INTRODUÇÃO - Irmãs da Sagrada Família

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INTRODUÇÃO - Irmãs da Sagrada Família
INTRODUÇÃO
I - ESBOÇO BIOGRÁFICO (1787-1852)
Fundadora da Congregação da Sagrada Família, Santa
Emília de Rodat teve bons biógrafos, dentre os quais se
destacam Léon Aubineau e Gaëtan Bernoville. É sobretudo em
referência a eles e aproveitando precisões fornecidas pela
arquivista do Instituto, que nos limitaremos a esboçar os traços
essenciais dessa vida. 1
1. Infância e adolescência, até a vocação expressa de
fundadora (1787-1815)
Filha mais velha de Jean-Louis-Guillaume Amans de Rodat
e de Henriette de Pomairols-Ginals,2 nasceu em 6 de setembro
de 1787 no castelo paterno de Druelle, bem próximo de Rodez.
Foi batizada no dia seguinte, na igreja paroquial de SaintMartin de Limouze. Em março de 1789, partiu para Ginals,
paróquia de Villeneuve, perto de Villefranche-de-Rouergue,
mansão onde morava sua avó materna, Marie-Marguerite de
Pomairols, com seu marido Stanislas-Etienne e com sua mãe,
Antoinette de Selves. Um fato bastante importante é que, até
1803, Emília não voltou para a casa dos pais senão para breves
estadas como, por exemplo, por ocasião do batismo de seu
irmão Louis, do qual ela foi a madrinha (1797). Sua primeira
educação foi, portanto, assegurada por sua avó, logo ajudada
por uma cunhada, Aghate de Pomairols, religiosa da Visitação,
expulsa de Villefranche pelos decretos de 17 de agosto de 1792.
1
As notas encontram-se no fim de cada secção. Quando se trata de uma
simples referência, por vezes a indicamos no decorrer do texto, entre
parênteses. No que se refere ao significado das abreviações, ver a bibliografia,
na qual se encontrará a nomenclatura das fontes históricas que acabamos de
mencionar. Evidentemente, utilizamos também a Autobiografia (sigla: A
seguida de indicação do capítulo). Finalmente, podendo a correspondência de
Santa Emília trazer numerosos esclarecimentos, haverá interesse em consultar
a terceira secção desta antologia.
2
Nisso precisamos ver uma circunstância providencial: sem
dúvida, melhor do que em Druelle, Emília recebeu, ao mesmo
tempo, uma instrução suficiente e uma excelente formação
moral e espiritual. Muito bem dotada, aproveitou essa educação
que teve um cunho de seriedade por causa dos transtornos
revolucionários, mas também uma educação de muita abertura e
alegre inspiração salesiana. Com a ajuda da graça, cedo
começou a combater seus defeitos e a fazer oração pessoal.
Recebeu a primeira comunhão das mãos de um dominicano
(1798), Pe. Joseph Delbès, que vivia na clandestinidade seu
ideal religioso e apostólico. A primeira comunhão marca uma
etapa de sua vida interior. Por outro lado, durante suas
permanências em Villefranche onde os Pomairols possuem uma
casa, ela visita os pobres e os doentes com uma companheira de
mais idade e de condição social bem mais simples do que a sua:
Marie-Anne Gombert. Em Ginals, sabe apreciar os encantos da
natureza e da conversação, por ocasião de passeios com uma
jovem, Joséphine du Lac de Montvert. Apaixona-se também
pela leitura e pelo estudo, orientada sobretudo pela antiga
visitandina.
A Sra. de Selves parece ter falecido depois da primeira
comunhão de Emília, e Etienne de Pomairols em 1802. Sempre
impressionada pelos sentimentos religiosos de sua bisavó, a
adolescente retirava-se de bom grado ao seu antigo quarto, para
rezar (A cap. 2). Nessa ocasião, Deus permitiu ao tentador que
iniciasse um período de tibieza bastante caracterizada: uma
noite de 1801, ao que parece, Emília, que parecia não ser
medrosa, foi tomada de pânico durante seu recolhimento, a
ponto de não mais ousar voltar a esse lugar, e com isso
abandonou a oração mental, em seguida espaçou sempre mais
confissões e comunhões. Não está dito em que medida sua avó
e sua tia observaram e procuraram dar remédio a tal situação.
Em setembro de 1803, sendo restabelecida a tranqüilidade
social e religiosa, elas se instalaram definitivamente em
Villefranche, na casa de uma antiga Ursulina, Srta. de Castanet
d’Armagnac, chamada em religião Sra. Saint-Cyr, que tinha
reunido numa comunidade fictícia outras religiosas dispersas
pela Revolução.
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3
Emília, a quem suas primeiras saídas, em particular o
casamento de um de seus tios, Stanislas-Victor, tinham
inspirado o gosto por uma vida menos claustral, não teve a
coragem de segui-las e voltou para Druelle. É bem no que diz
respeito à oração e nessa crise de independência que devemos
situar sobretudo o relaxamento do qual ela fala: suas
manifestações sentimentais ou mundanas não apresentam
gravidade alguma. Aliás, em breve, no mês de dezembro, é
atingida por um enfraquecimento físico. Na primavera de 1804,
recupera a saúde, mas o fervor ainda não. Em Druelle, o
ambiente era austero, porém não muito religioso, com exceção,
no entanto, de Eléonore que permanecia muito piedosa. Durante
18 meses, Emília confessa-se e comunga apenas quatro ou
cinco vezes, sem sentir muita preocupação com seu estado. Em
Villefranche, evitou mesmo reencontrar um confessor que a
convidava a comungar mais vezes para se refazer
espiritualmente. De nenhum modo, seria conveniente medir a
culpabilidade desse episódio. Ao situá-lo no conjunto de um tal
destino,
torna-se
necessário
apontar
seu
caráter
providencialmente “permissivo”, e a intervenção inteiramente
gratuita do Senhor para pôr fim a esse mesmo episódio (A cap.
3).
Em 1804, o papa Pio VII concede um jubileu pregado por
missionários nas paróquias de França, onde refloresce a vida
cristã. Na festa do Corpo de Deus, na Igreja de Saint-Martin – a
mesma onde Emília foi batizada –, as palavras de um desses
missionários ditas no confessionário determinam a sua total e
muito pacífica conversão. Como no dia de sua primeira
comunhão, porém de modo mais intenso e num nível mais
profundo, a jovem experimenta o poder libertador da graça.
Vida de oração e vida sacramental, assitência aos miseráveis,
pobreza pessoal de muita renúncia tomam novamente um lugar
primordial em sua vida, em Druelle, até março de 1805, em
seguida em Villefranche, onde Emília volta a viver com sua avó
(A cap. 4). Por algum tempo, ela teve a intenção de entrar na
Congregação das Filhas de Notre-Dame, em Rodez, onde havia
duas irmãs de seu pai, das quais uma era a superiora, falecida
em fevereiro de 1805.
4
Circunstâncias exteriores vão influenciar a orientação de
seu destino: a abertura recente, pela Sra. Saint-Cyr, de classes
reservadas às “senhoritas” da sociedade, e o encontro com um
diretor perspicaz e virtuoso, Pe. Antoine Marty.3 Esse sabe
moderar o zelo de Emília, nem sempre satisfeita com o
individualismo das antigas religiosas. Ao exercitar sua
docilidade, ele a ajuda a renunciar à inclinação para o orgulho
que poderia ter ocasiões de se acentuar. Guia suas leituras
espirituais. Além da Bíblia, da Imitação de Cristo, da Vida dos
Santos, acrescenta agora, em forma de trechos escolhidos, obras
de Santa Teresa de Ávila, de São Francisco de Sales, de Pe.
Surin, de Pe. Berthier, etc. (A cap. 5). Por outro lado, a diretora
aproveita a relativa instrução dessa nova pensionista para lhe
confiar aulas de catecismo e de geografia, como também
vigilâncias, que dão oportunidade a Emília de aperfeiçoar seus
dons pedagógicos inatos. O exercício perseverante de uma
caridade humilde, provações de saúde bastante sérias moldam
ao mesmo tempo seu caráter espiritual (A cap. 6).
Após Emília lhe ter comunicado seus projetos de vida, Pe.
Marty preferiu esperar quatro anos para que ficassem mais
claros. Entretanto, foi ainda necessária uma série de
experiências dolorosas para que começasse a se manifestar,
embora negativamente, a vontade de Deus. A jovem passou um
mês da primavera de 1809 como postulante na Congregação das
Religiosas de Nevers, em Figeac. As perturbações de
consciência e as angústias que sentia fizeram Pe. Marty
concluir que lá não era o lugar dela. Pouco tempo depois,
Emília esteve em Cahors, na Congregação das Religiosas da
Adoração Perpétua de Picpus. Realizada em suas aspirações
contemplativas, ela não se sentia em paz, e Pe. Hippolyte de
Launay, superior da comunidade, disse-lhe que devia deixar
aquela Congregação. Triste, mas não desanimada com esse
duplo fracasso, obteve de seu diretor a permissão para
pronunciar os votos privados de religião em 21 de novembro
desse mesmo ano (HC 1809, DF 15), permanecendo sob a sua
orientação até outubro de 1811. Vários meses antes, ele foi
obrigado a fechar a escola eclesiástica que dirigia e cuja
reputação ofuscava o brilho do Colégio da Universidade. Sendo
assim liberado, Pe. Marty pôde responder ao convite que lhe fez
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5
660
540 (159-160) (regulamento das “escolas”), 581 (190), 610-611 (213),
626 (121, 1).
Alguns pontos particulares: modéstia religiosa, 154, 482 (112),
623 (59, 1). Recreios comuns, 286-287, 483-484 (113).
Governo das comunidades religiosas; conselhos para as
superioras, etc., 103, 411 (46), 436-437 (75), 476-478 (109) 497-498
(123), 513 (136), 515-518 (138-139), 554-555 (169), 562-563 (178).
Um caso especial: os “espíritos difíceis”, 517-518 (139), 522-523
(143), 529 (150), 547-548 (165). Ver também: CONSTITUIÇÕES DA
SAGRADA FAMÍLIA.
_______________
a Sra. Genyer, fundadora de um seminário e do Instituto das
Irmãs da Misericórdia, em Moissac, indo ajudá-la no seu
primeiro empreendimento. Durante a sua ausência, Emília teve
como confessor Pe. Grimal, do qual obteve a permissão
excepcional de comungar com muita freqüência.4 Seu fervor a
incentivava a isso, como também, sem dúvida, a necessidade de
um tal reconforto nesses meses de hesitações, obscurecidos por
um certo desentendimento com seus pais, perplexos e pouco
inclinados a favorecer a vocação de sua filha mais velha.
Aliás, um novo fracasso a esperava. Tendo a Sra. Genyer e
Pe. Marty a encorajado a entrar no novo Instituto, aí chegou em
abril de 1812 e logo sofreu uma tempestade de escrúpulos e de
sofrimentos espirituais que obrigaram a sua superiora a
despedi-la após seis meses. Tendo também enfrentado muitas
oposições em Moissac, Pe. Marty voltou para Villefranche.
Sem se deter nas censuras que a acusavam de incoerência,
Emília retomou suas atividades costumeiras, levada pelo desejo
insuficientemente explícito, sem dúvida, de proporcionar
formação religiosa a meninas pobres. Ainda não havia revelado
seu desejo a Pe. Marty que, por sua vez, pensava nessa extrema
necessidade da época. Talvez fossem as freqüentes doenças de
sua dirigida que o impediam de lhe falar sobre isso (A cap. 7).
A Providência prolongou essa indecisão até maio de 1815.
Então, durante uma visita que fazia aos pobres, ouvindo Emília
várias mães de família lamentarem a ignorância de seus filhos,
sentiu o apelo irrecusável de Deus para socorrê-las numa
fundação com essa finalidade. Soube falar disso a Pe. Marty
que a encorajou sem reservas (A cap. 8).
6
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em
Silêncio, 132-134 (apaziguamento), 153-154, 166-170, 206-207,
216, 261-263 (característica especial da Casa-mãe), 410 (45), 414
(50).
Querendo iniciar sem demora a execução de seu projeto,
Emília obteve da Sra. Saint-Cyr a permissão para dar aulas, no
seu exíguo quarto, a crianças cujo número chegou rapidamente
a quarenta. Pensava sobretudo na fundação que Deus lhe tinha
confiado. Logo esboçou um primeiro regulamento, ao mesmo
tempo projeto espiritual e programa de vida cotidiano. Pedia
conselho a Pe. Marty que lhe designou três companheiras já
presentes no mesmo pensionato: Ursule Delbreil, Marie
Boutaric, Eléonore Dutriac.5 Rezando juntas e encorajando-se
mutuamente, as quatro jovens preparavam a delicada missão
junto à Sra. Saint-Cyr, para não somente deixar seu
estabelecimento mas ainda para abrir um que aparentemente
deveria lhe fazer concorrência. A diretora mostrou-se
magnânima quando, em 8 de dezembro de 1815, Emília lhe
revelou seu projeto; mas ele deu ocasião a muitas críticas na
casa, depois na cidade e por parte das famílias Dutriac e de
Rodat. A própria Sra. de Pomairols assim como sua cunhada
desaprovavam o Projeto. Apenas dois membros do clero se
declaravam favoráveis: os Padres Daures e Grimal. De Cahors,
Pe. de Launay, capelão das Religiosas do Sagrado Coração de
Picpus, escreveu uma carta encorajadora a Emília, em quem
pressentira, em 1809, a vocação original.
Nesse ambiente bastante hostil e sem meios financeiros, era
difícil achar um local para morar. Entretanto, no início de 1816,
a Srta. Victoire Alric prometeu alugar, logo que ficasse
desocupado, a metade de um imóvel, aliás insalubre e mal
situado. Apesar de todos os inconvenientes, Emília aceitou.
Assim, na noite do dia 30 de abril, com suas três companheiras,
começou a viver uma rigorosa vida religiosa. Em 3 de maio, a
classe gratuita acolheu trinta crianças. Algumas órfãs foram
igualmente adotadas: gesto de caridade que a Santa renovará
em quase todas as suas fundações. Pe. Marty insistiu para que
ela abrisse uma classe de alunas que pagavam, apesar da
mensalidade muito baixa e ainda havia exceções. Uma marca
de simplicidade e de humildade devia identificar desde o início
o Instituto. Além disso, a pobreza efetiva e os vexames não
Humildade. Atitudes pessoais de Santa Emília, conselhos
recebidos por ela, 7, 13, 54-55, 58-59, 68-69, 92-93, 103, 112, 122,
127, 131, 355, 486-487 (115), 490-492 (118-119), 495-496 (122), 626
(119, 1), 639-640.
2. Fundação
e
primeiros
Villefranche (1815-1822)
desenvolvimentos
Diretrizes e ensinamento que Santa Emília dá, “conhecimento de
si mesmo”, 447-448 (83), 534-535 (156), 625 (83, 1). – Outros
aspectos: num plano “individual”, 175-183, 195, 276-280, 303, 342
(2), 344 (12), 346 (32), 392 (26), 399 (33), 405 (39), 406 (40), 421
(57), 425 (61), 457 (92), 469 (103), 584 (193). Num plano “coletivo”,
152, 185-186, 199-200, 280, 316-321, 521-522 (142).
Defeitos opostos: vaidade e orgulho que Santa Emília censura em
si mesma, 46, 54, 114; a respeito dos quais Santa Emília dá
orientações ou advertências, 175-183, 193-194, 225-226, 277-279.
“Espírito de infância” e simplicidade. Atitudes pessoais de Santa
Emília, conselhos recebidos por ela, 80, 89, 92, 100-101, 124-125,
128-129, 130, 133. Conselhos e orientações que ela dá, 154, 265-267,
314-316, 342 (3), 349 (47), 400-401 (34), 416 (52), 427 (63), 449
(85), 568 (182), 582 (121), 624 (63, 1).
Abertura da alma e confiança para com outra pessoa. Prática de
Santa Emília, 54-55, 92, 490 (118), 491-492 (119). Conselho que dá a
esse respeito, 176, 194-197, 270-271, 381 (15), 400-401 (34), 403-404
(37), 406 (40), 416 (52), 511 (134), 523-524 (144), 524 (145), 565566 (180), 568 (182), 622 (37, 1).
“Não julgar”, não se preocupar com “julgamentos”, 192-198,
270-271, 303-304, 326, 408 (43).
