Luz – elo entre neurociência e arquitetura
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Luz – elo entre neurociência e arquitetura
Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Luz – elo entre neurociência e arquitetura Ana Beatriz Alves de Oliveira (IPOG) [email protected] Iluminação e Desing de Interiores Resumo O presente artigo tratou-se das possibilidades de se realizar pesquisa interdisciplinar entre profissionais da arquitetura e da neurociência. Desejou-se obter respostas objetivas acerca da influência da luz em ambientes edificados sobre os seres humanos, no que tange à sua produtividade, seu bem-estar e suas emoções mais diversas, determinando, pelo menos nalguma medida, a sua forma de ser e de existir. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre algumas das descobertas neste campo, pretendeu-se basicamente duas coisas: a) apresentar aos profissionais da arquitetura a importância deste campo do conhecimento humano e, b) chamar a atenção para a necessidade de pesquisas conjuntas, isto é, coordenadas por neurocientistas e arquitetos, no Brasil. Os resultados indicam que há influência biológica e psicológica da iluminação sobre o homem. Concluiu-se que a pesquisa interdisciplinar entre arquitetura e neurociência pode ser útil para elucidar questões referentes ao homem diante do ambiente construído sob determinadas condições de iluminação. Palavras-chave: Neurociência; Arquitetura; Luz natural; Ritmo circadiano; Saúde. 1. Introdução: o que a neurociência traz de novo para a arquitetura? A arquitetura é, fundamentalmente, uma forma de linguagem. Uma edificação está, ainda que de forma não consciente para os receptores, em constante comunicação com as pessoas que com ela entram em contato. Esta interação comunicativa não é apenas do tipo estético – atribuições de propriedades estéticas do tipo “belo” ou “feio”–, nem apenas do tipo funcional – este edifício é funcional ou pouco funcional–, ou do tipo cultural – esta edificação expressa, reflete a cultura de um povo –, mas também, e especialmente para o que importa ao presente artigo, determinante, pelo menos nalguma medida, para aquilo que as pessoas fazem e sentem, para aquilo que as pessoas são. Não há nada de novo em dizer isto, já Von Wright nos advertia do poder transformador da arquitetura sobre aqueles que com ela entram em contato, nas palavras de William Cronon: (…) o que ele [Von Wright] tentou fazer foi trazer todos esses elementos, controlá-los, subordiná-los à sua visão como uma forma de criar uma perfeita realização da beleza e da sua visão do que seria viver dentro desse belo espaço seria verdadeiramente transformadora. Faria as pessoas diferentes que habitavam esse espaço. E assim, sua visão é de uma estética que serve toda a vida espiritual humana. (destaquei) O que Von Wright talvez não imaginasse é que um dia uma ciência altamente empírica como a neurociência estaria de braços dados com a arquitetura num empreendimento interdisciplinar com vistas a investigar o papel desempenhado pela arquitetura na qualidade de vida e psíquica dos indivíduos, no fomento e ampliação de suas capacidades e Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 potencialidades, enfim, na determinação e conformação de sua existência. A neurociência tem desenvolvido métodos, experimentos e instrumentos capazes de comprovar, medir e interpretar a influência dos ambientes construídos sobre os seres humanos, isto é, tem fornecido uma forma de captar, de maneira objetiva, o poder da arquitetura sobre a saúde e comportamento das pessoas. Com isso, a arquitetura já pode contar com alguns subsídios práticos fornecidos pela neurociência. Zeisel, arquiteto norte americano e um dos maiores especialistas mundiais em arquitetura comportamental cita alguns desses subsídios: (…) o conhecimento de que em UTIs neonatais devem ser evitadas luzes fortes e sons intensos, que podem danificar a seqüência genética programada do desenvolvimento do pavilhão auditivo e do córtex cerebral dos bebês. As escolas devem entender que crianças de diferentes idades aprendem de diferentes maneiras e, portanto, o conteúdo emocional das salas de aula, na forma de dispositivos físicos, pode incrementar o aprendizado. Já em centros de tratamento de portadores de Alzheimer os corredores devem ser planejados de forma a mostrarem um destino claro, que conduza o paciente a andar com objetivo, e não vagar, ação comum em quem é atingido pela doença. (ZEISEL, 2010). O arquiteto ainda entende a arquitetura “como o resultado do esforço de cooperação