reestruturação do setor elétrico brasileiro: coordenação e

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reestruturação do setor elétrico brasileiro: coordenação e
REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
BRASILEIRO: COORDENAÇÃO E CONCORRÊNCIA
Luciano Dias Losekann
Tese submetida ao Instituto de Economia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Economia
Orientador: Prof. Adilson de Oliveira
Dezembro de 2003
ii
RESUMO
A recente crise energética colocou a reforma do setor elétrico brasileiro no
centro das atenções de nossa sociedade. O objetivo dessa tese é utilizar as lições geradas
pela experiência internacional para a analisar o desenho institucional mais adequado
para o setor elétrico brasileiro. A análise parte de dois conceitos econômicos essenciais:
concorrência e coordenação. São os benefícios da implantação de um ambiente
competitivo que justificam os processos de reforma ao redor do mundo. Por outro lado,
as características dos sistemas elétricos não permitem que apenas sinais de mercado
guiem as decisões e os desenhos de reforma combinam elementos de mercado e
centralização. Esta tese busca identificar nas experiências internacionais os desenhos
institucionais e de estrutura da indústria alternativos, relacionando-os com os
condicionantes enfrentados e cada experiência e com o desempenho alcançado. A
reforma nacional partiu de um contexto complexo, onde a predominância da geração
hidrelétrica é a característica mais marcante do caso brasileiro. Para contornar as
complexidades, um desenho excessivamente centralizador foi desenvolvido, no qual o
espaço de mercado era limitado. A crise elétrica foi o resultado de arranjo institucional
mal definido, que não gerava incentivos eficientes para a alocação de recursos no curto
e longo prazo.
iii
ABSTRACT
The recent electricity crisis put Brazilian power reform in the spotlight. The
objective of this thesis is to analyze this issue with regard to the lessons provided by
international experiences. Two economic concepts guide the analysis: competition and
coordination. The benefits created by a competitive environment have been the main
driver of power reforms around the world. However, due to the characteristics of power
systems, price signals are not enough to provide efficient coordination, and the reforms
combine both market and centralized elements. This thesis tries to identify alternative
institutional designs of power reform through an analysis of international experiences.
We relate the chosen design in England and Wales, Nordic Countries and California
reforms with the characteristics and performance of the power industry. The Brazilian
reform started from a complex background, with the main feature of the power system
being the predominance of hydropower generation. To cope with complexities,
reformers have chosen an overly-centralized approach, limiting the role of the market.
The Brazilian electricity crisis was the result of a poorly-defined institutional
arrangement, which did not provide the right incentives to resource allocation in the
short and long run.
iv
Belo belo
Manuel Bandeira
[in Estrela da Vida Inteira. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira. 1966]
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos pícaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
v
AGRADECIMENTOS
À Raquel, pela companhia e compreensão. Um trabalho de tese implica em uma
série de renúncias que acabam por se estender ao casal. Obrigado por compartilhar os
momentos difíceis e por tudo que você teve de abrir mão.
A meus pais e irmãos pelo apoio e por aceitarem minha ausência.
A meu orientador de longa data, Adilson de Oliveira, por todos ensinamentos e
por aguçar meu senso crítico, me estimulando a não aceitar as respostas mais fáceis.
Aos companheiros do Grupo de Energia do Instituto de Economia da UFRJ. A
participação em um grupo de pesquisa de excelência foi fundamental para o
amadurecimento de meu trabalho acadêmico.
A todos que contribuíram para o trabalho. Especialmente, Richard Green, João
Lizardo e Joanne Evans, cujos comentários e sugestões foram extremamente úteis.
Todos erros e omissões são de minha responsabilidade.
Aos amigos pelos momentos de descontração que propiciaram o contraponto a
completar essa solitária tarefa.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro que possibilitou a execução desse trabalho.
vi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 1
CAPITULO I - CONCORRÊNCIA E COORDENAÇÃO .............................................. 6
I.1.
Concorrência..................................................................................................... 6
I.1.1. Abordagem Clássica ..................................................................................... 7
I.1.2. Abordagem Neoclássica ............................................................................... 8
I.1.3. Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D)..................................... 10
I.1.4. Teoria dos Mercados Contestáveis ............................................................. 12
I.1.5. A Contribuição de Schumpeter................................................................... 14
I.2.
Coordenação .................................................................................................. 16
I.2.1. Coordenação Vertical ................................................................................. 17
I.2.2. Coordenação Horizontal ............................................................................. 23
I.2.3. Regulação ................................................................................................... 31
I.2.4. Características Operacionais do Setor Elétrico .......................................... 38
I.3.
Metodologia de Análise.................................................................................. 41
I.3.1. Critérios de Eficiência ................................................................................ 42
I.4.
Conclusão ....................................................................................................... 45
CAPITULO II - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS .............................................. 47
II.1.
Padrão de Desenvolvimento da Indústria de Suprimento Elétrico ................. 47
II.2.
Inglaterra e País de Gales ............................................................................... 52
II.2.1. Reforma ...................................................................................................... 52
II.2.2. Resultados................................................................................................... 61
Conclusão................................................................................................................. 83
II.3.
Países Nórdicos .............................................................................................. 86
II.3.1. Nord Pool.................................................................................................... 86
II.3.2. Resultados................................................................................................... 93
II.3.3. Conclusão ................................................................................................. 101
II.4.
Califórnia ...................................................................................................... 102
II.4.1. Antecedentes............................................................................................. 102
II.4.2. Reforma .................................................................................................... 104
II.4.3. Resultados................................................................................................. 109
II.4.4. Conclusão ................................................................................................. 124
II.5.
Lições das Experiências Internacionais........................................................ 126
II.5.1. Condicionantes ......................................................................................... 126
II.5.2. Escolhas .................................................................................................... 131
II.5.3. Resultados................................................................................................. 139
CAPITULO III - REFORMA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO ..................... 142
III.1. Antecedentes................................................................................................. 142
III.2. Reforma ........................................................................................................ 148
III.3. Resultados..................................................................................................... 154
III.3.1. Racionamento ........................................................................................... 154
III.3.2. Eficiência Alocativa ................................................................................. 158
III.3.3. Adequação dos Investimentos .................................................................. 168
III.3.4. Arranjos Institucionais.............................................................................. 173
III.4. Conclusão ..................................................................................................... 178
III.4.1. Condicionantes ......................................................................................... 178
III.4.2. Escolhas .................................................................................................... 179
III.4.3. Resultados................................................................................................. 182
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 187
vii
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 192
ANEXO I - Antecedentes da Reforma da Inglaterra e País de Gales................................ i
ANEXO II - Reforma dos Países Nórdicos ...................................................................... v
Noruega...................................................................................................................... v
Suécia .................................................................................................................... viii
Finlândia ................................................................................................................... x
Dinamarca .............................................................................................................. xii
ANEXO III - Califórnia................................................................................................. xvi
PURPA................................................................................................................... xvi
Crise: Fatores conjunturais................................................................................ xvii
Estratégias de manipulação do preço da eletricidade ................................... xxi
ANEXO IV - Antecedentes da Reforma Brasileira................................................ xxv
viii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura I.1 Custos de Governança como uma função da especificidade dos ativos..... 20
Figura I.2 Monopólio Natural Permanente.................................................................. 25
Figura I.3 Monopólio Natural Temporário ................................................................. 26
Figura I.4 Evolução do custo médio de geração termelétrica. .................................... 27
Figura I.5 Efeito Averch-Johnson ............................................................................... 36
Figura II.1 Arquipélago de Ilhas elétricas .................................................................... 48
Figura II.2 Mercado Interconectado ............................................................................. 49
Figura II.3 Tipos de Estrutura....................................................................................... 50
Figura II.4 Estrutura da matriz de Geração de Eletricidade na I&PG (1990) .............. 53
Figura II.5 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 1990/91....................... 55
Figura II.6 Nova Estrutura da Indústria de Suprimento Elétrico da I&PG .................. 56
Figura II.7 Evolução dos Preços Finais da Eletricidade no Reino Unido .................... 62
Figura II.8 Composição do Preço Final da Eletricidade............................................... 63
Figura II.9 Evolução dos Preços Médios Anuais no Pool – £ (2000/01)/MWh ........... 64
Figura II.10 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 2001/02....................... 65
Figura II.11 Participação de mercado de fornecedores ex PES (incumbentes).............. 70
Figura II.12 Evolução da Capacidade de Geração desde a Reforma............................. 74
Figura II.13 Capacidade de Geração por tipo de Planta na I&PG.................................. 75
Figura II.14 Previsão da Capacidade de Geração........................................................... 75
Figura II.15 Capacidade Instalada e Demanda de Pico (GW)........................................ 76
Figura II.16 Evolução do Preço Spot do UKPX, do SSP e SBP (2001/02) ................... 82
Figura II.17 Estrutura da Geração de Eletricidade – 2001 (TWh) ................................. 87
Figura II.18 – Fluxo entre áreas de preço ....................................................................... 89
Figura II.19 Encargo de Congestão ................................................................................ 90
Figura II.20 Evolução do preço do sistema - US$ (2003)/MWh.................................... 93
Figura II.21 Participação de mercado nos Países Nórdicos............................................ 95
Figura II.22 Evolução da Capacidade Instalada e do Consumo Total............................ 97
Figura II.23 Nível semanal dos reservatórios 2002/2003.............................................. 99
Figura II.24 Estrutura do Mercado de Geração ............................................................ 110
Figura II.25 Preços no Mercado Atacado (Média mensal) 1998-2001 US$/MWh...... 111
Figura II.26 Evolução dos Preços Reais Finais da Eletricidade (US$/MWh).............. 113
Figura II.27 Evolução das Tarifas Finais de Eletricidade............................................. 114
Figura II.28 Evolução dos Preços no Mercado em Tempo Real e no Atacado ............ 117
Figura II.29 Evolução da Demanda de Pico e do Consumo de Eletricidade................ 118
Figura II.30 Evolução da Capacidade Instalada de Geração (GW).............................. 118
Figura II.31 Margem de Reserva nos Momentos de Demanda de Pico (%) ................ 120
Figura III.1 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro .............. 148
Figura III.2 Depleção dos Reservatórios e Impacto Previsto do Racionamento ......... 156
Figura III.3 Evolução do Consumo de Eletricidade..................................................... 157
Figura III.4 Evolução do Nível dos Reservatórios no Subsistema SE/CO .................. 158
Figura III.5 Estrutura da Capacidade Instalada no Sistema Interligado Nacional ....... 159
Figura III.6 Evolução do preço de curto prazo no MAE - SE/CO............................... 162
Figura III.7 Evolução do preço de curto prazo no MAE - S........................................ 163
Figura III.8 Evolução do preço de curto prazo no MAE - NE..................................... 163
Figura III.9 Evolução do preço de curto prazo no MAE - N ....................................... 164
Figura III.10 Evolução da tarifa de uso do sistema de transmissão........................... 166
ix
Figura III.11 Evolução das tarifas médias de eletricidade ......................................... 167
Figura III.12 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro .......... 168
Figura III.13 Evolução da capacidade instalada e do consumo de eletricidade......... 169
Figura III.14 Adição de Capacidade 1999/junho 2003 – MW................................... 170
Figura III.15 Energia Armazenada (EAR %), Curva guia 2002 e Preço do MAE .... 176
Figura A.1 Participação de Mercado na Geração – Noruega......................................... vi
Figura A.2 Preços e Intensidade do consumo de eletricidade ...................................... vii
Figura A.3 Consumo de Eletricidade e Capacidade Instalada na Noruega ................. viii
Figura A.4 Participação de Mercado na Geração – Suécia............................................ ix
Figura A.5 Evolução da Estrutura da Geração de Eletricidade na Suécia 1973-1999.... x
Figura A.6 Participação de Mercado na Geração – Finlândia ...................................... xii
Figura A.7 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Oeste......................... xiv
Figura A.8 Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Leste ......................... xiv
Figura A.9 Estrutura da Geração de Eletricidade (TWh) ........................................... xvii
Figura A.10 Importações Líquidas de Eletricidade da Califórnia (TWh) ............... xviii
Figura A.11 Evolução dos Preços do Gás Natural...................................................... xx
Figura A.12 Desligamento Planejado ou Forçado de Centrais (GW)...................... xxiii
x
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela II.1 Pagamentos aos Geradores ......................................................................... 58
Tabela II.2 Preços da empresa incumbente e de Competidores.................................... 68
Tabela II.3 Modificações nos custos de comercializadores 1998-2002........................ 70
Tabela II.4 Parâmetro de Eficiência (X) na Atividade de Transmissão........................ 71
Tabela II.5 Parâmetro de Eficiência (X) n a Atividade de Distribuição ....................... 72
Tabela II.6 Geradores e comercializadores sob propriedade comum ........................... 77
Tabela II.7 Volume negociado no Nord Pool (TWh) ................................................... 88
Tabela II.8 Evolução dos preços anuais médios nas ‘áreas de preços’......................... 94
Tabela II.9 Concentração de mercado nos países Nórdicos.......................................... 96
Tabela II.10 Balanço de energia dos Países Nórdicos TWh ....................................... 98
Tabela II.11 Balanço de energia e potência e Capacidade de Transporte................... 98
Tabela II.12 Passos do Funcionamento do Mercado do Dia Seguinte...................... 107
Tabela II.13 Preços Competitivos de Referência e Observados no CALPX – 2000 115
Tabela II.14 Blecautes em Rodízio na Califórnia ..................................................... 120
Tabela II.15 Condicionantes das experiências internacionais de reforma ................ 130
Tabela II.16 Desenho de mercado em experiências internacionais .......................... 132
Tabela II.17 Desempenho das experiências internacionais de reforma .................... 140
Tabela III.1 Crescimento da capacidade instalada de geração ..................................... 143
Tabela III.2 Crescimento da capacidade instalada de geração ..................................... 144
Tabela III.3 Perfil institucional do setor elétrico brasileiro pré-reforma...................... 146
Tabela III.4 Privatização no Setor Elétrico Brasileiro.................................................. 150
Tabela III.5 Preços dos contratos de energia no atacado.............................................. 160
Tabela III.6 Revisões tarifárias das empresas de distribuição...................................... 165
Tabela III.7 Potenciais de geração flexível e importação vs. programação ................. 177
Tabela III.8 Características do Setor Elétrico Brasileiro.............................................. 179
Tabela III.9 Desenho dos mercados de eletricidade no Brasil ..................................... 180
Tabela III.10 Desempenho da Reforma Brasileira ..................................................... 182
Tabela A.1 Proposta de Reestruturação das Geradoras Federais ............................... xxvi
xi
SIGLAS
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ASMAE – Administradora do Mercado Atacadista de Energia
CAISO - California Independent System Operator
CALPX - California Power Exchange
CCGT – Combined Cycle Gas Turbine
CEC – California Energy Commission
CEGB – Central Electricity Generation Board
CfD – Contracts for Difference
CNPE - Conselho Nacional de Política Energética
CPUC - California Public Utilities Commission
CRC - Conta de Resultados a Compensar
CTC – Competition Transition Charge
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
DUKES – Digest of UK Energy Statistics
DWR - Department of Water Resources
EDF – Eletricité de France
EFAs – Electricity Forward Agreements
EPAct - Energy Policy Act
FERC – Federal Energy Regulatory Commission
FFE - Fundo Federal de Eletrificação
GCE - Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
GCOI - Grupo Coordenador de Operação interligada
GCPS - Grupo Coordenado de Planejamento Setorial dos Sistemas Elétricos
GN – Gás Natural
HHI – Herfindahl-Hirshman Index
I&PG – Inglaterra e País de Gales
IGP – Índice Geral de Preços
II PND – Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento
IOU - Investment Owned Utility
IPC – Índice de Preços ao Consumidor
IUEE - Imposto Único sobre Energia Elétrica
LOLP - Loss of Load Probability
MAE – Mercado Atacadista de Energia
MMC – Mergers and Monopolies Commission
MME – Ministério de Minas e Energia
MRE - Mecanismo Realocativo de Energia
NEC - Nordic Electricity Clearing
NETA - New Energy Trade Agreements
NGC – National Grid Company
Offer - Office of Electricity Regulation
Ofgem – Office of Gas and Electricity Markets
ONS – Operador Nacional do Sistema
PES – Public Electricity Supplier
PPP – Pool Purchase Price
PPT - Programa Prioritário de Termeletricidade
PSP - Pool Selling Price
PUC - Public Utility Commission
PUHCA - Public Utility Holding Company Act
PURPA – Public Utility Regulatory and Policy Act
xii
REC - Regional Electricity Company
RE-SEB - Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro
RGG - Reserva Global de Garantia
RPI – Retail Price Index
SBP – System Buy Price
SMP – System Marginal Price
SSP – System Sell Price
UKPX - UK Power Exchange
VN - Valor Normativo
xiii
INTRODUÇÃO
O processo de reforma do setor elétrico ocorre em escala mundial, estando
presente nas agendas de países em fases diversas de desenvolvimento econômico.
Dezenas de países realizaram, estão realizando ou planejam realizar medidas prómercado no setor elétrico.
A indústria de suprimento elétrico, que teve seu desenvolvimento sob a forma
dominante de monopólios verticalizadas combinado à regulação por custo do serviço,
experimentou um período de crise a partir da década de 70 nos países desenvolvidos. O
esgotamento das oportunidades de economia de escala, que caracterizavam a trajetória
anterior, e a evidência das ineficiências causadas por essa estrutura industrial (De
Oliveira, 1992), tornaram o setor objeto de insatisfação da sociedade e de críticas na
academia.
O processo de reforma do setor elétrico surgiu nos países desenvolvidos como
parte das políticas de redefinição do papel do Estado e liberalização das atividades
econômicas implementadas por governos de orientação liberal que chegaram ao poder
no início da década de 80. Ainda que experiências tenham ocorrido anteriormente (eg.
Chile e PURPA), o paradigma que guiaria o conjunto das reformas do setor elétrico foi
definido pela experiência da Inglaterra e País de Gales.
O objetivo primordial das reformas do setor elétrico é criar incentivos ao
comportamento eficiente das empresas através da introdução da competição. No
entanto, as características da indústria não permitem que a estrutura de coordenação
centralizada seja simplesmente substituída pela descentralização de mercado.
Primeiramente, o transporte de eletricidade é considerado um caso de monopólio
natural1 e, portanto, sua operação em regime concorrencial gera ineficiências. Assim, a
competição se limita aos extremos da cadeia produtiva, geração e comercialização, que
devem ser desvertizalizadas das atividades de transporte que continuam a ser reguladas.
Outras características tornam a coordenação no setor elétrico mais complexa do
que as demais atividades econômicas. A eletricidade não pode ser estocada, assim o
ajuste entre oferta e demanda deve ocorrer instantaneamente, i.e. em tempo real. A
1
Esse é um dos exemplos mais utilizados por manuais de economia para ilustrar situações de monopólio
natural.
1
organização da indústria em rede acarreta em profundas interpendências na operação e
nos investimentos. Finalmente, por estar presente em quase a totalidade dos processos
produtivos, ser serviço essencial ao bem-estar e importante fonte de poluição, a
eletricidade gera externalidades positivas e negativas para o resto da economia, sendo
considerada um serviço de utilidade pública.
Como resultado dessas complexidades, as reformas combinam elementos de
coordenação centralizada e coordenação descentralizada (mercado). Além dessas
características, que são comuns a qualquer sistema elétrico, particularidades estruturais
institucionais e operacionais de cada experiência condicionam a escolha do desenho da
reforma, determinando a combinação adequada de elementos de centralização e
descentralização. O objetivo da tese é identificar a combinação adequada ao setor
elétrico brasileiro, considerando as complexas características do nosso sistema.
Para tanto, a análise conta com o subsídio das lições advindas das experiências
internacionais de reforma. Três experiências internacionais são analisadas: Inglaterra e
País de Gales, Países Nórdicos e Califórnia. A escolha desse conjunto se deve ao
primeiro caso ter definido um paradigma para as demais reformas, o segundo contar
com relevante participação da geração hidrelétrica, como ocorre no Brasil, e ter
constituído um exemplo de sucesso por um longo período e o terceiro devido a crise
enfrentada em 2000/01. A análise das experiências procura identificar as características
que condicionaram a reforma em cada caso, o desenho adotado e o desempenho
alcançado.
A tese utiliza ferramentas teóricas de distintas abordagens. O primeiro capítulo
apresenta a teoria econômica que ajuda a responder duas questões: Por que reformar a
indústria de suprimento de eletricidade? E como reformá-la?
A justificativa da reforma está relacionada ao conceito de concorrência e suas
implicações ao bem-estar. O estímulo à eficiência gerado pela concorrência é a síntese
do argumento teórico da reforma. Diversas abordagens teóricas contribuíram para a
construção desse argumento.
A abordagem clássica evidenciou o papel que a concorrência ocupa na evolução
dos sistemas capitalistas. Na teoria neoclássica esse argumento foi aperfeiçoado e o
modelo de concorrência perfeita se tornou a principal referência para a avaliação do
desempenho dos mercados. O modelo Estrutura-Conduta-Desempenho analisa como as
2
condições estruturais da indústria determinam sua performance, destacando o papel da
concorrência potencial. Esse último aspecto é o foco da Teoria dos Mercados
Contestáveis, que considera a concorrência potencial suficiente para que os benefícios
da concorrência perfeita sejam alcançados mesmo em estruturas concentradas
(oligopólio e monopólio). Schumpeter considera a concorrência como um processo
dinâmico, atentando sobre o impacto das inovações para o desenvolvimento das
economias capitalistas.
O conceito de coordenação permite analisar como a indústria de suprimento
elétrico deve ser organizada para possibilitar que os benefícios propiciados pela
concorrência sejam alcançados. O conceito de coordenação na teoria econômica é
bastante empregado no debate planejamento centralizado vs. economia de mercado. No
entanto, a tese foca um setor específico e não o funcionamento geral da economia.
A análise relevante é o estudo dos fatores que determinam as formas de
coordenação (centralizadas, descentralizadas ou, mais importante, combinação dessas)
mais adequadas para determinada atividade econômica.
Parte relevante da ciência econômica se dedicou a demonstrar que a coordenação
propiciada pelo mercado é a mais eficiente. O modelo de equilíbrio geral é a principal
referência para o tratamento de sistemas econômicos onde a totalidade das decisões é
tomada de forma descentralizada, onde o preço das mercadorias provê todas as
informações relevantes.
No entanto, o tratamento das indústrias de rede é usualmente relacionado ao
conceito de falhas de mercado. Externalidades e situações de monopólio natural fazem
com que o resultado de mercado não seja plenamente eficiente. Essa situação justifica a
regulação dessas atividades. A eficiência da atividade regulatória é o objeto de estudo
da Teoria da Regulação.
Mas é a Economia dos Custos de Transação que oferece insights interessantes
sobre o desenvolvimento de estruturas de coordenação que combinam centralização e
descentralização. A abordagem tem como unidade de análise a transação e surgiu com a
obra seminal de Coase2, em 1939, que aponta que os custos de transação explicam
porque certas transações não são coordenadas pelo mercado e sim internamente à firma.
Williamson enriqueceu a análise, considerando os determinantes do arranjo institucional
2
Coase (1990)
3
(hierarquia, mercado ou estruturas híbridas) mais eficiente para a realização das
transações.
O critério de avaliação das experiências de reforma é a eficiência econômica. O
conceito de eficiência é bastante importante na ciência econômica e as abordagens
utilizam critérios distintos para avaliá-la. Três critérios são utilizados para avaliar a
eficiência estática e dinâmica. A eficiência alocativa é o critério para utilizado para
avaliar a eficiência estática. Essa se traduz na alocação dos recursos de forma a gerar
maiores rendimento e utilidade entre as alternativas possíveis. Segundo a teoria
econômica, essa se traduz na proximidade entre preços e custos marginais.
A eficiência dinâmica é expressa pela adequação dos investimentos, que se
reflete na evolução da capacidade instalada e da demanda de eletricidade. Essas
variáveis, usualmente, determinam a segurança do abastecimento no longo prazo,
aspecto muito importante no desempenho das experiências de reforma do setor elétrico.
O último critério é a eficiência dos arranjos institucionais. Sob esse critério, é
analisado se a estrutura de governança é adequada para a realização das transações, o
que é traduzido pelos custos de transação. Sua verificação é a realizada pela análise das
respostas das empresas à estrutura implantada com a reforma e do comportamento do
órgão regulador e de outras instituições.
As características do setor elétrico que criam a necessidade de coordenação
complementar à gerada pelo mercado são tratadas no final do primeiro capítulo.
O segundo capítulo aborda as experiências internacionais de reforma.
Primeiramente, é apresentado o padrão de evolução da indústria de suprimento elétrico
que antecedeu o processo de reforma. A apresentação segue pela descrição das
experiências de reforma na Inglaterra e País de Gales, países nórdicos e Califórnia. Essa
evidencia as características iniciais que condicionaram as experiências; a escolha do
desenho da reforma que determina o espaço da concorrência; e o desempenho alcançado
segundo os três aspectos da eficiência econômica. O capítulo é concluído pela análise
comparativa das experiências.
O terceiro capítulo aborda a experiência brasileira. A exposição é iniciada pelos
antecedentes da reforma e segue pelas medidas que, dispersas ao longo do tempo,
determinaram a liberalização da indústria e definiram a nova estrutura institucional.
4
O último capítulo conclui a tese, procurando evidenciar as lições que as
experiências internacionais propiciam para o desenvolvimento de um desenho de
reforma adequado às características do sistema elétrico brasileiro.
5
CAPITULO I - CONCORRÊNCIA E COORDENAÇÃO
Ainda que questões conjunturais sejam relevantes na reforma do setor elétrico,
somente um forte argumento teórico poderia promover sua difusão. Este capítulo
explora os elementos teóricos que contribuíram para que o processo de reforma setorial
tenha alcançado dimensão global. Duas questões orientam a análise teórica: Por que
reformar a indústria de suprimento de eletricidade? E como reformá-la? As respostas a
essas perguntas estão relacionadas com o conceito de concorrência, base teórica que
justifica a realização da reforma, e com o conceito de coordenação, que orienta o
desenvolvimento dos novos arranjos institucionais setoriais.
A primeira seção do capítulo explora as análises teóricas que destacam os
ganhos de bem-estar resultantes da concorrência como justificativa para a introdução de
pressões competitivas na indústria. A segunda tem como foco o conceito de
coordenação, analisando formas de coordenar as decisões econômicas além do mercado.
Por fim, são apresentadas as dimensões utilizadas para avaliar a eficiência econômica de
arranjos institucionais.
I.1. Concorrência
O conceito de concorrência transcende os limites da teoria econômica. Em seu
sentido mais amplo, a concorrência significa a pretensão do mesmo fim por mais de um
agente3. Na teoria econômica, o conceito de concorrência assume posição central na
análise do funcionamento do sistema capitalista4. Essa seção aponta as principais
características e os resultados do processo concorrencial nas abordagens mais relevantes
ao escopo da tese.
3
Segundo a definição de Stigler constante no “The New Palgrave: A Dictionary of Economics”:
“Competition is a rivalry between individuals (or groups or nations), and it arises whenever two or more
parties strive for something that all cannot obtain” (Stigler, 1987, p 531).
4
Segundo John Stuart Mill, “Only trough the principle of competition has political economy any
pretension to the character of science” (in McNulty, 1967).
6
I.1.1. Abordagem Clássica
Adam Smith utiliza o conceito de concorrência5 para explicar a determinação
dos preços na economia. A “Lei de Oferta e Demanda”, que sintetiza a percepção do
autor quanto ao funcionamento da concorrência, sustenta que os “preços de mercado”
tendem a ser maiores quando a quantidade de bens levada ao mercado pelo ofertante é
inferior à quantidade que os consumidores gostariam de adquirir ao seu “preço natural”
(demanda efetiva) e menores quando a quantidade ofertada excede a demanda efetiva.
Como afirma Stigler (1957), o significado da concorrência nesse contexto é “uma
disputa para garantir uma oferta limitada ou uma disputa para se livrar do excesso do
oferta”6.
Nas abordagens clássicas, o resultado do processo de concorrência é a tendência
de equalização das taxas de lucro, o que constitui a “Lei da Uniformização das Taxas de
Lucro”. Por hipótese, os recursos produtivos têm livre mobilidade e os empreendedores,
que contam com informações perfeitas, os empregam de forma a gerar o maior retorno
econômico possível. No equilíbrio competitivo, os recursos produtivos estarão
distribuídos de forma tal que cada uso gera o mesmo retorno. Esse resultado é parte
fundamental da teoria clássica. Como afirma Semmler (1987), “a livre competição era
considerada como uma força organizadora e de equilíbrio em uma sociedade de trocas,
tornando os preços naturais o centro de gravidade para os preços de mercado através de
fluxos de capitais advindos de áreas de menores taxas de retorno para áreas de
maiores”7.
A visão de concorrência na obra de Marx é mais abrangente que a de outros
autores clássicos8. O autor particulariza a análise clássica, considerando as turbulências
do processo competitivo não apenas como produto de problemas de circulação (guerra
de negócios e preços), mas também como conseqüência da “constante pressão sobre os
capitais individuais para inovar sob a penalidade de ruína”9, concluindo que o processo
de acumulação de capital leva necessariamente ao confronto dos capitais individuais.
Do enfrentamento entre firmas deriva não só a evolução econômica, acumulação e
crescimento, mas também a falência de firmas obsoletas e a concentração do capital. As
5
McNulty (1967) aponta que outros autores trataram do conceito de competição antes de Adam Smith,
cujo tratamento da concorrência não pode ser considerado original.
6
Stigler (1957) pp. 1 - 2. Tradução Livre (TL)
7
Semmler (1987) pg. 540. (TL).
8
Ver Semmler (1984).
9
Harris (1988), p 140 (TL).
7
firmas não são percebidas como agentes econômicos passivos, mas como atores que
promovem a reorganização da produção e das atividades no mercado considerando as
respostas do rivais10.
Apesar de considerar as turbulências do processo competitivo e as assimetrias
decorrentes de inovações, Marx não rompe com a Lei da Uniformização da Taxa de
Lucros. Essa tem um papel primordial em sua teoria da evolução das sociedades
capitalistas. O autor aponta que as taxas de lucros tendem a diminuir com o progresso
do capitalismo, acirrando a luta entre classes. Segundo Marx, primeiramente, a
concorrência atua na esfera de cada mercado, gerando um preço único para cada
mercadoria. A concorrência entre capitais atua nas várias esferas igualando taxas de
lucros entre setores econômicos, sendo que este último processo requer um estágio mais
elevado da produção capitalista que o primeiro11.
Apesar da importância da concorrência em seu arcabouço teórico, os autores
clássicos não chegaram a desenvolver um conceito estrito de concorrência. Ainda que
alguns autores, como Senior, tenham atentado sobre a irrealidade das hipóteses da teoria
clássica sobre o funcionamento dos mercados12, a inexistência de grandes empresas não
gerou preocupação por desenvolver um tratamento mais aprofundado da concorrência.
I.1.2. Abordagem Neoclássica
A análise marginalista foi aplicada na segunda metade do século XIX para
explicar a alocação de recursos escassos. A teoria neoclássica desenvolveu uma nova
teoria do valor baseada na interação entre oferta e demanda que combinava conceito de
utilidade à teoria dos custos de produção, originada nos clássicos.
Nessa abordagem, o modelo de concorrência perfeita é a referência para a
análise da eficiência econômica13. O modelo foi inicialmente formulado por Cournot em
1838. Segundo a análise de Cournot, que estudava a maximização de lucros em
10
Semmler (1987) p 540.
Marx in Eatweel (1982) p 210.
12
“But though, under free competition, cost of production is the regulator of price, its influence is subject
to much occasional interruption. Its operation can be supposed to be perfect only if we suppose that there
are no disturbing causes, that capital and labour can be once transferred, and without loss, from one
employment to another, and that every producer has full information of the profit to be derived from
every mode of production. But it is obvious that these suppositions have no resemblance to the truth.”
Stigler (1987).
11
8
estruturas de oligopólio, “os efeitos da competição alcançam seu limite quando a
quantidade produzida por cada agente (Dk) é irrelevante, não apenas em relação ao total
da produção D = F(p), mas também em relação à sua derivada F’(p). Assim, a produção
parcial Dk pode ser subtraída de D sem que ocorram variações relevantes no preço do
bem”14. Seu modelo tratou de forma rigorosa o conceito concorrência, ainda que nem
todos os requisitos que caracterizam um mercado competitivo tenham sido abordados.
A partir da formulação de Cournot, vários autores15 contribuíram para a
evolução do modelo de concorrência perfeita, o qual, da forma que conhecemos hoje,
considera uma série de hipóteses·:
(i)
Racionalidade perfeita e maximizadora – Conhecendo perfeitamente todo
o conjunto de possibilidades, consumidores escolhem de maneira a
maximizar sua utilidade dada sua restrição orçamentária e produtores
objetivam a maximização de lucros.
(ii)
Atomização do mercado – O mercado conta com inúmeros ofertantes e
demandantes com volumes insignificantes de produção e de consumo em
relação ao tamanho do mercado, sendo as decisões tomadas
independentemente
(sem
conluio).
Desta
forma,
ofertantes
e
demandantes não são capazes de alterar o preço de equilíbrio
individualmente. Nesta situação, os agentes são “price takers”.16
(iii)
Homogeneidade dos produtos – Os produtos oferecidos no mesmo
mercado são percebidos como idênticos e o consumidor é indiferente
entre escolher produtos de ofertantes distintos quando o preço é o
mesmo.
(iv)
Livre mobilidade do capital - Não há barreiras à entrada de concorrentes.
Firmas entram no mercado instantaneamente e sem custos.
13
Segundo Roberts (1987), “no set of ideas is so widely and successfully used by economists as is the
logic of perfectly competitive markets”.
14
Cournot in Stigler (1957). (TL).
15
As contribuições de Jevons, em 1871, que introduziu a condição de conhecimento perfeito, Edgeworth,
em 1881, que foi o primeiro economista a definir sistemática e rigorosamente as condições que
caracterizam a situação de concorrência perfeita, e Knight, em 1921, que ofereceu uma formulação
completa do conceito de competição perfeita, foram especialmente relevantes.
16
Uma hipótese subjacente a de atomização é a de ausência de retornos crescentes à escala. Ou seja, que
não existem ganhos econômicos relacionados à escala de produção.
9
(v)
Ausência de externalidades – Todos os custos de produção estão
internalizados.
(vi)
Economia estacionária – Fatores e condições permanecem imutáveis no
período analisado.
O modelo de concorrência perfeita descreve uma situação de equilíbrio. A
concorrência é considerada como um ajuste passivo, isento de turbulências, que
homogeneíza os concorrentes e elimina a possibilidade de lucros extraordinários. Em
concorrência perfeita, o equilíbrio de mercado ocorre com o preço se igualando ao custo
marginal dos ofertantes, que realizam lucros nulos (normais).
O modelo de concorrência perfeita consiste em uma abstração, pois suas
hipóteses não são observáveis no mundo real. Sua relevância se deve ao fato de servir
como referência (benchmark) para a avaliação do desempenho dos mercados.
I.1.3. Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D)
A análise do desempenho de setores industriais tem sua origem no modelo E-CD17 que adota como hipótese básica que os fatores estruturais são determinantes
unívocos do desempenho dos mercados. Utilizando análises empíricas, essa abordagem
relaciona variáveis de estrutura (grau de concentração e barreiras à entrada) e variáveis
de desempenho, usualmente expressadas pelo desvio em relação ao ótimo competitivo.
Como foi destacado, a atomicidade do mercado é um pressuposto fundamental
para caracterizar um mercado perfeitamente competitivo. Os indicadores da
concentração de mercado têm por objetivo verificar em que grau uma determinada
indústria se afasta desta situação hipotética. Os índices mais simples são os de razão de
concentração (CR), que medem a participação das maiores empresas no mercado em
análise. Normalmente, é utilizado o CR (4) que consiste no somatório da participação de
mercado das quatro maiores empresas. No entanto, esses índices não fornecem
informações sobre as outras empresas e de como as maiores empresas dividem o
mercado.
17
O trabalho seminal de Bain, em 1956, deu origem a uma série de estudos empíricos, que marcam a
gênese da disciplina de Economia Industrial (ou Organização Industrial) no currículo de economia. O
livro texto de Scherer e Ross (1990) sintetiza as principais contribuições que formam esse modelo teórico.
10
O Índice de Herfindahl-Hischman (HHI), que corresponde ao somatório do
quadrado da participação de mercado (si) das n empresas que atuam na indústria
n
analisada ( ∑ s i2 ), é um indicador mais completo. Além de fornecer informações sobre
i =1
a quantidade de empresas atuantes e dispersão do mercado, esse conta com um
argumento teórico que aponta para seu relacionamento com o grau de lucratividade na
indústria18. Esse é o índice mais utilizado para medir o grau de concentração em
atividades econômicas, inclusive para orientar políticas de proteção da concorrência19.
O conceito de barreira à entrada, importante contribuição de Bain à teoria
econômica, evidencia a relevância da concorrência potencial para determinar o
desempenho das empresas. Assim, a concorrência não se resume à disputa entre as
empresas já estabelecidas no mercado (concorrência real), mas também é formada pela
ameaça da entrada de novas empresas (concorrência potencial). Segundo o autor,
Barreira à entrada corresponde a qualquer fator estrutural que permite às empresas
estabelecidas praticarem preços superiores ao nível competitivo sem induzir a entrada
de novas firmas no mercado. As barreiras à entrada têm quatro fontes: (i) vantagens
absolutas de custos; (ii) preferência dos consumidores por produtos das firmas
estabelecidas; (iii) economias de escala; (iv) elevados requerimentos de capital inicial.
Com base nesses elementos, Bain procurou determinar como as empresas estabelecidas
definem preços de forma a não estimular a entrada (preço limite).
O desvio entre preços praticados em relação ao ótimo competitivo (Cmg) é o
critério usualmente utilizado para aferir o desempenho da indústria (eficiência
alocativa20). O índice de Lerner reflete o poder de mercado na indústria. Esse é definido
pela fórmula:
P − CMg
.
P
18
Considerando oligopólio homogêneo e competição de Cournot, o índice de Lerner, desvio entre preço e
custo marginal, se relaciona positivamente com o HHI. Assim, há uma justificação teórica para a
utilização HHI como medida de poder de mercado. Além disso, o HHI respeita as cinco propriedades
básicas dos bons indicadores de concentração definidas por Encaoua e Jacquemin (Resende e Boff, 2002,
pgs. 88-90).
19
Na legislação antitruste norte-americana, fusões em indústrias com valores inferiores a 1000 não são
consideradas preocupantes quanto a intensidade da competição. Em indústrias com valores entre 1000 e
1800, a fusão é preocupante somente quando implica em aumento de maior ou igual a 100 pontos no
HHI. E em indústrias com HHI maior que 1800, fusões que causem aumento do índice de 50 pontos já
são consideradas preocupantes (Resende e Boff, 2002).
20
Esse tema será tratado mais detalhadamente no Item I.3.
11
A crítica usual ao modelo E-C-D consiste na desconsideração da conduta das
empresas como determinantes do desempenho, o que contraria a intuição e evidências
empíricas. Progressivamente, a teoria passou a considerar uma retroalimentação entre as
variáveis de estrutura, conduta e desempenho, mas a possibilidade de múltipla
causalidade acabou por enfraquecer seu poder explanatório. Somam-se críticas quanto à
homogeneidade de taxas de lucros entre as empresas que formam a indústria e quanto à
endogeneidade das variáveis de estrutura e desempenho21. No entanto, como aponta
Kupfer (2002), mesmo considerando as limitações do paradigma E-C-D, esse ainda é
um importante guia para a ação política, pois a experiência empírica mostra que
concentração industrial e barreiras à entrada apresentam relação sistemática com o
desempenho da indústria.
I.1.4. Teoria dos Mercados Contestáveis
Diversos modelos teóricos foram desenvolvidos para tratar de situações em que
há um número limitado de firmas atuando no mercado. Entre os modelos de
concorrência em oligopólio, a teoria dos mercados contestáveis é particularmente
importante para a análise da concorrência em indústrias de rede. A proposta desta teoria,
desenvolvida por Baumol, Panzar e Willig (1982), consiste em desenvolver um modelo
que incorpore algumas complexidades do mundo real não consideradas no modelo de
concorrência perfeita, notadamente os ganhos de escala22.
Esta teoria aponta que os resultados de concorrência perfeita podem ser
observados em situações de oligopólio/monopólio em função da concorrência potencial,
que é expressa na contestabilidade dos mercados. “Mercados contestáveis são aqueles
onde as pressões competitivas de entrantes potenciais constituem fortes restrições ao
comportamento das firmas estabelecidas”23.
Baumol, Panzar e Willig (1982) afirmam que, em situações onde o mercado é
perfeitamente contestável, que constitui um benchmark para esta teoria, a atomicidade
da oferta não é pré-condição para obtenção de preços de concorrência perfeita. Os
autores caracterizam um mercado perfeitamente contestável pelas seguintes condições:
21
Kupfer (2002).
Baumol, Panzar e Willig (1986, pg. 340) afirmam que o modelo de contestabilidade perfeita é uma
generalização do modelo de concorrência perfeita.
23
Willig (1987). TL
22
12
(i) entrada e saída do mercado livres e sem custos (esta hipótese é denominada “hit and
run”)24; (ii) resposta não instantânea das firmas estabelecidas em relação à entrada de
concorrentes; (iii) racionalidade perfeita (ausência de incerteza); e (iv) entrantes com a
mesma dotação tecnológica das estabelecidas.
Respeitadas essas condições, a firma se comportará eficientemente mesmo em
situações de monopólio natural25, produzindo no nível que minimiza o custo total26 da
indústria. Desta forma, o monopólio não acarreta necessariamente em perdas de bemestar em relação ao ótimo competitivo27. A implicação normativa é que, em mercados
que se aproximam da condição de perfeita contestabilidade, a política de laissez faire
propiciará melhores resultados para a sociedade do que a regulação ativa. Esta visão deu
suporte à liberalização das indústrias de serviços públicos ao sustentar que a abertura da
indústria à competição potencial é suficiente para atingir resultados desejáveis, sem
necessidade de políticas regulatórias.
Vickers e Yarrows (1988) revisam a literatura que apresenta críticas sobre a
consideração da “demora” da firma estabelecida em baixar seus preços em resposta à
entrada e a não robustez da hipótese de custos afundados nulos28. Os autores questionam
a aplicabilidade da teoria às indústrias de serviços públicos privatizadas no Reino
Unido. A ameaça de entrada não é suficiente para compelir as firmas dominantes à se
comportarem eficientemente, para tanto, é necessário o reforço de políticas de defesa da
concorrência ou a regulação direta29.
As implicações normativas dessa teoria deveriam levar em conta a aderência das
hipóteses à realidade, já que as características dessas indústrias, particularmente as do
setor elétrico30, não são compatíveis a situação de perfeita contestabilidade31. De fato, a
24
Nesta condição, não existem custos afundados (sunk costs). Ou seja, todos os custos incorridos pela
entrante podem ser totalmente recuperados caso esta decida deixar este mercado, possibilitando que
empresas entram e saiam do mercado sem comprometimentos (por isso, a estratégia de “hit and run” é
possível).
25
A situação de monopólio natural é apresentada no item 1.2.1.
26
Em situações de monopólio natural, o custo marginal é o inferior ao custo médio. Assim, o resultado
maximiza o bem-estar, sujeito a restrição de que as firmas não tenham prejuízo (configurações possíveis).
Este resultado é denominado de “second best” ou “ótimo de Ramsey”. Quando as condições de
minimização de custo permitem que cada bem seja produzido por ao menos duas firmas, o resultado de
“first best”, alocação de recursos que propicia a igualdade entre preços e custo marginal, é alcançado.
27
Baumol, Panzar & Willig (1986).
28
A não robustez implica que a teoria não é útil como uma aproximação da realidade.
29
Vickers e Yarrow (1988) pg. 61.
30
Bouttes & Leban (1995) avaliam o grau de contestabilidade das indústrias de rede. O setor elétrico é
avaliado como um dos menos contestáveis.
13
teoria dos mercados contestáveis sobre-valorizou o papel da concorrência potencial
baseado em uma situação bastante peculiar. O seu propósito de promover uma
generalização dos resultados de concorrência perfeita não é alcançado e a necessidade
de regulação não é eliminada. No entanto, a teoria dos mercados contestáveis tem os
méritos de tratar elementos usualmente ignorados na economia industrial, como as
indústrias multi-produtos, e de apontar a relevância dos custos afundados (sunk-costs) e
da concorrência potencial. O conceito de contestabilidade dos mercados sintetiza a
intensidade da concorrência potencial, sendo bastante utilizado na literatura de
indústrias de rede para indicar os benefícios da liberalização da indústria32.
I.1.5. A Contribuição de Schumpeter
A abordagem de Schumpeter representa uma ruptura radical com a análise
neoclássica, focando um ponto não enfatizado anteriormente: “as incessantes
modificações nos produtos e nas formas de produzi-los”. Schumpeter concebe o
processo de concorrência centrado na inovação, considerando-a como o “impulso
fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista”33. O êxito do
processo inovativo resulta em vantagens competitivas para o inovador, criando uma
posição temporária de monopólio e possibilitando a realização de lucros extraordinários.
Desta forma, o progresso técnico é incorporado no corpo teórico, deixando de ser uma
variável exógena34.
A concorrência não é formulada apenas como competição por preços. O que é
considerado relevante é “a concorrência através de novas mercadorias, novas
tecnologias, novas fontes de oferta, novos tipos de organização”,35 ou seja, a
concorrência via inovações.
Schumpeter recupera a análise de Marx, analisando a dinâmica do processo de
concorrência. A análise que importa é a da evolução dos resultados, pois “como estamos
tratando de um processo em que todos os elementos levam um tempo considerável para
31
Um dos formuladores do modelo, Willig, aponta que a primeira tarefa na análise da política
governamental eficiente para uma indústria consiste em verificar a existência de barreiras à entrada e se a
ameaça de entrada realmente restringe o comportamento da firma estabelecida (Willig, 1987).
32
E.g. Bouttes e Leban (1995).
33
Schumpeter (1984) p. 112.
34
Na teoria neoclássica, o progresso técnico é uma variável exógena que tem o efeito deslocar as curvas
de possibilidades de produção da totalidade das firmas, não sendo consideradas as assimetrias decorrentes
do processo inovativo.
14
revelar suas características verdadeiras e seus efeitos finais, não tem sentido avaliar o
desempenho de tal processo ‘ex visu’ de um dado ponto do tempo”.36 No entanto, como
não pressupõe alguma tendência ao estado de equilíbrio em que as taxas de lucros sejam
uniformes, o resultado alcançado pela análise de Schumpeter é diverso do resultado da
de Marx. As assimetrias entre firmas são geradas constantemente e constituem a
essência do desenvolvimento do sistema capitalista
Schumpeter também considera o movimento de ajustamento da concorrência
provocado pela difusão da inovação37. Porém, ao contrário da teoria clássica, o
movimento de ajuste não recupera o ponto de equilíbrio inicial, pois a inovação
modifica as estruturas de forma irremediável, sintetizado pelo conceito de destruição
criativa. Ou seja “o processo... que incessantemente revoluciona a estrutura econômica
a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma
nova”.38
Schumpeter não considera a concorrência e o monopólio como conceitos
excludentes. O monopólio ocupa um papel fundamental no processo de concorrência,
sendo o motivador e o resultado do processo competitivo. O monopólio, neste contexto,
é o que as firmas buscam ao inovar para poderem realizar lucros extraordinários. As
firmas ocupam posições monopolistas como resultado do processo inovativo bem
sucedido, que possibilita adquirir o prêmio dos lucros extraordinários. Por outro lado, o
oligopólio e o monopólio per se não implicam em ausência de pressões competitivas,
pois a posição monopolista não é eterna, e sim um resultado temporário, já que uma
inovação de outra firma, ou a mera difusão da inovação que gerou a posição de
monopólio, pode reverter esta posição. Neste sentido a concorrência “age não apenas
quando existe de fato, mas também quando é meramente uma ameaça onipresente”.39
A contribuição de Schumpeter tem forte implicação sobre a relação entre a
estrutura do mercado e bem-estar. Os mercados devem ser avaliados dinamicamente e a
pulverização da oferta deixa, então, de ser um sinônimo de eficiência. Nessa
perspectiva, situações de monopólio têm o importante papel de premiar o esforço
inovativo e dessa forma estimular o progresso econômico.
35
Schumpeter (1984) p. 114.
Schumpeter (1984) p. 113.
37
Seguindo a lógica, a inovação é o movimento ativo da concorrência.
38
Schumpeter (1984) pp 112-113.
39
Schumpeter (1984) p. 115.
36
15
Os evolucionistas, uma das correntes teóricas classificadas como neoschumpeterianas, analisam o processo de concorrência em uma analogia com a teoria
darwiniana da evolução das espécies. Assim a concorrência é vista como um
mecanismo de evolução, constituindo um ambiente seletivo40. Neste contexto, a seleção
de inovações constitui a “mais importante função socio-econômica dos mercados” 41 e é
por esta função que o mercado deve ser avaliado. Ou seja, por sua eficiência seletiva.
Os evolucionistas destacam a regularidade do progresso tecnológico das
indústrias. Vários autores salientaram as características seletiva, acumulativa e
direcionada das atividades inovadoras. Segundo essa visão, o progresso técnico se dá,
em geral, através de uma seqüência de pequenos avanços tecnológicos ao longo do
tempo que são direcionados pelos desafios criados por essa seqüência. Quatro conjuntos
de conceitos se destacam: o conceito de imperativos tecnológicos de Rosenberg; os
conceitos de design padrão/guideposts tecnológicos e avenidas tecnológicas de Sahal; os
conceitos de trajetória natural e regime tecnológico de Richard Nelson e Sidney Winter;
e os conceitos de paradigmas e trajetórias tecnológicas de Giovanni Dosi.
I.2. Coordenação
A coordenação das ações econômicas pode ser obtida de várias formas, com
diferentes resultados. Apesar de o termo coordenação ser muitas vezes tratado como o
oposto de mercado, este último é também uma forma de obter coordenação. “[N]o
mercado descentralizado e impessoal, (...) a coordenação é o resultado não intencional
de relações mercantis isoladas, determinadas por sucessivas decisões independentes que
visam exclusivamente o interesse individual”42.
Parte relevante da ciência econômica se dedicou a demonstrar que a coordenação
propiciada pelo mercado é mais eficiente, tendo o modelo de Equilíbrio Geral se
tornado a principal referência para o tratamento de sistemas econômicos onde a
totalidade das decisões econômicas é tomada descentralizadamente43. Nesse modelo o
40
O mercado não constitui o único componente de um ambiente seletivo. As instituições regulatórias
também cumprem o papel de seleção.
41
Possas (1996) p. 79.
42
Pondé (2000) pg 27
43
Como o modelo de equilíbrio Geral, conforme apresentado por Arrow-Debreu, utiliza a figura do
leiloeiro alguns apontam que as decisões não são descentralizadas em sua totalidade. Guerrien (2002)
afirma que “The Arrow-Debreu model has nothing to do with competition and markets, it is a model
‘highly centralized’ economy, with a benevolent auctioneer doing a lot of things and with stupid price
16
preço da mercadoria provê todas as informações relevantes para decisões econômicas
eficientes, sendo o sinal suficiente para a tomada de decisões.
No entanto, a literatura econômica aponta que existem situações em que o
mercado descentralizado não gera coordenação eficiente, justificando a utilização de
configurações para realizar transações econômicas que comportam outros elementos
além do mercado. Nesse sentido, pode-se distinguir dois tipos de coordenação: vertical
e horizontal. O segundo ocorre entre as etapas da cadeia produtiva, sendo o interesse
central da teoria dos custos de transação. O primeiro consiste em articular as relações
entre empresas que atuam na mesma etapa da cadeia produtiva, sendo o espaço analítico
das chamadas falhas de mercado.
I.2.1. Coordenação Vertical
A coordenação vertical das cadeias produtivas é o foco da Economia dos Custos
de Transação. Essa teoria procura recuperar as contribuições da Economia Institucional
desenvolvidas no início do século XX por Commons, Veblen e Mitchell. Essa análise
tem as instituições como objeto, o que pode ser sintetizado na expressão: instituições
importam.
A Economia dos Custos de Transação tem sua origem no trabalho seminal de
Coase (1990) que questiona a razão da existência de organizações (firmas) se os
mecanismos de preço, segundo as prescrições da teoria econômica, forneceriam a
coordenação mais eficiente. Para Coase, algumas atividades não são coordenadas via
preço, pelo mercado, mas sim no interior da firma, pelo empreendedor. “A principal
razão que torna o estabelecimento de firmas vantajoso é o custo da utilização de
mecanismos de preço”44. Assim, as firmas se defrontam não apenas com custos de
produção, mas também com custos de transação, que incluem os custos de pesquisar os
preços relevantes, da elaboração e execução de contratos comerciais e os resultantes das
incertezas envolvidas na utilização de mecanismos de preço. A firma internaliza
atividades sempre que o custo de utilizar mecanismos de preço (custos de transação) é
superior ao de organizar internamente a produção (custos de coordenação).
taker agents”. Brousseau e Glachant (2002) também apontam que o modelo de equilíbrio geral assume a
pré-existência de coordenação coletiva (Brousseau e Glachant, 2002 pg. 4).
44
Coase (1990) p 390. TL.
17
Os trabalhos de Williamson conferem bases mais sólidas para a teoria dos custos
de transação. Utilizando hipóteses distintas daquelas tradicionalmente consideradas na
microeconomia, o autor analisa como os agentes procuram construir o arranjo
institucional (estrutura de governança) mais eficiente para a realização de transações
econômicas. Não se limitando à dicotomia mercado vs. hierarquia, o autor aponta para a
possibilidade de a coordenação das transações ocorrer através de estruturas híbridas, que
combinam características destes dois arranjos institucionais.
O problema de organização econômica é tratado como um problema contratual,
tendo como unidade fundamental de análise a transação. A transação entre agentes não
se resume ao contato instantâneo e impessoal de mercado; há, também, a transação
duradoura, que gera comprometimento entre os agentes. Este segundo tipo de transação
é o foco da análise.
Williamson utiliza duas hipóteses comportamentais, racionalidade limitada e
oportunismo, sustentando que “qualquer tentativa de tratar seriamente o estudo de
organizações econômicas deve considerar as ramificações combinadas de racionalidade
limitada e oportunismo em conjunção com a condição de especificidade de ativos”45.
O autor considera a racionalidade limitada nos termos desenvolvidos por Simon.
Ou seja, os agentes, apesar de racionais, não são oniscientes e sim limitados por
aspectos cognitivos e computacionais46. A hipótese de racionalidade limitada tem
profundas implicações sobre a análise econômica, pois a hipótese de racionalidade
substantiva (racionalidade perfeita e maximizadora) é uma hipótese central das
abordagens microeconômicas tradicionais47.
A implicação da hipótese de racionalidade limitada na abordagem de
Williamson é a impossibilidade de os agentes desenvolverem contratos completos. Ou
seja, contratos em que estejam previstas todas as situações possíveis no futuro,
instituindo salvaguardas para qualquer possibilidade. A hipótese de racionalidade
limitada ganha relevância particular em ambientes complexos e incertos. Assim, é
difícil e custoso computar as situações possíveis e é impossível associar probabilidades
aos eventos para calcular seu pay-off. Nesse contexto, “os agentes tomam decisões
baseados em um montante de informações que não é ótimo, em expectativas ou crenças
45
46
Williamson (1985) pg. 42. TL
Simon (1979).
18
que não são justificadas racionalmente e utilizando critérios de escolha que não realizam
comparação exaustiva de todas as alternativas possíveis”.
A hipótese de oportunismo é uma contribuição original de Williamson, que o
descreve como a ação que objetiva o interesse próprio de maneira dolosa. De forma
geral, oportunismo significa a revelação incompleta ou distorcida de informações
visando, de forma intencional, confundir outros agentes48. O oportunismo se manifesta
ex ante e ex post à realização de contratos, gerando problemas de ‘seleção adversa’ e ‘de
risco moral (moral hazard)’49. A presença de oportunismo cria incerteza relacionada às
transações econômicas.
O autor considera três dimensões que caracterizam as transações econômicas especificidade dos ativos, incerteza e freqüência, destacando que “a condição de
especificidade dos ativos é a dimensão mais crítica para a descrição das transações”50.
Os ativos específicos são definidos como “investimentos duradouros que são
desenvolvidos em suporte a transações particulares, e que não podem ser recuperados
sem sacrifício de seu valor econômico caso o contrato seja rompido”51, já que a melhor
utilização alternativa para tais ativos é substancialmente menos atrativa que a original.
O surgimento de ativos específicos é determinado por quatro fatores: a aquisição
de equipamentos especializados por parte dos agentes envolvidos, expansão da
capacidade produtiva para atender a demanda do conjunto de transações,
estabelecimento de unidades produtivas próximas pelas partes que transacionam e
aprendizado desenvolvido especialmente por decorrência da interação.
A presença de especificidade dos ativos não se resume a casos excepcionais,
pelo contrário, essa constitui um elemento fundamental nas sociedades capitalistas.
Existem três efeitos cruciais da consideração de especificidade de ativos, i) as relações
contratuais deixam de ser impessoais; ii) a continuidade do relacionamento passa a ser
fundamental para os agentes; e iii) salvaguardas contratuais e organizacionais surgem
para dar suporte a tais relações.
47
A hipótese de racionalidade perfeita forma o núcleo duro (hard core) da teoria microeconômica
neoclássica, que o conjunto de hipóteses que não podem ser relaxadas.
48
Williamson (1985) p 47.
49
Estes conceitos derivam da literatura de seguros. O primeiro resulta da incapacidade de distinguir os
agentes que representam riscos maiores e o segundo da mudança de comportamento de consumidores,
que deixam de arcar com as responsabilidades de seus atos.
