Comunicação e Indústria Audiovisual
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Comunicação e Indústria Audiovisual
COMUNICAÇÃO E INDÚSTRIA AUDIOVISUAL Coordenação: Prof. Dr. João Guilherme Barone ([email protected]) SESSÃO I - OLHARES SOBRE O MERCADO 20 anos da Retomada: um olhar sobre o cinema contemporâneo brasileiro Vanessa Kalindra Labre de Oliveira Miriam de Souza Rossini Resumo Há vinte anos o cinema nacional superava sua pior crise. Como resultado de uma reestruturação em todos os setores da indústria cinematográfica, a Retomada marca um período de transição importante na história da sétima arte brasileira. Assim, partindo da Embrafilme e seu desmonte, objetiva-se com este trabalho mapear algumas das principais mudanças ocorridas no cinema nacional desde os anos 1990, de modo a problematizar o posicionamento e a organização de nossa indústria audiovisual na contemporaneidade. Palavras-Chaves: Cinema Nacional; Retomada; Pós-Retomada; Indústria Cinematográfica; Mercado. O cinema brasileiro já passou por diversos ciclos produtivos, fases estéticas e crises, e por isso mesmo tem aprendido historicamente a se recriar, a se reinventar. Um de seus principais ciclos ocorreu durante a atuação da Empresa Brasileira de Filme – EMBRAFILME, órgão estatal que, após a extinção do Instituto Nacional do Cinema – INC, em 1975, passou a centralizar as determinações em torno dos principais eixos do mercado. Fundada em 1969, durante o contexto de ditatura militar, representou uma mudança importante de postura do Estado em relação ao cinema nacional – que até então se limitava a determinadas medidas no setor de exibição, através de políticas de cotas de tela. Entre 1969 e 1973, foram 80 produções brasileiras lançadas pela EMBRAFILME (AMANCIO, 2011) e embora seja uma época de censura, a indústria consegue se alimentar e ganhar espaço no mercado nacional. Como afirma Silva (2008), o market share alcançado durante seus anos de atuação chegou ao patamar dos 30%, ainda que estudos mais profundos sobre o período sejam dificultados em função da perda de materiais e dados sobre a empresa. Como sua base de fomento era o empréstimo, inicialmente tratou-se de investir em filmes de caráter mais comercial, capazes de cobrir seus custos – alguns, inclusive, de teor erótico, como: O Doce esporte do sexo (Zelito Viana, 1971), Eu transo, ela transa (Pedro Camargo, 1972) e Cassy Jones, o magnífico sedutor (Luís Sergio Person, 1972). A partir de 1973, em outra fase da empresa, ela passou a atuar como um pilar de sustentação do projeto ideológico desenvolvido pelo governo militar para o Brasil e, em função disso, ampliou seu interesse e fomento para filmes com conteúdos históricos e baseados na literatura nacional, revelando uma ambição de integração político-cultural. 1 Esse modelo entrou em crise na década de 1980, muito em função da transição política pela qual passava o país, que, articulada à uma economia inflacionada e a uma tensão social em relação ao futuro, entrava no período de democracia fazendo inúmeros ajustes. Em 1990 assume Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito com voto direto após o regime de exceção. Sua curta trajetória política no cargo foi marcada por uma postura neoliberal que, no campo cinematográfico, contribuiu ainda mais para a desestabilização do mercado. Nesse período, o governo rebaixou o Ministério da Cultura ao status de secretaria e extinguiu importantes órgãos estatais que fomentavam e regulavam o cinema nacional, como o Conselho Nacional de Cinema (Concine), a Fundação do Cinema Brasileiro (FCB), bem como a própria EMBRAFILME que, segundo Butcher (2005), já sofria com a descapitalização e a descentralização do cinema na sociedade brasileira, em função da popularização da televisão. Após destituir o mercado de sua regulação e fiscalização, o campo audiovisual no Brasil passou a ser estruturado pelo jogo de força política de seus agentes, cenário que privilegiou a hegemonia dos produtos norte-americanos e fez desaparecer os filmes nacionais das grandes telas. Entre os anos de 1990 e 1994, por exemplo, foram lançados apenas 29 filmes1 (GATTI, 2007), fazendo com que o cinema brasileiro saísse do imaginário popular da nação (ORICCHIO, 2003)2. Essa prerrogativa só começa a ser alterada em 1995, quando 14 filmes nacionais conseguiram ser lançados3, marcando com números de produção e de público o período conhecido como a Retomada do cinema nacional. Retomada Os danos causados pelas ações de 1990 repercutiram em toda a década, fazendo com que o cinema nacional precisasse se reinventar enquanto produto e processo de produção. Foi necessário, também, forjar novas bases de apoio e financiamento para os realizadores. Assim, diante das pressões políticas e da abertura do processo de impeachment, Collor aprovou, em 1991, uma medida para remediar a situação da cultura brasileira: a Lei nº 8.313/91, chamada de Lei Rouanet – que agia a partir de diferentes políticas públicas, como a instituição do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), formado pelo Fundo Nacional de Cultura, o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (BORGES, 2007). Em 1992, Collor é destituído do cargo, assumindo o vice-presidente da república Itamar Franco. Nesta época, a Lei Rouanet se somou à outra importante intervenção do Estado: a Lei nº 8.685/93, chamada de Lei do Audiovisual, criada em 1993 e com enfoque direcionado ao setor cinematográfico. Essas medidas legislativas foram as principais responsáveis pela estruturação e recuperação do mercado cinematográfico nacional neste 1 Foram sete filmes nacionais lançados em 1990; oito em 1991; apenas três em 1992; quatro em 1993 e sete em 1994. 2 Ressalta-se que a crise atingiu de maneira direta apenas a produção ficcional de longa-metragem, tendo pouco ou quase nenhum resquício na produção de documentários, curtas-metragens, filmes publicitários e programas de TV (BUTCHER, 2005) 3 Informação disponível em: http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2102-22052015.pdf, acessado em novembro de 2015. 2 período pós-crise – enfatizando a dependência do cinema nacional para com o Estado (BERNARDET, 2009). Estimulando principalmente o setor de produção, instaura-se, pois, uma das principais mudanças na política pública para o campo: um novo modo de financiamento promovido pelo Estado. Enquanto que na época da EMBRAFILME os recursos eram destinados aos cineastas de maneira direta, agora isso é feito, majoritariamente, de modo indireto através destas leis de incentivo fiscal que permitem abatimentos ou isenção de tributos às empresas que investirem em projetos audiovisuais. A Retomada, portanto, teve suas bases fixadas a partir de 1991, mas se consolidou em termos de produção e alcance de público em 1995, ano de lançamento do filme Carlota Joaquina: princesa do Brazil, dirigido por Carla Camuratti considerado o marco inaugural dessa fase. O filme ultrapassou a marca de um milhão de espectadores, recolocando, de maneira atualizada, a necessidade de discutir sobre o mercado audiovisual brasileiro, bem como sobre a nossa própria identidade nacional num panorama de globalização econômica e de mundialização cultural. Entre 1995 e 2000, a produção cresceu em volume e diversificou-se em gêneros e narrativas, mas, basicamente, buscou-se um diálogo maior com o público e uma renovação na estética audiovisual, processo que resultou em dois filmes indicados ao Oscar: O quatrilho (Fábio Barreto, 1995), que concorreu à categoria de melhor filme estrangeiro, e Central do Brasil (Walter Salles, 1998), indicado ao de Melhor Atriz, para Fernanda Montenegro. A busca pelas raízes do país e do próprio cinema nacional, fez com que aquele final de década explorasse, ainda, filmes com personagens em trânsito. Brasileiros partindo, como em Terra estrangeira (Walter Salles, 1995) e estrangeiros chegando, como em For All – O Trampolim da vitória (Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda, 1998) foi uma forma de buscar o diálogo, também, com públicos estrangeiros, o que impulsionou as coproduções na década seguinte. A mudança no setor é evidente, e aliada aos fomentos e às regulações estatais do período teve como efeito a expansão do mercado, resultando, inclusive, na criação e fortalecimento de inúmeras produtoras que alimentam desde então o audiovisual nacional. Segundo Borges (2007), entre 1995 e 2005, por exemplo, a Ancine registrou um total de 162 empresas no ramo, dentre elas, as mais relevantes – em termos de ritmo de produção e relação rendacaptação – são: Diler & Associados, Conspiração Filmes, Videofilmes Produções, LC Barreto Produções, Casa de Cinema de Porto Alegre, Copacabana Filmes, O2 Filmes, Renato Aragão Produções e a Globo Filmes – cuja criação só é possível entender dentro desse contexto de mudanças em relação àquilo que se esperava do cinema nacional: além de ser um bem cultural, passou-se a valorizar também sua função de bem de consumo. É por isso que a década encerra com um filme que inicialmente foi produzido como minissérie para a grade da emissora de televisão Rede Globo: O Auto da Compadecida, dirigido por Guel Arraes. Tornando-se uma das maiores bilheterias da fase final da Retomada, consagrou a entrada da maior emissora de televisão do país no campo cinematográfico brasileiro, e a partir daí as bases do nosso cinema foram lentamente sendo transformadas. Embora grande parte da atuação da Globo Filmes no mercado seja realizando coproduções em diferentes gêneros, sua marca tem sido relacionada de maneira muito forte às comédias, por serem muitas vezes desdobramentos de programas da Rede Globo de Televisão e utilizarem alguns de seus padrões linguísticos mais evidentes, como narrativa linear de 3 pouca ambiguidade e raccord, isto é, continuidade de tempo e espaço – trazendo, assim, umas das particularidades para o campo audiovisual no período: a aproximação entre televisão e cinema. Ao longo dos anos, embora parcerias entre cinema e televisão tenham sido desenvolvidas, foram sempre projetos isolados ou esporádicos. Por isso, em grande medida, os profissionais da área reunidos no III Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) – realizado em julho de 2000 em Porto Alegre – solicitaram uma legislação para o setor articulando os dois meios. Embora as iniciativas nesta direção tenham sido arquivadas 4 – em grande medida pela pressão imposta pelo Grupo Globo –, os debates do III CBC deram aval para a criação, em 2001, da Agência Nacional do Cinema – Ancine. Como órgão regulador do setor cinematográfico brasileiro ela é responsável, dentre outras coisas, por promover a produção nacional dentro e fora do país, contribuir com a distribuição e fiscalizar as normativas concernentes à exibição. Reestabelecido, pois, o mercado e o setor institucional, a fase da Retomada é finalmente concluída em 2002, com o sucesso de público e de crítica de Cidade de Deus, filme de Fernando Meirelles. A partir de então, o momento passa a ser marcado não mais por uma lógica de estruturação, mas de consolidação e expansão de mercado – iniciando um novo ciclo que, embora questionado conceitualmente, foi denominado de pós-Retomada (ORICCHIO, 2003). Pós-Retomada A pós-Retomada se inicia em 2003, ano em que, de maneira atípica, conseguimos o melhor índice de market share da história recente do cinema brasileiro: 21% da fatia de mercado. Embora esse número nunca mais tenha sido alcançado – chegamos perto em 2010, com 19% –, tratou-se de um ano de efervescência e entusiasmo para o campo cinematográfico nacional (FILME B, 2015). Assim, a produção nacional mostrou ser capaz de competir no campo se forem dados os instrumentos de que necessita e, surpreendendo com blockbusters, redefiniu um novo modelo de expectativa cultural para a sétima arte no Brasil. Neste período, como reavalia Ismail Xavier5, o cinema nacional passa a centrar-se em três principais eixos: (1) filmes que exploram a violência e a favela como espaço urbano de aproximação com o real e seus efeitos de verdade; (2) filmes que dialogam com as questões da migração, onde os personagens são, por diferentes motivos, levados a sair de sua cidade ou país para encontrar aquilo de que necessitam – às vezes a si mesmos; e (3) filmes que abordam o gênero da comédia, claramente dialogando com os códigos e as convenções historicamente consolidados na cultura brasileira pela televisão. O modo de financiamento foi alterado também. Enquanto a retomada se operacionalizou majoritariamente através da Lei Rouanet, a Pós-Retomada é marcada pela Lei do Audiovisual e pelo Fundo Setorial do Audiovisual – sendo este uma importante medida para 4 Foi o caso do projeto da Ancinav, que propunha a regulação de todo o campo audiovisual nacional, em meados dos anos 2000. 5 Considerações extraídas de uma palestra dada pelo autor em um congresso da USP, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gdv808PDeC0. Acessado em junho de 2015. 4 a ampliação e melhoria dos eixos de distribuição, comercialização e infraestrutura de serviços do campo audiovisual brasileiro.6 Outra medida relevante foi a Lei nº 12.485, mais conhecida como Lei da TV Paga, aprovada em 2011. Segundo o próprio site da Ancine objetiva-se com ela incentivar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, gerando emprego e renda ao setor. Para isso, considera-se os canais de espaço qualificado, aqueles que “no horário nobre, veiculam obras audiovisuais de espaço qualificado em mais da metade da grade de programação”, gerando receita após a primeira exibição dos produtos7. Os canais, a depender da natureza do espaço, têm a obrigatoriedade de veiculação de até três horas e meia semanais de produtos nacionais independentes. Esta prerrogativa, no entanto, apenas ratifica o fato de que a cinematografia brasileira tem, desde a década 1930, criado reserva de mercado para o produto nacional, quando na verdade isso deveria ter sido feito para o filme estrangeiro. Como resultado da burocratização dos processos que envolvem as leis de incentivos fiscais, e também para escapar à concentração de projetos aprovados no eixo sul-sudeste e viabilizar a realização audiovisual para além dessas reservas de marcado, uma nova modalidade de fomento tem se destacado na contemporaneidade: o crowdfunding, tipo de financiamento coletivo realizado on-line e com o foco voltado a produções de baixo orçamento. Outro importante diferencial deste período é a consolidação da tecnologia digital, o que nos leva a crer que, enquanto experiência e fruição, o cinema não se limita à técnica. Promovendo o barateamento das produções, a maior facilidade de circulação do produto nacional e exigindo a reformatação das salas de exibição – permitindo, inclusive, a expansão do parque exibidor para além dos grandes centros e dos shopping centers –, “o cinema digital viabiliza que os filmes produzidos sem o guarda-chuva da ‘grande indústria’ cheguem às telas dos cinemas em seus nichos de mercado. Propicia, também, que existam salas de exibição construídas com um menor investimento” (DE LUCA, 2009, p.338) Assim, o cinema digital pode ser um caminho possível para solucionar uma série de problema no mercado cinematográfico brasileiro, dentre eles o da distribuição, evitando a necessidade recorrente do apelo ao discurso patriótico para minimizar o baixo consumo e a pouca identificação do público com o produto nacional – estratégia empregada desde a década de 1920 (AUTRAN, 2008) e que, efetivamente, tem sido insuficiente para a formação de público e, principalmente, para a alteração da estrutura do mercado. Considerações Finais Entre 1995 e 2014 foram lançados no mercado brasileiro 1123 filmes. Como vimos, isso só foi possível através de uma reestruturação de todos os eixos que compõem o campo da indústria cinematográfica. Velhos esquemas foram substituídos por novos modos de organização que, aliados a uma economia mais estável, fortaleceram aos poucos a indústria brasileira de filmes. Isso não quer dizer, no entanto, que problemas antigos tenham sido resolvidos, pois, em termos de mercado ainda persistem deficiências que evitam progressos significativos. 6 8A Ancine promove ainda fomento direto via editais e seleções públicas, abarcando instâncias como o Prêmio Adicional de Renda e o PAQ – Programa ANCINE de Incentivo à Qualidade do Cinema Brasileiro. 7 9 Informações disponíveis em http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/nova-lei-da-tv-pagaestimula-concorr-ncia-e-liberdade-de-escolha. Acessado em outubro de 2015. 