VIDA RELIGIOSA
Primeiras aspirações e tentativas de Santa Emília, 5, 56, 61-63,
369-372 (5).
Perseverança e fracasso na vocação, 241-242, 250-251, 536
(158), 605-609 (209-211) (Augustine Carles).
Normas gerais, “vida comum”, 151-158, 168-169, 185-186, 217219, 227-228 (relaxamento), 246-248 (Casa-mãe), 336-337 (ilusões
possíveis), 389-390 (23) (costumes diversos), 394 (27), 397 (30)
(renovação), 398 (32), 479-480 (110), 494-495 (121), 499 (125), 537-
7
658
395 (28), 406 (40), 412 (47), 415 (51), 417 (53), 438 (76), 442 (78),
445-446 (80), 592 (201), 598-599 (205), 623 (47, 1), 623 (52, 1).
Penitência. Na vida de Santa Emília, 44, 46, 48, 51, 53, 56, 76,
89-90, 116.
Conselhos e orientações de Santa Emília, 401 (34), 481 (111),
625 (111, 1).
ESPÍRITO SANTO
93, 94, 102, 124, 266, 296, 318, 434-435 (72).
SAGRADA FAMÍLIA
185-186, 199-200, 251, 256, 284-285, 344 (18), 402-403 (36),
414 (49), 421 (56), 455 (90), 499 (125), 555 (170), 579-580 (189).
SANTÍSSIMA VIRGEM
41-42, 48, 53, 55, 57, 60, 64-65, 99-101, 108, 118, 292 (16), 385
(19), 403-404 (37), 412 (47), 451-452 (87), 520-521 (141).
Congregação da Santíssima Virgem, 8, 10, 32 (8), 158-159, 378379 (12), 440 (77).
TEMPERANÇA
Diversas formas de ascese evangélica em si mesma e da
mortificação.
Prática de Santa Emília, 7, 52-53, 63, 70, 91, 93-94, 113-115,
129, 130-131, 145 (41).
Ensinamento, orientações, exortações de Santa Emília; fatos que
propõe como exemplo, 167, 171, 205-209, 287, 345 (25), 407-408
(42), 446 (81), 483-484 (113), 507 (131).
Ver igualmente: ABNEGAÇÃO, AFETIVIDADE, COMBATE
ESPIRITUAL, etc.
VIRTUDES “INTERIORES” E “PASSIVAS”
Generalidades a esse respeito, 232-237, 255-257, 347 (35), 401403 (35-36), 421 (56), 422 (58).
eram poupados à jovem comunidade que até os procurava. Mais
tarde, Emília reconhecerá que, com suas companheiras,
ultrapassava os limites da discrição. Porém, essa retidão
generosa agradava ao Senhor que as preservou de toda doença e
lhes forneceu, no dia a dia, os socorros indispensáveis.
A autoridade diocesana mostrou-se favorável, na pessoa de
Dom Guillaume Cousin de Grainville, bispo de Cahors, e de
seu vigário-geral, M. Poujade de Ladevèze.6 A admissão de
novas Postulantes elevou o efetivo do grupo a oito, em junho. O
bispo concedeu a licença para organizar uma capela onde
permaneceria o Santíssimo Sacramento, e a primeira Missa foi
celebrada no dia 15 de julho pelo Vigário de Notre-Dame (A
cap. 9). M. Poujade de Ladevèze tentou conseguir, a pedido de
Emília, uma agregação às Ursulinas de Roma (agosto de 1816),
tentativa que se revelou quimérica no final de dois anos. Esses
contatos permitiram ao menos que a comunidade de
Villefranche conhecesse os métodos de uma Ordem rica de uma
longa tradição pedagógica e de já especificar algumas
características de sua espiritualidade própria.
O grande número de alunas tornava necessária a aquisição
de um novo local: foi a casa Saint-Cyr, abandonada pelos
membros da frágil federação. Emília, que tinha emitido votos
públicos temporários no dia de Páscoa (6 de abril de 1817),
levou sua comunidade para o novo local, em junho. O Pe.
Marty permaneceu como capelão oficial. A Sra. de Pomairols e
a antiga visitandina são pensionistas nessa morada bem
conhecida. Além de um apoio moral, essas presenças trazem
alguma ajuda, mas é ainda em meio à penúria que, no dia da
Assunção, quatro religiosas pronunciam votos públicos por um
ano. A superiora pensa desde então obter a aprovação do
governo e comprar uma casa mais espaçosa, que se preste
melhor à observância da clausura. Ela se decide pela compra do
antigo convento dos Cordeliers, abandonado desde 1793,7 e
assina diversos contratos com os novos proprietários. A
Providência suscita ainda sábios conselheiros e benfeitores. Há
mesmo, segundo o testemunho de Emília e de vários
contemporâneos, acréscimos miraculosos de dinheiro.
Em 29 de junho de 1819, a comunidade tomou posse de sua
moradia definitiva, onde tudo era organizado para que a
8
clausura se tornasse um meio eficaz de promover a humildade
da vida oculta. Nessa época, Emília tomou conhecimento,
igualmente, da “Congregação”, associação leiga de oração e
apostolado, restaurada em Bordeaux por Pe. G. J. Chaminade e
a Srta. Adèle de Trenquelléon, que devia fundar o Instituto das
Filhas de Maria de Agen. Vivamente estimulada por ela, a
superiora de Villefranche reúne uma Congregação feminina e a
anima com suas exortações semanais. Infelizmente, a
comunidade ia ser dizimada por uma série de lutos
imprevisíveis e bastante misteriosos, uma vez que a epidemia
permaneceu localizada no convento. No espaço de algumas
semanas, Emília viu desaparecer sua tia-avó, as Irmãs Dutriac e
Boutaric, uma órfã, outras religiosas. Afetivamente dilacerada,
chegou a se perguntar se Deus queria que a fundação se
perpetuasse. É por esse motivo que, em sua correspondência
com Adèle de Trenquelléon, vai se precisando pouco a pouco o
projeto de uma afiliação às Filhas de Maria. Na primavera de
1820, a fusão parece iminente, depois não se fala mais sobre
isso até 1822, ano em que se renuncia ao projeto, não aceitando
as religiosas de Villefranche a total renúncia a que estava
pronta sua superiora.8
Como a doença continuasse se alastrando, os médicos
julgaram necessários freqüentes passeios no campo. Era uma
maneira de renunciar à clausura. As religiosas invocaram com
insistência São Carlos Borromeu, de modo que, no dia 8 de
setembro de 1820, pôde realizar-se a profissão pública
perpétua, com a adoção do novo hábito religioso. A superiora
emitiu em nome de todas o voto de ensino. Essa data marca
igualmente a cura milagrosa de uma noviça, Irmã Françoise
Pascal, que, mais tarde, terá um lugar bem especial na
correspondência de Madre Emília.9 Passadas as provações
desses primeiros tempos, a mesma foi atingida por penosa
doença: um pólipo no nariz que muito a fez sofrer e várias
vezes ameaçou-a de degenerar em câncer (A cap. 11). Além do
mais, em 9 de agosto de 1820, havia começado para ela um
período de tentações e de tormentos extraordinários. A respeito
desses mistérios de sua vida interior, temos informações na
Autobiografia, nas cartas de Pe. Marty e da priora do Carmelo
657
Doutrina e orientações que ela comunica, 124, 167, 174, 254-259,
260-263, 268-280, 365-366 (2), 444 (79). Como encontrar na natureza
ocasião de orar, 274-275, 444 (79), 625 (79, 1).
Oração “difusa”, recolhimento, união habitual com Deus: na vida
pessoal de Santa Emília, 45, 55, 91, 119-120, 127. Como Santa Emília
apresenta esse ideal e suas condições, 173-174, 178, 208-209
(trabalho), 256-257 (vida diária), 265-267 (tonalidade “mística”), 268269, 273, 280-282, 413 (48), 414 (50), 424 (60), 435 (73), 463 (98),
494-495 (121), 533 (155), 623 (50, 1), 627 (155, 1).
PRUDÊNCIA
Verdadeira prudência evangélica, bem distinta da “prudência
humana”, 102-103, 130, 196, 418-419 (53), 525 (146).
Prudência e “discernimento dos espíritos” que Santa Emília
manifesta em suas palavras e em sua correspondência, 175-176, 180,
188-192, 279-280, 343 (6), 382-383 (16), 385 (19), 392 (26), 395-396
(29), 399-400 (33), 403 (37), 404 (38), 405-406 (40), 474-475 (108),
481 (111), 487-489 (116), 497-498 (123), 511 (134), 522-523 (143),
531-532 (153), 554-555 (169), 590 (199), 602-603 (207).
RETIRO ANUAL
Prática de Santa Emília, 119-121 (resoluções).
Orientações e conselhos de Santa Emília, 168-169 (dispensa do
retiro num caso particular), 315-316 (acolhimento das Irmãs do
retiro), 408-409 (44). Cartas coletivas para preparar o retiro, 570-572
(184), 580-581 (190), 584-586 (194), 588-589 (197), 618-619 (218).
SAGRADO CORAÇÃO
Uma das formas privilegiadas do “cristocentrismo” de Santa
Emília, 100, 122, 125, 132, 151-156, 239, 285, 341-342, 416-417
(52), 452 (88), 565-566 (180), 618 (218), 623 (52, 1).
SACRAMENTOS
Eucaristia. Lugar eminente na vida pessoal de Santa Emília e de
suas companheiras, 5, 7, 47, 48, 50, 53, 55, 62, 68, 71, 76, 90, 101103, 108-109, 122.
Conselhos e avisos de Santa Emília a propósito da Missa, da
comunhão freqüente, etc., 219-220, 228-229, 346 (30), 362 (1), 394-
9
656
PAIXÃO DE NOSSO SENHOR
Trata-se da contemplação do mistério redentor e de sua inserção
na vida, sobretudo por ocasião das provações, 101, 108-109, 118, 120,
129, 172-173, 215, 220-221, 285-286, 409-410 (44), 419 (54), 423
(59), 521-522 (142), 544 (162), 559-560 (175), 625 (102, 1).
O “mistério da cruz”, 327-328, 429 (66), 468 (102), 484 (114),
500-501 (126), 522-523 (143), 559-560 (175), 564 (179).
POBREZA
Ideal e prática de Santa Emília e de suas primeiras companheiras,
7, 11, 21, 60, 67, 69, 74, 92, 101-102, 105, 110-112, 117-118, 145
(38), 355, 464 (99), 549-550 (167), 639-640.
Ensinamentos, orientações, exortações de Santa Emília, 152, 174,
185, 199-200, 308-309, 522-523 (143), 569 (183).
PECADO
Confissões de Santa Emília, referentes a seus pecados ou a seus
defeitos, 10, 44, 46, 51-52, 54, 80, 104, 111, 112-117, 120, 125-126,
393-394 (27), 398 (32), 499 (125), 528-529 (149).
Ensinamento espiritual de Santa Emília para despertar o sentido
do pecado, da verdadeira contrição, etc., 215, 288-289, 330-333, 445446 (80), 461 (95), 525 (146), 576 (187), 624 (70, 1) (compunção de
modo geral) 627 (146, 1).
Sentido das “penas” que são a conseqüência do pecado, 182, 184185, 241, 332-333. Ver igualmente: SACRAMENTOS.
ORAÇÃO
Atitudes fundamentais de fé, sentido de Deus: na vida pessoal de
Santa Emília, 75, 122, 125, 131; o que ensina ou propõe como
exemplo sobre esse assunto, 225, 321-324, 432 (66), 456-457 (92).
Oração de súplica, 187, 191, 259-263, 349 (45), 430-431 (68),
520 (141), 536 (158), 605-606 (209), 628 (183, 1).
Formas diversas da oração vocal, 46, 90-91, 108-110, 145 (45),
292-296.
Oração “mental”, meditação: prática de Santa Emília, 3, 4, 46, 47,
52, 56, 76, 91-92, 130.
de Figeac, nos depoimentos de Pe. Fabre, confessor-diretor da
Santa durante seus doze últimos anos de vida (A cap. 10 e 11).
Em 1821, a epidemia diminui, os locais mais bem
organizados recebem numerosas alunas. Mas é então que
Emília, muito atingida por seu pólipo, é submetida a uma dupla
cirurgia de quatro horas consecutivas. Não quis interromper a
intervenção com receio de que as freqüentes idas e vindas do
cirurgião prejudicassem a clausura. No ano seguinte, de acordo
com Pe. Marty, ela opta definitivamente pelo título de
“Religiosas da Sagrada Família”.
3. Fundação em Aubin – Trabalho de organização interna:
formas diversas de apostolado; Constituições –
Fundação em Livinhac (1822-1832)
Como em 1822 a enfermidade de Madre Emília se
agravasse, Pe. Marty enviou-a a Aubin para consultar-se com
um médico que, efetivamente, devia aliviá-la um pouco. Ao
mesmo tempo, a Srta. Constans, pensionista em Villefranche e
originária da localidade, oferecia a sua casa para acolher
eventualmente um grupo de religiosas que a educaram. Emília,
que partiu com ela e Irmã Aghate Masbou no dia 28 de agosto,
só retornou no início de janeiro de 1823, e durante aquelas
semanas suas angústias espirituais deram lugar a uma certa paz.
A escola gratuita, e em breve uma secção que pagava, foi aberta
no dia 2 de novembro. Uma congregação de senhoras
organizou-se tendo como modelo a de Villefranche. Por
infelicidade, houve um penoso mal-entendido entre a fundadora
e Pe. Marty. Com certeza, a primeira cometeu erros reais:
algumas faltas de circunspecção, seguidas de um pouco de
diplomacia, sem que existisse mentira propriamente dita, no
entanto, a reação de seu diretor foi viva, objetivamente
legítima, porém bastante misturada com susceptibilidade. Essa
“falta” não deve ser exagerada, uma vez que Madre Emília só
tomou consciência da mesma depois de sua volta a
Villefranche. O arrependimento extremo que sentiu (assim
como de uma ou outra falta confessada em suas cartas), a frieza
e a desconfiança que Pe. Marty lhe demonstrou em seguida,
10
655
foram para ela ocasião de uma nova ascensão espiritual (A cap.
11).
A comunidade de Aubin fortaleceu-se pouco a pouco,
apesar dos mal-entendidos ou processos, suscitados em
particular pelos herdeiros da Srta. Constans, e em meio a
dificuldades internas devidas à inexperiência das primeiras
superioras ou à carência de socorros espirituais. Apesar de tudo,
ali foi feito um sólido trabalho apostólico, enxertado no
ministério fundamental da educação: cursos primários,
religiosos sobretudo, ministrados a pessoas de idade e muito
ignorantes; visitas no domicílio pelas Irmãs Conversas, etc.
Madre Emília escrevia com freqüência, por vezes passava
tempos nessa primeira casa filial que logo recebeu um capelão
muito dedicado e bom conselheiro, Pe. Ricard.
Rememoremos alguns acontecimentos mais importantes
desse período: instalação, em 1823, do primeiro bispo nomeado
em Rodez desde a Revolução, Dom Bruno de RamondLalande,10 que escolhe Pe. Marty como vigário-geral. A partida
do fundador (17 de junho) é dolorosamente sentida pelas
religiosas. Entretanto, ele permanece superior-geral, dá
numerosas diretrizes e conselhos, prossegue a redação das
Constituições. No início, sobretudo, Emília lhe escreve muitas
vezes para a direção espiritual. Várias passagens das cartas que
recebeu foram recopiadas e testemunham em favor da
solicitude e do discernimento de Pe. Marty. O superior local é
então Pe. Joseph Blanc.11
(Véronique Jamès), 457-458 (92) (Lucie Bouyssou), 504-505 (129)
(Fébronie Bouquiers), 597-600 (205) (Marie du Calvaire Alaux), 617(217) (Marie Raymond Bonal).
A Autobiografia, a correspondência, os depoimentos das
testemunhas nos diversos processos canônicos devem ajudarnos a evocar um pouco a vida e a atividade de Madre Emília
durante esses anos obscuros. Vivendo uma estrita pobreza
material (as descrições de seu quarto são eloqüentes nesse
ponto), ela se torna, de início, inteiramente disponível a cada
uma de suas religiosas, seguindo com simpatia seus trabalhos
pedagógicos e suas obras de misericórdia. Em pleno mistério,
leva uma vida contemplativa freqüentemente heróica, mesmo
que sua desolação não seja contínua e uniforme, escapando aos
PAZ E ALEGRIA
MUNDO
Julgamentos errôneos e lisonjas do mundo (no sentido pejorativo
da palavra), 176-177, 181-183, 232, 418-419, 505-506 (130).