50
‘Transaction cost economics further maintains that the most critical dimension for describing
transactions is the condition of asset specificity’ Williamson (1985) p. 30.
51
Williamson (1985) p. 54 e 55.
19
A existência de ativos específicos torna a relação ao longo da cadeia produtiva
uma espécie de monopólio bilateral, pois o rompimento do contrato significa perdas
relevantes para pelo menos uma das partes. Nesta situação, comprador e vendedor têm
condições de aproveitar sua posição estratégica para barganhar ganhos incrementais
quando ocorrem eventos imprevistos que tornam necessário o ajuste dos contratos.
Mesmo que o interesse comum seja a continuidade do contrato, cada parte tenderá a
tirar o melhor proveito possível de seu poder de barganha. Para atenuar o oportunismo
das partes envolvidas e para aumentar a confiança entre os agentes é necessária a
constituição de estruturas de governança.
Uma das respostas possíveis para evitar os custos de transação é a integração
vertical. Mas essa opção significa a abstenção dos incentivos de mercado, constituindo
um trade-off. A conclusão de Williamson é a de que quanto mais relevante for a
presença de ativos específicos, mais atraente será a integração vertical.
A Figura I.1, indica o tipo de governança ótimo em função do nível de
especificidades dos ativos. A hierarquia é a estrutura mais adequada para níveis
elevados de especificidade dos ativos, o mercado para níveis baixos e a estruturas
híbridas, que combinam características de mercado e hierarquia, para níveis
intermediários.
Figura I.1 Custos de Governança52 como uma função da especificidade dos ativos
Custos de
Governança
Mercado
Híbridas
Hierarquia
Especificidade dos ativos
Fonte: Williamson (1996)
52
Custo de governança é a diferença entre os custos de transação e os benefícios resultantes de incentivos
a eficiência propiciados pelo mercado.
20
Dois tipos de incerteza são muito importantes na análise dos custos de transação:
comportamental e sistêmica. A incerteza comportamental surge da impossibilidade de
os agentes anteciparem o comportamento dos outros. Assim, toda transação está sujeita
ao oportunismo dos agentes, que não pode ser previsto e nem mensurado em termos
probabilísticos. A incerteza sistêmica é também importante, pois considerando que os
agentes são incapazes de antecipar o ambiente futuro, todo contrato está sujeito a
contingências imprevistas que criam espaço para comportamentos oportunistas. Deve-se
destacar que a suposição de racionalidade limitada dos agentes é essencial para o
surgimento de incerteza. O grau de incerteza é especialmente relevante em um contexto
de ativos específicos, pois o nível de incerteza quanto à continuidade do contrato é
determinante na decisão dos agentes investirem em ativos específicos que envolvem
perdas relevantes caso haja rompimento do contrato. Em situações limites, estruturas
híbridas ou hierárquicas serão necessárias para atenuar a incerteza e possibilitar a
efetuação de investimentos em ativos específicos.
Como freqüência, o autor considera a manutenção de um vínculo duradouro
entre os agentes, o que é essencial para o desenvolvimento de instituições de gestão, e
também para o surgimento de ativos específicos, pois somente se as relações são
freqüentes é economicamente viável desenvolver instituições e especializar os ativos.
Os custos de transação têm grande importância para a organização das
transações no setor elétrico. A cadeia produtiva da indústria de suprimento de
eletricidade
envolve
quatro
atividades:
geração,
transmissão,
distribuição
e
comercialização53. A atividade de geração consiste na produção de eletricidade. A
transmissão é o transporte de energia entre as centrais de produção e os centros de
carga. A distribuição é o transporte até os consumidores finais e a comercialização é
composta pelas atividades relativas à prestação dos serviços elétricos aos consumidores
finais54.
53
Alguns autores, como Hogan, diferenciam mais uma atividade na cadeia de produção de eletricidade: a
operação. Essa inclui a definição do despacho, que é a determinação das quantidades produzidas por cada
usina e, por conseqüência, do fluxo de eletricidade nas linhas de transmissão, e a manutenção das
propriedades do sistema elétrico (estabilidade e confiabilidade). No entanto, essas são atividades de
coordenação e que são inerentes a qualquer atividade produtiva, mas que ganham relevância no setor
elétrico devido a complexidade envolvida na sua coordenação.
54
A atividade de comercialização consiste na venda de energia para o consumidor final. Historicamente,
essa atividade era desenvolvida por empresas de distribuição e muitas vezes a distribuição e a
comercialização são tratadas como uma única atividade. Uma explicação que facilita a compreensão, a
comercialização compreende todas atividades que a concessionária de distribuição usualmente prestava
ao consumidor final que transcende a propriedade e manutenção dos fios, como a cobrança, o
atendimento ao consumidor e a aquisição de energia dos geradores.
21
Na prática, não é clara a distinção entre as linhas de transporte de energia que
compõem a atividade de transmissão das que compõem a distribuição. Usualmente, o
critério utilizado para distinguir as duas atividades é a tensão da linha. Para evitar
perdas no transporte de grandes quantidades de energia por distâncias elevadas, a
transmissão ocorre em tensão elevada e, por critérios de segurança e econômicos, a
distribuição ocorre em tensões menores.
A magnitude da especificidade dos ativos pode ser mensurada pelo diferencial
entre o valor do investimento em seu uso original e o retorno propiciado por um uso
alternativo. No caso do setor elétrico, esse diferencial assume valores substanciais, pois
o valor do uso alternativo desses ativos é diminuto (Santana e Oliveira, 2000). Como as
atividades são fisicamente interligadas, a interdependência entre os investimentos é
muito relevante55, o acarreta em problemas de hold-up (Holmström e Roberts, 1998), ou
seja, a postergação de investimentos em função da exposição ao oportunismo. É
interessante notar que investimentos em transmissão e geração são ao mesmo tempo
complementares e substitutos. Complementares por que são necessárias linhas de
transmissão para que a eletricidade gerada chegue ao mercado, e vice-versa. Por outro
lado, investimentos em uma linha de transmissão que ligue um mercado superavitário a
um deficitário substituem a investimentos de geração no submercado deficitário, e viceversa.
Em virtude dos elevados custos de transação, a hierarquia foi adotada como
forma de governança usual na história da indústria de suprimento elétrico, mesmo nas
situações em que a geração de eletricidade deixou de ser um monopólio natural. As
incertezas envolvidas na estruturação dos contratos e as dificuldades na sua monitoração
tornavam proibitivos os custos de transação entre as etapas da cadeia produtiva elétrica,
dando origem aos monopólios verticalmente integrados.
A partir dos anos 80, as inovações geradas pelo “paradigma microeletrônico”56
tiveram grande impacto no funcionamento da indústria elétrica. A drástica redução no
custo do tratamento do enorme volume de dados necessários para a monitoração dos
fluxos elétricos, a operação à distância dos equipamentos elétricos e os sofisticados
instrumentos de gestão de riscos financeiros propiciados pela difusão do uso da
55
Recentemente, a usina termelétrica de Uruguaiana (RS) gerou grandes prejuízos a sua proprietária (a
americana AES) porque a limitação da rede de transmissão não possibilitava a sua operação em plena
carga.
56
Dosi (1984).
22
informática diminuiu o espaço para comportamentos oportunistas, permitindo devolver
ao mercado a coordenação de algumas transações entre agentes do sistema elétrico,
mais especificamente as transações entre geradores e consumidores. No entanto, como o
nível de especificidade dos ativos no setor elétrico permanece elevado e as etapas de
transporte de sua cadeia produtiva permanecem com características de monopólio
natural, a devolução ao mercado da coordenação das transações citadas acima tem sido
realizada concomitantemente à introdução de regulamentos visando limitar o poder de
mercado dos agentes proprietários das redes de transporte.
A Teoria dos Custos de Transação é uma fonte de importantes contribuições
para a análise das reformas do setor elétrico. Para Joskow (2002), “(…) a teoria
econômica dos Custos de Transação fornece um indispensável conjunto de ferramentas
para entender como as organizações objeto da reforma foram formadas, como elas
devem responder a modificações nas condições econômicas e regulatórias, e quão
efetiva pode ser a reforma”57. No entanto, não se pode afirmar que a teoria dos custos de
transação tenham tido uma influência determinante no rumo das experiências de
reforma58. Joskow (2002) afirma que muitos problemas recorrentes em experiências de
reforma seriam evitados se essa teoria fosse levada em sua devida conta.
I.2.2. Coordenação Horizontal
Situações de monopólio natural representam o tipo de falha de mercado mais
enfatizado na análise das indústrias de rede. Berg e Tschirhart (1988) citam a definição
de Farrer de monopólio natural desenvolvida no início do século XX. Os produtos ou os
processos produtivos oferecidos em monopólio natural compartilham as seguintes
características59:
1.
Capital intensivos, com custos fixos significativos ou economias de escala;
2.
Vistos como necessários ou essenciais para a sociedade;
3.
Não estocáveis e sujeitos à demanda flutuante;
4.
Produzidos em localidades específicas, originando rendas locacionais; e
57
Joskow (2002), pg. 503. TL
Joskow (2002) afirma que “…the direct role of transaction cost considerations in influencing the
direction of public policy has, so far, been quite modest”. Pg. 504.
59
Berg e Tschirhart (1988) pg 3 (TL).
58
23
5.
Envolvem conexões diretas com consumidores.
As definições mais recentes de monopólio natural são mais estritas e envolvem a
estrutura de custos dos produtos. De forma geral, monopólios naturais ocorrem quando
a produção de um bem é menos custosa quando realizada por apenas uma empresa,
justificando o monopólio.
A definição de monopólio natural de Baumol (1977) considera economias de
escala e escopo, pois são consideradas firmas multi-produtos. Nesta concepção, o
monopólio natural ocorre quando a curva de custo é estritamente subaditiva, ou seja “o
custo da soma de m vetores de produção é menor que a soma dos custos de produzi-los
separadamente”60. Dados m bens produzidos, n firmas e Q i = q1i + ... + q ni ∀ i=1,…,m
(onde Q i é a quantidade total produzida do produto i e q ij é a quantidade produzida do
produto i pela firma j), uma situação de monopólio natural ocorre quando:
C (Q 1 ,..., Q m ) < C (q11 ,..., q1m ) + ... + C (q 1n ,..., q nm )
Situações de monopólio natural podem ser classificadas como permanente ou
temporária61. A permanente ocorre quando o custo médio é continuamente decrescente
em relação à quantidade produzida. Nesta circunstância, o monopólio é justificado para
qualquer tamanho de mercado.
A Figura I.2 descreve uma situação de monopólio natural permanente,
apresentando as curvas de custo marginal de longo prazo (CMgLP) e de custo médio de
longo prazo (CMLP) e duas situações de demanda (D0 e D1). Nota-se que, mesmo com
o crescimento do mercado (ou seja, o deslocamento da curva de demanda de D0 para
D1), ainda é menos custoso que apenas uma firma atenda o mercado.
60
Baumol (1977) pp 809.
Berg e Tschirhart (1988) diferenciam as situações de monopólio natural em forte e fraco. Monopólio
forte ocorre quando o ponto de equilíbrio acontece quando os custos médios são decrescentes, ou seja, em
um intervalo da curva de custos em que ocorrem economias de escala. Monopólio natural fraco ocorre
quando o equilíbrio acontece em um ponto em que os custos médios não são decrescentes, mas ainda
assim é menos custoso que apenas uma firma atenda ao mercado. Considerando uma curva de custos
médios em formato de U, monopólio forte ocorre quando a demanda corta a oferta em um ponto anterior
ao mínimo e fraco após (desde que a entrada de mais uma firma acarrete em custos mais elevados).
61
24
Figura I.2 Monopólio Natural Permanente
Custo,
Preço
D0
D1
CMLP
CMgLP
Quantidade
Fonte: Elaboração Própria
É importante notar que a condição de custo (provisão menos custosa quando
efetuada por apenas uma firma) não é suficiente para justificar uma estrutura
monopolista, já que os custos associados a sua regulação devem ser incorporados à
análise (Gilbert et al., 1996). A competição, mesmo quando acarreta maiores custos
produtivos, pode reduzir custos regulatórios e ineficiências alocativas suficientemente
para gerar uma situação mais atrativa em termos de bem-estar social62.
O transporte de eletricidade (transmissão e distribuição) apresenta as
características de monopólio natural permanente. A operação de mais de uma empresa
nessa atividade acarreta em duplicação de custos, já que é necessário o desenvolvimento
de redes sobrepostas para atender o mesmo espaço geográfico. Esta foi a principal
justificativa para a concessão de monopólios territoriais para as empresas de
eletricidade.
O monopólio natural temporário ocorre quando o custo médio é decrescente
somente em determinado intervalo da quantidade produzida. Assim, quando o mercado
se desenvolve, a condição de monopólio natural deixa de ser válida. No exemplo da
Figura I.3, a curva de custo médio é decrescente até que a quantidade produzida alcance
62
Gilbert et al. (1996). Pg 2. TL
25
Q*. Esta quantidade é a menor quantidade produzida em que a firma opera com custos
mínimos (Escala Mínima Eficiente). Na situação inicial (curva de demanda D0), o
monopólio é mais eficiente. Mas com o crescimento do mercado (deslocamento da
curva de demanda de D0 para D1) duas empresas podem atender ao mercado
eficientemente e a situação de monopólio natural deixa de ser válida.
Figura I.3 Monopólio Natural Temporário
Custo,
Preço
CMLP
D1
D0
Q*
Quantidade
Fonte: Elaboração própria
Durante a fase inicial da indústria de suprimento elétrico, a geração de
eletricidade constituía uma situação de monopólio natural temporário. Nesse período, as
usinas de geração atendiam apenas a mercados locais, normalmente fábricas ou
pequenas cidades63. Assim, o volume demandado não era suficiente para permitir que
mais de uma planta operassem nesses mercados de forma eficiente. Ou seja, a escala
mínima eficiente das plantas era elevada em relação ao tamanho do mercado. Na
medida que os mercados se desenvolveram, com a ampliação dos usos de eletricidade e
a maior densidade demográfica das cidades, e se conectaram, passou a ser possível a
operação eficiente de mais de uma planta em cada mercado. No entanto, é importante
notar que a liberalização da indústria não ocorre imediatamente após a constatação de
que a geração de eletricidade deixou de ser um monopólio natural. Na verdade, várias
63
É preciso notar que, nesse período, as possibilidades de uso de eletricidade tanto na indústria quanto em
residências eram bastante restritas, decorrente da reduzida disponibilidade de aparelhos elétricos.
26
décadas separam os dois movimentos, pois outros fatores justificavam a manutenção do
monopólio na geração de eletricidade.
A diferenciação entre os dois tipos de monopólio natural é centrada na evolução
da demanda, sendo desconsiderada a evolução tecnológica. Ao deslocar a curva de
oferta, o avanço tecnológico pode criar uma situação de monopólio natural, quando
ocorre um aumento da escala mínima eficiente, ou eliminar, quando ocorre uma
diminuição da escala mínima eficiente. Muitas vezes, o efeito do progresso tecnológico
é até mais importante do que a alteração da demanda. No caso do setor elétrico, a
difusão da turbina a gás em ciclo combinado (CCGT) na década de 90 gerou drástica
redução da escala mínima eficiente para a geração de eletricidade (Figura I.4),
possibilitando a operação eficiente de várias plantas mesmo em mercados de tamanho
limitado.
Figura I.4 Evolução do custo médio de geração termelétrica.
1930
Custo/MWh
US$ 100
1950
1970
1980
US$ 10
1990
CMedLP
CCGT
100 MW
1000 MW
Fonte: Hunt & Shuttleworth (1996)
As externalidades também podem resultar em ineficiências econômicas
significativas. Desde Pigou, em 1912, a análise das externalidades é um tema recorrente
na ciência econômica64. Uma externalidade ocorre quando as ações de um agente
interferem sobre a função utilidade ou sobre a função de produção de agentes que não
estão envolvidos diretamente nas transações econômicas correspondentes a essa ação.
Se os benefícios e/ou custos de sua atuação não são totalmente incorporados
(internalizados) pelo agente que toma a decisão, o resultado de competição perfeita se
torna ineficiente em termos alocativos. O exemplo mais utilizado para demonstrar os
27
impactos de externalidades é a poluição. Uma empresa que polui um rio causa dois tipos
de custos sociais, um diretamente ligado ao processo produtivo (custo dos insumos,
capital e mão de obra) e outro resultante da perda de bem-estar imposta aos demais
usuários desse rio em decorrência da poluição (por exemplo, população que deixará de
banhar-se no rio, fazendeiros que não poderão utilizar a água do rio como bebida para
sua criação etc.). Se o segundo tipo de custo não é incorporado pelo poluidor e este atua
em uma situação de concorrência perfeita, sua produção excederá o ótimo social.
As externalidades podem ser positivas ou negativas. O exemplo da poluição é de
externalidade negativa, pois a poluição corresponde a um custo para sociedade. Uma
externalidade positiva ocorre quando um agente gera benefícios para a sociedade que
não são totalmente recuperados por este. Este é o caso típico dos reservatórios das
centrais hidrelétricas. Eles não apenas permitem reduzir os impactos negativos das
cheias provocadas pelas chuvas de verão, como permitem armazenar água para uso
futuro nos períodos de seca. Em regime concorrencial, a quantidade produzida é inferior
ao ótimo quando externalidades positivas estão presentes. Um tema que adquirido
importância na teoria econômica é a análise das externalidade de rede. Essas ocorrem
quando a utilidade do produto para determinado consumidor depende do número de
consumidores/usuários deste produto65.
O setor de telefonia é uma boa ilustração de externalidades de rede66. A utilidade
de uma linha telefônica é estritamente relacionado ao número de usuários. Se o número
de usuários de linhas telefônicas é pequeno, o usuário poderá utilizar o telefone apenas
para se comunicar com um número limitado de pessoas e sua utilidade será baixa.
Conforme a rede se expande, aumenta as possibilidades de uso da linha telefônica e,
portanto, sua utilidade.
No entanto, os efeitos de rede não se restringem a indústrias onde a rede é real
(física), como telefonia, eletricidade, trens. Esta situação também ocorre em indústrias
onde a rede é virtual. Ou seja, não há uma conexão física entre os consumidores. Um
exemplo é a indústria de “softwares”. Quanto maior a rede de usuários, maior será a
64
Apesar de outros autores terem tratado do tema (Marshall introduziu o tema ao tratar das economias
externas), o trabalho de Pigou é o marco teórico considerado pela literatura.
65
Essa definição segue a análise de Katz e Shapiro (1985). Liebowitz e Margolis (1994) denominam este
fenômeno de efeito rede e reservam o termo externalidades de rede a situações em que o equilíbrio de
mercado não é eficiente (existem oportunidades de ganhos com a entrada de novos participantes).
Segundo os autores, os efeitos de rede são muito comuns, mas raramente dão origem a falhas de mercado.
66
Alguns autores utilizam o conceito de efeito clube para identificar essas situações.
28
disponibilidade de produtos complementares, como revistas especializadas e aplicativos.
Assim a utilidade dos “softwares” aumenta conforme cresce o número de usuários.
Uma grande preocupação da teoria econômica é como contornar o problema das
externalidades. Se o causador da externalidade é plenamente compensado pela
externalidade causada - sua função de produção incorpora a totalidade dos custos sociais
- é eliminado o problema alocativo e o equilíbrio competitivo pode ser eficiente. A
questão é como propiciar esta solução. A imposição de taxas, subsídios ou cotas é a
solução mais usual para o problema de externalidade, mas devido a limitação de
informação esta tende a ser ineficiente.
Uma alternativa é a criação de mercados para a externalidade. Por exemplo, a
criação de mercado para direitos de poluir, onde a firma poluidora adquire diretos de
poluir dos afetados pela poluição. O Teorema de Coase aponta que a alocação de
direitos de propriedade leva à solução eficiente de problemas de externalidade, não
importando como os direitos são alocados (nos causadores da externalidade ou nos
afetados). Contudo, esse teorema apresenta uma série limitações, pois sua validade
depende da presença de mercados concorrenciais para externalidades, da ausência de
custos de transação entre os envolvidos (quando o número de envolvidos é elevado, os
custos de transação também são)67 e da desconsideração de efeitos distributivos. No
entanto, este é um ponto de partida para a solução de falhas de mercado relacionadas a
externalidades.
Um conceito muito similar ao de externalidade e, por vezes, considerado um tipo
de externalidade é o de bens públicos. Estes bens se caracterizam por seu consumo não
ser excludente nem rival. Como decorrência da primeira característica, os consumidores
que não contribuem para produção do bem não podem ser privados de seu consumo, o
que dá oportunidade para comportamentos free-rider. E como decorrência da segunda, o
consumo do bem não diminui as quantidades disponíveis para os demais
consumidores68. Portanto, o custo marginal de atender mais um consumidor é nulo.
Estas propriedades constituem falhas de mercado que impedem que a oferta de bens
67
Os custos de transação surgem da tarefa de organizar todos afetados pela externalidade. Estes são
importantes, pois esta situação pode acarretar em comportamentos oportunistas (free-rider).
68
A propriedade de rivalidade do consumo de bens públicos é muito discutida. Para um número limitado
de bens públicos, ela é válida para qualquer condição. É o que ocorre com a defesa nacional. Outros bens
considerados públicos, como estradas, podem não apresentar essa propriedade. Quando o trafego é baixo,
não há rivalidade entre os usuários da estrada. Mas, quando o tráfego é intenso, passa a existir rivalidade.
29
públicos siga sinais de mercado. O tema de bens públicos já era estudado desde os
clássicos69 e tem fortes implicações sobre a teoria de finanças públicas. Samuelson
(1954 e 1955) desenvolveu um modelo para analisar a alocação ótima de recursos em
situações em que existem bens públicos e bens privados. Em geral, a solução adotada
para a solução do problema de oferta de bens públicos é a cobrança de taxas universais,
como taxa de iluminação pública.
Esses tipos de externalidades estão presentes no setor elétrico. Devido aos
efeitos em cadeia gerados sobre os demais setores da economia e da sua importância
para o bem-estar da sociedade, a eletricidade é uma fonte de externalidades positivas.
Por outro lado, como a geração de eletricidade é uma das principais fontes de impactos
ambientais, externalidades negativas também estão presentes70. O mesmo ocorre com as
externalidades de rede. O crescimento da rede eletricidade aumenta diretamente a
qualidade do serviço, aumentando a confiabilidade do fornecimento, e indiretamente,
incrementando a oferta de produtos complementares (equipamentos que utilizam
eletricidade, como os eletrodomésticos).
A confiabilidade e a estabilidade de sistemas elétricos detêm as características
de bens públicos (consumo não excludente e não rival). Todos os usuários de sistemas
elétricos são beneficiados por essas qualidades do sistema e, dentro do limite da
congestão, não há rivalidade de seu consumo71. Desta forma, ocorre um problema para
determinar a oferta dos serviços dedicados à manutenção da estabilidade e
confiabilidade da rede, os chamados serviços ancilares. Em estruturas verticalizadas, o
custo destes serviços é internalizado pelo monopolista. Mas, em situações
concorrenciais, a oferta de serviços ancilares dá origem a um problema de oportunismo
(free-rider)72.
No caso do setor elétrico brasileiro, a coordenação da gestão da água acumulada
nos reservatórios é uma questão crucial. A ampla disponibilidade de recursos
Bens que se enquadram no primeiro tipo são denominados bens públicos puros e os que se enquadram na
segunda, bens públicos impuros.
69
David Hume, em meados do século XVIII, já destacava atividades que não geram lucros quando
executadas privadamente, mas que geram benefícios para a sociedade e só podem ser executadas pela
ação coletiva.
70
Os impactos da geração de eletricidade utilizando combustíveis fósseis constituem uma das principais
preocupações das políticas ambientais. No âmbito da União Européia, foi desenvolvido um profundo
estudo para avaliar as externalidades negativas da geração de eletricidade denominado ExternE (European
Comission, 1995). Outros estudos relevantes também foram elaborados nos Estados Unidos. Freeman III
(1996) e Krewitt (2002) oferece boas revisões desses estudos.
71
Então, podem ser considerados bens públicos impuros.
30
hidráulicos e a relativa escassez de recursos fósseis induziram o Brasil a optar pela
geração hidrelétrica como fonte primária principal para a geração de eletricidade. Por
outro lado, a larga variabilidade na hidrologia e a situação topográfica favorável
induziram a construção de grandes reservatórios para gerenciar o fluxo hidrológico com
o objetivo de maximizar o valor econômico desse fluxo (de Oliveira, 2003). A gestão
dos reservatórios das usinas a montante das bacias hidrográficas beneficiam as centrais
a sua jusante, na medida em que a água acumulada nesses reservatórios também gera
valor econômico para as últimas centrais. Além disso, a utilização do fluxo hidráulico é
otimizada quando ocorre diversidade hidrológica entre as bacias hidrográficas
brasileiras. Para aproveitar essas oportunidades de ganhos econômicos, o sistema
elétrico brasileiro tradicionalmente operou coordenadamente o despacho de suas
centrais.
I.2.3. Regulação
A regulação pode ser definida como qualquer intervenção do Estado na
economia. Usualmente, a justificativa para a atividade regulatória é a correção de falhas
de mercado. Vários desenvolvimentos teóricos analisam a eficiência da atividade
regulatória. Segundo a “teoria do interesse público”, ou ‘Análise Normativa como uma
Teoria Positiva’, a regulação é a resposta eficiente à demanda da sociedade pela
correção de falhas de mercado, visando incrementar o bem-estar social73.
Noll (1989) identifica dois componentes da teoria do interesse público. O
primeiro é a identificação de situações em que o mercado não oferece coordenação
eficiente das decisões (falhas de mercado) e o segundo é a demonstração de que a
regulação é o remédio mais eficiente para a falha de mercado. A imperfeição de
mercado cria perdas de peso morto, o que faz com que os prejudicados ofereçam mais
pela sua solução que os beneficiados possam oferecer para manter a situação. Assim, a
regulação surge como resposta mais eficiente. No entanto, estas conclusões dependem
da validade das condições do teorema de Coase (informação perfeita e ausência de
custos de transação). A freqüente intervenção estatal em setores não sujeitos a falhas de
mercado é uma contra-evidência dessa teoria.
72
Ver Stoft (2002).
Nessa visão, a regulação visa o alcance de um ‘second best’ em relação ao resultado de competição
perfeita (‘first best’), e, portanto, só se justifica em situações de falhas de mercado.
73
31
A ‘Teoria da Captura’ busca explicar a evidência empírica da ineficiência
regulatória. Segundo essa teoria, a regulação não surge como uma resposta da demanda
da sociedade, mas, freqüentemente, da demanda da própria indústria regulada. A
“captura” os reguladores induz a regulação a responder aos objetivos da indústria,
deixando de maximizar o bem-estar da sociedade74. Assim como a teoria do interesse
público, a teoria da captura também é contestada pelas evidências de que nem sempre a
atuação do regulador é pró-produtor.
Stigler (1975) analisou os determinantes da atuação do regulador, que por vezes
beneficia o consumidor e por vezes o produtor dando origem à ‘Teoria Econômica da
Regulação’. Enquanto as análises antecedentes consistiam mais em generalizações de
evidências empíricas, Stigler fornece um fundamento teórico para avaliar a atuação do
regulador75. Segundo o seu modelo, o Estado tem poder de coerção e os grupos de
interesse procuram convencê-lo, oferecendo suporte político, a utilizar o seu poder de
coerção a seu favor, com subsídios, controle da entrada, ação sobre produtos substitutos
ou complementares, e controle de preços. O resultado é que os grupos de interesse mais
organizados tendem a ser beneficiado pela atuação do regulador em detrimento daqueles
com menor poder de organização. Assim, a teoria aponta para a tendência a beneficiar
produtores, sendo penalizados os consumidores76.
Os modelos de Peltzam (1976) e Becker (1983) também são importantes nesta
abordagem. O primeiro formaliza a análise de Stigler e procura verificar qual tipo de
indústria será objeto de regulação de preços e entrada e o segundo tem como foco a
disputa entre grupos de interesse, apontando a ineficiência derivada da distorção
alocativa (as empresas empregam recursos para influenciar o regulador, ao invés de
empregá-los no processo produtivo).
As análises de Stigler e Peltzam são mais
próximas ao resultado da Teoria da Captura (produtores tendem a ser beneficiados),
enquanto que a de Becker é mais próxima da Teoria do Interesse Público, pois aponta
para a tendência que os setores regulados sejam aqueles onde ocorrem falhas de
mercado. Nesses setores, os grupos de interesse encontram menor resistência de outros
grupos, pois a regulação gera menos ônus, sendo mais provável seu sucesso. O modelo
de Posner (1971) analisa os subsídios cruzados. Segundo o autor, a sociedade demanda
74
O governo também pode capturar o regulador que passa a atender objetivos políticos e não se guiam
pela eficiência.
75
Peltzman (1989)
32
a distribuição de recursos, e os subsídios cruzados são uma forma de atender essa
demanda.
A regulação no setor elétrico procura contornar problemas de externalidades e de
monopólio natural. Tradicionalmente, a intervenção era direta, através das empresas
estatais. Com a privatização, agências reguladoras setoriais foram desenvolvidas para
intervir indiretamente na vida da indústria. Para evitar o problema da captura do
regulador pelo governo, a independência dos reguladores e sua autonomia financeira são
pontos recorrentes das reformas.
A definição dos preços nas indústrias de rede é uma preocupação central da
atividade regulatória, envolvendo dois aspectos: estrutura tarifária e nível de preços77.
Como já foi apresentado, a teoria microeconômica aponta que os sinais corretos para as
decisões econômicas ocorrem com os preços iguais ao custo marginal, quando os
consumidores arcam exatamente com os custos produtivos decorrentes das decisões de
aumentar ou diminuir sua demanda. Assim, a precificação ao custo marginal consiste na
melhor solução possível para esse problema (first best). No entanto, além da
determinação dos custos marginais de curto-prazo ser extremamente complexa em
indústrias de rede, estes não são suficientes para manter a atratividade em situações de
monopólio natural78. Historicamente, a precificação ao custo médio de produção é
estrutura mais comum para a definição de tarifas.
Os preços de Ramsey foram elaborados para minimizar a perda de bem-estar
resultante do preço não ser igual ao custo marginal, o que consiste uma solução de
second best. Neste regime, as tarifas são diferentes conforme a sensibilidade do
consumidor em relação a variações de preço.
O
preço
de
pi (qi ) − MCi (qi ) − λ 1
=
pi (qi )
1 + λ ei
Ramsey
no
mercado
i
é
definido
pela
fórmula:
. A fórmula define a diferença percentual entre preços (pi) e custo
marginal (MCi) no mercado i. Esta fórmula resulta da maximização de bem-estar sujeita
76
“… [A]s a rule, regulation is acquired by the industry and is designed and operated primarily for its
benefit”. Stigler (1975) pg. 174.
77
A primeira envolve a tarefa de determinar o valor do serviço, ou seja, o quanto deve ser oferecido de
remuneração às empresas. A segunda envolve a forma de remunerar as empresas, definindo como as
tarifas são reajustadas ao longo do tempo.
78
Nestas situações, o custo marginal é inferior ao custo médio. Assim, a fixação de preços iguais ao custo
marginal implica em prejuízos.
33
a condição de sustentabilidade (lucros não negativos). λ é o multiplicador de Lagrange
deste problema de maximização79 e ei é a elasticidade da demanda no mercado i.
Como é necessário que as tarifas sejam suficientes para remunerar o custo
médio, a lógica consiste em alocar o diferencial entre custo marginal e custo médio nos
consumidores cuja cobrança causa menor perda de excedente do consumidor. Ou seja, a
redução da quantidade consumida é a menor possível em relação à situação em que o
preço é igual ao custo marginal. Assim, consumidores mais sensíveis, i.e., com
elasticidade-preço da demanda mais elevada (em módulo), devem pagar preços mais
baixos que consumidores menos sensíveis a mudanças de preço.
Muitas vezes, esse regime de preços é denominado de Ramsey-Boiteux. Se
Ramsey foi o formulador teórico desse construto, Boiteux foi quem buscou aplicar esse
na prática, quando era presidente da EDF francesa. No entanto, esse regime gera
problemas relevantes que limitaram uma aceitação mais ampla. Uma implicação de seu
resultado é que preços para consumidores de baixa-renda serão maiores que para
consumidores de renda elevada, pois os primeiros são mais sensíveis a variações de
preço. Assim, sua aplicação é de difícil aceitação política. (Green e Pardina, 1998 e
Araújo, 1997). Por outro lado, o mecanismo exige um conjunto amplo de informações
sobre custos e demanda. Na experiência francesa, optou-se por uma versão simplificada
que contava com diferenciais uniformes entre preço e custo (Bennet e Price, 2002).
No tocante ao nível de preços, o regime que se tornou dominante nas indústrias
de infra-estrutura a partir do pós-guerra foi a tarifação por taxa de retorno (custos do
serviço80). Este regime, normalmente, utiliza o custo médio como estrutura tarifária. Os
preços (p) são definidos de forma que a receita da firma regulada (Σ pq) permita a
remuneração “justa”81 (à taxa s) de sua base de capital (BK) e os demais custos
(despesas) são repassados integralmente ao consumidor, conforme descreve a seguinte
equação:
79
Uma intuição por trás da fórmula é que λ representa o ganho das empresas (firms take) para remunerar
custos fixos. Se λ é pequeno, preços serão próximos ao custo marginal e se λ é elevado, os preços serão
similares ao de monopólio não regulado, pois − λ será próximo a - 1.
1+ λ
80
A regulação a custos de serviço envolve outros mecanismos, mas a remuneração à taxa de retorno do
capital é a mais comum e os termos são normalmente usados como sinônimos.
81
Existe um conjunto de técnicas para determinar a taxa de retorno justa, que não será explorado neste
texto. Esta taxa deve ser superior ao custo de capital da firma apenas o suficiente para atrair
investimentos.
34
n
∑pq
i =1
i
i
= Despesas + s ( BK )
O regime tarifário de taxa de retorno foi objeto de inúmeras críticas. Como suas
despesas são diretamente repassadas aos consumidores, não ocorrem estímulos para que
a empresa regulada diminua seus custos82. A análise de Averch e Johnson (1962)
evidenciou as ineficiências causadas pelo regime de tarifação a custos de serviço. Eles
apontam que esse regime induz a escolhas mais intensivas em capital, o que passou a ser
denominado de efeito Averch-Johnson. Como o volume de capital utilizado determina a
base a qual será aplicada a taxa de remuneração, este determina os lucros absolutos da
empresa, que, portanto, é estimulada a substituir outros insumos por capital.
A Figura I.5 descreve o efeito Averch-Johnson. Segundo a teoria da produção,
para o nível de produção Q* o produtor escolhe a quantidade de cada insumo, capital
(K) e trabalho (L), de forma a minimizar seus custos. Isso ocorre quando as inclinações
da isoquanta de produção (razão entre a produtividade marginal do capital e a
produtividade marginal do trabalho) se igualam à inclinação da curva de isocustos custo do capital (r) sobre preço do trabalho, salário (w). Ou seja, quando a curva de
isocustos tangencia a isoquanta de produção Em uma situação ótima, a firma escolheria
L* unidades de trabalho e K* de capital. Em esquemas de tarifação a taxas de retorno, as
firmas percebem seu custo do capital como menor do que ele realmente é. Isso ocorre
porque as firmas recebem um bônus para a utilização de capital referente à diferença
entre taxa de remuneração fixada pelo regulador e o custo de capital. O resultado é que
a curva de isocustos se torna mais horizontal e o ponto de equilíbrio ocorrerá com a
firma utilizando L’ unidades de trabalho e K’ de capital. Ou seja, a firma utiliza mais
capital e menos trabalho do que seria ótimo.
82
Joskow e Schmalensee (1986), apontam que a regulação a custos de serviço nunca foi simplesmente um
regime de repasse de custos na prática. Os intervalos regulatórios, períodos entre os reajustes de preços
onde as concessionárias podem se apoderar dos ganhos propiciados pela redução de custos, e a
monitoração de custos constituíram elementos que geram estímulos à eficiência.
35
Figura I.5 Efeito Averch-Johnson
L
L*
L’
Q = Q*
aˆ = r
K*
K’
(r − α )
bˆ =
w
w
K
Fonte: Viscusi et al. (1995)
Bennet e Price (2002) apontam que o regime também pode gerar incentivos
perversos. As concessionárias reguladas nos Estados Unidos resistiam a adotar tarifas
diferenciadas em horários de pico de demanda, pois isso induziria a menor necessidade
de capital e, logo, menor remuneração83. Outra crítica é o que o regime acarreta
excessiva intervenção sobre as decisões empresariais.
Como parte da reforma, novos regimes tarifários foram introduzidos para definir
preços em indústrias de rede. Por objetivarem aumentar os estímulos ao comportamento
eficiente das empresas, esses são chamados de regulação por incentivos. O regime de
preço-teto incentivado (price-cap) é o regime que tem predominado como substituto à
tarifação por taxa de retorno. Sua motivação é simular um ambiente competitivo em
atividades reguladas, criando pressões para redução de custo e, assim, estimulando a
eficiência. O regime tarifário de preço-teto incentivado foi originalmente introduzido
para regular os monopólios nos serviços públicos da Inglaterra (Vickers & Yarrow,
1988).
O regime de preço-teto consiste na adoção de uma tarifa inicial considerada justa
que passa a ser reajustada anualmente pelo índice de preços ao consumidor (IPC)
diminuído de um parâmetro (X) que deve espelhar as oportunidades de ganhos de
83
Bennet e Price (2002) pg 419.
36
eficiência econômica das concessionárias84. Além dos reajustes anuais, o sistema prevê
revisões periódicas85, usualmente qüinqüenais, quando a base de remuneração e os
demais parâmetros são reavaliados. O regime tem três objetivos principais: i) estimular
ganhos de eficiência das concessionárias, pois as empresas capturam parcela do
resultado do incremento do desempenho; ii) repassar para os consumidores parte dos
ganhos de eficiência, através da redução contínua das tarifas reais (parâmetro X) e das
revisões periódicas; iii) reduzir e simplificar a interferência do órgão regulador nas
decisões empresarias da concessionária, já que, em tese, este regime não exige o
acompanhamento detalhado pelo regulador dos custos da empresa86.
Na prática, os resultados não confirmaram as expectativas de ser um método
leve de regulação (Araújo, 1997). Os requisitos de informação no momento das revisões
são bastante próximos daqueles na regulação a taxa de retorno, principalmente se as
revisões são freqüentes87, pois o regulador deve controlar a qualidade de serviço para
evitar que as empresas reguladas realização reduções espúrias de custo. Para controlar a
assimetria de informações é comum combinar esse regime à regulação por comparação,
utilizando informações do conjunto das empresas para identificar possíveis
ineficiências.
Vickers e Yarrow (1988) afirmam que o “RPI-X é apenas uma outra forma de
regulação a taxa de retorno”88. Os autores podem ter razão quanto ao requisito de
informação, mas não a têm quanto ao estímulo ao comportamento eficiente das
empresas reguladas que é mais forte do que no regime antigo.
Outro problema do regime de preço-teto é o comportamento estratégico das
empresas na definição dos momentos de investir e reduzir custos. As reduções de custos
geram maiores remunerações às empresas reguladas quanto mais distantes forem do
momento da próxima revisão, pois no momento da revisão os preços são redefinidos e a
84
Devido a seu modo de aplicação, o regime de price cap é também conhecido por RPI-X (Retail Price
Index minus X).
85
Também podem ocorrer revisões extraordinárias, quando fatos não previstos causam desequilíbrio
econômico-financeiro.
86
Littlechild (1983) considerava que a regulação a preço teto seria temporário (pelo menos para as
telecomunicações), “...is merely a ‘stop-gap’ until sufficient competition develops”. Pg 1.
87
Nas primeiras revisões, que, normalmente, sucederam ao processo de privatização, as oportunidades de
redução de custos eram relevantes e a definição do parâmetro de eficiência não envolvia estudos
profundos dos custos. Na medida que as “gorduras são queimadas”, a definição do X envolve maior
complexidade, pois as margens são reduzidas e as empresas reguladas exercem maior resistência.
88
Vickers e Yarrow (1988) Pg. 97 TL.
37
redução de custos é repassada aos consumidores. Para os investimentos, o estímulo é
para concentrá-los mais próximos do momento da revisão89.
Mesmo com o aperfeiçoamento das práticas regulatórias, a percepção dominante
é que a regulação deve ser restrita às atividades que não podem ser operadas de forma
concorrencial. Segundo Stoft (2002), “mercados verdadeiramente competitivos atendem
a dois objetivos de ao mesmo tempo: provêm incentivos poderosos para (1) manter o
preço ao nível do custo marginal e (2) minimizar custos. A regulação pode atender a um
ou outro objetivo, mas não ambos”90. A regulação a custo de serviço procura manter os
preços ao nível dos custos, mas não contém incentivos para a minimização de custos. Já
a regulação ao preço-teto provê incentivos a minimização de custos, mas em função de
limitações informacionais não é possível prever exatamente as reduções de custos
futuras. Assim, o regulador tende a fixar preços superiores ao custo marginal para evitar
prejuízos das empresas.
I.2.4. Características Operacionais do Setor Elétrico
Além das falhas de mercado e de custos de transação, as características
operacionais do setor elétrico tornam sua coordenação peculiar em relação às demais
atividades econômicas. A lista que segue sistematiza o conjunto das características do
setor elétrico que tornam sua coordenação complexa.
i)
Energia elétrica não é economicamente estocável - A possibilidade de
estocagem tem um papel importante para a coordenação das atividades
econômicas. A existência de estoques permite que oferta e demanda não
fiquem permanentemente ajustadas. Quando o ofertante produz mais que
o necessário para atender a demanda, surgem estoques, e quando produz
menos, os estoques diminuem. O nível dos estoques consiste em um sinal
da necessidade de ajustar a produção, facilitando a coordenação ao
possibilitar a postergação do ajuste.
Ainda que existam formas de estocar eletricidade, como em baterias, o
custo de estocar eletricidade em grandes volumes é proibitivo. Essa
característica tem implicações de curto prazo (operação) e de longo prazo
(expansão). Os sistemas elétricos operam em equilíbrio em tempo real,
89
Consciente desse problema, o Ofgem passou a solicitar que as empresas reguladas da Inglaterra e País
de Gales cumpram um cronograma de investimentos.
90
Stoft (2002), p. 11. TL.
38
onde a o ajuste entre oferta e demanda é praticamente instantâneo. O
desequilíbrio entre oferta e demanda acarreta em alteração de tensão e, se
não corrigido, em blecaute. Para providenciar a coordenação é necessário
programar o despacho, antecipando a definição das quantidades geradas
pelas diversas centrais. Como essa antecipação nunca é perfeita, é
necessário manter reservas operacionais para obter o equilíbrio em
tempo-real.
No longo prazo, é necessária a manutenção de sobre-capacidade para
atender a demanda. A capacidade de gerar e transportar energia deve ser
significativamente superior a maior demanda observada, demanda de
pico, para minimizar o risco de déficit. A diferença entre capacidade
instalada e demanda de pico é chamada de margem de reserva. Como a
margem de reserva implica em custos, o interessante é mantê-la em um
nível mínimo, mas que implique em risco de desabastecimento aceitável
para a sociedade91.
ii)
Energia elétrica não é imputável – Em sistemas elétricos que contam
com múltiplos geradores e cargas, não é possível identificar a origem
energia elétrica que flui no sistema. O sistema funciona em equilíbrio,
onde os fluxos elétricos seguem as leis da física (leis de Kirchoff) e não
sinais financeiros. Quando um consumidor aumenta a quantidade
demandada é necessário que a quantidade gerada seja aumentada no
mesmo montante. No entanto, não há como garantir que a energia
consumida foi proveniente do gerador que colocou mais energia na rede.
Nas transações econômicas usuais, os fluxos financeiros contrapõem
diretamente aos fluxos físicos. Assim, o consumidor transfere renda ao
ofertante do produto adquirido. Como a energia elétrica não imputável, a
contraposição de fluxos financeiros e físicos exige coordenação para
garantir que todos os geradores sejam remunerados pela energia que
colocam na rede, mesmo sem saber quem consumiu, e todos
consumidores arquem pela energia que retiram de rede, mesmo sem ter
certeza quem forneceu.
91
O nível ótimo de margem de reserva depende das características do sistema e da preferência da
sociedade. Segundo Stoft (2002), o nível ótimo usualmente utilizado para fins práticos não segue razões
econômicas e é definido próximo a 18%.
39
iii)
Bens públicos - Como já foi exposto, a segurança e qualidade do
abastecimento pode ser considerada um bem público. Desta forma, se as
decisões são orientadas somente por sinais de mercado, a quantidade
ofertada é sub-ótima (eventualmente nula). Isso cria problemas para a
coordenação da oferta de serviços dedicados a manutenção da
confiabilidade no curto prazo, serviços ancilares. No longo prazo, esse
aspecto se aplica na determinação do nível de investimento na indústria
que propicie a segurança do abastecimento, que tende a ser inadequada
quando coordenada pelo mercado.
A literatura foca o aspecto de curto prazo, mas o de longo prazo também
é importante. Se é assumido que os sinais de mercado funcionam
eficientemente e, portanto, a eletricidade se torna mais cara quando
escassa, sendo isso suficiente para reduzir o consumo de eletricidade, a
questão da segurança do abastecimento de eletricidade não é relevante, já
que o mercado solucionaria o problema de coordenação. Mas,
considerando que a demanda de eletricidade não elástica devido à sua
essencialidade e a fatores contratuais (preços não flutuam no curto prazo
em contratos com o consumidor final) e operacionais (medidores não
disponibilizam sinais para gerenciar a demanda no curto prazo), a
segurança do abastecimento passa a ser elemento da política setorial.
Sendo essa um bem público, a solução de mercado tende a ser
ineficiente92.
Essas características são enfatizadas por autores proeminentes na literatura
econômica aplicada ao setor elétrico, como Joskow e Schamalensee (1983), Hogan
(2001), Hunt e Shuttleworth (1996), Glachant e Finon (2000) e Stoft (2002). Essas
geram a necessidade de coordenação complementar ao mercado e condicionaram a
evolução da indústria de suprimento elétrico.
No passado, a coordenação operacional era executada no interior das empresas
monopolistas, via hierarquia. Com a reforma, surge a necessidade do desenvolvimento
de mecanismos de coordenação externos às empresas para lidar as questões decorrentes
92
Não há razão para esperar que a margem de segurança socialmente ótima seja obtida via mercado se
não é desenhada política específica para atender esse objetivo.
40
das características dos sistemas elétricos93. O operador do sistema se tornou a instituição
mais importante na coordenação operacional do setor elétrico. Seu objetivo é assegurar
a confiabilidade do sistema em ambiente competitivo, gerenciando a rede de
transmissão94 de forma a permitir acesso eqüitativo para os agentes. O operador é
responsável pela definição do despacho das centrais, ou seja, das quantidades
produzidas por cada central. Devido às restrições do sistema de transmissão nem todas
transações orientadas por critérios de mercado podem ser efetuadas. Ele também deve
coordenar os serviços ancilares.
O operador do sistema pode ser estruturado de formas diferentes. Em algumas
experiências, a empresa de transmissão é responsável pela operação e em outras uma
instituição, denominada Operador Independente do Sistema (ISO), é criada
especificamente para operar o sistema sem deter ativos de transmissão. Os proprietários
dos ativos de transmissão repassam a gestão desses ativos ao operador independente,
recebendo uma remuneração semelhante a um aluguel como contrapartida.
I.3. Metodologia de Análise
Para analisar as experiências de reforma, a tese utiliza a metodologia da
“organizações econômicas comparativas”95 ou “escolha institucional comparativa”96.
Segundo essa elaboração, as organizações econômicas não devem ser avaliadas
isoladamente, e sim através da comparação com um conjunto de alternativas. Assim,
esta é uma análise discreta, já que o conjunto de alternativas é finito, o que se opõe a
análise marginalista (contínua). Os arranjos institucionais alternativos não têm
desempenhos perfeitos, i.e. não constituem escolhas ótimas. Essas alternativas
imperfeitas são comparadas para escolher a mais adequada.
Para definir o conjunto de arranjos possíveis, serão analisadas três experiências
de reforma (Inglaterra e País de Gales, Países Nórdicos e Califórnia). Como essas
93
Glachant e Finon (2000) consideram que as particularidades do setor elétrico acarretam em
‘dificuldades transacionais’ que não são eliminadas com a introdução da competição. “On the contrary …
the making of competitive wholesale and retail electricity markets depends on the existence of a
‘transactional infrastructure’ which resolves the transactional difficulties inherent in exchanges of
electrical energy”. P 317.
94
O Operador Independente do sistema geralmente não detém os ativos de transmissão, as empresas de
transmissão repassam a gestão dos ativos, recebendo uma remuneração para tanto.
95
Williamson (1996).
96
Joskow (2002).
41
experiências contam com características distintas, o desenho mais adequado não é
único. Serão analisadas as características que particularizam as experiências, a escolha
do desenho da reforma e o resultado alcançado nessas experiências.
I.3.1. Critérios de Eficiência
A análise dos resultados das reformas é orientada pela eficiência econômica,
utilizando três critérios: eficiência alocativa, adequação dos investimentos e eficácia dos
arranjos institucionais.
A eficiência é preocupação central no desenvolvimento da ciência econômica.
Adam Smith, através da metáfora da “mão invisível”, apontou que a ação livre de
indivíduos, que visam o bem estar próprio, acaba por resultar em bem-estar coletivo.
Esse argumento serviu para advogar a livre atuação dos mercados (laissez-faire) e
criticar a intervenção estatal, permanecendo no centro da agenda de pesquisa da ciência
econômica e vários desenvolvimentos teóricos se dedicaram a aperfeiçoá-lo.
Os trabalhos de Walras, Marshall e Pareto, entre outros autores, contribuíram
para a elaboração do teorema que relaciona a situação de concorrência perfeita com o
bem-estar social. O teorema da máxima satisfação consiste em que se cada
empreendedor aplica seus recursos produtivos de forma a maximizar seus retornos, o
resultado agregado também é maximizado97. O modelo de equilíbrio geral de ArrowDebreu reforçou o argumento, demonstrando a eficiência, nos termos de Pareto, do
equilíbrio gerado no modelo de concorrência perfeita98. Ou seja, outras combinações,
alternativas à de equilíbrio, só aumentam o bem-estar de algum agente prejudicando o
de outros.
Apesar do ótimo de Pareto ter uma grande importância para a demonstração
teórica desses resultados, este conceito não tem aplicação prática para mensurar a
eficiência econômica. Em teoria aplicada, usualmente, dois conceitos são utilizados para
avaliar a eficiência econômica. A eficiência produtiva, que consiste na utilização dos
insumos de forma a gerar o maior nível de produção (não desperdício dos insumos), e a
eficiência alocativa, alocação dos recursos produtivos de forma a gerar o melhor
resultado agregado. O primeiro conceito não é muito explorado pela teoria econômica.
97
98
Stigler (1987).
Este resultado é conhecido como o Primeiro Teorema da Economia do Bem-Estar.
42
Leibenstein (1966) utilizou o termo ineficiência-X para tratar de situações onde a
eficiência produtiva não é alcançada. Segundo o autor, em monopólio as firmas
poderiam não minimizar seus custos. Pois, devido à ausência de pressões competitivas,
as empresas relaxam o controle de custos99.
Por contrariar a hipótese de que as
empresas maximizam lucros, este conceito sofreu fortes críticas100. Mas, como apontam
Scherer e Ross (1990), “qualquer pessoa com experiência em organizações do mundo
real deve reconhecer que algo semelhante à ineficiência-X existe”101.
O conceito de eficiência alocativa é crucial na análise de eficiência econômica.
Deriva no teorema de máxima satisfação que a situação de concorrência perfeita
propicia o máximo de eficiência alocativa. Isso porque o preço pago pelo consumidor é
igual ao custo de produzir mais uma unidade do produto (custo marginal), que
corresponde ao seu custo de oportunidade. Nesta situação, a alocação dos recursos
produtivos é a melhor possível e qualquer transferência dos recursos entre setores
econômicos implica em redução do valor produzido e do bem-estar. Normalmente, a
eficiência alocativa é avaliada pela proximidade entre preços praticados no mercado e
custo marginal. O Índice de Lerner, razão entre a diferença de preço e custo marginal e
preço ( P − Cmg ), é uma medida da eficiência alocativa, ou de seu avesso, do poder de
P
mercado. A análise desenvolvida na tese privilegia o conceito de eficiência alocativa
para avaliar a eficiência no curto prazo das experiências de reforma do setor elétrico.
A eficiência de dinâmica envolve dois aspectos no setor elétrico, progresso
tecnológico e nível de investimentos. A mensuração do progresso tecnológico envolve
dificuldades. Como é impossível mensurá-lo diretamente, são utilizadas variáveis de
insumo, como gastos em pesquisa e desenvolvimento, e intermediárias, como número
de patentes registradas. Além dessas complexidades, o período após as experiências de
reforma ainda não é suficiente para analisar o impacto dessas sobre o progresso
tecnológico102. Desta forma, apesar do progresso tecnológico ter uma grande
importância sobre a evolução do setor elétrico, as experiências de reforma não são
analisadas sobre esse aspecto.
99
Smith afirmava que o “monopólio é o maior inimigo da boa administração” in Scherer e Ross (1990)
pg 667.
100
Stigler (1976).
101
Scherer e Ross (1990) pg 668.
102
Segundo a terminologia de Pavitt (1984), o setor elétrico é dominado por fornecedores, ou seja, o
progresso tecnológico é ditado pelas inovações na indústria de equipamentos utilizados no setor elétrico.
43
O elemento de longo prazo que orienta a análise é a adequação do nível de
investimentos em relação à evolução da demanda. Em tese, essa análise seria
incorporada na análise de curto prazo, já que preços eficientes em termos alocativos dão
sinais para “ótimos” para a efetivação de investimentos.
A segurança do abastecimento é importante para um conjunto amplo de produtos
na economia (como alimentos e combustíveis), o que motiva a atuação do Estado, no
caso dos bens considerados essenciais, através da formação de estoques estratégicos que
regulam os mercados em situações de escassez. No caso da eletricidade, por não ser
economicamente estocável, a segurança do abastecimento é determinada pela folga
entre capacidade instalada e o consumo (margem de reserva)103.
A última ótica utilizada para avaliar o desempenho consiste na eficiência dos
arranjos institucionais. No âmbito da teoria dos custos de transação, como os agentes
buscam definir os arranjos de forma a minimizar os custos envolvidos, a eficiência é
definida como um princípio positivo, já que os arranjos institucionais resultantes são
sempre eficientes a posteriori104. Assim, os arranjos existentes são escolhas eficientes e
suas modificações são tentativas de aumentar a eficiência decorrentes de modificações
no ambiente.
Na reforma do setor elétrico, o arranjo institucional instaurado não é resultado
da barganha entre os agentes ao longo da cadeia produtiva. Desta forma, o resultado da
reforma não é inerentemente eficiente sobre a lógica da adequação do arranjo
institucional. Ou seja, o arranjo institucional resultante da reforma pode não consistir a
maneira preferida pelas firmas para efetuar as transações, e análise da eficiência do
arranjo institucional passa a ser mais relevante. Como é de se esperar que as firmas
procurarão adequar a forma de efetuar transações, por exemplo, através de integração
vertical e contratos de longo prazo, a avaliação da eficiência do arranjo institucional
será realizada através análise das estratégias empresariais para a execução das
transações e da atuação das instituições, principalmente o órgão regulador.
Assim, para avaliar o impacto inovativo da reforma seria necessário avaliar como a reforma impacta nas
relações entre as companhias do setor elétrico e seus fornecedores.
103
Em sistemas hidrelétricos, essa análise conta com outros componentes.
104
Milgrom e Roberts (1992, pg 24) definem o Principio de Eficiência: Se indivíduos são capazes de
barganhar entre si efetivamente e podem efetivamente implementar e garantir o cumprimento de suas
decisões, então os resultados da atividade econômica tenderão a ser eficientes (ao menos para as partes
que barganharam).
44
I.4. Conclusão
Neste capítulo, foi apresentado o conjunto de ferramentas selecionado para a
análise desenvolvida na tese. Os modelos de concorrência apresentados destacam os
benefícios, na forma de preços próximos ao custo marginal e de progresso tecnológico,
que essa propicia quando se manifesta de forma efetiva ou potencial. São esses
benefícios que justificam a reforma do setor elétrico.
No entanto, as características econômicas e operacionais do setor elétrico não
permitem que a coordenação siga somente sinais de preço. A regulação e a atuação do
operador do sistema caracterizam a coordenação horizontal. Dada a presença relevante
de ativos específicos, a coordenação vertical também é importante no setor elétrico.
As formas que as coordenações horizontal e vertical assumem nas experiências
de reestruturação do setor elétrico são definidas pelo desenho da reforma. O desenho da
reforma consiste na escolha da combinação de centralização e descentralização das
decisões na cadeia produtiva de eletricidade. Ou seja, esse define os espaços da
concorrência e da centralização no setor elétrico. Apesar da motivação comum de
introduzir pressões competitivas, os sistemas elétricos contam com características
estruturais, operacionais e institucionais e as reformas assumem desenhos distintos, o
que é explorado no próximo capítulo.
O primeiro passo do desenho de reforma consiste na identificação das atividades
que serão operadas em monopólio e em concorrência. É ponto consensual que o
transporte de eletricidade constitui monopólio natural e que a concorrência pode ser
introduzida na geração de eletricidade105. A coordenação das atividades de monopólio é
basicamente definida pela forma de regulação (estrutura tarifária e nível de preços. Mas,
mesmo nessas atividades, pode haver espaço para pressões competitivas através de
licitações competitivas e regulação por comparação.
Para as atividades potencialmente competitivas, o desenho escolhido deve ser
compatível com as características econômicas e operacionais do setor elétrico. Assim, a
solução não deve ser nem um mercado totalmente descentralizado e nem a centralização
total, que eliminaria os benefícios da concorrência, mas um híbrido dessas duas formas
de coordenação. Desta forma, o aspecto central das experiências de reforma consiste em
determinar os espaços de coordenação centralizada e de concorrência. Segundo Vickers
105
Não se pode afirmar que este mesmo consenso é válido para a comercialização.
