. Os eqüinos eram usados,
predominantemente, como animais de trabalho (<10 cab) e não haviam atividades de
suinocultura, ovinocultura, sericicultura ou apicultura, exceto em uma propriedade.
As tecnologias associadas à produção animal mostraram-se, na quase totalidade dos
casos, bastante simples, não incluindo inseminação artificial. Confinamento e pastejo
intensivo dos animais ocorreram em apenas uma propriedade. Os equipamentos para
obtenção de aporte alimentar complementar aos pastos ao nível básico apareceu em 12,5%
das propriedades. Para os índices de lotação de pasto foi mais freqüente (46%) o valor de
menos de 1,0 cab/ha, em 38% dos estabelecimentos de 1,0 a 2,5 cab/ha e em 16%, mais de
2,5 cab/ha.
A produção vegetal mostrou-se relativamente importante para quase metade dos
estabelecimentos, representada pela área ocupada com culturas semi-perenes ou
temporárias, sendo, no entanto, o nível tecnológico a elas associado bastante rudimentar,
não incluindo, para a maioria dos casos, o uso de equipamentos motomecanizados para
preparo do solo, tratos culturais ou colheita, adubação mineral, sementes melhoradas e
mudas fiscalizadas ou plasticultura.
Quase todos os produtores (81%) faziam conservação do solo mas não usavam
adubos orgânicos ou verdes.
A maioria dos produtores (56%) não participava de organizações formais e 93%
não residiam no estabelecimento. Mais da metade dos proprietários tinha formação
universitária e os demais se distribuíam nos outros estratos de instrução definidos. Cabe
destacar que se encontra neste tipo a única pessoa jurídica do conjunto de propriedades
selecionadas na amostra.
4.2.4 Tipo 4: Agricultor Exclusivamente Familiar
Este grupo foi formado por três produtores, dois deles assentados em um núcleo de
reforma agrária no município de Martinópolis e o outro de São Pedro do Turvo.
Apresentavam em comum o fato de possuírem áreas inferiores a 500 ha, não terem
lavouras permanentes e reflorestamento. Os assentados não tinham área com vegetação
natural e a outra propriedade menos de 30% da área total.
Usavam exclusivamente a mão-de-obra familiar, o que os constituíram como um
grupo diferenciado, não cediam áreas para arrendamento ou parceria. Não tinham sistema
de irrigação nem faziam adubação verde.
Com relação aos controle contábil, à posse de tratores e ao uso de eqüinos nas
tarefas agrícolas apenas um deles tinha.
A ocupação do solo era com culturas semi-perenes ou temporárias e pastagem. Um
deles tinha de 30 a 60% de sua área ocupada com estas culturas e, os outros, menos de
30%. Os pastos ocorriam na proporção de 30 a 60% em dois estabelecimento e em mais de
60% no restante.
Dois destes produtores tinha gado leiteiro, num total de menos de 20 cabeças. Neste
rebanho não era feita inseminação artificial, confinamento ou pastoreio intensivo. Também
20
não havia complementação alimentar aos pastos, em duas propriedades. Porém, estes
produtores criavam pequenos animais para subsistência.
Para a produção vegetal, dois dispunham de equipamentos básicos para preparo do
solo sem tração mecânica, e um deles equipamentos completos. Apenas um fazia adubação
mineral das lavouras e usava adubos orgânicos. Dois deles usavam semente certificada ou
muda fiscalizada e faziam conservação do solo.
Em relação às benfeitorias e instalações, um tinha apenas 1 item e os outros, com
maior patrimônio, de 2 a 5 itens. Todos residiam no estabelecimento e tinham primário
completo, sendo que apenas dois deles participavam de associações formais.
4.2.5 Tipo 5: Pecuarista Capitalizado
O tipo 5, denominado de Pecuarista Capitalizado, é formado por dois produtores,
sendo um de Agudos e o outro de Borebi.
Tratam-se de proprietários de grandes estabelecimentos (um deles com mais de
1.000 ha e o outro de 500 a 999 ha), nos quais não haviam culturas permanentes nem
reflorestamento; as lavouras semi-perenes ou temporárias ocupavam menos de 30% da área
total. Ambos não possuem vegetação natural. Os pastos, ao contrário, representavam mais
de 60% do uso do solo, usados na atividade de criação de gado misto ou de corte em
rebanhos com mais de 500 cabeças.
Cabe destacar, ainda, que esses produtores não tinham rebanho leiteiro, um deles
possuía um pequeno plantel eqüino (de 10 a 49 cab.) e não criavam pequenos animais.