“O nada” de toda criatura em comparação com Deus, 424 (60),
489 (117), 532-533 (154), 533 (155), 626 (117, 1).
Separação do mundo e clausura, 7-9, 16, 20, 68-69, 72, 88, 104105, 153, 155 e 168 (parlatório), 246-249 e 259-263 (os dois “ramos”
do Instituto), 344 (14), 349 (46), 546-547 (164) (parlatório), 548-549
(166) e 561 (177) (viagens), 556-557 (171) (saídas do convento), 573575 (185 e 186) (crise de 1844-1845), 579-580 (189) e 598 (205)
(vida oculta). Apresentações particulares do ideal comum, 187-192,
422 (58), 472-473 (106).
Religiosas e política, 202-205, 430-431 (68), 466-467 (100).
OBEDIÊNCIA
Prática de Santa Emília; aviso que ela recebe, 55, 89-90, 93, 100101, 108, 126, 129, 130, 134, 145 (40), 518-520 (140).
Doutrina espiritual, orientações práticas e exortações de Santa
Emília, 152, 290-291 (autoridade de Deus por intermédio da
autoridade dos superiores), 311 (as advertências feitas com
deferência), 320-321 (obedecer em assunto pedagógico), 325-326
(obedecer ao confessor), 333-337 (obedecer em tempo de doença),
392 (26), 399-400 (33), 400-401 (34), 420 (55), 422 (58), 454 (89),
554 (168), 594-595 (203), 619-620 (219), 622 (26, 1), 622 (34, 1).
Experiência pessoal de Santa Emília; conselhos recebidos, 95, 97,
122, 126-127, 133.
Apresentação e exortação feitas por Santa Emília, 153-154, 287288, 329, 378 (11), 381 (14), 384 (18), 395-396 (29), 406-407 (41),
415 (51), 426-427 (62), 428 (64), 450-451 (86), 456 (90), 513 (135),
624 (63, 1). Ver também: CONFORMIDADE COM A VONTADE
DIVINA; ESPERANÇA E CONFIANÇA EM DEUS, etc.
11
654
Exortações e avisos dados por ela, 376 (9), 383-384 (17), 428429 (65), 517-518 (139), 558 (173).
Paciência, de modo particular, 231-240, 253-254, 301, 385 (19),
534-535 (156), 559 (174), 589-590 (198).
Caso especial das “perseguições” de gravidade diversa, sofridas
por Santa Emília, por suas companheiras, etc., 6-7, 15, 18, 21-22, 6566, 72, 82, 86-88, 91, 93, 211-213 (Igreja), 520-521 (141), 554 (155),
640-641.
GRAÇAS ESPECIAIS
Que Santa Emília recebeu, 3-4, 46-48, 51-53, 56, 75, 80-81, 95.
Que uma religiosa, Colombe Chresteil, recebeu, 214, 219-220,
222-224.
Apreciações e conselhos a respeito dessas graças de modo geral,
206-207, 231, 276-279, 323.
Ver também: PAZ E ALEGRIA; PRUDÊNCIA.
INTENÇÃO
Purificação e retificação sempre necessárias, 198, 200-201, 282,
283-287, 463 (98), 526 (147).
LEITURA ESPIRITUAL
Praticada por Santa Emília, 4, 47-48, 55.
Ver o Apêndice.
DOENÇA
Na vida pessoal de Santa Emília, 3, 8-9, 11, 22-24, 51, 60, 74, 7981, 82, 91, 92, 116-117, 129, 609 (211), 614-615 (216).
Seu modo de agir com as doentes, 123, 144 (35), 168-169, 213214, 515-517 (138), 594-595 (203), 624 (67, 1).
Conselhos dados a doentes (trata-se quase exclusivamente das
religiosas), 170-174, 333-337, 372 (6), 388-389 (22), 419 (54), 448449 (84), 501-502 (127), 506 (131), 512 (135) (convalescença), 532533 (154).
Exemplo de religiosas particularmente edificantes na sua doença,
213-224 e 590-591 (201) (Colombe Chresteil), 425-426 (61)
esquemas simplificadores de nossos raciocínios superficiais.
Com isto, múltiplas provações de saúde: um pouco de surdez
contraída por ocasião de uma visita a Aubin, febres malignas,
erisipela, complicações do pólipo, enfraquecimento do
estômago, etc. Os lutos da família não lhe são poupados: perde
sucessivamente sua mãe (26 de outubro 1827), seu pai (9 de
julho 1830), sua avó, a Sra. de Pomairols (10 de agosto de
1831). Em comunidade, algumas mortes lhe são
particularmente sensíveis, dentre outras a de sua assistente,
Irmã Athanasie Rozié (10 de fevereiro de 1830).12 Se as
“santas mortes”, às vezes contadas em circulares necrológicas
redigidas pela própria superiora, têm algo de profundamente
consolador, algumas saídas não deixam de preocupar e
questionar a escolha das vocações.
Trabalhos de construção estão sempre em curso, seja em
Villefranche, seja em Aubin. Eles não esgotam a generosidade
de Madre Emília. Tendo recebido seu dote, quis primeiro
destiná-lo à fundação de um Carmelo ou de um convento de
religiosas de Picpus. Foi necessária a autoridade de Dom
Giraud, bispo de Rodez desde 1830,13 para dissuadi-la. O
governo de Carlos X tinha concedido a aprovação legal da
Casa-mãe, em 1827. Três anos depois, a Revolução de Julho
provoca em Villefranche choques cujo eco repercute nas cartas
da superiora: preocupada com o futuro religioso da França, reza
e faz rezar, porém evita toda vã curiosidade política.
Entre as realizações apostólicas desse período, pode-se
mencionar a instituição de diversas confrarias ligadas à capela
do convento: a do escapulário em 1825, e do Sagrado Coração
no ano seguinte. Não esqueçamos a prática, inaugurada em
Aubin com os calorosos encorajamentos de Madre Emília, de
instruir também adultos analfabetos. Finalmente, no nível
corporal, visto que o inverno de 1829-1830 foi particularmente
rigoroso, os serviços de assistência revelaram ainda mais
liberalidade e criatividade.
No que se refere ao ensino, era preciso que uma
organização sistemática sucedesse às experiências do início. Pe.
Marty pediu que as professoras se especializassem melhor, que
uma mestra de ensino realmente capacitada coordenasse e
12
controlasse os seus trabalhos. Madre Emília às vezes assistia às
lições, partilhava com as professoras os frutos de sua própria
experiência, insistindo sempre sobre a formação propriamente
religiosa e moral. Todas as alunas observavam um regulamento
bastante rígido. Se, de um lado, segundo os costumes
indiscutíveis desse tempo, a separação das classes sociais
permanecia bastante estanque, a simplicidade que vai em
auxílio aos pequenos devia ser proposta a todos como ideal
evangélico.
Aprovadas em 1832 por Dom Giraud, as Constituições não
são obra abstrata apenas do fundador, e sim o resultado de sua
cooperação com Madre Emília, da experiência adquirida, de
uma espécie de jurisprudência elaborada dia a dia. A inspiração
e as determinações essenciais do regulamento de 1816 nelas se
encontraram ainda: honrar a Sagrada Família pela tendência à
perfeição pessoal, à educação cristã e às obras de misericórdia.
– Longos tempos de oração cotidiana, a fim de abrir a alma à
influência das energias sobrenaturais necessárias a essa vida de
dedicação. – Vida comunitária tão desenvolvida quanto
possível, na cordialidade e ajuda mútua.14
Quando essas Constituições foram promulgadas, Madre
Emília encontrava-se em Livinhac fazia pouco tempo,
encarregada pelo bispo de uma missão bastante delicada:
“converter em convento da Sagrada Família o estabelecimento
das Irmãs da União” (A cap. 12). Sua superiora Séraphine
Vallon,15 sentindo o desejo de uma vida religiosa mais intensa e
mais bem estruturada, Dom Giraud aconselhou-a a afiliar a
comunidade à de Villefranche. Uma vez resolvidas algumas
dificuldades preliminares, a fundadora tomou o caminho de
Livinhac com três Irmãs de Villefranche, no dia 1º de agosto de
1832. Mas, sobre as cinco religiosas da União, duas apenas, as
Irmãs Séraphine e Vincent Boutaric, viam sem reticência a
afiliação. As outras tinham bastantes reservas. Foi necessária a
delicadeza e a paciência de Madre Emília para conquistá-las.
Ela permanece no lugar até 10 de dezembro, em tudo submissa
à mais idosa das recalcitrantes. Essa atitude faz desaparecer as
desconfianças e deixa transparecer as melhores disposições
653
533 (154), 535 (157), 550 (167), 555-556 (170), 557-558 (172), 560
(176), 574-575 (186), 587-588 (196), 592-593 (201), 635 (196, 1).
Atitude oposta: desânimo; na experiência de Santa Emília, 85, 87,
100, 129.
Conselhos e ajuda, 175, 323-324, 501-502 (127), 525 (146), 578579 (188), 609-610 (212).
Atitude de temor espiritual: caso pessoal de Santa Emília, 112,
115, 128; seu ensinamento sobre esse ponto, 182, 188, 244.
EXAME DE CONSCIÊNCIA
Valor e significado deste exercício espiritual praticado e
aconselhado por Santa Emília, 91, 144 (30), 193-194, 343 (10), 570572 (184).
FAMÍLIA
A família de Santa Emília, seus relacionamentos, 2-3, 31 (2), 4151, 363-372 (1-5).
Algumas advertências dadas por ela sobre as relações das
religiosas com sua família, 189, 397-398 (31). Ver também:
MUNDO.
FINS ÚLTIMOS
Morte; a de Santa Emília, 23-24, 95-98, 250-254.
“Santas mortes”, 170-171, 222-224 (Colombe Chresteil), 230231 (Marie do Calvaire Alaux), 425-426 (61) (Véronique Jamès),
457-458 (92), (Lucie Bouyssou), 503-504 (128) (Fébronie Bouquiers),
591-593 (201) (Colombe Chresteil), 597-600 (205) (Marie du
Calvaire Alaux), 615-617 (217) (Marie Raymond Bonal).
Céu, 170-171, 215, 222-223, 230-231, 251-253, 275, 346 (33),
429 (66), 460 (95), 468 (101), 485 (114), 492-493 (120), 500-501
(126), 624 (70, 1).
FORÇA E CORAGEM
Prática de Santa Emília; conselhos que recebe, 78-79, 85, 92,
108, 116, 127, 134-135, 574 (186), 627 (148, 1).
13
652
EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS
Como Santa Emília pessoalmente a praticou, 5, 12, 15, 21, 57-59,
62-64.
Ela faz da educação a finalidade primeira de sua Congregação e
dá conselhos de ordem ascética e espiritual às religiosas educadoras,
104, 155-156, 157-158, 197-200, 267, 319-321, 338-339, 436-437
(74), 526 (147), 535 (157).
Fundação, estatutos, primeiro funcionamento de diversas casas de
educação, 436-440 (75), 463-464 (99), 507 (132), 518-520 (140), 549553 (167).
Princípios e orientações pedagógicas de Santa Emília e de seus
colaboradores e colaboradoras, 232-234, 316-321, 433-434 (71), 443445 (79), 582-583 (192), 595-597 (204), 600-602 (206), 629-635
(192, 1), 635 (204, 1).
PROVAÇÕES ESPIRITUAIS
Trata-se de diversas formas de desolação, inquietações,
repugnâncias para fazer o bem, etc. Ver também o que se refere às
tentações e à influência do “mau espírito” sob o título: COMBATE
ESPIRITUAL.
Experiência pessoal vivida por Santa Emília, 9, 11, 19-20, 61, 69,
74-78, 81, 82-83, 88, 92, 119, 121-123, 125, 127-129, 131-137, 142
(18), 144 (34), 147 (57).
Conselhos e encorajamentos dados por Santa Emília; fatos que
ela cita como exemplo, etc., 188-192, 206-207, 213, 219-222 [cf. 590591 (201)], 285-286, 322-324, 324-328, 384 (17), 473-474 (107), 504505 (129), 591-592 (201), 626 (217). Ver também: GRAÇAS
NOTÁVEIS; PAZ E ALEGRIA.
ESPERANÇA E CONFIANÇA EM DEUS
Na vida pessoal de Santa Emília (atitudes vividas e conselhos
recebidos), 6-7, 18-19, 75, 100-103, 107, 110-112, 116-117, 123-124,
126-27, 131-132, 134, 204-205, 373 (6), 639-640.
Ensinamento e exortação de Santa Emília; exemplos citados por
ela, 202-205 (numa época de perturbações políticas), 242
(perseverança na vocação), 338-339 (no testamento espiritual de Santa
Emília), 368 (5), 386 (20), 416-417 (52), 432 (66), 458-459 (93), 532-
ocultas. Em dezembro, a fusão não será integral, mas as
religiosas da Sagrada Família poderão viver sem entraves
segundo seu Instituto e uma delas será a superiora de todo o
grupo. Ainda dessa vez, houve divergências entre Pe. Marty e
Madre Emília que afirma, ao menos, não ter consciência de
falta análoga à de 1822; porém, o antigo mal-estar foi
reavivado, suscitando na fundadora apenas um acréscimo de
seu desejo de humilde dependência.
4. Expansão continua: “as escolas”; problemas e crises que
suscitam a sua multiplicação até a revisão das
Constituições. Apostolados novos. Acontecimentos
diversos. Fundações de claustros em Figeac e
Montauban-Sapiac (1833-1846)
Na primavera de 1833, um falecimento entristeceu muito
Madre Emília: o de sua irmã, a Sra. Eléonore Colomb, que ela
estimava e amava de um modo todo particular entre os seus.
Porém, do ponto de vista da história da Congregação, é o ano
de 1834 que aparece decisivo em razão de um acontecimento
totalmente imprevisto: a fundação das casas não-clausuradas.
Em Aubin e nos arredores, Irmã Marie Vialard, Irmã
conversa, dedicava-se aos cuidados dos doentes e, por conta
disso, visitava às vezes o vilarejo de La Salle (hoje,
Decazeville), que pertencia à paróquia de Vialarels. Ora, fora
descoberta, em 1829, naquela região, uma jazida de carvão cuja
exploração foi, de início, confiada a mineiros ingleses que, com
suas famílias, constituíam verdadeira colônia. Por isso a
Sociedade que os empregava teve o cuidado de abrir, para as
crianças, uma escola não-confessional. Entretanto, os
sofrimentos de muitos imigrantes preocupavam Irmã Marie
Vialard, e sua bondade conquistou de tal modo os corações de
todos que, freqüentemente, meninas inglesas lhe suplicavam
que as instruísse (A cap. 12). Numa conversa espontânea, ela
apresentou os fatos à fundadora que, certamente, inspirada pela
graça, mas sem medir ainda as repercussões de sua proposta,
ofereceu-lhe imediatamente o cargo de superiora de uma
pequena escola que se abriria em Vialarels mesmo.
14
A população e as autoridades interessadas aprovaram esse
plano. Entretanto, era evidente que, devido às circunstâncias em
que era improvisada, a nova casa não podia ter clausura. Foram,
pois, Irmãs conversas e noviças que, não tendo ainda
pronunciado seus votos, nela se estabeleceram em julho de
1834. Apesar da simpatia que as cercava, essas religiosas,
sobrecarregadas de trabalho e vivendo em condições materiais
precárias, sofreram uma crise de depressão que a enérgica
doçura de sua superiora não conseguia vencer. Passando nessa
casa em agosto, Madre Emília teve o doloroso conhecimento do
proletariado operário: nova revelação do mistério da pobreza
para aquela que vivia ao lado dos humildes camponeses ou dos
quarteirões deserdados de Villefranche. Ela conseguiu
fortalecer a coragem da comunidade que, em breve, registrou
belos resultados, dentre os quais algumas conversões. Sem
dúvida, a religiosa que teve mais atividade foi Irmã Thaïs
Vallon, antiga superiora de Livinhac.
Dom Giraud apoiava muito as escolas. Em alguns meses
houve três fundações: Lassouts (final de setembro de 1834),
Firmi (30 de abril de 1835), Saint-Beauzély (julho). Um
desenvolvimento tão rápido deu uma viva consciência a Pe.