45
e Yarrow (1988), “ a tecnologia do suprimento de eletricidade cria um dilema político –
os benefícios da coordenação [centralizada] entre firmas devem ser confrontados aos
benefícios da competição – e a questão de como este trade-off pode ser resolvido é um
dos principais elementos da economia da eletricidade”106.
106
Vickers e Yarrow (1988) p. 291. TL
46
CAPITULO II - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
A reforma do setor elétrico é um movimento de escala mundial. Desde o final da
década de 80, dezenas de países empreenderam reformas no setor elétrico com intuito
de promover eficiência através da introdução da competição e estimular
investimentos107. Ainda que partilhem destes objetivos básicos, os meios de empreender
a reforma não são idênticos. Características institucionais, estruturais e operativas
tornam cada experiência peculiar.
Este capítulo é iniciado pela breve descrição do padrão de desenvolvimento da
indústria de suprimento elétrico que antecedeu o processo de reforma. Após, são
apresentadas três experiências internacionais de reforma do setor elétrico, que foram
escolhidas devido às suas potenciais lições para a reforma brasileira. A reforma da
Inglaterra e País de Gales foi escolhida por constituir um paradigma para as reformas do
setor elétrico. A experiência dos países nórdicos é relevante por ser considerada um
exemplo de êxito na intensificação de pressões concorrenciais em virtude da formação
de um mercado internacional de eletricidade e, principalmente, por contar com relevante
participação de geração hidrelétrica. A experiência da Califórnia destaca-se pelos
problemas enfrentados, que passaram a ser considerados um alerta quanto aos perigos
decorrentes da liberalização mal conduzida.
II.1.
Padrão de Desenvolvimento da Indústria de Suprimento
Elétrico
Partindo da iniciativa pioneira de Thomas Edison108, o livre empreendedorismo
privado moldou a fase inicial da indústria de suprimento elétrico. Devido a limitações
no transporte109 e na diversidade de usos da eletricidade110, a estrutura inicial da
107
As características do sistema elétrico, particularmente o grau de maturidade da rede elétrica,
condicionam a escolha do objetivo a ser focado. Para países que detêm rede madura, nos quais a
totalidade da população tem acesso a eletricidade, a introdução da competição é a prioridade. Para países
que precisam estender a rede para universalizar o acesso à eletricidade e/ou contam crescimento elevado
da demanda, o estímulo de investimentos também é um objetivo fundamental. (Losekann e Evans, 2003).
108
O nascimento da indústria de Eletricidade se relaciona completamente a figura de seu inventor.
Thomas Edison não só desenvolveu a primeira lâmpada incandescente prática e econômica, em 1878, mas
também projetou, construiu, financiou e operou o primeiro sistema elétrico de geração e distribuição.
109
Esta característica derivava da forma de transportar energia, através de corrente contínua e em baixa
tensão, que resultava em perdas elevadas.
47
indústria era descentralizada e tanto as unidades de geração quanto os mercados eram de
pequeno porte.
Na medida que as limitações111 são superadas, aumenta o porte das empresas de
eletricidade. Com o crescimento das empresas, estas passam a disputar consumidores na
mesma área112. Esta concorrência ineficiente implicava em sobreposição das redes de
distribuição e duplicação de custos. A caracterização de uma situação de monopólio
natural consiste na justificativa para os primeiros atos de intervenção do Estado no
setor, através da concessão de áreas de exclusividade.
Então, a estrutura que passou a ser dominante foi a de monopólios regionais em
um sistema que pode ser descrito como um arquipélago de ilhas elétricas (Figura II.1)
113
.
Figura II.1
Mercado 1
Arquipélago de Ilhas elétricas
Mercado 2
Mercado 3
G1
G2
G3
D1
D2
D3
Mercado n
...
Gn
Dn
Fonte: De Oliveira (1997)
No entanto, a configuração em monopólios regionais não permitia o
aproveitamento pleno das economias de escala latentes na geração de eletricidade, já
que o tamanho dos mercados regionais não permitiam a operação das plantas de geração
em suas escalas mínimas eficientes. Esta condição leva a construção de linhas de
transmissão para permitir o fluxo de energia entre mercados regionais.
A formação de sistema interconectado gera uma economia importante para a
indústria. Como não é possível estocar energia, as necessidades de investimentos na
indústria de eletricidade são determinadas pelo momento em que a demanda de energia
elétrica é maior (demanda de pico). A demanda de pico de um sistema interconectado é
menor do que o somatório das demandas de pico para cada mercado que faz parte do
sistema, pois as diversidades no padrão de consumo fazem com que o momento de
110
Neste período, a eletricidade era utilizada somente para iluminação.
Após um forte debate, a corrente alternada (possibilitada pela invenção dos transformadores) se torna o
novo padrão para o transporte de eletricidade. Com esta tecnologia, o transporte ocorrem em tensões
elevadas e as perdas são menores. Assim, os mercados se amplificam.
112
Apenas na cidade de Chicago, 24 empresas se estabeleceram entre 1887 e 1893 (Stoft, 2002, pg 6).
113
De Oliveira (1997).
111
48
maior demanda não coincida entre os sistemas gerando uma relevante economia de
escala.
Figura II.2
Mercado 1
G1
D1
T
Mercado Interconectado
Mercado 2
Mercado 3
G2
G3
D2
T
Mercado n
T
D3
...
Gn
Dn
Fonte: De Oliveira (1997)
Acompanhando o processo de interconexão de mercados, houve um movimento
de fusão das empresas que exploravam os monopólios regionais. Os benefícios da
ampliação/interconexão dos mercados eram claros, mas também evidenciavam a
necessidade de intervenção do Estado para coordenar este processo. Nos Estados
Unidos, os mecanismos regulatórios foram fortalecidos114 para controlar a atuação das
concessionárias privadas. Na Europa, o Estado assumiu o processo de estruturação da
indústria elétrica. A França (1946) e o Reino Unido (1947) estatizaram as companhias
de eletricidade, criando monopólios estatais (a EDF e a CEGB, respectivamente). Nos
países em desenvolvimento, o caminho seguido foi, em geral, similar ao dos países
europeus, com a estatização das concessionárias de energia.
A formação de uma estrutura monopolista e verticalizada para o mercado
elétrico teve papel crucial na forte expansão da indústria. Na fase de expansão, a
especificidade dos ativos no setor elétrico tem sua importância magnificada. Como os
investimentos entre as atividades são interdependentes, a verticalização elimina a
possibilidade de comportamentos oportunistas e provê uma coordenação eficiente do
planejamento da expansão.
No período de trinta anos que se estende após a segunda guerra, a trajetória de
desenvolvimento da indústria de suprimento elétrico formava um ciclo virtuoso115.
Através de economias de escala e escopo, a expansão da indústria reduzia seus custos
médios, o que acarretava na diminuição do preço da eletricidade e que, por sua vez,
114
O Congresso Americano, na década de 30, promulgou a legislação específica -Public Utility Holding
Company Act (PUHCA) e posteriormente foram criados os reguladores estaduais (Public Utility
Commission-PUC).
115
De Oliveira (1997)
49
possibilitava que consumidores de renda inferior passassem a consumir eletricidade e
que novos usos surgissem, aumentando a demanda de eletricidade (expansão do
mercado) e realimentando o ciclo. O corolário desse processo foi a redução das tarifas
reais de eletricidade e a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas
concessionárias116.
A configuração da indústria de suprimento elétrico apresentava algumas
variações entre os países, mas que contavam com elevada centralização da coordenação
ao longo da cadeia produtiva. Pode-se classificar estas configurações em três modelos
(Figura II.3): um primeiro totalmente verticalizado e horizontalizado, formando
monolitos, como é o caso francês, onde a EDF detém quase a totalidade dos ativos de
geração, transmissão; no segundo, a geração e a transmissão são desenvolvidas por uma
única empresa e a distribuição é responsabilidade de empresas regionais, este era o caso
do Reino Unido (antes da reestruturação), onde a CEGB monopolizava a geração e
transmissão e a distribuição era efetuada por companhias regionais; o terceiro modelo é
um híbrido, onde empresas que verticalizam as três atividades, convivem com empresas
que detém transmissão e geração e somente a distribuição, como era o caso brasileiro.
Figura II.3
Tipos de Estrutura
Modelo 1
Modelo 2
G
G
T
T
D
D
D
D
D
116
Segundo Joskow (2002). “The [traditional electric power] sectors in most developed countries have
performed fairly well based on a variety of ‘macro’ performance criteria. In particular, the systems
provide electricity with high levels of reliability, investment in new capacity can generally be readily
financed to keep up with (or often exceed) demand growth, system losses (both physical and those owing
to theft of service) are low, electricity is available virtually universally, customers can get hooked up for
service relatively quickly and cheaply, there is a long record of rapid productivity growth (at least until
the early 1970s), the average price of electricity typically covers the total cost of supplying it, including a
reasonable return on investment, and the real price of electricity fell almost continuously until the early
1970s and then again in the 1990s”. p. 510.
50
Modelo 3
G
G
T
T
D
T
D
D
D
Fonte: De Oliveira (1997)
Esta ‘fase de ouro’ da indústria tem seu fim na década de 70, quando as
oportunidades de ganhos de escala se esgotaram e as concessionárias passaram a
enfrentar dificuldades financeiras em virtude da elevação dos custos de operação e de
financiamento que decorrem da crise do petróleo. O ciclo virtuoso deu lugar a um ciclo
vicioso (De Oliveira, 1997)
No final da década, havia um descontentamento geral com o funcionamento do
setor elétrico. Os consumidores estavam insatisfeitos com o aumento progressivo dos
preços e as empresas reguladas criticavam os reguladores por não compensarem
totalmente os aumentos de seus custos117.
Além de problemas conjunturais, a crítica de acadêmicos e analistas da indústria
foca elementos de longo prazo. O regime tarifário de taxas de retorno é criticado por
não refletir os custos marginais118 e a estrutura da indústria por não gerar estímulos à
eficiência. Segundo Joskow e Schmalensee (1983), durante décadas vários analistas
preocupados com a eficiência econômica de sistemas elétricos sustentaram que a
eletricidade não era suprida ao menor custo possível nem era precificada corretamente.
“Problemas deste tipo não podem persistir em mercados competitivos; onde o eficiente
é premiado e o ineficiente é expulso. Mas, ineficiências graves na oferta e na
precificação podem persistir em uma indústria, como a de eletricidade, na qual a
117
Joskow e Schmalensee (1983) e Joskow (1989) provêm uma análise detalhada da situação norteamericana.
118
Assim, a situação de first best não é alcançada.
51
maioria dos fornecedores é protegida por monopólios e preços regulados, de forma que
não são submetidos a disciplina do mercado”119
II.2.
Inglaterra e País de Gales
Ainda que outros países tenham introduzido reformas pró-mercado no setor
elétrico antes da reforma da Inglaterra e País de Gales (I&PG)120, esta pode ser
considerada o paradigma para o movimento de reestruturação do setor elétrico que se
alastrou por todo o globo a partir da década de 1990. Isto porque a reforma britânica
contem as medidas que passaram a ser replicadas nas reformas posteriores, constituindo
um “padrão” para a reestruturação do setor elétrico.
II.2.1. Reforma
A reforma do setor elétrico britânico faz parte do conjunto de medidas liberais
tomadas durante os governos Thatcher. A justificativa econômica para a redução da
intervenção do Estado na economia via privatização consistia na eliminação das
ineficiências resultantes da propriedade pública121. No entanto, o processo também
contava com objetivos mais pragmáticos como a democratização do capital122, a
arrecadação de recursos e o enfraquecimento dos sindicatos123.
A privatização do setor elétrico consistiu o “exercício mais ambicioso do
programa de privatização no Reino Unido”124. O valor estimado dos ativos no setor
elétrico era quatro vezes superior ao total privatizado no Reino Unido até então125. Ao
119
Joskow e Schmalensee (1983) p 7. TL
Como o PURPA nos Estados Unidos em 1978 e a reforma chilena no início dos anos 80.
121
A primeira-ministra e seus conselheiros partilhavam da crença que a propriedade pública é
inerentemente ruim e a privada boa. Assim, o governo deveria que deixar para o setor privado a
administração de atividades industriais e comerciais. Uma frase famosa no período era: “the business of
government is government, not government of business” (in Henney, 1994 p. 19).
122
A promoção da pulverização da propriedade, através da venda de pequenos lotes de ações ao público
em geral, teve como objetivo estimular a participação de pequenos investidores no mercado de capitais.
Durante os anos 1980 o número de acionistas saltou de 3 milhões para 9 milhões. Por outro lado, como as
ações eram vendidas a preços abaixo do mercado e os acionistas tiveram ganhos substanciais o
“capitalismo popular” gerava dividendos políticos (Thomas, 1996). No setor elétrico a oferta de ações aos
empregados foi utilizada para diminuir a resistência dos sindicatos à privatização (Henney, 1994).
Vickers e Yarrow (1988) apontam que a subvalorização do preço das ações foi desnecessariamente
exagerada e criticam o método de venda utilizado. Pgs 192-193
123
Havia a percepção que os sindicatos contavam com poder muito elevado. A série de greves nos anos
70, que culminaram no “inverno dos descontentes” em 1979 - quando a paralisação dos serviços gerou
uma situação de caos - tornou os sindicatos impopulares. A privatização e a introdução da competição
limitaram o poder de mobilização dos sindicatos.
124
Yarrow (1994) p 62.
125
Thomas (1996).
120
52
contrário das telecomunicações e gás, onde a privatização consistiu na venda de uma
única empresa, no setor elétrico foram vendidas mais de uma dezena. E, o mais
importante, seria necessário inovar a forma de organização da indústria para possibilitar
a introdução da competição, implicando um novo arranjo institucional, estrutural e
operativo para a indústria126.
As elevadas participações do carvão e da geração nuclear (Figura II.4) na matriz
de geração tiveram importantes impactos sobre o rumo da reforma
Figura II.4
Estrutura da matriz de Geração de Eletricidade na I&PG (1990)
Oleo Comb
9%
Hidro + outros
2%
Nuclear
19%
Carvão
70%
Geração Total: 289 TWh
Fonte: DUKES
A orientação da reforma britânica foi definida em fevereiro de 1988 com a
publicação do “White Paper”. Em linhas gerais a reforma incluiu:
1. Desverticalização da geração e transmissão
2. Liberalização e desconcentração da geração
3. Desverticalização da distribuição e comercialização e liberalização
progressiva da última.
4. Criação de um mercado atacado de energia
5. Criação do regulador setorial e
6. Implantação de um novo regime tarifário para as atividades monopolistas.
A desverticalização da geração e transmissão foi a alternativa adotada no Reino
Unido para evitar que o poder de monopólio na transmissão interferisse na competição
na geração. Os ativos da CEGB deram origem a quatro empresas, uma de transmissão e
126
O desempenho das indústrias de Gás e Telecomunicações pós-privatização evidenciava que a
transformação de monopólios públicos em monopólios privados não gerava os benefícios que a reforma
53
três de geração. Os ativos de transmissão formaram uma nova empresa, National
Grid127.
A National Grid tem um papel chave no sistema elétrico da I&PG. Além de
deter os ativos de transmissão, a empresa é responsável pela operação do sistema.
Assim esta define o despacho das usinas e procura garantir a segurança e estabilidade da
rede e o livre acesso à rede. A National Grid também define o planejamento indicativo
através do “Seven Years Statement” (SYS), estimando anualmente a evolução da carga
e as necessidades de expansão da oferta para os sete anos seguintes.
Originalmente, a proposta para a reestruturação da geração era condicionada
pela perspectiva de privatizar a geração nuclear. Todas usinas de geração nuclear seriam
detidas por uma única empresa, National Power, que também deteria 60% da geração
convencional. Essa companhia teria um porte suficiente para lidar com os riscos e as
necessidades de investimento da tecnologia nuclear. O restante dos ativos de geração
seriam reunidos em uma outra empresa, PowerGen. No entanto, com base na percepção
que as centrais nucleares não seriam competitivas nem com a ajuda da taxação sobre
combustíveis fósseis (fossil fuel levy128), o governo decidiu não levar a frente a
privatização dessas usinas em 1989 e esses ativos foram reunidos na Nuclear Electric129,
que permaneceu sobre propriedade estatal.
A lógica para a criação do duopólio National Power e PowerGen deixava de ser
válida, mas o imperativo do cronograma de privatização, pressionado pela realização de
eleições em 1991, não permitiu uma revisão na estrutura para a geração que
incrementasse as pressões competitivas
130, 131
. Assim, os ativos de geração foram
privatizados em uma estrutura excessivamente concentrada (Figura II.5)132.
se propunha.
A NGC também operava os interconectores com a França e Escócia e detinha duas plantas hidráulicas
de armazenamento por bombeamento (pumped storage plants). Em 1996, estas plantas foram vendidas
para uma companhia americana (Mission Energy). A solução para a estrutura proprietária foi inusitada, já
que a empresa é de propriedade conjunta das 12 companhias de distribuição (Regional Electricity
Companies – RECs) sucessoras das Area Boards. Segundo Armstrong, Cowan e Vickers (1994), a razão
para a escolha, que desloca a integração vertical da geração-transmissão para transmissão-distribuição, foi
determinada pela intenção de facilitar a venda dos ativos de transmissão. No entanto, foram criadas regras
para garantir a operação independente da NGC, evitando interferências das RECs
128
Esta taxa incide sobre a produção de eletricidade a partir do carvão, óleo combustível e gás. A renda
proveniente é transferida maioritariamente para as usinas nucleares, mas parcela é destinada para fontes
renováveis.
129
Posteriormente, esta empresa deu origem a duas companhias. A British Electric detém os reatores mais
modernos e suas ações foram vendidas ao mercado em 1996. A Magnox Electric compreende os reatores
mais obsoletos e permanece sobre propriedade estatal.
130
Newbery e Green (1996).
127
54
Figura II.5
Estrutura da capacidade de geração por empresa - 1990/91
Interconectores
5%
Nuclear Electric
14%
Outros
4%
National Power
47%
PowerGen
30%
Fonte: Ofgem
A interconexão com os países vizinhos também fazia parte da oferta de
eletricidade. Como a geração foi liberalizada, parte das pressões competitivas provém
de entrantes (produtores independentes). A expectativa dos formuladores da reforma era
que a concorrência potencial seria suficiente para induzir o comportamento eficiente das
empresas.
A Figura II.6 descreve a nova estrutura da indústria de suprimento elétrico na
I&PG. Existem cinco tipo de licenças para a operação no setor elétrico: geração,
geração nuclear, transmissão, fornecimento público de eletricidade (PES), que inclui
distribuição e comercialização e fornecedor alternativo (second-tier supplier).
As doze Area Boards passaram a ser denominadas de Regional Electric
Companies (RECs) e foram privatizadas sem maiores modificações133. As atividades de
distribuição e comercialização desempenhadas pelas RECs passaram ser contabilizadas
em contas distintas, resultando em uma desverticalização contábil das atividades134. A
distribuição (transporte da energia) é operada em monopólio e a liberalização da
comercialização seguiu um cronograma. Inicialmente, somente grandes consumidores,
131
Uma das propostas analisadas na preparação do White Paper era a criação de cinco empresas de
geração com capacidade de produção semelhante. (Henney, 1994)
132
As ações da National Power e da PowerGen foram vendidas em duas etapas. Na primeira, em março
de 1991, foram vendidas 60% das ações e 40% em março de 1995.
133
O governo manteve golden shares das RECs até 1995, o que impossibilitou mudanças na estrutura de
propriedade das empresas no período inicial.
134
Mais precisamente, os negócios das RECs são de quatro naturezas: distribuição, comercialização
dentro de sua área de atuação, comercialização fora de sua área de atuação e geração. Para desempenhar a
última tarefa a REC tem de criar uma empresa subsidiária.
55
com demanda a 1 MW, podiam escolher seu fornecedor enquanto os pequenos
consumidores permaneciam cativos das RECs locais. Em 1994 o limite foi diminuído
para 100kW e, desde 1999135, todos consumidores são livres.
Assim, com a
liberalização, a comercialização de energia pode ser efetuada pelas RECs, dentro e fora
de sua região de distribuição, e por outros comercializadores136.
Figura II.6
GERAÇÃO
Nova Estrutura da Indústria de Suprimento Elétrico da I&PG
Geração
Própria
National
Power
PowerGen
França
Independentes
12 RECs
DISTRIBUIÇÃO
CONSUMO
Escócia
GRID
TRANSMISSÃO
COMERCIALIZAÇÃO
Nuclear
Electric
RECs atuando dentro
de sua região
Mercado Cativo
RECs atuando fora
de sua região
Outros
Comercializadores
Mercado Livre
135
O cronograma inicial previa a abertura total do mercado de varejo em 1998, mas devido a
complicações técnicas esta foi postergada por um ano.
136
As empresas de geração normalmente atuam na comercialização. Mas, outros agentes podem
desempenhar esta atividade, como companhias especializadas em comercialização, cooperativas ou
grandes consumidores.
56
Entre os mecanismos de coordenação adotados no novo arranjo institucional
britânico, a criação do mercado atacadista (Pool) foi o mais inovador A função do Pool,
que vigorou até março de 2001137., era organizar a oferta e demanda de eletricidade,
sendo operado pela National Grid com o objetivo de realizar o despacho por ordem de
mérito de preço138. As licenças de geração e comercialização determinavam que os
licenciados participassem compulsoriamente do Pool139.
O Pool funcionava como um leilão. Os ofertantes efetuavam lances que
especificam a disponibilidade e o preço140 para cada conjunto de geração141 para cada
meia hora do dia seguinte142. Os lances de oferta (bids) eram ordenados por mérito e
contrapostos à previsão de demanda143 (considerando uma margem de reserva) pelo
operador do sistema (NGC), com ajuda do software GOAL (Generator Ordering and
Loading). Igualando oferta e demanda, o Preço Marginal do Sistema (System Marginal
Price – SMP), que corresponde ao lance mais elevado aceito no Pool, era determinado
para cada meia hora144. É importante notar que o SMP se baseava em uma programação
sem restrições (unconstrained schedule). Inevitavelmente, essa programação era distinta
do despacho real em função de restrições de transmissão, indisponibilidades de plantas
incluídas na programação de despacho145 e diferenças entre a demanda prevista e a
verificada.
137
Neste momento, novas regras de mercado foram implementadas e Pool foi extinto.
As centrais que ofereciam lances mais baratos são priorizadas no despachado.
139
O Pool englobava cerca de 97% da energia consumida na Inglaterra e País de Gales.
140
Os lances eram compostos por 5 elementos: um preço de partida (start-up price) que é a remuneração
requerida em libras para simplesmente iniciar a produção, preço sem carga (no-load price), a remuneração
em libras por hora para manter a planta pronta para gerar e três preços incrementais estipulados para três
intervalos de produção, em libras por MWh, pela energia efetivamente gerada. Para a maior parte do
tempo, chamados ‘Table A periods’, todos elementos dos lances eram considerados. Em períodos de
demanda baixa, ‘Table B periods’, somente o preço incremental era considerado.
141
São alocados blocos de negócio às empresas que utilizam os interconectores com Escócia e França
para vender eletricidade na Inglaterra (membros externos do Pool) que correspondem a capacidade de
importação e são tratados como unidades de geração no Pool.
142
Os lances eram efetuados às 10 a.m. Os lances de preço eram definidos para o dia inteiro e a
disponibilidade para cada meia hora.
143
Inicialmente, havia o interesse de que o Pool constituísse um mercado que considerasse não só lances
de ofertantes, mas também de demandantes (‘double pool’). No entanto, essa idéia foi abandonada
devido aos requerimentos computacionais que necessitaria (Thomas, 1996, p 80).
144
Às 16 horas do dia anterior ao despacho, os membros do Pool recebiam os preços do Pool para cada
meia hora do dia seguinte. Esses preços também eram publicados no Financial Times.
145
Os geradores tinham liberdade para redeclararem a disponibilidade de suas unidades até o momento do
despacho. Isto podia ser resultado não só de falhas operacionais, mas também de interesses comerciais.
Preços baixos podiam justificar que centrais alimentadas à gás natural se declarassem indisponíveis para
vender o combustível no mercado de gás. Como a indisponibilidade afetava o LOLP, alguns geradores
podiamm deliberadamente declararem indisponíveis algumas de suas unidades em momentos de demanda
138
57
Além do SMP, os geradores também eram remunerados pela capacidade. O que
objetivava estimular investimentos, aumentando a remuneração dos geradores em
momentos de escassez de capacidade. O encargo de capacidade remunerava a
capacidade disponível das unidades de geração (em operação ou não), sendo calculado
pela seguinte fórmula:
Encargo de Capacidade = LOLP × [VOLL − max(SMP, lance de preço )]
LOLP (Loss of Load Probability) é a probabilidade de que a oferta não seja
suficiente para atender a demanda. VOLL (Value of Lost Load) é uma estimativa do
custo social gerado pela falta de eletricidade (demanda superior à oferta)146.
A Tabela II.1 descreve as possibilidades de pagamento aos geradores. As
unidades presentes na programação sem restrição (lance de preço ≤ SMP) e que
efetivamente produzem recebem o preço de compra do Pool (PPP – Pool Purchase
Price), representado na área 1 da tabela. As unidades programadas mas não
despachadas, área 2, recebem o PPP subtraído de seu lance de preço (BID). As unidades
não programadas (BID > SMP) mas que são despachadas, área 3, recebem o valor de
seu BID somado ao encargo de capacidade. Finalmente, as unidades que não são
programadas e tampouco despachadas, área 4, recebem apenas o elemento de
capacidade.
Tabela II.1
Pagamentos aos Geradores
Despacho
Programação
sem restrição
Dentro
Fora
Dentro
1. SMP + LOLP x (VOLL – SMP)
2. SMP – BID + LOLP x (VOLL – SMP)
Fora
3. BID + LOLP x (VOLL – BID)
4. LOLP x (VOLL – BID)
Fonte: Sweeting (2000)
Os demandantes pagavam um preço diferente ao PPP para retirar energia do
Pool. Como era necessário remunerar outros custos, o PSP (Pool Selling Price) excedia
elevada para aumentar sua remuneração através de encargos de capacidade ou forçar o despacho de
unidades com lances de preço mais elevados (Bower, 2002).
146
Este valor foi definido inicialmente como £2.000/MWh, sendo corrigido pela inflação (RPI). Em 2001,
o valor já alcançava £2.816/MWh.
58
o PPP por um montante denominado uplift. O uplift era formado por três
componentes147:
•
Alterações operacionais – custos causados pela diferença entre a operação
programada sem restrições e o despacho e que resultavam na remuneração de
unidades não programadas mas despachadas (área 3 na Tabela II.1) e de
unidades programadas, mas não despachadas (área 2) e em despesas
adicionais de transmissão.
•
Serviços ancilares – remuneração aos serviços necessários para manter a
qualidade e segurança do suprimento.
•
Disponibilidade não programada – remuneração aos geradores não incluídos
na programação, mas que estavam disponíveis para serem despachados
(quadrante 4).
Como os preços do Pool eram determinados no dia anterior, demandantes
podiam ajustar a quantidade consumida ao preço. No entanto, isto não impactava o
SMP, apenas o valor do Uplift. Desde dezembro de 1993, alguns grandes consumidores
(aproximadamente 30) passaram a poder participar diretamente do processo de
formação de preço, executando lances de demanda. Estes constituem lances de redução
de demanda, especificando o preço que ao qual estariam dispostos a reduzir demanda.
Para efeitos práticos, esses eram tratados como lances de oferta no Pool.
Grande parte dos geradores e comercializadores não se dispunha a ficar exposta
a flutuações do preço do Pool148 e negociava contratos financeiros bilaterais149. Os
contratos por diferença (CfD) se tornaram os mais comuns na I&PG. Esses contratos
eram negociados diretamente entre as partes envolvidas (over-the-counter) e consistiam
em compensações correspondentes à diferença entre o preço acertado e o preço
observado no Pool. Os CfDs podiam ser de dois tipos: “one-way” e “two-way”150. No
primeiro tipo, era fixado um teto para o preço da eletricidade. O contrato era acionado
apenas quando o preço do Pool era maior que o estipulado em contrato. Assim, o
147
Esta descrição corresponde a formulação inicial do uplift. Em 1995, o cálculo do uplift foi modificado.
Os comercializadores estão expostos a riscos relevantes, pois a maioria vende energia a consumidores
finais a um preço fixo, enquanto o preço do Pool é variável. Os geradores também estão sujeitos a riscos,
pois compram combustível a preços fixos. No entanto, seus riscos são menores, pois podem deixar de
produzir quando o preço do Pool não é atrativo.
149
A participação no Pool é compulsória, portanto contratos físicos não podem ser negociados.
148
59
comprador de eletricidade ficava protegido de preços altos no Pool, mas podia
aproveitar os preços baixos. Para tanto, este pagava uma taxa de opção ao vendedor da
eletricidade. No segundo, o preço de eletricidade se tornava independente do nível de
preços no Pool, valendo o preço de contrato. Em 1991, foram introduzidos contratos
futuros mais padronizados e transparentes (Electricity Forward Agreements – EFAs),
mas o volume transacionado através desses contratos, apesar de ter aumentado desde
1997, era menos representativo151 (cerca de 10 a 15% do mercado físico152).
A Electricity Act de 1989 criou a agência de regulação setorial para eletricidade,
o Offer (Office of Electricity Regulation). O Offer, Ofgem após a fusão com o regulador
do gás (Ofgas) em 1999, é uma agência de estado, mas não é subordinado a nenhum
departamento de governo, o que garantiria o afastamento da intervenção do governo em
sua operação diária153. A responsabilidade regulatória recaia sobre uma única pessoa, o
Diretor Geral do Suprimento Elétrico (General Director of Electricity Supply).
Juntamente com o Secretário de Estado, este tem como atribuições principais154:
•
Assegurar que toda demanda razoável de eletricidade seja satisfeita,
•
Garantir que empresas sejam capazes de financiar as atividades para as
quais foram licenciadas.
•
Promover competição na geração e comercialização de eletricidade.
A abordagem regulatória inglesa e do País de Gales pode ser resumida em:
adoção de regime tarifário de price-cap para as atividades de monopólio natural
(distribuição e transmissão) e regulação para promover a competição nas demais
atividades (geração e comercialização)155.
Os órgãos de defesa da concorrência, também participam do quadro institucional
para a regulação do setor elétrico da I&PG156. A Comissão de Monopólios e Fusões
150
Os CfDs não são padronizados e suas características são customizadas segundo o interesse dos
envolvidos. Existem variantes quanto ao preço utilizado como referência (PPP, SMP ou PSP), duração,
número de vezes que pode ser acionado, sazonalizações etc.
151
Competition Commission (2000) aponta que os EFA seriam como uma sintonia fina, enquanto os
CFDs eram a principal forma de proteção (hedge).p. 133.
152
Ofgem (2002a)
153
MacKerron e Boira-Segarra (1996).
154
Yarrow (1994)
155
Yarrow (1994) p. 70.
156
Fazendo parte da União Européia, a Inglaterra e o País de Gales estão sujeitos a sua regulação. Em
1996, o Parlamento Europeu lançou uma diretiva que estabelece regras comuns para os mercados
elétricos. No entanto, por ser vanguarda no movimento de liberalização, a diretiva européia não tem
60
(MMC) é especialmente importante para o setor elétrico. Sua atuação consiste em
investigar a atuação econômica das firmas, servindo como referência para os atos do
regulador e governo.
A adoção do sistema tarifário de price-cap (RPI-X) nas atividades de
monopólio157 é um dos pilares da reforma da I&PG. Este sistema foi adotado
originalmente no setor de telecomunicações britânico158, sobre forte influência do
professor Littlechild159, e se tornou o regime tarifário padrão para as indústrias de
serviço público britânicas. A formulação deste regime tarifário tinha entre seus
objetivos simplificar a atividade regulatória, reduzindo seu custo e diminuindo a
vulnerabilidade do regulador à captura. No entanto, o caso da I&PG demonstra que o
sistema de RPI-X na prática é mais complexo que a percepção de seus formuladores160.
II.2.2. Resultados
Apesar da reforma do setor elétrico da I&PG ter constituído um paradigma para
as demais reformas do setor elétrico, a experiência não esteve livre de problemas. Ao
contrário do esperado, o órgão regulador atuou constantemente para limitar o poder de
mercado das empresas estabelecidas (National Power e PowerGen), envolvendo a
contínua correção de rumo, que culminou com o desenvolvimento do NETA (New
Energy Trade Agreements).
Hoje, é consensual que a estrutura industrial para a geração de eletricidade que
se seguiu à reforma não induzia a pressões competitivas suficientes para estimular a
eficiência. Como as centrais da Nuclear Electric operavam na base161, as interconexões
com os vizinhos não tinham magnitude suficiente para influenciar a formação de preço
e a entrada de novas empresas não foi imediata, a National Power e a PowerGen
maiores impactos sobre o setor elétrico da Inglaterra e País de Gales. A exceção ocorre no âmbito
ambiental, onde as determinações da União Européia são mais restritivas que as domésticas.
157
O sistema é aplicado à transmissão, distribuição e comercialização prestada pelas concessionárias de
distribuição (RECs) ao seu mercado cativo (enquanto este existia)
158
Anteriormente, o sistema de RPI-X já havia sido utilizado na regulação de distribuidoras no Chile. No
entanto, foi a experiência inglesa que determinou a difusão do regime.
159
Que viria a se tornar o primeiro Diretor Geral do Suprimento Elétrico.
160
Ilustrando essa percepção, Beesley e Littlechild (1994) afirmam que “The level of X would, in
practice, be the outcome of bargaining between BT and the Government; an exhaustive costing exercise is
not called for.” P. 20.
161
As centrais nucleares têm custo de capital elevado e custo operacional baixo, o que determina que
estas sejam despachadas a maior parte do tempo, formando a base da curva de oferta. Assim, a empresa
efetua lances de preço inferiores e são as centrais da National Power e PowerGen que vão constituir as
centrais marginais, que determinam o preço de mercado.
61
formavam um duopólio nos primeiros anos da reforma. Green e Newbery (1992)
previam que, mesmo que fossem consideradas hipóteses otimistas162, esta estrutura
acarretaria em elevado poder de mercado dos duopolistas e preços sensivelmente
superiores ao custo marginal no curto prazo. No médio prazo, os autores afirmam que
haveria entrada excessiva. Ou seja, o acréscimo de capacidade seria superior ao nível de
ótimo social. A perda de bem-estar social decorrente da situação de duopólio simétrico
foi estimada em £ 262 milhões em relação a uma situação de cinco empresas de mesmo
tamanho163.
Eficiência Alocativa
A Figura II.7 descreve a evolução dos preços finais de eletricidade no Reino
Unido para os setores Residencial e Industrial.
Figura II.7
Evolução dos Preços Finais da Eletricidade no Reino Unido
Setores Residencial e Industrial - £ (2000)/MWh
120
100
80
Residencial
60
Industrial
40
20
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
0
Fonte: Dukes
Nota: Séries atualizadas pelo deflator implícito do PIB
A evolução dos preços finais da eletricidade constituem o somatório dos preços
nas atividades de geração (mercado atacadista e contratos bilaterais), transmissão,
162
O artigo considera uma situação sem conluio e restrições de transmissão e com empresas simétricas e
lances simples de preço. Assim, o resultado seria o melhor possível, já que situações com conluio,
monopólios regionais causados por restrições de transmissão, empresas assimétricas e lances que incluem
outros componentes (preço de partida e sem carga) têm resultados menos eficientes.
62
distribuição e comercialização. A Figura II.8 descreve a participação de cada uma
dessas atividades no preço de eletricidade ao consumidor residencial. A geração é a
atividade que representa a maior parcela do preço final, seguida pela comercialização,
distribuição e transmissão.
Figura II.8
Composição do Preço Final da Eletricidade
Consumidores Residenciais
Transmissão
3%
Margem e
Comercialização
30%
Geração
43%
Distribuição
24%
Fonte: Ofgem (2002)
O principal referencial para analisar a evolução do preço da energia gerada na
Inglaterra e no País de Gales é o preço no mercado atacadista. A Figura II.9 descreve a
evolução dos componentes do preço no Pool desde sua criação. O SMP somado ao
encargo de capacidade constitui o PPP (preço de compra do Pool), que adicionado ao
uplift totaliza o PSP (preço de venda do Pool). A partir de 1996/97, as parcelas do uplift
que correspondem à remuneração dos serviços ancilares e aos custos adicionais de
transmissão resultantes da impossibilidade de realizar o despacho como programado
(Reactive Power Uplift e Transmission Services Uplift) deixaram de fazer parte do PSP,
passando a ser remunerada por uma taxa recolhida à NGC (Transmission Service Use of
System Price). Estas são usualmente denominadas Transmission Uplift. Somente os
custos adicionais de geração causados por modificações entre a programação e o
despacho (Energy Uplift) e o pagamento à disponibilidade não programada continuaram
a ser remunerados via Pool. Essa modificação deve ser levada em conta quando a
evolução do preço do Pool
163
Os autores consideram que esta estrutura (quintopólio) como uma oportunidade perdida como
resultado da reforma, já que os resultados seriam mais eficientes e as dificuldades operacionais de
63
Figura II.9
Evolução dos Preços Médios164 Anuais no Pool – £ (2000/01)/MWh
35
30
25
Transmission Uplift
Uplift
Encargos de Capacidade
SMP
20
15
10
5
0
1990/91
1992/93
1994/95
1996/97
1998/99
2000/01
Fonte: Ofgem e Pool Statistical Digest
O primeiro ano de atividade do Pool foi caracterizado por preços baixos. Os
contratos que subsidiavam o carvão e desvinculavam o preço do Pool das receitas das
geradoras, apresentados mais adiante, eram considerados o principal motivador da
manutenção de preços baixos.
Nos quatro anos que se seguiram, os preços aumentaram continuamente.
Mesmo quando o SMP se tornou mais baixo, o aumento dos encargos de capacidade e
do uplift compensou este decréscimo. A diminuição do preço no mercado atacadista,
peça chave para atender as premissas que justificaram a reforma, não se confirmava até
então. Ficava claro que as empresas estavam exercendo seu poder de mercado não só
através do SMP, mas também através dos encargos de capacidade e do uplift165. A
competição potencial não restringia a conduta das firmas dominantes. Para reverter a
trajetória de crescimento de preços seria necessária a intervenção do regulador,
reestruturação e privatização das empresas não tão significativas.
Média ponderada pela quantidade demandada.
165
Estes podem ser inflados com a mudança da disponibilidade declarada das unidades de geração após a
programação. Declarando centrais mais baratas indisponíveis em momentos de pico de demanda, as
empresas dominantes forçavam o despacho de centrais mais caras, elevando o uplift, e aumentavam a
probabilidade de queda do sistema, aumento o encargo de capacidade. As parcelas que deixaram de fazer
parte do PSP representam mais de 60% do total do uplift. Essa alteração de metodologia deve ser
considerada quando a evolução do preço do Pool é analisada.
164
64
modificando condições de estrutura da indústria, adaptando as regras de mercado e
controlando a conduta dos agentes166.
Como resultado da entrada de novos geradores e, principalmente, da venda de
ativos das empresas dominantes, a concentração da capacidade produtiva de geração se
reduziu sensivelmente desde o início da reforma. As empresas dominantes, que
detinham quase 70% da capacidade de geração no momento da reforma, detêm apenas
um quarto do mercado atualmente (Figura II.10).
Figura II.10 Estrutura da capacidade de geração por empresa - 2001/02
Interconectores
5%
Outros
9%
IPP
21%
AES
7%
EME
9%
TXU
10%
PowerGen
12%
British Energy
14%
Innogy*
13%
* (ex-National Power)
Fonte: Ofgem
Apesar da importância do Pool para sinalizar decisões, quase a totalidade das
negociações de eletricidade na Inglaterra e no País de Gales ocorria via contratos
166
Um teto foi imposto ao preço do Pool durante anos 1994/95 e 1995/96. A média mensal do preço do
Pool era limitada a £24/MWh ponderada pelo tempo e £25,5/MWh ponderada pela demanda (em preços
de outubro de 1993). No entanto, este foi o período de maior volatilidade do preço do Pool. Vários fatores
exógenos colaboraram para tanto, como falhas de grandes centrais geradores em momentos de demanda
elevada, reversão do fluxo da interconexão com a França e interrupção da oferta de gás natural. Mas é
certo que o limite de preços não impedia a manipulação do mercado pelas empresas dominantes, o que
acarretou na remoção do limites de preços no pool.
65
bilaterais167. Como estes contratos ocorrem diretamente entre envolvidos, não sendo
contabilizados por terceiros (Over-the-counter), não há estatísticas sobre a evolução de
preço e quantidade.
No momento da reforma, foram impostos às companhias de distribuição (RECs)
contratos iniciais (vesting contracts) para subsidiar a indústria de carvão britânica. Estes
contratos fixavam preços que permitiam o repasse dos custos de geração utilizando
carvão britânico, um dos mais caros do mundo168, e asseguravam uma margem de
remuneração aos geradores. Como as RECs contavam com consumidores cativos, tais
consumidores acabavam arcando com o custo do subsídio à indústria carvoeira
britânica. Esses contratos eram do tipo “take or pay”, envolvendo volumes e preços de
carvão que diminuiriam ao longo do tempo. Em 1990/1991 e 1991/92, estes abarcavam
70 milhões de toneladas ao ano, caindo para 65 milhões em 1992/93, 40 milhões em
1993/94 e 30 milhões para os quatro anos seguintes169.
Além desses contratos compulsórios, havia outros tipos de contratos voluntários,
como os contratos de longo prazo entre RECs e produtores independentes que
constituíram a forma tradicional de entrada de novos competidores na indústria170.
Um tipo importante de contrato orientava as relações entre geradores e
comercializadores integrados verticalmente. As RECs que detêm ativos de geração são
obrigadas a assinarem contratos “fictícios”, já que as contas devem ser separadas por
atividades.
Os contratos têm uma grande influência sobre o preço no Pool. Vários autores171
apontam que contratos de longo prazo tendem a reduzir o preço no Pool. Newbery
(1995) afirma que um gerador que negocia toda sua produção através de contratos não
tem incentivos para manipular o preço no Pool, pois sua remuneração será definida pelo
167
Em 1990/91, 97% da geração era negociada via contratos bilaterais. Esta percentagem se reduziu para
88% em 1996/97 e a estimativa para 2000 era de 75% (Herguera, 2000, p. 74).
168
Em 1989/90, o preço do carvão inglês era de £ 1,77/GJ na boca da mina e por volta de £ 2,00/GJ
entregue, cerca de 40% mais caro que o carvão importado (Parker, 1996, p. 124).
169
Inicialmente, os vesting contracts durariam de 1o de abril de 1990 a 31 de março de 1993. Por
interferência do Departamento de Comércio e Indústria (DTI) novos contratos estenderam o subsídio ao
carvão doméstico. No entanto, desde 1997, o carvão doméstico tem de competir com as demais fontes de
geração. Isso era inevitável, visto que, com a liberalização da comercialização de eletricidade, as RECs
não podiam simplesmente repassar os custos derivados do subsídio aos consumidores finais sem perder
mercado. Assim, a atividade mineira perdeu progressivamente sua importância econômica no Reino
Unido. Segundo Parker (1996), esses contratos subsidiados não foram capazes de prover uma solução de
longo prazo para a indústria de carvão e, por adiarem o problema, tornaram sua solução mais traumática.
P. 126.
170
Este ponto será mais detalhado adiante.
66
preço de contrato e não pelo preço do Pool. Assim, esse efetua lances iguais ao seu
custo evitável, como se estivesse em um mercado perfeitamente competitivo. Lances
acima de seu custo evitável podem fazer com que a planta não seja despachada e o
gerador perderá a diferença entre o SMP e o custo evitável. Lances menores que podem
resultar em perdas (custo evitável – SMP)172.
Nos primeiros dois anos do Pool, os Vesting Contracts representavam parte
majoritária da eletricidade comercializada na I&PG. Segundo Competition Commission
(2000 p 127), esses contratos correspondiam a 70% da geração da PowerGen e 90% da
National Power. Assim, suas receitas perdiam relação com o preço do Pool e as
empresas eram estimuladas a queimar uma grande quantidade de carvão, mesmo quando
o preço do Pool era inferior ao custo evitável. O que explicaria a observação de preços
baixos no Pool no período inicial.
No entanto, a excessiva cobertura dos negócios por contratos pode resultar em
ineficiência, pois ao contrário do que ocorreria em mercados perfeitamente
competitivos, plantas menos eficientes podem deslocar plantas mais eficientes.
Primeiro, em função de rigidez contratual, os custos evitáveis podem ser bastante
distintos dos custos marginais de produção. Quando o gerador detém contratos de
compra de combustível em esquema de “take-or-pay”, o custo evitável pode ser ínfimo,
dependendo do custo de estocagem do combustível ou de seu preço em mercado
secundário. Segundo, a presença de contratos, combinada à existência de mercado
cativo, dá espaço ao oportunismo dos agentes. As RECs podem repassar os custos de
aquisição de energia aos seus consumidores cativos sem perder mercado mesmo quando
esses são excessivos. Se estas detêm ativos de geração os contratos podem ser inflados
para gerar lucros excessivos. Mas, mesmo contratando energia de terceiros, essa pode
auferir lucros alocando contratos mais caros ao mercado cativo e os mais baratos ao
mercado competitivo. Um relatório publicado pelo regulador em 1997 aponta que o
preço médio da energia adquirida pelas RECs orientada ao atendimento de seu mercado
cativo é de £ 39/MWh, enquanto que a energia orientada ao mercado competitivo é
adquirida em média por £ 30/MWh173.
171
Ver Powell (1993), Newbery (1998), Green (1999a, 2002a) e Wolak (2000).
No entanto, como indica Bower (2002), foi estratégia comum entre geradores a oferta de lances iguais
a zero para garantir a inclusão no despacho.
173
Offer (1997).
172
67
A comercialização de eletricidade é a outra atividade na qual os preços são
definidos pelo mercado. A liberalização dessa atividade foi gradativa, sendo completada
em 1999, quando os consumidores residenciais passaram a poder escolher seu
fornecedor. No entanto, até abril de 2002 foram mantidas preços tetos para as
distribuidoras no mercado residencial.
Na parcela de mercado competitiva, as incumbentes têm progressivamente
perdido participação na atividade de comercialização. Em geral, os competidores
oferecem melhores preços que as empresas incumbentes (Tabela II.2). Em média, os
fornecedores ex-PES detêm apenas 64% do mercado (Figura II.11). As RECs já
perderam cerca de 30% de seus mercados residenciais, liberalizados em 1999.
Tabela II.2
Preços da empresa incumbente e de Competidores
Conta anual média por residência da empresa incumbente e redução propiciada pela
escolha da melhor oferta alternativa nas diferentes formas de cobrança
Incumbente
Eastern
East Mids
London
Manweb
Midlands
Northern
Norweb
Seeboard
Southern
Swalec
Sweb
Yorkshire
S Power
S Hydro
Cobrança Usual
Débito Automático
Pré-pago
Conta
Melhor
Conta
Melhor
Conta
Melhor
Incumbente £ Oferta (%)* Incumbente £ Oferta (%)* Incumbente £ Oferta (%)*
239
14
226
14
243
10
236
11
226
13
244
10
247
12
238
18
255
10
268
16
261
15
284
10
236
11
243
14
259
10
264
20
251
22
276
11
242
13
234
14
258
10
241
13
232
15
249
10
266
17
252
17
280
8
290
14
276
14
306
12
269
12
261
14
277
10
251
17
238
18
266
10
280
12
271
15
294
10
283
16
269
17
283
11
Fonte: Ofgem (2002b)
* Corresponde à redução da conta que seria provocada pela escolha da melhor
oferta alternativa à estabelecida
O fim do mercado cativo expôs as incumbentes a relevantes riscos. Os contratos
de longo prazo com produtores independentes, que têm preços mais elevados que os
contratos de curto-prazo e spot, representam um custo irrecuperável para a grande
maioria das incumbentes que não pode ser simplesmente repassado ao consumidor final,
como ocorreria anteriormente. A Tabela II.3, apresentada em Ofgem (2002b), descreve
68
a evolução dos elementos que compõem os custos médios de comercializadores entre
1998 e 2002. Enquanto o preço no mercado atacadista caiu 40%, os dos contratos de
longo prazo aumentaram 6%. Assim, quanto maior for o peso dos contratos de longoprazo no portfólio de compra de energia, maior será a dificuldade para enfrentar
concorrentes.
69
Figura II.11 Participação de mercado de fornecedores ex PES (incumbentes)
100%
90%
83%
80%
68%
70%
68%
68%
66%
65%
64%
64%
64%
61%
60%
60%
60%
58%
57%
9
10
11
12
13
14
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1
2
3
4
5
6
7
8
Fornecedor Ex PES (Anonimo)
GraBretanha
Fonte: Ofgem
Tabela II.3
Modificações nos custos de comercializadores 1998-2002
Elemento do custo
Redução dos preços de atacado
Participação do custo da energia no atacado em conta
residencial
Impacto da redução de preços no atacado
Impacto
↓ 40%
49% em 1998: reduzindo para 39%
↓ 16 – 20%
Impacto de IPP e outros contratos de longo prazo
↑ 6%
Redução de tarifas de transmissão e distribuição
↓ 9%
Aumento da infra-estrutura de comercialização
Aumento de custos ambientais
Modificação total na base de custos de comercializadores
↑ 5-10%
↑ 2%
↓ 8-17%
Fonte: Ofgem (2002b)
Ao contrário do que ocorreu com geradores independentes, comercializadores
independentes não obtiveram êxito174. A estratégia de crescimento preponderante de
crescimento no mercado de comercialização foi a aquisição de empresas existentes,
resultando em concentração de mercado. Somente a Centrica, empresa de
comercialização detida pela British Gás, cresceu apenas com a conquista de novos
174
EnronDirect, Independent Energy e Amerada Hess cessaram sua atuação na comercialização após
tentativas frustadas de entrada.
70
consumidores e detém cerca de 10% do mercado. O que se explica pelo movimento de
convergência entre as atividades de comercialização de gás natural e eletricidade. As
empresas oferecem os serviços em conjunto, concedendo vantagens ao consumidor que
opta pelo fornecimento de ambos. A maioria dos consumidores residenciais que trocam
de fornecedor opta por escolher o mesmo fornecedor para gás (Mori, 2001).
As atividades de transmissão, distribuição e comercialização ao mercado cativo
têm seus preços regulados pelo governo em mecanismo de price-cap. Assim os preços
em termos reais nessas atividades refletem a evolução do parâmetro de eficiência.
A National Grid tem suas tarifas relacionados aos serviços de transmissão de
eletricidade determinadas por sistema de RPI-X175. A Tabela II.4 descreve a evolução
do controle de preços em transmissão. Nos primeiros dois anos (90/91 e 91/92), a
receita média de transmissão deveria acompanhar a inflação (RPI-0). A partir de então,
os parâmetros de eficiência têm reduzido sensivelmente a receita da NGC com
transmissão. Até março de 2003, a redução real dos preços de transmissão em termos
reais foi próxima a 40%.
Tabela II.4
Parâmetro de Eficiência (X) na Atividade de Transmissão
Período
1990/91 – 92/93
93/94 – 96/97
97/98
98/99 – 2000/01
01/02 – 05/06
X
0
3
20
4
1,5
Fonte: Ofgem
Para distribuição, foram fixados parâmetros de eficiência (X) diferentes para
cada REC. A Tabela II.5 descreve a evolução dos intervalos dos parâmetros para
atividade de distribuição. Nos primeiros cinco anos, ao contrário do que seria de se
esperar da formulação de RPI-X, os parâmetros foram definidos como negativos,
175
As receitas da NGC são aferidas de forma distinta. O sistema de RPI-X aqui descrito se aplicava à
remuneração pela propriedade dos ativos de transmissão, cobrindo o uso do sistema e aos encargos de
conexões anteriores a reforma (pre-Vesting), e pela função de operador do sistema, provendo a infraestrutura necessária e operando os recursos para o controle do sistema, até 2001. A partir de então, o
componente da remuneração da NGC referente à operação do sistema passou a ser definido por esquemas
de incentivo (distinto do RPI-X). A remuneração dos custos de operação do sistema relacionadas ao uplift
e perdas de transmissão não é obtida por este tipo de controle de preços. Inicialmente, esses custos eram
repassados diretamente ao consumidor e recentemente, o regulador decidiu por remunerar esses custos via
esquema de incentivos.
71
resultando em aumentos reais das tarifas de distribuição. No caso mais drástico, a REC
que atende ao Sul do País de Gales teve suas tarifas de distribuição elevadas em 2,5%
ao ano em termos reais. Segundo Thomas (2000), tal situação foi justificada pela
necessidade de incentivar investimentos, o que se provou uma falácia que encobria a
distorção de informações pela indústria ou o desejo do governo de maximizar o valor de
venda das empresas de distribuição. No entanto, a partir de 95, houve uma inversão na
trajetória de preços. Desde 1990, o preço para a atividade de distribuição se reduziu
entre 25% a 40% em função do parâmetro X. Na revisão de 2000, por considerar que
elementos da atividade de comercialização estavam sendo remunerados através da
distribuição, o regulador promoveu um reposicionamento do preço ao qual o controle de
preços da distribuição se aplica (P0). Como resultado, houve uma redução das tarifas de
distribuição diferenciada entre 19 e 33%, com média de 25%.
Tabela II.5
Parâmetro de Eficiência (X) n a Atividade de Distribuição
Período
1990/91 – 94/95
95/96
96/97
97/98 – 99/00
00/01 – 04/05
X
-2,5 a 0
11 a 17
10 a 13
3
3
Fonte: Ofgem
A atividade de comercialização de eletricidade prestada pelas RECs a seus
mercados cativos também tinha seus preços determinados através do regime de RPI-X.
Até 1994, o parâmetro de eficiência foi fixado em 0, sendo revisado para 2 para o
período que estendeu até a liberalização do mercado residencial. No entanto, mesmo
competindo com outras empresas na atividade de comercialização para consumidores
residenciais, as RECs estiveram sujeitas a teto de preço nesse mercado até abril de 2002.
Um importante aspecto da regulação por price-cap é a qualidade do serviço, já
que a deterioração da qualidade pode ser uma forma da empresa regulada reduzir custos.
Preocupando com a qualidade do serviço, o regulador da I&PG instituiu um esquema de
incentivos para criar incentivos financeiros para incrementar a qualidade dos serviços de
empresas de distribuição em Abril de 2002.
72
O esquema de regulação de RPI-X obteve êxito em estimular a redução de
custos nas atividades de transmissão e distribuição. Segundo o regulador176, os custos
operativos da NGC em transmissão se reduziram em 30% desde 1990 e das REC’s se
reduziram em um quarto entre 1994/95 e 1997/98. No entanto, as recorrentes revisões e
a intensidade dos estudos efetuados pelo regulador para definir os parâmetros de
eficiência ilustram que o esquema de RPI-X envolve uma complexidade não
contemplada em sua formulação teórica e sua proposta de regulação “leve”.
Segundo Thomas (2000), a análise dos documentos desenvolvidos pelo
regulador no processo de revisão de preços demonstra que esse método de regulação
pouco se diferencia da regulação por taxa de retorno177. O autor sustenta que tanto a
tarefa do regulador - “determinar um nível de remuneração que seja alto o suficiente
para remunerar investimentos e baixo o suficiente para requerer que as empresas
aumentem substancialmente sua eficiência para manter margem de lucros”178, quanto os
requerimentos de informação continuam os mesmos entre as diferentes formas de
regulação. A efetividade das últimas depende de como são empregadas na prática. No
entanto, esta visão não considera os estímulos à eficiência, que são mais poderosos em
regimes de preço teto.
Adequação dos Investimentos
A adição de capacidade de geração após a reforma não foi um problema para o
caso da I&PG. Desde 1990, a construção de novas plantas de geração contribui para a
adição de 25 GW de capacidade de geração. Suficientes para compensar a retirada de 21
GW de capacidade, referente a plantas que encerraram operação no período.
Dois fatores exógenos contribuíram para reduzir as barreiras à entrada na
atividade de geração, a liberalização do uso do gás natural para a geração de
eletricidade179 e a difusão das plantas que utilizam turbinas alimentadas a gás natural em
176
Ofgem (2000a)
O autor aponta que diferença relevante entre os dois métodos é o tratamento das despesas de capital, já
que a regulação por incentivos avalia o plano de investimento para o futuro, enquanto que a regulação por
taxa de retorno avalia retrospectivamente os investimentos realizados. P. 11.
178
Thomas (2000). Na verdade, o incentivo à eficiência não advém do nível de remuneração, mas da
possibilidade da empresa regulada se apropriar, ao menos temporariamente, de seus ganhos de eficiência.
O objetivo de manter a remuneração baixa é propiciar o bem estar dos consumidores e não distorcer a
alocação de recursos.
179
Uma diretiva da Comunidade Européia orientava a utilização do gás natural para usos nobres. Esta
limitação foi retirada como resultado da descoberta de grandes reservas de gás natural na região.
177
73
ciclo combinado (CCGT). Ao permitir que plantas de menor porte, com menor custo de
capital e curto período de construção, essa tecnologia se somou ao pacote financeiro
formado por contratos de longo prazo que diminuíam sensivelmente os riscos de entrada
para produtores independentes. Newbery (1995) aponta que a existência de contratos de
15 anos para a venda de eletricidade e de mesma duração para a aquisição de gás natural
transforma a atividade de geração de eletricidade em um mercado contestável.
Além de funcionar como hedge contra flutuações do preço do Pool, este tipo de
contrato com produtores independentes eram vantajosos para as RECs para diminuir sua
dependência das empresas dominantes. Das 12 RECs, 11 assinaram contratos deste tipo,
detendo participação acionária nos projetos. Em 1996/97, esses contratos abrangiam 32
TWh, 11% da energia comercializada, com um preço médio de £ 38.4/MWh180.
