opinião - Revista Rogate

Transcrição

opinião - Revista Rogate
OPINIÃO
OPINIÃO
Bíblia:
inspiração vocacional
N
a Liturgia da Igreja celebramos o
mês de setembro como o mês da
Bíblia. Esta é, sem sombra de dúvida, uma ótima oportunidade para pensarmos em nossa vocação de filhos e filhas de
Deus, o qual nos chama para viver no seu
amor.
O vocacionado e a vocacionada encontram na Sagrada Escritura o modo como
Deus se revela ao mundo, seja através de
símbolos naturais ou teofanias, como no
Antigo Testamento (exemplos: Ex 13,21ss;
19,16ss), ou por meio de seu Filho, Jesus
Cristo (cf. Lc 17,30; 1Cor 1,7). Encontram,
também, o modo como chama cada pessoa
do meio do povo para ser enviada a todos,
como discípulo e discípula de seu Filho,
missionário e missionária de Jesus.
Na autêntica escuta da Palavra de Deus
observamos a origem e o fundamento da
fé cristã. A acolhida desta Palavra nos possibilita responder o chamado que Deus faz
a cada um de nós frente aos desafios e à
realidade do mundo de hoje. Uma realidade na qual facilmente o ser humano se deixa corromper pelo mal e fecha seu coração para não ouvir a voz divina.
A Palavra de Deus é o lugar onde podemos fazer a experiência do próprio Deus e
cumprir a nossa missão na Igreja e no
mundo, assim como fizeram tantos ícones
da resposta vocacional, casos de Abraão,
Moisés, os profetas; Pedro, André, Tiago
e João; Maria, os evangelistas, Paulo... O
que não falta na literatura bíblica são os
inúmeros relatos vocacionais de homens
e mulheres que encontraram na Palavra de
Rogate 275
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Deus inspiração para responder ao chamado divino e viverem sua vocação de modo
livre e consciente, colocando seus dons a
serviço da comunidade.
E esta dinâmica se mantém. A Palavra
de Deus continua a chamar discípulos e
missionários, operários e operárias para a
messe. Dentre tantos exemplos de santos
e santas na caminhada da Igreja, destacamos o testemunho de Santo Aníbal Maria
Di Francia (1851-1927), considerado o
“antecipador da moderna pastoral vocacional”, o apóstolo da oração pelas vocações.
Ele que tão bem soube vivenciar e dedicar
toda a sua vida a partir do mandamento de
Jesus: “Rogai ao Senhor da messe para que
envie operários à sua messe” (Mt 9,38; Lc
10,2). Assim como ele, inúmeras pessoas
se inspiram na Palavra de Deus e respondem ao seu chamado.
Busquemos, pois, na Palavra de Deus
inspiração para viver o nosso batismo como
fonte de todas as vocações, para encontrar
um novo jeito de promover o serviço de
animação vocacional. Por meio desta Palavra poderemos melhor compreender a verdade revelada, o plano da Trindade Santa,
o sentido da nossa fé, caminhando em direção ao discipulado e à dimensão missionária de nossas vidas, frente a atual conjuntura da ação evangelizadora da Igreja na
América Latina e no Caribe, testemunhando Jesus Cristo, o Bom Pastor, Palavra
eterna do Pai por vocação.
Dárcio Alves da Silva
Religioso Rogacionista
1
EDITORIAL
C
NESTA EDIÇÃO
ontagem regressiva para o 3º Congresso Vocacional do Brasil. Exatamente daqui a um ano estaremos
celebrando a terceira edição deste grande
evento, que reúne animadores vocacionais
de todos os cantos do país. Capa e “Entrevista” retratam esta realidade. O congresso, na verdade, já começou! A mobilização
vai aumentando pouco a pouco. Em breve
teremos o Instrumento de Participação ou
Texto-base, que ajudará na reflexão e preparação, além do cartaz e hino oficial.
Conforme adiantado no “Editorial” da
última edição, iniciamos a apresentação do
documento preparado pela Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, um
dos temas do 18º ENSAV - Encontro Nacional do Serviço de Animação Vocacional
(cf. seção “Especial”). Está dividido em
quatro partes e servirá para iluminar a
caminhada das equipes vocacionais em sua
missão específica.
A seção “Opinião” nos recorda que
estamos vivenciando o mês da Bíblia, importante fonte de inspiração vocacional. E
a quarta capa lembra os 15 anos de “Grito
dos Excluídos”, com um tema pertinente:
“Vida em primeiro lugar; a força da transformação está na organização popular”.
Entrevista
3º Congresso Vocacional do Brasil:
contagem regressiva
Animação Vocacional
1º Encontro Latino-americano de IPVs 09
Atualidades
Carta faz balanço e destaca
compromissos das CEBs
Lançada em maio de 1982, a revista Rogate tem
registro de matrícula em São Paulo, 01/10/87,
no Livro B de Matrículas do 1º Cartório de Registros de Títulos e Documentos, sob o nº
98.906, nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei
Federal nº 5.250, de 1967. A revista é de propriedade dos Rogacionistas do Coração de Jesus, em colaboração com as revistas: Rogate
Ergo e MondoVoc (ltália), Vocations and
Prayer (EUA) e Rogate Ergo (Filipinas).
2
Os artigos assinados não expressam,
necessariamente, a opinião da Revista
11
Especial
No caminho do “discipulado
missionário” - 1ª parte
13
Animação Vocacional
Jovens cristãos: promovidos
em “educação sexual”
18
Informação
21
Leitor
23
Mística da Vocação
Inácio de Loyola,
evangelizador corajoso
24
ENCARTES
A Turma do Triguito
Celebração Vocacional
Os mistérios da glória
na ótica vocacional
Capa: Cartaz do 3º Congresso Vocacional do Brasil,
um dos destaques desta edição (cf. “Entrevista”).
DIRETOR DE REDAÇÃO
SEDE CENTRAL/CONTATOS
Juarez Albino Destro
Direção, Editoria, Secretaria e Administração:
Tel./Fax: (11) 3932-1434 / 3931-3162
E-mail: [email protected]
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02926-090 São Paulo SP Brasil
EDITOR
Ano XXVIII - nº 275
Setembro de 2009
03
Jefferson Silveira
COLABORADORES
Armando Del Mercato (capa),
Guido Mottinelli (Animação Vocacional),
Osmar Koxne (Triguito) e Patrício Sciadini
CONSELHO EDITORIAL
Izabel Bitencourt Pereira, Dárcio Alves da
Silva, Dilson Brito da Rocha, Maria da Cruz
Santos, Cláudio Feres e Therezinha Brito Feres
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ângelo Ademir Mezzari - Mtb 21.175 DRT/SP
IMPRESSÃO
Gráfica e Editora Linarth Ltda - Curitiba (PR)
ASSINATURA ANUAL
Nacional: 40 reais (10 edições ao ano)
Exterior: África, Ásia e Oceania - 50 dólares
América - 30 dólares
Europa - 50 euros
Pagamento por Cheque Nominal, Vale Postal
(agência 72.300.159-SP) ou Depósito Bancário - Banco Bradesco, agência 117-1, conta número 92.423-7, Centro Rogate do Brasil (CNPJ:
83.660.225/0004-44). Neste caso, enviar o
comprovante por fax, correio ou e-mail, com
nome e endereço completos.
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ENTREVISTA
ENTREVISTA
3º Congresso Vocacional do Brasil:
contagem regressiva
Ângelo Mezzari, religioso Rogacionista e sacerdote há quase
25 anos, participou ativamente do processo de organização
dos Congressos Vocacionais do Brasil de 1999 e 2005,
e está também na equipe preparatória à terceira edição,
que se realiza exatamente daqui a um ano
Fotos: Arquivo Rogate
C
om um histórico amplo no serviço de animação vocacional, seja
no âmbito de sua congregação
ou da Igreja do Brasil, através
da participação em comissões
ligadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) ou do Instituto de
Pastoral Vocacional (IPV), o
religioso Rogacionista, padre
Ângelo Ademir Mezzari, 53
anos, é o entrevistado desta
edição. E fala sobre o 3º Congresso Vocacional do Brasil, que será realizado exatamente daqui a um ano, de 03 a 07 de setembro de 2010, em Itaici, município de
Indaiatuba (SP). O tema recorda a 5ª Conferência do Episcopado da América Latina
e do Caribe, realizado em Aparecida: “Discípulos missionários a serviço das vocações”. O lema escolhido vem do evangelista Mateus (28,19): “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações”.
