Filho de Elpídio, pai de Cristiana e marido de Amelinha Trajetória
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Filho de Elpídio, pai de Cristiana e marido de Amelinha Trajetória
Filho de Elpídio, pai de Cristiana e marido de Amelinha Em maio passado, pouco antes do lançamento de seu livro Às margens do Sena, fruto de um longo depoimento que deu ao correspondente de CartaCapital em Paris, Gianni Carta (filho de Mino), J&Cia entrevistou Reali Jr. não apenas a propósito do livro, mas por duas datas marcantes que então se avizinhavam: agora em setembro serão 36 anos como correspondente da Rádio Jovem Pan em Paris e em 1º de outubro completará 50 de seus 67 anos trabalhando na Pan (ver edição 589). O título daquela entrevista, De filho do Elpídio a pai da Cristiana, foi uma brincadeira que espelha duas situações bem concretas em sua vida: o primeiro nome dele, Elpídio, pouca gente sabe (herdou do pai, secretário da Segurança de São Paulo na década de 1950). Mas na França, onde está desde 1972, é mais conhecido como “o pai da Cristiana Reali” (uma de suas quatro filhas, atriz e modelo renomada no país). Voltamos agora a entrevistar Reali, para esta 4ª edição de Jornalistas&Cia Entrevista, e àquele título acrescentamos “e marido de Amelinha”. O motivo é simples: ele confessou – e a editora-contribuinte Célia Chaim demonstra, como sempre, num texto primoroso – que Amelinha teve e tem um papel importantíssimo em sua vida. Não foi só isso que Reali contou a Célia: falou da profissão, de história, de política, das filhas, de comida, da França, contou casos engraçados, umas poucas intimidades... tudo o que vocês poderão conferir nas próximas páginas. Ah, sim! Como não poderia deixar de ser, Célia também colheu de Amelinha algumas preciosidades sobre Reali e a família. Boa leitura! Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli Trajetória em resumo Mesmo quem não conhece Reali Jr. pelo menos já ouviu falar. Afinal, há quase 35 anos ele lapidou na Jovem Pan o bordão com que abre suas intervenções: “Neste momento, às margens do Sena, junto da Maison de la Radio, os termômetros marcam:...” Reali começou a trabalhar na Pan em 1956, com 17 anos, quando a emissora se chamava Rádio Panamericana de São Paulo, mas só assinou seu primeiro contrato no ano seguinte. Ao ser enviado para a França, em 1972, trabalhava também nos Diários Associados, que só dois anos depois trocou pelo Estadão, onde permaneceu 33 anos (saiu em setembro de 2006, no primeiro PDV que o jornal propôs aos colaboradores mais antigos). Também teve passagens por Correio da Manhã, O Globo, Diário de S.Paulo (o antigo), Diário da Noite, Rádio Jornal do Brasil, tevês Record, Tupi, Globo, ESPN e Bandeirantes. Amelinha, Reali e Paris Ir a Paris e não ver Reali Jr. é como ir a Roma e não ver o papa. A diferença é que o papa não tem Amelinha Por Célia Chaim Poderia ser ao contrário – Reali, Amelinha e Paris? Não. Ela é personagem de proa na história dele. Durante a ditadura militar que corria atrás de seu marido, Amelinha estava pronta para protegê-lo daquela manada violenta. As dificuldades da chegada a Paris com quatro filhas “no colo” ela dividia com ele. Ela ri das manhas desse homem com quem está casada há quase 50 anos. Amelinha não tem nada da música de Mário Lago. Ela não é "amélia", é uma rara e pequena “mulherão”. Os dois moram perto da Torre Eiffel, agora em outro apartamento no mesmo predinho (felizmente, não se vêem prediões em Paris), porque a família da casa foi aos poucos formando outras famílias e dando aos dois o melhor título da vida – avô e avó. Moravam num apartamento de cento e tantos metros – o que é enorme para Paris –, agora moram no mesmo lugar, em 60 e poucos metros. E as filhas? Adriana, publicitária, mora em São Paulo. "É aquela coisa do destino", diz o pai. “Foi convidada para fazer um estágio no Brasil, embora tenha se formado em publicidade na França. Aí foi fazer um