Esses fatores foram determinantes para a rápida penetração do gás na matriz de
geração elétrica inglesa, movimento que é conhecido como ‘dash for gas’ (Figura
II.12). Do total de capacidade de geração adicionada após a reforma, 80% (22 GW)
provém de centrais CCGT. Esse tipo de planta que não existia antes da reforma
representa hoje 30% da capacidade de geração na I&PG (Figura II.13).
Figura II.12 Evolução da Capacidade de Geração desde a Reforma
(Entrada e Retirada181 Cumulativas em GW)
30
25
20
Outros
CCGT
15
Retirada
10
5
0
91/92 92/93 93/94 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/00 00/01 01/02
Fonte: NGC Seven Year Statement 2001/002
180
Offer (1998a)
A retirada de capacidade de geração resulta de plantas que são desconectadas do sistema de
transmissão, o que corresponde ao seu fechamento irreversível, e de plantas que são descomissionadas,
onde as plantas são fechadas, mas podem ser comissionadas novamente e voltarem a produzir.
181
74
Figura II.13 Capacidade de Geração por tipo de Planta na I&PG
Interconexão
6%
Outros
5%
Carvão
38%
CCGT
30%
OCGT
1%
Nuclear
16%
Oléo
combustível
4%
Capacidade Total : 65 GW
Fonte: Ofgem
Figura II.14 Previsão da Capacidade de Geração
Entrada e Retirada de Cumulativas Planejadas até 2008/09 (GW)
20
18
16
14
12
Outros
10
CCGT
8
Retirada
6
4
2
0
02/03
03/04
04/05
05/06
06/07
07/08
08/09
Fonte: NGC Seven Years Statement
Segundo o planejamento da NGC, as centrais CCGT continuarão sendo a
principal forma de entrada de nova capacidade de geração nos próximos anos (Figura
75
II.14)182. No horizonte de planejamento, a participação das centrais CCGT superará a de
carvão no ciclo 2003/04 e alcançará 45% da capacidade instalada na I&PG em 2008/09.
Mesmo considerando a quantidade de plantas que fecharam no período, o
crescimento da capacidade instalada foi suficiente para que a demanda fosse atendida
com uma margem de segurança adequada (Figura II.15). A margem do sistema era de
30% no momento da reforma e se reduziu para 25%, o que ainda é superior ao que a
NGC considera recomendável para o sistema elétrico da I&PG (20%). O ano mais
crítico foi o de 1996/97, quando a margem alcançou 19%.
Figura II.15 Capacidade Instalada e Demanda de Pico183 (GW)
70
65
60
55
Capacidade Instalada
Demanda de Pico
50
45
19
90
19 /91
91
19 /92
92
19 /93
93
19 /94
94
19 /95
95
19 /96
96
19 /97
97
19 /98
98
19 /99
99
20 /00
00
20 /01
01
/0
2
40
Fonte: NGC
Arranjos Institucionais
A adequação dos arranjos institucionais resultantes da reforma da I&PG pode ser
avaliada pela resposta dos agentes envolvidos, empresas do setor e governo.
Evidenciando que não consideravam os arranjos eficientes para executar transações, a
182
Os valores apresentados devem ser considerados com cautela. A projeção de entrada do Seven Years
Statement baseia-se em projetos com contratos de conexão com a rede de transmissão. No entanto, os
investidores podem declinar desses projetos. Já a previsão de retirada baseia-se em retiradas programas
(como descomissionamento de plantas nucleares), mas as plantas que encerram suas atividades
voluntariamente, motivadas por perspectivas financeiras não são consideradas, assim os números são
subestimados.
183
Corresponde a demanda potencial (demanda observada somada a gerenciamento de carga) de pico
corrigida pelas condições climáticas (ACS corrected peak demand). Esta correção envolve o
desenvolvimento de coeficientes de correlação entre condições climáticas e demanda potencial, criando
uma série padronizada para condições climáticas (Average Cold Spell - ACS). Os parágrafos 2.78 a 2.86
do NGC Seven Years Statement 2001/2002 descrevem a metodologia utilizada. (NGC, 2002)
76
opção dominante das empresas para transacionar energia foi através de contratos de
longo prazo e integração vertical. Ou seja, os custos de transação não eram compatíveis
com as características do mercado. Dos dez principais grupos atuando no sistema
elétrico da I&PG, cinco (Centrica, TXU Europe, Scottish Power, EDF, PowerGen e
Innogy) integraram verticalmente ativos de geração e de comercialização. A Tabela II.6
apresenta as empresas com propriedade de ativos de geração e comercialização.
Tabela II.6
Geradores e comercializadores sob propriedade comum
Geradores
EdF
PowerGen
Scottish Power
Innogy
Scotish & Southern
Comercializadores
London Electricity, SWEB, Seeboard
Eastern, Norweb Energy, East Midlands
Electricity
Manweb
Midland Electricity, Yorkshire, Northern
Southern Electricity, Swalec, Scotish
Hydro
Fonte: Elaboração própria
Ao realizar a reforma, as autoridades da I&PG assumiam que as decisões
relevantes seriam tomadas de forma descentralizada através do mercado, restando ao
regulador um papel complementar. No entanto, não foi isso que se observou. As
intervenções do regulador foram contínuas, principalmente para enfrentar o problema de
poder de mercado.
Desde 1992, as autoridades decidiram intervir para reduzir a participação de
mercado das empresas dominantes, National Power e PowerGen. Considerando a
possibilidade do regulador de recorrer ao MMC, que poderia recomendar modificações
estruturais mais drásticas, as empresas concordaram em se desfazer de parte relevante
da capacidade de geração, (National Power - 4 GW e PowerGen - 2 GW) no prazo de
dois anos e na imposição de um preço limite no Pool nos anos 1994/95 e 1995/96. Para
atender a essa condição a National Power e a PowerGen cederam, respectivamente, 3 e
2 plantas à Eastern em aluguel (lease). Os termos do aluguel incluíam uma taxa
proporcional à produção de £ 6/MWh, o que aumentava o custo marginal da empresa e
acabava por assegurar que esta não competiria em preços com a National Power e a
PowerGen.
77
Em 1998/99, o regulador negociou outras vendas de plantas das empresas
dominantes para diminuir a concentração de mercado como contra-partida da permissão
das empresas integrarem verticalmente suas atividades de geração com empresas de
comercialização184. Como resultado, a PowerGen vendeu duas planta somando 3916
MW à Edison Mission Energy, em Julho de 1999, e à National Power uma planta de
3870 MW a AES em Novembro de 1999. Como parte do acordo, o aluguel com a
Eastern foi revertido em venda.
Preocupado com a rápida penetração do gás natural na matriz de geração
britânica, e seus efeitos sobre a indústria nacional de carvão e com a segurança do
abastecimento, o Departamento de Comércio e Indústria (DTI) impôs uma moratória na
concessão de licenças para a construção de centrais CCGT. No entanto, por considerar a
entrada de plantas CCGT a principal fonte de pressões competitivas na indústria, o
Ofgem se opôs a essa política, que foi abandonada em Novembro de 1999185.
Mais recentemente, o regulador tentou introduzir uma cláusula de abuso de
mercado nas licenças de geração para limitar o exercício de poder de mercado. No
entanto, duas empresas, British Energy e AES, não aceitaram essa modificação em suas
licenças de geração e o caso foi encaminhado à Comissão de Concorrência. Essa
concluiu que a cláusula não era necessária e o Ofgem acabou por eliminá-la, mesmo
para os geradores que haviam a aceitado.
O ponto final da série de intervenções do regulador foi a introdução do NETA,
que substitui o Pool como ambiente para a comercialização de energia.
NETA
As discussões sobre o Novo Acordo para o Comércio de Energia (New Energy
Trade Agreement - NETA) se iniciaram em 1997 com a solicitação do Ministro de
Ciência, Energia e Indústria ao regulador de uma análise do funcionamento do Pool e de
maneiras de melhorar sua performance. Após a discussão das propostas, o Regulador
184
A PowerGen adquiriu o negócio de comercialização a varejo da East Midlands em Julho de 1998 e a
National Power da Midlands Electricity Board (MEB) em Junho de 1999.
185
Como a moratória não se aplicava a plantas em construção ou com licenças já conferidas, seu impacto
foi apenas o adiamento de alguns projetos.
78
publicou um documento que explicava o funcionamento das novas regras de
mercado186.
Este documento expõe as razões para a substituição do Pool187:
1. Evolução dos preços no Pool não acompanhou a dos custos. Ao
possibilitar que todos os geradores recebessem um preço uniforme, as
regras do Pool facilitaram o exercício de poder de mercado.
2. Preços elevados provocaram entrada excessiva, especialmente de centrais
CCGT.
3. O encargo de capacidade não ofereceu sinais de curto prazo para
adequações da oferta e demanda de eletricidade que refletissem as
modificações na margem de geração. Na verdade, esse mecanismo
acabou criando mais oportunidades para os geradores dominantes
manipularem o mercado e auferir rendas extraordinárias. Por prover
incentivos à retenção de capacidade (declaração de indisponibilidade de
plantas), agravou os problemas de poder de mercado.
4. Geradores não arcavam inteiramente com os custos decorrente de
modificações na disponibilidade das unidades de geração. Quando um
gerador incluído na programação declarava indisponibilidade, um sobrecusto era gerado para o sistema, pois a NGC teria de despachar centrais
fora da ordem de mérito e/ou utilizar a reserva operacional. Este
problema se tornou particularmente grave com a convergência entre os
mercados de eletricidade e gás natural, já que as geradoras declaravam
indisponibilidade quando o preço do gás natural era elevado.
5. Rigidez nos arranjos de governança impediu modificações que
refletissem o interesse dos agentes envolvidos.
Assim, partindo da percepção de que as regras do mercado atacadista tinham
grande responsabilidade sobre sua performance, o regulador da I&PG, em conjunto com
o Departamento de Comércio e Indústria, decidiu reformar inteiramente as regras de
mercado e, em março de 2001, o Pool foi substituído pelo NETA.
186
187
Ofgem (1999).
Competition Commission (2000).
79
No NETA, os contratos bilaterais entre geradores e comercializadores
constituem a forma principal de negociar eletricidade. A idéia básica do modelo é
conferir liberdade aos negócios de eletricidade, possibilitando que esses sejam similares
aos de outras commodities, mas mantendo mecanismos de coordenação que garantam a
qualidade e segurança do abastecimento. Assim, os agentes se engajam nos diversos
tipos de negócios oferecidos188 conforme suas preferências. Alguns preferem contratar
eletricidade com anos de antecedência, através de contratos forward ou mecanismos
financeiros (por exemplo, swaps e opções), e outros preferirão transacionar perto do
momento da operação, sendo que a maioria deverá combinar tais tipos de contratos.
O mercado de curto prazo serve como uma forma de ajustar as posições
adquiridas nos contratos bilaterais. Nas bolsas de energia (Power Exchange), os
participantes negociam anonimamente durante as 24 horas do dia. Três bolsas de
energia operavam desde a introdução do NETA: UK Power Exchange (UKPX), UK
Automated Power Exchange (UKAPX) e International Petroleum Exchange (IPE)189. A
primeira é a mais importante em termos de volume negociado. Os preços de seus
contratos spot para cada meia hora (do dia corrente e do dia seguinte) da UKPX são
encarados como o preço spot na I&PG.
Adicionalmente, várias empresas de comercialização (Brokerage Houses)
adicionaram a eletricidade em seu portfólio de produtos financeiros oferecidos em
plataformas de internet (como Spectron Platform e ICE platform) e foram criados dois
mercados eletrônicos (EnronOnline e DynegyDirect). Enquanto que o primeiro tipo tem
apresentado liquidez crescente, o segundo foi descontinuado. O EnronOnline era
utilizado bastante até que os problemas financeiros da empresa o inviabilizasse e a
Dinegy anunciou o encerramento de seu mercado eletrônico em junho de 2002.
Os agentes devem notificar sua posição contratual até 3:30 horas190 antes do
despacho (Gate Closure). Então, o NGC opera o mecanismo de balanço que acerta as
posições contratuais às observadas.
188
Em 2001/02, foram oferecidos 341 tipos de contratos over-the-counter, que envolveram 962 GW no
total. Os tipos mais comuns são os contratos para o dia seguinte de carga de base (225 GW) e pico (76,5
GW), estação seguinte (7,2 GW) e três estações seguintes (21,3 GW) (Ofgem, 2002a). Antes do NETA,
foi desenvolvido um arranjo genérico (Grid Trade Master Agreement) que consiste em um arcabouço
para as negociações bilaterais.
189
A IPE deixou de oferecer contratos para eletricidade desde abril de 2002.
190
Desde Julho de 2002, o Gate Closure passou a ocorrer 1 horas antes do real time.
80
A idéia do mecanismo de balanço é penalizar os agentes que não contratarem
eficientemente. Após o despacho, o operador compara os valores observados de oferta e
demanda com as posições de contrato, verificando os “desequilíbrios” para cada
participante. Comercializadores sobre-contratados e geradores sub-contratados,
respectivamente, colocam mais e retiram menos energia no sistema do que contrataram,
recebendo um preço inferior (System Sell Price-SSP) ao que receberiam se suas
posições estivessem equilibradas. Comercializadores sub-contratados e geradores sobrecontratados, respectivamente, retiram mais e colocam menos energia do sistema do que
contrataram, pagando um preço maior (System Buy Price-SBP) do que pagariam se suas
posições estivessem equilibradas. Assim, os causadores dos desequilíbrios devem arcar
com os custos incorridos pelo operador de instruir geradores e comercializadores a
modificar suas decisões de produção e consumo em curto espaço de tempo.
A Figura II.16 apresenta a evolução do preço spot do UKPX, do SSP e do SBP
durante o primeiro ano de funcionamento do NETA. Inicialmente, havia uma grande
discrepância entre o SBP e o SSP, que se reduziu ao longo do tempo. No primeiro mês,
a diferença média de preços foi de £ 70/MWh, e em março de 2002 foi de £ 22/MWh.
Segundo Ofgem (2002a), a redução foi determinada pelo aprendizado dos agentes e
pelas mudanças no método de cálculo dos preços do mercado de balanço191. O primeiro
ano de funcionamento do NETA demonstra que os agentes evitam recorrer ao
mecanismo de balanço. Os volumes de desequilíbrio representam somente 2,7% da
demanda total. Para não ficarem expostos a SBP elevados, os comercializadores e
geradores tendem, respectivamente, a contratar mais que o necessário e reservar parte da
capacidade das plantas para compensar eventuais falhas192.
O risco de exposição ao SBP também eliminou o incentivo para geradores
mudarem sua declaração de disponibilidade, como ocorria no Pool. No primeiro anode
vigência do NETA a indisponibilidade das plantas foi reduzida em 8% em relação ao
último ano do Pool.
191
Durante o ano, várias modificações foram efetuadas para distinguir as ações que são tomadas para
ajustar oferta e demanda (ações para balancear eletricidade) e as que são tomadas para contornar
restrições de transmissão ou para manter a segurança e qualidade do sistema (ações para balancear o
sistema). Como as primeiras resultam diretamente de ações de comercializadores e geradores (p. e. erros
de previsão e falhas operativas), estas devem ser cobertas pelo mercado de balanço. No entanto, as
últimas devem ser custeadas por taxas de transmissão.
192
Este comportamento diminui a necessidade da NGC manter energia de reserva.
81
Figura II.16 Evolução do Preço Spot do UKPX, do SSP e SBP (2001/02)
SBP
UKPX
SSP
Fonte: Ofgem (2002a), figura 6.5 p. 73.
Os preços spot têm observado tendência de redução desde 1998. Segundo
Ofgem (2002a), a implantação do NETA foi responsável por esse fenômeno. Ainda
durante a vigência do Pool, o preço spot teria diminuído em função dos agentes
anteciparem o funcionamento do NETA e ajustarem seu comportamento às novas
regras. Essa tendência continuou após a substituição do Pool, considerando o preço do
UKPX. Assim, o preço spot diminuiu 40% desde o anúncio do NETA.
No entanto, existe um debate se a redução recente dos preços spot deve-se à
modificação dos mecanismos de mercado ou à alteração da estrutura de mercado. Green
(1999) sustenta que o Pool gera sinais corretos para a coordenação e os problemas
resultam da estrutura da indústria. Bower (2002) utiliza uma análise estatística para
medir a significância e quantificar o impacto das principais intervenções regulatórias. O
autor aponta que o principal determinante da redução de preços foi a intervenção do
regulador forçando as empresas dominantes a se desfazerem de plantas alimentadas a
carvão. Segundo o autor, “a introdução do NETA foi desnecessária e um desperdício de
recursos, já que não restringiu poder de mercado ou reduziu preços”193. Evans e Green
(2002), apontam que há uma forte redução das margens de preço seis meses antes da
193
Bower (2002), p 53.
82
implantação do NETA. Isso poderia indicar que o conluio tácito entre geradores teria
sido rompido, em função da antecipação da mudança de regras194.
As análises do desempenho da reforma inglesa enfatizam exageradamente a
evolução do preço spot, mas a maior parte das transações não ocorre no mercado spot.
Também é um equívoco comparar o preço do Pool com o do UKPX, pois estes não são
compatíveis. Enquanto o Pool era compulsório, com seu preço muito influenciado pelas
estratégias contratuais, o UKPX é voluntário, sendo seu preço formado por geradores e
comercializadores que efetivamente desejam transacionar energia no curto prazo, não
ocorrendo distorções.
Conclusão
A experiência de reforma do setor elétrico da I&PG teve grande importância
pelos seu pioneirismo e por sua influência. Mas a experiência não esteve livre de
problemas.
A questão mais crítica enfrentada foi o poder de mercado das empresas
dominantes. A escolha de uma estrutura concentrada como ponto de partida da reforma
reverteu-se em um equívoco custoso. O preço da eletricidade não acompanhou a
evolução cadente dos custos e para corrigir essa situação foi necessária contínua
intervenção do regulador, que teve um papel muito mais presente que o previsto.
No entanto, ao contrário de outras experiências a Inglaterra e o País de Gales não
enfrentaram problemas de carência investimentos. A adição de capacidade permitiu a
manutenção de margens adequadas de segurança do abastecimento mesmo com o
fechamento representativos de plantas. A disponibilidade de gás natural, a difusão da
tecnologia CCGT e os contratos de longo prazo que mitigavam o riscos dos projetos
foram determinantes desse movimento.
194
Os autores apresentam os resultados estatísticos da regressão que tem como variável dependente o
Índice de Lerner e como variáveis independentes indicadores de concentração e razão entre demanda e
capacidade e a implantação do NETA é incorporada por uma variável dummy em duas situações: estática
e dinâmica. Na primeira, a variável dummy assume valores zero para o intervalo anterior a implantação
do NETA (Abril de 2001) e 1 após. Esta análise chega a resultados semelhantes ao de Bower (2002), pois
o poder explicativo do da implantação do NETA não é relevante, sendo as variáveis estruturais que
determinam a evolução das margens. A análise dinâmica considera que os agentes anteciparam a criação
do NETA, assim a variável dummy assume valor 1 desde outubro de 2000. Nessa situação, que conta com
maior precisão, a implantação do NETA passa a ser determinante, enquanto as demais variáveis se tornam
irrelevantes para explicar a evolução das margens.
83
Parte relevante da literatura analisa negativamente os impactos da reforma
inglesa. Newbery e Pollitt (1997) apontam que os maiores benefícios no período
resultaram de fatores exógenos. Sendo que as empresas do setor foram as grandes
beneficiárias da reforma, já que os ganhos de eficiência produtiva reverteram-se em
maiores lucros, com limitados benefícios aos consumidores. No entanto, a evolução
recente, notadamente a redução de preços após 1998, não é considerada nessas análises.
De modo geral, a experiência da I&PG foi positiva. No entanto, a obtenção de
seus objetivos foi muito mais complexa do que era assumido a priori. Para que os
benefícios da reforma chegassem aos consumidores foram necessários a interferência de
regulador e a contínua mudança das regras.
Existem alguns pontos críticos que o setor elétrico da I&PG deve enfrentar no
futuro relacionados à segurança do abastecimento. Como foi apresentado, o Pool teve
sucesso na promoção de investimentos, mas a mudança das regras de mercado podem
ameaçar esta dinâmica.
Green (2002a) aponta que a liberalização do mercado de varejo pode ter
impactos negativos ao desestimular a negociação de contratos de longo prazo. O
mercado cativo permitia o repasse de custos de aquisição de energia para os
consumidores finais. As PES podiam contratar no longo prazo energia no atacado sem
correr o risco de que o preço da energia contratada não sejam competitivos no futuro195.
Com a liberalização, as empresas devem assumir esse risco. Como os investimentos
geração são em geral, viabilizados por contratos de longo prazo, esses, segundo o autor,
tendem a ser desestimulados. No entanto, a alocação compulsória dos riscos nos
consumidores cativos é uma forma ineficiente de atender o objetivo de alcançar a
segurança do abastecimento, como os elevados preços de contratos entre PES e
geradores independentes observados antes da liberalização indicam. Se os consumidores
acreditam que o preço da energia contratada será atraente no futuro, esses demandariam
contratos de longo prazo.
A eliminação do encargo de capacidade pode agravar do problema. Como foi
destacado, este não funcionou corretamente durante a vigência do Pool. Mas ao eliminálo, sem substituí-lo por outro tipo de remuneração específica à capacidade, o sistema
elétrico da I&PG pode ficar sujeito a carência de investimentos.
195
Esse risco é repassado ao consumidor que adquirirá compulsoriamente a energia mais cara que a de
alternativas.
84
Outro problema potencial é a excessiva dependência da matriz de geração em
relação ao gás natural. As centrais CCGT se tornaram a trajetória tecnológica
dominante, representando quase a totalidade das adições de capacidade desde o início
da reforma. O Departamento de Indústria e Comércio lançou recentemente um relatório
apresentando as principais preocupações para a política energética (DTI, 2002), no qual
esse assunto é uma prioridade. O problema da energia nuclear também é
particularmente relevante, pois as empresas têm enfrentado dificuldades financeiras em
decorrência da queda do preço da eletricidade e das novas regras, que penalizam
centrais que não têm flexibilidade de produção. O relatório aponta que é salutar não
comprometer trajetórias tecnológicas, pois isso pode se traduzir em redução da
segurança de abastecimento.
85
II.3.
Países Nórdicos196
A segunda experiência de reforma analisada na tese envolve o conjunto de
países que participam de um mercado comum para negociar eletricidade, o Nord Pool.
O Nord Pool é o primeiro mercado multinacional de eletricidade e compreende
Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca. A sua origem ocorreu com a criação do
mercado nacional na Noruega em 1991197. Ao agregar a Suécia, em 1996, se tornou um
mercado internacional. Seguiram-se Finlândia (1998), Oeste da Dinamarca (1999) e
Leste da Dinamarca (2000).
As reformas do setor elétrico nos países nórdicos seguiram diretrizes comuns:
desverticalização e criação de empresas independentes para a operação da rede;
manutenção do regime de propriedade e liberalização da geração e comercialização. O
anexo II descreve as experiências de cada país.
II.3.1. Nord Pool
A constituição de um mercado internacional de eletricidade foi essencial para o
sucesso da reforma nos países nórdicos. A ampliação do mercado multiplicou o número
de concorrentes, restringindo o poder de mercado de empresas de geração dominantes
no mercado interno e contribui para a segurança do abastecimento. O Nord Pool é
freqüentemente apontado como o mercado de eletricidade onde as geradoras encontram
menor espaço para exercerem poder de mercado (Hjalmarsson, 2000; Herguera, 2000; e
Tennbakk, 2000). O êxito do Nord Pool o tornou um modelo para o desenvolvimento de
mercados elétricos. O NETA tem claras inspirações no modelo nórdico.
Além de intensificar a competição, o Nord Pool possibilitou o aproveitamento
das complementaridades entre os parques de geração dos países que o constituem. Os
parques geradores têm estruturas distintas, contribuindo para que a participação das
fontes seja equilibrada no agregado. (Figura II.17).
196
Apesar de utilizar o termo países nórdicos, a apresentação aborda apenas os países que fazem parte
Nord Pool. Portanto, a Islândia, que forma o conjunto dos países nórdicos, não faz parte da análise.
197
Como será tratado após, uma bolsa de energia elétrica operava na Noruega desde 1971, onde só
participavam geradores.
86
Figura II.17 Estrutura da Geração de Eletricidade – 2001 (TWh)198
450
400
350
Renovável
Nuclear
Térmica
Hidro
300
250
200
150
100
50
0
Suécia
Noruega
Finlândia
Dinamarca
Total
Fonte: Nord Pool
A maioria dos recursos hídricos está localizada ao Norte (concentrada na
Noruega e Suécia) e as termelétricas ao Sul. Em períodos de hidrologia favorável
(reservatórios cheios), o Norte transfere energia para o Sul. Quando a hidrologia é
desfavorável, o Sul exporta energia para o Norte. Nesses últimos períodos, o preço no
mercado spot alcança valores mais elevados.
A participação no Nord Pool não é compulsória. Geradores e comercializadores
também podem transacionar energia através de contratos bilaterais. Os contratos
representam a maior parte da energia transacionada, mas a parcela realizada no Nord
Pool tem aumentado constantemente (Tabela II.7). Em 1996, apenas 10% do total da
energia era transacionada através do mercado ‘spot’. Atualmente, esta proporção é
próxima a 30%.
O Nord Pool contém cinco mercados distintos: três mercados físicos (Elspot,
Elbas e o mercado de balanço) e dois mercados financeiros (Eltermin e Eloption). O
Nord Pool também administra um mecanismo de clearing (NEC). A Tabela II.7
apresenta o volume negociado através do Nord Pool.
198
Térmica corresponde à geração térmica convencional e cogeração.
87
Tabela II.7
Elspot
Mercados Financeiros
Balanço
Volume Negociado
Clearing (OTC)
Total
Fonte: Nord Pool
Volume negociado no Nord Pool (TWh)
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
10,2
2,6
5,6
18,4
18,4
14,8
7,1
6,1
28
28
20
15,4
5,5
40,9
40,9
40,6
42,6
5,9
89,1
89,1
43,6
53
96,6
147,3
243,9
56,3
89,1
145,4
373,4
518,8
75,4
215,9
291,3
683,6
974,9
2000
2001
96,2
111,9
358,9 909,9
452,1 1.021,8
1159,5 1747,6
1611,6 2769,4
O preço spot é formado no mercado Elspot através da interação entre lances
(bids) de oferta e de demanda. Os lances são efetuados para cada hora do dia seguinte,
mas lances semanais ou para determinados dias podem ser efetuados.
O primeiro passo para o estabelecimento do preço spot é a determinação do
preço do sistema. Este é formado pela interação entre oferta e demanda agregadas de
todos os países componentes, desconsiderando as restrições de transmissão. Ou seja, os
lances de todos participantes são agrupados nas curvas de oferta e demanda e o ponto de
intersecção das curvas determina o preço de equilíbrio.
O Nord Pool é dividido em áreas de preço (bidding areas). Finlândia e Suécia
formam uma área cada, Dinamarca duas e a Noruega pode ser dividida em várias áreas
quando ocorrem restrições de transmissão internas ao país.
A Figura II.18 ilustra o mecanismo de ajuste. Considerando um equilíbrio inicial
em que os mercados são independentes (restrição total de transmissão), o preço (Pcap=0)
é menor no mercado com excedente e maior no mercado com déficit. Com o
intercâmbio entre mercados, a curva de demanda do mercado com excedente se desloca
para direita (representando a demanda advinda da outra área), ocorrendo o mesmo com
a curva de oferta do mercado com déficit (representando a adição de oferta originária da
área com excedente). O preço na área com excedente se eleva de Pcap=0 para Pe e o preço
na área com déficit se reduz de Pcap=0 para Pd. A dimensão do deslocamento é
determinada pela capacidade de transmissão entre as áreas. Se não houver restrições de
transmissão os preços nas áreas se igualam ao preço do sistema.
88
Figura II.18 – Fluxo entre áreas de preço
Mercado com Excedente
Preço
Mercado em Déficit
Oferta
Preço
Cap
Cap
Oferta
Pcap=0
Pe
Pcap=0
Pd
Demanda
Demanda
Quantidade
Quantidade
Fonte: Elaboração própria
Assim, as áreas podem contar com preços distintos em função de restrições de
transmissão que não permitem a execução da totalidade de transações necessárias para
formar o equilíbrio de mercado na formação do preço do sistema. A diferença entre o
preço da área e o preço do sistema forma o encargo de congestão199.
Quando não ocorrem restrições de transmissão, os preços são os mesmos em
todas áreas e o encargo de congestão é nulo. Em situações de restrição, o preço na área
com excedente de energia (Pe) é menor que o preço do sistema (Ps) e o preço na área
com déficit (Pd) é maior, na medida do encargo de congestão (Figura II.19). Esse
estimula o aumento da demanda e a redução da oferta na área com excedente e a
diminuição da demanda e a elevação da oferta na área em déficit. Assim, os
mecanismos de mercado ajustam o fluxo de energia ao limite de capacidade de
transmissão entre áreas.
199
Os documentos do Nord Pool denominam esse diferencial de encargo de capacidade (capacity charge).
No entanto, como sua natureza é bastante diferente do encargo de capacidade inglês, que remunera a
capacidade de geração enquanto o nórdico remunera a capacidade de transmissão, esse será tratado como
encargo de congestão.
89
Figura II.19 Encargo de Congestão
Preço
Pd
Encargo de congestão:
Pd – P s
Ps
Encargo de congestão:
Ps – P e
Pe
Área c/ Área
c/
déficit excedente
Fonte: Elaboração própria
Quando existem restrições de transmissão, os contratos bilaterais entre
participantes de áreas diferentes podem dar origem a renda (excedente financeiro) em
função da diferença de preços entre áreas. Nos países nórdicos, normalmente é o
ofertante que é responsável por garantir a energia, e quando há restrição este atua como
demandante na área de entrega da energia. Se o ofertante se localiza em uma área em
déficit (preço superior), ele terá uma renda adicional (Pd – Pe) por MWh. Mas se ele se
localiza em uma área de preço inferior, ele arcará com um custo adicional (Pd – Pe) por
MWh.
No Elspot, os lances são efetuados no dia anterior ao despacho, existindo um
prazo mínimo de 12 horas entre o lance e a execução da transação. O mercado Elbas é
um mercado de ajustamento para a Suécia e Finlândia, que fornece a possibilidade de
negociar energia mais próximo do momento da entrega. Geradores termelétricos
negociam contratos continuamente para cada hora até duas horas antes da entrega. O
Elbas foi criado em março de 1999 e sua expansão para os outros países está sendo
estudada.
Mesmo com essas possibilidades, é inevitável que ocorram flutuações não
previstas de oferta e demanda fazendo-se necessário realizar um ajuste para propiciar o
equilíbrio em tempo real. Geralmente, os países que reformam a indústria elétrica optam
por realizar o ajuste de forma centralizada, como ocorria no Pool inglês, por exemplo.
Nos países nórdicos, a opção foi a criação de um mercado em tempo real para realizar
este ajuste.
90
Nesse mercado, participam os demandantes e ofertantes que podem modificar
sua produção ou consumo rapidamente para que o equilíbrio do sistema seja recuperado.
Se um gerador produz menos ou um demandante consome mais do que o acordado no
mercado, ocorre uma situação de excesso de demanda e é necessário re-equilibrar o
sistema.
No mercado em tempo real, são formadas duas curvas. A curva de ajuste para
mais (upward regulation) é formada por lances que definem o preço necessário para
geradores aumentarem a quantidade gerada e de consumidores para reduzir a quantidade
consumida. Esses lances serão iguais ou superiores ao preço spot. A curva de ajuste para
menos (downward regulation) é formada por lances das remunerações requeridas para
reduzir a quantidade gerada ou aumentar o consumo. Esses lances serão iguais ou
inferiores ao preço spot. Assim, quando é necessário aumentar a quantidade de energia
no sistema, o operador escolhe os lances de ajuste para mais em ordem de mérito, i.e. os
lances mais baratos da curva de ajuste para mais são escolhidos primeiro. Se é
necessário reduzir a quantidade de energia no sistema, o operador escolhe os lances
mais elevados da curva de ajuste para menos.
O esquema para definir o preço do mercado de tempo real é distinto entre os
países. Na Noruega, há um único preço para cada hora, que é definido pelo preço da
última oferta aceita pelo operador do sistema. Quando são necessários ajustes para mais
e para menos dentro da mesma hora200, os preços são calculados segundo regras préacordadas. Em horas que não há ajuste, o preço do mercado de tempo real é igual ao
preço spot.
Nos demais países são definidos preços distintos do mercado em tempo real para
o ajuste para menos e para mais cada hora. Nas horas em que só ocorre ajuste para mais,
o preço do ajuste para mais é definido pela última unidade acionada e o do ajuste para
menos é igual ao preço spot. Nas horas em que ocorre apenas ajuste para menos, o preço
do ajuste para mais é igual ao do mercado spot e o do ajuste para menos é igual ao da
última unidade acionada. Quando ocorrem ambos ajustes, o preço será definido pelo
maior volume de ajuste tanto para cima quanto para baixo. Quando não ocorrem ajustes,
o preço do mercado em tempo real é igual ao do mercado spot201.
200
Ao longo de uma hora pode haver momentos em que o operador realiza ajuste para menos e momentos
em que realiza ajuste para mais.
201
Skytte (1999) analisa o funcionamento do mercado de balanço nórdico, focando a relação de seu
preço com o do mercado spot. O autor aponta que o relacionamento é distinto para situações de excesso
91
Após a operação, são comparados os volumes cobertos por contratos bilaterais e
por negócios no mercado spot com aqueles efetivamente observados. Os preços do
mercado de tempo real são aplicados aos volumes não cobertos por contratos. Em
função da diferença de metodologia, os incentivos para contratar eficientemente são
mais fracos na Noruega do que nos outros países. Por exemplo, na Noruega, aqueles
participantes que efetivamente retiram mais energia do sistema do que contrataram
(geradores que produzem menos ou consumidores que demandam mais do que
contrataram) em horas em que o sistema teve ajuste para menos202 terão um ganho, pois
o preço no mercado real será menor que o do mercado spot. Nos outros países, esses não
teriam ganhos, pois os preços seriam iguais. Assim, agentes podem ter estratégias de
não equilibrarem suas posições na Noruega, mas não nos demais países.
O desenvolvimento dos mercados financeiros cria novas oportunidades de
negócio e oferece ferramentas para os participantes gerenciarem seu risco. Os mercados
Eltermin e Eloption oferecem mecanismos de proteção para as transações no Nord Pool.
Também são negociados contratos financeiros padronizados fora do Nord Pool,
denominados de ‘over-the-counter’ (OTC). Através de mecanismos financeiros, são
negociados cerca de cinco vezes a quantidade de energia do mercado spot (Mork, 2001).
O Eltermin negocia dois tipos principais de contratos: futuros e forward. A
diferença entre os tipos de contrato é o modo de liquidação. No mercado de futuros, o
portfólio de contratos de cada participante é calculado diariamente, refletindo as
modificações de preço que são liquidadas financeiramente entre comprador e vendedor.
Desta forma, as perdas e ganhos são identificadas rapidamente pelo gestor do portfólio.
Nos contatos forward, não há liquidação financeira até o início do período de
entrega. A liquidação forward acumula lucros e prejuízos não realizados para liquidálos no momento de entrega.
de demanda, quando ocorre ajuste para mais, e de oferta, quando ocorre ajuste para menos. Existem dois
componentes que formam a diferença. O primeiro é o prêmio pela prontidão, ou seja, a remuneração
necessária para que os agentes modifiquem sua oferta/demanda com tempo curto de aviso, que independe
da quantidade de energia envolvida no ajuste. O autor aponta que o prêmio pela prontidão é mais
influenciado pelo preço spot em momentos de ajuste para menos do que em ajuste para mais. O segundo
componente depende do volume necessário de ajuste, consistindo uma função quadrática do último. O
volume do ajuste tem influência maior no preço do balanço quando ocorre ajuste para mais. Essa
assimetria pode estimular agentes a comportarem estrategicamente.
202
O desequilíbrio do sistema é o somatório dos desequilíbrios individuais, que podem ter sentidos
contrários do desequilíbrio agregado. Em momentos em que o operador realiza ajustes para mais para
equilibrar o sistema, há agentes que estão desequilibrados em sentido contrário. Ou seja, que colocaram
mais ou que retiraram menos energia do sistema que contrataram (no spot e em contratos) e necessitam
realizar ajuste para menos.
92
O Eloption é um mercado de opções criado em 1999. A opção é um derivativo
que é indicado para mercados que apresentam elevada volatilidade de preço,
constituindo uma operação de hedge contra elevações ou quedas de preço. As opções
negociadas no Nord Pool são padronizadas para aumentar a liquidez. Existem dois tipos
de opções: estilo europeu, que utiliza como instrumento contratos forward, e de estilo
asiático, onde a liquidação depende do preço de sistema do mercado spot.
O Nordic Electricity Clearing (NEC) realiza o clearing de todos os contratos do
Nord Pool. Com o clearing, o Nord Pool garante a liquidação e a entrega correta em
contratos físicos e financeiros, reduzindo o risco dos participantes, o que é fundamental
para o funcionamento eficiente do mercado. O mecanismo tem como foco os contratos
bilaterais, apesar de também se aplicar ao mercado spot. Cerca de 80% de todos os
contratos são cleared através do NEC.
II.3.2. Resultados
Eficiência Alocativa
A manutenção dos preços de eletricidade em níveis baixos era considerada o
principal elemento do sucesso da reforma dos países nórdicos. Depois de uma
elevação dos preços em seu início de funcionamento, quando a média mensal do
preço do sistema alcançou US$ 50,00/MWh, o preço vinha se mantendo próximo a
US$ 20,00/MWh até o final de 2002 (Figura II.20).
Figura II.20 Evolução do preço do sistema - US$ (2003)/MWh
80
70
60
50
40
30
20
10
jan/03
set/02
mai/02
jan/02
set/01
mai/01
jan/01
set/00
mai/00
jan/00
set/99
mai/99
jan/99
set/98
mai/98
jan/98
set/97
mai/97
jan/97
set/96
mai/96
jan/96
0
Fonte: Nord Pool
93
Apesar da sistemática de cobrança de encargos de congestão, os preços não
são muito distintos entre áreas (Tabela II.8). Ou seja, não existem restrições de
transmissão suficientes para criar diferenças substancias de preço. Segundo a IEA
(1999), somente 17% da capacidade de transmissão dos interconectores do Nord Pool
era utilizada na média. Durante 2001, os países nórdicos formaram uma única ‘área
de preço’ em 52% do período e em somente 20% do período o mercado foi operado
com mais de duas áreas203.
Tabela II.8
Evolução dos preços anuais médios nas ‘áreas de preços’
US$ (2003)/MWh
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Oslo Bergen
35.94 35.98
19.24 17.92
16.22 14.85
15.29 13.25
13.68 10.74
26.03 20.46
27.79 25.03
Trondheim Tromsø Suécia Finlândia DK-Oeste DK-Leste Sistema
35.41
35.17 35.09
35.51
16.85
17.35 17.35
17.61
14.33
14.37 14.13
14.38
14.38
14.50
14.50 13.72
13.79
13.60
11.14
11.07 12.68
13.26
14.62
11.35
20.79
20.75 20.26
20.24
21.03
20.87
20.52
25.24
25.24 26.01
25.70
24.05
26.94
25.35
Nota: Oslo, Bergen, Trondheim e Tromsø são áreas de preço internas à Noruega.
Fonte: Nord Pool
A evolução dos preços no Nord Pool até 2002 refletia o limitado exercício de
poder de mercado em sua formação. Nos países que formam o mercado nórdico,
atuam centenas de empresas elétricas. Ainda que internamente a cada país algumas
empresas tenham posições dominantes (consultar anexo II), estas perdem relevância
quando considerado o conjunto. A Vatenfall, que representa metade do mercado
sueco, tem participação inferior a 20% no mercado nórdico (Figura II.21). Desta
forma, as empresas não teriam condições de exercer poder de mercado.
203
As divisões mais comuns são a separação do Centro e Norte da Noruega do resto da região (com
ocorrência de 11% do ano) e a separação do Oeste da Dinamarca (10% do ano). Copenhagen Economics
(2002).
94
Figura II.21 Participação de mercado nos Países Nórdicos
(razão da capacidade de instalada das empresas e total)
Vattenfall
19%
SydKraft
5%
Elsam
4%
Energi E2
5%
Fortum
13%
TXU
1%
Graninge
1%
Statkraft
11%
Norsk Hydro
2%
Outros
39%
Fonte: CERA (2002)
Uma preocupação recente é o movimento de aquisição de propriedade cruzada
em empresas de geração nos países nórdicos. As maiores geradoras têm adquirido
participações minoritárias de outras empresas de geração. A norueguesa Statkraft
adquiriu 45% da Agder Energi, do mesmo país204, e 17% da sueca Sydkraft, que por
sua vez adquiriu 20% da Graninge, do mesmo país. Ainda na Suécia, Stockholm
Energi e Gullspång se fundiram para formar a Birka Energi. Amundsen e Bergman
(2002) apontam que a participação cruzada, apesar de não combatidas pelas
autoridades de proteção a concorrência, tende a elevar a concentração de mercado e
os preços da eletricidade. Johsen (2003) destaca que apesar do mercado norueguês
não apresentar sinais de poder de mercado atualmente, a concentração pode acarretar
em preços mais elevados no futuro.
Um relatório do CERA (2002) analisa o poder de mercado nos países
nórdicos. Desconsiderando as restrições de transmissão, o Índice de Herfidahl (HHI)
é de 737 para o conjunto dos países nórdicos, um valor bastante baixo,
principalmente para o setor elétrico. O relatório desenvolve uma medida de poder de
mercado que considera as características do setor elétrico nos países nórdicos: grande
participação da geração hidrelétrica, participação cruzada na geração e restrições de
204
Inicialmente, a Autoridade de Competição não aprovou a aquisição, mas Ministro do Trabalho e
Administração Pública, que é a última instância nesses casos, sujeitou a aquisição à venda das
95
transmissão entre áreas de preço. O resultado final da análise, expresso pelo HHI
corrigido na Tabela II.9, aponta que, apesar da situação ser consideravelmente menos
concentrada do que se as zonas operassem independentemente (em autarquia),
algumas zonas são sujeitas a poder de mercado, como a Dinamarca Leste,
principalmente, e Suécia (Tabela II.9)
Tabela II.9
HHI Autarquia
HHI Corrigido
Concentração de mercado nos países Nórdicos
Dinamarca
Leste
8.575
3.123
Dinamarca
Oeste
2.397
1.111
Finlândia
976
836
Noruega
Sul
3.289
852
Noruega
Norte
2.021
1.160
Suécia
1.894
1.745
Fonte: CERA (2002) pgs. 61 e 68
Um ponto fundamental da experiência dos países nórdicos é que a reforma
ocorreu em um contexto de excesso de capacidade de geração. Bowitz et al. (2000)
consideram esse o principal determinante para a tendência de redução de preços
observada no Nord Pool. A existência de sobra de capacidade no início da reforma foi
uma conseqüência da integração de mercados. Anteriormente, os sistemas eram
voltados para a auto-suficiência. Assim, os parques geradores eram desenhados para
atender com produção doméstica e com margem de segurança sua demanda. O que
tinha profundas implicações em função da participação da hidreletridade, já que esses
sistemas são formulados para atender a demanda mesmo em momentos de hidrologia
desfavorável. Com a integração, os países podem recorrer a importações ao invés de
construir mais capacidade produtiva.
Bowitz et al. (2000) apontam que, como os investimentos são evitados com a
integração dos mercados, o preço deixa de alinhar-se ao custo marginal de longo
prazo e passa a se alinhar ao custo marginal de curto prazo.
Como é exposto na próxima seção, a fase de excesso de capacidade se
esgotou. O comportamento recente dos preços reflete essa situação. Durante 2001, os
preços já haviam mudado de patamar, ultrapassando US$20/MWh. No final de 2002,
houve uma disparada de preços, quando a média mensal quase alcançou US$
80/MWh.
participações da Statkraft na E-CO e HEAS. Mais recentemente, a empresa anunciou a aquisição da
Trondheim Energiverk, mas a Autoridade de competição também embargou essa transação.
96
Adequação dos Investimentos
A avaliação da eficiência dos investimentos não pode ser efetuada
estaticamente. Como Bowitz et alli (2000) evidenciam, a escassez de investimentos
teve um efeito positivo no curto prazo, propiciando a redução de preços em um
momento de excesso de capacidade. No entanto, a análise relevante é se os incentivos
colocados não só provocariam a eficiência no curto prazo, mas também no longo. Ou
seja, o importante é avaliar o nível de investimento quando o excesso de capacidade
se esgota.
O ritmo de investimentos continuou baixo em todos os países, não
acompanhando a evolução da demanda (Figura II.22) e a segurança de abastecimento
passou a ser ameaçada.
Figura II.22 Evolução da Capacidade Instalada e do Consumo Total
Países Nórdicos (1990 = 100)
Fonte: Nordel (2002) Nordic Master Plan p. 22.
Em função desta dinâmica, a região depende progressivamente de energia
mais cara, proveniente da Dinamarca (Tabela II.10). A Noruega, que era a principal
exportadora de energia barata, passou a ser importadora líquida de energia.
Importações externas ao bloco, que provêm da Rússia, Polônia e Alemanha,
complementam o balanço de energia.
97
Tabela II.10 Balanço de energia dos Países Nórdicos TWh
Dinamarca
Finlândia
Noruega
Suécia
Total
Geração
36
71,6
121,9
157,8
387,3
Consumo Importação
35,4
-0,6
81,6
10
125,5
3,6
150,5
-7,3
393
5,7
Fonte: Nordel
A situação do balanço energético em períodos de demanda de pico ilustra a
vulnerabilidade do sistema. Nesses momentos, somente a Dinamarca obtém sobra de
capacidade. Fazendo com que as importações externas ao bloco sejam mais
importantes.
Em relatório preparado pela Nordel (2002a), é desenvolvida uma previsão
para o balanço energético dos países nórdicos nos próximos três anos. O resultado é
exposto na Tabela II.11. Na ocorrência de ano de hidrologia normal (um em cada dois
anos), o sistema estaria balanceado, ainda que bastante dependente das exportações
da Dinamarca. A ocorrência de um único ano seco (o pior em 10 anos) seria
suficiente para que o sistema ficasse em déficit. O relatório considera que o problema
poderia ser contornado com importações de países fora do bloco.
No entanto,
ocorrendo um ano de hidrologia extremamente desfavorável (o pior em cem anos) ou
dois anos secos consecutivos, o relatório considera bastante provável que
mecanismos de mercado não sejam capazes de gerar uma solução, sendo o
racionamento necessário.
Tabela II.11 Balanço de energia e potência e Capacidade de Transporte
2005/2006
Noruega Suécia Finlândia Dinamarca TOTAL
Balanço Energético, TWh
Ano Normal (1 em 2 anos)
-10
-3
-3
17
1
Ano Seco (1 em 10 anos)
-22
-13
-3
17
-21
Balanço de capacidade, MW
Capacidade Instalada
28.383 32.106
17.530
13.029 91.048
Capacidade Disponível
24.305 28.655
14.970
8.937 76.867
Demanda de Pico de Inverno (10 anos) -24.086 -29.000 -15.140
-7.008 -75.234
Balanço por País
-767 -2.149
-1.333
562 -3.687
Capacidade de Transporte na área do Nordel
Capacidade estimada no inverno, MW
cerca de 3.300
Transporte total anual, TWh
cerca de 25
Fonte: Nordel
98
O desequilíbrio entre capacidade instalada e demanda já resultou em
esvaziamento dos reservatórios. A curva do nível de reservatórios nos países nórdicos
mostra que o valor atual é inferior ao mínimo e 20% menor que a média observada na
década de 90, para o mesmo período do ano (Figura II.23). Os preços no mercado
spot e futuro já apresentam alta em função dessa situação.
Figura II.23 Nível semanal dos reservatórios 2002/2003
(% da capacidade dos reservatórios)
máximo
2002
mediana
mínimo
2003
Notas: As curvas de mínima e máxima referem-se ao período 1990-99
Fonte: Nord Pool
Os principais obstáculos à execução de investimentos são de natureza
institucional. As políticas ambientais são bastante restritivas, já que os países lideram
iniciativas de mitigação de impactos ambientais, principalmente redução de emissões.
Na Noruega, uma moratória foi imposta à construção de hidrelétricas de grande porte
e a restrição de emissões inviabilizam projetos termelétricos. Na Suécia, os principais
recursos hídricos são protegidos do desenvolvimento de novas centrais e um
programa de fechamento de centrais nucleares foi resultou de um plebiscito. A
Dinamarca baniu centrais nucleares e a carvão.
99
Em um contexto em que a auto-suficiência perdeu importância, a
responsabilidade sobre a segurança do abastecimentos se desloca de cada país para o
conjunto dos países. A ausência de coordenação do planejamento para o conjunto de
países permitiu que a solução “não em meu jardim” prevalecesse. Orientados por
objetivos ambientais, o comportamento dominante entre as autoridades dos países
nórdicos foi esperar que outros países adicionem capacidade de geração.
Arranjos Institucionais
Os arranjos institucionais dos países dos países nórdicos são caracterizados
pela descentralização das decisões. A sofisticação e a existência de vários tipos de
mercado físicos e financeiros com elevada liquidez permitiram que a coordenação
centralizada se tornasse diminuta. A flexibilidade dos arranjos institucionais
possibilitou que os agentes os adequassem às características das transações.
A longa experiência com mecanismos de mercado facilitou as reformas da
década de 1990 que promoveram a liberalização. Na Noruega, a predominância da
hidreletricidade é tratada como um fator motivante para a estruturação de um
ambiente competitivo. O samkjøringe, um mercado spot onde só participavam
geradores que procuravam otimizar o uso dos reservatórios, operava desde 1971. O
acordo de bacias, que define o direito ao uso d’água, foi um elemento fundamental
para eliminar conflitos decorrentes da interdependência das decisões entre
hidrelétricas.
Também foi importante a estrutura de propriedade das empresas. A presença
de propriedade pública e de cooperativas de consumidores faz com que a
maximização de lucros não seja o objetivo central das empresas. O histórico desses
países é marcado pela cooperação entre agentes.
A experiência nos primeiros cinco anos de operação do Nord Pool demonstra
que essa estrutura de arranjos foi eficiente para coordenar as decisões de curto prazo,
o que acarretou em eficiência produtiva, possibilitando a otimização dos usos dos
recursos do conjunto de países, e em eficiência alocativa, com a permanência de
baixos níveis de preço.
Mas, a situação atual mostra que a estrutura não foi eficiente para coordenar
as decisões de longo prazo, notadamente o planejamento de investimentos,
100
acarretando em deterioração da segurança do abastecimento. O primeiro
planejamento conjunto foi elaborado apenas em 2001 pelo Nordel, a associação dos
coordenadores da rede, já como resposta à crise de investimentos.
II.3.3. Conclusão
A reforma do setor elétrico nos países nórdicos é considerada uma experiência
de êxito entre as diversas experiências de reforma. O seu desenho institucional, que
incluía uma variedade de mercados físicos e financeiros, se tornou um exemplo a ser
seguido por reformadores.
O desenvolvimento de um mercado multinacional de eletricidade, peça central
da reforma, possibilitou que o problema de poder de mercado fosse minorado e, até
recentemente, os preços permaneceram em níveis significativamente inferiores aos de
outros países.
No entanto, a carência de investimentos, que foi um dos determinantes do
baixo nível de preços no período inicial, fez com que o quadro se modificasse
recentemente. O desequilíbrio entre capacidade de produção e demanda resultou em
risco de desabastecimento. Somente quando a situação se tornou crítica, as
autoridades passaram a se preocupar com a situação evidenciando que a questão da
auto-suficiência não poderia ser completamente ignorada. Essa é uma lição
importante dessa experiência de integração de mercados: a segurança do
abastecimento deixa de ser uma questão de cada país, mas do bloco de países. Se não
houver coordenação entre o conjunto, e cada país se guiar por objetivos próprios,
como a proteção ambiental, a trajetória não é sustentável no longo prazo.
101
II.4.
Califórnia
O estado da Califórnia liderou as iniciativas de reforma da indústria de
eletricidade nos Estados Unidos. A reforma californiana foi considerada um exemplo de
reforma pró-mercado, sendo seguida por outros estados norte-americanos e em outros
países. O desenho institucional, bastante complexo, reservou um papel preponderante ao
mercado spot. Apesar do êxito inicial, os problemas não demoraram a surgir. Em 2000 e
2001, a eletricidade se tornou escassa no estado mais rico da economia mais importante
do mundo, acarretando em disparada de preços, cortes de energia e bancarrota de
empresas.
II.4.1. Antecedentes
Historicamente, o estado da Califórnia era majoritariamente atendido por três
concessionárias de eletricidade verticalmente integradas205 de propriedade privada
(Investment Owned Utilities – IOUs): Pacific Gas & Electric - PG&E, Southern
California Edison – SCE e San Diego Gas & Electric - SDG&E206. As empresas eram
submetidas ao regulador estadual (CPUC - California Public Utilities Commission) que
definia as tarifas através de regulação da taxa de retorno. As transações com os demais
estados são reguladas pelo regulador federal (FERC – Federal Energy Regulatory
Commission). A agência de política energética e planejamento (CEC – California
Energy Commission) é responsável por realizar previsões de demanda, licenciar centrais
térmicas e apoiar o desenvolvimento tecnológico e a eficiência energética. Também
forma o quadro institucional do setor o conselho que zela pela qualidade do ar
(California Air Resources Board), que tem importante interferência sobre o setor
elétrico estabelecendo os padrões de qualidade do ar e gerenciando os esquemas de
direito de poluição.
205
Não era incomum que as empresas monopolistas adquirissem energia de empresas vizinhas. No
entanto estas transações representavam parte minoritária do total e não havia mercado que centralizasse
essas transações.
206
As três IOUs atendiam a três quartos do total de eletricidade consumida na Califórnia, o restante era
atendido por empresas municipais, de irrigação e de fornecimento de água, que não foram incluídas na
reforma.
102
O PURPA (Public Utility Regulatory Policy Act), implantado em 1978,
promoveu uma transformação na estrutura da indústria ao estimular a entrada de
geradores que atendiam a certos requisitos (os detalhes do PURPA são apresentados no
anexo III). Pela legislação, as concessionárias verticalmente integradas ficavam
obrigadas a adquirir energia de geradores qualificados ao custo que essas teriam para
aumentar sua oferta (custo evitado), o que era determinado pelo regulador. Seu legado
teve grande importância para a reforma do setor elétrico na Califórnia.
Primeiramente, o PURPA mostrou que a operação de várias empresas na
atividade de geração era factível e, portanto, a integração vertical da indústria não era
imprescindível para coordenar sua operação. Esta lição serviu não só para experiência
californiana, mas para as demais experiências de reforma.
Por outro lado, o PURPA acarretou em preços elevados da eletricidade no estado
e, conseqüentemente, em insatisfação dos consumidores. Como a perspectiva quanto à
evolução do preço do petróleo, que justificou o desenvolvimento do PURPA, não se
confirmou, os preços definidos nos contratos de longo prazo entre as concessionárias e
geradores qualificados se tornaram cada vez mais distantes do custo evitado real207. Na
Califórnia, em função da entrada representativa de geradores qualificados, os contratos
resultantes do PURPA tinham grande impacto nas tarifas de eletricidade208. Em 1991, as
tarifas médias variavam entre US$ 90 MWh e US$ 105 MWh no estado, o que é 30 a
50% superior à média nacional e ao custo competitivo de novas centrais (CPUC 1993,
pg. 127). Essa situação estimulou a sociedade, principalmente os consumidores
industriais, a pressionar o governo pela realização da reforma. A formação de um
consenso favorável à reforma na primeira metade da década de 90 explica o pioneirismo
da Califórnia entre os estados norte-americanos
O FERC já havia preparado o “terreno” para as iniciativas estaduais. O Energy
Policy Act (EPAct) de 1992 eliminou parte das restrições vigentes para empresas de
eletricidade, possibilitando produtores independentes a atuarem na geração de
eletricidade através de uma nova classe de geradores (Exempt Wholesale Generators)
207
O relatório do CPUC de 1993, conhecido como Yellow Book, aponta que os preços dos contratos
ISO4 eram três vezes superiores ao custo evitado real neste período e a diferença prevista para o final da
década era ainda mais substancial.
208
Os contratos decorrentes do PURPA não eram a única causa das tarifas elevadas na Califórnia. As
centrais nucleares construídas pelas IOUs nas décadas de 1970 e 80 tinham custos muito elevados. Os
atrasos na execução desses projetos, que apresentam grande intensidade de capital, acarretaram custos
financeiros que tornaram essas centrais não competitivas
103
isentos das obrigações definidas pelo Public Utility Holding Company Act (PUHCA), e
IOUs a atuar como produtores independentes fora de sua área de concessão bem como
investir em outros países. Essa legislação também deu autoridade ao FERC a exigir que
as IOUs forneçam acesso a rede de transmissão para outros fornecedores (mas não para
consumidores finais).
As Orders 888 e 889, editadas pelo FERC em 1996, complementaram o EPAct
operacionalizando o livre acesso a rede de transmissão. A Order 888 define tratamento
para a instituição do livre acesso209 e Order 889 trata da disponibilização de
informações210.
II.4.2. Reforma
A reforma do setor elétrico californiano começou a ser estudada em 1992. Em
1993 o CPUC publicou o “livro amarelo”, que apontava a introdução de reformas prómercado como a forma de reduzir as tarifas no estado. O documento sugeriu quatro
estratégias para a execução da reforma que concediam espaços diferentes para a
concorrência211.