Pe. Ângelo já foi entrevistado outras
duas vezes pela Rogate. Em dezembro de
2002 (edição 208) falou sobre as expectaRogate 275
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tivas de seu governo, ao ser
eleito Provincial dos Rogacionistas para a América Latina;
em agosto do ano passado
(edição 264) refletiu sobre os
15 anos do IPV, do qual participa ativamente desde sua fundação, em 1993. De fato, presidiu a diretoria executiva por
nove anos (1993-2002) e atualmente, desde o ano 2002,
preside o conselho superior,
formado pelos provinciais dos
institutos religiosos que compõe a entidade. É natural de Forquilhinha, cidade que
na época de seu nascimento era um distrito de Criciúma (SC). Em dezembro deste
ano celebra seus 25 anos de ministério
presbiteral. Jornalista, foi um dos mentores
da revista Rogate, da qual é o “responsável”. Mestre em Teologia Dogmática, assessora grupos e outros institutos, auxiliando também na Escola de Preparação para
Animadores Vocacionais (ESPAV), do IPV.
Pe. Ângelo faz parte da Comissão Executiva que está preparando o 3º Congresso
Vocacional do Brasil.
3
3º Congresso Vocacional
do Brasil
ENTREVISTA
Data: 03 a 07 de setembro de 2010
Rogate: Vamos começar nossa conversa perguntando por que realizar uma terceira edição do Congresso Vocacional do
Brasil...
Ângelo: Esta é uma pergunta comum
que fazemos neste tempo em que se divulga e se organiza o 3º Congresso Vocacional do Brasil. O novo evento propõe-se
a celebrar a caminhada do serviço de animação vocacional, a aprofundar a teologia
das vocações na perspectiva do discipulado e da missionariedade, a consolidar a
identidade do animador e da animadora, e
do próprio serviço de animação vocacional. Também quer oferecer pistas de ação
para o trabalho vocacional. De um lado temos a realidade que nos provoca, de uma
multidão cansada e abatida, “o rosto humilhado de tantos homens e mulheres de
nossos povos”, como afirma o Documento
de Aparecida (n. 32), também por falta de
pastores, de ministros, de lideranças. De
outro, escutamos o apelo da fidelidade ao
mandato de Jesus, de anunciar o Reino, de
evangelizar, de pedir ao Senhor da messe
que envie operários para a sua messe (cf.
Mt 9,32-35; Lc 10,2). Deseja-se dar continuidade ao processo de realização dos congressos vocacionais, o que tem acontecido a cada cinco anos aproximadamente.
Neste sentido, é importante a fidelidade
ao que se fez e viveu, mas também a novidade, capaz de gerar um novo espírito e
um novo coração. Pois é sempre tempo
para construir o novo na Igreja e no serviço de animação vocacional, tempo de avançar e de planejar, pois todos os “discípulos
missionários” são responsáveis e estão a
serviço das vocações.
Tema: “Discípulos missionários” a serviço das vocações
Lema: “Ide, pois, fazer discípulos entre
todas as nações” (cf. Mt 28,19)
Objetivo geral: Aprofundar o tema do
“discípulo missionário” a serviço das vocações, em uma Igreja ministerial, na construção do Reino de Deus.
Objetivos específicos:
a) celebrar a caminhada do serviço de
animação vocacional;
b) aprofundar a teologia das vocações
na perspectiva do discipulado e da missionariedade, à luz de Aparecida;
c) consolidar a identidade do animador
e do serviço de animação vocacional na fonte da Palavra de Deus;
d) oferecer pistas de ação para o serviço de animação vocacional, insistindo particularmente no itinerário e no planejamento vocacional.
Justificativa:
Realizar o 3º Congresso Vocacional como
expressão da caminhada vocacional da Igreja no Brasil, no processo de continuidade de
realização dos congressos, acolhendo as
orientações do Sínodo sobre a Palavra de
Deus e da Conferência de Aparecida, com
seus referenciais para a vida (discipulado) e
para o serviço das vocações (missão).
Estratégias:
a) cronograma das principais ações (antes, durante e depois);
b) Instrumento de Participação, como
subsídio de reflexão para as Igrejas Particulares, equipes e seus animadores vocacionais;
c) motivar e divulgar o evento.
Responsáveis: CMOVC-CNBB (Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios
Ordenados e a Vida Consagrada da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e
Comissão Executiva do Congresso.
4
Rogate: No tema do congresso se percebe o “respiro” de Aparecida. Qual a importância desta ligação?
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ENTREVISTA
Ângelo: De fato, nesta fase de prepavemos realizar, o de despertar, discernir,
ração ao congresso pretende-se acolher,
cultivar e acompanhar a vocação dos baticomo horizonte e referência, não apenas
zados para que sejam verdadeiramente
o Documento de Aparecida, com todas as
“discípulos missionários” de Jesus Cristo.
suas indicações, mas também o Sínodo
Esta tarefa protetora e alimentadora da fé,
dos Bispos sobre a Palavra de Deus na
e de memorial, também é nossa, e querevida e na missão da Igreja. Temos as promos cada vez mais assumi-la integralmenposições aprovadas pelos padres sinodais
te. A ordem de Jesus é explícita, objetiva,
e estamos na expectativa de uma Carta
é ir, e fazer discípulos. O Documento de
Encíclica do papa Bento XVI
Aparecida, em seu número
sobre a temática. Aparecida e
100, recorda que entre tantos
o Sínodo darão importantes
desafios enfrentados pela
referenciais teológicos e pasIgreja, constata-se também o
torais para a vida - o discipunúmero insuficiente de sacerlado - e o serviço das vocadotes e sua não equitativa disções - a missão. Soma-se a estribuição, e a relativa escastes dois eventos, a sintonia
sez de vocações ao ministépara com o Ano Sacerdotal,
rio e à vida consagrada. Cerconvocado recentemente pelo
tamente esta carência pode
papa Bento XVI, com o tema:
ser estendida aos demais mi“Fidelidade de Cristo, fidelinistérios, somos testemunhas
dade do sacerdote”, com o obe temos consciência disso. À
jetivo de fazer perceber semescassez, ao número insuficipre mais a importância do
ente e a uma não justa distriserviço e da missão do sacerbuição, mais do que ninguém,
Deseja-se dar
dote na Igreja e na sociedade
na Igreja, deve se interessar
continuidade
contemporânea.
o serviço de animação vocaao processo de cional.
Rogate: Podemos afirmar
realização dos
que todo o Documento de ApaRogate: A dinâmica uticongressos
recida é vocacional?
lizada nesta terceira edição
vocacionais
Ângelo: O próprio tema
será a mesma dos dois eventos
refletido na Conferência indiprecedentes?
ca isso, e também o conteúdo
Ângelo: O 3º Congresso,
do Documento Final aponta nesta direção.
a exemplo dos anteriores, pela sua metoE nós, da animação e da pastoral vocaciodologia organizativa, vai permitir uma parnal, nos propomos à “grande tarefa de proticipação diversificada e qualificada de aniteger e alimentar a fé do povo de Deus e
madores e animadoras vocacionais, nas
recordar aos fiéis deste Continente que,
suas diversas fases. O simples fato de esem virtude de seu batismo, são chamados
tar juntos e se encontrar, de refletir e para ser discípulos e missionários de Jesus
tilhar as próprias práticas, de celebrar e
Cristo” (Documento de Aparecida, 10). Trapropor metas e diretrizes, favorecem uma
ta-se de um mandato, uma missão que deconvergência nas prioridades e nas ações,
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ENTREVISTA
nos princípios e valores, garantindo a uninovo evento, isolado de todo o processo
dade no caminho e a riqueza das vocações
até aqui feito, com suas riquezas e tampara a vida e a missão da Igreja no mundo.
bém limites. As condições favoráveis para
O congresso é sempre fruto de um proa realização do 3º Congresso e o seu placesso profundo do serviço de animação
nejamento, feito com antecedência, devevocacional, sua identidade e missão. Os
rão envolver certamente todas as instânanteriores se abriram para as questões da
cias e os setores eclesiais, fazendo chegar
antropologia e da cultura vocacional, da
às comunidades, aos grupos, às equipes e
inculturação e da evangelização, da oração
coordenações vocacionais, aos vocacionae da espiritualidade, da integração das pasdos, a reflexão proposta, favorecendo e
torais, da pedagogia e do planejamento, do
estimulando a participação e co-responsaitinerário vocacional. Este vai enfocar a
bilidade. Fundamental é a preparação, a oratemática do “discipulado
ção persistente, o aprofunmissionário” no serviço
damento temático, a articudas vocações, iluminando
lação, o estabelecimento de
todas as questões anterioprioridades, e uma prograres já tratadas e apontanmação que incida após o
do os novos desafios a secongresso nos planos e prorem enfrentados. Certajetos da própria conferênmente o uso do método
cia episcopal e comissão es“ver, julgar e agir” poderá
pecífica, dos Regionais, das
colaborar para que vivadioceses e suas comunidamos mais intensamente
des. O que se deseja é que
nossa vocação e missão na
na Igreja, povo de Deus, por
Igreja. Recordamos que o
sua graça e benignidade,
2º Congresso Vocacional
haja um novo florescimentambém abordou a temátito de vocações, como exca metodológica, sugerinpressão da riqueza, multido no serviço de animação
plicidade e complementari“O 3º Congresso Vocacional do Bravocacional uma metodolo- sil será um espaço propício para pro- dade de dons, carismas e
gia de planejamento parti- vocar e estimular no serviço de ani- ministérios.