Marty e a Madre Emília da originalidade própria da nova
realização e da necessidade de lhe fornecer estruturas
institucionais adaptadas. Um regulamento ainda pouco preciso,
redigido pelo fundador, insistia no fato de que as “Irmãs das
escolas” seguiriam em tudo as mesmas diretrizes que as outras,
com exceção da clausura, que uma perfeita união deveria
harmonizar o estilo de vida e a atividade dos dois “ramos”,
embora se admitisse uma certa dependência das nãoclausuradas em relação às outras.
Nessa conjuntura por vezes bastante preocupante, Madre
Emília teve de preparar, sem muito gosto, uma fundação de
clausura que tinha inicialmente adiado e até mesmo recusado: a
de Figeac, no Lot (A cap. 13), onde o proprietário de um antigo
convento de Clarissas desejava vendê-lo e, ao mesmo tempo,
prover às carências do ensino. Emília foi àquela cidade, em
fevereiro de 1835, beneficiando-se ainda de um pouco de paz
em sua desolação interior, porém, era para enfrentar uma série
de situações difíceis. Pe. Debons,16 vigário de uma das
651
CONFORMIDADE COM A VONTADE DIVINA
Sob este título estão reagrupadas atitudes que vão da fidelidade
ativa até o abandono passivo.
Experiência vivida por Santa Emília, 92, 97, 106, 111, 447 (82).
Conselhos que recebe, 125, 128, 134, 135-137.
Diretrizes e exortações de Santa Emília, fatos propostos como
exemplo, etc., 171-174, 218-222, 236-237, 265, 386 (20), 392 (25),
397-398 (31), 400-401 (34), 405 (39), 428 (64), 430 (67), 446 (81),
501-502 (127), 532-533 (154), 549 (166), 553-554 (168), 558 (173),
564-566 (180), 599-600 (205), 624 (63, 1).
Decisões e escolhas relativas ao serviço de Deus, 188-192, 344
(13), 487-489 (116), 606-607 (210).
CONSTITUIÇÕES DA SAGRADA FAMÍLIA
Anotamos as principais passagens nas quais se fala de sua
redação e aqueles em que Santa Emília a eles se refere como base de
seu ensinamento espiritual, 12-13, 17-20, 22, 33 (14), 81, 98, 161,
249, 251, 257, 339, 352 (82), 444 (79), 448 (83), 469 (102), 472
(106), 515 (138), 537-540 (159-160), 542-544 (161), 548-549 (166),
554-555 (169), 556-557 (171), 561 (177), 562-563 (178), 575-576
(187), 580 (189), 585 (194), 600-602 (206). Ver também: VIDA
RELIGIOSA.
CONVERSA ESPIRITUAL
Praticada por Santa Emília e por suas religiosas, 172-174
(confortar os doentes), 278-279, 286-287, 313-314, 343 (9), 528-529
(149), 627 (149, 1). Ver também: PRUDÊNCIA.
SAGRADA ESCRITURA
Bastante bem conhecida por Santa Emília, 54-55, 140 (8).
Exemplos de sua utilização sob a forma de comentários
espirituais, 161, 183-187 (Jonas), 209-213 (São Pedro ad vincula),
222 (Jó), 259-263 (Moisés), 270 e 276 (Salmos), 312-316 e 321-324
(Abraão).
15
650
Perdão das ofensas, 239-240, 576 (187), 608-609 (211). Ver
também: VIRTUDES “INTERIORES” E “PASSIVAS”.
CASTIDADE
Na vida pessoal de Santa Emília, 44, 49-51, 60, 78.
No seu ensinamento
AFETIVIDADE.
espiritual,
153.
Ver
também:
CRISTOCENTRISMO
Trata-se sobretudo da contemplação dos mistérios evangélicos e
de sua influência sobre as ações e as reações diárias. Ver também:
PAIXÃO DE NOSSO SENHOR; SAGRADO CORAÇÃO;
SAGRADA FAMÍLIA.
172-173 (doentes), 255-257, 272-273, 281-282, 284-287, 351
(55), 401-402 (35) (o Menino Jesus), 426-427 (62) (Ressurreição),
432 (70) (Ascensão), 435 (73), 454 (89) (Belém), 564 (179), 589
(198) (perseguições).
COMBATE ESPIRITUAL
Orientações gerais de Santa Emília no que diz respeito a este
aspecto da vida cristã, ao “defeito dominante”, à tática de se opor
radicalmente às más tendências, 175-183, 194-197, 213, 278-279, 344
(10), 374 (34), 407 (42), 409-410 (44), 413 (48), 530-531 (152), 582
(191).
“Vitória sobre si mesmo”, 231-232, 235, 347 (34).
Tibieza, 3 e 48-51 (Santa Emília, durante um período de sua
infância), 328-333 (diversas espécies de tibieza), 470-471 (104).
Tentações: experiência pessoal de Santa Emília; orientações que
recebe, 76-78, 81, 84, 119, 128, 130, 131-132, 133-135.
Orientações ou encorajamentos dados por Santa Emília, 180-183,
191-192, 195-197, 217-219, 346 (28), 366 (2), 416 (52), 428 (64), 449
(85).
Esforços do “mau espírito” para levar a seus fins perversos, 2-3,
48, 84 (diversos aspectos dessa intervenção na vida de Santa Emília);
176, 181, 183, 195, 219-220, 323-324, 385 (19), 467 (101), 473-474
(107), 488 (116), 500-501 (126), 505 (129). Ver também:
PROVAÇÕES ESPIRITUAIS.
paróquias, acolheu-a favoravelmente, assim como a superiora
das Irmãs de Nevers, Eléonore Salgues.17 Por parte dos
habitantes de Figeac, de uma maneira geral, foi bem diferente.
Censuravam à Madre ter uma ambição desmedida, enquanto o
proprietário do convento das Clarissas pedia um preço
exorbitante. As três companheiras alugaram um apartamento
mais modesto e as aulas começaram em março. Mas então
Madre Emília se viu em dificuldades com Dom Hautpoul,18
Bispo de Cahors. Certa de que Pe. Marty tinha pedido as
autorizações necessárias, ela não o tinha avisado sobre a sua
instalação, e o Bispo, que o soube indiretamente, fez sentir com
bastante força seu descontentamento. Uma vez dissipados estes
últimos desentendimentos, Madre Emília deixa a nova
comunidade reforçada com quatro unidades, mas sempre muito
pobre, aos cuidados da Irmã Vincent Vacquié. Sua estada
permitiu-lhe conhecer a priora do Carmelo, Madre Thérèse de
Saint-Augustin, a única mulher a quem falou de sua provação
espiritual.
O final de 1835 foi entristecido pelo falecimento de Pe.
Marty (15 de novembro), com a idade de 78 anos, bastante
cansado há vários meses, porém ativo até o fim. Com o seu
afastamento prolongado (desde 1823), tendo em vista as
incompreensões que assinalamos, considerando igualmente que
Madre Emília recebia sempre mais uma direção quase imediata
de Deus, as relações entre o diretor e a dirigida tinham ficado
mais espaçadas. Entretanto, Madre Emília, que o conhecia
desde 1805, sentiu profundamente essa perda. Pe. Marty tinha,
aliás, prestado grandes serviços à diocese, na qualidade de
diretor do Colégio de Villefranche, em seguida como vigáriogeral. Sua morte foi ao mesmo tempo simples e nobre, como o
relata uma carta de sua governanta, antiga órfã da Casa-mãe.19
Pouco tempo depois, conforme as Constituições, o Capítulo
elegeu como superior-geral Pe. Blanc, que já era superior local
e na época vigário de uma paróquia vizinha. Estará no seu posto
em 1836, tendo assumido também as funções de professor de
Filosofia no Colégio.
A fundadora continua abrindo escolas num ritmo bastante
acelerado: Lugan (agosto de 1836), Montbazens (fevereiro de
1837), Decazeville (abril de 1837, apenas uma transferência de
16
Vialarels). Entretanto, tudo não é simples e triunfal. Foi preciso
que um certo número de Irmãs deixasse a clausura (voluntárias
e de votos temporários, exceto duas de votos perpétuos) a fim
de prover às novas necessidades. Essa medida perturba a
superiora que sempre considera a clausura, pelo menos para a
sua Congregação, como sendo a manifestação eficaz da “morte
para o mundo”, sendo essa “morte” a condição de um
apostolado verdadeiramente sobrenatural. Aliás, qualquer que
seja o valor das pessoas, o ramo clausurado aparece
objetivamente superior ao não-clausurado. De fato, por vezes, o
ambiente exterior menos rigoroso favorece algum relaxamento.
Diante dessa situação, Madre Emília, habitualmente tão
perseverante e que não ignora o bem realizado pelas escolas,
pensa, nos últimos meses de 1839, em renunciar a essa nova
forma de apostolado. Dom Giraud, porém, informa
vigorosamente que não quer saber dessa perda e que uma
solução deve ser procurada e encontrada.20
Pe. Blanc e Madre Emília destacam, pois, nas
Constituições, o que convém especificamente às escolas, e o
Bispo aprova, em janeiro de 1840, um Regulamento enviado às
interessadas, com muitas recomendações. O noviciado das
futuras não-clausuradas é separado do outro e, em breve, conta
com vinte postulantes. Nos meses seguintes, esse efetivo
disponível para as tarefas externas permite intensificar a ajuda
paroquial, a visita aos doentes, depois, em Villefranche, aos
prisioneiros, até então muito abandonados. As religiosas tentam
proporcionar-lhes trabalho e conforto material. Santa Emília
interessa-se muito por eles e, nos testemunhos relativos a essa
obra, várias multiplicações miraculosas de alimentos são
mencionadas. Assim, com melhores disposições, os prisioneiros
tiraram proveito de um sermão que ao término de uma missão
lhes pregou o Pe. Debussy, Jesuíta de Vals-près-Le Puy,21
seguida de um retiro pregado com pleno sucesso pelos Padres
Donadieu e Fabre (1844).
É necessário apresentar este último que, a partir de agora,
desempenhará um papel importante na vida de Santa Emília e
da comunidade. Nascido em Orlhaguet (Aveyron) em 1809,
ordenado sacerdote em 1837, iniciou suas funções como
coadjutor do vigário em Notre-Dame de Villefranche e desde
649
Exercício da misericórdia evangélica junto aos prisioneiros, 17,
85, 545-546 (163); junto às “arrependidas”, 19, 88, 576-579 (188),
616-617 (217).
CARIDADE DE DEUS
Manifestada na sua misericórdia, 51-52, 237-239, 269-270, 576579 (188), 590-591 (200).
Solicitudes da Providência, 65-66, 69-70, 73, 94-95, 102, 106,
202-205, 218-219, 466-467 (100), 492-494 (120), 600-601 (176).
Intervenções milagrosas, 8, 17, 56, 73, 95.
CARIDADE PARA COM DEUS
Sentimentos e comportamentos pessoais de Santa Emília, 46, 75,
89-90, 99-100, 119, 638-639, 641-642.
Advertências e conselhos recebidos por ela, 125-126, 134-135,
137.
Ensinamentos dados, exemplos que propõe, etc., 201, 387 (21),
412 (47), 436 (74), 581 (190), 600 (205).
CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO
Atitudes vividas por Santa Emília ou que lhe são aconselhadas, 2,
4, 6-7, 11-12, 17, 19, 46, 53, 59, 78, 131, 147 (50), 641-642.
Avisos e exortações de Santa Emília (trata-se habitualmente da
caridade no interior da comunidade), 153-154, 174 (Irmãs doentes),
203-204, 259-263 (os dois “ramos” do Instituto), 290-291, 300-305
(segundo São Paulo), 312-316 (acolhimento, hospitalidade), 338-339,
344 (20), 423 (59), 425 (61), 450-451 (86), 506 (130), 522 (159), 544
(162), 571 (184).
Doçura, de modo mais particular, 233-237, 238-240, 301, 316321, 344 (12), 379 (12), 410 (45), 547-548 (165), 576-579 (188).
Defeitos contrários, 192-197 e 470-471 (104) (antipatia), 301-302
(inveja), 478-479 (110) (“fofocas”).
17
648
AFETIVIDADE
Modalidades e ocasiões diversas para sua purificação, 242-245,
309-312, 396 (29), 474-475 (108), 497-498 (123), 622 (29, 1), 625
(108, 1), 638-639.
Possibilidade e limites de uma amizade no quadro da vida
religiosa, 243-245, 309-312, 348 (41), 603-605 (208).
Singular aptidão de Santa Emília para simpatizar com outra
pessoa, 46-47, 74, 78, 147 (50), 163, 213-224, 300-309, 316-321, 343
(6), 363 (1), 372-373 (6), 380 (13), 386 (20), 388 (22), 391 (24), 405406 (40), 406-407 (41), 408-409 (43), 419 (54), 458-459 (93), 473474 (107), 474-475 (108), 500-501 (126), 522-523 (143), 524 (145),
531-532 (153), 532-533 (154), 536 (158), 544 (162), 557 (172), 559
(174), 564 (179), 568 (182), 589 (198), 590-591 (200), 605-607 (210),
608-609 (212), 621 (6, 1), 640.
Pêsames expressos por Santa Emília, na ocasião de um luto, 484486 (114), 492-494 (120), 567 (181).
APOSTOLADO
Zelo e atividades apostólicas de Santa Emília e de suas religiosas
(fora da educação propriamente dita e das obras de assistência), 12,
14-15, 59-60, 83, 382 (16), 581 (190).
Conversões ajudadas por elas, 441 (77), 497 (122), 502-504
(128), 510 (133).
Amor pela Igreja, oração por sua expansão e sua liberdade, 209213, 298-300, 430 (68), 466-467 (100).
Preocupação missionária: a obra da Santa Infância, 35 (32), 239,
611-614 (214-215), 636 (208, 1).
ASSISTÊNCIA
Obras de misericórdia realizadas junto a indigentes e enfermos:
realizações concretas, ideal; conselhos para colocá-lo em prática, 2, 4,
10, 17, 19, 46-47, 60, 62, 83, 85, 306-307, 338-339, 345 (22), 382
(16), 424 (61), 443 (79), 453 (88), 461 (96), 464 (99), 509-510 (133),
514 (137), 540-544 (161), 626 (137, 1), 640.
então teve ocasião de celebrar ou de confessar na Sagrada
Família. A partir de 1843, é exclusivamente capelão da Casamãe. Santa Emília o tomou como diretor em 1841. Dotado, sem
dúvida, de um penetrante discernimento dos espíritos, permitiulhe pronunciar o “voto do mais perfeito” que há tempo ela
desejava fazer, e a admitiu à confissão e à comunhão
cotidianas. Pe. Fabre continuou suas funções até 1877. Em
1863 e 1874, nos processos canônicos, forneceu testemunhos
cheios de interesse sobre sua antiga penitente (Pos, fascículo 2,
p.3).
Em 1843, Dom J.F. Croizier,22 que sucedera a Dom Giraud,
nomeado para Cambrai, tomou uma medida bastante penosa
para a superiora: a nomeação de um administrador para todos
os bens da Congregação, o Sr. de Saint-Julien, que muitas vezes
se mostrou extravagante ou indiscreto. Pouco tempo depois, um
desagradável negócio financeiro foi provocado por um
advogado, o Sr. Hugounenc: após ter recusado qualquer
honorário por longos serviços de cooperação na gestão
financeira temporal, de repente exigiu uma importante quantia.
Felizmente, contentou-se com uma garantia. Com esses fatos,
podemos perceber desde já a repercussão de um mal-estar
interno que, ao se acentuar mais tarde, foi uma grande provação
para Santa Emília. Assim ainda em 1845, Dom Croizier pediu a
Pe. Blanc, que tinha cometido vários erros bastante graves, que
renunciasse. O superior obedeceu, mas durante muito tempo
desconfiou de Madre Emília, pensando que ela tinha
manobrado para obter a sua saída, o que era absolutamente
falso. O Bispo nomeou, para substituí-lo provisoriamente, Pe.
Turq, vigário de Saint-Joseph, em Villefranche. Essa escolha
não respeitava as Constituições que previam a apresentação de
um candidato, pelo Capítulo. Por outro lado, Pe. Turq nunca
tinha manifestado muita simpatia pela Sagrada Família.
