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ED. TRENTA GIORNI SOC. COOP. A R. L. ISSN 1827-627X
nella Chiesa e nel mondo
na Igreja e no mundo
Diretor: Giulio Andreotti
Entrevista com Antonios Naguib
Patriarca dos Coptas Católicos de Alexandria
A aposta egípcia
ANO XXIX - N.1/2 - 2011 R$ 15,00 - € 5
ANNO XXIX N.1/2uma
- 2011
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meditação
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Ano XXIX
N.
Sumário
1 / 2 - Ano 2011
Na capa: duas imagens da Praça Tahrir no Cairo
durante as manifestações contra o regime em fevereiro passado
EDITORIAL
EDITORIAL
Linhas de concórdia
4
— de Giulio Andreotti
CAPA
Santa Sé
p.
16
Uma janela sobre a Igreja e sobre
o mundo. O sentido de uma estatística.
Um artigo do cardeal Angelo Sodano
por ocasião da publicação do
Anuário Pontifício 2011
EGITO
A aposta egípcia
Entrevista com Antonios Naguib — de G. Valente
20
NESTE NÚMERO
SANTA SÉ
Uma janela sobre a Igreja e sobre o mundo.
O sentido de uma estatística
16
— do cardeal Angelo Sodano
LEITURA ESPIRITUAL
O milagre de São José
— de Dom Luigi Giussani
36
39
A oração A ti, São José
ARTE CRISTÃ
Rússia. As portas santas do povo russo
40
— de Vladimir Yakunin
“O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”
— de Kirill, patriarca de Moscou e de todas as Rússias
41
“O sentido da unidade do povo com a Igreja”
— de Dimitrij Medvedev, presidente da Federação Russa
p.
50
Arte Cristã
Livres e simples.
As igrejas de Milão segundo Montini
42
Livres e simples.
As igrejas de Milão segundo Montini
50
— de G. Frangi
NOVOS BEATOS
Madre Pierina e o Rosto de Jesus
— de D. Malacaria
46
LITURGIA
Moçárabe, ou seja, “entre os árabes”
Leitura
espiritual
p.
36
O milagre
de São José.
Um texto de
Dom Luigi Giussani
no sexto aniversário
de sua morte
Entrevista com Juan Miguel Ferrer Grenesche
— de R. Rotondo
56
NOVA ET VETERA
A mulher do Apocalipse e o anticristo
— de Ignace de la Potterie, S.I.
62
SEÇÕES
CARTAS DOS MOSTEIROS
CARTAS DAS MISSÕES
CORREIO DO DIRETOR
30DIAS NA IGREJA E NO MUNDO
30DIAS Nº 1/2 - 2011
6
10
14
30
3
Editorial
Linhas de concórdia
de Giulio Andreotti
É triste ver tanta gente morrendo na
Líbia sem que se saiba (e sem que talvez eles mesmos saibam) por que se esteja realmente combatendo. Infelizmente na Líbia há também
muita influência a exasperação das diferenças étnicas, e não se perde a ocasião de colocar em evidência o que divide uns dos outros.
Cronologicamente a revolta estourou depois daquela na Tunísia e no Egito mas, com exceção de um
princípio que muitas vezes entre países vizinhos pode-se ter uma atração recíproca tanto nos processos
virtuosos quanto nos negativos, não tenho elementos para afirmar com certeza que o que acontece na
Líbia seja o mesmo que aconteceu no Egito.
Parece paradoxal que sejamos surpreendidos por
estes acontecimentos mesmo vivendo em um mundo onde, muito mais do que no passado, somos
bombardeados diariamente por uma quantidade im-
pressionante de dados e notícias. Talvez porque nunca aprofundamos os fenômenos, mas paramos na
impressão imediata que causa uma notícia. Somamos os fatos, um após o outro, mas nunca fazemos
uma correlação.
Também a reação dos Estados Unidos a esta crise
causou algumas críticas, por serem os Estados Unidos longe do Mediterrâneo: e é verdade que quando
se vê um problema de longe às vezes é difícil
compreendê-lo em todas as suas facetas, mas sob
um outro aspecto, ver as coisas de longe dá a possibilidade de ver aquilo que é essencial sem se perder
nos aspectos superficiais. Portanto antes de dizer
que os americanos erram sobre este tema, eu pensaria duas vezes.
Alguns anos atrás disse que sobre o problema líbio influenciava uma luta interna às companhias petrolíferas americanas; não que eu tenha tido a prova
A Líbia é um país com
o qual tivemos necessidade
de encontrar mais linhas
de concórdia, do que
acentuar divisões.
E também hoje,
devemos procurar juntos
pontos sobre os quais se
pode convergir,
senão corremos o risco
de pagar as despesas
Refugiados líbios na fronteira com a Tunísia
4
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Soldados líbios controlam uma refinaria
em Marsa El Brega, Líbia
matemática, mas uma suspeita de
que seja um elemento que ainda influencia a situação é mais do que legítima.
A Itália muitas vezes foi acusada –
de modo injusto – de ter um comportamento excessivamente indulgente
para com Kadafi. Certamente Kadafi
tem ideias e características diferentes
das nossas, mas não podemos pretender que todo o mundo seja alinhado aos nossos
modelos.
Nós sempre quisemos dar a impressão aos líbios,
porque correspondia à verdade, de que respeitávamos suas características particulares, mesmo quando manifestavam seu orgulho contra a época do colonialismo italiano. Então, os líbios viam-nos como
3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
Diretor Giulio Andreotti
REDAÇÃO
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seus adversários e não como inimigos e esta talvez
seja a diferença com o momento atual.
A Líbia é um país com o qual tivemos necessidade
de encontrar mais linhas de concórdia, do que acentuar divisões. E também hoje, devemos procurar juntos pontos sobre os quais se pode convergir, senão
corremos o risco de pagar as despesas.
q
Imagens
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Colaboradores
Pierluca Azzaro, Françoise-Marie Babinet,
Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi,
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Lucio Brunelli, Rodolfo Caporale,
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Sede legale:Via Vincenzo Manzini, 45
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Conselho de Administração
Giampaolo Frezza (presidente),
Massimo Quattrucci (vicepresidente),
Giovanni Cubeddu, Paolo Mattei,
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Diretor responsável
Roberto Rotondo
Colaboraram neste número
Cardeal Angelo Sodano,
Vladimir Yakunin
Tipografia
Arti Grafiche La Moderna
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3OGIORNI
nella Chiesa e nel mondo
é uma publicação mensal registrada
junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993
n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios
públicos diretos de acordo com a lei
de 7 de agosto de 1990, n. 250
Este número foi concluído na redação
dia 28 de fevereiro de 2011
Impressão concluída no mês de março de 2011
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS:
Reuters/Contrasto: Capa; pp.24,25,31; Ansa: pp.4,5; Osservatore Romano: pp.16-17,18; Corbis: pp.20-21,27,43; Associated Press/LaPresse: pp.21,23,28,29,32,40,41; Paolo
Galosi: pp.21,47; Afp/Getty Images: pp.22,23,29; National Geographic/Getty Images: p.26; Romano Siciliani: pp.31,32,34,46; Archivio CL: p.37; ITAR-TASS: pp.42-43;
Photoxpress/Agenzia Sintesi: p.43; Ale Frangi: pp.52,54; Armin Linke: p.54; Lessing/Contrasto: p.56; Efe: p.58; Archivi Alinari, Florença: p.64.
30DIAS Nº 1/2 - 2011
5
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
A igreja do mosteiro de São Pedro in Vineis (século XII), nos arredores de Anagni, Itália. Tendo pertencido de início muito
provavelmente aos beneditinos, tornou-se sede de uma comunidade de clarissas logo depois da canonização de Santa Clara
em Anagni (15 de agosto de 1255). Nestas páginas, os afrescos medievais no coro das clarissas
CLARISSAS DO CONVENTO DE YENSHUI
Yenshui, Taiwan
30Days nos oferece notícias que de outra
forma dificilmente poderíamos conhecer
Yenshui, 7 de dezembro de 2010
Prezado diretor Giulio Andreotti,
o Príncipe da Paz está agora entre nós! Alegremo-nos
e exultemos!
A ordem de Santa Clara, da qual a nossa comunidade faz parte, já está no segundo ano de preparati6
30DIAS Nº 1/2 - 2011
vos para os festejos do aniversário dos oitocentos
anos da sua fundação, no século XIII. O tema deste
ano é a contemplação. A vida contemplativa não é
exclusiva de comunidades de homens e mulheres que
vivem sua silenciosa presença em regiões remotas ou
no centro de cidades para testemunhar que Deus está
vivo. Todos somos chamados a uma união mais íntima com o nosso Criador, qualquer que seja o nosso
estado de vida.
A chegada do tempo de Advento e do tempo de
Natal representa uma oportunidade para nos levar a
meditar mais uma vez sobre o significado do nascimento do Menino Jesus no meio de nós.
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
É uma alegria pô-lo a par de algumas importantes
notícias sobre as nossas comunidades ao longo deste
ano de 2010. Entre as muitas bênçãos derramadas
por Deus sobre nós, irmã Mary Agnes Hu, a nossa irmã de Taiwan, fez a sua profissão perpétua solene em
2 de outubro passado, festa dos Anjos da Guarda. Depois, juntamente com Suas graças divinas, recebemos
a aprovação do mosteiro – filiação do nosso – na ilha
de Lamma, em Hong Kong, com ereção canônica na
data de 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis.
Desejamos aproveitar a oportunidade para agradecer-lhe mais uma vez pela revista 30Days, que com generosidade nos envia gratuitamente há alguns anos. A
revista nos oferece sem dúvida uma grande quantidade
de informações sobre a Igreja Católica e importantes
notícias do mundo que de outra forma dificilmente poderíamos conhecer. Que Deus o recompense!
Rezamos para que o senhor esteja bem e fazemos
votos de paz e amor neste tempo de Natal, e muitas
bênçãos para todos os seus colaboradores e seus entes queridos para todo o novo ano de 2011.
Irmã Mary Veronica Therese, O.S.C.
e as clarissas de Yenshui
CLARISSAS DO CONVENTO DE SAINT FRANÇOIS DʼASSISE
Musambira, Ruanda
Grande gratidão pelo presente
que é 30Jours
Musambira, 10 de dezembro de 2010
Caríssimo diretor,
paz e bem no Senhor.
Temos o prazer de lhe fazer chegar estas poucas linhas para expressar-lhe a nossa grande gratidão pelo
presente que é a revista 30Jours, mas também para
fazer-lhe nossos melhores votos para as festas já próximas. Que o Verbo de Deus feito carne traga-lhe todas as graças e bênçãos de que precisa para melhor levar adiante a sua missão! Que o ano de 2011 seja para
o senhor um ano próspero e muito frutuoso.
Fique certo de nossa proximidade na oração.
Que a Virgem Maria o conserve e o proteja em tudo e para tudo.
Muito fraternalmente,
as clarissas de Musambira
A última ceia e o lava-pés
30DIAS Nº 1/2 - 2011
7
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
A prisão e a flagelação de Cristo
IRMÃS DO SANTO ROSÁRIO
Jerusalém, Israel
Obrigada de coração
pelos valorosos artigos que enchem
o nosso horizonte
Jerusalém, 12 de dezembro de 2010
suas orações, para que uma paz duradoura possa finalmente prevalecer na região.
Renovando a minha gratidão, sinceramente em
Jesus Cristo,
irmã Ildephonse El-Hajjeh
CISTERCIENSES DO MOSTEIRO NOTRE DAME DE VINH-PHUOC
Bien Hoa, Vietnã
Cara equipe de 30Giorni,
paz e bem de Jerusalém! Desejo-lhes uma feliz festa da
Natividade do Senhor Jesus Cristo e um 2011 próspero e cheio de paz.
Sou uma leitora apaixonada de 30Giorni: obrigada de coração pelos valorosos artigos que enchem o
nosso horizonte e nos mantêm informadas sobre as
notícias da Igreja e do mundo.
Peço-lhes que me enviem, por gentileza, dois
exemplares de Who prays is saved, um em italiano e
um em inglês.
Eu lhes serei sempre grata se puderem ser enviados
logo. Peço-lhes que se lembrem do Oriente Médio em
8
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Votos do Vietnã
Bien Hoa, 13 de dezembro de 2010
A prioresa e suas irmãs desejam-lhe, senhor diretor, e
à sua família, saúde e muitas graças do divino Menino
e a alegria de participar das Suas obras de redenção.
Obrigada pelo envio de 30Jours.
Deus o abençoe,
irmã Marie Jean de la Croix Pham Ghy Tac
e toda a comunidade
Cartas dos mosteiros Cartas dos mosteiros
CARMELITAS DO CONVENTO MARÍA MADRE DE LA IGLESIA
La Vega, República Dominicana
Agradecemos profundamente
por sua bela e interessante revista 30Días
La Vega, 21 de dezembro de 2010
Caríssimo senhor Giulio Andreotti,
seja bendito o Senhor, que mais uma vez nos concede celebrar com imensa alegria o grande mistério de
amor do Natal, que nos reúne espiritualmente todos
em adoração humilde e silenciosa d’Aquele que sendo imenso e onipotente se fez pequeno e fraco para
nos comunicar a vida divina! Por isso, deste humilde
confim da terra, que teve a boa sorte de contemplar
a vitória do nosso Deus, nós lhe enviamos um abraço
fraterno de paz e amor e o cumprimentamos de todo
o coração.
Comunicamos que a partir de 8 de agosto de 2010
começamos o jubileu pelo quinto centenário da nossa
diocese de Concepción de la Vega – uma das três primeiras da América, ao lado das de Santo Domingo e
Puerto Rico –, erigida com a bula Romanus Pontifex,
do papa Júlio II. O Senhor foi grande conosco. Nestes
anos concedeu à nossa região abundantes vocações
sacerdotais e religiosas. Até hoje Deus nos doou 82
sacerdotes diocesanos nativos desta diocese. Por isso
somos felizes e queremos celebrar, com gratidão e entusiasmo, este acontecimento eclesial e histórico e comunicar-lhes a nossa alegria.
Em profunda comunhão com todos vocês, prosseguimos muito unidas ao papa Bento XVI e a toda a
Igreja em suas provações e sofrimentos, por meio da
nossa oração e das tribulações que o Senhor, em seu
amor e em sua providência, permite que atravessemos.
Desejamos a todos que estas santas festas do
“Deus conosco” nos ajudem a aumentar a nossa fé,
esperança e caridade e a unir as nossas forças na luta
pela transformação do nosso mundo, com a firme
convicção de que só o amor e a verdade devem prevalecer sobre todos os males.
Que a nossa santíssima Mãe, Rainha da Paz, lhe
conceda um ano novo de 2011 cheio de graça e de
paz, segundo a vontade do Senhor.
Fraternalmente em Jesus, Maria e José, agradecemos profundamente por sua bela e interessante revista 30Días, que lemos com muito prazer.
Recomendando-o de coração em nossas orações,
irmã María Cecilia Morini e comunidade
A deposição da Cruz e a descida ao Limbo
30DIAS Nº 1/2 - 2011
9
Cartas das missões
Cartas das missões
MISSIONÁRIOS XAVERIANOS
Redenção, Pará, Brasil
Peço-lhes a caridade de continuarem a nos enviar 30Giorni também em 2011
Redenção, 25 de novembro
de 2010
Caros amigos da redação de
30Giorni,
já faz alguns anos que recebemos a
sua revista e, não sei por que injustificável razão, nunca lhes agradecemos. No entanto, razões para fazer isso nós tivemos todas as vezes
que a revista chegou! Nós a recebemos pontualmente em Redenção, onde temos a nossa base e o
centro de apoio para os índios da
tribo caiapó. Redenção é uma cidade de cerca de
setenta mil habitantes no sul do Estado do Pará, situada entre dois grandes rios, o Araguaia e o Xingu, formada por uma população proveniente, ainda hoje, de outros Estados do centro-sul e do nordeste do Brasil.
Sempre recebemos com prazer a sua revista,
aliás, algumas vezes, quando demorava a chegar, tivemos medo de que vocês se tivessem cansado do
nosso silêncio. Mas a última edição que recebemos
nos infundiu novo ânimo...
Venho, em nome da comunidade dos missionários xaverianos de Redenção, pedir-lhes, ou melhor,
pedir a um dos “santos” que nos proporcionaram
receber a revista até hoje, que continuem a nos enviar 30Giorni!
Neste pedido está implícito o apreço pelos conteúdos doutrinais, de um lado, e pastorais, de outro.
Pessoalmente, leio com grande interesse e proveito
a apresentação da vida e da espiritualidade de personagens que engrandeceram o Reino de Deus, que
mostraram a força de transformação da graça em
tantas e tantas pessoas e ambientes. Não nomeio os
protagonistas dessa fantástica história da Igreja,
com seus altos e baixos, naturalmente (senão, que
história seria?), para não ser injusto com ninguém.
Só Deus mede a santidade!
10
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Peço-lhes, portanto, a caridade
de continuarem a nos oferecer esta
dádiva, também em 2011. Se quiserem e lhes interessar também manter contato conosco... já têm o endereço eletrônico.
Conosco, missionários xaverianos, cumprimentam-nos os nossos
e seus irmãos caiapós.
Obrigado! Contem com a nossa
oração. Com sincera amizade, em
nome da comunidade,
padre Renato Trevisan
Obs.: Gostaríamos que as fotos que lhes envio
fossem uma recordação do Natal. Crianças caiapós... vestidas e adornadas de penas; ou pintadas
pela mãe... Se Jesus tivesse nascido entre os caiapós, Maria o teria pintado de preto com substâncias
vegetais (só com a pintura corporal o caiapó é caiapó). As penas simbolizam o voo... O mito conta que
os caiapós desceram do céu... e para lá voltarão.
Duas fotos
dos índios
caiapós
Cartas das missões
Cartas das missões
Agradeço sinceramente a bela e interessante revista
30Giorni, que recebo todos os meses.
Peço e desejo que o Santo Natal e o ano-novo possam ser vividos na paz e na alegria do Senhor. Meus
cumprimentos.
tudo aquilo de que precisamos para estar informadas,
e gostaria muito de recebê-la. Dado que trabalho numa escola católica, será um bem para todos os alunos:
tirarei fotocópias, para que possam lê-la. Além disso,
nos ajudará muito na evangelização.
É preciso indicar o que é a vida cristã, e esta revista
é maravilhosa, porque faz isso. Eu ficaria grata se pudessem enviá-la em francês, a língua local, e se pudessem enviar também o livro de orações Qui prie sauve
son âme.
Muitíssimo obrigada e que Deus os conserve e os
abençoe sempre!
Bom Natal!
Irmã Maria Giovanna Ferralis
Irmã Sonia Batagin
IRMÃS URSULINAS MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO
Fukuoka, Japão
Um obrigado do Japão
Fukuoka, 6 de dezembro de 2010
IRMÃS DE JESUS BOM PASTOR
PARÓQUIA DO SAGRADO CORAÇÃO DE PORTO-NOVO
Libreville, Gabão
Porto-Novo, Benin
30Jours para todos os alunos
Qui prie sauve son âme responde
de maneira apropriada às necessidades
dos nossos catecúmenos
Libreville, 16 de dezembro de 2010
Saudação a todos!
Sou uma missionária brasileira e trabalho em Libreville, no Gabão. Conheci 30Jours quando estava na comunidade das irmãs de São José, na nunciatura apostólica em Libreville; gostei muito da revista, que tem
Porto-Novo, 13 de janeiro de 2011
Bom dia, senhor diretor de 30Jours,
sou o padre Paul Akplogan, pároco da paróquia do Sagrado Coração de Porto-Novo, na República do Benin.
¬
A aparição de Jesus ressuscitado a Maria Madalena e aos apóstolos
30DIAS Nº 1/2 - 2011
11
Cartas das missões
Descobri, de maneira realmente oportuna, o livrinho
intitulado Qui prie sauve son âme, com os frades capuchinhos de Wawata. Vi que se trata de uma obra
muito importante, que responde de maneira apropriada a boa parte das necessidades do nosso catecumenato. Por isso, peço mui respeitosamente que nos
concedam de presente esse livrinho para as necessidades da causa catecumenal. Para sua informação, este
ano temos cerca de oitocentos catecúmenos e aproximadamente o mesmo número todos os anos.
Na esperança de uma resposta favorável, peço-lhes
que encontrem aqui, desde já, a expressão da minha
profunda gratidão.
Padre Paul Akplogan
Cartas das missões
cúmenos e na potencialização da preparação de nossos fiéis.
Esteja certo da nossa oração pela perene duração
das atividades pastorais de 30Jours.
Ao senhor e a seus colaboradores, graça e paz por
parte de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo.
Padre Paul Akplogan
PARÓQUIA NOTRE DAME DE LʼASSOMPTION
Boma, República Democrática do Congo
Qui prie sauve son âme ajuda as crianças
da nossa paróquia a rezar bem
Porto-Novo, 20 de janeiro de 2011
Boma, 17 de janeiro de 2011
Senhor diretor,
foi com verdadeiro prazer que recebi, hoje, os livros.
Confesso que fiquei muito surpreso com a prontidão
de sua resposta e lhe agradeço por sua participação,
muito eloquente, na formação cristã de nossos cate-
Senhor diretor,
agradeço-lhe por 30Jours, que alimenta o meu espírito
com repetidas leituras. Obrigado pelo envio desta revista
tão importante por todos os conhecimentos e informações que nela encontrei. Muitíssimo obrigado pelo livro
Cartas das missões
Cartas das missões
Qui prie sauve son âme, que ajuda as crianças da nossa
paróquia a rezar bem. Precisaríamos ainda de um bom
número de exemplares do livrinho, também em francês.
Aproveito a oportunidade para apresentar meus
votos de felicidade, paz e prosperidade para o ano de
2011, ao senhor, aos seus colaboradores e a toda a
equipe da redação, sem esquecer todos os assinantes
de 30Jours.