cipativo, contemplando mação vocacional uma conversão
uma análise da realidade pastoral e renovação missionária”
Rogate: “Ide, pois, fa(marco situacional), a iluzer discípulos entre todas as
minação da fé (marco doutrinal) e a ação e
nações”, é o lema do congresso. Faz parte
programação (marco operacional).
dos últimos versículos do evangelho de Mateus, que se conclui exatamente afirmando
Rogate: Garantir a unidade no camique Jesus estará conosco todos os dias, até o
nho vocacional da Igreja no Brasil, de fato,
final dos tempos. Espera-se dos discípulos
é um grande desafio. Como acontece isso na
que partam em missão. E quem ainda não é
prática?
discípulo?
Ângelo: Sabemos que no caminho da
Ângelo: O 3º Congresso se propõe, e
evangelização não é suficiente realizar um
certamente dele se espera, do ponto de
6
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ENTREVISTA
vista temático e pastoral, que na animação
vocacional e no trabalho de seus agentes,
se garanta a centralidade do encontro com
a pessoa de Jesus Cristo e a conversão
pastoral. De fato, na missão evangelizadora, o serviço de animação vocacional, como
um instrumento do Espírito de Deus, terá
como tarefa fundamental fazer com que os
vocacionados tenham um “encontro com
um acontecimento, com uma Pessoa, que
dá novo horizonte à vida e, com isso, uma
orientação decisiva”, como afirma o Documento de Aparecida (n. 12). Neste sentido podemos falar da necessidade de promover a “pedagogia do encontro” com Jesus Cristo, que desperte e forme autênticos “discípulos missionários”. Pois, como
se vê no mesmo Documento de Aparecida, “conhecer Jesus é o melhor presente
que qualquer pessoa pode receber; tê-lo
encontrado foi o melhor que ocorreu em
nossas vidas; e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (n. 29).
Rogate: O senhor falava de conversão
pastoral...
Ângelo: Exato. O 3º Congresso Vocacional do Brasil será um espaço propício
para provocar e estimular no serviço de
animação vocacional uma conversão pastoral e renovação missionária, que deve
“impregnar todos os planos pastorais de
dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de qualquer instituição
da Igreja”, conforme o Documento de Aparecida (n. 365). A conversão implica em
escutar com atenção e discernir “o que o
Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap 2,29)
através dos sinais dos tempos, onde Deus
se manifesta. Para tanto, se exigem atitudes de abertura, diálogo e disponibilidade
para promover a corresponsabilidade e a
participação efetiva de todos. Urgência
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pastoral na animação vocacional é o testemunho de comunhão eclesial e de santidade de vida.
Rogate: O que diria para as comunidades de base que estão começando agora a
se preparar para o congresso?
Ângelo: Neste processo preparatório ao
Congresso Vocacional é preciso ter confiança no Senhor da messe, manter viva a
esperança, prodigalizar-se no amor compassivo e misericordioso. “Não tenham medo”
(Mt 28,5), pois o que nos define é o amor
recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela
unção do Espírito Santo. Confiança significa superar a apatia e o desânimo, vencer a
passividade e empenhar-se, pois o que nos
impele é o amor de Jesus Cristo. Como Igreja e na Igreja, no serviço de animação vocacional, queremos assumir cada vez mais o
desafio de promover e formar discípulos e
missionários que respondam à vocação recebida. O melhor serviço que a animação
vocacional pode prestar, como ação evangelizadora e atividade eclesial da fé, é que
“Jesus Cristo seja encontrado, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos”, conforme bem definiu o Documento de Aparecida (n. 14). O 3º Congresso, cuja preparação já iniciamos, será um espaço apropriado para proclamar que a própria vocação, a
própria liberdade e a própria originalidade
são dons de Deus para a plenitude e o serviço do mundo. Não só! Será ocasião também para participar e contribuir com o despertar missionário, seguros de que a Providência de Deus nos proporcionará grandes
surpresas, citando Aparecida (n. 551).
Rogate: O senhor participou recentemente do 1º Encontro dos Institutos de Pastoral Vocacional da América Latina e do
Caribe. Como foi a experiência?
7
Divulgação
Oração do 3º Congresso
Vocacional do Brasil
Logomarca
Trindade Santa,
Deus da vida e do amor,
somos seguidoras e seguidores de Jesus,
discípulos missionários
a serviço das vocações.
Como animadores da pastoral vocacional,
queremos responder
ao mandato de Jesus
de fazer discípulos entre todas as nações,
incentivando a vocação
dos cristãos leigos e leigas,
à vida consagrada
e aos ministérios ordenados,
construindo uma Igreja
corresponsável e ministerial.
Buscamos uma Igreja
fiel aos sinais dos tempos,
samaritana, missionária,
ecumênica e libertadora,
que responda ao clamor do povo,
em suas lutas e esperanças;
e que testemunhe a Boa Nova do Reino,
com a Palavra e com a vida.
Que Maria, a mãe de Jesus,
e tantas testemunhas fiéis até o martírio,
intercedam a benção
para o 3º Congresso Vocacional do Brasil.
ENTREVISTA
Ângelo: Foi bastante interessante conhecer e partilhar os nossos serviços na
área das vocações e dos ministérios com
outros organismos afins de nosso continente. O enfoque principal acabou sendo
a preparação ao 2º Congresso Vocacional
Latino-americano, marcado para fevereiro de 2011, na Costa Rica. Os responsáveis pelos IPVs (Institutos de Pastoral Vocacional) assumiram o compromisso, junto com o DEVYM-CELAM (Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal L atino-americano) e a
CLAR (Confederação Latino-americana
de Religiosos e Religiosas), de preparar
o evento. O Instrumento de Participação,
por exemplo, foi esquematizado durante
este 1º Encontro dos IPVs.
Rogate: Uma mensagem final aos nossos animadores vocacionais...
Ângelo: Somos chamados, como “discípulos missionários”, a servir mais plena
e intensamente as vocações na Igreja. E
convocados a colaborar, onde for possível
e nas instâncias em que estamos envolvidos, com a preparação, realização e concretização das deliberações do 3º Congresso Vocacional do Brasil, para que todos os
seus objetivos sejam atingidos. Neste caminho, contamos com o auxílio da Virgem
Maria, a “discípula missionária”. Pedimos
que nos ensine a responder como fez ela
no mistério da anunciação e encarnação.
Somos chamados a permanecer na sua escola, mantendo vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os discípulos de
seu Filho. Com Maria podemos aprender
a sair de nós mesmos e a acolher o mandato de Jesus: “Ide, pois, fazer discípulos
entre todas as nações”!
Amém.
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Rogate 275
set/09
ANIMAÇÃO VOCACIONAL
VOCACIONAL
1º Encontro Latino-americano
de IPVs
Institutos de Pastoral Vocacional (IPVs) de diversos países
da América Latina estiveram reunidos em São Paulo, Brasil,
numa experiência inédita
E
ntre os dias 07 e 11 de agosto, na
Casa Lareira São José, em São Paulo (SP), foi realizado o 1º Encontro
de Institutos de Pastoral Vocacional da
América Latina e do Caribe. Promovido
pelo Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino-americano (DEVYM-CELAM), o encontro teve
como objetivo principal refletir sobre o
tema das vocações à luz da Conferência de
Aparecida, visando a realização do 2º Congresso Vocacional Latino-americano, que
ocorrerá em 2011. Para tanto os representantes apresentaram um panorama das atividades de seus institutos, bem como incluíram nos seus planos de trabalho a colaboração na preparação do 2º Congresso
Continental.
Participaram do encontro o secretário
executivo do DEVYM, Pe. Alexis Rodríguez Vargas, e o secretário geral da Confederação Latino-americana e Caribenha
de Religiosos e Religiosas (CLAR), Pe.
