reestruturação do setor elétrico brasileiro: coordenação e
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reestruturação do setor elétrico brasileiro: coordenação e
REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: COORDENAÇÃO E CONCORRÊNCIA Luciano Dias Losekann Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia Orientador: Prof. Adilson de Oliveira Dezembro de 2003 ii RESUMO A recente crise energética colocou a reforma do setor elétrico brasileiro no centro das atenções de nossa sociedade. O objetivo dessa tese é utilizar as lições geradas pela experiência internacional para a analisar o desenho institucional mais adequado para o setor elétrico brasileiro. A análise parte de dois conceitos econômicos essenciais: concorrência e coordenação. São os benefícios da implantação de um ambiente competitivo que justificam os processos de reforma ao redor do mundo. Por outro lado, as características dos sistemas elétricos não permitem que apenas sinais de mercado guiem as decisões e os desenhos de reforma combinam elementos de mercado e centralização. Esta tese busca identificar nas experiências internacionais os desenhos institucionais e de estrutura da indústria alternativos, relacionando-os com os condicionantes enfrentados e cada experiência e com o desempenho alcançado. A reforma nacional partiu de um contexto complexo, onde a predominância da geração hidrelétrica é a característica mais marcante do caso brasileiro. Para contornar as complexidades, um desenho excessivamente centralizador foi desenvolvido, no qual o espaço de mercado era limitado. A crise elétrica foi o resultado de arranjo institucional mal definido, que não gerava incentivos eficientes para a alocação de recursos no curto e longo prazo. iii ABSTRACT The recent electricity crisis put Brazilian power reform in the spotlight. The objective of this thesis is to analyze this issue with regard to the lessons provided by international experiences. Two economic concepts guide the analysis: competition and coordination. The benefits created by a competitive environment have been the main driver of power reforms around the world. However, due to the characteristics of power systems, price signals are not enough to provide efficient coordination, and the reforms combine both market and centralized elements. This thesis tries to identify alternative institutional designs of power reform through an analysis of international experiences. We relate the chosen design in England and Wales, Nordic Countries and California reforms with the characteristics and performance of the power industry. The Brazilian reform started from a complex background, with the main feature of the power system being the predominance of hydropower generation. To cope with complexities, reformers have chosen an overly-centralized approach, limiting the role of the market. The Brazilian electricity crisis was the result of a poorly-defined institutional arrangement, which did not provide the right incentives to resource allocation in the short and long run. iv Belo belo Manuel Bandeira [in Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1966] Belo belo minha bela Tenho tudo que não quero Não tenho nada que quero Não quero óculos nem tosse Nem obrigação de voto Quero quero Quero a solidão dos pícaros A água da fonte escondida A rosa que floresceu Sobre a escarpa inacessível A luz da primeira estrela Piscando no lusco-fusco Quero quero Quero dar a volta ao mundo Só num navio de vela Quero rever Pernambuco Quero ver Bagdá e Cusco Quero quero Quero o moreno de Estela Quero a brancura de Elisa Quero a saliva de Bela Quero as sardas de Adalgisa Quero quero tanta coisa Belo belo Mas basta de lero-lero Vida noves fora zero. v AGRADECIMENTOS À Raquel, pela companhia e compreensão. Um trabalho de tese implica em uma série de renúncias que acabam por se estender ao casal. Obrigado por compartilhar os momentos difíceis e por tudo que você teve de abrir mão. A meus pais e irmãos pelo apoio e por aceitarem minha ausência. A meu orientador de longa data, Adilson de Oliveira, por todos ensinamentos e por aguçar meu senso crítico, me estimulando a não aceitar as respostas mais fáceis. Aos companheiros do Grupo de Energia do Instituto de Economia da UFRJ. A participação em um grupo de pesquisa de excelência foi fundamental para o amadurecimento de meu trabalho acadêmico. A todos que contribuíram para o trabalho. Especialmente, Richard Green, João Lizardo e Joanne Evans, cujos comentários e sugestões foram extremamente úteis. Todos erros e omissões são de minha responsabilidade. Aos amigos pelos momentos de descontração que propiciaram o contraponto a completar essa solitária tarefa. Ao CNPq, pelo apoio financeiro que possibilitou a execução desse trabalho. vi SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................ 1 CAPITULO I - CONCORRÊNCIA E COORDENAÇÃO .............................................. 6 I.1. Concorrência..................................................................................................... 6 I.1.1. Abordagem Clássica ..................................................................................... 7 I.1.2. Abordagem Neoclássica ............................................................................... 8 I.1.3. Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D)..................................... 10 I.1.4. Teoria dos Mercados Contestáveis ............................................................. 12 I.1.5. A Contribuição de Schumpeter................................................................... 14 I.2. Coordenação .................................................................................................. 16 I.2.1. Coordenação Vertical ................................................................................. 17 I.2.2. Coordenação Horizontal ............................................................................. 23 I.2.3. Regulação ................................................................................................... 31 I.2.4. Características Operacionais do Setor Elétrico .......................................... 38 I.3. Metodologia de Análise.................................................................................. 41 I.3.1. Critérios de Eficiência ................................................................................ 42 I.4. Conclusão ....................................................................................................... 45 CAPITULO II - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS .............................................. 47 II.1. Padrão de Desenvolvimento da Indústria de Suprimento Elétrico ................. 47 II.2. Inglaterra e País de Gales ............................................................................... 52 II.2.1. Reforma ...................................................................................................... 52 II.2.2. Resultados................................................................................................... 61 Conclusão................................................................................................................. 83 II.3. Países Nórdicos .............................................................................................. 86 II.3.1. Nord Pool.................................................................................................... 86 II.3.2. Resultados................................................................................................... 93 II.3.3. Conclusão ................................................................................................. 101 II.4. Califórnia ...................................................................................................... 102 II.4.1. Antecedentes............................................................................................. 102 II.4.2. Reforma .................................................................................................... 104 II.4.3. Resultados................................................................................................. 109 II.4.4. Conclusão ................................................................................................. 124 II.5. Lições das Experiências Internacionais........................................................ 126 II.5.1. Condicionantes ......................................................................................... 126 II.5.2. Escolhas .................................................................................................... 131 II.5.3. Resultados................................................................................................. 139 CAPITULO III - REFORMA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO ..................... 142 III.1. Antecedentes................................................................................................. 142 III.2. Reforma ........................................................................................................ 148 III.3. Resultados..................................................................................................... 154 III.3.1. Racionamento ........................................................................................... 154 III.3.2. Eficiência Alocativa ................................................................................. 158 III.3.3. Adequação dos Investimentos .................................................................. 168 III.3.4. Arranjos Institucionais.............................................................................. 173 III.4. Conclusão ..................................................................................................... 178 III.4.1. Condicionantes ......................................................................................... 178 III.4.2. Escolhas .................................................................................................... 179 III.4.3. Resultados................................................................................................. 182 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 187 vii BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 192 ANEXO I - Antecedentes da Reforma da Inglaterra e País de Gales................................ i ANEXO II - Reforma dos Países Nórdicos ...................................................................... v Noruega...................................................................................................................... v Suécia .................................................................................................................... viii Finlândia ................................................................................................................... x Dinamarca .............................................................................................................. xii ANEXO III - Califórnia................................................................................................. xvi PURPA................................................................................................................... xvi Crise: Fatores conjunturais................................................................................ xvii Estratégias de manipulação do preço da eletricidade ................................... xxi ANEXO IV - Antecedentes da Reforma Brasileira................................................ xxv viii ÍNDICE DE FIGURAS Figura I.1 Custos de Governança como uma função da especificidade dos ativos..... 20 Figura I.2 Monopólio Natural Permanente.................................................................. 25 Figura I.3 Monopólio Natural Temporário ................................................................. 26 Figura I.4 Evolução do custo médio de geração termelétrica. .................................... 27 Figura I.5 Efeito Averch-Johnson ............................................................................... 36 Figura II.1 Arquipélago de Ilhas elétricas .................................................................... 48 Figura II.2 Mercado Interconectado ............................................................................. 49 Figura II.3 Tipos de Estrutura....................................................................................... 50 Figura II.4 Estrutura da matriz de Geração de Eletricidade na I&PG (1990) .............. 53 Figura II.5 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 1990/91....................... 55 Figura II.6 Nova Estrutura da Indústria de Suprimento Elétrico da I&PG .................. 56 Figura II.7 Evolução dos Preços Finais da Eletricidade no Reino Unido .................... 62 Figura II.8 Composição do Preço Final da Eletricidade............................................... 63 Figura II.9 Evolução dos Preços Médios Anuais no Pool – £ (2000/01)/MWh ........... 64 Figura II.10 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 2001/02....................... 65 Figura II.11 Participação de mercado de fornecedores ex PES (incumbentes).............. 70 Figura II.12 Evolução da Capacidade de Geração desde a Reforma............................. 74 Figura II.13 Capacidade de Geração por tipo de Planta na I&PG.................................. 75 Figura II.14 Previsão da Capacidade de Geração........................................................... 75 Figura II.15 Capacidade Instalada e Demanda de Pico (GW)........................................ 76 Figura II.16 Evolução do Preço Spot do UKPX, do SSP e SBP (2001/02) ................... 82 Figura II.17 Estrutura da Geração de Eletricidade – 2001 (TWh) ................................. 87 Figura II.18 – Fluxo entre áreas de preço ....................................................................... 89 Figura II.19 Encargo de Congestão ................................................................................ 90 Figura II.20 Evolução do preço do sistema - US$ (2003)/MWh.................................... 93 Figura II.21 Participação de mercado nos Países Nórdicos............................................ 95 Figura II.22 Evolução da Capacidade Instalada e do Consumo Total............................ 97 Figura II.23 Nível semanal dos reservatórios 2002/2003.............................................. 99 Figura II.24 Estrutura do Mercado de Geração ............................................................ 110 Figura II.25 Preços no Mercado Atacado (Média mensal) 1998-2001 US$/MWh...... 111 Figura II.26 Evolução dos Preços Reais Finais da Eletricidade (US$/MWh).............. 113 Figura II.27 Evolução das Tarifas Finais de Eletricidade............................................. 114 Figura II.28 Evolução dos Preços no Mercado em Tempo Real e no Atacado ............ 117 Figura II.29 Evolução da Demanda de Pico e do Consumo de Eletricidade................ 118 Figura II.30 Evolução da Capacidade Instalada de Geração (GW).............................. 118 Figura II.31 Margem de Reserva nos Momentos de Demanda de Pico (%) ................ 120 Figura III.1 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro .............. 148 Figura III.2 Depleção dos Reservatórios e Impacto Previsto do Racionamento ......... 156 Figura III.3 Evolução do Consumo de Eletricidade..................................................... 157 Figura III.4 Evolução do Nível dos Reservatórios no Subsistema SE/CO .................. 158 Figura III.5 Estrutura da Capacidade Instalada no Sistema Interligado Nacional ....... 159 Figura III.6 Evolução do preço de curto prazo no MAE - SE/CO............................... 162 Figura III.7 Evolução do preço de curto prazo no MAE - S........................................ 163 Figura III.8 Evolução do preço de curto prazo no MAE - NE..................................... 163 Figura III.9 Evolução do preço de curto prazo no MAE - N ....................................... 164 Figura III.10 Evolução da tarifa de uso do sistema de transmissão........................... 166 ix Figura III.11 Evolução das tarifas médias de eletricidade ......................................... 167 Figura III.12 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro .......... 168 Figura III.13 Evolução da capacidade instalada e do consumo de eletricidade......... 169 Figura III.14 Adição de Capacidade 1999/junho 2003 – MW................................... 170 Figura III.15 Energia Armazenada (EAR %), Curva guia 2002 e Preço do MAE .... 176 Figura A.1 Participação de Mercado na Geração – Noruega......................................... vi Figura A.2 Preços e Intensidade do consumo de eletricidade ...................................... vii Figura A.3 Consumo de Eletricidade e Capacidade Instalada na Noruega ................. viii Figura A.4 Participação de Mercado na Geração – Suécia............................................ ix Figura A.5 Evolução da Estrutura da Geração de Eletricidade na Suécia 1973-1999.... x Figura A.6 Participação de Mercado na Geração – Finlândia ...................................... xii Figura A.7 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Oeste......................... xiv Figura A.8 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Leste ......................... xiv Figura A.9 Estrutura da Geração de Eletricidade (TWh) ........................................... xvii Figura A.10 Importações Líquidas de Eletricidade da Califórnia (TWh) ............... xviii Figura A.11 Evolução dos Preços do Gás Natural...................................................... xx Figura A.12 Desligamento Planejado ou Forçado de Centrais (GW)...................... xxiii x ÍNDICE DE TABELAS Tabela II.1 Pagamentos aos Geradores ......................................................................... 58 Tabela II.2 Preços da empresa incumbente e de Competidores.................................... 68 Tabela II.3 Modificações nos custos de comercializadores 1998-2002........................ 70 Tabela II.4 Parâmetro de Eficiência (X) na Atividade de Transmissão........................ 71 Tabela II.5 Parâmetro de Eficiência (X) n a Atividade de Distribuição ....................... 72 Tabela II.6 Geradores e comercializadores sob propriedade comum ........................... 77 Tabela II.7 Volume negociado no Nord Pool (TWh) ................................................... 88 Tabela II.8 Evolução dos preços anuais médios nas ‘áreas de preços’......................... 94 Tabela II.9 Concentração de mercado nos países Nórdicos.......................................... 96 Tabela II.10 Balanço de energia dos Países Nórdicos TWh ....................................... 98 Tabela II.11 Balanço de energia e potência e Capacidade de Transporte................... 98 Tabela II.12 Passos do Funcionamento do Mercado do Dia Seguinte...................... 107 Tabela II.13 Preços Competitivos de Referência e Observados no CALPX – 2000 115 Tabela II.14 Blecautes em Rodízio na Califórnia ..................................................... 120 Tabela II.15 Condicionantes das experiências internacionais de reforma ................ 130 Tabela II.16 Desenho de mercado em experiências internacionais .......................... 132 Tabela II.17 Desempenho das experiências internacionais de reforma .................... 140 Tabela III.1 Crescimento da capacidade instalada de geração ..................................... 143 Tabela III.2 Crescimento da capacidade instalada de geração ..................................... 144 Tabela III.3 Perfil institucional do setor elétrico brasileiro pré-reforma...................... 146 Tabela III.4 Privatização no Setor Elétrico Brasileiro.................................................. 150 Tabela III.5 Preços dos contratos de energia no atacado.............................................. 160 Tabela III.6 Revisões tarifárias das empresas de distribuição...................................... 165 Tabela III.7 Potenciais de geração flexível e importação vs. programação ................. 177 Tabela III.8 Características do Setor Elétrico Brasileiro.............................................. 179 Tabela III.9 Desenho dos mercados de eletricidade no Brasil ..................................... 180 Tabela III.10 Desempenho da Reforma Brasileira ..................................................... 182 Tabela A.1 Proposta de Reestruturação das Geradoras Federais ............................... xxvi xi SIGLAS ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica ASMAE – Administradora do Mercado Atacadista de Energia CAISO - California Independent System Operator CALPX - California Power Exchange CCGT – Combined Cycle Gas Turbine CEC – California Energy Commission CEGB – Central Electricity Generation Board CfD – Contracts for Difference CNPE - Conselho Nacional de Política Energética CPUC - California Public Utilities Commission CRC - Conta de Resultados a Compensar CTC – Competition Transition Charge DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DUKES – Digest of UK Energy Statistics DWR - Department of Water Resources EDF – Eletricité de France EFAs – Electricity Forward Agreements EPAct - Energy Policy Act FERC – Federal Energy Regulatory Commission FFE - Fundo Federal de Eletrificação GCE - Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica GCOI - Grupo Coordenador de Operação interligada GCPS - Grupo Coordenado de Planejamento Setorial dos Sistemas Elétricos GN – Gás Natural HHI – Herfindahl-Hirshman Index I&PG – Inglaterra e País de Gales IGP – Índice Geral de Preços II PND – Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento IOU - Investment Owned Utility IPC – Índice de Preços ao Consumidor IUEE - Imposto Único sobre Energia Elétrica LOLP - Loss of Load Probability MAE – Mercado Atacadista de Energia MMC – Mergers and Monopolies Commission MME – Ministério de Minas e Energia MRE - Mecanismo Realocativo de Energia NEC - Nordic Electricity Clearing NETA - New Energy Trade Agreements NGC – National Grid Company Offer - Office of Electricity Regulation Ofgem – Office of Gas and Electricity Markets ONS – Operador Nacional do Sistema PES – Public Electricity Supplier PPP – Pool Purchase Price PPT - Programa Prioritário de Termeletricidade PSP - Pool Selling Price PUC - Public Utility Commission PUHCA - Public Utility Holding Company Act PURPA – Public Utility Regulatory and Policy Act xii REC - Regional Electricity Company RE-SEB - Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro RGG - Reserva Global de Garantia RPI – Retail Price Index SBP – System Buy Price SMP – System Marginal Price SSP – System Sell Price UKPX - UK Power Exchange VN - Valor Normativo xiii INTRODUÇÃO O processo de reforma do setor elétrico ocorre em escala mundial, estando presente nas agendas de países em fases diversas de desenvolvimento econômico. Dezenas de países realizaram, estão realizando ou planejam realizar medidas prómercado no setor elétrico. A indústria de suprimento elétrico, que teve seu desenvolvimento sob a forma dominante de monopólios verticalizadas combinado à regulação por custo do serviço, experimentou um período de crise a partir da década de 70 nos países desenvolvidos. O esgotamento das oportunidades de economia de escala, que caracterizavam a trajetória anterior, e a evidência das ineficiências causadas por essa estrutura industrial (De Oliveira, 1992), tornaram o setor objeto de insatisfação da sociedade e de críticas na academia. O processo de reforma do setor elétrico surgiu nos países desenvolvidos como parte das políticas de redefinição do papel do Estado e liberalização das atividades econômicas implementadas por governos de orientação liberal que chegaram ao poder no início da década de 80. Ainda que experiências tenham ocorrido anteriormente (eg. Chile e PURPA), o paradigma que guiaria o conjunto das reformas do setor elétrico foi definido pela experiência da Inglaterra e País de Gales. O objetivo primordial das reformas do setor elétrico é criar incentivos ao comportamento eficiente das empresas através da introdução da competição. No entanto, as características da indústria não permitem que a estrutura de coordenação centralizada seja simplesmente substituída pela descentralização de mercado. Primeiramente, o transporte de eletricidade é considerado um caso de monopólio natural1 e, portanto, sua operação em regime concorrencial gera ineficiências. Assim, a competição se limita aos extremos da cadeia produtiva, geração e comercialização, que devem ser desvertizalizadas das atividades de transporte que continuam a ser reguladas. Outras características tornam a coordenação no setor elétrico mais complexa do que as demais atividades econômicas. A eletricidade não pode ser estocada, assim o ajuste entre oferta e demanda deve ocorrer instantaneamente, i.e. em tempo real. A 1 Esse é um dos exemplos mais utilizados por manuais de economia para ilustrar situações de monopólio natural. 1 organização da indústria em rede acarreta em profundas interpendências na operação e nos investimentos. Finalmente, por estar presente em quase a totalidade dos processos produtivos, ser serviço essencial ao bem-estar e importante fonte de poluição, a eletricidade gera externalidades positivas e negativas para o resto da economia, sendo considerada um serviço de utilidade pública. Como resultado dessas complexidades, as reformas combinam elementos de coordenação centralizada e coordenação descentralizada (mercado). Além dessas características, que são comuns a qualquer sistema elétrico, particularidades estruturais institucionais e operacionais de cada experiência condicionam a escolha do desenho da reforma, determinando a combinação adequada de elementos de centralização e descentralização. O objetivo da tese é identificar a combinação adequada ao setor elétrico brasileiro, considerando as complexas características do nosso sistema. Para tanto, a análise conta com o subsídio das lições advindas das experiências internacionais de reforma. Três experiências internacionais são analisadas: Inglaterra e País de Gales, Países Nórdicos e Califórnia. A escolha desse conjunto se deve ao primeiro caso ter definido um paradigma para as demais reformas, o segundo contar com relevante participação da geração hidrelétrica, como ocorre no Brasil, e ter constituído um exemplo de sucesso por um longo período e o terceiro devido a crise enfrentada em 2000/01. A análise das experiências procura identificar as características que condicionaram a reforma em cada caso, o desenho adotado e o desempenho alcançado. A tese utiliza ferramentas teóricas de distintas abordagens. O primeiro capítulo apresenta a teoria econômica que ajuda a responder duas questões: Por que reformar a indústria de suprimento de eletricidade? E como reformá-la? A justificativa da reforma está relacionada ao conceito de concorrência e suas implicações ao bem-estar. O estímulo à eficiência gerado pela concorrência é a síntese do argumento teórico da reforma. Diversas abordagens teóricas contribuíram para a construção desse argumento. A abordagem clássica evidenciou o papel que a concorrência ocupa na evolução dos sistemas capitalistas. Na teoria neoclássica esse argumento foi aperfeiçoado e o modelo de concorrência perfeita se tornou a principal referência para a avaliação do desempenho dos mercados. O modelo Estrutura-Conduta-Desempenho analisa como as 2 condições estruturais da indústria determinam sua performance, destacando o papel da concorrência potencial. Esse último aspecto é o foco da Teoria dos Mercados Contestáveis, que considera a concorrência potencial suficiente para que os benefícios da concorrência perfeita sejam alcançados mesmo em estruturas concentradas (oligopólio e monopólio). Schumpeter considera a concorrência como um processo dinâmico, atentando sobre o impacto das inovações para o desenvolvimento das economias capitalistas. O conceito de coordenação permite analisar como a indústria de suprimento elétrico deve ser organizada para possibilitar que os benefícios propiciados pela concorrência sejam alcançados. O conceito de coordenação na teoria econômica é bastante empregado no debate planejamento centralizado vs. economia de mercado. No entanto, a tese foca um setor específico e não o funcionamento geral da economia. A análise relevante é o estudo dos fatores que determinam as formas de coordenação (centralizadas, descentralizadas ou, mais importante, combinação dessas) mais adequadas para determinada atividade econômica. Parte relevante da ciência econômica se dedicou a demonstrar que a coordenação propiciada pelo mercado é a mais eficiente. O modelo de equilíbrio geral é a principal referência para o tratamento de sistemas econômicos onde a totalidade das decisões é tomada de forma descentralizada, onde o preço das mercadorias provê todas as informações relevantes. No entanto, o tratamento das indústrias de rede é usualmente relacionado ao conceito de falhas de mercado. Externalidades e situações de monopólio natural fazem com que o resultado de mercado não seja plenamente eficiente. Essa situação justifica a regulação dessas atividades. A eficiência da atividade regulatória é o objeto de estudo da Teoria da Regulação. Mas é a Economia dos Custos de Transação que oferece insights interessantes sobre o desenvolvimento de estruturas de coordenação que combinam centralização e descentralização. A abordagem tem como unidade de análise a transação e surgiu com a obra seminal de Coase2, em 1939, que aponta que os custos de transação explicam porque certas transações não são coordenadas pelo mercado e sim internamente à firma. Williamson enriqueceu a análise, considerando os determinantes do arranjo institucional 2 Coase (1990) 3 (hierarquia, mercado ou estruturas híbridas) mais eficiente para a realização das transações. O critério de avaliação das experiências de reforma é a eficiência econômica. O conceito de eficiência é bastante importante na ciência econômica e as abordagens utilizam critérios distintos para avaliá-la. Três critérios são utilizados para avaliar a eficiência estática e dinâmica. A eficiência alocativa é o critério para utilizado para avaliar a eficiência estática. Essa se traduz na alocação dos recursos de forma a gerar maiores rendimento e utilidade entre as alternativas possíveis. Segundo a teoria econômica, essa se traduz na proximidade entre preços e custos marginais. A eficiência dinâmica é expressa pela adequação dos investimentos, que se reflete na evolução da capacidade instalada e da demanda de eletricidade. Essas variáveis, usualmente, determinam a segurança do abastecimento no longo prazo, aspecto muito importante no desempenho das experiências de reforma do setor elétrico. O último critério é a eficiência dos arranjos institucionais. Sob esse critério, é analisado se a estrutura de governança é adequada para a realização das transações, o que é traduzido pelos custos de transação. Sua verificação é a realizada pela análise das respostas das empresas à estrutura implantada com a reforma e do comportamento do órgão regulador e de outras instituições. As características do setor elétrico que criam a necessidade de coordenação complementar à gerada pelo mercado são tratadas no final do primeiro capítulo. O segundo capítulo aborda as experiências internacionais de reforma. Primeiramente, é apresentado o padrão de evolução da indústria de suprimento elétrico que antecedeu o processo de reforma. A apresentação segue pela descrição das experiências de reforma na Inglaterra e País de Gales, países nórdicos e Califórnia. Essa evidencia as características iniciais que condicionaram as experiências; a escolha do desenho da reforma que determina o espaço da concorrência; e o desempenho alcançado segundo os três aspectos da eficiência econômica. O capítulo é concluído pela análise comparativa das experiências. O terceiro capítulo aborda a experiência brasileira. A exposição é iniciada pelos antecedentes da reforma e segue pelas medidas que, dispersas ao longo do tempo, determinaram a liberalização da indústria e definiram a nova estrutura institucional. 4 O último capítulo conclui a tese, procurando evidenciar as lições que as experiências internacionais propiciam para o desenvolvimento de um desenho de reforma adequado às características do sistema elétrico brasileiro. 5 CAPITULO I - CONCORRÊNCIA E COORDENAÇÃO Ainda que questões conjunturais sejam relevantes na reforma do setor elétrico, somente um forte argumento teórico poderia promover sua difusão. Este capítulo explora os elementos teóricos que contribuíram para que o processo de reforma setorial tenha alcançado dimensão global. Duas questões orientam a análise teórica: Por que reformar a indústria de suprimento de eletricidade? E como reformá-la? As respostas a essas perguntas estão relacionadas com o conceito de concorrência, base teórica que justifica a realização da reforma, e com o conceito de coordenação, que orienta o desenvolvimento dos novos arranjos institucionais setoriais. A primeira seção do capítulo explora as análises teóricas que destacam os ganhos de bem-estar resultantes da concorrência como justificativa para a introdução de pressões competitivas na indústria. A segunda tem como foco o conceito de coordenação, analisando formas de coordenar as decisões econômicas além do mercado. Por fim, são apresentadas as dimensões utilizadas para avaliar a eficiência econômica de arranjos institucionais. I.1. Concorrência O conceito de concorrência transcende os limites da teoria econômica. Em seu sentido mais amplo, a concorrência significa a pretensão do mesmo fim por mais de um agente3. Na teoria econômica, o conceito de concorrência assume posição central na análise do funcionamento do sistema capitalista4. Essa seção aponta as principais características e os resultados do processo concorrencial nas abordagens mais relevantes ao escopo da tese. 3 Segundo a definição de Stigler constante no “The New Palgrave: A Dictionary of Economics”: “Competition is a rivalry between individuals (or groups or nations), and it arises whenever two or more parties strive for something that all cannot obtain” (Stigler, 1987, p 531). 4 Segundo John Stuart Mill, “Only trough the principle of competition has political economy any pretension to the character of science” (in McNulty, 1967). 6 I.1.1. Abordagem Clássica Adam Smith utiliza o conceito de concorrência5 para explicar a determinação dos preços na economia. A “Lei de Oferta e Demanda”, que sintetiza a percepção do autor quanto ao funcionamento da concorrência, sustenta que os “preços de mercado” tendem a ser maiores quando a quantidade de bens levada ao mercado pelo ofertante é inferior à quantidade que os consumidores gostariam de adquirir ao seu “preço natural” (demanda efetiva) e menores quando a quantidade ofertada excede a demanda efetiva. Como afirma Stigler (1957), o significado da concorrência nesse contexto é “uma disputa para garantir uma oferta limitada ou uma disputa para se livrar do excesso do oferta”6. Nas abordagens clássicas, o resultado do processo de concorrência é a tendência de equalização das taxas de lucro, o que constitui a “Lei da Uniformização das Taxas de Lucro”. Por hipótese, os recursos produtivos têm livre mobilidade e os empreendedores, que contam com informações perfeitas, os empregam de forma a gerar o maior retorno econômico possível. No equilíbrio competitivo, os recursos produtivos estarão distribuídos de forma tal que cada uso gera o mesmo retorno. Esse resultado é parte fundamental da teoria clássica. Como afirma Semmler (1987), “a livre competição era considerada como uma força organizadora e de equilíbrio em uma sociedade de trocas, tornando os preços naturais o centro de gravidade para os preços de mercado através de fluxos de capitais advindos de áreas de menores taxas de retorno para áreas de maiores”7. A visão de concorrência na obra de Marx é mais abrangente que a de outros autores clássicos8. O autor particulariza a análise clássica, considerando as turbulências do processo competitivo não apenas como produto de problemas de circulação (guerra de negócios e preços), mas também como conseqüência da “constante pressão sobre os capitais individuais para inovar sob a penalidade de ruína”9, concluindo que o processo de acumulação de capital leva necessariamente ao confronto dos capitais individuais. Do enfrentamento entre firmas deriva não só a evolução econômica, acumulação e crescimento, mas também a falência de firmas obsoletas e a concentração do capital. As 5 McNulty (1967) aponta que outros autores trataram do conceito de competição antes de Adam Smith, cujo tratamento da concorrência não pode ser considerado original. 6 Stigler (1957) pp. 1 - 2. Tradução Livre (TL) 7 Semmler (1987) pg. 540. (TL). 8 Ver Semmler (1984). 9 Harris (1988), p 140 (TL). 7 firmas não são percebidas como agentes econômicos passivos, mas como atores que promovem a reorganização da produção e das atividades no mercado considerando as respostas do rivais10. Apesar de considerar as turbulências do processo competitivo e as assimetrias decorrentes de inovações, Marx não rompe com a Lei da Uniformização da Taxa de Lucros. Essa tem um papel primordial em sua teoria da evolução das sociedades capitalistas. O autor aponta que as taxas de lucros tendem a diminuir com o progresso do capitalismo, acirrando a luta entre classes. Segundo Marx, primeiramente, a concorrência atua na esfera de cada mercado, gerando um preço único para cada mercadoria. A concorrência entre capitais atua nas várias esferas igualando taxas de lucros entre setores econômicos, sendo que este último processo requer um estágio mais elevado da produção capitalista que o primeiro11. Apesar da importância da concorrência em seu arcabouço teórico, os autores clássicos não chegaram a desenvolver um conceito estrito de concorrência. Ainda que alguns autores, como Senior, tenham atentado sobre a irrealidade das hipóteses da teoria clássica sobre o funcionamento dos mercados12, a inexistência de grandes empresas não gerou preocupação por desenvolver um tratamento mais aprofundado da concorrência. I.1.2. Abordagem Neoclássica A análise marginalista foi aplicada na segunda metade do século XIX para explicar a alocação de recursos escassos. A teoria neoclássica desenvolveu uma nova teoria do valor baseada na interação entre oferta e demanda que combinava conceito de utilidade à teoria dos custos de produção, originada nos clássicos. Nessa abordagem, o modelo de concorrência perfeita é a referência para a análise da eficiência econômica13. O modelo foi inicialmente formulado por Cournot em 1838. Segundo a análise de Cournot, que estudava a maximização de lucros em 10 Semmler (1987) p 540. Marx in Eatweel (1982) p 210. 12 “But though, under free competition, cost of production is the regulator of price, its influence is subject to much occasional interruption. Its operation can be supposed to be perfect only if we suppose that there are no disturbing causes, that capital and labour can be once transferred, and without loss, from one employment to another, and that every producer has full information of the profit to be derived from every mode of production. But it is obvious that these suppositions have no resemblance to the truth.” Stigler (1987). 11 8 estruturas de oligopólio, “os efeitos da competição alcançam seu limite quando a quantidade produzida por cada agente (Dk) é irrelevante, não apenas em relação ao total da produção D = F(p), mas também em relação à sua derivada F’(p). Assim, a produção parcial Dk pode ser subtraída de D sem que ocorram variações relevantes no preço do bem”14. Seu modelo tratou de forma rigorosa o conceito concorrência, ainda que nem todos os requisitos que caracterizam um mercado competitivo tenham sido abordados. A partir da formulação de Cournot, vários autores15 contribuíram para a evolução do modelo de concorrência perfeita, o qual, da forma que conhecemos hoje, considera uma série de hipóteses·: (i) Racionalidade perfeita e maximizadora – Conhecendo perfeitamente todo o conjunto de possibilidades, consumidores escolhem de maneira a maximizar sua utilidade dada sua restrição orçamentária e produtores objetivam a maximização de lucros. (ii) Atomização do mercado – O mercado conta com inúmeros ofertantes e demandantes com volumes insignificantes de produção e de consumo em relação ao tamanho do mercado, sendo as decisões tomadas independentemente (sem conluio). Desta forma, ofertantes e demandantes não são capazes de alterar o preço de equilíbrio individualmente. Nesta situação, os agentes são “price takers”.16 (iii) Homogeneidade dos produtos – Os produtos oferecidos no mesmo mercado são percebidos como idênticos e o consumidor é indiferente entre escolher produtos de ofertantes distintos quando o preço é o mesmo. (iv) Livre mobilidade do capital - Não há barreiras à entrada de concorrentes. Firmas entram no mercado instantaneamente e sem custos. 13 Segundo Roberts (1987), “no set of ideas is so widely and successfully used by economists as is the logic of perfectly competitive markets”. 14 Cournot in Stigler (1957). (TL). 15 As contribuições de Jevons, em 1871, que introduziu a condição de conhecimento perfeito, Edgeworth, em 1881, que foi o primeiro economista a definir sistemática e rigorosamente as condições que caracterizam a situação de concorrência perfeita, e Knight, em 1921, que ofereceu uma formulação completa do conceito de competição perfeita, foram especialmente relevantes. 16 Uma hipótese subjacente a de atomização é a de ausência de retornos crescentes à escala. Ou seja, que não existem ganhos econômicos relacionados à escala de produção. 9 (v) Ausência de externalidades – Todos os custos de produção estão internalizados. (vi) Economia estacionária – Fatores e condições permanecem imutáveis no período analisado. O modelo de concorrência perfeita descreve uma situação de equilíbrio. A concorrência é considerada como um ajuste passivo, isento de turbulências, que homogeneíza os concorrentes e elimina a possibilidade de lucros extraordinários. Em concorrência perfeita, o equilíbrio de mercado ocorre com o preço se igualando ao custo marginal dos ofertantes, que realizam lucros nulos (normais). O modelo de concorrência perfeita consiste em uma abstração, pois suas hipóteses não são observáveis no mundo real. Sua relevância se deve ao fato de servir como referência (benchmark) para a avaliação do desempenho dos mercados. I.1.3. Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D) A análise do desempenho de setores industriais tem sua origem no modelo E-CD17 que adota como hipótese básica que os fatores estruturais são determinantes unívocos do desempenho dos mercados. Utilizando análises empíricas, essa abordagem relaciona variáveis de estrutura (grau de concentração e barreiras à entrada) e variáveis de desempenho, usualmente expressadas pelo desvio em relação ao ótimo competitivo. Como foi destacado, a atomicidade do mercado é um pressuposto fundamental para caracterizar um mercado perfeitamente competitivo. Os indicadores da concentração de mercado têm por objetivo verificar em que grau uma determinada indústria se afasta desta situação hipotética. Os índices mais simples são os de razão de concentração (CR), que medem a participação das maiores empresas no mercado em análise. Normalmente, é utilizado o CR (4) que consiste no somatório da participação de mercado das quatro maiores empresas. No entanto, esses índices não fornecem informações sobre as outras empresas e de como as maiores empresas dividem o mercado. 17 O trabalho seminal de Bain, em 1956, deu origem a uma série de estudos empíricos, que marcam a gênese da disciplina de Economia Industrial (ou Organização Industrial) no currículo de economia. O livro texto de Scherer e Ross (1990) sintetiza as principais contribuições que formam esse modelo teórico. 10 O Índice de Herfindahl-Hischman (HHI), que corresponde ao somatório do quadrado da participação de mercado (si) das n empresas que atuam na indústria n analisada ( ∑ s i2 ), é um indicador mais completo. Além de fornecer informações sobre i =1 a quantidade de empresas atuantes e dispersão do mercado, esse conta com um argumento teórico que aponta para seu relacionamento com o grau de lucratividade na indústria18. Esse é o índice mais utilizado para medir o grau de concentração em atividades econômicas, inclusive para orientar políticas de proteção da concorrência19. O conceito de barreira à entrada, importante contribuição de Bain à teoria econômica, evidencia a relevância da concorrência potencial para determinar o desempenho das empresas. Assim, a concorrência não se resume à disputa entre as empresas já estabelecidas no mercado (concorrência real), mas também é formada pela ameaça da entrada de novas empresas (concorrência potencial). Segundo o autor, Barreira à entrada corresponde a qualquer fator estrutural que permite às empresas estabelecidas praticarem preços superiores ao nível competitivo sem induzir a entrada de novas firmas no mercado. As barreiras à entrada têm quatro fontes: (i) vantagens absolutas de custos; (ii) preferência dos consumidores por produtos das firmas estabelecidas; (iii) economias de escala; (iv) elevados requerimentos de capital inicial. Com base nesses elementos, Bain procurou determinar como as empresas estabelecidas definem preços de forma a não estimular a entrada (preço limite). O desvio entre preços praticados em relação ao ótimo competitivo (Cmg) é o critério usualmente utilizado para aferir o desempenho da indústria (eficiência alocativa20). O índice de Lerner reflete o poder de mercado na indústria. Esse é definido pela fórmula: P − CMg . P 18 Considerando oligopólio homogêneo e competição de Cournot, o índice de Lerner, desvio entre preço e custo marginal, se relaciona positivamente com o HHI. Assim, há uma justificação teórica para a utilização HHI como medida de poder de mercado. Além disso, o HHI respeita as cinco propriedades básicas dos bons indicadores de concentração definidas por Encaoua e Jacquemin (Resende e Boff, 2002, pgs. 88-90). 19 Na legislação antitruste norte-americana, fusões em indústrias com valores inferiores a 1000 não são consideradas preocupantes quanto a intensidade da competição. Em indústrias com valores entre 1000 e 1800, a fusão é preocupante somente quando implica em aumento de maior ou igual a 100 pontos no HHI. E em indústrias com HHI maior que 1800, fusões que causem aumento do índice de 50 pontos já são consideradas preocupantes (Resende e Boff, 2002). 20 Esse tema será tratado mais detalhadamente no Item I.3. 11 A crítica usual ao modelo E-C-D consiste na desconsideração da conduta das empresas como determinantes do desempenho, o que contraria a intuição e evidências empíricas. Progressivamente, a teoria passou a considerar uma retroalimentação entre as variáveis de estrutura, conduta e desempenho, mas a possibilidade de múltipla causalidade acabou por enfraquecer seu poder explanatório. Somam-se críticas quanto à homogeneidade de taxas de lucros entre as empresas que formam a indústria e quanto à endogeneidade das variáveis de estrutura e desempenho21. No entanto, como aponta Kupfer (2002), mesmo considerando as limitações do paradigma E-C-D, esse ainda é um importante guia para a ação política, pois a experiência empírica mostra que concentração industrial e barreiras à entrada apresentam relação sistemática com o desempenho da indústria. I.1.4. Teoria dos Mercados Contestáveis Diversos modelos teóricos foram desenvolvidos para tratar de situações em que há um número limitado de firmas atuando no mercado. Entre os modelos de concorrência em oligopólio, a teoria dos mercados contestáveis é particularmente importante para a análise da concorrência em indústrias de rede. A proposta desta teoria, desenvolvida por Baumol, Panzar e Willig (1982), consiste em desenvolver um modelo que incorpore algumas complexidades do mundo real não consideradas no modelo de concorrência perfeita, notadamente os ganhos de escala22. Esta teoria aponta que os resultados de concorrência perfeita podem ser observados em situações de oligopólio/monopólio em função da concorrência potencial, que é expressa na contestabilidade dos mercados. “Mercados contestáveis são aqueles onde as pressões competitivas de entrantes potenciais constituem fortes restrições ao comportamento das firmas estabelecidas”23. Baumol, Panzar e Willig (1982) afirmam que, em situações onde o mercado é perfeitamente contestável, que constitui um benchmark para esta teoria, a atomicidade da oferta não é pré-condição para obtenção de preços de concorrência perfeita. Os autores caracterizam um mercado perfeitamente contestável pelas seguintes condições: 21 Kupfer (2002). Baumol, Panzar e Willig (1986, pg. 340) afirmam que o modelo de contestabilidade perfeita é uma generalização do modelo de concorrência perfeita. 23 Willig (1987). TL 22 12 (i) entrada e saída do mercado livres e sem custos (esta hipótese é denominada “hit and run”)24; (ii) resposta não instantânea das firmas estabelecidas em relação à entrada de concorrentes; (iii) racionalidade perfeita (ausência de incerteza); e (iv) entrantes com a mesma dotação tecnológica das estabelecidas. Respeitadas essas condições, a firma se comportará eficientemente mesmo em situações de monopólio natural25, produzindo no nível que minimiza o custo total26 da indústria. Desta forma, o monopólio não acarreta necessariamente em perdas de bemestar em relação ao ótimo competitivo27. A implicação normativa é que, em mercados que se aproximam da condição de perfeita contestabilidade, a política de laissez faire propiciará melhores resultados para a sociedade do que a regulação ativa. Esta visão deu suporte à liberalização das indústrias de serviços públicos ao sustentar que a abertura da indústria à competição potencial é suficiente para atingir resultados desejáveis, sem necessidade de políticas regulatórias. Vickers e Yarrows (1988) revisam a literatura que apresenta críticas sobre a consideração da “demora” da firma estabelecida em baixar seus preços em resposta à entrada e a não robustez da hipótese de custos afundados nulos28. Os autores questionam a aplicabilidade da teoria às indústrias de serviços públicos privatizadas no Reino Unido. A ameaça de entrada não é suficiente para compelir as firmas dominantes à se comportarem eficientemente, para tanto, é necessário o reforço de políticas de defesa da concorrência ou a regulação direta29. As implicações normativas dessa teoria deveriam levar em conta a aderência das hipóteses à realidade, já que as características dessas indústrias, particularmente as do setor elétrico30, não são compatíveis a situação de perfeita contestabilidade31. De fato, a 24 Nesta condição, não existem custos afundados (sunk costs). Ou seja, todos os custos incorridos pela entrante podem ser totalmente recuperados caso esta decida deixar este mercado, possibilitando que empresas entram e saiam do mercado sem comprometimentos (por isso, a estratégia de “hit and run” é possível). 25 A situação de monopólio natural é apresentada no item 1.2.1. 26 Em situações de monopólio natural, o custo marginal é o inferior ao custo médio. Assim, o resultado maximiza o bem-estar, sujeito a restrição de que as firmas não tenham prejuízo (configurações possíveis). Este resultado é denominado de “second best” ou “ótimo de Ramsey”. Quando as condições de minimização de custo permitem que cada bem seja produzido por ao menos duas firmas, o resultado de “first best”, alocação de recursos que propicia a igualdade entre preços e custo marginal, é alcançado. 27 Baumol, Panzar & Willig (1986). 28 A não robustez implica que a teoria não é útil como uma aproximação da realidade. 29 Vickers e Yarrow (1988) pg. 61. 30 Bouttes & Leban (1995) avaliam o grau de contestabilidade das indústrias de rede. O setor elétrico é avaliado como um dos menos contestáveis. 13 teoria dos mercados contestáveis sobre-valorizou o papel da concorrência potencial baseado em uma situação bastante peculiar. O seu propósito de promover uma generalização dos resultados de concorrência perfeita não é alcançado e a necessidade de regulação não é eliminada. No entanto, a teoria dos mercados contestáveis tem os méritos de tratar elementos usualmente ignorados na economia industrial, como as indústrias multi-produtos, e de apontar a relevância dos custos afundados (sunk-costs) e da concorrência potencial. O conceito de contestabilidade dos mercados sintetiza a intensidade da concorrência potencial, sendo bastante utilizado na literatura de indústrias de rede para indicar os benefícios da liberalização da indústria32. I.1.5. A Contribuição de Schumpeter A abordagem de Schumpeter representa uma ruptura radical com a análise neoclássica, focando um ponto não enfatizado anteriormente: “as incessantes modificações nos produtos e nas formas de produzi-los”. Schumpeter concebe o processo de concorrência centrado na inovação, considerando-a como o “impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista”33. O êxito do processo inovativo resulta em vantagens competitivas para o inovador, criando uma posição temporária de monopólio e possibilitando a realização de lucros extraordinários. Desta forma, o progresso técnico é incorporado no corpo teórico, deixando de ser uma variável exógena34. A concorrência não é formulada apenas como competição por preços. O que é considerado relevante é “a concorrência através de novas mercadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta, novos tipos de organização”,35 ou seja, a concorrência via inovações. Schumpeter recupera a análise de Marx, analisando a dinâmica do processo de concorrência. A análise que importa é a da evolução dos resultados, pois “como estamos tratando de um processo em que todos os elementos levam um tempo considerável para 31 Um dos formuladores do modelo, Willig, aponta que a primeira tarefa na análise da política governamental eficiente para uma indústria consiste em verificar a existência de barreiras à entrada e se a ameaça de entrada realmente restringe o comportamento da firma estabelecida (Willig, 1987). 32 E.g. Bouttes e Leban (1995). 33 Schumpeter (1984) p. 112. 34 Na teoria neoclássica, o progresso técnico é uma variável exógena que tem o efeito deslocar as curvas de possibilidades de produção da totalidade das firmas, não sendo consideradas as assimetrias decorrentes do processo inovativo. 14 revelar suas características verdadeiras e seus efeitos finais, não tem sentido avaliar o desempenho de tal processo ‘ex visu’ de um dado ponto do tempo”.36 No entanto, como não pressupõe alguma tendência ao estado de equilíbrio em que as taxas de lucros sejam uniformes, o resultado alcançado pela análise de Schumpeter é diverso do resultado da de Marx. As assimetrias entre firmas são geradas constantemente e constituem a essência do desenvolvimento do sistema capitalista Schumpeter também considera o movimento de ajustamento da concorrência provocado pela difusão da inovação37. Porém, ao contrário da teoria clássica, o movimento de ajuste não recupera o ponto de equilíbrio inicial, pois a inovação modifica as estruturas de forma irremediável, sintetizado pelo conceito de destruição criativa. Ou seja “o processo... que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova”.38 Schumpeter não considera a concorrência e o monopólio como conceitos excludentes. O monopólio ocupa um papel fundamental no processo de concorrência, sendo o motivador e o resultado do processo competitivo. O monopólio, neste contexto, é o que as firmas buscam ao inovar para poderem realizar lucros extraordinários. As firmas ocupam posições monopolistas como resultado do processo inovativo bem sucedido, que possibilita adquirir o prêmio dos lucros extraordinários. Por outro lado, o oligopólio e o monopólio per se não implicam em ausência de pressões competitivas, pois a posição monopolista não é eterna, e sim um resultado temporário, já que uma inovação de outra firma, ou a mera difusão da inovação que gerou a posição de monopólio, pode reverter esta posição. Neste sentido a concorrência “age não apenas quando existe de fato, mas também quando é meramente uma ameaça onipresente”.39 A contribuição de Schumpeter tem forte implicação sobre a relação entre a estrutura do mercado e bem-estar. Os mercados devem ser avaliados dinamicamente e a pulverização da oferta deixa, então, de ser um sinônimo de eficiência. Nessa perspectiva, situações de monopólio têm o importante papel de premiar o esforço inovativo e dessa forma estimular o progresso econômico. 35 Schumpeter (1984) p. 114. Schumpeter (1984) p. 113. 37 Seguindo a lógica, a inovação é o movimento ativo da concorrência. 38 Schumpeter (1984) pp 112-113. 39 Schumpeter (1984) p. 115. 36 15 Os evolucionistas, uma das correntes teóricas classificadas como neoschumpeterianas, analisam o processo de concorrência em uma analogia com a teoria darwiniana da evolução das espécies. Assim a concorrência é vista como um mecanismo de evolução, constituindo um ambiente seletivo40. Neste contexto, a seleção de inovações constitui a “mais importante função socio-econômica dos mercados” 41 e é por esta função que o mercado deve ser avaliado. Ou seja, por sua eficiência seletiva. Os evolucionistas destacam a regularidade do progresso tecnológico das indústrias. Vários autores salientaram as características seletiva, acumulativa e direcionada das atividades inovadoras. Segundo essa visão, o progresso técnico se dá, em geral, através de uma seqüência de pequenos avanços tecnológicos ao longo do tempo que são direcionados pelos desafios criados por essa seqüência. Quatro conjuntos de conceitos se destacam: o conceito de imperativos tecnológicos de Rosenberg; os conceitos de design padrão/guideposts tecnológicos e avenidas tecnológicas de Sahal; os conceitos de trajetória natural e regime tecnológico de Richard Nelson e Sidney Winter; e os conceitos de paradigmas e trajetórias tecnológicas de Giovanni Dosi. I.2. Coordenação A coordenação das ações econômicas pode ser obtida de várias formas, com diferentes resultados. Apesar de o termo coordenação ser muitas vezes tratado como o oposto de mercado, este último é também uma forma de obter coordenação. “[N]o mercado descentralizado e impessoal, (...) a coordenação é o resultado não intencional de relações mercantis isoladas, determinadas por sucessivas decisões independentes que visam exclusivamente o interesse individual”42. Parte relevante da ciência econômica se dedicou a demonstrar que a coordenação propiciada pelo mercado é mais eficiente, tendo o modelo de Equilíbrio Geral se tornado a principal referência para o tratamento de sistemas econômicos onde a totalidade das decisões econômicas é tomada descentralizadamente43. Nesse modelo o 40 O mercado não constitui o único componente de um ambiente seletivo. As instituições regulatórias também cumprem o papel de seleção. 41 Possas (1996) p. 79. 42 Pondé (2000) pg 27 43 Como o modelo de equilíbrio Geral, conforme apresentado por Arrow-Debreu, utiliza a figura do leiloeiro alguns apontam que as decisões não são descentralizadas em sua totalidade. Guerrien (2002) afirma que “The Arrow-Debreu model has nothing to do with competition and markets, it is a model ‘highly centralized’ economy, with a benevolent auctioneer doing a lot of things and with stupid price 16 preço da mercadoria provê todas as informações relevantes para decisões econômicas eficientes, sendo o sinal suficiente para a tomada de decisões. No entanto, a literatura econômica aponta que existem situações em que o mercado descentralizado não gera coordenação eficiente, justificando a utilização de configurações para realizar transações econômicas que comportam outros elementos além do mercado. Nesse sentido, pode-se distinguir dois tipos de coordenação: vertical e horizontal. O segundo ocorre entre as etapas da cadeia produtiva, sendo o interesse central da teoria dos custos de transação. O primeiro consiste em articular as relações entre empresas que atuam na mesma etapa da cadeia produtiva, sendo o espaço analítico das chamadas falhas de mercado. I.2.1. Coordenação Vertical A coordenação vertical das cadeias produtivas é o foco da Economia dos Custos de Transação. Essa teoria procura recuperar as contribuições da Economia Institucional desenvolvidas no início do século XX por Commons, Veblen e Mitchell. Essa análise tem as instituições como objeto, o que pode ser sintetizado na expressão: instituições importam. A Economia dos Custos de Transação tem sua origem no trabalho seminal de Coase (1990) que questiona a razão da existência de organizações (firmas) se os mecanismos de preço, segundo as prescrições da teoria econômica, forneceriam a coordenação mais eficiente. Para Coase, algumas atividades não são coordenadas via preço, pelo mercado, mas sim no interior da firma, pelo empreendedor. “A principal razão que torna o estabelecimento de firmas vantajoso é o custo da utilização de mecanismos de preço”44. Assim, as firmas se defrontam não apenas com custos de produção, mas também com custos de transação, que incluem os custos de pesquisar os preços relevantes, da elaboração e execução de contratos comerciais e os resultantes das incertezas envolvidas na utilização de mecanismos de preço. A firma internaliza atividades sempre que o custo de utilizar mecanismos de preço (custos de transação) é superior ao de organizar internamente a produção (custos de coordenação). taker agents”. Brousseau e Glachant (2002) também apontam que o modelo de equilíbrio geral assume a pré-existência de coordenação coletiva (Brousseau e Glachant, 2002 pg. 4). 