Aceite, senhor diretor, a expressão de nossos sentimentos de alegria e felicidade.
Roger Phanzu-Kumbu
MISSIONÁRIOS XAVERIANOS
Kinshasa, República Democrática do Congo
Qui prie sauve son âme
para uma paróquia de Kinshasa
roso serviço que presta ao povo de Deus com a sua revista e suas múltiplas publicações, de modo particular
o seu Qui prie sauve son âme.
Sou um missionário xaveriano. Estava em Camarões e recebi de vocês um bom número de exemplares
do precioso livro Qui prie sauve son âme. Não pode
imaginar o quanto esse livrinho encheu de contentamento os jovens e as crianças da nossa paróquia Jesus
Bom Pastor, de Oyom Abang. Mais uma vez, em nome desses jovens, digo-lhes um grande obrigado.
Por ora me encontro no Congo, em Kinshasa. Percebo o quanto esse livro poderia ser útil também aos
cristãos daqui, da nossa paróquia de São Bernardo de
Kingabwa, arquidiocese de Kinshasa.
Se puder, peço-lhe que me envie, mais uma vez, alguns exemplares em francês de Qui prie sauve son
âme. Muitíssimo obrigado e bom serviço ao povo de
Deus.
Em união de orações, de Kinshasa,
Kinshasa, 1º de fevereiro de 2011
Caríssimo diretor,
receba mais uma vez meus agradecimentos pelo gene-
padre Louis Birabaluge, S.X.
MISSIONÁRIOS DO PIME
Kousséri, Camarões
Obrigado de coração por 30Giorni
Kousséri, 2 de fevereiro de 2011
Caríssimos amigos,
obrigado de coração pela bela e interessante revista
30Giorni.
Há anos a recebo e leio, sempre com prazer. Há dois
anos me encontro em Kousséri, diocese de Yagoua, e
comigo estão dois sacerdotes camaroneses.
Vocês não poderiam, por favor, enviar-me 30Giorni em francês para dar a possibilidade também aos
dois sacerdotes de poderem ler esta bela revista?
Agradeço-lhes de coração, e continuem a semear
generosamente e com alegria: o resto está nas mãos
de Deus.
Uma cordial saudação,
padre Giovanni Malvestio, PIME
O Juízo Final e a estigmatização de São Francisco
30DIAS Nº 1/2 - 2011
13
Correio do Diretor
EXARCADO PATRIARCAL ARMÊNIO CATÓLICO
Santa Aurélia, Santa Escolástica e São Bento.
Em oração a seus pés, uma terciária,
Damasco, Síria
uma clarissa e um monge os invocam
“O Verbo abreviou-se”
DIOCESE DE CARLISLE
Carlisle, Reino Unido
Damasco, 10 de dezembro de 2010
Um obrigado da Comunhão Anglicana
Estimado senhor,
bom Natal e feliz ano novo.
No Natal manifestou-se este amor misericordioso encarnado. “O Verbo abreviou-se. [...] ‘A Palavra eterna
fez-se criança, para que possa ser compreendida por
nós’” (exortação apostólica Verbum Domini, nº 12,
30 de setembro de 2010). Para ser ouvida, vista, tocada, contemplada e amada. Essa é a plenitude do amor,
da vida, da luz, da força e da alegria.
Bom Natal e feliz ano de 2011.
Dom Joseph Arnaoutian
bispo armênio católico de Damasco
14
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Carlisle, 21 de dezembro de 2010
Prezado diretor,
o bispo de Carlisle, James Newcome, deseja enviarlhe os agradecimentos pelo generoso presente que lhe
deu na forma de uma assinatura anual da revista mensal 30Days in the Church and in the World. É um
gesto muito bem recebido.
Com nossos melhores votos,
sinceramente,
Pat Gundry
secretária assistente do bispo de Carlisle
Um patrimônio que une arte,
cultura e espiritualidade na maravilhosa
paisagem natu ral dos Montes “Simbruini”
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Santa Sé
Uma janela para a Igreja
e para o mundo.
O sentido de uma estatística
Por ocasião da publicação do Anuário Pontifício de 2011,
o cardeal decano do Sagrado Colégio escreveu para nós este artigo
no qual fala sobre vários aspectos da presença da Igreja no mundo,
desde o número de pastores e de fiéis à missão da Cúria Romana
do cardeal Angelo Sodano
reio na Santa Igreja
Ca tólica”: é a profissão de fé que o cristão
continuamente repete com as palavras do Símbolo apostólico.
Como se sabe, ‘símbolo’ é um
termo grego que indica uma marca, um sinal de reconhecimento.
Na Igreja primitiva tal documento
“C
16
30DIAS Nº 1/2 - 2011
nasceu justamente para resumir a
mensagem de Cristo transmitida
pelos apóstolos e assim oferecer
aos cristãos uma marca de reconhecimento de sua identidade.
É também significativo que esta fórmula de fé, em todos os seus
doze artigos, tenha sido definitivamente codificada na Igreja de
Roma. No nono artigo, desde o final do século III, vemos afirmada
de modo explícito a fé na Igreja
que é “una, santa, católica e apostólica”. Também a catolicidade da
Igreja já era bem sentida como
uma sua nota essencial.
Passaram-se dois mil anos desde que o Senhor ressuscitado pas-
A audiência com os cardeais e com os membros da Cúria
Romana na apresentação das felicitações de Natal, Sala
Régia do Palácio Apostólico Vaticano, dia 20 de dezembro
de 2010; no centro da foto, o cardeal Angelo Sodano,
decano do Sagrado Colégio, durante a homenagem ao
Papa Bento XVI
sou o mandato missionário universal à Sua Igreja e esta, com alternadas vicissitudes, difundiu-se
no mundo e chegou até nós, sustentada pelo força vivificante do
Seu Santo Espírito.
Hoje, mesmo os laicistas mais
obstinados não podem ignorar a
existência desta realidade eclesial
nem podem não reconhecer a sua
obra transformadora na vida dos
povos. É suficiente dar uma olhada breve à presença da Igreja no
mundo, às pessoas e às comunidades que a compõem, como às
instituições que desta procedem.
O Anuário Pontifício
Um instrumento válido para conhecer os vários aspectos da presença
da Igreja no mundo é dado pelo
Anuário Pontifício que, desde a
metade de 1800 até hoje, é publicado anualmente pela Santa Sé.
Em 19 de fevereiro passado, o
cardeal Tarcisio Bertone, com os
seus colaboradores da Secretaria
de Estado, apresentou ao Papa
Bento XVI o Anuário Pontifício
O Anuário Pontifício 2011,
apresentado pela Secretaria de Estado a Bento XVI,
a 19 de fevereiro passado
2011. Assim, dá-se continuidade
a uma publicação que remonta ao
Papa Pio IX (1846-1878), mesmo se na época apresentava um
título mais limitado: A hierarquia
católica e a família pontifícia.
Em várias bibliotecas ainda se
pode consultar a sucessão de volumes publicados desde a sua origem até hoje. É uma pesquisa
sempre confortante sobre a história da Igreja e da sua progressiva
difusão no mundo inteiro.
Também, um precioso complemento ao Anuário Pontifício
é o livro publicado contempora-
neamente todos os anos pela Secretaria de Estado, com o título:
Annuarium statisticum Ecclesiae. No volume, os dados estatísticos são examinados e confrontados com maior atenção, nação
por nação, continente por continente, com um olhar comparativo
sobre as várias formas de apostolado existentes na Igreja.
Os católicos no mundo
Segundo os últimos dados disponíveis, atualmente o número de
católicos batizados é de cerca
1,181 bilhão em uma popula- ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
17
Santa Sé
ção mundial de 6,698 bilhões de
habitantes.
Portanto o católicos em base ao
último Annuarium statisticum Ecclesiae chegam a 17,4% da população mundial. A maior concentração
de católicos registra-se nas Américas com 63,1% da população. Na
Europa os católicos são 40%. Porém, a presença de cristãos na Europa é muito mais alta se considerarmos também os irmãos das Igrejas Orientais e as várias comunidades nascidas com a Reforma.
Na Oceania a presença dos católicos corresponde a 26,2%, na
África de 17,8% e na Ásia de
3,1%. E é justamente a Ásia (em
cujos limites engloba-se também o
Oriente Médio) a constituir o grande desafio para a futura obra evangelizadora da Igreja. Já em 1998 o
saudoso papa João Paulo II tinhanos convidado a refletir sobre este
tema convocando no Vaticano um
Sínodo Especial sobre a Ásia.
Tive também a alegria de participar a esta Assembleia sinodal e
recordo bem o compromisso comum que na época se assumiu para trabalhar neste sentido. De resto, a Ásia é o continente mais extenso e populoso. Foi lá que nasceu o cristianismo. Foi lá que o
Evangelho de Cristo conheceu o
seu primeiro anúncio. Portanto é
compreensível o compromisso
para que entre aqueles povos o
fermento evangélico continue a
permear aquelas culturas, orientando-as a Cristo.
Pastores e fiéis
Como todos os anos, o Anuário
Pontifício 2011 apresenta também os números relativos aos Pas-
A hierarquia católica e a família pontifícia (ano de 1877, sob o pontificado de Pio IX)
tores, chamados a guiar nos dias
de hoje a Santa Igreja de Cristo.
Obviamente, em primeiro lugar
é colocado o Sucessor de Pedro, o
Papa Bento XVI, colocado pelo
Espírito Santo para presidir a comunidade católica nesta importante hora da história, no início do
Terceiro Milênio cristão. Ao lado
do Papa figura em primeiro lugar o
Colégio Cardinalício, chamado a
coadjuvar o Bispo de Roma na sua
mais vasta missão de Pastor da
Igreja universal.
Uma longa lista de todas as sedes episcopais existentes no mundo nos introduz depois a conhecer
a vida concreta de cada uma das
Igrejas particulares espalhadas nos
cinco continentes desde as de época apostólica às mais recentes,
constituídas no decorrer de 2010.
O Anuário Pontifício de 2011
informa-nos que atualmente as
Bento XVI com o cardeal
Sodano em 20
de dezembro de 2010.
O cardeal Sodano,
há 50 anos a serviço
da Santa Sé,
circunscrições eclesiásticas chegam a quase 3 mil (exatamente a
2.956). Porém o número de bispos é superior, porque ao lado do
bispo que guia cada uma das dioceses, há também o bispo coadjutor, um auxiliar e um ou mais bispos eméritos. O número total dos
bispos chega assim a 5.065. Em
cada diocese há também um adequado número de sacerdotes como providenciais cooperadores
do bispo. Todos juntos (diocesanos e religiosos) superam hoje
400 mil (exatamente 410.593).
Estes dados estatísticos nos fazem
intuir a extrema importância do
seu trabalho minucioso no vasto
campo de ação da Igreja, em todas as realidades humanas. Muitas vezes estes são os soldados
desconhecidos do Reino de Deus.
Junto com a lista das dioceses,
o Anuário Pontifício apresentanos também a lista das várias
Conferências Episcopais nacionais e inter nacionais e enfim
apresenta-nos o importante organismo do Sínodo dos Bispos, instituído pelo Papa Paulo VI para
favorecer uma comunhão mais
estreita com o romano Pontífice.
foi Secretário de Estado
de 29 de junho de 1991
a 2 de abril de 2005,
com João Paulo II,
e de 21 de abril de 2005
a 15 de setembro
de 2006 com o atual
Pontífice
18
30DIAS Nº 1/2 - 2011
A Cúria Romana
Uma rápida olhada ao Anuário
Pontifício permite também conhecer mais de perto o instrumento operante do qual o Papa
serve-se cotidianamente para o
desenvolvimento da sua missão.
ANUÁRIO PONTIFÍCIO
Sinto-me na obrigação de evidenciar este particular aspecto da vida da Igreja de Roma, porque dediquei grande parte do meu sacerdócio, cinquenta anos, ao trabalho na Cúria Romana.
Folheando o Anuário Pontifício pode-se ver a descrição pormenorizada dos vários organismos da Cúria, da Secretaria de
Estado às Congregações, dos Tribunais aos Pontifícios Conselhos,
das administrações aos vários escritórios e comissões. Como em
um filme vê-se toda a composição
da Cúria Romana, como foi reorganizada pelo falecido pontífice
João Paulo II com a constituição
apostólica Pastor Bonus de 28 de
junho de 1988.
Gostaria particularmente de recordar o espírito de serviço que
anima a grande família destes colaboradores do Santo Padre. Fui testemunha direta, principalmente
nos 16 anos em que fui Secretário
de Estado (15 anos durante o pontificado do Papa João
Paulo II e um ano no
início do pontificado do
Papa Bento XVI).
De resto, o Papa
Paulo VI já tinha delineado a Cúria Romana
como “um cenáculo
per manente” totalmente consagrado ao
serviço da Santa Igreja
de Deus.
As representações pontifícias
Falando dos colaboradores do Papa, não quero esquecer de evidenciar o grande serviço realizado
pelos representantes pontifícios
espalhados pelo mundo. O Anuário Pontifício descreve-nos a sua
presença na maior parte dos países do mundo. É uma presença
que tem também um caráter oficial com os 178 Estados com os
quais a Santa Sé mantém regulares relações diplomáticas.
Como se sabe, com o nascimento dos Estados modernos nos
séculos XV e XVI, iniciaram também a se constituir missões permanentes entre os Estados. Os
Romanos Pontífices, que até
aquele momento tinham-se limitado ao envio transitório de próprios representantes para algumas finalidades específicas, também recorreram então a tal instrumento de diálogo e de colaboração permanente. Assim nasceram as primeiras nunciaturas na
Espanha, na França,
na Alemanha, na Polônia, assim como na
República de Veneza,
que na época mantiO Annuarium statisticum
Ecclesiae 2008, precioso
complemento do Anuário
Pontifício publicado
todos os anos pela
Secretaria de Estado
nha úteis contatos com todo o Extremo Oriente.
Pela história pode-se ver que a
origem de tais nunciaturas não
era ligada apenas às relações oficiais com os Estados, mas tinha
como objetivo, principalmente,
manter e incrementar a comunhão entre a Sé Apostólica e as
Igrejas particulares. Um típico
exemplo é o envio de núncios
apostólicos na Alemanha, no início da Reforma, para responder à
expansão do protestantismo na
mesma região onde este tinha
nascido. No final do Concílio Tridentino, também os representantes pontifícios na Espanha, na
França, e nos vários Estados da
península italiana receberam depois do Papa São Pio V, assim como do Papa Gregório XIII e dos
sucessores, a missão de fazer
com que fossem aceitas as decisões conciliares. Na realidade, foi
mérito também dos núncios a
aplicação da reforma tridentina
na Europa.
A serviço dos povos
O Anuário Pontifício de cada
ano leva-nos também a considerar várias outras faces da atividade
da Igreja, principalmente a sua
atividade social. Segundo as estatísticas emerge, com efeito, todo
o trabalho que realizam as grandes Famílias religiosas, os que
abraçaram os conselhos evangélicos e que se colocaram a serviço
do próximo, nos mais variados setores da assistência, da caridade e
da promoção social.
O Anuário Pontifício mostra
também a contribuição da Igreja à
cultura contemporânea com as
suas escolas, as suas universidades e as suas academias.
Em síntese, o Anuário pontifício de cada ano abre-nos uma
janela para o mundo e permitenos intuir, ao menos em parte, a
obra que a Sé Apostólica está
realizando para difundir até os
confins da terra o Evangelho de
salvação que Cristo nos doou. q
O Anuário Pontifício do ano de 1931,
sob o pontificado de Pio XI, uma das primeiras
edições com esta denominação
30DIAS Nº 1/2 - 2011
19
C A PA
A aposta egípcia
Das perseguições de Diocleciano à queda de Mubarak.
Das alianças com os primeiros seguidores de Maomé à incógnita representada
pela Irmandade Muçulmana. Antonios Naguib, patriarca dos Coptas Católicos
de Alexandria, retoma o longo itinerário dos cristãos na terra dos faraós.
Uma história cheia de surpresas
de Gianni Valente
rimeiro, o massacre de Alexandria, com dezenas de
mortos no atentado à igreja
copta ortodoxa dos Santos, na
noite de 31 de dezembro. Depois,
a revolta nas ruas e praças egípcias, os conflitos, os mortos, o fim
P
20
30DIAS Nº 1/2 - 2011
do regime de Mubarak e o início
de uma transição cujo destino ainda é incerto. Para os cristãos do
Egito, como para todos os outros
egípcios, este é realmente um
tempo repleto de questionamentos. Um tempo em que se mes-
clam anseios, medos e esperanças despretensiosas. E em que o
máximo de realismo coincide
com uma prece de agradecimento
e abandono à misericórdia de
Deus. Como testemunha, na entrevista a seguir, Antonios Na-
EGITO
Praça Tahrir, no Cairo, onde durante dezoito
dias centenas de milhares de manifestantes
antigovernistas deram início à revolta contra
o presidente Hosni Mubarak; no destaque,
um manifestante mostra um crucifixo
e um exemplar do Alcorão durante
uma manifestação contra a evacuação
da praça dois dias depois da queda de
Mubarak, domingo 13 de fevereiro de 2011
deradas insuficientes. O final, como todos sabem, foi a deposição
de Mubarak.
Como pôde haver uma explosão tão inesperada?
Na verdade, não podemos dizer que foi inesperada. Muitos
analistas apontavam há tempos
os elementos que preparavam para essa explosão, que foi como a
erupção de um vulcão. Diversos
guib, patriarca dos coptas católi- fatores se somaram para leva o
povo à insurreição: o abuso do
cos de Alexandria.
poder, a corrupção, o monopólio
Vo s s a B e a t i t u d e , o q u e da indústria e das terras por parte
ocorreu no Egito? E como o de alguns homens de negócios. E
senhor viveu os últimos acon- também todos os problemas sociais: desemprego dos jovens, imtecimentos?
ANTONIOS NAGUIB: Vive- possibilidade de encontrar habitamos dias angustiosos, que o mun- ção a preço razoável e, por consedo inteiro pôde acompanhar pela guinte, dificuldades para formar
mídia. Os partidos e os grupos de uma família; e, ainda, o aumento
oposição ao regime e ao governo contínuo dos preços dos alimentos e dos serviços.
começaram a organizar
Houve muitos
enor mes manifestamortos. Mas, em alções, a partir de 25 de
guns momentos,
janeiro. Pediam a “muhouve o medo de
dança”, uma mudança
que estourasse uma
radical e imediata do reguerra civil bem
gime, da Constituição,
mais sangrenta.
do governo e do presiEm todas as igrejas
dente. O presidente
de todas as denominaMubarak procurou sações foram oferecidas
tisfazer os manifestanorações diárias pela paz
tes e a opinião pública
no país. Hoje, agradecom concessões parcemos a Deus onipociais, que foram consi- Antonios Naguib
tente pela maneira como as coisas
se passaram, e rezamos pela paz e
pelo bem de nosso amado Egito,
para que o país possa enxergar um
futuro melhor e mais luminoso.
Quem foram os verdadeiros protagonistas da revolta?
Como o senhor vê o papel da
Ir mandade Muçulmana no
momento atual e no futuro? E
o papel do exército?
Os primeiros a quem temos de
agradecer são os jovens patriotas
que guiaram toda a população na
recusa de uma situação errada que
reinava no país há tempo demais.
Quanto aos membros da Irmandade Muçulmana, eles não escondiam
a sua oposição radical. Mas não foram eles que guiaram o levante. O
exército quis evitar o confronto armado com a população, e acredito
que tenha tido um papel decisivo
para levar Mubarak à deposição.
Foi uma revolta espontânea ou houve interferências
externas com o objetivo de
desestabilizar o Egito?
O início das manifestações dos
jovens, em 25 de janeiro, era pacífico e muito correto. Depois, outros elementos se infiltraram, e começaram os atos de vandalismo. A
retirada das forças de polícia abriu
as portas para todos os malfeitores. Mas foi então que vimos a coisa mais interessante: em todas ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
21
C A PA
as ruas, os jovens e os adultos, cristãos e muçulmanos, numa solidariedade maravilhosa, se organizaram espontaneamente em “comitês populares” para defender a população e seus bens, e assim foi
possível trazer de volta a segurança
e a tranquilidade.
Mas qual foi o peso das
pressões ocidentais – em particular dos Estados Unidos –
e do exército na deposição de
Mubarak? E como o povo
egípcio avalia essas pr essões?
em leis, onde a liberdade de cada
um seja respeitada e as relações
entre as pessoas sejam reguladas
com base na cidadania compartilhada e comum, com direitos e deveres iguais para todos. As manifestações expressavam esse tipo
de exigência política. Este pode
realmente, e finalmente, ser o caminho para evitar divisões e conflitos entre os grupos sociais e religiosos, garantindo a todos a possibilidade de expressar-se e de dar
sua contribuição para o bem comum. Sem que haja categorias e
nha convidado os cristãos a
não participar das manifestações. Vocês têm medo de que
a desestabilização do regime
possa, com o tempo, trazer
novos problemas para os
cristãos, como aconteceu no
Iraque?
O que me enche de segurança
é o fato de ter voltado a ver acontecer nestes dias uma coisa que
não víamos faz tempo: uma unidade concreta entre os cidadãos,
velhos e jovens, cristãos e muçulmanos, sem distinções e discrimi-
À esquerda, o prêmio Nobel Mohamed El Baradei na praça Tahrir, em 30 de janeiro de 2011; à direita, Mohamed Hussein Tantawi,
ex-ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro, hoje sucessor de Mubarak, durante as negociações com os manifestantes da praça Tahrir,
em 4 de fevereiro de 2011
Não posso dizer se as pressões
ocidentais, e de modo particular a
pressão dos Estados Unidos, tiveram realmente um peso efetivo na
decisão definitiva de Mubarak de
renunciar. Porque, se as manifestações tivessem parado com as
suas primeiras concessões, ele
não se retiraria antes do fim de
seu mandato. Foram os jovens e
os outros manifestantes, decididos a não aceitar menos que a renúncia total e definitiva, que o levaram à decisão final. Se não a tivesse tomado, creio que o exército decretaria e declararia a sua expulsão do poder.