5 A distribuição de filmes nacionais ainda é precária e o setor de exibição continua sendo o grande funil da nossa indústria – segundo a Ancine, por exemplo, de 2002 a 2014 nossa fatia de mercado teve uma média de apenas 13,5%, revelando que o filme brasileiro continua marginal dentro do seu próprio país. Além disso, também há uma distribuição desparelha de gêneros narrativos. Horror, animação, fantasia e ficção científica, por exemplo, têm menor espaço do que comédias e dramas. Embora algumas medidas tenham começado a ser implantadas nos últimos anos, como o projeto Cine Mais Cultura, as políticas públicas no setor de distribuição e exibição continuam precárias, incapazes de alcançar o ritmo acelerado das produções. Isso é resultado de um posicionamento histórico já observados no início do século XX (GOMES, 1996), qual seja, o de priorizar o setor de produção em detrimento dos demais, incapacitando o escoamento e exibição dos filmes – desconsiderando, assim, que o campo é resultado de um conjunto de determinantes que precisam ser trabalhados de maneira integrada (SILVA, 2009). Partindo do pressuposto de que, “no caso brasileiro, a pouca frequência dos filmes no circuito comercial compromete aspectos simbólicos da formação do imaginário social” (SILVA, 2008, p.06), apenas uma articulação dialógica e imperativa no mercado pode superar o estigmatigma do cinema brasileiro, uma vez que, como afirma Bernardet (2009), o caráter abstrato da qualidade de um filme tem relação direta com as relações de forças do mercado. Assim, uma indústria só é forte quando os eixos do campo atuam em equilíbrio, independência e prosperidade – o que ainda falta ao cinema nacional. Referências AMANCIO, Tunico. Artes e manhas da Embrafilme: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977-1981). Niterói: EdUFF, 2011. AUTRAN, Arthur. As concepções de público no pensamento cinematográfico. Porto Alegre: Revista FAMECOS, nº 36, agosto de 2008. industrial BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma história. São Paulo: Companhia das letras, 2009. BORGES, Danielle dos Santos. A retomada do cinema brasileiro: uma análise da indústria cinematográfica nacional de 1995 a 2005. Dissertação de mestrado. Barcelona, 2007. BUTCHER, Pedro. Cinema brasileiro hoje. São Paulo: Publifolha, 2005 DE LUCA, Luiz Gonzaga Assis. A hora do cinema digital: democratização e globalização do audiovisual. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. GATTI, André. O mercado cinematográfico brasileiro: uma situação global?. IN: MELEIRO, Alessandra (Org). Cinema no Mundo: indústria, política e mercado: América Latina. São Paulo: Escrituras Editora, 2007. 6 GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ORICCHIO, Luiz Zenin. Cinema de novo: um balanço crítico da Retomada. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. Revista Filme B. Retomada: 20 anos depois. Festival do Rio: Outubro, 2015. Disponível em:http://www.filmeb.com.br/sites/default/files/revista/revista/revistafestivaldorio2015_ver saoweb.pdf, acessado em outubro de 2015. SILVA, João Guilherme Barone Reis. Comunicação e indústria audiovisual: cenários tecnológicos e institucionais do cinema brasileiro na década de 90. Porto Alegre: Sulina, 2009. ______________________________. Exibição, Crise de Público e Outras Questões do Cinema Brasileiro. Porto Alegre: Sessões do Imaginário, 2008. 7 Trânsitos audiovisuais: a produção ficcional para a internet Miriam de Souza Rossini8 Aline Gabrielle Renner9 Bibiana Nilsson10 Guilherme Fumeo Almeida11 Vanessa Kalindra Labre de Oliveira12 Resumo: A proposta deste trabalho é discutir os primeiros resultados obtidos na pesquisa Cinema dos novos tempos: experimentação de formatos audiovisuais narrativos e sua circulação em múltiplas telas. Nesta primeira fase, o grupo de pesquisa mapeou as produtoras de audiovisual ficcional para a Internet, nas diferentes regiões do país. Baseado neste levantamento, constatou-se o predomínio das narrativas seriadas e dos esquetes, ao estilo Porta dos Fundos. As experimentações estéticas e narrativas mostraram-se pontuais. Palavras-chaves: audiovisual; internet; produção ficcional Considerando o audiovisual como “um campo contemporâneo de convergência de formatos, suportes e tecnologias” (SILVA & ROSSINI, 2009, p.08) – resguardadas as devidas particularidades dos meios e suas materialidades –, é inevitável a constatação de que o audiovisual é um elemento constituinte da sociedade contemporânea e que, como tal, encontra-se também em movimento. Este processo de trânsito tem permitido, assim, sua aproximação com a Internet, demonstrando que o audiovisual se tornou maior do que os meios que o circunscrevem e tem potencializado, com isso, novos modos de produção e apreciação estética. O campo do audiovisual nunca foi estático e passou por diferentes ajustes ao longo do tempo. Dubois (2004), em sua obra Vídeo, Cinema, Godard, estabeleceu três 8 Doutora em História (UFRGS). Professora do Programa de Pós-Graduação (PPGCOM) e do Departamento de Comunicação (DECOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: [email protected] 9 Graduanda do curso de Publicidade e Propaganda do Departamento de Comunicação (DECOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista de IC Capes. E-mail: [email protected] 10 Mestranda do Programa de Pós-Graduação (PPGCOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected] 11 Mestrando do Programa de Pós-Graduação (PPGCOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 12 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação (PPGCOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 8 momentos de rupturas nos modos de se fazer e de se pensar o audiovisual, que deixaram marcas também em sua estética: o primeiro abrange o cinema mudo, quando a tevê ainda não fazia parte do espaço diegético do cinema; o segundo é em meados do século XX, com o surgimento da tevê, e o terceiro é a partir dos anos 80, quando as técnicas do vídeo passam a ser incorporadas ao fazer cinematográfico. Hoje observamos mais um momento dessa transformação, e podemos dizer que: a) a conjunção dada pelo surgimento das câmeras digitais e do seu acoplamento a diversos dispositivos móveis, b) os sites de compartilhamento de conteúdo através da internet e c) a proliferação de múltiplas telas de visualização desse conteúdo alteraram radicalmente o campo do audiovisual, levando-nos a uma nova etapa que refaz a periodização proposta por Dubois (2004) do desenvolvimento da linguagem cinematográfica (ROSSINI, 2015). Assim, o capo audiovisual tem sido alargado para acolher outros modelos de representações e maiores possibilidades de criação e veiculação de imaginários sociais a partir da produção e circulação de audiovisualidades na internet – que claramente suscita um diálogo com o processo de trânsito das audiências (OROZCO, 2011), na medida em que o barateamento dos custos e a facilidade de acesso à tecnologia digital permite que receptores tornem-se também, dentro do que hoje denomina-se Web 2.0, produtores e emissores de conteúdos. Conforme Wolton (2003), a Internet é uma ambiência por onde transitam tanto as mídias tradicionais (o rádio, a TV, o cinema, os jornais, impressos) quando as novas formas de circulação de informação (os blogs, os sites institucionais, os sites de compartilhamento de imagens, sons, vídeos, etc.). Não é um meio de comunicação, mas um espaço de trânsito da comunicação. E de uma comunicação que é feita tanto por agentes profissionais, imbuídos de ideias e valores de negócios, quanto do público em geral que agora possui uma forma de compartilhar, difundir as suas produções caseiras, amadoras, artísticas, ou mesmo as suas ideais e afetos. A ambiência da Internet com certeza mudou a sensibilidade dos públicos que a utilizam, propiciando um novo nível de partilha do sensível. Rancière (2005, p. 15) define a partilha do sensível como sendo “o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas.” 9 É partindo destas premissas que tem sido desenvolvido, pelos participantes do Grupo de Pesquisa Processos Audiovisuais (PROAv-UFRGS),13 desde março de 2015, o projeto de pesquisa Cinema dos novos tempos: experimentação de formatos audiovisuais narrativos e sua circulação em múltiplas telas. Buscando mapear, analisar e problematizar a produção audiovisual realizada para a Internet, o projeto visa a entender como o campo profissional do audiovisual está operando com as potencialidades desse cenário e como essas transformações, que não são apenas do âmbito tecnológico, mas também sociocultural, têm possibilitado a inserção de outros olhares e fazeres artísticos. O mapeamento Na primeira fase de desenvolvimento deste projeto foi realizado um mapeamento, em todas as regiões brasileiras, das produtoras audiovisuais que afirmavam possuir em seu portfólio narrativas ficcionais produzidas exclusivamente para a web. Utilizando-se as seguintes palavras-chaves: “produção audiovisual”; “produção audiovisual” + internet”; “produção webvídeos”; “produção webséries” e “produtoras de webvídeos”, chegou-se a um resultado inicial de 65 empresas. No entanto, feito tal filtragem, seguida de uma análise mais densa sobre estas empresas e seus produtos, constatou-se que a grande maioria das produtoras não possuíam realmente narrativas ficcionais, trabalhando preponderantemente com conteúdos publicitários e videoclipes – muitos sob o título de “produção ficcional” ou “websérie”. Assim, das 65 produtoras inicialmente mapeadas, apenas 22 de fato possuíam produtos ficcionais para internet, a maioria delas presente na região sudeste, conforme o gráfico abaixo: 13 O grupo de pesquisa também é composto pelos doutorandos: Pablo Alberto Lanzoni e Juliano Pimentel Rodrigues. 10 Das produtoras que possuíam“produção narrativas ficcionais, constatou-se que Palavras-chave: “produção audiovisual”; audiovisual” + internet; “produção webvídeos”; “produção webséries”; “produtoras de webvídeos”. Fonte: autores. 13 utilizam apenas o YouTube para publicar suas produções; 8 faziam uso do YouTube e do Vimeo simultaneamente, e apenas uma empresa utilizava somente o Vimeo. Isto é, das 22 produtoras, apenas uma não utilizava o YouTube, demonstrando a importância estratégica do site para o sistema de compartilhamento e visualização dessas produções. Definida esta etapa, realizou-se também um levantamento dos sites de compartilhamento de conteúdo audiovisual a fim de verificar a existência de narrativas ficcionais brasileiras em outras plataformas digitais. Foram listadas, através das mesmas palavras–chaves utilizadas no mapeamento das produtoras, 45 sites de compartilhamento, sendo estes de origem nacional e internacional. Além do YouTube e do Vimeo, encontrou-se apenas mais um endereço que continha narrativas ficcionais brasileiras, e em número pouco expressivo: o site francês Dailymotion, confirmando a prerrogativa de que, quantitativamente, o YouTube é o principal site de compartilhamento detectado. Os produtos Embora o universo de produção ficcional para Web esteja aos poucos se institucionalizando, tendo em vista os festivais que começam a abarcar esse tipo de audiovisual – no Brasil, por exemplo, o primeiro festival internacional de webséries ocorreu em novembro deste ano –, as etapas galgadas na pesquisa até agora desenharam um panorama ainda impreciso e movediço sobre essas produções. De qualquer forma, a 11 partir das palavras-chaves e dos procedimentos até então adotados, destacou-se o predomínio dos esquetes, em geral de caráter cômico e paródico, e das webséries, narrativas seriadas próprias do ambiente virtual, que ainda guardam, porém, semelhanças com as séries da televisão (ZANETTI, 2013). Já as experimentações estéticas e narrativas mostraram-se pontuais. O esquete é o formato coletado mais popular, evidência disso é sua predominância nos três canais mais populares do Brasil no YouTube: o Porta dos Fundos, o Parafernalha e o Galo Frito. O Porta dos Fundos14 é exemplo paradigmático do potencial de criação e distribuição do conteúdo audiovisual na web. Criado em março de 2012, o canal já possui mais de 10,5 milhões de inscritos e quase 2 bilhões de visualizações em seus 443 vídeos. O sucesso conquistado na plataforma virtual rendeu ao Porta dos Fundos a possibilidade de migrar para meios tradicionais, como a televisão e o cinema, processo que foi acompanhado por uma gradual profissionalização e institucionalização da produtora enquanto empresa. Por outro lado, as webséries destacaram-se também como um formato recorrente e relevante para a pesquisa. Com temas muito variados – questões sobre a adolescência, sagas de vampiros e monstros; sexo e relacionamentos, e até remakes de animações, musicais e narrativas interativas –, elas têm se transformado em um espaço de relativas experimentações audiovisuais, ainda que de modo pontual. Integrando os recursos próprios das plataformas e redes sociais – ou a interatividade que caracterizaria os modelos de negócio da web no contexto da contemporaneidade, dentre os quais o YouTube seria um exemplo expoente –, a produtora Cia Mãos do Vento, do Rio de Janeiro, por exemplo, produziu uma websérie interativa, “Quebra-cabeça”15. A história da série é construída a partir da contribuição do público via rede social, que propõe as “peças” do próximo episódio, sendo estas adaptadas e montadas pelos roteiristas, passando a incorporar o enredo. Ainda desta mesma produtora, a websérie “Mute”16 cria narrativas experimentais a partir de ruídos e imagens de caráter alegóricas com o objetivo de propor sensações e efeitos de sentido sem a utilização da linguagem verbal. 14 Disponível em: https://www.youtube.com/user/portadosfundos. Acesso em 06 de novembro de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gm8Qd4dasPc&list=PLUvW9wkck1zXXm5KwEeTVKpJOe7fojjPP. Acesso em 06 de novembro de 2015. 16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x9pcUiQCH4U&list=PLUvW9wkck1zVPjSDrQTGwL5N0xRV38dv h&index=8. Acesso em 06 de novembro de 2015. 15 12 Outros modelos também foram localizados, como o caso de curtas e longas metragens. A Platô Produções, produtora de Belém/PA, por exemplo, produziu um curta-metragem denominado Encantada do Brega17, onde explora o universo da música tecnobrega, gênero musical surgido no estado – o que pode explicar o fato de que, em menos de um ano, já alcançou aproximadamente meio milhão de visualizações no YouTube18. Destacam-se, ainda, dois longas-metragens produzidos exclusivamente para a web: Teste de Elenco (Osiris Larkin & Ian Sbf, 2011) e Calango Ball Evolution (Frank Silva, 2011), ambos experimentais e de baixo custo de produção. Enquanto o primeiro tensiona referências do cinema de ficção e do documentário, o segundo se ancora no processo paródico, resgatando a falta de requinte técnico como uma marca estética de sua narrativa, como fez o cinema nacional ao longo de sua histórica, através das chanchadas e do próprio cinema marginal. Considerações iniciais sobre o trabalho De uma maneira geral, observou-se que que as produtoras de audiovisual no Brasil ainda não consideram as potencialidades proporcionadas pela Internet durante seus processos de produção. A grande maioria das empresas mapeadas, por exemplo, ou concentra suas atividades nas áreas da publicidade e do videoclipe, ou pensa a Web apenas como uma janela de exibição de seus produtos ficcionais, depois de exibidos em outros lugares. Acredita-se que isso se deva, fundamentalmente, pela dificuldade de gerar renda e agregar capital simbólico ao produto na web, tendo em vista que esta ambiência (WOLTON, 2003) encontra-se, ainda, fundando suas bases. Outro desafio particularmente complexo para a pesquisa é o pouco material bibliográfico e de discussões sobre a produção ficcional para a Web, talvez dada sua fluidez e efemeridade. Nesse sentido, a classificação dos tipos de conteúdos, formatos e modalidades de difusão e consumo online tornou-se insuficiente a partir de categorias fixas, tendo em vista a impossibilidade de definição de um território tão dinâmico. Nessa perspectiva, percebeu-se que os nomes pelos quais nos referíamos aos produtos específicos de nossa busca não necessariamente correspondiam aos nomes pelos quais as produtoras entendiam suas produções – isso é, nos casos em que havia essa classificação. Deparou-se, então, com a dificuldade não apenas de encontrar essas 17 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jkASByzPWcw. Acesso em 06 de novembro de 2015. 18 Dados de 05 de novembro de 2015. 