As medidas tomadas em janeiro de 1840 produzem um
novo surto de fundações escolares: Cadour (janeiro),
Rieupeyroux (junho; essa casa, inicialmente um claustro, foi
transformada em casa não-clausurada depois de dois anos),
Fons (Lot-outubro), Lanuéjouls (março 1841), Parisot (Tarn-etGaronne, junho), Laguépie (Tarn-novembro), Saint-Salvadou
18
(junho), Marmont (julho), Orlhaguet e Cornuéjouls (outubro),
Caylus (Tarn-et-Garonne, novembro), Caussade (Tarn-etGaronne, primavera de 1842), Puyjourdes e Alvinhac (Lotoutubro), Verfeil (Tarn-et-Garonne-dezembro), MontaubanVillebourbon (outubro), Elbes e Asprières(1843), L’Hospitalet
(setembro 1844), Labastide Saint-Pierre (Tarn-et-Garonne,
fevereiro 1845), Senouillac (Tarn, 1845), Paulhe (abril 1846).
Para comentar com uma só palavra essa lista, digamos que
alguns desses estabelecimentos tiveram de fechar logo depois,
seja por uma pobreza material excessiva, seja por dificuldades
com o clero local,23 ou pelo número insuficiente de religiosas.
Várias delas especializaram-se no cuidado aos doentes ou aos
jardins de infância: são as “escolas maternais” (“Salles d’asile”)
– a primeira foi aberta em Villefranche em 1841 (A cap. 12).
Uma outra importante iniciativa revela o zelo incansável de
Madre Emília: a fundação, sempre em Villefranche, de uma
casa para ex-prostitutas. É por ocasião das visitas às prisões que
a superiora, querendo a todo custo socorrer alguma mãe
solteira, foi levada a esse empreendimento. Após ter-se
mostrado um pouco reticente, Dom Croizier deu, em seguida,
uma total adesão: o Bom Pastor acolheu, desde o dia 25 de
março de 1845, quatro dessas mulheres.
Talvez Madre Emília pensasse nessa obra desde julho de
1841, época em que adquiriu o convento das Damas do
Refúgio, num arrabalde de Montauban, chamado Sapiac. A
história desta última fundação de claustro (A cap. 13) põe em
relevo as características da espiritualidade vivida e deixada
como herança pela primeira superiora da Sagrada Família. Sem
presunção nem preguiça, ela confia na Providência para
conseguir os fundos necessários para a compra, desde que o
consentimento de seu superior a certifique de que Deus quer
essa obra. Hospedada com suas duas companheiras no Carmelo,
aonde uma mendiga as conduziu, Madre Emília sabe aproveitar
os conselhos da Priora24 e passa longos momentos em oração
diante de um oratório de Santa Teresa. O bispo25 a acolhe
paternalmente, mas em seguida pretende dominar o convento, o
que as Constituições não podem admitir. Por isso Madre Emília
deve, ao partir, confiar com mais insistência ao Senhor a
Comunidade que deixa numa situação de insegurança, sob a
647
ÍNDICE DOS TEMAS PRINCIPAIS
N.B. – Tentamos reagrupar os temas com títulos bastante gerais.
As distinções interiores e as referências permitirão estabelecer
nuanças e relações.
Aqui, novamente, o primeiro algarismo se refere à página; o
algarismo entre parênteses indica seja uma nota, seja uma carta.
ABNEGAÇÃO
Atitudes diversas de esquecimento e de reprovação de si indo
contra seu amor-próprio.
Manifestações de amor-próprio em Santa Emília; conselhos
recebidos; sua prática de abnegação, 46, 114, 123, 128, 130, 134, 638.
Orientações dadas por Santa Emília; dados objetivos sobre essas
questões, 154, 166-167, 381 (14), 391 (24), 404 (38), 409-410 (44),
420-421 (56), 427 (63), 459-460 (94), 468 (101), 469 (102), 529 (50),
530-531 (151-152), 590 (199), 622 (44, 1), 624 (63, 1), 627 (52, 1). –
Ver igualmente: COMBATE ESPIRITUAL; TEMPERANÇA;
VIRTUDES “INTERIORES” E “PASSIVAS”.
AÇÃO DE GRAÇAS E GRATIDÃO
Vividas e expressas por Santa Emília, 54, 56, 69, 70, 71, 72, 102,
104, 106-107, 521-522 (142), 527-528 (148), 593-594 (202), 612-613
(215).
Conselhos dados a Santa Emília, 123, 133-134.
Orientações de Santa Emília, 297-300, 462 (97), 526 (147).
Defeito oposto: a “amargura”, 303-304, 498 (124).
AÇÃO E CONTEMPLAÇÃO
Como uni-las, seja no plano da cooperação entre os dois “ramos”
do Instituto, seja no plano individual, 246-249, 259-263, 265-267, 349
(43), 462-463 (98), 535 (157), 627 (157, 1), 641-643.
Como evitar o ativismo, 128-129, 395 (29). –Ver igualmente:
ORAÇÃO.
19
646
THÉRÈSE DE SAINT- JOSEPH, Irmã, 26, 161.
TOMÁS DE AQUINO, Santo, 344 (20).
THOMAS A KEMPIS (enquanto autor da Imitação de Jesus Cristo),
4, 232, 275-276, 413 (47), 470 (104).
TRÉLISSAC, Dom Jean CHAUDRU de, 34 (25), 551 (167), 566
(180), 628 (167, 1).
TRENQUELLÉON, Adèle de, 8, 32 (8), 79, 158, 360.
TRONSON, Louis, 492 (118).
TURQ, Padre, 18, 21, 574-575 (186).
VACQUIÉ, Irmã Philippine, 360, 397 (124), 554 (168), 595 (203),
602 (207), 635 (203, 1).
VACQUIÉ, Irmã Vincent, 16, 24, 87, 104, 145 (39), 360, 376 (9),
420 (55), 438 (76), 440(77), 475 (108), 476-477 (109), 478-480
(110), 524 (145), 533 (154), 566 (180), 574 (186).
VALLON Sophie (que tomou o nome de Irmã Séraphine na
Congregação da União e de Irmã Thaïs, na Sagrada Família), 13,
33 (15), 84, 360, 486-487 (115), 508-510 (133), 541 (161).
VIALARD, Irmã Marie, 14, 83, 360, 475 (108), 477 (109), 508-510
(133), 512 (134), 622 (16, 1).
VIGNES, Irmã Félicité, 442 (78), 471 (105), 533 (154).
VICENTE DE PAULO, São, 266.
________________
responsabilidade de Irmã Foi Bousquet.26 Ela confessa
finalmente que durante aquelas semanas não sentiu a paz
interior que, habitualmente, acompanhava seus labores de
fundadora, mas antes sentiu “uma tristeza mortal”.
As medidas tomadas em janeiro de 1840 estavam bem
longe de ter feito desaparecer todas as causas de conflitos. A
posição jurídica das Irmãs das escolas permanece
desproporcional a seu número e a seu serviço apostólico. Seus
votos são apenas temporários e não podem participar do
governo da Congregação. Em 1844, Madre Emília apresenta
essas dificuldades a Dom Croizier que encarrega o Cônego
Barthe,27 professor em Saint-Afrique, de rever as Constituições
(novembro). Após algumas semanas, este último chega à
convicção de que é preciso abolir a clausura. Dom Croizier e
seu Conselho aceitam a opinião que o cônego comunica a
Villefranche. Para Santa Emília e para a quase unanimidade das
Irmãs de clausura, é uma verdadeira catástrofe. Multiplicam-se
penitências e orações para obter que o Espírito Santo mude,
nesse ponto, a maneira de ver do Bispo. Madre Emília envia
também duas religiosas a Saint-Afrique, a fim de apresentar ao
Pe. Barthe as dificuldades provenientes de sua solução decisiva
(janeiro de 1845). Mas os esforços de Irmã Françoise Pascal e
de Irmã Foi Bousquet não abalam as convicções do cônego.
Entretanto, três semanas depois, essas mesmas religiosas obtêm
dele a promessa de que a clausura será salvaguardada. No
decorrer do ano, Pe. Barthe vem expor a Madre Emília e a seu
Conselho as principais cláusulas que ele prevê para harmonizar
a coexistência dos dois ramos e seu trabalho recebe, em agosto
de 1846, a aprovação episcopal.
De agora em diante, uma “diretora das escolas” deve
ocupar-se, sob o controle da Superiora Geral, de tudo o que diz
respeito às Irmãs não-clausuradas. Um conselho de seis
membros assiste a diretora das escolas e exerce um poder mais
importante que seu homólogo anterior (Conselho Geral). Para
favorecer a união, volta-se a um único noviciado.28 Ao mesmo
tempo em que se regozijava com a manutenção da clausura,
Madre Emília previa que a presença de uma diretora das escolas
e as atribuições mais amplas do conselho ocasionariam novos
20
dissabores. Isso não faltou, tendo em vista a personalidade de
Madre Foi que, uma vez nomeada diretora, se mostrou pouco
respeitosa e maleável, tendo em vista, igualmente, as
preocupações sobretudo financeiras do Conselho que
prejudicou o ideal de pobreza e de amor aos pobres que a
fundadora prezava não menos do que a clausura.
5. Novas fundações e reformas pedagógicas –
Aniquilamento progressivo da superiora; seus esforços
para assegurar o progresso espiritual da Congregação;
suas últimas atividades apostólicas. Última doença
(1846-1852)
O primeiro acontecimento notável desse período é a
designação de um superior definitivo, permanecendo o Pe. Turq
como superior local. Dom Croizier confia essa função a seu
vigário-geral, o cônego B. Abbal,29 que ratifica a abertura de
várias escolas: Najac (novembro de 1846), Camarès (março de
1847), Saint-Amans des Cots (novembro de 1848), Finhan
(Tarn-et-Garonne, março de 1849), Bezonnes (setembro de
1851), Valence d’Agen (Tarn-et-Garonne, 1852).
Homem prático, Pe. Abbal levou em consideração as
queixas de várias religiosas a respeito dos "esbanjamentos"
feitos por Santa Emília, a quem se chegou a proibir de dar
qualquer esmola sem a permissão expressa do Conselho. Além
do mais, esse mesmo Conselho decidiu reduzir o número de
órfãs, não admitir postulantes sem dote, nem abatimento nas
pensões das alunas. Aliás, para salvaguardar a reputação do
ensino ministrado pela Sagrada Família, o superior instituiu
exames públicos ornamentados com pequenas apresentações
teatrais, até 1851. Madre Emília submeteu-se, mas não
escondeu que pudesse haver perigo nessas manifestações, tanto
para as alunas como para as religiosas. Como era necessário,
entretanto, aprimorar sempre os métodos pedagógicos, Pe.
Abbal redigiu, em colaboração com as melhores professoras da
Congregação, um manual de ensino que foi publicado em
1850.30 Suas cartas daquela época insistem para que se cuide da
instrução das noviças, que tempos livres de cultura pessoal
sejam dados às professoras em exercício.
645
POUGET, Irmã Angèle, 34 (29), 328, 630 (192, 1).
POUJADE DE LADEVÈZE, Cônego J.C.G., 7, 31 (6).
POUX, Irmã Mathilde, 359.
RAMOND-LALANDE, Dom Bruno de, 11, 32 (10).
RAMONDY, Sr. de (Tetravô de Santa Emília), 41.
RANCÉ, Jean Armand BOUTHILIER de, 143 (22).
REVEL, Anne, 67, 69.
RICARD, Padre. 9, 475 (108), 477 (109), 481 (111), 613 (215).
RODAT, Amans de (Pai de Santa Emília), 1, 11, 41-42, 51, 139 (2),
363 (1), 367 (3).
RODAT, Charlotte de (Irmã de Santa Emília), 31 (2), 363 (1), 366 (3).
RODAT, Eléonore de (Irmã de Santa Emília), ver: COLOMB.
RODAT, Henri de (Irmão de Santa Emília), 31 (2), 363 (1), 371 (5),
621 (5, 3).
RODAT, Sra. Henriette de (nascida de POMAIROLS, mãe de Santa
Emília), 1, 11, 41, 360, 363 (1), 366 (3).
RODAT, Louis de (Irmão de Santa Emília), 31 (2).
RODRIGUEZ, Afonso, 470 (104).
ROSA DE LIMA, Santa, 200-201, 344 (19).
ROUSTANG, F., 142 (18), 346 (33), 622 (37, 1).
ROZIÉ, Irmã Athanasie, 11, 32 (12), 104, 360, 375 (8), 381 (15), 442
(78), 451 (87), 621 (8, 2), 625 (82, 1).
SAINT-CYR, Sra (Srta. De CASTANET d’ARMAGNAC), 3, 4, 6,
50, 54, 57, 60, 62-65, 67.
SAINT-JULIEN, o Sr. de, 18, 568 (183).
SAINT-JURE, J.B., 140 (10).
SALGUES Lucie (religiosa de Nevers sob o nome de Madre
Eléonore), 15, 33 (17), 86.
SCHNERB, R., 626 (133, 1).
SCUDIER, Irmã Mélanie, 34 (28), 541 (161).
SELVES, Sra. Antoinette de (bisavó de Santa Emília), 1-2, 41, 45, 47.
SÉRAPHIN de FERMO, 347 (34).
SERVIÈRES, L., 31 (2), 32 (6, 10, 13), 33 (22), 345 (21).
SOL, E., 31 (2), 32 (6).
SOUYRI, Irmã Marie-Claver, 541 (161).
SURIN, J.J., 4, 140 (10), 277, 327, 350, 364 (1).
TARAYRE, Irmã Anne Sophie, 360.
TAURIAC, Irmã Marie Séraphine, 39, 140 (11), 160, 175, 187, 240,
242, 250, 350 (51).
TERESA DE ÁVILA, Santa, 20, 56, 83, 90, 106, 140 (10), 257, 280,
282, 285, 288, 297, 299, 325-326, 349 (53), 351 (67), 352 (78),
364 (1).
TERESA DE LISIEUX, Santa, 142 (18), 348 (38), 625 (102, 1).
644
MARTY, cônego Antoine, 4-7, 9-12, 15, 16, 22, 31 (3), 33 (19), 5456, 60-67, 69, 72, 74, 78-83, 86-94, 117, 119, 121-132, 142 (18),
144 (35), 147 (49), 151, 249, 251, 257, 270, 273-274, 295, 313,
316, 375 (8), 377-78 (11), 380 (13), 395-396 (29), 400 (33), 404
(37), 405 (40), 410 (45), 416 (52), 419 (53), 421 (57), 430 (67),
432 (70), 443-444 (79), 449 (84), 466 (100), 470 (104), 473
(106), 473-474 (107), 481 (111), 482-484 (113), 484-486 (114),
486-488 (115-6), 490-491
(118), 491-492 (119), 507 (132),
511 (134), 513 (136), 527-528 (148), 537 (159), 538 (160), 627
(148, 1), 629 (192, 1).
MARTY, Padre Henri, 356.
MARTY, Sra. Louise (nascida LOBINHES), 359.
MASBOU, Irmã Agathe, 10, 104, 359, 360, 378 (11), 386 (19), 397
(30), 403 (37), 440 (77), 454 (88).
MASBOU, Irmã Rose, 104, 359.
MENDIZÁBAL, L., 346 (33).
MINUCIUS, Félix, 642.
NAPOLEÃO I, 204-205, 211, 364 (1).
NAPOLEÃO III, 204-205, 211, 345 (24).
NOUVIALE, Irmã Théodosie, 361.
OLPHE-GALLIARD, M., 147 (57), 348 (37), 624 (63, 1).
ORÍGENES, 349 (43).
PALANQUE, R., 626 (133, 1), 635 (192, 1).
PARENTEAU, H.A., 349 (43), 622 (26, 1).
PASCAL, Irmã Françoise, 9, 20, 32 (9), 345 (23), 359, 361, 380 (13),
391 (25), 441 (77), 452 (87), 481 (111), 483 (113), 488 (116),
522 (144), 607 (210), 625 (108, 1), 635 (207, 1).
PAUL DE LA CROIX, Santo, 142 (18).
PIO VII, 3.
PIO IX, 24, 209.
PIO XII, 24.
PIERRE FAVRE, Bem-aventurado, 628 (183, 1).
POMAIROLS, Sra. de (nascida de VILLEFRANCHE, tia de Santa
Emília), 23, 49.
POMAIROLS, Agathe de (Tia-avó de Santa Emília), 2, 3, 6, 7, 43-44,
71-73, 621 (5, 2).
POMAIROLS Charlotte de, 42
POMAIROLS, Sra. Marie-Marguerite de (nascida de SELVES,
bisavó de Santa Emília), 1, 3, 6, 8, 11, 41-44, 53-54, 71-72, 367
(3), 371-372 (5), 471-472 (105), 621 (3, 2).