44 Coase (1990) p 390. TL. 17 Os trabalhos de Williamson conferem bases mais sólidas para a teoria dos custos de transação. Utilizando hipóteses distintas daquelas tradicionalmente consideradas na microeconomia, o autor analisa como os agentes procuram construir o arranjo institucional (estrutura de governança) mais eficiente para a realização de transações econômicas. Não se limitando à dicotomia mercado vs. hierarquia, o autor aponta para a possibilidade de a coordenação das transações ocorrer através de estruturas híbridas, que combinam características destes dois arranjos institucionais. O problema de organização econômica é tratado como um problema contratual, tendo como unidade fundamental de análise a transação. A transação entre agentes não se resume ao contato instantâneo e impessoal de mercado; há, também, a transação duradoura, que gera comprometimento entre os agentes. Este segundo tipo de transação é o foco da análise. Williamson utiliza duas hipóteses comportamentais, racionalidade limitada e oportunismo, sustentando que “qualquer tentativa de tratar seriamente o estudo de organizações econômicas deve considerar as ramificações combinadas de racionalidade limitada e oportunismo em conjunção com a condição de especificidade de ativos”45. O autor considera a racionalidade limitada nos termos desenvolvidos por Simon. Ou seja, os agentes, apesar de racionais, não são oniscientes e sim limitados por aspectos cognitivos e computacionais46. A hipótese de racionalidade limitada tem profundas implicações sobre a análise econômica, pois a hipótese de racionalidade substantiva (racionalidade perfeita e maximizadora) é uma hipótese central das abordagens microeconômicas tradicionais47. A implicação da hipótese de racionalidade limitada na abordagem de Williamson é a impossibilidade de os agentes desenvolverem contratos completos. Ou seja, contratos em que estejam previstas todas as situações possíveis no futuro, instituindo salvaguardas para qualquer possibilidade. A hipótese de racionalidade limitada ganha relevância particular em ambientes complexos e incertos. Assim, é difícil e custoso computar as situações possíveis e é impossível associar probabilidades aos eventos para calcular seu pay-off. Nesse contexto, “os agentes tomam decisões baseados em um montante de informações que não é ótimo, em expectativas ou crenças 45 46 Williamson (1985) pg. 42. TL Simon (1979). 18 que não são justificadas racionalmente e utilizando critérios de escolha que não realizam comparação exaustiva de todas as alternativas possíveis”. A hipótese de oportunismo é uma contribuição original de Williamson, que o descreve como a ação que objetiva o interesse próprio de maneira dolosa. De forma geral, oportunismo significa a revelação incompleta ou distorcida de informações visando, de forma intencional, confundir outros agentes48. O oportunismo se manifesta ex ante e ex post à realização de contratos, gerando problemas de ‘seleção adversa’ e ‘de risco moral (moral hazard)’49. A presença de oportunismo cria incerteza relacionada às transações econômicas. O autor considera três dimensões que caracterizam as transações econômicas especificidade dos ativos, incerteza e freqüência, destacando que “a condição de especificidade dos ativos é a dimensão mais crítica para a descrição das transações”50. Os ativos específicos são definidos como “investimentos duradouros que são desenvolvidos em suporte a transações particulares, e que não podem ser recuperados sem sacrifício de seu valor econômico caso o contrato seja rompido”51, já que a melhor utilização alternativa para tais ativos é substancialmente menos atrativa que a original. O surgimento de ativos específicos é determinado por quatro fatores: a aquisição de equipamentos especializados por parte dos agentes envolvidos, expansão da capacidade produtiva para atender a demanda do conjunto de transações, estabelecimento de unidades produtivas próximas pelas partes que transacionam e aprendizado desenvolvido especialmente por decorrência da interação. A presença de especificidade dos ativos não se resume a casos excepcionais, pelo contrário, essa constitui um elemento fundamental nas sociedades capitalistas. Existem três efeitos cruciais da consideração de especificidade de ativos, i) as relações contratuais deixam de ser impessoais; ii) a continuidade do relacionamento passa a ser fundamental para os agentes; e iii) salvaguardas contratuais e organizacionais surgem para dar suporte a tais relações. 47 A hipótese de racionalidade perfeita forma o núcleo duro (hard core) da teoria microeconômica neoclássica, que o conjunto de hipóteses que não podem ser relaxadas. 48 Williamson (1985) p 47. 49 Estes conceitos derivam da literatura de seguros. O primeiro resulta da incapacidade de distinguir os agentes que representam riscos maiores e o segundo da mudança de comportamento de consumidores, que deixam de arcar com as responsabilidades de seus atos. 50 ‘Transaction cost economics further maintains that the most critical dimension for describing transactions is the condition of asset specificity’ Williamson (1985) p. 30. 51 Williamson (1985) p. 54 e 55. 19 A existência de ativos específicos torna a relação ao longo da cadeia produtiva uma espécie de monopólio bilateral, pois o rompimento do contrato significa perdas relevantes para pelo menos uma das partes. Nesta situação, comprador e vendedor têm condições de aproveitar sua posição estratégica para barganhar ganhos incrementais quando ocorrem eventos imprevistos que tornam necessário o ajuste dos contratos. Mesmo que o interesse comum seja a continuidade do contrato, cada parte tenderá a tirar o melhor proveito possível de seu poder de barganha. Para atenuar o oportunismo das partes envolvidas e para aumentar a confiança entre os agentes é necessária a constituição de estruturas de governança. Uma das respostas possíveis para evitar os custos de transação é a integração vertical. Mas essa opção significa a abstenção dos incentivos de mercado, constituindo um trade-off. A conclusão de Williamson é a de que quanto mais relevante for a presença de ativos específicos, mais atraente será a integração vertical. A Figura I.1, indica o tipo de governança ótimo em função do nível de especificidades dos ativos. A hierarquia é a estrutura mais adequada para níveis elevados de especificidade dos ativos, o mercado para níveis baixos e a estruturas híbridas, que combinam características de mercado e hierarquia, para níveis intermediários. Figura I.1 Custos de Governança52 como uma função da especificidade dos ativos Custos de Governança Mercado Híbridas Hierarquia Especificidade dos ativos Fonte: Williamson (1996) 52 Custo de governança é a diferença entre os custos de transação e os benefícios resultantes de incentivos a eficiência propiciados pelo mercado. 20 Dois tipos de incerteza são muito importantes na análise dos custos de transação: comportamental e sistêmica. A incerteza comportamental surge da impossibilidade de os agentes anteciparem o comportamento dos outros. Assim, toda transação está sujeita ao oportunismo dos agentes, que não pode ser previsto e nem mensurado em termos probabilísticos. A incerteza sistêmica é também importante, pois considerando que os agentes são incapazes de antecipar o ambiente futuro, todo contrato está sujeito a contingências imprevistas que criam espaço para comportamentos oportunistas. Deve-se destacar que a suposição de racionalidade limitada dos agentes é essencial para o surgimento de incerteza. O grau de incerteza é especialmente relevante em um contexto de ativos específicos, pois o nível de incerteza quanto à continuidade do contrato é determinante na decisão dos agentes investirem em ativos específicos que envolvem perdas relevantes caso haja rompimento do contrato. Em situações limites, estruturas híbridas ou hierárquicas serão necessárias para atenuar a incerteza e possibilitar a efetuação de investimentos em ativos específicos. Como freqüência, o autor considera a manutenção de um vínculo duradouro entre os agentes, o que é essencial para o desenvolvimento de instituições de gestão, e também para o surgimento de ativos específicos, pois somente se as relações são freqüentes é economicamente viável desenvolver instituições e especializar os ativos. Os custos de transação têm grande importância para a organização das transações no setor elétrico. A cadeia produtiva da indústria de suprimento de eletricidade envolve quatro atividades: geração, transmissão, distribuição e comercialização53. A atividade de geração consiste na produção de eletricidade. A transmissão é o transporte de energia entre as centrais de produção e os centros de carga. A distribuição é o transporte até os consumidores finais e a comercialização é composta pelas atividades relativas à prestação dos serviços elétricos aos consumidores finais54. 53 Alguns autores, como Hogan, diferenciam mais uma atividade na cadeia de produção de eletricidade: a operação. Essa inclui a definição do despacho, que é a determinação das quantidades produzidas por cada usina e, por conseqüência, do fluxo de eletricidade nas linhas de transmissão, e a manutenção das propriedades do sistema elétrico (estabilidade e confiabilidade). No entanto, essas são atividades de coordenação e que são inerentes a qualquer atividade produtiva, mas que ganham relevância no setor elétrico devido a complexidade envolvida na sua coordenação. 54 A atividade de comercialização consiste na venda de energia para o consumidor final. Historicamente, essa atividade era desenvolvida por empresas de distribuição e muitas vezes a distribuição e a comercialização são tratadas como uma única atividade. Uma explicação que facilita a compreensão, a comercialização compreende todas atividades que a concessionária de distribuição usualmente prestava ao consumidor final que transcende a propriedade e manutenção dos fios, como a cobrança, o atendimento ao consumidor e a aquisição de energia dos geradores. 21 Na prática, não é clara a distinção entre as linhas de transporte de energia que compõem a atividade de transmissão das que compõem a distribuição. Usualmente, o critério utilizado para distinguir as duas atividades é a tensão da linha. Para evitar perdas no transporte de grandes quantidades de energia por distâncias elevadas, a transmissão ocorre em tensão elevada e, por critérios de segurança e econômicos, a distribuição ocorre em tensões menores. A magnitude da especificidade dos ativos pode ser mensurada pelo diferencial entre o valor do investimento em seu uso original e o retorno propiciado por um uso alternativo. No caso do setor elétrico, esse diferencial assume valores substanciais, pois o valor do uso alternativo desses ativos é diminuto (Santana e Oliveira, 2000). Como as atividades são fisicamente interligadas, a interdependência entre os investimentos é muito relevante55, o acarreta em problemas de hold-up (Holmström e Roberts, 1998), ou seja, a postergação de investimentos em função da exposição ao oportunismo. É interessante notar que investimentos em transmissão e geração são ao mesmo tempo complementares e substitutos. Complementares por que são necessárias linhas de transmissão para que a eletricidade gerada chegue ao mercado, e vice-versa. Por outro lado, investimentos em uma linha de transmissão que ligue um mercado superavitário a um deficitário substituem a investimentos de geração no submercado deficitário, e viceversa. Em virtude dos elevados custos de transação, a hierarquia foi adotada como forma de governança usual na história da indústria de suprimento elétrico, mesmo nas situações em que a geração de eletricidade deixou de ser um monopólio natural. As incertezas envolvidas na estruturação dos contratos e as dificuldades na sua monitoração tornavam proibitivos os custos de transação entre as etapas da cadeia produtiva elétrica, dando origem aos monopólios verticalmente integrados. A partir dos anos 80, as inovações geradas pelo “paradigma microeletrônico”56 tiveram grande impacto no funcionamento da indústria elétrica. A drástica redução no custo do tratamento do enorme volume de dados necessários para a monitoração dos fluxos elétricos, a operação à distância dos equipamentos elétricos e os sofisticados instrumentos de gestão de riscos financeiros propiciados pela difusão do uso da 55 Recentemente, a usina termelétrica de Uruguaiana (RS) gerou grandes prejuízos a sua proprietária (a americana AES) porque a limitação da rede de transmissão não possibilitava a sua operação em plena carga. 56 Dosi (1984). 22 informática diminuiu o espaço para comportamentos oportunistas, permitindo devolver ao mercado a coordenação de algumas transações entre agentes do sistema elétrico, mais especificamente as transações entre geradores e consumidores. No entanto, como o nível de especificidade dos ativos no setor elétrico permanece elevado e as etapas de transporte de sua cadeia produtiva permanecem com características de monopólio natural, a devolução ao mercado da coordenação das transações citadas acima tem sido realizada concomitantemente à introdução de regulamentos visando limitar o poder de mercado dos agentes proprietários das redes de transporte. A Teoria dos Custos de Transação é uma fonte de importantes contribuições para a análise das reformas do setor elétrico. Para Joskow (2002), “(…) a teoria econômica dos Custos de Transação fornece um indispensável conjunto de ferramentas para entender como as organizações objeto da reforma foram formadas, como elas devem responder a modificações nas condições econômicas e regulatórias, e quão efetiva pode ser a reforma”57. No entanto, não se pode afirmar que a teoria dos custos de transação tenham tido uma influência determinante no rumo das experiências de reforma58. Joskow (2002) afirma que muitos problemas recorrentes em experiências de reforma seriam evitados se essa teoria fosse levada em sua devida conta. I.2.2. Coordenação Horizontal Situações de monopólio natural representam o tipo de falha de mercado mais enfatizado na análise das indústrias de rede. Berg e Tschirhart (1988) citam a definição de Farrer de monopólio natural desenvolvida no início do século XX. Os produtos ou os processos produtivos oferecidos em monopólio natural compartilham as seguintes características59: 1. Capital intensivos, com custos fixos significativos ou economias de escala; 2. Vistos como necessários ou essenciais para a sociedade; 3. Não estocáveis e sujeitos à demanda flutuante; 4. Produzidos em localidades específicas, originando rendas locacionais; e 57 Joskow (2002), pg. 503. TL Joskow (2002) afirma que “…the direct role of transaction cost considerations in influencing the direction of public policy has, so far, been quite modest”. Pg. 504. 59 Berg e Tschirhart (1988) pg 3 (TL). 58 23 5. Envolvem conexões diretas com consumidores. As definições mais recentes de monopólio natural são mais estritas e envolvem a estrutura de custos dos produtos. De forma geral, monopólios naturais ocorrem quando a produção de um bem é menos custosa quando realizada por apenas uma empresa, justificando o monopólio. A definição de monopólio natural de Baumol (1977) considera economias de escala e escopo, pois são consideradas firmas multi-produtos. Nesta concepção, o monopólio natural ocorre quando a curva de custo é estritamente subaditiva, ou seja “o custo da soma de m vetores de produção é menor que a soma dos custos de produzi-los separadamente”60. Dados m bens produzidos, n firmas e Q i = q1i + ... + q ni ∀ i=1,…,m (onde Q i é a quantidade total produzida do produto i e q ij é a quantidade produzida do produto i pela firma j), uma situação de monopólio natural ocorre quando: C (Q 1 ,..., Q m ) < C (q11 ,..., q1m ) + ... + C (q 1n ,..., q nm ) Situações de monopólio natural podem ser classificadas como permanente ou temporária61. A permanente ocorre quando o custo médio é continuamente decrescente em relação à quantidade produzida. Nesta circunstância, o monopólio é justificado para qualquer tamanho de mercado. A Figura I.2 descreve uma situação de monopólio natural permanente, apresentando as curvas de custo marginal de longo prazo (CMgLP) e de custo médio de longo prazo (CMLP) e duas situações de demanda (D0 e D1). Nota-se que, mesmo com o crescimento do mercado (ou seja, o deslocamento da curva de demanda de D0 para D1), ainda é menos custoso que apenas uma firma atenda o mercado. 60 Baumol (1977) pp 809. Berg e Tschirhart (1988) diferenciam as situações de monopólio natural em forte e fraco. Monopólio forte ocorre quando o ponto de equilíbrio acontece quando os custos médios são decrescentes, ou seja, em um intervalo da curva de custos em que ocorrem economias de escala. Monopólio natural fraco ocorre quando o equilíbrio acontece em um ponto em que os custos médios não são decrescentes, mas ainda assim é menos custoso que apenas uma firma atenda ao mercado. Considerando uma curva de custos médios em formato de U, monopólio forte ocorre quando a demanda corta a oferta em um ponto anterior ao mínimo e fraco após (desde que a entrada de mais uma firma acarrete em custos mais elevados). 61 24 Figura I.2 Monopólio Natural Permanente Custo, Preço D0 D1 CMLP CMgLP Quantidade Fonte: Elaboração Própria É importante notar que a condição de custo (provisão menos custosa quando efetuada por apenas uma firma) não é suficiente para justificar uma estrutura monopolista, já que os custos associados a sua regulação devem ser incorporados à análise (Gilbert et al., 1996). A competição, mesmo quando acarreta maiores custos produtivos, pode reduzir custos regulatórios e ineficiências alocativas suficientemente para gerar uma situação mais atrativa em termos de bem-estar social62. O transporte de eletricidade (transmissão e distribuição) apresenta as características de monopólio natural permanente. A operação de mais de uma empresa nessa atividade acarreta em duplicação de custos, já que é necessário o desenvolvimento de redes sobrepostas para atender o mesmo espaço geográfico. Esta foi a principal justificativa para a concessão de monopólios territoriais para as empresas de eletricidade. O monopólio natural temporário ocorre quando o custo médio é decrescente somente em determinado intervalo da quantidade produzida. Assim, quando o mercado se desenvolve, a condição de monopólio natural deixa de ser válida. No exemplo da Figura I.3, a curva de custo médio é decrescente até que a quantidade produzida alcance 62 Gilbert et al. (1996). Pg 2. TL 25 Q*. Esta quantidade é a menor quantidade produzida em que a firma opera com custos mínimos (Escala Mínima Eficiente). Na situação inicial (curva de demanda D0), o monopólio é mais eficiente. Mas com o crescimento do mercado (deslocamento da curva de demanda de D0 para D1) duas empresas podem atender ao mercado eficientemente e a situação de monopólio natural deixa de ser válida. Figura I.3 Monopólio Natural Temporário Custo, Preço CMLP D1 D0 Q* Quantidade Fonte: Elaboração própria Durante a fase inicial da indústria de suprimento elétrico, a geração de eletricidade constituía uma situação de monopólio natural temporário. Nesse período, as usinas de geração atendiam apenas a mercados locais, normalmente fábricas ou pequenas cidades63. Assim, o volume demandado não era suficiente para permitir que mais de uma planta operassem nesses mercados de forma eficiente. Ou seja, a escala mínima eficiente das plantas era elevada em relação ao tamanho do mercado. Na medida que os mercados se desenvolveram, com a ampliação dos usos de eletricidade e a maior densidade demográfica das cidades, e se conectaram, passou a ser possível a operação eficiente de mais de uma planta em cada mercado. No entanto, é importante notar que a liberalização da indústria não ocorre imediatamente após a constatação de que a geração de eletricidade deixou de ser um monopólio natural. Na verdade, várias 63 É preciso notar que, nesse período, as possibilidades de uso de eletricidade tanto na indústria quanto em residências eram bastante restritas, decorrente da reduzida disponibilidade de aparelhos elétricos. 26 décadas separam os dois movimentos, pois outros fatores justificavam a manutenção do monopólio na geração de eletricidade. A diferenciação entre os dois tipos de monopólio natural é centrada na evolução da demanda, sendo desconsiderada a evolução tecnológica. Ao deslocar a curva de oferta, o avanço tecnológico pode criar uma situação de monopólio natural, quando ocorre um aumento da escala mínima eficiente, ou eliminar, quando ocorre uma diminuição da escala mínima eficiente. Muitas vezes, o efeito do progresso tecnológico é até mais importante do que a alteração da demanda. No caso do setor elétrico, a difusão da turbina a gás em ciclo combinado (CCGT) na década de 90 gerou drástica redução da escala mínima eficiente para a geração de eletricidade (Figura I.4), possibilitando a operação eficiente de várias plantas mesmo em mercados de tamanho limitado. Figura I.4 Evolução do custo médio de geração termelétrica. 1930 Custo/MWh US$ 100 1950 1970 1980 US$ 10 1990 CMedLP CCGT 100 MW 1000 MW Fonte: Hunt & Shuttleworth (1996) As externalidades também podem resultar em ineficiências econômicas significativas. Desde Pigou, em 1912, a análise das externalidades é um tema recorrente na ciência econômica64. Uma externalidade ocorre quando as ações de um agente interferem sobre a função utilidade ou sobre a função de produção de agentes que não estão envolvidos diretamente nas transações econômicas correspondentes a essa ação. Se os benefícios e/ou custos de sua atuação não são totalmente incorporados (internalizados) pelo agente que toma a decisão, o resultado de competição perfeita se torna ineficiente em termos alocativos. O exemplo mais utilizado para demonstrar os 27 impactos de externalidades é a poluição. Uma empresa que polui um rio causa dois tipos de custos sociais, um diretamente ligado ao processo produtivo (custo dos insumos, capital e mão de obra) e outro resultante da perda de bem-estar imposta aos demais usuários desse rio em decorrência da poluição (por exemplo, população que deixará de banhar-se no rio, fazendeiros que não poderão utilizar a água do rio como bebida para sua criação etc.). Se o segundo tipo de custo não é incorporado pelo poluidor e este atua em uma situação de concorrência perfeita, sua produção excederá o ótimo social. As externalidades podem ser positivas ou negativas. O exemplo da poluição é de externalidade negativa, pois a poluição corresponde a um custo para sociedade. Uma externalidade positiva ocorre quando um agente gera benefícios para a sociedade que não são totalmente recuperados por este. Este é o caso típico dos reservatórios das centrais hidrelétricas. Eles não apenas permitem reduzir os impactos negativos das cheias provocadas pelas chuvas de verão, como permitem armazenar água para uso futuro nos períodos de seca. Em regime concorrencial, a quantidade produzida é inferior ao ótimo quando externalidades positivas estão presentes. Um tema que adquirido importância na teoria econômica é a análise das externalidade de rede. Essas ocorrem quando a utilidade do produto para determinado consumidor depende do número de consumidores/usuários deste produto65. O setor de telefonia é uma boa ilustração de externalidades de rede66. A utilidade de uma linha telefônica é estritamente relacionado ao número de usuários. Se o número de usuários de linhas telefônicas é pequeno, o usuário poderá utilizar o telefone apenas para se comunicar com um número limitado de pessoas e sua utilidade será baixa. Conforme a rede se expande, aumenta as possibilidades de uso da linha telefônica e, portanto, sua utilidade. No entanto, os efeitos de rede não se restringem a indústrias onde a rede é real (física), como telefonia, eletricidade, trens. Esta situação também ocorre em indústrias onde a rede é virtual. Ou seja, não há uma conexão física entre os consumidores. Um exemplo é a indústria de “softwares”. Quanto maior a rede de usuários, maior será a 64 Apesar de outros autores terem tratado do tema (Marshall introduziu o tema ao tratar das economias externas), o trabalho de Pigou é o marco teórico considerado pela literatura. 65 Essa definição segue a análise de Katz e Shapiro (1985). Liebowitz e Margolis (1994) denominam este fenômeno de efeito rede e reservam o termo externalidades de rede a situações em que o equilíbrio de mercado não é eficiente (existem oportunidades de ganhos com a entrada de novos participantes). Segundo os autores, os efeitos de rede são muito comuns, mas raramente dão origem a falhas de mercado. 66 Alguns autores utilizam o conceito de efeito clube para identificar essas situações. 28 disponibilidade de produtos complementares, como revistas especializadas e aplicativos. Assim a utilidade dos “softwares” aumenta conforme cresce o número de usuários. Uma grande preocupação da teoria econômica é como contornar o problema das externalidades. Se o causador da externalidade é plenamente compensado pela externalidade causada - sua função de produção incorpora a totalidade dos custos sociais - é eliminado o problema alocativo e o equilíbrio competitivo pode ser eficiente. A questão é como propiciar esta solução. A imposição de taxas, subsídios ou cotas é a solução mais usual para o problema de externalidade, mas devido a limitação de informação esta tende a ser ineficiente. Uma alternativa é a criação de mercados para a externalidade. Por exemplo, a criação de mercado para direitos de poluir, onde a firma poluidora adquire diretos de poluir dos afetados pela poluição. O Teorema de Coase aponta que a alocação de direitos de propriedade leva à solução eficiente de problemas de externalidade, não importando como os direitos são alocados (nos causadores da externalidade ou nos afetados). Contudo, esse teorema apresenta uma série limitações, pois sua validade depende da presença de mercados concorrenciais para externalidades, da ausência de custos de transação entre os envolvidos (quando o número de envolvidos é elevado, os custos de transação também são)67 e da desconsideração de efeitos distributivos. No entanto, este é um ponto de partida para a solução de falhas de mercado relacionadas a externalidades. Um conceito muito similar ao de externalidade e, por vezes, considerado um tipo de externalidade é o de bens públicos. Estes bens se caracterizam por seu consumo não ser excludente nem rival. Como decorrência da primeira característica, os consumidores que não contribuem para produção do bem não podem ser privados de seu consumo, o que dá oportunidade para comportamentos free-rider. E como decorrência da segunda, o consumo do bem não diminui as quantidades disponíveis para os demais consumidores68. Portanto, o custo marginal de atender mais um consumidor é nulo. Estas propriedades constituem falhas de mercado que impedem que a oferta de bens 67 Os custos de transação surgem da tarefa de organizar todos afetados pela externalidade. Estes são importantes, pois esta situação pode acarretar em comportamentos oportunistas (free-rider). 68 A propriedade de rivalidade do consumo de bens públicos é muito discutida. Para um número limitado de bens públicos, ela é válida para qualquer condição. É o que ocorre com a defesa nacional. Outros bens considerados públicos, como estradas, podem não apresentar essa propriedade. Quando o trafego é baixo, não há rivalidade entre os usuários da estrada. Mas, quando o tráfego é intenso, passa a existir rivalidade. 29 públicos siga sinais de mercado. O tema de bens públicos já era estudado desde os clássicos69 e tem fortes implicações sobre a teoria de finanças públicas. Samuelson (1954 e 1955) desenvolveu um modelo para analisar a alocação ótima de recursos em situações em que existem bens públicos e bens privados. Em geral, a solução adotada para a solução do problema de oferta de bens públicos é a cobrança de taxas universais, como taxa de iluminação pública. Esses tipos de externalidades estão presentes no setor elétrico. Devido aos efeitos em cadeia gerados sobre os demais setores da economia e da sua importância para o bem-estar da sociedade, a eletricidade é uma fonte de externalidades positivas. Por outro lado, como a geração de eletricidade é uma das principais fontes de impactos ambientais, externalidades negativas também estão presentes70. O mesmo ocorre com as externalidades de rede. O crescimento da rede eletricidade aumenta diretamente a qualidade do serviço, aumentando a confiabilidade do fornecimento, e indiretamente, incrementando a oferta de produtos complementares (equipamentos que utilizam eletricidade, como os eletrodomésticos). A confiabilidade e a estabilidade de sistemas elétricos detêm as características de bens públicos (consumo não excludente e não rival). Todos os usuários de sistemas elétricos são beneficiados por essas qualidades do sistema e, dentro do limite da congestão, não há rivalidade de seu consumo71. Desta forma, ocorre um problema para determinar a oferta dos serviços dedicados à manutenção da estabilidade e confiabilidade da rede, os chamados serviços ancilares. Em estruturas verticalizadas, o custo destes serviços é internalizado pelo monopolista. Mas, em situações concorrenciais, a oferta de serviços ancilares dá origem a um problema de oportunismo (free-rider)72. No caso do setor elétrico brasileiro, a coordenação da gestão da água acumulada nos reservatórios é uma questão crucial. A ampla disponibilidade de recursos Bens que se enquadram no primeiro tipo são denominados bens públicos puros e os que se enquadram na segunda, bens públicos impuros. 69 David Hume, em meados do século XVIII, já destacava atividades que não geram lucros quando executadas privadamente, mas que geram benefícios para a sociedade e só podem ser executadas pela ação coletiva. 70 Os impactos da geração de eletricidade utilizando combustíveis fósseis constituem uma das principais preocupações das políticas ambientais. No âmbito da União Européia, foi desenvolvido um profundo estudo para avaliar as externalidades negativas da geração de eletricidade denominado ExternE (European Comission, 1995). Outros estudos relevantes também foram elaborados nos Estados Unidos. Freeman III (1996) e Krewitt (2002) oferece boas revisões desses estudos. 71 Então, podem ser considerados bens públicos impuros. 30 hidráulicos e a relativa escassez de recursos fósseis induziram o Brasil a optar pela geração hidrelétrica como fonte primária principal para a geração de eletricidade. Por outro lado, a larga variabilidade na hidrologia e a situação topográfica favorável induziram a construção de grandes reservatórios para gerenciar o fluxo hidrológico com o objetivo de maximizar o valor econômico desse fluxo (de Oliveira, 2003). A gestão dos reservatórios das usinas a montante das bacias hidrográficas beneficiam as centrais a sua jusante, na medida em que a água acumulada nesses reservatórios também gera valor econômico para as últimas centrais. Além disso, a utilização do fluxo hidráulico é otimizada quando ocorre diversidade hidrológica entre as bacias hidrográficas brasileiras. Para aproveitar essas oportunidades de ganhos econômicos, o sistema elétrico brasileiro tradicionalmente operou coordenadamente o despacho de suas centrais. I.2.3. Regulação A regulação pode ser definida como qualquer intervenção do Estado na economia. Usualmente, a justificativa para a atividade regulatória é a correção de falhas de mercado. Vários desenvolvimentos teóricos analisam a eficiência da atividade regulatória. Segundo a “teoria do interesse público”, ou ‘Análise Normativa como uma Teoria Positiva’, a regulação é a resposta eficiente à demanda da sociedade pela correção de falhas de mercado, visando incrementar o bem-estar social73. Noll (1989) identifica dois componentes da teoria do interesse público. O primeiro é a identificação de situações em que o mercado não oferece coordenação eficiente das decisões (falhas de mercado) e o segundo é a demonstração de que a regulação é o remédio mais eficiente para a falha de mercado. A imperfeição de mercado cria perdas de peso morto, o que faz com que os prejudicados ofereçam mais pela sua solução que os beneficiados possam oferecer para manter a situação. Assim, a regulação surge como resposta mais eficiente. No entanto, estas conclusões dependem da validade das condições do teorema de Coase (informação perfeita e ausência de custos de transação). A freqüente intervenção estatal em setores não sujeitos a falhas de mercado é uma contra-evidência dessa teoria. 72 Ver Stoft (2002). Nessa visão, a regulação visa o alcance de um ‘second best’ em relação ao resultado de competição perfeita (‘first best’), e, portanto, só se justifica em situações de falhas de mercado. 73 31 A ‘Teoria da Captura’ busca explicar a evidência empírica da ineficiência regulatória. Segundo essa teoria, a regulação não surge como uma resposta da demanda da sociedade, mas, freqüentemente, da demanda da própria indústria regulada. A “captura” os reguladores induz a regulação a responder aos objetivos da indústria, deixando de maximizar o bem-estar da sociedade74. Assim como a teoria do interesse público, a teoria da captura também é contestada pelas evidências de que nem sempre a atuação do regulador é pró-produtor. Stigler (1975) analisou os determinantes da atuação do regulador, que por vezes beneficia o consumidor e por vezes o produtor dando origem à ‘Teoria Econômica da Regulação’. Enquanto as análises antecedentes consistiam mais em generalizações de evidências empíricas, Stigler fornece um fundamento teórico para avaliar a atuação do regulador75. Segundo o seu modelo, o Estado tem poder de coerção e os grupos de interesse procuram convencê-lo, oferecendo suporte político, a utilizar o seu poder de coerção a seu favor, com subsídios, controle da entrada, ação sobre produtos substitutos ou complementares, e controle de preços. O resultado é que os grupos de interesse mais organizados tendem a ser beneficiado pela atuação do regulador em detrimento daqueles com menor poder de organização. Assim, a teoria aponta para a tendência a beneficiar produtores, sendo penalizados os consumidores76. Os modelos de Peltzam (1976) e Becker (1983) também são importantes nesta abordagem. O primeiro formaliza a análise de Stigler e procura verificar qual tipo de indústria será objeto de regulação de preços e entrada e o segundo tem como foco a disputa entre grupos de interesse, apontando a ineficiência derivada da distorção alocativa (as empresas empregam recursos para influenciar o regulador, ao invés de empregá-los no processo produtivo). As análises de Stigler e Peltzam são mais próximas ao resultado da Teoria da Captura (produtores tendem a ser beneficiados), enquanto que a de Becker é mais próxima da Teoria do Interesse Público, pois aponta para a tendência que os setores regulados sejam aqueles onde ocorrem falhas de mercado. Nesses setores, os grupos de interesse encontram menor resistência de outros grupos, pois a regulação gera menos ônus, sendo mais provável seu sucesso. O modelo de Posner (1971) analisa os subsídios cruzados. Segundo o autor, a sociedade demanda 74 O governo também pode capturar o regulador que passa a atender objetivos políticos e não se guiam pela eficiência. 75 Peltzman (1989) 32 a distribuição de recursos, e os subsídios cruzados são uma forma de atender essa demanda. A regulação no setor elétrico procura contornar problemas de externalidades e de monopólio natural. Tradicionalmente, a intervenção era direta, através das empresas estatais. Com a privatização, agências reguladoras setoriais foram desenvolvidas para intervir indiretamente na vida da indústria. Para evitar o problema da captura do regulador pelo governo, a independência dos reguladores e sua autonomia financeira são pontos recorrentes das reformas. A definição dos preços nas indústrias de rede é uma preocupação central da atividade regulatória, envolvendo dois aspectos: estrutura tarifária e nível de preços77. Como já foi apresentado, a teoria microeconômica aponta que os sinais corretos para as decisões econômicas ocorrem com os preços iguais ao custo marginal, quando os consumidores arcam exatamente com os custos produtivos decorrentes das decisões de aumentar ou diminuir sua demanda. Assim, a precificação ao custo marginal consiste na melhor solução possível para esse problema (first best). No entanto, além da determinação dos custos marginais de curto-prazo ser extremamente complexa em indústrias de rede, estes não são suficientes para manter a atratividade em situações de monopólio natural78. Historicamente, a precificação ao custo médio de produção é estrutura mais comum para a definição de tarifas. Os preços de Ramsey foram elaborados para minimizar a perda de bem-estar resultante do preço não ser igual ao custo marginal, o que consiste uma solução de second best. Neste regime, as tarifas são diferentes conforme a sensibilidade do consumidor em relação a variações de preço. O preço de pi (qi ) − MCi (qi ) − λ 1 = pi (qi ) 1 + λ ei Ramsey no mercado i é definido pela fórmula: . A fórmula define a diferença percentual entre preços (pi) e custo marginal (MCi) no mercado i. Esta fórmula resulta da maximização de bem-estar sujeita 76 “… [A]s a rule, regulation is acquired by the industry and is designed and operated primarily for its benefit”. Stigler (1975) pg. 174. 77 A primeira envolve a tarefa de determinar o valor do serviço, ou seja, o quanto deve ser oferecido de remuneração às empresas. A segunda envolve a forma de remunerar as empresas, definindo como as tarifas são reajustadas ao longo do tempo. 78 Nestas situações, o custo marginal é inferior ao custo médio. Assim, a fixação de preços iguais ao custo marginal implica em prejuízos. 33 a condição de sustentabilidade (lucros não negativos). λ é o multiplicador de Lagrange deste problema de maximização79 e ei é a elasticidade da demanda no mercado i. Como é necessário que as tarifas sejam suficientes para remunerar o custo médio, a lógica consiste em alocar o diferencial entre custo marginal e custo médio nos consumidores cuja cobrança causa menor perda de excedente do consumidor. Ou seja, a redução da quantidade consumida é a menor possível em relação à situação em que o preço é igual ao custo marginal. Assim, consumidores mais sensíveis, i.e., com elasticidade-preço da demanda mais elevada (em módulo), devem pagar preços mais baixos que consumidores menos sensíveis a mudanças de preço. Muitas vezes, esse regime de preços é denominado de Ramsey-Boiteux. Se Ramsey foi o formulador teórico desse construto, Boiteux foi quem buscou aplicar esse na prática, quando era presidente da EDF francesa. No entanto, esse regime gera problemas relevantes que limitaram uma aceitação mais ampla. Uma implicação de seu resultado é que preços para consumidores de baixa-renda serão maiores que para consumidores de renda elevada, pois os primeiros são mais sensíveis a variações de preço. Assim, sua aplicação é de difícil aceitação política. (Green e Pardina, 1998 e Araújo, 1997). Por outro lado, o mecanismo exige um conjunto amplo de informações sobre custos e demanda. Na experiência francesa, optou-se por uma versão simplificada que contava com diferenciais uniformes entre preço e custo (Bennet e Price, 2002). No tocante ao nível de preços, o regime que se tornou dominante nas indústrias de infra-estrutura a partir do pós-guerra foi a tarifação por taxa de retorno (custos do serviço80). Este regime, normalmente, utiliza o custo médio como estrutura tarifária. Os preços (p) são definidos de forma que a receita da firma regulada (Σ pq) permita a remuneração “justa”81 (à taxa s) de sua base de capital (BK) e os demais custos (despesas) são repassados integralmente ao consumidor, conforme descreve a seguinte equação: 79 Uma intuição por trás da fórmula é que λ representa o ganho das empresas (firms take) para remunerar custos fixos. Se λ é pequeno, preços serão próximos ao custo marginal e se λ é elevado, os preços serão similares ao de monopólio não regulado, pois − λ será próximo a - 1. 1+ λ 80 A regulação a custos de serviço envolve outros mecanismos, mas a remuneração à taxa de retorno do capital é a mais comum e os termos são normalmente usados como sinônimos. 81 Existe um conjunto de técnicas para determinar a taxa de retorno justa, que não será explorado neste texto. Esta taxa deve ser superior ao custo de capital da firma apenas o suficiente para atrair investimentos. 34 n ∑pq i =1 i i = Despesas + s ( BK ) O regime tarifário de taxa de retorno foi objeto de inúmeras críticas. Como suas despesas são diretamente repassadas aos consumidores, não ocorrem estímulos para que a empresa regulada diminua seus custos82. A análise de Averch e Johnson (1962) evidenciou as ineficiências causadas pelo regime de tarifação a custos de serviço. Eles apontam que esse regime induz a escolhas mais intensivas em capital, o que passou a ser denominado de efeito Averch-Johnson. Como o volume de capital utilizado determina a base a qual será aplicada a taxa de remuneração, este determina os lucros absolutos da empresa, que, portanto, é estimulada a substituir outros insumos por capital. A Figura I.5 descreve o efeito Averch-Johnson. Segundo a teoria da produção, para o nível de produção Q* o produtor escolhe a quantidade de cada insumo, capital (K) e trabalho (L), de forma a minimizar seus custos. Isso ocorre quando as inclinações da isoquanta de produção (razão entre a produtividade marginal do capital e a produtividade marginal do trabalho) se igualam à inclinação da curva de isocustos custo do capital (r) sobre preço do trabalho, salário (w). Ou seja, quando a curva de isocustos tangencia a isoquanta de produção Em uma situação ótima, a firma escolheria L* unidades de trabalho e K* de capital. Em esquemas de tarifação a taxas de retorno, as firmas percebem seu custo do capital como menor do que ele realmente é. Isso ocorre porque as firmas recebem um bônus para a utilização de capital referente à diferença entre taxa de remuneração fixada pelo regulador e o custo de capital. O resultado é que a curva de isocustos se torna mais horizontal e o ponto de equilíbrio ocorrerá com a firma utilizando L’ unidades de trabalho e K’ de capital. Ou seja, a firma utiliza mais capital e menos trabalho do que seria ótimo. 82 Joskow e Schmalensee (1986), apontam que a regulação a custos de serviço nunca foi simplesmente um regime de repasse de custos na prática. Os intervalos regulatórios, períodos entre os reajustes de preços onde as concessionárias podem se apoderar dos ganhos propiciados pela redução de custos, e a monitoração de custos constituíram elementos que geram estímulos à eficiência. 35 Figura I.5 Efeito Averch-Johnson L L* L’ Q = Q* aˆ = r K* K’ (r − α ) bˆ = w w K Fonte: Viscusi et al. (1995) Bennet e Price (2002) apontam que o regime também pode gerar incentivos perversos. As concessionárias reguladas nos Estados Unidos resistiam a adotar tarifas diferenciadas em horários de pico de demanda, pois isso induziria a menor necessidade de capital e, logo, menor remuneração83. Outra crítica é o que o regime acarreta excessiva intervenção sobre as decisões empresariais. Como parte da reforma, novos regimes tarifários foram introduzidos para definir preços em indústrias de rede. Por objetivarem aumentar os estímulos ao comportamento eficiente das empresas, esses são chamados de regulação por incentivos. O regime de preço-teto incentivado (price-cap) é o regime que tem predominado como substituto à tarifação por taxa de retorno. Sua motivação é simular um ambiente competitivo em atividades reguladas, criando pressões para redução de custo e, assim, estimulando a eficiência. O regime tarifário de preço-teto incentivado foi originalmente introduzido para regular os monopólios nos serviços públicos da Inglaterra (Vickers & Yarrow, 1988). O regime de preço-teto consiste na adoção de uma tarifa inicial considerada justa que passa a ser reajustada anualmente pelo índice de preços ao consumidor (IPC) diminuído de um parâmetro (X) que deve espelhar as oportunidades de ganhos de 83 Bennet e Price (2002) pg 419. 36 eficiência econômica das concessionárias84. Além dos reajustes anuais, o sistema prevê revisões periódicas85, usualmente qüinqüenais, quando a base de remuneração e os demais parâmetros são reavaliados. O regime tem três objetivos principais: i) estimular ganhos de eficiência das concessionárias, pois as empresas capturam parcela do resultado do incremento do desempenho; ii) repassar para os consumidores parte dos ganhos de eficiência, através da redução contínua das tarifas reais (parâmetro X) e das revisões periódicas; iii) reduzir e simplificar a interferência do órgão regulador nas decisões empresarias da concessionária, já que, em tese, este regime não exige o acompanhamento detalhado pelo regulador dos custos da empresa86. Na prática, os resultados não confirmaram as expectativas de ser um método leve de regulação (Araújo, 1997). Os requisitos de informação no momento das revisões são bastante próximos daqueles na regulação a taxa de retorno, principalmente se as revisões são freqüentes87, pois o regulador deve controlar a qualidade de serviço para evitar que as empresas reguladas realização reduções espúrias de custo. Para controlar a assimetria de informações é comum combinar esse regime à regulação por comparação, utilizando informações do conjunto das empresas para identificar possíveis ineficiências. Vickers e Yarrow (1988) afirmam que o “RPI-X é apenas uma outra forma de regulação a taxa de retorno”88. Os autores podem ter razão quanto ao requisito de informação, mas não a têm quanto ao estímulo ao comportamento eficiente das empresas reguladas que é mais forte do que no regime antigo. Outro problema do regime de preço-teto é o comportamento estratégico das empresas na definição dos momentos de investir e reduzir custos. As reduções de custos geram maiores remunerações às empresas reguladas quanto mais distantes forem do momento da próxima revisão, pois no momento da revisão os preços são redefinidos e a 84 Devido a seu modo de aplicação, o regime de price cap é também conhecido por RPI-X (Retail Price Index minus X). 85 Também podem ocorrer revisões extraordinárias, quando fatos não previstos causam desequilíbrio econômico-financeiro. 86 Littlechild (1983) considerava que a regulação a preço teto seria temporário (pelo menos para as telecomunicações), “...is merely a ‘stop-gap’ until sufficient competition develops”. Pg 1. 87 Nas primeiras revisões, que, normalmente, sucederam ao processo de privatização, as oportunidades de redução de custos eram relevantes e a definição do parâmetro de eficiência não envolvia estudos profundos dos custos. Na medida que as “gorduras são queimadas”, a definição do X envolve maior complexidade, pois as margens são reduzidas e as empresas reguladas exercem maior resistência. 88 Vickers e Yarrow (1988) Pg. 97 TL. 37 redução de custos é repassada aos consumidores. Para os investimentos, o estímulo é para concentrá-los mais próximos do momento da revisão89. Mesmo com o aperfeiçoamento das práticas regulatórias, a percepção dominante é que a regulação deve ser restrita às atividades que não podem ser operadas de forma concorrencial. Segundo Stoft (2002), “mercados verdadeiramente competitivos atendem a dois objetivos de ao mesmo tempo: provêm incentivos poderosos para (1) manter o preço ao nível do custo marginal e (2) minimizar custos. A regulação pode atender a um ou outro objetivo, mas não ambos”90. A regulação a custo de serviço procura manter os preços ao nível dos custos, mas não contém incentivos para a minimização de custos. Já a regulação ao preço-teto provê incentivos a minimização de custos, mas em função de limitações informacionais não é possível prever exatamente as reduções de custos futuras. Assim, o regulador tende a fixar preços superiores ao custo marginal para evitar prejuízos das empresas. I.2.4. Características Operacionais do Setor Elétrico Além das falhas de mercado e de custos de transação, as características operacionais do setor elétrico tornam sua coordenação peculiar em relação às demais atividades econômicas. A lista que segue sistematiza o conjunto das características do setor elétrico que tornam sua coordenação complexa. i) Energia elétrica não é economicamente estocável - A possibilidade de estocagem tem um papel importante para a coordenação das atividades econômicas. A existência de estoques permite que oferta e demanda não fiquem permanentemente ajustadas. Quando o ofertante produz mais que o necessário para atender a demanda, surgem estoques, e quando produz menos, os estoques diminuem. O nível dos estoques consiste em um sinal da necessidade de ajustar a produção, facilitando a coordenação ao possibilitar a postergação do ajuste. Ainda que existam formas de estocar eletricidade, como em baterias, o custo de estocar eletricidade em grandes volumes é proibitivo. Essa característica tem implicações de curto prazo (operação) e de longo prazo (expansão). Os sistemas elétricos operam em equilíbrio em tempo real, 89 Consciente desse problema, o Ofgem passou a solicitar que as empresas reguladas da Inglaterra e País de Gales cumpram um cronograma de investimentos. 90 Stoft (2002), p. 11. TL. 38 onde a o ajuste entre oferta e demanda é praticamente instantâneo. O desequilíbrio entre oferta e demanda acarreta em alteração de tensão e, se não corrigido, em blecaute. Para providenciar a coordenação é necessário programar o despacho, antecipando a definição das quantidades geradas pelas diversas centrais. Como essa antecipação nunca é perfeita, é necessário manter reservas operacionais para obter o equilíbrio em tempo-real. No longo prazo, é necessária a manutenção de sobre-capacidade para atender a demanda. A capacidade de gerar e transportar energia deve ser significativamente superior a maior demanda observada, demanda de pico, para minimizar o risco de déficit. A diferença entre capacidade instalada e demanda de pico é chamada de margem de reserva. Como a margem de reserva implica em custos, o interessante é mantê-la em um nível mínimo, mas que implique em risco de desabastecimento aceitável para a sociedade91. ii) Energia elétrica não é imputável – Em sistemas elétricos que contam com múltiplos geradores e cargas, não é possível identificar a origem energia elétrica que flui no sistema. O sistema funciona em equilíbrio, onde os fluxos elétricos seguem as leis da física (leis de Kirchoff) e não sinais financeiros. Quando um consumidor aumenta a quantidade demandada é necessário que a quantidade gerada seja aumentada no mesmo montante. No entanto, não há como garantir que a energia consumida foi proveniente do gerador que colocou mais energia na rede. Nas transações econômicas usuais, os fluxos financeiros contrapõem diretamente aos fluxos físicos. Assim, o consumidor transfere renda ao ofertante do produto adquirido. Como a energia elétrica não imputável, a contraposição de fluxos financeiros e físicos exige coordenação para garantir que todos os geradores sejam remunerados pela energia que colocam na rede, mesmo sem saber quem consumiu, e todos consumidores arquem pela energia que retiram de rede, mesmo sem ter certeza quem forneceu. 91 O nível ótimo de margem de reserva depende das características do sistema e da preferência da sociedade. Segundo Stoft (2002), o nível ótimo usualmente utilizado para fins práticos não segue razões econômicas e é definido próximo a 18%. 39 iii) Bens públicos - Como já foi exposto, a segurança e qualidade do abastecimento pode ser considerada um bem público. Desta forma, se as decisões são orientadas somente por sinais de mercado, a quantidade ofertada é sub-ótima (eventualmente nula). Isso cria problemas para a coordenação da oferta de serviços dedicados a manutenção da confiabilidade no curto prazo, serviços ancilares. No longo prazo, esse aspecto se aplica na determinação do nível de investimento na indústria que propicie a segurança do abastecimento, que tende a ser inadequada quando coordenada pelo mercado. A literatura foca o aspecto de curto prazo, mas o de longo prazo também é importante. Se é assumido que os sinais de mercado funcionam eficientemente e, portanto, a eletricidade se torna mais cara quando escassa, sendo isso suficiente para reduzir o consumo de eletricidade, a questão da segurança do abastecimento de eletricidade não é relevante, já que o mercado solucionaria o problema de coordenação. Mas, considerando que a demanda de eletricidade não elástica devido à sua essencialidade e a fatores contratuais (preços não flutuam no curto prazo em contratos com o consumidor final) e operacionais (medidores não disponibilizam sinais para gerenciar a demanda no curto prazo), a segurança do abastecimento passa a ser elemento da política setorial. Sendo essa um bem público, a solução de mercado tende a ser ineficiente92. Essas características são enfatizadas por autores proeminentes na literatura econômica aplicada ao setor elétrico, como Joskow e Schamalensee (1983), Hogan (2001), Hunt e Shuttleworth (1996), Glachant e Finon (2000) e Stoft (2002). Essas geram a necessidade de coordenação complementar ao mercado e condicionaram a evolução da indústria de suprimento elétrico. No passado, a coordenação operacional era executada no interior das empresas monopolistas, via hierarquia. Com a reforma, surge a necessidade do desenvolvimento de mecanismos de coordenação externos às empresas para lidar as questões decorrentes 92 Não há razão para esperar que a margem de segurança socialmente ótima seja obtida via mercado se não é desenhada política específica para atender esse objetivo. 40 das características dos sistemas elétricos93. O operador do sistema se tornou a instituição mais importante na coordenação operacional do setor elétrico. Seu objetivo é assegurar a confiabilidade do sistema em ambiente competitivo, gerenciando a rede de transmissão94 de forma a permitir acesso eqüitativo para os agentes. O operador é responsável pela definição do despacho das centrais, ou seja, das quantidades produzidas por cada central. Devido às restrições do sistema de transmissão nem todas transações orientadas por critérios de mercado podem ser efetuadas. Ele também deve coordenar os serviços ancilares. O operador do sistema pode ser estruturado de formas diferentes. Em algumas experiências, a empresa de transmissão é responsável pela operação e em outras uma instituição, denominada Operador Independente do Sistema (ISO), é criada especificamente para operar o sistema sem deter ativos de transmissão. Os proprietários dos ativos de transmissão repassam a gestão desses ativos ao operador independente, recebendo uma remuneração semelhante a um aluguel como contrapartida. I.3. Metodologia de Análise Para analisar as experiências de reforma, a tese utiliza a metodologia da “organizações econômicas comparativas”95 ou “escolha institucional comparativa”96. Segundo essa elaboração, as organizações econômicas não devem ser avaliadas isoladamente, e sim através da comparação com um conjunto de alternativas. Assim, esta é uma análise discreta, já que o conjunto de alternativas é finito, o que se opõe a análise marginalista (contínua). Os arranjos institucionais alternativos não têm desempenhos perfeitos, i.e. não constituem escolhas ótimas. Essas alternativas imperfeitas são comparadas para escolher a mais adequada. Para definir o conjunto de arranjos possíveis, serão analisadas três experiências de reforma (Inglaterra e País de Gales, Países Nórdicos e Califórnia). Como essas 93 Glachant e Finon (2000) consideram que as particularidades do setor elétrico acarretam em ‘dificuldades transacionais’ que não são eliminadas com a introdução da competição. “On the contrary … the making of competitive wholesale and retail electricity markets depends on the existence of a ‘transactional infrastructure’ which resolves the transactional difficulties inherent in exchanges of electrical energy”. P 317. 94 O Operador Independente do sistema geralmente não detém os ativos de transmissão, as empresas de transmissão repassam a gestão dos ativos, recebendo uma remuneração para tanto. 95 Williamson (1996). 96 Joskow (2002). 41 experiências contam com características distintas, o desenho mais adequado não é único. Serão analisadas as características que particularizam as experiências, a escolha do desenho da reforma e o resultado alcançado nessas experiências. I.3.1. Critérios de Eficiência A análise dos resultados das reformas é orientada pela eficiência econômica, utilizando três critérios: eficiência alocativa, adequação dos investimentos e eficácia dos arranjos institucionais. A eficiência é preocupação central no desenvolvimento da ciência econômica. Adam Smith, através da metáfora da “mão invisível”, apontou que a ação livre de indivíduos, que visam o bem estar próprio, acaba por resultar em bem-estar coletivo. Esse argumento serviu para advogar a livre atuação dos mercados (laissez-faire) e criticar a intervenção estatal, permanecendo no centro da agenda de pesquisa da ciência econômica e vários desenvolvimentos teóricos se dedicaram a aperfeiçoá-lo. Os trabalhos de Walras, Marshall e Pareto, entre outros autores, contribuíram para a elaboração do teorema que relaciona a situação de concorrência perfeita com o bem-estar social. O teorema da máxima satisfação consiste em que se cada empreendedor aplica seus recursos produtivos de forma a maximizar seus retornos, o resultado agregado também é maximizado97. O modelo de equilíbrio geral de ArrowDebreu reforçou o argumento, demonstrando a eficiência, nos termos de Pareto, do equilíbrio gerado no modelo de concorrência perfeita98. Ou seja, outras combinações, alternativas à de equilíbrio, só aumentam o bem-estar de algum agente prejudicando o de outros. Apesar do ótimo de Pareto ter uma grande importância para a demonstração teórica desses resultados, este conceito não tem aplicação prática para mensurar a eficiência econômica. Em teoria aplicada, usualmente, dois conceitos são utilizados para avaliar a eficiência econômica. A eficiência produtiva, que consiste na utilização dos insumos de forma a gerar o maior nível de produção (não desperdício dos insumos), e a eficiência alocativa, alocação dos recursos produtivos de forma a gerar o melhor resultado agregado. O primeiro conceito não é muito explorado pela teoria econômica. 97 98 Stigler (1987). Este resultado é conhecido como o Primeiro Teorema da Economia do Bem-Estar. 