13 produções quanto de conceituá-las, o que demonstra a necessidade de tensionar teoricamente essas produções e seus espaços de circulação e consumo. Outra questão que merece ser evidenciada é o fato de que os canais e os vídeos possuem ciclos de popularidade: ainda que um canal tenha obtido (e ainda obtenha) um grande número de visualizações, ele pode não ser mais atualizado. Nesse sentido, é muito comum encontrarmos canais abandonados, como cidades-fantasma: as estruturas permanecem de pé, passíveis de serem manipuladas por eventuais viajantes (usuários que comentam, curtem ou compartilham), porém estes não encontram mais seus “fundadores” ou “habitantes”, isto é, os autores e produtores dos canais. Quanto ao modelo de produção, percebeu-se que é uma prática comum a união de produtoras profissionais com produtores independentes e coletivos, configurando o campo como uma área de complexa rede de associações formais e informais. Disto também decorre a dificuldade de determinar a “origem” de algumas produções, pois são fruto de associações que restam muitas vezes implícitas. Já em relação aos formatos, o levantamento revelou a predominância de produtos de caráter caseiro, paródicos e de apresentação pouco elaborada esteticamente. Além disso, constatou-se que a duração média deles encontra-se entre 2 a 5 minutos para os esquetes, e cerca de 15 minutos para cada episódio das webséries, seguindo uma tendência cada vez mais intensa na sociedade contemporânea, qual seja: a de se trabalhar tendo em mente uma produção de consumo rápido, voltado para o entretenimento das massas, centrados em edições dinâmicas e canais de constante atualização (ao menos para os casos mais bemsucedidos). Assim, essa fase inicial já foi capaz de revelar questões relevantes para as pesquisas sobre o audiovisual, apontando a internet como um espaço capaz de facilitar o acesso e potencializar as possibilidades de criação e exploração de outros modelos de produção e imaginários sociais, como ocorre com as produções localizadas no eixo norte-nordeste. Além disso, ressalta-se que as realizações audiovisuais destinadas à internet, em função de suas forças de moldagem e das particularidades estéticas que suscita, têm gerado o interesse da mídia tradicional: caso revelado com as produções do Porta dos Fundos, comentado anteriormente, e da websérie 3%, dirigida por Daina Giannecchini, Dani Libardi e Jotagá Crema, em 2001, que teve seu projeto comprado recentemente pela Netflix. Isso revela que o campo tende a crescer nos próximos anos, o que demonstra que as pesquisas na área precisam acompanhar essas novas demandas e questões, tais como nos propusemos a fazer. 14 Bibliografia: ÁLVAREZ MONZONCILLO, J. M. (2003). Cine: riesgos y oportunidades se equilibran ante el cambio digital. In: BUSTAMANTE, E. (coordenador). Hacia um nuevo sistema mundial de comunicación: industrias culturales em la era digital. Barcelona: Gedisa, p. 85-110. BURGESS, J. & GREEN, J. (2009). Youtube e a revolução digital. São Paulo: Aleph. CANCLINI, N. G. La sociedade sin relato. Antropología y estética de la inminencia. Buenos Aires: Katz, 2011. DUBOIS, P. Vídeo, cinema, Godard. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A tela global. Mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Porto Alegre: Sulina, 2009. OROZCO, G. G. La condición comunicacional contemporánea. 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Introdução Frankenweenie é um curta-metragem produzido em live-action19 no ano de 1984 e relançado em 2012, porém como animação em 3D stop motion, ambos são dirigidos por Tim Burton e baseiam-se em uma ideia original do diretor que procura prestar uma homenagem ao filme Frankenstein de James Whale, produzido em 1931, porém com uma diferença, nestas obras quem volta à vida é o cachorro Sparky que morre atropelado e é ressuscitado por Victor Frankenstein. Frankenweenie (1984) foi dirigido por Tim Burton. Lenny Ripps adaptou o roteiro cinematográfico para história e Julie Hickson, da Disney, produziu o curtametragem (STRANIERI, 20--, p. 12). O filme foi lançado em 1984, em preto e branco com duração de 29 minutos e era estrelado por Barret Oliver, como Victor Frankenstein. Shelley Duvall e Daniel Stern representaram os pais de Victor. No entanto, a The Walt Disney Studios decidiu que a história era imprópria para seu público e arquivou o filme. (STRANIERI, 20--, p. 08). Por fim, Tim Burton saiu da empresa e trabalhou em diversos projetos de seu interesse. Entre os anos de 1980 e os anos 2000, muitas coisas mudaram, os monstros deixaram de ser aterrorizantes e passaram a povoar o cinema, as lojas de brinquedos e outros segmentos de mercado. Os interesses das crianças e dos adultos se modificaram de tal maneira que, em novembro de 2007, Tim Burton assinou um contrato com a Disney para refazer o filme Frankenweenie como um longa-metragem em 3D stop motion. Acredito que Frankenweenie (2012) seja fruto de uma mudança de paradigmas, pois como afirma Linda Hutcheon (2013, p. 17) “nem o produto nem o processo de adaptação existem num vácuo: eles pertencem a um contexto – um tempo e um lugar, uma sociedade e uma cultura”. A alteração desses padrões é que nos tornou capazes de compreender a beleza de um filme que possui sua história baseada no amor e na amizade existente entre um menino excêntrico e seu cachorro “monstro”. 19 Live-action – termo utilizado para definir trabalhos realizados por atores reais. 16 A adaptação do filme Frankenweenie (1984), curta metragem produzido em liveaction para a animação produzida em 3D stop motion (2012), necessita de uma série de ajustes para que seja bem-sucedida, é essa adaptação, a utilização dos recursos de animação e dos novos recursos tecnológicos que pretendo analisar neste artigo. Adaptando Frankenweenie Frankenweenie é uma homenagem ao filme de terror Frankenstein (1931) de James Whale, mas também verifica-se uma homenagem à obra literária Frankenstein de Mary Shelley escrita no século XIX e que é um clássico do terror que tem inspirado diversos autores, sejam eles da literatura, do cinema ou de outras mídias. A arte de adaptar pode ser interpretada como a arte de contar e recontar histórias e é exatamente isso que acontece com Frankenweenie (1984, 2012). Tim Burton “reconta” sua história. Ele era um garoto excêntrico que perdeu seu amigo canino e teve a ideia de transformar em filme a sua perda, além disso, Burton homenageia os clássicos do Expressionismo Alemão e do Terror, como é o caso da obra de James Whale. Todas essas adaptações são apenas uma forma que recontar os grandes clássicos, afinal: Todos esses adaptadores contam histórias a seu próprio modo. Eles utilizam as mesmas ferramentas que os contadores de histórias sempre utilizaram, ou seja, eles tornam as ideias concretas ou reais, fazem seleções que não apenas simplificam, como também ampliam, vão além, fazem analogias, criticam ou mostram seu respeito, e assim por diante. (HUTCHEON, 2013, p. 24) Em Frankenweenie, Sparky é atropelado logo no início do filme e é ressuscitado por meio de eletricidade, técnica aprendida por Victor durante as aulas de Ciências. Nas figuras 1 e 2 é possível observar o momento em que Victor tem o insight de como fazer para trazer Sparky de volta. Figuras 1e 2 – Desenho feito por Victor Frankenstein durante a aula de Ciências Fonte: Frames capturados dos filmes Frankenweenie (1984, 2012, respectivamente). 17 Dessa forma, é possível observar que adaptar um curta-metragem de 29 minutos para uma animação de 87 minutos, exige, como diz Hutcheon (2013), a “seleção” do que deve permanecer do filme em live-action de 1984 para a animação de 2012, bem como exige um estudo para que a “ampliação” não se perca da proposta original. De acordo com Erick Felinto (2006, p. 414) “a introdução das tecnologias digitais facilitou imensamente os processos do cinema industrial e massivo, ao mesmo tempo em que ampliou possibilidades estéticas e abriu novos caminhos aos realizadores independentes”. Tais processos podem ser visualizados em Frankenweenie (2012). Além disso, cabe observar que as tecnologias digitais possibilitaram a criação de efeitos visuais que não eram possíveis de ser desenvolvidos em 1984 devido a escassez de recursos tecnológicos do período. Animando Frankenweenie Apesar de já existirem recursos para a produção de animações totalmente digitais, ainda há inúmeros animadores que resistem e utilizam técnicas de animação como desenho sobre papel, sobre película, além de recortes ou mesmo a confecção de bonecos de argila ou de papel para a elaboração de seus filmes. Segundo a pesquisadora Denise Guimarães (2012): Animação refere-se ao processo segundo o qual o fotograma de um filme é produzido individualmente, podendo ser gerado quer por computação gráfica quer fotografando uma imagem desenhada, quer repetidamente fazendo-se pequenas mudanças em um modelo e fotografando o resultado (claymation e stop motion). O desenvolvimento da animação digital aumentou muito a velocidade do processo, eliminando tarefas mecânicas e repetitivas. Quando os fotogramas são ligados entre si o filme resultante é visto a uma velocidade de 16 ou mais imagens por segundo, há uma ilusão de movimento contínuo (GUIMARÃES, 2012, p. 08). Frankenweenie (2012) foi produzido em 3D stop motion e para isso utilizou diversos bonecos com armação mecânica de aço por dentro, compreende-se que “a animação em 3D pode ser tanto com fotos (stop motion) como ser 100% digital, feito somente no computador ou, mistura os dois” (ANIMABLOG, 2008). Para Carolina Lanner Fossatti (2009, [p.13]) “as técnicas tradicionais combinam-se com aquelas advindas da tecnologia digital”, e podem ser observadas claramente em Frankenweenie (2012) que é a mistura das duas técnicas, tradicional e tecnologia digital. Assim, “o filme viabiliza uma experiência estética inovadora ao promover a hibridação entre as linguagens tradicionais do cinema e da animação” (FELINTO, 2006, p. 417), tendo em vista que Frankenweenie (2012) apresenta inúmeros elementos que se assemelham ao filme em live-action de 1984. De acordo com Lucia Santaella (2003, p. 140): [...] os novos processos e tecnologias digitais são uma parte essencial de suas práticas de pós-produção o que borra os limites entre as tradicionais especialidades como fotografia, design tipográfico e gráfico, trabalho editorial e produção de imagem fixa e animada, gerando um processo de hibridização dificilmente realizável por meios artesanais. Berry Purves (2008, xvi, citado por TRALDI, ZUANON, 2013, p. 04) apresenta o seguinte ponto de vista em relação ao stop motion e a computação gráfica: 18 Para um realismo puro e convincente, performances cinematográficas, o stop motion não é mais capaz de competir com criações deslumbrantes em CGI, como Gollum ou Kong, mas esse é o ponto. Não precisa mais competir. O stop motion está fazendo algo totalmente diferente, e talvez agora que nós podemos ver que cada um tem valores diferentes, o stop motion irá florescer. [...] tudo consiste em encontrar a técnica certa para a história certa. Figura 3 e 4 – Victor em seu laboratório minutos antes de dar vida à Sparky Fonte: Frames capturados dos filmes Frankenweenie (1984, 2012, respectivamente). Lev Manovich (2006, p. 01, tradução nossa) afirma que “hoje as técnicas da animação tradicional, cinematografia e computação gráfica são usadas em combinação para criar novas formas híbridas de imagens em movimento.” Já não é mais possível distinguir o limite entre o que é live-action e o que é animação, como nas figuras 3 e 4, onde as imagens apesar de ser produzidas de maneira distinta se assemelham imensamente. Em relação a produção dos bonecos o artigo produzido por Kim Jessop (2012) esclarece que: A animação stop motion foi produzida em escala muito maior do que a maioria dos projetos semelhantes. Burton usou cerca de 200 bonecos para seus personagens, e eles eram geralmente maiores do que os bonecos usados em outros filmes. (JESSOP, 2012, [posição 31], tradução nossa). No artigo produzido por Barbara Robertson (2012), Tim Ledbury, supervisor de efeitos visuais, afirma que a diferença entre Frankenweenie e os demais filmes está na escala dos bonecos, que tiveram que ser maiores devido a mecânica de Sparky (o cachorro). Sparky possui três e meia polegadas de altura e cinco polegadas de comprimento, o que representa 8,89 cm por 12,7 cm na escala utilizada no Brasil. Assim, o boneco de Victor ficou com aproximadamente 30 centímetros de altura (01 feet), e seus pais com 16 e 18 polegadas, na escala brasileira a mãe teria 40,64 cm e o pai, 45,62 cm, respectivamente. Na figura 5 é possível observar a proporcionalidade existente entre Victor e Sparky e na figura 6, a proporcionalidade entre os bonecos de Victor e seus pais. Figuras 5 e 6 – Victor e Sparky e Victor com seus pais 19 Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). Além disso, o set de filmagem teve que seguir as mesmas proporções dos bonecos, assim tudo ficou muito grande. O set incluiu a casa dos personagens principais, Família Frankenstein, a casa do vizinho, o Sr. Burgemeister (figuras 7 e 8, respectivamente), bem como a escola (figuras 9 e 10), o restante da cidade é computação gráfica (figura 11) (ROBERTSON, 2012). Figuras 7 e 8 – Casa da Família Frankenstein e Casa do Sr. Burgemeister Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). Figuras 9 e 10 – Escola e Sala de aula 20 Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). Segundo Robertson (2012) uma equipe com mais de 40 (quarenta) artistas trabalhou por mais de 02 (dois) anos na criação dos ambientes em computação gráfica (casas, ruas, postes, carros, entre outros) (figura 11). O conhecimento das técnicas de animação é imprescindível para a elaboração de um trabalho de animação de qualidade, porém com a evolução das tecnologias foi possível observar o salto que a animação deu em relação ao uso dos recursos digitais. Figuras 11 – Cidade de New Holland com o moinho ao fundo Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). Filipe Costa Luz (200-) observa que as novas tecnologias trouxeram uma maior conectividade entre as mídias, pois atualmente em um projeto de cinema, não se pode planejar processos por etapas onde as tecnologias ou as técnicas sejam utilizadas apenas em um determinado momento e depois evoluir para outras etapas do projeto. Dessa forma, percebe-se que as técnicas de pós-produção passam para o início da produção de 21 um filme para que no final a integração de conteúdos de diferentes naturezas seja o mais realista possível. Destarte, observa-se que com o storyboard bem elaborado é possível planejar o que e como gravar, bem como o que deve ser criado por meio das ferramentas digitais. Os recursos digitais permitem a criação de praticamente tudo, desde um peixe invisível que nada através de água digital e pode ser iluminado e projetado em uma parede com o auxílio de uma lâmpada (figuras 12 e 13). Figuras 12 e 13 – Peixe invisível dentro do vidro e Peixe invisível sendo iluminado Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). Para a produção de Frankenweenie (2012) foram produzidas mais de 1.200 (mil e duzentas) tomadas de efeitos visuais, assim [...] a construção manual de imagens no cinema digital representa um retorno às práticas pró-cinemáticas do século dezenove, quando imagens eram pintadas à mão e animadas à mão. Na virada do século o cinema delegou essas técnicas manuais para a animação e define a si mesmo como um meio de gravação. Quando o cinema entra na era digital, essas técnicas retornam novamente ao lugar comum no processo de filmagem. Consequentemente, o cinema não pode ser mais diferenciado da animação. Essa não é mais uma mídia indexical, mas sim, um subgênero da pintura. (MANOVICH, 2001, p. 259, tradução nossa). Cabe observar que as cenas foram gravadas e posteriormente receberam a manipulação a fim de trazer mais realismo à cena em stop motion, como acontece na chuva de fagulhas que caem sobre Victor após Sparky receber a descarga elétrica (figuras 14 e 15). Figuras 14 e 15 – Descarga elétrica e Chuva de fagulhas 22 Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). O mesmo acontece com as cenas que envolvem o incêndio do moinho de vento (figura 16), monumento da pequena cidade de New Holland, que é completamente destruído pelas chamas. Os efeitos visuais são tão bem elaborados que é difícil acreditar que foram necessárias a construção de várias réplicas internas e externas do moinho, com alturas variadas, bem como a utilização do software Maya Fluids para desenvolver as cenas do fogo. Além disso, Tim Ledbury explica que depois que o fogo estava no lugar, foram utilizados outros elementos de computação gráfica para as cenas nas quais caiam detritos, pedaços de madeira, pranchas que atingiam as paredes e fumaça (figura 17) Ele também esclarece que para a gravação da fumaça, foram realizadas gravações ao vivo mescladas com a computação gráfica, pois a fumaça é algo muito difícil de se reproduzir apenas com recursos gráficos (ROBERTSON, 2012). Figuras 16 e 17 – Incêndio no Moinho de vento e Chamas no interior do Moinho Fonte: Frames capturados do filme Frankenweenie (2012). 