entre pesquisadores e arquitetos, tendo em vista o verdadeiro bem-estar de quem habita o ambiente construído.” Através desses experimentos sabe-se, objetivamente, que toda experiência que o ser humano vivencia é conseqüência do resultado de atividades do cérebro, da mente e de sua percepção individual. Isto contribui em grande parte para o trabalho de arquitetos, pois os mesmos passam a se preocupar em correlacionar as atividades humanas em um determinado espaço com as reações do cérebro e da mente a este espaço, projetando ambientes que suprem as necessidades não somente físicas dos indivíduos, mas, sobretudo, necessidades psicológicas e emocionais. Pesquisas interdisciplinares a respeito da influência de ambientes planejados sobre a mente estão influenciando e muito o design, levando a projetos de vanguarda como residências para idosos com mal de Alzheimer, nas quais o prédio se torna parte do tratamento. Figura 1 – Perspectivas da fachada e de um dos quartos do edifício Hiléa, desenvolvido para o público idoso. Uma das maiores preocupações do projeto desenvolvido pelo escritório Aflalo & Gasperini, foi enriquecer a vida dos moradores através de recursos arquitetônicos e tecnológicos. Pode-se perceber a grande utilização de luz natural e janelas que possibilitam vista para o exterior Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Fonte: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/162/imprime60710.asp/ Da mesma forma, a Kingsdale School, em Londres, foi reestruturada com o auxílio de psicólogos a fim de promover a coesão social. Sua nova configuração também inclui elementos que estimulam a criatividade. A medida que estas pesquisas vão se aprofundando, algumas escolas de arquitetura espalhadas pelo mundo, vêem a necessidade de incluir em seu plano acadêmico aulas introdutórias de neurociência. Cada vez mais o interesse nos efeitos do design arquitetônico sobre o comportamento humano parece estar aumentando gradativamente. Já há alguns anos Gage (2003), ao falar da junção entre neurociência e arquitetura, demonstra esta preocupação propondo que uma nova disciplina derivada da comunicação entre neurociência e arquitetura fosse criada, possibilitando, portanto, aos futuros profissionais da área de arquitetura, uma consciência maior ao se projetar espaços destinados aos seres humanos. 2. Como a arquitetura e seus ambientes podem provocar sensações nos indivíduos As sensações que um espaço pode produzir no ser humano, em sua mente, ou melhor dizendo, em seu cérebro, acarretam experiências cognitivas específicas de acordo com os espaços e lugares projetados para uso do homem. Botton (1969, 2007) descreve com grande sensibilidade e veracidade seus sentimentos ao adentrar em uma lanchonete do McDonald’s localizada em um prédio de granito e vidro fumê, em Londres: (…) o clima dentro da lanchonete era solene e concentrado. Os clientes comiam sozinhos, lendo jornais ou olhando os ladrilhos marrons, mastigando com uma severidade e rispidez que fariam a atmosfera de uma estrebaria parecer sociável e bem educada. (...) O verdadeiro talento da lanchonete estava na geração de ansiedade. A luz dura, os sons intermitentes de batatas congeladas mergulhando em bacias de óleo e o comportamento frenético dos funcionários no balcão, convidavam a se pensar em solidão e na falta de sentimento da existência num universo violento e caótico. A única solução era continuar comendo na tentativa de compensar o desconforto provocado pelo cenário. (BOTTON, 2007:108) Estas sensações são por muitas vezes sutis e variam de acordo com cada pessoa. Por isso o profissional da área de arquitetura deve-se atentar em entender a mente humana, decifrá-la, alimentá-la com o resultado de seus projetos. Por isso, mais uma vez, pode-se salientar a importância da neurociência para a arquitetura. Botton (1969, 2007) já se preocupava com o resultado de algumas obras ao dizer: Embora os nossos sentimentos quanto a determinados lugares não possam realmente desafiar a razão, não é difícil entender por que procuramos uma superestrutura religiosa que dê substância aos nossos indefiníveis desconfortos. Entretanto, esses desconfortos podem sempre ser vistos como resultado nada oculto de uma falta de empatia, obra de arquitetos que se esqueceram de homenagear as sutilezas da mente humana, que se deixaram seduzir por uma visão simplista de quem podemos ser, em vez de prestar atenção à realidade labiríntica de quem nós somos. (BOTTON, 2007:248) E continua, ao demonstrar o seu protesto sobre a importância de uma obra