estágio na antiga MPM. Acabou contratada, conheceu o marido, teve um filho e ficou. É bom porque ela representa a família aí”. Luciana, a mais velha, mora em Paris e é montadora de cinema. Acabou de fazer O homem e seu cão, o mais recente filme de Belmondo, o ator francês Jean-Paul Belmondo, consagrado pelo filme Breathless, de Jean-Luc Godard, em 1960, que o tornou um dos grandes atores da Nouvelle Vague. Consagrado também por profundos suspiros que provocou e ainda provoca nas platéias femininas. A terceira é a Cristiana, atriz famosa na França, fez televisão, cinema, teatro, foi três vezes indicada ao Prêmio Molière, o mais importante de teatro da França. A quarta é Mariana, jornalista. que, brinca Reali, ”escolheu mal, trabalha numa revista”. Cinzas no Sena Cristiana é linda demais, eu comento. Reali indica que a afirmação é injusta: "As quatro são lindas". Depois conta que cada uma mora em sua casa, todas não muito distantes da casa dos pais. Com certeza, obra da mãe Amelinha. "Ela que puxou". A região chama-se Passy, onde, conta a história, em 1840, Honoré de Balzac, escritor de Comédia Humana, morava para escapar dos credores, onde também rapidamente criou uma senha para distinguir seus amigos dos cobradores. O predinho, convertido em museu, tem uma coleção de objetos relacionados à vida e ao trabalho do escritor espalhada pelos vários andares, entre eles, sua escrivaninha e seu bule de café com monograma – sempre cheio durante as noites de trabalho na Comédia Humana. Tudo começou assim: Reali, então na Jovem Pan – onde até hoje nos dá bom dia às margens do rio Sena, em Paris –, foi embora sozinho como correspondente da emissora, para, em dois meses, arrumar a estrutura que então levaria Amelinha e suas quatro filhas de mudança para a capital da França, há 36 anos. Sobre Reali sobram elogios. Dizem que ele é, de fato, o embaixador do Brasil em Paris. Dizem até, que no extremo de sua generosidade, atendeu a um pedido brasileiro para jogar nas águas do rio Sena as cinzas de um familiar. Não duvido. Reali Jr. é acolhedor e modesto. No sofá da sala de sua casa já sentaram autoridades de pensamentos políticos variados. Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Lula... “O que muda um pouco a relação de forças. Aquilo que eu sei que seria mais difícil no Brasil é facilitado aqui na França”. Lionel Jospin, ex-primeiro ministro, socialista, genial, também visitou Reali. E o atual presidente? “O Sarkozy? Ele é um presidente de direita e oportunista. Ele não pára um minuto. É um homem muito ativo, está em tudo quanto é lugar, quer resolver tudo e não resolve nada. Ele acabou sendo beneficiado por essa direita e a desilusão da esquerda. Espero que seja por cinco anos (um mandato), embora possa ser reeleito por mais cinco anos.” A França está em decadência política? “Cultural e política. Você pega De Gaulle, grande personalidade, depois Pompidou, Giscard, Reali Jr. com a mãe e duas de suas três François Miterrand, grande homem, que se elegeu irmãs. por três vezes. Agora com o Sarkozy é decadência total. Na área da cultura, você tinha Sartre, Simone de Beauvoir...” Alguma vez você falou com Sartre? “Falei uma vez num famoso restaurante de Montparnasse. O La Coupole. Ele estava lá tomando o drinque dele e aí eu não agüentei e fui conversar com ele. Eram outras coisas. Na cultura, era cinema, teatro música, Yves Montand...” Até o restaurante La Coupole dizem que está em decadência... “Está sim. Foi comprado por uma rede. Daqui a pouco vai ter três La Coupole.” (Durante muitos e muitos anos, a brasserie La Coupole teve a glória de oferecer o mais famoso cordeiro ao curry de Paris. Alegre, enorme, cheia de gente famosa, de solitários que comem sozinhos, de turistas de todas as partes do mundo. A atmosfera levanta o astral com aquela centena (imagino) de garçons correndo de um lado para o outro. Quem não conhece o La Coupole não deve perder a oportunidade. Logo, antes