O sonho da floresta - Contos e Historias

Transcrição

O sonho da floresta - Contos e Historias
O SONHO DA FLORESTA
Há muito, muito tempo, antes da chegada do homem branco ao Novo Continente,
Lalita, uma jovem índia, levantou-se uma certa manhã a tremer: tinha tido um pesadelo.
Sonhara que majestosas aves brancas atravessavam o oceano, acompanhadas por um vento
tão forte que todas as árvores se curvavam à sua passagem.
Tinha até ouvido a floresta chorar.
— O que quer isto dizer? – perguntou aos pais.
Mas nem o pai nem a mãe souberam explicar-lhe.
— Foi apenas um sonho, Lalita – disse o pai. — Não te
inquietes, minha filha.
Mas, um dia, pouco tempo depois deste curioso sonho, numa altura em que estava a
contemplar o horizonte, Lalita pensou ter visto, ao longe, enormes aves brancas que
voavam ao seu encontro por cima do mar. Não eram – infelizmente – aves majestosas,
mas antes as velas brancas de imponentes navios, a bordo dos quais se encontravam
estranhos indivíduos. Lalita estremeceu, o sonho tornava-se realidade.
Os homens vindos do Oceano chegaram a terra. Possuíam machados e nenhum
respeito tinham pela floresta. Nem sequer se preocuparam com os índios que, ao contrário
deles, amavam as árvores e compreendiam a sua linguagem. Começaram então os homens
brancos a abater, uma a uma, as árvores da floresta. Acarretavam as árvores mortas até aos
navios, deixando para trás a terra desolada e nua. Uma vez desaparecida a floresta, nada
mais restava a Lalita senão chorar. Já não havia vivalma na floresta, nem ursos nem aves.
E os próprios índios se puseram em fuga, os velhos apoiados nos bastões e os bebés nos
braços das mães.
Lalita não queria fugir. O coração dizia-lhe que ficasse junto das árvores bem-amadas e não as abandonasse.
— Irei mais tarde – prometeu à mãe.
Refugiou-se então numa gruta. Cheia de terror e de desespero, viu os homens
brancos destruírem a floresta. Ouviu também choros de crianças. Em verdade, eram os
gritos de dor das árvores abatidas pelos machados. Lalita sentiu que o seu coração se
partia. Viu e escutou tudo, até ao momento em que os homens brancos levaram a última
árvore, desaparecendo por fim.
Ao cair da noite, Lalita deixou o refúgio. No céu, as estrelas brilhavam como
diamantes. Os reflexos cor de safira, rubi e esmeralda da aurora boreal acariciavam os
cumes das montanhas. Mas Lalita nada via desse espectáculo. Chorava a floresta cujas
árvores conhecera uma por uma. Chorava a terra devastada que outrora acolhera o seu
povo. E as lágrimas impediam-na de ver o crescente prateado da lua a subir no céu e a
resplandecer num silêncio de morte.
Lalita estava estendida, imóvel. Apenas os cabelos ondulavam sobre a terra deserta.
Durante sete dias e sete noites assim permaneceu. Durante sete dias e sete noites Lalita
chorou. E chorou tanto que um riacho nasceu das suas lágrimas.
E do riacho brotou uma cascata.
E as lágrimas de Lalita espalharam-se pela terra seca formando novos rios.
Na manhã do oitavo dia, algo de inesperado ocorreu. Um rebento surgiu na beira do
rio de lágrimas. E o rebento transformou-se numa campainha tão branca e suave como a lã
de um cordeiro. Pouco depois surgiu uma outra
campainha-branca, depois uma outra, e a terra devastada
acabou por se cobrir completamente de pétalas brancas
como a neve.
Mas Lalita de nada se deu conta. Continuava a
chorar. As suas lágrimas alimentavam o rio que se espalhava sem cessar. As lágrimas
impediam-na de ver os jovens rebentos de carvalho e os minúsculos picos dos pinheiros
que nasciam. Não via as árvores que cresciam a seus pés nem as flores que surgiam entre
os seus dedos.
Um dia, ao nascer do sol, ouviu-se um canto tão puro e tocante como a música de
uma flauta.
— Um pássaro! – murmurou Lalita.
Parou de chorar e abriu os olhos. Nos ramos de um ácer um pisco
cantava.
Lalita riu, saltou de alegria e estendeu os braços. A ave, tão feliz
quanto ela, esvoaçou e veio pousar-lhe na mão. A vida regressava à
floresta. As suas lágrimas tinham sido sinceras, e a elas a terra tinha ido
buscar a água e o amor necessários para que a natureza de novo
brotasse. O amor permitira o regresso dos animais, dos pássaros e da
sua família.
A partir desse dia os índios afirmam que, se um amor é fiel, tudo o que foi destruído
renasce das cinzas, e que o amor leva sempre a melhor sobre o ódio.
Kenneth Steven
The song of the trees
London, Little Tiger Press, 2002
(tradução e adaptação)

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