Em relação ao padrão tecnológico da bovinocultura, um destes pecuaristas
confinava o rebanho, colocava o gado em pastejo intensivo, bem como produzia fenos e
silagens. O índice de lotação de pastos não foi, no entanto, uniforme no grupo, ocorrendo
situações de média lotação (de 1,0 a 2,5 cab/ha) e alta (mais de 2,5 cab/ha). Ambos faziam
inseminação artificial.
Na produção vegetal, presente em 100% dos estabelecimentos, na forma de culturas
semi-perenes ou temporárias, não se registrou o uso de irrigação, mas era feita adubação
mineral, orgânica e verde, usava-se sementes ou mudas certificadas e plasticultura. Os
equipamentos agrícolas incluiam colhedoras e equipamentos para limpeza e
beneficiamento dos produtos, e também os motomecanizados para plantio e tratos culturais
tracionados por 2 ou 3 tratores, encontram-se em uma propriedade. Todos realizavam
práticas conservacionistas do solo.
A quantidade de benfeitorias e instalações, por sua vez, variou de apenas 1 item a
de 6 a 9 itens.
Na ocupação da mão-de-obra, metade dos estabelecimentos apresentou a
contratação exclusiva de empregados permanentes ou temporários. A conjugação de mãode-obra familiar mais empregados permanentes ou temporários se fez presente em apenas
um estabelecimento. Predominou também, nesta mesma proporção, a existência de
relações de parceria e arrendamento. Os proprietários residem nos respectivos
estabelecimentos.
Por fim, todos no grupo, participavam de associações, sindicatos ou cooperativas,
tinham formação universitária, recebiam assistência técnica e registravam sistematicamente
a contabilidade do estabelecimento.
4.2.6 Tipo 6: Grande Pecuaristas e Criador de Cavalos
21
O tipo 6, representando as grandes propriedades de criadores de gado de corte ou
cavalos, foi formado por doze produtores, dos quais três tinham sua propriedade em
Agudos, dois em Campos Novos Paulista, um em Ocauçu, cinco em São Pedro do Turvo e
um em Ubirajara.
Neste grupo, todas as propriedades não tinham cultivos perenes. As culturas semiperenes ou temporárias encontravam-se em 25% deles, sendo que em duas propriedades o
percentual é de até 30%, e em uma é de 30 a 60% da área total.
Aqui encontram-se grandes estabelecimentos. Cerca de 92% do grupo tinha áreas
maiores de 500 ha , e nestas os pastos ocupavam áreas acima de 60% do espaço agrícola.
Os reflorestamentos também não ocorriam nos estabelecimentos. Mais da metade
das propriedades apresentavam menos de 30% de sua área total coberta com vegetação
natural e, em 33% delas ocorriam entre 30% e 60% de ocupação em relação à área total.
O predomínio da ocupação de mão-de-obra contratada foi, também, uma
característica marcante do grupo. O uso da força de trabalho familiar é menos expressiva
mas, mesmo assim, se conjuga com empregados permanentes.
Todos os produtores deste grupo tinham rebanho bovino misto ou de corte; sendo
33% deles de tamanho médio (de 151 a 499 cab) e 67% de grande porte (mais de 500 cab).
Apenas dois produtores possuíam gado leiteiro, com mais de 70 cabeças. A eqüinocultura
era significativa, estando presente em nove estabelecimentos, sendo que em quatro deles
com mais de 50 animais. Além disso, mais da metade dos estabelecimentos desenvolvia
algum tipo de criação de pequenos animais.
Quanto às características tecnológicas da produção animal, cabe destacar o não
confinamento e o pastoreio intensivo em onze estabelecimentos. A utilização de
inseminação artificial não ocorreu em 10 dos indivíduos agrupados. O uso de
equipamentos completos para preparo de alimentação complementar aos pastos
predominou na metade das propriedades. Em sete delas a lotação de pasto foi de menos de
1,0 animal/ha, e no restante de 1,0 a 2,5 cab/ha.
Na produção vegetal, a maior parte não tinha equipamentos de irrigação; usava
animais de trabalho; não fazia adubação mineral, orgânica ou verde; usava sementes e
mudas fiscalizadas e realizava práticas conservacionistas no solo.
Quanto às máquinas, mais da metade dos estabelecimentos tinham entre 2 e 3
tratores trabalhando com equipamentos que permitiam realizar os plantios e tratos culturais
com tração mecânica, no nível completo em seis propriedades e intermediário em cinco.
Nos aspectos sócio-organizacionais, estes produtores se caracterizaram por
manterem uma contabilidade formal das receitas e despesas da propriedade; por receberem
algum tipo de assistência técnica pública ou privada; não cederem áreas em arrendamento
ou parceria; participarem de organizações formais de representação social; não residirem
no estabelecimento e, terem nível universitário (75%).
Por fim, a maioria dos produtores tem 10 ou mais itens de benfeitorias e
instalações, um quarto destes possuem de 6 a 9 itens, e o restante, de 2 a 5.