arquitetônica: Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Nós queremos que quase todas as construções não apenas exerçam uma função específica, mas também tenham uma certa aparência, que contribuam para um determinado estado de espírito: de religiosidade ou erudição, rusticidade ou modernidade, comércio ou domesticidade. Podemos desejar que gerem uma sensação de segurança ou excitação, de harmonia ou contenção. Podemos esperar que nos liguem ao passado ou sejam como um símbolo do futuro, (...). Numa sugestão mais abrangente, John Ruskin propôs que busquemos nos nossos prédios duas coisas. Queremos que eles nos abriguem. E queremos que eles falem conosco (...) (BOTTON, 2007:62) A medida que adentramos em determinados lugares, nosso cérebro funciona exaustivamente, não apenas dimensiona o lugar ou observa suas cores, forma e textura, mas um conjunto de sensações e sentimentos são despertados. Investigações formais sobre como os humanos interagem com o ambiente construído tiveram início na década de 1950, quando vários grupos de pesquisa analisaram o quanto os projetos de hospitais, em especial de instalações psiquiátricas, influenciavam o comportamento dos pacientes. Emile Anthes em seu artigo publicado em abril de 2009 descreve a busca do premiado biólogo Dr. Jonas Salk para a cura da poliomielite em um laboratório localizado em um porão escuro, em Pittsburgh: O progresso era lento, então, para aclarar sua mente, Salk viajou para Assis, na Itália, onde passou algum tempo em um monastério do século 13, vagando entre colunas e claustros. Subitamente, Salk foi inundado por novos insights, incluindo aquele que o levaria à bem sucedida vacina contra a poliomielite. Ele passou a acreditar tão intensamente na capacidade da arquitetura de influenciar a mente que se juntou ao renomado arquiteto Louis Kahn para construir o Instituto Salk em La Jolla, Califórnia, para que ele fosse uma instalação científica capaz de estimular novas descobertas e encorajar a criatividade. (ANTHES, 2009) Figura 2 – Instituto Salk, La Jolla, Califórnia Fonte: http://blog.ounodesign.com/2009/05/02/how-rooms-and-architecture-affect-mood-and-creativity/ Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Figura 3 – Instituto Salk, La Jolla, Califórnia Fonte: http://blog.ounodesign.com/2009/05/02/how-rooms-and-architecture-affect-mood-and-creativity/ Figura 4 – Instituto Salk, La Jolla, Califórnia Fonte: http://blog.ounodesign.com/2009/05/02/how-rooms-and-architecture-affect-mood-and-creativity/ Pesquisas atuais podem auxiliar a fundamentar a observação de Salk, segundo a qual aspectos do ambiente físico podem influenciar a criatividade. Em 2007 Joan Meyers-Levy, professora de marketing da Universidade de Minessota observou, através de experimentos, que a altura do teto de uma sala afeta o modo de pensar das pessoas. A professora concluiu que ambientes com pé direito maior fazem com que as pessoas sintam-se menos restritas estimulando a criatividade, ao passo que ambientes com pé direito menor inspira um olhar mais detalhado. A escolha de um deles dependerá, portanto, do tipo de atividade que será dedicada no espaço, por exemplo, em uma sala de cirurgia, um teto mais baixo pode ser a melhor escolha, pois faz com que o cirurgião preste mais atenção nos detalhes. E ainda salienta que “é possível conseguir esses efeitos através da manipulação da percepção do espaço, usando tintas de cores claras, por exemplo, ou espelhos que façam a sala parecer maior.” 3. Três descobertas da neurociência que estimularam sobremaneira os estudos acerca da interconexão arquitetura-indivíduos Se arquitetura é linguagem, a luz é o contexto no qual tal linguagem é falada. Assim, não por acaso o ramo precursor para descoberta e desenvolvimento das ligações existentes entre arquitetura e neurociência não tem sido outro senão a influência da luz para a saúde e comportamento das pessoas. Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Os seres humanos são seres circadianos, isto é, grande parte de seus processos biológicos, psíquicos e fisiológicos apresentam padrões que estão em sincronia com o período do dia. Daí o nome circadiano, do latim, circa (perto, aproximadamente) e dia. Obviamente, os ritmos circadianos sofrem a influência de fatores os mais diversos, contudo, não parece haver dúvidas de que a luz desempenha um papel primordial neste processo. Pensava-se que a retina do olho humano contava com apenas dois tipos de células fotorreceptoras, células que são responsáveis pela transformação das ondas luminosas em impulsos eletroquímicos a serem decodificados pelo cérebro. Pois bem, em 2001 foi descoberto um novo tipo de células receptoras. Tais células não estão envolvidas diretamente com a visão, mas, antes, com a captação de mudanças, ainda que mínimas, nos padrões de luminosidade do ambiente. A função primordial destes receptores é sinalizar tais mudanças às células nervosas localizadas no núcleo supraquiasmático. O núcleo supraquiasmático é o responsável pela sincronização das respostas cerebrais e corpóreas aos ritmos circadianos. Como diz Eve Edelstein, tal sistema fornece pistas que afetam as respostas biológicas (endócrinas, do sistema imunológico, cardíaco, metabólico, emocional, cognitivo) bem como as comportamentais. Assim, várias pesquisas vêm sendo levadas a cabo no sentido de perquirir pela influência da luz sobre os indivíduos. Por outro lado, até pouco tempo atrás constituía verdadeiro dogma a ideia de que o cérebro, uma vez atingida a sua maturidade fisiológica, seria fixo e imutável. Portanto, uma vez atingida a sua maturidade, nada mais estaria por crescer e regenerar, mas tudo estaria por morrer. Pesquisas recentes mostram, contudo, como ressalta o neurocientista Fred H. Gage, que existem neurônios mais “plásticos” do que se pensava. Dizer que o cérebro é “plástico”, segundo Gage, significa dizer que ele está em constante mudança devido a eventos e estímulos, bem como devido a exigências para se tornar mais eficiente. As conexões entre neurônios podem ser aumentadas ou diminuídas com base nas experiências dos indivíduos. Até mesmo o número total de neurônios pode mudar em certas áreas do cérebro devido a vivências diversas, bem como pela interação física com ambientes. Ou seja, comprovou-se que a estrutura cerebral se modifica em resposta a mudanças ambientais e que de fato tais mudanças são mais amplas e profundas durante a fase de desenvolvimento, contudo, surpreendentemente e de forma notável, a plasticidade estrutural derivada de estímulos ambientais pode e continua durante toda a vida dos mamíferos. A implicação disto para a arquitetura? Simples: “A arquitetura pode mudar nossa estrutura cerebral bem como nossos comportamentos”. A terceira importante descoberta foi a demonstração de Epstein e Kanwisher et al (1999) no sentido de que a área parahipocampal se apresenta significantemente mais ativa quando os indivíduos estão em contato com cenas mais complexas, como a rua de uma cidade, o interior de uma igreja, salas etc., e menos ativa quando em contato com, por exemplo, fotografias de objetos. Da mesma forma, a atividade desta área do cérebro tende, quando uma pessoa está vendo um lugar ou espaço novo, a ser maior do que quando esta mesma pessoa se depara com uma visão repetida. Os experimentos acerca da atividade da área parahipocampal podem, dentre outras coisas, nos auxiliar a entender como os indivíduos respondem à simetria e harmonia nas edificações. 4. Algumas implicações para os centros educacionais, locais de trabalho e hospitais É verdade que como se trata de um ramo ainda nascente há muita empolgação em torno da Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 possibilidade e das implicações deste projeto conjunto da neurociência e da arquitetura. Muitos resultados carecem de maiores testes, ainda há muito a ser descoberto e testado. Contudo, como diz Gordon Chong, tudo isto é excitante demais para que qualquer arquiteto possa deixar de perguntar: “E se...?”. Seríamos capazes de prever respostas humanas? Poderíamos utilizar a neurociência para fundar uma estrutura para decidirmos acerca da confecção de projetos? Os ambientes construídos seriam capazes de aumentar a qualidade de vida dos seres humanos, diminuindo stress, ampliando a capacidade cognitiva e produtiva dos indivíduos, aprofundando e estimulando respostas espirituais e emocionais, reduzindo episódios de depressão, ou, até mesmo, aumentando a longevidade? Assim, creio não ser despropositado passar em revista algumas das descobertas e implicações desse novo projeto interdisciplinar para a arquitetura de locais que desempenham uma importante função na sociedade contemporânea, nos quais, portanto, permanecemos grande parte de nossas vidas, notadamente, centros de educação, locais de trabalho e hospitais. Para tanto, seguirei de perto o livro, já citado, de John Paul Eberhard, bem como os artigos, também já citados, de Eve Edelstein (e outros). a) Arquitetura, neurociência e centros de educação: Pesquisas têm demonstrado, e os arquitetos devem ter isto em mente, que, enquanto edificações, as escolas influenciam