E agora? Na sua opinião,
como tudo isso vai acabar?
A meu ver, existe realmente a
possibilidade de que se inicie um
processo que leve gradualmente o
Egito a ter uma posição própria
entre os países modernos. Um
país civil e democrático baseado
22
30DIAS Nº 1/2 - 2011
grupos discriminados na sociedade e na política. O Egito se encontra numa encruzilhada importante
do ponto de vista político, econômico e social. A reconstrução do
país poderá realmente reavivar as
raízes de uma civilização que marcou o mundo por séculos.
Como os cristãos viveram
este tempo?
Com e como todos os nossos
concidadãos, vivemos estes eventos dramáticos com um profundo
sentimento de apreensão. Como
eu disse, todas as Igrejas se voltam
ao nosso único socorro: a Misericórdia divina. Depositamos toda a
nossa confiança em Deus, e agora
imploramos que dê luz e coragem
aos líderes dos grupos e das organizações, para que caminhem juntos na via da reconstrução.
No início dos protestos, os
líderes cristãos eram prudentes. Houve mesmo quem te-
nações, no propósito comum de
agir pelo bem do Egito, pela salvação e pela segurança do país.
Espero que esses sentimentos
possam permanecer e criar raízes
nos corações. Essa experiência
abriu os olhos de muita gente.
Hoje, todos veem que quem fomenta as divisões e os conflitos
com os outros egípcios baseandose nas diferenças religiosas na
verdade visa destruir a unidade e
desestabilizar o Egito.
O fato é que o regime autoritário de Mubarak, nas suas
declarações oficiais, combatia os conflitos religiosos e,
apesar de tudo, era considerado por muitos observadores um fator de “proteção”
dos cristãos, vítimas de violências recorrentes nas últimas décadas. Não existe
mesmo o risco de daqui a um
tempo nos lembrarmos com
Entrevista com o patriarca Antonios Naguib
O que me enche de segurança é o fato
de ter voltado a ver acontecer nestes dias
uma coisa que não víamos faz tempo:
uma unidade concreta entre os cidadãos,
velhos e jovens, cristãos e muçulmanos,
sem distinções e discriminações.
Espero que esses sentimentos possam
criar raízes nos corações
Acima, uma imagem do atentado à igreja
copta ortodoxa dos Santos,
em Alexandria, em 31 de dezembro
de 2010, em que um carro-bomba matou
vinte e uma pessoas; à direita,
a manifestação de protesto
da comunidade copta ortodoxa
de Alexandria, em 1º de janeiro de 2011
saudade, digamos assim, da
rígida onipresença das forças
de segurança?
É verdade que muitos cristãos
pensavam que o regime de Mubarak garantia a eles uma certa proteção, e temiam que a mudança
de regime pudesse levar a Irmandade Muçulmana ao poder. Até
agora, esse perigo permanece um
pouco distante, embora não tenha sido removido por completo.
Por outro lado, as forças armadas
declararam claramente que sua
tarefa é provisória, com a finalidade de preparar o caminho para
pleno restabelecimento do governo civil.
Pouco antes da revolta geral, o Egito esteve no centro
de atenções e polêmicas inter nacionais por causa do
massacre de cristãos coptas
em Alexandria, em 31 de dezembro passado. Na sua opinião, há uma ligação entre as
duas coisas?
Avaliei essa hipótese desde o
primeiro momento. Porque tinha
visto ocorrências semelhantes das
décadas de 1980 e 1990, quando
era bispo em Minya. Na época, vivemos cerca de cinco anos de ataques mortais contra os cristãos.
Os autores dos ataques queriam
subverter o regime, mas não conseguiram. Por isso, começaram a
atacar diretamente a polícia e os
representantes do governo, até
matar o grande imã de Al-Azhar.
O alvo era o regime, os cristãos
eram apenas uma ponte para esse objetivo.
Nestes últimos eventos, ouvi
dizer que a ordem para que as forças policiais se retirassem nos três
primeiros dias do levante, abrindo
caminho, assim, para todos os
atos de vandalismo de que vocês
têm conhecimento, partiu do ministro dos Assuntos Internos, que
queria provar dessa forma que a
sua pessoa era indispensável para
o presidente e para o regime. Naqueles dias, apesar da total ausência da polícia, que normalmente
ocupava postos de vigilância ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
23
C A PA
em frente de cada igreja, não houve nenhum ataque às igrejas. Esse
fato deu peso à hipótese, que circulou particularmente entre os
cristãos, de que o próprio ministro
dos Assuntos Internos tenha planejado o massacre de Alexandria,
para justificar um reforço das forças policiais. Em todo caso, a espontaneidade dos levantes juvenis
e populares acabou com qualquer
eventual cálculo criminoso.
Depois do massacre de
Alexandria de 31 de dezembro, a grande mídia interna-
grandes teólogos: Orígenes, Santo
Alexandre, São Cirilo e Santo Atanásio. Até que, em 451, a Igreja
copta, ao lado da etíope, da síria e
da armênia, rejeitou as decisões do
Concílio de Calcedônia.
Qual é o reflexo das origens
apostólicas da Igreja egípcia
na vida e nas devoções dos
fiéis?
A devoção a São Marcos é fortíssima. Ele é venerado por todos
como o apóstolo fundador. Além
disso, o Egito foi também um dos
países em que Jesus viveu, quando, logo depois do
seu nascimento,
Maria e José se refugiaram aqui para
escapar de Herodes. Todo o percurso da Sagrada
Família é demarcado com lugares e
santuários que hoje são meta de peregrinações.
cado Copta Católico. Mas a visão
do vínculo com a Igreja de Roma
continua a ser um ponto controverso nas relações com os nossos
irmãos da Igreja copta ortodoxa.
Eles dizem: unidade na fé, sim, na
caridade, sim, mas submissão, como inferior perante um superior,
não. Dizem que essa era a situação dos primeiros séculos, que
mais tarde se sintetizou na Pentarquia, a estrutura dos cinco Patriarcados, entre os quais o de Roma, que, segundo eles, tinha um
primado na caridade, mas não na
jurisdição.
Abrindo um parêntese, no
recente Sínodo sobre o
Oriente Médio, o cardeal Levada anunciou que quer recolher sugestões e propostas dos chefes das Igrejas
orientais a respeito do tema
do primado, para procurar
novas oportunidades para o
diálogo com os ortodoxos
sobre esse ponto. Essa ini-
À esquerda,
São Pedro entrega
o Evangelho
a São Marcos,
evangeliário copta
de 1250 conservado
no Instituto Católico
de Paris
À direita,
o patriarca
Shenouda III
cional passou a falar também
dos cristãos coptas do Egito.
Normalmente sem explicar
bem quem são eles.
Os coptas são cristãos do Egito
que, segundo a tradição, receberam
a fé cristã do apóstolo São Marcos.
Depois, com Diocleciano, o grande
perseguidor, veio a era dos mártires, que deu início (no ano de 284)
ao calendário copta. No século IV,
com a liberdade religiosa, a fé cristã
se difundiu por todo o Egito. A Igreja de Alexandria naquela época tinha um papel eminente, com seus
24
30DIAS Nº 1/2 - 2011
São Marcos era discípulo
de Pedro. Recebeu do Príncipe dos Apóstolos a ordem de
escrever seu Evangelho. Portando, existe desde as origens um vínculo entre a Igreja copta e o bispo de Roma.
Até 451, a Igreja era praticamente uma só; depois é que vieram as separações. A partir da
primeira metade do século XVIII,
uma pequena parte dos coptas
confessou sua comunhão com o
bispo de Roma, e em 1895 o papa Leão XIII constituiu o Patriar-
ciativa foi adiante? Vocês,
patriarcas católicos orientais, foram contatados pela
Congregação para a Doutrina da Fé?
Até agora, não. No Sínodo, manifestou-se o desejo de uma maior
participação dos patriarcas católicos
Entrevista com o patriarca Antonios Naguib
orientais da vida da Igreja Católica.
Foram feitas algumas propostas práticas, como a de admitir os patriarcas orientais no Sacro Colégio que
elege o Papa em virtude de seu próprio ofício patriarcal, sem que seja
preciso criá-los cardeais. Seriam sinais de um maior envolvimento, mas
segundo a qual a natureza
humana de Jesus seria absorvida pela divina. O que resta
dessas doutrinas na espiritualidade copta?
Na realidade, desde aquela época, as controvérsias giravam em
torno de aspectos terminológicos,
Celebração litúrgica da Sexta-feira Santa em uma igreja copta do Cairo
Naqueles dias, os postos de vigilância da polícia
que ficam em frente das igrejas foram retirados,
mas não houve nenhum ataque às igrejas.
Esse fato deu peso à hipótese, que circulou entre
os cristãos, de que o próprio ministro
dos Assuntos Internos tenha planejado
o massacre de Alexandria de 31 de dezembro,
para justificar um reforço das forças policiais
não representam uma solução. E
certamente não são coisas que podem satisfazer os nossos irmãos ortodoxos. Para eles, o critério é o da
autocefalia, ou seja, da autonomia
de cada Igreja local. E a questão do
primado deve ser posta nos termos
em que era compartilhada nas relações entre os apóstolos e entre seus
primeiros sucessores.
A partir da rejeição do
Concílio de Calcedônia, as
comunidades cristãs autóctones do Egito ficaram ligadas
ao monofisismo, a doutrina
que esse Concílio condenou,
mais que substanciais. Como
acontece ainda hoje, as disputas
doutrinais eram alimentadas também por questões políticas. Naquele tempo, o Egito estava sob o
domínio dos bizantinos, que tinham aceitado o Concílio de Calcedônia e queriam preencher as
sedes episcopais com bispos “calcedônios” politicamente fiéis a
eles, a começar pela sede patriarcal de Alexandria. Os egípcios
identificavam a fé “calcedônia” como um sinal distintivo da fé imperial, e, estimulados sobretudo pelos monges, se organizaram numa
Igreja do povo, deixando aos calcedônios o controle de uma hierarquia filoimperial protegida pelas
guarnições bizantinas. Mas, do
ponto de vista doutrinal, já no século VI foram rejeitadas no Egito
as doutrinas que afirmavam a fusão entre a natureza humana e a
natureza divina de Jesus. Em
1988, os representantes da Igreja
copta ortodoxa e da Igreja católica
subscreveram uma declaração cristológica pactuada para expressar
sua fé compartilhada em Jesus
Cristo, “perfeito na Sua Divindade
e perfeito na Sua Humanidade”,
que “tornou a Sua Humanidade
uma coisa só com a Sua Divindade, sem mistura ou confusão”.
No seu modo de ver, o que
define, na vida concreta, a espiritualidade da Igreja copta?
Neste ponto, é preciso fazer
uma distinção. Nós, coptas católicos, nos formamos com a ajuda
de professores e educadores católicos. Portanto, nos enriquecemos com todas as novas contribuições teológicas e espirituais
que apareceram no catolicismo
ao longo dos séculos. Por sua própria postura, o nosso pensamento se atualiza constantemente, estimulado pelos ensinamentos que
recebemos tanto do Papa quanto
das Congregações, dos Concílios,
dos teólogos e dos santos.
E os coptas ortodoxos?
Para eles, é diferente. Nós,
coptas católicos, distinguimos o
patrimônio espiritual ascéticomonástico do patrimônio teológico-dogmático. Para eles, a teologia coincide com a Sagrada Escritura, com os Padres da Igreja e
com a rica tradição espiritual monástica. Assim, tudo permanece
sempre igual ao início; não existe
a diferenciação a que assistimos
na Igreja Católica através dos séculos. E devo dizer que para nós,
coptas católicos, a proximidade
com essa realidade dos nossos irmãos coptas ortodoxos é uma ajuda, pois a nossa formação “à maneira ocidental” contém um risco
de intelectualismo. Já entre eles
tudo é muito mais simples e essencial. O ponto que nos une é a
liturgia. Podemos dizer que a fé
no Egito é preservada e transmitida não pela teologia, pela cul- ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
25
CAPA
tura civil, pelos grandes pregadores, mas pelo apego visceral à liturgia vivido pelos cristãos desta
terra. A liturgia é a nossa verdadeira pátria espiritual.
E as peregrinações?
As peregrinações também ocupam um espaço privilegiado na vida dos nossos fiéis. Nelas encontramos gente de todas as partes do
Egito; nelas descobrimos ser uma
única família, na fé e na veneração
dos santos. Nós, coptas católicos,
peregrinamos também aos santuários ortodoxos e aos lugares pelos
quais, segundo a tradição, passou
a Sagrada Família.
É verdade que os muçulmanos também participam?
Claro. Eles participam das peregrinações para se encontrar
com São Jorge e a Virgem Maria,
que é citada no Alcorão como a
mais honrada entre todas as mulheres, e que, também para eles,
deu à luz milagrosamente a seu filho, que eles consideram o maior
dos profetas. Portanto, a Virgem
Maria é uma ponte de unidade.
Além deles, Santa Teresinha também. No Cairo, há uma basílica
dedicada a Teresinha que é muito
frequentada pelos muçulmanos.
É ver dade? Como isso é
possível?
É a sua santa menina predileta.
O santuário fica num bairro muito
popular. Quando alguém fica
doente, passa por uma necessidade urgente, tem problemas de trabalho ou de família, um amigo ou
uma amiga cristã lhe diz: vamos
rezar a Santa Teresinha. Eles vão
lá, param diante da imagem da
santa, acendem velas, e rezam
com muito ardor. Muitas vezes os
vi até chorar. E realmente os milagres acontecem, e as histórias se
espalham, de amigo para amigo.
Assim, esse se tornou um santuário frequentado igualmente por
muçulmanos e cristãos. Temos
até livrinhos em árabe que contam a sua história. Uma santa tão
jovem, tão indefesa... eles têm um
grande apreço por ela.
As relações com os muçulmanos sempr e foram uma
prova do caráter autóctone,
“egípcio”, da Igreja copta.
Desde a chegada deles.
Naquele tempo, no século VII,
26
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Como cristãos do Egito – católicos,
protestantes e ortodoxos, sem diferenças –,
vemos que todo apelo por pressões diplomáticas,
iniciativas punitivas ou sanções econômicas
contra o Egito em razão dos episódios que
envolvem os cristãos egípcios é o dano mais grave
que possa ser feito aos próprios cristãos
os coptas eram não apenas marginalizados, mas perseguidos pelos bizantinos, que eram os dominadores. Como eu disse, Alexandria tinha um patriarca bizantino
imposto pelo império. Quando
chegaram os conquistadores muçulmanos, os coptas os acolheram como libertadores. Seu primeiro governador, Amr ibn al-As,
garantiu que respeitaria a fé dos
coptas e seus lugares de culto, o
que de fato aconteceu sob seu governo e de seus primeiros sucessores. Assim, os monges e os bispos coptas puderam retomar a
orientação espiritual do povo e
também um posicionamento sociopolítico reconhecido na nova
ordem muçulmana.
Mas depois as coisas se degradaram.
A época dos soberanos mamelucos e, depois, a dos sultões tur-
cos foram marcadas pela violência e por repetidas tentativas de
eliminar os coptas. Boa parte deles se deslocou para as regiões ao
sul, onde podiam viver uma vida
um pouco mais tranquila.
E hoje? Ainda existem
áreas ou grupos sociais em
que os cristãos se concentram?
Hoje os cristãos vivem no país
inteiro, das costas do norte às
fronteiras com o Sudão. São raros os municípios em que todos os
habitantes são cristãos. De modo
geral, eles vivem misturados com
o resto do povo egípcio. Antes
havia bairros do Cairo onde os
cristãos eram maioria, mas hoje
esse fenômeno também vai diminuindo. Não temos enclaves. E
não somos identificados como
uma classe social. Há cristãos em
todas as camadas da sociedade,
Entrevista com o patriarca Antonios Naguib
À esquerda, devoção
na igreja de Minya,
um dos lugares em que
a Sagrada Família
pernoitou durante
a fuga para o Egito
Abaixo, o mosteiro copta
de Santo Antônio,
em Zafarana
Acima, o incipit do Evangelho
de Marcos, num manuscrito
copta de 1204-1205,
proveniente do mosteiro
de Santo Antônio e atualmente
conservado na Biblioteca
Apostólica Vaticana.
O códice contém a versão
copta do texto grego
dos Evangelhos e, na margem,
a tradução em língua árabe.
A miniatura representa
o arcanjo Miguel com
o evangelista Marcos
desde os fellah, os camponeses,
até a elite rica. Sempre numa proporção que não supera dez por
cento. Os ricos, até bastante conhecidos internacionalmente, representam um número muito pequeno, se comparado ao dos ricos
muçulmanos. E entre os coptas
católicos há pouquíssimos ricos,
quase não existem... [ri, ndr].
Mas é um fato que, a partir
do século XIX, surgiu entre
os coptas um certo nacionalismo, que os levava a identificar-se como os verdadeiros
herdeiros dos antigos egípcios e a considerar os muçulmanos “estrangeiros”. A burguesia copta batizava seus filhos com nomes de faraós.
Para dizer a verdade, isso existe
na mentalidade copta. O que sem-
pre digo é que este é um dado real:
os cristãos coptas estavam no Egito antes da chegada dos muçulmanos. Mas não é preciso fazer disso
um fator de oposição em relação
aos outros egípcios. Como é possível apagar catorze séculos de convivência? Se assim fosse, os muçulmanos também poderiam dizer:
no fundo, vocês chegaram aqui
“apenas” sete séculos antes de
nós... No máximo, um argumento
como esse deve ser usado para definir um terreno comum que nos
una no presente e no futuro, como
nos uniu na alegria e na dor durante catorze séculos, até hoje. Lutamos juntos pela independência,
sofremos juntos nas últimas guerras, em que o sangue dos cristãos
foi derramado juntamente com o
dos muçulmanos.
Os coptas não sentiram
grande pesar quando, no Egito moderno, os quartéis das
potências ocidentais foram
desmantelados.
Muito pelo contrário. Eles não
viam no poder das potências ocidentais um elemento de proteção
para os cristãos. Para eles, era um
fator de enfraquecimento da Igreja
local, com a passagem de membros da Igreja copta ortodoxa para
a copta protestante. É o mesmo
que dizem em relação aos coptas
católicos. Mas, ao mesmo tempo,
a liberdade religiosa não pode ser
negada. E no Egito moderno não
houve uma dominação que favorecesse o nascimento da Igreja copta
católica. Até hoje somos apenas
250 mil. Não podemos ser acusados de proselitismo.
¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
27
C A PA
Na Igreja copta ortodoxa,
mesmo nos longos períodos
de marginalidade, os leigos
sempre tiveram uma grande
influência na orientação da
vida eclesial.
No início eram eles que dirigiam tudo. Os leigos notáveis tinham dinheiro e posições socialmente influentes; o clero não era
instruído. Os camponeses iam para os mosteiros; os mais devotos
eram ordenados bispos. Foi assim
até o patriarca Cirilo VI, o antecessor do atual patriarca, Shenouda III, que era um santo homem de Deus e começou a atrair
para os mosteiros alguns jovens
universitários, e depois os consagrou bispos para a missão entre o
povo. Esses bispos, ao lado dos
leigos, lançaram as escolas dominicais de catecismo, e de lá partiu
uma corrente de renovação que
envolveu toda a comunidade copta. Uma renovação que floresceu
em torno dos mosteiros. É desse
contexto que vêm os bispos ordenados pelo patriarca Shenouda
III. São mais de cem, e hoje são
eles que dirigem a Igreja. O peso
dos leigos diminuiu, mas continua
a ser muito grande.
Muitas comunidades cristãs
do Oriente são caracterizadas
por uma certa discrição. Tendem a não ser socialmente visíveis demais. No entanto, no
Egito, os coptas mostram uma
certa exuberância, até publicamente. Grandes mosteiros,
grandes catedrais, manifestações públicas.
Certamente a Igreja copta é visível, presente, ativa. Mas não se trata de querer aparecer. O fato é que,
mesmo sendo minoria, são uma minoria muito consistente. São muitos, pelo menos oito milhões; com
certeza não podem esconder-se.
Voltemos à dramática situação atual. O massacre do
último dia do ano impressionou a todos. Mas os coptas já
tinham sofrido ataques e violências, desde a década de
1980. O que mudou, em relação à época anterior?
Existe hoje um fenômeno geral
de crescimento das correntes fundamentalistas e islamistas, que no
Sínodo definimos como “islã polí28
30DIAS Nº 1/2 - 2011
tico”. Esse fenômeno tem diferentes formas e manifestações.
Alguns desses grupos se esforçam
para fazer uma lavagem cerebral
nos jovens, de modo a pôr em
prática projetos de domínio, local
e mundialmente. Não o escondem, dizem-no claramente, escrevem sobre o assunto. E, dadas as
condições difíceis vividas em nossos países, têm sucesso. Entre estes, há quem defenda uma menta-
versas ramificações; os diversos
grupos muitas vezes tomam caminhos diferentes e entram em conflito. Não dá para pôr todos no
mesmo saco. Cada geração segue
por um caminho. É preciso distinguir um grupo do outro. Hoje,
além de tudo, existem novos grupos salafitas que atacam os outros, inclusive a Irmandade Muçulmana, em nome de sua pretensa maior pureza islâmica.
Crianças brincam na entrada da igreja copta dedicada à Virgem Maria, em Alexandria
lidade de rejeição e de ódio ao outro. Desse húmus podem sair grupelhos que decidem realizar atentados como o de Alexandria.
A Irmandade Muçulmana
está por trás da violência
contra os cristãos, como alguns afirmam?