POMAIROLS, Stanislas Etienne de (bisavô de Santa Emília), 1, 49.
POMAIROLS, Stanislas Victor de (Tio de Santa Emília), 3, 44, 49.
POMAIROLS-GRAMMONT, Padre de, 71.
21
Manobras bastante mesquinhas,31 a indiferença de suas
mais próximas colaboradoras, deserções particularmente
dolorosas para seu coração materno aumentaram o fardo das
provações corajosamente carregado pela Santa. Em 1851,
aproveitou algumas reformulações recentemente feitas às
Constituições para ceder à assistente-geral, Madre Foi, uma
grande parte do governo. Isso lhe permitia consagrar mais
tempo à oração e à difusão de uma obra conhecida por ela
desde 1847, mas pela qual se apaixona então: a Santa Infância.
Assim, longe de fechá-la sobre si mesma, as contradições
parecem abrir seu coração aos grandes movimentos
missionários contemporâneos.32 Por outro lado, ela tinha
redigido, nos últimos dias de 1850, um documento de suma
importância, o Testamento Espiritual, no qual recomendava a
caridade comunitária como o princípio primordial de
autenticidade e de eficácia para as obras externas. No ano
seguinte, teve a alegria de ver Pe. Barthe adaptar às
Constituições o Diretório escrito por Pe. Marty, sem nada
modificar de seu espírito.33
Em março de 1852, sofreu de uma úlcera no olho. O mal
que parecia benigno aumentou rapidamente e era acompanhado
de uma incapacidade crescente de se alimentar. Uma noite de
julho, enquanto levava ao parlatório o jantar do filho de uma
ex-prostituta, deu uma queda que agravou muito a úlcera: isso
foi para ela o sinal de sua morte próxima, pois esse acidente
coincidia – com alguns dias de diferença – com uma
imprevisível cessação de seus sofrimentos interiores (A cap.
16). Num “grande estado interior de paz”, segundo sua própria
expressão, entregou inteiramente suas funções nas mãos de
Madre Foi, por ocasião da passagem de Pe. Abbal que veio
assistir aos exames escolares do mês de agosto.
Por ocasião de sua confissão cotidiana, no dia 3 de
setembro, Pe. Fabre observou “algo de extraordinário em toda a
sua pessoa” e a viu permanecer vários instantes após a
absolvição como absorvida em si mesma.34 Ela não voltaria em
vida a essa capela onde tanto rezara. No dia 5, recebeu a
absolvição e a unção dos enfermos e mandou pedir permissão
ao bispado para comungar em viático, a cada dois dias. No dia
22
seguinte, seu confessor lhe deu a indulgência plenária (A cap.
17).
Lúcida e pacificada, aceitou completar o ditado de sua
Autobiografia a pedido de Pe. Fabre que recolheu suas
memórias, num ritmo de quatro a cinco horas seguidas, de 7 a
11 de setembro. Diante de testemunhas, desligou-o de todo
segredo sacramental, “contanto que diga meus pecados”
precisou ainda.35 Um número bastante grande de religiosas,
reunidas em Villefranche para o retiro anual, pôde ter com ela
uma última conversa. Mas recusou deixar entrar sua tia de
Pomairols, embora lhe fizesse chegar pequenos presentes como
prova de sua afeição. Com doçura, dissuadiu Ursule Delbreil, a
única sobrevivente de suas três primeiras companheiras, de vir
a Villefranche, embora Pe. Abbal o tivesse permitido. Pouco
depois, Madre Emília teve uma forte reação para com uma
religiosa não-clausurada de Figeac que, sem esperar a
permissão de sua superiora, Irmã Vincent Vacquié, partiu às
pressas para a Casa-mãe. Santa Emília ditou uma carta em que
censurava a falta de firmeza da Irmã Vincent e só mais tarde
recebeu a viajante em prantos. Perfeitamente desapegada,
deixava assim exemplos contrastantes de rigor e de bondade,
tendo sempre a última palavra.
Esta agonia durante a qual Madre Emília ainda sabia
interessar-se pelas pessoas e pelos seus trabalhos, pelas órfãs de
Villefranche e pelas crianças de missões longínquas, terminou
silenciosamente no dia 19 de setembro, no início da tarde, em
presença de Pe. Fabre e de duas religiosas. Depois que a
comunidade prestou suas primeiras homenagens filiais à
defunta, os habitantes de Villefranche, há quinze dias atentos a
todas as notícias, quiseram manifestar a sua veneração à
“Santa”. O ataúde ficou exposto na capela durante todo o dia 20
e cada um pôde rever o rosto descoberto de Madre Emília ou
fazer tocar em suas mãos objetos de piedade que, depois,
seriam conservados como relíquias. No dia 21, realizaram-se as
exéquias: Missa na Igreja paroquial de São José, percurso quase
triunfal e volta aos Cordeliers onde a inumação, no jardim, foi
adiada até o dia 25.
Um ano depois, em dezembro de 1853, o corpo foi
transladado para a capela. Antes, porém, Dom Croizier tinha
643
GRAINVILLE, Dom G. COUSIN de, 7, 31 (6), 68, 71, 621 (1, 1).
GRAMMONT, H. de, 49.
GRANDMAISON L. de, 350 (47).
GRÈZES, Irmã Damien, 359, 542 (161).
GRIMAL, Padre F.-H., 6, 31 (4), 62, 65, 73.
GUIBERT, J. de, 345 (20), 348 (41), 349 (47), 351 (55), 352 (79), 624
(70, 1), 625 (102, 1), 635 (196, 1).
GUYARD, Padre, 556-557 (171), 560 (175), 561 (176), 565 (180).
HAMON, A, 341 (1).
HAUTPOUL, Dom J.P. d’, 16, 33 (18), 88, 359, 543-544 (161).
HOHENLOHE, Sr. L.A. de, 79, 143 (19).
HUGOUNENC, Sr., 18, 110-112.
HUYGHE, Dom G., 344 (14).
ICHES, Irmã Caroline, 359-360.
INÁCIO DE LOYOLA, Santo, 146 (48), 147 (56), 342 (2), 343 (10),
344 (13), 346 (32), 347 (34-35), 350 (55), 454 (88), 622 (37, 1),
623 (59, 1), 627 (157, 1).
IMBERT, Padre, 87, 143 (23), 525 (146).
JAMBERT, Irmã Julitte, 84, 508-509 (133).
JAMÈS, Irmã Véronique, 424-426 (61).
JOÃO DA CRUZ, São, 142 (18), 327, 346 (28), 346 (32), 352 (78),
622 (44, 1), 628 (183, 1).
JOANA DE CHANTAL, Santa, 132, 135-136, 142 (18), 147 (57),
454 (88).
JULIE, Irmã (religiosa do Santo Coração de Maria), 313.
LAFORIE, Irmã Alphonsine, 34 (28), 161, 361, 611 (213).
LA MOTHE, Dom L.F. d’ORLÉANS de, 140 (10), 364 (1).
LASTIC, Sr. de, 50.
LATREILLE, A, 626 (133, 1), 635 (192, 1).
LAUNAY, Hippolyte de, 5, 6, 141 (12).
LEFLON, J., 628 (183, 1).
LEÃO XIII, 24.
LIDWINE, Santa. 215, 346 (29).
LIÉVIN, G., 344 (14).
LUIS DE GONZAGA, São, 224, 352 (80).
LUIS IX, São, 299, 418 (53).
LUCIEN MARIE DE SAINT-JOSEPH, 344 (14).
MADALENA, Santa, 90, 118, 123, 578 (188).
MALEVEZ, L., 350 (47).
MARIE-THÉRÈSE DE SAINT-AUGUSTIN, Madre, 16, 105-106,
132-137, 145 (44).
MARTELET G., 626 (121, 1).
MARTY, Mestre (notário), 87.
642
DAURES, Pe. Joachim, 6, 65.
DEBONS, Padre, 15, 33 (16), 86.
DEBUSSY, M., 17, 33 (21).
DELBÈS, J., 2.
DELBREIL, Irmã Anne-Régis, 358, 361, 439 (77), 483 (113).
DELBREIL, Irmã Ursule, 6, 23, 31 (5), 64, 67-68, 104.
DELCAMP, Irmã Joseph, 34 (28), 192, 361, 377 (11), 379 (12), 511
(134), 610 (212).
DELOUS, Irmã Antoinette, 355.
DELPECH, Sr., 92.
DOMINIQUE L’ENCUIRASSÉ, Santo, 209, 345 (25).
DONADIEU, Padre, 206.
DUFOUR, Prosper, 34 (30).
DU LAC DE MONTVERT, Joséphine, 2, 48, 139 (5).
DUTRIAC, Irmã Eléonore, 6, 8, 31 (5), 64, 66-67, 104, 328-329.
ELISABETH DE HUNGRIA, Santa. 236, 347 (37).
FABRE, Padre Pierre Marie, 9, 17-18, 23-24, 34 (29), 39, 40, 95, 9698, 112, 132, 140 (2), 141 (17), 143 (18), 146 (47), 301, 338, 345
(21), 348 (37), 352 (78).
FAURE, Irmã Marie do Sacré-Coeur, 200.
FERRIEU Antoinette, 313.
FESSARD, G., 142 (19), 627 (157, 1).
FLAVIER, Irmã Appolonie, 358, 544 (162).
FORBIN-JEANSON, Dom Ch. De, 35 (32).
FOULCAULD, Charles de, 346 (32).
FRANCISCO DE ASSIS, São, 186, 344 (11), 346 (32).
FRANCISCO DE BÓRGIA, São, 212, 346 (27).
FRANCISCO DE SALES, São, 4, 73, 118, 121, 147 (57), 194, 342
(3), 347 (34), 365 (2), 379 (12), 623 (45, 1), 624 (60, 1), 625
(101, 1).
FRANCISCO XAVIER, São, 263, 266.
GAFFARD, Irmã Angélique, 361.
GAILLARD, Irmã Angèle, 443 (79), 470-471 (104).
GARRIC, Irmã André, 359.
GENEVIÈVE DE SAINTE-FLEUR, Madre, 19, 33 (24), 106-107,
550-551 (167), 556 (171).
GENYER, Senhora (nascida GOURGES, tornou-se Madre Marie de
Jésus), 5, 31 (4), 62.
GERMAINE COUSIN, Santa, 92, 95, 117, 125, 145 (35), 639.
GIRAUD, Dom Pierre, 12-13, 15, 17-18, 32 (13), 83, 85, 89, 359, 539
(160), 561 (177), 569 (183), 628 (159, 1)
GIULIANI, M., 146 (48)
GOMBERT, M., 2, 47, 72-73, 139 (5).
23
pedido à nova superiora geral, Madre Foi Bousquet, para reunir
documentos tendo em vista uma eventual biografia, assim como
os testemunhos de favores atribuídos à intercessão da
fundadora. A precisão dos documentos assim reunidos permitiu
que o processo diocesano fosse aberto com bastante rapidez
(1860 – 1865), cujo dossiê foi entregue à Cúria Romana em fins
de 1867. Pio IX introduziu oficialmente a causa no dia 7 de
março de 1872, e Leão XIII assinou o decreto de heroicidade
das virtudes em 1901. As perseguições na França, em seguida à
primeira guerra mundial, interromperam o processo. Foi
retomado em 1921 para chegar, com o Papa Pio XII, à
Beatificação (9 de junho de 1940) e à Canonização ( 23 de abril
de 1950).
24
641
II - CARACTERÍSTICAS GERAIS DESTA
PUBLICAÇÃO
Neste livro, apresentamos uma escolha de textos tirados das
obras de Santa Emília, às quais, por vezes, serão acrescentados
documentos cuja bibliografia a seguir indica a proveniência.
Os textos estão divididos em três secções:
– O que revela, de modo explícito e imediato, a experiência
religiosa pessoal da santa. Em primeiro lugar, a importante
redação comumente chamada: Autobiografia. Em seguida,
textos de natureza análoga e algumas cartas ou trechos de cartas
endereçadas a Madre Emília.
– Obras que têm um caráter mais didático e objetivo, mas nem
por isso desprovidos de personalidade. Na maioria das vezes,
são endereçadas a toda a Congregação, à Comunidade da Casamãe ou a uma religiosa em particular: Regulamentos,
Conferências ou Diálogos, Testamento espiritual.
– Um certo número de cartas em que se encontram
indissociavelmente os traços característicos da santa, de sua via
espiritual, de sua pedagogia, etc.
Uma parte notável da correspondência e vários documentos
importantes que assinalaremos como tais na sua introdução são
escritos do próprio punho de Santa Emília. As outras cartas e
textos foram recopiados dos originais no momento dos
processos canônicos e essas cópias estão autenticadas pela
assinatura de tabeliães oficialmente mandatários. O restante das
obras passou por um ou vários intermediários e por isso
BONAL, Irmã Marie-Raymond, 68, 361, 615-617 (217).
BOSSUET, Jacques Bénigne, 635 (204, 1).
BOUQUIERS, Irmã Fébronie, 379 (12), 490 (117), 495 (122), 502505 (128-129), 626 (122, 1).
BOUSQUET, Irmã Foi, 20-22, 24, 34 (26-27), 98, 145 (39), 246, 357,
533 (156), 614-615 (216), 619 (219).
BOUTARIC, Irmã Marie, 6, 8, 31 (5), 64, 67, 70, 74.
BOUTARIC, Irmã Vincent, 13.
BOUYSSOU, Irmã Lucie, 456-458 (92).
BOYER, Irmã Justine, 357.
BRASSAT-MURAT, L.-F., 79, 80, 143 (20), 375 (8), 550 (167).
BUSSY, Sra. Lenormant de, 50-51, 139 (7).
CALMELS, Irmã Anne-Marie, 54 (161).
CANCÉ, Irmã Jude, 358.
CARIONI, J.-B., 347 (34).
CARLES, Irmã Antoinette, 358, 360, 505 (130), 511 (134), 512 (135),
533 (154), 603 (208).
CARPENTIER, R., 626 (125, 1).
CAUSSADE, J.-P. de, 147 (57).
CAVALLERA, F., 350 (50).
CAZES, Irmã Thérèse, 358, 360, 413 (48), 462 (97), 475 (108).
CERTEAU, M. de, 350 (50), 628 (183, 1).
CHAMINADE, G.-J., 8, 32 (8), 158.
CARLOS BORROMEU, São, 9, 572 (185).
CHAUCHARD, Irmã Julie, 86.
CHAUGY, Françoise Madeleine de, 147 (57).
CHEVALIER, J., 625 (83, 1).
CHINCHOLLE, Irmã Tabithe, 357, 567 (182).
CHRESTEIL, Irmã Colombe, 206, 213-229, 230, 232, 591-593 (201).
CHRESTEIL, Irmã Isidore, 224.
CLAVER, Irmã Marie, 542 (161).
COLIN, L., 626 (125, 1).
COLOMB, Adrien (cunhado de Santa Emília), 139 (2), 370 (5).
COLOMB, Eléonore (nascida de Rodat, irmã de Santa Emília), 14, 31
(2), 43, 52, 139 (2), 359, 370-371 (5), 621 (5, 1).
COLOMBIÈS, Myon, 68.
COMBRES, Irmã Germaine, 358.
CONSTANS, Senhorita, 10, 79, 440 (77).
COUREL, F., 342 (2).
CROIZIER, Dom J.-F., 18-21, 24, 33 (22), 35 (31), 537 (159), 574575 (186), 582 (192).
CIPRIANO, São, 642.
DANSETTE A., 635 (192, 1).
25
ÍNDICE ONOMÁSTICO
N.B. São anotados somente os nomes das pessoas que apresentam
alguma importância em função das intenções desta obra. Não foi feito
o recenseamento do apêndice (p. 645-655), nem da bibliografia (p. 2730); tampouco se guardou o nome dos autores que, mencionados nesta
bibliografia, voltam com muita freqüência (L. Aubineau e G.
Bernoville, em particular). A fim de evitar a repetição das referências,
faz-se alusão ao catálogo dos correspondentes (p. 357-361).
O primeiro algarismo indica a página; o que se encontra entre
parênteses indica ora uma nota, ora uma carta.
ABBAL, cônego Basile, 21-23, 34 (29, 30), 165, 328, 338, 345 (21),
357, 587 (195), 589 (197), 594-595 (203), 601 (206), 603 (207),
630-635 (192, 1), 635 (204, 1).