No “livro azul”, anunciado em 1994, o CPUC explicitou a escolha da estratégia
que concedia maior espaço à concorrência. O livro azul propôs a substituição da
regulação a taxa de retorno por regulação baseada em desempenho, a separação da
209
A Order 888 estabelece que os proprietários das linhas de transmissão devem disponibilizar o acesso
livre e não discriminatório a terceiros, sendo remunerados por tarifas baseadas no custo do serviço. Para
tanto, a ordem define o conceito de capacidade de transmissão disponível, o tratamento a ser adotado em
caso de restrição de transmissão, os serviços ancilares que a empresa de transmissão é obrigada a prestar e
seus respectivos preços. Essa obriga os proprietários de linhas de transmissão a estabelecer tarifas para os
serviços de transmissão, cujos preços máximos são fixados pelo FERC. A Order 888 também trata da
remuneração dos custos irrecuperáveis envolvidos nos contratos de comercialização de energia no
atacado entre concessionárias. A decisão de remunerar esses custos foi importante, pois criou uma diretriz
para o tratamento dos custos irrecuperáveis também nas iniciativas de reforma estaduais.
210
A order 889 trata da disponibilização de informações sobre as linhas de transmissão interestaduais. Os
proprietários/operadores dessas linhas devem alimentar um sistema de dados em plataforma de internet e
em tempo real (OASIS – Open Access Same-time Information System) com informações sobre
capacidade disponível, preços etc.
211
A primeira, denominada “Limited Reform”, consistia na manutenção da regulação a taxa de retorno,
transformação dos reajustes tarifários em anuais, concomitante à eliminação de mecanismos de
recuperação tarifária e à utilização de mecanismos baseados na performance para regular as compras de
gás natural das IOUs. A segunda, “The Model Price Cap”, tinha como inspiração a reforma do setor de
telecomunicações prevendo maior flexibilidade de preços. A terceira, “Limited Costumer Choice”, previa
a liberalização de parcela dos consumidores para a escolha de fornecedores alternativos, tendo esses
acesso livre a rede de transmissão. Na quarta, “Restructured Utility Industry”, as concessionárias
venderiam todos ativos de geração e se tornariam empresas de transporte de eletricidade e
comercializariam eletricidade para os consumidores que optassem por tê-las como fornecedora.
104
geração e do transporte de energia (transmissão e distribuição) e um esquema de
transição para a remunerar os custos irrecuperáveis. Esse também apresentou um
cronograma de liberalização da comercialização de eletricidade212.
Uma longa discussão decorreu das propostas divulgadas no livro azul, até que as
primeiras medidas de reforma foram tomadas na Califórnia. A discussão tinha três
elementos principais: o modelo para a realização das transações no mercado atacadista
(contratos bilaterais vs. mercado centralizado), a forma de mitigar o poder de mercado
das IOUs e a remuneração dos custos irrecuperáveis (Blumstein et al. 2002).
O Assembly Bill 1890 (AB1890), aprovado no legislativo do estado em setembro
de 1996, e outras medidas implementadas pela CPUC seguiram as diretrizes gerais
anunciadas no livro azul.
As tarifas cobradas pelas empresas verticalmente integradas (IOUs) deveriam ser
descriminadas por atividades, separando a parcela de preço referente às atividades
potencialmente competitivas (geração e comercialização) da parcela de atividades que
permaneceriam reguladas (transmissão e distribuição). Para a parcela regulada foi
instituída a regulação baseada em desempenho.
As IOUs deveriam disponibilizar livre acesso a redes de transmissão, que passou
a ser administrada pelo operador independente do sistema (CAISO - California
Independent System Operator). Os custos de transmissão (afundados e operacionais) são
inteiramente remuneradas pelas empresas de distribuição, que os repassam às tarifas
cobradas de consumidores finais. O esquema de gerenciamento de congestões é do tipo
zonal. Quando ocorrem restrições de transmissão, o sistema elétrico da Califórnia opera
com preços diferentes no Norte, no Sul e nos pontos de interconexões com os sistemas
vizinhos. Nesses momentos, geradores devem pagar encargos pelo uso das linhas
congestionadas no valor da diferença entre os preços de equilíbrio entre as áreas213. O
CAISO criou direitos transacionáveis de uso das linhas de transmissão. Os detentores
212
No início de 1996, os grandes consumidores, definidos como os consumidores servidos em tensão
igual ou superior a 50 kV, poderiam escolher seus fornecedores e em 2002 essa possibilidade seria
estendida a todos consumidores.
213
Quando ocorre restrição de transmissão, o CAISO ajusta a programação despachando as unidades de
geração não incluídas na programação inicial (lance de preço maior que o preço de equilíbrio inicial) mais
baratas da zona em déficit e retirando do despacho as unidades mais caras incluídas na programação
inicial da zona em superávit. Assim, o preço de equilíbrio da zona em déficit se torna mais elevado que o
da zona em superávit. No CALPX, são efetivamente criados preços diferenciados para cada mercado. Nos
demais coordenadores da operação, o encargo de congestão é cobrado das transações que utilizam as
linhas congestionadas.
105
desses direitos são remunerados pela renda de congestão. Os direitos foram leiloados e a
receita obtida serviu para abater os custos afundados das linhas de transmissão e
diminuir as tarifas cobradas de consumidores finais.
A partir de 1998214, todos consumidores poderiam escolher entre continuar a ser
atendida pela empresa de distribuição (default service) ou adquirir energia de outro
fornecedor. Para diminuir a concentração na geração, as duas maiores IOUs também
foram “induzidas” a vender pelo menos metade de sua capacidade de geração a partir de
combustíveis fósseis.
O desenho institucional desenvolvido para coordenação das transações de
energia no atacado foi extremamente complexo. Além do mercado de curto prazo,
operado pelo CALPX (California Power Exchange) e que transacionava a maior parte
da energia, há uma série de mercados complementares administrados pelo CAISO, o
operador independente do sistema elétrico californiano, que eram regulados seguindo
princípios diferentes do primeiro. Por outro lado, para lidar com problemas da transição
de um regime monopolista para um competitivo, foram instituídas regras que limitavam
a escolha dos agentes.
Para orientar a negociação de energia no atacado para o dia seguinte, foi criado o
CALPX. Em princípio o CALPX seria um mercado voluntário, os agentes poderiam
utilizar outras opções para transacionar energia. No entanto, com o intuito de assegurar
a liquidez do mercado e atenuar o poder de mercado das IOUs, estas foram obrigadas,
até 2002, a utilizar o CALPX para atender toda demanda de seus consumidores. Ou
seja, as IOUs eram obrigadas a vender nesse mercado toda a energia que geravam ou
adquiriam via contratos e a comprar a totalidade do que forneciam a esses
consumidores. Da mesma forma que o CAISO, esta instituição não tinha objetivos de
lucro. Sua estrutura de governança era complexa (Blumstein et al., 2002), administrada
por um numeroso conselho formado representantes da indústria e sociedade.
O mercado para o dia seguinte do CALPX era o principal na Califórnia. Entre
80% a 90% dos negócios de energia na Califórnia ocorriam através desse mercado. Na
manhã do dia anterior a entrega, geradores realizavam os lances de oferta que
especificavam até 15 pares de quantidade e preço para cada hora do dia seguinte. As
empresas de distribuição e intermediários do mercado atacado realizam lances de
214
2 anos após a data prevista no Livro Azul.
106
demanda. O lance de oferta mais elevado que equilibra o mercado define o preço para a
totalidade das transações.
Baseado nesse equilíbrio, o CALPX definia a “programação preferida” a ser
submetida ao CAISO. O CAISO também recebia a programação preferida de outros
coordenadores da programação (Schedulling Coordinators), além do CALPX. Esses são
intermediários das transações bilaterais que organizam um portfólio de oferta e
demanda de eletricidade para que o CAISO realize a entrega física da energia. Ao
contrário do CALPX, os demais coordenadores de programação não são obrigados a
tornar públicos preços e quantidade transacionada.
Quando eram esperadas restrições de transmissão que impossibilitariam a
execução da totalidade das transações, o CAISO informava as congestões e sugeria
ajustes na programação aos coordenadores da programação (exceto ao CALPX, onde o
CAISO realiza os ajustes diretamente). Com base nestas informações e nos preços de
congestão esperados, uma segunda programação era submetida ao CAISO. Se
persistissem restrições, o CAISO realizava os ajustes. Após este processo, a
programação final definia as quantidades que cada unidade de geração devia produzir e
o preço de cada zona.
Tabela II.12 Passos do Funcionamento do Mercado do Dia Seguinte
Horário
7:00
9:00
10:00
11:00
12:00
13:00
15:00
Ações
CALPX realiza os 24 leilões para cada hora do dia seguinte
Preço de equilíbrio sem restrição é divulgado
CALPX (e outros coordenadores da programação) submete a carga
estimada para o próximo dia e as unidades de geração que atenderão
essa carga (programação preferida).
CAISO determina se restrições de transmissão tornam necessárias
modificações na programação
Programações modificadas são submetidas pelos coordenadores da
programação.
CAISO calcula encargos de congestão
CALPX publica os preços zonais.
Fonte: FERC
O CALPX também operava um mercado para a hora seguinte. Esse não
movimentava volume elevado de transações, mas o seu funcionamento era semelhante
ao mercado para o dia seguinte. Em função da baixa liquidez, em 1999, esse foi
substituído pelo mercado do dia (day-of Market), onde eram realizados três leilões
107
diários, às 6:00, que negociava energia para o intervalo de 10:01 às 16:00, às 12:00,
para o intervalo 16:01 às 24:00, e às 16:00, para o intervalo 0:01 às 10:00.
Se os agentes não cumprissem o que estava programado, o mercado de ajuste em
tempo real, operado pelo CAISO, era acionado para equilibrar instantaneamente
demanda e oferta. O CAISO ordena os lances de geradores para aumentar ou diminuir a
geração em relação ao que estes programaram. São determinados preços de equilíbrio a
cada dez minutos, mas o faturamento é feito com base nas quantidades transacionadas a
cada hora aplicadas à média dos seis períodos de dez minutos. Inicialmente, os lances
nos mercados administrados pelo CAISO deveriam ser baseados nos custos.
Posteriormente, os lances deixaram de refletir os custos, mas foi instituído preço teto no
mercado em tempo real, que começou em US$ 250/MWh215.
Se um gerador produzisse menos que o programado no mercado para o dia
seguinte, este era obrigado a arcar com a diferença de preços entre esse mercado e o
mercado em tempo real. Geralmente, o último tinha preço mais elevado, o que
penalizava as mudanças na programação. Mas, caso o preço do mercado em tempo real
fosse menor que o preço no mercado do dia seguinte seria vantajoso ao gerador
modificar sua programação. É importante notar que o preço teto do mercado em tempo
real administrado pelo CAISO funcionava como teto também para o CALPX, pois os
demandantes não efetuariam lances superiores ao teto, já que poderiam adquirir energia
no mercado em tempo real no máximo a esse preço.
O CAISO também contratava os serviços ancilares através de mercado. Os
seguintes serviços contavam com mercados para a hora seguinte e dia seguinte:
regulação de freqüência216, reservas em rotação (spinning reserves) e reservas que não
estão em rotação (non-spinning reserves)217 e reservas de substituição (replacement
reserves)218. O CAISO paga o preço de equilíbrio para que geradores, que atendam
determinadas exigências técnicas (velocidade do ajuste de produção e capacidade de
comunicação), mantenham capacidade em reserva. Os mercados são equilibrados em
seqüência, começando pelo mercado de regulação. Equilibrado o mercado de regulação,
215
O preço teto foi aumentado para US$ 750/MWh em Outubro de 1999, reduzido para US$ 500 em
julho de 2000 e, novamente, para US$ 250 no mês seguinte. O esquema de teto foi modificado em
dezembro de 2000, quando lances superiores ao teto podiam ser aceitos desde que justificados por
elevação de custos (soft cap).
216
Fazem parte deste mercado as unidades de geração que podem ajustar sua produção imediatamente.
217
Estes dois tipos de reserva são formados por plantas capazes de ajustar a produção em dez minutos.
218
Formada por unidades de geração capazes de começar a produzir em menos de uma hora.
108
as centrais que comporão este tipo de reserva não são consideradas no mercado de
reserva em rotação e assim por diante. Quando as centrais são chamados a produzir, são
remunerados pela quantidade gerada ao preço do mercado em tempo real.
Para contornar o problema dos custos irrecuperáveis, foi criado o Encargo de
Transição para a Competição (CTC – Competition Transition Charge). O CTC fixava o
preço da energia ao consumidor final em US$ 60/MWh219 e as IOUs teriam seus custos
irrecuperáveis remunerados pela diferença entre este valor e o preço atacado de energia
- a expectativa era que o último seria significativamente inferior a US$ 60/MWh. Os
consumidores continuariam pagando o CTC às IOUs mesmo se optassem por um
fornecedor alternativo. Assim, quando os consumidores optavam por outros
fornecedores pagavam a tarifa às IOUs recebiam um “crédito de compras” (shopping
credit) igual ao custo da energia das IOUs220. Assim, a IOUs sempre recebia desses
consumidores a diferença entre a tarifa final e o crédito de compras, o que correspondia
a soma das tarifas de transmissão e distribuição e do CTC. O CTC deixaria de incidir
quando a totalidade dos custos irrecuperáveis fossem remunerados ou em abril de 2002
(o que ocorresse primeiro). A partir deste momento, as IOUs repassariam aos
consumidores finais “apenas” o preço da energia no atacado221.
II.4.3. Resultados
Eficiência Alocativa
As expectativas iniciais quanto ao desempenho dos mercados de eletricidade
eram extremamente favoráveis. A baixa concentração de mercado na geração (Figura
II.24) levava a que fossem esperados níveis de preço próximos ao custo marginal. No
mercado de varejo, o governo gastou US$ 80 milhões em campanhas para informar os
consumidores sobre a possibilidade de trocar de fornecedor, esperando uma grande
adesão dos consumidores.
219
Esse preço se refere a parcela da tarifa correspondente a geração e não inclui as tarifas de transmissão
e distribuição, os custos de comercialização e demais custos do fornecimento de eletricidade.
220
Como as IOUs eram obrigadas a adquirir a energia no mercado CALPX, este coincidia com preço
médio da energia no CALPX.
221
Os custos irrecuperáveis correspondentes aos ativos de geração que não fossem cobertos no período
seriam absorvidos pelas concessionárias. No entanto, os relacionados aos contratos com geradores
qualificados continuariam a ser repassados através da tarifa de transmissão.
109
Seguindo recomendação da CPUC, as IOUs, que detinham quase a totalidade da
geração (através de propriedade ou contratos de longo prazo), optaram por vender parte
relevante de seus ativos de geração térmica. A SCE vendeu a maioria de suas plantas
térmicas um mês e meio após a abertura do mercado. A PG&E também vendeu parte
majoritária entre 1998 e 1999 e a SCE vendeu a totalidade de suas unidades térmicas em
1999.
Figura II.24 Estrutura do Mercado de Geração
Outros
30%
Mirant
6%
Reliant
7%
Dynegy Duke
5%
5%
PG&E
21%
SCE
17%
SDG&E
AES 1%
8%
Fonte: Blumstein et al. (2002) p. 25.
Os novos mercados começaram a operar em abril de 1998. Problemas no
software que não estava totalmente finalizado e falta de coordenação entre CAISO e
CALPX causaram em uma série de falhas iniciais (Joskow, 2001). Nos períodos de
demanda muito elevada, o preço se afastou do custo marginal.
Os mercados de serviços ancilares e tempo real também sofreram problemas.
Inicialmente, o FERC não autorizava que esses mercados fossem formados por lances
baseados em mercado, e sim em estimativas de custos. Desta forma, parte relevante dos
geradores preferiu participar do CALPX, onde os critérios eram de mercado, e o CAISO
acabava por depender de contratos para fornecer os serviços ancilares. Logo, o FERC
removeu essa limitação das centrais vendidas pelas IOUs e o preço passou a ser
formado por lances livres. No entanto, as regras do CAISO, particularmente a
inflexibilidade da demanda e a estrutura seqüencial para equilibrar os mercados,
facilitavam o exercício de poder de mercado222 e houve uma disparada de preços223.
222
Blumstein et al. (2002) p. 26.
110
Esses mercados ficaram sujeitos a “poder de mercado de local”. Restrições de
transmissão resultavam que a segurança do abastecimento dependesse que certos
geradores constituíssem reservas ou fossem despachados, devido sua localização e
características técnicas. Nessas condições, esses geradores poderiam solicitar qualquer
preço. Desta forma, o CAISO optou por fechar contratos que definiam o preço máximo
que os geradores poderiam solicitar. Os custos do CAISO representavam uma parcela
significante do preço da energia do atacado224. Isto levou o CAISO a adotar tetos de
preços nos mercados de serviços ancilares, primeiramente de US$500/MW e depois
reduzido a metade.
Apesar desses problemas, o preço da eletricidade no mercado atacadista não era
elevado até maio de 2000 (Figura II.25). Até então, o preço se manteve sempre inferior
a US$ 50/MWh e próximo ao que era esperado225. Segundo Joskow (2001), as falhas de
design eram responsáveis por um aumento de 15% no preço do mercado atacadista.
Figura II.25 Preços no Mercado Atacado (Média mensal) 1998-2001 US$/MWh
400
350
300
250
200
150
100
50
12/01
10/01
08/01
06/01
04/01
02/01
12/00
10/00
08/00
06/00
04/00
02/00
12/99
10/99
08/99
06/99
04/99
02/99
12/98
10/98
08/98
06/98
04/98
0
Fonte: Blumstein et al. (2002). P. 25
Nota: Os dados até 2001 correspondem ao preço no mercado do dia seguinte do CALPX e
a partir de 2001 incluem preços de contratos de longo prazo.
223
O preço da reserva de substituição alcançou US$ 9.999/MW em 13 de julho de 1998. Aparentemente,
os ofertantes assumiram, erroneamente, que seus lances não poderiam superar 4 dígitos. Na verdade, não
havia limite para esses lances. (Borestein & Bushnell, 2000 p. 12).
224
Os custos do CAISO representavam 19% do custo da energia no atacada. Na Inglaterra, o uplift
representava apenas 7%. Blumstein et al. (2002) p. 26.
225
A previsão da Comissão de Energia da Califórnia (CEC) para preço médio da eletricidade em 2000 era
de US$ 28,50/MWh
111
Os problemas observados neste período inicial foram irrelevantes em relação o
que ocorreria posteriormente. Em maio de 2000, quando o preço da eletricidade no
mercado atacadista superou US$ 50/MWh pela primeira vez, a crise de energia na
Califórnia foi iniciada. A partir de então, o preço disparou. Em junho, já alcançava
valores 6 vezes mais elevados do que no ano anterior. Em dezembro de 2000, a média
mensal do preço no mercado atacadista foi de US$ 385/MWh. Logo após, o mercado
CALPX entrou em bancarrota e deixou de operar. Por 23 vezes o preço alcançou o
preço teto. O preço só voltou aos níveis anteriores a crise em 2002.
A literatura destaca uma série extensa de fatores que causaram a explosão de
preços226 da eletricidade na Califórnia. Pode-se separar fatores conjunturais e
estruturais. Ainda que os primeiros expliquem o estopim da crise, as raízes da crise
estão presentes nos últimos. Os fatores conjunturais (que são analisados no anexo III b)
foram desencadeados pela elevação sem precedentes da temperatura no Oeste dos
Estados Unidos durante o verão de 2000. O esvaziamento dos reservatórios e o
crescimento da demanda no Noroeste dos EUA provocaram a redução das exportações
de energia dessa região para a Califórnia que tradicionalmente foram importantes para
equilibrar o balanço elétrico do estado. Como decorrência, foi necessário um maior uso
do gás natural, o que provocou a elevação do preço não só do combustível, mas também
dos direitos transacionáveis de emissão de poluentes227.
No entanto, esse choque de custos poderia ser contornado se a coordenação
funcionasse efetivamente. A ineficiência dos sinais de mercado e da atuação das
instituições228 foram os fatores estruturais que determinaram a crise.
A principal falha é a ausência de sinais de preço para os consumidores finais em
função do congelamento das tarifas aos consumidores que permaneceram sendo
fornecidos pelas IOUs, que representavam a grande maioria dos consumidores, pois, ao
contrário da expectativa inicial, apenas uma pequena parcela optou por trocar de
fornecedor. Além de os consumidores residenciais contarem com tarifas congeladas, os
226
Brenann (2001) lista os 10 principais fatores que causaram a crise: desequilíbrios entre oferta e
demanda, maiores custos de combustíveis, regulações de redução de oferta, regulação (real e potencial)
do mercado de atacado, controle de preços no varejo, transferência de renda intramarginal, falta de
medição em tempo real, má sorte (falta de contratos de longo prazo), desenho dos leilões e poder de
mercado.
227
As centrais geradoras, assim como outros setores da indústria com elevados impactos ambientais,
participam de um programa de direitos negociáveis de emissão de poluentes (Reclaim). O crédito de
NOX é o mais importante.
228
A atuação das instituições é explorada na seção arranjos institucionais.
112
fornecedores alternativos não tinham interesse em cortar o preço das concessionárias.
Para tanto, teriam que ofertar preços inferiores ao preço do mercado atacadista, o que
seria menos vantajoso do que vender energia neste mercado. O resultado é que apenas
12% dos consumidores finais modificaram seu fornecedor229. Desta forma, a demanda
de eletricidade era praticamente inelástica. Mesmo com a explosão dos preços no
mercado atacado, o preço da eletricidade no varejo só aumentou em 2001 (Figura II.26).
Figura II.26 Evolução dos Preços Reais Finais da Eletricidade (US$/MWh)
160
150
140
130
120
110
100
90
80
70
60
Residencial
Comercial
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Industrial
Fonte: preços nominais- CPUC. Deflator implícito do PNB - www.economagic.com
Os consumidores residenciais e comerciais de pequeno porte foram
particularmente beneficiados, pois receberam um desconto de 10% em relação aos
preços de 1996230 e tiveram suas tarifas congeladas por quatro anos ou enquanto as
concessionárias não tivessem seus custos irrecuperáveis totalmente compensados.
O congelamento dos preços isentou os consumidores finais da PG&E e SCE dos
impactos do aumento dos preços da eletricidade no mercado atacadista. Como a
SDG&E já havia sido recompensada pela totalidade de seus custos irrecuperáveis em
1999, seus preços aumentaram a partir de 2000231 (Figura II.27). Assim, as finanças das
PG&E e SCE foram profundamente afetadas, pois compravam energia a uma média
superior a US$ 100,00/MWh no mercado atacadista e só podiam repassar cerca de
US$60,00/MWh. As duas empresas ficaram insolventes em janeiro de 2001,
229
Em setembro de 2001, a CPUC eliminou a possibilidade dos consumidores modificarem seus
fornecedores.
230
Este desconto foi resultado do objetivo do governo de beneficiar os consumidores menos susceptíveis
aos efeitos da competição. Para financiar esta redução, o Estado adquiriu bônus das concessionárias com
remuneração inferior a taxa de retorno regulada. (para mais detalhes, consultar Blumstein et al., 2002)
113
contribuindo para o aumento do caos na Califórnia, pois criaram problemas financeiros
para seus fornecedores.232 Em março de 2001, a CPUC aprovou um aumento de
aproximadamente 40% nas tarifas da PG&E e SCE, o que constituiu o maior aumento
de tarifa da história da Califórnia (GAO, 2002). Isso não foi suficiente para evitar a
bancarrota da PG&E, declarada em abril de 2001.
Figura II.27 Evolução das Tarifas Finais de Eletricidade
Setor Residencial por IOU – US$ (2001) /MWh
160
140
120
100
PG&E
SCE
SDG&E
80
60
40
20
0
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: CPUC
Mas a crise financeira das IOUs não foi a única decorrência do congelamento
das tarifas. O congelamento criou graves problemas alocativos, já que o mecanismo de
preços não funcionava. A escassez da eletricidade não era refletida no preço final, não
alterando a demanda. Se o mecanismo de preços fosse efetivo, o choque de custos
causaria aumento de preços finais e redução da demanda, assim como usualmente
ocorre em outras atividades econômicas. A ausência de sinais de preços distorceu não
apenas o mercado de eletricidade, mas também os de insumos (gás natural e direitos de
emissão) criando um efeito retro-alimentador que amplificou os efeitos da crise.
Outra decorrência foi a criação de oportunidade para o exercício de poder de
mercado. Como a oferta estava próximo ao limite, a retenção de pequenos volumes de
capacidade de produção levava a aumentos consideráveis de preço. Assim, mesmo com
o mercado pouco concentrado, os ofertantes tinham oportunidade de exercer poder de
mercado.
231
Ainda assim, as tarifas dos consumidores atendidos pela SDG&E sofreram novo congelamento de seus
preços (em US$ 65/ MWh) em setembro de 2000
232
O rombo causado pela disparada de preços no mercado e tacada e do congelamento dos preços no
varejo totalizava US$ 12 bilhões no fim de 2000.
114
Uma série extensa de autores233 e as autoridades setoriais (CAISO e FERC)
apontam que o mercado não funcionou de forma competitiva durante a crise, o que
também contribuiu para a disparada dos preços de eletricidade.
Joskow e Kahn (2002) comparam o preço observado no CALPX e o nível
competitivo no verão de 2000 (Tabela II.13). Mesmo considerando as elevações no
preço do gás e dos direitos de emissão e as reduções de importações, o preço do
CALPX é substancialmente superior ao preço que se formaria caso os ofertantes não
realizassem lances estrategicamente (competitivo).
Tabela II.13 Preços Competitivos de Referência e Observados no CALPX
– 2000
Maio
Junho
Julho
Agosto
Setembro
GN
US$/MMBtu
Norte
Sul
3,77
4,11
4,59
4,99
4,35
4,97
4,84
5,69
5,88
6,64
Nox*
US$/libra
Competitivo
US$/MWh
CALPX
US$/MWh
0
10
20
35
35
55,11
67,23
63,25
105,15
88,96
47,23
120,20
105,72
166,24
114,87
* Preço considerável mais factível pelos autores entre os cenários apresentados
Fonte: Joskow e Kahn (2002) tabela 2, p. 15
Borenstein et al. (2002) também analisam o impacto do poder de mercado na
evolução do preço atacado da eletricidade na Califórnia durante o verão de 2000. Os
gastos com eletricidade no mercado de atacado aumentaram de US$ 2 bilhões no verão
de 1999 para US$ 9 bilhões no verão de 2000. Segundo a análise, a elevação dos custos
de produção correspondem a 21% do aumento de gastos, o crescimento das rendas
competitivas234 a 20% e o aumento do exercício de poder de mercado a 59%.
As empresas de geração, especialmente a ENRON, utilizaram uma séria de
estratégias para manipular os preços da eletricidade. Essas estratégias incluíam desde a
simples oferta de lances sem qualquer relação com seus custos em situações em que o
ofertante tinha certeza que a central seria despachada (poder de mercado local) a
233
Joskow e Kahn (2002); Borenstein et al. (2002) entre outros.
Renda competitiva corresponde à renda auferida por ofertantes que aceitariam um preço menor, mas
são beneficiados pela existência de um preço único. Usualmente esta é denominada de excedente do
produtor. Ou seja, geradores que têm custos mais baixos se beneficiaram da crise porque as centrais mais
caras fixaram preços no período. Essa renda ocorre mesmo em um mercado competitivo.
234
115
estratégias mais sofisticadas, que incluíam atuação no mercado de insumos. As
estratégias são apresentadas no anexo III c.
O preço de eletricidade no atacado voltou a ter dois dígitos apenas no final de
2001. A demanda de eletricidade diminuiu significativamente no verão desse ano. A
demanda de pico e o uso de eletricidade foram, respectivamente, 8% e 6 % menor do
que no verão de 2000. Segundo Joskow (2001), a queda da demanda teve como maior
determinante os programas de conservação de energia e a própria comoção da sociedade
que resultou em mudança de hábitos de consumo. Os preços finais não tiveram maior
importância, pois estes só aumentaram significativamente em junho de 2001 e a
demanda ajustada pela temperatura já vinha se reduzindo desde o início do ano.
As pressões causadas pelos custos dos insumos também arrefeceram. O preço
gás natural diminuiu drasticamente e os diferenciais de preço entre o Sul da Califórnia e
o resto do estado desapareceram. As centrais de geração deixaram de participar do
programa de direitos negociáveis de emissão (RECLAIM). Este foi substituído por uma
penalidade de US$7,50 por libra de NOx emitida acima do permitido. Além disso,
grande parte das centrais de geração foram reformadas para diminuir a emissão de NOx
durante o inverno.
A Figura II.28 apresenta a evolução recente no mercado em tempo real e de
contratos bilaterais. Esses mercados são os mais relevantes com o encerramento do
CALPX. Os preços para o incremento de oferta no mercado em tempo real (INC) e
custo médio da energia (que inclui contratos bilaterais) apresentaram trajetória estável
até a metade de 2002, mas passaram a crescer desde então. O aumento do preço do gás
natural, que fechou o mês de fevereiro de 2003 a US$9/MMBTU235, é o principal
determinante dessa trajetória.
235
O preço médio em janeiro e fevereiro de 2002 era de US$ 2,25/MMBTU.
116
Figura II.28 Evolução dos Preços no Mercado em Tempo Real e no Atacado
Preços Incremental (INC) e Decremental (DEC) e Custo Médio de Energia no
Atacado (CMed) – US$/MWh
80
70
60
50
INC
40
DEC
30
Cmed
20
10
ja
n/
02
fe
v/
0
m 2
ar
/0
ab 2
r/0
m 2
ai
/0
2
ju
n/
02
ju
l/0
ag 2
o/
02
se
t/0
2
ou
t/0
no 2
v/
0
de 2
z/
02
ja
n/
03
fe
v/
03
0
Fonte: Caiso
Adequação dos Investimentos
Na segunda metade dos anos 90, ocorreu um profundo desequilíbrio entre oferta
e demanda de eletricidade na Califórnia, que foi um dos determinantes da crise. A
demanda cresceu fortemente enquanto que a oferta já estava estagnada há quase uma
década.
O consumo de eletricidade na Califórnia aumentou a uma taxa de 2,7% ao ano
entre 1995 e 2000 e a demanda de pico, que melhor indica as necessidades de
investimentos, cresceu a uma taxa de 3,4% ao ano entre 1995 e 1999236 (Figura II.29).
Essas taxas são bastante superiores às observadas na primeira metade da década de 90,
quando o consumo e a demanda de pico cresceram apenas 0,3% e 0,5% a.a.,
respectivamente237.
236
Em 2000, a demanda de pico diminuiu já influenciada pela crise elétrica. A demanda de pico ocorre no
verão, quando a crise já estava em vigor nesse ano.
237
O CEC (2002) aponta que a demanda de eletricidade nesse período não experimentou crescimento sem
precedentes como alguns autores sustentam. De fato, nos anos 70 e 80 o crescimento da demanda foi bem
mais elevado.
117
Figura II.29 Evolução da Demanda de Pico e do Consumo de Eletricidade
53
51
49
47
45
43
41
39
37
35
270
260
250
240
230
TWh
GW
(em GW e TWh respectivamente)
220
210
200
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Demanda de pico
Consumo
Fonte: CPUC
Durante a década de 90, a capacidade instalada de geração permaneceu por volta
de 54 GW (Figura II.30). As principais razões para o ritmo insuficiente de
investimentos foram a incerteza quanto às novas regras e a oportunidade de entrada
através da aquisição de centrais existentes.
Na primeira metade da década de 1990, as regras do modelo ainda não tinham
sido plenamente definidas e os empreendedores não sabiam como os investimentos em
geração seriam remunerados, esses não comprometeram seus recursos com novos
projetos.
Figura II.30 Evolução da Capacidade Instalada de Geração (GW)
60
50
40
Independentes
IOUs
30
20
10
0
1990
1994
1999
Fonte: EIA/DOE
A Figura II.30 demonstra que, apesar do total de capacidade instalada ter
permanecido inalterado, a estrutura de propriedade se alterou profundamente na
118
segunda metade da década de 90 como resultado da venda de grande parte das usinas
detidas pelas IOUs, principalmente de térmicas a gás, a geradores independentes. As
últimas, que possuíam 20% da capacidade de geração na metade da década, passaram a
possuir 55% no final dos anos 90.
A oportunidade de entrar na atividade de geração através da aquisição de plantas
das IOUs foi mais atraente aos potenciais investidores do que construir novas plantas.
Primeiramente, quando executam investimentos em novas plantas, os empreendedores
têm de esperar a maturação do capital, o que não é necessário ao adquirir plantas que já
estão em operação. Ou seja, novos investimentos só se reverterão em receitas em prazos
superiores a três anos, enquanto que plantas em operação geram receitas imediatamente.
Além disso, a entrada através da aquisição não acarreta em acréscimo de capacidade e
assim, não acirra a concorrência, o que tenderia comprometer a lucratividade na
atividade.
Também influenciou o ritmo de investimentos, a experiência da década de 80
que fez com que a expansão da capacidade de geração não constituísse uma prioridade
as autoridades. Os custos elevados do excesso de capacidade nos anos 80, decorrente
das condições favoráveis à entrada estabelecidas pelo PURPA, criaram reticências ao
desenvolvimento de incentivos à entrada. Desta forma, como aponta Joskow (2001), os
projetos de expansão não eram estimulados e, pelo contrário, tinham de enfrentar a
morosidade do CEC e a oposição da sociedade aos impactos ambientais resultantes.
O descolamento entre a evolução da demanda e da capacidade instalada resultou
em aumento do risco de desabastecimento. A margem de segurança, expressa pela
porcentagem de reserva nos momentos de demanda de pico, diminuiu progressivamente
ao longo da segunda metade da década de 90 (Figura II.31), culminando no
desabastecimento de eletricidade.
119
Figura II.31 Margem de Reserva nos Momentos de Demanda de Pico (%)
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
1991 1992
1993
1994 1995
1996 1997
1998
1999 2000
Fonte: CPUC
Por oito ocasiões ocorreram blecautes de eletricidade que chegaram a durar 6
horas, a maior parte no inverno de 2001 (Tabela II.14). Blumstein et al. (2002) apontam
que a parte predominante dos blecautes ocorreu em momentos em que a demanda não
estava tão elevada. Um dos blecautes em rodízio (rotating blackout) ocorreu em um
domingo de janeiro, quando a demanda de pico alcançou 27,7 GW, apenas 60% da
demanda de pico observada no ano. Segundo os autores, isso sugere que o problema
estava mais relacionado à disponibilidade de centrais existentes do que à capacidade de
geração. No entanto, essas duas causas são relacionadas, pois é a escassez de capacidade
que cria oportunidade para o comportamento estratégico na declaração de
disponibilidade
Tabela II.14 Blecautes em Rodízio na Califórnia
Data
14/06/00
17/01/01
18/01/01
21/01/01
19/03/01
20/03/01
07/05/01
08/05/01
Demanda de Pico (MW)
44.239
29.727
29.537
27.657
29.476
29.691
33.446
34.455
Carga Cortada (MW)
100
500
1000
101
1000
500
300
400
Duração do Corte (horas)
Não disponível
3
3
1
6
6
2
2
Fonte: Blumstein et al. (2002) tabela 4 p.28.
Após quase uma década em que a capacidade de geração estava estagnada, três
novas centrais de geração entraram em operação em julho de 2001, o que adicionou 1,8
120
GW de capacidade ao sistema. Centrais que estavam desligadas anteriormente voltaram
a operar. A retenção estratégica de capacidade foi desestimulada pelo maior rigor da
regulação e pelo esvaziamento do mercado spot238. Como grande parte da energia
passou a ser negociado no longo prazo através de contratos com o CDWR (California
Department of Water Resources), os geradores perderam interesse por reter capacidade
para manipular o preço no mercado spot.
Arranjos Institucionais
Ao longo do texto, foram apresentados os vários determinantes da crise elétrica
da Califórnia. A inadequação dos arranjos institucionais pode ser considerada como um
dos principais determinantes das falhas de coordenação que constituíram a causa
primordial da crise.
A reforma da Califórnia reservou um papel preponderante ao mercado spot de
energia do CALPX. Em função da exigência de que as IOUs transacionassem sua
energia pelo CALPX, este movimentava quase a totalidade da energia na Califórnia. Ao
contrário de outros países os contratos de longo prazo não tinham grande importância, e
os agentes ficaram excessivamente expostos às oscilações no mercado spot.
Inicialmente, o CPUC rejeitou que as IOUs negociassem contratos de longo
prazo que dessem proteção (hedge) a sua obrigação de serviço (default service). Em
1999, o CALPX passou a operar um mercado forward de energia. A CPUC autorizava
as concessionárias a adquirir até 20% de suas necessidades energéticas nesse mercado e
ter o repasse desses custos aos consumidores finais garantidos. No entanto, os contratos
forward não foram plenamente utilizados pelas IOUs. Somente a SCE adquiriu
contratos de longo prazo até o limite definido pela legislação.
Usualmente, restrições regulatórias são apontadas como causa da ausência de
proteção (hedge) das IOUs em relação à flutuações de preço no mercado spot. Na
verdade, bastariam contratos financeiros (que nunca foram proibidos), e não apenas
físicos, para conferir essa proteção às IOUs. Na experiência da Inglaterra e País de
Gales, onde o Pool era compulsório, os contratos por diferenças ofereciam esta
proteção. No entanto, aparentemente, as IOUs consideravam que estavam
238
O volume negociado médio no mercado spot caiu de 3.500 MW/hora em janeiro de 2001 para menos
500MW/h em agosto (Joskow, 2001).
121
suficientemente protegidas pelas regras vigentes. Na prática, essas podiam repassar
elevação nos custos de aquisição da eletricidade no mercado spot até cerca US$
60/MWh. Antes da crise, as IOUs pareciam não acreditar que o preço chegaria a esse
patamar.
Caso as vendas das IOUs tivessem cobertas com contratos de longo prazo, não
só estas teriam o seu custo financeiro da crise diminuído, como a disparada dos preços
no mercado atacado poderia não ter ocorrido. Como Green (2002a) aponta, a existência
de contratos de longo prazo diminui o incentivo das geradoras a manipularem o preço
do mercado atacadista, pois reduz o prêmio dessas estratégias (ainda que não o elimine).
Para diminuir os impactos da crise, o mercado sofreu um conjunto de
intervenções. A FERC, que é responsável por controlar os preços no mercado
atacadista, autorizou o CAISO a reduzir o teto de preços no mercado em tempo real
primeiramente de US$ 750/MWh para US$ 500/MWh em julho de 2000 e
posteriormente para US$ 250/MWh em agosto de 2000.
Em dezembro de 2000, um esquema de preço limite “leve” (soft cap) foi
instituído pelo FERC239. Os lances que superassem US$ 150/MWh teriam de ser
justificados pelo custo de produção. Quando esses lances são aceitos, o mercado deixa
de operar com preço único. O preço do sistema se iguala a US$ 150/MWh, e os lances
que superam esse valor são pagos pelo seu valor, mas não fixam o preço de mercado.
Como parte da mesma deliberação, o FERC possibilitou às IOUs a programarem
diretamente sua capacidade de geração remanescente para atender seus consumidores,
adquirindo no CALPX e CAISO somente a demanda líquida (excedente)240, e impôs
uma penalidade de US$ 100/MWh aos agentes que negociassem mais de 5% de suas
operações no mercado em tempo real. No entanto, as medidas não foram eficazes para
diminuir o preço no mercado atacadista, pois este se manteve elevado na primeira
metade de 2001.
239
Stoft (2000) sustentava que o soft cap não é efetivo para enfrentar o poder de mercado. Realmente,
segundo Blumsetein et el. (2002) as geradoras ignoraram a existência de limite para seus lances. Joskow
(2001) aponta que a disparada dos custos dos insumos fazia com que quase totalidade dos lances
superasse esse limite e que as empresas utilizavam intermediadores para fugir do teto preços.
Rapidamente, ficou evidente que o FERC não tinha capacidade para efetivar a medida e punir os
infratores.
240
Essa medida tinha como objetivo reduzir os custos das concessionárias, reduzindo sua exposição ao
CALPX. No entanto, como apontam Blumstein et al. (2002), as IOUs só eram impactadas pela energia
líquida que retiravam do CALPX, pois as receitas e despesas da energia própria se igualavam. O maior
impacto dessa medida se deu sobre o CALPX, pois os geradores independentes já preferiam negociar
122
No fim de abril, um novo esquema de controle de preços foi adotado pelo FERC.
Os geradores ficaram obrigados a fazer lances por toda sua capacidade no mercado em
tempo real. Em momentos em que as reservas operacionais fossem inferiores a 7% (i.e.
quando o estágio 1 de emergência é declarado), os lances seriam limitados ao custo
marginal de geração da unidade. Este limite foi estendido para todas as horas em junho.
Além de controlar os preços, o agravamento da crise financeira no setor fez com
o Estado passasse a intervir diretamente no mercado. No início de 2001, PG&E e SCE
deixaram de pagar ao CALPX, que, por sua vez, deixou de pagar ao CAISO pelos
serviços ancilares, que também ficou insolvente. O sistema estava em colapso e os
geradores estavam reticentes a ofertarem energia e não serem pagos. Primeiramente, o
Departamento de Energia do Governo Federal (DOE) e a Justiça Federal ordenaram que
os geradores não interrompessem a produção no período de emergência, o que, segundo
Joskow (2001), consistia no único motivo que mantinha as luzes acesas na Califórnia.
Posteriormente, o Governo do estado passou a utilizar fundos públicos para que a crise
de insolvência não paralisasse o setor. Entre janeiro e agosto de 2001, o governo,
através do CDWR, gastou US$ 10 bilhões adquirindo energia com fornecedores
independentes. Também foram negociados contratos de fornecimento de longo prazo de
até 20 anos, que envolveram compromissos de US$ 60 bilhões. Esses contratos tiveram
um importante papel para contornar a crise energético, mas atualmente representam um
relevante e duradouro passivo para o Estado. Os preços da eletricidade nos contratos,
estimados por Joskow (2001) em US$100/MWh, são cerca de três vezes maiores que os
preços vigentes pós-crise.
Desta forma, a opção do Estado foi por centralizar as decisões e eliminar os
componentes de mercado que eram o objeto da reforma da Califórnia. As principais
instituições que formavam o arranjo institucional ruíram. O CALPX encerrou suas
atividades já no fim de janeiro de 2001 e sua falência foi decretada posteriormente.
Como conseqüência o mercado em tempo real passou a concentrar a totalidade das
transações spot. No entanto, seu desenho não era apropriado para tal volume de
transações. Os contratos diretos da CDWR substituíram gradativamente o mercado
atacadista como forma de executar transações e garantir a segurança do abastecimento.
através do mercado em tempo real e, quando as concessionárias deixaram de utilizar o CALPX, a
quantidade transacionada se reduziu a quase zero, o que acarretou em sérios problemas financeiros.
123
Em setembro de 2001, o programa de competição na comercialização, que era um
objetivo primordial da reforma foi interrompido.
Moore (2002) aponta que o estabelecimento do quadro regulamentar da
Califórnia seguiu como princípio a participação dos agentes da indústria e
representantes de consumidores, o que Joskow (2001) denominou de “market design by
committee”. Acreditava-se que o resultado da barganha entre os agentes levaria ao
resultado eficiente, o que não ocorreu por que as partes não estavam representadas de
forma igual. Por outro lado, foram ignoradas características técnicas dos sistemas
elétricos e as lições das experiências de reforma de outros países.
O quadro regulamentar não estabeleceu claramente os papéis das instituições
reguladoras. Como conseqüência, houve um conflito de responsabilidades, omissão e
falta de coordenação das ações entre as esferas regulatórias. A atividade regulatória é
compartilhada por uma série de órgãos, sendo os principais a CPUC, a FERC, a CEC e
o Conselho Supervisor de Eletricidade (EOB), que monitora as atividades do CALPX e
CAISO. O conflito entre CPUC e FERC foi particularmente importante. A regulação do
mercado de varejo, responsabilidade da CPUC, seguiu direção distinta da regulação do
mercado de atacado, responsabilidade da FERC. Enquanto os preços ao consumidor
final permaneceram em larga medida regulados, os preços no atacado foram
liberalizados. A falta de clareza nas responsabilidades fez com que os reguladores
demorassem a responder a crise. Assim, as empresas encontraram liberdade para
exercer poder de mercado e a situação financeira das IOUs se deteriorou
progressivamente. A intervenção mais efetiva só ocorreu quando o caos já estava
instalado.
II.4.4. Conclusão
O desenvolvimento de uma estrutura institucional inadequada decorreu, em
grande parte, da perspectiva equivocada da qual partiu a reforma. Primeiramente, o
excesso de capacidade na primeira metade da década de 90, período em que a reforma
estava sendo formulada, acarretou em despreocupação com a evolução dos
investimentos. Assim, aspectos que poderiam favorecer a efetivação de investimentos
como o pagamento a capacidade e o desenvolvimento de mercados futuros e de longo
prazo não foram contemplados pela reforma. Por outro lado, a CPUC considerava que
124
as concessionárias seriam as empresas que teriam possibilidade de extrair rendas de
oligopólio/monopólio. Assim, foram tomadas várias medidas para diminuir o poder de
mercado dessas, como o estímulo à venda de seus ativos de geração, obrigatoriedade de
negociar a energia via CALPX e o congelamento das tarifas aos consumidores finais.
No entanto, as produtoras independentes é que manipularam o mercado e justamente as
IOUs sofreram as maiores perdas com a reforma.
O ideal de representatividade também resultou em ineficiência do arranjo
institucional. As responsabilidades mal definidas e a multiciplidade institucional não
permitiu uma intervenção eficiente para evitar ou administrar a crise. Os reguladores
demoraram a identificar e atacar os motivos da crise, principalmente a penalizar o
comportamento estratégico dos geradores independentes. Mesmo quando a crise já
estava instalada, os reguladores não foram capazes de enfrentá-la. Na verdade, essa só
foi contornada quando as condições de oferta e demanda se reverteram.
O desenho da reforma reservou um grande papel para o mercado. No entanto, a
solução para lidar com os problemas transitórios, acabaram por distorcer o mercado e
não permitir que os mecanismos de preço funcionassem, uma vez que o preço final da
eletricidade ficou congelado. Desta forma, não se pode afirmar que a descentralização
das decisões causou a crise. Recentemente, um grupo de membros da academia redigiu
um manifesto contra a orientação das medidas do governo pós-crise que promoveram a
volta do ambiente regulado ao setor elétrico da Califórnia. Segundo os autores, a crise
não implica que a competição não tem espaço no setor elétrico (Berg et al. 2001).
125
II.5.
Lições das Experiências Internacionais
Esta seção procura extrair lições obtidas pela análise comparativa das
experiências internacionais. Três elementos das experiências de reforma serão
analisados, os condicionantes, as escolhas e os resultados alcançados.
II.5.1. Condicionantes
A primeira constatação a partir da comparação das experiências apresentadas é
que a situação inicial dos países no momento da realização da reforma não é a mesma, o
que tem profundas implicações sobre seu encaminhamento, condicionando o desenho
escolhido e o desempenho do setor. As peculiaridades dos sistemas elétricos que
definem a situação inicial das reformas envolvem aspectos da estrutura da indústria, da
operação do sistema e das instituições envolvidas. Quanto à estrutura da indústria, as
experiências se diferenciam por:
•
Grau de concentração da atividade de geração – como em qualquer
atividade econômica, a intensidade da competição depende fortemente do
número e da participação relativa de empresas atuando na atividade de
geração. Assim, os potenciais ganhos da reforma são bastante
influenciados pela concentração na atividade de geração. Ainda que a
concentração possa ser modificada, inclusive através da atuação
regulatória, uma estrutura concentrada no momento inicial causa
problemas importantes. Esse foi o caso da Inglaterra e País de Gales, onde
a estrutura inicial consistia praticamente em duopólio. Nos países nórdicos,
a integração dos mercados nacionais através do Nordpool deu origem a
uma estrutura desconcentrada. Também na Califórnia, um número
significativo de empresas atuava na geração (Tabela II.15)
•
Sobra de infra-estrutura de transporte e geração – A escassez de
capacidade de transporte e de geração, apesar de ser uma variável
conjuntural, tem impactos sobre o funcionamento do mercado elétrico,
criando poder de mercado mesmo quando a estrutura não é concentrada.
Na atividade de geração de eletricidade, o mercado relevante241 é
241
O conceito de mercado relevante é importante nas análises de defesa da concorrência. Baseado nos
custos de transporte e na existência de produtos substitutos, são definidos os limites dos mercados para
determinado produto. Alguns produtos têm mercado relevante local, como o mercado de pães franceses,
outros mundial, como petróleo e outras commodities. Assim, a efetividade da concorrência no mercado de
126
determinado pela configuração da rede de transmissão, já que a
eletricidade gerada tem de utilizar linhas de transmissão para chegar nos
mercados. O problema é que as redes de transmissão foram desenvolvidas
seguindo uma lógica de minimizar os investimentos em transmissão e não
de aumentar a efetividade da concorrência, o que era coerente com
estrutura verticalizada da indústria no passado. Assim, o novos mercados
de eletricidade herdam um “legado de investimentos afundados
duradouros”242. Situações de congestão e restrições de rede fazem com que
o número de geradores com acesso aos mercados seja restrito.
Eventualmente, unidades de geração localizadas em áreas de gargalo têm
de ser despachadas permanentemente para manter a integridade da rede.
Sabendo dessa situação de “poder de mercado local”243, essas podem fixar
preços elevados e ainda assim serem despachadas. Em situações de
escassez de oferta de geração, as decorrências são similares. Os geradores
têm mais facilidade para manipular o preço de mercado. Isso é
particularmente verdade para empresas com grande portfólio de unidades
de geração, que são estimuladas a tornar unidades mais baratas
indisponíveis para forçar o despacho de unidades mais caras, inflando o
preço. Esses problemas estiveram presentes na experiência da Califórnia.
Nas outras experiências, a escassez de infra-estrutura não eram tão
relevantes no momento inicial.
•
Barreiras estruturais à entrada – Como foi evidenciado no primeiro
capítulo, a concorrência potencial é um elemento importante para restringir
o comportamento das firmas estabelecidas. A experiência mostra que a
redução da escala competitiva, propiciada pela difusão das turbinas
alimentadas a gás natural em ciclo combinado, aumentou as pressões
competitivas, ou a contestabilidade, na indústria de suprimento elétrico. No
entanto, é importante que o gás natural a baixo custo esteja disponível para
que essas pressões sejam efetivas. Caso essa condição não se verifique, o
mercado
será
menos
contestável.
No
conjunto
de
experiências
apresentadas, não ocorreram barreiras estruturais relevantes à entrada.
pães franceses depende, dentre outros fatores, do número de padarias no bairro e no mercado de petróleo
do número de empresas produtoras de petróleo no mundo.
242
Joskow (2002), p. 517.
127
•
Dinamismo do mercado – O longo prazo de maturação dos investimentos
É característica do setor elétrico. Assim, os sinais econômicos demoram
algum tempo para se traduzirem em alterações na capacidade instalada.
Quando o mercado cresce rápido, haverá menos tempo para que os sinais
de mercado corrijam descompassos entre oferta e demanda, o que pode
acarretar em poder de mercado e aumento do risco do desabastecimento. O
elevado crescimento da demanda foi um dos fatores conjunturais que
causaram a crise na Califórnia. Nas demais experiências, o dinamismo do
mercado é menor.
Quanto aos aspectos institucionais, duas características são importantes:
•
Força Institucional – a legitimidade, a capacidade de fazer valer suas
decisões (enforcement) e a clara definição do papel das instituições são
elementos que determinam o desempenho do arranjo institucional,
possibilitam que as instituições ajam eficazmente e evitando que disputas
legais emperrem o funcionamento do modelo. Holburn e Spiller (2002)
sustentam que a “governança regulatória” é o fator mais importante para a
promoção de investimentos244. A análise dos autores sugere que “ … a
chave para o sucesso das reformas é, primeiro, o estabelecimento de um
ambiente regulatório crível e, somente então, ponderar sobre refinamentos
da estrutura organizacional escolhida para a indústria”245. Newbery (2002)
também considera que a implantação de um marco legal estável é o ponto
de partida para a efetivação de reformas. A estabilidade econômica
também é relevante, pois mitiga incertezas e, assim, estimula
investimentos. A força institucional foi importante na experiência da
Inglaterra e País de Gales para que as modificações na estrutura da
indústria e nas regras de mercado fossem efetuadas. No caso da Califórnia,
houve conflito entre as instituições, que não tinham seus papéis claramente
definidos. Nos países nórdicos, o problema consistiu no espaço de atuação
das instituições que era nacional, enquanto que o mercado compreendia o
conjunto de países.
243
Joskow (2002), p. 518.
“… ‘having the institutions right’ is more important than ‘having the structure right’”. Holburn e
Spiller (2002), p. 465.
245
Holburn e Spiller (2002), p. 464.
244
128
•
Barreiras institucionais à entrada – Mesmo com a liberalização da
indústria podem restar barreiras à entrada institucionais. No setor elétrico,
que constitui uma das principais fontes de poluição, as restrições
ambientais são a maior fonte de barreiras institucionais pós-reforma. As
restrições provocadas pelas políticas ambientais inviabilizaram a
efetivação de novos investimentos no países nórdicos, implicando em
escassez. Na Califórnia, ainda que em um menor grau, as restrições
ambientais também constituíram um barreira à entrada. Na Inglaterra e
País de Gales, não haviam barreiras institucionais relevantes.
Uma característica operacional impacta o modo de coordenação, diferenciando
as experiências:
•
Matriz de geração – A coordenação setorial é distinta conforme as
tecnologias utilizadas para produzir eletricidade. Em sistemas que contam
com participação dominante de geração hidrelétrica a coordenação ganha
contornos especiais. Por um lado, essa possibilita a “estocagem” indireta
de energia elétrica. Ao reter água nos reservatórios, energia potencial é
acumulada, que pode instantaneamente ser transformada em energia
cinética e, então, em energia elétrica. Esse aspecto facilita a coordenação
do sistema, já que torna a manutenção do equilíbrio em tempo real menos
complexa. Ao possibilitar a estocagem, o problema de segurança do
abastecimento se modifica radicalmente. Em sistemas onde a capacidade
hidráulica não é dominante, esse problema é estático e traduzido na
margem de reserva (diferença entre capacidade instalada e demanda de
pico). Em sistemas predominante hidráulicos e que dispõem de
reservatórios de grande porte, a questão é dinâmica e depende da evolução
da acumulação de energia nos reservatórios, que funcionam como uma
poupança para o sistema. Assim, as variáveis importantes são a hidrologia
e a evolução do consumo (a demanda de pico não é tão relevante).
Isso também impacta a coordenação econômica. Em sistemas termelétricos,
as decisões de produção se baseiam em variáveis estáticas. Por exemplo, ao
decidir quanto gerar, uma central térmica não leva em consideração o preço
futuro da eletricidade, pois deixar de gerar hoje não tem implicações futuras.
Em sistemas hidrelétricos, as decisões são guiadas por critérios dinâmicos.
129
Se há capacidade de armazenamento nos reservatórios, gerar hoje significa
deixar de gerar no futuro. Assim, as expectativas quanto ao preço futuro têm
uma grande importância para definir a quantidade gerada hoje (Santana e
Oliveira, 2000).
Por outro lado, as decisões de produção são mais interdependentes em
sistemas predominante hidráulicos. No mesmo curso d’água, centrais a
montante condicionam as decisões de produção de centrais a jusante246. Se
as centrais tiverem plena liberdade para decidir a quantidade gerada,
podem ocorrer resultados ineficientes. Se uma central a jusante que
acredita que o preço da eletricidade subirá e se encontra com o
reservatório cheio, a produção da central a montante acarretará em
vertimento d’água ou forçará a central a jusante produzir, mesmo que esse
não seja sua vontade. Desta forma, há espaço para oportunismo e
ineficiência. Na Noruega, único país analisado que conta com
predominância da geração hidrelétrica, este problema foi resolvido pelo
acordo de bacias.
Tabela II.15 Condicionantes das experiências internacionais de reforma
I & PG
Concentração do mercado Elevada
de geração
Sobra de infra-estrutura
Sim
Barreiras Estruturais à
Baixas
entrada
Dinamismo do mercado
Baixo
Força Institucional
Elevada
Estabilidade institucional Elevada
e econômica
Barreiras institucionais à Baixa
entrada
Participação hidrelétricas Insignificante
Países Nórdicos
Baixa
Califórnia
Baixa
Sim
Baixas
Não
Baixas
Baixo
Moderada
Elevada
Elevado
Moderada
Elevada
Elevadas
Elevadas
Elevada
(Noruega)
Baixa
Fonte: Elaboração Própria
246
A coordenação do aproveitamento dos recursos hídricos não se limita à geração de eletricidade, mas
também aos outros usos da água, como navegação, irrigação etc. Em geral, são definidos padrões de
vazões para que a geração de eletricidade não comprometa demais usos.
130
II.5.2. Escolhas
As características dos sistemas influenciaram a escolha do desenho da reforma, o
que Stoft (2002) denomina de “arquitetura do mercado”. As experiências dedicam
espaços distintos para decisões centralizadas e para o mercado. Teoricamente, quanto
maiores forem as complexidades de coordenação geradas pelas características citadas,
menor seria o espaço para decisões descentralizadas. Ainda que nessas situações a
concorrência possa levar a benefícios, mecanismos de coordenação centralizada devem
estar presentes para evitar resultados ineficientes. O desenho de reforma inclui seis
aspectos, ou “sub-mercados”247, que podem ser solucionados com maior ou menor
centralização das decisões.
A Tabela II.16 apresenta a solução escolhida nas experiências analisadas248,
comparando os níveis de centralização adotados em cada aspecto. As classificações são
comparativas, qualificando as escolhas que implicam em maior centralização ou
descentralização entre as alternativas possíveis. Desta forma, não faz sentido comparar
as classificações entre diferentes aspectos do desenho da reforma249.