que vire McCoupole.) Sem bebida O escritor e cronista Luís Fernando Veríssimo, amigão de Reali, parceiros de muitos passeios e muitas conversas, Reali com Amelinha e Veríssimo com Lúcia, fala do amigo: “A história de um homem é a história de seu tempo. Quando esse homem é o Reali Jr., que há muito deixou de ser só um correspondente brasileiro em Paris, se transformou numa instituição e, para muitos, um ícone jornalístico ('já posso vê-lo dando risada da frase'), têm-se não só a história pessoal incomparável como as linhas e entrelinhas, verdades oficiais, verdades verdadeiras, cenas, personagens”. Não era a primeira vez que Reali pisava em Paris como jornalista. "Eu já havia feito algumas coisas para a TV Record, reportagens para o programa de Cidinha Campos jornalista, radialista, política brasileira e brizolista fervorosa”. Elpídio Sênior sendo condecorado pelo Marechal Lott com a Medalha de Guerra. Você já falava bem francês? “Mais ou menos. Quem falava bem era a Amelinha. Eu era repórter político em São Paulo e começaram a me cortar credencial. Não podia mais cobrir o Exército. A mesma coisa acontecia com o presidente da República – no caso, militar. Não me davam credencial, criando cada vez mais dificuldades para o meu trabalho.” E aí Paris entrou na história? “A oportunidade que me surgiu veio da Jovem Pan, que já tinha um correspondente nos Estados Unidos, o hoje ministro Hélio Costa. Eles precisavam de alguém na Europa e sabiam que a situação política estava cada vez mais difícil pra mim. Aí eles me falaram: você quer ir pra lá? Já tinha minhas quatro filhas, uma delas recém-nascida. Eu disse, topo, eu topo. A Amelinha também topou. E nós viemos. E ficamos até agora.” Acho que vocês não vão mais embora... “Você acha? Nós dependemos de emprego, não sou rico. No momento em que não tiver emprego não posso ficar aqui.” Onde é que você e Amelinha passeiam por aí, nesta cidade linda? “Desde quando as crianças eram pequenininhas a gente já saía muito no final de semana, e continuamos com a vidinha nossa. Reporter canarinho No tempo em que eu podia beber, tomar um vinhozinho, nós da TV Record. íamos conhecer uma vinha aqui e ali, ia para Bordeaux, para a Borgonha, arrumava um hotelzinho barato e passava o fim de semana nesses lugares. Era muito gostoso. Agora a gente continua saindo no fim de semana com amigos do Brasil que vêm pra cá.” Você não pode beber nada? “Não posso beber mais nada por causa da doença que tive. De vez em quando, no final do ano, o médico me dá uma autorização para beber pouquinho.” (Eu sei como é. A gente passa um ano sem beber uma gota de vinho e quando o médico autoriza, é difícil tomar o primeiro gole, talvez pela sensação de que esse gole possa provocar alguma coisa. Besteira de ex-doente? Meu médico diz que é.) Reali não bebe, mas sabe como beber bem. O vinho Romanée-Conti, o melhor entre os melhores, é proibitivo. "Está fora do meu alcance. É proibitivo também na França”. Bons mesmo são os borgonhas, são mais vinhos, segundo ele. Entre os queijos, mais de 200 variedades na França, ele diz gostar dos da Normandia – Camembert, Livarot, Pont-LÊveque e Neufchâtel. Celso Furtado e Reali na residência parisiense do ex-ministro, em 1965. Privatizar a cantina escolar É por causa da Normandia que Amelinha e Reali economizaram para comprar uma casinha num terreno grande no interior da região – de natureza pródiga, cortada pelo rio Sena. É ali que estão as vaquinhas normandas. O creme de leite e o Camembert da Normandia são famosos, assim como o Calvados e a sidra, produzidos a partir das maçãs que enfeitam os prados. O que você mais gosta da França? “Não tenho nenhuma queixa dos franceses. Se fizesse uma queixa eu seria injusto. Foi aqui que criei minhas quatro filhas, Reali Jr. e Laudo todas com uma profissão. Mas o que eu mais gosto daqui é o Natel. fato de o francês não se meter muito na sua vida. Esse intervencionismo que há aí no