Gabriel Naranjo, ambos da Colômbia; Pe.
Reginaldo de Lima, assessor da Comissão
Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CMOVC-CNBB); Pe. Ricardo Morales,
representando o Instituto de Pastoral Vo-
Rogate 275
set/09
cacional (IPV) da Argentina; Pe. Johans
Leon Borrome, do IPV da Venezuela; Pe.
Cristian Rivera, coordenador diocesano de
Pastoral Vocacional, da Costa Rica; Pe.
Carlos Silva Guillama, do Uruguai; e, do
IPV brasileiro, os sacerdotes Rogacionistas, Ângelo Ademir Mezzari e Gilson Luiz
Maia. Pe. Gilson, que hoje trabalha como
pároco na cidade de Bauru (SP), foi o secretário executivo do DEVYM-CELAM na
gestão anterior, quando se sugeriu e planejou a realização deste encontro inédito.
Os Institutos de Pastoral Vocacional apresentaram um histórico de suas caminhadas,
promovendo uma rica troca de experiências. Algumas ações foram assumidas pelos
responsáveis dos respectivos IPVs:
a) ajudar na preparação do 2º Congresso Vocacional Latino-americano, juntamente com o DEVYM e a CLAR;
b) divulgar o 2º Congresso Vocacional
Latino-americano nos meios de comunicação de seus países;
c) manter um intercâmbio e partilha de
subsídios e produções elaboradas;
d) colocar-se à disposição dos organismos eclesiais locais, como referência e
apoio no serviço de animação vocacional;
e) realizar um 2º Encontro dos IPVs da
América Latina e do Caribe, após o Con9
2º Congresso Vocacional
Latino-americano
VOCACIONAL
Data: 08 a 12 de fevereiro de 2011
gresso Latino-americano. Neste sentido,
a CLAR, como estratégia, convocaria as
congregações e os institutos de vida consagrada com carisma vocacional para uma
reunião prévia.
O encontro também discutiu a forma de
colaboração imediata à preparação do 2º
Congresso Vocacional Latino-americano
(ver box ao lado). Planejou-se a elaboração
do Documento de Participação, no método “ver, julgar, agir”. A primeira parte
(ver), que será trabalhada pelo sacerdote
uruguaio, Carlos Silva Guillama, Doutor
em Teologia, terá o título “Escutar a voz
da Palavra”. Na segunda parte (julgar),
“Descobrir o rosto da Palavra”, colaborarão o Pe. Gabriel Naranjo, da CLAR, e o
Pe. Gilson Maia, do Brasil, especialista em
exegese. O “agir” terá dois capítulos:
“Construir a casa da Palavra” e “Percorrer o caminho da Palavra”. Ambos serão
elaborados pelo Mestre em Teologia, Pe.
Ângelo Mezzari.
Os participantes do 1º Encontro dos
IPVs Latino-americanos (foto abaixo) realizaram uma visita ao IPV do Brasil, também sede da revista Rogate, no dia 09 de
agosto, mesmo dia em que puderam fazer
um passeio cultural por São Paulo.
Local: Costa Rica
Tema: Chamados a lançar as redes para
alcançar vida plena em Cristo
Lema: “Mestre, em teu nome lançarei as
redes” (cf. Lc 5,5)
Objetivo geral: Fortalecer a cultura vocacional, para que os batizados assumam
seu chamado de serem discípulos e missionários de Cristo nas circunstâncias atuais
da América Latina e do Caribe.
Objetivos específicos:
a) destacar os principais aspectos da realidade da América Latina e do Caribe que
incidem na dinâmica vocacional;
b) analisar a consciência que os batizados possuem a respeito da cultura vocacional;
c) refletir o projeto do Pai ao ser humano nas circunstâncias atuais da América Latina e do Caribe;
d) apresentar a vocação batismal como
eixo transversal de toda ação pastoral da
Igreja;
e) elaborar pistas concretas de evangelização e animação vocacional para a missão do Continente;
f) elaborar critérios para os processos do
itinerário vocacional, que respondam às circunstâncias atuais da América Latina e do
Caribe.
Metodologia: Tanto na preparação,
quanto no próprio Congresso, será usado o método “ver, julgar, agir” (cf. Documento de Aparecida, 19).
Participantes: Serão convocados
delegados de cada Conferência Episcopal que compõe o Continente, além de
convidados e grupo de apoio, totalizando
375 participantes.
Inscrições: Até outubro de 2010. A
listagem dos delegados do Brasil será
coordenada pela comissão específica da
CNBB (CMOVC).
10
Foto: Arquivo Rogate
Da Redação
Rogate 275
set/09
ATUALIDADES
ATUALIDADES
Carta faz balanço e destaca
compromissos das CEBs
A revista Rogate apresenta extrato da mensagem final
do 12º Intereclesial das CEBs, realizado em
Porto Velho (RO), de 21 a 25 de julho
N
ós, participantes do 12º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), daqui das margens
do Rio Madeira, no coração da Amazônia,
saudamos com afeto as irmãs e irmãos de
todos os cantos do Brasil e dos demais países do continente, que sonham conosco
com novos céus e nova terra, num jeito
novo de ser Igreja, de atuar em sociedade
e de cuidar respeitosa e amorosamente de
toda a criação!
Fomos convocados de 21 a 25 de julho
de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã
de Porto Velho (RO), para nos debruçar
sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial em nossas comunidades e Regionais: “CEBs: Ecologia e
Missão - Do ventre da terra, o grito que
vem da Amazônia”.
Somos 3.010 delegados, aos quais se
somam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. Dos delegados
de quase todas as 272 dioceses do Brasil,
2.174 são leigos, sendo 1.234 mulheres e
940 homens; 197 religiosas, 41 religiosos
irmãos, 331 presbíteros e 56 bispos, dentre
os quais um da Igreja Episcopal Anglicana
do Brasil, além de pastores, pastoras e fiéis
Rogate 275
set/09
dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Unida de Cristo do Japão. O
caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico de nossa assembleia encontra-se
espelhado no rosto das 38 nações indígenas aqui presentes e no de irmãos e irmãs
de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco da Europa, de um da África,
de outro da Ásia e da América do Norte.
Queremos ressaltar a presença marcante da
juventude de todo o Brasil por meio de suas
várias organizações.
N
as diferenças, o mesmo Deus que
nos convoca para a Justiça e a Paz.
Juntos, representantes das Religiões Indígenas e dos Cultos Afro-brasileiros, de Judeus, Cristãos Ortodoxos, Católicos e Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e homens de boa vontade e de todas as crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia da vida, acolhemos os
gritos da Amazônia e de todos os biomas,
e reafirmamos nossa solidariedade e compromisso com a justiça geradora da paz.
Caminhamos como povo de Deus que
conquista a Terra Prometida e a torna espaço de fartura e fraternura, acolhendo
todas as expressões da vida.
11
ATUALIDADES
Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: as
dos povos indígenas, pela demarcação e
homologação de suas terras e respeito por
suas culturas; as dos afro-descendentes,
pelo reconhecimento e demarcação das
terras quilombolas; as das mulheres, por
sua dignidade e igualdade e avanço em suas
articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos pela legalização
de suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente,
restituição de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas
benfeitorias; as dos sem terra, apoiando-os em suas ocupações e
em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e os grileiros; as dos
movimentos ecológicos, contra a devastação da natureza,
pela defesa das águas e dos
animais.
Queremos defender e apoiar o movimento “Florestania”, no respeito à agrobiodiversidade e aos valores culturais, sociais e ambientais da Amazônia.
Assumimos também o compromisso de
respaldar modelos econômicos alternativos na agricultura, na produção de energias limpas e ambientalmente amigáveis; de
participar na luta sindical, reforçando a ação
dos sindicatos do campo e da cidade, com
suas associações e cooperativas e sua luta
contra o desemprego, com especial atenção à juventude.
Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância em
movimentos sociais e partidos ligados às
lutas populares; para participar nas lutas
por políticas públicas ligadas à educação,
saúde, moradia, transporte, saneamento
básico, emprego, reforma agrária e para
12
tomar parte nos conselhos de cidadania,
nas pastorais sociais, no movimento pela
não redução da maioridade penal, no Grito
dos Excluídos, nas iniciativas do 1º de Maio
e das Semanas Sociais.
Comprometemo-nos ainda a fortalecer
e multiplicar nossas Comunidades Eclesiais de Base, criando comunidades eclesiais e ecológicas de base nos bairros das
cidades e na zona rural, promovendo a educação ambiental em todos os espaços de
sua atuação; fortalecendo a formação bíblica; incentivando uma Igreja toda ela ministerial, com ministérios diversificados confiados a leigas e leigos; assumindo seu protagonismo,
como sujeitos privilegiados
da missão; fortalecendo o diálogo ecumênico e interreligioso, e superando a intolerância religiosa e os preconceitos.