42 Leibenstein (1966) utilizou o termo ineficiência-X para tratar de situações onde a eficiência produtiva não é alcançada. Segundo o autor, em monopólio as firmas poderiam não minimizar seus custos. Pois, devido à ausência de pressões competitivas, as empresas relaxam o controle de custos99. Por contrariar a hipótese de que as empresas maximizam lucros, este conceito sofreu fortes críticas100. Mas, como apontam Scherer e Ross (1990), “qualquer pessoa com experiência em organizações do mundo real deve reconhecer que algo semelhante à ineficiência-X existe”101. O conceito de eficiência alocativa é crucial na análise de eficiência econômica. Deriva no teorema de máxima satisfação que a situação de concorrência perfeita propicia o máximo de eficiência alocativa. Isso porque o preço pago pelo consumidor é igual ao custo de produzir mais uma unidade do produto (custo marginal), que corresponde ao seu custo de oportunidade. Nesta situação, a alocação dos recursos produtivos é a melhor possível e qualquer transferência dos recursos entre setores econômicos implica em redução do valor produzido e do bem-estar. Normalmente, a eficiência alocativa é avaliada pela proximidade entre preços praticados no mercado e custo marginal. O Índice de Lerner, razão entre a diferença de preço e custo marginal e preço ( P − Cmg ), é uma medida da eficiência alocativa, ou de seu avesso, do poder de P mercado. A análise desenvolvida na tese privilegia o conceito de eficiência alocativa para avaliar a eficiência no curto prazo das experiências de reforma do setor elétrico. A eficiência de dinâmica envolve dois aspectos no setor elétrico, progresso tecnológico e nível de investimentos. A mensuração do progresso tecnológico envolve dificuldades. Como é impossível mensurá-lo diretamente, são utilizadas variáveis de insumo, como gastos em pesquisa e desenvolvimento, e intermediárias, como número de patentes registradas. Além dessas complexidades, o período após as experiências de reforma ainda não é suficiente para analisar o impacto dessas sobre o progresso tecnológico102. Desta forma, apesar do progresso tecnológico ter uma grande importância sobre a evolução do setor elétrico, as experiências de reforma não são analisadas sobre esse aspecto. 99 Smith afirmava que o “monopólio é o maior inimigo da boa administração” in Scherer e Ross (1990) pg 667. 100 Stigler (1976). 101 Scherer e Ross (1990) pg 668. 102 Segundo a terminologia de Pavitt (1984), o setor elétrico é dominado por fornecedores, ou seja, o progresso tecnológico é ditado pelas inovações na indústria de equipamentos utilizados no setor elétrico. 43 O elemento de longo prazo que orienta a análise é a adequação do nível de investimentos em relação à evolução da demanda. Em tese, essa análise seria incorporada na análise de curto prazo, já que preços eficientes em termos alocativos dão sinais para “ótimos” para a efetivação de investimentos. A segurança do abastecimento é importante para um conjunto amplo de produtos na economia (como alimentos e combustíveis), o que motiva a atuação do Estado, no caso dos bens considerados essenciais, através da formação de estoques estratégicos que regulam os mercados em situações de escassez. No caso da eletricidade, por não ser economicamente estocável, a segurança do abastecimento é determinada pela folga entre capacidade instalada e o consumo (margem de reserva)103. A última ótica utilizada para avaliar o desempenho consiste na eficiência dos arranjos institucionais. No âmbito da teoria dos custos de transação, como os agentes buscam definir os arranjos de forma a minimizar os custos envolvidos, a eficiência é definida como um princípio positivo, já que os arranjos institucionais resultantes são sempre eficientes a posteriori104. Assim, os arranjos existentes são escolhas eficientes e suas modificações são tentativas de aumentar a eficiência decorrentes de modificações no ambiente. Na reforma do setor elétrico, o arranjo institucional instaurado não é resultado da barganha entre os agentes ao longo da cadeia produtiva. Desta forma, o resultado da reforma não é inerentemente eficiente sobre a lógica da adequação do arranjo institucional. Ou seja, o arranjo institucional resultante da reforma pode não consistir a maneira preferida pelas firmas para efetuar as transações, e análise da eficiência do arranjo institucional passa a ser mais relevante. Como é de se esperar que as firmas procurarão adequar a forma de efetuar transações, por exemplo, através de integração vertical e contratos de longo prazo, a avaliação da eficiência do arranjo institucional será realizada através análise das estratégias empresariais para a execução das transações e da atuação das instituições, principalmente o órgão regulador. Assim, para avaliar o impacto inovativo da reforma seria necessário avaliar como a reforma impacta nas relações entre as companhias do setor elétrico e seus fornecedores. 103 Em sistemas hidrelétricos, essa análise conta com outros componentes. 104 Milgrom e Roberts (1992, pg 24) definem o Principio de Eficiência: Se indivíduos são capazes de barganhar entre si efetivamente e podem efetivamente implementar e garantir o cumprimento de suas decisões, então os resultados da atividade econômica tenderão a ser eficientes (ao menos para as partes que barganharam). 44 I.4. Conclusão Neste capítulo, foi apresentado o conjunto de ferramentas selecionado para a análise desenvolvida na tese. Os modelos de concorrência apresentados destacam os benefícios, na forma de preços próximos ao custo marginal e de progresso tecnológico, que essa propicia quando se manifesta de forma efetiva ou potencial. São esses benefícios que justificam a reforma do setor elétrico. No entanto, as características econômicas e operacionais do setor elétrico não permitem que a coordenação siga somente sinais de preço. A regulação e a atuação do operador do sistema caracterizam a coordenação horizontal. Dada a presença relevante de ativos específicos, a coordenação vertical também é importante no setor elétrico. As formas que as coordenações horizontal e vertical assumem nas experiências de reestruturação do setor elétrico são definidas pelo desenho da reforma. O desenho da reforma consiste na escolha da combinação de centralização e descentralização das decisões na cadeia produtiva de eletricidade. Ou seja, esse define os espaços da concorrência e da centralização no setor elétrico. Apesar da motivação comum de introduzir pressões competitivas, os sistemas elétricos contam com características estruturais, operacionais e institucionais e as reformas assumem desenhos distintos, o que é explorado no próximo capítulo. O primeiro passo do desenho de reforma consiste na identificação das atividades que serão operadas em monopólio e em concorrência. É ponto consensual que o transporte de eletricidade constitui monopólio natural e que a concorrência pode ser introduzida na geração de eletricidade105. A coordenação das atividades de monopólio é basicamente definida pela forma de regulação (estrutura tarifária e nível de preços. Mas, mesmo nessas atividades, pode haver espaço para pressões competitivas através de licitações competitivas e regulação por comparação. Para as atividades potencialmente competitivas, o desenho escolhido deve ser compatível com as características econômicas e operacionais do setor elétrico. Assim, a solução não deve ser nem um mercado totalmente descentralizado e nem a centralização total, que eliminaria os benefícios da concorrência, mas um híbrido dessas duas formas de coordenação. Desta forma, o aspecto central das experiências de reforma consiste em determinar os espaços de coordenação centralizada e de concorrência. Segundo Vickers 105 Não se pode afirmar que este mesmo consenso é válido para a comercialização. 45 e Yarrow (1988), “ a tecnologia do suprimento de eletricidade cria um dilema político – os benefícios da coordenação [centralizada] entre firmas devem ser confrontados aos benefícios da competição – e a questão de como este trade-off pode ser resolvido é um dos principais elementos da economia da eletricidade”106. 106 Vickers e Yarrow (1988) p. 291. TL 46 CAPITULO II - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS A reforma do setor elétrico é um movimento de escala mundial. Desde o final da década de 80, dezenas de países empreenderam reformas no setor elétrico com intuito de promover eficiência através da introdução da competição e estimular investimentos107. Ainda que partilhem destes objetivos básicos, os meios de empreender a reforma não são idênticos. Características institucionais, estruturais e operativas tornam cada experiência peculiar. Este capítulo é iniciado pela breve descrição do padrão de desenvolvimento da indústria de suprimento elétrico que antecedeu o processo de reforma. Após, são apresentadas três experiências internacionais de reforma do setor elétrico, que foram escolhidas devido às suas potenciais lições para a reforma brasileira. A reforma da Inglaterra e País de Gales foi escolhida por constituir um paradigma para as reformas do setor elétrico. A experiência dos países nórdicos é relevante por ser considerada um exemplo de êxito na intensificação de pressões concorrenciais em virtude da formação de um mercado internacional de eletricidade e, principalmente, por contar com relevante participação de geração hidrelétrica. A experiência da Califórnia destaca-se pelos problemas enfrentados, que passaram a ser considerados um alerta quanto aos perigos decorrentes da liberalização mal conduzida. II.1. Padrão de Desenvolvimento da Indústria de Suprimento Elétrico Partindo da iniciativa pioneira de Thomas Edison108, o livre empreendedorismo privado moldou a fase inicial da indústria de suprimento elétrico. Devido a limitações no transporte109 e na diversidade de usos da eletricidade110, a estrutura inicial da 107 As características do sistema elétrico, particularmente o grau de maturidade da rede elétrica, condicionam a escolha do objetivo a ser focado. Para países que detêm rede madura, nos quais a totalidade da população tem acesso a eletricidade, a introdução da competição é a prioridade. Para países que precisam estender a rede para universalizar o acesso à eletricidade e/ou contam crescimento elevado da demanda, o estímulo de investimentos também é um objetivo fundamental. (Losekann e Evans, 2003). 108 O nascimento da indústria de Eletricidade se relaciona completamente a figura de seu inventor. Thomas Edison não só desenvolveu a primeira lâmpada incandescente prática e econômica, em 1878, mas também projetou, construiu, financiou e operou o primeiro sistema elétrico de geração e distribuição. 109 Esta característica derivava da forma de transportar energia, através de corrente contínua e em baixa tensão, que resultava em perdas elevadas. 47 indústria era descentralizada e tanto as unidades de geração quanto os mercados eram de pequeno porte. Na medida que as limitações111 são superadas, aumenta o porte das empresas de eletricidade. Com o crescimento das empresas, estas passam a disputar consumidores na mesma área112. Esta concorrência ineficiente implicava em sobreposição das redes de distribuição e duplicação de custos. A caracterização de uma situação de monopólio natural consiste na justificativa para os primeiros atos de intervenção do Estado no setor, através da concessão de áreas de exclusividade. Então, a estrutura que passou a ser dominante foi a de monopólios regionais em um sistema que pode ser descrito como um arquipélago de ilhas elétricas (Figura II.1) 113 . Figura II.1 Mercado 1 Arquipélago de Ilhas elétricas Mercado 2 Mercado 3 G1 G2 G3 D1 D2 D3 Mercado n ... Gn Dn Fonte: De Oliveira (1997) No entanto, a configuração em monopólios regionais não permitia o aproveitamento pleno das economias de escala latentes na geração de eletricidade, já que o tamanho dos mercados regionais não permitiam a operação das plantas de geração em suas escalas mínimas eficientes. Esta condição leva a construção de linhas de transmissão para permitir o fluxo de energia entre mercados regionais. A formação de sistema interconectado gera uma economia importante para a indústria. Como não é possível estocar energia, as necessidades de investimentos na indústria de eletricidade são determinadas pelo momento em que a demanda de energia elétrica é maior (demanda de pico). A demanda de pico de um sistema interconectado é menor do que o somatório das demandas de pico para cada mercado que faz parte do sistema, pois as diversidades no padrão de consumo fazem com que o momento de 110 Neste período, a eletricidade era utilizada somente para iluminação. Após um forte debate, a corrente alternada (possibilitada pela invenção dos transformadores) se torna o novo padrão para o transporte de eletricidade. Com esta tecnologia, o transporte ocorrem em tensões elevadas e as perdas são menores. Assim, os mercados se amplificam. 112 Apenas na cidade de Chicago, 24 empresas se estabeleceram entre 1887 e 1893 (Stoft, 2002, pg 6). 113 De Oliveira (1997). 111 48 maior demanda não coincida entre os sistemas gerando uma relevante economia de escala. Figura II.2 Mercado 1 G1 D1 T Mercado Interconectado Mercado 2 Mercado 3 G2 G3 D2 T Mercado n T D3 ... Gn Dn Fonte: De Oliveira (1997) Acompanhando o processo de interconexão de mercados, houve um movimento de fusão das empresas que exploravam os monopólios regionais. Os benefícios da ampliação/interconexão dos mercados eram claros, mas também evidenciavam a necessidade de intervenção do Estado para coordenar este processo. Nos Estados Unidos, os mecanismos regulatórios foram fortalecidos114 para controlar a atuação das concessionárias privadas. Na Europa, o Estado assumiu o processo de estruturação da indústria elétrica. A França (1946) e o Reino Unido (1947) estatizaram as companhias de eletricidade, criando monopólios estatais (a EDF e a CEGB, respectivamente). Nos países em desenvolvimento, o caminho seguido foi, em geral, similar ao dos países europeus, com a estatização das concessionárias de energia. A formação de uma estrutura monopolista e verticalizada para o mercado elétrico teve papel crucial na forte expansão da indústria. Na fase de expansão, a especificidade dos ativos no setor elétrico tem sua importância magnificada. Como os investimentos entre as atividades são interdependentes, a verticalização elimina a possibilidade de comportamentos oportunistas e provê uma coordenação eficiente do planejamento da expansão. No período de trinta anos que se estende após a segunda guerra, a trajetória de desenvolvimento da indústria de suprimento elétrico formava um ciclo virtuoso115. Através de economias de escala e escopo, a expansão da indústria reduzia seus custos médios, o que acarretava na diminuição do preço da eletricidade e que, por sua vez, 114 O Congresso Americano, na década de 30, promulgou a legislação específica -Public Utility Holding Company Act (PUHCA) e posteriormente foram criados os reguladores estaduais (Public Utility Commission-PUC). 115 De Oliveira (1997) 49 possibilitava que consumidores de renda inferior passassem a consumir eletricidade e que novos usos surgissem, aumentando a demanda de eletricidade (expansão do mercado) e realimentando o ciclo. O corolário desse processo foi a redução das tarifas reais de eletricidade e a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias116. A configuração da indústria de suprimento elétrico apresentava algumas variações entre os países, mas que contavam com elevada centralização da coordenação ao longo da cadeia produtiva. Pode-se classificar estas configurações em três modelos (Figura II.3): um primeiro totalmente verticalizado e horizontalizado, formando monolitos, como é o caso francês, onde a EDF detém quase a totalidade dos ativos de geração, transmissão; no segundo, a geração e a transmissão são desenvolvidas por uma única empresa e a distribuição é responsabilidade de empresas regionais, este era o caso do Reino Unido (antes da reestruturação), onde a CEGB monopolizava a geração e transmissão e a distribuição era efetuada por companhias regionais; o terceiro modelo é um híbrido, onde empresas que verticalizam as três atividades, convivem com empresas que detém transmissão e geração e somente a distribuição, como era o caso brasileiro. Figura II.3 Tipos de Estrutura Modelo 1 Modelo 2 G G T T D D D D D 116 Segundo Joskow (2002). “The [traditional electric power] sectors in most developed countries have performed fairly well based on a variety of ‘macro’ performance criteria. In particular, the systems provide electricity with high levels of reliability, investment in new capacity can generally be readily financed to keep up with (or often exceed) demand growth, system losses (both physical and those owing to theft of service) are low, electricity is available virtually universally, customers can get hooked up for service relatively quickly and cheaply, there is a long record of rapid productivity growth (at least until the early 1970s), the average price of electricity typically covers the total cost of supplying it, including a reasonable return on investment, and the real price of electricity fell almost continuously until the early 1970s and then again in the 1990s”. p. 510. 50 Modelo 3 G G T T D T D D D Fonte: De Oliveira (1997) Esta ‘fase de ouro’ da indústria tem seu fim na década de 70, quando as oportunidades de ganhos de escala se esgotaram e as concessionárias passaram a enfrentar dificuldades financeiras em virtude da elevação dos custos de operação e de financiamento que decorrem da crise do petróleo. O ciclo virtuoso deu lugar a um ciclo vicioso (De Oliveira, 1997) No final da década, havia um descontentamento geral com o funcionamento do setor elétrico. Os consumidores estavam insatisfeitos com o aumento progressivo dos preços e as empresas reguladas criticavam os reguladores por não compensarem totalmente os aumentos de seus custos117. Além de problemas conjunturais, a crítica de acadêmicos e analistas da indústria foca elementos de longo prazo. O regime tarifário de taxas de retorno é criticado por não refletir os custos marginais118 e a estrutura da indústria por não gerar estímulos à eficiência. Segundo Joskow e Schmalensee (1983), durante décadas vários analistas preocupados com a eficiência econômica de sistemas elétricos sustentaram que a eletricidade não era suprida ao menor custo possível nem era precificada corretamente. “Problemas deste tipo não podem persistir em mercados competitivos; onde o eficiente é premiado e o ineficiente é expulso. Mas, ineficiências graves na oferta e na precificação podem persistir em uma indústria, como a de eletricidade, na qual a 117 Joskow e Schmalensee (1983) e Joskow (1989) provêm uma análise detalhada da situação norteamericana. 118 Assim, a situação de first best não é alcançada. 51 maioria dos fornecedores é protegida por monopólios e preços regulados, de forma que não são submetidos a disciplina do mercado”119 II.2. Inglaterra e País de Gales Ainda que outros países tenham introduzido reformas pró-mercado no setor elétrico antes da reforma da Inglaterra e País de Gales (I&PG)120, esta pode ser considerada o paradigma para o movimento de reestruturação do setor elétrico que se alastrou por todo o globo a partir da década de 1990. Isto porque a reforma britânica contem as medidas que passaram a ser replicadas nas reformas posteriores, constituindo um “padrão” para a reestruturação do setor elétrico. II.2.1. Reforma A reforma do setor elétrico britânico faz parte do conjunto de medidas liberais tomadas durante os governos Thatcher. A justificativa econômica para a redução da intervenção do Estado na economia via privatização consistia na eliminação das ineficiências resultantes da propriedade pública121. No entanto, o processo também contava com objetivos mais pragmáticos como a democratização do capital122, a arrecadação de recursos e o enfraquecimento dos sindicatos123. A privatização do setor elétrico consistiu o “exercício mais ambicioso do programa de privatização no Reino Unido”124. O valor estimado dos ativos no setor elétrico era quatro vezes superior ao total privatizado no Reino Unido até então125. Ao 119 Joskow e Schmalensee (1983) p 7. TL Como o PURPA nos Estados Unidos em 1978 e a reforma chilena no início dos anos 80. 121 A primeira-ministra e seus conselheiros partilhavam da crença que a propriedade pública é inerentemente ruim e a privada boa. Assim, o governo deveria que deixar para o setor privado a administração de atividades industriais e comerciais. Uma frase famosa no período era: “the business of government is government, not government of business” (in Henney, 1994 p. 19). 122 A promoção da pulverização da propriedade, através da venda de pequenos lotes de ações ao público em geral, teve como objetivo estimular a participação de pequenos investidores no mercado de capitais. Durante os anos 1980 o número de acionistas saltou de 3 milhões para 9 milhões. Por outro lado, como as ações eram vendidas a preços abaixo do mercado e os acionistas tiveram ganhos substanciais o “capitalismo popular” gerava dividendos políticos (Thomas, 1996). No setor elétrico a oferta de ações aos empregados foi utilizada para diminuir a resistência dos sindicatos à privatização (Henney, 1994). Vickers e Yarrow (1988) apontam que a subvalorização do preço das ações foi desnecessariamente exagerada e criticam o método de venda utilizado. Pgs 192-193 123 Havia a percepção que os sindicatos contavam com poder muito elevado. A série de greves nos anos 70, que culminaram no “inverno dos descontentes” em 1979 - quando a paralisação dos serviços gerou uma situação de caos - tornou os sindicatos impopulares. A privatização e a introdução da competição limitaram o poder de mobilização dos sindicatos. 124 Yarrow (1994) p 62. 125 Thomas (1996). 120 52 contrário das telecomunicações e gás, onde a privatização consistiu na venda de uma única empresa, no setor elétrico foram vendidas mais de uma dezena. E, o mais importante, seria necessário inovar a forma de organização da indústria para possibilitar a introdução da competição, implicando um novo arranjo institucional, estrutural e operativo para a indústria126. As elevadas participações do carvão e da geração nuclear (Figura II.4) na matriz de geração tiveram importantes impactos sobre o rumo da reforma Figura II.4 Estrutura da matriz de Geração de Eletricidade na I&PG (1990) Oleo Comb 9% Hidro + outros 2% Nuclear 19% Carvão 70% Geração Total: 289 TWh Fonte: DUKES A orientação da reforma britânica foi definida em fevereiro de 1988 com a publicação do “White Paper”. Em linhas gerais a reforma incluiu: 1. Desverticalização da geração e transmissão 2. Liberalização e desconcentração da geração 3. Desverticalização da distribuição e comercialização e liberalização progressiva da última. 4. Criação de um mercado atacado de energia 5. Criação do regulador setorial e 6. Implantação de um novo regime tarifário para as atividades monopolistas. A desverticalização da geração e transmissão foi a alternativa adotada no Reino Unido para evitar que o poder de monopólio na transmissão interferisse na competição na geração. Os ativos da CEGB deram origem a quatro empresas, uma de transmissão e 126 O desempenho das indústrias de Gás e Telecomunicações pós-privatização evidenciava que a transformação de monopólios públicos em monopólios privados não gerava os benefícios que a reforma 53 três de geração. Os ativos de transmissão formaram uma nova empresa, National Grid127. A National Grid tem um papel chave no sistema elétrico da I&PG. Além de deter os ativos de transmissão, a empresa é responsável pela operação do sistema. Assim esta define o despacho das usinas e procura garantir a segurança e estabilidade da rede e o livre acesso à rede. A National Grid também define o planejamento indicativo através do “Seven Years Statement” (SYS), estimando anualmente a evolução da carga e as necessidades de expansão da oferta para os sete anos seguintes. Originalmente, a proposta para a reestruturação da geração era condicionada pela perspectiva de privatizar a geração nuclear. Todas usinas de geração nuclear seriam detidas por uma única empresa, National Power, que também deteria 60% da geração convencional. Essa companhia teria um porte suficiente para lidar com os riscos e as necessidades de investimento da tecnologia nuclear. O restante dos ativos de geração seriam reunidos em uma outra empresa, PowerGen. No entanto, com base na percepção que as centrais nucleares não seriam competitivas nem com a ajuda da taxação sobre combustíveis fósseis (fossil fuel levy128), o governo decidiu não levar a frente a privatização dessas usinas em 1989 e esses ativos foram reunidos na Nuclear Electric129, que permaneceu sobre propriedade estatal. A lógica para a criação do duopólio National Power e PowerGen deixava de ser válida, mas o imperativo do cronograma de privatização, pressionado pela realização de eleições em 1991, não permitiu uma revisão na estrutura para a geração que incrementasse as pressões competitivas 130, 131 . Assim, os ativos de geração foram privatizados em uma estrutura excessivamente concentrada (Figura II.5)132. se propunha. A NGC também operava os interconectores com a França e Escócia e detinha duas plantas hidráulicas de armazenamento por bombeamento (pumped storage plants). Em 1996, estas plantas foram vendidas para uma companhia americana (Mission Energy). A solução para a estrutura proprietária foi inusitada, já que a empresa é de propriedade conjunta das 12 companhias de distribuição (Regional Electricity Companies – RECs) sucessoras das Area Boards. Segundo Armstrong, Cowan e Vickers (1994), a razão para a escolha, que desloca a integração vertical da geração-transmissão para transmissão-distribuição, foi determinada pela intenção de facilitar a venda dos ativos de transmissão. No entanto, foram criadas regras para garantir a operação independente da NGC, evitando interferências das RECs 128 Esta taxa incide sobre a produção de eletricidade a partir do carvão, óleo combustível e gás. A renda proveniente é transferida maioritariamente para as usinas nucleares, mas parcela é destinada para fontes renováveis. 129 Posteriormente, esta empresa deu origem a duas companhias. A British Electric detém os reatores mais modernos e suas ações foram vendidas ao mercado em 1996. A Magnox Electric compreende os reatores mais obsoletos e permanece sobre propriedade estatal. 130 Newbery e Green (1996). 127 54 Figura II.5 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 1990/91 Interconectores 5% Nuclear Electric 14% Outros 4% National Power 47% PowerGen 30% Fonte: Ofgem A interconexão com os países vizinhos também fazia parte da oferta de eletricidade. Como a geração foi liberalizada, parte das pressões competitivas provém de entrantes (produtores independentes). A expectativa dos formuladores da reforma era que a concorrência potencial seria suficiente para induzir o comportamento eficiente das empresas. A Figura II.6 descreve a nova estrutura da indústria de suprimento elétrico na I&PG. Existem cinco tipo de licenças para a operação no setor elétrico: geração, geração nuclear, transmissão, fornecimento público de eletricidade (PES), que inclui distribuição e comercialização e fornecedor alternativo (second-tier supplier). As doze Area Boards passaram a ser denominadas de Regional Electric Companies (RECs) e foram privatizadas sem maiores modificações133. As atividades de distribuição e comercialização desempenhadas pelas RECs passaram ser contabilizadas em contas distintas, resultando em uma desverticalização contábil das atividades134. A distribuição (transporte da energia) é operada em monopólio e a liberalização da comercialização seguiu um cronograma. Inicialmente, somente grandes consumidores, 131 Uma das propostas analisadas na preparação do White Paper era a criação de cinco empresas de geração com capacidade de produção semelhante. (Henney, 1994) 132 As ações da National Power e da PowerGen foram vendidas em duas etapas. Na primeira, em março de 1991, foram vendidas 60% das ações e 40% em março de 1995. 133 O governo manteve golden shares das RECs até 1995, o que impossibilitou mudanças na estrutura de propriedade das empresas no período inicial. 134 Mais precisamente, os negócios das RECs são de quatro naturezas: distribuição, comercialização dentro de sua área de atuação, comercialização fora de sua área de atuação e geração. Para desempenhar a última tarefa a REC tem de criar uma empresa subsidiária. 55 com demanda a 1 MW, podiam escolher seu fornecedor enquanto os pequenos consumidores permaneciam cativos das RECs locais. Em 1994 o limite foi diminuído para 100kW e, desde 1999135, todos consumidores são livres. Assim, com a liberalização, a comercialização de energia pode ser efetuada pelas RECs, dentro e fora de sua região de distribuição, e por outros comercializadores136. Figura II.6 GERAÇÃO Nova Estrutura da Indústria de Suprimento Elétrico da I&PG Geração Própria National Power PowerGen França Independentes 12 RECs DISTRIBUIÇÃO CONSUMO Escócia GRID TRANSMISSÃO COMERCIALIZAÇÃO Nuclear Electric RECs atuando dentro de sua região Mercado Cativo RECs atuando fora de sua região Outros Comercializadores Mercado Livre 135 O cronograma inicial previa a abertura total do mercado de varejo em 1998, mas devido a complicações técnicas esta foi postergada por um ano. 136 As empresas de geração normalmente atuam na comercialização. Mas, outros agentes podem desempenhar esta atividade, como companhias especializadas em comercialização, cooperativas ou grandes consumidores. 56 Entre os mecanismos de coordenação adotados no novo arranjo institucional britânico, a criação do mercado atacadista (Pool) foi o mais inovador A função do Pool, que vigorou até março de 2001137., era organizar a oferta e demanda de eletricidade, sendo operado pela National Grid com o objetivo de realizar o despacho por ordem de mérito de preço138. As licenças de geração e comercialização determinavam que os licenciados participassem compulsoriamente do Pool139. O Pool funcionava como um leilão. Os ofertantes efetuavam lances que especificam a disponibilidade e o preço140 para cada conjunto de geração141 para cada meia hora do dia seguinte142. Os lances de oferta (bids) eram ordenados por mérito e contrapostos à previsão de demanda143 (considerando uma margem de reserva) pelo operador do sistema (NGC), com ajuda do software GOAL (Generator Ordering and Loading). Igualando oferta e demanda, o Preço Marginal do Sistema (System Marginal Price – SMP), que corresponde ao lance mais elevado aceito no Pool, era determinado para cada meia hora144. É importante notar que o SMP se baseava em uma programação sem restrições (unconstrained schedule). Inevitavelmente, essa programação era distinta do despacho real em função de restrições de transmissão, indisponibilidades de plantas incluídas na programação de despacho145 e diferenças entre a demanda prevista e a verificada. 137 Neste momento, novas regras de mercado foram implementadas e Pool foi extinto. As centrais que ofereciam lances mais baratos são priorizadas no despachado. 139 O Pool englobava cerca de 97% da energia consumida na Inglaterra e País de Gales. 140 Os lances eram compostos por 5 elementos: um preço de partida (start-up price) que é a remuneração requerida em libras para simplesmente iniciar a produção, preço sem carga (no-load price), a remuneração em libras por hora para manter a planta pronta para gerar e três preços incrementais estipulados para três intervalos de produção, em libras por MWh, pela energia efetivamente gerada. Para a maior parte do tempo, chamados ‘Table A periods’, todos elementos dos lances eram considerados. Em períodos de demanda baixa, ‘Table B periods’, somente o preço incremental era considerado. 141 São alocados blocos de negócio às empresas que utilizam os interconectores com Escócia e França para vender eletricidade na Inglaterra (membros externos do Pool) que correspondem a capacidade de importação e são tratados como unidades de geração no Pool. 142 Os lances eram efetuados às 10 a.m. Os lances de preço eram definidos para o dia inteiro e a disponibilidade para cada meia hora. 143 Inicialmente, havia o interesse de que o Pool constituísse um mercado que considerasse não só lances de ofertantes, mas também de demandantes (‘double pool’). No entanto, essa idéia foi abandonada devido aos requerimentos computacionais que necessitaria (Thomas, 1996, p 80). 144 Às 16 horas do dia anterior ao despacho, os membros do Pool recebiam os preços do Pool para cada meia hora do dia seguinte. Esses preços também eram publicados no Financial Times. 145 Os geradores tinham liberdade para redeclararem a disponibilidade de suas unidades até o momento do despacho. Isto podia ser resultado não só de falhas operacionais, mas também de interesses comerciais. Preços baixos podiam justificar que centrais alimentadas à gás natural se declarassem indisponíveis para vender o combustível no mercado de gás. Como a indisponibilidade afetava o LOLP, alguns geradores podiamm deliberadamente declararem indisponíveis algumas de suas unidades em momentos de demanda 138 57 Além do SMP, os geradores também eram remunerados pela capacidade. O que objetivava estimular investimentos, aumentando a remuneração dos geradores em momentos de escassez de capacidade. O encargo de capacidade remunerava a capacidade disponível das unidades de geração (em operação ou não), sendo calculado pela seguinte fórmula: Encargo de Capacidade = LOLP × [VOLL − max(SMP, lance de preço )] LOLP (Loss of Load Probability) é a probabilidade de que a oferta não seja suficiente para atender a demanda. VOLL (Value of Lost Load) é uma estimativa do custo social gerado pela falta de eletricidade (demanda superior à oferta)146. A Tabela II.1 descreve as possibilidades de pagamento aos geradores. As unidades presentes na programação sem restrição (lance de preço ≤ SMP) e que efetivamente produzem recebem o preço de compra do Pool (PPP – Pool Purchase Price), representado na área 1 da tabela. As unidades programadas mas não despachadas, área 2, recebem o PPP subtraído de seu lance de preço (BID). As unidades não programadas (BID > SMP) mas que são despachadas, área 3, recebem o valor de seu BID somado ao encargo de capacidade. Finalmente, as unidades que não são programadas e tampouco despachadas, área 4, recebem apenas o elemento de capacidade. Tabela II.1 Pagamentos aos Geradores Despacho Programação sem restrição Dentro Fora Dentro 1. SMP + LOLP x (VOLL – SMP) 2. SMP – BID + LOLP x (VOLL – SMP) Fora 3. BID + LOLP x (VOLL – BID) 4. LOLP x (VOLL – BID) Fonte: Sweeting (2000) Os demandantes pagavam um preço diferente ao PPP para retirar energia do Pool. Como era necessário remunerar outros custos, o PSP (Pool Selling Price) excedia elevada para aumentar sua remuneração através de encargos de capacidade ou forçar o despacho de unidades com lances de preço mais elevados (Bower, 2002). 146 Este valor foi definido inicialmente como £2.000/MWh, sendo corrigido pela inflação (RPI). Em 2001, o valor já alcançava £2.816/MWh. 58 o PPP por um montante denominado uplift. O uplift era formado por três componentes147: • Alterações operacionais – custos causados pela diferença entre a operação programada sem restrições e o despacho e que resultavam na remuneração de unidades não programadas mas despachadas (área 3 na Tabela II.1) e de unidades programadas, mas não despachadas (área 2) e em despesas adicionais de transmissão. • Serviços ancilares – remuneração aos serviços necessários para manter a qualidade e segurança do suprimento. • Disponibilidade não programada – remuneração aos geradores não incluídos na programação, mas que estavam disponíveis para serem despachados (quadrante 4). Como os preços do Pool eram determinados no dia anterior, demandantes podiam ajustar a quantidade consumida ao preço. No entanto, isto não impactava o SMP, apenas o valor do Uplift. Desde dezembro de 1993, alguns grandes consumidores (aproximadamente 30) passaram a poder participar diretamente do processo de formação de preço, executando lances de demanda. Estes constituem lances de redução de demanda, especificando o preço que ao qual estariam dispostos a reduzir demanda. Para efeitos práticos, esses eram tratados como lances de oferta no Pool. Grande parte dos geradores e comercializadores não se dispunha a ficar exposta a flutuações do preço do Pool148 e negociava contratos financeiros bilaterais149. Os contratos por diferença (CfD) se tornaram os mais comuns na I&PG. Esses contratos eram negociados diretamente entre as partes envolvidas (over-the-counter) e consistiam em compensações correspondentes à diferença entre o preço acertado e o preço observado no Pool. Os CfDs podiam ser de dois tipos: “one-way” e “two-way”150. No primeiro tipo, era fixado um teto para o preço da eletricidade. O contrato era acionado apenas quando o preço do Pool era maior que o estipulado em contrato. Assim, o 147 Esta descrição corresponde a formulação inicial do uplift. Em 1995, o cálculo do uplift foi modificado. Os comercializadores estão expostos a riscos relevantes, pois a maioria vende energia a consumidores finais a um preço fixo, enquanto o preço do Pool é variável. Os geradores também estão sujeitos a riscos, pois compram combustível a preços fixos. No entanto, seus riscos são menores, pois podem deixar de produzir quando o preço do Pool não é atrativo. 149 A participação no Pool é compulsória, portanto contratos físicos não podem ser negociados. 148 59 comprador de eletricidade ficava protegido de preços altos no Pool, mas podia aproveitar os preços baixos. Para tanto, este pagava uma taxa de opção ao vendedor da eletricidade. No segundo, o preço de eletricidade se tornava independente do nível de preços no Pool, valendo o preço de contrato. Em 1991, foram introduzidos contratos futuros mais padronizados e transparentes (Electricity Forward Agreements – EFAs), mas o volume transacionado através desses contratos, apesar de ter aumentado desde 1997, era menos representativo151 (cerca de 10 a 15% do mercado físico152). A Electricity Act de 1989 criou a agência de regulação setorial para eletricidade, o Offer (Office of Electricity Regulation). O Offer, Ofgem após a fusão com o regulador do gás (Ofgas) em 1999, é uma agência de estado, mas não é subordinado a nenhum departamento de governo, o que garantiria o afastamento da intervenção do governo em sua operação diária153. A responsabilidade regulatória recaia sobre uma única pessoa, o Diretor Geral do Suprimento Elétrico (General Director of Electricity Supply). Juntamente com o Secretário de Estado, este tem como atribuições principais154: • Assegurar que toda demanda razoável de eletricidade seja satisfeita, • Garantir que empresas sejam capazes de financiar as atividades para as quais foram licenciadas. • Promover competição na geração e comercialização de eletricidade. A abordagem regulatória inglesa e do País de Gales pode ser resumida em: adoção de regime tarifário de price-cap para as atividades de monopólio natural (distribuição e transmissão) e regulação para promover a competição nas demais atividades (geração e comercialização)155. Os órgãos de defesa da concorrência, também participam do quadro institucional para a regulação do setor elétrico da I&PG156. A Comissão de Monopólios e Fusões 150 Os CfDs não são padronizados e suas características são customizadas segundo o interesse dos envolvidos. Existem variantes quanto ao preço utilizado como referência (PPP, SMP ou PSP), duração, número de vezes que pode ser acionado, sazonalizações etc. 151 Competition Commission (2000) aponta que os EFA seriam como uma sintonia fina, enquanto os CFDs eram a principal forma de proteção (hedge).p. 133. 152 Ofgem (2002a) 153 MacKerron e Boira-Segarra (1996). 154 Yarrow (1994) 155 Yarrow (1994) p. 70. 156 Fazendo parte da União Européia, a Inglaterra e o País de Gales estão sujeitos a sua regulação. Em 1996, o Parlamento Europeu lançou uma diretiva que estabelece regras comuns para os mercados elétricos. No entanto, por ser vanguarda no movimento de liberalização, a diretiva européia não tem 60 (MMC) é especialmente importante para o setor elétrico. Sua atuação consiste em investigar a atuação econômica das firmas, servindo como referência para os atos do regulador e governo. A adoção do sistema tarifário de price-cap (RPI-X) nas atividades de monopólio157 é um dos pilares da reforma da I&PG. Este sistema foi adotado originalmente no setor de telecomunicações britânico158, sobre forte influência do professor Littlechild159, e se tornou o regime tarifário padrão para as indústrias de serviço público britânicas. A formulação deste regime tarifário tinha entre seus objetivos simplificar a atividade regulatória, reduzindo seu custo e diminuindo a vulnerabilidade do regulador à captura. No entanto, o caso da I&PG demonstra que o sistema de RPI-X na prática é mais complexo que a percepção de seus formuladores160. II.2.2. Resultados Apesar da reforma do setor elétrico da I&PG ter constituído um paradigma para as demais reformas do setor elétrico, a experiência não esteve livre de problemas. Ao contrário do esperado, o órgão regulador atuou constantemente para limitar o poder de mercado das empresas estabelecidas (National Power e PowerGen), envolvendo a contínua correção de rumo, que culminou com o desenvolvimento do NETA (New Energy Trade Agreements). Hoje, é consensual que a estrutura industrial para a geração de eletricidade que se seguiu à reforma não induzia a pressões competitivas suficientes para estimular a eficiência. Como as centrais da Nuclear Electric operavam na base161, as interconexões com os vizinhos não tinham magnitude suficiente para influenciar a formação de preço e a entrada de novas empresas não foi imediata, a National Power e a PowerGen maiores impactos sobre o setor elétrico da Inglaterra e País de Gales. A exceção ocorre no âmbito ambiental, onde as determinações da União Européia são mais restritivas que as domésticas. 157 O sistema é aplicado à transmissão, distribuição e comercialização prestada pelas concessionárias de distribuição (RECs) ao seu mercado cativo (enquanto este existia) 158 Anteriormente, o sistema de RPI-X já havia sido utilizado na regulação de distribuidoras no Chile. No entanto, foi a experiência inglesa que determinou a difusão do regime. 159 Que viria a se tornar o primeiro Diretor Geral do Suprimento Elétrico. 160 Ilustrando essa percepção, Beesley e Littlechild (1994) afirmam que “The level of X would, in practice, be the outcome of bargaining between BT and the Government; an exhaustive costing exercise is not called for.” P. 20. 161 As centrais nucleares têm custo de capital elevado e custo operacional baixo, o que determina que estas sejam despachadas a maior parte do tempo, formando a base da curva de oferta. Assim, a empresa efetua lances de preço inferiores e são as centrais da National Power e PowerGen que vão constituir as centrais marginais, que determinam o preço de mercado. 61 formavam um duopólio nos primeiros anos da reforma. Green e Newbery (1992) previam que, mesmo que fossem consideradas hipóteses otimistas162, esta estrutura acarretaria em elevado poder de mercado dos duopolistas e preços sensivelmente superiores ao custo marginal no curto prazo. No médio prazo, os autores afirmam que haveria entrada excessiva. Ou seja, o acréscimo de capacidade seria superior ao nível de ótimo social. A perda de bem-estar social decorrente da situação de duopólio simétrico foi estimada em £ 262 milhões em relação a uma situação de cinco empresas de mesmo tamanho163. Eficiência Alocativa A Figura II.7 descreve a evolução dos preços finais de eletricidade no Reino Unido para os setores Residencial e Industrial. Figura II.7 Evolução dos Preços Finais da Eletricidade no Reino Unido Setores Residencial e Industrial - £ (2000)/MWh 120 100 80 Residencial 60 Industrial 40 20 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 0 Fonte: Dukes Nota: Séries atualizadas pelo deflator implícito do PIB A evolução dos preços finais da eletricidade constituem o somatório dos preços nas atividades de geração (mercado atacadista e contratos bilaterais), transmissão, 162 O artigo considera uma situação sem conluio e restrições de transmissão e com empresas simétricas e lances simples de preço. Assim, o resultado seria o melhor possível, já que situações com conluio, monopólios regionais causados por restrições de transmissão, empresas assimétricas e lances que incluem outros componentes (preço de partida e sem carga) têm resultados menos eficientes. 62 distribuição e comercialização. A Figura II.8 descreve a participação de cada uma dessas atividades no preço de eletricidade ao consumidor residencial. A geração é a atividade que representa a maior parcela do preço final, seguida pela comercialização, distribuição e transmissão. Figura II.8 Composição do Preço Final da Eletricidade Consumidores Residenciais Transmissão 3% Margem e Comercialização 30% Geração 43% Distribuição 24% Fonte: Ofgem (2002) O principal referencial para analisar a evolução do preço da energia gerada na Inglaterra e no País de Gales é o preço no mercado atacadista. A Figura II.9 descreve a evolução dos componentes do preço no Pool desde sua criação. O SMP somado ao encargo de capacidade constitui o PPP (preço de compra do Pool), que adicionado ao uplift totaliza o PSP (preço de venda do Pool). A partir de 1996/97, as parcelas do uplift que correspondem à remuneração dos serviços ancilares e aos custos adicionais de transmissão resultantes da impossibilidade de realizar o despacho como programado (Reactive Power Uplift e Transmission Services Uplift) deixaram de fazer parte do PSP, passando a ser remunerada por uma taxa recolhida à NGC (Transmission Service Use of System Price). Estas são usualmente denominadas Transmission Uplift. Somente os custos adicionais de geração causados por modificações entre a programação e o despacho (Energy Uplift) e o pagamento à disponibilidade não programada continuaram a ser remunerados via Pool. Essa modificação deve ser levada em conta quando a evolução do preço do Pool 163 Os autores consideram que esta estrutura (quintopólio) como uma oportunidade perdida como resultado da reforma, já que os resultados seriam mais eficientes e as dificuldades operacionais de 63 Figura II.9 Evolução dos Preços Médios164 Anuais no Pool – £ (2000/01)/MWh 35 30 25 Transmission Uplift Uplift Encargos de Capacidade SMP 20 15 10 5 0 1990/91 1992/93 1994/95 1996/97 1998/99 2000/01 Fonte: Ofgem e Pool Statistical Digest O primeiro ano de atividade do Pool foi caracterizado por preços baixos. Os contratos que subsidiavam o carvão e desvinculavam o preço do Pool das receitas das geradoras, apresentados mais adiante, eram considerados o principal motivador da manutenção de preços baixos. Nos quatro anos que se seguiram, os preços aumentaram continuamente. Mesmo quando o SMP se tornou mais baixo, o aumento dos encargos de capacidade e do uplift compensou este decréscimo. A diminuição do preço no mercado atacadista, peça chave para atender as premissas que justificaram a reforma, não se confirmava até então. Ficava claro que as empresas estavam exercendo seu poder de mercado não só através do SMP, mas também através dos encargos de capacidade e do uplift165. A competição potencial não restringia a conduta das firmas dominantes. Para reverter a trajetória de crescimento de preços seria necessária a intervenção do regulador, reestruturação e privatização das empresas não tão significativas. Média ponderada pela quantidade demandada. 165 Estes podem ser inflados com a mudança da disponibilidade declarada das unidades de geração após a programação. Declarando centrais mais baratas indisponíveis em momentos de pico de demanda, as empresas dominantes forçavam o despacho de centrais mais caras, elevando o uplift, e aumentavam a probabilidade de queda do sistema, aumento o encargo de capacidade. As parcelas que deixaram de fazer parte do PSP representam mais de 60% do total do uplift. Essa alteração de metodologia deve ser considerada quando a evolução do preço do Pool é analisada. 164 64 modificando condições de estrutura da indústria, adaptando as regras de mercado e controlando a conduta dos agentes166. Como resultado da entrada de novos geradores e, principalmente, da venda de ativos das empresas dominantes, a concentração da capacidade produtiva de geração se reduziu sensivelmente desde o início da reforma. As empresas dominantes, que detinham quase 70% da capacidade de geração no momento da reforma, detêm apenas um quarto do mercado atualmente (Figura II.10). Figura II.10 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 2001/02 Interconectores 5% Outros 9% IPP 21% AES 7% EME 9% TXU 10% PowerGen 12% British Energy 14% Innogy* 13% * (ex-National Power) Fonte: Ofgem Apesar da importância do Pool para sinalizar decisões, quase a totalidade das negociações de eletricidade na Inglaterra e no País de Gales ocorria via contratos 166 Um teto foi imposto ao preço do Pool durante anos 1994/95 e 1995/96. A média mensal do preço do Pool era limitada a £24/MWh ponderada pelo tempo e £25,5/MWh ponderada pela demanda (em preços de outubro de 1993). No entanto, este foi o período de maior volatilidade do preço do Pool. Vários fatores exógenos colaboraram para tanto, como falhas de grandes centrais geradores em momentos de demanda elevada, reversão do fluxo da interconexão com a França e interrupção da oferta de gás natural. Mas é certo que o limite de preços não impedia a manipulação do mercado pelas empresas dominantes, o que acarretou na remoção do limites de preços no pool. 65 bilaterais167. Como estes contratos ocorrem diretamente entre envolvidos, não sendo contabilizados por terceiros (Over-the-counter), não há estatísticas sobre a evolução de preço e quantidade. No momento da reforma, foram impostos às companhias de distribuição (RECs) contratos iniciais (vesting contracts) para subsidiar a indústria de carvão britânica. Estes contratos fixavam preços que permitiam o repasse dos custos de geração utilizando carvão britânico, um dos mais caros do mundo168, e asseguravam uma margem de remuneração aos geradores. Como as RECs contavam com consumidores cativos, tais consumidores acabavam arcando com o custo do subsídio à indústria carvoeira britânica. Esses contratos eram do tipo “take or pay”, envolvendo volumes e preços de carvão que diminuiriam ao longo do tempo. Em 1990/1991 e 1991/92, estes abarcavam 70 milhões de toneladas ao ano, caindo para 65 milhões em 1992/93, 40 milhões em 1993/94 e 30 milhões para os quatro anos seguintes169. Além desses contratos compulsórios, havia outros tipos de contratos voluntários, como os contratos de longo prazo entre RECs e produtores independentes que constituíram a forma tradicional de entrada de novos competidores na indústria170. Um tipo importante de contrato orientava as relações entre geradores e comercializadores integrados verticalmente. As RECs que detêm ativos de geração são obrigadas a assinarem contratos “fictícios”, já que as contas devem ser separadas por atividades. Os contratos têm uma grande influência sobre o preço no Pool. Vários autores171 apontam que contratos de longo prazo tendem a reduzir o preço no Pool. Newbery (1995) afirma que um gerador que negocia toda sua produção através de contratos não tem incentivos para manipular o preço no Pool, pois sua remuneração será definida pelo 167 Em 1990/91, 97% da geração era negociada via contratos bilaterais. Esta percentagem se reduziu para 88% em 1996/97 e a estimativa para 2000 era de 75% (Herguera, 2000, p. 74). 168 Em 1989/90, o preço do carvão inglês era de £ 1,77/GJ na boca da mina e por volta de £ 2,00/GJ entregue, cerca de 40% mais caro que o carvão importado (Parker, 1996, p. 124). 169 Inicialmente, os vesting contracts durariam de 1o de abril de 1990 a 31 de março de 1993. Por interferência do Departamento de Comércio e Indústria (DTI) novos contratos estenderam o subsídio ao carvão doméstico. No entanto, desde 1997, o carvão doméstico tem de competir com as demais fontes de geração. Isso era inevitável, visto que, com a liberalização da comercialização de eletricidade, as RECs não podiam simplesmente repassar os custos derivados do subsídio aos consumidores finais sem perder mercado. Assim, a atividade mineira perdeu progressivamente sua importância econômica no Reino Unido. Segundo Parker (1996), esses contratos subsidiados não foram capazes de prover uma solução de longo prazo para a indústria de carvão e, por adiarem o problema, tornaram sua solução mais traumática. P. 126. 170 Este ponto será mais detalhado adiante. 66 preço de contrato e não pelo preço do Pool. Assim, esse efetua lances iguais ao seu custo evitável, como se estivesse em um mercado perfeitamente competitivo. Lances acima de seu custo evitável podem fazer com que a planta não seja despachada e o gerador perderá a diferença entre o SMP e o custo evitável. Lances menores que podem resultar em perdas (custo evitável – SMP)172. Nos primeiros dois anos do Pool, os Vesting Contracts representavam parte majoritária da eletricidade comercializada na I&PG. Segundo Competition Commission (2000 p 127), esses contratos correspondiam a 70% da geração da PowerGen e 90% da National Power. Assim, suas receitas perdiam relação com o preço do Pool e as empresas eram estimuladas a queimar uma grande quantidade de carvão, mesmo quando o preço do Pool era inferior ao custo evitável. O que explicaria a observação de preços baixos no Pool no período inicial. No entanto, a excessiva cobertura dos negócios por contratos pode resultar em ineficiência, pois ao contrário do que ocorreria em mercados perfeitamente competitivos, plantas menos eficientes podem deslocar plantas mais eficientes. Primeiro, em função de rigidez contratual, os custos evitáveis podem ser bastante distintos dos custos marginais de produção. Quando o gerador detém contratos de compra de combustível em esquema de “take-or-pay”, o custo evitável pode ser ínfimo, dependendo do custo de estocagem do combustível ou de seu preço em mercado secundário. Segundo, a presença de contratos, combinada à existência de mercado cativo, dá espaço ao oportunismo dos agentes. As RECs podem repassar os custos de aquisição de energia aos seus consumidores cativos sem perder mercado mesmo quando esses são excessivos. Se estas detêm ativos de geração os contratos podem ser inflados para gerar lucros excessivos. Mas, mesmo contratando energia de terceiros, essa pode auferir lucros alocando contratos mais caros ao mercado cativo e os mais baratos ao mercado competitivo. Um relatório publicado pelo regulador em 1997 aponta que o preço médio da energia adquirida pelas RECs orientada ao atendimento de seu mercado cativo é de £ 39/MWh, enquanto que a energia orientada ao mercado competitivo é adquirida em média por £ 30/MWh173. 171 Ver Powell (1993), Newbery (1998), Green (1999a, 2002a) e Wolak (2000). No entanto, como indica Bower (2002), foi estratégia comum entre geradores a oferta de lances iguais a zero para garantir a inclusão no despacho. 173 Offer (1997). 172 67 A comercialização de eletricidade é a outra atividade na qual os preços são definidos pelo mercado. A liberalização dessa atividade foi gradativa, sendo completada em 1999, quando os consumidores residenciais passaram a poder escolher seu fornecedor. No entanto, até abril de 2002 foram mantidas preços tetos para as distribuidoras no mercado residencial. Na parcela de mercado competitiva, as incumbentes têm progressivamente perdido participação na atividade de comercialização. Em geral, os competidores oferecem melhores preços que as empresas incumbentes (Tabela II.2). Em média, os fornecedores ex-PES detêm apenas 64% do mercado (Figura II.11). As RECs já perderam cerca de 30% de seus mercados residenciais, liberalizados em 1999. Tabela II.2 Preços da empresa incumbente e de Competidores Conta anual média por residência da empresa incumbente e redução propiciada pela escolha da melhor oferta alternativa nas diferentes formas de cobrança Incumbente Eastern East Mids London Manweb Midlands Northern Norweb Seeboard Southern Swalec Sweb Yorkshire S Power S Hydro Cobrança Usual Débito Automático Pré-pago Conta Melhor Conta Melhor Conta Melhor Incumbente £ Oferta (%)* Incumbente £ Oferta (%)* Incumbente £ Oferta (%)* 239 14 226 14 243 10 236 11 226 13 244 10 247 12 238 18 255 10 268 16 261 15 284 10 236 11 243 14 259 10 264 20 251 22 276 11 242 13 234 14 258 10 241 13 232 15 249 10 266 17 252 17 280 8 290 14 276 14 306 12 269 12 261 14 277 10 251 17 238 18 266 10 280 12 271 15 294 10 283 16 269 17 283 11 Fonte: Ofgem (2002b) * Corresponde à redução da conta que seria provocada pela escolha da melhor oferta alternativa à estabelecida O fim do mercado cativo expôs as incumbentes a relevantes riscos. Os contratos de longo prazo com produtores independentes, que têm preços mais elevados que os contratos de curto-prazo e spot, representam um custo irrecuperável para a grande maioria das incumbentes que não pode ser simplesmente repassado ao consumidor final, como ocorreria anteriormente. A Tabela II.3, apresentada em Ofgem (2002b), descreve 68 a evolução dos elementos que compõem os custos médios de comercializadores entre 1998 e 2002. Enquanto o preço no mercado atacadista caiu 40%, os dos contratos de longo prazo aumentaram 6%. Assim, quanto maior for o peso dos contratos de longoprazo no portfólio de compra de energia, maior será a dificuldade para enfrentar concorrentes. 69 Figura II.11 Participação de mercado de fornecedores ex PES (incumbentes) 100% 90% 83% 80% 68% 70% 68% 68% 66% 65% 64% 64% 64% 61% 60% 60% 60% 58% 57% 9 10 11 12 13 14 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 Fornecedor Ex PES (Anonimo) GraBretanha Fonte: Ofgem Tabela II.3 Modificações nos custos de comercializadores 1998-2002 Elemento do custo Redução dos preços de atacado Participação do custo da energia no atacado em conta residencial Impacto da redução de preços no atacado Impacto ↓ 40% 49% em 1998: reduzindo para 39% ↓ 16 – 20% Impacto de IPP e outros contratos de longo prazo ↑ 6% Redução de tarifas de transmissão e distribuição ↓ 9% Aumento da infra-estrutura de comercialização Aumento de custos ambientais Modificação total na base de custos de comercializadores ↑ 5-10% ↑ 2% ↓ 8-17% Fonte: Ofgem (2002b) Ao contrário do que ocorreu com geradores independentes, comercializadores independentes não obtiveram êxito174. A estratégia de crescimento preponderante de crescimento no mercado de comercialização foi a aquisição de empresas existentes, resultando em concentração de mercado. Somente a Centrica, empresa de comercialização detida pela British Gás, cresceu apenas com a conquista de novos 174 EnronDirect, Independent Energy e Amerada Hess cessaram sua atuação na comercialização após tentativas frustadas de entrada. 70 consumidores e detém cerca de 10% do mercado. O que se explica pelo movimento de convergência entre as atividades de comercialização de gás natural e eletricidade. As empresas oferecem os serviços em conjunto, concedendo vantagens ao consumidor que opta pelo fornecimento de ambos. A maioria dos consumidores residenciais que trocam de fornecedor opta por escolher o mesmo fornecedor para gás (Mori, 2001). As atividades de transmissão, distribuição e comercialização ao mercado cativo têm seus preços regulados pelo governo em mecanismo de price-cap. Assim os preços em termos reais nessas atividades refletem a evolução do parâmetro de eficiência. A National Grid tem suas tarifas relacionados aos serviços de transmissão de eletricidade determinadas por sistema de RPI-X175. A Tabela II.4 descreve a evolução do controle de preços em transmissão. Nos primeiros dois anos (90/91 e 91/92), a receita média de transmissão deveria acompanhar a inflação (RPI-0). A partir de então, os parâmetros de eficiência têm reduzido sensivelmente a receita da NGC com transmissão. Até março de 2003, a redução real dos preços de transmissão em termos reais foi próxima a 40%. Tabela II.4 Parâmetro de Eficiência (X) na Atividade de Transmissão Período 1990/91 – 92/93 93/94 – 96/97 97/98 98/99 – 2000/01 01/02 – 05/06 X 0 3 20 4 1,5 Fonte: Ofgem Para distribuição, foram fixados parâmetros de eficiência (X) diferentes para cada REC. A Tabela II.5 descreve a evolução dos intervalos dos parâmetros para atividade de distribuição. Nos primeiros cinco anos, ao contrário do que seria de se esperar da formulação de RPI-X, os parâmetros foram definidos como negativos, 175 As receitas da NGC são aferidas de forma distinta. O sistema de RPI-X aqui descrito se aplicava à remuneração pela propriedade dos ativos de transmissão, cobrindo o uso do sistema e aos encargos de conexões anteriores a reforma (pre-Vesting), e pela função de operador do sistema, provendo a infraestrutura necessária e operando os recursos para o controle do sistema, até 2001. A partir de então, o componente da remuneração da NGC referente à operação do sistema passou a ser definido por esquemas de incentivo (distinto do RPI-X). A remuneração dos custos de operação do sistema relacionadas ao uplift e perdas de transmissão não é obtida por este tipo de controle de preços. Inicialmente, esses custos eram repassados diretamente ao consumidor e recentemente, o regulador decidiu por remunerar esses custos via esquema de incentivos. 