As características resumidas dos tipos podem ser visualizadas na tabela 8.
22
Tabela 8. Síntese das características sócio-produtivas predominantes nos tipos
identificados.
Características
Tipos
Produtor de
Leite
Pequeno a
Médio
Pecuarista
< 200 ha
200 a 499 ha
Zero
Zero
− de 30%
30 a 60%
30 a 60%
+ de 60%
Composição da
mão-de-obra
Familiar +
empregado
permanente
Familiar +
empregado
permanente
Rebanho bovino
(misto, corte,
bubalinos)
− de 150 cab.
− de 150 cab.
Rebanho leiteiro
21 a 69 cab.
Zero
Criação de
eqüinos
10 a 49 cab.
Zero
− de 1,0 cab./ha
1,0 a 2,5
cab./ha
Benfeitorias e
instalações
6 a 9 itens
6 a 9 itens
Número de
tratores
Apenas 1
2a3
Conservação do
solo
Residência do
produtor
Não fazem
Fazem
Fora do
estabelec.
Fora do
estabelec.
Área total do
estabelecimento
% da área
c/lavouras
perenes, semiperenes e
temporárias
% da área
c/pastagens
% da área
c/vegetação
natural
Lotação de pasto
(proxy)
Agricultor
Exclusivamente Familiar
Pecuarista
Capitalizado
Grande
Pecuarista e
Criador de
Cavalos
500 a 999 ha
< 200 ha (67%)
(50%)
200 a 499 ha
(33%)
≤ 499 ha (43%)
500 a 999 ha
(50%)
+ de 1.000 ha
(50%)
− de 30%
≥ 1.000 ha
(58%)
500 a 999 ha
(33%)
Zero (75%)
− de 30%
(17%)
Agricultor
Diversificado
Zero (75%)
+ de 60%
(15%)
− de 30%
(67%)
30 a 60%
(33%)
Zero (44%)
+ de 60%
(38%)
30 a 60%
(67%)
+ de 60%
(33%)
Zero (67%)
− de 30%
(33%)
+ de 60%
+ de 60%
(84%)
30 a 60%
(16%)
Zero
Zero (44%)
− de 30%
+ de 60%
(68%)
(38%)
Zero (16%)
30 a 60%
(16%)
Exclusivamente Exclusivamente Exclusivamente Exclusivamente
contratada
familiar
contratada
contratada
(58%)
(50%)
(75%)
Familiar +
Familiar +
Familiar +
empregado
contratada
contratada
permanente
(50%)
(19%)
(42%)
Zero
+ de 500 cab.
+ de 500 cab.
− de 150 cab.
(67%)
(57%)
151 a 499 cab.
151 a 500 cab.
(33%)
(25%)
Zero (88%)
Zero
Zero (84%)
− de 20 cab.
+ de 70 cab
− de 20 cab.
(67%)
(16%)
(12%)
Zero (33%)
10 a 49 cab.
Zero (50%)
Usado como
Zero ou usado
(42%)
10 a 49 cab.
animal de
como animal de
+ de 50 cab.
(50%)
trabalho
trabalho (82%)
(33%)
Zero
1,0 a 2,5
− de 1,0 cab./ha
− de 1,0 cab./ha
cab./ha (50%)
(58%)
(38%)
+ de 2,5 cab./ha
1,0 a 2,5
1,0 a 2,5
(50%)
cab./ha (42%)
cab./ha (32%)
10 ou + itens
6 a 9 itens
2 a 5 itens
2 a 5 itens
(67%)
(50%)
(67%)
(63%)
6 a 9 itens
Até 1 item
até 1 item
Até 1 item
(25%)
(50%)
(33%)
(32%)
2 a 3 (50%)
2 a 3 (67%)
Nenhum (67%)
Zero (63%)
nenhum (50%) apenas 1 (25%)
Apenas 1
Apenas 1
mais de 6 (8%)
(33%)
(37%)
Fazem (82%)
Fazem (67%)
Fazem
Fazem
Fora do estabelec.
(94%)
No estabelec.
No estabelec.
No estabelec.
(50%)
Fora (50%)
23
Fonte: Dados da pesquisa.
5. Conclusões
5.1 Pesquisa de Campo: Estudo Exploratório do Entorno Social e Econômico
dos Remanescentes Particulares de Cerrado do Estado de São Paulo
A pesquisa de campo mostrou-se importante e necessária, pois permitiu um maior
conhecimento da região em estudo, além de caracterizar sócio-econômicamente os
agricultores bem como outras comunidades rurais que habitam os entornos dos fragmentos.