A Irmandade Muçulmana nasceu de uma ideologia que promovia a renovação do islã, para voltar à pureza das origens. Logo isso se tornou uma orientação política, que pretendia voltar ao modo de vida dos tempos do Profeta,
pela imposição integral da Sharia
e da dominação islamista na sociedade. Mas depois as coisas mudaram. Mesmo dentro da Irmandade Muçulmana se criaram di-
O grande mérito histórico do
Sínodo para o Oriente Médio foi
ter definido essa situação com clareza, numa perspectiva de comunhão dentro da Igreja, com os outros cristãos e também com os outros concidadãos, para construir
sociedades baseadas no direito,
no respeito aos valores comuns e
na igualdade na cidadania.
No passado, ante os ataques e a violência sofridos
pelos coptas, a Igreja no Egito nunca atribuiu a culpa à
maioria islâmica ou ao islã
em geral. E hoje?
Depois da tragédia de Alexandria, houve uma reafirmação ainda mais forte do destino comum
que é compartilhado por cristãos e
Entrevista com o patriarca Antonios Naguib
muçulmanos no Egito. Tudo o que
foi dito, na televisão e no jornal,
mesmo pelos intelectuais e pelos
guias da comunidade muçulmana,
a começar pelo grande imã de AlAzhar, seguiu nessa linha, mais do
que antes.
Houve fortes reações às
palavras do Papa, chegando
até a suspensão das relações
de diálogo com a Santa Sé,
por iniciativa da Universidade de Al-Azhar, o maior centro de ensino religioso do islã sunita. Como foi esse episódio?
Uma emissora de tevê [a Al Jazeera, ndr] transmitiu as notícias
de modo distorcido, dizendo que
o Papa tinha chamado os Estados
e os governos do Ocidente a se
posicionarem para defender os
cristãos perseguidos no Egito e no
Oriente Médio. O Papa nunca dis-
se isso. Mas essa falsa versão de
suas palavras foi tomada como se
fosse a versão oficial. E transformou-se no pretexto de que Al-Azhar precisava para suspender o
diálogo com a Santa Sé.
Enfim, as palavras do Papa
foram desvirtuadas. Mas
houve realmente campanhas
or ganizadas no Ocidente,
que chegaram até o Parlamento Europeu, onde foi pedida a suspensão da ajuda
prestada aos países que não
defendem os cristãos.
Essa é uma atitude errada. E
acaba por confirmar as interpretações errôneas das palavras do
Papa. Como cristãos do Egito –
católicos, protestantes e ortodoxos, sem diferenças –, vemos que
todo apelo por pressões diplomáticas, iniciativas punitivas ou sanções econômicas contra o Egito
em razão dos episódios que envolvem os cristãos egípcios é o
dano mais grave que possa ser
feito aos próprios cristãos. Eu
gostaria de ter dito isso em Bruxelas, no Parlamento Europeu,
quando me convidaram a falar
das perseguições dos cristãos no
Oriente Médio. Mas não quis deixar o país, nas circunstâncias trágicas destes dias.
Como os coptas ortodoxos
avaliaram essas iniciativas e
os apelos do Papa?
Eles também ficaram condicionados pela versão distorcida que
se espalhou. E oficialmente assumiram o mesmo critério de juízo
expresso pelo imã de Al-Azhar.
Nós, como católicos, temos um
vínculo de fé e hierarquia com o
bispo de Roma. Mas certamente
não temos nenhuma obrigação de
nos sentirmos vinculados às inicia-
À direita, sacerdotes coptas em oração na
Catedral copta ortodoxa de São Marcos,
no Cairo
Abaixo, devoção na gruta de Doronka,
na cidade de Asyut, um dos lugares em
que pernoitou a Sagrada Família durante
a fuga para o Egito. Para cá, todos os
anos, por ocasião da festa da Assunção
da Virgem, dezenas de milhares
de cristãos coptas se dirigem em
peregrinação ao lado de milhares
de muçulmanos igualmente atraídos
pela santidade do lugar
tivas de grupos ou organismos europeus, ocidentais ou internacionais. São importantes e devem ser
valorizadas as contribuições que
podem vir de qualquer parte, mas
os objetivos precisam ser promover um clima positivo e identificar
terrenos comuns de convivência e
colaboração, e não piorar as tensões e os conflitos.
Para terminar, eu lhes pediria
em primeiro lugar que rezassem
pela paz e pela tranquilidade do
Egito e de todos os países que sofrem com a instabilidade e a violência. E lhes agradeço por seu
interesse e sua proximidade. q
30DIAS Nº 1/2 - 2011
29
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
O MISTÉRIO DA CARIDADE DE JOANA D'ARC
Publicamos alguns trechos da catequese do
Papa Bento XVI sobre Santa Joana d’Arc na
audiência geral de quarta-feira, 26 de janeiro
de 2011.
“Estimados irmãos e irmãs!
Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma
jovem santa do fim da Idade Média, morta com
19 anos em 1431. Esta santa francesa, citada várias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está
A praça do Mercado Antigo de Rouen
onde Joana d'Arc foi queimada na fogueira
particularmente próxima de santa Catarina de
Sena, padroeira da Itália e da Europa. [...]
O Nome de Jesus, invocado pela nossa santa
até nos últimos instantes da sua vida terrena, era
como que o suspiro contínuo da sua alma, como a
palpitação do seu coração, o centro de toda a sua
vida. O Mistério da caridade de Joana d’Arc,
que tanto tinha fascinado o poeta Charles Péguy,
é este amor total por Jesus, e pelo próximo em
Jesus e por Jesus. [...]
Com o voto de virgindade, Joana consagra de
modo exclusivo toda a sua pessoa ao único Amor
por Jesus: é ‘a sua promessa feita a nosso Senhor, de conservar bem a sua virgindade de corpo
e de alma’. A virgindade da alma é o estado de
graça, valor supremo, para ela mais precioso do
30
30DIAS Nº 1/2 - 2011
que a vida: é um
dom de Deus, que
deve ser recebido e
conservado com
humildade e confiança. Um dos textos mais conhecidos do primeiro
Processo diz respeito precisamente
a isto: ‘Interrogada
se sabia que estava
na graça de Deus, Uma imagem de Joana d'Arc no
responde: se não filme de Carl Theodor Dreyer
estou nela, que La passion de Jeanne d'Arc
Deus me queira
pôr; se aí estou, Deus me queira conservar’ (cf.
Catecismo da Igreja Católica, n. 2005).
A nossa santa vive a oração na forma de um
diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina
também o seu diálogo com os juízes e lhe dá paz
e segurança. Ela pede com confiança: ‘Dulcíssimo Deus, em honra da vossa santa Paixão, peço-vos, se me amais, que me reveleis como devo
responder a estes homens de Igreja’. Jesus é
contemplado por Joana como o ‘Rei do Céu e
da Terra’. Assim, no seu estandarte, Joana mandou pintar a imagem de ‘Nosso Senhor que
mantém o mundo’. [...]
Apraz-me recordar como santa Joana d’Arc
teve uma profunda influência sobre uma jovem
santa da época moderna: Teresa do Menino Jesus. Numa vida completamente diferente, transcorrida na clausura, a carmelita de Lisieux sentiase muito próxima de Joana, vivendo no coração
da Igreja e participando nos padecimentos de
Cristo para a salvação do mundo. A Igreja reuniuas como Padroeiras da França, depois da Virgem
Maria. Santa Teresa tinha exprimido o seu desejo
de morrer como Joana, pronunciando o Nome
de Jesus, e era animada pelo mesmo grande
amor a Jesus e ao próximo, vivido na virgindade
consagrada”.
urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO
PAPA/1
A unidade dos
cristãos habita na
oração
Na audiência geral da quarta-feira, 19 de janeiro, o
Papa Bento XVI disse: “O
caminho rumo à unidade
visível entre todos os cristãos habita na oração porque, fundamentalmente, a
unidade não somos nós que
a ‘construímos’, mas é
Deus que a ‘constrói’, deriva d’Ele, do Mistério trinitário, da unidade do Pai com
o Filho no diálogo de amor
que é o Espírito Santo, e o
nosso compromisso ecumênico deve abrir-se à obra
divina, deve fazer-se invocação quotidiana da ajuda
de Deus. A Igreja é sua, e
não nossa”.
PAPA/2
O menino e o Papa
“Aconteceu tudo rapidamente, foi na audiência de
ontem, logo depois do final
da catequese do Papa: o
menino escapa de seu pai e
pula além das primeiras filas, o guarda que se detém
ao ver que monsenhor
Georg Gänswein faz um sinal sorrindo para deixá-lo
livre e ele, o menino, um
brasileiro, que corre e dá
um olhada atrás de si e sobe
os degraus para cumprimentar Bento XVI, enternecido pelo gesto da criança que se ajoelha para beijar seu anel”. Publicado no
Corriere della Sera de 3 de
fevereiro.
DEMISSÕES
E NOMEAÇÕES
As demissões de
Agnelo, Husar,
Sterzinsky e Sfeir.
Nomeado o sucessor
de Ouellet em
Québec
No dia 12 de janeiro o Papa aceitou a renúncia ao
governo pastoral da arquidiocese de São Salvador da
Bahia, no Brasil, apresentada pelo cardeal Geraldo
Majella Agnelo, e nomeou
para substituí-lo o arcebispo Murilo Sebastião Ramos Krieger, dehoniano,
68 anos, desde 2002 metropolita de Florianópolis.
Em 10 de fevereiro o Papa
aceitou a renúncia do cardeal Lubomyr Husar, 78
anos em 26 de fevereiro,
ao cargo de arcebispo
maior de Kyiv-Halyc na
Ucrânia. No dia 24 de fevereiro o Papa aceitou a
renúncia ao governo pastoral da arquidiocese de
Berlim, na Alemanha,
apresentada pelo cardeal
Geor g Maximilian Sterzinsky. No dia 26 de fevereiro aceitou a renúncia ao
ofício de patriarca de Antioquia dos Maronitas apresentada pelo cardeal Nasr a l l a h P i e r r e S f e i r, 9 1
anos.
para Migrantes e
subsecretário no “Cor
Unum” e promotor na
Congregação dos
Santos
Nasrallah Pierre Sfeir
Em 22 de fevereiro o Papa nomeou arcebispo de
Québec no Canadá, monsenhor Gérald Cyprien Lacroix, do Institut Séculier Pie
X, 54 anos, que desde abril
de 2009 era auxiliar na mesma sede do cardeal Marc
Ouellet, chamado no ano
passado para guiar a Congregação para os Bispos.
NOMEAÇÕES/1
O cardeal Nicora na
direção da Autoridade
de Informação
Financeira
No dia 19 de janeiro o
Papa nomeou presidente da Autoridade de Informação Financeira,
constituída em 30 de dezembro, o cardeal Attilio Nicora, presidente
da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica. O Pontífice nomeou
também como membros
do Conselho Diretor da
AIF, o professor Claudio
Bianchi, o advogado
Marcelo Condemi, o
professor Giuseppe Dalla Torre, e Cesare Testa.
NOMEAÇÕES/2
Novo prefeito
na Congregação
para os Religiosos;
vice-camerlengo;
secretário na Pastoral
No dia 4 de janeiro o Papa
aceitou a renúncia apresentada pelo cardeal Franc Rodé do cargo de prefeito da
Congregação para os Religiosos e chamou para sucedê-lo no mesmo cargo
monsenhor João Braz de
Aviz, 64 anos, ligado ao
movimento dos Focolarinos, desde 2004 arcebispo
de Brasília.
Em 22 de janeiro o Papa
nomeou, por um triênio, vice-camerlengo da Santa
Igreja Romana o arcebispo
espanhol Santos Abril y
Castelló, 76 anos, ex-núncio apostólico na Eslovênia.
Em 22 de fevereiro o
Papa nomeou Secretário
do Pontifício Conselho da
Pastoral para os Migrantes
e Itinerantes o indiano Joseph Kalathiparambil, 59
anos, desde 2002 bispo de
Calicut.
Em 5 de janeiro o Papa
nomeou subsecretário do
Pontifício Conselho “Cor
Unum”, monsenhor Segundo Tejado Muñoz, da
diocese de Roma, oficial do
mesmo dicastério.
Em 9 de fevereiro o Papa nomeou Promotor da Fé
na Congregação para as
Causas dos Santos, o padre
Luigi Borriello, carmelitano descalço, até agora consultor do mesmo dicastério.
IGREJA
Mariano Crociata
e o sectarismo cristão
“Na época das crises das
identidades, do expressivismo e da autenticidade, pode-se viver uma pertença
eclesial fluída, intermitente
e fraca, ou senão, pode- ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
31
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
se enfrentar a mesma situação com a opção exatamente
contrária: a que consiste em
assumir uma pertença ao próprio grupo eclesial, ao próprio movimento, à própria
‘experiência’ como se fossem
a única modalidade de pertença possível para ser Igreja”. São “duas faces de uma
mesma medalha [...]. O próprio fato de que a nossa linguagem conheça a possibilidade de uma fé sem pertença
ou de uma pertença sem fé, já
é índice do fato que a pertença eclesial vive uma sua singularidade. Ela está ligada à fé, e
a fé, se não pode totalmente
Mariano Crociata
em uma pertença visível e exterior, não pode nem mesmo
ser concebida como fato meramente interior e invisível, se
quer se manter como fé em
Jesus Cristo ‘vindo na carne’”. São algumas considerações de monsenhor Mariano
Crociata, secretário geral da
Conferência Episcopal Italiana, na abertura da Semana
Teológica, promovida pela
diocese de Messina em 8 de
fevereiro passado e publicadas no L’Osservatore Romano do dia seguinte. Sintetizando o discurso do bispo, o artigo do jornal do Vaticano conclui: “Enfim, a pertença eclesial ‘jamais pode ser sectária’,
mas sim ‘estruturalmente
aberta’. Consequentemente
‘nenhuma determinada mo-
dalidade poderá ter a pretensão de ser o único modo de
pertença eclesial’. Ainda mais
‘com traços de exclusão, não
apenas para com os não cristãos, mas até mesmo para os
que, cristãos como nós, vivem
a sua pertença eclesial de modo diferente do nosso’”.
ORIENTE MÉDIO
A bandeira
da Palestina hasteada
nos EUA
“Pela primeira vez, a bandeira palestina foi hasteada
na sede da missão ANP ¬
EGITO
Arrigo Levi e as ilusões de Israel
No jornal La Stampa de 2 de fevereiro, Arrigo Levi escreveu um editorial com o título: Acabaram as ilusões de
Israel. Publicamos a parte conclusiva.
“Israel, ou melhor a Israel da aliança entre direita política
e religiosa guiada por Netanyahu, poderia pensar que a
substancial inércia diplomática, e a continuação da expansão nos territórios ocupados, representasse uma política cômoda e não arriscada para enfrentar um mundo
palestino dividido e privado de substanciais apoios do
mundo árabe e islâmico: desde que, bem entendido, não
se olhe muito longe no tempo, e se iluda de que uma Palestina cada vez mais fraca deveria por fim contentar-se
com uma paz imposta com qualquer condição. Se forem
verdadeiras as revelações de Al Jazeera, o comportamento renunciatário dos negociadores palestinos poderia justificar estas ilusões. Mas a aliança com o Egito era a
premissa necessária desta política, na verdade injusta para com o povo palestino, e míope por parte de um Estado
de Israel que encontrará a garantia final do seu futuro histórico apenas com o nascimento de um Estado Palestino
que ofereça o justo reconhecimento às razões do povo
palestino. Se os judeus continuaram a se prometer por
dois mil anos ‘no ano próximo em Jerusalém’, porque os
palestinos, com um grande mundo árabe e islâmico às
costas, deveriam esquecer em tempos breves o sonho de
uma pátria para si? Então, o que Israel pode fazer? De várias frentes, o início da revolução egípcia levou diversos
observadores a se perguntarem se justamente a falta da
‘coluna da paz’ que tinha como base o Cairo não possa
ter o efeito surpreendente de levar Israel, no temor de um
próprio ulterior isolamento, a relançar as negociações
suspensas com os palestinos, demonstrando a necessária
32
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Manifestantes na praça Tahrir, no Cairo
disponibilidade às concessões, indispensáveis para um
acordo, sobre o bloqueio de novos assentamentos como
sobre a aceitação de uma capital palestina nas zonas com
população árabe da grande Jerusalém. (De resto, na Jerusalém histórica, dentro das antigas muralhas, não há
nem o Parlamento nem a Presidência nem os essenciais
órgãos de governo nem mesmo do Estado de Israel). Mas
por enquanto, isso é apenas um auspício. Também o
oportunismo instintivo de um político hábil como Netanyahu não parece à altura de uma tal virada política. A esperança que a revolução egípcia leve ao nascimento de
uma democracia leiga egípcia é talvez ainda menos audaciosa do que a esperança de que o anúncio, que vem do
Cairo, de uma nova era de instabilidade e imprevisibilidade de todo o mundo árabe-islâmico (não sabemos se e onde se deterá a onde revolucionária depois da Tunísia e do
Egito), leve este governo israelense a uma iniciativa inesperada para levar justamente agora ao sucesso as negociações com os palestinos. Os observadores menos otimistas temem o efeito oposto de um ulterior fechamento
de Israel por trás da ilusória segurança do muro de proteção nos limites do Estado”.
urtas Curtas Curtas Curtas
NDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO
DOM GIUSSANI/2
DOM GIUSSANI/1
A recordação
do cardeal Tettamanzi, em Milão
A recordação
do cardeal De Paolis, em Roma
“Novas iniciativas são tomadas na Igreja [depois do Con“Caríssimos, celebramos a memória do dies natalis de
cílio, ndr], nem sempre felizes. Delineiam-se sobretudo
Dom Giussani, ou seja, do dia de seu encontro definitiduas correntes igualmente perniciosas: os tradicionalisvo e eterno com Cristo, ponto mais alto daquele encontas e os progressistas. [...] Ao aceitar a tradição da Igreja,
tro que foi o segredo, a paixão, a força e a alegria de caDom Giussani não acaba prisioneiro de esquemas do
da um de seus dias [...]. A partir daquele encontro Dom
passado. Ao contrário disso, ele intui que dessa forma,
Giussani ficou fascinado e conquistado e nada mais fez
em vez de dispersar-se na busca de novos caminhos douem sua vida senão ser ‘ministro’ humilde e valioso do
trinais dos quais não sente a necessidade, pode servir-se
encontro que fizera, fascinando, por sua vez, e conquisdo rico patrimônio doutrinal, filosófico e teológico da
tando para Cristo as pessoas e as realidades que enconIgreja para aprofundar o encontro pessoal dos homens
trou em seu caminho. Como disse há seis anos, nesta
com Cristo e reapresentar, assim, a mensagem originámesma Catedral, o então cardeal Joseph Ratzinger: ‘Já
ria com nova força e vigor, dialogando de modo seguro
na adolescência criou com outros jovens uma comunicom a cultura de sua época e oferecendo uma resposta
dade que se chamava Studium Christi: o seu programa
segura às necessidades mais profundas do homem.” São
era não falar de nada mais a não ser de Cristo, pois todo
palavras do cardeal Velasio De Paolis, presidente da Preo resto parecia perda de tempo’.” É assim que começa
feitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé, na hoa homilia da missa que o cardeal Dionigi Tettamanzi cemilia durante a missa celebrada em sufrágio de padre
lebrou no Domo de Milão, em 28 de fevereiro, em suLuigi Giussani em 22 de fevereiro, em Roma. Esta é a
frágio de padre Luigi Giussani, que o arcebispo recorconclusão do purpurado: “No livro É possível viver asdou como “nosso irmão e pai”. Disse na parte conclusisim?, Dom Giussani revela o segredo da experiência reliva da homilia: “A palavra de Paulo: ‘Eu vivo, mas não
giosa na vida vivida em comunhão com Jesus. Onde está
eu: é Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20) foi assim coo segredo? Ele responde: “Vivendo com Ele. Como se dá
mentada pelo papa Bento XVI em seu discurso no Contestemunho d’Ele? Vivendo com Ele. Uma pessoa que lê
gresso de Verona: ‘Assim mudou a minha identidade
o Evangelho todos os dias, uma pessoa que comunga toessencial, mediante o batismo, e eu continuo a existir
dos os dias, uma pessoa que diz Vem, Senhor, uma pessomente nesta mudança. [...] Assim, tornamo-nos ‘um
soa que observa alguns companheiros seus para os quais
só em Cristo’ (Gl 3,28), um único sujeito novo, e o nosisso já se tornou habitual, pode começar a sentir o que
so eu é libertado do seu isolamento. ‘Eu, mas já não eu’:
quer dizer viver com Ele. Viver com Ele se pode dizer de
esta é a fórmula da existência cristã [...], a fórmula da
uma outra for ma: viver como
‘novidade’ cristã chamada a transformar o mundo’ (19
Ele”. Eis a experiência
de outubro de 2006). É o que escreve Dom
antiga, mas sempre noGiussani no livro É posva, que Dom Giussani
sível viver assim?, renos deixou. Conservelando o segredo da
vemo-la com zelo. É
experiência religiosa da
o segredo da exisvida vivida em comutência cristã plena”.
nhão com Jesus: o segredo está em viver com
Ele: ‘Como se dá testemunho d’Ele? Vivendo
com Ele. Uma pessoa que
lê o Evangelho todos os
Dois santinhos
dias, uma pessoa que coem memória de
munga todos os dias, uma
Dom Giussani
pessoa que diz Vem, Senhor, uma pessoa que observa alguns companheiros
seus para os quais isso já se
tornou habitual, pode começar a sentir o que quer dizer
viver com Ele. Viver com Ele
don Lu
igi Gius
15 ottob
se pode dizer de uma outra
re 1922
sani
– 22 feb
braio 20
forma: viver como Ele’”.
i
n
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05
ss
iu
G
don Luigi raio 2005
febb
1922 – 22
15 ottobre
30DIAS Nº 1/2 - 2011
33
Curtas Curtas Curtas Cu
3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN
e m Wa s h i n g t o n ( c o m a
aprovação de Obama). Um
gesto simbólico: a Autoridade força o reconhecimento do Estado Palestino
com ou sem a paz. Para a
Rússia eles têm direito ao
Estado. E vários países da
América do Sul já reconheceram a Palestina”. Publicado no Corriere della Sera de 20 de janeiro.