Brasil é demais. Não posso dizer que sou um cara ultra-integrado na comunidade francesa, mas se não sou é porque não quis. Eu me dei muito bem, tenho ótimas relações com os franceses. Eles têm seus códigos, como todos os povos têm. Estranham quem não fala bom dia, quem não fala por favor, obrigado e não gostam quando o cliente põe a mão numa fruta ou verdura, por exemplo, antes de comprá-la.” Você já assistiu altas e quedas de pequenas e grandes "celebridades", não é? “Já vi tanta gente subir e cair. Quanta gente eu vi ascender e depois começar o declínio. Isso é o que aprendi na vida. Depois, essas pessoas começam a lutar contra o declínio – isso faz parte da vida. Aquele argentino-francês representante do PT aqui. Eu tinha muito contato com ele, mas depois que ele se casou com a então prefeita Marta Suplicy não me procura mais. Agora está muito importante e não me procura mais.” (O nome dele, Reali, que nem eu nem você lembramos, é Luis Favre, gafe imperdoável cometida por nós dois dada a relevância do personagem). Com sua experiência na cobertura política, no livro você fala que todos os candidatos, às vésperas de eleição, correm em busca de estatura internacional, para serem recebidos por personalidades... Mariana, Adriana, Cristiana e Luciana numa festa recente. “De certa forma, é natural que as relações entre político poderoso e jornalista mudem. Mas o problema é que as pessoas começam a pensar diferente. Muitos acham que o poder é eterno e assim não tiram o pé do chão... Um deles foi Lula. Enquanto era candidato era um homem. Uma vez presidente, mudou – como os demais, no seu cargo – completamente. Fernando Henrique também mudou ao chegar ao poder.” A lei que permite aos franceses trabalharem 35 horas semanais está balançando? Página do semanário Aqui São Paulo, novembro de 1976. O Sarkozy, que é de direita, tem ódio da lei. Já está derrubando muitas coisas. Ele também tem ódio de 1968. É mesmo um cara de direita. Está acabando também com a aposentadoria. Até o seguro médico, um exemplo da França, está começando a sofrer. Ele está querendo privatizar a cantina escolar. Na hora em que ele acabar tudo, vamos ver. Agora ele só está correndo atrás de sua nova mulher, a primeira-dama francesa Carla Bruni.” (Ex-modelo, pretensa compositora e cantora. É melhor mesmo falar menos da primeira-dama, a terceira mulher de Sarkosy. Só contar que até o verão de 2008 era italiana e foi naturalizada francesa velozmente como ex-modelo, compositora e cantora. Fácil, fácil, não?) Quando a filha Cristiana ganhou o mundo como a cara da Lancôme, líder internacional na fabricação de produtos para a pele, como você reagiu? “É claro que eu sabia, mas não dei o furo, um dos furos que tomei aqui na França foi esse. Fui cobrir Cristiana Reali e Francis Hustler no set do como os outros repórteres. Eu não dei o furo, não. programa da tevê francesa "Ce Jour La". Aliás, nunca escrevi sobre a Cristiana. Ela é casada com o diretor de cinema, teatro e ator Francis Hustler, considerado um dos melhores da França.” Reali ecológico Linda demais, a filha de Reali substituiu a atriz italiana Isabella Rossellini. Outras mulheres de derrubar espelhos, como Juliette Binoche e Uma Thurman, também foram da Lancôme. Da união dos dois, Amelinha e Reali ganharam dois dos seus cinco netos. O sexto está chegando, de sua filha Adriana. Furo mesmo a família inteira levou ainda no Brasil, no dia seguinte a uma discussão sobre Reali entrevista Chirac no Elysêe. como transportar um escorregador gigantesco com que os pais de Amelinha os presentearam no Natal de 1968. Por sorte, a irmã de Amelinha, Cecília, tinha um cunhado, Expedito, militar reformado, que assumiu o destino do escorregador. Ótimo. Na manhã seguinte, às 7 horas da manhã, Amelinha ouviu um barulho ensurdecedor, seguido de um silêncio total. "Do vitrô do banheiro detectei um caminhão do Exército: um bando de brutamontes saltou para fora. Acordei