Para uma metodologia de abordagem da população rural é fundamental iniciar com
um diagnóstico exploratório de percepção da realidade regional a partir de contatos com as
lideranças, formais e informais, e os agentes econômicos-institucionais da localidade, além
dos agricultores.
De acordo com o grau de pressão das ocupações humanas sobre as manchas,
constatou-se que as com maior proximidade dos grandes centros urbanos, e portanto, mais
sujeitas à alta pressão da expansão imobiliária, encontram-se num processo de deterioração
que dificilmente poderá ser revertido. Esta ocupação, respaldada por fortes interesses
econômicos, acarreta uma nova situação decorrente da divisão das manchas em lotes,
transferindo a responsabilidade pela manutenção da reserva legal a cada um dos novos
proprietários. Estes, embora, necessitem da licença de desmatamento para realizarem
benfeitorias no imóvel, com a averbação de 20% da área conforme determina a lei, acabam
fragmentando ainda mais as manchas, cooperando para a descaracterização e extinção das
mesmas.
Restam então, no esforço para a preservação dos remanescentes particulares de
cerrado as manchas em áreas rurais e aquelas próximas às cidades menores, cuja
especulação imobiliária ainda não se faz tão presente.
Contudo, na zona rural os remanescentes de cerrado vêm passando por outro
processo de ocupação, não menos nocivo e destrutivo ao bioma, realizado tanto por parte
dos pequenos produtores que os utilizam como forma de expandirem suas áreas de
exploração agrícola, quanto pelos grandes proprietários (pessoas físicas ou empresas
agroindustriais) dedicados à atividades extensivas como a pecuária e a monocultura. A
representatividade sócio-econômica de cada um desses grupos de produtores é bastante
diferente e, portanto, do ponto de vista das políticas públicas, devem ser trabalhados
distintamente.
Além desses aspectos, conhecer a história local/regional é tão importante quanto a
compreensão da dinâmica atual de desenvolvimento e das dificuldades encontradas na
produção agrícola de um modo geral, e em particular na produção e reprodução dos
agricultores de base familiar e assentados.
Constatou-se que os agricultores, e as comunidades rurais locais, têm pouco ou
nenhum conhecimento sobre o emprego das espécies do cerrado e tampouco sobre as
possibilidades de exploração econômica de algumas delas. O cerrado é, normalmente, visto
como um “mato” e, por falta de outras opções, parece ser a obrigatoriedade de autorização
para o desmatamento e a atuação do DEPRN e da Polícia Florestal, o que ainda evita que
áreas maiores não tenham sido destruídas. Grande parte dos agricultores não tem uma
ligação afetiva com as áreas de remanescentes existentes nas propriedades. Por este motivo
mantém apenas os 20% de reserva legal e derrubam o restante do cerrado ocupando essa
nova área com a produção agropecuária.
24
Para aqueles com área de vegetação natural acima de 20% são as dificuldades
financeiras que atrasam o desmatamento possível, dado o momento de crise por que passa a
economia do país (principalmente os pequenos e médios produtores). Para outros (grandes
propriedades e empresas rurais), a agricultura é parte de um portfólio de aplicações não
representando, por vezes, uma prioridade no momento.
As empresas agroindustriais estabeleceram um modus vivendi com as áreas que
tomam em arrendamento. As usinas sucro-alcooleiras, por exemplo, queimam e/ou
desmatam as áreas de cerrado, derrubam cercas, casas e outras benfeitorias e eliminam
pomares e outros cultivos para a implantação do canavial que é cultivado até a margem dos
rios e córregos. Se a conjuntura para a produção de açúcar e álcool se tornar desfavorável,
os usineiros não renovam o contrato de arrendamento, e devolvem a terra exaurida, e
muitas vezes com erosões graves aos proprietários, que assim, recobram uma terra em
piores condições, e mais descapitalizados. O desmatamento, em boa parte, acontece, sem
que a polícia florestal tome conhecimento e consiga autuar os responsáveis, mesmo porque
essas empresas têm grande influência político-regional.
A possibilidade de compensações financeiras para a manutenção das manchas, no
entanto, foi a tônica de todos os entrevistados.
De qualquer forma, uma maior fragmentação das manchas que restam dos cerrados
paulistas, em terras de particulares, representa uma ameaça concreta e inexorável à
extinção deste bioma no Estado, e urge que medidas sejam tomadas para impedir esse
processo.
5.2 Uso Sustentável e Conservação das Áreas Particulares Remanescentes de
Cerrado no Estado de São Paulo
O extrativismo sustentado como negócio para a exploração econômica do cerrado
paulista parece não se configurar, nos dias atuais, como uma atividade com perspectivas
lucrativas, pelo menos na área amostrada objeto deste estudo. Em primeiro lugar em função
das áreas dos remanescentes existentes estarem dispersas, formando um mosaico irregular
e sem economia de escala que justifique uma exploração extrativista rentável, o que não
desperta o interesse, principalmente dos grandes proprietários rurais, cujo mote é sempre
utilizar seus recursos com o máximo lucro possível.