ESTADOS UNIDOS
Giffords: os judeus,
o compromisso
e os milagres
Causou muita comoção o
atentado contra a expoente
do partido democrata Gabrielle Giffords, ocorrido
em 8 de janeiro em Tucson
no Arizona. No atentado,
que causou a morte de seis
pessoas entre as quais uma
criança, a política Giffords
ficou gravemente ferida na
cabeça. Ao fazer uma sua
descrição, o Corriere della
Sera de 9 de janeiro apresentou seu último slogan
eleitoral que chamara atenção dos eleitores: “Se quiserem verdadeiros resultados, apostem em mim porque por tradição nós mulheres judias sabemos cumprir compromissos e milagres”. As suas condições de
saúde, com o tempo, melhoraram.
MAGHREB
Riccardi: “A ideia
de revolução morreu
com o ano de 1989
e com Wojtyla”
No Corriere della Sera de
4 de fevereiro, foi publicada uma entrevista com Andrea Riccardi sobre as revoltas que acontecem no
Maghreb. No parecer do
fundador da Comunidade
de Santo Egídio, o Ociden-
34
te deveria “dar a sua contribuição à ‘democristianização’ dos islâmicos, segundo o modelo turco de Erdogan. Esta não é a revolução
árabe. A ideia de revolução, que durou dois séculos, morreu com o ano de
1989 e com Wojtyla”.
ACADEMIA
DAS CIÊNCIAS
Pela primeira vez
um protestante
é presidente
No dia 15 de janeiro o Papa
nomeou presidente da Pontifícia Academia das Ciências o suíço Werner Arber,
82 anos, protestante, professor emérito de Microbiologia na Universidade de
Basileia, prêmio Nobel de
Fisiologia e Medicina junto
com Hamilton O. Smith e
Daniel Nathans em 1978.
DIPLOMACIA/1
Mudanças nas
nunciaturas e dois
novos núncios
No dia 5 de janeiro o Papa
nomeou observador permanente da Santa Sé junto
às Organizações e os Organismos das Nações Unidas
para a Alimentação e a
Agricultura (FAO, Ifad e
PAM), o arcebispo Luigi
Travaglino, 72 anos, exnúncio na África e Nicarágua e desde 2001 a disposição da seção das Relações
com os Estados da Secretaria de Estado.
Em 8 de janeiro Bento
XVI nomeou arcebispo titular de Sutri monsenhor Antonio Guido Filipazzi, conselheiro de nunciatura, confiando-lhe ao mesmo tempo, o ofício de núncio apostólico. Filipazzi, 48 anos em
outubro, nascido em Melzo,
província de Milão, torna-
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Werner Arber
se assim o mais jovem bispo
italiano. Ordenado sacerdote em 1987, incardinado
em Ventimiglia, em 1992
entrou para o serviço diplomático da Santa Sé e prestou serviços em seguida nas
representações pontifícias
de Sri Lanka, Áustria, Alemanha e, por último, junto
à seção para as Relações
com os Estados da Secretaria de Estado.
Ainda no dia 8 de janeiro o Papa nomeou arcebispo titular de Telepte monsenhor Edgar Peña Parra,
51 anos, venezuelano, até
agora conselheiro de nunciatura no México, confiando-lhe ao mesmo tempo o
ofício de núncio apostólico.
Em 2 de fevereiro monsenhor Parra foi nomeado
núncio no Paquistão.
Em 13 de janeiro o Papa nomeou núncio apostólico em Singapura, delegado apostólico na Malásia e
no Brunei, e representante
pontifício não residente para o Vietnã, o arcebispo
Leopoldo Girelli, 58 anos,
desde 2006 núncio apostólico na Indonésia. Girelli
permanece também como
núncio no Timor Leste, encargo recebido também em
2006.
No dia 10 de fevereiro
Bento XVI nomeou núncio
apostólico na Eslovênia,
com cargo de delegado
apostólico no Kossovo, o
arcebispo polonês Juliusz
Janusz, 67 anos, desde
2003 núncio apostólico na
Hungria. Na ocasião a Sala
de Imprensa da Santa Sé
esclareceu que “a nomeação de um delegado apostólico faz parte das funções
de organização da estrutura
da Igreja Católica e, portanto, assume caráter exclusivamente intraeclesial,
permanecendo completamente distinta de considerações referentes a situações jurídicas e territoriais
ou de qualquer outra questão inerente à atividade diplomática da Santa Sé”.
Em 19 de fevereiro o
Papa nomeou núncio apostólico na Federação Russa
o arcebispo esloveno Ivan
Jurkovic, 59 anos, desde
2004 núncio apostólico na
Ucrânia.
Em 22 de fevereiro Bento XVI nomeou núncio
apostólico na Grécia o arcebispo norte-americano Edward Joseph Adams, 67
anos, desde 2007 núncio
apostólico nas Filipinas. O
arcebispo Luigi Gatti, 65
anos, desde 2009 representante pontifício em Atenas e
atualmente núncio a disposição da segunda seção da
Secretaria de Estado.
DIPLOMACIA/2
Novo embaixador
da Áustria junto
à Santa Sé
No dia 3 de fevereiro o Papa
recebeu as cartas credenciais do novo embaixador da
Áustria junto à Santa Sé.
Trata-se de Alfons M. Kloss,
58 anos, ex-embaixador na
Itália de 2001 a 2007 e nos
últimos quatro anos conselheiro diplomático do Presidente da República.
q
LEITURA ESPIRITUAL
O milagre
de São José
“Na última quarta-feira daquele mês de outubro,
padre Motta, o nosso padre espiritual, ao final
de sua pequena meditação matutina, disse-nos que
a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada
à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na Igreja:
portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele,
em primeiro lugar porque era o protetor da boa morte e,
em segundo lugar, porque fazia milagres”.
Fragmento de um texto de padre Luigi Giussani
O seminário
da diocese
de Milão,
em Venegono
Inferiore,
Varese
36
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Padre Luigi Giussani (15 de outubro de 1922 – 22 de fevereiro de 2005)
Recordação no sexto aniversário de sua morte
Luigi Giussani, no centro da foto, com seus colegas de classe no seminário de Venegono
o meu primeiro ano do ensino médio, após as férias de verão, voltei para
o seminário em Venegono. Passei aquele primeiro mês, o mês de outubro, muito melancólico. No fundo, era porque tinha vindo embora de casa, mas, quando ficamos assim repletos de melancolia, buscamos sempre, e encontramos, um pretexto, um álibi para não acusarmos a nossa própria fraqueza; e o álibi era
que não me tinha chegado o meu dicionário de grego, de Gemoll. Minha mãe o havia
despachado no começo de outubro, mas os dias passavam e o Gemoll não chegava; e
isso era ruim também porque, nas provas, eu precisava pedir toda vez o dicionário emprestado ao colega, para grande aborrecimento meu e dele.
Na última quarta-feira daquele mês de outubro, padre Motta, o nosso padre espiritual,
ao final de sua pequena meditação matutina, disse-nos que a quarta-feira da semana, pela piedade cristã, era reservada à devoção a São José, o qual tinha uma grande tarefa na
Igreja: portanto, que nos dirigíssemos confiantes a ele, em primeiro lugar porque era o
protetor da boa morte e, em segundo lugar, porque fazia milagres. Naquele instante, às
sete da manhã, eu disse: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’. Lembro que durante o café da manhã, e no recreio sucessivo, todos os meus colegas me perguntavam: ‘Que aconteceu ¬
“N
30DIAS Nº 1/2 - 2011
37
LEITURA ESPIRITUAL
com você?’, porque eu tinha mudado de cara, estava diferente de como eles tinham me
visto naquele mês, tinha recuperado o meu bom humor e, toda vez que me perguntavam, eu respondia: ‘Hoje vai chegar o Gemoll’.
Estávamos em 1938 e naquela época o correio chegava onde quer que fosse uma
vez por dia. Meio-dia, no seminário, era a hora da distribuição do correio: vinha o vicereitor ao grande refeitório (onde éramos trezentos a almoçar) com um grande ‘pacotão’ e distribuía a todos as correspondências; era um momento do dia muito esperado,
mais ou menos como no exército. Eu estava tranquilíssimo: ‘Hoje chega o Gemoll’,
mas o meu Gemoll não chegou. Eu, porém, tinha certeza de que ia chegar. Algumas
raras vezes, naquela época, o correio chegava também à tarde, e o vice-reitor, nesses
casos, durante o jantar repetia a mesma cena do almoço. Aquela noite isso ocorreu,
mas o meu Gemoll não apareceu. Eram oito da noite. Após o jantar, tínhamos uma
hora de jogos, de recreio, depois, das nove e meia às dez e meia, tínhamos uma hora
de estudo; às dez e meia tocava a última campainha, rezávamos as orações da noite e
íamos dormir. Estudávamos numa grande sala, éramos mais ou menos oitenta, cada
um na sua carteira. Às dez e meia toca a campainha do fim do dia e, naquele instante,
entra uma pessoa do fundo da sala e aproxima-se do Prefeito com um embrulho. Eu
falei bem alto para os meus colegas: ‘É o meu Gemoll’. Era o meu Gemoll!
Giovanni Battista Montini, arcebispo de Milão,
em visita ao seminário de Venegono.
O terceiro a partir da direita é padre Enrico Motta
38
30DIAS Nº 1/2 - 2011
A ti, São José
A imagem de São José venerada
na igreja paroquial de Trivolzio,
que abriga o corpo de São Ricardo Pampuri
A ti, São José, recorremos em nossa tribulação, e, depois de termos implorado o auxílio de tua
santíssima esposa, cheios de confiança, solicitamos também a tua proteção. Por esse laço sagrado
de caridade, que te uniu à Virgem Imaculada,
Mãe de Deus, e pelo amor paternal que tiveste ao
menino Jesus, ardentemente te suplicamos que
lances um olhar benigno para a herança que Jesus
Cristo conquistou com o seu sangue, e nos socorras,
em nossas necessidades, com o teu auxílio e poder.
Protege, ó guarda providente da divina família, a raça eleita de Jesus Cristo. Afasta para
longe de nós, ó pai amantíssimo, a peste do erro e
do vício. Assiste-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das
trevas, e assim como outrora salvaste da morte a
vida ameaçada do menino Jesus, assim também
defende agora a santa Igreja de Deus das ciladas
dos inimigos e contra toda a adversidade. Ampara cada um de nós com a tua constante proteção,
a fim de que, a teu exemplo, possamos viver virtuosamente, e piedosamente morrer e alcançar
no céu a eterna bem-aventurança. Amém.
Esta oração foi inserida por Leão XIII ao final da encíclica Quamquam pluries, de 15 de agosto de 1889.
A devoção a São José, que fora declarado padroeiro da Igreja universal pelo beato Pio IX em 8 de dezembro de 1870, foi particularmente promovida por Leão XIII, que, eleito papa em 20 de fevereiro de
1878, pôs o seu pontificado desde o início “sob a fortíssima proteção de São José, padroeiro celeste da
Igreja” (alocução aos cardeais de 28 de março de 1878).
Evidentemente, esse fato pode não ter dito nada para os outros; para mim disse
muitíssimo.
Contei esse episódio para insistir sobre a segunda acepção da palavra ‘milagre’:
um realce dos acontecimentos que chama a pessoa remetendo-a a Deus e, nisso,
chama também o próximo, quem está a seu lado.
A grandeza de Deus sabe manifestar-se exatamente na familiaridade que Ele vive
com o homem, vive na vida do homem”.
(Extraído de: Giussani, Luigi. Por que a Igreja. Trad. Neófita Oliveira e Durval Cordas.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, pp. 365-367)
30DIAS Nº 1/2 - 2011
39
Arte cristã
As portas santas
do povo russo
Acreditava-se que tivessem sido destruídas na época soviética. Mas os
sagrados ícones colocados há séculos nas torres de entrada do Kremlin
foram encontrados e restaurados. Eis a história do achado
de Vladimir Yakunin
oi um verdadeiro acontecimento histórico, o que ocorreu no verão de 2010.
Contra todas as avaliações dos críticos de arte, dos restauradores e
dos historiadores foram encontrados objetos sacros de grande valor:
os dois ícones dos portões de entrada do Kremlin em Moscou, que
remontam a cinco séculos atrás.
No decorrer dos últimos 70 anos
todos estavam certos de que tinham sido destruídos por ordem
das autoridades soviéticas, e de
que não podia ser diferente: de fato, estavam colocados sobre os
F
40
30DIAS Nº 1/2 - 2011
portões de entrada principais do
Kremlin, a residência de Estado
dos dirigentes soviéticos, que tinham proclamado o ateísmo como ideologia oficial da URSS. E,
ao invés, as coisas tinham acontecido de outro modo...
No decorrer dos séculos, alguns
ícones tinham sido colocados sobre
os portões de entrada das duas torres do Kremlin: sobre a torre Spasskaya, o ícone do Salvador de Smolensk; sobre a torre Nikolskaya, a
de são Nicolau de Mira (Taumaturgo). Através da torre principal, a
Spasskaya, não se podia passar a
cavalo, e atravessando-a era preciso obrigatoriamente tirar o chapéu.
O Kremlin tinha um significado sacro para os nossos antepassados,
era o centro espiritual do nosso Estado, o coração do Império russo.
Construído, entre outros, pelos arquitetos italianos Aristotile Fioravanti e Pietro Antonio Solari, era
considerado pelos nossos pais como um grande mosteiro, razão pela qual a porta Spasskaya era chamada na Rus’ a Porta Santa.
A minha geração foi educada
nos anos em que, no lugar dos ícones, sobre os portões das torres do
RÚSSIA. As portas santas do povo russo
Kremlin, havia retângulos brancos. E a grande maioria dos meus
conterrâneos não tinha dúvida de
que sempre fora assim. O Kremlin
tinha-se tornado exclusivamente o
centro do poder estatal. No seu interior tinham sido destruídos vários mosteiros e igrejas, enquanto
outros edifícios religiosos tinham
sido transformados em museus.
Poucos, principalmente historiadores e críticos de arte, sabiam dos
ícones que antigamente se encontravam sobre as torres e não podiam sequer imaginar que estes
pudessem ter sido conservados
nos anos da luta anti-religiosa do
poder soviético. Assim, por quase
vinte anos depois da queda da
URSS, não tinham sido feitas sérias tentativas de restaurar o aspecto original das torres do Kremlin.
Alguns anos atrás a Fundação
“Santo André, o Primeiro Chamado” decidiu verificar se por acaso,
na eventualidade de não terem sido destruídos, os ícones ainda estavam conservados sob o estuque.
A maior parte dos especialistas ironizavam-nos, os especialistas da
Unesco nos colocavam em alerta:
se tentássemos colocar novos íco-
Na página ao lado, o patriarca Kirill abençoa o antigo ícone do Salvador
de Smolensk na torre Spasskaya do Kremlin, em Moscou, dia 28 de agosto de 2010;
abaixo, duas fotos da cerimônia de inauguração do antigo ícone restaurado:
à esquerda, o patriarca Kirill com Vladimir Yakunin; à direita,
nes no lugar daqueles perdidos,
eles poderiam excluir o Kremlin da
lista dos patrimônios protegidos de
interesse mundial. O risco era alto.
Tínhamos ao nosso lado somente
a tradição oral, conservada pelos
descendentes de imigrantes russos
que viviam na Europa, Estados
Unidos e outros países.
Um caro amigo nosso, o bispo
Mikhail de Genebra e da Europa
Ocidental da Igreja Ortodoxa Russa no exterior, nascido e crescido
em Paris, descendente de um cossaco do vale do Don, contou-nos
que entre os russos no exterior falava-se das imagens, que antes da
revolução se encontravam sobre
os portões das torres Spasskaya e
Nikolskaya, veneradas pelo povo
como sacras e milagrosas.
¬
com o presidente Dmitrij Medvedev
Vladimir Yakunin, autor deste artigo, é o presidente do Conselho de garantes
da Fundação Santo André o Primeiro Chamado. Atualmente é também presidente
das Ferrovias Russas e do World Public Forum – Dialogue of civilizations
“O rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”
história dos ícones é impressionante. Por ordem
das autoridades da época, esses deveriam ter
sido destruídos, mas encontraram homens, confessores da fé, que arriscaram a vida e, ao invés de destruílos, fecharam dentro de uma edícula, cobriram com cimento, pintaram e fingiram que eles tinham sido destruídos.
Nesta história dos ícones há o símbolo do que
aconteceu ao nosso povo no século XX. Fez-se acreditar que os autênticos objetivos e os valores, as coisas sacras tinham sido destruídas, que a fé tinha desaparecido da vida do nosso povo. Para alguns isso
era necessário, e muita gente fez de conta que tinha
acontecido exatamente isso. No entanto, a fé do nosso
povo não tinha desaparecido de modo algum, a fé ti-
“A
nha sido conservada nas nossas avós e nossas mães,
tinha sido conservada graças aos confessores e aos
mártires, tinha sido protegida por aqueles que não hesitaram em dar a vida para conservar a fé. E quando
por misericórdia de Deus pôde-se realizar no povo e
na pátria aquilo que hoje acontece com estes ícones, o
rosto do nosso povo revelou-se ao mundo”.
Kirill
Patriarca de Moscou e de todas as Rússias
(do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha
dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e
da bênção do ícone do Salvador de Smolensk colocada sobre
a torre Spasskaya do Kremlin)
30DIAS Nº 1/2 - 2011
41
Arte cristã
Essa informação causou-nos
muitas perplexidades e grande curiosidade: o que poderia haver naquelas edículas, por trás do estuque
branco? A parede de tijolos do
Kremlin ou os restos dos ícones?
Então tentamos obter a permissão para analisar as edículas, para
verificar a presença ou não dos antigos ícones. Foi-nos concedida apenas depois de três anos, dado que o
Kremlin é a residência do presidente da Federação Russa. Em maio de
2007 enviei uma carta ao presidente Vladimir Putin, e também ao Patriarca de Moscou e de todas as Rússias, Aléxis II, que apoiaram com
paixão a nossa iniciativa. No texto
era esclarecido que o projeto teria
sido financiado com fundos da Fundação “Santo André o Primeiro
Chamado”, e não com fundos estatais. A nossa lógica era muito simples: se embaixo do estuque fossem
encontrados vestígios dos ícones
históricos, nós providenciaríamos a
restauração; caso contrário recriaríamos as imagens perdidas. Mas
mesmo com um apoio de alto nível,
foi preciso muito tempo para convencer os historiadores de arte e os
arquitetos da necessidade de tais
buscas, porque não havia nenhum
documento que confirmasse a hipótese da conservação dos ícones.
Criamos junto da Fundação
um grupo de trabalho, que apresentou um projeto de restauração
dos ícones. Formou-se um comi-
tê de apoio constituído pelos dirigentes das instituições competentes para a salvaguarda dos
bens culturais, pelas forças de ordem (sem a permissão destes não
é possível realizar as obras em
em uma zona sensível) e de outras personalidades interessadas.
O grupo de trabalho contava com
os principais historiadores e críticos de arte, restauradores e arquitetos.
Tinha-se criado já muita expectativa e não se pretendia provocar maiores clamores enquanto não tivéssemos absoluta certeza da nossa hipótese. No início de
2010 decidimos começar as primeiras análises das edículas.
O grupo de trabalho avaliou
cinco empresas para a restauração, indicadas pelo Instituto Russo
para a Conservação dos Bens Culturais e dos Museus do Kremlin,
escolhendo uma destas. Uma comissão interdicasterial especial vigiava os trabalhos de restauração.
Para não os expor a inúteis curiosidades, encarregamos os restauradores de trabalharem nas
edículas das torres Spasskaya e
Nikolskaya ao mesmo tempo em
que estavam sendo feitas normais
obras de conservação no Kremlin
em vista das comemorações de 9
de maio, dia em que é celebrada a
vitória da Segunda Guerra Mundial. Logicamente estávamos todos muito preocupados.
Que alegria quando nos comunicaram que as primeiras análises
mostravam a presença de uma camada de pintura sob o reboco! Os
resultados das pesquisas foram ilustrados em entrevista à imprensa e
todos os telejornais apresentaram
a notícia como histórica, até mesmo para marcar época...
Porém, consideremos um momento as medidas dos ícones: têm
a altura média de uma pessoa e são
largas mais de um metro. Todavia,
as pesquisas iniciais tinham sido
feitas em um pequeno espaço de
apenas dez centímetros quadrados. E depois da conclusão das
análises estas pesquisas foram cuidadosamente escondidas, de modo que ninguém suspeitasse da
realização desses trabalhos. Aquilo
que os especialistas tinham encontrado não garantia a total conservação dos afrescos. Além disso,
depois da entrevista à imprensa,
“O sentido da unidade do povo com a Igreja”
oje devemos recordar todos os que sustentaram
e ajudaram a recuperação destes ícones, também os que num momento particularmente difícil para o
nosso país, no período da luta anti-religiosa, nos anos
mais obscuros, protegeram esses, arriscando não apenas o emprego, mas também a vida, e conservaram tal
maravilha até os nossos dias, para os que hoje estão
aqui presentes e para os que no futuro visitarão o Kremlin, para os que poderão admirar
a obra dos nossos pais e serão
inspirados pela imagem que protege a cidade de Moscou, protege o Kremlin, protege todos nós.