23 Pode-se observar que animar Frankenweenie (2012) envolve diversos processos, não apenas de animação, mas até a utilização de recursos em live-action como no caso da criação da fumaça e de outros artifícios difíceis de obter apenas com os recursos digitais. Como diria Manovich, não nos cabe questionar sobre se esse ou aquele estilo visual ou método para criar movimento é animação ou não, segundo ele “é mais produtivo dizer que a maioria desses métodos nasceram da animação e possuem seu DNA – misturado com o DNA de outras mídias” (MANOVICH, 2006, p. 25, tradução nossa). Reflexões finais Adaptar é uma arte, adaptar um curta-metragem de 29 minutos para uma animação em stop motion é uma arte que requer cuidado aos detalhes durante todos os processos de produção, mas principalmente na pré-produção, momento em que se elabora o script, mantendo os elementos que são importantes para a história, bem como expandindo as ideias a fim de trazer originalidade à proposta. Além disso, é nesse momento que se dá a confecção dos bonecos e dos cenários, bem como a elaboração do storyboard que possibilita à equipe saber o se espera em cada cena e planejar o que deve ser feito para atingir seus objetivos. As etapas de produção e pós-produção também são importantes, pois é na produção que é realizada a captura das imagens e neste momento já há a utilização dos recursos tecnológicos, pois já existem câmeras específicas para trabalhos com computação gráfica. Também há todo o trabalho de pós-produção, produzindo com tecnologia digital o que não pode ser filmado em stop motion e finalização das cenas, buscando a qualidade estética da obra final. As possibilidades provenientes do uso da computação gráfica são inquestionáveis para o cinema, seja ele em live-action ou de animação, e isso independe do modelo de animação proposto (desenho sobre papel, sobre película, animação com recortes ou com bonecos, etc.), pois com os atuais recursos toda e qualquer animação pode beneficiar-se das tecnologias. Referências ANIMABLOG. Animação em 3D. Disponível <https://animablog.wordpress.com/category/3-d/>. Acesso em: 23 jun. 2015. em: FELINTO, Erick. Cinema e tecnologias digitais. 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Disponível em: 25 <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/anagrama/article/viewFile/8360/7728 >. Acesso em: 11 jun. 2015. O "método" no cinema de Leon Hirszman: estética, cultura e política AUTOR Pedro Vaz Perez: Mestre em Comunicação e Interações Midiáticas pelo PPGCOM da PUC Minas; professor dos cursos de Publicidade e Propaganda da PUC Minas Poços de Caldas e da UNIFAE. Integrante do grupo de pesquisa Mídia e Narrativa, filiado ao CNPq. [email protected] RESUMO O trabalho visa compreender a montagem como centro de irradiação estética no cinema de Leon Hirszman, visando demonstrar de que forma o diretor inscreve, em suas imagens e sons, um método de investigação materialista da realidade, cristalizando uma visão de mundo. Propomos um pensamento sobre a imagem como fenômeno mediador do tripé estética, cultura e política. Recorremos ao pensamento sobre montagem na interseção entre Eisenstein e Pudovkin, e ao método marxista do materialismo histórico. Introdução Em dado momento da entrevista concedida a Alex Viany (1999, p. 296), ao abordar os anos em que viveu no Chile, após o golpe militar de 1964, o cineasta brasileiro Leon Hirszman fala sobre a necessidade, à época, de “compreender melhor o método” de um cinema que se localiza entre o marxismo e a “realidade do povo oprimido”. Anos antes, em debate sobre Deus e o diabo na terra do sol, transcrito no mesmo O processo do cinema novo (VIANY, 1999, p. 79), Leon já afirmava: “Eu tenho uma ideia central, quero transmiti-la; eu tenho uma visão de mundo e vou utilizar um método, um personagem ou aquilo que, em meu entender, devo utilizar. Foi conseguida uma utilização coerente? Assim é que se deve colocar a questão”. Nessas passagens, o diretor deixa entrever uma proposta de cinema e uma preocupação quase epistemológica: a compreensão sobre o fazer filmes como ação de 26 investigação acerca da realidade social, das desigualdades, das formas de vida e de produção de um povo. É nesse sentido, portanto, que o presente trabalho se propõe delinear as características complexas e de alguma forma dinâmicas, que compõem o método de investigação da realidade social, cultural e política do povo brasileiro. A hipótese é de que, no cinema do Leon, essas investigações se dão a partir de um método cinematográfico encorpado pelo materialismo histórico, pela compreensão alargada de montagem e por um desvio, cada vez mais intenso ao longo de sua carreira, pelo antropológico. Para tanto, o objetivo é compreender o “processo” do cinema de Leon, numa investigação que terá como base as imagens e os sons, mais do que a biografia ou a relação das obras com os contextos históricos. Dessa forma, o foco desse trabalho se dará a partir do seguinte objetivo: compreender a noção de montagem como centro de irradiação estética no cinema, propondo um pensamento sobre a imagem cinematográfica, seja ela de caráter tido como documental ou ficcional, como fenômeno mediador da relação entre cultura, estética e política. Assim, visamos caracterizar o cinema de Leon Hirszman como sendo composto por um método dialético de investigação materialista da história e da realidade social. Como principais aportes teóricos, serão acionadas as teorias da montagem soviéticas, sobretudo em Pudovkin (1983) e Eisenstein (2002), somadas à formulação do método marxista do materialismo histórico. A verve marxista presente nas declarações de Leon – que repercutem em sua forma de filmar – parece evidente: é exatamente a partir das formas de vida, nos aspectos materiais, nos modos de produção de determinado grupo de pessoas que é possível construir a história. E o cinema, como afirma Merleau-Ponty (1983), parece ser veículo certo para esse exercício: uma fenomenologia que, a partir de sua característica de superfície sensível permeada por signos, dá a ver não as internalidades, mas sim as formas, corporeidades, superfícies: a dimensão material dos fenômenos e da experiência, o mundo físico. Assim, propomos que Leon Hirszman tenha feito uso da câmera de cinema como instrumento de investigação da realidade social e política a partir das aparências e das formas: filma externalidades e com elas constrói seus comentários sobre o mundo. Se posiciona em um tipo de cinema que, como propõe Walter Benjamin (2012, p. 298), “pode ser um instrumento extraordinário de representação materialista”. Aqui, compreendemos o materialismo histórico dialético de Marx como um método de interpretação da realidade que projeta uma visão de mundo e uma práxis: prática 27 articulada à teoria, desenvolvida pela reflexão sobre a realidade partindo de seus dados empíricos (o real aparente), lavando-os do ponto de vista da teoria e de elaborações abstratas do pensamento. Dessa dialética resultaria o concreto pensado: “compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto síntese de múltiplas determinações” (PIRES, 1997, p. 87). Montagem e método O que caracterizava, de maneira geral, os estudos soviéticos era a problematização de questões da estética em termos sociais. Pudovkin (1983) entendia a montagem e o roteiro como as bases estéticas do filme. Ele propõe a construção de uma teoria da narração baseada em critérios como continuidade, ritmo, equilíbrio de composição, sucessão lógica e respeito à imagem como duplo. Por isso, dá grande valor à elaboração rígida e minuciosa do tema, do roteiro e da decupagem. Tal método deveria garantir que o conjunto do filme fosse a expressão visual de um ponto de vista, o “tema”, que se desdobraria de maneira singular através de cada detalhe da obra. Assim, como propõe Xavier (2008) em comentário ao autor, o cinema seria a expressão de visões de mundo de um cineasta pelo exercício de seu estilo: discursos da consciência expressos por movimentos e posições de câmera, disposição dos enquadramentos, tempos de corte e ritmo, associações de imagens que adquirem relações significantes, desde que se obedeça à organicidade das partes em relação ao todo. Já em Eisenstein, a noção de montagem ia muito além do previsto no senso comum como procedimento de corte e colagem de um plano ao outro, de uma compreensão da montagem como construtora apenas da linearidade do filme. Cito Leon: [a montagem] era vista como a totalidade das coisas. Não era só o problema da edição do filme, era a montagem de todo o espetáculo. A composição era montagem, entende? A direção do olhar era montagem. Uma série de outros valores que davam à arquitetura que estava sendo proposta os desenhos e as sombras (VIANY, 1999, p. 288). Leon compreendia bem que, para Eisenstein (2002), antes mesmo de haver corte havia montagem. Pois há proposição de conflitos em vários elementos do filme. A noção de montagem preside a construção da cena no contexto de produção. Mais do que linha, emprestando a dialética de Flusser (2007), montagem é também superfície. Filmar é montar, já que o ponto de partida do cineasta é a concepção de uma determinada organização dos acontecimentos postos frente à câmera. Sua crítica e visão 28 de mundo aparecem explicitamente no trabalho de montagem, que já estaria contida em potência na composição do plano: são conflitos de linhas, massas, luzes, sombras, movimento, tempo, e entre a ótica e a acústica, que, a partir do distanciamento crítico do espectador, funcionariam como antídoto contra a alienação da ilusão da imagem transparente do cinema realista, proporcionando um papel intelectual, ou teórico, à montagem: o raciocínio e o pensamento por imagens. A interrupção de acontecimentos contínuos, através da repetição ou da aproximação dos objetos (com planos mais próximos) são vistos como estratégias para tecer comentários sobre o que se está representando. Como expõe Xavier (2008), a aplicação de um ou outro método por cineastas posteriores, sobretudo pós-1960, nem sempre se deu de maneira pura ou exata. Houve contaminações de ambas as correntes, com propostas de cinema orientadas a cumprir, em alguma medida, os dispositivos básicos dos dois polos. Interessante notar que o exemplo utilizado por Xavier para ilustrar tal “contaminação” é o filme São Bernardo, de Leon. Dessa forma, busquei demonstrar que é a partir do conceito amplo de montagem no cinema, encorpado pela compreensão do materialismo histórico, que Leon Hirszman pode construir seu “método” de investigação materialista da história. Em seus primeiros filmes, sobretudo no curta-metragem Pedreira de São Diogo (1962), é notável uma visão romantizada do popular, na qual suas representações pelo cinema buscam realizar aquilo a que Benjamin (2012) compreendeu como grande triunfo advindo do fim da aura da obra de arte com o advento da reprodutibilidade técnica: o filme como espelho transportável para a frente das massas, poderoso instrumento de desalienação e consciência de classes. O curta em questão narra a história de trabalhadores de uma pedreira que se veem em um paradoxo: cumprir as ordens do patrão e explodir uma forte carga de dinamite, e com isso derrubar os barracos sobre a pedreira; ou negar-se a executar o serviço a fim de preservar a comunidade, correndo o risco de perder o emprego. Entre as duas vias, há a elaboração de um plano sagaz, acompanhado da tomada de consciência: em segredo, um dos trabalhadores sobe até os barracos e reúne os moradores, em protesto. Por fim, a pedagogia se completa: o povo, consciente de sua opressão, se une e consegue se impor ao opressor. Nessa narrativa, o que também chama atenção, para além do enredo, é a maneira como Leon trabalha suas rígidas composições de plano e direção de atores junto à alternância “pensativa” de planos. 29 Bem como a nova valoração de elementos corriqueiros como a tocha de fogo, o pavio, a resistência das pedras ou a força mecânica de uma máquina trituradora. Do materialismo ao antropológico Assim, vemos a construção de uma tese central que é plasmada em cada detalhe do filme, como quer Pudovkin, associado ao uso dialético da montagem, em uma clara e confessa homenagem a Eisenstein. O filme, apesar de exageradamente esperançoso, retrato de um momento histórico bastante específico, já deixa entrever, em germe, os instrumentos que irão compor, ao longo da filmografia do diretor, seu método de investigação. Contudo, em seu processo de cinema, Leon passa a incorporar, ao materialismo histórico, uma outra dimensão, a do viés antropológico, tanto na maneira de pensar os filmes de forma geral, como na metodologia específica de filmagem: a observação participante – que produz certo efeito de improviso em seu cinema que contrasta de maneira interessante com o rigor estético exposto acima. Filmes como Nelson Cavaquinho (1969), Partido Alto (1976/82), Cantos de trabalho (1975) e ABC da Greve (1979/90) trabalham elaborações de montagem sofisticadas a uma outra dimensão, crescente, em seu cinema. Esse aparentemente contraditório encontro entre o materialismo histórico e o antropológico em seu cinema pode ser compreendido a partir de proposições de Darcy Ribeiro (2006), para quem o desenvolvimento cultural do brasileiro, a partir do entrechoque étnico inicial, se deu sob regência da matriz portuguesa, conformando todo um povo “novo”, recém forjado, como um “velho” proletariado fruto da expansão ultramarina europeia, com o objetivo maior, entre catequizações e construções, de gerar lucros. Para Darcy, as forças mercantis, capitalistas e econômicas foram fundamentais para a gênese do povo brasileiro, além dos cruzamentos étnicos e de forças ecológicas e imigratórias, por um violento processo de supressão de identidades étnicas discrepantes e de repressão social e classista. Desse modo, é importante constatar que a problematização do sistema institucional, notadamente a propriedade fundiária e o regime do trabalho, que, segundo Darcy, está na base da gênese do povo brasileiro, constrangendo e deformando suas expressões culturais e suas projeções como sujeitos capazes de reordenar o curso histórico, coincide com o projeto cinematográfico de Leon Hirszman: dar à imagem esse mesmo povo oprimido e expor, em toda sua complexidade, aquela cultura relegada 30 à margem, visando a conscientização acerca da situação de opressão e a tomada de atitude rumo à reordenação dos signos da história. A explicitação desse fator, por outro lado, no cinema de Hirszman, se dá a partir da exposição, pela câmera, das formas de vida, relações de trabalho e produção, questões de higiene e saúde, enfim, daquilo que é material. É o que se dá, por exemplo, em um filme tardio de Leon, ABC da Greve: quando a turbulência inicial da paragem das fábricas se esfria, e tomam lugar as negociações entre patrões e sindicatos, Leon sai da praça e do estádio, palcos para os comícios, e busca registrar as casas e as vidas e as condições inóspitas de trabalho daqueles sujeitos políticos. Sem abrir mão, em nenhum momento, da estética para a emergência de imagens políticas em seu cinema. A evolução entre o materialismo e o antropológico, entretanto, deverá ser aprofundada de maneira adequada em oportunidade futura, aliada a uma densa análise fílmica que possa demonstrar, nos filmes, a composição do método que acabamos de delinear. BIBLIOGRAFIA BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: DUARTE, R. (org.). O Belo autônomo: textos clássicos de estética. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica; Crisálida, 2012, p. 277-314. EISENSTEIN, S. A Forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. FLUSSER, V. “Linha e superfície. In: FLUSSER, V.; CARDOSO, R. (org.). O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007, pp. 101-125. GRAMSCI, A. A concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. MERLEAU-PONTY, M. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal; Embrafilme, 1983, pp. 101-118. PIRES, M.. “O materialismo histórico-dialético e a educação”. Interface. Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 1, n.1, p. 83-94, 1997. PUDOVKIN, V. "Os métodos do cinema". In: XAVIER, Ismail (org). A experiêcia do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal; Embrafilme, 1983, p. 57-74. RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. VIANY, Alex. O processo do cinema novo. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999. XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: entre a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 31 NOVA COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL MARKETING E MÍDIA SOCIAL CONVERGÊNCIA, Aletéia Patrícia de Almeida Selonk, PUCRS Anaurelino Negri da Costa Silva, Mestrando PPGCOM-PUCRS. Este trabalho tem como objetivo reunir um conjunto de conceitos contemporâneos de comunicação, que são utilizados de forma crescente no universo corporativo. Além de definilos sob o enfoque teórico, a sua aplicação será ilustrada através da parceria entre a Dell Brasil e a Pucrs entre os anos de 2014 e de 2015 em um projeto de renovação comunicacional planejado para a empresa. 1 CONVERGIR PARA EMERGIR Uma série de conceitos capitais da comunicação, hoje, orbitam em torno de dois temas centrais: a cultura da convergência e os sistemas emergentes . Jenkins (2009) define o termo “convergência” ao constatar que a tecnologia está caminhando para uma mesma direção: computadores, aparelhos de telefone, t ablets e, até mesmo, relógios e óculos dão acesso aos principais endereços eletrônicos do mundo através da internet. Ou seja, todos esses aparelhos possuem funções diferentes e são utilizados ao longo do dia em circunstâncias distintas mas convergem levando o usuário a lugares semelhantes, conexos à internet. Um exemplo prático disso é o indivíduo que acessa diariamente o Facebook. Sabemos que ele vai acessar a rede social ativamente ao longo de sua rotina, independente de fazêlo por meio do seu aplicativo no celular, dentro de um ônibus; ou através do site no navegador do seu computador, quando estiver em casa; ou mesmo por comando de voz em seu relógio, caminhando pela rua. A tecnologia e seus usuários, por mais diversificados que sejam, estão convergindo para aplicações e lugares comuns. Por sua vez, grande parte dos sites mais acessados e utilizados como principal fonte de informação e de comunicação hoje são aqueles que chamamos de “mídias sociais”: Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, entre outros. Em setembro de 2014, as mídias sociais ultrapassam os sites de busca no tráfego de redirecionamento de conteúdo20 e é estimado que 74% de todos os usuários da internet utilizem sites de mídia social 21, assim como 28% do tempo gasto online seria nessa mesma espécie de plataforma22. Esses espaços virtuais cresceram de maneira exponencial nos últimos anos, devido a uma característica principal em comum: o engajamento de seus usuários. Ou seja, a 20 Pesquisa realizada pelo site Shareaholic, publicada em janeiro de 2015: https://blog.shareaholic.com/ socialmediatraffictrends012015/, acessos em junho de 2015. 21 Pesquisa realizada pelo Pew Research Center:http://www.pewinternet.org/factsheets/ socialnetworkingfactsheet/ , acessos em junho de 2015. 22 Pesquisa realizada pelo Global Web Index, publicada em janeiro de 2015: https://www.globalwebindex. net/blog/dailytimespentonsocialnetworksrisesto172hours, acessos em junho de 2015. 32 grande maioria do conteúdo gerado por essas mídias é oriunda de seus usuários através de uma “publicação” no Facebook, de uma “postagem” no Twitter ou de um “upload” no YouTube. Isso motiva as pessoas a compartilharem o conteúdo dentro do seu ciclo de amigos. Afinal, dessa forma elas se sentem engajadas a interagir e a manter o ciclo de compartilhamento com seus afins. Esse tipo de ambiente virtual também é conhecido como “sistema emergente”. Johnson (2003) explica que um sistema emergente funciona quando os indivíduos que o compõe realizam ações simples entre si como o compartilhamento de informações do seu interesse; contudo, esses indivíduos são tão numerosos quando se observa o grupo inteiro (todos os usuários do Facebook, por exemplo) que as suas interações simples, entre usuários individuais, ganham dimensão complexa e profunda conforme o conteúdo se espalha pela cadeia de usuários. As suas informações as postagens e compartilhamentos, por exemplo são discutidas, reescritas e aprofundadas, conforme a informação se propaga, ao longo da cadeia. Uma série de indivíduos mais distantes começa a acrescentar o seu conhecimento à informação e isso se propaga em uma progressão geométrica. Sujeitos outrora leigos começam a se tornar semiespecialistas em determinados assuntos conforme adentram em discussões, absorvendo e difundindo o conteúdo agregado. É dessa forma que um conjunto de indivíduos realizando ações simples acaba gerando uma ação final complexa, ao observarse o grupo maior. Ou seja, em um sistema emergente, a soma da inteligência individual dos seus componentes é menor do que a soma total da inteligência produzida pela comunidade da qual eles participam tendo em vista o conhecimento agregado e difundido através da comunidade. Esse potencial coletivo, portanto, é uma das razões que impulsionam a presença das mídias sociais no contemporâneo. 2 COLETIVIDADE PARTICIPATIVA Os sistemas emergentes de comunicação utilizam outros dois elementos fundamentais: a inteligência coletiva e a cultura participativa. A inteligência coletiva nada mais é do que a construção de conhecimento através de um grande coletivo de pessoas, que contribuem de forma voluntária por meio das suas aptidões individuais com o intuito de cooperar para a construção de um bem maior, útil a todos os usuários deste conhecimento. Jenkins (2006) enaltece o quão comum se tornou o engajamento coletivo através da internet para soluções de problemas do interesse comum dos indivíduos envolvidos no processo. O conceito de cultura participativa é conexo à construção do conhecimento através da inteligência coletiva. Representa o hábito social de colaborar de forma ativa em um determinado ambiente seja ele um grupo de pessoas, uma rede social ou uma empresa. Nada mais é do que a criação de um local propício para a construção coletiva. Ou seja, que não só dê espaço para os seus indivíduos se manifestarem, mas também que aplique suas contribuições em medidas construtivas, para que estes indivíduos vejam os efeitos positivos com os quais contribuíram e se sintam motivados a continuar colaborando. Em resumo, é a motivação seminal da próatividade, que Gillmor (2005) resume ao explicar o ambiente cooperativo dos blogs . É por meio da inteligência coletiva e da cultura participativa que surgem construções cooperativas como a Wikipedia, por exemplo. A enciclopédia virtual utiliza a 33 inteligência coletiva de seus usuários, que colaboram através da cultura participativa. O conteúdo final produzido pelo grupo maior é detalhado, especializado e extremamente confiável, tendo em vista a vigilância constante de todos os seus usuários que se tornam cada vez mais especialistas nos assuntos pelos quais se interessam. É graças a esse ciclo virtuoso da tecnologia que Gillmor (2005) considera o conhecimento gerado pela Wikipedia como o de maior relevância enciclopédica para a civilização contemporânea. Ao passo que se tornou perceptível o benefício destas práticas para os modos de produção contemporâneos, esse conjunto de técnicas não tardou a ser aplicado no mercado corporativo. É através dos conceitos apresentados até aqui que métodos inovadores em comunicação têm revolucionado o marketing empresarial, alterando os conceitos preestabelecidos de empresa, consumidor e tecnologia. 3 A TRANSFORMAÇÃO DE MECANISMOS TRADICIONAIS A Pucrs, em parceria com a Dell Brasil, possui um exemplo empírico de um programa de renovação comunicacional que se apropia da teoria para construir resultados práticos. Como caso de estudo objeto deste trabalho, será analisada uma renovação de linguagem realizada no canal “Dell Suporte Brasil” na plataforma YouTube. Decidiu – se utilizar a plataforma do YouTube como um espaço de experiência para novos conteúdos ofertados aos consumidores da empresa. Esse espaço se tornou uma espécie de reinvenção do sistema de FAQ (F requently Asked Questions ) da Dell Brasil em um canal mais orgânico e interativo que preserva toda a utilidade do mecanismo de “perguntas frequentes” tradicional, acrescentando novas vantagens à disposição do usuário, em benefício da empresa. O conceito tradicional de FAQ apresenta uma lista escrita de perguntas e respostas sobre os temas mais recorrentes inquiridos ao setor de suporte. Sua principal função é diminuir o número de questionamentos a este departamento, informando o consumidor da maneira mais eficiente para ambas as partes sendo necessário criar as melhores condições de visibilidade e funcionalidade para potencializar a utilidade de um FAQ. Para aumentar a eficiência desse mecanismo, decidiu-se reinventar seu modelo tradicional através das novas diretrizes de comunicação supracitadas. A equipe de suporte passou a gravar vídeos com tutoriais dos temas mais questionados pelos usuários diminuindo a ênfase do FAQ redigido e pouco atrativo para o consumidor. Esses vídeos ficam catalogados no canal da Dell Brasil, no YouTube, e o seu conteúdo é amplamente divulgado a partir da página da empresa no Facebook e no Twitter. Ou seja, além de tornar o conteúdo mais atrativo, os vídeos ganham visibilidade nos principais canais de comunicação utilizados pela marca. Ainda, os usuários podem utilizar o espaço de comentários do YouTube para acrescentar informações e opiniões relevantes ao FAQ. Da mesma forma que podem compartilhar o conteúdo entre amigos e interessados no assunto, diretamente através do YouTube, do Facebook ou do Twitter criando uma colaboração de natureza emergente. Dessa forma, escolheu – se um mecanismo fundamental para o setor de suporte no âmbito empresarial e reinventouse essa ferramenta através de novas possibilidades de 34 interação com o cliente, conforme as atuais diretrizes teóricas da comunicação. Ou seja, aproveita - se a inteligência coletiva dos usuários e as suas experiências individuais com os produtos da Dell para aumentar a abrangência do conteúdo fornecido pelo FAQ, por meio da contribuição do próprio consumidor em um ambiente interativo. Esse espaço de diálogo aumenta o engajamento do cliente com a marca, propiciando um ambiente favorável para a cultura participativa gerando o e mpowerment do consumidor. É dessa maneira que essa plataforma orgânica se torna um ambiente de propagação de conteúdo emergente, que será compartilhado através dos maiores sítios de comunicação contemporâneos. Esses espaços virtuais são o ponto de chegada das tecnologias convergentes utilizadas por todos, completando o círculo virtuoso que potencializa as possibilidades dessa nova ferramenta. O grau de engajamento dos usuários aumentou de forma considerável após a aplicação destas medidas. Novas formas de interação foram criadas como vídeos amadores dos consumidores em resposta ao conteúdo postado no YouTube aproveitando a participação do usuário, utilizando ele próprio como protagonista de sua marca. Portanto, o indivíduo torna – se colaborador ativo da empresa e de sua missão como decorrência natural do empowerment recebido nos novos canais de comunicação com a entidade. 4 AFETOS HORIZONTAIS A transformação do FAQ é um exemplo de sucesso de como se pode utilizar a convergência e os sistemas emergentes em benefício do fortalecimento de uma corporação. Contudo, ainda existem outros elementos contemporâneos da comunicação que podemos identificar nesse tipo de relação com o intuito de potencializar não só o binômio empresaconsumidor, mas também de fortalecer a marca e de renovar sua missão através do marketing afetivo. Dois conceitos se destacam nesse ínterim: a h orizontalização do relacionamento com o usuário e a economia afetiva dos meios de divulgação. Resta claro como é importante ceder espaço para a manifestação do consumidor que hoje é representado por indivíduos participativos, buscando voz ativa para interação com uma marca que lhes agrada, na tentativa de customizar a sua relação com o produto ofertado. Toda essa cautela em se escutar a esta opinião representa, na verdade, uma maneira de cultivar uma relação equânime entre empresa e usuário. Como esclarece Gillmor (2005), essa linha reta de hierarquia e diálogo é conhecida como relação de horizontalidade, que surge em detrimento da antiga dinâmica de verticalidade corporativa na qual o conglomerado impunha as suas políticas “de cima para baixo”, em direção aos seus consumidores, que se submetiam as suas diretrizes. Como vimos, é mais proveitoso para a própria empresa funcionar através do feedback simples dos seus usuários que, em conjunto, produzem um conhecimento complexo, mais produtivo do que o conhecimento especializado formulado por uma minoria hierárquica. Caso similar ao do comparativo entre a Wikipedia e a enciclopédia tradicional, lançado por Gillmor (2005), em que se mostra mais vantajoso fazer mão da inteligência coletiva. Ou seja, é uma forma de compreender a organização corporativa em uma direção bottomup , e não mais t opdown como outrora, ao passo que Jenkins (2009, p. 35) resume: “talvez os líderes da indústria estivessem reconhecendo a importância do papel que os consumidores podem assumir não apenas aceitando a convergência, mas na verdade conduzindo o processo”. Trata - se, novamente, do sistema emergente de cooperação. 35 Gillmor (2005, p. 43), por sua vez, afirma: “no fundo, as tecnologias da informação do futuro estão a estimular qualquer coisa emergente um diálogo em que os indivíduos são absolutamente essenciais”, assim como relata Johnson23: A emergência dá – se quando o todo é mais inteligente do que a soma de suas partes… E, mesmo quando não se sabe como, acaba por aparecer uma estrutura de nível superior, habitualmente sem derivar de qualquer criador que possa reivindicar a autoria do plano. Os sistemas deste tipo crescem da base para o topo. 5 HUMANOS SOCIAIS É importante frisar que quando o consumidor dispõe do seu tempo para interagir com uma companhia seja através de um elogio ou de uma crítica essa é uma demonstração legítima de que ele dá importância a essa entidade. As empresas tendem a ignorar críticas ferrenhas ou jocosas em redes sociais, silenciando o diálogo com um usuário que tenta buscar respostas mesmo que de forma rude a uma insatisfação com o conglomerado. Na verdade, não é problema a corporação abrir espaço para manifestações críticas, contanto que responda a estas reclamações de forma humanizada no intuito de solucionar o problema ou de tratar a opinião do manifestante com respeito e atenção, indicando que aquela contribuição individual será utilizada para melhorar o comportamento do grupo com o seu público, visando melhor satisfazer a ele e a todos os demais interessados. Essa constatação nos leva a um ponto fundamental no conceito de horizontalidade: a h umanização da empresa. Quando o consumidor percebe a figura humana por trás da corporação, nasce um vínculo de proximidade especialmente através da linguagem dos conglomerados em redes sociais, quando utilizam uma narrativa menos formal, com o uso de jargões, memes, emoticons e por meio de uma postura individualizada de resposta (evitando comportamentos protocolares e textos mecânicos), que demonstra atenção e respeito com o usuário. Dessa forma, sua postura inicialmente agressiva é amortizada pelas sensações de reconhecimento e cumplicidade, construídas através de um canal mais humano e atento para a solução de seus problemas. As redes sociais são o meio ideal para construção desse vínculo, como esclarece Gillmor (2005, p. 82): “a utilização da internet como ferramenta de aproximação com o leitor humaniza os grandes veículos de comunicação”, assim como os grandes conglomerados corporativos. Por sua vez, o conceito de humanização está ligado a outro ponto fundamental da comunicação contemporânea: a economia afetiva. Como mencionado anteriormente, o consumidor só encaminha a sua manifestação crítica para uma empresa quando guarda alguma consideração por ela, mesmo que esteja irritado no momento da manifestação do contrário, não gastaria o seu tempo preocupandose em comunicar a companhia a respeito de suas insatisfações. Essa “consideração” nada mais é do que um vínculo afetivo que o usuário possui com a marca, que transpassa uma relação estritamente comercial. Esse tipo de relacionamento entre público e empresa é o combustível que alimenta a economia afetiva. Divulgar uma marca hoje, de forma eficiente, não é uma missão simples. Existe 23 Em entrevista concedida para o site O ’Reilly , disponível em h ttp://www.oreilly.com, acessos em junho de 2015. 