O primeiro ponto do desenho da reforma é a definição de como a energia será
transacionada no atacado em tempo real, no curto prazo (dia seguinte) e no longo prazo.
Em tese, as transações podem ser plenamente descentralizadas com a utilização de
contratos bilaterais, parcialmente centralizadas, através de bolsa ou pool250 ou
totalmente centralizada, através de hierarquia. Quanto mais próximas do momento da
operação (tempo-real), as transações requerem maior grau de coordenação centralizada
e, quanto mais distantes, menor.
Para as transações em tempo real há duas possibilidades, o coordenador da
operação pode centralizar completamente as decisões ou pode ser organizado um
mercado que transacione energia em tempo real. Como o equilíbrio tem de ser
alcançado instantaneamente, o mercado em tempo real também deve contar com
coordenação do operador do sistema.
247
Stoft (2002) considera que existe um mercado inteiro de energia elétrica que compreende vários submercados.
248
Como o desenho da reforma da Inglaterra e o País de Gales foi completamente alterado com a
implantação do NETA, a análise diferenciará os dois desenhos, Pool e NETA.
249
Por exemplo, quando as transações de curto prazo do pool da Inglaterra e País de Gales é classificado
como centralizado. Isso não implica que essas sejam mais centralizadas do que as transações realizadas
no mercado de tempo real da Califórnia.
250
A bolsa é mais descentralizada que o pool
131
As transações de energia em tempo real são mais centralizadas no Pool da
Inglaterra e País de Gales, que é o único que não contava com mercado de energia em
tempo real. No caso californiano, o mercado em tempo real foi implementado pelo
CAISO contando com relativa centralização, já que, primeiramente, os lances teriam de
refletir os custos, o que foi posteriormente revisto, e, em seguida, contava com um teto
que limitava os preços não só nesse mercado, mas também nos mercados de prazo mais
longo.
Tabela II.16 Desenho de mercado em experiências internacionais
Aspectos
Pool (I&PG)
1. Transações de energia no atacado
Tempo Real
C
Dia Seguinte
C
Longo Prazo
D
2. Transações no
D
Varejo
3. Segurança e Estabilidade
Curto Prazo
C
Longo Prazo
C
4. Planejamento
C
5. Tratamento
C
Congestão
6. Gestão d’água
-
NETA (I&PG)
Países
Nórdicos
Califórnia
D+
D+
D+
D+
D+
D
D
D
D
D
D
C
C
D
C
C
C
D
D
D
D
D
C
D+
-
D
-
Nota: C + significa bastante centralizado, C centralizado, D descentralizado
e D + Bastante descentralizado.
Fonte: Elaboração Própria
O mercado de curto prazo de eletricidade, que normalmente toma forma de
mercado para o dia seguinte, é uma importante figura no novo desenho institucional.
Mesmo quando a maior parte das transações não ocorre nesse mercado, esse tem um
papel fundamental para prover sinais para transações de longo prazo. Uma das
principais discussões referentes ao desenho da reforma é a questão de estruturar as
transações no mercado do dia seguinte: em contratos bilaterais ou mercados
centralizados (bolsa ou pool). Stoft (2002) aponta que mesmo contando com mais
tempo para coordenação do que o mercado em tempo real, uma opção centralizada deve
ser privilegiada devido às complexidades envolvidas (e.g. compromisso das unidades e
as restrições de transmissão). Segundo o autor, por não contar com transparência, os
mercados totalmente descentralizados (contratos bilaterais) demoram a efetivar a
132
coordenação. Em mercados centralizados, o preço é público o que facilita a coordenação
das decisões, identificando o conjunto ótimo de transações mais fácil e rapidamente251.
Desta forma, restariam duas opções para coordenar as transações de energia de
curto prazo (dia seguinte): bolsa de energia e pool. A bolsa de energia é uma solução
menos centralizada do que o pool. Essa é similar às bolsas de commodities em geral,
onde o papel do operador é de organizar o mercado e prover informações para facilitar
as transações. O modelo do pool é mais complexo e reserva um maior papel para o
operador. São utilizados programas computacionais para definir o equilíbrio, à
semelhança do que ocorria em pools de energia antes da reforma. Além do preço do
sistema, o modelo do pool remunera os geradores, através do uplift, com pagamentos
compensatórios (side payments)252 que se aplicam às parcelas não convexas dos custos
de geração (custo de partida e custo sem carga)253. Assim, no modelo pool, geradores
em uma mesma localidade podem receber preços diferentes no mesmo período de
tempo, enquanto que na bolsa todos recebem o mesmo preço. Os defensores do modelo
do pool, como Hogan, sustentam que a centralização é necessária para resolver os
problemas de coordenação de sistemas elétricos, principalmente a questão do
comprometimento das unidades (unit commitment)254, e contribuir para confiabilidade
do abastecimento.
Segundo Stoft (2002), o preço de equilíbrio na bolsa de energia, assim como de
contratos bilaterais, se aproxima mais de preços competitivos. Os preços devem cumprir
três objetivos: (1) atender a demanda ao menor custo de oferta, (2) induzir consumo
eficiente e (3) induzir investimento eficiente em capacidade de geração. O preço do pool
atende perfeitamente ao primeiro objetivo, mas, por reduzir as rendas intramarginais,
tende a não atender os demais. Assim, o preço do pool foca a eficiência de curto prazo,
251
Stoft (2002) p. 205.
Estes pagamentos são efetuados, quando o preço de equilíbrio não compensa que a planta opere devido
aos custos de partida e sem carga.
253
A não convexidade dos custos de geração é um dos problemas cruciais na coordenação de sistemas
elétricos. Isto ocorre quando o custo de produzir duas unidades é menor que o dobro do custo de produzir
uma unidade. Ou, de forma geral, se C (q1 ) + C (q2 ) < C  q1 + q2  (Stoft, 2002). O custo de partida é o custo
252
2

2

incorrido para iniciar a operação e o custo sem carga é o custo de manter a central operando sem colocar
energia na rede. No modelo de bolsa, as parcelas não convexas devem ser remuneradas pelo preço do
sistema – i.e. o gerador deve considerar esses custos ao executar o lance – enquanto no pool, há
remuneração específica e esses custos não devem compor o preço do sistema.
254
Como a partida das plantas é cara, uma vez dada a partida a planta está comprometida. O problema de
comprometimento de unidade corresponde a escolha ótima do período que cada gerador deve estar
comprometido ou descomprometido. Esse problema é bastante complexo devido não convexidade dos
133
mas falha ao dar sinais de longo prazo. O autor também defende que a solução do
problema de compromisso das unidades não precisa envolver tanta complexidade. Pois,
mesmo sem recorrer a pesados modelos computacionais, os geradores são capazes de
definir quando devem estar comprometidos255 e as falhas podem ser resolvidas pelas
reservas operacionais.
O Pool da Inglaterra e País de Gales (I&PG) é o desenho que propicia maior
centralização das transações de curto prazo (day-ahead). Esse opera segundo o modelo
pool, o que implica em um maior papel do operador na coordenação das operações. Há
um componente adicional de coordenação centralizada devido ao fato do modelo não
considerar lances de demanda (apenas de alguns grandes consumidores), ou seja, a
demanda não era ativa na determinação de preços. Os demais mercados para o dia
seguinte operam como bolsas de energia, que confiam parte relevante da coordenação à
interação dos lances dos geradores. Evidenciando a radical mudança promovida na
I&PG, o NETA representa a solução mais descentralizada. O princípio do NETA é que
a forma de transacionar a energia no curto e longo prazo deve ser fruto da preferência
das empresas que transacionam. Vários mercados do tipo bolsa poderiam ser
desenvolvidos para negociar energia no curto prazo256.
Nas transações de longo prazo, o espaço para a coordenação centralizada é
menor. Algumas abordagem optam por criar mercados centralizados, como mercados
futuros, para conferir maior transparência a formação de preços, diminuir custos de
transação e aumentar liquidez. Os mercados futuros são muito comuns para orientar as
transações de longo prazo de diversas commodities. Neste caso, a centralização não
seria substituta do mercado descentralizado, mas complementar, pois facilitaria a
negociação por contratos bilaterais. Outra possibilidade de ocorrer centralização no
mercado de longo prazo é a intervenção do Estado concedendo subsídios para setores
industriais ou certas classes de geradores. Devido aos vesting contracts, havia certa
centralização na I&PG no período no Pool, já que os preços e quantidades não eram
resultado da livre negociação entre as partes nesses contratos. A participação
custos de geração e restrições de transmissão e sua solução envolve matemática avançada e pesados
modelos computacionais. (Stoft, 2002, pp. 454-5).
255
Geradores que operam na base sabem que devem estar prontos para gerar à qualquer momento e
geradores do pico identificam os momentos que a demanda está aquecida, quando vale a pena dar a
partida em suas máquinas.
256
Na verdade, como a liquidez é um elemento determinante da qualidade do mercado do tipo bolsa e a
liquidez depende do volume negociado, mercados do tipo bolsa que negociam maior volume vão ser
preferidos, o que faz que tais operam em semelhança a um monopólio natural.
134
compulsória no Pool fazia com que os contratos de longo prazo fossem financeiros e
não físicos, o que não diminuiu a relevância das transações de longo prazo nesses
países. Na experiência nórdicos, a energia pode ser negociada no longo prazo através de
contratos bilaterais e mercados futuros. A existência de mercados futuros fornecia
importantes benefícios para a execução das transações. O modelo da Califórnia dava
muita importância ao mercado para o dia seguinte e poucas transações podiam ser
efetuadas no longo prazo.
As transações no varejo são tratadas diferentemente nas reformas. Há uma
grande discordância entre os benefícios de liberalizar o segmento de varejo, i.e. a
comercialização de energia, possibilitando que os consumidores finais possam escolher
seu fornecedor de eletricidade. A comercialização representa parcela pequena dos
custos de produção de eletricidade. Joskow (2000) estima que os custos de
comercialização correspondem de 3,3% a 4,7% das receitas totais da venda de
eletricidade257. Assim, enquanto a competição no atacado pode resultar em forte
redução nos custos totais de eletricidade, o impacto da competição no varejo não seria
tão representativo. Além disso, a liberalização implica em custos iniciais
correspondentes à modernização de medidores e sistemas de comunicação258.
Stoft (2002) analisa os argumentos para liberalizar o mercado de varejo e
conclui que os benefícios são limitados para justificar um experimento tão amplo.
Littlechild (2000a) defende a liberalização do varejo, apontando para seus efeitos
indiretos sobre o mercado de atacado, gerando incentivos mais poderosos para a
aquisição de eletricidade. Green (2002) sustenta que a liberalização do varejo dificulta a
contratação de energia no longo prazo. Caso fornecedores de eletricidade adquiram
energia através de contratos de longo prazo e a evolução dos custos tornem essa energia
não competitiva, esses perderão mercado. Os contratos de longo prazo são importantes
para estimular investimentos em geração, retirando riscos do gerador de eletricidade259.
No entanto, esse argumento pode ser utilizado para defender a liberalização. O repasse
dos riscos aos consumidores finais, que ocorre com mercados cativos, pode ser indutivo
à ineficiência. A liberalização do varejo diminui os requisitos de regulação e aloca os
riscos à quem esteja disposto a trocá-lo por remuneração. Caso os consumidores finais
257
Joskow (2000) pg 29.
Uma opção para evitar esses custos consiste na adoção de perfis de carga.
259
Os contratos de longo prazo foram determinantes para criar condições favoráveis a investimentos na
experiência da Inglaterra e País de Gales, enquanto o varejo não era totalmente liberalizado.
258
135
tiverem expectativa que a trajetória futura é de elevação de custos de eletricidade, esses
tendem a aceitar contratos de longo prazo de seu fornecedor que, por sua vez,
negociariam contratos de longo prazo com geradores. Mas isso não ocorrerá se a
expectativa dos consumidores finais for de reduções de custos. Dessa forma, a
liberalização implica em sinais mais completos e maiores oportunidades de escolha ao
consumidor final, implicando em maior eficiência.
A liberalização do varejo também diminui o espaço para geradores e
comercializadores de eletricidade agirem de maneira oportunista para inflar o preço de
eletricidade, às expensas dos consumidores finais260. As experiências de reforma
normalmente optam pela liberalização gradual do mercado de varejo, iniciando por
grandes consumidores.
Na I&PG e nos países nórdicos, mercado de varejo foi liberalizado
gradualmente. Inicialmente, somente os consumidores de grande porte podiam escolher
seus fornecedores e progressivamente essa possibilidade foi estendida para a totalidade
dos consumidores. Na Califórnia, a legislação previa a liberalização, mas as regras de
transição inviabilizaram que consumidores viessem a mudar de fornecedor.
O terceiro ponto do desenho é o tratamento da segurança do abastecimento e
estabilidade do sistema. No curto prazo, essa questão é definida pela forma que os
serviços ancilares são fornecidos. O fornecimento de serviços ancilares pode ser mais
centralizado, com o operador realizando contratos fora do mercado com geradores
específicos, ou menos centralizado com a formação de mercados. Como a garantia de
abastecimento e a estabilidade do sistema são bens públicos, sujeitos a problemas de
free-rider, a formação da demanda não pode ocorrer via mercado. Assim, os mercados
devem ser coordenados pelo operador do sistema, que define a demanda por serviços
ancilares.
A experiência da Califórnia é a única a introduzir alguma descentralização no
tratamento dos serviços ancilares, já que operavam mercados de reservas para contribuir
para a estabilidade e segurança do abastecimento no curto prazo. Nas demais
experiências, o operador do sistema gerencia a provisão desses serviços.
260
Em mercado cativo, o custo que a empresa de distribuição incorre para adquirir eletricidade é
repassado ao consumidor. A distribuidora pode fazer acordos com geradores que lesem o consumidor,
manipulando o preço da energia nos contratos orientados ao mercado cativo. De Oliveira e Losekann
(2000) tratam do efeito do monopólio da comercialização de energia no caso brasileiro.
136
No longo prazo, a segurança do abastecimento é determinada pela forma de
estimular de investimentos. Essa é uma questão crítica nas experiências de reforma, pois
a inadequação entre as evoluções da capacidade instalada e do consumo foi motivo de
problemas em várias experiências261.
Nesse aspecto, a solução totalmente descentralizada consiste em deixar que os
preços da energia sejam os únicos sinais para a efetivação de investimentos262. Como foi
destacado no primeiro capítulo, essa alternativa parte, implicitamente, da premissa que
não é necessário que a margem de segurança alcance um valor pré-estabelecido.
Bekman (2003) sustenta que esse tratamento tradicional não é aplicável ao setor
elétrico, pois a taxa de utilização da capacidade de produção é baixa para que os ativos
sejam remunerados como as commodities. Para justificar investimentos em centrais de
pico, que detêm fator de capacidade bastante baixo, essas teriam de ser remuneradas não
apenas pelo volume gerado, mas também pela capacidade263.
Essa solução pode ser obtida pela adoção do encargo de capacidade para induzir
investimentos. Nesse esquema, o operador do sistema define o valor de perda de carga e
sua probabilidade de forma centralizada e os geradores são remunerados pela energia
gerada e pela capacidade disponibilizada. O Pool era o único desenho a contar com
estímulo auxiliar para promover investimentos, além das flutuações de preço264. No
entanto, o encargo de capacidade, tal como estruturado no Pool dava espaço a
comportamento estratégico e foi eliminado com a implantação do NETA. Uma
particularidade da Califórnia era que além de não haver mecanismo para incentivar a
261
Brasil, Califórnia, Argentina, Chile, Itália, Países Nórdicos, Japão e Nova Zelândia sofreram
problemas derivados da escassez de investimentos.
262
A livre flutuação dos preços remunera custos variáveis e fixos. Nos momentos de escassez, o preço
aumenta e, mesmo que seja igual ao custo marginal do sistema, remunera os custos fixos através de
rendas intramarginais.
263
O autor utiliza a curva de carga da Nova Inglaterra para ilustrar seu argumento. Para que o
abastecimento de eletricidade seja confiável é necessário que a capacidade instalada totalize 29 GW. Esta
capacidade é dividida em duas porções. A primeira corresponde aos primeiros 15 GW da base da figura 4.
Essa parcela exibem características usuais de commodity, tendo fator de capacidade de 92,5%. Para essa
parcela valeria o argumento desenvolvido acima. A segunda parcela, os 14 GW do topo da figura 4 que
representa 48% da capacidade total, não possui características de commodity. O fator de capacidade é de
apenas 7,5% e para remunerar o custos fixos dessas centrais seria necessário que o preço da energia.
Segundo o autor, as 500 horas do topo (pico) têm requerimento de receita maior que US$ 400/MWh
acima do custo de combustível para recuperar o custo de capital. Isso justifica a criação de remuneração
específica para a capacidade.
264
Em função de problemas experimentados recentemente, os países nórdicos passaram a adotar contratos
que remuneram capacidade em reserva no longo prazo, o que pode ser considerado um incentivo ao
investimento.
137
efetivação de investimentos, o preço de energia era limitado por um teto, o que
dificultava a remuneração dos custos fixos.
Uma possibilidade mais centralizada é a adoção de requerimentos de
capacidade. Nesse esquema, o operador determina qual é a margem ótima de segurança
e exige que as empresas que atendem os consumidores finais (load-serving entities)
detenham contratos ou geração própria que envolvam capacidade instalada suficiente
para atender essa margem em relação a sua demanda de pico. Pode ser criado um
mercado centralizado de capacidade para atender a essa exigência. Este mecanismo é
adotado no PJM (mercado que integra 5 estados do Centro-Leste265 e o Distrito de
Columbia) e faz parte do desenho padrão recomendado pelo FERC para as reformas nos
Estados Unidos.
O planejamento constitui outro elemento do desenho institucional. O
planejamento da expansão é bastante centralizado quando é do tipo determinativo, no
qual uma instituição (e.g. operador do sistema ou ministério) define os projetos que
serão executados e seus empreendedores. O planejamento indicativo é menos
centralizado. O planejador divulga a previsão de crescimento de mercado e a
necessidade de expansão da oferta, indicando uma lista de projetos, que pode ser
seguida ou não. A opção descentralizada se caracteriza quando o planejamento ocorre
no âmbito das empresas, não sendo objeto de centralização. Na I&PG e na Califórnia, o
planejamento era indicativo, realizado, respectivamente, pela NGC, através do “SYS Seven Years Statment”, e pelo CEC. Nos países nórdicos, o planejamento era
descentralizado. Mas, recentemente, o Nordel, instituição composta pelos operadores do
sistema dos países que compõem o bloco, realizou o primeiro planejamento conjunto.
A arquitetura de mercado também inclui o tratamento conferido à congestão de
linhas de transmissão. A justificativa para a adoção de preços locacionais é o
surgimento de sinal de preços quando a capacidade de transmissão é um recurso escasso
(congestão). Esses gerariam sinais econômicos para orientar as decisões de alocação de
centrais e cargas em diferentes pontos da rede. O preço de congestão corresponde ao
diferencial de preços entre localidades. Uma opção é a adoção de preços nodais, onde o
operador do sistema calcula preços que refletem as restrições em cada nó do sistema.
Uma alternativa mais descentralizada é a alocação de direitos de transmissão, que se
265
Incluindo Pensilvânia, New Jersey e Maryland, que originaram o nome.
138
negociados competitivamente gerariam sinais ótimos de preço266. Essa alternativa foi
adotada pelo PJM em 1998 e também constitui recomendação do FERC. Como é
complexo definir preços locacionais para cada nó, a utilização de zonas é uma forma de
simplificar o problema, adotada em diversas experiências. É o que ocorre nos países
nórdicos267 e na Califórnia. Nos primeiros, os encargos de congestão são apropriados
pelos operadores e, na Califórnia, os direitos de transmissão eram negociáveis.
O último ponto do desenho institucional é a gestão do parque hidrelétrico. Como
apresentado, em sistemas predominantes hidráulicos há grande interdependência das
decisões. Uma opção é a centralização da gestão do parque hidrelétrico, que operaria
como se todas centrais pertencessem a uma única empresa. Mas nos Países Nórdicos,
que consistem na única experiência internacional analisada que conta com participação
relevante da geração hidrelétrica, a solução adotada foi distinta. A Noruega, país onde
estão concentradas as centrais hidrelétricas, conta com um acordo de bacias que diminui
a possibilidade de conflitos e permite a descentralização da gestão dessas centrais.
II.5.3. Resultados
O desempenho das reformas foi avaliado sobre três aspectos: eficiência
alocativa, investimentos e arranjos institucionais. A experiência da Califórnia foi a que
apresentou o pior desempenho em todos os aspectos. A experiência dos países nórdicos
obteve bastante sucesso em termos alocativos, mas a escassez de investimentos
acarretou em problemas recentemente. A convivência de mercados centralizados e
descentralizados para transacionar eletricidade no curto e longo prazo foi positiva para
limitar os custos de transação. Os problemas dos arranjos institucionais derivam da
inexistência de instituições que atuassem no conjunto dos países e propiciassem a
coordenação coletiva dos países que formam o bloco.
Na I&PG, a eficiência alocativa não foi alcançada no período inicial, o que
motivou a implantação da NETA. A trajetória de preços passou a ser cadente, se
aproximando do custo marginal, em função das modificações das regras e da estrutura
de mercado. No NETA, os arranjos institucionais dão liberdade para os agentes
adequarem as formas de transacionar eletricidade às suas necessidades, o que mitigou o
266
Joskow e Tirole (2000) demonstram que os direitos de transmissão podem intensificar o problema de
poder de mercado, causando ineficiência produtiva e perda de bem-estar.
267
Somente a Noruega conta com um esquema que é similar ao preço nodal.
139
custo de transação. A variável chave para ratificar o bom desempenho do NETA é a
adequação dos investimentos, que ainda não pode ser avaliada.
Tabela II.17 Desempenho das experiências internacionais de reforma
Aspectos
Eficiência Alocativa
Adequação dos
Investimentos
Arranjos
Institucionais
Pool
Neta
Ineficiente
Adequado
Eficiente
?
Problemas
relevantes
Adequados
Países
Nórdicos
Eficiente
Inadequado
Problemas
limitados
Califórnia
Muito Ineficiente
Inadequado
Muitos problemas
Fonte: Elaboração Própria
Ainda que as experiências tenham características do sistema, desenhos e
desempenho distintos, todas promoveram significativas mudanças em relação à situação
anterior. O espaço para concorrência é bastante superior ao existente antes das reformas
mesmo nas experiências que promoveram menor descentralização.
Uma questão bastante debatida na literatura é a intensidade adequada da
descentralização268 das decisões. O caso da Califórnia é apontado pelos defensores da
maior centralização como uma evidência da inadequação de descentralizar as decisões
em excesso. No entanto, níveis similares de descentralização foram promovidos nos
países nórdicos e no NETA, que não tiveram o mesmo desempenho. Na verdade, a
descentralização não foi o problema determinante da crise da Califórnia. As medidas de
transição e a deficiência do arranjo institucional foram mais importantes.
Outra questão central é a evolução dos investimentos. Esse problema se repetiu
na Califórnia e nos países nórdicos. Esses países não contavam com remuneração
específica da capacidade, sendo os investimentos remunerados apenas pelos preços da
energia. Na I&PG, onde os investimentos foram elevados, existia encargo de
capacidade. Essa evidência apontaria que o desenvolvimento de política que promova
segurança do abastecimento é fundamental para o êxito das experiências. No entanto, a
forma de remuneração da capacidade não foi o único determinante da evolução dos
investimentos, uma vez que as barreiras institucionais à entrada foram excessivas. As
restrições ambientais inviabilizaram investimentos, principalmente nos países nórdicos.
268
Hogan é o principal defensor da maior centralização, enquanto que Stoft, entre outros, defende maior
descentralização.
140
As lições das experiências internacionais de reforma mostram que a
descentralização e a competição trazem benefícios quando as circunstâncias são
adequadas. As características iniciais têm profundas implicações sobre a evolução da
reforma e são os principais determinantes dos problemas observados. Desta forma, é
muito importante que as autoridades procurem adequar as características, pelos menos
àquelas a seu alcance (características institucionais), ao objetivo da reforma.
141
CAPITULO III - REFORMA DO SETOR ELÉTRICO
BRASILEIRO
III.1.
Antecedentes
O desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil seguiu, em linhas
gerais, o padrão internacional. O surgimento da indústria brasileira de eletricidade
ocorreu no final do século XIX269. Foi através de empresas multinacionais que a
indústria se expandiu nesse período inicial. Dois grupos do Canadá e dos Estados
Unidos, Light e Amforp, atendiam aos principais centros urbanos brasileiros,
combinando os serviços de transporte por bondes e fornecimento de eletricidade. Na
virada do século XX, canadense-americana Light centrou suas operações nas cidades de
São Paulo e Rio de Janeiro270. A americana AMFORP (American Foreign Power
Company) iniciou suas operações no país em 1924 com a compra de pequenas
concessionárias no interior e, posteriormente, passou a atender as capitais não supridas
pela Light.
As atividades da indústria de fornecimento de eletricidade eram objeto de
limitada intervenção estatal e a regulamentação setorial era baseada nos contratos de
prestação de serviços. O Código de Águas, implementado em 1934, e a Constituição de
1937 modificaram a atuação do Estado no setor. O Código centralizou o poder de
concessão e a capacidade de legislar no governo Federal. A cláusula ouro dos contratos
de concessão, que indexava as tarifas das empresas de eletricidade à cotação do ouro,
foi extinta e o regime tarifário a custos de serviço, com remuneração dos ativos baseada
em seus custos históricos foi instituído. As empresas estrangeiras foram proibidas de
participar de licitações para aproveitamento de recursos hídricos.
Em face a esse novo contexto, as empresas congelaram investimentos e o ritmo
de crescimento da capacidade instalada de geração se reduziu drasticamente (Tabela
III.1). Como o crescimento do consumo de eletricidade nos centros urbanos era bastante
269
A inauguração da iluminação interna da estação central da ferrovia D. Pedro II (atual Central do
Brasil), em 1879, é o marco inicial da utilização de eletricidade no Brasil.
270
O início de sua operação no Brasil ocorreu em 1900, através da São Paulo Tramway, Light and Power
Company. Depois, em 1904, criou a Rio de Janeiro Tramway Light and Power.
142
elevado271, houve desequilíbrio entre oferta e demanda. Blecautes e quedas de tensão se
tornaram freqüentes, novas ligações não eram efetuados e racionamentos de eletricidade
foram implementados. Progressivamente, formou-se um consenso de que a indústria de
eletricidade consistia um gargalo ao desenvolvimento do país272.
Tabela III.1 Crescimento da capacidade instalada de geração
Taxa anual (1883-1945)
Períodos
% a.a.
1883-1900
35,7
1900-10
30,7
1910-20
8,8
1920-30
7,8
1930-40
4,8
1940-45
1,5
Fonte: Gomes et al. (2002). P. 326 tabela 1.
Para contornar essa situação, o Estado passou a intervir diretamente no setor
para complementar a atuação privada e as primeiras concessionárias estatais foram
criadas, na metade do século XX
273
. No segundo governo de Getúlio Vargas, foi
instituído Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), cujos recursos formavam o
Fundo Federal de Eletrificação (FFE)274. Essa estrutura de financiamento (funding) foi
fundamental para efetivação dos objetivos para o setor elétrico presentes no Plano de
Metas, desenvolvido no Governo de Juscelino Kubitshek na segunda metade da década
de 50. Durante o Plano de Metas275, a indústria brasileira de eletricidade276 se
desenvolveu fortemente com liderança do Estado. A área de energia elétrica
representava um quarto do investimento planejado total e a meta era elevar a capacidade
instalada de 3,2 GW em 1955 para 5,6 GW em 1961, que foi atendida em 84%277.
271
Nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a média do crescimento anual da demanda foi próxima a
9% no período 1930-45.
272
A missão Cooke (1942-43), formada por um grupo de técnicos brasileiros e americanos, concluiu que
a energia elétrica consistia em um dos principais gargalos que restringiam o desenvolvimento industrial
do Brasil (Gomes et al. 2002) O prognóstico era de que, por volta de 1959-60, o país enfrentaria uma
grave crise de abastecimento de energia elétrica (Melo et al., 1994)
273
No âmbito Federal, foi criada a CHESF (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) em 1948 para
gerar eletricidade em região não contemplada pela iniciativa privada. No nível estadual, a CEEE
(Comissão de Energia Elétrica do Estado) foi criada no Rio Grande do Sul em 1943 e a Cemig (Centrais
Elétrica de Minas Gerais S.A.) em Minas Gerais em 1952
274
Getúlio Vargas encaminhou ao congresso um projetos de lei para equacionar o problema de oferta de
eletricidade, que também incluía o Plano Nacional de Eletrificação - que previa o crescimento da
capacidade instalada de 160% am dez anos (1955-1965), a uniformização da corrente elétrica e a
interconexão dos sistemas regionais - e a criação da Eletrobrás. Esses pontos, no entanto, não foram
aprovados
275
Segundo Lessa (1982), O Plano de Metas “constitui provavelmente a mais ampla ação orientada pelo
Estado, na América Latina, com vistas à implantação de uma estrutura industrial integrada”.
276
Anteriormente, o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), de 1947, já priorizara
investimentos estatais no setor elétrico. Sua meta era aumentar a capacidade de geração de 1,5 GW para
2,8 GW, mas não foi plenamente cumprida.
277
Gomes et al. (2002).
143
A estrutura institucional que passaria a reger o setor também foi definida neste
momento com o Estado centralizando as decisões. O Ministério de Minas e Energia foi
criado em 1960, recebendo funções que eram desempenhadas pelo Ministério da
Agricultura. A Eletrobrás, a empresa holding do setor elétrico, foi formada em 1961.
Então, a atuação estatal como empreendedor deixava de ser apenas
complementar à privada. Em meados da década de 60, o Estado já detinha a maior parte
do parque instalado nacional. Em 1964, a Amforp foi adquirida pela Eletrobrás278. A
Light só viria a ser transferida para a administração pública em 1979, quando restou à
iniciativa privada uma participação marginal no setor.
Até a década de 1970, o setor elétrico brasileiro experimentou um longo período
de êxitos que permitiu ampliar continuamente o parque de geração (Tabela III.2),
provendo acesso de parcela crescente da população brasileira aos serviços elétricos, com
melhoria continuada da qualidade dos serviços e decréscimo das tarifas reais. Repetindo
outras experiências, a combinação de regime monopólico, propriedade estatal e
remuneração a custos de serviços foi crucial para a exploração das economias de escala.
Também contribuiu para o desenvolvimento do setor elétrico a disponibilidade de
aproveitamentos hidrelétricos próximos aos centros consumidores.
Tabela III.2 Crescimento da capacidade instalada de geração
Taxa anual (1945-1980)
Períodos
%a.a.
1945-50 1950-55 1955-60 1960-65 1965-70 1970-75 1975-80
7,0%
10,8%
8,8%
9,1%
8,7%
11,7% 10,2%
Fonte: Gomes et al. (2002)
A expansão do setor foi ajudada pelas condições financeiras favoráveis. A
captação externa era facilitada pela elevada liquidez no mercado financeiro
internacional e pelo apoio dos organismos multilaterais de crédito, notadamente do
Banco Mundial. A situação financeira das empresas estatais era equilibrada, já que as
tarifas eram realistas com os custos setoriais. Desde 1971, as empresas contavam com
278
Posteriormente, as empresas que formavam o grupo Amforp foram repassadas para os governos dos
Estados, formando as várias das concessionárias de distribuição estaduais. A transferência destes ativos
atendia ao objetivo de limitar as atividades das controladas da Eletrobrás à geração e transmissão e das
empresas estaduais à distribuição.
144
remuneração garantida de 10 a 12% do capital investido279, que permitia que essas
financiassem parte relevante de seus investimentos através de capital próprio280.
O setor elétrico brasileiro apresentava perfil institucional variado (Tabela III.3).
O Estado centralizava as decisões. O Ministério de Minas e Energia era responsável
pelo estabelecimento da política setorial. O DNAEE (Departamento Nacional de Águas
e Energia Elétrica) era o órgão regulador. Como o Estado atuava diretamente no setor,
essas instituições tinham importância limitada.
A União e os estados eram proprietários das empresas mais importantes, a
primeira concentrado nas atividades de geração e transmissão e os segundos na de
distribuição. A Eletrobrás é a empresa holding do setor. Essa constituía o principal
instrumento de intervenção do Estado no setor. Antes do processo de privatização, a
empresa controlava as quatro empresas de geração e transmissão (Furnas, Eletrosul,
Eletronorte e CHESF) e duas empresas de distribuição (Escelsa e Light). A Eletrobrás
também controlava a Nuclen, empresa responsável pela geração de eletricidade a partir
de energia nuclear, a parte nacional da hidrelétrica de Itaipu e o Cepel, órgão de
pesquisa do setor elétrico.
Além da função de holding, a Eletrobrás era responsável pela coordenação da
operação e da expansão do sistema, através dos órgãos colegiados GCOI (Grupo
Coordenador de Operação interligada) e GCPS (Grupo Coordenado de Planejamento
Setorial dos Sistemas Elétricos). A Eletrobrás também era o órgão de financiamento
setorial,
centralizando
os
recursos
destinados
ao
setor
(FFE,
empréstimos
compulsórios281 e a Reserva Global de Reversão- RGR282).
279
O esquema de remuneração garantida, instituído pela lei n. 5.655, criava disparidades tarifárias entre
os mercados mais maduros e aqueles em desenvolvimento. Nas áreas com maior densidade populacional,
os investimentos eram diluídos em maior volume demandado (economia de densidade), possibilitando
tarifas menores. Em mercados incipientes, o custo fixo era diluído em uma base menor de consumidores e
as tarifas tinham que ser maiores para propiciar o mesmo retorno do capital investido. Em 1974, o
governo adotou uma política de subsídios cruzados para eqüalizar as tarifas no território nacional. As
empresas que obtinham remuneração maior que a permitida transferiam recursos às empresas deficitárias,
através da Reserva Global de Garantia (RGG). A remuneração insuficiente ou em excesso era registrada
na Conta de Resultados a Compensar (CRC). Até 1977, esta política funcionou propiciando a todas
concessionárias a remuneração legal sem necessidade de aportes do governo (Gomes et al., 2002).
280
Segundo Lago (1992), o índice de autofinanciamento do conjunto das empresas estatais era elevado
mesmo quando comparado ao de empresas privadas.
281
O empréstimo compulsório foi instituído em 1962, como um adicional cobrado nas contas dos
consumidores finais de eletricidade. Como contrapartida, o consumidor recebia obrigações da Eletrobrás
que tinham retorno de 12% a.a. e eram resgatáveis em 10 anos.
282
A RGR surgiu com a finalidade de gerar recursos para o poder concedente indenizar às
concessionárias por bens e instalações não amortizados no momento da reversão da concessão. A
145
A distribuição de eletricidade era prestada por 29 concessionárias estaduais283.
Grande parte das concessionárias de distribuição também possuíam ativos de geração e
transmissão284.
Ainda participavam do sistema pequenas empresas municipais e privadas, que
geravam e distribuíam eletricidade em municípios do interior do país. Apesar destas
representarem um grande número de empresas, sua participação no mercado brasileiro
era ínfima.
Tabela III.3 Perfil institucional do setor elétrico brasileiro pré-reforma
Função
Política Setorial
Órgão Regulador
Holding
Geração – Binacional
Geração / Transmissão – Federais
Distribuição – Federais
Geração – Estadual
Geração / Transmissão / Distribuição Estaduais
Distribuição – Estaduais
Distribuição – Municipais
Geração / Distribuição – Privadas
Órgão / Empresa
Ministério de Minas e Energia
DNAEE
Eletrobrás
Itaipu
Eletrosul
Furnas
CHESF
Eletronorte (a)
Escelsa
Light
CESP(b)
CEMIG
COPEL
CEEE
CELG
24 empresas
4 empresas
20 empresas
Obs: (a) A Eletronorte também atua como distribuidora para consumidores
eletrointesivos e atende também a sistemas isolados.
(b) A CESP considerada como uma geradora, mas como distribuidora
atende a grandes consumidores, que compõem o nono maior mercado
do país .
Fonte: De Oliveira et al. (1999).
A fase de êxitos da indústria de fornecimento de eletricidade brasileira se
esgotou no final dos anos 70. O primeiro choque do petróleo deteriorou as contas
externas brasileiras, já que o petróleo era o principal item da pauta de importações do
País. Para não comprometer o processo de industrialização, o governo optou por
continuar com a estratégia de “crescimento com endividamento”285, que intensificaria a
Eletrobrás passou a administrar esse fundo em 1971, que foi empregado para empréstimos aos
concessionários para a expansão do setor.
283
Alguns estados detinham mais de uma empresa de distribuição, como São Paulo.
284
Se destacam como geradoras, a CEMIG (MG) e a COPEL (PR).
285
Castro e Souza (1985). Essa estratégia era consubstanciada no II PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento), de 1974.
146
participação do Estado na economia através de endividamento externo que compensaria
o déficit na balança comercial. As empresas do setor elétrico tinham papel crucial nessa
estratégia, pois captavam dinheiro no exterior286 para financiar os grandes projetos de
geração287, como Itaipu e Tucuruí.
A crise da dívida de 82 penalizou severamente esta estratégia, já que a liquidez
do mercado financeiro internacional se reverteu e a taxa de juros dos empréstimos
disparou288. Por outro lado, a possibilidade de autofinanciamento já havia sido minada.
As tarifas passaram a ser definidas289 com objetivo de estabilizar preços e desenvolver
política
industrial290
e
a
remuneração
garantida
das
concessionárias
ficou
comprometida. Progressivamente, a situação econômica-financeira setorial se
desequilibrou291 e a inadimplência, inclusive na CRC292, se generalizou. Como as
empresas não tinham recursos, o nível de investimento diminuiu drasticamente a partir
da segunda metade dos anos 80 (Figura III.1) e várias obras foram paralisadas,
acarretando em elevados custos financeiros.
286
A liquidez no mercado financeiro internacional era elevada em função dos depósitos dos chamados
“petrodólares”. Ou seja, a renda diferencial auferida pelos produtores de petróleo foi depositada nos
bancos internacionais. Esse excesso de liquidez tornava o crédito abundante e barato para os países em
desenvolvimento como o Brasil. Muitas vezes a taxa de juros reais dos empréstimos era negativa.
287
Um dos pontos centrais do II PND era estimular as indústrias eletro-intensivas. Para tanto, previa-se o
aumento de 60% na capacidade de geração hidrelétrica.
288
Muitos empréstimos captados por empresas brasileiras eram remunerados por taxas de juros flutuantes.
289
Em 1979, foi estabelecido que as tarifas de eletricidade deveriam ser aprovadas pela Secretaria de
Planejamento (decreto 83.940)
290
Foram instituídos subsídios às indústrias eletro-intensivas.
291
Outros fatores contribuíram para este quadro: a extinção IUEE pela Constituição de 1988 e a elevação
da alíquota de Imposto de Renda das empresas de energia elétrica de 6% para 40%.
292
Em 1987, os débitos da Conta de Resultado a Compensar somavam US$ 7 bilhões (Gomes et al.,
2002).
147
Figura III.1 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro
1970 – 1992 (R$ milhões de 1999 deflacionados pelo IGP-DI)
25.000
20.000
Inst. Gerais
15.000
Distribuição
Transmissão
10.000
Geração
5.000
90
88
92
19
19
19
86
19
82
84
19
19
80
19
78
76
19
19
74
19
72
19
19
70
0
Fonte: Eletrobras
O Revise (Revisão Institucional do Setor de Energia Elétrica) foi a primeira
iniciativa para definir novos rumos para o setor elétrico brasileiro. Esse constituiu em
um estudo da situação e das perspectivas setoriais realizado em conjunto pelas empresas
do setor durante os anos 1988 e 1989. De Oliveira (1998) aponta que ainda que
houvesse um consenso quanto às razões da crise - defasagem tarifária e ausência de
incentivos à eficiência - os conflitos setoriais não permitiram que uma solução de
consenso fosse delineada293. Tampouco fazia parte do debate mudanças na estrutura da
indústria, que introduzissem concorrência, em linha com as experiências internacionais
de reforma.
III.2.
Reforma294
A reforma do setor elétrico brasileiro é parte integrante do conjunto de medidas
políticas pró-mercado implementadas no início da década de 90 (Araújo, 2001). Essa
ocorreu de forma dispersa. Seu início ocorreu na primeira metade da década de 90 e as
principais instituições foram criadas na segunda metade da década. No entanto, vários
elementos permaneceram indefinidos até a ocorrência da crise, que promoveu sua
293
Foi particularmente significante o conflito entre Eletrobrás e concessionárias estaduais (Dias Leite,
1997).
294
Esse item aborda as regras vigentes antes do racionamento, que é tratado no item III.3.1
148
revisão. Ou seja, a reforma brasileira foi interrompida antes mesmo de que suas
diretrizes fossem plenamente implementadas.
As primeiras medidas atacaram as barreiras jurídicas à implantação de um
regime de mercado no setor elétrico. Na Constituição de 1988, houve a partida ao
possibilitar que a União delegasse a terceiros a prestação de serviços de energia elétrica
a atores privados, através de concessões, permissões e autorizações295. A Constituição
também eliminou o imposto único de energia elétrica e as restrições ao capital
estrangeiro, inclusive para exploração de recursos hídricos.
Em 1993, a lei 8.631 extinguiu a equalização tarifária. As tarifas passaram a ser
estabelecidas entre concessionário e Poder Concedente, devendo cobrir os custos
específicos de cada concessionária. A lei também promoveu um acerto de contas entre
empresas e governo, zerando a Conta de Resultado a Compensar, o que custou cerca de
US$ 30 bilhões ao Tesouro Nacional.
Em 1995, a Lei das Concessões (lei no 8.987) possibilitou a entrada de capital
privado no setor e implantou a sistemática de licitações competitivas para concessões296.
No mesmo ano, a Lei de Conversão das Concessões Elétricas (9.074) criou as figuras do
consumidor livre e do produtor independente de energia, indispensáveis para a
instalação de um ambiente competitivo e instituiu o livre acesso as redes de transporte.
Esse conjunto de leis permitiu iniciar o processo de privatização do setor elétrico
brasileiro. As distribuidoras detidas pelo governo federal foram as primeiras empresas a
serem vendidas, Escelsa em 1995 e Light em 1996. A opção de vender primeiro a
distribuição deveu-se ao fato de seu faturamento advir diretamente do consumidor final
e não de empresas estatais, o que provocaria reticências dos investidores em razão do
histórico de inadimplência setorial. Por outro lado, investimentos em geração envolviam
maior incerteza, pois o desenho institucional e regulatório ainda não estava implantado.
A intenção do governo era privatizar a totalidade dos ativos de distribuição. Da
geração, só continuariam em propriedade do Estado as plantas nucleares e a parte
295
Artigo 21.
O texto previa que a tarifa seria o preço da proposta vencedora da licitação. No artigo 15, foram
definidos os critérios de julgamento das licitações. Além do valor da tarifa, constam o pagamento ao
poder concedente, proposta técnica e combinações desses. Para a distribuição, o pagamento ao
concedente foi o critério considerado para avaliação das propostas. Na transmissão, o valor da tarifa foi o
critério de avaliação para projetos de novas linhas.
296
149
nacional de Itaipu. O modelo previa que as linhas de transmissão permaneceriam
estatais e somente os novos projetos poderiam ser executados por capital privado.
Tabela III.4 Privatização no Setor Elétrico Brasileiro
Data do Leilão
Consórcio Vencedor
US$ milhões
DISTRIBUIÇÃO
Escelsa
Light
11/07/95
21/05/96
519
2.217
Cerj
20/11/96
Coelba
31/07/97
CEEE (N/NE)
21/10/97
CEEE (CO)
CPFL
Enersul
Cemat
Energipe
21/10/97
05/11/97
19/11/97
27/11/97
03/12/97
Cosern
12/12/97
Coelce
02/04/98
Metropolitana
Celpa
Elektro
Bandeirante
Celpe
Cemar
Saelpa
GERAÇÃO
Cachoeira
Dourada
Gerasul
Paranapanema
(CESP)
Tiête (CESP)
15/04/98
08/07/98
16/07/98
17/09/98
18/02/00
15/06/00
30/11/00
Iven (45%) e GTD (25%)
EDF, AES e Houston (34%), BNDESpar
(9%) e CSN (7%)
Chilectra (42%), EDP (21%) e Endesa
(7%)
Iberdrola (39%), Brasilcap (48%) e Outros
fundos (13%)
VBC (33%), Pseg Brasil (33%) e Previ
(33%)
AES (100%)
VBC (45%) e Fundos de pensão (55%)
Escelsa (100%)
Rede (65%) e Inepar (35%)
Cataguazes Leopoldina e Fundos de
Pensão (100%)
Coelba (63%), Guariana (31%) e Uptick
(6%)
Enersis-Chilectra (26%), Endesa (38%) e
CERJ (36%)
Light (100%)
Rede (65%) e Inepar (35%)
Enron (100%)
CPFL (44%) e EDP (56%)
Guaraniana (Iberdrola, BBI e Previ)
Pensylvannia Power & Light (86%)
Cataguazes Leopoldina (100%)
05/09/97
15/09/98
28/07/99
Endesa (60%), Edgel (20%) e Fundos
(20%)
Tractebel (100%)
Duke Energy (100%)
27/10/99
AES (100%)
TOTAL
587
1.598
1.486
1372
2.731
565
353
520
606
868
1.777
388
1.273
860
1.004
523
185
714
880
682
472
22.180
Fonte: Elaboração Própria
No total, vinte e três empresas do setor elétrico brasileiro foram privatizadas
correspondendo a uma arrecadação de US$ 22 bilhões (Tabela III.4), o que fez do setor
elétrico o segmento que mais contribuiu ao Programa Nacional de Desestatização. O
processo de privatização avançou bastante na atividade distribuição, área de atuação de
19 das empresas privatizadas. Ainda assim, o resultado ficou aquém do plano, já que as
empresas estatais detêm 40% do faturamento da atividade. Na geração, o processo foi
mais lento, já que enfrentou maiores resistências políticas e de especialistas no setor.
Quatro empresas foram privatizadas, que totalizam 20% da receita setorial.
150
As diretrizes da reforma foram definidas no Projeto de Reestruturação do Setor
Elétrico Brasileiro (RE-SEB) elaborado através da contratação, com financiamento do
Banco Mundial, de um consórcio liderado pela consultoria Coopers & Lybrand, que
trabalhou em conjunto com especialistas brasileiros. O relatório final, apresentado em
1997, desenhava o novo modelo para o setor elétrico brasileiro, definindo os papéis das
instituições e a nova estrutura industrial (MME,1997).
A agência setorial de regulação, Agência Nacional de Energia Elétrica –
ANEEL, foi criada em 1997297 nos moldes das agências setoriais das experiências
internacionais, seguindo os princípios de independência e autonomia. As decisões são
tomadas por um colegiado formado por cinco diretores298 com mandatos não
coincidentes, indicados pela Presidência da República e sabatinados pelo Senado. A
agência financiaria suas atividades através de uma taxa de fiscalização de 0,5% aplicada
à receita líquida das concessionárias299. Além das funções usuais de agências de
regulação – fiscalização, mediação e regulação econômica – a ANEEL atua como Poder
Concedente, promovendo as licitações para a exploração de serviço público de energia
elétrica.
A reforma promoveu ainda a reestruturação vertical e horizontal da indústria.
Empresas que atuavam em mais de uma etapa da cadeia produtiva foram induzidas a
formarem empresas separadas para operar cada atividade. O processo de privatização
seria aproveitado para promover a desconcentração horizontal na geração. Isso ocorreu
com a CESP, que foi cindida em três empresas de geração (Paranapanema, Tiête e
CESP300) e uma transmissão previamente à sua privatização. O modelo previa também a
desverticalização das empresas geradoras federais, mas esse movimento não foi
completado (a estrutura proposta está apresentada tabela no anexo IV).
O tratamento da transmissão no Brasil é singular. Várias empresas detêm ativos
de transmissão. Como são realizadas licitações competitivas para a expansão, a
atividade conta com um certo nível de pressão competitiva. Nos leilões, vence o
297
A ANEEL foi instituída pela lei 9.427 de 26 de Dezembro de 1996. No entanto, a ANEEL só começou
a operar em 1997.
298
Os diretores têm de cumprir quarentena de doze meses ao deixar o órgão. Nesse período, não podem
prestar serviços a empresas reguladas pela ANEEL.
299
No entanto, durante o período de transição, a agência dependeu de repasses do Tesouro.
300
A terceira empresa não foi privatizada por falta de interessados.
151
ofertante da menor tarifa (receita requerida), o que seria uma forma de competição exante301.
As empresas que detêm linhas de transmissão não são responsáveis pela gestão
desses ativos, já que essa função foi repassada ao Operador Nacional do Sistema (ONS).
O ONS é responsável pela coordenação da operação do setor elétrico e tem como
principais tarefas: (i) garantir que o suprimento elétrico seja confiável e respeite padrões
de freqüência e voltagem; (ii) propiciar acesso eqüitativo à rede de transmissão a todo
agente do mercado elétrico; e (iii) despachar as centrais, visando otimizar a operação do
parque hidrotérmico. O ONS foi estruturado sob a forma de associação civil, em que
participam geradores, empresas de transmissão e distribuição, consumidores livres,
comercializadores, importadores e exportadores de eletricidade302.
Ao repassar o controle dos ativos de transmissão ao ONS, as empresas recebem
uma remuneração fixa, como um aluguel. Os usuários do sistema de transmissão pagam
uma tarifa (encargo de uso) que deverá cobrir não só o custo referente à remuneração
dos proprietários das linhas de transmissão, mas também os custos operacionais do
ONS, inclusive os correspondentes aos serviços ancilares.
O ONS é responsável por operar o conjunto de modelos de otimização que
definem o despacho e o preço spot no Mercado Atacadista de Energia, MAE. O
algoritmo de otimização primeiramente realiza a previsões de demanda de energia do
sistema e da energia afluente. Com base no volume dos reservatórios e no custo de
déficit é calculado o custo de oportunidade da utilização da água para a geração de
energia. Somando aos demais custos operacionais das centrais hidrelétricas, o total é
comparado ao custo operacional das termelétricas, determinando o despacho baseado no
mérito. O preço spot é determinado ao custo marginal, i.e. o custo da central mais cara
despachada.
301
O esquema de licitação competitiva foi inicialmente proposto por Demsetz (1968) como alternativa à
regulação de monopólios naturais. Segundo o autor, o resultado de leilões competitivos seria o mesmo da
concorrência efetiva. Ou seja, o tarifa se aproximaria do custo marginal. Williamson (1976) aponta que
como é impossível definir contratos completos e antecipar as condições futuras, a licitação competitiva
não elimina a necessidade de regulação. Ou seja, competição ex-ante (no momento do leilão) não gera o
mesmo resultado da concorrência efetiva. Essa temática aplicada ao setor elétrico é discutida por
Littlechild (2001) e Klein (1998).
302
O Ministério de Minas e Energia (MME) tem um representante no conselho de administração do ONS,
assim como os Conselhos de Consumidores de Energia Elétrica Estes dois representantes participam das
assembléias, porém não têm direito a voto. Contudo, o representante do MME tem direito de veto.
152
O Mercado Atacadista de Energia (MAE) é o locus de negociação de energia no
atacado, sendo administrado pela ASMAE. Os participantes do MAE303 registram seus
contratos bilaterais e participam da formação do preço spot, conforme apresentado
anteriormente. Para evitar excessiva exposição ao mercado spot, foi determinado que os
comercializadores devem atender a pelo menos 85% de seu mercado através de
contratos bilaterais304.
Em função do desenho do sistema de transmissão foram formados quatro submercados que refletem as limitações ao transporte de energia: Sul, Sudeste e Centro
Oeste, Nordeste e Norte. A implantação do MAE seguiu um cronograma que previa três
etapas. Na primeira etapa, implementada em setembro de 2000, o modelo definiria o
preço ex-ante305 em base mensal, diferenciado por três patamares de carga (demanda),
leve, média e pesada. A previsão de demanda utilizada para o cálculo do preço é
realizada pelo ONS. Na segunda etapa, que seria implementada até julho de 2001, seria
iniciada a dupla contabilização, com preços calculados ex-ante e ex-post em
periodicidade semanal em patamares de carga. A partir dessa etapa, a previsão de
demanda seria o fruto da agregação das declarações dos agentes. Na terceira etapa, que
seria implementada em janeiro de 2002, o preço seria determinado com periodicidade
horária (ou inferior)
As centrais de geração são classificadas conforme suas características
produtivas, tendo tratamento diferenciado. As decisões das usinas que compõem o
parque hidráulico brasileiro são, em larga medida, interdependentes, pois (De Oliveira,
1998): (i) várias usinas possuem reservatórios com grande capacidade de
armazenamento306; (ii) existem diversas usinas ao longo de uma mesma cascata
hidrográfica307; (iii) as bacias apresentam substancial diversidade hidrológica308. A
criação do Mecanismo Realocativo de Energia (MRE) atende ao objetivo de coordenar
303
Geradores com capacidade igual ou superior a 50MW e comercializadores com volume de vendas
igual ou superior a 300 GWh/ano devem compulsoriamente participar do MAE. Através de associações,
os demais geradores e comercializadores podem atingir esses patamares para negociar no MAE.
304
O máximo era 95%. Em fevereiro de 2003, passou a ser obrigatório a contratação ao nível máximo.
305
Preço formado com base na programação sem considerar as restrições de operação. O preço ex-post é
calculado com base no despacho, considerando a demanda e oferta observadas.
306
São 62 plantas com mais de 30 MW de capacidade, distribuídas por 12 bacias hidrográficas, com 52
reservatórios capazes de armazenar 177 TWh de eletricidade, o que corresponde a metade do consumo
anual.
307
Portanto, o uso da água das centrais a jusante está condicionada pelas decisões de uso das usinas a
montante.
308
O período de chuvas não ocorre na mesma época do ano.
153
as decisões e evitar conflitos309. O MRE consiste em um acordo que socializa o risco
hidrológico entre as centrais hidrelétricas310, que são operadas pelo ONS como um
conjunto. Essas não executam lances, já que o modelo opera com dados de seus custos.
Cada usina hidrelétrica possui um certificado de energia assegurada. Obedecidas
as regras do MRE, as hidrelétricas podem contratar até o limite de sua energia
assegurada e a energia produzida em excesso, isto é, após o rateio entre os participantes
do MRE, seria orientada ao mercado spot, sendo a receita proveniente da venda de
energia repartida proporcionalmente à energia assegurada das usinas311.
A energia termelétrica é dividida em duas parcelas: inflexível e flexível. A
primeira reflete a rigidez da produção (e.g. cogeração) ou dos contratos de aquisição de
combustíveis (cláusulas take-or-pay). A parcela inflexível das centrais termelétricas é
despachado independente do mérito, mas não forma o preço no mercado de curto
prazo312. A parcela flexível é despachada segundo o mérito de custos. As centrais
termelétricas devem submeter lances de custo e disponibilidade da parcela flexível no
mercado de curto prazo e seu despacho ocorrerá quando seu lance for inferior ao custo
marginal do sistema313.
III.3.
Resultados
O período de resultados da reforma brasileira é curto. A análise dos resultados
da reforma é dominada pela crise elétrica de 2001/02, que ocorreu antes mesmo que o
desenho institucional estivesse totalmente implementado e causou a revisão da reforma.
III.3.1. Racionamento
O racionamento de eletricidade experimentado entre 2001 e 2002 foi resultado
da depleção progressiva dos reservatórios d’água das centrais hidrelétricas brasileiras.
309
Segundo o ONS, os ganhos econômicos da coordenação diminuem em 20% a necessidade de
capacidade instalada.
310
As centrais termelétricas com despacho centralizado, contempladas nos contratos iniciais e que têm os
custos de combustíveis cobertos pela CCC também fazem parte do MRE.
311
Inicialmente, a receita era repartida metade pela energia assegurada e metade pela quantidade gerada
por cada central. A energia assegurada é determinada pela ANEEL com base na energia que a central
pode colocar no sistema com grau de probabilidade pré-definido.
312
Desta forma a demanda considerada no mercado de curto prazo é a demanda residual (demanda total –
oferta inflexível das térmicas).
154
Os reservatórios operam com regulação plurianual, funcionando como uma poupança de
eletricidade. A água (energia potencial) é acumulada nos reservatórios no período de
chuva (de novembro a abril) para ser utilizada no período seco (de maio a outubro). Em
situação ótima, os reservatórios são gerenciados de forma que o sistema seja operado
com segurança mesmo nos anos de pior hidrologia. Não foi isso o que aconteceu no
Brasil nos anos que antecederam o racionamento.
Desde 1997, o nível de água acumulada nos reservatórios é cada vez menor para
o mesmo período no ano. Ou seja, a curva de armazenagem nos reservatórios se
deslocou para baixo a cada ano (Figura III.2). Em 2001, a trajetória foi acentuada pelas
condições hidrológicas extremamente desfavoráveis. Ao iniciar o período seco, o nível
dos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste era apenas de um terço do
potencial de armazenagem. Segundo especialistas, para que o nível de acumulação não
alcance 10% até o começo do período de chuvas nesse subsistema, o que implicaria em
colapso do sistema314, o nível dos reservatórios no início do período seco deve ser de
49%315 no mínimo.
Se o ritmo de depleção dos reservatórios tivesse a mesma evolução do ano
anterior, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste entraria em colapso em agosto de 2001.
Essa situação é representada pela linha tracejada na Figura III.2. Para evitar esse
cenário, diminuindo o ritmo de depleção (linha pontilhada), o governo decretou
racionamento nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste em maio de 2001.
313
A parcela flexível das centrais pode ser também despachada em função de contratos de longo prazo e
quando restrições forçam seu despacho.
314
As turbinas não podem operar em níveis inferiores.
315
O submercado Nordeste enfrentava situação semelhante.