sobremaneira o aprendizado e a capacidade cognitiva dos indivíduos. Assim, escolas projetadas por arquitetos com conhecimento dos últimos desenvolvimentos da neurociência acerca de como o cérebro humano responde aos estímulos advindos dos ambientes, podem conduzir à ampliação do poder cognitivo dos indivíduos, bem como à otimização do processo de aprendizado. Por outro lado, virar a face para os dados advindos da neurociência, ou para a necessidade de pesquisas nesta seara pode fazer com que arquitetos estejam contribuindo, ainda que de forma não intencional, para prejudicar a capacidade cognitiva e o aprendizado de crianças e adolescentes. _ O escritório Lisa Heschong mostrou, aplicando os estudos comportamentais nas escolas da Califórnia, que um aumento da luz natural tende a aumentar a atenção e aumentar a pontuação dos estudantes em testes. Os alunos das salas mais ensolaradas tiveram um progresso 26% mais rápido em leitura e 20% em matemática em um ano, do que aqueles com menos incidência de luz diurna em suas salas de aula. _ A qualidade e característica da luz natural e artificial afetam a capacidade do cérebro de processar informação. A luz é um importante expediente responsável por modular o grau de atenção. _ Barulho e reverberações excessivas podem afetar o desempenho educacional, seja de uma criança com dificuldades auditivas, seja de crianças com capacidade auditiva normal, mas que possua alguma outra dificuldade de audição ou mesmo de concentração, ou, ainda, até mesmo uma criança com nenhuma dificuldade auditiva ou de fala. _ As propriedades acústicas das salas de aula têm uma influência significante sobre o processo cognitivo de crianças com audição normal, influência esta que é multiplicada no caso de crianças com problemas auditivos e/ou de concentração e/ou fala. Contudo, infelizmente, poucas pesquisas são feitas neste campo, de forma que as salas de aula tendem a ter barulho excessivo (interiormente ou exteriormente) e um poder de reverberação baixo. _ Salas de aula que possibilita vistas da natureza, em especial de árvores distantes e espaços verdes, comprovadamente auxiliam a criatividade, a concentração e a memória, combatendo assim o déficit de atenção em crianças. Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 _ Em escolas, a luz deve ser projetada de forma individual, visto que crianças de diferentes idades desenvolvem atividades diferenciadas e aprendem de diferentes maneiras. b) Arquitetura, neurociência e locais de trabalho: Os arquitetos se deparam, cotidianamente, ao desenvolvimento de projetos destinados a espaços de trabalho. Embora a maior preocupação desses profissionais, por um grande período de tempo, tenha sido tornar esses espaços úteis e funcionais, abrigando e possibilitando que as atividades que seriam executadas nos mesmos pudessem ser desenvolvidas pura e simplesmente, atualmente sabe-se que várias questões precisam ser consideradas para que o ambiente, além de funcional, se torne confortável, agradável e eficiente. A questão primordial aqui é que a arquitetura pode contribuir, agora orientada por dados objetivos, para ampliar o bem estar e a produtividade dos trabalhadores. _ Estudos da neurociência concluíram que no desenvolvimento de projetos de ambientes de trabalho destinados a pesquisa, deve-se dar prioridade para maximização, dentro do possível, isto é, na medida em que não afete os experimentos, da incidência da luz natural, tendo em vista que esta tende a aumentar a capacidade cognitiva dos indivíduos. De acordo com Stenberg e Wilson (2006), privar cientistas da luz natural para que os mesmos fiquem visualmente orientados (pois não haveria janelas) tem conseqüências negativas para seus desempenhos. Lembremos do exemplo do biólogo Salk, citado no presente artigo, em que, em um determinado momento, o seu trabalho não obteve um resultado satisfatório, pois o seu laboratório localizava em um porão escuro, o privando, além da luz natural, de uma vista para o exterior; _ Outro item que deve ser considerado é, sempre que possível, permitir uma visão para o exterior, aumentando com isso a qualidade das atividades ali desenvolvidas. Apesar de sugerir distração, contemplar através de uma janela, na verdade melhora a concentração, em especial se forem observadas vistas naturais como um jardim, campo ou floresta; _ Sempre que possível, deve-se incluir no programa de necessidades dos projetos de laboratórios, salas de descanso e descontração, que proporcionam ao cérebro um momento de relaxamento, essencial para o sucesso do