o Jr.: corre! Não me pergunte nada, sai daqui! Depois a gente conversa. E leve a escova de dentes. Ele correu. À porta da casa, um deles explicou o motivo da visita inesperada: ‘viemos trazer o escorregador’”. A curiosidade sobre a vida de Reali é grande. Na concorrida noite de autógrafos de seu livro de memórias Às Margens do Sena, em São Paulo, 530 exemplares, o estoque da Livraria Cultura na ocasião, se esgotou em meia hora. Poucos dias depois da noite de autógrafos, Reali voltou para casa, em Paris, onde é, há mais de três décadas, o grande anfitrião dos exilados brasileiros e uma espécie de pit-stop de muitos de políticos e intelectuais, brasileiros e franceses. Fausto Silva, o Faustão, lembra dessa época, como conta Reali no livro. Eles se conheceram no final da década de 60, "tempo em que eu era repórter esportivo e apresentava programas de juventude, com músicas de Celi Campelo – ‘tomo um banho de lua, fico branca como a neve’ e por aí vai –, precursora do movimento chamado Jovem Guarda”. Já na época, Faustão, estarrecido com os tantos trabalhos que Reali acumulava, ouviu: “Todo jornalista tem de ter dois ou três empregos, tem de estar com os pés em duas canoas. Se perder um, os outros garantirão sua sobrevivência”. Faustão ia sempre à casa dos Reali "para filar uma bóia", carregar as meninas, levar travesseiradas... Ele contou a Gianni Carta qual era o ponto fraco de Reali. "A elegância. Ele sempre mergulhou no guarda-roupa sem ser exigente. Gravata, nunca gostou. Nem no tempo em que era considerado galã”. Piada da vida real: era famoso um terno dele, de veludo verde-samambaia, com a camisa amarela. Isso, dentro de uma Variant II verde. Conta Faustão dando risadas: "Antes de existir a ecologia, Reali era ecológico”. Quem você mais gostou de entrevistar? “O Ives Montand, pelo casamento político dessa época. Se bem que hoje acho que seria de centro- Amélia, Jean-Paul Belmondo, Cristiana e Mariana. direita. Naquela época ele era um homem muito engajado.” (O verdadeiro nome de Montand era Ivo Livi e, embora nascido na Itália, foi o ator que melhor encarnou o mito do homem francês. Menos bonito que Alain Delon mas muito mais simpático e carismático, Montand provou que além de ótimo cantor era também um bom ator. Comunista inicialmente e depois defensor da liberdade e contra qualquer ditadura, Montand foi parceiro constante do diretor Costa-Gavras, com quem fez cinco filmes, entre eles Z, Estado de Sítio e A Confissão.) Vários dos seus amigos estão sempre por aí, preferencialmente no Marais. Quem mora por Filhas e netos: Mariana, Gabriela, Elisa no lá? “Eu tinha um estúdio na região que vendi para colo de Cristiana, Pedro, Adriana, Alice e Luciana. Saul Galvão, crítico gastronômico e especialista em vinhos. Também o sagrado Jorge Amado e Zélia Gattai tinham um apartamento no Marais. Chico (Buarque de Holanda) trocou o endereço do Marais pela Ille St-Louis, ali pertinho. Claudia Cardinalle, atriz italiana, linda demais, vive em Paris há anos – teve uma educação francesa, mas é torcedora apaixonada da seleção "azzurra" –, também escolheu o Marais para viver. É apaixonada por Zidane, que não joga mais. Quer tentar ver Catherine Deneuve nesse revival? Faça plantão numa pracinha de Saint Sulpice, Ela mora num predinho de esquina, perto da catedral Saint Sulpice, que guarda um dos maiores órgãos do mundo, com 6.700 tubos, locação de um dos episódios do filme O Código Da Vinci. Dizem que o melhor escritor do século 19, Victor Hugo, se casou ali.” Só para esclarecer: quando são mencionados imóveis de um e outro em Paris (aliás, o do Veríssimo é perto de Reali), não estou falando nada que se assemelhe aos quatro quartos com suítes e cinco vagas na garagem daqui. São imóveis pequenos, de 50 a 60 metros quadrados – no Marais, por exemplo, há estúdios de 20 a 30 que custam muitos milhões. Quanto menor, menos trabalho e, o principal, são imóveis antigos, muito