Em segundo lugar pela falta de disseminação do conhecimento científico e mesmo
popular sobre a fauna e flora do cerrado com potenciais para fins alimentares,
farmacêuticos ou cosméticos. O cerrado, para os agricultores paulistas, na região
amostrada, não apresenta uso econômico strictu sensu. A maior parte das vezes serve para
retiradas de lenha destinada ao consumo doméstico e palanques de cerca, e, em outros
casos, para extração de algumas ervas medicinais, frutas para consumo próprio e, raras
vezes, como local para a produção de mel de abelha. O conhecimento popular, para o uso
das espécies do cerrado em São Paulo, vem se perdendo gradativamente com a morte das
pessoas mais idosas que dominavam esse saber e, portanto com poucas possibilidades de
transmissão às gerações atuais24. Neste Estado, à exceção de um conhecimento ainda
24
Procurou-se identificar, na pesquisa de campo, comunidades ou agricultores isolados vivendo no entorno dessas
manchas, que tivessem entre as suas atividades o extrativismo de espécies com valor de consumo e comercial. Ao que
parece, na maior parte das regiões com esses remanescentes, não existem evidências de tradição na extração de produtos
oriundos do cerrado. Conforme testemunhas, antigamente era comum o uso de ervas desse “mato” para fins medicinais,
porém hoje, esse conhecimento está se perdendo com a morte dos últimos “raizeiros”.
25
relativamente preservado em áreas de mata com grande extensão como no caso do Vale do
Ribeira, parece que pouco restou do etnoconhecimento do caboclo paulista.
As pesquisas científicas relativas a um manejo adequado na exploração racional e
conservação das espécies de cerrado, a tecnologia para obtenção dos diferentes produtos, e
os aspectos sociais e econômicos das comunidades envolventes, são ainda muito
incipientes.
Algumas questões centrais que a pesquisa precisaria responder para se iniciar
propostas de explorações extrativistas sustentadas, tem a ver com: qual a área mínima de
cerrado para se conseguir uma exploração racional das espécies (área viável para
exploração comercial), por exemplo o marolo, que se mostrou a fruta mais citada pelos
entrevistados; qual a produtividade das espécies em ambiente natural para se poder
programar uma escala extrativa econômica ou ainda qual deve ser a dispersão das plantas
(stand por área natural) para se obter uma produtividade mínima econômica; qual a
proporção de incidência de pragas e doenças; como se conservar o produto para não se ter
perdas pós-colheita, e mesmo perda de elementos constitutivos (composição química) das
partes utilizadas da planta; qual o rendimento da colheita (quantidade colhida por homemdia) em condições naturais; quais são os mercados consumidores, os custos e benefícios, os
canais de comercialização, o potencial de exportação, e as possibilidades de criar novos
mercados face a uma oferta estabilizada das espécies com potencial econômico? Enfim, são
tantas as questões-problemas a serem pesquisadas até se poder ter elementos para a tomada
de decisões de ordens técnica e econômica, que urge estabelecer outras medidas que
possam impedir a degradação das manchas existentes até se conseguir um estoque razoável
de resultados de pesquisa para uma exploração racional dos recursos do cerrado.
Como não há conhecimento técnico suficiente para se recomendar um manejo
racional dessas espécies, e muito menos pesquisas de mercado, ao se pensar em
conservação dos remanescentes é mister se pensar em medidas que estimulem e forneçam
compensações aos proprietários dessas manchas. Tendo uma forma de ressarcimento,
prioritariamente financeira, o agricultor sente-se recompensado pelas medidas
protecionistas que possa vir a adotar.
Nesse sentido é fundamental que se estabeleça um PROGRAMA DE
CONSERVAÇÃO DOS REMANESCENTES PARTICULARES DE CERRADO NO
ESTADO DE SÃO PAULO, no qual as políticas públicas sugeridas possam se somar e se
articular, sem burocracia e com a agilidade que se necessita, num todo mais global. Esse
Programa deveria ser constituído em parcerias entre as Secretarias da Agricultura e
Abastecimento, do Meio Ambiente, da Educação e da Saúde, em ações e intervenções
conjuntas, sincronizadas e diferenciadas segundo as regiões, os grupos humanos dos
entornos e a população interessada no tema. A partir da institucionalização de um Grupo
ou Comissão encarregada desse Programa, outras instâncias poderiam ser articuladas, como
por exemplo a Assembléia Legislativas e outras áreas do Ministério Público, que pudessem
respaldar, no campo legal, os esforços e as medidas técnicas e sociais tomadas pelo
Executivo.