155
Figura III.2 Depleção dos Reservatórios e Impacto Previsto do Racionamento
Nível do reservatório equivalente do Subsistema SE/CO % - 1997- abril 2001
100
Período Molhado
Período Seco
P. Molhado
90
80
1997
70
60
1998
50
2000
40
1999
2001
30
20
10
0
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Fonte: Elaboração própria / dados ONS
O conjunto de medidas adotado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia
Elétrica (GCE), órgão criado especialmente para administrar o racionamento, tratou as
classes de consumo de forma diferenciada. Os consumidores residenciais com consumo
mensal inferior a 100 KWh tiveram de manter o nível de consumo observado nos meses
de maio, junho e julho de 2000 (período de referência). Os consumidores residenciais
com consumo superior tiveram de reduzir em 20% seu consumo em relação ao período
de referência, ficando sujeito a cortes, caso superassem a meta reincidentemente, e a
sobre-taxas. Por outro lado, se os consumidores reduzissem seu consumo mais que a
meta, era concedido um bônus para dedução da conta mensal de eletricidade. A meta
para os consumidores rurais foi de 90% do observado no período de referência.
Para os consumidores industriais, comerciais e de serviços de pequeno porte, a
meta foi fixada em 80% do consumo no período de referência. O consumo excedente a
cota era faturado pelo preço do mercado spot. Caso a redução supere a meta, o
consumidor acumula “crédito” para meses posteriores.
Para o grupo dos consumidores de maior porte, a cota foi diferenciada entre 85%
e 75% do consumo observado no período de referência, conforme o volume de
empregos gerados e o valor adicionado na cadeia produtiva. Os consumidores eletro156
intensivos ficaram sujeitos às cotas mais restritivas. Esse grupo de consumidores podia
negociar direitos de consumo. Aqueles que reduziram o consumo além da cota podiam
vender um direito de consumir para consumidores que não tivessem atingido a meta.
Assim, esses têm uma alternativa a recorrer ao MAE. A Asmae criou uma bolsa de
excedentes, mas os consumidores também puderam negociar bilateralmente.
O racionamento durou até março de 2002316. Como resultado dessas medidas a
demanda de eletricidade se reduziu drasticamente (Figura III.3). O consumo nacional de
eletricidade diminuiu 25% entre março e julho de 2001, quando apresentou valores
semelhantes aos observados em 1996. Mesmo com o fim do racionamento, a mudança
de hábitos de consumo, a aquisição de equipamentos energo-eficientes e a aquisição de
geradores causam um impacto duradouro. O ONS considera previsões de demanda de
para os próximos cinco anos que são 8% inferiores às efetuadas antes do racionamento
(ONS, 2003).
Figura III.3 Evolução do Consumo de Eletricidade
Sistema Integrado Nacional - MW Médios
46.000
44.000
42.000
40.000
38.000
36.000
34.000
32.000
ja
n/
96
ju
l/9
6
ja
n/
97
ju
l/9
7
ja
n/
98
ju
l/9
8
ja
n/
99
ju
l/9
9
ja
n/
00
ju
l/0
0
ja
n/
01
ju
l/0
1
ja
n/
02
ju
l/0
2
30.000
Fonte: ONS
A forte retração do consumo possibilitou a recuperação dos níveis dos
reservatórios. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, não só se evitou que o nível
chegasse a 10%, como esse nem alcançou 20% (Figura III.4) em 2001. A situação em
2002 já é próxima de anos de regulação normal do reservatório, como a de 1997.
316
Antes, as metas já haviam sido revistas, aumentando os limites de consumo.
157
Figura III.4 Evolução do Nível dos Reservatórios no Subsistema SE/CO
1997-2002
100
Período Úmido
Período Seco
P. Úmido
90
80
70
1997
2002
60
1998
50
2000
40
30
1999
2001
20
10
0
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Fonte: ONS
III.3.2. Eficiência Alocativa
Uma característica marcante do sistema elétrico brasileiro é que o custo de
geração das centrais estabelecidas é substancialmente inferior ao das novas centrais. As
centrais hidrelétricas, que representam 87% do parque instalado de geração brasileiro
(Figura III.5), se caracterizam por elevado custo fixo e baixo custo de operação. Parte
relevante do parque hidrelétrico nacional já teve seu capital depreciado. Tais usinas
operam com custos médios baixos, correspondendo apenas aos gastos com mão de obra
e manutenção317. Assim, quando vigorava a regulação por custo do serviço no Brasil, o
preço médio da energia era relativamente baixo.
317
Mais recentemente, os royalties pelo uso da água passaram a também compor o custo dessas centrais.
158
Figura III.5 Estrutura da Capacidade Instalada no Sistema Interligado Nacional
Termelétrica
13%
Nuclear (2%)
Carvão (2%)
Hidrelétrica
87%
GN (4%)
Biomassa (3%)
Óleo Comb (1%)
Total: 81 GW
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Eletrobrás e ANEEL
Nota: Considera a totalidade da capacidade de Itaipu que é alocada ao sistema brasileiro (11,9
GW). Não considera demais importações e não inclui centrais emergenciais (2 GW).
Com a liberalização da indústria, o preço da eletricidade tende a se alinhar ao
custo marginal do sistema318. Ou seja, ao custo de operação da central mais cara
despachada. A percepção das autoridades era que as centrais térmicas definiriam o
preço de mercado a eletricidade. Desta forma, a introdução da competição na geração de
eletricidade levaria a um aumento significativo de seu preço, ao menos no curto prazo.
Para evitar a elevação abrupta dos preços, foram instituídos contratos iniciais
que vigorariam por um período transitório. Assim como os ‘vesting contracts’ adotados
na Inglaterra e País de Gales, esses preservavam os preços prevalecentes antes da
reforma. Ou seja, refletiam o preço fixado pela regulação a custo do serviço. Estava
prevista a liberalização progressiva do volume de energia envolvido nos contratos
iniciais. A partir de 2003, cada contrato teria sua quantidade reduzida em ¼. O mesmo
volume seria liberado a cada ano seguinte e, em 2007, os contratos iniciais deixariam de
existir e todo energia seria negociada em bases competitivas no atacado.
318
Se o mercado não é suficientemente competitivo, o preço será maior.
159
Os contratos iniciais têm preços bastante distintos, pois refletem custos de
centrais com características diversas319. Atualmente o preço médio desses contratos é
próximo a R$ 70,00 (Tabela III.5).
Tabela III.5 Preços dos contratos de energia no atacado
Contratos Iniciais
Energia de Itaipu
Contratos Bilaterais
R$ / MWh
69,15
103,44
97,59
Nota: Os preços correspondem à média dos valores informados nas notas técnicas
elaboradas pela ANEEL referentes às revisões tarifárias da Cemig, CPFL, Cemat, Enersul,
AES Sul, RGE, Coelce, Cosern, Coelba e Eletropaulo (ANEEL, 2003a, 2003b, 2003c,
2003d, 2003e, 2003f, 2003g, 2003h, 2003i e 2003j).
Fonte: ANEEL
A energia suprida por Itaipu tem um tratamento especial. Para financiar a
construção da usina, foi criado um pacote em que as distribuidoras teriam cotas partes,
que definiam a repartição da energia gerada. Em função de a captação ter ocorrido no
mercado financeiro internacional e do projeto envolver acordo internacional, a tarifa foi
definida em dólar. Em função da desvalorização do Real, o preço médio da energia de
Itaipu é elevado, ultrapassando R$ 100,00/MWh.
Os contratos bilaterais corresponderiam à porção competitiva do mercado
atacado de eletricidade. Em princípio, envolveriam volume restrito, atendendo apenas a
expansão do sistema, já que as centrais em operação contavam com contratos iniciais320.
Na medida em que os contratos iniciais fossem eliminados, os contratos bilaterais
ganhariam maior relevância. A obrigação dos comercializadores contratarem no longo
prazo 85%321 de sua demanda evidenciava a percepção dos reformadores de que os
contratos bilaterais seriam a forma predominante de realizar transações no novo
mercado elétrico brasileiro.
A negociação dos contratos bilaterais entre distribuidoras e geradoras é regido
pela regra de repasse. O regime tarifário aplicado às concessionárias de distribuição
previa o repasse direto dos custos de aquisição de energia a seus consumidores cativos.
319
Entre os valores divulgados pela ANEEL por ocasião da revisão tarifária das concessionárias de
distribuição, o menor preço corresponde ao contrato de auto-suprimento (self-dealing) entre CPFL
geração e CPFL distribuição no valor de R$ 38,49 e o maior a um contrato em que a Escelsa supre a
COELBA por R$ 111,73/MWh.
320
Algumas centrais em construção quando que a figura dos contratos iniciais foi desenvolvida obtiveram
contratos iniciais para o período que iniciasse sua operação.
321
Limite que foi posteriormente aumentado para 95%.
160
Assim, a concessionária não teria incentivos a contratar eficientemente, já que não teria
prêmio por contratar energia abaixo do preço de mercado, nem penalidade por contratar
acima. Por outro lado, haveria espaço para comportamento oportunista, através da
manipulação de preços dos contratos bilaterais322, especialmente quando ocorria
verticalização das atividades. A resolução 266 de 1998 criou uma regra de repasse que
tem como objetivo criar incentivos para que as concessionárias de distribuição
contratem energia eficientemente, protegendo o interesse dos consumidores cativos.
Para tanto, foi criado um valor de referência para a energia denominado Valor
Normativo (VN) que serve como base para determinar como as concessionárias
repassarão os custos referentes a compra de energia através de contratos bilaterais323
para as tarifas dos consumidores cativos.
Segundo a regra, quando a concessionária adquire energia a valores próximos ao
VN o repasse é integral. Quando a concessionária realiza contratos a preços inferiores
ao VN, esta recupera parte da diferença de preços, que seria o prêmio por contratar
eficientemente. Quando a concessionária adquire energia por um preço superior ao VN,
esta arca com parte da diferença, sendo penalizada por contratar ineficientemente324.
A evolução do preço spot do MAE demonstra que há uma forte correlação com
o nível de chuvas. Em períodos de chuvas, o preço é bastante baixo e, em períodos de
escassez de chuvas, o preço é elevado. As flutuações de curto prazo da demanda não
tem efeito significativo sobre o preço, pois os preços permaneceram praticamente iguais
entre os patamares de carga.
No período que antecedeu o racionamento, o preço spot era elevado, por volta de
R$ 100,00/MWh em todos submercados (Figura III.6, Figura III.7, Figura III.8 e Figura
III.9). Esse nível de preços era bastante superior ao praticado em contratos. Assim, o
mercado spot funcionava semelhantemente a um mercado de ajuste, servindo para
cobrir quantidades não contratadas. Os geradores que ficavam expostos ao mercado
spot, quando falhas operacionais os impediam de atender aos contratos firmados,
arcavam com significativos prejuízos325.
322
Assim, os lucros da geradora seriam inflados. Isso faria sentido quando há participação cruzada entre
os envolvidos ou quando a geradora repassa parte da renda à concessionária, p.e. através de outros
contratos com preços baixos que seriam orientados para o mercado não regulado.
323
Como a concessionária não pode manipular os preços do mercado spot, da energia Itaipu ou dos
contratos iniciais, a regra não se aplica à energia adquirida por tais meios.
324
De Oliveira e Losekann (1999) oferecem uma análise mais detalhada da regra e seus efeitos.
325
Isso ocorreu com Furnas por ocasião do atraso da entrada em operação de Angra 2.
161
No período de racionamento, o preço spot foi fixado em R$ 684,00/MWh, valor
considerado como representativo do custo do déficit. No submercado Sul, o preço não
chegou a esse valor, pois a região não foi submetida ao racionamento. Quando o
racionamento foi adotado, a trajetória de preços no mercado de curto prazo foi
basicamente determinada pela GCE. Em setembro de 2001, o preço de racionamento foi
reduzido para R$ 336/MWh. Em fevereiro de 2002, apesar de ainda restarem restrições
ao consumo, o preço caiu significativamente, com exceção do submercado Nordeste.
Superado o racionamento, o preço praticado passou a ser bastante baixo em todos
submercados, alcançando o valor mínimo de R$ 4,00/MWh nos primeiros meses de
2003. A drástica redução do consumo experimentada pós-racionamento e o aumento da
oferta foram responsáveis por essa trajetória326.
Figura III.6 Evolução do preço de curto prazo no MAE - SE/CO
Submercado Sudeste/Centro-Oeste (R$/MWh)
800
700
600
500
Leve
400
Média
Pesada
300
200
100
mai/03
mar/03
jan/03
nov/02
set/02
jul/02
mai/02
mar/02
jan/02
nov/01
set/01
jul/01
mai/01
mar/01
jan/01
nov/00
set/00
0
326
Níveis tão baixos de preços também resultavam da inadequação do modelo de precificação e despacho
(NEWAVE)
162
Figura III.7 Evolução do preço de curto prazo no MAE - S
Submercado Sul (R$/MWh)
500
450
400
350
300
Leve
Média
Pesada
250
200
150
100
50
mai/03
mar/03
jan/03
nov/02
set/02
jul/02
mai/02
mar/02
jan/02
nov/01
set/01
jul/01
mai/01
mar/01
jan/01
nov/00
set/00
0
Figura III.8 Evolução do preço de curto prazo no MAE - NE
Submercado Nordeste (R$/MWh)
800
700
600
500
Leve
Média
Pesada
400
300
200
100
mai/03
mar/03
jan/03
nov/02
set/02
jul/02
mai/02
mar/02
jan/02
nov/01
set/01
jul/01
mai/01
mar/01
jan/01
nov/00
set/00
0
163
Figura III.9 Evolução do preço de curto prazo no MAE - N
Submercado Norte (R$/MWh)
800
700
600
500
Leve
Média
Pesada
400
300
200
100
mai/03
mar/03
jan/03
nov/02
set/02
jul/02
mai/02
mar/02
jan/02
nov/01
set/01
jul/01
mai/01
mar/01
jan/01
nov/00
set/00
0
Fonte: Asmae
Para as atividades de transporte de energia, o preço é determinado por regime de
preço teto. Na distribuição, esse regime começou a ser adotado a partir da privatização
da Light. Seu contrato de concessão determinava que a parcela “controlável”327 de sua
tarifa seria reajustada anualmente pelo IGP-M reduzido de parâmetro de eficiência (X).
Nos primeiros oitos anos da concessão, o parâmetro X seria igual a zero, garantindo que
a tarifa manteria seu valor real até 2004, quando a primeira revisão tarifária da empresa
será realizada
Progressivamente, as outras concessionárias de distribuição passaram a contar
com novos contratos de concessão à semelhança do contrato da Light. Em geral, o
período de manutenção das tarifas reais foi definido para que grande parte das revisões
coincidissem. A exceção foi a Escelsa, que foi privatizada com um contrato de
concessão distinto. Esse foi reformulado, mas o período em que o parâmetro X seria
igual a zero foi mais curto. Assim, a empresa já passou por 2 revisões tarifárias. Até
julho de 2003, já haviam sido realizadas revisões das tarifas de onze empresas (Tabela
III.6).
327
A parcela não controlável, que inclui a custo de aquisição de energia, é repassada integralmente às
tarifas dos consumidores cativos, sujeita a regra de repasse já mencionada.
164
Tabela III.6 Revisões tarifárias das empresas de distribuição
Xe (%)
Recomposição (%)
AES Sul
1,82
16,14
Celpa*
1,01
27,49
Cemat
2,3
26
Cemig
1
31,53
Coelba
1,1
31,49
Coelce
1,47
31,29
Cosern
1,78
11,49
CPFL
2,43
19,55
Energipe
1,4
35,18
Enersul
2,35
42,26
Escelsa
1,89
n.d.
RGE
1,72
27,36
Média
1,7
26,4
* Corresponde ao valor submetido a consulta pública
Fonte: Aneel
O parâmetro X é composto por três parcelas. A primeira (Xe) reflete os ganhos
de produtividade. A segunda (Xc) compensa alterações na qualidade do serviço. A
última, criada em maio de 2003 pelo CNPE, é um indicador da variação do valor de
remuneração da mão de obra328. Nos processos de revisão, a ANEEL define o Xe que é
posteriormente corrigido pelas outras parcelas.
A adequação do IGP-M para indexar as tarifas de eletricidade tem sido bastante
debatida. Geralmente, o regime de preço teto utilizaria índice de preços ao consumidor
final (varejo)329. O IGP-M é uma composição de índices de preços de varejo, de atacado
e da construção civil, que é utilizado amplamente para corrigir contratos. A qualidade
normalmente associada ao IGP-M é a de se aproximar do deflator implícito do PIB. No
entanto, a forte desvalorização do Real provocou o descolamento das trajetórias de
preços no atacado, mais “contaminados” pelas variações de câmbio, e no varejo. Na
experiência recente, o IGP-M tem sido superior não só ao IPC, mas também ao deflator
do PIB (Guimarães, 2003). Desta forma, os reajustes concedidos às tarifas de
distribuição têm sido sistematicamente superiores à inflação.
O método da definição da tarifa pelo uso do sistema de transmissão também gera
ineficiências. Existe um tratamento diferenciado para a energia envolvida nos contratos
iniciais e para a não envolvida. Na primeira, é aplicada tarifa do tipo “postal” - a
distância percorrida não é considerada no cálculo e os custos de transmissão são
328
Essa parcela se justifica pelo afastamento do IGP-M da evolução dos custos setoriais.
165
rateados pela quantidade de energia transmitida e a totalidade da tarifa recai sobre as
distribuidoras (geradores são isentos). Na segunda, a tarifa também é paga pelos
geradores e seus valores são determinados por uma combinação entre um componente
“postal” e outro nodal (locacional) – que leva em conta a congestão no nó.
A utilização de tarifa postal não gera sinais econômicos eficientes,
principalmente para definir a localidade de investimentos em geração. No caso
brasileiro, a vantagem de projetos termelétricos, que se localizam próximos aos centros
de carga, em relação às hidrelétricas, cujos aproveitamentos potenciais estão bastante
distantes dos centros de carga, não é refletida em sinais de preços, o que gera distorções
alocativas.
Por ser reajustada pelo IGP-M, a tarifa de transmissão também sofreu forte
elevação. A Figura III.10 apresenta a evolução da tarifa de transmissão aplicada aos
contratos iniciais (postal). Desde 1999, as tarifas aumentaram 150%. Ou seja, bem
acima da inflação, medida pelo IPC, que foi de 40% no período.
Figura III.10 Evolução da tarifa de uso do sistema de transmissão
Tarifa selo em contratos iniciais – R$/MW.mês
8000
6000
4000
2000
0
1999
2000
2001
2002
2003
Fonte: Aneel
A atividade de comercialização permaneceu sendo operada praticamente como
monopólio e sua regulação é efetuada em conjunto com a distribuição. Poucos
consumidores que cumprem as condições que os permitem escolher seu fornecedor
trocaram de fornecedor. Isso ocorre porque as concessionárias de distribuição, por
contar com contratos iniciais oferecem preços que os concorrentes não podem ou não
estão interessados em oferecer330.
329
330
Por isso o regime também é denominado RPI (Retail Price Index) – X.
Após o racionamento, essa situação se modificou em função das sobras de energia..
166
A Figura III.11 apresenta a evolução dos preços reais da eletricidade por setores
de consumo. Desde de 1995, a tarifa média de eletricidade aumentou 40% em termos
reais. Os consumidores residenciais foram os mais afetados, pois o aumento acumulado
totalizou quase 60%.
Figura III.11 Evolução das tarifas médias de eletricidade
(em R$ de fevereiro de 2003 deflacionados pelo IPC)
250
230
210
190
170
150
130
110
90
70
50
Residencial
Industrial
Comercial
Média
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Fonte: Aneel e Ipeadata
Ao contrário do que muitos afirmam, o preço da energia ao consumidor final não
era definido por forças de mercado no setor elétrico brasileiro. Praticamente, a
totalidade dos consumidores contava com preços regulados que não geravam sinais
eficientes para coordenar a demanda de eletricidade. Ou seja, os consumidores não eram
estimulados a reduzir o consumo quando a energia era escassa ou a aumentá-lo quando
essa era abundante.
No período de racionamento, o preço final da eletricidade passou a refletir sua
escassez em função das regras instituídas pela CGE. Para os consumidores residenciais,
ainda que a perspectiva de corte fosse um importante estímulo331, o esquema de bônus e
sobre-tarifas forneceu sinais para a redução de consumo, motivando o uso mais eficiente
da energia.
No setor industrial, os incentivos foram mais intensos. A possibilidade de
negociar excedentes era interessante por propiciar ganhos alocativos, dando
oportunidade de que a energia fosse orientada para os usos que acrescentassem mais
331
A ameaça de corte tinha credibilidade ainda que um número ínfimo de consumidores reincidentes
tenha sofrido corte de energia.
167
valor agregado. Isto é, era vantajoso para consumidores industriais que agregam pouco
valor à energia elétrica, como os consumidores eletro-intensivos, vender seus direitos de
consumo para consumidores que agregam mais valor. Desta forma, as trocas
propiciaram a alocação mais eficiente da energia elétrica e os efeitos macroeconômicos
do racionamento foram minorados.
III.3.3. Adequação dos Investimentos
A escassez de investimentos se observa no Brasil desde a segunda metade dos
anos 80. A reforma setorial seria a solução para recuperar a capacidade de investimento
e possibilitar que o crescimento da capacidade instalada acompanhasse o dinamismo da
demanda de eletricidade. Ainda que o nível de investimentos tenha aumentado na
segunda metade da década de 90, os valores são significativamente inferiores aos
observados entre 1975 e 1985 (Figura III.12).
Figura III.12 Evolução do nível de investimentos no setor elétrico brasileiro
( 1993-1999 - R$ milhões de 1999 deflacionados pelo IGP-DI)
12.000
10.000
8.000
Inst. Gerais
Distribuição
6.000
Transmissão
Geração
4.000
2.000
0
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
Fonte: Eletrobrás e Pinhel (2000)
Nos últimos quinze anos, a capacidade instalada evoluiu em descompasso com o
crescimento da demanda (Figura III.13). Esse descompasso é particularmente relevante
no qüinqüênio 1990-95, quando a taxa de crescimento do consumo (4% a.a.) foi o dobro
da taxa de crescimento da capacidade instalada (2,2% a.a.). No qüinqüênio seguinte, os
ritmos de crescimento se equilibraram, mas o intervalo se manteve.
168
Figura III.13 Evolução da capacidade instalada e do consumo de eletricidade
(1985=100)
Números índices (1985=100)
210
190
170
150
130
110
90
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Capacidade Instalada
Consumo
Fonte: MME.
Desde 2000, o crescimento da capacidade instalada tem sido elevado no Brasil.
No entanto, a recuperação da capacidade instalada não ocorreu a tempo de evitar o
déficit energético. Esse problema de “timing” teria sido evitado se o ritmo de
desenvolvimento de projetos termelétricos seguisse as expectativas, já que os projetos
hidrelétricos, que ainda dominam a expansão (Figura III.14), apresentam um maior
prazo de maturação e, portanto, não poderiam resolver o problema de escassez no
momento requerido. Em função da escala de produção relativamente pequena e a oferta
de gás natural disponibilizada pelo gasoduto Brasil-Bolívia, eram esperados
investimentos maciços em centrais termelétricas a gás, o que não ocorreu.
Os investimentos privados são determinados por dois fatores: retorno esperado e
risco. No caso dos projetos termelétricos, a expectativa de retorno era baixa e os riscos
elevados, o que fazia com que os investimentos não fossem atrativos.
169
Figura III.14 Adição de Capacidade 1999/junho 2003 – MW
5000
4000
3000
2000
1000
0
1998
1999
2000
2001
2002
2003
1309
Nuc
Term
260
640
1157
1041
1921
556
Hidro
2013
2146
1773
1396
2662
1316
Fonte: ANEEL
O retorno esperado depende da expectativa de quantidades vendidas e preço.
Mesmo em situação de escassez de oferta, os empreendedores encontraram dificuldades
para encontrar compradores. A inoperância do mercado spot, que será enfatizada na
próxima sessão, desestimulava os projetos voltados para transações de curto prazo, as
chamadas centrais merchants. Tampouco, havia demanda por contratos de longo prazo.
Como enfatizou o Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico
de Energia Elétrica, “[a]s energias asseguradas que respaldaram os contratos iniciais
foram superdimensionadas, resultando numa sinalização equivocada para a contratação
de nova geração”332. Os contratos iniciais de centrais hidrelétricas envolviam um
volume de energia maior do que essas podiam gerar sem comprometer os reservatórios.
Assim, mesmo quando o racionamento se aproximava, as concessionárias de
distribuição contavam com contratos iniciais que atendiam plenamente à demanda de
seus mercados e, portanto, não se interessavam em negociar novos contratos com
termelétricas.
Os potenciais investidores também consideravam que o valor normativo, que
constituía um teto para as relações contratais, não permitia uma remuneração atrativa
dos investimentos, face aos custos da geração termelétrica.
Os projetos ficavam sujeitos a três tipos de riscos: microeconômico,
macroeconômico e regulatório. Os riscos microeconômicos se relacionam à evolução
170
das quantidades vendidas e preços. Em função da dominância hidráulica na matriz de
geração brasileira, a incerteza hidrológica acarreta em riscos microeconômicos paras as
centrais termelétricas.
Tipicamente, as centrais termelétricas operariam em complementação às
hidrelétricas. Assim, em períodos de hidrologia favorável o preço da eletricidade seria
baixo e a quantidade produzida por centrais termelétricas reduzida. Considerando o
tamanho do parque hidrelétrico brasileiro, é factível que centrais termelétricas passem
anos sem ser despachadas. Se isso ocorre durante os primeiros anos de operação da
central, dificilmente o fluxo de caixa será viabilizado.
O risco macroeconômico é determinado pela evolução das variáveis que afetam
a economia nacional. O dinamismo econômico de mercados emergentes, como o
brasileiro, foi um dos determinantes da atração do investimento externo para o setor
elétrico, já que a demanda de eletricidade é fortemente relacionada ao crescimento da
renda. Enquanto que nos países desenvolvidos a demanda por eletricidade apresenta um
crescimento vegetativo (por volta de 1% a.a.), no Brasil, como já foi enfatizado, a
demanda de eletricidade cresce a cerca de 5% a.a. No entanto, as economias emergentes
estão sujeitas a maiores riscos. Um fator particularmente importante para o setor elétrico
é a evolução da taxa de câmbio, não apenas para empresas estrangeiras, mas também
para nacionais que captam financiamento no mercado internacional e têm parte de seus
custos definidos em dólar. Como a taxa de câmbio tem apresentado grande volatilidade
nos últimos anos, o risco cambial constituiu um dos principais obstáculos a efetivação
de investimentos em termelétricas a gás natural, cujos equipamentos são
majoritariamente importados333, assim como o combustível. O risco decorrentes da
compra do gás natural com preços definidos em dólar formava parte substancial do risco
cambial.
Os riscos regulatórios são causados pelas lacunas no marco regulatório e pela
instabilidade institucional. Em países onde as instituições não são fortes, os riscos
regulatórios são substanciais o que tende a afastar investimentos (Spiller e Holburn,
2002). A reforma brasileira não definiu plenamente o marco institucional para o setor
elétrico e vários pontos foram frutos de incerteza. As indefinições da política de preços
332
Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica (2001).
Em centrais termelétricas a gás natural, a indústria nacional é capaz de atender a 20% dos gastos com
equipamentos e instalações. Em hidrelétricas, área onde a indústria nacional conta com maior
capacitação, o percentual é de 80%.
333
171
para o gás natural e do funcionamento do mercado atacadista prejudicaram a formação
de expectativas que permitissem a tomada de decisões e foram elementos de confronto
entre agentes.
Para enfrentar parte dos problemas citados, o governo criou o Programa
Prioritário de Termeletricidade (PPT). Este era constituído por um conjunto de medidas
temporárias para estimular o investimento em centrais térmicas alimentadas à gás
natural com previsão de conclusão até 2003, incluindo 49 projetos de termelétricas, que
corresponderiam a uma adição de 15 GW de capacidade. Entre as medidas se destacam:
a oferta de contratos de compra (PPA) pela Eletrobrás, a fixação do preço do gás (US$
2,26 por milhão de BTU), crédito do BNDES para aquisição de equipamentos. Para as
centrais que entrariam em operação até 2001, que também são chamadas de Programa
Emergencial, foram concedidos benefícios adicionais, como a flexibilização do limite
de auto-suprimento.
No entanto, o programa não eliminou todos os obstáculos para a execução dos
projetos. A remuneração continuava a ser limitada pelo VN, que segundo os
empreendedores não permitia uma margem de lucro razoável e o risco cambial
permanecia. Centrais que utilizam gás natural importado tinham seus custos de
combustível reajustados trimestralmente, segundo a variação de preços de combustíveis
no mercado internacional, essas alterações não podiam ser repassadas imediatamente às
tarifas elétricas, já que seus reajustes são anuais. Por outro lado, havia uma escassez de
turbinas a gás natural que chegava a implicar em demora de três anos entre encomenda
e entrega.
Assim, o Programa não foi executado em sua plenitude. Do total previsto pelo
Programa, estão em operação somente 18 usinas (14 termelétricas convencionais e 4 de
cogeração), que adicionaram 2,7 GW de capacidade de geração334. Parte relevante dos
projetos que foram a frente contam com participação da Petrobras335. A Petrobras
334
Essa conta inclui plantas que originalmente não faziam parte do PPT e após foram incluídas no
programa. É o caso da Eletrobolt e da Macaé Merchant que foram desenvolvidas para operar no mercado
de curto prazo, mas a paralisação do MAE inviabilizou essa estratégia.
335
A Petrobras tem participação em 17 projetos do PPT. Quatro desses já estão em operação e totalizam
870 MW de capacidade de geração. Outras seis usinas estão em construção.
172
assumiu os riscos referentes ao gás natural e adquiria a totalidade da energia, o que
implicou em perdas substancias para a empresa336.
III.3.4. Arranjos Institucionais
As instituições implantadas com a reforma do brasileira não foram capazes de
cumprir o papel que o desenho institucional as dedicava. O Mercado Atacadista de
Energia foi formulado como na Califórnia, seguindo o princípio de auto-regulação, e os
problemas enfrentados foram semelhantes. Sua estrutura de governança formada por
assembléias numerosas deu origem à ineficiência e conflitos337. As etapas de
implementação do MAE não foram completadas e até hoje o mercado opera segundo a
primeira etapa, com contabilização sendo efetuada somente a ex-ante e preços definidos
semanalmente. O conjunto de equações matemáticas que descrevem as regras de
mercado são excessivamente complexas, o que impede que agentes menos estruturados
tenham uma atuação ativa.
O funcionamento do MAE foi alvo de inúmeras disputas legais que
inviabilizaram seu funcionamento. Em função de litígios, as transações não podiam ser
liquidadas. As primeiras transações efetuadas no MAE, em setembro de 2000, só foram
liquidadas em dezembro de 2002. Assim, as empresas evitavam utilizar o mercado de
curto prazo para executar suas transações. A própria formulação do mercado de curto
prazo, que efetua operações com base no volume não contratado é semelhante ao de
mercado de ajuste. E na prática, foi assim que o mercado funcionou, atendendo às
situações em que erros de previsão ou falhas operacionais faziam com os volumes
contratados não correspondessem ao efetivado. Ou seja, as empresas só recorriam ao
mercado spot como última instância, que funcionava apenas como um mercado de
balanço (tempo-real).
O Operador Nacional do Sistema (ONS) também teve problemas. Com o intuito
de preservar a coordenação da operação, muito importante em um sistema elétrico com
as características do brasileiro, as decisões foram excessivamente centralizadas no
336
Com a redução da demanda causada pelo racionamento, as termelétricas praticamente não têm sido
despachadas. O fator de capacidade das usinas termelétricas da Petrobrás é próximo a zero, acarretando
em elevadas perdas para a empresa.
337
Em abril de 2001, o MAE sofreu intervenção da ANEEL e as assembléias foram substituídas por um
conselho formado por membros que não têm vínculos com as empresas ou com entidades de classe do
setor.
173
órgão, restando pouca interferência das empresas sobre as definições de quantidade e
preço. Os modelos utilizados não são transparentes e, tampouco, críveis. Como
conseqüência, o preço do mercado spot não serviu como referência para a realização de
transações, impedindo que instrumentos financeiros fossem desenvolvidos no setor,
como o mercado futuro que necessita de um preço de referência para orientar as
transações.
Vários fatores contribuíram para a descrença em torno do preço de curto prazo
da energia resultante do modelo (Newave). Como apresentado anteriormente, o preço se
situa em patamares muito baixos (como R$ 4/MWh) durante períodos consideráveis de
tempo. Mesmo em períodos em que somente centrais hidrelétricas estivessem operando,
não seria razoável que o preço fosse tão baixo, pois preço teria de remunerar, ao menos,
o custo de operação das centrais e o custo de oportunidade d’água (benefícios de manter
a água nos reservatórios para utilização futura também denominado de custo futuro)338.
Quanto ao custo de operação, segundo a ANEEL, a usina de Itaipu, que sempre esteve
inclusa no despacho, tem custo operacional de R$ 17/MWh. Desta forma, o preço
mínimo no mercado de curto prazo não poderia ser tão baixo339.
Era prática comum a correção dos resultados dos modelos. Em outubro de 2000,
em função de restrições de transmissão o resultado do modelo seria um preço de R$
3,00/MWh no subsistema Sul e R$ 99,71/MWh no Sudeste/Centro-Oeste. Para evitar
perdas substanciais de agentes que comercializassem energia entre regiões, a ANEEL
interveio e eqüalizou os preços nos dois subsistemas em R$ 93,02/MWh. Isso
evidenciava que as próprias instituições setoriais não consideravam os resultados dos
modelos adequados e contribuíam para minar sua credibilidade.
Os eventos que antecederam o racionamento mostraram que o modelo Newave
não era adequado para gerir o sistema. Desde sua criação, o MAE convivia com preços
elevados. No entanto, em dezembro de 2000 e janeiro 2001, houve uma redução brusca
dos preços, quando os reservatórios estavam em níveis extremamente baixos. A
explicação seria que o modelo seria muito sensível ao curto prazo e as expectativas de
precipitação futura eram fortemente baseadas na ocorrência de chuvas no mês anterior.
Como o nível de chuvas foi relativamente elevado em novembro e dezembro de 2000,
os preços se reduziram em dezembro de 2000 e janeiro de 2001. Assim, o menor preço
338
Como o modelo trabalha com um horizonte relativamente curto (2 anos), esse não valoriza
corretamente a água nos reservatórios.
174
da história de funcionamento do MAE até então foi observado apenas três meses antes
do início do racionamento.
Essa evolução dos preços constituiu não apenas um sinal errôneo para o
comportamento do consumo, mas também indica que nem toda a capacidade de geração
e transmissão foi utilizada para reduzir o ritmo de depleção dos reservatórios. Desta
forma, o ONS não foi eficaz ao zelar pela segurança do abastecimento, que era uma de
suas responsabilidades.
Ao utilizar uma curva guia, que define os níveis mínimos de armazenamento que
justificam o despacho de toda a capacidade de geração termelétrica340, para nortear o
despacho a partir do racionamento, implicitamente é reconhecido que o modelo Newave
não define o custo futuro d’água adequadamente.
A Figura III.15 descreve um exercício que ajuda a compreender a inadequação
do modelo, apresentando conjuntamente a curva guia válida para 2002, a evolução dos
reservatórios entre agosto de 1999 e dezembro de 2001 e o preço do MAE no
submercado Sudeste/Centro-Oeste nesse mesmo período. Sempre que a energia
acumulada nos reservatórios é inferior a curva guia, o preço do MAE deveria alcançar o
custo da térmica mais cara do sistema. No entanto, isso não ocorre em várias ocasiões.
Em fevereiro de 2000 e janeiro de 2001, o preço do MAE diminuiu quando o
armazenamento era inferior a curva guia.
339
Recentemente, a ANEEL fixou o piso do preço de curto prazo da eletricidade nesse valor.
Durante o racionamento foi adotada uma curva guia apenas suficiente para o ano de 2001, que definia
as condições mínimas para enfrentar o período seco, mas que não levava em conta a segurança posterior.
Em 2002, foi definida uma curva guia bienal. Essa considera o nível mínimo dos reservatórios para
enfrentar o biênio com menor hidrologia da história. Novamente, não é levado em conta a segurança após
o biênio. A justificativa é que a probabilidade de enfrentar mais um ano seco após esse biênio extremo
seria remota. No entanto, essa lógica parte da premissa que os reservatórios estão se esvaziando por causa
da hidrologia, mas essa não é a única causa da depleção dos reservatórios. Se os reservatórios se esvaziam
por outro motivo (e.g. aquecimento inesperado da demanda), a probabilidade de enfrentar mais um
período seco não é afastada.
340
175
Figura III.15 Energia Armazenada (EAR %), Curva guia 2002 e Preço do MAE
800
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
700
500
400
300
R$/MWh
600
200
100
0
ag
o/
99
ou
t/9
de 9
z/
99
fe
v/
0
ab 0
r/0
0
ju
n/
0
ag 0
o/
00
ou
t/0
de 0
z/
00
fe
v/
0
ab 1
r/0
1
ju
n/
0
ag 1
o/
0
ou 1
t/0
de 1
z/
01
%
Submercado Sudeste/Centro-Oeste
Curva guia
EAR %
Preço
Fonte: Elaboração Própria
Comparando o montante de energia que poderia ser produzido por termelétricas
e importado do Sul (região que não foi submetida ao racionamento) com o que foi
programado, é possível estimar o esvaziamento dos reservatórios do Sudeste e
Centro/Oeste que poderia ter sido evitado se a programação fosse definida refletindo
adequadamente o valor d’água. Entre os meses analisados (de outubro de 2000 a março
de 2001), o mês de janeiro de 2001 é o que apresenta a maior diferença entre a
alternativa potencial à geração hidrelétrica e o programado. Nesse mês, não foi
despachada parcela flexível de nenhuma térmica (excluindo geração nuclear) e não foi
importada energia do Sul. Desconsiderando eventuais restrições que não permitam a
utilização máxima da capacidade, a geração de 2,9 TWh hidrelétricos poderia ser
evitada somente neste mês, o que corresponde a 2,5% da capacidade de armazenagem
dos reservatórios do submercado. No acumulado dos meses analisados, esses totais são
estimados em 5 TWh e 4,3% da capacidade de armazenagem (Tabela III.7).
176
Tabela III.7
Potenciais de geração flexível e importação vs. programação
Submercado Sudeste/Centro-Oeste - MWmédio
Térmicas Flexíveis
Importação
Diferença
Total
Potencial Programado Diferença Potencial Programada Diferença
892
475
417
2.900
2329
571
988
841
741
100
2.900
2624
276
376
1.171
446
725
2.900
2581
319
1.044
1.062
0
1.062
2.900
0
2.900
3.962
1.117
702
415
2.900
2878
22
437
756
527
229
2.900
2862
38
267
out/00
nov/00
dez/00
jan/01
fev/01
mar/01
Acumulado
2.123
2.971
5.093
GWh
Fonte: Elaboração própria. Dados Asmae
Notas: Térmicas não incluem nucleares e centrais CCC. Capacidade corresponde ao total disponível
para despacho, calculada como o máximo gerado durante o racionamento descontado da
potência em manutenção e da entrada de novas centrais.
Também caracteriza a experiência brasileira o fato de a agência de regulação,
ANEEL, ter sido criada quando o processo da reforma já estava em curso, inclusive a
privatização. Como o governo priorizou a solução de problemas de caixa, ao invés da
eficiência econômica (Araújo, 2001), Escelsa e Light foram vendidas sem que o órgão
que regularia sua atuação estivesse implantado. Como conseqüência, os contratos de
concessão tiveram um papel predominante, definindo inclusive a política tarifária.
Segundo Dias Leite (1997), o Estado voltava a intervir no setor elétrico como no início
do século, quando a regulação era efetuada via contratos.
Ainda sobre a agência de regulação, a atuação da ANEEL como Poder
Concedente é conflitante com o princípio de independência. Em tese, a agência deve
mediar relações entre Poder Concedente e empresas concessionárias, permissionárias e
autorizadas. Assim, sua isenção é comprometida em disputas entre empresas e o Poder
Concedente.
Finalmente, tal qual na Califórnia, o órgão regulador demorou a diagnosticar a
situação, tampouco tomou medidas que, pelo menos, reduzissem os impactos da
crise341. Evidencia a atuação não adequada da agência, o fato de o governo ter criado
uma Câmara de Gestão da Crise que se sobrepôs as funções do regulador.
A fragilidade do quadro institucional brasileiro também é ilustrada pela situação
do Ministério de Minas e Energia. O Ministério conta com um número de funcionários
341
Se o racionamento fosse decretado anteriormente, a meta de consumo poderia ser menos restritiva.
177
limitado, não sendo capaz de executar a função de Poder Concedente, que repassa à
ANEEL, nem de definir a política energética para o país. A legislação previa a criação
de um Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que subsidiaria o ministério
nesse intuito. No entanto, a legislação demorou a ser operacionalizada. O CNPE foi
criado pela lei 9.478, também conhecida como Lei do Petróleo, mas seus membros só
foram definidos em 2000 e suas primeiras reuniões só ocorreram em 2001, motivadas já
pela crise energética, quando o Conselho atuou em cooperação com a Câmara de Gestão
do Setor Elétrico (GSE).
III.4.
Conclusão
III.4.1. Condicionantes
As pré-condições da reforma do setor elétrico no Brasil, sintetizadas na Tabela
III.8, resultaram em relevantes complexidades para o desenho da reforma. A principal
particularidade do sistema elétrico brasileiro é a predominância hidrelétrica, o que
determina a forma de coordenação na indústria. A forte interdependência das decisões,
no curto (produção) e longo prazo (investimento), aumenta o espaço para oportunismo.
Por outro lado, as complexidades usuais da coordenação da operação diminuem. Um
aspecto muito evidenciado na literatura sobre a coordenação de sistemas elétricos é o
problema do compromisso das unidades decorrente da não convexidade dos custos de
plantas termelétricas. Esse problema é diminuto em centrais hidrelétricas que não
incorrem em custos de partida e sem carga, pois a entrada em produção é quase
instantânea, bastando abrir as compotas. Além disso, a existência de reservatórios
permite contornar parcialmente o principal problema da coordenação do setor elétrico
que é a incapacidade de estocar eletricidade. Ainda que a necessidade de equilíbrio em
tempo real não seja eliminada, há um importante impacto sobre a segurança do
abastecimento no médio e longo prazo.
Um condicionante relacionado à predominância hidrelétrica é a condição de
oferta do gás natural. Historicamente, em função da escassez de reservas, esse
combustível teve uma participação marginal na evolução da matriz energética nacional.
Com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, a oferta foi ampliada, mas o custo de
transporte torna o preço do combustível elevado, principalmente quando a taxa de
câmbio estiver apreciada. Assim, a disparidade entre custos de centrais hidrelétricas em
178
operação e centrais térmicas novas é elevado. O que se traduz na questão, muito
debatida, da “energia velha” vs. “energia nova” e dificulta politicamente a liberalização
da indústria, na medida em que os preços resultantes de um regime competitivo são
maiores do que os de um regime regulado a custos de serviço, na medida em que o custo
marginal é superior ao custo médio da indústria. Por outro lado, a situação incipiente da
indústria resulta na ausência de mercados flexíveis (interruptíveis), que impossibilita
que o combustível seja utilizado em momentos de escassez de energia hidrelétrica.
Outro ponto é a fragilidade institucional. A persistência de lacunas no marco
342
legal
e as deficiências do conjunto de instituições deram origem a elevado risco
regulatório, desestimulando a efetivação de investimentos. Espaço para conflitos era
considerável, provocando ineficiência na coordenação setorial. A instabilidade
econômica ampliava os riscos dos projetos.
O último elemento dos condicionantes é o elevado dinamismo do mercado, já
que o padrão de consumo ainda é baixo e parte relevante da população ainda não tem
acesso à eletricidade. Assim, o ritmo de investimento deve ser elevado para evitar
gargalos.
Tabela III.8 Características do Setor Elétrico Brasileiro
Aspecto
Concentração do mercado de
geração
Sobra de infra-estrutura
Barreiras Estruturais à entrada
Dinamismo do mercado
Força Institucional
Estabilidade institucional e
econômica
Barreiras institucionais à entrada
Participação hidrelétricas
Nível
Moderada
Não
Elevadas
Elevado
Baixa
Baixa
Moderadas
Predominante
Fonte: Elaboração Própria
III.4.2. Escolhas
O desenho da reforma brasileiro, representado na Tabela III.9, foi determinado
por esses condicionantes, particularmente a predominância hidráulica. A decisão dos
342
Como aponta Newbery (2002), a definição de um marco legal completo o primeiro passo para o êxito
de reformas do setor elétrico.
179
reformadores foi a de centralizar grande parte das decisões no ONS, dando um espaço
limitado à competição, pelo menos em um primeiro momento.
Tabela III.9 Desenho dos mercados de eletricidade no Brasil
Aspectos
Nível de
Centralização
1. Transações de energia no atacado
Tempo Real
C
Dia Seguinte
C+
Longo Prazo
C+
2. Transações no varejo
C
2. Segurança e Estabilidade
Curto Prazo
C
Longo Prazo
D
3. Planejamento
C
4. Tratamento Congestão
D
5. Gestão d’água
C
Nota: C + significa bastante centralizado, C centralizado, D descentralizado e
D + Bastante descentralizado.
Fonte: Elaboração Própria
As transações de energia contam com uma excessiva centralização no Brasil. Em
tempo real, a coordenação é centralizada pelo ONS. As transações de curto prazo não
correspondem ao mercado para o dia seguinte, como em outras experiências. O mercado
de curto prazo do MAE definia preços mensais e, mais recentemente, semanais. Devido
aos preços elevados observados no período inicial e aos problemas de disputas legais, o
mercado de curto prazo do MAE funcionou mais como um mercado em tempo real do
que de um mercado de curto prazo, pois os agentes só efetuavam transações como
ajustes causados por imprevistos, e não por iniciativa própria. O mercado de curto prazo
tem sua coordenação centralizada pelo ONS. O mercado funciona como pool343 e o
único elemento de descentralização eram os lances da parcela flexível das térmicas. Mas
as regras de mercado determinam que esses devam refletir os custos marginais das
centrais.
O mercado de longo prazo também contava com centralização, os contratos
iniciais refletiam a situação anterior a reforma e, portanto, seus preços são regulados. Os
contratos bilaterais deveriam consistir no elemento em que o mercado seria ativo. No
343
É interessante notar que o pool brasileiro não conta com pagamentos adicionais (side-payments),
contrariando a classificação apresentada por Stoft (2002). No entanto, como é baseado em custos e opera
baseado em resultados de modelos computacionais, seu funcionamento é muito mais semelhante ao de um
pool que ao de uma bolsa.
180
entanto, De Oliveira e Losekann (1999) demonstram que a regra de repasse distorce a
competição no mercado de geração. A regra de repasse praticamente eliminou o
elemento de concorrência mais importante no setor elétrico brasileiro344. A existência de
um preço de referência facilita a formação de um conluio tácito pelos geradores.
Sabendo que as distribuidoras (comercializadores) podem repassar o custo a valores de
energia próximos ao VN, os geradores devem oferecer contratos nessa vizinhança.
Preços mais caros dificilmente seriam aceitos, pois isso traria prejuízos às
concessionárias e preços mais baixos não seriam vantajosos ao gerador345.
Assim, o preço dos contratos bilaterais passou a ser indiretamente regulado. O
preço médio dos contratos bilaterais é bastante próximo ao VN. Analisando mais
detalhadamente os preços dos contratos bilaterais percebe-se que são realmente
determinados pelo VN. A própria ANEEL assume esse fato. Na realização das revisões
tarifárias, a agência adota o valor do VN quando o valor dos contratos bilaterais não é
informado.
A reforma previa uma liberalização gradual e restrita do mercado de varejo. A
Lei 9.074 de 1995 determinou que os consumidores com carga superior a 10 MW
poderiam escolher seu fornecedor, limite que se reduziu para 3 MW em 2000. A lei não
definiu um cronograma para a liberalização do mercado de menor porte. Mesmo os
consumidores de grande porte não trocaram de fornecedores, as concessionárias de
distribuição, através dos contratos iniciais, ofereciam preços mais atrativos346.
A provisão de serviços ancilares é coordenada centralizadamente pelo ONS. As
regras de mercado não incluiam remuneração especial por esses serviços, que são
considerados uma contra-partida das geradoras. Não foi criado nenhum mecanismo
específico para estimular investimentos e promover a segurança do abastecimento no
longo prazo. Apesar de um encargo de capacidade ter sido incluído no modelo da
reforma, esse não foi efetivado. O Planejamento era do tipo indicativo, onde o CCPE
344
Restaria a competição no mercado de geração para a energia relacionada ao atendimento dos
consumidores livres. No entanto, os contratos iniciais possibilitavam que as concessionárias oferecessem
energia a um preço que os competidores não podiam cortá-lo e poucos dos consumidores capazes de
trocar de fornecedor exerceram essa possibilidade. Assim, a regra de repasse se aplicou a virtualmente
toda energia transacionada no país.
345
É claro que esse conluio tácito poderia não ser sustentável se houvesse capacidade ociosa ou entrada
de geradores com custo inferiores ao VN. No entanto, essa não era a situação brasileira. A capacidade
estava praticamente totalmente ocupada e VN não era indutor da entrada. Essa foi uma das causas da falta
de investimentos.
346
Após o racionamento, com a sobra de eletricidade, essa realidade foi modificada e a percentagem de
consumidores que utilizam fornecedores alternativos foi ampliada.
181
realiza a previsão de mercado e lista o rol de projetos, que podiam ou não ser efetivados.
No caso das hidrelétricas de grande porte, ocorrem licitações competitivas para definir
os executores dos projetos.
O Brasil conta com preços locacionais e quatro sub-mercados operam no sistema
brasileiro. No entanto, não são utilizados direitos de transmissão como critério de
remuneração, o excedente financeiro é administrado pelo ONS para compensar custos
do sistema.
O ONS centraliza a coordenação das centrais hidrelétricas. Estas operam como
se pertencessem a uma única empresa. Os proprietários das usinas não determinam a
quantidade produzida, tampouco têm influência na formação dos preços. O MRE torna a
remuneração parcialmente independente da quantidade produzida.
III.4.3. Resultados
O desempenho da reforma brasileira foi bastante negativo (Tabela III.10).
Apesar dos preços não terem sido muito elevados, a eficiência alocativa não era
alcançada. Os preços ainda refletiam a remuneração por custos do serviço em função
das regras de transição, que utiliza o custo médio para determiná-lo. O que gera
ineficiência, já que não os sinais não promovem a eficiência alocativa. Por ser inferior
ao custo marginal, esse induz a consumo superior ao ótimo social.
Tabela III.10 Desempenho da Reforma Brasileira
Aspectos
Eficiência Alocativa
Adequação dos Investimentos
Arranjos Institucionais
Desempenho
Ineficiente
Inadequado
Muitos Problemas
Fonte: Elaboração própria
A inadequação dos investimentos foi determinada pela demora da recuperação
dos níveis adequados de capacidade. Os arranjos institucionais deficientes,
principalmente quanto à gestão dos reservatórios, também foram determinantes da crise
setorial.
A crise brasileira é substancialmente diferente da enfrentada na Califórnia.
Enquanto que no estado norte-americano o problema era atender à demanda de pico, a
capacidade instalada no Brasil é muito superior à demanda de pico. O problema
182
brasileiro é de desequilíbrio dos fluxos de entrada e saída de água nos reservatórios, o
que é mais fácil de gerenciar do que o problema da Califórnia. Nesse estado ocorreram
vários blecautes, enquanto no Brasil não foi necessário realizar cortes347. Tanto isso é
verdade, que não foi necessário cortar eletricidade.
A maneira escolhida para gerenciar os reservatórios no momento da crise
demonstra como os sinais de preço podem levar a decisões eficientes. Ainda que a
ameaça de corte fosse importante para contingenciar o consumo em um primeiro
momento, os sinais de preço guiaram a alocação da eletricidade durante a crise. Para os
consumidores residenciais, bônus e multas deram incentivos para que a eficiência no
uso de eletricidade fosse buscada, através da aquisição de equipamentos mais eficientes,
como lâmpadas fluorescentes, e priorização os usos mais essenciais, o que se refletiu no
desligamento de freezers e ar condicionados. Para as indústrias, optou-se pela
descentralização. A implantação de direitos de consumo negociáveis propiciou a melhor
alocação entre os setores industriais. Foram criados diversos mercados para negociá-los
e os valores eram substancialmente inferiores ao custo do déficit348.
A questão relevante na avaliação da reforma brasileira é se seu desenho foi o
mais adequado às características do sistema elétrico nacional. Como vimos, a situação
pré-reforma era bastante complexa no Brasil e a resposta dos reformadores foi a
construção de um desenho que contava com maior centralização das decisões e menor
espaço para a competição do que as demais experiências internacionais. Assim, o
mercado não constituiu a forma de realizar as transações de eletricidade no curto ou
longo prazo.
É importante destacar que as experiências internacionais também enfrentaram
graves problemas derivados das características iniciais e a solução encontrada não foi a
centralização. Os problemas enfrentados no Brasil poderiam ser contornados de outra
forma, possibilitando que a competição tivesse maior espaço. Como a experiência
durante o racionamento indica, sinais de preço podem estimular a eficiência.
No momento atual, os problemas conjunturais (escassez de capacidade) estão
contornados e as mudanças institucionais enfrentariam menor resistência, já que há um
consenso que essas são necessárias. Esse seria o momento para mitigar os riscos
347
Apesar de freqüentemente a crise elétrica ser denominada “crise do apagão”, esse não ocorreu.
O preço dos direitos oscilou durante o período do racionamento. Antes das metas serem relaxadas, o
preço era cerca de R$ 300/MWh. O custo do déficit foi anteriormente definido em R$ 684/MWh.
348
183
regulatório, através do aperfeiçoamento do marco legal e do reforço das instituições
setoriais, e macroeconômico, através da oferta de proteção cambial aos projetos. Desta
forma, o quadro inicial seria mais favorável à descentralização.
Quanto à predominância hidráulica, as autoridades do setor ressaltam a
interdependência das decisões, mas não consideram o impacto positivo para facilitar a
coordenação. Na Noruega, a predominância hidrelétrica foi um indutor para a escolha
de soluções de mercado, que estão presentes na coordenação dessas centrais desde a
década de 1970. O argumento de que há consideráveis ganhos de coordenação ignora
que o mercado também propicia coordenação, que grande parte da literatura econômica
aponta como a alternativa mais eficiente.
A centralização da gestão do parque hidrelétrico tem conseqüências relevantes
no Brasil. Se as centrais hidrelétricas operam como se pertencessem a uma única
empresa, essa conta com uma participação de 90% no mercado brasileiro. Isso força a
intervenção do governo para regular preços, pois essa estrutura propicia a manipulação
de preços caso esses sejam livremente determinados. Por outro lado, representa uma
barreira à entrada para as empresas que não participam desse “cartel”. A solução da
Noruega para promover a descentralização foi o desenvolvimento de acordos de bacias,
o que ocorreu após um histórico de cooperação e experiências com trocas de
eletricidade. Ainda que as características brasileiras sejam distintas e o parque
hidrelétrico conte com ainda maior interdependência das decisões, solução semelhante
deve ser buscada.
Um aspecto fundamental da coordenação no setor elétrico é a segurança do
abastecimento. Por se tratar de bem público, o resultado de mercado tende a ser
ineficiente. Nas experiências internacionais, as políticas de segurança são usualmente
instrumentalizadas por requerimentos e encargos de capacidade. Aplicados em sistemas
de base termelétrica, esses instrumentos induzem o investimento em sobre-capacidade,
aumentando a margem de segurança do sistema.
As características do sistema elétrico brasileiro, predominância hidrelétrica e,
principalmente, disponibilidade de grandes reservatórios, modificam a natureza do
problema de segurança do abastecimento. No Brasil, a capacidade de armazenagem nos
reservatórios corresponde à metade do consumo anual de eletricidade (180 TWh). Ou
seja, se os reservatórios estão cheios, mesmo que não chova uma gota, o mercado pode
ser atendido durante seis meses sem considerar a geração termelétrica. Como já foi
184
enfatizado, a segurança do abastecimento no Brasil não é determinada pela folga entre
capacidade instalada e demanda de pico, mas, essencialmente, pelo volume de energia
acumulado nos reservatórios.
Dessa forma, os instrumentos de política orientada à segurança de abastecimento
no Brasil devem focalizar a administração do volume de energia nos reservatórios. A
determinação dos níveis dos reservatórios somente via sinais de mercado tende a não
atender incorporar o objetivo de garantir a segurança do abastecimento349, e a
intervenção do Estado se justifica para promover melhorias de bem-estar. A forma de
atuação, que mereceria um estudo mais aprofundado, poderia ser semelhante à que
ocorre com estoques estratégicos de outros bens e serviços, inclusive de reservas
internacionais. Isso não exige o Estado seja dono das centrais, mas sim que esse define
valores mínimos de acumulação de água nos reservatórios. Uma analogia interessante é
com as reservas compulsórias (encaixes) que o Banco Central obriga os bancos
comerciais a manter em caixa como instrumento de política monetária.
Uma importante decorrência dessa proposta é a modificação do papel das
térmicas. Atualmente, o papel reservado a esse tipo de central é “complementar” ao das
hidrelétricas, sendo seu despacho orientado aos períodos de hidrologia crítica, quando
os reservatórios estão vazios. Com a adoção dessa proposta, a quantidade de energia
acumulada nos reservatórios seria maior e as térmicas seriam despachadas mais
regularmente. Os benefícios dessa escolha são diminuir a necessidade de capacidade em
relação aos instrumentos usuais de política de segurança350 e resultar em um perfil de
despacho de termelétricas mais coerente com a maturidade da indústria de gás natural,
onde um mercado interruptível, essencial para a operação das térmicas em regime
complementar, ainda não foi desenvolvido. Esse último fato tem constituído uma
importante barreira à implantação de centrais termelétricas. No entanto, os custos
operacionais do sistema tenderiam a ser mais elevados e esse trade-off define o volume
ótimo de energia que o Estado deveria manter como reserva estratégica.