antigos, lindos, sem nenhum toque do chamado mundo moderno, o que faz a capital da França ser mais linda ainda. Paris também é responsável pela melhor história de amor que vi ao vivo nos tempos de hoje. A mais bonita, solidária, generosa, carinhosa e guerreira: de Reali, Amelinha e suas quatro lindas filhas. Reali e Veríssimo. Declaração de amor Amelinha, leia mais uma vez o que seu marido escreveu na abertura de seu livro: “Dedico estas páginas às mulheres da minha vida. À minha companheira de sempre, Amelinha, levada a renunciar à sua própria vida para que as atividades do marido não pudessem sofrer interrupção. A meu lado, ela continua a ser a força tranqüila das horas mais difíceis, o estímulo para enfrentar desafios e o calor de um amor profundo que permitiu a constituição de uma família unida e cúmplice, formada pelas nossas quatro filhas: Luciana, Adriana, Cristiana e Mariana”. Mais mulheres: “Esse livro também é uma homenagem à minha mãe, Maria, e às minhas irmãs: Ana Maria, Vera Maria e Silvia Maria. Todas elas juntas puderam dar sustentação à família nos momentos mais duros e durante o longo período de um irmão sempre ausente.” Que orgulho, Amelinha! Dose dupla A guardiã de Reali Jr., Amelinha, é modesta. Criou um marido manhoso, quatro filhas responsáveis, cada uma na sua profissão, todas bem sucedidas. Mas como mãe é mãe, ela não deixa de se preocupar com as “meninas” – e com ele, é claro, “que dá o trabalho de quatro”. Hoje Amelinha cozinha pouco: ‘Faço uma salada, mais alguma coisinha e compro outras prontas. Aqui tem muito isso”. Faltam alguns poucos anos para Amelinha e Reali chegarem aos 50 anos de casados (em 1961) – sorrindo, trocando carinhos, quase sempre em paz. Quase sempre? É sim, porque ele, como qualquer criança mimada, também dá trabalho. Ela é de Orlândia, ele de Bauru, no interior de São Paulo. O supérfluo que tinham em casa, na mudança de um apartamento para outro, foi doado para a entidade beneficente de Santa Terezinha, a santa de Lisieux, uma pequena cidade na região da Baixa-Normandia, dominada por uma catedral magnífica. Outro orgulho para a família: Amelinha é filha de Edgard de Moura Bittencourt, mestre em Direito Civil, aposentado compulsoriamente, com seus direitos políticos suspensos. Antes disso, porém, ele assinou diversos habeas corpus para presos políticos da ditadura. Aos domingos, Moura Bittencourt publicava artigos na Folha de S.Paulo. Após a cassação e a aposentadoria compulsória, escreveu um artigo com o título De juiz a réu indefeso. Coração de mãe Era domingo e a família – papai, mamãe e as quatro filhas – preparava-se para uma excursão ao Zoológico de Paris quando Cristiana, 7 anos de idade, pôs o programa a perder. Uma inexplicável dor de barriga. Na insegurança de quem acabara de chegar à França de mala e cuia, sem conhecer viv’alma, a mãe de Cristiana, Amélia, puxou da bolsa o nome de um clínico geral recomendado por seu médico em São Paulo – e, com semcerimônia tipicamente brasileira, tirou da mesa de almoço o velho homem, que resultava ser uma sumidade da medicina francesa. Contrafeito, o professor doutor concordou em recebê-las em casa e, depois de examinar a menina, se pôs a escrever em silêncio, lançando olhares por sobre os óculos. "Pela cara", conta Amélia, "cheguei a pensar em coisa muito grave – até que ele me estendeu a folha de papel”. Algo assim: "Criança mimada. Muito boa atriz, quando há espectadores. Sua filha promete". (Saiu numa reportagem da revista Playboy, onde ela nunca apareceu nua – nem vai aparecer) O médico acertou em cheio. Era manha – talvez herdada de seu pai. "Ele é muito manhoso", diz Amelinha com voz de quem adora esse mimo todo. Afinal, quem não gosta de ser mimado? Menina danada (por Amelinha) “Quando vejo a Cristiana no teatro, aplaudida, sinto o maior impacto. O mais importante é você ver pessoas em pé, e sua filha no palco sendo aplaudida. Dá um baque. Meu coração dispara. As pessoas, é óbvio, não sabem que eu sou a mãe da atriz; permaneço quieta, sentada no meu canto. Gosto de ouvir os comentários. 