De toda forma, qualquer ação intervencionista nas propriedades/comunidades em
que se encontram esses remanescentes precisam estar associadas à participação dos agentes
locais, sejam os proprietários, sejam as lideranças locais, formais ou informais. Todo o
processo de alocação de recursos públicos em programas e políticas como os propostos,
mesmo com o objetivo de ofertar alternativas que sejam operacionais, sustentáveis, e
técnica e economicamente viáveis, estará fadado ao fracasso se não considerar os anseios e
as perspectivas da população alvo (PRETTY, 1995; ARRAES, 2001 e REIS, 2001).
26
Em resumo, algumas medidas, parte desse Programa de incentivo à preservação dos
fragmentos, voltadas a um desenvolvimento rural sustentável local, podem ser:
* Conscientização da população/comunidades/escolas locais, num trabalho
exaustivo de educação ambiental, com folhetos explicativos e técnicos agropecuários e de
legislação, manuais instrutivos, etc.;
* Comunicação com os proprietários por meio de mala direta, palestras, cursos
técnicos, reuniões e dias de campo, com a finalidade de esclarecimentos sobre o cerrado,
seu papel e possibilidades de exploração;
* Formação de viveiros de espécies nativas, em parceria com as instituições oficiais
e não governamentais para o florestamento da mata ciliar, com orientação técnica;
* Incentivo ao reflorestamento com o plantio de igual número de espécies nativas
no fragmento de cerrado ou na mata ciliar;
* Recuperação das pastagens degradadas, com incentivos creditícios;
* Incentivos fiscais. A não cobrança do ITR das áreas preservadas com averbação;
se a área de cerrado for acima de 200 hectares por exemplo, diminuir o ITR das áreas de
cultivo;
* Estimular a averbação com a compensação dos impostos territoriais;
* Estimular a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs)
* Multas da DEPRN compensadas pela averbação dos fragmentos;
* Reeducação para o reflorestamento diversificado. Estabelecer na bordadura dos
fragmentos Sistemas Agroflorestais (SAFs) com espécies do cerrado, como alternativa de
exploração econômica, e com assistência técnica ao agricultor;
* Estimular a apicultura, principalmente nos pequenos fragmentos;
* Utilizar a grande mídia, nacional e local, no trabalho de conscientização e
esclarecimentos (Globo Rural, Terra da Gente, Revistas sobre Agropecuária, Rádios
Locais, TVs Regionais, Rádio Jornais AM matinais, Jornais Municipais e Regionais, etc.);
* Trabalhar em estreita parceria com a CATI/SAASP, no Programa Estadual de
Microbacias Hidrográficas e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP),
especificamente no caso dos Assentamentos Rurais;
* Aumentar a fiscalização. Atuação enérgica, e sem tratamentos diferenciados, do
DEPRN e da Polícia Florestal;
* Procurar alternativas à exploração agropecuária, como fonte de renda rural, não
obrigatoriamente agrícola25.
5.3 Agricultores–Tipo e as Políticas Públicas
As propostas que visem conservar e manter os remanescentes de cerrado em São
Paulo, devem abordar, num movimento crescente, a conscientização (educação nos seus
vários níveis), os incentivos e compensações para a conservação, as alternativas produtivas,
e por último a “punição” com a aplicação da legislação em vigor. Embora esse
escalonamento possa parecer paternalista, a experiência tem demonstrado que de nada
25
Trabalhadores rurais assentados, segundo a Revista Veja, 2001, têm procurado alternativas para aumentar a renda,
como a exploração do turismo rural na forma de agroturismo. Já existe em Porto Alegre uma agência especializada em
turismo nos assentamentos, atuando numa nova modalidade, à semelhança do que ocorre em outros lugares do mundo e
também na favela da Rocinha no Rio de Janeiro. A proposta é conhecida como “MSTur”, e permite o acesso de turistas
somente por meio das agências credenciadas pelo MST. É o turismo solidário, engajado, que atende também os
interessados no exterior.
27
adiantam os esforços do Estado na defesa do bem coletivo, sem a participação das
comunidades interessadas, e se somente se atuar com o peso da lei.
De acordo com o que se discutiu até o momento é prioritário concentrar os esforços
naquelas manchas não pressionadas pela especulação imobiliária. Nesse sentido, a partir da
tipologia dos agricultores/propriedades dos entornos, pode-se pensar que as Políticas
Públicas, dentro de um Programa de Conservação dos Remanescentes Particulares de
Cerrado no Estado de São Paulo, devem obedecer às características sócio-econômicas e de
exploração das diferentes regiões.