“H
O presidente Medvedev
com o patriarca Kirill e Yakunin
durante a cerimônia
42
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Na realidade, em tudo isso há um significado particular, talvez ainda não totalmente compreensível, o sentido da unidade do povo com a Igreja, o sentido da restauração da justiça, da obra comum para o bem da nossa amada pátria.
Tenho certeza, com a descoberta e a bênção destes
ícones, da restauração da justiça, que o nosso país recebeu uma proteção suplementar que se estende a todos os presentes, a todos os que rezam e amam o nosso país”.
Dmitrij Medvedev
Presidente da Federação Russa
(do discurso realizado em Moscou na Praça Vermelha
dia 28 de agosto de 2010, por ocasião da abertura e
da bênção do ícone do Salvador Smolensk colocado sobre
a torre Spasskaya do Kremlin)
RÚSSIA. As portas santas do povo russo
O patriarca Kirill abençoa o antigo ícone
de São Nicolau Taumaturgo da torre
Nikolskaya do Kremlin,
dia 4 de novembro de 2010
recebi a carta de um sacerdote que
queria me convencer do fato de
que as nossas conclusões estavam
erradas e que os ícones não tinham
sido conservados. Compreendi
que só poderia ter certeza da conservação dos ícones depois de ter
visto os afrescos com meus próprios olhos. Então estávamos im-
sos olhos, desci na praça e comuniquei aos jornalistas que o ícone do
Salvador tinha sido conservado. Em
poucos dias foi também completamente retirada a camada que cobria
o ícone de São Nicolau Taumaturgo
sobre o portão da torre Nikolskaya.
Foram necessários três meses
para a restauração do ícone sobre o
portão da torre Spasskaya; um pouco mais de tempo para a restauração do ícone de São Nicolau, mais
antigo, sobre a outra porta. O ícone
de São Nicolau Taumaturgo também estava gravemente danificado
pelas explosões nos dias da revolução de 1917: os marinheiros e os
soldados tinham atirado contra a
conclusão positiva dos trabalhos da
imagem do Salvador de Smolensk.
Pouco depois chegou a bênção dos
ícones por parte do patriarca Kirill,
com a presença do presidente da
Rússia Dmitrij Medvedev, com
grande repercussão nos canais televisivos mais importantes da Rússia
e da Europa.
Tenho certeza que para todas as
pessoas reunidas em 28 de agosto
na Praça Vermelha, no dia da Dormição da Mãe de Deus, a bênção
do ícone do Salvador foi um momento inesquecível, entre os mais
iluminantes e emocionantes. Apesar do mau tempo, sentia-se a maravilhosa unidade de todos os presentes, que rezavam e agradeciam
por este acontecimento, milagroso
e memorável.
Em 4 de novembro, no dia da
Unidade Popular, foi abençoado o
À esquerda, o portão de entrada da torre Nikolskaya em uma foto de 1918; acima,
dois especialistas examinam o antigo ícone do Salvador de Smolensk trazido
novamente à luz sobre a torre Spasskaya
pacientes para proceder à remoção da camada protetiva.
As primeiras análises mostravam que a conservação dos ícones
tinha sido feita por restauradores
especializados, usando a máxima
cautela. Junto com o comandante
do Kremlin, Sergej Khlebnikov, tive
a oportunidade de subir nos andaimes e ser testemunha do início dos
trabalhos para a retirada da cobertura da primeira edícula. E somente
depois que uma parte significativa
do afresco tinha aparecido aos nos-
torre com fuzis e até mesmo canhões. Tudo isso requer extremo
cuidado na restauração, mas por
sorte, os nossos especialistas são
excelentes. Um deles parece ter saído diretamente do século XIX: não
sabia usar o celular e procurava escapar ao uso das atuais tecnologias
de comunicação. Um homem profundamente crente, com um olhar
surpreendentemente penetrante e
cheio de bondade. Ele se dedicava à
restauração com grande seriedade
e temor.
No final de agosto de 2010 a comissão interdicasterial comunicou a
ícone de São Nicolau Taumaturgo
no portão da torre Nikolskaya,
diante de milhares de pessoas,
crescidas na União Soviética ou
descendentes dos emigrantes que
viviam na Europa. A transmissão
ao vivo pela televisão contou com
milhões de espectadores russos. A
tradição cristã, eixo de sustentação
do desenvolvimento da nossa sociedade multiétnica e multiconfessional, alma da nossa história,
grande e trágica, uniu-nos a todos,
reavivando a confiança também
para um futuro mais radioso do Estado russo.
q
30DIAS Nº 1/2 - 2011
43
MUITOS
CAMINHOS DA CARIDADE
PASSAM POR UMA
PICCOLA VIA
A ASSOCIAÇÃO PICCOLA VIA ONLUS foi instituída para enviar gratuitamente
principalmente nos países de missão a revista mensal internacional 30Dias e o
pequeno livro Quem reza se salva, assim como para atender aos pedidos de caridade.
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Novos beatos
Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 30 de maio de 2010: beatificação de madre Pierina
Madre Pierina e o Rosto de Jesus
História de uma freira que, entre a Argentina, Milão e Roma,
viveu a fé como um olhar para o doce Rosto de Jesus
de Davide Malacaria
o andar térreo, onde está
instalada a creche, sobem
os gritos das brincadeiras
das crianças. Aqui, no andar de cima, habita o silêncio e a oração. E
há uma certa harmonia secreta,
que liga o silêncio deste andar que
hospeda as celas das freiras às
brincadeiras das crianças que se
sucedem embaixo. Como coisas
que se entrelaçam, se atravessam,
remetem uma à outra neste canto
do mundo que fica no coração de
Roma. Cercado de verde, o Instituto do Espírito Santo se encontra
em Testaccio, bairro que é um
pouco o símbolo da romanidade, e
hospeda as Filhas da Imaculada
Conceição de Buenos Aires. A essa congregação pertencia madre
D
46
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Pierina De Micheli, de nome secular Giuseppina, proclamada beata
em 30 de maio de 2010. Suas coisas ainda estão aqui, no primeiro
andar, naquele que foi por anos o
seu quarto: bem dispostas, arrumadas, expostas como uma pequena mostra. Quem nos leva a vêlas é uma freira, que nos aponta
uma urna ao lado da porta do quarto, na qual se conservam objetos
que lembram as atenções conferidas à beata ao longo de sua vida,
entre as quais se destaca a pequena imagem de cerâmica do Menino Jesus, que, explica a nossa
acompanhante, parece tê-la abraçado. Em frente, uma outra urna
conserva recordações mais obscuras: seu crucifixo despedaçado, os
restos de um cobertor queimado;
objetos que foram encontrados em
sua cela e que, explicam as irmãs,
testemunham o ódio feroz que o
diabo tinha por ela. Poucos passos
bastam para chegar ao fim do corredor, e eis que se abre a pequena
capela do instituto, em que repousa o corpo da beata, ainda aqui, no
meio de suas irmãs. À frente do
sarcófago puseram um genuflexório, para os devotos que vêm de todos os cantos de Roma para rezar
a ela. O túmulo fica num nicho lateral, de modo que mesmo agora,
depois de morta, parece que a madre obedece à pequena regra à
qual se conformou em vida, a de
manter-se oculta ao mundo, junto
de Jesus, perto de Jesus.
Giuseppina De Micheli é romana de adoção, pois na verdade nasceu em Milão em 1890, última de
uma prole numerosa, que dará à
Igreja outras duas religiosas, Teofila
e Luigia, e um sacerdote, padre
Riccardo. Para contar sua vida,
marcada desde a infância por uma
especial amizade com Jesus, usaremos uma carta que ela mesma escreveu ao papa Pio XII em 1943,
por ocasião de uma visita ao trono
de Pedro. Escreve a beata: “Eu tinha doze anos quando, na SextaFeira Santa, esperava em minha
paróquia a minha vez de beijar o
crucifixo, e ouço uma voz distinta
que diz: ‘Ninguém me dá um beijo
de amor no rosto, para reparar o
beijo de Judas?’ Acreditei, na minha inocência de menina, que todos ouvissem a voz, e fiquei com
muita pena, vendo que continuavam a beijar as chagas e que nin-
guém pensava em beijá-lo no Rosto. Eu darei o beijo de amor, Jesus,
tenha paciência. Na minha vez,
apliquei-lhe um forte beijo no Rosto, com todo o ardor do meu coração. Eu estava feliz, acreditando
que Jesus, agora contente, não sofreria mais aquela pena”. Desde
então, o rosto de Jesus foi objeto
de devoção profunda de Giuseppina. “A partir daquele dia”, escreve
ainda na carta, “o primeiro beijo no
crucifixo era em Seu Santo Rosto”.
Quando era adolescente, gostava de ensinar o catecismo às crianças e corria para acompanhar o sacerdote quando este ia administrar a
extrema-unção aos moribundos,
pois, como ela mesmo explicava
quando lhe perguntavam, é bonito
acompanhar uma alma rumo ao Paraíso. Ninguém sabe muito bem
quando foi que floresceu nela a vocação à vida consagrada: talvez duAbaixo, o túmulo de madre Pierina;
à esquerda, o seu quarto
rante a vestição de uma de suas irmãs, talvez antes. O certo é que desde menina sentiu-se de alguma forma atraída para isso e, ao mesmo
tempo, atemorizada. Quando alguém lhe perguntava, respondia
evasiva. Numa carta, padre Riccardo, o irmão sacerdote a quem Giuseppina apegou-se muito, depois da
morte dos pais, ironizaria essa sua
hesitação, escrevendo: “Para você,
as freiras devem vir do outro mundo”. Passam alguns meses e o sacerdote conhece religiosas que acabam de chegar a Milão: pertencem
à congregação das Filhas da Imaculada Conceição, e sua casa generalícia fica em Buenos Aires. Não lhe
resta senão comunicar à irmã mais
nova que as freiras do outro mundo
tinham finalmente chegado... Vencendo as últimas hesitações, Giuseppina entra na congregação e se
torna irmã Maria Pierina.
Depois de um intenso período
de formação, é enviada à Argentina, onde toma os votos perpétuos.
No final de 1921, volta à Itália, para
a casa que as irmãs abriram em Milão, onde, com o tempo, se torna
superiora. Nesse período, a amizade com Jesus, que lhe apareceu outras vezes, se torna mais cara e familiar. Escreve na carta enviada ao
Papa: “Seu olhar era tudo para
mim. Nós nos olhávamos sempre e
fazíamos competições de amor. Eu
Lhe dizia: ‘Jesus, hoje eu te olhei
mais’; e Ele: ‘Prova-me, se puderes’. Eu O fazia lembrar as muitas
vezes que olhava para ele sem nem
sentir, mas Ele sempre vencia”.
É nesse clima que acontece um
outro episódio importante da vida
da beata, que é também motivo
principal deste artigo. Assim o
conta, na carta a Pio XII: “Em 31
de maio de 1938, quando rezava
na capelinha de meu noviciado,
uma Bela Senhora se apresentou a
mim: tinha nas mãos um escapulário formado por duas flanelinhas
brancas, unidas por um cordão.
Uma flanelinha trazia a imagem da
Santo Rosto de Jesus, a outra uma
hóstia cercada por um feixe de
raios. Aproximou-se e me disse:
‘Ouça bem e conte tudo exatamente ao padre. Este escapulário é
uma arma de defesa, um escudo de
fortaleza, uma promessa de amor
e de misericórdia que Jesus quer ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
47
Novos beatos
oferecer ao mundo nestes tempos
de sensualidade e de ódio contra
Deus e a Igreja. Estendem-se redes
diabólicas para arrancar a fé dos
corações, o mal se expande, os
verdadeiros apóstolos são poucos,
é necessário um remédio divino e
este remédio é o Santo Rosto de
Jesus. Todos aqueles que usarem
um escapulário como este e, podendo, fizerem toda terça-feira
uma visita ao Santíssimo Sacramento para reparar os ultrajes que
recebeu o Santo Rosto durante a
Sua Paixão e que recebe todos os dias no sacramento eucarístico, serão fortalecidos
na fé, estarão prontos a defendê-la e a superar todas as
dificuldades internas e externas, e ainda terão uma morte
serena sob o olhar amável do
meu Divino Filho’”.
A madre torna-se assim solícita promotora da devoção
do Santo Rosto de Jesus, a
qual logo se difunde como
uma mancha de óleo ao redor
do Instituto. Infelizmente,
muito cedo percebe que não é
fácil difundir escapulários.
Tem assim a ideia de cunhar uma
medalha que reproduza em suas faces o que é pedido por Nossa Senhora. Uma ideia que logo obtém o
conforto divino: numa outra aparição, a Bela Senhora lhe garantirá
que as medalhas serão acompanhadas pelas mesmas promessas já expressas para os escapulários.
Em busca de uma imagem para
a medalha, madre Pierina se depara com uma fotografia do Sudário
que reproduz o Rosto de Jesus, tirada por Giovanni Bruner. Uma
imagem um tanto conhecida em
Milão, já que o fotógrafo a dera de
presente ao arcebispo da cidade, o
bem-aventurado cardeal Ildefonso
Schuster, o qual, por sua vez, a entronizou com máxima devoção numa igreja dedicada ao Santo Rosto. Infelizmente, fica difícil a produção das medalhas, por uma série
de problemas de ordem econômica e burocrática, que parecem insuperáveis à pobre freira. Procura
a ajuda de seu orientador espiritual, o jesuíta padre Rosi, que responde que confie na Providência.
Acolhe a sugestão, mas não fica
muito confortada.
48
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Giuseppina De Micheli (à esquerda),
com uma irmã (no centro) e uma prima
A paróquia de São Pedro em Sala,
onde Giuseppina De Micheli foi
batizada em 11 de setembro de 1890
Argentina, madre Pierina, postulante
junto às Filhas da Imaculada Conceição
de Buenos Aires, está atrás
de dom Mariano Antonio Espinosa,
arcebispo de Buenos Aires
Nesse meio-tempo, em setembro de 1939, é enviada a Roma
com o cargo de superiora regional,
para viver na nova casa que a Congregação conseguiu abrir na capital graças, também, a sua incansável supervisão. É ali que encontra o
abade Ildebrando Gregori (cujo
processo de beatificação está em
andamento), da congregação dos
monges beneditinos silvestrinos,
que se torna seu novo orientador
espiritual e seguro conforto para o
resto da vida. E é ali que, finalmente, consegue reproduzir as medalhas que lhe são tão caras. Graças
também a um pequeno prodígio.
Na carta ao Papa já citada, madre
Pierina conta assim o episódio:
“Escrevi ao fotógrafo Bruner para
obter dele a permissão de usar a
imagem do Santo Rosto tirada por
ele e a obtive. Apresentei à Cúria
de Milão o pedido de permissão,
que me foi concedida em 9 de
agosto de 1940. Encarreguei a
empresa Johnson do trabalho, que
foi demorado, pois Bruner queria
verificar todas as provas. Poucos
dias antes da entrega das medalhas, encontro na mesa do meu
quarto um envelope, observo e vejo 11.200 liras. A conta dava exatamente aquela soma. As medalhas foram todas distribuídas gratuitamente e repetiu-se outras vezes a mesma Providência para outras encomendas; e a medalha se
difundia, realizando insignes graças. [...] O inimigo tem raiva disso
e perturbou e perturba de muitas
formas. Mais de uma vez, durante
Madre Pierina (à direita) com a
superiora-geral Filomena Bragonzi,
diante do Instituto Espírito Santo,
em construção
a noite, jogou as medalhas no chão
pelos corredores e pelas escadas,
quebrou imagens, ameaçando e
pisoteando”.
Nessa última parte da carta, a
madre faz menção às duríssimas
provações que enfrentou por obra
do demônio. Provações que ela
não deixa transparecer de modo
algum, mas que anota diligentemente em seu diário, obedecendo
a uma disposição precisa do abade
Gregori. Suas dificuldades são acolhidas com letícia, pelo bem das almas (“alegro-me nos sofrimentos
que tenho suportado por vós e
completo, na minha carne, o que
falta às tribulações de Cristo em favor do seu Corpo que é a Igreja”,
Cl 1,24). Uma extraordinária força
de vontade? Mais simplesmente, e
de modo mais realista, o testemunho de uma graça singular e de um
igualmente singular abandono a
Deus. Não é ela que combate e que
vence: “Jesus venceu em mim” é a
frase que aparece com maior frequência nas páginas do diário. E é
o próprio Jesus, anota ainda em
seu cader no em fevereiro de
1942, que lhe explica: “Fica tranquila, que eu mesmo conservei teu
coração puro, sem nenhum mérito
teu, para fazê-lo objeto de meus
deleites”. Nesse abandono, acompanhado e confortado por “delícias do paraíso”, escreve: “Como
sinto o meu nada e a minha miséria diante de tamanha bondade! É
tão bom sermos pequeninos, incapazes de tudo...”
Um abraço que permitirá a madre Pierina resplandecer de fé, esperança e caridade mesmo nos
anos da guerra, durante os quais
tira o pão da própria boca para
dar de comer aos famintos e desdobra-se para difundir as medalhas que representam a face de Jesus. A propósito disso, o abade
Gregori, testemunhando no processo de beatificação, recorda como “algumas delas chegaram até
pessoas condenadas à morte e
perseguidos políticos, e nenhum
desses condenados à morte teve a
sentença executada”.
Tão logo termina a guerra, a
madre decide viajar para o norte da
Itália, para voltar a abraçar suas irmãs, que o conflito havia isolado de
Roma. Parte em junho de 1945 e,
depois de uma breve parada em
Milão, vai para a casa de Centonara d’Artò, onde algumas noviças a
esperam para tomar os votos. E é
aqui que, esgotada pelo cansaço da
viagem, adoece gravemente. Outras vezes, no passado, tinha-se curado prodigiosamente de graves
doenças, como lembra o abade
Gregori, algumas vezes depois de
lhe solicitar que rezasse por sua
saúde. É o que parece destinado a
repetir-se também nessa ocasião: o
abade, informado da situação, envia-lhe um telegrama, assim formulado: “Em virtude da santa obediência, cure-se em três dias”. Mas, infelizmente, ocorre um desvio e a
mensagem chega tarde demais: às
11 horas do dia 27 de julho. Madre
Pierina morrera à noite.
Em vez de recordar a beata no
dia de sua morte, o dies natalis, como se diz canonicamente, a Igreja
optou pelo dia de seu nascimento (e
do batismo): 11 de setembro. No
quarto que preserva as suas coisas,
as irmãs puseram uma placa em
que está escrito um pensamento da
beata: “É tão reconfortante repetir:
eu sou nada, Ele é tudo; eu não posso nada, Ele pode tudo”. É mais fácil o abandono, como o das crianças do andar de baixo, que, com
suas brincadeiras, participam da
alegria do Paraíso. Pois, “se não vos
tornardes como crianças...”
q
A medalha do Santo Rosto de
Jesus, à qual, segundo o que foi
revelado por madre Pierina,
estão ligadas promessas celestes. Ainda hoje as Filhas da Imaculada Conceição de Buenos
Aires difundem essas medalhas
e, por meio delas, a devoção ao
Santo Rosto de Jesus
Arte cristã
Livres e simples.
As igrejas
segundo Montini
quele 6 de janeiro de 1955
era um dia frio e chuvoso. Era
a data fixada para a entrada
do novo arcebispo de Milão na cidade. Apesar das condições do tempo, Giovanni Battista Montini quis
fazer o trajeto que o esperava até o
Domo em carro aberto, para acolher a saudação de seus fiéis. Um
momento que o arcebispo lembraria com precisão muito tempo depois: “Quando, já há quase sete
anos, cruzando os limites da diocese, pusemos os pés nesta terra bendita, nós nos curvamos – estava fria
e molhada – para beijá-la; ainda hoje queremos que a caridade daquele
beijo esteja em nossos esforços”.
Sete anos depois. Era 12 de novembro de 1961 e Montini encerrava
assim o discurso com que lançava a
sua diocese na empreitada de construir em poucos anos outras 22 novas igrejas. “Milão cresce, cresce;
continuamente, rapidamente, para
além de qualquer previsão, para
além da nossa já tensa e sofrível
possibilidade de estar devidamente
à altura, com a assistência pastoral,
das necessidades dos novos bairros...”, explicava aos fiéis.
Só no ano anterior tinham chegado do sul do país sessenta mil
pessoas, que se iam instalando “em
novas regiões habitadas, em plena
expansão”. Cresciam e se multiplicavam os edifícios, as ruas iam-se
estendendo, mas aos olhos do bispo aquela nova Milão corria o risco
de acabar por ser como um deserto
em que os homens ficassem abandonados a si mesmos. A preocupação de Montini é simplesmente a
do pastor por seus fiéis; não há nela nenhum desejo de garantir a hegemonia “cultural” nos novos bair-
A
50
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Giovanni Battista Montini durante a deposição
da pedra fundamental da igreja de São Miguel Arcanjo
in Mater Dei, na região da avenida Monza, Milão, em 1961
ros: “Sentimos o dever de concorrer sem descanso e sem queixas,
com civil e cristã solidariedade, para o desenvolvimento excepcional
da nossa metrópole, oferecendolhe a assistência religiosa e moral
de muitas novas paróquias”. Depois, uma observação amarga: “Esperávamos, é verdade, que Milão,
com suas históricas e grandes paróquias e com seu coração cristão e
sensível, se empenhasse mais e
prestasse mais copioso socorro; e
acreditávamos também que Milão,
grande e rica, favorecida agora por
uma feliz conjuntura econômica,
pudesse tornar mais rápido e feliz o
nosso caminho”. No entanto, isso
não aconteceu; toda a dificuldade
para angariar recursos e pôr em
prática aquele amplo plano caiu sobre suas costas: “Mas não nos dará
desgosto trabalhar, fazendo da nossa pobreza motivo de confiança na
Eram os anos da grande imigração. Pouco
depois de nomeado arcebispo de Milão,
Montini chamou os maiores arquitetos da
época para a construção das novas igrejas.