Queremos, a partir das
CEBs, repensar a pastoral urbana, como um dos grandes desafios eclesiais, assumir o testemunho e a memória
dos nossos mártires e empenhar-nos na
Missão Continental proposta pela 5ª Conferência do Episcopado Latino-americano
e Caribenho, em Aparecida.
Rumo ao 13º Intereclesial
Escolhida a Igreja do Crato, que irá acolher, nas terras do Padre Cícero, o 13º Intereclesial, recolocamos nos trilhos o trem
das CEBs, rumo ao Ceará, enviando a
vocês, irmãos e irmãs das comunidades,
nosso abraço fraterno, e cheio de revigorada esperança.
Amém! Axé! Auerê! Aleluia!
Mensagem completa em: www.cebs12.org.br
Da Redação
Rogate 275
set/09
ESPECIAL
ESPECIAL
No caminho do
“discipulado missionário”
- parte 1 -
Os eixos fundamentais do serviço de animação vocacional
são refletidos neste documento elaborado
pela CMOVC, da CNBB
D
urante o 18º Encontro Nacional do
Serviço de Animação Vocacional
(ENSAV), realizado no Centro
Rogate do Brasil, em São Paulo (SP), dias
08 e 09 de junho, os representantes dos
Regionais presentes foram motivados pela
Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada,
da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CMOVC-CNBB), representada por
Pe. Reginaldo de Lima e Ir. Maria do Carmo
Silva Santiago, respectivamente assessor
e secretária da comissão, a refletirem sobre dois textos. Um deles foi oferecido
pelas Pontifícias Obras das Vocações (da
Congregação para a Educação Católica) e
o outro tratava-se de um documento da
CMOVC, com a indicação dos eixos fundamentais do serviço de animação vocacional (cf. Rogate 274, ago/09, p. 15-17). Um
extrato do primeiro texto foi apresentado
no último número da revista Rogate. A
partir desta edição, e até o mês de dezembro, a Rogate apresentará as quatro partes do documento da CMOVC, intitulado
“No caminho do discipulado missionário”,
na certeza de que este será um ótimo subsídio para o trabalho dos animadores e animadoras vocacionais.
Rogate 275
set/09
Introdução
Para a vida de cada cristão e para a vida
da Igreja, é de grande importância a convicção de que é Deus mesmo quem toma a
iniciativa para vir ao nosso encontro. Nele
está a fonte do chamado para o seguimento
a Jesus Cristo; para a vivência da missão; e
a vivência em comunhão. A CMOVC, à luz
do Documento de Aparecida (DA) e das
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
da Igreja no Brasil (2008-2010), deseja
aprofundar, em seu âmbito de atuação, esses eixos fundamentais. A vivência desse
caminho na Igreja e na sociedade só é possível pela ação do Espírito Santo, que dinamiza a vida da comunidade e a consolida
com vocações específicas, sempre a serviço da edificação do Povo de Deus. Para
tanto, precisamos dar atenção à formação
como necessidade e desafio.
“A condição do discípulo brota de Jesus
Cristo como de sua fonte, pela fé e pelo
batismo, e cresce na Igreja, comunidade
onde todos os seus membros adquirem
igual dignidade e participam de diversos
ministérios e carismas. Desse modo, realiza-se na Igreja a forma própria e específica de viver a santidade batismal a serviço do Reino de Deus” (DA 184).
13
Quando cada pessoa toma consciência de que é chamada por Deus
para seguir Jesus Cristo, fazendo
parte da comunidade, e de que o
mesmo Deus lhe concede a graça do
Espírito Santo para testemunhar essa
experiência de fé na família, na comunidade e na sociedade, ela sabe que não
se trata de missão por conta própria, mas
da comunhão com Jesus Cristo. Esta graça precisa ser continuamente cultivada de
modo pessoal e na comunhão com a comunidade.
As pessoas que têm vocação e missão
específicas necessitam ainda mais encontrar meios para esse cultivo e aprofundamento, pois se trata de fazer, como "discípulo missionário", a experiência do encontro com Jesus Cristo nessa realidade em
constante transformação e tão desafiadora. “Cada uma das vocações tem um modo
concreto e diferente de viver a espiritualidade, que dá profundidade e entusiasmo
para o exercício concreto de suas tarefas.
Dessa forma, a vida no Espírito não nos
fecha em intimidade cômoda e fechada,
mas sim nos torna pessoas generosas e
criativas, felizes no anúncio e no serviço
missionário.Torna-nos comprometidos
com os reclamos da realidade e capazes de
encontrar nela profundo significado em
tudo o que nos cabe fazer pela Igreja e pelo
mundo” (DA 285).
Chamados ao seguimento
de Jesus Cristo:
“Segue-me” (Mc 2,14)
1. Jesus Cristo sempre toma a iniciativa para chamar os discípulos, para escolher os doze, para formá-los e para enviálos. Assim, vai acontecendo um profundo
relacionamento entre os discípulos e o
14
Ilustrações: Arquivo Rogate
ESPECIAL
Mestre; pois ele “constituiu doze para que
ficassem com ele e para enviá-los a pregar, e terem autoridade para expulsar os
demônios” (Mc 3,14-15).
2. Os discípulos vão descobrindo toda
a beleza da vida do Mestre a partir do encontro com ele e sentem entusiasmo em
segui-lo. Mesmo que tudo ainda não seja
claro para eles, a experiência da vivência
com Jesus Cristo lhes indica que ele é o
Mestre missionário, amigo dos publicanos
e pecadores, que está sempre saindo ao
encontro: “Jesus percorria todas as cidades e povoados ensinando em suas sinagogas e pregando o evangelho do Reino,
enquanto curava toda sorte de doenças e
enfermidades” (Mt 9,35).
3. Mas Jesus percebe a fragilidade na
vida deles e os prepara para que possam
abraçar a missão que passa pela renúncia
de si mesmos, pelo sofrimento (cf. Mc
8,34), pela entrega da vida: “O Filho do
Homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos” (Mc 10,45). No processo de formação, Jesus está sempre dirigindo-lhes a
palavra, dando-lhes particular atenção (cf.
Rogate 275
set/09
ESPECIAL
Mc 4,10.34; 8,31; 9,30-31; 10,32-33.42;
14,17.28; 16,14), para que estejam vivenciando a comunhão com o Mestre: “Deivos o exemplo para que, como eu vos fiz,
também vós o façais [...]. Se compreenderdes isso e o praticardes, felizes sereis” (Jo
13,15.17).
4. Ele sabe que veio para reunir e guiar
aqueles que são atraídos pelo Pai e lhe são
entregues: “Por eles eu rogo; não rogo pelo
mundo, mas pelos que me deste, porque
são teus” (Jo 17,9).
5. Depois de ressuscitado, Jesus continua saindo ao encontro dos discípulos.
Em primeiro lugar daqueles dois na estrada de Emaús e, em seguida, da comunidade toda, como encontramos no evangelho de Lucas (cf. Lc 24,13ss). A experiência do encontro torna-se fundamental
para que a motivação seja renovada. Nesse encontro, Jesus parte da situação de
desencanto que está sendo vivenciada pelos discípulos. Percebendo que veem a realidade a partir de si mesmos, Jesus pergunta e deixa que falem.
6. Depois de escutá-los, Jesus faz observações quanto à visão que expressam
e os questiona: “E, começando por Moisés e por todos os Profetas, interpretoulhes em todas as Escrituras o que
a ele dizia respeito” (Lc 24,27).
Mostra-lhes o significado profundo
do que estava acontecendo. Esse tempo que Jesus dedica para clarear a visão deles é muito importante, mas
não foi suficiente. Um outro passo
aconteceu na celebração da partilha do pão. Aí, os seus olhos se
abriram. E mesmo assim, houve
necessidade da confirmação da experiência na comunidade dos discípulos. Foi então que “abriu-lhes
a mente para que entendessem as
Rogate 275
set/09
Escrituras” (Lc 24,45) e explicou-lhes o
sentido do seu sofrimento, da entrega de
sua vida. No acompanhamento que Jesus
faz há um destaque especial para a Palavra
e para “a partilha do pão”, que ele abençoa
e distribui, como lugares de encontro com
o Ressuscitado.