71 resultando em aumentos reais das tarifas de distribuição. No caso mais drástico, a REC que atende ao Sul do País de Gales teve suas tarifas de distribuição elevadas em 2,5% ao ano em termos reais. Segundo Thomas (2000), tal situação foi justificada pela necessidade de incentivar investimentos, o que se provou uma falácia que encobria a distorção de informações pela indústria ou o desejo do governo de maximizar o valor de venda das empresas de distribuição. No entanto, a partir de 95, houve uma inversão na trajetória de preços. Desde 1990, o preço para a atividade de distribuição se reduziu entre 25% a 40% em função do parâmetro X. Na revisão de 2000, por considerar que elementos da atividade de comercialização estavam sendo remunerados através da distribuição, o regulador promoveu um reposicionamento do preço ao qual o controle de preços da distribuição se aplica (P0). Como resultado, houve uma redução das tarifas de distribuição diferenciada entre 19 e 33%, com média de 25%. Tabela II.5 Parâmetro de Eficiência (X) n a Atividade de Distribuição Período 1990/91 – 94/95 95/96 96/97 97/98 – 99/00 00/01 – 04/05 X -2,5 a 0 11 a 17 10 a 13 3 3 Fonte: Ofgem A atividade de comercialização de eletricidade prestada pelas RECs a seus mercados cativos também tinha seus preços determinados através do regime de RPI-X. Até 1994, o parâmetro de eficiência foi fixado em 0, sendo revisado para 2 para o período que estendeu até a liberalização do mercado residencial. No entanto, mesmo competindo com outras empresas na atividade de comercialização para consumidores residenciais, as RECs estiveram sujeitas a teto de preço nesse mercado até abril de 2002. Um importante aspecto da regulação por price-cap é a qualidade do serviço, já que a deterioração da qualidade pode ser uma forma da empresa regulada reduzir custos. Preocupando com a qualidade do serviço, o regulador da I&PG instituiu um esquema de incentivos para criar incentivos financeiros para incrementar a qualidade dos serviços de empresas de distribuição em Abril de 2002. 72 O esquema de regulação de RPI-X obteve êxito em estimular a redução de custos nas atividades de transmissão e distribuição. Segundo o regulador176, os custos operativos da NGC em transmissão se reduziram em 30% desde 1990 e das REC’s se reduziram em um quarto entre 1994/95 e 1997/98. No entanto, as recorrentes revisões e a intensidade dos estudos efetuados pelo regulador para definir os parâmetros de eficiência ilustram que o esquema de RPI-X envolve uma complexidade não contemplada em sua formulação teórica e sua proposta de regulação “leve”. Segundo Thomas (2000), a análise dos documentos desenvolvidos pelo regulador no processo de revisão de preços demonstra que esse método de regulação pouco se diferencia da regulação por taxa de retorno177. O autor sustenta que tanto a tarefa do regulador - “determinar um nível de remuneração que seja alto o suficiente para remunerar investimentos e baixo o suficiente para requerer que as empresas aumentem substancialmente sua eficiência para manter margem de lucros”178, quanto os requerimentos de informação continuam os mesmos entre as diferentes formas de regulação. A efetividade das últimas depende de como são empregadas na prática. No entanto, esta visão não considera os estímulos à eficiência, que são mais poderosos em regimes de preço teto. Adequação dos Investimentos A adição de capacidade de geração após a reforma não foi um problema para o caso da I&PG. Desde 1990, a construção de novas plantas de geração contribui para a adição de 25 GW de capacidade de geração. Suficientes para compensar a retirada de 21 GW de capacidade, referente a plantas que encerraram operação no período. Dois fatores exógenos contribuíram para reduzir as barreiras à entrada na atividade de geração, a liberalização do uso do gás natural para a geração de eletricidade179 e a difusão das plantas que utilizam turbinas alimentadas a gás natural em 176 Ofgem (2000a) O autor aponta que diferença relevante entre os dois métodos é o tratamento das despesas de capital, já que a regulação por incentivos avalia o plano de investimento para o futuro, enquanto que a regulação por taxa de retorno avalia retrospectivamente os investimentos realizados. P. 11. 178 Thomas (2000). Na verdade, o incentivo à eficiência não advém do nível de remuneração, mas da possibilidade da empresa regulada se apropriar, ao menos temporariamente, de seus ganhos de eficiência. O objetivo de manter a remuneração baixa é propiciar o bem estar dos consumidores e não distorcer a alocação de recursos. 179 Uma diretiva da Comunidade Européia orientava a utilização do gás natural para usos nobres. Esta limitação foi retirada como resultado da descoberta de grandes reservas de gás natural na região. 177 73 ciclo combinado (CCGT). Ao permitir que plantas de menor porte, com menor custo de capital e curto período de construção, essa tecnologia se somou ao pacote financeiro formado por contratos de longo prazo que diminuíam sensivelmente os riscos de entrada para produtores independentes. Newbery (1995) aponta que a existência de contratos de 15 anos para a venda de eletricidade e de mesma duração para a aquisição de gás natural transforma a atividade de geração de eletricidade em um mercado contestável. Além de funcionar como hedge contra flutuações do preço do Pool, este tipo de contrato com produtores independentes eram vantajosos para as RECs para diminuir sua dependência das empresas dominantes. Das 12 RECs, 11 assinaram contratos deste tipo, detendo participação acionária nos projetos. Em 1996/97, esses contratos abrangiam 32 TWh, 11% da energia comercializada, com um preço médio de £ 38.4/MWh180. Esses fatores foram determinantes para a rápida penetração do gás na matriz de geração elétrica inglesa, movimento que é conhecido como ‘dash for gas’ (Figura II.12). Do total de capacidade de geração adicionada após a reforma, 80% (22 GW) provém de centrais CCGT. Esse tipo de planta que não existia antes da reforma representa hoje 30% da capacidade de geração na I&PG (Figura II.13). Figura II.12 Evolução da Capacidade de Geração desde a Reforma (Entrada e Retirada181 Cumulativas em GW) 30 25 20 Outros CCGT 15 Retirada 10 5 0 91/92 92/93 93/94 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/00 00/01 01/02 Fonte: NGC Seven Year Statement 2001/002 180 Offer (1998a) A retirada de capacidade de geração resulta de plantas que são desconectadas do sistema de transmissão, o que corresponde ao seu fechamento irreversível, e de plantas que são descomissionadas, onde as plantas são fechadas, mas podem ser comissionadas novamente e voltarem a produzir. 181 74 Figura II.13 Capacidade de Geração por tipo de Planta na I&PG Interconexão 6% Outros 5% Carvão 38% CCGT 30% OCGT 1% Nuclear 16% Oléo combustível 4% Capacidade Total : 65 GW Fonte: Ofgem Figura II.14 Previsão da Capacidade de Geração Entrada e Retirada de Cumulativas Planejadas até 2008/09 (GW) 20 18 16 14 12 Outros 10 CCGT 8 Retirada 6 4 2 0 02/03 03/04 04/05 05/06 06/07 07/08 08/09 Fonte: NGC Seven Years Statement Segundo o planejamento da NGC, as centrais CCGT continuarão sendo a principal forma de entrada de nova capacidade de geração nos próximos anos (Figura 75 II.14)182. No horizonte de planejamento, a participação das centrais CCGT superará a de carvão no ciclo 2003/04 e alcançará 45% da capacidade instalada na I&PG em 2008/09. Mesmo considerando a quantidade de plantas que fecharam no período, o crescimento da capacidade instalada foi suficiente para que a demanda fosse atendida com uma margem de segurança adequada (Figura II.15). A margem do sistema era de 30% no momento da reforma e se reduziu para 25%, o que ainda é superior ao que a NGC considera recomendável para o sistema elétrico da I&PG (20%). O ano mais crítico foi o de 1996/97, quando a margem alcançou 19%. Figura II.15 Capacidade Instalada e Demanda de Pico183 (GW) 70 65 60 55 Capacidade Instalada Demanda de Pico 50 45 19 90 19 /91 91 19 /92 92 19 /93 93 19 /94 94 19 /95 95 19 /96 96 19 /97 97 19 /98 98 19 /99 99 20 /00 00 20 /01 01 /0 2 40 Fonte: NGC Arranjos Institucionais A adequação dos arranjos institucionais resultantes da reforma da I&PG pode ser avaliada pela resposta dos agentes envolvidos, empresas do setor e governo. Evidenciando que não consideravam os arranjos eficientes para executar transações, a 182 Os valores apresentados devem ser considerados com cautela. A projeção de entrada do Seven Years Statement baseia-se em projetos com contratos de conexão com a rede de transmissão. No entanto, os investidores podem declinar desses projetos. Já a previsão de retirada baseia-se em retiradas programas (como descomissionamento de plantas nucleares), mas as plantas que encerram suas atividades voluntariamente, motivadas por perspectivas financeiras não são consideradas, assim os números são subestimados. 183 Corresponde a demanda potencial (demanda observada somada a gerenciamento de carga) de pico corrigida pelas condições climáticas (ACS corrected peak demand). Esta correção envolve o desenvolvimento de coeficientes de correlação entre condições climáticas e demanda potencial, criando uma série padronizada para condições climáticas (Average Cold Spell - ACS). Os parágrafos 2.78 a 2.86 do NGC Seven Years Statement 2001/2002 descrevem a metodologia utilizada. (NGC, 2002) 76 opção dominante das empresas para transacionar energia foi através de contratos de longo prazo e integração vertical. Ou seja, os custos de transação não eram compatíveis com as características do mercado. Dos dez principais grupos atuando no sistema elétrico da I&PG, cinco (Centrica, TXU Europe, Scottish Power, EDF, PowerGen e Innogy) integraram verticalmente ativos de geração e de comercialização. A Tabela II.6 apresenta as empresas com propriedade de ativos de geração e comercialização. Tabela II.6 Geradores e comercializadores sob propriedade comum Geradores EdF PowerGen Scottish Power Innogy Scotish & Southern Comercializadores London Electricity, SWEB, Seeboard Eastern, Norweb Energy, East Midlands Electricity Manweb Midland Electricity, Yorkshire, Northern Southern Electricity, Swalec, Scotish Hydro Fonte: Elaboração própria Ao realizar a reforma, as autoridades da I&PG assumiam que as decisões relevantes seriam tomadas de forma descentralizada através do mercado, restando ao regulador um papel complementar. No entanto, não foi isso que se observou. As intervenções do regulador foram contínuas, principalmente para enfrentar o problema de poder de mercado. Desde 1992, as autoridades decidiram intervir para reduzir a participação de mercado das empresas dominantes, National Power e PowerGen. Considerando a possibilidade do regulador de recorrer ao MMC, que poderia recomendar modificações estruturais mais drásticas, as empresas concordaram em se desfazer de parte relevante da capacidade de geração, (National Power - 4 GW e PowerGen - 2 GW) no prazo de dois anos e na imposição de um preço limite no Pool nos anos 1994/95 e 1995/96. Para atender a essa condição a National Power e a PowerGen cederam, respectivamente, 3 e 2 plantas à Eastern em aluguel (lease). Os termos do aluguel incluíam uma taxa proporcional à produção de £ 6/MWh, o que aumentava o custo marginal da empresa e acabava por assegurar que esta não competiria em preços com a National Power e a PowerGen. 77 Em 1998/99, o regulador negociou outras vendas de plantas das empresas dominantes para diminuir a concentração de mercado como contra-partida da permissão das empresas integrarem verticalmente suas atividades de geração com empresas de comercialização184. Como resultado, a PowerGen vendeu duas planta somando 3916 MW à Edison Mission Energy, em Julho de 1999, e à National Power uma planta de 3870 MW a AES em Novembro de 1999. Como parte do acordo, o aluguel com a Eastern foi revertido em venda. Preocupado com a rápida penetração do gás natural na matriz de geração britânica, e seus efeitos sobre a indústria nacional de carvão e com a segurança do abastecimento, o Departamento de Comércio e Indústria (DTI) impôs uma moratória na concessão de licenças para a construção de centrais CCGT. No entanto, por considerar a entrada de plantas CCGT a principal fonte de pressões competitivas na indústria, o Ofgem se opôs a essa política, que foi abandonada em Novembro de 1999185. Mais recentemente, o regulador tentou introduzir uma cláusula de abuso de mercado nas licenças de geração para limitar o exercício de poder de mercado. No entanto, duas empresas, British Energy e AES, não aceitaram essa modificação em suas licenças de geração e o caso foi encaminhado à Comissão de Concorrência. Essa concluiu que a cláusula não era necessária e o Ofgem acabou por eliminá-la, mesmo para os geradores que haviam a aceitado. O ponto final da série de intervenções do regulador foi a introdução do NETA, que substitui o Pool como ambiente para a comercialização de energia. NETA As discussões sobre o Novo Acordo para o Comércio de Energia (New Energy Trade Agreement - NETA) se iniciaram em 1997 com a solicitação do Ministro de Ciência, Energia e Indústria ao regulador de uma análise do funcionamento do Pool e de maneiras de melhorar sua performance. Após a discussão das propostas, o Regulador 184 A PowerGen adquiriu o negócio de comercialização a varejo da East Midlands em Julho de 1998 e a National Power da Midlands Electricity Board (MEB) em Junho de 1999. 185 Como a moratória não se aplicava a plantas em construção ou com licenças já conferidas, seu impacto foi apenas o adiamento de alguns projetos. 78 publicou um documento que explicava o funcionamento das novas regras de mercado186. Este documento expõe as razões para a substituição do Pool187: 1. Evolução dos preços no Pool não acompanhou a dos custos. Ao possibilitar que todos os geradores recebessem um preço uniforme, as regras do Pool facilitaram o exercício de poder de mercado. 2. Preços elevados provocaram entrada excessiva, especialmente de centrais CCGT. 3. O encargo de capacidade não ofereceu sinais de curto prazo para adequações da oferta e demanda de eletricidade que refletissem as modificações na margem de geração. Na verdade, esse mecanismo acabou criando mais oportunidades para os geradores dominantes manipularem o mercado e auferir rendas extraordinárias. Por prover incentivos à retenção de capacidade (declaração de indisponibilidade de plantas), agravou os problemas de poder de mercado. 4. Geradores não arcavam inteiramente com os custos decorrente de modificações na disponibilidade das unidades de geração. Quando um gerador incluído na programação declarava indisponibilidade, um sobrecusto era gerado para o sistema, pois a NGC teria de despachar centrais fora da ordem de mérito e/ou utilizar a reserva operacional. Este problema se tornou particularmente grave com a convergência entre os mercados de eletricidade e gás natural, já que as geradoras declaravam indisponibilidade quando o preço do gás natural era elevado. 5. Rigidez nos arranjos de governança impediu modificações que refletissem o interesse dos agentes envolvidos. Assim, partindo da percepção de que as regras do mercado atacadista tinham grande responsabilidade sobre sua performance, o regulador da I&PG, em conjunto com o Departamento de Comércio e Indústria, decidiu reformar inteiramente as regras de mercado e, em março de 2001, o Pool foi substituído pelo NETA. 186 187 Ofgem (1999). Competition Commission (2000). 79 No NETA, os contratos bilaterais entre geradores e comercializadores constituem a forma principal de negociar eletricidade. A idéia básica do modelo é conferir liberdade aos negócios de eletricidade, possibilitando que esses sejam similares aos de outras commodities, mas mantendo mecanismos de coordenação que garantam a qualidade e segurança do abastecimento. Assim, os agentes se engajam nos diversos tipos de negócios oferecidos188 conforme suas preferências. Alguns preferem contratar eletricidade com anos de antecedência, através de contratos forward ou mecanismos financeiros (por exemplo, swaps e opções), e outros preferirão transacionar perto do momento da operação, sendo que a maioria deverá combinar tais tipos de contratos. O mercado de curto prazo serve como uma forma de ajustar as posições adquiridas nos contratos bilaterais. Nas bolsas de energia (Power Exchange), os participantes negociam anonimamente durante as 24 horas do dia. Três bolsas de energia operavam desde a introdução do NETA: UK Power Exchange (UKPX), UK Automated Power Exchange (UKAPX) e International Petroleum Exchange (IPE)189. A primeira é a mais importante em termos de volume negociado. Os preços de seus contratos spot para cada meia hora (do dia corrente e do dia seguinte) da UKPX são encarados como o preço spot na I&PG. Adicionalmente, várias empresas de comercialização (Brokerage Houses) adicionaram a eletricidade em seu portfólio de produtos financeiros oferecidos em plataformas de internet (como Spectron Platform e ICE platform) e foram criados dois mercados eletrônicos (EnronOnline e DynegyDirect). Enquanto que o primeiro tipo tem apresentado liquidez crescente, o segundo foi descontinuado. O EnronOnline era utilizado bastante até que os problemas financeiros da empresa o inviabilizasse e a Dinegy anunciou o encerramento de seu mercado eletrônico em junho de 2002. Os agentes devem notificar sua posição contratual até 3:30 horas190 antes do despacho (Gate Closure). Então, o NGC opera o mecanismo de balanço que acerta as posições contratuais às observadas. 188 Em 2001/02, foram oferecidos 341 tipos de contratos over-the-counter, que envolveram 962 GW no total. Os tipos mais comuns são os contratos para o dia seguinte de carga de base (225 GW) e pico (76,5 GW), estação seguinte (7,2 GW) e três estações seguintes (21,3 GW) (Ofgem, 2002a). Antes do NETA, foi desenvolvido um arranjo genérico (Grid Trade Master Agreement) que consiste em um arcabouço para as negociações bilaterais. 189 A IPE deixou de oferecer contratos para eletricidade desde abril de 2002. 190 Desde Julho de 2002, o Gate Closure passou a ocorrer 1 horas antes do real time. 80 A idéia do mecanismo de balanço é penalizar os agentes que não contratarem eficientemente. Após o despacho, o operador compara os valores observados de oferta e demanda com as posições de contrato, verificando os “desequilíbrios” para cada participante. Comercializadores sobre-contratados e geradores sub-contratados, respectivamente, colocam mais e retiram menos energia no sistema do que contrataram, recebendo um preço inferior (System Sell Price-SSP) ao que receberiam se suas posições estivessem equilibradas. Comercializadores sub-contratados e geradores sobrecontratados, respectivamente, retiram mais e colocam menos energia do sistema do que contrataram, pagando um preço maior (System Buy Price-SBP) do que pagariam se suas posições estivessem equilibradas. Assim, os causadores dos desequilíbrios devem arcar com os custos incorridos pelo operador de instruir geradores e comercializadores a modificar suas decisões de produção e consumo em curto espaço de tempo. A Figura II.16 apresenta a evolução do preço spot do UKPX, do SSP e do SBP durante o primeiro ano de funcionamento do NETA. Inicialmente, havia uma grande discrepância entre o SBP e o SSP, que se reduziu ao longo do tempo. No primeiro mês, a diferença média de preços foi de £ 70/MWh, e em março de 2002 foi de £ 22/MWh. Segundo Ofgem (2002a), a redução foi determinada pelo aprendizado dos agentes e pelas mudanças no método de cálculo dos preços do mercado de balanço191. O primeiro ano de funcionamento do NETA demonstra que os agentes evitam recorrer ao mecanismo de balanço. Os volumes de desequilíbrio representam somente 2,7% da demanda total. Para não ficarem expostos a SBP elevados, os comercializadores e geradores tendem, respectivamente, a contratar mais que o necessário e reservar parte da capacidade das plantas para compensar eventuais falhas192. O risco de exposição ao SBP também eliminou o incentivo para geradores mudarem sua declaração de disponibilidade, como ocorria no Pool. No primeiro anode vigência do NETA a indisponibilidade das plantas foi reduzida em 8% em relação ao último ano do Pool. 191 Durante o ano, várias modificações foram efetuadas para distinguir as ações que são tomadas para ajustar oferta e demanda (ações para balancear eletricidade) e as que são tomadas para contornar restrições de transmissão ou para manter a segurança e qualidade do sistema (ações para balancear o sistema). Como as primeiras resultam diretamente de ações de comercializadores e geradores (p. e. erros de previsão e falhas operativas), estas devem ser cobertas pelo mercado de balanço. No entanto, as últimas devem ser custeadas por taxas de transmissão. 192 Este comportamento diminui a necessidade da NGC manter energia de reserva. 81 Figura II.16 Evolução do Preço Spot do UKPX, do SSP e SBP (2001/02) SBP UKPX SSP Fonte: Ofgem (2002a), figura 6.5 p. 73. Os preços spot têm observado tendência de redução desde 1998. Segundo Ofgem (2002a), a implantação do NETA foi responsável por esse fenômeno. Ainda durante a vigência do Pool, o preço spot teria diminuído em função dos agentes anteciparem o funcionamento do NETA e ajustarem seu comportamento às novas regras. Essa tendência continuou após a substituição do Pool, considerando o preço do UKPX. Assim, o preço spot diminuiu 40% desde o anúncio do NETA. No entanto, existe um debate se a redução recente dos preços spot deve-se à modificação dos mecanismos de mercado ou à alteração da estrutura de mercado. Green (1999) sustenta que o Pool gera sinais corretos para a coordenação e os problemas resultam da estrutura da indústria. Bower (2002) utiliza uma análise estatística para medir a significância e quantificar o impacto das principais intervenções regulatórias. O autor aponta que o principal determinante da redução de preços foi a intervenção do regulador forçando as empresas dominantes a se desfazerem de plantas alimentadas a carvão. Segundo o autor, “a introdução do NETA foi desnecessária e um desperdício de recursos, já que não restringiu poder de mercado ou reduziu preços”193. Evans e Green (2002), apontam que há uma forte redução das margens de preço seis meses antes da 193 Bower (2002), p 53. 82 implantação do NETA. Isso poderia indicar que o conluio tácito entre geradores teria sido rompido, em função da antecipação da mudança de regras194. As análises do desempenho da reforma inglesa enfatizam exageradamente a evolução do preço spot, mas a maior parte das transações não ocorre no mercado spot. Também é um equívoco comparar o preço do Pool com o do UKPX, pois estes não são compatíveis. Enquanto o Pool era compulsório, com seu preço muito influenciado pelas estratégias contratuais, o UKPX é voluntário, sendo seu preço formado por geradores e comercializadores que efetivamente desejam transacionar energia no curto prazo, não ocorrendo distorções. Conclusão A experiência de reforma do setor elétrico da I&PG teve grande importância pelos seu pioneirismo e por sua influência. Mas a experiência não esteve livre de problemas. A questão mais crítica enfrentada foi o poder de mercado das empresas dominantes. A escolha de uma estrutura concentrada como ponto de partida da reforma reverteu-se em um equívoco custoso. O preço da eletricidade não acompanhou a evolução cadente dos custos e para corrigir essa situação foi necessária contínua intervenção do regulador, que teve um papel muito mais presente que o previsto. No entanto, ao contrário de outras experiências a Inglaterra e o País de Gales não enfrentaram problemas de carência investimentos. A adição de capacidade permitiu a manutenção de margens adequadas de segurança do abastecimento mesmo com o fechamento representativos de plantas. A disponibilidade de gás natural, a difusão da tecnologia CCGT e os contratos de longo prazo que mitigavam o riscos dos projetos foram determinantes desse movimento. 194 Os autores apresentam os resultados estatísticos da regressão que tem como variável dependente o Índice de Lerner e como variáveis independentes indicadores de concentração e razão entre demanda e capacidade e a implantação do NETA é incorporada por uma variável dummy em duas situações: estática e dinâmica. Na primeira, a variável dummy assume valores zero para o intervalo anterior a implantação do NETA (Abril de 2001) e 1 após. Esta análise chega a resultados semelhantes ao de Bower (2002), pois o poder explicativo do da implantação do NETA não é relevante, sendo as variáveis estruturais que determinam a evolução das margens. A análise dinâmica considera que os agentes anteciparam a criação do NETA, assim a variável dummy assume valor 1 desde outubro de 2000. Nessa situação, que conta com maior precisão, a implantação do NETA passa a ser determinante, enquanto as demais variáveis se tornam irrelevantes para explicar a evolução das margens. 83 Parte relevante da literatura analisa negativamente os impactos da reforma inglesa. Newbery e Pollitt (1997) apontam que os maiores benefícios no período resultaram de fatores exógenos. Sendo que as empresas do setor foram as grandes beneficiárias da reforma, já que os ganhos de eficiência produtiva reverteram-se em maiores lucros, com limitados benefícios aos consumidores. No entanto, a evolução recente, notadamente a redução de preços após 1998, não é considerada nessas análises. De modo geral, a experiência da I&PG foi positiva. No entanto, a obtenção de seus objetivos foi muito mais complexa do que era assumido a priori. Para que os benefícios da reforma chegassem aos consumidores foram necessários a interferência de regulador e a contínua mudança das regras. Existem alguns pontos críticos que o setor elétrico da I&PG deve enfrentar no futuro relacionados à segurança do abastecimento. Como foi apresentado, o Pool teve sucesso na promoção de investimentos, mas a mudança das regras de mercado podem ameaçar esta dinâmica. Green (2002a) aponta que a liberalização do mercado de varejo pode ter impactos negativos ao desestimular a negociação de contratos de longo prazo. O mercado cativo permitia o repasse de custos de aquisição de energia para os consumidores finais. As PES podiam contratar no longo prazo energia no atacado sem correr o risco de que o preço da energia contratada não sejam competitivos no futuro195. Com a liberalização, as empresas devem assumir esse risco. Como os investimentos geração são em geral, viabilizados por contratos de longo prazo, esses, segundo o autor, tendem a ser desestimulados. No entanto, a alocação compulsória dos riscos nos consumidores cativos é uma forma ineficiente de atender o objetivo de alcançar a segurança do abastecimento, como os elevados preços de contratos entre PES e geradores independentes observados antes da liberalização indicam. Se os consumidores acreditam que o preço da energia contratada será atraente no futuro, esses demandariam contratos de longo prazo. A eliminação do encargo de capacidade pode agravar do problema. Como foi destacado, este não funcionou corretamente durante a vigência do Pool. Mas ao eliminálo, sem substituí-lo por outro tipo de remuneração específica à capacidade, o sistema elétrico da I&PG pode ficar sujeito a carência de investimentos. 195 Esse risco é repassado ao consumidor que adquirirá compulsoriamente a energia mais cara que a de alternativas. 84 Outro problema potencial é a excessiva dependência da matriz de geração em relação ao gás natural. As centrais CCGT se tornaram a trajetória tecnológica dominante, representando quase a totalidade das adições de capacidade desde o início da reforma. O Departamento de Indústria e Comércio lançou recentemente um relatório apresentando as principais preocupações para a política energética (DTI, 2002), no qual esse assunto é uma prioridade. O problema da energia nuclear também é particularmente relevante, pois as empresas têm enfrentado dificuldades financeiras em decorrência da queda do preço da eletricidade e das novas regras, que penalizam centrais que não têm flexibilidade de produção. O relatório aponta que é salutar não comprometer trajetórias tecnológicas, pois isso pode se traduzir em redução da segurança de abastecimento. 85 II.3. Países Nórdicos196 A segunda experiência de reforma analisada na tese envolve o conjunto de países que participam de um mercado comum para negociar eletricidade, o Nord Pool. O Nord Pool é o primeiro mercado multinacional de eletricidade e compreende Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca. A sua origem ocorreu com a criação do mercado nacional na Noruega em 1991197. Ao agregar a Suécia, em 1996, se tornou um mercado internacional. Seguiram-se Finlândia (1998), Oeste da Dinamarca (1999) e Leste da Dinamarca (2000). As reformas do setor elétrico nos países nórdicos seguiram diretrizes comuns: desverticalização e criação de empresas independentes para a operação da rede; manutenção do regime de propriedade e liberalização da geração e comercialização. O anexo II descreve as experiências de cada país. II.3.1. Nord Pool A constituição de um mercado internacional de eletricidade foi essencial para o sucesso da reforma nos países nórdicos. A ampliação do mercado multiplicou o número de concorrentes, restringindo o poder de mercado de empresas de geração dominantes no mercado interno e contribui para a segurança do abastecimento. O Nord Pool é freqüentemente apontado como o mercado de eletricidade onde as geradoras encontram menor espaço para exercerem poder de mercado (Hjalmarsson, 2000; Herguera, 2000; e Tennbakk, 2000). O êxito do Nord Pool o tornou um modelo para o desenvolvimento de mercados elétricos. O NETA tem claras inspirações no modelo nórdico. Além de intensificar a competição, o Nord Pool possibilitou o aproveitamento das complementaridades entre os parques de geração dos países que o constituem. Os parques geradores têm estruturas distintas, contribuindo para que a participação das fontes seja equilibrada no agregado. (Figura II.17). 196 Apesar de utilizar o termo países nórdicos, a apresentação aborda apenas os países que fazem parte Nord Pool. Portanto, a Islândia, que forma o conjunto dos países nórdicos, não faz parte da análise. 197 Como será tratado após, uma bolsa de energia elétrica operava na Noruega desde 1971, onde só participavam geradores. 86 Figura II.17 Estrutura da Geração de Eletricidade – 2001 (TWh)198 450 400 350 Renovável Nuclear Térmica Hidro 300 250 200 150 100 50 0 Suécia Noruega Finlândia Dinamarca Total Fonte: Nord Pool A maioria dos recursos hídricos está localizada ao Norte (concentrada na Noruega e Suécia) e as termelétricas ao Sul. Em períodos de hidrologia favorável (reservatórios cheios), o Norte transfere energia para o Sul. Quando a hidrologia é desfavorável, o Sul exporta energia para o Norte. Nesses últimos períodos, o preço no mercado spot alcança valores mais elevados. A participação no Nord Pool não é compulsória. Geradores e comercializadores também podem transacionar energia através de contratos bilaterais. Os contratos representam a maior parte da energia transacionada, mas a parcela realizada no Nord Pool tem aumentado constantemente (Tabela II.7). Em 1996, apenas 10% do total da energia era transacionada através do mercado ‘spot’. Atualmente, esta proporção é próxima a 30%. O Nord Pool contém cinco mercados distintos: três mercados físicos (Elspot, Elbas e o mercado de balanço) e dois mercados financeiros (Eltermin e Eloption). O Nord Pool também administra um mecanismo de clearing (NEC). A Tabela II.7 apresenta o volume negociado através do Nord Pool. 198 Térmica corresponde à geração térmica convencional e cogeração. 87 Tabela II.7 Elspot Mercados Financeiros Balanço Volume Negociado Clearing (OTC) Total Fonte: Nord Pool Volume negociado no Nord Pool (TWh) 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 10,2 2,6 5,6 18,4 18,4 14,8 7,1 6,1 28 28 20 15,4 5,5 40,9 40,9 40,6 42,6 5,9 89,1 89,1 43,6 53 96,6 147,3 243,9 56,3 89,1 145,4 373,4 518,8 75,4 215,9 291,3 683,6 974,9 2000 2001 96,2 111,9 358,9 909,9 452,1 1.021,8 1159,5 1747,6 1611,6 2769,4 O preço spot é formado no mercado Elspot através da interação entre lances (bids) de oferta e de demanda. Os lances são efetuados para cada hora do dia seguinte, mas lances semanais ou para determinados dias podem ser efetuados. O primeiro passo para o estabelecimento do preço spot é a determinação do preço do sistema. Este é formado pela interação entre oferta e demanda agregadas de todos os países componentes, desconsiderando as restrições de transmissão. Ou seja, os lances de todos participantes são agrupados nas curvas de oferta e demanda e o ponto de intersecção das curvas determina o preço de equilíbrio. O Nord Pool é dividido em áreas de preço (bidding areas). Finlândia e Suécia formam uma área cada, Dinamarca duas e a Noruega pode ser dividida em várias áreas quando ocorrem restrições de transmissão internas ao país. A Figura II.18 ilustra o mecanismo de ajuste. Considerando um equilíbrio inicial em que os mercados são independentes (restrição total de transmissão), o preço (Pcap=0) é menor no mercado com excedente e maior no mercado com déficit. Com o intercâmbio entre mercados, a curva de demanda do mercado com excedente se desloca para direita (representando a demanda advinda da outra área), ocorrendo o mesmo com a curva de oferta do mercado com déficit (representando a adição de oferta originária da área com excedente). O preço na área com excedente se eleva de Pcap=0 para Pe e o preço na área com déficit se reduz de Pcap=0 para Pd. A dimensão do deslocamento é determinada pela capacidade de transmissão entre as áreas. Se não houver restrições de transmissão os preços nas áreas se igualam ao preço do sistema. 88 Figura II.18 – Fluxo entre áreas de preço Mercado com Excedente Preço Mercado em Déficit Oferta Preço Cap Cap Oferta Pcap=0 Pe Pcap=0 Pd Demanda Demanda Quantidade Quantidade Fonte: Elaboração própria Assim, as áreas podem contar com preços distintos em função de restrições de transmissão que não permitem a execução da totalidade de transações necessárias para formar o equilíbrio de mercado na formação do preço do sistema. A diferença entre o preço da área e o preço do sistema forma o encargo de congestão199. Quando não ocorrem restrições de transmissão, os preços são os mesmos em todas áreas e o encargo de congestão é nulo. Em situações de restrição, o preço na área com excedente de energia (Pe) é menor que o preço do sistema (Ps) e o preço na área com déficit (Pd) é maior, na medida do encargo de congestão (Figura II.19). Esse estimula o aumento da demanda e a redução da oferta na área com excedente e a diminuição da demanda e a elevação da oferta na área em déficit. Assim, os mecanismos de mercado ajustam o fluxo de energia ao limite de capacidade de transmissão entre áreas. 199 Os documentos do Nord Pool denominam esse diferencial de encargo de capacidade (capacity charge). No entanto, como sua natureza é bastante diferente do encargo de capacidade inglês, que remunera a capacidade de geração enquanto o nórdico remunera a capacidade de transmissão, esse será tratado como encargo de congestão. 89 Figura II.19 Encargo de Congestão Preço Pd Encargo de congestão: Pd – P s Ps Encargo de congestão: Ps – P e Pe Área c/ Área c/ déficit excedente Fonte: Elaboração própria Quando existem restrições de transmissão, os contratos bilaterais entre participantes de áreas diferentes podem dar origem a renda (excedente financeiro) em função da diferença de preços entre áreas. Nos países nórdicos, normalmente é o ofertante que é responsável por garantir a energia, e quando há restrição este atua como demandante na área de entrega da energia. Se o ofertante se localiza em uma área em déficit (preço superior), ele terá uma renda adicional (Pd – Pe) por MWh. Mas se ele se localiza em uma área de preço inferior, ele arcará com um custo adicional (Pd – Pe) por MWh. No Elspot, os lances são efetuados no dia anterior ao despacho, existindo um prazo mínimo de 12 horas entre o lance e a execução da transação. O mercado Elbas é um mercado de ajustamento para a Suécia e Finlândia, que fornece a possibilidade de negociar energia mais próximo do momento da entrega. Geradores termelétricos negociam contratos continuamente para cada hora até duas horas antes da entrega. O Elbas foi criado em março de 1999 e sua expansão para os outros países está sendo estudada. Mesmo com essas possibilidades, é inevitável que ocorram flutuações não previstas de oferta e demanda fazendo-se necessário realizar um ajuste para propiciar o equilíbrio em tempo real. Geralmente, os países que reformam a indústria elétrica optam por realizar o ajuste de forma centralizada, como ocorria no Pool inglês, por exemplo. Nos países nórdicos, a opção foi a criação de um mercado em tempo real para realizar este ajuste. 90 Nesse mercado, participam os demandantes e ofertantes que podem modificar sua produção ou consumo rapidamente para que o equilíbrio do sistema seja recuperado. Se um gerador produz menos ou um demandante consome mais do que o acordado no mercado, ocorre uma situação de excesso de demanda e é necessário re-equilibrar o sistema. No mercado em tempo real, são formadas duas curvas. A curva de ajuste para mais (upward regulation) é formada por lances que definem o preço necessário para geradores aumentarem a quantidade gerada e de consumidores para reduzir a quantidade consumida. Esses lances serão iguais ou superiores ao preço spot. A curva de ajuste para menos (downward regulation) é formada por lances das remunerações requeridas para reduzir a quantidade gerada ou aumentar o consumo. Esses lances serão iguais ou inferiores ao preço spot. Assim, quando é necessário aumentar a quantidade de energia no sistema, o operador escolhe os lances de ajuste para mais em ordem de mérito, i.e. os lances mais baratos da curva de ajuste para mais são escolhidos primeiro. Se é necessário reduzir a quantidade de energia no sistema, o operador escolhe os lances mais elevados da curva de ajuste para menos. O esquema para definir o preço do mercado de tempo real é distinto entre os países. Na Noruega, há um único preço para cada hora, que é definido pelo preço da última oferta aceita pelo operador do sistema. Quando são necessários ajustes para mais e para menos dentro da mesma hora200, os preços são calculados segundo regras préacordadas. Em horas que não há ajuste, o preço do mercado de tempo real é igual ao preço spot. Nos demais países são definidos preços distintos do mercado em tempo real para o ajuste para menos e para mais cada hora. Nas horas em que só ocorre ajuste para mais, o preço do ajuste para mais é definido pela última unidade acionada e o do ajuste para menos é igual ao preço spot. Nas horas em que ocorre apenas ajuste para menos, o preço do ajuste para mais é igual ao do mercado spot e o do ajuste para menos é igual ao da última unidade acionada. Quando ocorrem ambos ajustes, o preço será definido pelo maior volume de ajuste tanto para cima quanto para baixo. Quando não ocorrem ajustes, o preço do mercado em tempo real é igual ao do mercado spot201. 200 Ao longo de uma hora pode haver momentos em que o operador realiza ajuste para menos e momentos em que realiza ajuste para mais. 201 Skytte (1999) analisa o funcionamento do mercado de balanço nórdico, focando a relação de seu preço com o do mercado spot. O autor aponta que o relacionamento é distinto para situações de excesso 91 Após a operação, são comparados os volumes cobertos por contratos bilaterais e por negócios no mercado spot com aqueles efetivamente observados. Os preços do mercado de tempo real são aplicados aos volumes não cobertos por contratos. Em função da diferença de metodologia, os incentivos para contratar eficientemente são mais fracos na Noruega do que nos outros países. Por exemplo, na Noruega, aqueles participantes que efetivamente retiram mais energia do sistema do que contrataram (geradores que produzem menos ou consumidores que demandam mais do que contrataram) em horas em que o sistema teve ajuste para menos202 terão um ganho, pois o preço no mercado real será menor que o do mercado spot. Nos outros países, esses não teriam ganhos, pois os preços seriam iguais. Assim, agentes podem ter estratégias de não equilibrarem suas posições na Noruega, mas não nos demais países. O desenvolvimento dos mercados financeiros cria novas oportunidades de negócio e oferece ferramentas para os participantes gerenciarem seu risco. Os mercados Eltermin e Eloption oferecem mecanismos de proteção para as transações no Nord Pool. Também são negociados contratos financeiros padronizados fora do Nord Pool, denominados de ‘over-the-counter’ (OTC). Através de mecanismos financeiros, são negociados cerca de cinco vezes a quantidade de energia do mercado spot (Mork, 2001). O Eltermin negocia dois tipos principais de contratos: futuros e forward. A diferença entre os tipos de contrato é o modo de liquidação. No mercado de futuros, o portfólio de contratos de cada participante é calculado diariamente, refletindo as modificações de preço que são liquidadas financeiramente entre comprador e vendedor. Desta forma, as perdas e ganhos são identificadas rapidamente pelo gestor do portfólio. Nos contatos forward, não há liquidação financeira até o início do período de entrega. A liquidação forward acumula lucros e prejuízos não realizados para liquidálos no momento de entrega. de demanda, quando ocorre ajuste para mais, e de oferta, quando ocorre ajuste para menos. Existem dois componentes que formam a diferença. O primeiro é o prêmio pela prontidão, ou seja, a remuneração necessária para que os agentes modifiquem sua oferta/demanda com tempo curto de aviso, que independe da quantidade de energia envolvida no ajuste. O autor aponta que o prêmio pela prontidão é mais influenciado pelo preço spot em momentos de ajuste para menos do que em ajuste para mais. O segundo componente depende do volume necessário de ajuste, consistindo uma função quadrática do último. O volume do ajuste tem influência maior no preço do balanço quando ocorre ajuste para mais. Essa assimetria pode estimular agentes a comportarem estrategicamente. 202 O desequilíbrio do sistema é o somatório dos desequilíbrios individuais, que podem ter sentidos contrários do desequilíbrio agregado. Em momentos em que o operador realiza ajustes para mais para equilibrar o sistema, há agentes que estão desequilibrados em sentido contrário. Ou seja, que colocaram mais ou que retiraram menos energia do sistema que contrataram (no spot e em contratos) e necessitam realizar ajuste para menos. 92 O Eloption é um mercado de opções criado em 1999. A opção é um derivativo que é indicado para mercados que apresentam elevada volatilidade de preço, constituindo uma operação de hedge contra elevações ou quedas de preço. As opções negociadas no Nord Pool são padronizadas para aumentar a liquidez. Existem dois tipos de opções: estilo europeu, que utiliza como instrumento contratos forward, e de estilo asiático, onde a liquidação depende do preço de sistema do mercado spot. O Nordic Electricity Clearing (NEC) realiza o clearing de todos os contratos do Nord Pool. Com o clearing, o Nord Pool garante a liquidação e a entrega correta em contratos físicos e financeiros, reduzindo o risco dos participantes, o que é fundamental para o funcionamento eficiente do mercado. O mecanismo tem como foco os contratos bilaterais, apesar de também se aplicar ao mercado spot. Cerca de 80% de todos os contratos são cleared através do NEC. II.3.2. Resultados Eficiência Alocativa A manutenção dos preços de eletricidade em níveis baixos era considerada o principal elemento do sucesso da reforma dos países nórdicos. Depois de uma elevação dos preços em seu início de funcionamento, quando a média mensal do preço do sistema alcançou US$ 50,00/MWh, o preço vinha se mantendo próximo a US$ 20,00/MWh até o final de 2002 (Figura II.20). Figura II.20 Evolução do preço do sistema - US$ (2003)/MWh 80 70 60 50 40 30 20 10 jan/03 set/02 mai/02 jan/02 set/01 mai/01 jan/01 set/00 mai/00 jan/00 set/99 mai/99 jan/99 set/98 mai/98 jan/98 set/97 mai/97 jan/97 set/96 mai/96 jan/96 0 Fonte: Nord Pool 93 Apesar da sistemática de cobrança de encargos de congestão, os preços não são muito distintos entre áreas (Tabela II.8). Ou seja, não existem restrições de transmissão suficientes para criar diferenças substancias de preço. Segundo a IEA (1999), somente 17% da capacidade de transmissão dos interconectores do Nord Pool era utilizada na média. Durante 2001, os países nórdicos formaram uma única ‘área de preço’ em 52% do período e em somente 20% do período o mercado foi operado com mais de duas áreas203. Tabela II.8 Evolução dos preços anuais médios nas ‘áreas de preços’ US$ (2003)/MWh 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Oslo Bergen 35.94 35.98 19.24 17.92 16.22 14.85 15.29 13.25 13.68 10.74 26.03 20.46 27.79 25.03 Trondheim Tromsø Suécia Finlândia DK-Oeste DK-Leste Sistema 35.41 35.17 35.09 35.51 16.85 17.35 17.35 17.61 14.33 14.37 14.13 14.38 14.38 14.50 14.50 13.72 13.79 13.60 11.14 11.07 12.68 13.26 14.62 11.35 20.79 20.75 20.26 20.24 21.03 20.87 20.52 25.24 25.24 26.01 25.70 24.05 26.94 25.35 Nota: Oslo, Bergen, Trondheim e Tromsø são áreas de preço internas à Noruega. Fonte: Nord Pool A evolução dos preços no Nord Pool até 2002 refletia o limitado exercício de poder de mercado em sua formação. Nos países que formam o mercado nórdico, atuam centenas de empresas elétricas. Ainda que internamente a cada país algumas empresas tenham posições dominantes (consultar anexo II), estas perdem relevância quando considerado o conjunto. A Vatenfall, que representa metade do mercado sueco, tem participação inferior a 20% no mercado nórdico (Figura II.21). Desta forma, as empresas não teriam condições de exercer poder de mercado. 203 As divisões mais comuns são a separação do Centro e Norte da Noruega do resto da região (com ocorrência de 11% do ano) e a separação do Oeste da Dinamarca (10% do ano). Copenhagen Economics (2002). 94 Figura II.21 Participação de mercado nos Países Nórdicos (razão da capacidade de instalada das empresas e total) Vattenfall 19% SydKraft 5% Elsam 4% Energi E2 5% Fortum 13% TXU 1% Graninge 1% Statkraft 11% Norsk Hydro 2% Outros 39% Fonte: CERA (2002) Uma preocupação recente é o movimento de aquisição de propriedade cruzada em empresas de geração nos países nórdicos. As maiores geradoras têm adquirido participações minoritárias de outras empresas de geração. A norueguesa Statkraft adquiriu 45% da Agder Energi, do mesmo país204, e 17% da sueca Sydkraft, que por sua vez adquiriu 20% da Graninge, do mesmo país. Ainda na Suécia, Stockholm Energi e Gullspång se fundiram para formar a Birka Energi. Amundsen e Bergman (2002) apontam que a participação cruzada, apesar de não combatidas pelas autoridades de proteção a concorrência, tende a elevar a concentração de mercado e os preços da eletricidade. Johsen (2003) destaca que apesar do mercado norueguês não apresentar sinais de poder de mercado atualmente, a concentração pode acarretar em preços mais elevados no futuro. Um relatório do CERA (2002) analisa o poder de mercado nos países nórdicos. Desconsiderando as restrições de transmissão, o Índice de Herfidahl (HHI) é de 737 para o conjunto dos países nórdicos, um valor bastante baixo, principalmente para o setor elétrico. O relatório desenvolve uma medida de poder de mercado que considera as características do setor elétrico nos países nórdicos: grande participação da geração hidrelétrica, participação cruzada na geração e restrições de 204 Inicialmente, a Autoridade de Competição não aprovou a aquisição, mas Ministro do Trabalho e Administração Pública, que é a última instância nesses casos, sujeitou a aquisição à venda das 95 transmissão entre áreas de preço. O resultado final da análise, expresso pelo HHI corrigido na Tabela II.9, aponta que, apesar da situação ser consideravelmente menos concentrada do que se as zonas operassem independentemente (em autarquia), algumas zonas são sujeitas a poder de mercado, como a Dinamarca Leste, principalmente, e Suécia (Tabela II.9) Tabela II.9 HHI Autarquia HHI Corrigido Concentração de mercado nos países Nórdicos Dinamarca Leste 8.575 3.123 Dinamarca Oeste 2.397 1.111 Finlândia 976 836 Noruega Sul 3.289 852 Noruega Norte 2.021 1.160 Suécia 1.894 1.745 Fonte: CERA (2002) pgs. 61 e 68 Um ponto fundamental da experiência dos países nórdicos é que a reforma ocorreu em um contexto de excesso de capacidade de geração. Bowitz et al. (2000) consideram esse o principal determinante para a tendência de redução de preços observada no Nord Pool. A existência de sobra de capacidade no início da reforma foi uma conseqüência da integração de mercados. Anteriormente, os sistemas eram voltados para a auto-suficiência. Assim, os parques geradores eram desenhados para atender com produção doméstica e com margem de segurança sua demanda. O que tinha profundas implicações em função da participação da hidreletridade, já que esses sistemas são formulados para atender a demanda mesmo em momentos de hidrologia desfavorável. Com a integração, os países podem recorrer a importações ao invés de construir mais capacidade produtiva. Bowitz et al. (2000) apontam que, como os investimentos são evitados com a integração dos mercados, o preço deixa de alinhar-se ao custo marginal de longo prazo e passa a se alinhar ao custo marginal de curto prazo. Como é exposto na próxima seção, a fase de excesso de capacidade se esgotou. O comportamento recente dos preços reflete essa situação. Durante 2001, os preços já haviam mudado de patamar, ultrapassando US$20/MWh. No final de 2002, houve uma disparada de preços, quando a média mensal quase alcançou US$ 80/MWh. participações da Statkraft na E-CO e HEAS. Mais recentemente, a empresa anunciou a aquisição da Trondheim Energiverk, mas a Autoridade de competição também embargou essa transação. 96 Adequação dos Investimentos A avaliação da eficiência dos investimentos não pode ser efetuada estaticamente. Como Bowitz et alli (2000) evidenciam, a escassez de investimentos teve um efeito positivo no curto prazo, propiciando a redução de preços em um momento de excesso de capacidade. No entanto, a análise relevante é se os incentivos colocados não só provocariam a eficiência no curto prazo, mas também no longo. Ou seja, o importante é avaliar o nível de investimento quando o excesso de capacidade se esgota. O ritmo de investimentos continuou baixo em todos os países, não acompanhando a evolução da demanda (Figura II.22) e a segurança de abastecimento passou a ser ameaçada. Figura II.22 Evolução da Capacidade Instalada e do Consumo Total Países Nórdicos (1990 = 100) Fonte: Nordel (2002) Nordic Master Plan p. 22. Em função desta dinâmica, a região depende progressivamente de energia mais cara, proveniente da Dinamarca (Tabela II.10). A Noruega, que era a principal exportadora de energia barata, passou a ser importadora líquida de energia. Importações externas ao bloco, que provêm da Rússia, Polônia e Alemanha, complementam o balanço de energia. 97 Tabela II.10 Balanço de energia dos Países Nórdicos TWh Dinamarca Finlândia Noruega Suécia Total Geração 36 71,6 121,9 157,8 387,3 Consumo Importação 35,4 -0,6 81,6 10 125,5 3,6 150,5 -7,3 393 5,7 Fonte: Nordel A situação do balanço energético em períodos de demanda de pico ilustra a vulnerabilidade do sistema. Nesses momentos, somente a Dinamarca obtém sobra de capacidade. Fazendo com que as importações externas ao bloco sejam mais importantes. Em relatório preparado pela Nordel (2002a), é desenvolvida uma previsão para o balanço energético dos países nórdicos nos próximos três anos. O resultado é exposto na Tabela II.11. Na ocorrência de ano de hidrologia normal (um em cada dois anos), o sistema estaria balanceado, ainda que bastante dependente das exportações da Dinamarca. A ocorrência de um único ano seco (o pior em 10 anos) seria suficiente para que o sistema ficasse em déficit. O relatório considera que o problema poderia ser contornado com importações de países fora do bloco. No entanto, ocorrendo um ano de hidrologia extremamente desfavorável (o pior em cem anos) ou dois anos secos consecutivos, o relatório considera bastante provável que mecanismos de mercado não sejam capazes de gerar uma solução, sendo o racionamento necessário. Tabela II.11 Balanço de energia e potência e Capacidade de Transporte 2005/2006 Noruega Suécia Finlândia Dinamarca TOTAL Balanço Energético, TWh Ano Normal (1 em 2 anos) -10 -3 -3 17 1 Ano Seco (1 em 10 anos) -22 -13 -3 17 -21 Balanço de capacidade, MW Capacidade Instalada 28.383 32.106 17.530 13.029 91.048 Capacidade Disponível 24.305 28.655 14.970 8.937 76.867 Demanda de Pico de Inverno (10 anos) -24.086 -29.000 -15.140 -7.008 -75.234 Balanço por País -767 -2.149 -1.333 562 -3.687 Capacidade de Transporte na área do Nordel Capacidade estimada no inverno, MW cerca de 3.300 Transporte total anual, TWh cerca de 25 Fonte: Nordel 98 O desequilíbrio entre capacidade instalada e demanda já resultou em esvaziamento dos reservatórios. A curva do nível de reservatórios nos países nórdicos mostra que o valor atual é inferior ao mínimo e 20% menor que a média observada na década de 90, para o mesmo período do ano (Figura II.23). Os preços no mercado spot e futuro já apresentam alta em função dessa situação. Figura II.23 Nível semanal dos reservatórios 2002/2003 (% da capacidade dos reservatórios) máximo 2002 mediana mínimo 2003 Notas: As curvas de mínima e máxima referem-se ao período 1990-99 Fonte: Nord Pool Os principais obstáculos à execução de investimentos são de natureza institucional. As políticas ambientais são bastante restritivas, já que os países lideram iniciativas de mitigação de impactos ambientais, principalmente redução de emissões. Na Noruega, uma moratória foi imposta à construção de hidrelétricas de grande porte e a restrição de emissões inviabilizam projetos termelétricos. Na Suécia, os principais recursos hídricos são protegidos do desenvolvimento de novas centrais e um programa de fechamento de centrais nucleares foi resultou de um plebiscito. A Dinamarca baniu centrais nucleares e a carvão. 99 Em um contexto em que a auto-suficiência perdeu importância, a responsabilidade sobre a segurança do abastecimentos se desloca de cada país para o conjunto dos países. A ausência de coordenação do planejamento para o conjunto de países permitiu que a solução “não em meu jardim” prevalecesse. Orientados por objetivos ambientais, o comportamento dominante entre as autoridades dos países nórdicos foi esperar que outros países adicionem capacidade de geração. Arranjos Institucionais Os arranjos institucionais dos países dos países nórdicos são caracterizados pela descentralização das decisões. A sofisticação e a existência de vários tipos de mercado físicos e financeiros com elevada liquidez permitiram que a coordenação centralizada se tornasse diminuta. A flexibilidade dos arranjos institucionais possibilitou que os agentes os adequassem às características das transações. A longa experiência com mecanismos de mercado facilitou as reformas da década de 1990 que promoveram a liberalização. Na Noruega, a predominância da hidreletricidade é tratada como um fator motivante para a estruturação de um ambiente competitivo. O samkjøringe, um mercado spot onde só participavam geradores que procuravam otimizar o uso dos reservatórios, operava desde 1971. O acordo de bacias, que define o direito ao uso d’água, foi um elemento fundamental para eliminar conflitos decorrentes da interdependência das decisões entre hidrelétricas. Também foi importante a estrutura de propriedade das empresas. A presença de propriedade pública e de cooperativas de consumidores faz com que a maximização de lucros não seja o objetivo central das empresas. O histórico desses países é marcado pela cooperação entre agentes. A experiência nos primeiros cinco anos de operação do Nord Pool demonstra que essa estrutura de arranjos foi eficiente para coordenar as decisões de curto prazo, o que acarretou em eficiência produtiva, possibilitando a otimização dos usos dos recursos do conjunto de países, e em eficiência alocativa, com a permanência de baixos níveis de preço. Mas, a situação atual mostra que a estrutura não foi eficiente para coordenar as decisões de longo prazo, notadamente o planejamento de investimentos, 100 acarretando em deterioração da segurança do abastecimento. O primeiro planejamento conjunto foi elaborado apenas em 2001 pelo Nordel, a associação dos coordenadores da rede, já como resposta à crise de investimentos. II.3.3. Conclusão A reforma do setor elétrico nos países nórdicos é considerada uma experiência de êxito entre as diversas experiências de reforma. O seu desenho institucional, que incluía uma variedade de mercados físicos e financeiros, se tornou um exemplo a ser seguido por reformadores. O desenvolvimento de um mercado multinacional de eletricidade, peça central da reforma, possibilitou que o problema de poder de mercado fosse minorado e, até recentemente, os preços permaneceram em níveis significativamente inferiores aos de outros países. No entanto, a carência de investimentos, que foi um dos determinantes do baixo nível de preços no período inicial, fez com que o quadro se modificasse recentemente. O desequilíbrio entre capacidade de produção e demanda resultou em risco de desabastecimento. Somente quando a situação se tornou crítica, as autoridades passaram a se preocupar com a situação evidenciando que a questão da auto-suficiência não poderia ser completamente ignorada. Essa é uma lição importante dessa experiência de integração de mercados: a segurança do abastecimento deixa de ser uma questão de cada país, mas do bloco de países. Se não houver coordenação entre o conjunto, e cada país se guiar por objetivos próprios, como a proteção ambiental, a trajetória não é sustentável no longo prazo. 101 II.4. Califórnia O estado da Califórnia liderou as iniciativas de reforma da indústria de eletricidade nos Estados Unidos. A reforma californiana foi considerada um exemplo de reforma pró-mercado, sendo seguida por outros estados norte-americanos e em outros países. O desenho institucional, bastante complexo, reservou um papel preponderante ao mercado spot. Apesar do êxito inicial, os problemas não demoraram a surgir. Em 2000 e 2001, a eletricidade se tornou escassa no estado mais rico da economia mais importante do mundo, acarretando em disparada de preços, cortes de energia e bancarrota de empresas. II.4.1. Antecedentes Historicamente, o estado da Califórnia era majoritariamente atendido por três concessionárias de eletricidade verticalmente integradas205 de propriedade privada (Investment Owned Utilities – IOUs): Pacific Gas & Electric - PG&E, Southern California Edison – SCE e San Diego Gas & Electric - SDG&E206. As empresas eram submetidas ao regulador estadual (CPUC - California Public Utilities Commission) que definia as tarifas através de regulação da taxa de retorno. As transações com os demais estados são reguladas pelo regulador federal (FERC – Federal Energy Regulatory Commission). A agência de política energética e planejamento (CEC – California Energy Commission) é responsável por realizar previsões de demanda, licenciar centrais térmicas e apoiar o desenvolvimento tecnológico e a eficiência energética. Também forma o quadro institucional do setor o conselho que zela pela qualidade do ar (California Air Resources Board), que tem importante interferência sobre o setor elétrico estabelecendo os padrões de qualidade do ar e gerenciando os esquemas de direito de poluição. 205 Não era incomum que as empresas monopolistas adquirissem energia de empresas vizinhas. No entanto estas transações representavam parte minoritária do total e não havia mercado que centralizasse essas transações. 