'Essa moça é séria, talentosa', já ouvi várias vezes. Depois, ela foi contratada pela Lancôme e novamente fiquei orgulhosa. Certa vez, no aeroporto de Bali, deparei com sua foto. Raciocinei: ‘Mas que danada!’ No fim do mundo e ela está lá. E o mais incrível é que ela construiu sua carreira de atriz a partir do Liceu Molière, sem ajuda de ninguém.” Lua de mel Era janeiro de 1961. "Quando eu e Amélia nos casamos, passamos a nossa lua-de-mel em Buenos Aires e Montevidéu, viagem então tradicional da classe média paulista. Não podíamos deixar de conhecer a badalada Punta del Este, onde ficamos três dias. Mas houve contratempos. Na noite da estréia no elegante cassino, barraram Amelinha. A idade mínima para entrar era 21 anos; ela tinha 20." Quando entrou no cassino, Reali encontrou os cantores Maysa e Agostinho dos Santos (este, falecido num acidente de avião em 1973). Os dois tinham seus contatos na casa e, assim, Amelinha conseguir entrar. "Um dos assíduos da casa era ninguém menos que João Goulart. Ainda não o conhecia, só de reportagem para o rádio. Jango tinha sido eleito vice-presidente, Jânio Quadros era ainda presidente. Quem poderia imaginar, meses depois, que Goulart seria presidente?” O livro O livro Às Margens do Sena, publicado pela Ediouro, reúne depoimentos de Reali ao correspondente internacional de CartaCapital, Gianni Carta, filho deMino, autor do livro Velho Novo Jornalismo, uma mostra de como a notícia pode ganhar vida ao ser tratada como boa narrativa. É isso o que ele faz. E faz muito bem. O livro é uma história de vida, de amor, de independência no jornalismo, de perseguição política, de riscos ameaçadores da ditadura, de casos engraçados, de aventuras, risadas e sucesso – palavra que o modesto Reali com certeza iria cortar. Como hesitaria diante da menção aos prêmios que recebeu: Troféu Roquete Pinto, melhor repórter esportivo; Prêmio Governador do Estado, 1970, melhor repórter de rádio; e Prêmio Comunique-se, categoria correspondente no exterior, 2004 e 2006. Às margens do Sena não é um livro apenas para jornalistas – o que o torna melhor ainda... As informações do livro usadas nesta reportagem foram autorizadas por Reali Jr. e Amelinha – é claro. Cadê o seu rádio? Joseval Peixoto, um dos mais consagrados radialistas de São Paulo, trabalha na Jovem Pan há 45 anos. Ele não precisa se apresentar – sua belíssima voz o denuncia. Para quem acredita que jornalista de rádio faz parte da segunda classe dos profissionais do setor, já passou a hora -- faz tempo -- de perceber que o rádio é mais veloz do que a televisão ao dar notícias e, para muitos, imbatível no quesito emoção, especialmente nas transmissões de jogos de futebol. Joseval Peixoto, nome famoso no rádio, soube também marcar seu nome na Advocacia. Conheceu “Realinho” há 40 anos. "Ele era repórter esportivo no canal 7 e eu sempre fiz rádio. É uma das figuras mais admiráveis que conheci como colega e como jornalista. Nas vezes em nos cruzamos em Paris ele me recebeu muito bem, me levou pra sua casa e me permitiu descobrir um dos seus hábitos históricos: sempre que abre um vinho, guarda o rótulo, a rolha e escreve ‘esse vinho eu bebi com...’ Infinita a coleção". Fala mais, Joseval! “Homem de cultura muito grande, seu pai, Elpídio Reali, sua esposa, Mariazinha, filha do desembargador Edgar de Moura Bittencourt, um dos homens mais cultos do Tribunal de Justiça de São Paulo – me parece o único desembargador cassado na época, por que concedia habeas corpos para gente que era perseguida. Reali é um homem de esquerda, como eu era, participamos juntos de debates de sindicato, de greves, Há uma passagem curiosíssima em sua vida nessa época, antes do golpe militar. Vamos lá: numa das greves, a gente estava na frente do Diário da Noite, ao lado da tropa da Polícia Militar (N. da R.: então Força Pública), que usava seu uniforme verde tradicional, e do outro lado a Polícia Civil (N. da R.: então Guarda Civil), que se vestia de azul. Havia uma animosidade entre elas. Vai daqui, vai dali, a PM jogou uma bomba de efeito moral contra os jornalistas. Alguém chutou essa bomba contra a Polícia Civil e ela estourou no peito dos caras. Os da Polícia Civil culparam os Policiais Militares. E aí começou uma briga entre eles. Sabe quem chutou essa bomba? Foi o Reali. Aconteceu em 61, 62. Essa visão da coragem do Reali também como homem integrado às lutas sindicais, numa época em que principalmente o jornalista de rádio não era reconhecido pelo jornalista da mídia escrita, o que queria dizer que a gente era considerado jornalista de segunda categoria. Nós lutamos muito contra isso e Reali foi um baluarte dessa luta.” Encontros pela vida Por Antonio Salvador Silva (*) “Não sou amigo do Reali. Ou melhor: não privo da sua intimidade, ao contrário do meu ex-mestre no Jornal do Brasil, Mauro Guimarães, e de um seleto grupo de pessoas. Mas meu encontro com ele, por mero acaso, ocorreu na minha infância, em Tibiriçá, um pequeno povoado a 25 km de Bauru. No quintal de dona Matilde, sua avó, tivemos o primeiro contato. A receptividade de dona Matilde era tamanha que o grupo de crianças que invadia o quintal da espaçosa casa sempre a tratava carinhosamente de vó. E como não poderia deixar de ser, na casa da vó sempre havia bolo e outras guloseimas... Reali adorava assistir e participar de um dos esportes mais concorridos dos 2 mil habitantes da cidade: uma corrida de cavalos, sempre em pares, denominada raia, que dividia seu tempo no interior, entre Bauru e Tibiriçá. Em Bauru, Reali também gostava de jogar futebol no Baquinho (diminutivo do BAC – Bauru Atlético Clube), inclusive com o Pelé, que, nessa época, já demonstrava suas qualidades pelos gramados da cidade. Quis o destino que as nossas vidas acabassem se cruzando anos mais tarde. Depois de abandonar a embrionária carreira de jogador de futebol, decidi aproveitar os conhecimentos adquiridos desde os 13 anos de idade na Bauru Rádio Clube e na TV Bauru, na época pertencente à TV Excelsior, e pelas mãos de Alexandre Kadunc desembarquei na Rádio e TV Bandeirantes, onde o programa jornalístico Titulares da Notícia liderava a audiência. Pouco tempo depois, levado por Fernando Vieira de Mello, outro mestre de quem sou devedor eterno pelos ensinamentos, reencontrei Reali Jr., já famoso como repórter, na Panamericana (hoje Jovem Pan)... Não foi difícil rememorarmos os encontros da minha infância com sua quase adolescência no quintal da dona Matilde, em Tibiriçá. Ainda um foca no meio dos “tubarões”, como Marco Antonio Gomes, Fausto Silva, Marco Antonio Woitchumas, Willy Gonzer, Estevam Sangirardi, José Carlos Pereira (este no início de sua longeva trajetória pela Jovem Pan), recebi do Reali ensinamentos que jamais poderão ser esquecidos... Nossa convivência na Panamericana durou pouco mais de um ano, mas o suficiente para aprender e admirar um dos melhores profissionais com quem tive a honra de trabalhar durante minha trajetória pelo jornalismo brasileiro. E, após muitos anos, valeu a pena aguardar quatro horas na fila da Livraria Cultura para reencontrá-lo e receber uma mensagem carinhosa durante o lançamento do seu livro-depoimento a Gianni Carta. Definir o Reali é fácil. É só ler o prefácio do seu livro, escrito por Luís Fernando Veríssimo: “Reali Jr. deixou de ser um correspondente em Paris e se transformou numa instituição. Ele não gosta, mas na minha opinião Reali pode ser definido como Mr. Vanderbilt (referência a Amy Vanderbilt, que em l952 escreveu o mais famoso livro sobre elegância e etiqueta)...” Parece hilário, mas ajudar desconhecidos e receber gente em sua casa é um gesto comum para Reali Jr., o cartão postal do Brasil em Paris.” (*) Presidente da agência de comunicação Casa da Imprensa (CDI)