desempenho e produtividade de cientistas; _ Estudos têm demonstrado que “a luz precisa ser personalizada” principalmente em ambientes de trabalho. Isto quer dizer que os profissionais que trabalham com iluminação devem se atentar para utilização de controles de iluminação, tais como, diferentes níveis de iluminância de acordo com a atividade a ser desenvolvida. Desta forma, além de economizar energia, sabe-se que as necessidades de quantidade de luz em um determinado ambiente variam amplamente de acordo com cada pessoa. Isto devido a diferença de idade dos ocupantes, variação do humor, da atividade desenvolvida no ambiente, do estado psicológico e fisiológico do indivíduo e também por razões de preferência individual. c) Arquitetura, neurociência e hospitais: _ Pesquisas empíricas têm fornecido evidências de que a falta, não prolongada, de luz diurna pode estar associada a níveis alterados de fadiga, desorientação e sono, enquanto que ausências prolongadas podem estar associadas com desordens afetivas temporárias, depressão e desordens psiquiátricas; _ Tem sido sugerido, ainda, que níveis de luz tipicamente de ambientes interiores bem como de ambientes e construções tipicamente urbanas podem ser insuficientes para estimular respostas circadianas, levando ao rompimento de ritmos biológicos e de ciclos de descanso/atividade; _ Estudos em epidemiologia sugerem que o aumento de taxas de câncer em enfermeiras que Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 trabalham no período noturno pode estar relacionado com a falta de ciclos de luz noturna e à quase constante exposição delas à luz, no trabalho e em casa; _ Pesquisas demonstram, também, que ambientes arquitetônicos, taxas e freqüências de luminosidade, através da influência que exercem no ritmo cardíaco, podem ter relevância direta para a saúde, desempenho e bem-estar dos indivíduos e, na medida em que a função cardiovascular é um mecanismo associado de forma subjacente com a atenção e memória, a arquitetura e a iluminação podem influenciar, também, as funções cognitivas; _ Como diz Edelstein, no projeto de ambientes hospitalares deve-se atentar para o fato de que é necessário individualizar o ambiente às necessidades distintas dos pacientes; _ Mais, deve-se ter e mente que o pessoal que trabalha no hospital (médicos, enfermeiras, secretárias etc.) possui necessidades distintas da dos pacientes, de forma que é imprescindível ter isto em conta nos projetos, bem como tentar compatibilizar tais necessidades que, não raro, são mesmo conflitantes; _ Pesquisas têm mostrado que, diferentemente do que se pensava até pouco tempo, a luz vermelha (temperatura de cor quente), assim como a azul (temperatura de cor fria) e a branca clara (temperatura de cor neutra), exerce influência sobre a produção de melatonina; _ Fácil acesso à luz do dia ou à luz elétrica em níveis suficientes para estimular o “sistema desperta/dorme” deve ser priorizado quando e onde for possível; _ A distribuição de espaços para aqueles que tenham de trabalhar na escuridão ou em padrões distintos dos impostos pelo padrão circadiano natural deve priorizar o acesso à luz do dia; _ A orientação da edificação e suas aberturas devem ser projetadas de maneira a captar a luz natural de forma controlável, onde assim for possível; _ A luz deve ser controlada, na medida do possível, para evitar desconforto, variações indesejáveis de temperatura e incômodos gerados pelo reflexo; _ A condição de saúde e médica do paciente, bem como a sua higidez mental, devem ser levadas em conta para tomada de decisão no sentido das necessidades de luz da edificação. Assim, deve-se priorizar a instalação de mecanismos de individualização e controle de entrada de luz, ao invés da adoção de um padrão único; _ Há que se ter em mente que se deve trabalhar e levar em conta tanto necessidade de luz, quanto a necessidade de ausência da mesma; _ Deve-se ter em mente que é importante não apenas controlar e pensar a influência exercida pela intensidade da luz e tempo de exposição, bem como atentar para a freqüência de luz exigida para cada caso, isto é, o comprimento de onda da luz também é importante. Segundo Anthes, nosso sistema circadiano é regulado primariamente por luz azul de ondas curtas. Essa luz de ondas curtas, presente na luz solar, permite que o cérebro e o corpo saibam que é dia. De acordo com Mariana Figueiro, diretora do Centro de Pesquisas da Iluminação do Rensselaer Polytechnic Institute, “seria uma decisão arquitetônica importantíssima oferecer às pessoas, se possível, um esquema de