206 As três IOUs atendiam a três quartos do total de eletricidade consumida na Califórnia, o restante era atendido por empresas municipais, de irrigação e de fornecimento de água, que não foram incluídas na reforma. 102 O PURPA (Public Utility Regulatory Policy Act), implantado em 1978, promoveu uma transformação na estrutura da indústria ao estimular a entrada de geradores que atendiam a certos requisitos (os detalhes do PURPA são apresentados no anexo III). Pela legislação, as concessionárias verticalmente integradas ficavam obrigadas a adquirir energia de geradores qualificados ao custo que essas teriam para aumentar sua oferta (custo evitado), o que era determinado pelo regulador. Seu legado teve grande importância para a reforma do setor elétrico na Califórnia. Primeiramente, o PURPA mostrou que a operação de várias empresas na atividade de geração era factível e, portanto, a integração vertical da indústria não era imprescindível para coordenar sua operação. Esta lição serviu não só para experiência californiana, mas para as demais experiências de reforma. Por outro lado, o PURPA acarretou em preços elevados da eletricidade no estado e, conseqüentemente, em insatisfação dos consumidores. Como a perspectiva quanto à evolução do preço do petróleo, que justificou o desenvolvimento do PURPA, não se confirmou, os preços definidos nos contratos de longo prazo entre as concessionárias e geradores qualificados se tornaram cada vez mais distantes do custo evitado real207. Na Califórnia, em função da entrada representativa de geradores qualificados, os contratos resultantes do PURPA tinham grande impacto nas tarifas de eletricidade208. Em 1991, as tarifas médias variavam entre US$ 90 MWh e US$ 105 MWh no estado, o que é 30 a 50% superior à média nacional e ao custo competitivo de novas centrais (CPUC 1993, pg. 127). Essa situação estimulou a sociedade, principalmente os consumidores industriais, a pressionar o governo pela realização da reforma. A formação de um consenso favorável à reforma na primeira metade da década de 90 explica o pioneirismo da Califórnia entre os estados norte-americanos O FERC já havia preparado o “terreno” para as iniciativas estaduais. O Energy Policy Act (EPAct) de 1992 eliminou parte das restrições vigentes para empresas de eletricidade, possibilitando produtores independentes a atuarem na geração de eletricidade através de uma nova classe de geradores (Exempt Wholesale Generators) 207 O relatório do CPUC de 1993, conhecido como Yellow Book, aponta que os preços dos contratos ISO4 eram três vezes superiores ao custo evitado real neste período e a diferença prevista para o final da década era ainda mais substancial. 208 Os contratos decorrentes do PURPA não eram a única causa das tarifas elevadas na Califórnia. As centrais nucleares construídas pelas IOUs nas décadas de 1970 e 80 tinham custos muito elevados. Os atrasos na execução desses projetos, que apresentam grande intensidade de capital, acarretaram custos financeiros que tornaram essas centrais não competitivas 103 isentos das obrigações definidas pelo Public Utility Holding Company Act (PUHCA), e IOUs a atuar como produtores independentes fora de sua área de concessão bem como investir em outros países. Essa legislação também deu autoridade ao FERC a exigir que as IOUs forneçam acesso a rede de transmissão para outros fornecedores (mas não para consumidores finais). As Orders 888 e 889, editadas pelo FERC em 1996, complementaram o EPAct operacionalizando o livre acesso a rede de transmissão. A Order 888 define tratamento para a instituição do livre acesso209 e Order 889 trata da disponibilização de informações210. II.4.2. Reforma A reforma do setor elétrico californiano começou a ser estudada em 1992. Em 1993 o CPUC publicou o “livro amarelo”, que apontava a introdução de reformas prómercado como a forma de reduzir as tarifas no estado. O documento sugeriu quatro estratégias para a execução da reforma que concediam espaços diferentes para a concorrência211. No “livro azul”, anunciado em 1994, o CPUC explicitou a escolha da estratégia que concedia maior espaço à concorrência. O livro azul propôs a substituição da regulação a taxa de retorno por regulação baseada em desempenho, a separação da 209 A Order 888 estabelece que os proprietários das linhas de transmissão devem disponibilizar o acesso livre e não discriminatório a terceiros, sendo remunerados por tarifas baseadas no custo do serviço. Para tanto, a ordem define o conceito de capacidade de transmissão disponível, o tratamento a ser adotado em caso de restrição de transmissão, os serviços ancilares que a empresa de transmissão é obrigada a prestar e seus respectivos preços. Essa obriga os proprietários de linhas de transmissão a estabelecer tarifas para os serviços de transmissão, cujos preços máximos são fixados pelo FERC. A Order 888 também trata da remuneração dos custos irrecuperáveis envolvidos nos contratos de comercialização de energia no atacado entre concessionárias. A decisão de remunerar esses custos foi importante, pois criou uma diretriz para o tratamento dos custos irrecuperáveis também nas iniciativas de reforma estaduais. 210 A order 889 trata da disponibilização de informações sobre as linhas de transmissão interestaduais. Os proprietários/operadores dessas linhas devem alimentar um sistema de dados em plataforma de internet e em tempo real (OASIS – Open Access Same-time Information System) com informações sobre capacidade disponível, preços etc. 211 A primeira, denominada “Limited Reform”, consistia na manutenção da regulação a taxa de retorno, transformação dos reajustes tarifários em anuais, concomitante à eliminação de mecanismos de recuperação tarifária e à utilização de mecanismos baseados na performance para regular as compras de gás natural das IOUs. A segunda, “The Model Price Cap”, tinha como inspiração a reforma do setor de telecomunicações prevendo maior flexibilidade de preços. A terceira, “Limited Costumer Choice”, previa a liberalização de parcela dos consumidores para a escolha de fornecedores alternativos, tendo esses acesso livre a rede de transmissão. Na quarta, “Restructured Utility Industry”, as concessionárias venderiam todos ativos de geração e se tornariam empresas de transporte de eletricidade e comercializariam eletricidade para os consumidores que optassem por tê-las como fornecedora. 104 geração e do transporte de energia (transmissão e distribuição) e um esquema de transição para a remunerar os custos irrecuperáveis. Esse também apresentou um cronograma de liberalização da comercialização de eletricidade212. Uma longa discussão decorreu das propostas divulgadas no livro azul, até que as primeiras medidas de reforma foram tomadas na Califórnia. A discussão tinha três elementos principais: o modelo para a realização das transações no mercado atacadista (contratos bilaterais vs. mercado centralizado), a forma de mitigar o poder de mercado das IOUs e a remuneração dos custos irrecuperáveis (Blumstein et al. 2002). O Assembly Bill 1890 (AB1890), aprovado no legislativo do estado em setembro de 1996, e outras medidas implementadas pela CPUC seguiram as diretrizes gerais anunciadas no livro azul. As tarifas cobradas pelas empresas verticalmente integradas (IOUs) deveriam ser descriminadas por atividades, separando a parcela de preço referente às atividades potencialmente competitivas (geração e comercialização) da parcela de atividades que permaneceriam reguladas (transmissão e distribuição). Para a parcela regulada foi instituída a regulação baseada em desempenho. As IOUs deveriam disponibilizar livre acesso a redes de transmissão, que passou a ser administrada pelo operador independente do sistema (CAISO - California Independent System Operator). Os custos de transmissão (afundados e operacionais) são inteiramente remuneradas pelas empresas de distribuição, que os repassam às tarifas cobradas de consumidores finais. O esquema de gerenciamento de congestões é do tipo zonal. Quando ocorrem restrições de transmissão, o sistema elétrico da Califórnia opera com preços diferentes no Norte, no Sul e nos pontos de interconexões com os sistemas vizinhos. Nesses momentos, geradores devem pagar encargos pelo uso das linhas congestionadas no valor da diferença entre os preços de equilíbrio entre as áreas213. O CAISO criou direitos transacionáveis de uso das linhas de transmissão. Os detentores 212 No início de 1996, os grandes consumidores, definidos como os consumidores servidos em tensão igual ou superior a 50 kV, poderiam escolher seus fornecedores e em 2002 essa possibilidade seria estendida a todos consumidores. 213 Quando ocorre restrição de transmissão, o CAISO ajusta a programação despachando as unidades de geração não incluídas na programação inicial (lance de preço maior que o preço de equilíbrio inicial) mais baratas da zona em déficit e retirando do despacho as unidades mais caras incluídas na programação inicial da zona em superávit. Assim, o preço de equilíbrio da zona em déficit se torna mais elevado que o da zona em superávit. No CALPX, são efetivamente criados preços diferenciados para cada mercado. Nos demais coordenadores da operação, o encargo de congestão é cobrado das transações que utilizam as linhas congestionadas. 105 desses direitos são remunerados pela renda de congestão. Os direitos foram leiloados e a receita obtida serviu para abater os custos afundados das linhas de transmissão e diminuir as tarifas cobradas de consumidores finais. A partir de 1998214, todos consumidores poderiam escolher entre continuar a ser atendida pela empresa de distribuição (default service) ou adquirir energia de outro fornecedor. Para diminuir a concentração na geração, as duas maiores IOUs também foram “induzidas” a vender pelo menos metade de sua capacidade de geração a partir de combustíveis fósseis. O desenho institucional desenvolvido para coordenação das transações de energia no atacado foi extremamente complexo. Além do mercado de curto prazo, operado pelo CALPX (California Power Exchange) e que transacionava a maior parte da energia, há uma série de mercados complementares administrados pelo CAISO, o operador independente do sistema elétrico californiano, que eram regulados seguindo princípios diferentes do primeiro. Por outro lado, para lidar com problemas da transição de um regime monopolista para um competitivo, foram instituídas regras que limitavam a escolha dos agentes. Para orientar a negociação de energia no atacado para o dia seguinte, foi criado o CALPX. Em princípio o CALPX seria um mercado voluntário, os agentes poderiam utilizar outras opções para transacionar energia. No entanto, com o intuito de assegurar a liquidez do mercado e atenuar o poder de mercado das IOUs, estas foram obrigadas, até 2002, a utilizar o CALPX para atender toda demanda de seus consumidores. Ou seja, as IOUs eram obrigadas a vender nesse mercado toda a energia que geravam ou adquiriam via contratos e a comprar a totalidade do que forneciam a esses consumidores. Da mesma forma que o CAISO, esta instituição não tinha objetivos de lucro. Sua estrutura de governança era complexa (Blumstein et al., 2002), administrada por um numeroso conselho formado representantes da indústria e sociedade. O mercado para o dia seguinte do CALPX era o principal na Califórnia. Entre 80% a 90% dos negócios de energia na Califórnia ocorriam através desse mercado. Na manhã do dia anterior a entrega, geradores realizavam os lances de oferta que especificavam até 15 pares de quantidade e preço para cada hora do dia seguinte. As empresas de distribuição e intermediários do mercado atacado realizam lances de 214 2 anos após a data prevista no Livro Azul. 106 demanda. O lance de oferta mais elevado que equilibra o mercado define o preço para a totalidade das transações. Baseado nesse equilíbrio, o CALPX definia a “programação preferida” a ser submetida ao CAISO. O CAISO também recebia a programação preferida de outros coordenadores da programação (Schedulling Coordinators), além do CALPX. Esses são intermediários das transações bilaterais que organizam um portfólio de oferta e demanda de eletricidade para que o CAISO realize a entrega física da energia. Ao contrário do CALPX, os demais coordenadores de programação não são obrigados a tornar públicos preços e quantidade transacionada. Quando eram esperadas restrições de transmissão que impossibilitariam a execução da totalidade das transações, o CAISO informava as congestões e sugeria ajustes na programação aos coordenadores da programação (exceto ao CALPX, onde o CAISO realiza os ajustes diretamente). Com base nestas informações e nos preços de congestão esperados, uma segunda programação era submetida ao CAISO. Se persistissem restrições, o CAISO realizava os ajustes. Após este processo, a programação final definia as quantidades que cada unidade de geração devia produzir e o preço de cada zona. Tabela II.12 Passos do Funcionamento do Mercado do Dia Seguinte Horário 7:00 9:00 10:00 11:00 12:00 13:00 15:00 Ações CALPX realiza os 24 leilões para cada hora do dia seguinte Preço de equilíbrio sem restrição é divulgado CALPX (e outros coordenadores da programação) submete a carga estimada para o próximo dia e as unidades de geração que atenderão essa carga (programação preferida). CAISO determina se restrições de transmissão tornam necessárias modificações na programação Programações modificadas são submetidas pelos coordenadores da programação. CAISO calcula encargos de congestão CALPX publica os preços zonais. Fonte: FERC O CALPX também operava um mercado para a hora seguinte. Esse não movimentava volume elevado de transações, mas o seu funcionamento era semelhante ao mercado para o dia seguinte. Em função da baixa liquidez, em 1999, esse foi substituído pelo mercado do dia (day-of Market), onde eram realizados três leilões 107 diários, às 6:00, que negociava energia para o intervalo de 10:01 às 16:00, às 12:00, para o intervalo 16:01 às 24:00, e às 16:00, para o intervalo 0:01 às 10:00. Se os agentes não cumprissem o que estava programado, o mercado de ajuste em tempo real, operado pelo CAISO, era acionado para equilibrar instantaneamente demanda e oferta. O CAISO ordena os lances de geradores para aumentar ou diminuir a geração em relação ao que estes programaram. São determinados preços de equilíbrio a cada dez minutos, mas o faturamento é feito com base nas quantidades transacionadas a cada hora aplicadas à média dos seis períodos de dez minutos. Inicialmente, os lances nos mercados administrados pelo CAISO deveriam ser baseados nos custos. Posteriormente, os lances deixaram de refletir os custos, mas foi instituído preço teto no mercado em tempo real, que começou em US$ 250/MWh215. Se um gerador produzisse menos que o programado no mercado para o dia seguinte, este era obrigado a arcar com a diferença de preços entre esse mercado e o mercado em tempo real. Geralmente, o último tinha preço mais elevado, o que penalizava as mudanças na programação. Mas, caso o preço do mercado em tempo real fosse menor que o preço no mercado do dia seguinte seria vantajoso ao gerador modificar sua programação. É importante notar que o preço teto do mercado em tempo real administrado pelo CAISO funcionava como teto também para o CALPX, pois os demandantes não efetuariam lances superiores ao teto, já que poderiam adquirir energia no mercado em tempo real no máximo a esse preço. O CAISO também contratava os serviços ancilares através de mercado. Os seguintes serviços contavam com mercados para a hora seguinte e dia seguinte: regulação de freqüência216, reservas em rotação (spinning reserves) e reservas que não estão em rotação (non-spinning reserves)217 e reservas de substituição (replacement reserves)218. O CAISO paga o preço de equilíbrio para que geradores, que atendam determinadas exigências técnicas (velocidade do ajuste de produção e capacidade de comunicação), mantenham capacidade em reserva. Os mercados são equilibrados em seqüência, começando pelo mercado de regulação. Equilibrado o mercado de regulação, 215 O preço teto foi aumentado para US$ 750/MWh em Outubro de 1999, reduzido para US$ 500 em julho de 2000 e, novamente, para US$ 250 no mês seguinte. O esquema de teto foi modificado em dezembro de 2000, quando lances superiores ao teto podiam ser aceitos desde que justificados por elevação de custos (soft cap). 216 Fazem parte deste mercado as unidades de geração que podem ajustar sua produção imediatamente. 217 Estes dois tipos de reserva são formados por plantas capazes de ajustar a produção em dez minutos. 218 Formada por unidades de geração capazes de começar a produzir em menos de uma hora. 108 as centrais que comporão este tipo de reserva não são consideradas no mercado de reserva em rotação e assim por diante. Quando as centrais são chamados a produzir, são remunerados pela quantidade gerada ao preço do mercado em tempo real. Para contornar o problema dos custos irrecuperáveis, foi criado o Encargo de Transição para a Competição (CTC – Competition Transition Charge). O CTC fixava o preço da energia ao consumidor final em US$ 60/MWh219 e as IOUs teriam seus custos irrecuperáveis remunerados pela diferença entre este valor e o preço atacado de energia - a expectativa era que o último seria significativamente inferior a US$ 60/MWh. Os consumidores continuariam pagando o CTC às IOUs mesmo se optassem por um fornecedor alternativo. Assim, quando os consumidores optavam por outros fornecedores pagavam a tarifa às IOUs recebiam um “crédito de compras” (shopping credit) igual ao custo da energia das IOUs220. Assim, a IOUs sempre recebia desses consumidores a diferença entre a tarifa final e o crédito de compras, o que correspondia a soma das tarifas de transmissão e distribuição e do CTC. O CTC deixaria de incidir quando a totalidade dos custos irrecuperáveis fossem remunerados ou em abril de 2002 (o que ocorresse primeiro). A partir deste momento, as IOUs repassariam aos consumidores finais “apenas” o preço da energia no atacado221. II.4.3. Resultados Eficiência Alocativa As expectativas iniciais quanto ao desempenho dos mercados de eletricidade eram extremamente favoráveis. A baixa concentração de mercado na geração (Figura II.24) levava a que fossem esperados níveis de preço próximos ao custo marginal. No mercado de varejo, o governo gastou US$ 80 milhões em campanhas para informar os consumidores sobre a possibilidade de trocar de fornecedor, esperando uma grande adesão dos consumidores. 219 Esse preço se refere a parcela da tarifa correspondente a geração e não inclui as tarifas de transmissão e distribuição, os custos de comercialização e demais custos do fornecimento de eletricidade. 220 Como as IOUs eram obrigadas a adquirir a energia no mercado CALPX, este coincidia com preço médio da energia no CALPX. 221 Os custos irrecuperáveis correspondentes aos ativos de geração que não fossem cobertos no período seriam absorvidos pelas concessionárias. No entanto, os relacionados aos contratos com geradores qualificados continuariam a ser repassados através da tarifa de transmissão. 109 Seguindo recomendação da CPUC, as IOUs, que detinham quase a totalidade da geração (através de propriedade ou contratos de longo prazo), optaram por vender parte relevante de seus ativos de geração térmica. A SCE vendeu a maioria de suas plantas térmicas um mês e meio após a abertura do mercado. A PG&E também vendeu parte majoritária entre 1998 e 1999 e a SCE vendeu a totalidade de suas unidades térmicas em 1999. Figura II.24 Estrutura do Mercado de Geração Outros 30% Mirant 6% Reliant 7% Dynegy Duke 5% 5% PG&E 21% SCE 17% SDG&E AES 1% 8% Fonte: Blumstein et al. (2002) p. 25. Os novos mercados começaram a operar em abril de 1998. Problemas no software que não estava totalmente finalizado e falta de coordenação entre CAISO e CALPX causaram em uma série de falhas iniciais (Joskow, 2001). Nos períodos de demanda muito elevada, o preço se afastou do custo marginal. Os mercados de serviços ancilares e tempo real também sofreram problemas. Inicialmente, o FERC não autorizava que esses mercados fossem formados por lances baseados em mercado, e sim em estimativas de custos. Desta forma, parte relevante dos geradores preferiu participar do CALPX, onde os critérios eram de mercado, e o CAISO acabava por depender de contratos para fornecer os serviços ancilares. Logo, o FERC removeu essa limitação das centrais vendidas pelas IOUs e o preço passou a ser formado por lances livres. No entanto, as regras do CAISO, particularmente a inflexibilidade da demanda e a estrutura seqüencial para equilibrar os mercados, facilitavam o exercício de poder de mercado222 e houve uma disparada de preços223. 222 Blumstein et al. (2002) p. 26. 110 Esses mercados ficaram sujeitos a “poder de mercado de local”. Restrições de transmissão resultavam que a segurança do abastecimento dependesse que certos geradores constituíssem reservas ou fossem despachados, devido sua localização e características técnicas. Nessas condições, esses geradores poderiam solicitar qualquer preço. Desta forma, o CAISO optou por fechar contratos que definiam o preço máximo que os geradores poderiam solicitar. Os custos do CAISO representavam uma parcela significante do preço da energia do atacado224. Isto levou o CAISO a adotar tetos de preços nos mercados de serviços ancilares, primeiramente de US$500/MW e depois reduzido a metade. Apesar desses problemas, o preço da eletricidade no mercado atacadista não era elevado até maio de 2000 (Figura II.25). Até então, o preço se manteve sempre inferior a US$ 50/MWh e próximo ao que era esperado225. Segundo Joskow (2001), as falhas de design eram responsáveis por um aumento de 15% no preço do mercado atacadista. Figura II.25 Preços no Mercado Atacado (Média mensal) 1998-2001 US$/MWh 400 350 300 250 200 150 100 50 12/01 10/01 08/01 06/01 04/01 02/01 12/00 10/00 08/00 06/00 04/00 02/00 12/99 10/99 08/99 06/99 04/99 02/99 12/98 10/98 08/98 06/98 04/98 0 Fonte: Blumstein et al. (2002). P. 25 Nota: Os dados até 2001 correspondem ao preço no mercado do dia seguinte do CALPX e a partir de 2001 incluem preços de contratos de longo prazo. 223 O preço da reserva de substituição alcançou US$ 9.999/MW em 13 de julho de 1998. Aparentemente, os ofertantes assumiram, erroneamente, que seus lances não poderiam superar 4 dígitos. Na verdade, não havia limite para esses lances. (Borestein & Bushnell, 2000 p. 12). 224 Os custos do CAISO representavam 19% do custo da energia no atacada. Na Inglaterra, o uplift representava apenas 7%. Blumstein et al. (2002) p. 26. 225 A previsão da Comissão de Energia da Califórnia (CEC) para preço médio da eletricidade em 2000 era de US$ 28,50/MWh 111 Os problemas observados neste período inicial foram irrelevantes em relação o que ocorreria posteriormente. Em maio de 2000, quando o preço da eletricidade no mercado atacadista superou US$ 50/MWh pela primeira vez, a crise de energia na Califórnia foi iniciada. A partir de então, o preço disparou. Em junho, já alcançava valores 6 vezes mais elevados do que no ano anterior. Em dezembro de 2000, a média mensal do preço no mercado atacadista foi de US$ 385/MWh. Logo após, o mercado CALPX entrou em bancarrota e deixou de operar. Por 23 vezes o preço alcançou o preço teto. O preço só voltou aos níveis anteriores a crise em 2002. A literatura destaca uma série extensa de fatores que causaram a explosão de preços226 da eletricidade na Califórnia. Pode-se separar fatores conjunturais e estruturais. Ainda que os primeiros expliquem o estopim da crise, as raízes da crise estão presentes nos últimos. Os fatores conjunturais (que são analisados no anexo III b) foram desencadeados pela elevação sem precedentes da temperatura no Oeste dos Estados Unidos durante o verão de 2000. O esvaziamento dos reservatórios e o crescimento da demanda no Noroeste dos EUA provocaram a redução das exportações de energia dessa região para a Califórnia que tradicionalmente foram importantes para equilibrar o balanço elétrico do estado. Como decorrência, foi necessário um maior uso do gás natural, o que provocou a elevação do preço não só do combustível, mas também dos direitos transacionáveis de emissão de poluentes227. No entanto, esse choque de custos poderia ser contornado se a coordenação funcionasse efetivamente. A ineficiência dos sinais de mercado e da atuação das instituições228 foram os fatores estruturais que determinaram a crise. A principal falha é a ausência de sinais de preço para os consumidores finais em função do congelamento das tarifas aos consumidores que permaneceram sendo fornecidos pelas IOUs, que representavam a grande maioria dos consumidores, pois, ao contrário da expectativa inicial, apenas uma pequena parcela optou por trocar de fornecedor. Além de os consumidores residenciais contarem com tarifas congeladas, os 226 Brenann (2001) lista os 10 principais fatores que causaram a crise: desequilíbrios entre oferta e demanda, maiores custos de combustíveis, regulações de redução de oferta, regulação (real e potencial) do mercado de atacado, controle de preços no varejo, transferência de renda intramarginal, falta de medição em tempo real, má sorte (falta de contratos de longo prazo), desenho dos leilões e poder de mercado. 227 As centrais geradoras, assim como outros setores da indústria com elevados impactos ambientais, participam de um programa de direitos negociáveis de emissão de poluentes (Reclaim). O crédito de NOX é o mais importante. 228 A atuação das instituições é explorada na seção arranjos institucionais. 112 fornecedores alternativos não tinham interesse em cortar o preço das concessionárias. Para tanto, teriam que ofertar preços inferiores ao preço do mercado atacadista, o que seria menos vantajoso do que vender energia neste mercado. O resultado é que apenas 12% dos consumidores finais modificaram seu fornecedor229. Desta forma, a demanda de eletricidade era praticamente inelástica. Mesmo com a explosão dos preços no mercado atacado, o preço da eletricidade no varejo só aumentou em 2001 (Figura II.26). Figura II.26 Evolução dos Preços Reais Finais da Eletricidade (US$/MWh) 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 Residencial Comercial 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Industrial Fonte: preços nominais- CPUC. Deflator implícito do PNB - www.economagic.com Os consumidores residenciais e comerciais de pequeno porte foram particularmente beneficiados, pois receberam um desconto de 10% em relação aos preços de 1996230 e tiveram suas tarifas congeladas por quatro anos ou enquanto as concessionárias não tivessem seus custos irrecuperáveis totalmente compensados. O congelamento dos preços isentou os consumidores finais da PG&E e SCE dos impactos do aumento dos preços da eletricidade no mercado atacadista. Como a SDG&E já havia sido recompensada pela totalidade de seus custos irrecuperáveis em 1999, seus preços aumentaram a partir de 2000231 (Figura II.27). Assim, as finanças das PG&E e SCE foram profundamente afetadas, pois compravam energia a uma média superior a US$ 100,00/MWh no mercado atacadista e só podiam repassar cerca de US$60,00/MWh. As duas empresas ficaram insolventes em janeiro de 2001, 229 Em setembro de 2001, a CPUC eliminou a possibilidade dos consumidores modificarem seus fornecedores. 230 Este desconto foi resultado do objetivo do governo de beneficiar os consumidores menos susceptíveis aos efeitos da competição. Para financiar esta redução, o Estado adquiriu bônus das concessionárias com remuneração inferior a taxa de retorno regulada. (para mais detalhes, consultar Blumstein et al., 2002) 113 contribuindo para o aumento do caos na Califórnia, pois criaram problemas financeiros para seus fornecedores.232 Em março de 2001, a CPUC aprovou um aumento de aproximadamente 40% nas tarifas da PG&E e SCE, o que constituiu o maior aumento de tarifa da história da Califórnia (GAO, 2002). Isso não foi suficiente para evitar a bancarrota da PG&E, declarada em abril de 2001. Figura II.27 Evolução das Tarifas Finais de Eletricidade Setor Residencial por IOU – US$ (2001) /MWh 160 140 120 100 PG&E SCE SDG&E 80 60 40 20 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: CPUC Mas a crise financeira das IOUs não foi a única decorrência do congelamento das tarifas. O congelamento criou graves problemas alocativos, já que o mecanismo de preços não funcionava. A escassez da eletricidade não era refletida no preço final, não alterando a demanda. Se o mecanismo de preços fosse efetivo, o choque de custos causaria aumento de preços finais e redução da demanda, assim como usualmente ocorre em outras atividades econômicas. A ausência de sinais de preços distorceu não apenas o mercado de eletricidade, mas também os de insumos (gás natural e direitos de emissão) criando um efeito retro-alimentador que amplificou os efeitos da crise. Outra decorrência foi a criação de oportunidade para o exercício de poder de mercado. Como a oferta estava próximo ao limite, a retenção de pequenos volumes de capacidade de produção levava a aumentos consideráveis de preço. Assim, mesmo com o mercado pouco concentrado, os ofertantes tinham oportunidade de exercer poder de mercado. 231 Ainda assim, as tarifas dos consumidores atendidos pela SDG&E sofreram novo congelamento de seus preços (em US$ 65/ MWh) em setembro de 2000 232 O rombo causado pela disparada de preços no mercado e tacada e do congelamento dos preços no varejo totalizava US$ 12 bilhões no fim de 2000. 114 Uma série extensa de autores233 e as autoridades setoriais (CAISO e FERC) apontam que o mercado não funcionou de forma competitiva durante a crise, o que também contribuiu para a disparada dos preços de eletricidade. Joskow e Kahn (2002) comparam o preço observado no CALPX e o nível competitivo no verão de 2000 (Tabela II.13). Mesmo considerando as elevações no preço do gás e dos direitos de emissão e as reduções de importações, o preço do CALPX é substancialmente superior ao preço que se formaria caso os ofertantes não realizassem lances estrategicamente (competitivo). Tabela II.13 Preços Competitivos de Referência e Observados no CALPX – 2000 Maio Junho Julho Agosto Setembro GN US$/MMBtu Norte Sul 3,77 4,11 4,59 4,99 4,35 4,97 4,84 5,69 5,88 6,64 Nox* US$/libra Competitivo US$/MWh CALPX US$/MWh 0 10 20 35 35 55,11 67,23 63,25 105,15 88,96 47,23 120,20 105,72 166,24 114,87 * Preço considerável mais factível pelos autores entre os cenários apresentados Fonte: Joskow e Kahn (2002) tabela 2, p. 15 Borenstein et al. (2002) também analisam o impacto do poder de mercado na evolução do preço atacado da eletricidade na Califórnia durante o verão de 2000. Os gastos com eletricidade no mercado de atacado aumentaram de US$ 2 bilhões no verão de 1999 para US$ 9 bilhões no verão de 2000. Segundo a análise, a elevação dos custos de produção correspondem a 21% do aumento de gastos, o crescimento das rendas competitivas234 a 20% e o aumento do exercício de poder de mercado a 59%. As empresas de geração, especialmente a ENRON, utilizaram uma séria de estratégias para manipular os preços da eletricidade. Essas estratégias incluíam desde a simples oferta de lances sem qualquer relação com seus custos em situações em que o ofertante tinha certeza que a central seria despachada (poder de mercado local) a 233 Joskow e Kahn (2002); Borenstein et al. (2002) entre outros. Renda competitiva corresponde à renda auferida por ofertantes que aceitariam um preço menor, mas são beneficiados pela existência de um preço único. Usualmente esta é denominada de excedente do produtor. Ou seja, geradores que têm custos mais baixos se beneficiaram da crise porque as centrais mais caras fixaram preços no período. Essa renda ocorre mesmo em um mercado competitivo. 234 115 estratégias mais sofisticadas, que incluíam atuação no mercado de insumos. As estratégias são apresentadas no anexo III c. O preço de eletricidade no atacado voltou a ter dois dígitos apenas no final de 2001. A demanda de eletricidade diminuiu significativamente no verão desse ano. A demanda de pico e o uso de eletricidade foram, respectivamente, 8% e 6 % menor do que no verão de 2000. Segundo Joskow (2001), a queda da demanda teve como maior determinante os programas de conservação de energia e a própria comoção da sociedade que resultou em mudança de hábitos de consumo. Os preços finais não tiveram maior importância, pois estes só aumentaram significativamente em junho de 2001 e a demanda ajustada pela temperatura já vinha se reduzindo desde o início do ano. As pressões causadas pelos custos dos insumos também arrefeceram. O preço gás natural diminuiu drasticamente e os diferenciais de preço entre o Sul da Califórnia e o resto do estado desapareceram. As centrais de geração deixaram de participar do programa de direitos negociáveis de emissão (RECLAIM). Este foi substituído por uma penalidade de US$7,50 por libra de NOx emitida acima do permitido. Além disso, grande parte das centrais de geração foram reformadas para diminuir a emissão de NOx durante o inverno. A Figura II.28 apresenta a evolução recente no mercado em tempo real e de contratos bilaterais. Esses mercados são os mais relevantes com o encerramento do CALPX. Os preços para o incremento de oferta no mercado em tempo real (INC) e custo médio da energia (que inclui contratos bilaterais) apresentaram trajetória estável até a metade de 2002, mas passaram a crescer desde então. O aumento do preço do gás natural, que fechou o mês de fevereiro de 2003 a US$9/MMBTU235, é o principal determinante dessa trajetória. 235 O preço médio em janeiro e fevereiro de 2002 era de US$ 2,25/MMBTU. 116 Figura II.28 Evolução dos Preços no Mercado em Tempo Real e no Atacado Preços Incremental (INC) e Decremental (DEC) e Custo Médio de Energia no Atacado (CMed) – US$/MWh 80 70 60 50 INC 40 DEC 30 Cmed 20 10 ja n/ 02 fe v/ 0 m 2 ar /0 ab 2 r/0 m 2 ai /0 2 ju n/ 02 ju l/0 ag 2 o/ 02 se t/0 2 ou t/0 no 2 v/ 0 de 2 z/ 02 ja n/ 03 fe v/ 03 0 Fonte: Caiso Adequação dos Investimentos Na segunda metade dos anos 90, ocorreu um profundo desequilíbrio entre oferta e demanda de eletricidade na Califórnia, que foi um dos determinantes da crise. A demanda cresceu fortemente enquanto que a oferta já estava estagnada há quase uma década. O consumo de eletricidade na Califórnia aumentou a uma taxa de 2,7% ao ano entre 1995 e 2000 e a demanda de pico, que melhor indica as necessidades de investimentos, cresceu a uma taxa de 3,4% ao ano entre 1995 e 1999236 (Figura II.29). Essas taxas são bastante superiores às observadas na primeira metade da década de 90, quando o consumo e a demanda de pico cresceram apenas 0,3% e 0,5% a.a., respectivamente237. 236 Em 2000, a demanda de pico diminuiu já influenciada pela crise elétrica. A demanda de pico ocorre no verão, quando a crise já estava em vigor nesse ano. 237 O CEC (2002) aponta que a demanda de eletricidade nesse período não experimentou crescimento sem precedentes como alguns autores sustentam. De fato, nos anos 70 e 80 o crescimento da demanda foi bem mais elevado. 117 Figura II.29 Evolução da Demanda de Pico e do Consumo de Eletricidade 53 51 49 47 45 43 41 39 37 35 270 260 250 240 230 TWh GW (em GW e TWh respectivamente) 220 210 200 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Demanda de pico Consumo Fonte: CPUC Durante a década de 90, a capacidade instalada de geração permaneceu por volta de 54 GW (Figura II.30). As principais razões para o ritmo insuficiente de investimentos foram a incerteza quanto às novas regras e a oportunidade de entrada através da aquisição de centrais existentes. Na primeira metade da década de 1990, as regras do modelo ainda não tinham sido plenamente definidas e os empreendedores não sabiam como os investimentos em geração seriam remunerados, esses não comprometeram seus recursos com novos projetos. Figura II.30 Evolução da Capacidade Instalada de Geração (GW) 60 50 40 Independentes IOUs 30 20 10 0 1990 1994 1999 Fonte: EIA/DOE A Figura II.30 demonstra que, apesar do total de capacidade instalada ter permanecido inalterado, a estrutura de propriedade se alterou profundamente na 118 segunda metade da década de 90 como resultado da venda de grande parte das usinas detidas pelas IOUs, principalmente de térmicas a gás, a geradores independentes. As últimas, que possuíam 20% da capacidade de geração na metade da década, passaram a possuir 55% no final dos anos 90. A oportunidade de entrar na atividade de geração através da aquisição de plantas das IOUs foi mais atraente aos potenciais investidores do que construir novas plantas. Primeiramente, quando executam investimentos em novas plantas, os empreendedores têm de esperar a maturação do capital, o que não é necessário ao adquirir plantas que já estão em operação. Ou seja, novos investimentos só se reverterão em receitas em prazos superiores a três anos, enquanto que plantas em operação geram receitas imediatamente. Além disso, a entrada através da aquisição não acarreta em acréscimo de capacidade e assim, não acirra a concorrência, o que tenderia comprometer a lucratividade na atividade. Também influenciou o ritmo de investimentos, a experiência da década de 80 que fez com que a expansão da capacidade de geração não constituísse uma prioridade as autoridades. Os custos elevados do excesso de capacidade nos anos 80, decorrente das condições favoráveis à entrada estabelecidas pelo PURPA, criaram reticências ao desenvolvimento de incentivos à entrada. Desta forma, como aponta Joskow (2001), os projetos de expansão não eram estimulados e, pelo contrário, tinham de enfrentar a morosidade do CEC e a oposição da sociedade aos impactos ambientais resultantes. O descolamento entre a evolução da demanda e da capacidade instalada resultou em aumento do risco de desabastecimento. A margem de segurança, expressa pela porcentagem de reserva nos momentos de demanda de pico, diminuiu progressivamente ao longo da segunda metade da década de 90 (Figura II.31), culminando no desabastecimento de eletricidade. 119 Figura II.31 Margem de Reserva nos Momentos de Demanda de Pico (%) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: CPUC Por oito ocasiões ocorreram blecautes de eletricidade que chegaram a durar 6 horas, a maior parte no inverno de 2001 (Tabela II.14). Blumstein et al. (2002) apontam que a parte predominante dos blecautes ocorreu em momentos em que a demanda não estava tão elevada. Um dos blecautes em rodízio (rotating blackout) ocorreu em um domingo de janeiro, quando a demanda de pico alcançou 27,7 GW, apenas 60% da demanda de pico observada no ano. Segundo os autores, isso sugere que o problema estava mais relacionado à disponibilidade de centrais existentes do que à capacidade de geração. No entanto, essas duas causas são relacionadas, pois é a escassez de capacidade que cria oportunidade para o comportamento estratégico na declaração de disponibilidade Tabela II.14 Blecautes em Rodízio na Califórnia Data 14/06/00 17/01/01 18/01/01 21/01/01 19/03/01 20/03/01 07/05/01 08/05/01 Demanda de Pico (MW) 44.239 29.727 29.537 27.657 29.476 29.691 33.446 34.455 Carga Cortada (MW) 100 500 1000 101 1000 500 300 400 Duração do Corte (horas) Não disponível 3 3 1 6 6 2 2 Fonte: Blumstein et al. (2002) tabela 4 p.28. Após quase uma década em que a capacidade de geração estava estagnada, três novas centrais de geração entraram em operação em julho de 2001, o que adicionou 1,8 120 GW de capacidade ao sistema. Centrais que estavam desligadas anteriormente voltaram a operar. A retenção estratégica de capacidade foi desestimulada pelo maior rigor da regulação e pelo esvaziamento do mercado spot238. Como grande parte da energia passou a ser negociado no longo prazo através de contratos com o CDWR (California Department of Water Resources), os geradores perderam interesse por reter capacidade para manipular o preço no mercado spot. Arranjos Institucionais Ao longo do texto, foram apresentados os vários determinantes da crise elétrica da Califórnia. A inadequação dos arranjos institucionais pode ser considerada como um dos principais determinantes das falhas de coordenação que constituíram a causa primordial da crise. A reforma da Califórnia reservou um papel preponderante ao mercado spot de energia do CALPX. Em função da exigência de que as IOUs transacionassem sua energia pelo CALPX, este movimentava quase a totalidade da energia na Califórnia. Ao contrário de outros países os contratos de longo prazo não tinham grande importância, e os agentes ficaram excessivamente expostos às oscilações no mercado spot. Inicialmente, o CPUC rejeitou que as IOUs negociassem contratos de longo prazo que dessem proteção (hedge) a sua obrigação de serviço (default service). Em 1999, o CALPX passou a operar um mercado forward de energia. A CPUC autorizava as concessionárias a adquirir até 20% de suas necessidades energéticas nesse mercado e ter o repasse desses custos aos consumidores finais garantidos. No entanto, os contratos forward não foram plenamente utilizados pelas IOUs. Somente a SCE adquiriu contratos de longo prazo até o limite definido pela legislação. Usualmente, restrições regulatórias são apontadas como causa da ausência de proteção (hedge) das IOUs em relação à flutuações de preço no mercado spot. Na verdade, bastariam contratos financeiros (que nunca foram proibidos), e não apenas físicos, para conferir essa proteção às IOUs. Na experiência da Inglaterra e País de Gales, onde o Pool era compulsório, os contratos por diferenças ofereciam esta proteção. No entanto, aparentemente, as IOUs consideravam que estavam 238 O volume negociado médio no mercado spot caiu de 3.500 MW/hora em janeiro de 2001 para menos 500MW/h em agosto (Joskow, 2001). 121 suficientemente protegidas pelas regras vigentes. Na prática, essas podiam repassar elevação nos custos de aquisição da eletricidade no mercado spot até cerca US$ 60/MWh. Antes da crise, as IOUs pareciam não acreditar que o preço chegaria a esse patamar. Caso as vendas das IOUs tivessem cobertas com contratos de longo prazo, não só estas teriam o seu custo financeiro da crise diminuído, como a disparada dos preços no mercado atacado poderia não ter ocorrido. Como Green (2002a) aponta, a existência de contratos de longo prazo diminui o incentivo das geradoras a manipularem o preço do mercado atacadista, pois reduz o prêmio dessas estratégias (ainda que não o elimine). Para diminuir os impactos da crise, o mercado sofreu um conjunto de intervenções. A FERC, que é responsável por controlar os preços no mercado atacadista, autorizou o CAISO a reduzir o teto de preços no mercado em tempo real primeiramente de US$ 750/MWh para US$ 500/MWh em julho de 2000 e posteriormente para US$ 250/MWh em agosto de 2000. Em dezembro de 2000, um esquema de preço limite “leve” (soft cap) foi instituído pelo FERC239. Os lances que superassem US$ 150/MWh teriam de ser justificados pelo custo de produção. Quando esses lances são aceitos, o mercado deixa de operar com preço único. O preço do sistema se iguala a US$ 150/MWh, e os lances que superam esse valor são pagos pelo seu valor, mas não fixam o preço de mercado. Como parte da mesma deliberação, o FERC possibilitou às IOUs a programarem diretamente sua capacidade de geração remanescente para atender seus consumidores, adquirindo no CALPX e CAISO somente a demanda líquida (excedente)240, e impôs uma penalidade de US$ 100/MWh aos agentes que negociassem mais de 5% de suas operações no mercado em tempo real. No entanto, as medidas não foram eficazes para diminuir o preço no mercado atacadista, pois este se manteve elevado na primeira metade de 2001. 239 Stoft (2000) sustentava que o soft cap não é efetivo para enfrentar o poder de mercado. Realmente, segundo Blumsetein et el. (2002) as geradoras ignoraram a existência de limite para seus lances. Joskow (2001) aponta que a disparada dos custos dos insumos fazia com que quase totalidade dos lances superasse esse limite e que as empresas utilizavam intermediadores para fugir do teto preços. Rapidamente, ficou evidente que o FERC não tinha capacidade para efetivar a medida e punir os infratores. 240 Essa medida tinha como objetivo reduzir os custos das concessionárias, reduzindo sua exposição ao CALPX. No entanto, como apontam Blumstein et al. (2002), as IOUs só eram impactadas pela energia líquida que retiravam do CALPX, pois as receitas e despesas da energia própria se igualavam. O maior impacto dessa medida se deu sobre o CALPX, pois os geradores independentes já preferiam negociar 122 No fim de abril, um novo esquema de controle de preços foi adotado pelo FERC. Os geradores ficaram obrigados a fazer lances por toda sua capacidade no mercado em tempo real. Em momentos em que as reservas operacionais fossem inferiores a 7% (i.e. quando o estágio 1 de emergência é declarado), os lances seriam limitados ao custo marginal de geração da unidade. Este limite foi estendido para todas as horas em junho. Além de controlar os preços, o agravamento da crise financeira no setor fez com o Estado passasse a intervir diretamente no mercado. No início de 2001, PG&E e SCE deixaram de pagar ao CALPX, que, por sua vez, deixou de pagar ao CAISO pelos serviços ancilares, que também ficou insolvente. O sistema estava em colapso e os geradores estavam reticentes a ofertarem energia e não serem pagos. Primeiramente, o Departamento de Energia do Governo Federal (DOE) e a Justiça Federal ordenaram que os geradores não interrompessem a produção no período de emergência, o que, segundo Joskow (2001), consistia no único motivo que mantinha as luzes acesas na Califórnia. Posteriormente, o Governo do estado passou a utilizar fundos públicos para que a crise de insolvência não paralisasse o setor. Entre janeiro e agosto de 2001, o governo, através do CDWR, gastou US$ 10 bilhões adquirindo energia com fornecedores independentes. Também foram negociados contratos de fornecimento de longo prazo de até 20 anos, que envolveram compromissos de US$ 60 bilhões. Esses contratos tiveram um importante papel para contornar a crise energético, mas atualmente representam um relevante e duradouro passivo para o Estado. Os preços da eletricidade nos contratos, estimados por Joskow (2001) em US$100/MWh, são cerca de três vezes maiores que os preços vigentes pós-crise. Desta forma, a opção do Estado foi por centralizar as decisões e eliminar os componentes de mercado que eram o objeto da reforma da Califórnia. As principais instituições que formavam o arranjo institucional ruíram. O CALPX encerrou suas atividades já no fim de janeiro de 2001 e sua falência foi decretada posteriormente. Como conseqüência o mercado em tempo real passou a concentrar a totalidade das transações spot. No entanto, seu desenho não era apropriado para tal volume de transações. Os contratos diretos da CDWR substituíram gradativamente o mercado atacadista como forma de executar transações e garantir a segurança do abastecimento. através do mercado em tempo real e, quando as concessionárias deixaram de utilizar o CALPX, a quantidade transacionada se reduziu a quase zero, o que acarretou em sérios problemas financeiros. 123 Em setembro de 2001, o programa de competição na comercialização, que era um objetivo primordial da reforma foi interrompido. Moore (2002) aponta que o estabelecimento do quadro regulamentar da Califórnia seguiu como princípio a participação dos agentes da indústria e representantes de consumidores, o que Joskow (2001) denominou de “market design by committee”. Acreditava-se que o resultado da barganha entre os agentes levaria ao resultado eficiente, o que não ocorreu por que as partes não estavam representadas de forma igual. Por outro lado, foram ignoradas características técnicas dos sistemas elétricos e as lições das experiências de reforma de outros países. O quadro regulamentar não estabeleceu claramente os papéis das instituições reguladoras. Como conseqüência, houve um conflito de responsabilidades, omissão e falta de coordenação das ações entre as esferas regulatórias. A atividade regulatória é compartilhada por uma série de órgãos, sendo os principais a CPUC, a FERC, a CEC e o Conselho Supervisor de Eletricidade (EOB), que monitora as atividades do CALPX e CAISO. O conflito entre CPUC e FERC foi particularmente importante. A regulação do mercado de varejo, responsabilidade da CPUC, seguiu direção distinta da regulação do mercado de atacado, responsabilidade da FERC. Enquanto os preços ao consumidor final permaneceram em larga medida regulados, os preços no atacado foram liberalizados. A falta de clareza nas responsabilidades fez com que os reguladores demorassem a responder a crise. Assim, as empresas encontraram liberdade para exercer poder de mercado e a situação financeira das IOUs se deteriorou progressivamente. A intervenção mais efetiva só ocorreu quando o caos já estava instalado. II.4.4. Conclusão O desenvolvimento de uma estrutura institucional inadequada decorreu, em grande parte, da perspectiva equivocada da qual partiu a reforma. Primeiramente, o excesso de capacidade na primeira metade da década de 90, período em que a reforma estava sendo formulada, acarretou em despreocupação com a evolução dos investimentos. Assim, aspectos que poderiam favorecer a efetivação de investimentos como o pagamento a capacidade e o desenvolvimento de mercados futuros e de longo prazo não foram contemplados pela reforma. Por outro lado, a CPUC considerava que 124 as concessionárias seriam as empresas que teriam possibilidade de extrair rendas de oligopólio/monopólio. Assim, foram tomadas várias medidas para diminuir o poder de mercado dessas, como o estímulo à venda de seus ativos de geração, obrigatoriedade de negociar a energia via CALPX e o congelamento das tarifas aos consumidores finais. No entanto, as produtoras independentes é que manipularam o mercado e justamente as IOUs sofreram as maiores perdas com a reforma. O ideal de representatividade também resultou em ineficiência do arranjo institucional. As responsabilidades mal definidas e a multiciplidade institucional não permitiu uma intervenção eficiente para evitar ou administrar a crise. Os reguladores demoraram a identificar e atacar os motivos da crise, principalmente a penalizar o comportamento estratégico dos geradores independentes. Mesmo quando a crise já estava instalada, os reguladores não foram capazes de enfrentá-la. Na verdade, essa só foi contornada quando as condições de oferta e demanda se reverteram. O desenho da reforma reservou um grande papel para o mercado. No entanto, a solução para lidar com os problemas transitórios, acabaram por distorcer o mercado e não permitir que os mecanismos de preço funcionassem, uma vez que o preço final da eletricidade ficou congelado. Desta forma, não se pode afirmar que a descentralização das decisões causou a crise. Recentemente, um grupo de membros da academia redigiu um manifesto contra a orientação das medidas do governo pós-crise que promoveram a volta do ambiente regulado ao setor elétrico da Califórnia. Segundo os autores, a crise não implica que a competição não tem espaço no setor elétrico (Berg et al. 2001). 125 II.5. Lições das Experiências Internacionais Esta seção procura extrair lições obtidas pela análise comparativa das experiências internacionais. Três elementos das experiências de reforma serão analisados, os condicionantes, as escolhas e os resultados alcançados. II.5.1. Condicionantes A primeira constatação a partir da comparação das experiências apresentadas é que a situação inicial dos países no momento da realização da reforma não é a mesma, o que tem profundas implicações sobre seu encaminhamento, condicionando o desenho escolhido e o desempenho do setor. As peculiaridades dos sistemas elétricos que definem a situação inicial das reformas envolvem aspectos da estrutura da indústria, da operação do sistema e das instituições envolvidas. Quanto à estrutura da indústria, as experiências se diferenciam por: • Grau de concentração da atividade de geração – como em qualquer atividade econômica, a intensidade da competição depende fortemente do número e da participação relativa de empresas atuando na atividade de geração. Assim, os potenciais ganhos da reforma são bastante influenciados pela concentração na atividade de geração. Ainda que a concentração possa ser modificada, inclusive através da atuação regulatória, uma estrutura concentrada no momento inicial causa problemas importantes. Esse foi o caso da Inglaterra e País de Gales, onde a estrutura inicial consistia praticamente em duopólio. Nos países nórdicos, a integração dos mercados nacionais através do Nordpool deu origem a uma estrutura desconcentrada. Também na Califórnia, um número significativo de empresas atuava na geração (Tabela II.15) • Sobra de infra-estrutura de transporte e geração – A escassez de capacidade de transporte e de geração, apesar de ser uma variável conjuntural, tem impactos sobre o funcionamento do mercado elétrico, criando poder de mercado mesmo quando a estrutura não é concentrada. Na atividade de geração de eletricidade, o mercado relevante241 é 241 O conceito de mercado relevante é importante nas análises de defesa da concorrência. Baseado nos custos de transporte e na existência de produtos substitutos, são definidos os limites dos mercados para determinado produto. Alguns produtos têm mercado relevante local, como o mercado de pães franceses, outros mundial, como petróleo e outras commodities. Assim, a efetividade da concorrência no mercado de 126 determinado pela configuração da rede de transmissão, já que a eletricidade gerada tem de utilizar linhas de transmissão para chegar nos mercados. O problema é que as redes de transmissão foram desenvolvidas seguindo uma lógica de minimizar os investimentos em transmissão e não de aumentar a efetividade da concorrência, o que era coerente com estrutura verticalizada da indústria no passado. Assim, o novos mercados de eletricidade herdam um “legado de investimentos afundados duradouros”242. Situações de congestão e restrições de rede fazem com que o número de geradores com acesso aos mercados seja restrito. Eventualmente, unidades de geração localizadas em áreas de gargalo têm de ser despachadas permanentemente para manter a integridade da rede. Sabendo dessa situação de “poder de mercado local”243, essas podem fixar preços elevados e ainda assim serem despachadas. Em situações de escassez de oferta de geração, as decorrências são similares. Os geradores têm mais facilidade para manipular o preço de mercado. Isso é particularmente verdade para empresas com grande portfólio de unidades de geração, que são estimuladas a tornar unidades mais baratas indisponíveis para forçar o despacho de unidades mais caras, inflando o preço. Esses problemas estiveram presentes na experiência da Califórnia. Nas outras experiências, a escassez de infra-estrutura não eram tão relevantes no momento inicial. • Barreiras estruturais à entrada – Como foi evidenciado no primeiro capítulo, a concorrência potencial é um elemento importante para restringir o comportamento das firmas estabelecidas. A experiência mostra que a redução da escala competitiva, propiciada pela difusão das turbinas alimentadas a gás natural em ciclo combinado, aumentou as pressões competitivas, ou a contestabilidade, na indústria de suprimento elétrico. No entanto, é importante que o gás natural a baixo custo esteja disponível para que essas pressões sejam efetivas. Caso essa condição não se verifique, o mercado será menos contestável. No conjunto de experiências apresentadas, não ocorreram barreiras estruturais relevantes à entrada. pães franceses depende, dentre outros fatores, do número de padarias no bairro e no mercado de petróleo do número de empresas produtoras de petróleo no mundo. 242 Joskow (2002), p. 517. 127 • Dinamismo do mercado – O longo prazo de maturação dos investimentos É característica do setor elétrico. Assim, os sinais econômicos demoram algum tempo para se traduzirem em alterações na capacidade instalada. Quando o mercado cresce rápido, haverá menos tempo para que os sinais de mercado corrijam descompassos entre oferta e demanda, o que pode acarretar em poder de mercado e aumento do risco do desabastecimento. O elevado crescimento da demanda foi um dos fatores conjunturais que causaram a crise na Califórnia. Nas demais experiências, o dinamismo do mercado é menor. Quanto aos aspectos institucionais, duas características são importantes: • Força Institucional – a legitimidade, a capacidade de fazer valer suas decisões (enforcement) e a clara definição do papel das instituições são elementos que determinam o desempenho do arranjo institucional, possibilitam que as instituições ajam eficazmente e evitando que disputas legais emperrem o funcionamento do modelo. Holburn e Spiller (2002) sustentam que a “governança regulatória” é o fator mais importante para a promoção de investimentos244. A análise dos autores sugere que “ … a chave para o sucesso das reformas é, primeiro, o estabelecimento de um ambiente regulatório crível e, somente então, ponderar sobre refinamentos da estrutura organizacional escolhida para a indústria”245. Newbery (2002) também considera que a implantação de um marco legal estável é o ponto de partida para a efetivação de reformas. A estabilidade econômica também é relevante, pois mitiga incertezas e, assim, estimula investimentos. A força institucional foi importante na experiência da Inglaterra e País de Gales para que as modificações na estrutura da indústria e nas regras de mercado fossem efetuadas. No caso da Califórnia, houve conflito entre as instituições, que não tinham seus papéis claramente definidos. Nos países nórdicos, o problema consistiu no espaço de atuação das instituições que era nacional, enquanto que o mercado compreendia o conjunto de países. 243 Joskow (2002), p. 518. “… ‘having the institutions right’ is more important than ‘having the structure right’”. Holburn e Spiller (2002), p. 465. 245 Holburn e Spiller (2002), p. 464. 244 128 • Barreiras institucionais à entrada – Mesmo com a liberalização da indústria podem restar barreiras à entrada institucionais. No setor elétrico, que constitui uma das principais fontes de poluição, as restrições ambientais são a maior fonte de barreiras institucionais pós-reforma. As restrições provocadas pelas políticas ambientais inviabilizaram a efetivação de novos investimentos no países nórdicos, implicando em escassez. Na Califórnia, ainda que em um menor grau, as restrições ambientais também constituíram um barreira à entrada. Na Inglaterra e País de Gales, não haviam barreiras institucionais relevantes. Uma característica operacional impacta o modo de coordenação, diferenciando as experiências: • Matriz de geração – A coordenação setorial é distinta conforme as tecnologias utilizadas para produzir eletricidade. Em sistemas que contam com participação dominante de geração hidrelétrica a coordenação ganha contornos especiais. Por um lado, essa possibilita a “estocagem” indireta de energia elétrica. Ao reter água nos reservatórios, energia potencial é acumulada, que pode instantaneamente ser transformada em energia cinética e, então, em energia elétrica. Esse aspecto facilita a coordenação do sistema, já que torna a manutenção do equilíbrio em tempo real menos complexa. Ao possibilitar a estocagem, o problema de segurança do abastecimento se modifica radicalmente. Em sistemas onde a capacidade hidráulica não é dominante, esse problema é estático e traduzido na margem de reserva (diferença entre capacidade instalada e demanda de pico). Em sistemas predominante hidráulicos e que dispõem de reservatórios de grande porte, a questão é dinâmica e depende da evolução da acumulação de energia nos reservatórios, que funcionam como uma poupança para o sistema. Assim, as variáveis importantes são a hidrologia e a evolução do consumo (a demanda de pico não é tão relevante). Isso também impacta a coordenação econômica. Em sistemas termelétricos, as decisões de produção se baseiam em variáveis estáticas. Por exemplo, ao decidir quanto gerar, uma central térmica não leva em consideração o preço futuro da eletricidade, pois deixar de gerar hoje não tem implicações futuras. Em sistemas hidrelétricos, as decisões são guiadas por critérios dinâmicos. 