Ao Estado, em termos gerais, por meio da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento e outras secretarias de Estado, caberia promover:
* principalmente nas pequenas e médias propriedades, a formação de Sistemas
Agroflorestais (SAFs) e Agrossilvopastorís, uma vez que em pequenas áreas, esta seria
uma das opções de desenvolvimento da agricultura nos cerrados, comungando os objetivos
alimentares, econômicos e energéticos do produtor com a melhor conservação do ambiente
(VELOSO&CHAIB FILHO, 1999). Embora exista a necessidade de geração de mais
conhecimento, através de pesquisas, para se saber quais as melhores espécies nativas para a
constituição desses SAFs, algumas iniciativas, e a decorrente experiência acumulada na
implantação
desses
sistemas,
vêm
sendo
desenvolvidas
no
país26
(BERTALOT&MENDOZA, s.d.; SOARES&NOWOTNY, s.d.; ALTIERI, s.d.). Um
programa que também estimulasse o plantio de florestas homogêneas, para diminuir a
pressão sobre a retirada de lenha para os diversos fins, inclusive moirões de cerca (a
candeia por exemplo), complementaria essas ações;
* para as grandes propriedades reforça-se a necessidade de se criar um programa
específico de recuperação de pastagens, associado ao crédito agrícola, que estimule o
melhoramento das pastagens nas regiões de pecuária de corte, para evitar o pastoreio do
gado em áreas de campos limpo e sujo do cerrado. Ademais, estímulos fiscais poderiam
estar progressivamente associados à conservação dos remanescentes e à formação e/ou
incremento de corredores ecológicos, que aumentassem a área com o plantio de espécies
nativas e facilitassem a locomoção da fauna, servindo também como locais de preservação
de animais silvestres27;
* no caso das empresas agroindustriais, como as usinas sucroalcooleiras, a
obrigatoriedade de se manter os remanescentes intactos, e mais de se incrementar
melhorias na proteção dessas áreas, deveria contar com a aplicação severa da legislação
ambiental, uma vez que são esses agentes os mais agressivos em relação ao uso do solo. O
mesmo ocorre com as terras arrendadas por essas usinas, que por iniciativa própria,
desmatam as áreas arrendadas sem maiores conseqüências legais, a não ser, em algumas
situações, pagar a multa pertinente. Sabe-se ainda que, somente as exigências do mercado
interno e internacional quanto à origem do produto via certificação, garantia dada pelas
normas e padrões técnicos para uma produção que respeita o meio ambiente, não dá conta
desta questão;
26
É o caso das pesquisas da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica em Botucatu, que faz parte do Movimento
Biodinâmico no Brasil
27
Esta idéia está sendo implantada inclusive em pequenas áreas, a exemplo da criação de reserva legal comunitária, como
a realizada nos assentamentos do Incra no Pontal do Paranapanema, no extremo oeste do Estado de São Paulo. Segundo
Flávio Gandara, professor de ecologia vegetal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP),“A
paisagem local é bastante degradada e 20% da área de cada agricultor é muito pouco para garantir a recuperação do
ecossistema. Assim, grupos de assentados se uniram e criaram pequenos bosques, que batizaram de trampolim ecológico.
Esses trampolins permitem que as espécies “pulem” de um bosque ao outro e se reconectem” (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 20/11/2001).
28
* no caso da pesquisa, paralelamente os Institutos de Pesquisa do Estado
(Florestal, Economia Agrícola, Agronômico de Campinas, Tecnologia de Alimentos e
Associativismo e Cooperativismo), e as Universidades Estaduais e Federais, dentro mesmo
da sua vocação histórica produtivista, poderiam promover pesquisas voltadas ao
aproveitamento de espécies nativas, contribuir com pesquisas na área de exploração e
manejo dessas espécies em condições naturais, e também em cultivos homogêneos. Para
tanto seria importante a constituição de Programas/Projetos em conjunto com as agências
de fomento governamentais (CNPq, Finep, FAPESP, etc) e não governamentais nacionais e
internacionais (Fundações Boticário, Ford, etc), que incentivassem linhas de pesquisa para
exploração racional e viabilidade econômica das espécies de cerrado.
Para a Região Noroeste do Estado, área deste estudo, em que a presença de
pastagens predomina em todos os tipos detectados, ficou bastante claro e urgente (a curto
prazo) a necessidade de propostas de políticas que privilegiem:
a) A recuperação das pastagens (com linhas de financiamento específicas por
tipo/categoria de agricultor), formalizando acordos com os proprietários no sentido de
preservar o cerrado, averbando os remanescentes, não colocando gado nessas áreas,
principalmente nas grandes fazendas, e o compromisso de reforçar o perímetro dessas áreas
com o plantio de espécies nativas;
b) O estabelecimento de Sistemas Agroflorestais I (grandes propriedades) com
espécies do cerrado, frutíferas e reflorestamento no estabelecimento de corredores de
ligação entre as grandes manchas de cerrado com o estudo de incentivos progressivos na
cobrança do ITR;
c) O estabelecimento de Sistemas Agroflorestais II (pequenos e médios
agricultores), com espécies do cerrado, frutíferas e reflorestamento para provimento de
lenha e palanques de cerca, com acompanhamento técnico;
d) O trabalho estreito com os técnicos da CATI/SAASP (Programa de Microbacias
Hidrográficas-PMBH) e do ITESP;
e) A atuação conjunta com a grande mídia, no sentido de concientização da
população sobre a importância do cerrado.