7. Porém, não basta caminhar com Jesus, escutá-lo, ver suas obras. Muitos estavam com ele, mas não haviam descoberto a pessoa e a missão de Jesus a partir
dele. A visão que predominava em seus corações era aquela de um Messias glorioso
que libertaria o povo, traria vantagens e
privilégios para seus adeptos e reinaria
sem passar pelo sofrimento, ainda mais
pela morte na cruz. Por isso não o acolhem
logo como ele é: aquele que sofreu, foi crucificado e os acompanhava vivo.
8. Na verdade, vemos como há todo um
processo na vida dos discípulos. Antes seus
olhos estavam impedidos de reconhecê-lo.
Agora eles o reconhecem na ceia, mas Jesus se torna invisível diante deles (cf. Lc
24,31). Então, o que é fundamental na experiência do seguimento a Jesus Cristo, o
que precisa marcar o caminho espiritual do
discípulo?
15
ESPECIAL
9. Jesus se dá a conhecer na comunidade reunida. A experiência dos dois não os
isola da comunidade; ao contrário, motiva-os para que voltem à comunidade. Mas,
mesmo depois de contarem e escutarem
as experiências do encontro, ainda há dúvidas em seus corações. Assim, não reconheceram Jesus quando se apresentou no
meio deles e disse: “A paz esteja convosco!” (Lc 24,36). É o próprio Jesus que vai
apresentar-lhes as mãos e os pés e comer
um pedaço de peixe para fazer-lhes ver que
se trata dele mesmo. “Então, abriu-lhes a
mente para que entendessem as Escrituras, e disse-lhes: ‘Assim está escrito que o
Cristo devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que, em seu nome,
fosse proclamado o arrependimento para
a remissão dos pecados a todas as nações,
a começar por Jerusalém’” (Lc 24,45-47).
É na comunidade dos discípulos que se
confirma a experiência do encontro feita
anteriormente de modo pessoal e em pequenos grupos. Jesus, outra vez, toma a
iniciativa de ir ao encontro dos seus discí-
pulos, agora reunidos. Ele sabe da importância da comunidade dos discípulos para
a missão. Por isso lhe dá atenção, explicando o significado de tudo o que havia
acontecido com ele. É necessário que a comunidade seja realmente comunidade de
testemunhas do Ressuscitado; pois se trata
de vivenciar, celebrar e anunciar o que na
verdade aconteceu e que faz parte da experiência pessoal e comunitária: “Isso que
vimos e ouvimos, nós vos anunciamos”
(1Jo 1,3). Sem esta experiência constante
da presença do Mestre, sem estar nessa
comunhão profunda com aquele que chama e envia, a comunidade não será comunidade de "discípulos missionários". É Jesus mesmo quem afirma: “Vós sois as testemunhas dessas coisas” (Lc 24,48). Para
levar adiante a missão, a comunidade dos
discípulos vai acolher como graça a convicção de que não estará sozinha e irá
aprofundá-la a cada momento, pois contará com a força do Espírito de Deus: “Eu
enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até que
sejais revestidos da força do Alto”
(Lc 24,49). Aquele mesmo que consagrou Jesus para a
missão, também consagra os discípulos
dele para que continuem a obra que
é de Deus.
Sem a experiência
da presença do
Mestre, sem estar
em comunhão com
aquele que chama e
envia, a comunidade
não será de “discípulos missionários”
16
Rogate 275
set/09
ESPECIAL
10. A comunidade, no caminho de Jesus Cristo, precisa aprender a sair ao encontro das pessoas, de grupos e de outras
comunidades; a sair em missão, a se reunir e celebrar, a ser testemunha e dar testemunho. Em 1975 o papa Paulo VI já considerava que é importante realçar: “para a
Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de
Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um
zelo sem limites, é o primeiro meio de
evangelização. ‘O homem contemporâneo
escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres – dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos –
ou então, se escuta os mestres, é porque
eles são testemunhas’. [...] Será, pois, pelo
seu comportamento, pela sua vida, que a
Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar o mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus,
testemunho de pobreza, de desapego e de
liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (EN 41).
11. Na vivência do seu testemunho, a
comunidade é chamada a reconhecer as
chagas vivas de Cristo na vida das pessoas, das famílias, dos jovens, das comunidades, de todos os excluídos. Guiada pelo
Espírito Santo, a comunidade se deixará
interpelar pelos que sofrem, e será iluminada para que seus membros sejam "discípulos missionários", obedecendo ao evangelho: “Vai e faze tu a mesma coisa” (Lc
10,37).
12. Mergulhando no Mistério da Páscoa de Jesus Cristo, o discípulo encontra a
força de Deus que o faz entrar na realidade em que vive para descobrir que já foi
redimido pela entrega da vida de Jesus. O
que lhe falta é abrir, sem reservas, sua vida
Rogate 275
set/09
para acolher a graça que lhe é concedida
no encontro com aquele que morreu e ressuscitou, e que continua saindo ao encontro dos filhos e filhas amados de Deus para
reunir o que está disperso (cf. Jo 11,52).
13. O Documento de Aparecida, ressaltando a importância da experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo, mostra
que a vivência da fé pede necessariamente a ligação-pertença a uma comunidade
de fé: “Também hoje o encontro dos discípulos com Jesus na intimidade é indispensável para alimentar a vida comunitária e
a atividade missionária. Os discípulos de
Jesus são chamados a viver em comunhão
com o Pai (1Jo 1,3) e com seu Filho morto
e ressuscitado, na ‘comunhão do Espírito
Santo’ (2Cor 13,13). [...] A vocação ao discipulado missionário é con-vocação à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado
sem comunhão. Diante da tentação, muito
presente na cultura atual, de ser cristãos
sem Igreja e das novas buscas espirituais
individualistas, afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou através da comunidade eclesial e ela ‘nos dá uma família, a
família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do isolamento do eu,
porque nos conduz à comunhão’ (DI 3).
Isso significa que uma dimensão constitutiva do acontecimento cristão é o fato de
pertencer a uma comunidade concreta na
qual podemos viver uma experiência permanente de discipulado e de comunhão
com os sucessores dos apóstolos e com o
papa” (DA 154.155.156). Sendo assim, a
dimensão comunitária não é uma dimensão entre outras, mas precisa acompanhar
e perpassar todas as dimensões da formação humana.
Continua na próxima edição
CMOVC-CNBB
17
ANIMAÇÃO VOCACIONAL
VOCACIONAL
Jovens cristãos: promovidos
em “educação sexual”
Uma das belezas da vida cristã é a valorização do “você”,
sinal de que é possível deixar de lado o “eu” para
compreender o “outro”
Foto: www.sxc.hu
V
amos procurar
compreender
porque a escolha
cristã se diferencia das
demais escolhas. Uma
pessoa que tem fé não
pode escolher como um
ateu, mesmo quando é
forte a tentação de ratificar a mentalidade comum. Exatamente no
momento da decisão torna-se evidente a
diferença, e a fé aparece com toda sua força discriminante. Tomamos, como exemplo, a escolha que um adolescente ou jovem é convidado a fazer, frequentemente,
diante da própria sexualidade, com suas
pretensões e seu mistério.
“É assim que todos fazem...”
Um adolescente, animal mimético (afeito a imitações), é fortemente induzido a
agir, a respeito da conduta sexual, como
fazem os outros, os que parecem mais astutos e líderes no grupo, os que parecem
ter solucionado todas as dúvidas no assunto
e não conhecem os pudores e as vergonhas do passado, os que podem exibir,
como um troféu, o número de meninas
“conquistadas”, e besteiras realizadas.
Os que “não sabem fazer isso”, pelo
18
contrário, são inexoravelmente excluídos. Eles
chegam ao ponto de inventar algo sobre o assunto para não receberem
o desprezo dos outros. O
tema do sexo é o mais frágil e, ao mesmo tempo, o
mais sutil dos conformismos. Prevalece a lei - única - da manada:
todos os animais, obedientes, fazem as
mesmas escolhas. Aliás, as sofrem. E julgam-se como livres.
A pessoa que tem fé baseia sua escolha
em pontos de referência que vão além da
lógica do “é assim que todos fazem”: o
evangelho do amor, por exemplo, ou o respeito pela mulher e por sua beleza, ou o
corpo como templo de Deus, ou o mistério da sexualidade... Em todo caso, muito
além da decisão que vai tomar, ela acredita
na possibilidade de fazer uma escolha, e não
de sofrê-la.
“Conquistei aquela menina...”