ALAUX, Irmã Marie du Calvaire, 205-209, 224-229, 230-231, 597600 (205).
ALBAGNAC, Irmã Blandine, 357.
ALRIC, Victoire, 6, 65, 67, 69, 71, 367 (3).
ANDRIEU, Irmã Grégorienne, 361.
ARDOUREL, Irmã, 628 (163, 1).
D’ANDILLY, ARNAUD 140 (10).
AUBERT, R., 626 (133, 1), 629 (183, 1) 635 (192, 1).
AGOSTINHO, Santo, 82.
BALARD, Irmã Léonide, 357.
BALDEYROUX, Irmã Marie-Aurélie, 40, 140 (11).
BARTHE, cônego Edouard, 20-22, 33 (14), 34 (27), 160, 183, 282,
350 (52), 573 (185), 589 (197).
BAUGUIL, Irmã Euphrasie, 357, 472 (105).
BEIRNAERT, L., 627 (146, 1).
BELLOC, Irmã Laurent, 110-111, 121, 151, 338, 357, 543 (161), 604
(208), 627 (148, 1).
BÉNAVENT, Padre, 33 (23).
BENTO LABRE, São, 90, 118, 144 (27), 639.
BERNARD, Ch.-A, 635 (196, 1).
BERNIÈRES DE LOUVIGNY, Jean de, 140 (9).
BERTHIER, Guillaume, 4, 140 (8, 9), 364 (1), 454 (88), 625 (100,
1).
BESSIÈRES, Irmã Angélique, 357, 361.
BLANC, Padre Joseph, 11, 16-18, 32 (11), 72, 88, 106, 533-534
(155), 545 (163), 551 (167), 554 (168)
BLONDEL, Maurice, 642-643.
apresenta garantias diversas de autenticidade. Não
estabeleceremos uma crítica técnica dos textos, mas
simplesmente, daremos indicações gerais sobre a maneira como
os escritos foram transmitidos, ou seja, os que não são de
próprio punho. Todas as afirmativas que assim podemos
comunicar nos foram dadas pela Religiosa atualmente
Arquivista da casa generalícia em Villefranche, Irmã Thérèse
de Saint-Joseph. Ela supervisionou igualmente as cópias
datilografadas que utilizaremos em toda a confiança e que a
bibliografia enumera sob a rubrica: “documentação nãoimpressa”. Aproveitamos a ocasião desses esclarecimentos para
expressar à Irmã Thérèse de Saint-Joseph e a suas
colaboradoras nossa total gratidão.
É preciso lembrar, finalmente, que Santa Emília tem
forçosamente idéias, reações afetivas, imaginação e modos de
expressão próprios de sua época. O leitor de hoje saberá
entender e não se chocar com o que poderia desconcertá-lo,
mas, com discernimento e simpatia, descobrirá um pensamento
ou uma intenção sempre atuais.
___________
639
26
[TOMAS DE AQUINO, Santo]. Alusão biográfica em C 45 (nº 16).
III - BIBLIOGRAFIA E ABREVIAÇÕES
1. Documentação impressa
a) De caráter geral
BARTHE (E.). - L' Esprit de la Révérende Mère Emilie, 2 vol.,
Paris, Sarlit, 1863. (Abreviando: B, seguido de um
algarismo romano para o volume; de um algarismo
arábico para a página).
Dictionnaire de spiritualité. Paris, Beauchesne, desde 1937.
(DS, algarismo romano para o tomo; arábico para a
coluna). DELATTRE (H.), artigo: Emilie de Rodat, V 610614. MARTHIN, artigo: Désolation III 637-638.
GUÉLIN (G.). - La Bienheureuse Emilie de Rodat, em La Vie
spirituelle, t. 65, 1941, 524-536 e t. 66, 1942, 372-377.
Lettre apostolique de la béatification, Acta Apostolicae
Sedis (AAS), t. 32, 1940, 398-403.
PIO XII - Homélie pour la canonisation, AAS 42, 1950, 321324 (Tradução em La Documentation catholique, t.47,
1950, col. 641-643).
SACRA RITUUM CONGREGATIO. –
Positio super introductione causae, Roma, 1871(Pos).
Positio super fama in genere, 1877.
Positio super veliditate processuum, 1889.
Positio super virtutibus, 1897.
Nova positio super virtutibus, 1899.
Novíssima positio super virtutibus, 1901.
Positio super validitate processus super miraculis, 1929.
Positio super validitate processus super miraculo, 1932.
Positio super validitate processum, 1938.
Positio super reassumptione causae, 1942.
Positio super miraculis pro praeparatoriis, 1949.
Novissima positio super miraculis, 1949.
Positio super tuto, 1950.
b) Biografias.
AUBINEAU (L.). - La Vie de la Vénérable Mère Emilie de
Rodat, 6ª ed. Lyon, Vitte, 1891(AUB)
RAYLET Padre (L.). - Vie abrégée de la V. Mère Emilie de Rodat,
Paris, Vic et Amat, 1897.
RICARD Dom (E.). - La Vénérable Emilie de Rodat, Col. “Les
Saints”, 2ª ed. Paris Lecoffre, 1912.
SAVIGNY-VESCO (M.). - La Bienheureuse Emilie de Rodat, Paris,
Alsatia, 1941.
Vida dos Padres do deserto. HC.
Vida das santas mulheres. HC.
27
638
[LUIZA DE FRANÇA, Madame]. Vie de Madame Louise de France.
HC.
[MACRINA, Santa]. Alusão feita em D 28 (nº 14).
Morts édifiantes des damess illustres. HC.
Le Père Antoine. L 922.
[PIO IX, Papa] DL 115: “Quando foi publicada a biografia de Pio IX,
apresentei-a à Madre Emília dizendo: “Minha Madre, venho darlhe momentos agradáveis, tenho certeza de que a senhora lerá
com felicidade a biografia de nosso Santo Padre.”
[PECRO CLAVER, São]. A beatificação do Padre Pedro Claver. L
927.
Vida do Pe. Claver. HC.
Possession de Loudun. Ms aut., Questões apresentadas a Pe. Marty,
2ª série, 72ª questão.
Prospecto da Santa Infância. L 899; I. 214.
[QUÉRIOLET, o Sr. de]. Vida do Sr. de Quériolet. Ms
Questões apresentadas a Pe. Marty, 2ª série, 72ª questão.
aut.,
[RANCÉ (Dom Armand BOUTHILIER de)]. A vida do Abade de
Rancé. HC.
[RODRIGUEZ (Alphonse)]. A vida do Pe. Rodrigues de que fala HC
deve ser a de Santo Afonso Rodrigues (v.s. a esse nome).
[ROSA DE LIMA, Santa]. Alusão à sua vida em D 84-85 (nº 35; v.s.
segunda secção II, nº 9).
SALES (Charles-Auguste de). Vida de São Francisco de Sales. HC;
AUB 69 (1).
*Vie de la Mère Marie-Aimée de Blonay, religieuse de la
Visitation. Paris, Sognier e Bray, 1848.
[STANISLAS KOSTKA, Santo]. Vida de São Stanislas Kostka. HC.
[SURIN (Jean-Joseph)]. A vida do Pe. Surin. HC; cf. Ms aut.,
Questões apresentadas a Pe. Marty, 2ª série, 74ª questão.
[TERESA D’ÁVILA, Santa]. Vida de Santa Teresa d’Ávila. HC.
Alusões biográficas em C 13 (nº 6; v.s. segunda secção II, nº 23),
22 (nº 10), 88 (nº 36; ibid., nº 30); D 23(nº 11), 34-35 (nº 16;
ibid., nº 37), 37 (nº 17; ibid., nº 27), 65 (nº 26), 125 (nº 59).
PLUS, S.J. (R.). - Sainte Emilie de Rodat, Toulouse, Apostolado da
Oração, 1950.
ARNAL (M.). - L'Aimable Sainte du Rouergue, Toulouse,Apostolado
da Oração, 1951.
BERNOVILLE (G.). - Sainte Emilie de Rodat, Paris, Grasset, 1959 (Br).
RICHOMME (A.) - Sainte Emilie de Rodat, Col. “Belles histoires et
belles vies”, Paris, Fleurus, 1965.
c) Obras de Santa Emília
Cartas..., Publicadas sob os cuidados do Pe. Henri Marty, Paris,
Palmé, 1888 (M, seguido de um algarismo arábico indicando
a página).
Autobiografia, s.l. [Lyon], s.d. [1958] (A, seguido habitualmente da
indicação do capítulo).
Desde 1916 existe um “Petit Bulletin de la Sainte-Famille”. Sua
periodicidade variou de acordo com as circunstâncias. Atualmente é
mensal (o número de janeiro de 1965 é 253). Eis alguns trechos da
carta pela qual a superiora geral o apresentava à Congregação, em 24
de maio de 1916:
“Há muito tempo, desejávamos religar entre elas nossas queridas
comunidades dispersas por um laço de interesse afetuoso e fraterno,
por tudo o que lhes diz respeito reciprocamente...
“Por vezes, no decorrer das páginas desta pequena revista... o
passado se misturará com o presente. Não devemos fazer reviver
nossa santa fundadora, queridas Irmãs antigas? Não devemos guardar
seu espírito, dele nos impregnar, por assim dizer, haurindo com
abundância dos tesouros de virtude e de santos exemplos acumulados
por elas durante o século que terminou? Por vezes, igualmente, o
relato de graças obtidas pela intercessão de nossa venerável Madre,
alegrará nosso coração e estimulará nossa confiança!...”.
N.B. - Por ocasião de diversas solenidades, a casa-geral de
Villefranche publicou os álbuns ou brochuras seguintes:
La Bienheureuse Emilie de Rodat, 1941.
Gloire à sainte Emilie de Rodat, 1951.
Fêtes du centenaire, 1952.
Consécration de la chapelle, 1958.
Bénédiction des cloches, 1960.
2. Documentação não-impressa.
Sempre nos referimos às cópias datilografadas feitas em
Villefranche (ver acima). Por vezes, os títulos são abreviados. Em
nosso texto ou suas notas, a abreviação será sempre seguida de um
algarismo indicando a página, exceto no que se refere à História da
Congregação (o algarismo indica a data) e as Cartas (ele reproduz o
637
28
número de ordem). O algarismo entre parênteses, na maioria das
vezes, indica uma nota.
a) História. Biografia. Testemunhos.
(1) Histoire de la Congrégation (composta pela atual arquivista
de Villefranche) (HC)
(2) Préliminaires à l'Histoire de la Congrégation (mesmo autor)
(HC pr).
(3) La foi religieuse à Villefranche-de-Rouergue à travers les
âges (anônimo) (FR).
(4) Carnets de M. Fabre (redigidas pelo Pe. P.M.Fabre, entre
1852 e 1874 (CF).
(5) Dépositions de M.Fabre (1863 e 1874) (DF)
(6) Dépositions de Soeur Laurent Belloc (1863 e 1873-1874).
(DL).
(7) Dernière maladie et doux trépas de notre sainte fondatrice
(redação da mesma religiosa, depois de 1852). (DM)
(8) Dépositions de Soeur Antoinette Delous (primeira postuladora
da Causa, 1863 e 1873; só começam com um “sétimo
interrogatório”). (DA).
(9) Portrait de la Mère Emilie (escrito pela mesma religiosa, em
1877, retocado em 1884). (P)
(10) Dépositions de Soeur Marie-Claver Souyri (1863 e 1874).
(DC)
(11) Dépositions d' ecclésiastiques et autres (DEc.)
(12) Dépositions diverses (DD).
(13) Copie (partielle) des animadversions (ou objections) du
promoteur de la foi et des réponses de l’avocat (1896-1900).
(Anim).
(14) Chambre de sainte Emilie de Rodat (inventário descritivo
feito pela arquivista de Villefranche em 1964). (Ch.)
b) Obras de Santa Emília
(15) Manuscritos autógrafos (Ms aut). Este fascículo fornece
documentos autobiográficos ou históricos, assim como
afirmações sobre a origem e a transmissão de certos escritos
da Santa. Os textos reunidos não foram todos datilografados
de acordo com os autógrafos. Vários o são em conformidade
com cópias que têm como garantia a assinaturas de tabeliões
canonicamente mandatários por ocasião dos processos
diocesano e romano. Designamos essas cópias com o título
“Dossiês da Causa” e, em seguida, damos as afirmações
contidas nesses Manuscritos autógrafos.
(16) Conferências (C)
[FRANCISCO DE BÓRGIA, São]. Vida de São Francisco de
Bórgia. HC. Cf. C 2 (nº 1; v.s. segunda secção II, nº 11).
[FRANCISCO RÉGIS, São]. Vida de São Francisco Régis. HC;
citado como exemplo por C 18 (nº 8).
[FRANCISCO XAVIER, São]. Vida de São Francisco Xavier. HC;
citado como exemplo por C 18 (nº 8) e D 23 (nº 11).
GODESCARD (Jean-François). Vie des saints. HC.
Héroïnes chrétiennes; 2 vol. HC.
[INÁCIO DE LOYOLA, Santo]. Vida de Santo Inácio de Loyola. HC;
cf. L 273; I. 89.
[IRENÉE, Irmão]. Vie du Frère Irenée. HC.
[ISABEL DE HUNGRIA, santa.]. Dada como exemplo por C 18 (nº
11) e 49 (nº 17; v.s. segunda secção, II, nº 17).
*JEANCARD. Vie de saint Alphonse de Liguori. Paris, Gauthier,
1828. HC (sem nome do autor).
[JOÃO BATISTA DE LA SALLE, São]. Vida do Santo de la Salle.
HC.
[JOÃO DA CRUZ, São]. Citado como exemplo por D 34 (nº 16; v.s.,
segunda secção, II, nº 37)
[JEANNE DE LESTONNAC, Santa]. Vie de la Mère de Lestonnac.
HC.
[JOSÉ, São]. L 924 e 927 falam de “impressos em honra de São
José”. V.s. III, Mois de saint Joseph.
[LA MOTHE (Dom Louis-François d’ORLÉANS de)]. Vida de Dom
de La Mothe. HC.
Lettres édifiantes. HC.
LHOMOND (Charles-François). Histoire de l’Eglise. HC.
Livres de l’association du Sacré-Coeur. HC.
[LUIZ IX, santo, rei de França]. Traços de sua vida em C 88 (nº 36;
v.s. segunda secção, II, nº 30)
[LUIZ GONZAGA, São]. Vida de São Luiz de Gonzaga. HC. Citado
como exemplo por C 44 (nº 16).
[LUIZ STÉPHANELLI, São]. Vie de saint Louis Stéphanelli. HC.
29
636
*ABELLY (Louis). Vie de saint Vincent de Paul, instituteur et
premier supérieur général de la Congrégation de la mission...
Nouvelle édition, Paris, Debécourt, 1839. HC (sans nom
d’auteur).
*[AFFRE (Dom Denys-Auguste)]. Vie de Mgr Affre, 1851. HC; cf. L
927.
[AGATHON, Abbé]. Traços de sua vida em C 44 (nº 16).
*[ALPHONSE RODRIGUEZ, Santo]. Vie du b. Alphonse Rodriguez,
frère coadjuteur de la Compagnie de Jésus. Béatifié le 12 juin
1835, par sa Sainteté Léon XII. Lyon, Pélagaud, Lesne e Crozet,
sucessores de Rusand, 1836. É certamente la Vie du P.
Rodriguez de HC.
[ALVAREZ (Balthazar)]. Vie du Père Balthazar Alvarez. HC.
L’Ange gardien. L 3; 1. 2.
Annales de la Sainte-Enfance. L 879, 899, 901; I. 208, 214, 215.
[ARTÉMON, Santo.]. Vie de saint Artémon. HC.
[BASILE DE CÉSARÉE, São]. Característica exemplar em C 44 (nº
16) e D 2 (nº 1).
Les Basiliennes. L 922.
[BENTO LABRE, São]. Vie de saint Benoît Labre. HC.
*BION. Vie de François d’Estaing. Rodez, Ratery, 1839.
[BOUDON (Jean-Marie)]. Vie du Père Boudon. HC.
CAILLAUD. Notre Dame de Roc-Amadour. L 535.
[CAYRON (Paul)]. Vie du P. Cayron. HC
CHAUGY (Madeleine de). Vie des quatre premières Mères de la
Visitation; HC; v.s. III, “Livres de la Visitation”. L 275 (I. 89)
pour sainte Jeanne de Chantal.
CROISET (Jean). Vie des saints; 17 vol. HC.