Com coragem e devoção
de Giuseppe Frangi
A igreja paroquial de São Francisco de Assis, em Fopponino, Milão, construída no princípio da década de 1960,
com projeto de Gio Ponti
Providência e nos homens, seus
ministros”.
Ao longo de seus oito anos e
meio em Milão, Montini iniciou
obras, e em grande parte concluiu,
em nada menos que 135 igrejas em
toda a diocese. Uma estratégia lançada por seu predecessor, o cardeal
Schuster, e que o futuro Papa perseguiu sentindo toda a urgência daque-
le momento histórico. A Igreja abria
uma nova terra de missão nesses novos e imensos aglomerados que surgiam nas periferias das cidades. Era
um percurso duro, pois, antes de obter os meios para construir as novas
igrejas, os párocos viviam acampados, às vezes em condições piores
que as de seus fiéis. “Tenho orgulho
de vocês”, disse-lhes Montini em
1962, “orgulho por ter sacerdotes
que aceitam a vida pastoral nas condições em que vocês o fazem, que
aceitam como uma honra viver em
condições de risco, com responsabilidades formidáveis, sem meios, quase mendicantes em alojamentos
provisórios e incômodos. Vocês se
lembrarão destes dias quando tiverem sua igreja e a paróquia estiver ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
51
Arte cristã
À direita e acima, duas imagens da igreja
paroquial de São Lucas Evangelista,
na divisa com Lambrate, Milão, construída
na segunda metade da década de 1950,
com projeto de Gio Ponti
formada... esta é a sua sorte: poder
criar livremente a sua paróquia, dando importância ao que é essencial na
vida religiosa, o dogma”.
Naquele advérbio “livremente”
está toda a maneira como Montini
encara o desafio das novas igrejas.
Na Milão que naqueles anos contava
com alguns dos maiores talentos da
arquitetura europeia, o arcebispo
decide dar-lhes crédito e confiar a
eles alguns importantes projetos. Diferentemente de seu predecessor,
Montini enfim optava por abrir-se à
modernidade. Suas expectativas
eram elevadas: “A arte se presta às
edificações. Este aparecimento da
arte no limiar das nossas obras nos
enche de emoções”. Mas eram também claras as suas recomendações:
“Queremos apresentar uma arquitetura livre, segundo a inspiração moderna, mas contida numa sã democracia da construção civil: não é tempo de fazer monumentos, mosaicos,
decorações dispendiosas. É tempo
de salvar, com construções simples,
a fé do nosso povo” (1961).
O primeiro edifício consagrado
por Montini, um ano depois de sua
entrada na cidade, parece propor-se
como encarnação dessas suas recomendações. A igreja de Nossa Senhora dos Pobres, no coração de um
novo bairro operário perto de Baggio, foi encomendada à dupla de arquitetos Luigi Figini e Gino Pollini,
que tinham ficado famosos no mundo todo pelos edifícios criados para a
Olivetti, em Ivrea, e por todas as
52
30DIAS Nº 1/2 - 2011
construções relacionadas às dependências da empresa, desde as casas
para os funcionários até as creches.
Figini e Pollini eram herdeiros do racionalismo italiano e, para Nossa
Senhora dos Pobres, no coração daquele bairro de “casas mínimas”,
construíram uma igreja de uma simplicidade extrema, a custos reduzidos, com uma estrutura em cimento
armado. Na fachada em duas águas,
com um frontão apenas delineado,
os dois arquitetos inseriram grandes
intercalações de cerâmica lombarda,
como elemento extremamente simples de decoração.
O edifício foi dedicado a uma
Nossa Senhora que tinha aparecido
em 1933, em Banneux, na Bélgica,
a uma menina, Mariette Beco. Em
1942, com confirmações em 1947
e 1949, a Igreja reconhecera a aparição. Em 1949, os mineiros de Limbourg quiseram presentear “os trabalhadores de Baggio” com uma cópia da imagem de Nossa Senhora de
Banneux, que ainda hoje é venerada
na nave esquerda da igreja. O edifício de Figini e Pollini é de um equilíbrio extraordinário, sem se dar ao luxo de nenhuma futilidade. É quase
rude, na sua nudez, mas comove pelo derramamento inesperado da luz,
que chove do alto sobre o presbitério: um cibório quadrado, fechado
na parte superior por uma grade de
A igreja paroquial de Nossa Senhora dos Pobres, em Baggio, Milão,
construída na primeira metade da década de 1950, com projeto dos arquitetos
Luigi Figini e Gino Pollini. Foi o primeiro edifício consagrado por Montini
MILÃO. Cento e trinta e cinco canteiros de obras para as novas igrejas
vidros também quadrados, é a única
concessão feita pelos arquitetos, para chamar a atenção, sem ênfase,
para a centralidade do altar e do tabernáculo. Uma solução a que os
dois arquitetos recorreram também
em outra igreja que projetaram, a
dos Santos João e Paulo, em Affori.
E é comovente também sua opção
de cercar o próprio presbitério com
um muro hexagonal pintado de rosa, quase como reflexo da preciosidade daquilo a que aquele lugar é
destinado.
Já no ano seguinte Montini vai
consagrar a igreja mais audaciosa e
mais discutida. Em Baranzate, município em grande crescimento, logo
ao norte de Milão, uma outra dupla
de arquitetos famosos, Angelo Mangiarotti e Bruno Morassutti, apoiados na experiência de um grande engenheiro estruturalista, Alvo Favini,
projetaram uma “igreja de vidro”.
Quatro pilares ligeiros sustentam um
grande teto plano pré-fabricado, que
parece leve e suspenso. Ao redor, as
paredes são superfícies ininterruptas
de vidros recobertos por folhas branquíssimas de isopor. “É possível que
o seu bispo abençoe uma igreja como esta?”, disse Montini durante a
pregação da missa pela consagração
da igreja, em 1957. “É possível, porque eu percebo na nova construção
um profundo simbolismo, que chama a atenção para a essência da casa do Senhor, lugar de reunião onde
os homens elevam a sua mente a
Deus e se encontram como irmãos.
Esta igreja de vidro tem de fato uma
linguagem sua, que pode ser extraí-
A igreja paroquial
dos Santos João
Batista e Paulo,
em Milão,
construída na
segunda metade
da década de 1960,
com projeto
dos arquitetos
Luigi Figini
e Gino Pollini
da do Apocalipse, em que está dito:
‘Vidi civitatem sanctam descendentem de coelo’; as suas paredes – continua o Apocalipse – eram de cristal”. Mas Montini vai além, e defende o critério que levou a encomendar a arquitetos de vanguarda a nova
paróquia dedicada a Nossa Senhora
da Misericórdia: “A Igreja representa ainda uma novidade, e a novidade
pertence ao conjunto das coisas sagradas: a religião, quando é viva,
não só não exclui a novidade, mas a
quer, a exige, a busca, sabe extraí-la
da alma. ‘Cantate Domino canticum
novum’, diz a Escritura. E eu estou
aqui para estender os braços a todas
as novidades que a arte me dá. Não
tenho nenhuma prevenção contra
as novidades, desde que a novidade
não seja um capricho”.
Não há apenas arquitetos racionalistas no time chamado ao trabalho por Montini. Há também os de
cultura novecentista, com uma vocação monumental mais forte. Com
Montini, porém, eles aceitam aterse a uma necessária simplicidade.
Entre eles está Giovanni Muzio, arquiteto que fizera seu nome durante
o fascismo, e que entre 1956 e
1958 trabalharia nas obras da igreja
de São João Batista de Argila, em
Giambellino: um edifício baixo, com
uma fachada toda em cerâmica,
com gregas compostas por tijolos,
motivos decorativos muito delicados. Acima, um alpendre livre e surpreendentemente apontado para o
alto protege a entrada dos fiéis.
Mais do que Muzio, porém, coube nas obras de Montini um papel
importante para Gio Ponti, arquiteto e designer mundialmente consagrado, que em dez anos construiu
três igrejas em Milão. A primeira, a
de São Lucas, entre 1955 e 1960,
fica às margens de Lambrate. Uma
igreja extremamente simples, encaixada entre os novos edifícios, com
pouquíssimo espaço ao redor. Por
isso, Ponti decidiu elevá-la em alguns metros em relação ao nível da
rua e projetou uma fachada côncava, protegida por um grande alpendre, que dá a ideia de uma grande cabana aberta para a cidade. A fachada é coberta por lajes em grés cerâmico, elemento pobre valorizado
simplesmente pela forma de diamante desenhada por Ponti. O interior é belíssimo e iluminado, com
uma ampla parede de fundo pintada
com faixas brancas e azuis, como a
evocar a memória do românico lombardo. Alguns anos depois, Ponti foi
chamado para as obras de uma paróquia, que era a sua paróquia, situada numa região mais central, Magenta: São Francisco de Fopponino
é um projeto mais ambicioso, com
medidas mais amplas, particularmente na altura da nave. O moti- ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
53
Arte cristã
Duas imagens da igreja paroquial
de Nossa Senhora da Misericórdia,
em Baranzate, Milão, chamada também
de “a igreja de vidro”, construída
em 1957, com projeto dos arquitetos
Angelo Mangiarotti e Bruno Morassutti
e do engenheiro Aldo Favini
vo do diamante renova-se por toda portas de Milão, o quartel-general da
parte, desde as pequenas chapas la- empresa petrolífera ENI. Quando
jotas até as grandes janelas (algumas Mattei morreu em 1962, em cirabertas simplesmente para o céu) e cunstâncias trágicas e ainda misteo portal. Mas tudo sempre mantido riosas, Montini assumiu a presidênnos trilhos de uma sobriedade fran- cia do Comitê e chamou Ignazio
ciscana. Foi uma obra que Montini Gardella, outro grande nome da arestimou muitíssimo e que visitou três quitetura milanesa, para projetar a
vezes, a partir da cerimônia de depo- igreja “da aldeia” de San Donato. Ao
sição da pedra fundamental, em 4 dedicar a igreja a Santo Henrique,
de maio de 1961 (“Para que aqui rei- Montini quis fazer uma homenagem
ne a verdadeira fé, o temor
de Deus e o amor aos irmãos”, mandou escrever
no pergaminho que foi inserido na cavidade dessa
pedra). Gio Ponti, em seguida, construirá outra belíssima igreja, a do hospital
São Carlos, dedicada a
Santa Maria Anunciata:
um edifício sugestivo, com
o estilo longo e inclinado
próprio de um navio.
No grande esforço para
dotar Milão das igrejas de
que precisava, Montini deu
uma tarefa estratégica ao
Comitê das Novas Igrejas,
para cuja presidência chaO cardeal Montini, arcebispo de Milão,
mou Enrico Mattei, que nacom Enrico Mattei, chamado pelo próprio Montini
queles anos estava consa presidir o Comitê das novas igrejas
truindo em San Donato, às
54
30DIAS Nº 1/2 - 2011
a Mattei. Como verdadeira igreja de
aldeia, Gardella concebeu um edifício de uma humildade extrema, com
nave única e em forma de grande cabana protegida por um teto baixo e
muito prolongado. As paredes de cimento armado são ornadas por um
simples motivo decorativo linear de
pedras brancas, que percorre a igreja
em todo o seu perímetro, por dentro
e por fora. E por dentro a luz chove
do alto de duas janelas contíguas, que garantem harmonia, ritmo e leveza.
Em 23 de maio de
1963, Montini estava presente em mais uma das
muitas cerimônias de deposição da pedra fundamental de uma nova igreja, a de São Gregório Barbarigo, em Barona. Seria a
última, pois dali a poucas
semanas, em 21 de junho,
era eleito papa. Estamos
aqui, disse, “comovidos
pela sorte que nos é dada
de presentear a nossa cidade com um templo novo, de criar em seu seio,
dentro de seus limites,
uma família espiritual de
um povo bom”.
q
Liturgia
O altar
El transparente (1730),
obra do escultor
Narciso Tomé,
na Catedral de Toledo
Moçárabe, ou seja,
“entre os árabes”
Entrevista com dom Juan Miguel Ferrer Grenesche, subsecretário
da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
sobre o rito litúrgico que nasceu no século IV na península ibérica,
particularmente na região do antigo reino visigodo de Toledo.
O rito não apenas preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo,
mas foi praticado também durante os séculos de dominação árabe.
Tendo chegado até o nosso tempo, com seu riquíssimo patrimônio
de orações para a celebração da missa, sua história é também uma aula
de inculturação da fé numa área geográfica específica
56
30DIAS Nº 1/2 - 2011
História e valor do antigo rito hispano-moçárabe
de Roberto Rotondo
odos os dias, na Catedral de
Toledo, na Espanha, é celebrada a missa e são rezadas as
laudes de acordo com o antiquíssimo rito hispano-moçárabe. É uma
liturgia da Igreja Católica que nasceu no século IV, na península ibérica – mais precisamente nas regiões pertencentes ao antigo reino
visigodo de Toledo – que não só
preservou a fé do povo, defendendo-a do arianismo, mas foi praticada também durante os séculos de
dominação árabe (moçárabe significa “entre os árabes”). Tendo chegado até o nosso tempo, com seu
riquíssimo patrimônio de orações
T
para a celebração da missa, sua história é também uma aula de inculturação da fé numa área geográfica
específica, a ponto de, na opinião
de muitos, não ser possível entender as raízes espirituais da Espanha, sobretudo da devoção mariana espanhola, sem levar em consideração esse rito antiquíssimo.
Pedimos a dom Juan Miguel
Ferrer Grenesche, doutor em Liturgia, subsecretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, maior especialista em rito moçárabe, que
nos desse as coordenadas desse tesouro litúrgico. Dom Juan Miguel,
A igreja visigoda de São Pedro da Barca,
na localidade de Campillo,
a 19 quilômetros de Zamora: construída
em 680, representa o ponto mais alto
da arte visigoda na Espanha. A igreja foi
reconstruída em 1930 para evitar que
ficasse submersa depois da formação
de uma barragem
nascido em Madri em 1961 e ordenado sacerdote em Toledo em
1986, antes da nomeação para a
Cúria Romana foi vigário-geral da
Arquidiocese de Toledo.
A Anunciação, miniatura moçárabe. Tratado de Santo Ildefonso sobre a virgindade
de Maria, fol. 66
Dom Juan Miguel, por que o
rito moçárabe é tão precioso?
JUAN MIGUEL FERRER GRENESCHE: Pelas características distintivas da liturgia eucarística, que
são a tendência à conservação das
formas antigas, a simplicidade dos
ritos iniciais, a abundância de “antífonas e cantos fixos” ou quase fixos, como, por exemplo, o canto
da paz, o canto “ad accedentes”
para a comunhão, a antífona para
a oração depois da comunhão, a
bênção em preparação para a comunhão, o calendário fortemente
cristocêntrico e com grande preponderância das celebrações dos
mártires.
Fala-se frequentemente da
grande variedade eucológica
do rito moçárabe, ou seja, do
grande número de orações eucarísticas...
Se em Roma algumas partes da
oração eucarística são variáveis,
na Espanha essa é a característica
de toda a oração eucarística, das
orações e das exortações do Ordo
Missae. Mas um outro elemento é
o caráter iniciático-participativo.
O povo participa constantemente,
sobretudo ouvindo as orações
(normalmente longas, mas seguindo estruturalmente regras de re- ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
57
Liturgia
“Será entre 589, data em que é celebrado o Concílio de Toledo III,
e 711 que se dará a época de ouro do rito já então conhecido como
‘hispano’. Efetivamente, entre 589 e meados do século VII temos
o período da grande composição dos textos e da codificação em livros,
de modo que, já depois do Concílio de Toledo IV (633),
podemos falar de uma definição solene e completa do rito”
tórica precisas, para chegar, não
apenas a Deus, mas também ao
povo), mas também com aclamações e cantos (especialmente com
o Amém, pronunciado 33 vezes
em cada missa, e com o Aleluia).
Nesse mesmo sentido deve ser
entendida a forma solene da fração
do pão – na qual a sacra espécie é
subdividida em nove partes, que
são depositadas em forma de cruz
na patena, ao mesmo tempo em
que são retomados os principais
momentos do mistério de Cristo –
ou a forma da recitação cadenciada do Pai Nosso feita pelo sacerdote, com sucessivos Amém do povo
depois de cada frase.
Um último elemento distintivo
do rito moçárabe é a integração de
elementos de outras tradições litúrgicas. O gosto pela conservação de suas formas antigas não
impediu ao rito que acolhesse, ao
longo dos séculos, contribuições
de diferentes partes do mundo
cristão, sem perder de vista, todavia, os seus elementos originais: a
influência, muito provável, do
canto e do cerimonial bizantino –
amplamente testemunhada numa
extensa região da península, de
Múrcia a Málaga, entre o fim do
século VI e o fim do século VII – ou
a acolhida de elementos litúrgicos
alexandrinos – entre os quais a
oração eucarística –, que provavelmente vieram de Roma e de Milão nos tempos de Santo Ambrósio e de São Leão Magno; a acolhida de algumas romanizações
progressivas, sobretudo a partir
do século XI, como o Glória, a
oratio post Gloriam, a Completuria e as sucessivas assimilações
das rubricas e da arte litúrgica.
A que se deve essa riqueza?
Ao fato de os Padres da Igreja
hispânica, mesmo escrevendo
58
30DIAS Nº 1/2 - 2011
grande número de tratados (entre
os quais os de Isidoro de Sevilha,
Paciano de Barcelona, Ildefonso e
Julián de Toledo), terem preferido
concentrar seu ensino não em
obras teológicas, que naquela época teriam sido usadas por poucos,
mas na liturgia, da qual todo o povo se beneficiaria. É daí que vem a
redação de um patrimônio eucológico de valor teológico e espiritual
ria; o valor e a grandeza da vida
monástica sem desprezo pelo matrimônio; a clara presença do Espírito Santo na vida e no culto da
Igreja. Entre os mestres que mais
influenciaram seu pensamento devem ser citados São Jerônimo,
São Leão Magno, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Gregório Magno.
Quais foram as etapas his-
Acima, monges beneditinos cantam usando o rito moçárabe no coro do mosteiro
de Sahagún, perto de León
extraordinário e que dificilmente
será superado. Os grandes eixos
teológico-espirituais de suas obras
litúrgicas são a vitória sobre o paganismo e a superioridade da verdade e do culto cristãos; a vida como “sequela Christi”, segundo o
exemplo dos mártires; o equilíbrio
entre ascese e amor pela criação,
ante as afirmações priscilianistas;
a afirmação indiscutível da divindade e da humanidade de Cristo,
contra o arianismo e as reminiscências docetistas, além de uma
fortíssima piedade mariana centrada na maternidade virginal de Ma-
tóricas fundamentais no desenvolvimento do rito moçárabe?
O período de ouro se dá entre
os séculos VI e VIII, mas eu partiria do início do século IV, com
dois episódios que para mim são
de máxima relevância, pelo que
concerne ao processo de cristianização dos povos hispânicos: o
primeiro é o Concílio de Elvira
(306), perto da atual Granada,
que reuniu muitos bispos da região, mas também de dentro da
península, como Melâncio, bispo
de Toledo, a antiga capital da Car-
À esquerda, a Natividade, antifonário
moçárabe da Catedral de León
petana, onde a fé já estava arraigada e a estrutura eclesial estabelecida em todos os seus elementos. O segundo: a comemoração
dos mártires. Como em outras
partes do Império, sob Diocleciano as comunidades cristãs já consolidadas se encheram de mártires
e superaram essa forte provação
dando testemunho de constância
e firmeza na fé, pouco antes de
obter a “tolerância” e, dentro de
pouco tempo, a “oficialidade”.
O século IV é importante porque é o século do nascimento das
“escolas exegético-teológicas”, e
será também o das grandes controvérsias doutrinais e dos estatutos conciliares, que antecipam o
nascimento, no século seguinte,
das liturgias escritas e mais adiante
ainda dos livros litúrgicos propriamente ditos. De fato, o século V
será o da literatura teológica e pastoral, das grandes codificações
conciliares e do nascimento dos
“ritos” como expressões globais
da fé, com uma tradição exegéticoteológica, um ordenamento canônico-disciplinar, uma espiritualida-
de e alguns livros litúrgicos próprios, dando lugar a uma fase de
desenvolvimento em que convergem todos os elementos de um autêntico processo de inculturação
da fé nos diferentes contextos do
mundo antigo. Assim aconteceu
também na Hispania romana.
O que mudou com as invasões bárbaras?
As invasões bárbaras, ou melhor, a gradual passagem do poder
político e social no Império Romano do Ocidente para as mãos dos
novos povos, interrompeu ou
freou esse processo nas diferentes
regiões geográficas. Mas o problema não foi tanto o fato de os bárbaros destruírem tudo, e sim o de
terem reaberto a questão ariana.
Além disso, fragmentando a unidade política do velho Império, provocaram migrações de povos que
levaram a uma decadência econômica, com repercussões sobre as
forças intelectuais e artísticas, que
freou a publicação de livros e a
construção de igrejas.
A questão ariana, no início, pôs
os bispos católicos hispânicos em
forte dificuldade, pois os reis visigodos a que estavam submetidos
davam cada vez mais espaço e
proteção aos bispos arianos, que
dividiam as comunidades e podiam levar o povo a perder a verdadeira fé. Esse, porém, foi também um momento de reflexão para os bispos católicos, que, depois
A igreja visigoda de Santa María
de Quintanilla de las Viñas,
Burgos, Espanha
da conversão dos reis visigodos ao
catolicismo, começaram a compor textos litúrgicos justamente
para que a passagem do povo do
arianismo para o catolicismo fosse uma conversão real e a verdadeira fé pertencesse a todos, visigodos e hispano-romanos. Foi esse o gatilho que fez desencadear o
processo de formação do rito, e
neste ponto é preciso falar sobretudo de Ildefonso de Toledo, que
compôs muitas missas e celebrações para a Liturgia das Horas,
mas desenvolveu também toda
uma pietas em torno de Maria
Virgem e Mãe – Virgem porque
mãe de Deus e mãe porque mãe
de Cristo Jesus. Isso também contra a heresia ariana, que negava a
divindade de Jesus.