36 uma barreira de rejeição do espectador com a publicidade tradicional afinal, os comerciais clássicos de atuações encenadas e grande refinamento técnico já tem seu modelo desgastado, causando pouquíssima sensação de verossimilhança (ou identificação) no espectador. O princípio da economia afetiva reverte esse conceito clássico de marketing, fazendo mão de uma propaganda subtextual através de outros valores da empresa que cativam o espectador e não propriamente dos seus serviços, de forma explícita. Peças comerciais como essas buscam os valores constituintes da missão de uma companhia e transformam esses valores mais abstratos em conceitos relacionados ao l ifestyle de seus usuários e aos valores comungados com o seu público alvo. A construção desse tipo de peça geralmente se dá através de um st orytelling . Dessa forma, a economia afetiva quebra a barreira de resistência ao anúncio e transforma a marca e seus produtos em bens afetivos, que possuem mais valor para um espectador nesse formato de metáfora do que propriamente como um bem físico comercializado pelo conglomerado. Jenkins (2009, p. 48) entende que não existe forma mais efetiva do que essa para cativar o consumidor, na comunicação contemporânea: A nova “economia afetiva” incentiva as empresas a transformar as marcas naquilo que uma pessoa do meio da indústria chama de ‘lovemarks’ e a tornar imprecisa a fronteira entre conteúdos de entretenimento e mensagens publicitárias. Segundo a lógica da economia afetiva, o consumidor ideal é ativo, comprometido emocionalmente, e parte de uma rede social. Por fim, após a menção descritiva do consumidor ideal, é importante ressaltar o Papel chave das redes sociais no universo corporativo perante os seus usuários. A utilização do Facebook, Twitter e YouTube como canais de comunicação empresarial é uma escolha fulcrada na diversificação dos meios de comunicação, como explica Jenkins (2009, p. 38): “Novas tecnologias midiáticas permitiram que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no ponto de recepção”. Assim sendo, essa difusão da informação por meio de diferentes canais prolifera a oportunidade de interação e de construção conjunta por meio da cultura participativa. Da mesma forma, aproveita - se em maior grau a inteligência coletiva do consumidor. Jenkins (2009, p. 46) ilustra: Consumidores estão aprendendo a usar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente de mídia provocam expectativa de um fluxo mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui - se, portanto, que é possível elencar um conjunto de diretrizes concretas e interdependentes da comunicação contemporânea para aplicação através de práticas de produção corporativa gerando resultados positivos. Mais do que elementos hodiernos, a convergência, os sistemas emergentes, a inteligência coletiva, a cultura participativa, a horizontalidade, a economia afetiva, a humanização corporativa e a utilização das mídias sociais são práticas que já demonstram sua eficácia quando aplicadas aos meios de comunicação. É dessa forma que projetos de inovação comunicacional, como a parceria entre a Dell Brasil e a Pucrs, geram frutos com resultados expressivos para o 37 setor empresarial em um curto espaço de tempo. Afinal, tendo em vista as céleres transformações tecnológicas e culturais que vivenciamos, mais do que nunca é preciso tomar ações progressistas com o devido respaldo teórico para não se recair em uma obsolecência mascarada de tradição. FONTES DE INFORMAÇÃO ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho . Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. GILLMOR, Dan. Nós, os media . Queluz de Baixo, Barcarena: Editorial Presença, 2005. JENKINS, Henry. Cultura da convergência . São Paulo: Aleph, 2009. _________. Fans, bloggers, and gamers . Nova Iorque: New York University, 2006. JOHNSON, Steven. C ultura da Interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. _________. E mergência: a vida integrada das formigas, cérebros, cidades e softwares . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. SANTIAGO, André. O uso corporativo da web 2.0 e seus efeitos com o consumidor . Disponível em: , acessos em junho de 2015. 38 SESSÃO III – NARRATIVAS, REPRESENTAÇÕES E NOVAS FORMAS DE CIRCULAÇÃO Dualidades Diluídas: desafios conceituais acerca da circulação do audiovisual na Internet24 Dra. Angela Meili (UNESPAR/UV) Resumo: Na contemporaneidade, um período que pode ser pensado como hipermodernidade (LIPOVETSKY e SERROY, 2009), quando o excesso de velocidade e de conexão nas trocas econômicas e informacionais problematiza categorias de pensamento da modernidade, notamos o impacto direto das redes digitais na economia do audiovisual, que encontra diluídas uma série de categorias que antes definiam e estruturavam esse mercado. No presente artigo, apresentamos de que maneira as plataformas digitais de distribuição audiovisual influenciam na diluição uma série de dualidades antes consideradas estáveis, quais sejam: formalidade e informalidade, legalidade e ilegalidade, grátis e pago, acesso e privilégio, cooperação e oportunismo, profissionalismo e amadorismo. Palavras-chave: economia audiovisual, plataformas digitais, distribuição, pirataria, cinema. Introdução A cultura humana, que se manifesta nas mais variadas dimensões da percepção e do trabalho, encontra, nos modos de registro simbólico dos suportes materiais, a possibilidade de expandir espacialmente e temporalmente o alcance dos caracteres racionais e estéticos das suas linguagens. O desenvolvimento de formas culturais sempre também acompanha o desenvolvimento de técnicas ou tecnologias, seja de registro, seja de difusão dos signos. Sabe-se que o nascimento de tecnologias como a escrita, a imprensa ou a fotografia promoveu à humanidade o incremento de suas manifestações culturais e formas de pensamento; veja, por exemplo, o fundamento da racionalidade moderna, que é diretamente dependente de um pensamento linearizado e que se constrói, sobretudo, na forma escrita; ou, ainda, veja a integração de identidades e percepções nacionais que foi, ao longo da história, impulsionada pela consolidação da imprensa como um meio de comunicação e difusão da informação (BHABHA, 1990). 24 Este trabalho apresenta reflexões desenvolvidas na tese de doutorado Cinema na Internet: Espaços Informais de Circulação, Pirataria e Cinefilia, defendida, pelo autor, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2015. 39 Entende-se que a constante criação e recriação de tecnologias comunicacionais (considerando, portanto, o registro e a difusão de signos), é um movimento que coincide com a própria conformação dos processos culturais e civilizatórios. A dinâmica das relações humanas, formalizada nos inúmeros modos de representação e expressão sígnica, está constantemente sofrendo impactos provenientes do avanço tecnológico. Sobretudo, o próprio avanço tecnológico é também um componente cultural, que, a todo momento, sofre releituras e obtém investimentos de atores que, com as mais variadas intenções, normalmente associadas à dinâmica capitalista, promovem um ambiente de constante instabilidade, onde a única certeza que se pode ter é a de que os meios nunca param de se alterar. Desde os brinquedos ópticos pré-cinematográficos, passando pela criação do cinematógrafo, pela expansão e consolidação do cinema enquanto uma instituição cultural, atravessando o grande impacto da televisão – que tão próxima do rádio, também trouxe suas próprias dimensões imagéticas –, chegando ao videotape e, por fim, à mídia digital, a produção e circulação da imagem em movimento foram uma história (não tão longa, pode-se dizer) de constantes inovações e recriações, não só no que se refere à cultura das formas imagéticas, mas também ao mercado, ou seja, à exploração econômica dessas formas. A cultura da imagem encontrou alto valor no cerne da formação das civilizações contemporâneas, que passaram a utilizar intensamente a sua força simbólica. Uma força simbólica com potencial de atuar nos mais diversos campos sociais e que passou a ocupar, a partir da expansão dos meios eletrônicos e, logo em seguida, digitais, intensamente os espaços de interação proporcionados pelas mídias. As tecnologias digitais de comunicação estabeleceram um novo paradigma sobre como se lidar com a informação, especialmente porque a imaterialidade da cópia e do registro somada à interconectividade e abrangência da emissão e recepção por polos cada vez mais heterogêneos, resultaram em uma convergência das mídias no mesmo espaço de trocas, em um mundo digital constituído de códigos, cujas possibilidades de rearranjo e reconstrução infinitas resultaram no desenvolvimento de soluções de distribuição de conteúdo informacional até então desconhecidas, o que alterou sobremaneira os mercados midiáticos e culturais. Em pesquisa de doutorado, desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2015, observamos os meandros da circulação do audiovisual dentro da internet, chamando a atenção para a complexidade inerente ao fenômeno, onde os modos de 40 acesso à mídia audiovisual assumem formas diversas e produzem um âmbito muito mais amplo e dinâmico de contato e experiência com tais bens culturais, cuja abrangência insere novos atores e métodos de distribuição e recepção. Se os meios tradicionais de comunicação trabalham, desde sempre, com uma série de dualidades que os caracterizam, notamos que os meios digitais promovem uma desconstrução ou diluição dessas dualidades, que acabam por se articular de diversas maneiras, dependendo da plataforma ou do fenômeno específico que observamos. Trabalharemos, no presente artigo, com a ideia de que não é mais plena a distinção entre as seguintes dualidades: formalidade e informalidade, legalidade e ilegalidade, grátis e pago, acesso e privilégio, cooperação e oportunismo, profissionalismo e amadorismo. Essas dualidades diluem-se na malha tecnológica e simbólica do espaço digital. Apresento tal diluição, a partir de uma pesquisa que explora a ecologia das janelas de distribuição, a pluralidade dos discursos e práticas piratas e as plataformas BitTorrent. Em um processo de hibridização de formas midiáticas e culturais, o fenômeno da circulação informal digital desconstrói paradigmas da indústria. O mercado formal influencia as redes informais, ao mesmo tempo em que estas se formalizam em seu próprio espaço de legitimidade; os mesmos espaços são reapropriados e explorados por agentes formais. A coexistência da circulação oficial e da circulação desobediente faz notar, em ambas, tanto traços de formalidade, como de informalidade. O fenômeno participa da desestabilização do direito autoral, o que exige superar abordagens criminalistas sobre a pirataria, cuja significação produz um espectro semântico cada vez mais amplo. Legalidade e ilegalidade passam a ter percepções morais relativizadas, o que se liga à extensão e abrangência do fenômeno. Abrangência gerada pela possibilidade infinita de cópia, cuja superabundância de conteúdos gera novas apreciações do preço (ou valor) do bem cultural. A fruição ocorre sem mediação da compra e outros engajamentos são mobilizados pelo usuário. A cultura do grátis, todavia, não exclui a exploração comercial das obras, produzindo novos modelos de negócio. Mesmo sendo, os piratas, amadores e entusiastas, a qualidade do seu trabalho e conhecimento, em muitos casos, é profissional; hackers, programadores, produtores independentes, tradutores, colecionadores, ainda que não tenham vínculos formais de trabalho com seus projetos, os levam a sério e agregam alto valor ao mercado informacional. 41 Ainda que plataformas, canais, arquivos e ferramentas informais sejam produzidos para viabilizar a circulação e, assim, o acesso aos bens culturais, há muitas camadas protetivas que controlam o espalhamento. Grupos piratas privados produzem espaços de acesso privilegiado, criando zonas de exclusividade. Assim, mesmo que esses espaços tenham um caráter essencialmente colaborativo, não se trata de uma rede de relações perfeitamente horizontal, pois a coletividade não suprime o indivíduo, que está em relações de disputa e legitimação pessoal. Ele é movido por interesses pessoais, de consumo, visibilidade e legitimação e encara o acesso livre como direito adquirido no contexto da (quase) total disponibilidade de conteúdos. Seguimos agora para a apreciação específica de cada uma dessas dualidades. Formalidade e Informalidade O cinema foi a origem da “tela mágica” e, ao longo do tempo, emprestou a sua própria semiótica aos descendentes. Conforme Manovich (2001), telas de todos os tipos, desde a televisão até a própria interface gráfica dos computadores, reapropriaram-se do princípio comunicativo e estético do cinema, que é a imagem em movimento. Na ecranosfera (LIPOVETSKY e SERROY, 2009), um sistema cultural complexo e integrado, o cinema interage com tantas outras telas. Pode-se dizer que o desenvolvimento tecnológico potencializa a força do cinema, principalmente quando ele passa a circular com maior velocidade, menor controle e maior qualidade de recepção. A circulação informal intensifica a experiência com o audiovisual, sendo uma irradiação derivada de eixos centrais da indústria cinematográfica. Ainda que o conteúdo amador esteja presente na internet, os âmbitos formais do cinema compõem um eixo central e legitimado de produção de conteúdo. Mesmo assim, conforme lembra Lobato (2012), a exibição nas salas deixa de ser o epicentro da cultura cinematográfica, dividindo espaço com todas as outras fatias oficiais e, também, informais. De acordo com Ponte (2008), o rápido espalhamento dos conteúdos cinematográficos nas redes digitais vem forçando os distribuidores a criarem novas estratégias de lançamento, como o lançamento simultâneo (street date), a reduzir a distância entre as suas janelas de lançamento e, ainda, a desenvolver estratégias de exploração nas plataformas digitais. Pode-se dizer que a disposição dos produtores em tolerar as práticas informais e utilizá-las a seu favor já são peças chave na evolução do vídeo nas plataformas digitais. Trata-se de um mercado em amplo desenvolvimento e que, além de coexistir com a informalidade, também a utiliza como potencializadora, tanto no que se refere à 42 publicidade, quanto à compreensão e estudo das preferências e hábitos do público. Em um ambiente complexo e inseguro para investidores, a distribuição formal pela internet pertence a um contexto de desenvolvimento tecnológico que demanda por inovações que satisfaçam tanto o consumidor como o produtor. De acordo com Cunningham e Silver (2013), forma-se um tipo de circulação híbrida que poderia ser entendido como a reinvenção da televisão, formada por características essenciais que conhecemos da televisão (abrangência, programação, patrocínio, anúncios, branding, produção e aquisição de conteúdo), adaptada aos múltiplos suportes tecnológicos, à transnacionalidade das redes digitais, à interatividade e à variedade de público e conteúdo. A audiência, por sua vez, é uma distribuidora eficiente de mídia, a massa molda a presença do vídeo na internet e sugere as formas de consumo que o cinema irá encontrar nas próximas décadas. Por isso, é importante olhar mais atentamente para o panorama informal de circulação e compreendê-lo como parte integrante da economia audiovisual contemporânea. Uma circulação que é sintomática das demandas sociais, do modelo centralizado de produção e distribuição do cinema, do papel da indústria do entretenimento e da heterogeneidade cultural. De acordo com Lobato (2012), as redes informais são componentes das indústrias midiáticas e não exceções. Ainda, vale ressaltar que a informalidade esteve presente em todas as fases do desenvolvimento da indústria cinematográfica, acentuando-se conforme o progresso das tecnologias reprodutivas de vídeo. Tendo em vista essas dinâmicas de circulação do audiovisual que caminha entre âmbitos de formalidade e informalidade, podemos desenvolver uma reflexão que considere o aspecto da formalidade a partir de um ponto de vista no qual essa oposição se dilui; para isso, consideramos a noção de forma a partir de dois entendimentos. O primeiro deles percebe que a circulação informal é propriamente informal no sentido de que se situa fora dos processos burocráticos e estruturas do mercado de circulação. Sabe-se, todavia, conforme já apresentamos, que esse tipo de informalidade possui dependências inerentes à indústria do entretenimento, que é a principal fornecedora de conteúdo, ao marketing, aos provedores de internet, aos fabricantes de softwares, hardwares e à mídia em geral. Este é um tipo de dependência que, ao mesmo tempo, convive com a livre apropriação de recursos e ferramentas, em um contexto predominantemente institucionalizado. 