129 Se há capacidade de armazenamento nos reservatórios, gerar hoje significa deixar de gerar no futuro. Assim, as expectativas quanto ao preço futuro têm uma grande importância para definir a quantidade gerada hoje (Santana e Oliveira, 2000). Por outro lado, as decisões de produção são mais interdependentes em sistemas predominante hidráulicos. No mesmo curso d’água, centrais a montante condicionam as decisões de produção de centrais a jusante246. Se as centrais tiverem plena liberdade para decidir a quantidade gerada, podem ocorrer resultados ineficientes. Se uma central a jusante que acredita que o preço da eletricidade subirá e se encontra com o reservatório cheio, a produção da central a montante acarretará em vertimento d’água ou forçará a central a jusante produzir, mesmo que esse não seja sua vontade. Desta forma, há espaço para oportunismo e ineficiência. Na Noruega, único país analisado que conta com predominância da geração hidrelétrica, este problema foi resolvido pelo acordo de bacias. Tabela II.15 Condicionantes das experiências internacionais de reforma I & PG Concentração do mercado Elevada de geração Sobra de infra-estrutura Sim Barreiras Estruturais à Baixas entrada Dinamismo do mercado Baixo Força Institucional Elevada Estabilidade institucional Elevada e econômica Barreiras institucionais à Baixa entrada Participação hidrelétricas Insignificante Países Nórdicos Baixa Califórnia Baixa Sim Baixas Não Baixas Baixo Moderada Elevada Elevado Moderada Elevada Elevadas Elevadas Elevada (Noruega) Baixa Fonte: Elaboração Própria 246 A coordenação do aproveitamento dos recursos hídricos não se limita à geração de eletricidade, mas também aos outros usos da água, como navegação, irrigação etc. Em geral, são definidos padrões de vazões para que a geração de eletricidade não comprometa demais usos. 130 II.5.2. Escolhas As características dos sistemas influenciaram a escolha do desenho da reforma, o que Stoft (2002) denomina de “arquitetura do mercado”. As experiências dedicam espaços distintos para decisões centralizadas e para o mercado. Teoricamente, quanto maiores forem as complexidades de coordenação geradas pelas características citadas, menor seria o espaço para decisões descentralizadas. Ainda que nessas situações a concorrência possa levar a benefícios, mecanismos de coordenação centralizada devem estar presentes para evitar resultados ineficientes. O desenho de reforma inclui seis aspectos, ou “sub-mercados”247, que podem ser solucionados com maior ou menor centralização das decisões. A Tabela II.16 apresenta a solução escolhida nas experiências analisadas248, comparando os níveis de centralização adotados em cada aspecto. As classificações são comparativas, qualificando as escolhas que implicam em maior centralização ou descentralização entre as alternativas possíveis. Desta forma, não faz sentido comparar as classificações entre diferentes aspectos do desenho da reforma249. O primeiro ponto do desenho da reforma é a definição de como a energia será transacionada no atacado em tempo real, no curto prazo (dia seguinte) e no longo prazo. Em tese, as transações podem ser plenamente descentralizadas com a utilização de contratos bilaterais, parcialmente centralizadas, através de bolsa ou pool250 ou totalmente centralizada, através de hierarquia. Quanto mais próximas do momento da operação (tempo-real), as transações requerem maior grau de coordenação centralizada e, quanto mais distantes, menor. Para as transações em tempo real há duas possibilidades, o coordenador da operação pode centralizar completamente as decisões ou pode ser organizado um mercado que transacione energia em tempo real. Como o equilíbrio tem de ser alcançado instantaneamente, o mercado em tempo real também deve contar com coordenação do operador do sistema. 247 Stoft (2002) considera que existe um mercado inteiro de energia elétrica que compreende vários submercados. 248 Como o desenho da reforma da Inglaterra e o País de Gales foi completamente alterado com a implantação do NETA, a análise diferenciará os dois desenhos, Pool e NETA. 249 Por exemplo, quando as transações de curto prazo do pool da Inglaterra e País de Gales é classificado como centralizado. Isso não implica que essas sejam mais centralizadas do que as transações realizadas no mercado de tempo real da Califórnia. 250 A bolsa é mais descentralizada que o pool 131 As transações de energia em tempo real são mais centralizadas no Pool da Inglaterra e País de Gales, que é o único que não contava com mercado de energia em tempo real. No caso californiano, o mercado em tempo real foi implementado pelo CAISO contando com relativa centralização, já que, primeiramente, os lances teriam de refletir os custos, o que foi posteriormente revisto, e, em seguida, contava com um teto que limitava os preços não só nesse mercado, mas também nos mercados de prazo mais longo. Tabela II.16 Desenho de mercado em experiências internacionais Aspectos Pool (I&PG) 1. Transações de energia no atacado Tempo Real C Dia Seguinte C Longo Prazo D 2. Transações no D Varejo 3. Segurança e Estabilidade Curto Prazo C Longo Prazo C 4. Planejamento C 5. Tratamento C Congestão 6. Gestão d’água - NETA (I&PG) Países Nórdicos Califórnia D+ D+ D+ D+ D+ D D D D D D C C D C C C D D D D D C D+ - D - Nota: C + significa bastante centralizado, C centralizado, D descentralizado e D + Bastante descentralizado. Fonte: Elaboração Própria O mercado de curto prazo de eletricidade, que normalmente toma forma de mercado para o dia seguinte, é uma importante figura no novo desenho institucional. Mesmo quando a maior parte das transações não ocorre nesse mercado, esse tem um papel fundamental para prover sinais para transações de longo prazo. Uma das principais discussões referentes ao desenho da reforma é a questão de estruturar as transações no mercado do dia seguinte: em contratos bilaterais ou mercados centralizados (bolsa ou pool). Stoft (2002) aponta que mesmo contando com mais tempo para coordenação do que o mercado em tempo real, uma opção centralizada deve ser privilegiada devido às complexidades envolvidas (e.g. compromisso das unidades e as restrições de transmissão). Segundo o autor, por não contar com transparência, os mercados totalmente descentralizados (contratos bilaterais) demoram a efetivar a 132 coordenação. Em mercados centralizados, o preço é público o que facilita a coordenação das decisões, identificando o conjunto ótimo de transações mais fácil e rapidamente251. Desta forma, restariam duas opções para coordenar as transações de energia de curto prazo (dia seguinte): bolsa de energia e pool. A bolsa de energia é uma solução menos centralizada do que o pool. Essa é similar às bolsas de commodities em geral, onde o papel do operador é de organizar o mercado e prover informações para facilitar as transações. O modelo do pool é mais complexo e reserva um maior papel para o operador. São utilizados programas computacionais para definir o equilíbrio, à semelhança do que ocorria em pools de energia antes da reforma. Além do preço do sistema, o modelo do pool remunera os geradores, através do uplift, com pagamentos compensatórios (side payments)252 que se aplicam às parcelas não convexas dos custos de geração (custo de partida e custo sem carga)253. Assim, no modelo pool, geradores em uma mesma localidade podem receber preços diferentes no mesmo período de tempo, enquanto que na bolsa todos recebem o mesmo preço. Os defensores do modelo do pool, como Hogan, sustentam que a centralização é necessária para resolver os problemas de coordenação de sistemas elétricos, principalmente a questão do comprometimento das unidades (unit commitment)254, e contribuir para confiabilidade do abastecimento. Segundo Stoft (2002), o preço de equilíbrio na bolsa de energia, assim como de contratos bilaterais, se aproxima mais de preços competitivos. Os preços devem cumprir três objetivos: (1) atender a demanda ao menor custo de oferta, (2) induzir consumo eficiente e (3) induzir investimento eficiente em capacidade de geração. O preço do pool atende perfeitamente ao primeiro objetivo, mas, por reduzir as rendas intramarginais, tende a não atender os demais. Assim, o preço do pool foca a eficiência de curto prazo, 251 Stoft (2002) p. 205. Estes pagamentos são efetuados, quando o preço de equilíbrio não compensa que a planta opere devido aos custos de partida e sem carga. 253 A não convexidade dos custos de geração é um dos problemas cruciais na coordenação de sistemas elétricos. Isto ocorre quando o custo de produzir duas unidades é menor que o dobro do custo de produzir uma unidade. Ou, de forma geral, se C (q1 ) + C (q2 ) < C q1 + q2 (Stoft, 2002). O custo de partida é o custo 252 2 2 incorrido para iniciar a operação e o custo sem carga é o custo de manter a central operando sem colocar energia na rede. No modelo de bolsa, as parcelas não convexas devem ser remuneradas pelo preço do sistema – i.e. o gerador deve considerar esses custos ao executar o lance – enquanto no pool, há remuneração específica e esses custos não devem compor o preço do sistema. 254 Como a partida das plantas é cara, uma vez dada a partida a planta está comprometida. O problema de comprometimento de unidade corresponde a escolha ótima do período que cada gerador deve estar comprometido ou descomprometido. Esse problema é bastante complexo devido não convexidade dos 133 mas falha ao dar sinais de longo prazo. O autor também defende que a solução do problema de compromisso das unidades não precisa envolver tanta complexidade. Pois, mesmo sem recorrer a pesados modelos computacionais, os geradores são capazes de definir quando devem estar comprometidos255 e as falhas podem ser resolvidas pelas reservas operacionais. O Pool da Inglaterra e País de Gales (I&PG) é o desenho que propicia maior centralização das transações de curto prazo (day-ahead). Esse opera segundo o modelo pool, o que implica em um maior papel do operador na coordenação das operações. Há um componente adicional de coordenação centralizada devido ao fato do modelo não considerar lances de demanda (apenas de alguns grandes consumidores), ou seja, a demanda não era ativa na determinação de preços. Os demais mercados para o dia seguinte operam como bolsas de energia, que confiam parte relevante da coordenação à interação dos lances dos geradores. Evidenciando a radical mudança promovida na I&PG, o NETA representa a solução mais descentralizada. O princípio do NETA é que a forma de transacionar a energia no curto e longo prazo deve ser fruto da preferência das empresas que transacionam. Vários mercados do tipo bolsa poderiam ser desenvolvidos para negociar energia no curto prazo256. Nas transações de longo prazo, o espaço para a coordenação centralizada é menor. Algumas abordagem optam por criar mercados centralizados, como mercados futuros, para conferir maior transparência a formação de preços, diminuir custos de transação e aumentar liquidez. Os mercados futuros são muito comuns para orientar as transações de longo prazo de diversas commodities. Neste caso, a centralização não seria substituta do mercado descentralizado, mas complementar, pois facilitaria a negociação por contratos bilaterais. Outra possibilidade de ocorrer centralização no mercado de longo prazo é a intervenção do Estado concedendo subsídios para setores industriais ou certas classes de geradores. Devido aos vesting contracts, havia certa centralização na I&PG no período no Pool, já que os preços e quantidades não eram resultado da livre negociação entre as partes nesses contratos. A participação custos de geração e restrições de transmissão e sua solução envolve matemática avançada e pesados modelos computacionais. (Stoft, 2002, pp. 454-5). 255 Geradores que operam na base sabem que devem estar prontos para gerar à qualquer momento e geradores do pico identificam os momentos que a demanda está aquecida, quando vale a pena dar a partida em suas máquinas. 256 Na verdade, como a liquidez é um elemento determinante da qualidade do mercado do tipo bolsa e a liquidez depende do volume negociado, mercados do tipo bolsa que negociam maior volume vão ser preferidos, o que faz que tais operam em semelhança a um monopólio natural. 134 compulsória no Pool fazia com que os contratos de longo prazo fossem financeiros e não físicos, o que não diminuiu a relevância das transações de longo prazo nesses países. Na experiência nórdicos, a energia pode ser negociada no longo prazo através de contratos bilaterais e mercados futuros. A existência de mercados futuros fornecia importantes benefícios para a execução das transações. O modelo da Califórnia dava muita importância ao mercado para o dia seguinte e poucas transações podiam ser efetuadas no longo prazo. As transações no varejo são tratadas diferentemente nas reformas. Há uma grande discordância entre os benefícios de liberalizar o segmento de varejo, i.e. a comercialização de energia, possibilitando que os consumidores finais possam escolher seu fornecedor de eletricidade. A comercialização representa parcela pequena dos custos de produção de eletricidade. Joskow (2000) estima que os custos de comercialização correspondem de 3,3% a 4,7% das receitas totais da venda de eletricidade257. Assim, enquanto a competição no atacado pode resultar em forte redução nos custos totais de eletricidade, o impacto da competição no varejo não seria tão representativo. Além disso, a liberalização implica em custos iniciais correspondentes à modernização de medidores e sistemas de comunicação258. Stoft (2002) analisa os argumentos para liberalizar o mercado de varejo e conclui que os benefícios são limitados para justificar um experimento tão amplo. Littlechild (2000a) defende a liberalização do varejo, apontando para seus efeitos indiretos sobre o mercado de atacado, gerando incentivos mais poderosos para a aquisição de eletricidade. Green (2002) sustenta que a liberalização do varejo dificulta a contratação de energia no longo prazo. Caso fornecedores de eletricidade adquiram energia através de contratos de longo prazo e a evolução dos custos tornem essa energia não competitiva, esses perderão mercado. Os contratos de longo prazo são importantes para estimular investimentos em geração, retirando riscos do gerador de eletricidade259. No entanto, esse argumento pode ser utilizado para defender a liberalização. O repasse dos riscos aos consumidores finais, que ocorre com mercados cativos, pode ser indutivo à ineficiência. A liberalização do varejo diminui os requisitos de regulação e aloca os riscos à quem esteja disposto a trocá-lo por remuneração. Caso os consumidores finais 257 Joskow (2000) pg 29. Uma opção para evitar esses custos consiste na adoção de perfis de carga. 259 Os contratos de longo prazo foram determinantes para criar condições favoráveis a investimentos na experiência da Inglaterra e País de Gales, enquanto o varejo não era totalmente liberalizado. 258 135 tiverem expectativa que a trajetória futura é de elevação de custos de eletricidade, esses tendem a aceitar contratos de longo prazo de seu fornecedor que, por sua vez, negociariam contratos de longo prazo com geradores. Mas isso não ocorrerá se a expectativa dos consumidores finais for de reduções de custos. Dessa forma, a liberalização implica em sinais mais completos e maiores oportunidades de escolha ao consumidor final, implicando em maior eficiência. A liberalização do varejo também diminui o espaço para geradores e comercializadores de eletricidade agirem de maneira oportunista para inflar o preço de eletricidade, às expensas dos consumidores finais260. As experiências de reforma normalmente optam pela liberalização gradual do mercado de varejo, iniciando por grandes consumidores. Na I&PG e nos países nórdicos, mercado de varejo foi liberalizado gradualmente. Inicialmente, somente os consumidores de grande porte podiam escolher seus fornecedores e progressivamente essa possibilidade foi estendida para a totalidade dos consumidores. Na Califórnia, a legislação previa a liberalização, mas as regras de transição inviabilizaram que consumidores viessem a mudar de fornecedor. O terceiro ponto do desenho é o tratamento da segurança do abastecimento e estabilidade do sistema. No curto prazo, essa questão é definida pela forma que os serviços ancilares são fornecidos. O fornecimento de serviços ancilares pode ser mais centralizado, com o operador realizando contratos fora do mercado com geradores específicos, ou menos centralizado com a formação de mercados. Como a garantia de abastecimento e a estabilidade do sistema são bens públicos, sujeitos a problemas de free-rider, a formação da demanda não pode ocorrer via mercado. Assim, os mercados devem ser coordenados pelo operador do sistema, que define a demanda por serviços ancilares. A experiência da Califórnia é a única a introduzir alguma descentralização no tratamento dos serviços ancilares, já que operavam mercados de reservas para contribuir para a estabilidade e segurança do abastecimento no curto prazo. Nas demais experiências, o operador do sistema gerencia a provisão desses serviços. 260 Em mercado cativo, o custo que a empresa de distribuição incorre para adquirir eletricidade é repassado ao consumidor. A distribuidora pode fazer acordos com geradores que lesem o consumidor, manipulando o preço da energia nos contratos orientados ao mercado cativo. De Oliveira e Losekann (2000) tratam do efeito do monopólio da comercialização de energia no caso brasileiro. 136 No longo prazo, a segurança do abastecimento é determinada pela forma de estimular de investimentos. Essa é uma questão crítica nas experiências de reforma, pois a inadequação entre as evoluções da capacidade instalada e do consumo foi motivo de problemas em várias experiências261. Nesse aspecto, a solução totalmente descentralizada consiste em deixar que os preços da energia sejam os únicos sinais para a efetivação de investimentos262. Como foi destacado no primeiro capítulo, essa alternativa parte, implicitamente, da premissa que não é necessário que a margem de segurança alcance um valor pré-estabelecido. Bekman (2003) sustenta que esse tratamento tradicional não é aplicável ao setor elétrico, pois a taxa de utilização da capacidade de produção é baixa para que os ativos sejam remunerados como as commodities. Para justificar investimentos em centrais de pico, que detêm fator de capacidade bastante baixo, essas teriam de ser remuneradas não apenas pelo volume gerado, mas também pela capacidade263. Essa solução pode ser obtida pela adoção do encargo de capacidade para induzir investimentos. Nesse esquema, o operador do sistema define o valor de perda de carga e sua probabilidade de forma centralizada e os geradores são remunerados pela energia gerada e pela capacidade disponibilizada. O Pool era o único desenho a contar com estímulo auxiliar para promover investimentos, além das flutuações de preço264. No entanto, o encargo de capacidade, tal como estruturado no Pool dava espaço a comportamento estratégico e foi eliminado com a implantação do NETA. Uma particularidade da Califórnia era que além de não haver mecanismo para incentivar a 261 Brasil, Califórnia, Argentina, Chile, Itália, Países Nórdicos, Japão e Nova Zelândia sofreram problemas derivados da escassez de investimentos. 262 A livre flutuação dos preços remunera custos variáveis e fixos. Nos momentos de escassez, o preço aumenta e, mesmo que seja igual ao custo marginal do sistema, remunera os custos fixos através de rendas intramarginais. 263 O autor utiliza a curva de carga da Nova Inglaterra para ilustrar seu argumento. Para que o abastecimento de eletricidade seja confiável é necessário que a capacidade instalada totalize 29 GW. Esta capacidade é dividida em duas porções. A primeira corresponde aos primeiros 15 GW da base da figura 4. Essa parcela exibem características usuais de commodity, tendo fator de capacidade de 92,5%. Para essa parcela valeria o argumento desenvolvido acima. A segunda parcela, os 14 GW do topo da figura 4 que representa 48% da capacidade total, não possui características de commodity. O fator de capacidade é de apenas 7,5% e para remunerar o custos fixos dessas centrais seria necessário que o preço da energia. Segundo o autor, as 500 horas do topo (pico) têm requerimento de receita maior que US$ 400/MWh acima do custo de combustível para recuperar o custo de capital. Isso justifica a criação de remuneração específica para a capacidade. 264 Em função de problemas experimentados recentemente, os países nórdicos passaram a adotar contratos que remuneram capacidade em reserva no longo prazo, o que pode ser considerado um incentivo ao investimento. 137 efetivação de investimentos, o preço de energia era limitado por um teto, o que dificultava a remuneração dos custos fixos. Uma possibilidade mais centralizada é a adoção de requerimentos de capacidade. Nesse esquema, o operador determina qual é a margem ótima de segurança e exige que as empresas que atendem os consumidores finais (load-serving entities) detenham contratos ou geração própria que envolvam capacidade instalada suficiente para atender essa margem em relação a sua demanda de pico. Pode ser criado um mercado centralizado de capacidade para atender a essa exigência. Este mecanismo é adotado no PJM (mercado que integra 5 estados do Centro-Leste265 e o Distrito de Columbia) e faz parte do desenho padrão recomendado pelo FERC para as reformas nos Estados Unidos. O planejamento constitui outro elemento do desenho institucional. O planejamento da expansão é bastante centralizado quando é do tipo determinativo, no qual uma instituição (e.g. operador do sistema ou ministério) define os projetos que serão executados e seus empreendedores. O planejamento indicativo é menos centralizado. O planejador divulga a previsão de crescimento de mercado e a necessidade de expansão da oferta, indicando uma lista de projetos, que pode ser seguida ou não. A opção descentralizada se caracteriza quando o planejamento ocorre no âmbito das empresas, não sendo objeto de centralização. Na I&PG e na Califórnia, o planejamento era indicativo, realizado, respectivamente, pela NGC, através do “SYS Seven Years Statment”, e pelo CEC. Nos países nórdicos, o planejamento era descentralizado. Mas, recentemente, o Nordel, instituição composta pelos operadores do sistema dos países que compõem o bloco, realizou o primeiro planejamento conjunto. A arquitetura de mercado também inclui o tratamento conferido à congestão de linhas de transmissão. A justificativa para a adoção de preços locacionais é o surgimento de sinal de preços quando a capacidade de transmissão é um recurso escasso (congestão). Esses gerariam sinais econômicos para orientar as decisões de alocação de centrais e cargas em diferentes pontos da rede. O preço de congestão corresponde ao diferencial de preços entre localidades. Uma opção é a adoção de preços nodais, onde o operador do sistema calcula preços que refletem as restrições em cada nó do sistema. Uma alternativa mais descentralizada é a alocação de direitos de transmissão, que se 265 Incluindo Pensilvânia, New Jersey e Maryland, que originaram o nome. 138 negociados competitivamente gerariam sinais ótimos de preço266. Essa alternativa foi adotada pelo PJM em 1998 e também constitui recomendação do FERC. Como é complexo definir preços locacionais para cada nó, a utilização de zonas é uma forma de simplificar o problema, adotada em diversas experiências. É o que ocorre nos países nórdicos267 e na Califórnia. Nos primeiros, os encargos de congestão são apropriados pelos operadores e, na Califórnia, os direitos de transmissão eram negociáveis. O último ponto do desenho institucional é a gestão do parque hidrelétrico. Como apresentado, em sistemas predominantes hidráulicos há grande interdependência das decisões. Uma opção é a centralização da gestão do parque hidrelétrico, que operaria como se todas centrais pertencessem a uma única empresa. Mas nos Países Nórdicos, que consistem na única experiência internacional analisada que conta com participação relevante da geração hidrelétrica, a solução adotada foi distinta. A Noruega, país onde estão concentradas as centrais hidrelétricas, conta com um acordo de bacias que diminui a possibilidade de conflitos e permite a descentralização da gestão dessas centrais. II.5.3. Resultados O desempenho das reformas foi avaliado sobre três aspectos: eficiência alocativa, investimentos e arranjos institucionais. A experiência da Califórnia foi a que apresentou o pior desempenho em todos os aspectos. A experiência dos países nórdicos obteve bastante sucesso em termos alocativos, mas a escassez de investimentos acarretou em problemas recentemente. A convivência de mercados centralizados e descentralizados para transacionar eletricidade no curto e longo prazo foi positiva para limitar os custos de transação. Os problemas dos arranjos institucionais derivam da inexistência de instituições que atuassem no conjunto dos países e propiciassem a coordenação coletiva dos países que formam o bloco. Na I&PG, a eficiência alocativa não foi alcançada no período inicial, o que motivou a implantação da NETA. A trajetória de preços passou a ser cadente, se aproximando do custo marginal, em função das modificações das regras e da estrutura de mercado. No NETA, os arranjos institucionais dão liberdade para os agentes adequarem as formas de transacionar eletricidade às suas necessidades, o que mitigou o 266 Joskow e Tirole (2000) demonstram que os direitos de transmissão podem intensificar o problema de poder de mercado, causando ineficiência produtiva e perda de bem-estar. 267 Somente a Noruega conta com um esquema que é similar ao preço nodal. 139 custo de transação. A variável chave para ratificar o bom desempenho do NETA é a adequação dos investimentos, que ainda não pode ser avaliada. Tabela II.17 Desempenho das experiências internacionais de reforma Aspectos Eficiência Alocativa Adequação dos Investimentos Arranjos Institucionais Pool Neta Ineficiente Adequado Eficiente ? Problemas relevantes Adequados Países Nórdicos Eficiente Inadequado Problemas limitados Califórnia Muito Ineficiente Inadequado Muitos problemas Fonte: Elaboração Própria Ainda que as experiências tenham características do sistema, desenhos e desempenho distintos, todas promoveram significativas mudanças em relação à situação anterior. O espaço para concorrência é bastante superior ao existente antes das reformas mesmo nas experiências que promoveram menor descentralização. Uma questão bastante debatida na literatura é a intensidade adequada da descentralização268 das decisões. O caso da Califórnia é apontado pelos defensores da maior centralização como uma evidência da inadequação de descentralizar as decisões em excesso. No entanto, níveis similares de descentralização foram promovidos nos países nórdicos e no NETA, que não tiveram o mesmo desempenho. Na verdade, a descentralização não foi o problema determinante da crise da Califórnia. As medidas de transição e a deficiência do arranjo institucional foram mais importantes. Outra questão central é a evolução dos investimentos. Esse problema se repetiu na Califórnia e nos países nórdicos. Esses países não contavam com remuneração específica da capacidade, sendo os investimentos remunerados apenas pelos preços da energia. Na I&PG, onde os investimentos foram elevados, existia encargo de capacidade. Essa evidência apontaria que o desenvolvimento de política que promova segurança do abastecimento é fundamental para o êxito das experiências. No entanto, a forma de remuneração da capacidade não foi o único determinante da evolução dos investimentos, uma vez que as barreiras institucionais à entrada foram excessivas. As restrições ambientais inviabilizaram investimentos, principalmente nos países nórdicos. 268 Hogan é o principal defensor da maior centralização, enquanto que Stoft, entre outros, defende maior descentralização. 140 As lições das experiências internacionais de reforma mostram que a descentralização e a competição trazem benefícios quando as circunstâncias são adequadas. As características iniciais têm profundas implicações sobre a evolução da reforma e são os principais determinantes dos problemas observados. Desta forma, é muito importante que as autoridades procurem adequar as características, pelos menos àquelas a seu alcance (características institucionais), ao objetivo da reforma. 141 CAPITULO III - REFORMA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO III.1. Antecedentes O desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil seguiu, em linhas gerais, o padrão internacional. O surgimento da indústria brasileira de eletricidade ocorreu no final do século XIX269. Foi através de empresas multinacionais que a indústria se expandiu nesse período inicial. Dois grupos do Canadá e dos Estados Unidos, Light e Amforp, atendiam aos principais centros urbanos brasileiros, combinando os serviços de transporte por bondes e fornecimento de eletricidade. Na virada do século XX, canadense-americana Light centrou suas operações nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro270. A americana AMFORP (American Foreign Power Company) iniciou suas operações no país em 1924 com a compra de pequenas concessionárias no interior e, posteriormente, passou a atender as capitais não supridas pela Light. As atividades da indústria de fornecimento de eletricidade eram objeto de limitada intervenção estatal e a regulamentação setorial era baseada nos contratos de prestação de serviços. O Código de Águas, implementado em 1934, e a Constituição de 1937 modificaram a atuação do Estado no setor. O Código centralizou o poder de concessão e a capacidade de legislar no governo Federal. A cláusula ouro dos contratos de concessão, que indexava as tarifas das empresas de eletricidade à cotação do ouro, foi extinta e o regime tarifário a custos de serviço, com remuneração dos ativos baseada em seus custos históricos foi instituído. As empresas estrangeiras foram proibidas de participar de licitações para aproveitamento de recursos hídricos. Em face a esse novo contexto, as empresas congelaram investimentos e o ritmo de crescimento da capacidade instalada de geração se reduziu drasticamente (Tabela III.1). Como o crescimento do consumo de eletricidade nos centros urbanos era bastante 269 A inauguração da iluminação interna da estação central da ferrovia D. Pedro II (atual Central do Brasil), em 1879, é o marco inicial da utilização de eletricidade no Brasil. 270 O início de sua operação no Brasil ocorreu em 1900, através da São Paulo Tramway, Light and Power Company. Depois, em 1904, criou a Rio de Janeiro Tramway Light and Power. 142 elevado271, houve desequilíbrio entre oferta e demanda. Blecautes e quedas de tensão se tornaram freqüentes, novas ligações não eram efetuados e racionamentos de eletricidade foram implementados. Progressivamente, formou-se um consenso de que a indústria de eletricidade consistia um gargalo ao desenvolvimento do país272. Tabela III.1 Crescimento da capacidade instalada de geração Taxa anual (1883-1945) Períodos % a.a. 1883-1900 35,7 1900-10 30,7 1910-20 8,8 1920-30 7,8 1930-40 4,8 1940-45 1,5 Fonte: Gomes et al. (2002). P. 326 tabela 1. Para contornar essa situação, o Estado passou a intervir diretamente no setor para complementar a atuação privada e as primeiras concessionárias estatais foram criadas, na metade do século XX 273 . No segundo governo de Getúlio Vargas, foi instituído Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), cujos recursos formavam o Fundo Federal de Eletrificação (FFE)274. Essa estrutura de financiamento (funding) foi fundamental para efetivação dos objetivos para o setor elétrico presentes no Plano de Metas, desenvolvido no Governo de Juscelino Kubitshek na segunda metade da década de 50. Durante o Plano de Metas275, a indústria brasileira de eletricidade276 se desenvolveu fortemente com liderança do Estado. A área de energia elétrica representava um quarto do investimento planejado total e a meta era elevar a capacidade instalada de 3,2 GW em 1955 para 5,6 GW em 1961, que foi atendida em 84%277. 271 Nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a média do crescimento anual da demanda foi próxima a 9% no período 1930-45. 272 A missão Cooke (1942-43), formada por um grupo de técnicos brasileiros e americanos, concluiu que a energia elétrica consistia em um dos principais gargalos que restringiam o desenvolvimento industrial do Brasil (Gomes et al. 2002) O prognóstico era de que, por volta de 1959-60, o país enfrentaria uma grave crise de abastecimento de energia elétrica (Melo et al., 1994) 273 No âmbito Federal, foi criada a CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) em 1948 para gerar eletricidade em região não contemplada pela iniciativa privada. No nível estadual, a CEEE (Comissão de Energia Elétrica do Estado) foi criada no Rio Grande do Sul em 1943 e a Cemig (Centrais Elétrica de Minas Gerais S.A.) em Minas Gerais em 1952 274 Getúlio Vargas encaminhou ao congresso um projetos de lei para equacionar o problema de oferta de eletricidade, que também incluía o Plano Nacional de Eletrificação - que previa o crescimento da capacidade instalada de 160% am dez anos (1955-1965), a uniformização da corrente elétrica e a interconexão dos sistemas regionais - e a criação da Eletrobrás. Esses pontos, no entanto, não foram aprovados 275 Segundo Lessa (1982), O Plano de Metas “constitui provavelmente a mais ampla ação orientada pelo Estado, na América Latina, com vistas à implantação de uma estrutura industrial integrada”. 276 Anteriormente, o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), de 1947, já priorizara investimentos estatais no setor elétrico. Sua meta era aumentar a capacidade de geração de 1,5 GW para 2,8 GW, mas não foi plenamente cumprida. 277 Gomes et al. (2002). 143 A estrutura institucional que passaria a reger o setor também foi definida neste momento com o Estado centralizando as decisões. O Ministério de Minas e Energia foi criado em 1960, recebendo funções que eram desempenhadas pelo Ministério da Agricultura. A Eletrobrás, a empresa holding do setor elétrico, foi formada em 1961. Então, a atuação estatal como empreendedor deixava de ser apenas complementar à privada. Em meados da década de 60, o Estado já detinha a maior parte do parque instalado nacional. Em 1964, a Amforp foi adquirida pela Eletrobrás278. A Light só viria a ser transferida para a administração pública em 1979, quando restou à iniciativa privada uma participação marginal no setor. Até a década de 1970, o setor elétrico brasileiro experimentou um longo período de êxitos que permitiu ampliar continuamente o parque de geração (Tabela III.2), provendo acesso de parcela crescente da população brasileira aos serviços elétricos, com melhoria continuada da qualidade dos serviços e decréscimo das tarifas reais. Repetindo outras experiências, a combinação de regime monopólico, propriedade estatal e remuneração a custos de serviços foi crucial para a exploração das economias de escala. Também contribuiu para o desenvolvimento do setor elétrico a disponibilidade de aproveitamentos hidrelétricos próximos aos centros consumidores. Tabela III.2 Crescimento da capacidade instalada de geração Taxa anual (1945-1980) Períodos %a.a. 1945-50 1950-55 1955-60 1960-65 1965-70 1970-75 1975-80 7,0% 10,8% 8,8% 9,1% 8,7% 11,7% 10,2% Fonte: Gomes et al. (2002) A expansão do setor foi ajudada pelas condições financeiras favoráveis. A captação externa era facilitada pela elevada liquidez no mercado financeiro internacional e pelo apoio dos organismos multilaterais de crédito, notadamente do Banco Mundial. A situação financeira das empresas estatais era equilibrada, já que as tarifas eram realistas com os custos setoriais. Desde 1971, as empresas contavam com 278 Posteriormente, as empresas que formavam o grupo Amforp foram repassadas para os governos dos Estados, formando as várias das concessionárias de distribuição estaduais. A transferência destes ativos atendia ao objetivo de limitar as atividades das controladas da Eletrobrás à geração e transmissão e das empresas estaduais à distribuição. 144 remuneração garantida de 10 a 12% do capital investido279, que permitia que essas financiassem parte relevante de seus investimentos através de capital próprio280. O setor elétrico brasileiro apresentava perfil institucional variado (Tabela III.3). O Estado centralizava as decisões. O Ministério de Minas e Energia era responsável pelo estabelecimento da política setorial. O DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) era o órgão regulador. Como o Estado atuava diretamente no setor, essas instituições tinham importância limitada. A União e os estados eram proprietários das empresas mais importantes, a primeira concentrado nas atividades de geração e transmissão e os segundos na de distribuição. A Eletrobrás é a empresa holding do setor. Essa constituía o principal instrumento de intervenção do Estado no setor. Antes do processo de privatização, a empresa controlava as quatro empresas de geração e transmissão (Furnas, Eletrosul, Eletronorte e CHESF) e duas empresas de distribuição (Escelsa e Light). A Eletrobrás também controlava a Nuclen, empresa responsável pela geração de eletricidade a partir de energia nuclear, a parte nacional da hidrelétrica de Itaipu e o Cepel, órgão de pesquisa do setor elétrico. Além da função de holding, a Eletrobrás era responsável pela coordenação da operação e da expansão do sistema, através dos órgãos colegiados GCOI (Grupo Coordenador de Operação interligada) e GCPS (Grupo Coordenado de Planejamento Setorial dos Sistemas Elétricos). A Eletrobrás também era o órgão de financiamento setorial, centralizando os recursos destinados ao setor (FFE, empréstimos compulsórios281 e a Reserva Global de Reversão- RGR282). 279 O esquema de remuneração garantida, instituído pela lei n. 5.655, criava disparidades tarifárias entre os mercados mais maduros e aqueles em desenvolvimento. Nas áreas com maior densidade populacional, os investimentos eram diluídos em maior volume demandado (economia de densidade), possibilitando tarifas menores. Em mercados incipientes, o custo fixo era diluído em uma base menor de consumidores e as tarifas tinham que ser maiores para propiciar o mesmo retorno do capital investido. Em 1974, o governo adotou uma política de subsídios cruzados para eqüalizar as tarifas no território nacional. As empresas que obtinham remuneração maior que a permitida transferiam recursos às empresas deficitárias, através da Reserva Global de Garantia (RGG). A remuneração insuficiente ou em excesso era registrada na Conta de Resultados a Compensar (CRC). Até 1977, esta política funcionou propiciando a todas concessionárias a remuneração legal sem necessidade de aportes do governo (Gomes et al., 2002). 280 Segundo Lago (1992), o índice de autofinanciamento do conjunto das empresas estatais era elevado mesmo quando comparado ao de empresas privadas. 281 O empréstimo compulsório foi instituído em 1962, como um adicional cobrado nas contas dos consumidores finais de eletricidade. Como contrapartida, o consumidor recebia obrigações da Eletrobrás que tinham retorno de 12% a.a. e eram resgatáveis em 10 anos. 282 A RGR surgiu com a finalidade de gerar recursos para o poder concedente indenizar às concessionárias por bens e instalações não amortizados no momento da reversão da concessão. A 145 A distribuição de eletricidade era prestada por 29 concessionárias estaduais283. Grande parte das concessionárias de distribuição também possuíam ativos de geração e transmissão284. Ainda participavam do sistema pequenas empresas municipais e privadas, que geravam e distribuíam eletricidade em municípios do interior do país. Apesar destas representarem um grande número de empresas, sua participação no mercado brasileiro era ínfima. Tabela III.3 Perfil institucional do setor elétrico brasileiro pré-reforma Função Política Setorial Órgão Regulador Holding Geração – Binacional Geração / Transmissão – Federais Distribuição – Federais Geração – Estadual Geração / Transmissão / Distribuição Estaduais Distribuição – Estaduais Distribuição – Municipais Geração / Distribuição – Privadas Órgão / Empresa Ministério de Minas e Energia DNAEE Eletrobrás Itaipu Eletrosul Furnas CHESF Eletronorte (a) Escelsa Light CESP(b) CEMIG COPEL CEEE CELG 24 empresas 4 empresas 20 empresas Obs: (a) A Eletronorte também atua como distribuidora para consumidores eletrointesivos e atende também a sistemas isolados. (b) A CESP considerada como uma geradora, mas como distribuidora atende a grandes consumidores, que compõem o nono maior mercado do país . Fonte: De Oliveira et al. (1999). A fase de êxitos da indústria de fornecimento de eletricidade brasileira se esgotou no final dos anos 70. O primeiro choque do petróleo deteriorou as contas externas brasileiras, já que o petróleo era o principal item da pauta de importações do País. Para não comprometer o processo de industrialização, o governo optou por continuar com a estratégia de “crescimento com endividamento”285, que intensificaria a Eletrobrás passou a administrar esse fundo em 1971, que foi empregado para empréstimos aos concessionários para a expansão do setor. 283 Alguns estados detinham mais de uma empresa de distribuição, como São Paulo. 284 Se destacam como geradoras, a CEMIG (MG) e a COPEL (PR). 285 Castro e Souza (1985). Essa estratégia era consubstanciada no II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), de 1974. 146 participação do Estado na economia através de endividamento externo que compensaria o déficit na balança comercial. As empresas do setor elétrico tinham papel crucial nessa estratégia, pois captavam dinheiro no exterior286 para financiar os grandes projetos de geração287, como Itaipu e Tucuruí. A crise da dívida de 82 penalizou severamente esta estratégia, já que a liquidez do mercado financeiro internacional se reverteu e a taxa de juros dos empréstimos disparou288. Por outro lado, a possibilidade de autofinanciamento já havia sido minada. As tarifas passaram a ser definidas289 com objetivo de estabilizar preços e desenvolver política industrial290 e a remuneração garantida das concessionárias ficou comprometida. Progressivamente, a situação econômica-financeira setorial se desequilibrou291 e a inadimplência, inclusive na CRC292, se generalizou. Como as empresas não tinham recursos, o nível de investimento diminuiu drasticamente a partir da segunda metade dos anos 80 (Figura III.1) e várias obras foram paralisadas, acarretando em elevados custos financeiros. 286 A liquidez no mercado financeiro internacional era elevada em função dos depósitos dos chamados “petrodólares”. Ou seja, a renda diferencial auferida pelos produtores de petróleo foi depositada nos bancos internacionais. Esse excesso de liquidez tornava o crédito abundante e barato para os países em desenvolvimento como o Brasil. Muitas vezes a taxa de juros reais dos empréstimos era negativa. 287 Um dos pontos centrais do II PND era estimular as indústrias eletro-intensivas. Para tanto, previa-se o aumento de 60% na capacidade de geração hidrelétrica. 288 Muitos empréstimos captados por empresas brasileiras eram remunerados por taxas de juros flutuantes. 289 Em 1979, foi estabelecido que as tarifas de eletricidade deveriam ser aprovadas pela Secretaria de Planejamento (decreto 83.940) 290 Foram instituídos subsídios às indústrias eletro-intensivas. 291 Outros fatores contribuíram para este quadro: a extinção IUEE pela Constituição de 1988 e a elevação da alíquota de Imposto de Renda das empresas de energia elétrica de 6% para 40%. 292 Em 1987, os débitos da Conta de Resultado a Compensar somavam US$ 7 bilhões (Gomes et al., 2002). 147 Figura III.1 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro 1970 – 1992 (R$ milhões de 1999 deflacionados pelo IGP-DI) 25.000 20.000 Inst. Gerais 15.000 Distribuição Transmissão 10.000 Geração 5.000 90 88 92 19 19 19 86 19 82 84 19 19 80 19 78 76 19 19 74 19 72 19 19 70 0 Fonte: Eletrobras O Revise (Revisão Institucional do Setor de Energia Elétrica) foi a primeira iniciativa para definir novos rumos para o setor elétrico brasileiro. Esse constituiu em um estudo da situação e das perspectivas setoriais realizado em conjunto pelas empresas do setor durante os anos 1988 e 1989. De Oliveira (1998) aponta que ainda que houvesse um consenso quanto às razões da crise - defasagem tarifária e ausência de incentivos à eficiência - os conflitos setoriais não permitiram que uma solução de consenso fosse delineada293. Tampouco fazia parte do debate mudanças na estrutura da indústria, que introduzissem concorrência, em linha com as experiências internacionais de reforma. III.2. Reforma294 A reforma do setor elétrico brasileiro é parte integrante do conjunto de medidas políticas pró-mercado implementadas no início da década de 90 (Araújo, 2001). Essa ocorreu de forma dispersa. Seu início ocorreu na primeira metade da década de 90 e as principais instituições foram criadas na segunda metade da década. No entanto, vários elementos permaneceram indefinidos até a ocorrência da crise, que promoveu sua 293 Foi particularmente significante o conflito entre Eletrobrás e concessionárias estaduais (Dias Leite, 1997). 294 Esse item aborda as regras vigentes antes do racionamento, que é tratado no item III.3.1 148 revisão. Ou seja, a reforma brasileira foi interrompida antes mesmo de que suas diretrizes fossem plenamente implementadas. As primeiras medidas atacaram as barreiras jurídicas à implantação de um regime de mercado no setor elétrico. Na Constituição de 1988, houve a partida ao possibilitar que a União delegasse a terceiros a prestação de serviços de energia elétrica a atores privados, através de concessões, permissões e autorizações295. A Constituição também eliminou o imposto único de energia elétrica e as restrições ao capital estrangeiro, inclusive para exploração de recursos hídricos. Em 1993, a lei 8.631 extinguiu a equalização tarifária. As tarifas passaram a ser estabelecidas entre concessionário e Poder Concedente, devendo cobrir os custos específicos de cada concessionária. A lei também promoveu um acerto de contas entre empresas e governo, zerando a Conta de Resultado a Compensar, o que custou cerca de US$ 30 bilhões ao Tesouro Nacional. Em 1995, a Lei das Concessões (lei no 8.987) possibilitou a entrada de capital privado no setor e implantou a sistemática de licitações competitivas para concessões296. No mesmo ano, a Lei de Conversão das Concessões Elétricas (9.074) criou as figuras do consumidor livre e do produtor independente de energia, indispensáveis para a instalação de um ambiente competitivo e instituiu o livre acesso as redes de transporte. Esse conjunto de leis permitiu iniciar o processo de privatização do setor elétrico brasileiro. As distribuidoras detidas pelo governo federal foram as primeiras empresas a serem vendidas, Escelsa em 1995 e Light em 1996. A opção de vender primeiro a distribuição deveu-se ao fato de seu faturamento advir diretamente do consumidor final e não de empresas estatais, o que provocaria reticências dos investidores em razão do histórico de inadimplência setorial. Por outro lado, investimentos em geração envolviam maior incerteza, pois o desenho institucional e regulatório ainda não estava implantado. A intenção do governo era privatizar a totalidade dos ativos de distribuição. Da geração, só continuariam em propriedade do Estado as plantas nucleares e a parte 295 Artigo 21. O texto previa que a tarifa seria o preço da proposta vencedora da licitação. No artigo 15, foram definidos os critérios de julgamento das licitações. Além do valor da tarifa, constam o pagamento ao poder concedente, proposta técnica e combinações desses. Para a distribuição, o pagamento ao concedente foi o critério considerado para avaliação das propostas. Na transmissão, o valor da tarifa foi o critério de avaliação para projetos de novas linhas. 296 149 nacional de Itaipu. O modelo previa que as linhas de transmissão permaneceriam estatais e somente os novos projetos poderiam ser executados por capital privado. Tabela III.4 Privatização no Setor Elétrico Brasileiro Data do Leilão Consórcio Vencedor US$ milhões DISTRIBUIÇÃO Escelsa Light 11/07/95 21/05/96 519 2.217 Cerj 20/11/96 Coelba 31/07/97 CEEE (N/NE) 21/10/97 CEEE (CO) CPFL Enersul Cemat Energipe 21/10/97 05/11/97 19/11/97 27/11/97 03/12/97 Cosern 12/12/97 Coelce 02/04/98 Metropolitana Celpa Elektro Bandeirante Celpe Cemar Saelpa GERAÇÃO Cachoeira Dourada Gerasul Paranapanema (CESP) Tiête (CESP) 15/04/98 08/07/98 16/07/98 17/09/98 18/02/00 15/06/00 30/11/00 Iven (45%) e GTD (25%) EDF, AES e Houston (34%), BNDESpar (9%) e CSN (7%) Chilectra (42%), EDP (21%) e Endesa (7%) Iberdrola (39%), Brasilcap (48%) e Outros fundos (13%) VBC (33%), Pseg Brasil (33%) e Previ (33%) AES (100%) VBC (45%) e Fundos de pensão (55%) Escelsa (100%) Rede (65%) e Inepar (35%) Cataguazes Leopoldina e Fundos de Pensão (100%) Coelba (63%), Guariana (31%) e Uptick (6%) Enersis-Chilectra (26%), Endesa (38%) e CERJ (36%) Light (100%) Rede (65%) e Inepar (35%) Enron (100%) CPFL (44%) e EDP (56%) Guaraniana (Iberdrola, BBI e Previ) Pensylvannia Power & Light (86%) Cataguazes Leopoldina (100%) 05/09/97 15/09/98 28/07/99 Endesa (60%), Edgel (20%) e Fundos (20%) Tractebel (100%) Duke Energy (100%) 27/10/99 AES (100%) TOTAL 587 1.598 1.486 1372 2.731 565 353 520 606 868 1.777 388 1.273 860 1.004 523 185 714 880 682 472 22.180 Fonte: Elaboração Própria No total, vinte e três empresas do setor elétrico brasileiro foram privatizadas correspondendo a uma arrecadação de US$ 22 bilhões (Tabela III.4), o que fez do setor elétrico o segmento que mais contribuiu ao Programa Nacional de Desestatização. O processo de privatização avançou bastante na atividade distribuição, área de atuação de 19 das empresas privatizadas. Ainda assim, o resultado ficou aquém do plano, já que as empresas estatais detêm 40% do faturamento da atividade. Na geração, o processo foi mais lento, já que enfrentou maiores resistências políticas e de especialistas no setor. Quatro empresas foram privatizadas, que totalizam 20% da receita setorial. 150 As diretrizes da reforma foram definidas no Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RE-SEB) elaborado através da contratação, com financiamento do Banco Mundial, de um consórcio liderado pela consultoria Coopers & Lybrand, que trabalhou em conjunto com especialistas brasileiros. O relatório final, apresentado em 1997, desenhava o novo modelo para o setor elétrico brasileiro, definindo os papéis das instituições e a nova estrutura industrial (MME,1997). A agência setorial de regulação, Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, foi criada em 1997297 nos moldes das agências setoriais das experiências internacionais, seguindo os princípios de independência e autonomia. As decisões são tomadas por um colegiado formado por cinco diretores298 com mandatos não coincidentes, indicados pela Presidência da República e sabatinados pelo Senado. A agência financiaria suas atividades através de uma taxa de fiscalização de 0,5% aplicada à receita líquida das concessionárias299. Além das funções usuais de agências de regulação – fiscalização, mediação e regulação econômica – a ANEEL atua como Poder Concedente, promovendo as licitações para a exploração de serviço público de energia elétrica. A reforma promoveu ainda a reestruturação vertical e horizontal da indústria. Empresas que atuavam em mais de uma etapa da cadeia produtiva foram induzidas a formarem empresas separadas para operar cada atividade. O processo de privatização seria aproveitado para promover a desconcentração horizontal na geração. Isso ocorreu com a CESP, que foi cindida em três empresas de geração (Paranapanema, Tiête e CESP300) e uma transmissão previamente à sua privatização. O modelo previa também a desverticalização das empresas geradoras federais, mas esse movimento não foi completado (a estrutura proposta está apresentada tabela no anexo IV). O tratamento da transmissão no Brasil é singular. Várias empresas detêm ativos de transmissão. Como são realizadas licitações competitivas para a expansão, a atividade conta com um certo nível de pressão competitiva. Nos leilões, vence o 297 A ANEEL foi instituída pela lei 9.427 de 26 de Dezembro de 1996. No entanto, a ANEEL só começou a operar em 1997. 298 Os diretores têm de cumprir quarentena de doze meses ao deixar o órgão. Nesse período, não podem prestar serviços a empresas reguladas pela ANEEL. 299 No entanto, durante o período de transição, a agência dependeu de repasses do Tesouro. 300 A terceira empresa não foi privatizada por falta de interessados. 151 ofertante da menor tarifa (receita requerida), o que seria uma forma de competição exante301. As empresas que detêm linhas de transmissão não são responsáveis pela gestão desses ativos, já que essa função foi repassada ao Operador Nacional do Sistema (ONS). O ONS é responsável pela coordenação da operação do setor elétrico e tem como principais tarefas: (i) garantir que o suprimento elétrico seja confiável e respeite padrões de freqüência e voltagem; (ii) propiciar acesso eqüitativo à rede de transmissão a todo agente do mercado elétrico; e (iii) despachar as centrais, visando otimizar a operação do parque hidrotérmico. O ONS foi estruturado sob a forma de associação civil, em que participam geradores, empresas de transmissão e distribuição, consumidores livres, comercializadores, importadores e exportadores de eletricidade302. Ao repassar o controle dos ativos de transmissão ao ONS, as empresas recebem uma remuneração fixa, como um aluguel. Os usuários do sistema de transmissão pagam uma tarifa (encargo de uso) que deverá cobrir não só o custo referente à remuneração dos proprietários das linhas de transmissão, mas também os custos operacionais do ONS, inclusive os correspondentes aos serviços ancilares. O ONS é responsável por operar o conjunto de modelos de otimização que definem o despacho e o preço spot no Mercado Atacadista de Energia, MAE. O algoritmo de otimização primeiramente realiza a previsões de demanda de energia do sistema e da energia afluente. Com base no volume dos reservatórios e no custo de déficit é calculado o custo de oportunidade da utilização da água para a geração de energia. Somando aos demais custos operacionais das centrais hidrelétricas, o total é comparado ao custo operacional das termelétricas, determinando o despacho baseado no mérito. O preço spot é determinado ao custo marginal, i.e. o custo da central mais cara despachada. 301 O esquema de licitação competitiva foi inicialmente proposto por Demsetz (1968) como alternativa à regulação de monopólios naturais. Segundo o autor, o resultado de leilões competitivos seria o mesmo da concorrência efetiva. Ou seja, o tarifa se aproximaria do custo marginal. Williamson (1976) aponta que como é impossível definir contratos completos e antecipar as condições futuras, a licitação competitiva não elimina a necessidade de regulação. Ou seja, competição ex-ante (no momento do leilão) não gera o mesmo resultado da concorrência efetiva. Essa temática aplicada ao setor elétrico é discutida por Littlechild (2001) e Klein (1998). 302 O Ministério de Minas e Energia (MME) tem um representante no conselho de administração do ONS, assim como os Conselhos de Consumidores de Energia Elétrica Estes dois representantes participam das assembléias, porém não têm direito a voto. Contudo, o representante do MME tem direito de veto. 152 O Mercado Atacadista de Energia (MAE) é o locus de negociação de energia no atacado, sendo administrado pela ASMAE. Os participantes do MAE303 registram seus contratos bilaterais e participam da formação do preço spot, conforme apresentado anteriormente. Para evitar excessiva exposição ao mercado spot, foi determinado que os comercializadores devem atender a pelo menos 85% de seu mercado através de contratos bilaterais304. Em função do desenho do sistema de transmissão foram formados quatro submercados que refletem as limitações ao transporte de energia: Sul, Sudeste e Centro Oeste, Nordeste e Norte. A implantação do MAE seguiu um cronograma que previa três etapas. Na primeira etapa, implementada em setembro de 2000, o modelo definiria o preço ex-ante305 em base mensal, diferenciado por três patamares de carga (demanda), leve, média e pesada. A previsão de demanda utilizada para o cálculo do preço é realizada pelo ONS. Na segunda etapa, que seria implementada até julho de 2001, seria iniciada a dupla contabilização, com preços calculados ex-ante e ex-post em periodicidade semanal em patamares de carga. A partir dessa etapa, a previsão de demanda seria o fruto da agregação das declarações dos agentes. Na terceira etapa, que seria implementada em janeiro de 2002, o preço seria determinado com periodicidade horária (ou inferior) As centrais de geração são classificadas conforme suas características produtivas, tendo tratamento diferenciado. As decisões das usinas que compõem o parque hidráulico brasileiro são, em larga medida, interdependentes, pois (De Oliveira, 1998): (i) várias usinas possuem reservatórios com grande capacidade de armazenamento306; (ii) existem diversas usinas ao longo de uma mesma cascata hidrográfica307; (iii) as bacias apresentam substancial diversidade hidrológica308. A criação do Mecanismo Realocativo de Energia (MRE) atende ao objetivo de coordenar 303 Geradores com capacidade igual ou superior a 50MW e comercializadores com volume de vendas igual ou superior a 300 GWh/ano devem compulsoriamente participar do MAE. Através de associações, os demais geradores e comercializadores podem atingir esses patamares para negociar no MAE. 304 O máximo era 95%. Em fevereiro de 2003, passou a ser obrigatório a contratação ao nível máximo. 305 Preço formado com base na programação sem considerar as restrições de operação. O preço ex-post é calculado com base no despacho, considerando a demanda e oferta observadas. 306 São 62 plantas com mais de 30 MW de capacidade, distribuídas por 12 bacias hidrográficas, com 52 reservatórios capazes de armazenar 177 TWh de eletricidade, o que corresponde a metade do consumo anual. 307 Portanto, o uso da água das centrais a jusante está condicionada pelas decisões de uso das usinas a montante. 308 O período de chuvas não ocorre na mesma época do ano. 153 as decisões e evitar conflitos309. O MRE consiste em um acordo que socializa o risco hidrológico entre as centrais hidrelétricas310, que são operadas pelo ONS como um conjunto. Essas não executam lances, já que o modelo opera com dados de seus custos. Cada usina hidrelétrica possui um certificado de energia assegurada. Obedecidas as regras do MRE, as hidrelétricas podem contratar até o limite de sua energia assegurada e a energia produzida em excesso, isto é, após o rateio entre os participantes do MRE, seria orientada ao mercado spot, sendo a receita proveniente da venda de energia repartida proporcionalmente à energia assegurada das usinas311. A energia termelétrica é dividida em duas parcelas: inflexível e flexível. A primeira reflete a rigidez da produção (e.g. cogeração) ou dos contratos de aquisição de combustíveis (cláusulas take-or-pay). A parcela inflexível das centrais termelétricas é despachado independente do mérito, mas não forma o preço no mercado de curto prazo312. A parcela flexível é despachada segundo o mérito de custos. As centrais termelétricas devem submeter lances de custo e disponibilidade da parcela flexível no mercado de curto prazo e seu despacho ocorrerá quando seu lance for inferior ao custo marginal do sistema313. III.3. Resultados O período de resultados da reforma brasileira é curto. A análise dos resultados da reforma é dominada pela crise elétrica de 2001/02, que ocorreu antes mesmo que o desenho institucional estivesse totalmente implementado e causou a revisão da reforma. III.3.1. Racionamento O racionamento de eletricidade experimentado entre 2001 e 2002 foi resultado da depleção progressiva dos reservatórios d’água das centrais hidrelétricas brasileiras. 309 Segundo o ONS, os ganhos econômicos da coordenação diminuem em 20% a necessidade de capacidade instalada. 310 As centrais termelétricas com despacho centralizado, contempladas nos contratos iniciais e que têm os custos de combustíveis cobertos pela CCC também fazem parte do MRE. 311 Inicialmente, a receita era repartida metade pela energia assegurada e metade pela quantidade gerada por cada central. A energia assegurada é determinada pela ANEEL com base na energia que a central pode colocar no sistema com grau de probabilidade pré-definido. 