A linguagem usual é muito expressiva:
“Ontem conquistei aquela menina, e com
ela já cheguei a oito”. Isto é, o sujeito ativo é o “eu”, colecionador de conquistas; o
“você” desaparece na sua individualidade
Rogate 275
set/09
ANIMAÇÃO VOCACIONAL
e dignidade, ou se torna somente um número para redigir a classificação especial dos
forçados ao sexo, algo passivo. Assim, como
um adolescente “bebe” uma cerveja ou algo
forte, “conquista” também a menina (ou as
meninas) e fala disso com a linguagem “narcisista” de quem pensa que o mundo gira
ao redor da sua potência sexual.
Quem tem o dom da fé deveria conseguir não entrar neste delírio de simbiose,
aonde existe somente o “eu”. O cristianismo é a religião do “você”, do rosto do outro como fonte de responsabilidade para o
“eu”, de encontrar sempre uma abertura
para o outro. A sexualidade encontra na
religião toda a sua dimensão profundamente relacional.
“Se a outra topa...”
Mais uma vez a linguagem serve para
entender as intenções escondidas (e nem
tanto): “se a outra topa... é sinal de que ela
gosta de mim e eu não faço nada de mal...”.
E assim uma pessoa se justifica, aliás, tenta
apropriar-se da bondade de uma escolha,
apropriar-se da liberdade dos outros. Nenhum sinal para um possível amor: é só
questão de “gostar-se”. Significa toda outra coisa e desvirtua o encontro sexual, levando-o a uma simples troca entre corpos,
não conscientes um do outro, mas cada um
por si, e que leva a uma satisfação que passa por acaso pelo corpo do outro, através
de um encontro fechado “no espaço limitado e pegajoso que corre entre dois orifícios destinados ao desafogo fisiológico” (T.
Zanni). Também Freud, nesta altura, teria
algo a dizer.
Para o cristão, o corpo não é somente e
nem essencialmente fonte de prazer, mas
instrumento do dom de si; e a outra pessoa não é uma “dançarina ousada”, ou “alguém que topou”, mas é a companheira de
Rogate 275
set/09
uma aventura inédita, que vai levar os dois
a descobrirem o mistério do ser humano e
a maravilha do relacionamento íntimo.
A sexualidade é parte deste mistério, e
a alegria do relacionamento é a felicidade
de conhecer (o você) e reconhecer-se (em
você).
O namoro ilícito de uma noite
Continuemos ainda analisando o problema central: a ideia do outro. Muitas vezes
o relacionamento sexual é um monólogo,
uma ginástica, que para ser praticada corretamente precisa de um outro corpo. É o
chamado “namoro ilícito de uma noite”, rápido e sem história, uma ocasião para não
perder e consumar com quem - outra gíria
popular -, “topa fazer sexo”. Trata-se do
sexo “usa e joga fora”, aquele da falsa liberação sexual de algumas dezenas de anos
atrás, o sexo da ousadia que depois cria
anorexia, ou de quem, coitadinho, fica contente em fazer sexo, mas depois não goza
ou não sabe e nem pode gozar, porque perdeu o contato com os seus sentimentos
(imagina com os sentimentos dos outros),
porque a sua sexualidade tem a mesma autenticidade das flores artificiais.
Para quem está livre em Cristo, o relacionamento sexual é como a celebração final de um relacionamento que passou por
várias etapas. É o momento do máximo
entendimento com uma pessoa com a qual
o acordo cresceu pouco a pouco, entre esforços, renúncias e escolhas corajosas, com
uma pessoa que agora ninguém trocaria
por todo o ouro do mundo... a mais linda
de todas, para uma felicidade imensa...
Obsessão e êxtase,
risco e esperança
Que tormento e que aborrecimento
esta invasão do sexo em todos os níveis, e
19
A mãe de todos os pecados:
o egocentrismo
O
s velhos ascetas diziam que “o maior
de todos os pecados é o esquecimento”; o maior e também não tão raro, como
parece. [...] E é interessante, tristemente interessante, observar que do esquecimento
vem a idolatria, que quer dizer o bezerro de
ouro no lugar de Deus, o ídolo mudo e inanimado em meu poder, portanto, o eu, em
última análise, que pretende tirar Deus do
centro, tornando inócuo todo projeto de
integração em torno da cruz de Jesus.
O egocentrismo, segundo os Padres, “é
a mãe de todos os pecados”, e é isto que
se opõe, explicitamente, a um projeto de
integração.
Essa passagem, do maior dos pecados
(o esquecimento) à mãe de todos os pecados (o egocentrismo), marca, também, a passagem da ingratidão esquecida e irresponsável, que esquece aquilo que Deus fez por
mim, de onde deveriam nascer confiança e
responsabilidade, para a preocupação excessiva por mim mesmo. Daí, o afã crescente,
aquele afã que complica terrivelmente a vida,
pois torna superpreocupado de si, como se
estivesse sozinho no deserto, filho de ninguém ou de um passado hostil, ou abandonado a um destino cego e sinistro.
Agora, tal preocupação é pagã, pode têla somente aquele que não crê, ou crê e
não confia, ou não recorda mais que Deus
é aquela Vontade boa que cuida de cada
vivente, que já cuidou de cada um, em cada
dia da vida. Por isso o esquecimento é o
maior de todos os pecados, exatamente
porque leva à “mãe de todos os pecados”,
o egocentrismo, ou à maior estupidez que
o ser humano pode cometer: colocar-se no
centro da vida, usurpando aquele lugar que
cabe a Deus e que é todo interesse do ser
humano deixar nas grandes mãos divinas,
porque somente Deus e o seu amor lhe permitem reunir toda a sua existência sem envergonhar-se dela, mas, ao contrário, reconhecendo nela os traços daquele amor.
CENCINI, A. “A árvore da vida”.
São Paulo, Paulinas, 2007, p. 232-233
20
VOCACIONAL
colocado em todos os temperos para estimular o apetite por alguma coisa, qualquer
coisa: os nossos sapatos, os alimentos, a
marca da gasolina... Essas coisas o exibem
como um símbolo, os programas de TV o
repetem com uma frequência até monótona, e nós, manada de consumidores teledependentes (talvez com alguma exceção
no setor), de uma maneira ordenada, o
aceitamos e nos esforçamos para rir diante de uma estúpida piada sobre o sexo, contada muitas vezes. Assim, o sexo acabou
de ser um mistério, tornou-se uma coisa
banal e achatada, a ser entregue ao psicanalista e ao sexólogo. Estas pessoas, com
toda certeza, nos convidarão a nos libertar
de todo obstáculo e reticência, para experimentar a inebriante (?) liberdade dos sentidos.
Agora, se é verdade que a capacidade
de escolha do ser humano se engrandece
diante do mistério e dos múltiplos e inéditos caminhos que se abrem para a liberdade humana, não é difícil entender o papel
estratégico e precioso da dimensão sexual. O risco, então, será de que a perda do
mistério da sexualidade determine também a perda da capacidade da escolha.
A esperança está em nossos jovens, ou
naqueles que, nesta geração, finalmente
abram os olhos e se rebelem contra esta
imposição (de alguns adultos?) que os tornam escravos e deprimidos.
Esses jovens terão sorte se, educados
no sentido da beleza misteriosa da sexualidade, tiverem a coragem de fazer escolhas coerentes, especialmente se nelas
descobrirem a alegria prometida por Jesus:
“bem-aventurados os puros de coração”!
Amedeo Cencini
Religioso Canossiano e sacerdote
Trad. Guido Mottinelli
Religioso Rogacionista e sacerdote
Rogate 275
set/09
IN FORMAÇÃO
IN FORMAÇÃO
Divulgaçã
o
A Bíblia e o desafio
da interpretação sociológica
C
om uma linguagem simples, clara e didática,
o livro A Bíblia e o desafio da interpretação
sociológica, novo lançamento da Paulus Editora, possibilita o aprofundamento da compreensão
da Bíblia por pessoas que não são especialistas no
assunto, mas são apaixonados pelo tema. Mestre em
Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor de Bíblia,
Teologia, Filosofia, Ética e Estudo do Homem Contemporâneo na Universidade São Francisco, em São Paulo
(SP), o autor Valter Luiz Lara faz um estudo sociológico
dos textos bíblicos do Antigo Testamento buscando compreender o contexto histórico e social no qual eles foram
elaborados, o que permite desfazer certos preconceitos
dogmáticos, sem negar os dogmas. O autor também ressalta o papel feminino na Bíblia, especialmente nos livros
Cântico dos Cânticos, Ester, Judite e Rute. É uma obra que
convida o leitor a um olhar crítico da Bíblia, e que pode auxiliar os animadores e animadoras vocacionais a esclarecerem alguns mitos que dificultam a caminhada.