43 O segundo entendimento que podemos ter da formalidade tem a ver com uma propriedade conceitual da forma, relacionada à estruturação técnica das redes informais e aos acordos sociossimbólicos interativos. Compostas em fluidez de difícil retenção, as redes informais estabelecem temporariamente acordos simbólicos que resultam em formas fundamentais, as quais permitem o surgimento desses sistemas comunicativos. Observamos, na análise de grupos privados de compartilhamento BitTorrent, que uma série de acordos simbólicos são formulados – formalidades cujo intuito é fixar diretrizes para um projeto coletivo, estabelecendo limitações e recursos para a participação. Tratase da conformação de estruturas participativas que institucionalizam esses espaços informais, produzindo regras de funcionamento. As regras das comunidades fechadas de compartilhamento referem-se a como os usuários deveriam se comportar, quanto e como deveriam contribuir, à padronização dos conteúdos e técnica das plataformas, entre outros. Regras também estruturam sites abertos, ainda que de maneira um pouco menos rigorosa, e permitem que essas plataformas apresentem um alto grau de formalidade, conforme aponta Andersson (2012), institucionalizando-se como entidades despersonalizadas provedoras de conteúdo, que se apresentam de forma altamente eficaz para o público em geral. Tais plataformas, tanto as fechadas, quanto as abertas, para Cardoso et al. (2012) podem ser pensadas como protótipos para a distribuição do cinema na era digital e, conforme Bodó e Lakatos (2012), originam uma lógica única de programação, que relaciona o mainstream com as demandas fragmentadas de nicho, reservando espaços para os gatekeepers tradicionais e, ainda assim, oferecendo possibilidades de escolha e heterogeneidade sem precedentes. Para Schäfer (2011), essa composição é feita por formas que dependem de fatores diversos, como a relação entre discursos, as apropriações coletivas e o design tecnológico, resultando em um fenômeno denominado pelo autor de material-digital, ou seja, uma conjunção entre recursos materiais e dispositivos digitais. Essas formas são, portanto, dispositivos comunicantes que integram funcionalidades e permitem os processos de armazenamento, organização e troca informacional. A digitalização dos suportes comunicacionais produziu perspectivas híbridas da relação entre informação e forma. Essa hibridização manifesta-se tanto na interface quanto na base de dados dos serviços. Quando observamos a circulação dos bens informacionais na era digital a partir de uma perspectiva rizomática (DELEUZE e GUATTARI, 1995), notamos que as 44 interações ponto a ponto assumem um número diversificado de formas. É justamente o diálogo entre as formas que permite às redes informais e formais misturarem-se a ponto de, progressivamente, terem difícil distinção. As redes de pirataria têm trabalhado a serviço da divulgação de conteúdo da indústria do entretenimento, além de oferecerem para ela muitas ideias quanto aos modos de exploração dos meios digitais; além disso, o pirata continua sendo um grande consumidor de conteúdo pago. Conforme Mattelart (2012), quando se pensa no grande volume do conteúdo pago encontrado no âmbito da informalidade, pensa-se em redes subterrâneas e marginais, todavia as atividades econômicas informais desenvolvem-se de modo altamente conectado às economias oficiais. Por isso, não se pode pensar na informalidade como sendo algo menor, mas de grande impacto econômico e que promove circulação significativa de bens e riquezas. Legalidade e Ilegalidade Tanto a organização social dada, quanto as apropriações transformadoras no seio da criatividade formulam o contexto de discussão dos direitos do autor. Se a Renascença foi uma era propícia para a consolidação da propriedade intelectual e da noção de autoria, o tema entra em crise na contemporaneidade por razões contextuais, pode-se dizer, da mesma natureza, pois também motivada por variáveis de ordem tecnológica, econômica e cultural. Principalmente a tecnológica tem um peso importante, tanto na Renascença, com as invenções mecânicas, quanto na atualidade, com as invenções eletrônicas. Ao longo dos séculos, o direito do autor apresenta uma genealogia que deriva de uma origem institucional positiva, onde se produzem as leis, os mecanismos burocráticos de privilégios, que protegem a competição, e uma origem ideológica que resulta de desenvolvimentos culturais em um contexto social que sofre diversos impactos (NIMUS, 2006). Hoje, a violação de algumas dimensões do direito autoral é comum, não sendo moralmente condenada por grande parte da sociedade (BARRON, 2010; DENT, 2012), ocorrendo um acordo moral resultante da força conquistada pela circulação informal, quando esta atende às necessidades de consumo. O direito do autor é desafiado, pois o critério de valoração dado ao conhecimento e seu registro nem sempre é estável. A relação entre as estruturas normativas e a sociedade não é fixa ou homogênea (LEMOS, 2005), especialmente em termos de políticas da tecnologia; é comum haver disparidade entre a norma, de caráter ideal, e a constante transformação social, ou seja, as normas jurídicas enfraquecem diante da importância factual das comunidades de conhecimento 45 (ibid.). Apesar da aparente universalidade da lei positiva, entre as bases que pautam a proibição e as práticas, vemos uma distância muito grande. Este é um campo aberto para a exploração investigativa das dinâmicas culturais, que revelam as instabilidades da relação entre as instituições de poder e o movimento das trocas informacionais, que são, por sua vez, mediadas por tecnologias da inteligência cada vez mais complexas (CASTELLS, 1996). CRISE DO DIREITO AUTORAL Levando em conta o sentido histórico aplicado ao termo “pirataria” e a transformação das bases tecnológicas e econômicas da sociedade, atribuir (i)moralidade ao seu sentido passa a ser um tema polêmico e impreciso. A atribuição de agressão ao direito da propriedade intelectual pode ser mais ou menos flexível, dependendo de situações específicas. Comentadores das leis anglo-americanas do século dezenove, e por tal razão expositores correntes da lei positiva, chamam de infração a violação dos direitos do autor. No século dezenove parece que o termo foi usado indistintamente ao de pirataria (...). Hoje, pirataria implica a reprodução comercial (como na pirataria de discos) e, portanto, traz uma nódoa de vergonha moral. Por isso, retoricamente carregada e, para muitos, tem um caráter altamente contestável chamar o file-sharing de pirataria. (GINSBURG, 2010, p. 83, tradução nosssa). Sendo a aplicação do direito autoral dada a partir de propósitos estritamente econômicos, sabe-se que a pirataria conecta-se fundamentalmente ao espírito capitalista, conforme Adam Smith (1904[1776]) chamara atenção: Nem muitas pessoas são escrupulosas quanto ao contrabando, quando, sem perjúrio, podem encontrar uma oportunidade fácil e segura para fazê-lo. Fingir ter escrúpulos quanto a bens contrabandeados... seria na maioria dos países considerado como uma hipocrisia pedante. O que está implícito na afirmação é que o comércio ilegal sempre foi uma prática recorrente, com objetivos utilitaristas de proveito próprio e que, consequentemente, poderia beneficiar, com o enriquecimento, grupos ou nações. Dentro do clássico impasse sobre quem veio antes, o ovo ou a galinha, pode-se dizer que a cópia de bens culturais é tão antiga quanto a própria cultura (ALFRORD, 1995), justamente porque a definição de propriedade intelectual é posterior ao surgimento dos instrumentos de representação e produção de objetos culturais. A pirataria é tão antiga quanto o próprio 46 cinema e tem sido condutor fundamental de distribuição desde o início25 do século XX. A distribuição não autorizada assumiu diferentes formas e abrangências, dependendo da tecnologia emergente e foi epidêmica nas décadas iniciais do cinema. Isso nos sugere uma nova perspectiva para pensar o conceito estabelecido de que a pirataria impede a criatividade, já que o cinema, desde sempre, se desenvolveu em convivência com a pirataria. Há, ainda, que se considerar a multiplicidade discursiva que envolve a questão da pirataria; tal multiplicidade negocia contradições socioculturais, estando em constante movimento e participando de mudanças concretas nas sociedades. A noção de pirataria transforma-se de acordo com os processos socioeconômicos e adapta-se historicamente, havendo uma transformação fundamental na sua percepção moral, não sendo mais vista pela maioria das pessoas como algo amoral ou antiético. Por fim, o tema levanta questões importantes de natureza política, catalisando debates democráticos sobre a internet e o uso das tecnologias informacionais; ele se relaciona com outros fenômenos, como a dissolução da noção de autoria, a desobediência civil, o movimento de inovações tecnológicas, os grupos anônimos, a crise econômica, a cultura participativa, o empreendedorismo digital, o mercado audiovisual, as economias informais, entre outros. A pirataria é, portanto, uma atividade política e cultural que corresponde a uma gama de interesses coletivos de dimensão global. Grátis e Pago Considerar que o consumo informal de bens midiáticos depende da “vontade de pagar” é uma imprecisão que desconsidera uma série de fatores que interferem diretamente nesse tipo de relação, pois além da vontade de pagar, há casos em que faltam recursos para consumir, existem as limitações do mercado distribuidor, que não oferece o produto de forma eficiente, além de uma maior ou menor desenvoltura com os mecanismos tecnológicos que facilitam a pirataria, ou de um acesso mais facilitado ou não às mídias piratas, dentro e fora da internet, tornando-a menos ou mais conveniente. 25 Logo no início, os filmes não eram protegidos, mas sim os equipamentos, que tinham patentes rígidas. Essa restrição de uso do invento cinema (aplicada inicialmente por Thomas Edison) ainda não enxergava os filmes enquanto obras intelectuais. A produção de direitos autorais os filmes foi se desenvolvendo com o tempo, na medida da consolidação das obras como produto cultural e do cinema dentro de um modelo de indústria. 47 Por exemplo, Karaganis (2011) aponta que a ubiquidade da pirataria nos países em desenvolvimento é consequência da inadequação entre os preços cobrados pelos distribuidores e os recursos dos consumidores; as multinacionais precificam seus produtos a partir da média dos países desenvolvidos para proteger seus próprios mercados e manter uma posição de dominação, atrapalhando o crescimento de mercados menores. Ainda, a circulação informal não necessariamente deixa de se converter em recursos para as indústrias midiáticas. Um exemplo é a pirataria promocional; conforme lembra Croxon (2007), a internet com seus blogs, salas de bate-papo e outros ambientes, viabiliza que a fofoca entre os consumidores se espalhe globalmente, gerando o buzz, o hype, o marketing viral, o boca-a-boca. Segundo o autor, o boca-a-boca é um veiculador importante do sucesso de vendas, especialmente da indústria do entretenimento. Pode ser que a pirataria não prejudique diretamente a indústria, se ela encontrar modos de satisfazer os consumidores em um cenário onde a cultura livre se instaura. A free culture possui dois sentidos que se manifestam na tradução para o português da palavra free: grátis (receber algo sem pagar) e livre (autonomia dos sujeitos na apropriação das tecnologias e dos bens culturais, ideologia da desconstrução da propriedade intelectual) (ANDERSON, 2009). A dualidade não é apenas uma coincidência lexical, mas um fato observado na relação da sociedade com o conhecimento, os bens simbólicos e as tecnologias. Por um lado, temos o espalhamento de um comportamento de massa, que consiste em consumir e replicar conteúdos culturais, apesar das restrições colocadas pelo direito autoral (a cultura do grátis). Por outro lado, temos atitudes de apropriação tecnológicas motivadas pelo discurso da liberdade de acesso ao conhecimento (cultura livre). Ambas têm implicações econômicas e nem por isso destroem o sistema, mas o obrigam a se adaptar. A circulação grátis de produtos é uma lição antiga do marketing promocional (CROXON, 2007) e serve para influenciar psicologicamente o consumidor, mexendo com a sua percepção e, consequentemente, produzindo demandas ao tornar os produtos mais atraentes. Por exemplo, em 2008, vídeos do Monthy Python foram distribuídos gratuitamente no YouTube, o que resultou na multiplicação de vedas dos DVDs na Amazon.com. E, ainda, houve o emblemático caso do filme Tropa de Elite (José Padilha, 2007) que revelou o poder promocional da pirataria: o lançamento previsto para novembro de 2007, a cópia pirata começou a circular nas ruas em agosto, o que fez com que a estreia fosse antecipada em um mês, acontecendo no dia 12 de outubro. 48 Estima-se que 12 milhões de pessoas tenham assistido às cópias piratas (LOBATO, 2012), tendo sido o filme mais pireteado da cinematografia nacional e, apesar do pouco investimento em publicidade, o sétimo mais assistido no Brasil, naquele ano, alcançando um público de quase 2,5 milhões de espectadores (CARDOSO et al, 2012), quantidade que, supõe-se, não teria sido alcançada sem a publicidade pirata. Pode-se dizer que o livre compartilhamento dá visibilidade a obras de fontes mais heterogêneas, o que torna a pirataria um agente cultural “pedagógico” que interfere nas sensibilidades do público. Hoje, o grátis encontra proporções amplas e diversas: ele está relacionado à imaterialidade dos bens culturais e suas novas formas de circulação no espaço digital. É parte integrante de um novo sistema econômico resultante da sociedade da informação, dos bits ao invés de átomos (NEGROPONTE, 1999). O aumento da oferta, sem aumento da demanda, a imaterialização do suporte, a facilidade de acesso, o estímulo da indústria informática, que obtém vantagens com a gratuidade, e o aparecimento de uma nova geração que se acostuma a compartilhar livremente os conteúdos, sem restrições morais, são os principais fatores que deram força ao conceito free. Os sistemas alternativos e descentralizados de distribuição da informação contribuem para o surgimento de mercados inovadores, revelando públicos e culturas. Quanto mais diversa a distribuição de uma arte ou produto, maior a possibilidade de surgirem novos mercados. As rádios piratas dos anos 1960, na Inglaterra, chamaram a atenção para o público do rock, o que, posteriormente, tornou-se uma das maiores indústrias do entretenimento do século XX (MASON, 2009). Quanto mais disseminadas as práticas descentralizadas de informação, maior a possibilidade de inovação. No sistema capitalista, o lucro vem na inovação. Principal mote de “como ganhar dinheiro”, inovar é o movimento constante das trocas. Um outro aspecto sobre a gratuidade, importante de ser mencionado, é que, principalmente em comunidades fechadas de torrent, notamos um alto engajamento dos usuários, que, para obterem uma série de privilégios dentro desses grupos ou até mesmo para terem o direito de participar deles, precisam investir em trabalho ativo, acrescentando conteúdo, fazendo legendas, traduções, organizando o banco de dados, moderando comentários e contribuindo com banda de internet, ao fazerem uploads; ainda, como lembra Kosnik (2012), os usuários precisam também investir financeiramente, ou seja, gastar dinheiro, ao contratarem serviços de internet com boa conexão, comprarem hard disks, assinarem contas em redes privadas virtuais, entre outros. Notamos, em nossa análise, o que vai de acordo com De Sá (2013), que há uma 49 quantidade significativa, no âmbito informal, de pessoas engajadas em produzir traduções e legendas, o que exige bastante trabalho dos voluntários. Isso quer dizer que, em muitos casos, o grátis pode não ser totalmente grátis, quando notamos todos esses investimentos e engajamentos no âmbito do consumo informal, sem contar nos riscos de punição, perante a lei, que os usuários podem estar correndo ao participarem dessas redes. Acesso e Privilégio Quando observamos o universo torrent, nos damos conta de que ele tem como mote principal o acesso à informação e aos bens culturais, tomando