312 Desta forma a demanda considerada no mercado de curto prazo é a demanda residual (demanda total – oferta inflexível das térmicas). 154 Os reservatórios operam com regulação plurianual, funcionando como uma poupança de eletricidade. A água (energia potencial) é acumulada nos reservatórios no período de chuva (de novembro a abril) para ser utilizada no período seco (de maio a outubro). Em situação ótima, os reservatórios são gerenciados de forma que o sistema seja operado com segurança mesmo nos anos de pior hidrologia. Não foi isso o que aconteceu no Brasil nos anos que antecederam o racionamento. Desde 1997, o nível de água acumulada nos reservatórios é cada vez menor para o mesmo período no ano. Ou seja, a curva de armazenagem nos reservatórios se deslocou para baixo a cada ano (Figura III.2). Em 2001, a trajetória foi acentuada pelas condições hidrológicas extremamente desfavoráveis. Ao iniciar o período seco, o nível dos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste era apenas de um terço do potencial de armazenagem. Segundo especialistas, para que o nível de acumulação não alcance 10% até o começo do período de chuvas nesse subsistema, o que implicaria em colapso do sistema314, o nível dos reservatórios no início do período seco deve ser de 49%315 no mínimo. Se o ritmo de depleção dos reservatórios tivesse a mesma evolução do ano anterior, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste entraria em colapso em agosto de 2001. Essa situação é representada pela linha tracejada na Figura III.2. Para evitar esse cenário, diminuindo o ritmo de depleção (linha pontilhada), o governo decretou racionamento nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste em maio de 2001. 313 A parcela flexível das centrais pode ser também despachada em função de contratos de longo prazo e quando restrições forçam seu despacho. 314 As turbinas não podem operar em níveis inferiores. 315 O submercado Nordeste enfrentava situação semelhante. 155 Figura III.2 Depleção dos Reservatórios e Impacto Previsto do Racionamento Nível do reservatório equivalente do Subsistema SE/CO % - 1997- abril 2001 100 Período Molhado Período Seco P. Molhado 90 80 1997 70 60 1998 50 2000 40 1999 2001 30 20 10 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Fonte: Elaboração própria / dados ONS O conjunto de medidas adotado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), órgão criado especialmente para administrar o racionamento, tratou as classes de consumo de forma diferenciada. Os consumidores residenciais com consumo mensal inferior a 100 KWh tiveram de manter o nível de consumo observado nos meses de maio, junho e julho de 2000 (período de referência). Os consumidores residenciais com consumo superior tiveram de reduzir em 20% seu consumo em relação ao período de referência, ficando sujeito a cortes, caso superassem a meta reincidentemente, e a sobre-taxas. Por outro lado, se os consumidores reduzissem seu consumo mais que a meta, era concedido um bônus para dedução da conta mensal de eletricidade. A meta para os consumidores rurais foi de 90% do observado no período de referência. Para os consumidores industriais, comerciais e de serviços de pequeno porte, a meta foi fixada em 80% do consumo no período de referência. O consumo excedente a cota era faturado pelo preço do mercado spot. Caso a redução supere a meta, o consumidor acumula “crédito” para meses posteriores. Para o grupo dos consumidores de maior porte, a cota foi diferenciada entre 85% e 75% do consumo observado no período de referência, conforme o volume de empregos gerados e o valor adicionado na cadeia produtiva. Os consumidores eletro156 intensivos ficaram sujeitos às cotas mais restritivas. Esse grupo de consumidores podia negociar direitos de consumo. Aqueles que reduziram o consumo além da cota podiam vender um direito de consumir para consumidores que não tivessem atingido a meta. Assim, esses têm uma alternativa a recorrer ao MAE. A Asmae criou uma bolsa de excedentes, mas os consumidores também puderam negociar bilateralmente. O racionamento durou até março de 2002316. Como resultado dessas medidas a demanda de eletricidade se reduziu drasticamente (Figura III.3). O consumo nacional de eletricidade diminuiu 25% entre março e julho de 2001, quando apresentou valores semelhantes aos observados em 1996. Mesmo com o fim do racionamento, a mudança de hábitos de consumo, a aquisição de equipamentos energo-eficientes e a aquisição de geradores causam um impacto duradouro. O ONS considera previsões de demanda de para os próximos cinco anos que são 8% inferiores às efetuadas antes do racionamento (ONS, 2003). Figura III.3 Evolução do Consumo de Eletricidade Sistema Integrado Nacional - MW Médios 46.000 44.000 42.000 40.000 38.000 36.000 34.000 32.000 ja n/ 96 ju l/9 6 ja n/ 97 ju l/9 7 ja n/ 98 ju l/9 8 ja n/ 99 ju l/9 9 ja n/ 00 ju l/0 0 ja n/ 01 ju l/0 1 ja n/ 02 ju l/0 2 30.000 Fonte: ONS A forte retração do consumo possibilitou a recuperação dos níveis dos reservatórios. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, não só se evitou que o nível chegasse a 10%, como esse nem alcançou 20% (Figura III.4) em 2001. A situação em 2002 já é próxima de anos de regulação normal do reservatório, como a de 1997. 316 Antes, as metas já haviam sido revistas, aumentando os limites de consumo. 157 Figura III.4 Evolução do Nível dos Reservatórios no Subsistema SE/CO 1997-2002 100 Período Úmido Período Seco P. Úmido 90 80 70 1997 2002 60 1998 50 2000 40 30 1999 2001 20 10 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Fonte: ONS III.3.2. Eficiência Alocativa Uma característica marcante do sistema elétrico brasileiro é que o custo de geração das centrais estabelecidas é substancialmente inferior ao das novas centrais. As centrais hidrelétricas, que representam 87% do parque instalado de geração brasileiro (Figura III.5), se caracterizam por elevado custo fixo e baixo custo de operação. Parte relevante do parque hidrelétrico nacional já teve seu capital depreciado. Tais usinas operam com custos médios baixos, correspondendo apenas aos gastos com mão de obra e manutenção317. Assim, quando vigorava a regulação por custo do serviço no Brasil, o preço médio da energia era relativamente baixo. 317 Mais recentemente, os royalties pelo uso da água passaram a também compor o custo dessas centrais. 158 Figura III.5 Estrutura da Capacidade Instalada no Sistema Interligado Nacional Termelétrica 13% Nuclear (2%) Carvão (2%) Hidrelétrica 87% GN (4%) Biomassa (3%) Óleo Comb (1%) Total: 81 GW Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Eletrobrás e ANEEL Nota: Considera a totalidade da capacidade de Itaipu que é alocada ao sistema brasileiro (11,9 GW). Não considera demais importações e não inclui centrais emergenciais (2 GW). Com a liberalização da indústria, o preço da eletricidade tende a se alinhar ao custo marginal do sistema318. Ou seja, ao custo de operação da central mais cara despachada. A percepção das autoridades era que as centrais térmicas definiriam o preço de mercado a eletricidade. Desta forma, a introdução da competição na geração de eletricidade levaria a um aumento significativo de seu preço, ao menos no curto prazo. Para evitar a elevação abrupta dos preços, foram instituídos contratos iniciais que vigorariam por um período transitório. Assim como os ‘vesting contracts’ adotados na Inglaterra e País de Gales, esses preservavam os preços prevalecentes antes da reforma. Ou seja, refletiam o preço fixado pela regulação a custo do serviço. Estava prevista a liberalização progressiva do volume de energia envolvido nos contratos iniciais. A partir de 2003, cada contrato teria sua quantidade reduzida em ¼. O mesmo volume seria liberado a cada ano seguinte e, em 2007, os contratos iniciais deixariam de existir e todo energia seria negociada em bases competitivas no atacado. 318 Se o mercado não é suficientemente competitivo, o preço será maior. 159 Os contratos iniciais têm preços bastante distintos, pois refletem custos de centrais com características diversas319. Atualmente o preço médio desses contratos é próximo a R$ 70,00 (Tabela III.5). Tabela III.5 Preços dos contratos de energia no atacado Contratos Iniciais Energia de Itaipu Contratos Bilaterais R$ / MWh 69,15 103,44 97,59 Nota: Os preços correspondem à média dos valores informados nas notas técnicas elaboradas pela ANEEL referentes às revisões tarifárias da Cemig, CPFL, Cemat, Enersul, AES Sul, RGE, Coelce, Cosern, Coelba e Eletropaulo (ANEEL, 2003a, 2003b, 2003c, 2003d, 2003e, 2003f, 2003g, 2003h, 2003i e 2003j). Fonte: ANEEL A energia suprida por Itaipu tem um tratamento especial. Para financiar a construção da usina, foi criado um pacote em que as distribuidoras teriam cotas partes, que definiam a repartição da energia gerada. Em função de a captação ter ocorrido no mercado financeiro internacional e do projeto envolver acordo internacional, a tarifa foi definida em dólar. Em função da desvalorização do Real, o preço médio da energia de Itaipu é elevado, ultrapassando R$ 100,00/MWh. Os contratos bilaterais corresponderiam à porção competitiva do mercado atacado de eletricidade. Em princípio, envolveriam volume restrito, atendendo apenas a expansão do sistema, já que as centrais em operação contavam com contratos iniciais320. Na medida em que os contratos iniciais fossem eliminados, os contratos bilaterais ganhariam maior relevância. A obrigação dos comercializadores contratarem no longo prazo 85%321 de sua demanda evidenciava a percepção dos reformadores de que os contratos bilaterais seriam a forma predominante de realizar transações no novo mercado elétrico brasileiro. A negociação dos contratos bilaterais entre distribuidoras e geradoras é regido pela regra de repasse. O regime tarifário aplicado às concessionárias de distribuição previa o repasse direto dos custos de aquisição de energia a seus consumidores cativos. 319 Entre os valores divulgados pela ANEEL por ocasião da revisão tarifária das concessionárias de distribuição, o menor preço corresponde ao contrato de auto-suprimento (self-dealing) entre CPFL geração e CPFL distribuição no valor de R$ 38,49 e o maior a um contrato em que a Escelsa supre a COELBA por R$ 111,73/MWh. 320 Algumas centrais em construção quando que a figura dos contratos iniciais foi desenvolvida obtiveram contratos iniciais para o período que iniciasse sua operação. 321 Limite que foi posteriormente aumentado para 95%. 160 Assim, a concessionária não teria incentivos a contratar eficientemente, já que não teria prêmio por contratar energia abaixo do preço de mercado, nem penalidade por contratar acima. Por outro lado, haveria espaço para comportamento oportunista, através da manipulação de preços dos contratos bilaterais322, especialmente quando ocorria verticalização das atividades. A resolução 266 de 1998 criou uma regra de repasse que tem como objetivo criar incentivos para que as concessionárias de distribuição contratem energia eficientemente, protegendo o interesse dos consumidores cativos. Para tanto, foi criado um valor de referência para a energia denominado Valor Normativo (VN) que serve como base para determinar como as concessionárias repassarão os custos referentes a compra de energia através de contratos bilaterais323 para as tarifas dos consumidores cativos. Segundo a regra, quando a concessionária adquire energia a valores próximos ao VN o repasse é integral. Quando a concessionária realiza contratos a preços inferiores ao VN, esta recupera parte da diferença de preços, que seria o prêmio por contratar eficientemente. Quando a concessionária adquire energia por um preço superior ao VN, esta arca com parte da diferença, sendo penalizada por contratar ineficientemente324. A evolução do preço spot do MAE demonstra que há uma forte correlação com o nível de chuvas. Em períodos de chuvas, o preço é bastante baixo e, em períodos de escassez de chuvas, o preço é elevado. As flutuações de curto prazo da demanda não tem efeito significativo sobre o preço, pois os preços permaneceram praticamente iguais entre os patamares de carga. No período que antecedeu o racionamento, o preço spot era elevado, por volta de R$ 100,00/MWh em todos submercados (Figura III.6, Figura III.7, Figura III.8 e Figura III.9). Esse nível de preços era bastante superior ao praticado em contratos. Assim, o mercado spot funcionava semelhantemente a um mercado de ajuste, servindo para cobrir quantidades não contratadas. Os geradores que ficavam expostos ao mercado spot, quando falhas operacionais os impediam de atender aos contratos firmados, arcavam com significativos prejuízos325. 322 Assim, os lucros da geradora seriam inflados. Isso faria sentido quando há participação cruzada entre os envolvidos ou quando a geradora repassa parte da renda à concessionária, p.e. através de outros contratos com preços baixos que seriam orientados para o mercado não regulado. 323 Como a concessionária não pode manipular os preços do mercado spot, da energia Itaipu ou dos contratos iniciais, a regra não se aplica à energia adquirida por tais meios. 324 De Oliveira e Losekann (1999) oferecem uma análise mais detalhada da regra e seus efeitos. 325 Isso ocorreu com Furnas por ocasião do atraso da entrada em operação de Angra 2. 161 No período de racionamento, o preço spot foi fixado em R$ 684,00/MWh, valor considerado como representativo do custo do déficit. No submercado Sul, o preço não chegou a esse valor, pois a região não foi submetida ao racionamento. Quando o racionamento foi adotado, a trajetória de preços no mercado de curto prazo foi basicamente determinada pela GCE. Em setembro de 2001, o preço de racionamento foi reduzido para R$ 336/MWh. Em fevereiro de 2002, apesar de ainda restarem restrições ao consumo, o preço caiu significativamente, com exceção do submercado Nordeste. Superado o racionamento, o preço praticado passou a ser bastante baixo em todos submercados, alcançando o valor mínimo de R$ 4,00/MWh nos primeiros meses de 2003. A drástica redução do consumo experimentada pós-racionamento e o aumento da oferta foram responsáveis por essa trajetória326. Figura III.6 Evolução do preço de curto prazo no MAE - SE/CO Submercado Sudeste/Centro-Oeste (R$/MWh) 800 700 600 500 Leve 400 Média Pesada 300 200 100 mai/03 mar/03 jan/03 nov/02 set/02 jul/02 mai/02 mar/02 jan/02 nov/01 set/01 jul/01 mai/01 mar/01 jan/01 nov/00 set/00 0 326 Níveis tão baixos de preços também resultavam da inadequação do modelo de precificação e despacho (NEWAVE) 162 Figura III.7 Evolução do preço de curto prazo no MAE - S Submercado Sul (R$/MWh) 500 450 400 350 300 Leve Média Pesada 250 200 150 100 50 mai/03 mar/03 jan/03 nov/02 set/02 jul/02 mai/02 mar/02 jan/02 nov/01 set/01 jul/01 mai/01 mar/01 jan/01 nov/00 set/00 0 Figura III.8 Evolução do preço de curto prazo no MAE - NE Submercado Nordeste (R$/MWh) 800 700 600 500 Leve Média Pesada 400 300 200 100 mai/03 mar/03 jan/03 nov/02 set/02 jul/02 mai/02 mar/02 jan/02 nov/01 set/01 jul/01 mai/01 mar/01 jan/01 nov/00 set/00 0 163 Figura III.9 Evolução do preço de curto prazo no MAE - N Submercado Norte (R$/MWh) 800 700 600 500 Leve Média Pesada 400 300 200 100 mai/03 mar/03 jan/03 nov/02 set/02 jul/02 mai/02 mar/02 jan/02 nov/01 set/01 jul/01 mai/01 mar/01 jan/01 nov/00 set/00 0 Fonte: Asmae Para as atividades de transporte de energia, o preço é determinado por regime de preço teto. Na distribuição, esse regime começou a ser adotado a partir da privatização da Light. Seu contrato de concessão determinava que a parcela “controlável”327 de sua tarifa seria reajustada anualmente pelo IGP-M reduzido de parâmetro de eficiência (X). Nos primeiros oitos anos da concessão, o parâmetro X seria igual a zero, garantindo que a tarifa manteria seu valor real até 2004, quando a primeira revisão tarifária da empresa será realizada Progressivamente, as outras concessionárias de distribuição passaram a contar com novos contratos de concessão à semelhança do contrato da Light. Em geral, o período de manutenção das tarifas reais foi definido para que grande parte das revisões coincidissem. A exceção foi a Escelsa, que foi privatizada com um contrato de concessão distinto. Esse foi reformulado, mas o período em que o parâmetro X seria igual a zero foi mais curto. Assim, a empresa já passou por 2 revisões tarifárias. Até julho de 2003, já haviam sido realizadas revisões das tarifas de onze empresas (Tabela III.6). 327 A parcela não controlável, que inclui a custo de aquisição de energia, é repassada integralmente às tarifas dos consumidores cativos, sujeita a regra de repasse já mencionada. 164 Tabela III.6 Revisões tarifárias das empresas de distribuição Xe (%) Recomposição (%) AES Sul 1,82 16,14 Celpa* 1,01 27,49 Cemat 2,3 26 Cemig 1 31,53 Coelba 1,1 31,49 Coelce 1,47 31,29 Cosern 1,78 11,49 CPFL 2,43 19,55 Energipe 1,4 35,18 Enersul 2,35 42,26 Escelsa 1,89 n.d. RGE 1,72 27,36 Média 1,7 26,4 * Corresponde ao valor submetido a consulta pública Fonte: Aneel O parâmetro X é composto por três parcelas. A primeira (Xe) reflete os ganhos de produtividade. A segunda (Xc) compensa alterações na qualidade do serviço. A última, criada em maio de 2003 pelo CNPE, é um indicador da variação do valor de remuneração da mão de obra328. Nos processos de revisão, a ANEEL define o Xe que é posteriormente corrigido pelas outras parcelas. A adequação do IGP-M para indexar as tarifas de eletricidade tem sido bastante debatida. Geralmente, o regime de preço teto utilizaria índice de preços ao consumidor final (varejo)329. O IGP-M é uma composição de índices de preços de varejo, de atacado e da construção civil, que é utilizado amplamente para corrigir contratos. A qualidade normalmente associada ao IGP-M é a de se aproximar do deflator implícito do PIB. No entanto, a forte desvalorização do Real provocou o descolamento das trajetórias de preços no atacado, mais “contaminados” pelas variações de câmbio, e no varejo. Na experiência recente, o IGP-M tem sido superior não só ao IPC, mas também ao deflator do PIB (Guimarães, 2003). Desta forma, os reajustes concedidos às tarifas de distribuição têm sido sistematicamente superiores à inflação. O método da definição da tarifa pelo uso do sistema de transmissão também gera ineficiências. Existe um tratamento diferenciado para a energia envolvida nos contratos iniciais e para a não envolvida. Na primeira, é aplicada tarifa do tipo “postal” - a distância percorrida não é considerada no cálculo e os custos de transmissão são 328 Essa parcela se justifica pelo afastamento do IGP-M da evolução dos custos setoriais. 165 rateados pela quantidade de energia transmitida e a totalidade da tarifa recai sobre as distribuidoras (geradores são isentos). Na segunda, a tarifa também é paga pelos geradores e seus valores são determinados por uma combinação entre um componente “postal” e outro nodal (locacional) – que leva em conta a congestão no nó. A utilização de tarifa postal não gera sinais econômicos eficientes, principalmente para definir a localidade de investimentos em geração. No caso brasileiro, a vantagem de projetos termelétricos, que se localizam próximos aos centros de carga, em relação às hidrelétricas, cujos aproveitamentos potenciais estão bastante distantes dos centros de carga, não é refletida em sinais de preços, o que gera distorções alocativas. Por ser reajustada pelo IGP-M, a tarifa de transmissão também sofreu forte elevação. A Figura III.10 apresenta a evolução da tarifa de transmissão aplicada aos contratos iniciais (postal). Desde 1999, as tarifas aumentaram 150%. Ou seja, bem acima da inflação, medida pelo IPC, que foi de 40% no período. Figura III.10 Evolução da tarifa de uso do sistema de transmissão Tarifa selo em contratos iniciais – R$/MW.mês 8000 6000 4000 2000 0 1999 2000 2001 2002 2003 Fonte: Aneel A atividade de comercialização permaneceu sendo operada praticamente como monopólio e sua regulação é efetuada em conjunto com a distribuição. Poucos consumidores que cumprem as condições que os permitem escolher seu fornecedor trocaram de fornecedor. Isso ocorre porque as concessionárias de distribuição, por contar com contratos iniciais oferecem preços que os concorrentes não podem ou não estão interessados em oferecer330. 329 330 Por isso o regime também é denominado RPI (Retail Price Index) – X. Após o racionamento, essa situação se modificou em função das sobras de energia.. 166 A Figura III.11 apresenta a evolução dos preços reais da eletricidade por setores de consumo. Desde de 1995, a tarifa média de eletricidade aumentou 40% em termos reais. Os consumidores residenciais foram os mais afetados, pois o aumento acumulado totalizou quase 60%. Figura III.11 Evolução das tarifas médias de eletricidade (em R$ de fevereiro de 2003 deflacionados pelo IPC) 250 230 210 190 170 150 130 110 90 70 50 Residencial Industrial Comercial Média 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Aneel e Ipeadata Ao contrário do que muitos afirmam, o preço da energia ao consumidor final não era definido por forças de mercado no setor elétrico brasileiro. Praticamente, a totalidade dos consumidores contava com preços regulados que não geravam sinais eficientes para coordenar a demanda de eletricidade. Ou seja, os consumidores não eram estimulados a reduzir o consumo quando a energia era escassa ou a aumentá-lo quando essa era abundante. No período de racionamento, o preço final da eletricidade passou a refletir sua escassez em função das regras instituídas pela CGE. Para os consumidores residenciais, ainda que a perspectiva de corte fosse um importante estímulo331, o esquema de bônus e sobre-tarifas forneceu sinais para a redução de consumo, motivando o uso mais eficiente da energia. No setor industrial, os incentivos foram mais intensos. A possibilidade de negociar excedentes era interessante por propiciar ganhos alocativos, dando oportunidade de que a energia fosse orientada para os usos que acrescentassem mais 331 A ameaça de corte tinha credibilidade ainda que um número ínfimo de consumidores reincidentes tenha sofrido corte de energia. 167 valor agregado. Isto é, era vantajoso para consumidores industriais que agregam pouco valor à energia elétrica, como os consumidores eletro-intensivos, vender seus direitos de consumo para consumidores que agregam mais valor. Desta forma, as trocas propiciaram a alocação mais eficiente da energia elétrica e os efeitos macroeconômicos do racionamento foram minorados. III.3.3. Adequação dos Investimentos A escassez de investimentos se observa no Brasil desde a segunda metade dos anos 80. A reforma setorial seria a solução para recuperar a capacidade de investimento e possibilitar que o crescimento da capacidade instalada acompanhasse o dinamismo da demanda de eletricidade. Ainda que o nível de investimentos tenha aumentado na segunda metade da década de 90, os valores são significativamente inferiores aos observados entre 1975 e 1985 (Figura III.12). Figura III.12 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro ( 1993-1999 - R$ milhões de 1999 deflacionados pelo IGP-DI) 12.000 10.000 8.000 Inst. Gerais Distribuição 6.000 Transmissão Geração 4.000 2.000 0 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Fonte: Eletrobrás e Pinhel (2000) Nos últimos quinze anos, a capacidade instalada evoluiu em descompasso com o crescimento da demanda (Figura III.13). Esse descompasso é particularmente relevante no qüinqüênio 1990-95, quando a taxa de crescimento do consumo (4% a.a.) foi o dobro da taxa de crescimento da capacidade instalada (2,2% a.a.). No qüinqüênio seguinte, os ritmos de crescimento se equilibraram, mas o intervalo se manteve. 168 Figura III.13 Evolução da capacidade instalada e do consumo de eletricidade (1985=100) Números índices (1985=100) 210 190 170 150 130 110 90 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Capacidade Instalada Consumo Fonte: MME. Desde 2000, o crescimento da capacidade instalada tem sido elevado no Brasil. No entanto, a recuperação da capacidade instalada não ocorreu a tempo de evitar o déficit energético. Esse problema de “timing” teria sido evitado se o ritmo de desenvolvimento de projetos termelétricos seguisse as expectativas, já que os projetos hidrelétricos, que ainda dominam a expansão (Figura III.14), apresentam um maior prazo de maturação e, portanto, não poderiam resolver o problema de escassez no momento requerido. Em função da escala de produção relativamente pequena e a oferta de gás natural disponibilizada pelo gasoduto Brasil-Bolívia, eram esperados investimentos maciços em centrais termelétricas a gás, o que não ocorreu. Os investimentos privados são determinados por dois fatores: retorno esperado e risco. No caso dos projetos termelétricos, a expectativa de retorno era baixa e os riscos elevados, o que fazia com que os investimentos não fossem atrativos. 169 Figura III.14 Adição de Capacidade 1999/junho 2003 – MW 5000 4000 3000 2000 1000 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 1309 Nuc Term 260 640 1157 1041 1921 556 Hidro 2013 2146 1773 1396 2662 1316 Fonte: ANEEL O retorno esperado depende da expectativa de quantidades vendidas e preço. Mesmo em situação de escassez de oferta, os empreendedores encontraram dificuldades para encontrar compradores. A inoperância do mercado spot, que será enfatizada na próxima sessão, desestimulava os projetos voltados para transações de curto prazo, as chamadas centrais merchants. Tampouco, havia demanda por contratos de longo prazo. Como enfatizou o Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, “[a]s energias asseguradas que respaldaram os contratos iniciais foram superdimensionadas, resultando numa sinalização equivocada para a contratação de nova geração”332. Os contratos iniciais de centrais hidrelétricas envolviam um volume de energia maior do que essas podiam gerar sem comprometer os reservatórios. Assim, mesmo quando o racionamento se aproximava, as concessionárias de distribuição contavam com contratos iniciais que atendiam plenamente à demanda de seus mercados e, portanto, não se interessavam em negociar novos contratos com termelétricas. Os potenciais investidores também consideravam que o valor normativo, que constituía um teto para as relações contratais, não permitia uma remuneração atrativa dos investimentos, face aos custos da geração termelétrica. Os projetos ficavam sujeitos a três tipos de riscos: microeconômico, macroeconômico e regulatório. Os riscos microeconômicos se relacionam à evolução 170 das quantidades vendidas e preços. Em função da dominância hidráulica na matriz de geração brasileira, a incerteza hidrológica acarreta em riscos microeconômicos paras as centrais termelétricas. Tipicamente, as centrais termelétricas operariam em complementação às hidrelétricas. Assim, em períodos de hidrologia favorável o preço da eletricidade seria baixo e a quantidade produzida por centrais termelétricas reduzida. Considerando o tamanho do parque hidrelétrico brasileiro, é factível que centrais termelétricas passem anos sem ser despachadas. Se isso ocorre durante os primeiros anos de operação da central, dificilmente o fluxo de caixa será viabilizado. O risco macroeconômico é determinado pela evolução das variáveis que afetam a economia nacional. O dinamismo econômico de mercados emergentes, como o brasileiro, foi um dos determinantes da atração do investimento externo para o setor elétrico, já que a demanda de eletricidade é fortemente relacionada ao crescimento da renda. Enquanto que nos países desenvolvidos a demanda por eletricidade apresenta um crescimento vegetativo (por volta de 1% a.a.), no Brasil, como já foi enfatizado, a demanda de eletricidade cresce a cerca de 5% a.a. No entanto, as economias emergentes estão sujeitas a maiores riscos. Um fator particularmente importante para o setor elétrico é a evolução da taxa de câmbio, não apenas para empresas estrangeiras, mas também para nacionais que captam financiamento no mercado internacional e têm parte de seus custos definidos em dólar. Como a taxa de câmbio tem apresentado grande volatilidade nos últimos anos, o risco cambial constituiu um dos principais obstáculos a efetivação de investimentos em termelétricas a gás natural, cujos equipamentos são majoritariamente importados333, assim como o combustível. O risco decorrentes da compra do gás natural com preços definidos em dólar formava parte substancial do risco cambial. Os riscos regulatórios são causados pelas lacunas no marco regulatório e pela instabilidade institucional. Em países onde as instituições não são fortes, os riscos regulatórios são substanciais o que tende a afastar investimentos (Spiller e Holburn, 2002). A reforma brasileira não definiu plenamente o marco institucional para o setor elétrico e vários pontos foram frutos de incerteza. As indefinições da política de preços 332 Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica (2001). Em centrais termelétricas a gás natural, a indústria nacional é capaz de atender a 20% dos gastos com equipamentos e instalações. Em hidrelétricas, área onde a indústria nacional conta com maior capacitação, o percentual é de 80%. 333 171 para o gás natural e do funcionamento do mercado atacadista prejudicaram a formação de expectativas que permitissem a tomada de decisões e foram elementos de confronto entre agentes. Para enfrentar parte dos problemas citados, o governo criou o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT). Este era constituído por um conjunto de medidas temporárias para estimular o investimento em centrais térmicas alimentadas à gás natural com previsão de conclusão até 2003, incluindo 49 projetos de termelétricas, que corresponderiam a uma adição de 15 GW de capacidade. Entre as medidas se destacam: a oferta de contratos de compra (PPA) pela Eletrobrás, a fixação do preço do gás (US$ 2,26 por milhão de BTU), crédito do BNDES para aquisição de equipamentos. Para as centrais que entrariam em operação até 2001, que também são chamadas de Programa Emergencial, foram concedidos benefícios adicionais, como a flexibilização do limite de auto-suprimento. No entanto, o programa não eliminou todos os obstáculos para a execução dos projetos. A remuneração continuava a ser limitada pelo VN, que segundo os empreendedores não permitia uma margem de lucro razoável e o risco cambial permanecia. Centrais que utilizam gás natural importado tinham seus custos de combustível reajustados trimestralmente, segundo a variação de preços de combustíveis no mercado internacional, essas alterações não podiam ser repassadas imediatamente às tarifas elétricas, já que seus reajustes são anuais. Por outro lado, havia uma escassez de turbinas a gás natural que chegava a implicar em demora de três anos entre encomenda e entrega. Assim, o Programa não foi executado em sua plenitude. Do total previsto pelo Programa, estão em operação somente 18 usinas (14 termelétricas convencionais e 4 de cogeração), que adicionaram 2,7 GW de capacidade de geração334. Parte relevante dos projetos que foram a frente contam com participação da Petrobras335. A Petrobras 334 Essa conta inclui plantas que originalmente não faziam parte do PPT e após foram incluídas no programa. É o caso da Eletrobolt e da Macaé Merchant que foram desenvolvidas para operar no mercado de curto prazo, mas a paralisação do MAE inviabilizou essa estratégia. 335 A Petrobras tem participação em 17 projetos do PPT. Quatro desses já estão em operação e totalizam 870 MW de capacidade de geração. Outras seis usinas estão em construção. 172 assumiu os riscos referentes ao gás natural e adquiria a totalidade da energia, o que implicou em perdas substancias para a empresa336. III.3.4. Arranjos Institucionais As instituições implantadas com a reforma do brasileira não foram capazes de cumprir o papel que o desenho institucional as dedicava. O Mercado Atacadista de Energia foi formulado como na Califórnia, seguindo o princípio de auto-regulação, e os problemas enfrentados foram semelhantes. Sua estrutura de governança formada por assembléias numerosas deu origem à ineficiência e conflitos337. As etapas de implementação do MAE não foram completadas e até hoje o mercado opera segundo a primeira etapa, com contabilização sendo efetuada somente a ex-ante e preços definidos semanalmente. O conjunto de equações matemáticas que descrevem as regras de mercado são excessivamente complexas, o que impede que agentes menos estruturados tenham uma atuação ativa. O funcionamento do MAE foi alvo de inúmeras disputas legais que inviabilizaram seu funcionamento. Em função de litígios, as transações não podiam ser liquidadas. As primeiras transações efetuadas no MAE, em setembro de 2000, só foram liquidadas em dezembro de 2002. Assim, as empresas evitavam utilizar o mercado de curto prazo para executar suas transações. A própria formulação do mercado de curto prazo, que efetua operações com base no volume não contratado é semelhante ao de mercado de ajuste. E na prática, foi assim que o mercado funcionou, atendendo às situações em que erros de previsão ou falhas operacionais faziam com os volumes contratados não correspondessem ao efetivado. Ou seja, as empresas só recorriam ao mercado spot como última instância, que funcionava apenas como um mercado de balanço (tempo-real). O Operador Nacional do Sistema (ONS) também teve problemas. Com o intuito de preservar a coordenação da operação, muito importante em um sistema elétrico com as características do brasileiro, as decisões foram excessivamente centralizadas no 336 Com a redução da demanda causada pelo racionamento, as termelétricas praticamente não têm sido despachadas. O fator de capacidade das usinas termelétricas da Petrobrás é próximo a zero, acarretando em elevadas perdas para a empresa. 337 Em abril de 2001, o MAE sofreu intervenção da ANEEL e as assembléias foram substituídas por um conselho formado por membros que não têm vínculos com as empresas ou com entidades de classe do setor. 173 órgão, restando pouca interferência das empresas sobre as definições de quantidade e preço. Os modelos utilizados não são transparentes e, tampouco, críveis. Como conseqüência, o preço do mercado spot não serviu como referência para a realização de transações, impedindo que instrumentos financeiros fossem desenvolvidos no setor, como o mercado futuro que necessita de um preço de referência para orientar as transações. Vários fatores contribuíram para a descrença em torno do preço de curto prazo da energia resultante do modelo (Newave). Como apresentado anteriormente, o preço se situa em patamares muito baixos (como R$ 4/MWh) durante períodos consideráveis de tempo. Mesmo em períodos em que somente centrais hidrelétricas estivessem operando, não seria razoável que o preço fosse tão baixo, pois preço teria de remunerar, ao menos, o custo de operação das centrais e o custo de oportunidade d’água (benefícios de manter a água nos reservatórios para utilização futura também denominado de custo futuro)338. Quanto ao custo de operação, segundo a ANEEL, a usina de Itaipu, que sempre esteve inclusa no despacho, tem custo operacional de R$ 17/MWh. Desta forma, o preço mínimo no mercado de curto prazo não poderia ser tão baixo339. Era prática comum a correção dos resultados dos modelos. Em outubro de 2000, em função de restrições de transmissão o resultado do modelo seria um preço de R$ 3,00/MWh no subsistema Sul e R$ 99,71/MWh no Sudeste/Centro-Oeste. Para evitar perdas substanciais de agentes que comercializassem energia entre regiões, a ANEEL interveio e eqüalizou os preços nos dois subsistemas em R$ 93,02/MWh. Isso evidenciava que as próprias instituições setoriais não consideravam os resultados dos modelos adequados e contribuíam para minar sua credibilidade. Os eventos que antecederam o racionamento mostraram que o modelo Newave não era adequado para gerir o sistema. Desde sua criação, o MAE convivia com preços elevados. No entanto, em dezembro de 2000 e janeiro 2001, houve uma redução brusca dos preços, quando os reservatórios estavam em níveis extremamente baixos. A explicação seria que o modelo seria muito sensível ao curto prazo e as expectativas de precipitação futura eram fortemente baseadas na ocorrência de chuvas no mês anterior. Como o nível de chuvas foi relativamente elevado em novembro e dezembro de 2000, os preços se reduziram em dezembro de 2000 e janeiro de 2001. Assim, o menor preço 338 Como o modelo trabalha com um horizonte relativamente curto (2 anos), esse não valoriza corretamente a água nos reservatórios. 174 da história de funcionamento do MAE até então foi observado apenas três meses antes do início do racionamento. Essa evolução dos preços constituiu não apenas um sinal errôneo para o comportamento do consumo, mas também indica que nem toda a capacidade de geração e transmissão foi utilizada para reduzir o ritmo de depleção dos reservatórios. Desta forma, o ONS não foi eficaz ao zelar pela segurança do abastecimento, que era uma de suas responsabilidades. Ao utilizar uma curva guia, que define os níveis mínimos de armazenamento que justificam o despacho de toda a capacidade de geração termelétrica340, para nortear o despacho a partir do racionamento, implicitamente é reconhecido que o modelo Newave não define o custo futuro d’água adequadamente. A Figura III.15 descreve um exercício que ajuda a compreender a inadequação do modelo, apresentando conjuntamente a curva guia válida para 2002, a evolução dos reservatórios entre agosto de 1999 e dezembro de 2001 e o preço do MAE no submercado Sudeste/Centro-Oeste nesse mesmo período. Sempre que a energia acumulada nos reservatórios é inferior a curva guia, o preço do MAE deveria alcançar o custo da térmica mais cara do sistema. No entanto, isso não ocorre em várias ocasiões. Em fevereiro de 2000 e janeiro de 2001, o preço do MAE diminuiu quando o armazenamento era inferior a curva guia. 339 Recentemente, a ANEEL fixou o piso do preço de curto prazo da eletricidade nesse valor. Durante o racionamento foi adotada uma curva guia apenas suficiente para o ano de 2001, que definia as condições mínimas para enfrentar o período seco, mas que não levava em conta a segurança posterior. Em 2002, foi definida uma curva guia bienal. Essa considera o nível mínimo dos reservatórios para enfrentar o biênio com menor hidrologia da história. Novamente, não é levado em conta a segurança após o biênio. A justificativa é que a probabilidade de enfrentar mais um ano seco após esse biênio extremo seria remota. No entanto, essa lógica parte da premissa que os reservatórios estão se esvaziando por causa da hidrologia, mas essa não é a única causa da depleção dos reservatórios. Se os reservatórios se esvaziam por outro motivo (e.g. aquecimento inesperado da demanda), a probabilidade de enfrentar mais um período seco não é afastada. 340 175 Figura III.15 Energia Armazenada (EAR %), Curva guia 2002 e Preço do MAE 800 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 700 500 400 300 R$/MWh 600 200 100 0 ag o/ 99 ou t/9 de 9 z/ 99 fe v/ 0 ab 0 r/0 0 ju n/ 0 ag 0 o/ 00 ou t/0 de 0 z/ 00 fe v/ 0 ab 1 r/0 1 ju n/ 0 ag 1 o/ 0 ou 1 t/0 de 1 z/ 01 % Submercado Sudeste/Centro-Oeste Curva guia EAR % Preço Fonte: Elaboração Própria Comparando o montante de energia que poderia ser produzido por termelétricas e importado do Sul (região que não foi submetida ao racionamento) com o que foi programado, é possível estimar o esvaziamento dos reservatórios do Sudeste e Centro/Oeste que poderia ter sido evitado se a programação fosse definida refletindo adequadamente o valor d’água. Entre os meses analisados (de outubro de 2000 a março de 2001), o mês de janeiro de 2001 é o que apresenta a maior diferença entre a alternativa potencial à geração hidrelétrica e o programado. Nesse mês, não foi despachada parcela flexível de nenhuma térmica (excluindo geração nuclear) e não foi importada energia do Sul. Desconsiderando eventuais restrições que não permitam a utilização máxima da capacidade, a geração de 2,9 TWh hidrelétricos poderia ser evitada somente neste mês, o que corresponde a 2,5% da capacidade de armazenagem dos reservatórios do submercado. No acumulado dos meses analisados, esses totais são estimados em 5 TWh e 4,3% da capacidade de armazenagem (Tabela III.7). 176 Tabela III.7 Potenciais de geração flexível e importação vs. programação Submercado Sudeste/Centro-Oeste - MWmédio Térmicas Flexíveis Importação Diferença Total Potencial Programado Diferença Potencial Programada Diferença 892 475 417 2.900 2329 571 988 841 741 100 2.900 2624 276 376 1.171 446 725 2.900 2581 319 1.044 1.062 0 1.062 2.900 0 2.900 3.962 1.117 702 415 2.900 2878 22 437 756 527 229 2.900 2862 38 267 out/00 nov/00 dez/00 jan/01 fev/01 mar/01 Acumulado 2.123 2.971 5.093 GWh Fonte: Elaboração própria. Dados Asmae Notas: Térmicas não incluem nucleares e centrais CCC. Capacidade corresponde ao total disponível para despacho, calculada como o máximo gerado durante o racionamento descontado da potência em manutenção e da entrada de novas centrais. Também caracteriza a experiência brasileira o fato de a agência de regulação, ANEEL, ter sido criada quando o processo da reforma já estava em curso, inclusive a privatização. Como o governo priorizou a solução de problemas de caixa, ao invés da eficiência econômica (Araújo, 2001), Escelsa e Light foram vendidas sem que o órgão que regularia sua atuação estivesse implantado. Como conseqüência, os contratos de concessão tiveram um papel predominante, definindo inclusive a política tarifária. Segundo Dias Leite (1997), o Estado voltava a intervir no setor elétrico como no início do século, quando a regulação era efetuada via contratos. Ainda sobre a agência de regulação, a atuação da ANEEL como Poder Concedente é conflitante com o princípio de independência. Em tese, a agência deve mediar relações entre Poder Concedente e empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas. Assim, sua isenção é comprometida em disputas entre empresas e o Poder Concedente. Finalmente, tal qual na Califórnia, o órgão regulador demorou a diagnosticar a situação, tampouco tomou medidas que, pelo menos, reduzissem os impactos da crise341. Evidencia a atuação não adequada da agência, o fato de o governo ter criado uma Câmara de Gestão da Crise que se sobrepôs as funções do regulador. A fragilidade do quadro institucional brasileiro também é ilustrada pela situação do Ministério de Minas e Energia. O Ministério conta com um número de funcionários 341 Se o racionamento fosse decretado anteriormente, a meta de consumo poderia ser menos restritiva. 177 limitado, não sendo capaz de executar a função de Poder Concedente, que repassa à ANEEL, nem de definir a política energética para o país. A legislação previa a criação de um Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que subsidiaria o ministério nesse intuito. No entanto, a legislação demorou a ser operacionalizada. O CNPE foi criado pela lei 9.478, também conhecida como Lei do Petróleo, mas seus membros só foram definidos em 2000 e suas primeiras reuniões só ocorreram em 2001, motivadas já pela crise energética, quando o Conselho atuou em cooperação com a Câmara de Gestão do Setor Elétrico (GSE). III.4. Conclusão III.4.1. Condicionantes As pré-condições da reforma do setor elétrico no Brasil, sintetizadas na Tabela III.8, resultaram em relevantes complexidades para o desenho da reforma. A principal particularidade do sistema elétrico brasileiro é a predominância hidrelétrica, o que determina a forma de coordenação na indústria. A forte interdependência das decisões, no curto (produção) e longo prazo (investimento), aumenta o espaço para oportunismo. Por outro lado, as complexidades usuais da coordenação da operação diminuem. Um aspecto muito evidenciado na literatura sobre a coordenação de sistemas elétricos é o problema do compromisso das unidades decorrente da não convexidade dos custos de plantas termelétricas. Esse problema é diminuto em centrais hidrelétricas que não incorrem em custos de partida e sem carga, pois a entrada em produção é quase instantânea, bastando abrir as compotas. Além disso, a existência de reservatórios permite contornar parcialmente o principal problema da coordenação do setor elétrico que é a incapacidade de estocar eletricidade. Ainda que a necessidade de equilíbrio em tempo real não seja eliminada, há um importante impacto sobre a segurança do abastecimento no médio e longo prazo. Um condicionante relacionado à predominância hidrelétrica é a condição de oferta do gás natural. Historicamente, em função da escassez de reservas, esse combustível teve uma participação marginal na evolução da matriz energética nacional. Com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, a oferta foi ampliada, mas o custo de transporte torna o preço do combustível elevado, principalmente quando a taxa de câmbio estiver apreciada. Assim, a disparidade entre custos de centrais hidrelétricas em 178 operação e centrais térmicas novas é elevado. O que se traduz na questão, muito debatida, da “energia velha” vs. “energia nova” e dificulta politicamente a liberalização da indústria, na medida em que os preços resultantes de um regime competitivo são maiores do que os de um regime regulado a custos de serviço, na medida em que o custo marginal é superior ao custo médio da indústria. Por outro lado, a situação incipiente da indústria resulta na ausência de mercados flexíveis (interruptíveis), que impossibilita que o combustível seja utilizado em momentos de escassez de energia hidrelétrica. Outro ponto é a fragilidade institucional. A persistência de lacunas no marco 342 legal e as deficiências do conjunto de instituições deram origem a elevado risco regulatório, desestimulando a efetivação de investimentos. Espaço para conflitos era considerável, provocando ineficiência na coordenação setorial. A instabilidade econômica ampliava os riscos dos projetos. O último elemento dos condicionantes é o elevado dinamismo do mercado, já que o padrão de consumo ainda é baixo e parte relevante da população ainda não tem acesso à eletricidade. Assim, o ritmo de investimento deve ser elevado para evitar gargalos. Tabela III.8 Características do Setor Elétrico Brasileiro Aspecto Concentração do mercado de geração Sobra de infra-estrutura Barreiras Estruturais à entrada Dinamismo do mercado Força Institucional Estabilidade institucional e econômica Barreiras institucionais à entrada Participação hidrelétricas Nível Moderada Não Elevadas Elevado Baixa Baixa Moderadas Predominante Fonte: Elaboração Própria III.4.2. Escolhas O desenho da reforma brasileiro, representado na Tabela III.9, foi determinado por esses condicionantes, particularmente a predominância hidráulica. A decisão dos 342 Como aponta Newbery (2002), a definição de um marco legal completo o primeiro passo para o êxito de reformas do setor elétrico. 179 reformadores foi a de centralizar grande parte das decisões no ONS, dando um espaço limitado à competição, pelo menos em um primeiro momento. Tabela III.9 Desenho dos mercados de eletricidade no Brasil Aspectos Nível de Centralização 1. Transações de energia no atacado Tempo Real C Dia Seguinte C+ Longo Prazo C+ 2. Transações no varejo C 2. Segurança e Estabilidade Curto Prazo C Longo Prazo D 3. Planejamento C 4. Tratamento Congestão D 5. Gestão d’água C Nota: C + significa bastante centralizado, C centralizado, D descentralizado e D + Bastante descentralizado. Fonte: Elaboração Própria As transações de energia contam com uma excessiva centralização no Brasil. Em tempo real, a coordenação é centralizada pelo ONS. As transações de curto prazo não correspondem ao mercado para o dia seguinte, como em outras experiências. O mercado de curto prazo do MAE definia preços mensais e, mais recentemente, semanais. Devido aos preços elevados observados no período inicial e aos problemas de disputas legais, o mercado de curto prazo do MAE funcionou mais como um mercado em tempo real do que de um mercado de curto prazo, pois os agentes só efetuavam transações como ajustes causados por imprevistos, e não por iniciativa própria. O mercado de curto prazo tem sua coordenação centralizada pelo ONS. O mercado funciona como pool343 e o único elemento de descentralização eram os lances da parcela flexível das térmicas. Mas as regras de mercado determinam que esses devam refletir os custos marginais das centrais. O mercado de longo prazo também contava com centralização, os contratos iniciais refletiam a situação anterior a reforma e, portanto, seus preços são regulados. Os contratos bilaterais deveriam consistir no elemento em que o mercado seria ativo. No 343 É interessante notar que o pool brasileiro não conta com pagamentos adicionais (side-payments), contrariando a classificação apresentada por Stoft (2002). No entanto, como é baseado em custos e opera baseado em resultados de modelos computacionais, seu funcionamento é muito mais semelhante ao de um pool que ao de uma bolsa. 180 entanto, De Oliveira e Losekann (1999) demonstram que a regra de repasse distorce a competição no mercado de geração. A regra de repasse praticamente eliminou o elemento de concorrência mais importante no setor elétrico brasileiro344. A existência de um preço de referência facilita a formação de um conluio tácito pelos geradores. Sabendo que as distribuidoras (comercializadores) podem repassar o custo a valores de energia próximos ao VN, os geradores devem oferecer contratos nessa vizinhança. Preços mais caros dificilmente seriam aceitos, pois isso traria prejuízos às concessionárias e preços mais baixos não seriam vantajosos ao gerador345. Assim, o preço dos contratos bilaterais passou a ser indiretamente regulado. O preço médio dos contratos bilaterais é bastante próximo ao VN. Analisando mais detalhadamente os preços dos contratos bilaterais percebe-se que são realmente determinados pelo VN. A própria ANEEL assume esse fato. Na realização das revisões tarifárias, a agência adota o valor do VN quando o valor dos contratos bilaterais não é informado. A reforma previa uma liberalização gradual e restrita do mercado de varejo. A Lei 9.074 de 1995 determinou que os consumidores com carga superior a 10 MW poderiam escolher seu fornecedor, limite que se reduziu para 3 MW em 2000. A lei não definiu um cronograma para a liberalização do mercado de menor porte. Mesmo os consumidores de grande porte não trocaram de fornecedores, as concessionárias de distribuição, através dos contratos iniciais, ofereciam preços mais atrativos346. A provisão de serviços ancilares é coordenada centralizadamente pelo ONS. As regras de mercado não incluiam remuneração especial por esses serviços, que são considerados uma contra-partida das geradoras. Não foi criado nenhum mecanismo específico para estimular investimentos e promover a segurança do abastecimento no longo prazo. Apesar de um encargo de capacidade ter sido incluído no modelo da reforma, esse não foi efetivado. O Planejamento era do tipo indicativo, onde o CCPE 344 Restaria a competição no mercado de geração para a energia relacionada ao atendimento dos consumidores livres. No entanto, os contratos iniciais possibilitavam que as concessionárias oferecessem energia a um preço que os competidores não podiam cortá-lo e poucos dos consumidores capazes de trocar de fornecedor exerceram essa possibilidade. Assim, a regra de repasse se aplicou a virtualmente toda energia transacionada no país. 345 É claro que esse conluio tácito poderia não ser sustentável se houvesse capacidade ociosa ou entrada de geradores com custo inferiores ao VN. No entanto, essa não era a situação brasileira. A capacidade estava praticamente totalmente ocupada e VN não era indutor da entrada. Essa foi uma das causas da falta de investimentos. 346 Após o racionamento, com a sobra de eletricidade, essa realidade foi modificada e a percentagem de consumidores que utilizam fornecedores alternativos foi ampliada. 181 realiza a previsão de mercado e lista o rol de projetos, que podiam ou não ser efetivados. No caso das hidrelétricas de grande porte, ocorrem licitações competitivas para definir os executores dos projetos. O Brasil conta com preços locacionais e quatro sub-mercados operam no sistema brasileiro. No entanto, não são utilizados direitos de transmissão como critério de remuneração, o excedente financeiro é administrado pelo ONS para compensar custos do sistema. O ONS centraliza a coordenação das centrais hidrelétricas. Estas operam como se pertencessem a uma única empresa. Os proprietários das usinas não determinam a quantidade produzida, tampouco têm influência na formação dos preços. O MRE torna a remuneração parcialmente independente da quantidade produzida. III.4.3. Resultados O desempenho da reforma brasileira foi bastante negativo (Tabela III.10). Apesar dos preços não terem sido muito elevados, a eficiência alocativa não era alcançada. Os preços ainda refletiam a remuneração por custos do serviço em função das regras de transição, que utiliza o custo médio para determiná-lo. O que gera ineficiência, já que não os sinais não promovem a eficiência alocativa. Por ser inferior ao custo marginal, esse induz a consumo superior ao ótimo social. Tabela III.10 Desempenho da Reforma Brasileira Aspectos Eficiência Alocativa Adequação dos Investimentos Arranjos Institucionais Desempenho Ineficiente Inadequado Muitos Problemas Fonte: Elaboração própria A inadequação dos investimentos foi determinada pela demora da recuperação dos níveis adequados de capacidade. Os arranjos institucionais deficientes, principalmente quanto à gestão dos reservatórios, também foram determinantes da crise setorial. A crise brasileira é substancialmente diferente da enfrentada na Califórnia. Enquanto que no estado norte-americano o problema era atender à demanda de pico, a capacidade instalada no Brasil é muito superior à demanda de pico. O problema 182 brasileiro é de desequilíbrio dos fluxos de entrada e saída de água nos reservatórios, o que é mais fácil de gerenciar do que o problema da Califórnia. Nesse estado ocorreram vários blecautes, enquanto no Brasil não foi necessário realizar cortes347. Tanto isso é verdade, que não foi necessário cortar eletricidade. A maneira escolhida para gerenciar os reservatórios no momento da crise demonstra como os sinais de preço podem levar a decisões eficientes. Ainda que a ameaça de corte fosse importante para contingenciar o consumo em um primeiro momento, os sinais de preço guiaram a alocação da eletricidade durante a crise. Para os consumidores residenciais, bônus e multas deram incentivos para que a eficiência no uso de eletricidade fosse buscada, através da aquisição de equipamentos mais eficientes, como lâmpadas fluorescentes, e priorização os usos mais essenciais, o que se refletiu no desligamento de freezers e ar condicionados. Para as indústrias, optou-se pela descentralização. A implantação de direitos de consumo negociáveis propiciou a melhor alocação entre os setores industriais. Foram criados diversos mercados para negociá-los e os valores eram substancialmente inferiores ao custo do déficit348. A questão relevante na avaliação da reforma brasileira é se seu desenho foi o mais adequado às características do sistema elétrico nacional. Como vimos, a situação pré-reforma era bastante complexa no Brasil e a resposta dos reformadores foi a construção de um desenho que contava com maior centralização das decisões e menor espaço para a competição do que as demais experiências internacionais. Assim, o mercado não constituiu a forma de realizar as transações de eletricidade no curto ou longo prazo. É importante destacar que as experiências internacionais também enfrentaram graves problemas derivados das características iniciais e a solução encontrada não foi a centralização. Os problemas enfrentados no Brasil poderiam ser contornados de outra forma, possibilitando que a competição tivesse maior espaço. Como a experiência durante o racionamento indica, sinais de preço podem estimular a eficiência. No momento atual, os problemas conjunturais (escassez de capacidade) estão contornados e as mudanças institucionais enfrentariam menor resistência, já que há um consenso que essas são necessárias. Esse seria o momento para mitigar os riscos 347 Apesar de freqüentemente a crise elétrica ser denominada “crise do apagão”, esse não ocorreu. O preço dos direitos oscilou durante o período do racionamento. Antes das metas serem relaxadas, o preço era cerca de R$ 300/MWh. O custo do déficit foi anteriormente definido em R$ 684/MWh. 348 183 regulatório, através do aperfeiçoamento do marco legal e do reforço das instituições setoriais, e macroeconômico, através da oferta de proteção cambial aos projetos. Desta forma, o quadro inicial seria mais favorável à descentralização. Quanto à predominância hidráulica, as autoridades do setor ressaltam a interdependência das decisões, mas não consideram o impacto positivo para facilitar a coordenação. Na Noruega, a predominância hidrelétrica foi um indutor para a escolha de soluções de mercado, que estão presentes na coordenação dessas centrais desde a década de 1970. O argumento de que há consideráveis ganhos de coordenação ignora que o mercado também propicia coordenação, que grande parte da literatura econômica aponta como a alternativa mais eficiente. A centralização da gestão do parque hidrelétrico tem conseqüências relevantes no Brasil. Se as centrais hidrelétricas operam como se pertencessem a uma única empresa, essa conta com uma participação de 90% no mercado brasileiro. Isso força a intervenção do governo para regular preços, pois essa estrutura propicia a manipulação de preços caso esses sejam livremente determinados. Por outro lado, representa uma barreira à entrada para as empresas que não participam desse “cartel”. A solução da Noruega para promover a descentralização foi o desenvolvimento de acordos de bacias, o que ocorreu após um histórico de cooperação e experiências com trocas de eletricidade. Ainda que as características brasileiras sejam distintas e o parque hidrelétrico conte com ainda maior interdependência das decisões, solução semelhante deve ser buscada. Um aspecto fundamental da coordenação no setor elétrico é a segurança do abastecimento. Por se tratar de bem público, o resultado de mercado tende a ser ineficiente. Nas experiências internacionais, as políticas de segurança são usualmente instrumentalizadas por requerimentos e encargos de capacidade. Aplicados em sistemas de base termelétrica, esses instrumentos induzem o investimento em sobre-capacidade, aumentando a margem de segurança do sistema. As características do sistema elétrico brasileiro, predominância hidrelétrica e, principalmente, disponibilidade de grandes reservatórios, modificam a natureza do problema de segurança do abastecimento. No Brasil, a capacidade de armazenagem nos reservatórios corresponde à metade do consumo anual de eletricidade (180 TWh). Ou seja, se os reservatórios estão cheios, mesmo que não chova uma gota, o mercado pode ser atendido durante seis meses sem considerar a geração termelétrica. Como já foi 184 enfatizado, a segurança do abastecimento no Brasil não é determinada pela folga entre capacidade instalada e demanda de pico, mas, essencialmente, pelo volume de energia acumulado nos reservatórios. Dessa forma, os instrumentos de política orientada à segurança de abastecimento no Brasil devem focalizar a administração do volume de energia nos reservatórios. A determinação dos níveis dos reservatórios somente via sinais de mercado tende a não atender incorporar o objetivo de garantir a segurança do abastecimento349, e a intervenção do Estado se justifica para promover melhorias de bem-estar. A forma de atuação, que mereceria um estudo mais aprofundado, poderia ser semelhante à que ocorre com estoques estratégicos de outros bens e serviços, inclusive de reservas internacionais. Isso não exige o Estado seja dono das centrais, mas sim que esse define valores mínimos de acumulação de água nos reservatórios. Uma analogia interessante é com as reservas compulsórias (encaixes) que o Banco Central obriga os bancos comerciais a manter em caixa como instrumento de política monetária. Uma importante decorrência dessa proposta é a modificação do papel das térmicas. Atualmente, o papel reservado a esse tipo de central é “complementar” ao das hidrelétricas, sendo seu despacho orientado aos períodos de hidrologia crítica, quando os reservatórios estão vazios. Com a adoção dessa proposta, a quantidade de energia acumulada nos reservatórios seria maior e as térmicas seriam despachadas mais regularmente. Os benefícios dessa escolha são diminuir a necessidade de capacidade em relação aos instrumentos usuais de política de segurança350 e resultar em um perfil de despacho de termelétricas mais coerente com a maturidade da indústria de gás natural, onde um mercado interruptível, essencial para a operação das térmicas em regime complementar, ainda não foi desenvolvido. Esse último fato tem constituído uma importante barreira à implantação de centrais termelétricas. No entanto, os custos operacionais do sistema tenderiam a ser mais elevados e esse trade-off define o volume ótimo de energia que o Estado deveria manter como reserva estratégica. Este tratamento da política de segurança possibilitaria descentralizar decisões, principalmente na forma de negociar eletricidade, permitindo a obtenção dos benefícios 349 Johsen (2003) analisa o caso do Norte da Noruega, onde a coordenação via mercado criou estímulos ao esvaziamento dos reservatórios além do nível ótimo social, o que acarretou em sucessivas intervenções do regulador para contornar a escassez de energia. 