É fundamental, que nos processos de intervenção, se leve em consideração as
especificidades de cada tipo de agricultor, adaptando as políticas propostas às
características produtivas e sócio-econômicas predominantes no grupo.
Em prazo mais longo, é importante que se incremente a pesquisa e a extensão com
produtos de potencial econômico, como o marolo e a guabiroba, tanto em manejo
sustentável na área do cerrado, quanto em plantios nos SAFs, e mesmo em cultivos
homogêneos.
Em resumo, no curto prazo, precisa-se pensar nos programas de recuperação de
pastagens e implantação de SAFs, no programa de formação de corredores
ecológicos/ciliares e estímulos fiscais, diferenciados por tipos de agricultores/propriedades,
e, no longo prazo, em ações de pesquisa.
5.4 Proposta Metodológica de Trabalho com Vistas a um Programa de
Conservação dos Remanescentes Particulares de Cerrado do Estado de São Paulo
Pretende-se com esta proposta, dado que os resultados dessa pesquisa podem ser
válidos apenas para a região objeto da amostra, traçar um roteiro metodológico de tal forma
que se possa reproduzi-lo em qualquer situação histórica-geográfica do Estado.
29
São Paulo é um Estado com características geográficas diferenciadas e desiguais
formas de ocupação territorial, e portanto, deverá apresentar resultados diferentes para cada
situação e localidade. Também é preciso não ignorar que o país trilhou, e ainda trilha, o
caminho do desenvolvimento capitalista, e não há como ignorar as relações sociais de
produção e as iniqüidades inerentes a esse processo.
Para se estabelecer um conjunto de políticas públicas, que se configure em um
desenho articulado para o desenvolvimento rural com a preservação dos recursos naturais,
em especial o bioma cerrado, é necessário o conhecimento das características físicanaturais e sócio-econômicas de cada região, inseridas na sua base geográfica e no seu
contexto histórico.
Ademais, qualquer recomendação que prescinda do enfoque participativo
dificilmente encontrará eco no tecido social, tornando inócua as medidas propostas. A
discussão democrática dos destinos de uma comunidade/região, envolvendo diretamente os
interessados, é que aumenta as chances das leis funcionarem sem desmandos e proteções. É
necessário estabelecer-se antes um “pacto social” para ser possível também um “pacto dos
homens com a natureza”. As peculiaridades de cada região, por si só, já indicam que os
tratamentos devem ser diferenciados. O mesmo é válido para a sociedade humana. Não se
pode tratar igualmente os desiguais.
A perspectiva educacional não pode ser esquecida, mas também não se pode
considerá-la como a solução definitiva para a eliminação da miséria e das relações
negativas com o meio ambiente, como é bastante comum acontecer com os adeptos da
educação ambiental. Esta é parte de um contexto maior educacional, em que o aprender é
no sentido amplo, com a totalidade da essência humana, e sem o individualismo da atual
educação competitiva. É preciso pois, centrar a educação no desenvolvimento humano e
não no desenvolvimento econômico, entendendo que só é desenvolvimento o que cria e
recria a vida em todas as suas dimensões.
Por esse motivo, uma metodologia de trabalho, que tenha propósitos de ser aplicada
em qualquer região do Estado, deverá se constituir nas seguintes etapas:
1) Caracterização regional (histórica e geográfica);
2) Pesquisa exploratória (pesquisa de campo);
3) Identificação
das
propriedades/comunidades
dos
entornos
da
manchas/fragmentos amostrados;
4) Construção tipológica dos agricultores;
5) Proposta de políticas públicas regionalizadas, idealizadas d forma participativa e
inseridas no Programa de Conservação dos Remanescentes Particulares de Cerrado no
Estado de São Paulo.
A CATI/SAASP e a DEPRN/SEMA, por meio dos seus técnicos e auxiliares,
deverão ter uma participação efetiva no levantamento das propriedades que se encontram
nos entornos, bem como nos contatos com os agricultores e no “convencimento” da
aceitação das propostas de incentivo.
Embasando esses passos devem existir: transparência; participação da sociedade
civil; e interesse coletivo.
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