isso como uma bandeira ideológica que se posiciona no enfrentamento às indústrias culturais e aos mediadores oficiais, procurando se afirmar como representantes de uma legítima apropriação dos recursos tecnológicos para a liberdade da informação. Em nossa pesquisa, analisamos um site de convites para grupos de torrent privados, o Torrentinvites.com, e observamos que, em sua chamada principal, existe a afirmação de que seus membros seriam fiéis ao “verdadeiro sentido do compartilhamento”, tendo como objetivo criar uma “comunidade de torrent verdadeiramente global”. O site promete conter informações atualizadas sobre os trackers privados e guiar o usuário, introduzindo-o a este “verdadeiramente secreto e iluminado público”. Perceba que há um grande entusiasmo em relação a esse universo, onde o uso repetido da palavra “verdade” refere-se a um espectro discursivo segundo o qual a comunidade coloca-se como representante legítima de uma cultura da pirataria, cujos eixos ideológicos já estão estabelecidos e são compartilhados por um grupo seleto de pessoas. Sites de convites, como esse, apresentam-se como mediadores entre pessoas comuns e tal mundo secreto, articuladores que promovem ritos de passagem, que exigem engajamento e conhecimento dos usuários para que estes conquistem seu lugar em um mundo de privilégios. Também notamos uma perspectiva parecida ao analisarmos um grupo cinéfilo privado de torrent26, dedicado exclusivamente ao cinema, cujo slogan é o “verdadeiro cinema”, o que, por implicação, leva a pensar que o grupo trabalha com uma cinematografia considerada legítima de ser chamada de cinema, ao contrário de outras que seriam menos dignas ou falsas. Por isso mesmo, ainda que a perspectiva central do 26 Maiores detalhes sobre o estudo desse grupo podem ser encontrados na tese. 50 site seja disponibilizar e facilitar o acesso a cinematografias diversas, para além da cultura de massa, o site coloca-se numa zona intelectual privilegiada, de um público específico e selecionado, ao passo que também o conteúdo é rigorosamente selecionado e está muito distante do que se pode pensar como sendo um gosto comum. Por outro lado, as redes de compartilhamento de conteúdo cinematográfico na internet são, claramente, constituídas para o acesso, ou seja, posicionam-se dentro de um viés pós-colonialista, no sentido de que estão ativamente engajadas em diminuir o déficit cultural que assola grande parte da população mundial, no sentido de que esta não encontra meios para acessar uma série de conteúdos, seja pelo fato de não são massivamente distribuídos ou, ainda, pelo simples fato de não possuírem disponibilidade econômica para o consumo cultural. Muitas vezes, a pirataria é uma atividade cotidiana praticada em contextos onde não existem alternativas legais; conforme aponta Dent (2012), as práticas informais tornam-se antídotos contra o alto preço de acesso aos produtos culturais, resultante de um regime de propriedade intelectual que encoraja tendências monopolistas, cuja causa é a desigualdade de poder econômico entre as partes interessadas. Notamos um paradoxo, quando pensamos que o acesso aos bens culturais, hoje, implica em um problema na relação entre tecnologia e a cidadania, pois, para estar integrado, o indivíduo necessariamente precisa manipular os aparatos tecnológicos. Dessa forma, em uma sociedade tecnológica, a possibilidade de engajamento cívico requer conhecimento especializado, tratando-se de um caminho ativo dos indivíduos na busca das suas cópias dos produtos culturais. Por isso, ainda que as tecnologias propiciem a liberdade de acesso, fazer parte do mundo tecnológico e conhecer a sua linguagem e os seus meandros, funcionalidades, especificidades, ainda é um privilégio para poucos. Cooperação e Oportunismo Andersson (2012) chama a atenção para o caráter abrangente e massivo da circulação informal dos sites de torrent, os quais funcionam como utilidades genéricas de compartilhamento, repositórios de informação bastante vastos, altamente conectados e ubíquos. Para além de uma perspectiva comunal, é possível perceber a circulação informal como uma infraestrutura de larga escala, uma ferramenta massiva de superabundância de dados. Esta produz uma impressão ou, até, a certeza de que a obtenção dos conteúdos já é um direito adquirido, de que sua oferta é um dado 51 incontestável, ou seja, todos sabem que podem encontrar na rede tudo o que desejam, ainda que nunca tenham, de fato, contribuído para ou participado em alguma comunidade. A rede é vista, portanto, como um repositório livre de conteúdo, do qual se pode desfrutar sem, necessariamente, haver a necessidade de qualquer contrapartida. É por isso que a tecnologia BitTorrent já possui acoplada uma série de recursos para controlar a cooperação, tornando-a mandatária e automática. Mesmo assim, nota-se uma preocupação muito grande por parte dos mantenedores de comunidades (especialmente as fechadas) em controlar e exigir a participação dos usuários. Daí o aparecimento do que se pode chamar de uma ética pirata, no sentido de que a falta de cooperação é moralmente condenada no âmbito torrent, especialmente em grupos fechados. Ao observarmos o fenômeno, notamos um discurso de bom senso em relação às regras pré-estabelecidas, trata-se da manutenção de acordos coletivos, apoiados no corpo de regras dos grupos e na própria estrutura técnica da interação BitTorrent, resultantes de um sistema hierárquico que cria uma codependência entre agentes. A eficiência da tecnologia BitTorrent dá-se justamente pelo fato de que ela é programada para otimizar o uso de banda e, consequentemente a colaboração. Se há a necessidade tática de uma tecnologia para que se force o compartilhamento, então, notase que, ainda que essas redes sejam essencialmente colaborativas, na prática a colaboração não ocorre necessariamente, havendo a necessidade de proteção contra agentes oportunistas. Para isso, conforme explica Cohen (2003), uma série de estratégias é utilizada, como por exemplo, fazer com que a taxa de download seja sempre proporcional à taxa de upload (ratio), o que serve de estímulo ao peer para contribuir com a rede; quanto maior a velocidade de upload liberada pelo peer, mais rápido ele também pode obter o conteúdo que deseja. Isso é denominado de esquema tit for tat, que procura encorajar uma troca justa. Além de a tecnologia BitTorrent já ter automaticamente um mecanismo que regula a taxa de ratio, para dificultar a dominação de peers parasitas e desperdício de banda, há algoritmos que permitem bloquear o envio de dados para usuários específicos que não estejam cooperando. Além disso, há um sistema de recompensas, ou seja, um usuário ativo pode acumular, ao longo do tempo, o que é denominado de crédito ratio. Isso faz parte de um sistema econômico utilizado em uma série de trackers privados, com o intuito de melhorar a qualidade das transmissões, estimulando os peers a compartilharem mais. Assim, da mesma forma que um usuário pode acumular créditos, também pode ficar em dívida com o grupo, correndo o risco de ser banido. 52 Grupos Privados de Torrent são essencialmente colaborativos, são comunidades que se sustentam a partir de um trabalho e investimento humanos voluntários, que, em geral, não almejam lucro. Desde a base de dados, até a configuração estrutural das plataformas e organização dos processos interativos são tarefas que exigem grande trabalho e dedicação por parte dos voluntários, são grupos que promovem a cultura da participação. Ideia que, além de pertencer a um discurso que se popularizou como promessa para a promoção de novas tecnologias, é também uma categoria utilizada nos estudos acadêmicos para explicar um fenômeno cultural emergente e central nas práticas de mídia contemporâneas (SCHÄFER, 2011). Observamos, em grupos privados de torrent, três categorias de participação que foram apontadas por Schäfer (ibid.): acumulação da informação, arquivamento (organização) da informação e construção da interface e ferramentas. Estes são domínios que se sobrepõem, sendo que cada participante contribui com o aspecto que desejar, resultando na composição do artefato/site, que é o elemento agregador da comunidade e resultado do seu trabalho. Ainda assim, o mesmo tempo em que esses grupos necessitam da colaboração para se estruturar, nem sempre a motivação para a colaboração se dá por motivos altruístas, pois há uma série de outras motivações que levam os usuários a se engajarem ativamente nessas redes, desde, obviamente a possibilidade de aquisição de conteúdo e uma série de vantagens nesse sentido, até o desejo de encontrar reconhecimento dentro dos grupos e galgar posições hierárquicas que são, na maioria dos casos, estabelecidas no seio dessas comunidades. Percebemos, em nossas análises, que grande parte desses grupos possuem classificações hierárquicas de acordo com as quais os usuários atuam e que causam um grande impacto simbólico dentro das redes e na formação das identidades dos participantes. Profissionalismo e Amadorismo A prática da pirataria se dá a partir da apropriação tecnológica, que é um processo resultante das relações entre os grupos humanos e as entidades/elementos técnicos e envolve, para isso, o desenvolvimento de habilidades práticas de cooperação que se desenvolve no uso das ferramentas técnicas e plataformas de mídia, envolvendo modos particulares de usos, narrações únicas que envolvem espaços, objetos e corpos. Para Certeau (1998), trata-se da possibilidade de recontextualização e transformação de entidades dadas em formas expressivas, em uma performance, uma narração que detém traços de liberdade individual para além do determinismo tecnológico. 53 De acordo com Mylonas (2012), as práticas de compartilhamento informal são a superação de obstáculos dados pela tecnologia, política ou leis, a partir de um uso particular da solução tecnológica, o que potencializa a participação dos indivíduos no espaço público e, por isso mesmo, acaba por diminuir a distância entre instâncias oficiais, legitimadas de produção ou distribuição e as pessoas comuns, em outras palavras, entre profissionais e amadores. Com o surgimento da Web 2.0, a internet tornou-se uma feira livre de soluções, serviços, ferramentas, levando ao ápice um processo que remonta ao início da era digital. Desde a popularização da computação pessoal, profissionais e hackers apropriam-se de ferramentas especializadas para criar soluções lucrativas, prosumers (TOFFLER, 1980) emergem como uma classe cultural que dá movimento a um fluxo de informações cada vez mais volumoso. O software livre (e todo o movimento político que o cerca) provou que, para produzir serviços, linguagens e soluções digitais de grande valor não é necessário um vínculo formal a instituições e, nem mesmo, possuir titulação profissional adquirida em bancos universitários; na era digital o autodidatismo é o grande produtor de conhecimento especializado, pois, conectados à internet, participando de fóruns de discussão e experimentando com as ferramentas, os usuários amadores puderam se tornar os principais agentes das novas formas de conhecimento. Leadbeater e Miller (2004), ao sugerir a categoria de pro-am (profissionaisamadores) chama a atenção para o fato de que as barreiras entre profissionalismo e amadorismo são muito difíceis de ser definidas, pois a flexibilidade dos processos interativos e a convergência de ferramentas e recursos - qual seja, a integração de tecnologias da inteligência (LEVY, 1993) cada vez mais complexas -, somados à infinita possibilidade de publicização e monetização, permitiram com que as pessoas descobrissem por conta própria muitas possibilidades de explorar esse novo mundo, sem depender de qualquer vínculo empregatício ou instituição que legitimasse as suas práticas. Trata-se de uma liberalização extrema do trabalho e do mercado, onde o empreendedorismo pessoal ficou cada vez mais fácil e o que era apenas um hobby ou curiosidade teve a possibilidade de vir a se tornar uma atividade lucrativa ou, senão, de resultar em produtos, serviços ou plataformas bem feitos e de grande utilidade e valor. Falando especificamente sobre o mercado audiovisual, é notável que plataformas como o YouTube (BURGESS & GREEN, 2009) viabilizaram o surgimento de novas audiências para novos enunciadores, indivíduos ou grupos que passaram a produzir seus próprios vídeos e uma linguagem própria para esse novo tipo de experiência, que é 54 condicionada a limitações estruturais de produção características do amadorismo. Um amadorismo que, todavia, tornou-se altamente lucrativo e conquistou visibilidade, sendo, muitas vezes reapropriado pelos grandes meios, seja quando copiam formas e modelos, quando contratam figuras com grande popularidade no mundo digital para atuarem em suas produções, quando aproveitam o público dessas plataformas para inserir anúncios ou, até mesmo, quando compram produções já prontas para retransmitir em seus canais de televisão. Os amadores passaram a ter a possibilidade de se profissionalizar, a partir dessas tantas ferramentas, sem depender de uma mediação ou legitimação de agentes já consolidados e produziram seu próprio mercado, ao encontrarem novas formas de diálogo com o público. Quanto à produção de plataformas informais de distribuição de conteúdo, também notamos que os seus modos de estruturação e organização apresentam-se em um grau de profissionalismo elevado, dada a sua qualidade, funcionalidade e eficiência, o que exige, como mencionamos anteriormente, um grande engajamento dos voluntários, que dedicam bastante tempo de suas vidas nesse trabalho, ainda que, em muitos casos, não seja um trabalho remunerado ou, talvez, ainda que não seja uma remuneração regularizada dentro dos âmbitos da legalidade. Considerações Finais O estudo das redes digitais e seu impacto na sociedade e, mais especificamente, o estudo da circulação do audiovisual nas redes digitais encontra grandes desafios metodológicos quando uma série de categorias que costumavam definir essencialmente as estruturas midiáticas tradicionais tornaram-se instáveis, diluindo dualidades que, antes, pareciam suficientes para delimitar campos e espectros analíticos. Apesar de os fenômenos aparentarem desenvolver características paradoxais, já que as categorias aqui apresentadas seriam, normalmente, autoexcludentes, notamos que elas coexistem e convivem, assumindo diversas combinações e arranjos dependendo do fenômeno específico, dentro de toda a complexidade e hibridez encontrada nas plataformas digitais de comunicação. As tecnologias da informação e comunicação provocaram mudanças irreversíveis no modo de se lidar com os bens culturais, uma transformação cujos agentes originamse das mais diversas bases culturais. A diluição dualidades aqui apresentadas não exclui a existência de opostos, mas faz notar que eles podem coexistir em soluções e ferramentas específicas e estão em constante diálogo e rearranjo. O espaço da circulação 55 digital tende à convergência crescente de meios e ferramentas, por isso as soluções de entrega e consumo de audiovisual valem-se da hibridização tecnológica, combinando e fazendo uso de incontáveis elementos técnicos. Demonstramos que o espaço tecnológico, ao passo que se estabiliza em serviços e práticas, também se transforma e adapta a interesses e condições particulares. Cabe, aos estudos da comunicação, da linguagem e da cultura, encontrar estratégias metodológicas que não estejam totalmente presas a essas dualidades, para dar conta dos processos que emergem nesse tipo de fenômeno. O presente artigo limitou-se a apenas apresentar a problematização dessas dualidades que, acredita-se, serem apenas algumas dentre uma série de categorias que se encontram em processo de dissolução na contemporaneidade e que ainda merecem estudo e discussão aprofundados, para uma compreensão ainda mais enriquecedora da sociedade e da cultura digital. Referências ALFRORD, W. D. To Steal a Book is an Elegant Offense: Intellectual Property Law in Chinese Civilization. Stanford: Stanford University Press, 1995. ANDERSON, C. Free: the Future of Radical Price. London: Business Books, 2009. ANDERSSON, J. The Quiet Agglomeration of Data: How Piracy is Made Mundane. International Journal of Communication. (6) 2012. 585-605. BARRON, A. Copyright Infringement, “free-riding” and the life world. In: BENTLY, L. Copyright and Piracy: an Interdisciplinary Critique. Cambridge: University Press, 2010. BHABHA, H. Nation and Narration. London: Routledge, 1990. BODÓ, B.; LAKATOS, Z. 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