350 A implementação de centrais de emergência segue a orientação usual, se assemelhando a um encargo de capacidade. Se o problema de segurança de abastecimento for tratado somente através desse elemento, os custos seriam excessivamente elevados. 185 propiciados por ambientes competitivos nesse importante setor econômico. Afinal, são esses benefícios que justificaram a reforma da indústria ao redor do mundo. Escolher a opção oposta – promover a intensificação da centralização – acarretaria em custos para a sociedade, na medida que os incentivos à eficiência seriam renunciados, e consistiria uma contradição à trajetória internacional da indústria. Essa parte da premissa errada que a descentralização foi a razão da crise no Brasil. Por outro lado, como foi apresentado anteriormente, a trajetória da indústria capitaneada pelo Estado, ainda que tenha experimentado um longo histórico de êxitos, teve seu esgotamento há pelo menos de duas décadas. 186 CONCLUSÃO A principal questão que guiou a elaboração da tese foi a razão do desenho de reforma não ter sido adequado no setor elétrico brasileiro. Uma pergunta deriva dessa questão: a adoção de um “modelo competitivo” foi o determinante da crise elétrica de 2001/02? Uma série de autores, como Sauer (2002), a respondem afirmativamente, mas a análise desenvolvido na tese não corrobora essa posição. Para sustentar o argumento, foram buscadas nas experiências internacionais de reforma do setor elétrico as lições para a reforma brasileira. Ainda que vários países tenham reformado suas indústrias elétricas, não há um desenho único de reforma. Os sistemas elétricos de cada experiência detêm particularidades que condicionam a escolha do desenho características. Ou seja, não há “um tamanho único que sirva a todos”. A complexidade da coordenação econômica no setor elétrico torna a tarefa de encontrar o desenho adequado de reforma muito relevante. São três os principais determinantes dessa complexidade. Primeiramente, a especificidade dos ativos é bastante elevada devido à forte interdependência tanto entre decisões operacionais, quanto de investimentos, gerando espaço para comportamentos oportunistas. Segundo, a eletricidade é um bem não estocável e o ajuste entre oferta e demanda deve ser instantâneo (equilíbrio em tempo real) sobre risco de queda do sistema. Por último, o setor elétrico é um exemplo de livro texto de falhas de mercado. As atividades de transporte de energia constituem monopólio natural e a eletricidade é fonte de externalidades positivas e negativa. Historicamente, a formação de monopólios integrados verticalmente (ou quasiverticalizados) e a regulação por taxa de retorno constituíram a combinação dominante para contornar essas complexidades. Essa estrutura mitigava riscos e estimulava investimentos, sendo adequada para a fase de expansão da indústria, quando as oportunidades de economia de escala eram elevadas. No entanto, a falta de incentivos ao comportamento eficiente das empresas era uma velha crítica acadêmica. Na década de 1980, conforme a trajetória de ganhos de escala se esgotou, tal crítica se difundiu, impulsionando a reforma do setor elétrico. 187 O objetivo da reforma é incrementar a eficiência setorial através da introdução da competição. No entanto, não é possível simplesmente substituir a estrutura de monopólio por um mercado puro. As experiências de reforma adotam soluções híbridas que combinem elementos de mercado e de coordenação centralizada. O mercado atacadista de energia e o operador independente do sistema são instituições de coordenação comumente desenvolvidas nas experiências. A análise da experiência internacional destacou os elementos de características do sistema, das escolhas do desenho de reforma e do desempenho de cada experiência. As experiências partem de situações iniciais distintas. A hipótese adotada é que a adequação entre características e escolhas determina o resultado da reforma. Quanto a matriz de geração, são pontos importantes a participação da geração hidrelétrica, a dependência de importações e a disponibilidade de gás natural. A primeira particulariza a coordenação do setor elétrico, pois possibilita a estocagem indireta de energia e gera um risco de oferta relacionado à hidrologia. A predominância da hidrologia na Noruega determinou a criação de instrumentos de coordenação peculiares e estimulou a introdução da competição nesse país. O balanço de energia da Califórnia era dependente da aquisição de energia proveniente de estados vizinhos, assim a segurança de abastecimento era frágil351. A disponibilidade de gás natural é considerada um fator chave nos processos de reforma, por reduzir as barreiras à entrada no setor. Essa característica foi determinante nas experiências da I&PG e Califórnia. As experiências também se diferenciam quanto ao ritmo de crescimento da demanda de eletricidade, que determina a necessidade de investimentos em expansão. Das experiências internacionais analisadas, a Califórnia é a única a apresentar um ritmo elevado de crescimento da demanda. O último ponto importante dos condicionantes é a força institucional, que demonstra a capacidade das instituições darem rumos ao setor e solucionar problemas. As instituições foram fortes no caso da I&PG, sendo extremamente atuantes para enfrentar o problema de excessiva concentração da indústria. Esse não foi o caso das outras experiências. Nos países nórdicos, as instituições focaram os problemas locais (de cada país) e não atuaram no conjunto. Na Califórnia, o conflito entre instituições e indefinição dos papéis comprometeram a força institucional. 351 No caso, a situação era crítica pelos estados exportadores terem predominância hidrelétrica, que repassavam o risco de oferta para a Califórnia. 188 As escolhas do desenho de reforma definem a forma que a energia é negociada. A análise indica que a trajetória de descentralização das decisões é contínua na experiência internacional. O Pool inglês era o mercado spot que contava com maior centralização das decisões em seu operador. A instituição do NETA, promoveu maior descentralização, constituindo seu principal objetivo conceder liberdade aos agentes para negociar eletricidade. A experiência do Nord pool também conta com bastante descentralização, o que serviu, inclusive, de inspiração para a re-reforma inglesa. No caso da Califórnia, o mercado atacadista era bastante descentralizado e decisões que usualmente são centralizadas, como a contratação de serviços ancilares, foram descentralizadas. No entanto, as regras de transição inviabilizaram a descentralização das transações bilaterais e a liberalização da comercialização de eletricidade. O desempenho das experiências também apresenta diferenças. Todas enfrentaram problemas. No caso da I&PG, os preços foram elevados nos anos iniciais, mas a intervenção do regulador reverteu a situação. Nos países nórdicos, os anos iniciais foram de bom desempenho, mas a escassez de investimentos gerou problemas recentemente. A escassez de investimentos também foi observada na Califórnia. Esse problema se somou à fragilidade institucional e à inadequação das escolhas tomadas em relação às características do sistema, gerando uma grave crise elétrica no estado mais rico dos EUA. As características do sistema elétrico brasileiro também eram bastante complexas, o país conta com predominância hidrelétrica, forte crescimento da demanda e instituições fracas. Para lidar com essas complexidades, as autoridades optaram por centralizar excessivamente a coordenação setorial. O mercado spot tinha limitados elementos de descentralização, já que o despacho era definido através de modelos computacionais que não eram baseados em lances de oferta, mas no custo de operação das centrais. As regras de transição, como os contratos iniciais e a regra de repasse, fizeram com que as transações bilaterais, que tenderiam a ser o elemento sujeito à livre competição, fossem praticamente reguladas. O mesmo ocorria com a atividade de comercialização, onde poucos consumidores optaram por trocar seus fornecedores até a crise de eletricidade iniciar. O mau desempenho da reforma brasileira culminou com a crise de 2001/02, quando os consumidores ficaram sujeitos a racionamento de eletricidade. Essa crise não foi o resultado da adoção de um “modelo de mercado”, pois o desenho da reforma 189 brasileira reservou pouco espaço ao mercado. O principal determinante da crise foi a inadequação do arranjo institucional, que gerava sinais econômicos indutores a ineficiência no curto e no longo prazo. No curto prazo, o modelo adotado para definir a operação sub-valorizava a água acumulada nos reservatórios acarretando em sua depleção. No longo prazo, a incerteza decorrente das lacunas regulatórias, do sobredimensionamento da energia assegurada e de fatores macroeconômicos, desestimularam investimentos em termelétricas, que eram as centrais capazes de contornar o problema de escassez de energia em tempo hábil. A questão remanescente é se havia alternativa para a escolha do desenho de reforma brasileiro. Uma premissa comumente utilizada é que as complexas características do sistema brasileiro, principalmente a predominância hidrelétrica, tornam a centralização da coordenação imprescindível. No entanto, a experiência internacional, que também ficou sujeita a problemas, aponta que a descentralização é o caminho a trilhar. Na Noruega, a predominância hidrelétrica foi um estímulo à adoção de um modelo competitivo por simplificar a coordenação, permitindo “estocar” eletricidade. Foi um passo fundamental nesse processo, que também seria necessário para possibilitar a descentralização no Brasil, a elaboração dos acordos de bacias, que definem direitos de propriedade para o uso da água. Por outro lado, a experiência durante o racionamento demonstrou como sinais de preço que refletem a escassez da eletricidade acarretam a decisões adequadas quando são experimentados pelo consumidor final, propiciando a coordenação setorial eficiente. Um ponto crítico das experiências de reforma é a segurança do abastecimento. Vários países têm adotado políticas específicas para atender a esse objetivo, que gerenciam a folga entre capacidade de geração e demanda de pico. Usualmente, essas implementam remuneração à capacidade de geração, estimulando o investimento em centrais que ficam ociosas na maior parte do tempo. No Brasil, esse tipo de solução não é adequada, pois a segurança não depende da folga entre capacidade de geração e demanda de pico, mas fundamentalmente do gerenciamento da água contida nos reservatórios. Dessa forma, a política de segurança deve focar esse elemento, através da definição pelo governo de estoques de estratégicos que devem ser orientados para situações emergenciais, tal como ocorre com outros bens essenciais. Concluindo, um desenho mais descentralizado de reforma seria não só possível mas mais adequado às características do sistema elétrico brasileiro. Como esse objetivo 190 envolve modificações institucionais, tal não pode ser atingido no curto prazo. Mas a reforma brasileira deve ser guiada para que os obstáculos à descentralização sejam superados e esse objetivo seja atingido no longo prazo. É preciso ter em conta que a opção totalmente centralizada no Estado, que caracterizou a trajetória da indústria brasileira anterior à reforma, já encontrou seus limites com o esgotamento da capacidade de investimento estatal. Tentar retornar ao passado significa ignorar não só a tendência internacional, mas também os problemas que o setor elétrico brasileiro já enfrentou. 191 BIBLIOGRAFIA ALVEAL, C. (1998). Do Estado Empresário ao Estado Regulador: Questões Relevantes sobre a Reestruturação das Indústrias de Infra-estrutura no Brasil. III Encontro de Economistas de Língua Portuguesa, Macau. AMUNDSEN, E. e L. BERGMAN (2002). "Will Cross-Ownership Re-Establish Market Power in the Nordic Power Market?" The Energy Journal 23(2): 73-95. ANEEL (2003). Legislação Completa, Aneel. www.aneel.gov.br ____________ (2003a). Revisão periódica da concessionária de distribuição de Energia Elétrica Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG. Nota técnica NT 040/2003, ANEEL. ____________ (2003b). 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Com algumas exceções353, essas companhias não tinham escala produtiva suficiente para tornar a eletricidade competitiva com o gás (o que retardou a difusão da eletricidade na Inglaterra em relação aos Estados Unidos)354. A CEB (Central Electricity Board) foi criada em 1926 com a incumbência de criar e operar um sistema de transmissão nacional que integrasse os sistemas locais, possibilitando a exploração de economias de escala355. No entanto, o êxito da CEB não foi acompanhado de ganhos de coordenação no âmbito da atividade de distribuição, cuja estrutura de propriedade permanecia excessivamente dispersa356. Em 1947, ocorreu a nacionalização357 da indústria de suprimento elétrico britânica. A resultante estrutura era constituída por 14 companhias locais (Area Electricity Board)358 subordinadas à British Electricity Authority (BEA), que também herdou as responsabilidade da CEB. Com a formação do Electricity Council359 e da Central Electricity Generating Board (CEGB), que passou a deter a geração e a transmissão na Inglaterra e País de Gales, a estrutura que regeu a industria até a reforma dos anos 90 se consolidou. 352 Hannah (1979) analisa com profundidade o setor elétrico inglês antes da nacionalização. Hannah (1979) cita o caso da Newcastle-upon-Tyne Electric Supply Co. Devido ao empreendedorismo de seu engenheiro chefe, Charles Merz, essa companhia teve êxito em sua expansão, tornando-se o maior sistema elétrico integrado da Europa no período anterior a Primeira Guerra Mundial. P. 33 354 Henney (1994) 355 A instituição também passou a ser responsável pela coordenação do planejamento e da operação do sistema elétrico inglês. A criação da CEB ilustra a possibilidades de ganhos com a interconexão e coordenação. Como resultado deste movimento, a reserva de capacidade foi reduzida de 84% em 1929-30 para 16% em 1939 (Chesshire, 1996). 356 Na década de 30, mais de 600 distribuidoras locais operavam na Grã-Bretanha (Hannah, 1979 p. 213). No momento da nacionalização, este número ainda era elevado: 537 (Newbery e Green, 1996, p. 38). 357 Este movimento (nationalisation) engloba a reestruturação e a estatização da indústria. 358 12 na Inglaterra e País de Gales e 2 no sul da Escócia. Em 1955, as duas companhias escocesas se separaram do sistema elétrico da Inglaterra e País de Gales. 359 Esta instituição foi criada para coordenar a indústria, mas, segundo Henney (1994), o Conselho nunca cumpriu esse papel por ser excessivamente dependente da CEGB e das Area Boards. 353 i A CEGB vendia energia às Area Boards ao preço da tarifa de suprimento ao atacado (Bulk Supply Tariff – BST), que agregavam o custo de distribuição para definir a tarifa ao consumidor final, que variava conforme categoria do consumidor, horário, estação do ano, voltagem e demanda máxima360. O cálculo da BST era complexo e possibilitava o repasse integral dos custos da CEGB, incluindo uma parcela para cobrir os custos operacionais e outra para cobrir os custos fixos. A estrutura de propriedade das empresas era de corporações públicas, o que tinha como intenção proporcionar uma combinação de controle contábil pelo Estado e autonomia empresarial para o atendimento do interesse público361. As corporações eram controladas por um conselho indicado pelo ministério. O Conselho contaria com independência operacional, restando ao Ministro prover direções gerais e aprovar os planos de investimentos e financiamento362. No entanto, esta visão de afastamento do governo das decisões operacionais, se provou “mais idealística do que realística”363. Segundo Newbery e Green (1996), a maior falha do arcabouço regulatório britânico foi não considerar as tensões entre as partes envolvidas. O governo deveria ter o papel de definir a política para o setor – guiando o desenho regulatório, provendo os incentivos apropriados e monitorando o desempenho – e os detalhes de operação seriam delegados à indústria. Mas o contrário ocorreu, o governo proporcionou “pouca orientação estratégica e muita interferência nos detalhes”364 A estrutura da indústria foi apropriada para mobilizar recursos e coordenar investimentos nos períodos de forte expansão da demanda nas 360 Chessire (1996) destaca que devido a incertezas da demanda e limitações do processo de mensuração, as tarifas finais não refletiam os sinais de custos contidos na BST. 361 Para mais detalhes sobre o funcionamento das corporações públicas consultar e Henney (1994). 362 Os White Papers de 1961, 1967 e 1978 foram elaborados para fortalecer o controle do governo sobre as empresas estatais. O primeiro introduziu metas financeiras e o segundo esclareceu os objetivos das corporações públicas com vista a maximização da eficiência, no entanto estes esforços não obtiveram êxito. O último definiu metas financeiras e de performance mais severas, adotando limites de financiamento externo anuais, o que minou o principio de afastamento do Estado, mas não resolveu o problema de interferência política nas decisões empresariais (Vickers and Yarrow, 1988). 363 Chessire (1996) p. 20. 364 Newbery e Green (1996) pg. 38. ii décadas de 1950 e 60365. No entanto, os incentivos se mostraram inadequados quando a demanda se estagnou na década de 1970. Neste período, a utilização de previsões de demanda sobre-estimadas acarretou em excesso de capacidade366. A principal crítica ao desempenho do setor elétrico britânico anterior à privatização era a excessiva politização das decisões367, o que acarretava em excessivos custos de investimento e de seu principal insumo, carvão368, pressionando os preços da eletricidade. Por privilegiar fornecedores domésticos, o custo de construção das plantas britânicas era cerca de 50 a 100% maior do que em outros países industrializados369. O governo proibia a CEGB de utilizar carvão importado ou gás natural, o que conferia subsídio ao carvão local, que tinha um preço elevado por ser extraído em minas de grande profundidade, e encarecia em cerca de 5% a eletricidade vendida pela CEGB370. Estes problemas já eram evidentes muito antes da reforma e deram origem a duas tentativas de reestruturar a indústria, uma no final da década de 60 e outra em meados da de 70, que não deram resultados371. Também foi infrutífero o Energy Act de 1983, que pretendia liberalizar a entrada no setor elétrico estabelecendo que as Area Boards deveriam adquirir energia de entrantes ao custo evitado da CEGB. Devido à modificação da tarifa cobrada pela CEGB e à falta de contratos de longo-prazo oferecidos pelas Area Boards faltaram estímulos para a entrada de novos geradores372. O processo de privatização britânico foi extensivo, envolvendo vários setores econômicos, e influenciou as políticas públicas ao redor do mundo. Este foi iniciado pelas empresas que operavam em regime competitivo como 365 A demanda de eletricidade cresceu a taxa anual de 8,5% nos anos 50 e 5% nos anos 60. A margem de reserva cresceu de 21% em 1970-71 para 42% em 1973-76. Chessire (1996) p. 27. 367 Henney (1994) uma lista extensiva dos determinantes do fraco desempenho do setor elétrico britânico estatal. 368 Neste período, as plantas alimentadas a carvão representavam 80% da capacidade instalada total. 369 Newbery e Green (1996) pg. 57. 370 Este valor é citado em Newbery e Green (1996) pg. 57 e é calculado com base nas estimativas do Departamento de Comércio e Indústria. No entanto, os autores consideram as estimativas exageradas. 371 Chessire (1996) 372 Newbery e Green (1996) p. 52. 366 iii petróleo (Britoil), automotivo (Jaguar) aeronaval (Aerospace) e serviços de telecomunicações (Cable and Wireless). Em 1984, a privatização penetra nos serviços públicos com a venda da gigante British Telecom. Posteriormente, a British Gas foi privatizada (1986). Apesar do discurso pró-competição, estas duas empresas foram privatizadas como monopólios373. O resultado da ausência de incentivos à eficiência não tardou a se apresentar na qualidade e preços dos serviços. Ficou claro que a troca de monopólios públicos por privados não era uma boa solução. Esse aprendizado serviu para a definir a reforma do setor elétrico onde a competição deveria acompanhar a privatização. 373 Segundo Henney (1994) isso foi resultado de fatores distintos. A BT teria sido vendida desacompanhada de reestruturação devido ao fato de ser a primeira privatização, e a incerteza resultante dificultava a cisão da empresa. No caso da BG, tal se deveria às turbulências no processo, o governo focara as atenções sobre a greve dos mineiros e o desenho da privatização acabou sendo ditado por pessoas comprometidas com a preservação do monopólio. iv ANEXO II - Reforma dos Países Nórdicos Noruega O setor elétrico norueguês foi liberalizado em 1991, consistindo na experiência pioneira entre os países nórdicos. A estatal proprietária das linhas de transmissão e de parte da geração, State Power Company, Statkraft, foi desverticalizada. Uma nova empresa, Statnett, passou a administrar a rede, e a Statkraft se tornou uma empresa de geração, gerida por critérios empresariais. Com a Statnett como operadora independente do sistema, viabilizou-se a instituição do livre acesso em 1992, com a determinação de tarifas de acesso. A lei estabelece a desverticalização contábil das atividades de monopólio e competitivas. As companhias municipais devem contabilizar separadamente as contas das atividades de rede e de geração e comercialização. Até 1996, as atividades de monopólio tinham tarifas definidas por taxa de retorno, quando um esquema de retorno máximo do capital foi imposto. Só recentemente, o regime para as atividades reguladas passou a ser o teto de receita (income cap). Desde 1991, todos consumidores podem escolher seu fornecedor. No entanto, como uma taxa elevada era cobrada ao consumidor que optasse por mudar de fornecedor, os pequenos consumidores eram mantidos como mercado cativo. Em 1995, foi imposto um limite de NOK 200 para essa taxa, que foi eliminada em 1998, acompanhando a introdução de perfis de demanda para pequenos consumidores. Cerca de 200 empresas de geração competem no mercado norueguês. O regime de propriedade dominante é público, que representa 82% das geradoras. A Statkraft controla cerca de 1/3 da geração (Figura A.1), mas metade deste volume é negociada em contratos de longo prazo com consumidores eletro-intensivos, o que limita seu poder de mercado. O restante é constituído por concessionárias municipais e regionais374 e produtores industriais. 374 Estas concessionárias permaneceram verticalmente integradas. v Figura A.1 Participação de Mercado na Geração – Noruega Statkraft 31% Outros 46% Oslo Energi 7% Lyse Kraft 5% BKK 5% Hydro Energi 6% Fonte : Amundsen e Bergman (2002) A Noruega tem uma grande importância na determinação dos preços no Nord Pool, devido à flexibilidade de sua produção. Esta é predominantemente proveniente de usinas hidrelétricas, que representam 99,5% do total da eletricidade gerada no país. O potencial hidráulico é disperso e sua gestão é descentralizada. O samkjøringe, um mercado spot onde só participavam geradores que procuravam otimizar o uso dos reservatórios, operava desde 1971. O mercado spot precursor ao Nord Pool, “Statnett Market”, foi estabelecido em 1993. Como a geração hidrelétrica apresenta um custo variável inferiores às demais fontes, esta constitui a base da curva de oferta para os países que formam o Nord Pool. Assim, quando a hidrologia é favorável, os preços se tornam mais baixos. Os proprietários de usinas hidrelétricas obtêm renda de escassez quando operam em competição, pois o custo marginal do sistema tende a ser superior ao seu custo médio, principalmente para as centrais já amortizadas. Para capturar parcela dessa renda, uma taxação especial foi instituída para os rendimentos de recursos naturais de hidrelétricas que é cerca de duas vezes superior a taxa média que se aplica aos rendimentos do capital375. A Noruega é o país que apresenta a maior intensidade do consumo de eletricidade do mundo. Em função da disponibilidade hidráulica, o preço da vi energia é historicamente baixo, propiciando uma vantagem competitiva para as indústrias energo-intensivas, como alumínio e ferro-ligas, que consomem quase 30% da energia gerada no país e possibilitando um maior consumo residencial, principalmente para calefação, dado o clima do país. A Figura A.2 relaciona preços de eletricidade e intensidade do consumo nos países da OCDE, a Noruega representa o menor preço e o consumo mais intensivo. Figura A.2 Preços e Intensidade do consumo de eletricidade Países da OCDE Fonte: IEA Na década de 90, o consumo de eletricidade aumentou a uma taxa anual de 1,6%, mas a oferta não acompanhou esta tendência. A capacidade instalada permaneceu estagnada (crescimento de 0,6% a.a.) (Figura A.3). Existem fortes barreiras a investimentos. Por um lado, os aproveitamentos hidráulicos mais atrativos já foram explorados376. Por outro, a preocupação com o meio-ambiente resulta em políticas restritivas a novos investimentos. Desde 2001, uma moratória foi imposta a grandes hidrelétricas e a construção de usinas térmicas enfrenta forte oposição da sociedade377. Como conseqüência, o país se tornou importador líquido de eletricidade. 375 Bowitz et al (2000). Os potenciais hidráulicos são classificados conforme a possibilidade de outros usos e características econômicas. O potencial hidráulico do país é de 180 TWh/ano dos quais 113 TWh/ano já foram desenvolvidos e 35 TWh têm seu aproveitamento vetado. Restam, portanto, 32 TWh/ano a desenvolver. 377 As autoridades norueguesas são compromissadas com a proteção do meio ambiente, principalmente em relação à emissão de CO2, o que dificulta a implantação de usinas de geração alimentadas a combustível fóssil. Em 1997, foi concedida a licença para construção de 2 centrais a gás natural pela Naturkraft (joint venture da Statkraft, Statoil e Norsk Hydro) com capacidade total de 770 MW. No entanto, em 1999, a autoridade de controle de poluição 376 vii Figura A.3 Consumo de Eletricidade e Capacidade Instalada na Noruega (1989=100) 120 115 110 Consumo 105 Capacidade Instalada 100 95 90 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 Fonte: Statistics Norway Suécia A liberalização do mercado elétrico sueco se iniciou em 1996. Neste ano, o Nord Pool se tornou um mercado comum entre Noruega e Suécia. Ainda que mais de 200 empresas operem na atividade de geração sueco, sete empresas concentram 94% do mercado. A empresa dominante é a Vattenfall, empresa estatal de geração, que detém 50% do mercado (Figura A.4). A estrutura de propriedade é bastante diversificada, 50% das empresas são estatais, 20% são municipais, 20% privadas e 10% investidores institucionais (fundos de investimento e de pensão). condicionou a licença para termelétricas a gás natural à utilização de tecnologias que eliminem 90% e 50% das emissões de CO2 e NOX, o que torna as plantas economicamente inviáveis. viii Figura A.4 Participação de Mercado na Geração – Suécia Skelleftea Kraft 2% Outros 7% Sydkraft 20% Vattenfall 52% Stora Kraft 4% Birka Energi 15% Fonte: Amundsen e Bergman (2002) Os principais elementos da reforma sueca seguiram as medidas empregadas na Noruega. A Vattenfall foi desverticalizada, dando origem a uma empresa de geração e uma empresa de transmissão, Svenska Kraftnät, que opera a rede administra a interconexão com os demais países; assegurando o livre acesso de terceiros a rede. A liberalização da comercialização foi implementada em conjunto com a da geração. Em tese, todos consumidores podiam escolher seus fornecedores, mas o custo da mudança de fornecedor a desestimulava, principalmente para pequenos consumidores. Estes deveriam notificar o fornecedor com seis meses de antecedência e instalar medidores horários para trocar de fornecedor. Em 1999, o período de notificação foi reduzido para um mês e perfis de demanda passaram a ser utilizados para pequenos consumidores (<200 amperes), concomitante a proibição da cobrança de taxas para mudança de fornecedor. Existem algumas particularidades em relação à experiência norueguesa. As atividades de rede devem ser separadas em companhias ix diferentes das atividades competitivas (geração e comercialização)378 e as atividades de rede não são sujeitas a teto de preços ou renda379. Como resposta a crise do petróleo, a Suécia desenvolveu um amplo programa de geração nuclear. Este movimento resultou em uma forte expansão do sistema que se manteve até o fim da década de 80, com a energia nuclear deslocando as demais fontes de geração (figura 5). A Suécia é um exportador líquido de energia, fornecendo energia para os demais países nórdicos. No entanto, a capacidade instalada permaneceu estagnada na última década e não existem planos de construção de novas plantas. Existem barreiras institucionais a novos projetos. O Parlamento sueco baniu a utilização futura dos principais recursos hídricos do país e há um complexo programa de fechamento de usinas nucleares380 (IEA, 2002). Figura A.5 Evolução da Estrutura da Geração de Eletricidade na Suécia 1973-1999 Fonte: IEA Finlândia O mercado elétrico finlandês foi liberalizado em 1995. A Lei do Mercado Elétrico tornou livre o acesso de grandes consumidores a rede de transmissão, eliminou barreiras institucionais para a construção de novas plantas, para o 378 Bowitz et al. (2000) aponta que as autoridades suecas enfrentaram dificuldades para forçar a desverticalização real das atividades. Algumas criaram subsidiarias fantasmas para operar as atividades competitivas que continuam sendo operadas pela companhia de rede. P. 56. 379 O regulador (NUTEK) e a entidade de competição julga casos particulares quando ocorrem reclamações e as empresas têm de divulgar publicamente seus preços. 380 Os suecos decidiram em referendo por desativar progressivamente a geração nuclear até 2010. No entanto, o processo foi postergado por várias vezes e o primeiro reator só foi fechado em 1999. x comércio com outros países e para a comercialização de energia, institui a desverticalização contábil das empresas e criou a Autoridade do Mercado Elétrico, que atua como uma agência de regulação. Não há controle diretos de preços, mesmos sobre as atividades de monopólio (transmissão e distribuição), as empresas determinam suas tarifas381 e a Autoridade do Mercado Elétrico (EMA) pode interferir após investigação. Neste processo, o principal mecanismo utilizado é a regulação por comparação (‘Yardstick Regulation’). O Office of Free Competition (OFC) também regula a indústria de eletricidade com o intuito de promover a competição382. As empresas são sujeitas a Lei de Restrições Competitivas, que explicitamente proíbe fusões nas atividades de distribuição e comercialização que resultem em controle de mais de 25% do mercado nacional. A liberalização da comercialização se iniciou em 1995, quando consumidores com demanda superior a 500 kW já podiam escolher seus fornecedores. Desde 1997, todos os consumidores podem escolher seus fornecedores383. Neste ano, a país se tornou uma área de preços independente no Nord Pool. A empresa proprietária da rede, Fingrid, é propriedade de investidores institucionais, geradores e do Estado, sendo que nenhuma destas partes tem posição de controle e as decisões são tomadas com maioria de ¾. Atuam no mercado finlandês cerca de 120 geradores, que detêm 400 usinas. A empresa dominante é a Fortum que detém 30% do parque de geração finlandês. A empresa surgiu da fusão de duas empresas estatais (Imatran Voima Oy – IVO e Neste). A Pohjolan Voima Oy (PVO) é controlada por consumidores eletro-intensivos, e a produção é voltada a atender esta demanda, que representa 20% do total. A TXU formou uma joint-venture com a PVO para atuar no mercado finlandês. 381 As tarifas são do tipo postais, i.e. não dependem da distância. As agências reguladoras têm um número restrito de empregados, a EMA e OTC contam com apenas 10 e 15 empregados, respectivamente. 383 Em 1998, foi introduzida uma modificação na lei para permitir que consumidores com demanda inferior a 45 KW fossem isentos da aquisição de medidores sofisticados e fossem faturados pelo perfil da carga. 382 xi Figura A.6 Participação de Mercado na Geração – Finlândia TXU 3% Fortum 31% Outras 44% PVO 22% Fonte: CERA e PVO As empresas eram verticalmente integradas até 1996, quando seus ativos de transmissão passaram a ser controlados pela Fingrid. No restante, se destacam outros autoprodutores e companhias municipais verticalmente integradas que utilizam sistemas de cogeração. O parque gerador finlandês é diversificado, contando com hidrelétricas, plantas nucleares, térmicas alimentadas a combustíveis fósseis. Neste último grupo, se destacam as plantas de cogeração que representam 30% do total gerado, principalmente plantas que combinam fornecimento de aquecimento de ambientes e eletricidade. Apesar da diversidade de fontes, a Finlândia é uma importadora líquida de eletricidade. Dinamarca A Dinamarca conta com dois sistemas elétricos praticamente independentes no Oeste e no Leste. O país passou a participar do Nord Pool em julho de 1999, quando o oeste da Dinamarca aderiu ao mercado nórdico. Em outubro de 2000, o Leste da Dinamarca passou a constituir outra área de preços do Nord Pool. A indústria elétrica dinamarquesa é formada por empresas verticalizadas de propriedade dos municípios. As empresas de distribuição detêm 75% da capacidade de geração, concentrada em sistemas de cogeração centralizada de grande porte. As empresas fornecem eletricidade e aquecimento (district heating). O restante corresponde a centrais de cogeração de pequeno porte e plantas eólicas, que respondem a grande xii parte da adição de capacidade recente. Os consumidores têm grande ingerência nas decisões empresariais. Mesmo com a reforma, estes têm representação nas empresas de transmissão e nas distribuidoras que têm obrigação de fornecimento. Na Dinamarca, as companhias de transmissão e distribuição operam sem objetivo de lucro. Já a geração e a comercialização, segundo a nova regulamentação dinamarquesa, devem operar seguindo critérios comerciais. No entanto, as plantas de cogeração têm sua atividade regulada para evitar que consumidores de calor subsidiem a eletricidade. Um regulador independente foi criado com a reforma, o Conselho Supervisor de Energia (Energitilsynet). Este monitora as operações no sistema elétrico e serve como árbitro de disputas. As empresas de eletricidade também ficam sujeitas a regulação de proteção à competição. O sistemas do Oeste e Leste eram respectivamente coordenados pelas associações Elsam e Elkraft,. As associações eram responsáveis pelo planejamento, despacho, operação da rede de transmissão e das interconexões internacionais. Como parte da reforma, a Elsam e a Elkraft foram desverticalizadas empresas de geração, transmissão, distribuição e comercialização. A transmissão é legalmente separada da geração e distribuição, o que significa a obrigatoriedade de criação de entidades legais separadas, ainda que sob a mesma estrutura de propriedade, para cada atividade. É vetado que empresas de geração detenham mais de 15% de empresas de transmissão, de distribuição ou de operação da rede. As funções de coordenação do sistema de transmissão foram repassadas para operadores independentes. A Eltra atua no Oeste do país e a Elkraft System no Leste. O esquema de acesso às redes de transmissão e de distribuição é o de livre acesso a terceiros. As tarifas para ambas atividades são postais (não dependem da distância). As receitas totais das empresas são sujeitas a tetos impostos pelo ministério e as empresas escolhem as tarifas e informam ao regulador, que pode requerer alterações. xiii Concomitante a reforma, houve um processo de concentração da geração. As seis maiores empresas do sistema Oeste se fundiram, formando a Elsam A/S que detém 49% do mercado de geração nesse sistema (Figura A.7). No Leste, sete grandes plantas de cogeração e dez pequenas formaram a Energy E2, que tem participação de mercado de 93%. (Figura A.8) Figura A.7 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Oeste Elsam 49% Outros 51% Figura A.8 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Leste Outros 7% Energi E2 93% Fonte: Elaboração própria O processo de liberalização da atividade de comercialização se iniciou em 1998, quando os grande consumidores (consumo maior que 100 GWh/ano) passaram a poder escolher livremente seu fornecedor. Esse limite foi reduzido para 10 GWh/ano em 2000 e para 1 GWh/ano em 2001. Desde janeiro de 2003, todos os consumidores podem escolher seu fornecedor. O processo de reforma segue uma liberalização controlada, onde alguns pontos permanecem coordenados. Uma das prioridades da política energética é a mitigação do impacto ambiental. O país é líder nas xiv negociações internacionais pela redução da emissão de CO2 e combinar a preservação ambiental e princípios de mercado é o principal objetivo da reforma A capacidade de geração é concentrada em termelétricas que utilizam combustíveis fósseis. Em função de políticas de eficiência e de promoção de fontes renováveis, a cogeração se desenvolveu fortemente no país, representando parte relevante da capacidade instalada no país (40%). As fontes renováveis têm importante participação (10%) na matriz de geração. Em resultado de políticas, como o plano “Energy 2001”, a geração eólica tem aumentado sua participação. As políticas ambientais também representam importante barreira à adição de capacidade. A construção de centrais nucleares e a carvão é proibida. O sistema dinamarquês, concentrado em termelétricas, atua em complementação aos parques hidrelétricos sueco e norueguês no Nord Pool. Em períodos de hidrologia desfavorável, o país exporta eletricidade e importa em períodos de hidrologia favorável. Desta forma, o país é extremamente importante para o equilíbrio energético nos países nórdicos em momentos de demanda de pico e hidrologia desfavorável. xv ANEXO III - Califórnia PURPA Estimulada pela introdução do PURPA (Public Utility Regulatory Policy Act) em 1978, a entrada de novos geradores modificou a estrutura da indústria. O PURPA era parte de uma política de resposta a crise do petróleo. Seu objetivo primordial era promover a substituição de derivados de petróleo por fontes alternativas na geração de eletricidade. As IOUs ficaram obrigadas a assinar contratos com geradores qualificados (Qualified Facilities) que utilizassem fontes renováveis ou cogeração384. O preço do contrato refletiria o custo evitado das concessionárias, sendo fixado pelo órgão regulador. Os custos evitados foram definidos baseados na expectativa de elevação continuada dos preços do petróleo. O contrato padrão mais utilizado era o Iterim Standard Offer 4 (ISO4), aprovado pelo CPUC em 1983. Este se baseava nas previsões de longo prazo para os custos evitados das concessionárias385 e oferecia pagamentos pela capacidade durante 20 a 30 anos e pagamentos com preços fixos a energia gerada que aumentavam exponencialmente de US$ 50/MWh a US$ 120/MWh (Blumstein et al, 2002). Essas condições eram tão atrativas que, em 1992, o total de capacidade correspondente a geradores qualificados alcançava 9,5 GW386 e um quarto das necessidades energéticas das três IOUs californianas era atendida dessa forma. Como as IOUs investiram pouco nesse período387, os geradores qualificados representaram parte majoritária da adição de capacidade entre 1983 e 1991. Como resultado do PURPA, a matriz de geração de eletricidade 384 Antes do PURPA, o Regulador havia estimulado as próprias concessionárias a investirem em fontes alternativas. A falha dessa tentativa explica a opção de desenvolver esses projetos através de outras firmas (entrantes). 385 Os três contratos antecedentes, Standard Offer 1,2 e 3, consideravam o custo evitado de curto prazo. 386 As autoridades subestimaram a atratividade das condições oferecidas. A expectativa era de que o total de capacidade agregada por geradores qualificados que assinassem o contrato ISO4 fosse inferior a 1 GW. No entanto, em 1985, o total de projetos de geradores qualificados em execução ou com contratos assinados já ultrapassava 15 GW de capacidade de geração (nem todos foram finalizados). Neste ano, a CPUC, temerosa de que a quantidade de interessados não findasse, suspendeu os contratos ISO4. 387 As IOUs adicionaram 7 GW de capacidade entre 1983 e 1991, sendo que quase a totalidade correspondia a centrais nucleares em construção desde a década de 1970. As condições regulatórias eram muito mais favoráveis aos geradores independentes, já que os projetos das IOUs tinham rentabilidade controlada pela CPUC. Como os projetos nucleares sofreram xvi na Califórnia se modificou sensivelmente, com o crescimento da participação de fontes renováveis e do gás natural (Figura A.9). Figura A.9 Estrutura da Geração de Eletricidade (TWh) 300 250 200 150 100 50 Outras renov. Gás Nat. Óleo com. Carvão Nuclear Hidro 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 0 Fonte: CPUC Crise: Fatores conjunturais A Califórnia historicamente dependeu de importações de estados vizinhos para equilibrar demanda e oferta de eletricidade (Figura A.10). Na média dos últimos 20 anos, a participação das importações líquidas na oferta total de eletricidade no estado foi de 20%. No entanto, temperaturas inusitadamente quentes observadas no verão de 2000388 causaram o crescimento da demanda de eletricidade no Noroeste dos Estados Unidos, o que, combinado à redução dos níveis de água nos reservatórios da região389, diminuiu a disponibilidade de energia nesses estados para exportação para a Califórnia390. No biênio 2000 e 2001, a participação das importações caiu para 10% e 15%, respectivamente. Em agosto de 2000, o total de importações líquidas foi um quarto do observado no mesmo mês em 1999. Sem contar com a energia de estados vizinhos, tão importantes para equilibrar o balanço atrasos e as IOUs enfrentaram resistências para repassar dos custos adicionais, essas tinham aversão em investir em geração. 388 Entre junho até a agosto a temperatura na Califórnia foi a mais elevada em 106 anos de registro (FERC, 2003). 389 A energia hidrelétrica representa parte relevante das importações californianas. A baixa precipitação também reduziu a capacidade de produção das centrais hidrelétricas localizadas na Califórnia. 390 A produção hidrelétrica no Noroeste da Califórnia em 2000 foi 14% inferior a 1999, o que representou uma redução da geração de 46 TWh. xvii energético nos períodos de pico de demanda (principalmente no verão), o estado teve de contar com a energia de centrais domésticas mais caras, aumentando o preço da energia. Figura A.10 Importações Líquidas de Eletricidade da Califórnia (TWh) 70 60 50 40 30 20 10 1 20 0 7 5 9 19 9 das 19 9 redução 19 9 19 9 3 19 9 1 9 19 8 19 8 7 5 19 8 19 8 3 0 Fonte: CAISO Relacionados à importações, dois importantes componentes do custo de centrais de geração térmica sofreram aumentos sem precedentes: gás natural e direitos de emissão. O preço do gás natural na Califórnia, como no resto dos Estados Unidos, não é regulado, sendo formado de forma competitiva. Metade da capacidade instalada de geração de eletricidade tem o gás natural como combustível. Como os custos operacionais de centrais alimentadas à gás natural são superiores aos de centrais hidrelétricas, nucleares e a carvão, essas operam fora da base, com fatores de carga inferiores391. Sendo as centrais marginais, essas definem o preço no mercado atacadista de eletricidade em grande parte do tempo. Como reflexo da elevação da demanda e da redução das importações de eletricidade, a procura de gás natural para geração de eletricidade aumentou sensivelmente a partir de maio de 2000. Entre maio e outubro de 2000, a demanda de gás para a geração de eletricidade cresceu 44% comparada ao mesmo período em 1999 (FERC, 2003). O problema de 391 A participação das centrais à gás natural no total gerado em 1999, último ano em que o sistema elétrico da Califórnia operou “normalmente” foi de 35% (figura 1), o que evidencia que grande parte das centrais à gás não operavam na base. xviii elevação da demanda foi alimentado pela inelasticidade da demanda de gás natural para a geração de eletricidade. A elevação dos custos podiam ser repassadas sem alterar sensivelmente as vendas de eletricidade (as tarifas finais estavam congeladas) e a possibilidade de utilizar outra fonte era limitada, já que a produção hidrelétrica estava reduzida e, as plantas que utilizavam gás não eram bi-combustível respeitando a legislação ambiental, e, portanto não podiam utilizar óleo combustível. Enquanto a demanda aumentou, problemas técnicos reduziram a capacidade de transporte nos gasodutos interestaduais que abastecem a Califórnia (Wilson, 2002) e os níveis de estoque no aproximar do inverno de 2000 se encontravam abaixo da média392. Essas restrições de transporte resultaram em diferenciais relevantes de preço do gás na Califórnia em relação aos estados vizinhos e dentro do estado. A escassez de oferta também acarretou em maior oportunidade para o exercício de poder de mercado de empresas que combinassem interesses nos mercados de eletricidade e gás natural. A manipulação dos preços no mercado spot de gás natural envolveu a execução de transações artificiais393 e a divulgação de informações falsas sobre negócios394. De maio a novembro de 2000, o preço do gás natural na Califórnia dobrou em relação aos níveis históricos (de US$ 2,5/MMBTU para US$ 5/MMBTU). No entanto, essa tendência acompanhou os preços nas bacias produtoras, i.e. os preços não eram substancialmente diferentes do resto do país (Figura A.11). Em novembro e dezembro, os preços na Califórnia dispararam para valores nunca antes observados. Em função de temperaturas baixas em novembro, a demanda aumentou, causando pânico no mercado. Os preços chegaram a alcançar US$ 50/MMBTU no mercado diário. Ainda que os 392 O estoque de gás era de 152 bilhões de pés cúbicos, 34 Bcf inferior à média dos cinco anos anteriores. (FERC, 2003) 393 FERC (2003) analisa o comportamento da Reliant que manipulou o mercado de gás natural no ponto de entrega de Topock. Este ponto de entrega é importante por se localizar na junção dos gasodutos da El Paso e Southern California Gas e por ser o ponto onde a EnronOnLine executava suas transações. Através de operações rápidas de compra e venda de grande volumes de gás, a companhia inflava o preço do combustível. Segundo o relatório, em dezembro de 2000, o preço do gás foi US$ 8,5/MMBTU mais caro nesse ponto em função do comportamento estratégico da Reliant. 394 Cinco empresas (Dynegy, AEP, Williams, CMS e El Paso) admitiram fornecer informações falsas a publicações especializadas da indústria como Gas Daily e Inside FERC publicadas pela Platts e Natural Gas Intelligence (FERC, 2003). xix preços também aumentassem no resto do país, a disparada na Califórnia foi muito mais relevante395. Nos meses seguintes, mesmo com a redução do preços do gás no restante do país, os preços na Califórnia permaneceram em níveis elevados. Os preços do gás natural só retornaram a níveis normais em setembro de 2001. Figura A.11 Evolução dos Preços do Gás Natural Califórnia, na Boca do Poço e média nos EUA (US$/MMBTU) 14 12 10 boca do poço 8 California 6 US 4 2 set/02 mai/02 jan/02 set/01 mai/01 jan/01 set/00 mai/00 jan/00 set/99 mai/99 jan/99 set/98 mai/98 jan/98 set/97 mai/97 jan/97 0 Fonte: EIA/DOE Para as centrais térmicas a gás que tipicamente atendem o pico de demanda da Califórnia396, um aumento de US$1/MMBTU no preço do gás natural acarreta em um aumento de US$ 14/MWh em seu custo operacional. Durante o mês de janeiro de 2001, quando o preço foi de US$ 25/MMBtu no Sul da California (SoCal Citygate), o custo corresponde a aquisição de gás natural totalizava US$ 350/MWh para este tipo de planta (bem acima do teto de preços do CAISO, impossibilitando a operação dessas centrais sem ocorrência de prejuízo). A Califórnia detém controle rigoroso sobre a qualidade do ar. Na área de Los Angeles e vizinhanças, a Unidade da Costa Sul de Controle da Qualidade do Ar (South Coast Air Quality Management District - SCAQMD) desenvolve o RECLAIM (Regional Clean Air Initiatives Market). “Direitos de poluição” negociáveis são alocadas às unidades de produção de setores da indústria 395 Os preços do gás eram substancialmente diferentes mesmo dentro da Califórnia. O Sul da Califórnia experimentou os preços mais elevados durante a crise. xx com grande impacto ambiental, termelétricas inclusive. Os créditos de emissão alocados a cada planta decrescem ao longo do tempo. O mais importante é o direito referente ao Óxido de Nitrogênio (NOx). Quando uma central emite uma quantidade de NOx que excede o seus crédito397, esta deve adquirir créditos adicionais de outras centrais de geração ou de plantas de outros setores da industria que emitirem menos que o permitido. A negociação é efetuada via mercado. No início de 2000, os créditos de NOx eram negociados por US$ 1 a US$ 2/libra de Nox emitida e o impacto sobre o preço da eletricidade não era relevante na maior parte do tempo (entre US$ 1 a 2/MWh). O preço alcançou US$ 5/libra em maio e fechou o ano próximo a US$ 50. A elevação dos preços dos direitos de emissão aumentou sobremaneira os custos de operação centrais térmicas menos eficientes. Como são essas centrais que definem os preços no mercado atacadista em períodos de escassez, a disparada de preços dos créditos de emissão foi um determinante importante da escalada de preços no mercado atacadista398. Segundo Joskow (2001, p. 33), “em setembro de 2000, os preços direitos de NOx aumentaram os custos marginais de unidades a vapor alimentadas a gás no SCAQMD [South Coast Air Quality Management District, que cobre Los Angeles e vizinhanças] de US$ 30 a US$40/MWh e aumentaram o custo marginal de turbinas de pico de US$ 100 a US$ 120/MWh”. Estratégias de manipulação do preço da eletricidade FERC (2003) realiza uma análise extensiva dos elementos da estratégia de “gaming” e “comportamento anômalo de mercado” exercida pela ENRON para manipular os preços da eletricidade. Esse documento analisa a estratégia não só da Enron, mas também de outros ofertantes. O relatório aponta os elementos dessa estratégia que levou ao aumento do preço no mercado 396 Turbinas com combustão a taxa de calor de 14.000 Btu/KWh. O crédito tipicamente corresponde a emissão de uma libra de NOx. Uma central a gás moderadamente eficiente emite de uma a duas libras de NOx por MWh (California State Auditor, 2001). 398 Considerando um momento em que o preço do direito de emissão era de US$ 50 por libra de NOx emitida, uma central térmica ineficiente que emite 2 libras de NOx por MWh teria um custo de US$100/MWh apenas com direitos de emissão. 397 xxi atacadista, desde a simples oferta de lances sem qualquer relação com seus custos em situações em que o ofertante tinha certeza que a central seria despachada (poder de mercado local) a estratégias mais sofisticadas.Um ponto importante da conduta dos maiores ofertantes independentes (AES/Williams, Duke, Dynegy, Mirant e Reliant) foi a retenção deliberada e sistemática de capacidade de geração para aumentar a escassez de energia. Segundo o documento, essa tática era desempenhada por geradores que declaravam centrais indisponíveis em razão de falhas técnicas que não existiam, desligavam unidades para reserva quando manutenções não eram necessárias, não realizavam lances ou realizavam lances muito elevados que certamente deixariam as centrais fora do mercado. Assim, colocavam o sistema elétrico em permanente estado de escassez. A lógica desse comportamento é analisada por Joskow e Kahn (2002). Quando retém capacidade, o gerador diminui sua base de remuneração, diminuindo a quantidade produzida, mas o aumento de preços provocado pelo comportamento pode ser suficiente para acarretar em maiores lucros. Esta estratégia traz maiores benefícios para ofertantes que dispõem de portfólio de plantas de geração. A Figura A.12 aponta que o período em que os blecautes foram mais freqüentes também foi aquele onde os desligamentos envolveram parcelas maiores da capacidade de geração, o que seria uma evidência do comportamento estratégico das empresas de geração. Blumstein et al. (2002) apontam que a parte predominante dos blecautes ocorreu em momentos em que a demanda não estava tão elevada. A ocorrência de blecautes em períodos em que a demanda não se encontra em seus níveis mais elevados tem explicações distintas. Primeiramente, as empresas optam por realizar a manutenção no inverno, período em que a demanda está desaquecida. As geradoras argumentam que o uso intenso no verão de 2000 aumentou a necessidade de manutenção das centrais no inverno posterior. Além disso, as rigorosas normas ambientais motivaram a realização de obras em centrais com objetivo de reduzir emissões. Outras centrais que fornecem energia às IOUs foram fechadas em função da inadimplência das últimas. Por outro lado, há evidências, com já foi xxii apresentado, de que o fechamento resultou de comportamento estratégico para inflar o preço da eletricidade. Figura A.12 Desligamento Planejado ou Forçado de Centrais (GW) nov/01 set/01 jul/01 mai/01 mar/01 jan/01 nov/00 set/00 jul/00 mai/00 mar/00 jan/00 nov/99 set/99 jul/99 mai/99 mar/99 jan/99 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: FERC Uma maneira de manipular o mercado utilizada pela Enron, que atuava como coordenadora de programação, era a programação de cargas falsas399. Pelas regras de mercado, as programações submetidas ao CAISO deveriam ser equilibradas (carga = geração). A Enron gerava mais que sua carga real, sendo remunerada pelo preço de equilíbrio no mercado em tempo real. Memorandos da Enron referem-se a esta estratégia como o “truque mais velho do livro”400. Estratégias de transferência fictícia de cargas também eram utilizadas pela Enron para manipular os encargos de congestão. Quando a empresa sobre-programava cargas de mesmo montante em uma zona (p.e. Sul) e sub-programava em outra zona (p.e. Norte), as previsões do fluxo de energia nas linhas de transmissão eram artificialmente aumentadas, inflando a remuneração de seus direitos de transmissão na linha congestionada401. A operação de “lavagem de Megawatt” ou “ricochete”, também utilizada pela Enron, consistia na exportação de grandes quantidades de eletricidade no mercado do dia seguinte, criando uma escassez artificial, apenas para importar 399 Essa estratégia era denominada de “fat boy” ou “Inc-Ing Load” FERC (2003) P. 5 401 A Enron assumiu a adoção de estratégias de transferência de cargas, mas alegou que estas não geraram lucros, já que a empresa não foi capaz de elevar os encargos de congestão de forma independente (FERC, 2003) 400 xxiii posteriormente a mesma energia a preços inflados no mercado em tempo real ou através de contratos “fora do mercado”, evitando os tetos de preço da Califórnia. Esta estratégia contava com a participação de concessionárias de estados vizinhos. O relatório também sugere que documentos evidenciam que participantes do mercado operavam em conluio e partilhavam de informações não públicas sobre o desligamento de unidades de geração402. Também ocorria manipulação no mercado de direitos de emissão. Geradores realizavam transações entre si com intuito de inflar. o preço dos créditos de emissão e justificar lances de preços mais elevados. 402 Uma empresa chamada Industrial Information Resources, que detinha contrato com as maiores empresas de geração, oferecia serviço de informação diária sobre desligamento em curso ou programado de unidades de geração de empresas concorrentes. Essas informações eram obtidas com empregados das empresas de geração e utilizadas para definir os lances. xxiv ANEXO IV - Antecedentes da Reforma Brasileira O surgimento da indústria brasileira de eletricidade ocorreu no final do século XIX. A inauguração da iluminação interna da estação central da ferrovia D. Pedro II (atual Central do Brasil), em 1879, é o marco inicial da utilização de eletricidade no Brasil. Mas, o serviço público de iluminação teve inicio na cidade de Campos em 1983 , onde a primeira central de geração brasileira, uma termelétrica a lenha com 52 KW de capacidade, atendia 39 lâmpadas. Neste mesmo ano, entrou em operação a primeira hidrelétrica brasileira em Diamantina (MG), que alimentava os máquinas da companhia de mineração Santa Maria. Em 1887, partes das cidades de Rio de Janeiro e Porto Alegre passaram a contar com iluminação pública e, em 1892, a Companhia FerroCarril do Jardim Botânico passou a operar a primeira linha de bondes elétricos da América Latina, ligando o Largo da Carioca ao Largo do Machado no Rio de Janeiro. Nesse período inicial, a eletricidade era voltada aos usos de iluminação, transporte e como força motriz na florescente indústria nacional. Destaca-se, nesse período, a iniciativa de Bernardo Mascarenhas que construiu a primeira hidrelétrica de maior porte do país, a hidrelétrica de Marmelo-Zero com 250 KW de capacidade instalada e criou a Companhia Mineira de Eletricidade, concessionária de serviço de eletricidade, que além de atender a Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas atendia a iluminação pública e particular na cidade de Juiz de Fora. Mas foi através de empresas multinacionais que a indústria de eletricidade se expandiu no Brasil. Dois grupos canadense e dos Estados Unidos, Light e Amforp, atendiam aos principais centros urbanos brasileiros, combinando os serviços de transporte por bondes e de fornecimento de eletricidade. A canadense-americana Light centrou suas operações nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O início de sua operação no Brasil ocorreu em 1900, através da São Paulo Tramway, Light and Power Company. Depois, em 1904, criou a Rio de Janeiro Tramway Light and Power, que oferecia um conjunto de serviços públicos: transportes (bondes e ônibus), xxv iluminação pública, geração e distribuição de eletricidade, distribuição de gás canalizado e telefonia. (Gomes et al., 2002). A americana AMFORP (American Foreign Power Company) iniciou suas operações no país em 1924 com a compra de pequenas concessionárias no interior. Posteriormente, a empresa iniciou operações nas capitais não supridas pela Light e nas cidades mais prósperas do interior. Tabela A.1 Proposta de Reestruturação das Geradoras Federais Empresa Original Novas Empresas Capacidade de Geração (MW) FURNAS Furnas Transmissão Furnas Geração 1 5.570 Furnas Geração 2 3.290 Nuclen 657 ELETROSUL Eletrosul Transmissão Eletrosul Geração* 3.570 CHESF CHESF Transmissão CHESF Geração 1 6.240 CHESF Geração 2 2.785 ELETRONORTE Eletronorte Transmissão Eletronorte Geração 1 4.365 Eletronorte Geração 2** 1.115 * Após a privatização a empresa passou a se chamar Gerasul ** Agrupa as centrais que abastecem os sistemas isolados da Amazônia Fonte: De Oliveira (1998) xxvi