Mas será entre 589, data em
que é celebrado o Concílio de Toledo III, e 711 que se dará a época de
ouro do rito já então conhecido como “hispano”. Efetivamente, entre 589 e meados do século VII temos o período da grande composição dos textos e da codificação em
livros, de modo que, já depois do
Concílio de Toledo IV (633), podemos falar de uma definição solene
e completa do rito, num processo
que se prolonga até a sua supressão, no Concílio de Burgos do ano
de 1080.
É um período histórico quase todo marcado pela dominação árabe. Como o rito moçárabe pôde sobreviver e desenvolver-se?
É difícil dar uma resposta geral, pois a situação não foi a mesma em cada ponto da Espanha.
Além disso, falamos de um período de tempo longuíssimo: os muçulmanos chegaram no início do
século VIII e deixaram Granada
na época da descoberta da América. Podemos dizer, porém, que no
início eles não puderam influenciar muito os costumes e as crenças, pois eram uma minoria militar e política e se limitavam a
manter a situação sob controle.
Os problemas começaram, na
verdade, com alguns cristãos de origem visigótica, que não eram realmente convertidos ao catolicismo ¬
30DIAS Nº 1/2 - 2011
59
Liturgia
e que, graças à presença dos árabes, pensaram em voltar ao seu
arianismo fazendo-se muçulmanos.
Esse fenômeno gerou um período
difícil para o catolicismo. Os bispos
procuraram explicar aos muçulmanos em que consistia a verdadeira fé
católica, repelindo as acusações de
politeísmo e idolatria, mas essa política de diálogo não teve um grande
resultado, pois os muçulmanos se
enrijeceram em suas posições e alguns moçárabe-cristãos acabaram
por abraçar teses erradas, como as
de Elipando de Toledo.
Houve também tentativas de
converter os muçulmanos ao cristianismo, como a centralizada em
ver. Isso até o já citado Concílio de
Burgos, de 1080, em que, sob a direção da coroa de Castela, o rito
romano torna-se o oficial. A partir
daquele momento, à medida que
Aragão e Castela retomavam territórios dos árabes, esses territórios
eram restituídos ao rito romano e
os bispos eram nomeados entre os
monges franceses de rito romano.
Assim, o rito romano voltou a ser
predominante na Espanha e, no final, apenas Toledo conservou o
privilégio de poder celebrar a liturgia moçárabe em torno das seis
paróquias que havia na cidade
quando Afonso VI, em 1085, a
conquistou, expulsando os árabes.
A igreja de São Miguel de Escalada,
a trinta quilômetros de León,
foi fundada em 913 por monges em
fuga de Córdoba. Os arcos mourescos
do pórtico em forma de ferradura são
típicos da arquitetura moçárabe
Córdoba, e isso provocou a perseguição: foi a época dos mártires
cordobenses, que foram para o
martírio em toda a Andaluzia.
Foi a reforma gregoriana
que marcou o fim do rito moçárabe como rito de toda a Espanha, em favor do rito romano?
Não, foi um processo muito mais
longo e elaborado. Já antes da reforma gregoriana havia começado, em
nível político, um processo de aproximação dos reinos católicos do norte da Espanha com a Europa. Era
uma Europa pós-carolíngia e cluniacense e os reis de Aragão e de Castela pensavam que a adoção do rito romano ajudaria seus projetos de integração ao resto da Europa.
Os monges de rito romano começaram, assim, a estabelecer-se
na Espanha sob a proteção dos
reis, e por isso os dois ritos, romano e moçárabe, passaram a convi60
30DIAS Nº 1/2 - 2011
E depois?
A sobrevivência do rito hispano-moçárabe, limitadamente às
antigas paróquias de Toledo, teve
momentos de maior ou menor felicidade no reinado dos reis católicos e no episcopado do cardeal
Francisco Jiménez de Cisneros
(1495-1517). Quando este assumiu o projeto de reeditar os livros
litúrgicos, a antiga liturgia encontrava-se certamente numa situação crítica de decadência dos elementos materiais, de falta de adequada formação do clero e de dispersão dos fiéis. A obra de Cisneros garantiu a sobrevivência do rito e o vinculou particularmente à
catedral primacial, com a criação
da capela moçárabe do Corpus
Christi; garantiu ao mesmo temEl Greco, Santo Ildefonso,
Igreja da Caridade, Illescas, Espanha
po também a dignidade do velho
rito, permitindo a sua celebração
em alguns outros lugares significativos, como a sede universitária
de Salamanca. Os livros de Cisneros (missal e breviário) permitirão
a conservação da eucologia, das
leituras próprias e das estruturas
rituais de uma parte da tradição
hispânica (que logo tomará o nome de tradição “baética” ou andaluz, para conservar-se nos livros
de Cisneros sob a denominação
de versão “impressa”) para a missa e a Liturgia das Horas. Esses livros consagram ainda a integração, que se ia realizando, de alguns elementos romano-toledanos, sobretudo nas rubricas, no
calendário, no espaço para a celebração e nos objetos para o culto.
Na Era Moderna, quais foram os momentos mais importantes?
Com o fim do século XVIII, o
espírito erudito pós-tridentino e a
genialidade do “século das Luzes”
convergem para uma nova edição
do missal e do breviário desejada
pelo cardeal Francisco Antonio
de Lorenzana (1772-1800). Essa
será a versão universalmente difundida graças à sua publicação
dentro da coleção de Migne (Patrologia Latina 85 e 86). No século XIX, o interesse dos estudiosos pela questão “moçárabe” cul-
À esquerda, a Sagrada Família; à direita, a Adoração dos Magos, miniaturas extraídas do antifonário moçárabe da Catedral de León
“Já antes da reforma gregoriana havia começado, em nível político,
um processo de aproximação dos reinos católicos do norte da Espanha
com a Europa. Era uma Europa pós-carolíngea e cluniacense e os reis
de Aragão e de Castela pensavam que a adoção do rito romano ajudaria
seus projetos de integração ao resto da Europa”
minará com as edições do beneditino francês Férotin, que traz à luz
a riqueza dos manuscritos moçárabes da Castela Setentrional,
dando espaço à descoberta de
uma outra tradição hispânica (a
que tomará o nome de “manuscrita”). Tamanho foi o fervor que essas descobertas suscitaram, que
despertaram suspeitas acerca da
“autenticidade” da tradição presente nos livros impressos em sua
época por Cisneros, que foi depois recuperando crédito graças
aos estudos realizados após o
Concílio Vaticano II pelo grande
especialista em rito padre Jordi
Pinell e por seus alunos de Santo
Anselmo, em Roma, e por outros
professores na Espanha.
Dessa forma, no atual missal
hispano-moçárabe, publicado segundo os princípios da constituição Sacrosanctum Concilium e
sob a direção e o patrocínio do
cardeal arcebispo de Toledo Marcelo González Martín, puderam
ser reunidas as riquezas de ambas
as tradições, impressa e manuscrita, recorrendo à proposta de
dois ciclos celebrativos quando
necessário.
E hoje?
Podemos dizer que, desde o século VIII, a riqueza do patrimônio
eucológico do rito hispano-moçárabe nunca foi tão acessível quanto
hoje. De fato, isso é demonstrado
pelas muitas teses de doutorado
publicadas nas últimas décadas a
respeito da matéria, ao lado de diversas celebrações ocasionais do
rito em todas as regiões da Espanha e em lugares e circunstâncias
de ressonância universal: basta citar, entre outras, a celebração presidida pelo papa João Paulo II na
Basílica Vaticana (1992), a presidida pelo arcebispo-primaz de Toledo, o cardeal Francisco Álvarez
Martínez, também na Basílica de
São Pedro, por ocasião do Grande
Jubileu do ano 2000, a convite do
próprio comitê organizador, ou,
enfim, a presidida pelo bispo auxiliar de Toledo, dom Joaquín Car-
melo Borobia Isasa, em Québec,
no Canadá, por ocasião do Congresso Eucarístico Internacional
do ano de 2008.
O rito, então, não ficou
apenas como um tesouro para
estudiosos e eruditos...
De fato, é um rito para uma minoria. Mas depois do Concílio chegou a haver um desejo de abrir as
portas desse tesouro para outros
católicos espanhóis e do mundo
todo, com uma ampla possibilidade de celebrar essas missas ou a Liturgia das Horas com o rito moçárabe, com permissão prévia do bispo, mesmo em lugares onde não
há comunidades moçárabes.
É claro que continua a ser uma
liturgia que não é celebrada com
um grande número de fiéis, mas as
portas estão abertas, de modo que
as pessoas que gostam de se aproximar do mistério não apenas pelo
estudo teórico, mas numa experiência como a da celebração, possam encontrar essa riqueza no rito
moçárabe.
q
30DIAS Nº 1/2 - 2011
61
EXEGESE
A mulher
do Apocalipse
e o anticristo
Repropomos, pela sua surpreendente atualidade,
um artigo de Ignace de la Potterie publicado
no número 10 de 1995, de 30Dias
de Ignace de la Potterie
ois pontos nos estimulam a
continuar a reflexão sobre
o Apocalipse iniciada no
mês passado 1 . O décimo nono
centenário da composição do último livro da Bíblia, celebrado na
ilha grega de Patmos por iniciativa
do Patriarcado Ecumênico de
Constantinopla; e principalmente
o fato de o Apocalipse estar ao
centro das atenções de dois grandes exegetas deixados um pouco
de lado por parte do establishment acadêmico e que 3ODias
justamente repropôs aos seus leitores nos últimos números: Erik
Peterson (1890-1960) 2 e Heinrich Schlier (1900-1978)3.
Para os dois teólogos alemães,
ambos convertidos do protestan-
D
tismo, as visões narradas no Apocalipse representam a terrível e
real batalha que ocorre na história
entre o Redentor e seu inimigo escatológico. Os dois exegetas consideram o anticristo como um ator
do Apocalipse, representado nos
símbolos do dragão e das duas
bestas. Peterson em um estudo de
1938 sobre o Apocalipse, falando
da besta que vem da terra a identifica com “o falso profeta que também pode-se chamar o teólogo do
anticristo”. Vinte anos mais tarde
Schlier escreveu um artigo sobre o
anticristo, concentrando-se unicamente no capítulo XIII do Apocalipse, no qual ele descobre toda a
simbologia do culto imperial. O
anticristo na sua leitura se identifi-
ca com o Império Romano e, mais
em geral, com as potências mundanas que perseguem a Igreja.
Com o passar dos séculos foram muitos os que recorreram a
uma leitura política do Apocalipse, dentro e fora da Igreja. Todos
os perseguidores e todos os protagonistas trágicos e negativos da
história, mesmo Hitler e Stálin,
foram identificados com o anticristo. Lutero atribuiu características do anticristo até ao papa de
Roma.
Esta inflação de anticristos corre o risco de criar equívocos. Por
isso parece oportuno rever o que
é verdadeiramente o anticristo
para João, que foi o discípulo que
falou dele.
¬
Mas se queremos saber o que é o anticristo para João,
antes de procurar no Apocalipse devemos olhar às suas primeiras duas
cartas. E aqui que o termo anti-cristo criado por João aparece pela
primeira vez; e significa: 'aquele que se opõe a Cristo' ou seja "aquele
que nega que Jesus é o Cristo" (1Jo 2, 22).
62
30DIAS Nº 1/2 - 2011
Arquivos de 30Dias – Outubro de 1995
Nova
vetera
et
A besta religiosa é perigosa na condição de instrumento do maligno
assim como também são os grandes poderes mundanos [...].
Eis, portanto, a primeira característica do advento do anticristo: trata-se
de um evento eclesial, mais do que político
A besta que sai do mar,
uma das cenas do Apocalipse,
afresco de Giusto de' Menabuoi
na abside do Batistério de Pádua
EXEGESE
A mulher vestida de sol e o dragão que tenta devorar seu filho, uma das cenas do Apocalipse, afresco de Giusto de' Menabuoi na abside
do Batistério de Pádua
Inicialmente há uma observação a ser feita. Mesmo se muitos
comentários colocam em relação
o anticristo com o Apocalipse, a
expressão anticristo não aparece
nem uma vez explicitamente no
livro escrito por João em Patmos.
Existem, é verdade, as duas terríveis figuras das bestas e do dragão. Mas também aqui, se por um
lado a besta que vem do mar se
identifica com Roma e os reinados mundanos, a outra besta, a
que vem da terra, representa o
poder religioso encar nado na
64
30DIAS Nº 1/2 - 2011
casta sacerdotal judaica (a prostituta), como deixou bem claro Eugenio Corsini no seu livro Apocalisse prima e dopo (edições Sei,
Turim, 1980). A besta religiosa é
perigosa na condição de instrumento do maligno assim como
também são os grandes poderes
mundanos.
Mas se queremos saber o que é
o anticristo para João, antes de
procurar no Apocalipse devemos
olhar às suas primeiras duas cartas. E aqui que o termo anti-cristo
criado por João aparece pela pri-
meira vez; e significa: ‘aquele que
se opõe a Cristo’ ou seja “aquele
que nega que Jesus é o Cristo”
(1Jo 2, 22). O trecho fundamental é um pouco antes: “Filhinhos,
é chegada a última hora. Ouvistes
dizer que o anticristo deve vir; e já
vieram muitos anticristos: daí reconhecemos que é chegada a última hora. Eles saíram de entre
nós, mas não eram dos nossos. Se
tivessem sido dos nossos, teriam
permanecido conosco. Mas era
preciso que se manifestasse que
nem todos eram dos nossos” (1Jo
Arquivos de 30Dias – Outubro de 1995
2, 18-19). Eis, portanto, a primeira característica do advento do
anticristo: trata-se de um evento
eclesial, mais do que político. O
anticristo como figura misteriosa,
ainda não detalhada, cuja vinda
também é descrita por Paulo
(2Tess 2, 7-8) como um dos sinais
dos últimos tempos, assume nas
cartas de João conotações históricas bem determinadas. Coincide
com a manifestação da primeira
dolorosa fratura no seio da comunidade cristã. Os anticristos são
os primeiros hereges, como os
gnósticos, isto é aqueles que romperam a unidade da comunidade
em torno de Cristo. O delito deles
é o mais grave, aquele que João
chama o “pecado de iniquidade”:
ser contra Jesus Cristo. Não reconhecer Jesus vindo na carne, e,
como explica também a segunda
carta, querer ir além disso: “Todo
aquele que avança e não permanece na doutrina de Cristo não
possui a Deus” (2Jo 9).
Na primeira carta, a figura do
anticristo é mencionada junto
com os outros dois antagonistas
dos cristãos: o maligno (“Eu vos
escrevo, jovens, porque vencestes o maligno”, 1Jo 2, 13), e o
mundo (“Não ameis o mundo e
nem o que há no mundo”, 1Jo 2,
15). Há uma íntima ligação entre
estes três sujeitos: as pessoas, definidas anticristos, que renegando
Jesus Cristo provocaram a divisão da comunidade, representam
um poder coletivo, o mundo, que
se fechou ao amor do Pai mas
que está inspirado pelo poder do
maligno. Neste sentido o anticristo, sendo inspirado pelo maligno,
isto é Satanás, revela a sua dimensão essencial, escatológica,
que nos reconduz ao Apocalipse.
O evento eclesial do cisma por
heresia é revelado na sua dramaticidade de evento escatológico:
por trás do delito dos anticristos
há a ação do maligno na sua luta
contra o reino messiânico. Uma
oposição destinada à derrota porque o maligno sabe que o Senhor
já venceu. Mas justamente a
aproximação da revelação definitiva da vitória faz com que o diabo
se torne mais enfurecido na perseguição dos discípulos de Jesus
ao longo da história: “Por isso,
alegrai-vos, ó céu, e vós que o habitais! Ai da terra e do mar, porque o Diabo desceu para junto de
vós cheio de grande furor, sabendo que lhe resta pouco tempo”
(Ap 12,12).
Toda a segunda parte do Apocalipse (capítulos 12 - 22) está
consagrada ao destino de perseguição da Igreja com o passar dos
tempos até a vitória final na nova
Jerusalém que desce do céu. No
início desta sessão a Igreja perseguida está descrita pelo símbolo
da luta entre a mulher e o dragão.
Justamente pela figura da mulher,
além da interpretação dos Padres
que já viam nela a imagem da
Igreja, a partir da Idade Média foi
proposta uma leitura caracteristicamente mariana, influenciando
muito a tradição iconográfica e litúrgica. Com efeito, os primeiros
cristãos, particularmente a comunidade joanina, considerando a
relação filial de João com Maria
iniciada no Calvário, não poderiam deixar de referir a imagem
Nova
vetera
et
da mulher do Apocalipse à mulher concreta da qual fala o Evangelho, a mãe de Jesus, que ele
mesmo chama de “mulher” antes,
nas núpcias de Caná (Jo 2, 4) e
depois quando ela está embaixo
da Cruz junto com João (“Mulher,
eis o teu filho... Eis a tua mãe” Jo
19, 26-27). Podem ser feitas várias considerações que confirmam a legitimidade da dupla leitura. A mulher está vestida de sol
com a lua sob os seus pés. Grita
pelas dores do parto e o filho homem que nasce logo é insidiado
como ela pelo dragão. Todos são
símbolos e imagens atribuíveis
tanto a Maria como à Igreja. Por
exemplo, o parto doloroso, que
não pode ser um referimento à
natividade de Jesus de Maria (pois
o parto foi virginal e sem dor: a
encíclica de Pio XII Mediator Dei,
resumindo toda a tradição o define um “parto feliz”), mas simboliza o evento pascal, com o nascimento da Igreja. Evento que
aconteceu aos pés da cruz: Maria
e João aos pés do Redentor crucificado são a Igreja nascente. E foi
ali que a mãe de Jesus se tornou a
mãe de todos os discípulos. Aqueles discípulos, como diz ainda o
Apocalipse, sobre os quais cairá
toda a cólera do dragão: “Enfurecido por causa da mulher, o dragão foi então guerrear contra o
resto dos seus descendentes, os
que observam os mandamentos
de Deus e mantêm o testemunho
de Jesus” (Ap 12,17).
Portanto se é lícita a leitura mariana da mulher do Apocalipse, interessa-nos particularmente entender o sentido da luta entre a ¬
Há uma bela antífona, que se usava nas festas marianas do passado
e que a reforma litúrgica eliminou tanto do breviário como do missal:
"Gaude, Maria Virgo, cunctas haereses tu sola interemisti in universo
mundo" (Alegra-te, Virgem Maria, sozinha destruíste todas as heresias
do mundo inteiro) [...]. O cardeal Ratzinger no seu livro-entrevista com
Vittorio Messori evidencia que "Maria triunfa sobre todas as heresias"
30DIAS Nº 1/2 - 2011
65
EXEGESE
O anjo que destrói a besta com uma
pedra semelhante a uma grande mó,
uma das cenas do Apocalipse,
afresco de Giusto de' Menabuoi na
abside do Batistério de Pádua
mulher Maria e o dragão. Ou seja,
a contraposição entre Maria e
aquele símbolo do mal escatológico que como vimos para João
emerge historicamente com a saída da Igreja dos primeiros hereges. Há uma bela antífona, que se
usava nas festas marianas do passado e que a reforma litúrgica eliminou tanto do breviário como do
missal: “Gaude, Maria Vir go,
cunctas haereses tu sola interemisti in universo mundo” (Alegra-te,
Virgem Maria, sozinha destruístetodas as heresias do mundo inteiro). Não é que Maria durante a sua
vida tenha feito alguma coisa contra as heresias. Mas certamente o
reconhecimento de Maria nos
dogmas marianos é sintoma e baluarte da solidez da fé. O cardeal
Ratzinger no seu livro-entrevista
com Vittorio Messori 4 evidencia
que “Maria triunfa sobre todas as
heresias”: se é dado a Maria o lugar que lhe convém na tradição e
no dogma, nos encontramos verdadeiramente no centro da cristologia da Igreja. Os primeiros dogmas, que se referem à virgindade
perpétua e à maternidade divina,
mas também os últimos (imaculada conceição e assunção corporal
na glória celeste) são a base sólida
para a fé cristã na encarnação do
Filho de Deus. Mas também a fé
no Deus vivo, que pode intervir no
mundo e na matéria, assim como
a fé em relação às realidades últimas (ressurreição na carne e portanto transfiguração do próprio
mundo material) está implicitamente confessada no reconhecimento dos dogmas marianos. Este
é mais um dos motivos pelo qual
se espera que seja introduzida de
novo, talvez na Comemoração da
Assunção corporal da Virgem Maria ao céu, em 15 de agosto, a bela
antífona deixada de lado pela reforma litúrgica.
q
ros entre lobos, organizado por L.
Cappelletti, ibid., pp. 55-57; I. de la
Potterie, O Israel de Deus, em
30Dias, n. 11, novembro de 1995, pp.
24-27; A eleição continua sempre
uma graça, organizado por G.Valente, ibid., pp. 28-32.
Cfr. L. Cappelletti, Apocalipse,
uma história atual, e 30Dias, n. 6, junho de 1995, pp. 62-64; Christus vincit, organizado por L. Cappelletti,
ibid., pp. 65-68.
4
V. Messori – J. Ratzinger, Informe sobre a fé, Edições BAC, 1985.
Notas
Cfr. I. de la Potterie, O Apocalipse já aconteceu, em 30Dias, n. 9, setembro de 1995, pp. 60-61.
2
Cfr. L. Cappelletti, Teólogo sem
pátria, em 30Dias, n. 7/8, julho/agosto de 1995, pp. 51-54; Como cordei1
66
30DIAS Nº 1/2 - 2011
3
Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição deste
pequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longo
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