Páginas: 160
Formato: 16 x 23 cm
Preço: R$ 20,00
Pedidos:
www.paulus.com.br
Tel. (11) 5087-3700
Curso de Formação Carmelitana debate tema vocacional
C
om o tema “Lançai vossas redes do outro lado e achareis” (Jo 21,6), a Família
Carmelitana da América Latina esteve reunida entre os dias 02 e 15 de agosto, em
Foto: Antonio Rock Oliveira
Curitiba (PR), pensando a realidade
vocacional numa perspectiva juvenil.
Foi a 9ª edição do encontro de formação, chamado de “Focal Internacional dos Carmelitas”. Utilizou-se o
método “ver, julgar, agir”. O religioso
Rogacionista, Pe. Geraldo Tadeu Furtado, do departamento de assessoria do Centro Rogate do Brasil, e secretário do Instituto de Pastoral Vocacional (IPV), abordou sobre a fundamentação teológico-pastoral.
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IN FORMAÇÃO
Foto: Arquivo Rogate
Assembleia do IPV
Nos dias 13 e 14 de agosto, na sede do Instituto de Pastoral Vocacional (IPV), em São
Paulo (SP), realizou-se a assembleia geral ampliada da entidade, reunindo os superiores maiores dos institutos que compõem o IPV, mais
os membros dos respectivos conselhos. Na
pauta, informações sobre os congressos vocacionais do Brasil, marcado para setembro de
2010, e Latino-americano, que se realizará em
fevereiro de 2011. O regimento interno da entidade também foi tema de debate, em sua fase
de elaboração e aprovação. Por fim, projetou-se a agenda vocacional Caminhos 2011,
com o tema central: “Chamados a lançar as redes para alcançar vida plena em Cristo”.
Curso em Itaici
Foto: Arquivo Rogate
Entre os dias 14 e 16 de agosto foi realizado na Vila Kostka, em Itaici, município
de Indaituba (SP), o curso para animadores e animadoras vocacionais, com o tema
“Discípulos missionários a serviço das vocações; rumo ao 3º Congresso Vocacional
do Brasil”. Estiveram presentes 65 pessoas. O curso contou com a assessoria do
Pe. Luís González-Quevedo, Jesuíta, responsável pelo Centro de Espiritualidade
Inaciano (CEI) da Vila Kostka, e do Pe. Geraldo Tadeu Furtado, Rogacionista, membro da Comissão Executiva de preparação
do 3º Congresso Vocacional do Brasil. Itaici
também abrigará o congresso em 2010.
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26º Encontro Rogate
Já estão abertas as inscrições para a 26ª
edição do Encontro Rogate, marcado para
os dias 31 de outubro a 02 de novembro,
no Centro Rogate do Brasil, em São Paulo
(SP). O assessor, Pe. Ângelo Mezzari, estará trabalhando e aprofundando o Instrumento de Participação ou Texto-base do 3º
Congresso Vocacional do Brasil (veja detalhes na terceira capa desta revista).
Dia Mundial da Paz
O papa Bento XVI divulgou o tema de
sua mensagem para Dia Mundial da Paz de
2010: “Se quiser cultivar a paz, preserve a
criação”. Segundo o Vaticano, o objetivo
do papa ao abordar este tema é “promover
a conscientização da estreita relação no
mundo globalizado entre a proteção da criação e o bem da paz”. O Vaticano afirmou,
ainda, que se a humanidade não souber enfrentar esta questão com renovado sentido de justiça, equidade social e solidariedade internacional “corre o risco de semear a violência entre os povos e entre as
gerações presentes e futuras”. A mensagem apresentará indicações contidas em
sua última encíclica, Caritas in veritate.
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LEITOR
LEITOR
Nossa Senhora da Penna
Por ser leitor e assinante da Rogate, e
notar sempre a divulgação de eventos católicos importantes, venho comunicar que
neste mês de setembro estão sendo realizados eventos festivos em louvor à Nossa
Senhora da Penna, em nossa comunidade,
Freguesia, Jacarepaguá. No dia 08, por
exemplo, D. Orani João Tempesta, arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, estará presidindo a celebração na Solenidade de nossa Padroeira. As festividades vão
até o dia 27 de setembro.
Nelson Pereira Ribeiro
Rio de Janeiro (RJ)
Curso Vocacional
Participei, com alegria, do curso vocacional assessorado pelos padres Luís
González-Quevedo, Jesuíta, e Geraldo Tadeu Furtado, Rogacionista. O evento foi realizado de 14 a 16 de agosto, na Vila Kostka,
em Itaci. Lembro que nossos olhos brilhavam, encantados pela própria pastoral vocacional e cheios de ânimo para nos im-
pulsionar a dar testemunho de Jesus na
vida da Igreja. Quero agradecer a revista
Rogate, pois foi através dela que muitos
de nós chegamos ao encontro. Esse meio
de comunicação é fundamental para nossa
Igreja. Aproveito para deixar, também, os
parabéns pelo filme “A Competição”, da
Turma do Triguito. Está um sucesso!
Ir. Maria Cristiane, FB
por e-mail
Entrevista
Recebi a Rogate e agradeço. Gostei
muito da edição que fizeram de minha entrevista (“Arte e música como expressão
da fé”, n. 274, ago/09, p. 3-7). Minhas
coirmãs e outras pessoas que tiveram
oportunidade de ler me apresentaram os
parabéns e gostaram muito da revista.
Ir. Juliana Tartas, FC
Curitiba (PR)
As mensagens enviadas poderão ser
editadas pela equipe, favorecendo um
melhor entendimento de seu conteúdo.
Fabricação e restauração de artigos sacros em metal
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MÍSTICA DA VOCAÇÃO
MÍSTICA
Inácio de Loyola,
evangelizador corajoso
N
a vida dos santos encontramos aspectos que nos surpreendem pela
coragem e pela ousadia. Santos não
têm medo de nada e de ninguém, estão
apaixonados por Jesus Cristo e pelo seu
Reino, e por isso lançam-se corajosamente na batalha em defesa da fé e da Igreja.
Inácio de Loyola é o fundador da Companhia de Jesus, mais conhecida como Ordem dos Jesuítas, um instituto religioso
que já teve o maior número de religiosos
na Igreja, considerada a Ordem mais obediente ao papa e decidida a levar a sério os
compromissos evangelizadores em todos
os campos. Encontramos jesuítas envolvidos na área da educação, da ciência, da
missão. E nós, brasileiros, muito devemos
aos jesuítas, que foram os primeiros desbravadores e souberam infundir no povo
princípios de fé e coragem.
Inácio era espanhol e nasceu em 1491,
cem anos antes da morte do grande místico João da Cruz, contemporâneo de Martinho Lutero e contemporâneo da descoberta da América. A reforma protestante e a
descoberta da América serão acontecimentos que influenciarão toda a vida deste santo. Homem batalhador e decidido a se coroar de fama militar, ao cair ferido em campo
de batalha é levado a Loyola. Durante a sua
recuperação, não sabendo como passar o
tempo, começa a ler os livros “Vita Christi”
e “Flos Sanctorum”, que mais tarde influenciarão a vida de Santa Teresa de Ávila.
As leituras o convertem, e ele toma a
decisão de ir à Terra Santa para expiar os
pecados. Assume uma nova vida, e nos cír24
culos universitários encontra jovens desejosos de segui-lo e de ser de Cristo, entre
os quais estava Francisco Xavier. Generoso na sua doação, não se poupa e, estando
à frente da sua comunidade e Ordem, quer
que todos se dediquem ao serviço de Deus
e à defesa da Igreja católica. Inácio quer
que seus religiosos sacerdotes sejam modelos dos seguidores de Jesus Cristo, totalmente disponíveis na evangelização e a
serviço do papa, dando gratuitamente o que
gratuitamente recebem.
Inácio de Loyola continua vivo através
de todos os jesuítas do mundo e através
dos “Exercícios Espirituais”, os livros mais
famosos que ele escreveu, com os quais
ainda hoje milhares de pessoas encontramse com Deus, consigo mesmas e com os
outros. A Ordem dos Jesuítas é rica de
mártires e santos que souberam, com a
própria vida, e sua específica missão e doutrina, dar um rosto de santidade a tantas
pessoas. Inácio morreu em 31 de julho de
1556. Nada pode deter o dever do jesuíta
de anunciar o evangelho em todos os lugares do mundo.
Quer saber mais sobre este santo e sobre os jesuítas? São diversos caminhos
para pesquisa, mas indicamos dois endereços interessantes:
http://www.itaici.org.br
Tel.: (19) 2107-8501
http://www.cpalsj.org
Tel.: (21) 2537-8311
Patrício Sciadini
Religioso Carmelita Descalço e Sacerdote
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