iluminação no qual pudessem diferenciar o dia da noite; _ Janelas nos quartos dos pacientes costumam trazer benefícios, contudo, em casos de situações de saúde precária ou de recuperação, nos quais o sono e o descanso são recomendados, a ausência de luz, mesmo durante o dia, costuma ser mais aconselhável; _ Pessoas com Alzheimer costumam ter problemas de insônia freqüentemente, sendo hiperativas no período da noite. Pesquisas têm mostrado que exposições à luz clara durante o dia e pouca luz durante a noite é capaz de restaurar o sono. Espaços bem projetados para esse tipo de paciente reduzem a ansiedade, agressão, isolamento social, depressão e psicose, de acordo com um estudo feito em 2003 por Zeisel e sua equipe. Nas figuras a seguir pode-se comparar Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 os diferentes níveis de iluminância de uma sala de refeições e atividades em uma clínica de reabilitação para pacientes com Alzheimer. Na figura 5 o nível de iluminância é muito baixo, entre 70 e 180 lux com baixa quantidade de luz do dia. Já na figura 6 a mesma sala de refeições utiliza uma quantidade muito maior de luz do dia, aproximadamente 320% maior. A segunda solução de iluminação regula o ritmo circadiano dos pacientes proporcionando uma qualidade de vida melhor aos mesmos. Figura 5 – Sala de refeições de clínica de reabilitação de pacientes com Alzheimer com iluminação não recomendada Fonte: Noëll-Waggoner (2006) Luz – elo entre neurociência e arquitetura Maio/2012 Figura 6 – Mesma sala de refeições de clínica de reabilitação de pacientes com Alzheimer, porém com solução de iluminação recomendada Fonte: Noëll-Waggoner (2006) 5. Conclusão Com os desenvolvimentos e resultados obtidos, ainda que de forma muito inicial, a partir da saudável união de arquitetos e neurocientistas, os profissionais da arquitetura passam a ter, comprovadamente: a) De um lado, uma importância fundamental na conformação fisiológica, psíquica, emocional e cognitiva dos indivíduos. A arquitetura se torna, comprovadamente, um instrumento capaz de proporcionar além de bem estar físico, emocional e psicológico, um meio para o tratamento de algumas doenças, fazendo com que os pacientes sintam com menos intensidade seus sintomas; e, b) Do outro, uma imensa responsabilidade de não deixar de lado ou fazer vistas grossas à tal importância, pois, da mesma forma que podemos, ainda que de forma não consciente, contribuir para o aumento e ampliação das capacidades e potencialidades humanas, também podemos, se não estivermos fundados teórica e empiricamente, contribuir para a diminuição delas. Por isso a importância da neurociência para arquitetura. No processo de design, isto é, de se projetar um espaço, arquitetos devem analisar o indivíduo que irá utilizá-lo, suas necessidades e limitações e, acima de tudo, visar o bem-estar final desse usuário. Através da neurociência esse resultado pode ser analisado de forma objetiva e não mais subjetiva. O presente artigo teve, portanto, por finalidade: a) Chamar a atenção para a necessidade do debate em torno das recentes descobertas advindas desta empreitada interdisciplinar; b) Lançar algumas questões com o intuito de proporcionar e cultivar uma reflexão sobre a influência da arquitetura e suas ferramentas de linguagem, tal como a luz, sobre os indivíduos: existem, de fato, bases científicas para se defender esta influência? Como o espaço edificado afeta os indivíduos de forma a produzir reações comportamentais, físicas, fisiológicas e psíquicas? Como projetar espaços que atendam individualmente as necessidades de cada usuário, visto que, em um mesmo ambiente arquitetônico, diversas atividades podem ser exercidas? Por onde começar? Como começar? De acordo com Edelstein, “podemos compreender melhor o ambiente, podemos compreender melhor nossas respostas, e podemos correlacioná-los”, respondendo objetivamente todas essas perguntas e possibilitando aos profissionais da área de arquitetura projetar espaços que atendam às necessidades físicas, mentais, psicológicas e emocionais dos indivíduos; c) Funcionar como um primeiro passo para que a sua autora possa, num futuro próximo, empreender um projeto de pesquisa nesta área, o que pretende fazer empregando não apenas o método de análise textual e a pesquisa bibliográfica, como fez no presente artigo, mas também, e acima de tudo, fazendo pesquisa de campo e testes empíricos. Referências BOTTON, Alain de. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. BOYCE, Peter R. 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