Este tratamento da política de segurança possibilitaria descentralizar decisões,
principalmente na forma de negociar eletricidade, permitindo a obtenção dos benefícios
349
Johsen (2003) analisa o caso do Norte da Noruega, onde a coordenação via mercado criou estímulos ao
esvaziamento dos reservatórios além do nível ótimo social, o que acarretou em sucessivas intervenções do
regulador para contornar a escassez de energia.
350
A implementação de centrais de emergência segue a orientação usual, se assemelhando a um encargo
de capacidade. Se o problema de segurança de abastecimento for tratado somente através desse elemento,
os custos seriam excessivamente elevados.
185
propiciados por ambientes competitivos nesse importante setor econômico. Afinal, são
esses benefícios que justificaram a reforma da indústria ao redor do mundo.
Escolher a opção oposta – promover a intensificação da centralização –
acarretaria em custos para a sociedade, na medida que os incentivos à eficiência seriam
renunciados, e consistiria uma contradição à trajetória internacional da indústria. Essa
parte da premissa errada que a descentralização foi a razão da crise no Brasil. Por outro
lado, como foi apresentado anteriormente, a trajetória da indústria capitaneada pelo
Estado, ainda que tenha experimentado um longo histórico de êxitos, teve seu
esgotamento há pelo menos de duas décadas.
186
CONCLUSÃO
A principal questão que guiou a elaboração da tese foi a razão do desenho de
reforma não ter sido adequado no setor elétrico brasileiro. Uma pergunta deriva dessa
questão: a adoção de um “modelo competitivo” foi o determinante da crise elétrica de
2001/02? Uma série de autores, como Sauer (2002), a respondem afirmativamente, mas
a análise desenvolvido na tese não corrobora essa posição.
Para sustentar o argumento, foram buscadas nas experiências internacionais de
reforma do setor elétrico as lições para a reforma brasileira. Ainda que vários países
tenham reformado suas indústrias elétricas, não há um desenho único de reforma. Os
sistemas elétricos de cada experiência detêm particularidades que condicionam a
escolha do desenho características. Ou seja, não há “um tamanho único que sirva a
todos”.
A complexidade da coordenação econômica no setor elétrico torna a tarefa de
encontrar o desenho adequado de reforma muito relevante. São três os principais
determinantes dessa complexidade. Primeiramente, a especificidade dos ativos é
bastante elevada devido à forte interdependência tanto entre decisões operacionais,
quanto de investimentos, gerando espaço para comportamentos oportunistas. Segundo, a
eletricidade é um bem não estocável e o ajuste entre oferta e demanda deve ser
instantâneo (equilíbrio em tempo real) sobre risco de queda do sistema. Por último, o
setor elétrico é um exemplo de livro texto de falhas de mercado. As atividades de
transporte de energia constituem monopólio natural e a eletricidade é fonte de
externalidades positivas e negativa.
Historicamente, a formação de monopólios integrados verticalmente (ou quasiverticalizados) e a regulação por taxa de retorno constituíram a combinação dominante
para contornar essas complexidades. Essa estrutura mitigava riscos e estimulava
investimentos, sendo adequada para a fase de expansão da indústria, quando as
oportunidades de economia de escala eram elevadas. No entanto, a falta de incentivos
ao comportamento eficiente das empresas era uma velha crítica acadêmica. Na década
de 1980, conforme a trajetória de ganhos de escala se esgotou, tal crítica se difundiu,
impulsionando a reforma do setor elétrico.
187
O objetivo da reforma é incrementar a eficiência setorial através da introdução
da competição. No entanto, não é possível simplesmente substituir a estrutura de
monopólio por um mercado puro. As experiências de reforma adotam soluções híbridas
que combinem elementos de mercado e de coordenação centralizada. O mercado
atacadista de energia e o operador independente do sistema são instituições de
coordenação comumente desenvolvidas nas experiências.
A análise da experiência internacional destacou os elementos de características
do sistema, das escolhas do desenho de reforma e do desempenho de cada experiência.
As experiências partem de situações iniciais distintas. A hipótese adotada é que a
adequação entre características e escolhas determina o resultado da reforma.
Quanto a matriz de geração, são pontos importantes a participação da geração
hidrelétrica, a dependência de importações e a disponibilidade de gás natural. A
primeira particulariza a coordenação do setor elétrico, pois possibilita a estocagem
indireta de energia e gera um risco de oferta relacionado à hidrologia. A predominância
da hidrologia na Noruega determinou a criação de instrumentos de coordenação
peculiares e estimulou a introdução da competição nesse país. O balanço de energia da
Califórnia era dependente da aquisição de energia proveniente de estados vizinhos,
assim a segurança de abastecimento era frágil351. A disponibilidade de gás natural é
considerada um fator chave nos processos de reforma, por reduzir as barreiras à entrada
no setor. Essa característica foi determinante nas experiências da I&PG e Califórnia.
As experiências também se diferenciam quanto ao ritmo de crescimento da
demanda de eletricidade, que determina a necessidade de investimentos em expansão.
Das experiências internacionais analisadas, a Califórnia é a única a apresentar um ritmo
elevado de crescimento da demanda. O último ponto importante dos condicionantes é a
força institucional, que demonstra a capacidade das instituições darem rumos ao setor e
solucionar problemas. As instituições foram fortes no caso da I&PG, sendo
extremamente atuantes para enfrentar o problema de excessiva concentração da
indústria. Esse não foi o caso das outras experiências. Nos países nórdicos, as
instituições focaram os problemas locais (de cada país) e não atuaram no conjunto. Na
Califórnia, o conflito entre instituições e indefinição dos papéis comprometeram a força
institucional.
351
No caso, a situação era crítica pelos estados exportadores terem predominância hidrelétrica, que
repassavam o risco de oferta para a Califórnia.
188
As escolhas do desenho de reforma definem a forma que a energia é negociada.
A análise indica que a trajetória de descentralização das decisões é contínua na
experiência internacional. O Pool inglês era o mercado spot que contava com maior
centralização das decisões em seu operador. A instituição do NETA, promoveu maior
descentralização, constituindo seu principal objetivo conceder liberdade aos agentes
para negociar eletricidade. A experiência do Nord pool também conta com bastante
descentralização, o que serviu, inclusive, de inspiração para a re-reforma inglesa. No
caso da Califórnia, o mercado atacadista era bastante descentralizado e decisões que
usualmente são centralizadas, como a contratação de serviços ancilares, foram
descentralizadas. No entanto, as regras de transição inviabilizaram a descentralização
das transações bilaterais e a liberalização da comercialização de eletricidade.
O desempenho das experiências também apresenta diferenças. Todas
enfrentaram problemas. No caso da I&PG, os preços foram elevados nos anos iniciais,
mas a intervenção do regulador reverteu a situação. Nos países nórdicos, os anos iniciais
foram de bom desempenho, mas a escassez de investimentos gerou problemas
recentemente. A escassez de investimentos também foi observada na Califórnia. Esse
problema se somou à fragilidade institucional e à inadequação das escolhas tomadas em
relação às características do sistema, gerando uma grave crise elétrica no estado mais
rico dos EUA.
As características do sistema elétrico brasileiro também eram bastante
complexas, o país conta com predominância hidrelétrica, forte crescimento da demanda
e instituições fracas. Para lidar com essas complexidades, as autoridades optaram por
centralizar excessivamente a coordenação setorial. O mercado spot tinha limitados
elementos de descentralização, já que o despacho era definido através de modelos
computacionais que não eram baseados em lances de oferta, mas no custo de operação
das centrais. As regras de transição, como os contratos iniciais e a regra de repasse,
fizeram com que as transações bilaterais, que tenderiam a ser o elemento sujeito à livre
competição, fossem praticamente reguladas. O mesmo ocorria com a atividade de
comercialização, onde poucos consumidores optaram por trocar seus fornecedores até a
crise de eletricidade iniciar.
O mau desempenho da reforma brasileira culminou com a crise de 2001/02,
quando os consumidores ficaram sujeitos a racionamento de eletricidade. Essa crise não
foi o resultado da adoção de um “modelo de mercado”, pois o desenho da reforma
189
brasileira reservou pouco espaço ao mercado. O principal determinante da crise foi a
inadequação do arranjo institucional, que gerava sinais econômicos indutores a
ineficiência no curto e no longo prazo. No curto prazo, o modelo adotado para definir a
operação sub-valorizava a água acumulada nos reservatórios acarretando em sua
depleção. No longo prazo, a incerteza decorrente das lacunas regulatórias, do sobredimensionamento da energia assegurada e de fatores macroeconômicos, desestimularam
investimentos em termelétricas, que eram as centrais capazes de contornar o problema
de escassez de energia em tempo hábil.
A questão remanescente é se havia alternativa para a escolha do desenho de
reforma brasileiro. Uma premissa comumente utilizada é que as complexas
características do sistema brasileiro, principalmente a predominância hidrelétrica,
tornam a centralização da coordenação imprescindível. No entanto, a experiência
internacional, que também ficou sujeita a problemas, aponta que a descentralização é o
caminho a trilhar. Na Noruega, a predominância hidrelétrica foi um estímulo à adoção
de um modelo competitivo por simplificar a coordenação, permitindo “estocar”
eletricidade. Foi um passo fundamental nesse processo, que também seria necessário
para possibilitar a descentralização no Brasil, a elaboração dos acordos de bacias, que
definem direitos de propriedade para o uso da água. Por outro lado, a experiência
durante o racionamento demonstrou como sinais de preço que refletem a escassez da
eletricidade acarretam a decisões adequadas quando são experimentados pelo
consumidor final, propiciando a coordenação setorial eficiente.
Um ponto crítico das experiências de reforma é a segurança do abastecimento.
Vários países têm adotado políticas específicas para atender a esse objetivo, que
gerenciam a folga entre capacidade de geração e demanda de pico. Usualmente, essas
implementam remuneração à capacidade de geração, estimulando o investimento em
centrais que ficam ociosas na maior parte do tempo. No Brasil, esse tipo de solução não
é adequada, pois a segurança não depende da folga entre capacidade de geração e
demanda de pico, mas fundamentalmente do gerenciamento da água contida nos
reservatórios. Dessa forma, a política de segurança deve focar esse elemento, através da
definição pelo governo de estoques de estratégicos que devem ser orientados para
situações emergenciais, tal como ocorre com outros bens essenciais.
Concluindo, um desenho mais descentralizado de reforma seria não só possível
mas mais adequado às características do sistema elétrico brasileiro. Como esse objetivo
190
envolve modificações institucionais, tal não pode ser atingido no curto prazo. Mas a
reforma brasileira deve ser guiada para que os obstáculos à descentralização sejam
superados e esse objetivo seja atingido no longo prazo. É preciso ter em conta que a
opção totalmente centralizada no Estado, que caracterizou a trajetória da indústria
brasileira anterior à reforma, já encontrou seus limites com o esgotamento da
capacidade de investimento estatal. Tentar retornar ao passado significa ignorar não só a
tendência internacional, mas também os problemas que o setor elétrico brasileiro já
enfrentou.
191
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202
ANEXO I - Antecedentes da Reforma da Inglaterra e País de
Gales
Até a década de 1940, a indústria de suprimento elétrico britânica era
organizada em companhias de pequena escala que operavam localmente352.
Com algumas exceções353, essas companhias não tinham escala produtiva
suficiente para tornar a eletricidade competitiva com o gás (o que retardou a
difusão da eletricidade na Inglaterra em relação aos Estados Unidos)354. A CEB
(Central Electricity Board) foi criada em 1926 com a incumbência de criar e
operar um sistema de transmissão nacional que integrasse os sistemas locais,
possibilitando a exploração de economias de escala355. No entanto, o êxito da
CEB não foi acompanhado de ganhos de coordenação no âmbito da atividade
de distribuição, cuja estrutura de propriedade permanecia excessivamente
dispersa356.
Em 1947, ocorreu a nacionalização357 da indústria de suprimento elétrico
britânica. A resultante estrutura era constituída por 14 companhias locais (Area
Electricity Board)358 subordinadas à British Electricity Authority (BEA), que
também herdou as responsabilidade da CEB. Com a formação do Electricity
Council359 e da Central Electricity Generating Board (CEGB), que passou a
deter a geração e a transmissão na Inglaterra e País de Gales, a estrutura que
regeu a industria até a reforma dos anos 90 se consolidou.
352
Hannah (1979) analisa com profundidade o setor elétrico inglês antes da nacionalização.
Hannah (1979) cita o caso da Newcastle-upon-Tyne Electric Supply Co. Devido ao
empreendedorismo de seu engenheiro chefe, Charles Merz, essa companhia teve êxito em sua
expansão, tornando-se o maior sistema elétrico integrado da Europa no período anterior a
Primeira Guerra Mundial. P. 33
354
Henney (1994)
355
A instituição também passou a ser responsável pela coordenação do planejamento e da
operação do sistema elétrico inglês. A criação da CEB ilustra a possibilidades de ganhos com a
interconexão e coordenação. Como resultado deste movimento, a reserva de capacidade foi
reduzida de 84% em 1929-30 para 16% em 1939 (Chesshire, 1996).
356
Na década de 30, mais de 600 distribuidoras locais operavam na Grã-Bretanha (Hannah,
1979 p. 213). No momento da nacionalização, este número ainda era elevado: 537 (Newbery e
Green, 1996, p. 38).
357
Este movimento (nationalisation) engloba a reestruturação e a estatização da indústria.
358
12 na Inglaterra e País de Gales e 2 no sul da Escócia. Em 1955, as duas companhias
escocesas se separaram do sistema elétrico da Inglaterra e País de Gales.
359
Esta instituição foi criada para coordenar a indústria, mas, segundo Henney (1994), o
Conselho nunca cumpriu esse papel por ser excessivamente dependente da CEGB e das Area
Boards.
353
i
A CEGB vendia energia às Area Boards ao preço da tarifa de suprimento
ao atacado (Bulk Supply Tariff – BST), que agregavam o custo de distribuição
para definir a tarifa ao consumidor final, que variava conforme categoria do
consumidor, horário, estação do ano, voltagem e demanda máxima360. O
cálculo da BST era complexo e possibilitava o repasse integral dos custos da
CEGB, incluindo uma parcela para cobrir os custos operacionais e outra para
cobrir os custos fixos.
A estrutura de propriedade das empresas era de corporações públicas, o
que tinha como intenção proporcionar uma combinação de controle contábil
pelo Estado e autonomia empresarial para o atendimento do interesse
público361. As corporações eram controladas por um conselho indicado pelo
ministério. O Conselho contaria com independência operacional, restando ao
Ministro prover direções gerais e aprovar os planos de investimentos e
financiamento362. No entanto, esta visão de afastamento do governo das
decisões operacionais, se provou “mais idealística do que realística”363.
Segundo Newbery e Green (1996), a maior falha do arcabouço
regulatório britânico foi não considerar as tensões entre as partes envolvidas. O
governo deveria ter o papel de definir a política para o setor – guiando o
desenho regulatório, provendo os incentivos apropriados e monitorando o
desempenho – e os detalhes de operação seriam delegados à indústria. Mas o
contrário ocorreu, o governo proporcionou “pouca orientação estratégica e
muita interferência nos detalhes”364
A estrutura da indústria foi apropriada para mobilizar recursos e
coordenar investimentos nos períodos de forte expansão da demanda nas
360
Chessire (1996) destaca que devido a incertezas da demanda e limitações do processo de
mensuração, as tarifas finais não refletiam os sinais de custos contidos na BST.
361
Para mais detalhes sobre o funcionamento das corporações públicas consultar e Henney
(1994).
362
Os White Papers de 1961, 1967 e 1978 foram elaborados para fortalecer o controle do
governo sobre as empresas estatais. O primeiro introduziu metas financeiras e o segundo
esclareceu os objetivos das corporações públicas com vista a maximização da eficiência, no
entanto estes esforços não obtiveram êxito. O último definiu metas financeiras e de
performance mais severas, adotando limites de financiamento externo anuais, o que minou o
principio de afastamento do Estado, mas não resolveu o problema de interferência política nas
decisões empresariais (Vickers and Yarrow, 1988).
363
Chessire (1996) p. 20.
364
Newbery e Green (1996) pg. 38.
ii
décadas de 1950 e 60365. No entanto, os incentivos se mostraram inadequados
quando a demanda se estagnou na década de 1970. Neste período, a
utilização de previsões de demanda sobre-estimadas acarretou em excesso de
capacidade366.
A principal crítica ao desempenho do setor elétrico britânico anterior à
privatização era a excessiva politização das decisões367, o que acarretava em
excessivos custos de investimento e de seu principal insumo, carvão368,
pressionando
os
preços
da
eletricidade.
Por
privilegiar
fornecedores
domésticos, o custo de construção das plantas britânicas era cerca de 50 a
100% maior do que em outros países industrializados369. O governo proibia a
CEGB de utilizar carvão importado ou gás natural, o que conferia subsídio ao
carvão local, que tinha um preço elevado por ser extraído em minas de grande
profundidade, e encarecia em cerca de 5% a eletricidade vendida pela
CEGB370.
Estes problemas já eram evidentes muito antes da reforma e deram
origem a duas tentativas de reestruturar a indústria, uma no final da década de
60 e outra em meados da de 70, que não deram resultados371. Também foi
infrutífero o Energy Act de 1983, que pretendia liberalizar a entrada no setor
elétrico estabelecendo que as Area Boards deveriam adquirir energia de
entrantes ao custo evitado da CEGB. Devido à modificação da tarifa cobrada
pela CEGB e à falta de contratos de longo-prazo oferecidos pelas Area Boards
faltaram estímulos para a entrada de novos geradores372.
O processo de privatização britânico foi extensivo, envolvendo vários
setores econômicos, e influenciou as políticas públicas ao redor do mundo.
Este foi iniciado pelas empresas que operavam em regime competitivo como
365
A demanda de eletricidade cresceu a taxa anual de 8,5% nos anos 50 e 5% nos anos 60.
A margem de reserva cresceu de 21% em 1970-71 para 42% em 1973-76. Chessire (1996)
p. 27.
367
Henney (1994) uma lista extensiva dos determinantes do fraco desempenho do setor
elétrico britânico estatal.
368
Neste período, as plantas alimentadas a carvão representavam 80% da capacidade
instalada total.
369
Newbery e Green (1996) pg. 57.
370
Este valor é citado em Newbery e Green (1996) pg. 57 e é calculado com base nas
estimativas do Departamento de Comércio e Indústria. No entanto, os autores consideram as
estimativas exageradas.
371
Chessire (1996)
372
Newbery e Green (1996) p. 52.
366
iii
petróleo (Britoil), automotivo (Jaguar) aeronaval (Aerospace) e serviços de
telecomunicações (Cable and Wireless). Em 1984, a privatização penetra nos
serviços públicos com a venda da gigante British Telecom. Posteriormente, a
British Gas foi privatizada (1986). Apesar do discurso pró-competição, estas
duas empresas foram privatizadas como monopólios373. O resultado da
ausência de incentivos à eficiência não tardou a se apresentar na qualidade e
preços dos serviços. Ficou claro que a troca de monopólios públicos por
privados não era uma boa solução. Esse aprendizado serviu para a definir a
reforma do setor elétrico onde a competição deveria acompanhar a
privatização.
373
Segundo Henney (1994) isso foi resultado de fatores distintos. A BT teria sido vendida
desacompanhada de reestruturação devido ao fato de ser a primeira privatização, e a incerteza
resultante dificultava a cisão da empresa. No caso da BG, tal se deveria às turbulências no
processo, o governo focara as atenções sobre a greve dos mineiros e o desenho da
privatização acabou sendo ditado por pessoas comprometidas com a preservação do
monopólio.
iv
ANEXO II - Reforma dos Países Nórdicos
Noruega
O setor elétrico norueguês foi liberalizado em 1991, consistindo na
experiência pioneira entre os países nórdicos. A estatal proprietária das linhas
de transmissão e de parte da geração, State Power Company, Statkraft, foi
desverticalizada. Uma nova empresa, Statnett, passou a administrar a rede, e a
Statkraft se tornou uma empresa de geração, gerida por critérios empresariais.
Com a Statnett como operadora independente do sistema, viabilizou-se a
instituição do livre acesso em 1992, com a determinação de tarifas de acesso.
A lei estabelece a desverticalização contábil das atividades de
monopólio e competitivas. As companhias municipais devem contabilizar
separadamente as contas das atividades de rede e de geração e
comercialização. Até 1996, as atividades de monopólio tinham tarifas definidas
por taxa de retorno, quando um esquema de retorno máximo do capital foi
imposto. Só recentemente, o regime para as atividades reguladas passou a ser
o teto de receita (income cap).
Desde 1991, todos consumidores podem escolher seu fornecedor. No
entanto, como uma taxa elevada era cobrada ao consumidor que optasse por
mudar de fornecedor, os pequenos consumidores eram mantidos como
mercado cativo. Em 1995, foi imposto um limite de NOK 200 para essa taxa,
que foi eliminada em 1998, acompanhando a introdução de perfis de demanda
para pequenos consumidores.
Cerca de 200 empresas de geração competem no mercado norueguês.
O regime de propriedade dominante é público, que representa 82% das
geradoras. A Statkraft controla cerca de 1/3 da geração (Figura A.1), mas
metade deste volume é negociada em contratos de longo prazo com
consumidores eletro-intensivos, o que limita seu poder de mercado. O restante
é constituído por concessionárias municipais e regionais374 e produtores
industriais.
374
Estas concessionárias permaneceram verticalmente integradas.
v
Figura A.1
Participação de Mercado na Geração – Noruega
Statkraft
31%
Outros
46%
Oslo Energi
7%
Lyse Kraft
5%
BKK
5%
Hydro Energi
6%
Fonte : Amundsen e Bergman (2002)
A Noruega tem uma grande importância na determinação dos preços no
Nord Pool, devido à flexibilidade de sua produção. Esta é predominantemente
proveniente de usinas hidrelétricas, que representam 99,5% do total da
eletricidade gerada no país.
O potencial hidráulico é disperso e sua gestão é descentralizada. O
samkjøringe, um mercado spot onde só participavam geradores que
procuravam otimizar o uso dos reservatórios, operava desde 1971. O mercado
spot precursor ao Nord Pool, “Statnett Market”, foi estabelecido em 1993.
Como a geração hidrelétrica apresenta um custo variável inferiores às
demais fontes, esta constitui a base da curva de oferta para os países que
formam o Nord Pool. Assim, quando a hidrologia é favorável, os preços se
tornam mais baixos.
Os proprietários de usinas hidrelétricas obtêm renda de escassez
quando operam em competição, pois o custo marginal do sistema tende a ser
superior ao seu custo médio, principalmente para as centrais já amortizadas.
Para capturar parcela dessa renda, uma taxação especial foi instituída para os
rendimentos de recursos naturais de hidrelétricas que é cerca de duas vezes
superior a taxa média que se aplica aos rendimentos do capital375.
A Noruega é o país que apresenta a maior intensidade do consumo de
eletricidade do mundo. Em função da disponibilidade hidráulica, o preço da
vi
energia é historicamente baixo, propiciando uma vantagem competitiva para as
indústrias energo-intensivas, como alumínio e ferro-ligas, que consomem
quase 30% da energia gerada no país e possibilitando um maior consumo
residencial, principalmente para calefação, dado o clima do país. A Figura A.2
relaciona preços de eletricidade e intensidade do consumo nos países da
OCDE, a Noruega representa o menor preço e o consumo mais intensivo.
Figura A.2
Preços e Intensidade do consumo de eletricidade
Países da OCDE
Fonte: IEA
Na década de 90, o consumo de eletricidade aumentou a uma taxa
anual de 1,6%, mas a oferta não acompanhou esta tendência. A capacidade
instalada permaneceu estagnada (crescimento de 0,6% a.a.) (Figura A.3).
Existem fortes barreiras a investimentos. Por um lado, os aproveitamentos
hidráulicos mais atrativos já foram explorados376. Por outro, a preocupação com
o meio-ambiente resulta em políticas restritivas a novos investimentos. Desde
2001, uma moratória foi imposta a grandes hidrelétricas e a construção de
usinas térmicas enfrenta forte oposição da sociedade377. Como conseqüência,
o país se tornou importador líquido de eletricidade.
375
Bowitz et al (2000).
Os potenciais hidráulicos são classificados conforme a possibilidade de outros usos e
características econômicas. O potencial hidráulico do país é de 180 TWh/ano dos quais 113
TWh/ano já foram desenvolvidos e 35 TWh têm seu aproveitamento vetado. Restam, portanto,
32 TWh/ano a desenvolver.
377
As autoridades norueguesas são compromissadas com a proteção do meio ambiente,
principalmente em relação à emissão de CO2, o que dificulta a implantação de usinas de
geração alimentadas a combustível fóssil. Em 1997, foi concedida a licença para construção de
2 centrais a gás natural pela Naturkraft (joint venture da Statkraft, Statoil e Norsk Hydro) com
capacidade total de 770 MW. No entanto, em 1999, a autoridade de controle de poluição
376
vii
Figura A.3
Consumo de Eletricidade e Capacidade Instalada na Noruega
(1989=100)
120
115
110
Consumo
105
Capacidade
Instalada
100
95
90
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
Fonte: Statistics Norway
Suécia
A liberalização do mercado elétrico sueco se iniciou em 1996. Neste
ano, o Nord Pool se tornou um mercado comum entre Noruega e Suécia.
Ainda que mais de 200 empresas operem na atividade de geração sueco,
sete empresas concentram 94% do mercado. A empresa dominante é a
Vattenfall, empresa estatal de geração, que detém 50% do mercado (Figura
A.4). A estrutura de propriedade é bastante diversificada, 50% das empresas
são estatais, 20% são municipais, 20% privadas e 10% investidores
institucionais (fundos de investimento e de pensão).
condicionou a licença para termelétricas a gás natural à utilização de tecnologias que eliminem
90% e 50% das emissões de CO2 e NOX, o que torna as plantas economicamente inviáveis.
viii
Figura A.4
Participação de Mercado na Geração – Suécia
Skelleftea
Kraft
2%
Outros
7%
Sydkraft
20%
Vattenfall
52%
Stora Kraft
4%
Birka Energi
15%
Fonte: Amundsen e Bergman (2002)
Os principais elementos da reforma sueca seguiram as medidas
empregadas na Noruega. A Vattenfall foi desverticalizada, dando origem a
uma empresa de geração e uma empresa de transmissão, Svenska Kraftnät,
que opera a rede administra a interconexão com os demais países;
assegurando o livre acesso de terceiros a rede.
A liberalização da comercialização foi implementada em conjunto com
a da geração. Em tese, todos consumidores podiam escolher seus
fornecedores, mas o custo da mudança de fornecedor a desestimulava,
principalmente para pequenos consumidores. Estes deveriam notificar o
fornecedor com seis meses de antecedência e instalar medidores horários
para trocar de fornecedor. Em 1999, o período de notificação foi reduzido
para um mês e perfis de demanda passaram a ser utilizados para pequenos
consumidores (<200 amperes), concomitante a proibição da cobrança de
taxas para mudança de fornecedor.
Existem
algumas
particularidades
em
relação
à
experiência
norueguesa. As atividades de rede devem ser separadas em companhias
ix
diferentes das atividades competitivas (geração e comercialização)378 e as
atividades de rede não são sujeitas a teto de preços ou renda379.
Como resposta a crise do petróleo, a Suécia desenvolveu um amplo
programa de geração nuclear. Este movimento resultou em uma forte
expansão do sistema que se manteve até o fim da década de 80, com a
energia nuclear deslocando as demais fontes de geração (figura 5). A Suécia
é um exportador líquido de energia, fornecendo energia para os demais
países nórdicos. No entanto, a capacidade instalada permaneceu estagnada
na última década e não existem planos de construção de novas plantas.
Existem barreiras institucionais a novos projetos. O Parlamento sueco baniu
a utilização futura dos principais recursos hídricos do país e há um complexo
programa de fechamento de usinas nucleares380 (IEA, 2002).
Figura A.5 Evolução da Estrutura da Geração de Eletricidade na Suécia
1973-1999
Fonte: IEA
Finlândia
O mercado elétrico finlandês foi liberalizado em 1995. A Lei do Mercado
Elétrico tornou livre o acesso de grandes consumidores a rede de transmissão,
eliminou barreiras institucionais para a construção de novas plantas, para o
378
Bowitz et al. (2000) aponta que as autoridades suecas enfrentaram dificuldades para forçar
a desverticalização real das atividades. Algumas criaram subsidiarias fantasmas para operar as
atividades competitivas que continuam sendo operadas pela companhia de rede. P. 56.
379
O regulador (NUTEK) e a entidade de competição julga casos particulares quando ocorrem
reclamações e as empresas têm de divulgar publicamente seus preços.
380
Os suecos decidiram em referendo por desativar progressivamente a geração nuclear até
2010. No entanto, o processo foi postergado por várias vezes e o primeiro reator só foi fechado
em 1999.
x
comércio com outros países e para a comercialização de energia, institui a
desverticalização contábil das empresas e criou a Autoridade do Mercado
Elétrico, que atua como uma agência de regulação.
Não há controle diretos de preços, mesmos sobre as atividades de
monopólio (transmissão e distribuição), as empresas determinam suas
tarifas381 e a Autoridade do Mercado Elétrico (EMA) pode interferir após
investigação. Neste processo, o principal mecanismo utilizado é a regulação
por comparação (‘Yardstick Regulation’). O Office of Free Competition (OFC)
também regula a indústria de eletricidade com o intuito de promover a
competição382.
As empresas são sujeitas a Lei de Restrições Competitivas, que
explicitamente proíbe fusões nas atividades de distribuição e comercialização
que resultem em controle de mais de 25% do mercado nacional.
A liberalização da comercialização se iniciou em 1995, quando
consumidores com demanda superior a 500 kW já podiam escolher seus
fornecedores. Desde 1997, todos os consumidores podem escolher seus
fornecedores383.
Neste ano, a país se tornou uma área de preços independente no Nord
Pool. A empresa proprietária da rede, Fingrid, é propriedade de investidores
institucionais, geradores e do Estado, sendo que nenhuma destas partes tem
posição de controle e as decisões são tomadas com maioria de ¾.
Atuam no mercado finlandês cerca de 120 geradores, que detêm 400
usinas. A empresa dominante é a Fortum que detém 30% do parque de
geração finlandês. A empresa surgiu da fusão de duas empresas estatais
(Imatran Voima Oy – IVO e Neste). A Pohjolan Voima Oy (PVO) é controlada
por consumidores eletro-intensivos, e a produção é voltada a atender esta
demanda, que representa 20% do total. A TXU formou uma joint-venture com a
PVO para atuar no mercado finlandês.
381
As tarifas são do tipo postais, i.e. não dependem da distância.
As agências reguladoras têm um número restrito de empregados, a EMA e OTC contam
com apenas 10 e 15 empregados, respectivamente.
383
Em 1998, foi introduzida uma modificação na lei para permitir que consumidores com
demanda inferior a 45 KW fossem isentos da aquisição de medidores sofisticados e fossem
faturados pelo perfil da carga.
382
xi
Figura A.6
Participação de Mercado na Geração – Finlândia
TXU
3%
Fortum
31%
Outras
44%
PVO
22%
Fonte: CERA e PVO
As empresas eram verticalmente integradas até 1996, quando seus
ativos de transmissão passaram a ser controlados pela Fingrid. No restante, se
destacam outros autoprodutores e companhias municipais verticalmente
integradas que utilizam sistemas de cogeração.
O parque gerador finlandês é diversificado, contando com hidrelétricas,
plantas nucleares, térmicas alimentadas a combustíveis fósseis. Neste último
grupo, se destacam as plantas de cogeração que representam 30% do total
gerado, principalmente plantas que combinam fornecimento de aquecimento de
ambientes e eletricidade. Apesar da diversidade de fontes, a Finlândia é uma
importadora líquida de eletricidade.
Dinamarca
A Dinamarca conta com dois sistemas elétricos praticamente
independentes no Oeste e no Leste. O país passou a participar do Nord Pool
em julho de 1999, quando o oeste da Dinamarca aderiu ao mercado nórdico.
Em outubro de 2000, o Leste da Dinamarca passou a constituir outra área de
preços do Nord Pool.
A
indústria
elétrica
dinamarquesa
é
formada
por
empresas
verticalizadas de propriedade dos municípios. As empresas de distribuição
detêm 75% da capacidade de geração, concentrada em sistemas de
cogeração centralizada de grande porte. As empresas fornecem eletricidade
e aquecimento (district heating). O restante corresponde a centrais de
cogeração de pequeno porte e plantas eólicas, que respondem a grande
xii
parte da adição de capacidade recente. Os consumidores têm grande
ingerência nas decisões empresariais. Mesmo com a reforma, estes têm
representação nas empresas de transmissão e nas distribuidoras que têm
obrigação de fornecimento.
Na Dinamarca, as companhias de transmissão e distribuição operam
sem objetivo de lucro. Já a geração e a comercialização, segundo a nova
regulamentação dinamarquesa, devem operar seguindo critérios comerciais.
No entanto, as plantas de cogeração têm sua atividade regulada para evitar
que consumidores de calor subsidiem a eletricidade.
Um regulador independente foi criado com a reforma, o Conselho
Supervisor de Energia (Energitilsynet). Este monitora as operações no
sistema elétrico e serve como árbitro de disputas. As empresas de
eletricidade também ficam sujeitas a regulação de proteção à competição.
O sistemas do Oeste e Leste eram respectivamente coordenados
pelas associações Elsam e Elkraft,. As associações eram responsáveis pelo
planejamento, despacho, operação da rede de transmissão e das
interconexões internacionais.
Como parte da reforma, a Elsam e a Elkraft foram desverticalizadas
empresas de geração, transmissão, distribuição e comercialização. A
transmissão é legalmente separada da geração e distribuição, o que significa
a obrigatoriedade de criação de entidades legais separadas, ainda que sob a
mesma estrutura de propriedade, para cada atividade.
É vetado que empresas de geração detenham mais de 15% de
empresas de transmissão, de distribuição ou de operação da rede. As
funções de coordenação do sistema de transmissão foram repassadas para
operadores independentes. A Eltra atua no Oeste do país e a Elkraft System
no Leste.
O esquema de acesso às redes de transmissão e de distribuição é o
de livre acesso a terceiros. As tarifas para ambas atividades são postais (não
dependem da distância). As receitas totais das empresas são sujeitas a tetos
impostos pelo ministério e as empresas escolhem as tarifas e informam ao
regulador, que pode requerer alterações.
xiii
Concomitante a reforma, houve um processo de concentração da
geração. As seis maiores empresas do sistema Oeste se fundiram, formando
a Elsam A/S que detém 49% do mercado de geração nesse sistema (Figura
A.7). No Leste, sete grandes plantas de cogeração e dez pequenas
formaram a Energy E2, que tem participação de mercado de 93%. (Figura
A.8)
Figura A.7
Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Oeste
Elsam
49%
Outros
51%
Figura A.8
Participação de Mercado na Geração – Dinamarca Leste
Outros
7%
Energi E2
93%
Fonte: Elaboração própria
O processo de liberalização da atividade de comercialização se iniciou
em 1998, quando os grande consumidores (consumo maior que 100
GWh/ano) passaram a poder escolher livremente seu fornecedor. Esse limite
foi reduzido para 10 GWh/ano em 2000 e para 1 GWh/ano em 2001. Desde
janeiro de 2003, todos os consumidores podem escolher seu fornecedor.
O processo de reforma segue uma liberalização controlada, onde
alguns pontos permanecem coordenados. Uma das prioridades da política
energética é a mitigação do impacto ambiental. O país é líder nas
xiv
negociações internacionais pela redução da emissão de CO2 e combinar a
preservação ambiental e princípios de mercado é o principal objetivo da
reforma
A capacidade de geração é concentrada em termelétricas que utilizam
combustíveis fósseis. Em função de políticas de eficiência e de promoção de
fontes renováveis, a cogeração se desenvolveu fortemente no país,
representando parte relevante da capacidade instalada no país (40%). As
fontes renováveis têm importante participação (10%) na matriz de geração.
Em resultado de políticas, como o plano “Energy 2001”, a geração eólica tem
aumentado sua participação.
As políticas ambientais também representam importante barreira à
adição de capacidade. A construção de centrais nucleares e a carvão é
proibida.
O sistema dinamarquês, concentrado em termelétricas, atua em
complementação aos parques hidrelétricos sueco e norueguês no Nord Pool.
Em períodos de hidrologia desfavorável, o país exporta eletricidade e importa
em períodos de hidrologia favorável. Desta forma, o país é extremamente
importante para o equilíbrio energético nos países nórdicos em momentos de
demanda de pico e hidrologia desfavorável.
xv
ANEXO III - Califórnia
PURPA
Estimulada pela introdução do PURPA (Public Utility Regulatory Policy
Act) em 1978, a entrada de novos geradores modificou a estrutura da indústria.
O PURPA era parte de uma política de resposta a crise do petróleo. Seu
objetivo primordial era promover a substituição de derivados de petróleo por
fontes alternativas na geração de eletricidade. As IOUs ficaram obrigadas a
assinar contratos com geradores qualificados (Qualified Facilities) que
utilizassem fontes renováveis ou cogeração384. O preço do contrato refletiria o
custo evitado das concessionárias, sendo fixado pelo órgão regulador. Os
custos evitados foram definidos baseados na expectativa de elevação
continuada dos preços do petróleo. O contrato padrão mais utilizado era o
Iterim Standard Offer 4 (ISO4), aprovado pelo CPUC em 1983. Este se
baseava nas previsões de longo prazo para os custos evitados das
concessionárias385 e oferecia pagamentos pela capacidade durante 20 a 30
anos e pagamentos com preços fixos a energia gerada que aumentavam
exponencialmente de US$ 50/MWh a US$ 120/MWh (Blumstein et al, 2002).
Essas condições eram tão atrativas que, em 1992, o total de capacidade
correspondente a geradores qualificados alcançava 9,5 GW386 e um quarto das
necessidades energéticas das três IOUs californianas era atendida dessa
forma.
Como as IOUs investiram pouco nesse período387, os geradores
qualificados representaram parte majoritária da adição de capacidade entre
1983 e 1991. Como resultado do PURPA, a matriz de geração de eletricidade
384
Antes do PURPA, o Regulador havia estimulado as próprias concessionárias a investirem
em fontes alternativas. A falha dessa tentativa explica a opção de desenvolver esses projetos
através de outras firmas (entrantes).
385
Os três contratos antecedentes, Standard Offer 1,2 e 3, consideravam o custo evitado de
curto prazo.
386
As autoridades subestimaram a atratividade das condições oferecidas. A expectativa era de
que o total de capacidade agregada por geradores qualificados que assinassem o contrato
ISO4 fosse inferior a 1 GW. No entanto, em 1985, o total de projetos de geradores qualificados
em execução ou com contratos assinados já ultrapassava 15 GW de capacidade de geração
(nem todos foram finalizados). Neste ano, a CPUC, temerosa de que a quantidade de
interessados não findasse, suspendeu os contratos ISO4.
387
As IOUs adicionaram 7 GW de capacidade entre 1983 e 1991, sendo que quase a totalidade
correspondia a centrais nucleares em construção desde a década de 1970. As condições
regulatórias eram muito mais favoráveis aos geradores independentes, já que os projetos das
IOUs tinham rentabilidade controlada pela CPUC. Como os projetos nucleares sofreram
xvi
na Califórnia se modificou sensivelmente, com o crescimento da participação
de fontes renováveis e do gás natural (Figura A.9).
Figura A.9
Estrutura da Geração de Eletricidade (TWh)
300
250
200
150
100
50
Outras renov.
Gás Nat.
Óleo com.
Carvão
Nuclear
Hidro
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
0
Fonte: CPUC
Crise: Fatores conjunturais
A Califórnia historicamente dependeu de importações de estados
vizinhos para equilibrar demanda e oferta de eletricidade (Figura A.10). Na
média dos últimos 20 anos, a participação das importações líquidas na oferta
total de eletricidade no estado foi de 20%. No entanto, temperaturas
inusitadamente quentes observadas no verão de 2000388 causaram o
crescimento da demanda de eletricidade no Noroeste dos Estados Unidos, o
que, combinado à redução dos níveis de água nos reservatórios da região389,
diminuiu a disponibilidade de energia nesses estados para exportação para a
Califórnia390. No biênio 2000 e 2001, a participação das importações caiu para
10% e 15%, respectivamente. Em agosto de 2000, o total de importações
líquidas foi um quarto do observado no mesmo mês em 1999. Sem contar com
a energia de estados vizinhos, tão importantes para equilibrar o balanço
atrasos e as IOUs enfrentaram resistências para repassar dos custos adicionais, essas tinham
aversão em investir em geração.
388
Entre junho até a agosto a temperatura na Califórnia foi a mais elevada em 106 anos de
registro (FERC, 2003).
389
A energia hidrelétrica representa parte relevante das importações californianas. A baixa
precipitação também reduziu a capacidade de produção das centrais hidrelétricas localizadas
na Califórnia.
390
A produção hidrelétrica no Noroeste da Califórnia em 2000 foi 14% inferior a 1999, o que
representou uma redução da geração de 46 TWh.
xvii
energético nos períodos de pico de demanda (principalmente no verão), o
estado teve de contar com a energia de centrais domésticas mais caras,
aumentando o preço da energia.
Figura A.10 Importações Líquidas de Eletricidade da Califórnia (TWh)
70
60
50
40
30
20
10
1
20
0
7
5
9
19
9
das
19
9
redução
19
9
19
9
3
19
9
1
9
19
8
19
8
7
5
19
8
19
8
3
0
Fonte: CAISO
Relacionados
à
importações,
dois
importantes
componentes do custo de centrais de geração térmica sofreram aumentos sem
precedentes: gás natural e direitos de emissão. O preço do gás natural na
Califórnia, como no resto dos Estados Unidos, não é regulado, sendo formado
de forma competitiva. Metade da capacidade instalada de geração de
eletricidade tem o gás natural como combustível. Como os custos operacionais
de centrais alimentadas à gás natural são superiores aos de centrais
hidrelétricas, nucleares e a carvão, essas operam fora da base, com fatores de
carga inferiores391. Sendo as centrais marginais, essas definem o preço no
mercado atacadista de eletricidade em grande parte do tempo.
Como reflexo da elevação da demanda e da redução das importações
de eletricidade, a procura de gás natural para geração de eletricidade
aumentou sensivelmente a partir de maio de 2000. Entre maio e outubro de
2000, a demanda de gás para a geração de eletricidade cresceu 44%
comparada ao mesmo período em 1999 (FERC, 2003). O problema de
391
A participação das centrais à gás natural no total gerado em 1999, último ano em que o
sistema elétrico da Califórnia operou “normalmente” foi de 35% (figura 1), o que evidencia que
grande parte das centrais à gás não operavam na base.
xviii
elevação da demanda foi alimentado pela inelasticidade da demanda de gás
natural para a geração de eletricidade. A elevação dos custos podiam ser
repassadas sem alterar sensivelmente as vendas de eletricidade (as tarifas
finais estavam congeladas) e a possibilidade de utilizar outra fonte era limitada,
já que a produção hidrelétrica estava reduzida e, as plantas que utilizavam gás
não eram bi-combustível respeitando a legislação ambiental, e, portanto não
podiam utilizar óleo combustível.
Enquanto a demanda aumentou, problemas técnicos reduziram a
capacidade de transporte nos gasodutos interestaduais que abastecem a
Califórnia (Wilson, 2002) e os níveis de estoque no aproximar do inverno de
2000 se encontravam abaixo da média392. Essas restrições de transporte
resultaram em diferenciais relevantes de preço do gás na Califórnia em relação
aos estados vizinhos e dentro do estado. A escassez de oferta também
acarretou em maior oportunidade para o exercício de poder de mercado de
empresas que combinassem interesses nos mercados de eletricidade e gás
natural. A manipulação dos preços no mercado spot de gás natural envolveu a
execução de transações artificiais393 e a divulgação de informações falsas
sobre negócios394.
De maio a novembro de 2000, o preço do gás natural na Califórnia
dobrou em relação aos níveis históricos (de US$ 2,5/MMBTU para US$
5/MMBTU). No entanto, essa tendência acompanhou os preços nas bacias
produtoras, i.e. os preços não eram substancialmente diferentes do resto do
país (Figura A.11). Em novembro e dezembro, os preços na Califórnia
dispararam para valores nunca antes observados. Em função de temperaturas
baixas em novembro, a demanda aumentou, causando pânico no mercado. Os
preços chegaram a alcançar US$ 50/MMBTU no mercado diário. Ainda que os
392
O estoque de gás era de 152 bilhões de pés cúbicos, 34 Bcf inferior à média dos cinco anos
anteriores. (FERC, 2003)
393
FERC (2003) analisa o comportamento da Reliant que manipulou o mercado de gás natural
no ponto de entrega de Topock. Este ponto de entrega é importante por se localizar na junção
dos gasodutos da El Paso e Southern California Gas e por ser o ponto onde a EnronOnLine
executava suas transações. Através de operações rápidas de compra e venda de grande
volumes de gás, a companhia inflava o preço do combustível. Segundo o relatório, em
dezembro de 2000, o preço do gás foi US$ 8,5/MMBTU mais caro nesse ponto em função do
comportamento estratégico da Reliant.
394
Cinco empresas (Dynegy, AEP, Williams, CMS e El Paso) admitiram fornecer informações
falsas a publicações especializadas da indústria como Gas Daily e Inside FERC publicadas
pela Platts e Natural Gas Intelligence (FERC, 2003).
xix
preços também aumentassem no resto do país, a disparada na Califórnia foi
muito mais relevante395. Nos meses seguintes, mesmo com a redução do
preços do gás no restante do país, os preços na Califórnia permaneceram em
níveis elevados. Os preços do gás natural só retornaram a níveis normais em
setembro de 2001.
Figura A.11 Evolução dos Preços do Gás Natural
Califórnia, na Boca do Poço e média nos EUA (US$/MMBTU)
14
12
10
boca do poço
8
California
6
US
4
2
set/02
mai/02
jan/02
set/01
mai/01
jan/01
set/00
mai/00
jan/00
set/99
mai/99
jan/99
set/98
mai/98
jan/98
set/97
mai/97
jan/97
0
Fonte: EIA/DOE
Para as centrais térmicas a gás que tipicamente atendem o pico de
demanda da Califórnia396, um aumento de US$1/MMBTU no preço do gás
natural acarreta em um aumento de US$ 14/MWh em seu custo operacional.
Durante o mês de janeiro de 2001, quando o preço foi de US$ 25/MMBtu no
Sul da California (SoCal Citygate), o custo corresponde a aquisição de gás
natural totalizava US$ 350/MWh para este tipo de planta (bem acima do teto de
preços do CAISO, impossibilitando a operação dessas centrais sem ocorrência
de prejuízo).
A Califórnia detém controle rigoroso sobre a qualidade do ar. Na área de
Los Angeles e vizinhanças, a Unidade da Costa Sul de Controle da Qualidade
do Ar (South Coast Air Quality Management District - SCAQMD) desenvolve o
RECLAIM (Regional Clean Air Initiatives Market). “Direitos de poluição”
negociáveis são alocadas às unidades de produção de setores da indústria
395
Os preços do gás eram substancialmente diferentes mesmo dentro da Califórnia. O Sul da
Califórnia experimentou os preços mais elevados durante a crise.
xx
com grande impacto ambiental, termelétricas inclusive. Os créditos de emissão
alocados a cada planta decrescem ao longo do tempo. O mais importante é o
direito referente ao Óxido de Nitrogênio (NOx). Quando uma central emite uma
quantidade de NOx que excede o seus crédito397, esta deve adquirir créditos
adicionais de outras centrais de geração ou de plantas de outros setores da
industria que emitirem menos que o permitido. A negociação é efetuada via
mercado.
No início de 2000, os créditos de NOx eram negociados por US$ 1 a
US$ 2/libra de Nox emitida e o impacto sobre o preço da eletricidade não era
relevante na maior parte do tempo (entre US$ 1 a 2/MWh). O preço alcançou
US$ 5/libra em maio e fechou o ano próximo a US$ 50. A elevação dos preços
dos direitos de emissão aumentou sobremaneira os custos de operação
centrais térmicas menos eficientes. Como são essas centrais que definem os
preços no mercado atacadista em períodos de escassez, a disparada de
preços dos créditos de emissão foi um determinante importante da escalada de
preços no mercado atacadista398. Segundo Joskow (2001, p. 33), “em setembro
de 2000, os preços direitos de NOx aumentaram os custos marginais de
unidades a vapor alimentadas a gás no SCAQMD [South Coast Air Quality
Management District, que cobre Los Angeles e vizinhanças] de US$ 30 a
US$40/MWh e aumentaram o custo marginal de turbinas de pico de US$ 100 a
US$ 120/MWh”.
Estratégias de manipulação do preço da eletricidade
FERC (2003) realiza uma análise extensiva dos elementos da estratégia
de “gaming” e “comportamento anômalo de mercado” exercida pela ENRON
para manipular os preços da eletricidade. Esse documento analisa a estratégia
não só da Enron, mas também de outros ofertantes. O relatório aponta os
elementos dessa estratégia que levou ao aumento do preço no mercado
396
Turbinas com combustão a taxa de calor de 14.000 Btu/KWh.
O crédito tipicamente corresponde a emissão de uma libra de NOx. Uma central a gás
moderadamente eficiente emite de uma a duas libras de NOx por MWh (California State
Auditor, 2001).
398
Considerando um momento em que o preço do direito de emissão era de US$ 50 por libra
de NOx emitida, uma central térmica ineficiente que emite 2 libras de NOx por MWh teria um
custo de US$100/MWh apenas com direitos de emissão.
397
xxi
atacadista, desde a simples oferta de lances sem qualquer relação com seus
custos em situações em que o ofertante tinha certeza que a central seria
despachada (poder de mercado local) a estratégias mais sofisticadas.Um ponto
importante da conduta dos maiores ofertantes independentes (AES/Williams,
Duke, Dynegy, Mirant e Reliant) foi a retenção deliberada e sistemática de
capacidade de geração para aumentar a escassez de energia. Segundo o
documento, essa tática era desempenhada por geradores que declaravam
centrais indisponíveis em razão de falhas técnicas que não existiam,
desligavam
unidades
para
reserva
quando
manutenções
não
eram
necessárias, não realizavam lances ou realizavam lances muito elevados que
certamente deixariam as centrais fora do mercado. Assim, colocavam o
sistema elétrico em permanente estado de escassez.
A lógica desse comportamento é analisada por Joskow e Kahn (2002).
Quando retém capacidade, o gerador diminui sua base de remuneração,
diminuindo a quantidade produzida, mas o aumento de preços provocado pelo
comportamento pode ser suficiente para acarretar em maiores lucros. Esta
estratégia traz maiores benefícios para ofertantes que dispõem de portfólio de
plantas de geração.
A Figura A.12 aponta que o período em que os blecautes foram mais
freqüentes também foi aquele onde os desligamentos envolveram parcelas
maiores da capacidade de geração, o que seria uma evidência do
comportamento estratégico das empresas de geração.
Blumstein et al. (2002) apontam que a parte predominante dos blecautes
ocorreu em momentos em que a demanda não estava tão elevada. A
ocorrência de blecautes em períodos em que a demanda não se encontra em
seus níveis mais elevados tem explicações distintas. Primeiramente, as
empresas optam por realizar a manutenção no inverno, período em que a
demanda está desaquecida. As geradoras argumentam que o uso intenso no
verão de 2000 aumentou a necessidade de manutenção das centrais no
inverno posterior. Além disso, as rigorosas normas ambientais motivaram a
realização de obras em centrais com objetivo de reduzir emissões. Outras
centrais que fornecem energia às IOUs foram fechadas em função da
inadimplência das últimas. Por outro lado, há evidências, com já foi
xxii
apresentado, de que o fechamento resultou de comportamento estratégico para
inflar o preço da eletricidade.
Figura A.12 Desligamento Planejado ou Forçado de Centrais (GW)
nov/01
set/01
jul/01
mai/01
mar/01
jan/01
nov/00
set/00
jul/00
mai/00
mar/00
jan/00
nov/99
set/99
jul/99
mai/99
mar/99
jan/99
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Fonte: FERC
Uma maneira de manipular o mercado utilizada pela Enron, que atuava
como coordenadora de programação, era a programação de cargas falsas399.
Pelas regras de mercado, as programações submetidas ao CAISO deveriam
ser equilibradas (carga = geração). A Enron gerava mais que sua carga real,
sendo remunerada pelo preço de equilíbrio no mercado em tempo real.
Memorandos da Enron referem-se a esta estratégia como o “truque mais velho
do livro”400. Estratégias de transferência fictícia de cargas também eram
utilizadas pela Enron para manipular os encargos de congestão. Quando a
empresa sobre-programava cargas de mesmo montante em uma zona (p.e.
Sul) e sub-programava em outra zona (p.e. Norte), as previsões do fluxo de
energia nas linhas de transmissão eram artificialmente aumentadas, inflando a
remuneração de seus direitos de transmissão na linha congestionada401.
A operação de “lavagem de Megawatt” ou “ricochete”, também utilizada
pela Enron, consistia na exportação de grandes quantidades de eletricidade no
mercado do dia seguinte, criando uma escassez artificial, apenas para importar
399
Essa estratégia era denominada de “fat boy” ou “Inc-Ing Load”
FERC (2003) P. 5
401
A Enron assumiu a adoção de estratégias de transferência de cargas, mas alegou que estas
não geraram lucros, já que a empresa não foi capaz de elevar os encargos de congestão de
forma independente (FERC, 2003)
400
xxiii
posteriormente a mesma energia a preços inflados no mercado em tempo real
ou através de contratos “fora do mercado”, evitando os tetos de preço da
Califórnia. Esta estratégia contava com a participação de concessionárias de
estados vizinhos.
O
relatório
também
sugere
que
documentos
evidenciam
que
participantes do mercado operavam em conluio e partilhavam de informações
não públicas sobre o desligamento de unidades de geração402. Também ocorria
manipulação no mercado de direitos de emissão. Geradores realizavam
transações entre si com intuito de inflar. o preço dos créditos de emissão e
justificar lances de preços mais elevados.
402
Uma empresa chamada Industrial Information Resources, que detinha contrato com as
maiores empresas de geração, oferecia serviço de informação diária sobre desligamento em
curso ou programado de unidades de geração de empresas concorrentes. Essas informações
eram obtidas com empregados das empresas de geração e utilizadas para definir os lances.
xxiv
ANEXO IV - Antecedentes da Reforma Brasileira
O surgimento da indústria brasileira de eletricidade ocorreu no final do
século XIX. A inauguração da iluminação interna da estação central da ferrovia
D. Pedro II (atual Central do Brasil), em 1879, é o marco inicial da utilização de
eletricidade no Brasil. Mas, o serviço público de iluminação teve inicio na
cidade de Campos em 1983 , onde a primeira central de geração brasileira,
uma termelétrica a lenha com 52 KW de capacidade, atendia 39 lâmpadas.
Neste mesmo ano, entrou em operação a primeira hidrelétrica brasileira em
Diamantina (MG), que alimentava os máquinas da companhia de mineração
Santa Maria. Em 1887, partes das cidades de Rio de Janeiro e Porto Alegre
passaram a contar com iluminação pública e, em 1892, a Companhia FerroCarril do Jardim Botânico passou a operar a primeira linha de bondes elétricos
da América Latina, ligando o Largo da Carioca ao Largo do Machado no Rio de
Janeiro. Nesse período inicial, a eletricidade era voltada aos usos de
iluminação, transporte e como força motriz na florescente indústria nacional.
Destaca-se, nesse período, a iniciativa de Bernardo Mascarenhas que
construiu a primeira hidrelétrica de maior porte do país, a hidrelétrica de
Marmelo-Zero com 250 KW de capacidade instalada e criou a Companhia
Mineira de Eletricidade, concessionária de serviço de eletricidade, que além de
atender a Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas atendia a iluminação
pública e particular na cidade de Juiz de Fora.
Mas foi através de empresas multinacionais que a indústria de
eletricidade se expandiu no Brasil. Dois grupos canadense e dos Estados
Unidos, Light e Amforp, atendiam aos principais centros urbanos brasileiros,
combinando os serviços de transporte por bondes e de fornecimento de
eletricidade. A canadense-americana Light centrou suas operações nas
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O início de sua operação no Brasil
ocorreu em 1900, através da São Paulo Tramway, Light and Power Company.
Depois, em 1904, criou a Rio de Janeiro Tramway Light and Power, que
oferecia um conjunto de serviços públicos: transportes (bondes e ônibus),
xxv
iluminação pública, geração e distribuição de eletricidade, distribuição de gás
canalizado e telefonia. (Gomes et al., 2002).
A americana AMFORP (American Foreign Power Company) iniciou suas
operações no país em 1924 com a compra de pequenas concessionárias no
interior. Posteriormente, a empresa iniciou operações nas capitais não supridas
pela Light e nas cidades mais prósperas do interior.
Tabela A.1 Proposta de Reestruturação das Geradoras Federais
Empresa Original
Novas Empresas
Capacidade de Geração
(MW)
FURNAS
Furnas Transmissão
Furnas Geração 1
5.570
Furnas Geração 2
3.290
Nuclen
657
ELETROSUL
Eletrosul Transmissão
Eletrosul Geração*
3.570
CHESF
CHESF Transmissão
CHESF Geração 1
6.240
CHESF Geração 2
2.785
ELETRONORTE
Eletronorte Transmissão Eletronorte Geração 1
4.365
Eletronorte Geração 2** 1.115
* Após a privatização a empresa passou a se chamar Gerasul
** Agrupa as centrais que abastecem os sistemas isolados da Amazônia
Fonte: De Oliveira (1998)
xxvi

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