FLEURY (Claude). Histoire de l’Eglise. HC.
[FRANCISCO DE ASSIS, São]. Recordações da leitura de sua vida
ou dos Fioretti em C 9 (nº 4; v.s. segunda secção II, nº 4); 26 (nº
10); 27 (nº 11).
(17) Diálogos (D). Apresentaremos com mais detalhes estas duas
séries de textos, introduzindo os que escolhemos (segunda
secção, II).
(18) Cartas (L)
Um grande número de cartas está datilografado de
acordo com os autógrafos; outras conforme cópias dignas de
fé (cf. 15); outras, conforme cópias de fontes diversas. Os
documentos autógrafos tinham sido encadernados em 6
volumes, numerados com algarismos romanos e paginados
com algarismos arábicos. Nesses volumes encontram-se
escritos que não são cartas, mas deles teremos de reproduzir
alguns.
A fim de evitar qualquer confusão, ao nos referirmos a
uma das 219 cartas que guardamos para nossa terceira
secção, utilizaremos a sigla: L (Cartas) seguida do nº de
ordem. É igualmente o número de ordem que figura após L –
Ao citarmos uma carta, nós nos referimos, quando for o caso,
à edição Marty (ver acima, fontes impressas, c).
L (Cartas) por vezes teve de reconstituir palavras riscadas ou
esquecidas nos autógrafos: encontram-se entre parênteses e o
contexto indica que se trata de parênteses do autor ou da
copista. Nos autógrafos e nas cópias utilizadas por L, muitos
nomes próprios foram riscados. Alguns puderam ser
restabelecidos, outros permanecem ilegíveis: são substituídos
por “N”.
c) Cartas endereçadas a Santa Emília.
(19) Trechos de cartas endereçadas por Pe. Marty a Madre Emília
e recopiados por ela mesma num fascículo (trechos)
(20) Cartas escritas a Madre Emília pela priora do Carmelo de
Figeac, Madre Marie-Thérèse de Saint-Augustin (C).
d) Compilações realizadas pela arquivista de Villefranche
segundo as obras de Santa Emília e os depoimentos das
testemunhas nos processos diocesano e romano.
(21) Cópia textual dos documentos originais de Santa Emília de
Rodat (DO)
(22) Textos originais mais característicos do espírito da
Congregação (TO).
(23) A caridade de Santa Emília (em comunidade) (Car).
N.B. - Estes três últimos volumes não dispensam os escritos já
mencionados sob os números (1) a (20).
*
*
635
30
Significado de algumas abreviações comuns:
- Cf. = ver (p.exemplo: cf.p.10 significará: ver página 10).
- v.g. = por exemplo ( assim: v.g. São Francisco de Sales significará:
por exemplo São Francisco de Sales)
- v.i. = ver abaixo (por exemplo: v.i.p. 10 significará ver abaixo
página 10).
- v.s. = ver acima (p. exemplo: v.s.p.10 significará ver acima
página 10).
*
*
Observação geral.
Sempre reproduzimos exatamente o texto que nos forneciam as
datilógrafas (ou, no que se refere à Autobiografia, o impresso de
1858). As únicas correções que fizemos são de ordem tipográfica
(simplificação e uniformização). Nas cópias que reproduzimos só
tinham retificadas a ortografia e a pontuação. Graças às
correspondências de datas, facilmente poderemos esclarecer e
completar uns pelos outros os textos das diversas secções.
Nouvelle édition augmentée d’un entretien sur les vertus et les
ocupations des religieuses et de plusiers avis salutaires, Lyon,
Rusand, 1826. Cité en L 173 sous le titre: Avis à la Mère; de
même HC.
*Horloge de la Passion. A página do título falta.
*Livre d’Or. HC; cf. L 153; I. 51.
MASSILON (Jean-Baptiste). Paraphrases. HC.
* Petit Câreme. Paris, Tendré, 1820.
MEDAILLE (Pierre). Méditations. HC.
Mois de Jésus. HC
Mois de Marie. HC.
Mois de saint Joseph. HC; cf. DL 114: “Entrei um dia em seu quarto
(de Madre Emília) e a encontrei ocupada a ler um novo mês de
março presenteada pelo autor”; v.i. IV, Hagiographie.
*NOUET (Jacques). Méditations spirituelles à l’usage des personnes
qui veulent avancer dans la perfection. Paris, Vaton, 1839. HC.
*L’Office de la sainte Vierge à l’usage des religieuses de l’Institut de
la Sainte-Famille. Villefranche, Védeilhé, 1828. HC.
Palais de l’amour divin. L 56.
Le Paradis. L 922.
Rapports frappants entre le sacrifice de la croix et celui de la messe.
L 250; I. 79.
Le Religieux mourant. HC.
Saints désirs de la mort. HC.
Visites au Saint-Sacrement. HC.
IV. Hagiografia. História da Igreja. Missões.
“Sei que a Venerável serva de Deus dizia a seu confessor ao lhe
contar a sua vida: “A leitura da vida dos santos me transportava e me
fazia sofrer...” DL 114; cf. A cap. 10; L 6; 1. 4, etc…
31
634
Vie de sainte Chantal; cf. L 273; 1. 89.
Pode-se acrescentar:
NOTAS DA INTRODUÇÃO
________________
*La manière de donner l’habit et recevoir á la professions les Soeurs
de la Visitation de Sainte-Marie. Paris, Hérissant, 1748.
III. Vida cristã e religiosa em geral. Leituras espirituais e
livros de meditação. Sermões. Manuais de oração.
ABELLY (Louis). Méditations. HC.
Allégresses de la sainte Vierge. HC; cf. A cap. 5
AVRILLON (Jean-Baptiste). Commentaires sur le Miserere e
méditations pour la communion. HC.
Pentecôte et Fête-Dieu. HC.
BAUDRAND (Barthélémy). *L’âme contemplant les grandeurs de
Dieu... Paris, Méquignon, 1817.
* L’âme éclairée par les oracles de la sagesse dans les paraboles
et les béatitudes evangéliques. Lyon, Périsse, 1830.
HC assinala: “Âme contemplative et outros escritos de Baudrand,
1827. L’âme élevée à Dieu”.
BOISSIEU (Antoine de). Méditations. HC.
BOSSUET. Méditations. HC.
BOURDALOUE. Retraite. HC.
Catéchisme de Constance. HC; cf. L 250; 1. 79.
Catéchisme de Montpellier. HC.
Consolation des âmes afligées. HC.
CRASSET (Jean). Méditations. HC.
DUFRESNE. Méditations. HC.
L’Esprit du christianisme. L 2; 1. 1.
GONNELIEU (Jerôme de). Manuel du chrétien (Saltério, quatro
evangelhos; Atos dos Apóstolos ; Imitação de Jesus Cristo). HC.
*Le Guide des supérieures ou avis à une supérieure sur les moyens
de se bien conduire les autres, par une religieuse...
(2) A respeito das famílias de Rodat e de Pomairols, ver, além das
biografias já mencionadas, HC pr 1-4, FR 14-16, A cap. 21. Eis os
nomes e anos de nascimento das irmãs e irmãos de Emília: Eléonore
(1789) que lhe será intimamente ligada; Charlotte (1795) morta
prematuramente com 11 anos de idade; Louis (1797) e Henri (1799).
No que se refere à história religiosa local, de vez em quando nos
baseamos nas seguintes obras: L. SERVIÈRES, Histoire de l'Église du
Rouergue, Rodez, 1874; E. SOL, l'Église de Cahors au XVIII siècle et
à l'époque contemporaine, Aurillac, 1848.
(3) Pe. Antoine Marty nasceu em Labastide-Capdenac (Aveyron),
em 27 de maio de 1757. Primeiro fez seus estudos nos “Doctrinaires”
de Villefranche, depois em Rodez e na Sorbonne. Professor de
Filosofia no Colégio “du Plessis” em Paris, recusou, em 1791, fazer o
juramento constitucional, emigrando para a Alemanha no ano
seguinte. Estando de volta ao país natal após a Concordata, exerceu as
funções de vigário-coadjutor em Saint-Joseph de Villefranche, de
Diretor do Colégio Eclesiástico, de Capelão da Casa Saint-Cyr e da
Sagrada Família, finalmente de vigário-geral em Rodez, de 1823 a
1835. Faleceu em 15 de novembro do mesmo ano. AUB 44 (1); HC
1823, 1835.
(4) Marie-Jacquette-Roberte Gourges, nascida em Moissac em
1735, viúva em 1802 de Pierre Genyer, falecida a 29 de agosto de
1839. AUB 69(1).
François-Henri Grimal, nascido em Cassagnes-Bégonhés em
1755. Prestou grandes serviços durante o Terror, na qualidade de
sacerdote não-juramentado. Vigário de Rieupeyroux depois de 1801,
faleceu em Villefranche em 18 de abril de 1838. AUB 81(2).
(5) Ursule Delbreil, originária de Montauban (16 de março de
1790), falecida em Villefranche em 18 de fevereiro de 1865. Marie
Boutaric, originária de Maurs(Cantal), em 1798, falecida em
Villefranche em 1819, algumas semanas depois de Eléonore Dutriac
que aí havia nascido em 6 de setembro de 1799. AUB 71-73, 103-112;
HC 1815, 1819; A cap. 8 e 9. Circulares necrológicas de E. Dutriac e
de M. Boutaric em L (Cartas) 17 e 20.
(6) A Concordata aceitou a supressão da diocese de Rodez e
fundiu-a com a de Cahors (até 1817, teoricamente; de fato, em 1822).
Jean-Charles-Gervais Poujade de Ladevèze, originario de SaintBeauzély (Aveyron), em 19 de junho de 1758, emigrou para a
633
32
Espanha durante a Revolução; vigário-geral, em 1802, de Dom
Cousin de Grainville; falecido em 1836. AUB 286(2)
No que se refere ao episcopado de Dom de Grainville, consultar
E.SOL, o.c. 133-243; L. SERVIÈRES, o.c. 593-604.
(7) Os Cordeliers estiveram presentes em Villefranche de 1217
a 1792. FR 4; Br 115-116; “Petit Bulletin de la Sainte-Famille”, abril
de 1959, nº 190.
(8) Adèle de Trenquelléon, nascida em 9 de julho de 1789, no
Castelo de Trenquelléon(Lot-et-Garonne), emprende em 1816, em
Agen, a fundação do Instituto das Filhas de Maria para a instrução das
jovens. Falecida na mesma cidade em 10 de janeiro de 1828. AUB 102
(1); HC 1828; L 219.
Guillaume-Joseph Chaminade, nascido em Périgueux em abril de
1761; sacerdote não-juramentado, emigra, por algum tempo, para a
Espanha e volta antes da Concordata para exercer seu apostolado nas
dioceses de Baza e Bordeaux. Nessa cidade, ele restaura a
Congregação da Imaculada Conceição e, em 1817, funda a Sociedade
de Maria ("Marianistes"). Falecido em 22 de janeiro de 1850. AUB
133(1); DS II 454-459.
(9) Irmã Françoise Pascal, nascida em Villefranche em 1803;
superiora de Aubin de 1832 a 1846, depois em 1851-1852; ecônomageral de 1846 a 1851; falecida em Villefranche, em 1880. HC 1820,
1846, 1851.
(10) Charles-André-Bruno de Ramond-Lalande, nascido em La
Bastiolle (Tarn-et-Garonne) em 1º de novembro de 1761. Embora
não-juramentado, permanece em Paris até ser preso pouco antes de 9
Thermidor. Após a Concordata de 1801, foi vigário de Saint-Thomas
d’Aquin. Designado Bispo de Rodez, após a Concordata de 1817. As
dificuldades gerais de aplicação desse acordo atrasam sua sagração e
sua instalação até 1823. Transferido para Sens em 1830, morre
durante a viagem (10 de abril). AUB 215(1); HC 1823; 1830; L.
SERVIÈRES, o.c. 604-609.
(11) Pe. Blanc, nascido em Villefranche em 28 de julho de 1793;
aluno de Padre Marty, ordenado em 1819, professor no Colégio de
Villefranche e capelão da Sagrada Família; superior local em 1823,
superior-geral em 1835. Encontramo-lo em Paris de 1824 a 1831,
primeiramente como capelão no Calvário do Mont-Valérien, depois,
pároco de Sainte-Marguerite. Deve demitir-se como superior em
1845; falecido em 1876. AUB 304(1); M 167(1); HC 1835, 1845; Pos,
fascículo 2 p.12.
(12) Charlotte Rozié, nascida em 1798 em Najac. Em religião
toma o nome Ir. Athanasie. Exerce cargos importantes: assistente,
mestra de noviças, do pensionato. Morre após uma penosa doença
SURIN (Jean-Joseph). Les fondements de la vie spirituelle. HC; cf. D
36 (nº 16; v.s. seconde section II, nº 37) e 136 (nº 63; ibid., nº
26); v.i. IV, Hagiographie.
*TERESA DE ÁVILA, Santa. Oeuvres de sainte Thérèse.Ttraduites
en françois par Arnauld d’Andilly. Nouvelle édition corrigée et
augmentée, Paris, Albanel e Martin, 1839 (a biblioteca de
Villefranche possui apenas o Tomo 2); v.i. IV, Hagiographie.
THOMAS A KEMPIS. Imitation de Jésus Christ. HC; cf. C 10 (nº 5),
47 e 49 (nº 17; v.s. segunda secção II, nº 17); D 135 (nº 63; v.s.
ibid., nº 26); 139 (nº 64); 139-140 (nº 65); L 142; 351; 1. 47, 104.
*Oeuvres choisies du Vén. Thomas a Kempis, traduites par Repartz e
Baudry. Paris, 1848.
TRONSON (Louis). Traité de l’obéissance. HC.
VICENTE DE PAULO, São. Maximes. HC; v.i. IV, Hagiographie
(Abelly).
Avis spirituels. HC.
VISITAÇÃO (Livros da). De acordo com AUBINEAU, 96 (1):
Constitutions, Directoire et Grand Coutumier de la Visitation
Petites Coutumes de Annecy.
Réponses et Epîtres de la Mère de Chantal (v.s. a respeito desse
nome).
Lettres circulaires (um volume, in-4º).
Vie de quatre premières Soeurs de la Visitation por R. Mère
Madeleine de Chaugy
(v.i. IV, Hagiographie)
Livre des Chapitres.
Les vrais Entretiens de saint François de Sales.
Vie de saint François de Sales, por seu sobrinho Charles-Auguste
(v.i. IV, Hagiographie).
632
33
*HC assinala: Vie dévote, 1824. Traité de l’amour de Dieu e outros
escritos de São Francisco de Sales; v.i. “Livres de la Visitation” e
IV, Hagiographie.
GREGÓRIO le grand, São. Dialogues. HC.
INÁCIO DE LOYOLA, Santo. Lettres sur l’obéissance. HC.
JOÃO CRISÓSTOMO, São. Homélies. HC.
JOÃO CLÍMACO, São. Citado em C 29 (nº 11).
* JOÃO DA CRUZ, São. Oeuvres. Paris, Lecoffre, 1849. V.i. IV,
Hagiographie.
JEANNE-FRANÇOISE FRÉMONT DE CHANTAL, Santa. Ecrits.
HC.
* Réponses de la bienheureuse Mère Jeanne-Françoise Frémyot,
baronne de Chantal...
Troisième édition, Paris, 1757. V.i.
“Livres de la Visitation”.
LA MOTHE (Dom Louis-François d’ORLÉANS de). La Parfaite
Religieuse. HC; v.i. IV,
Hagiographie.
LOUIS DE GRENADE. Oeuvres. HC.
OLIER (Jean-Jacques). Introduction aux vertus chrétiennes. HC.
RANCÉ (Dom Armand-Jean BOUTHILIER de). Conférences. HC.
Conversations de la Trappe. HC; cf. L 204 (“Conversations des
enfants de la Trappe”)
Relations de la vie et de la mort de quelques religieux de l’abbaye de
la Trappe. HC; cf. A ch. 11
Sainteté et devoirs de la vie monastique. HC.
RODRIGUEZ (Alphonse). L 326 recomenda os “capítulos 25, 26 e 27
do Quinto Tratado de Rodriguez sobre a oração”; cf. L 351; 1.
104.
SCUPOLI (Laurent). Le combat spirituel. HC.
heroicamente suportada, em 10 de fevereiro de 1830. AUB 151(1);
circular em L nº 304.
(13) Pierre Giraud, nascido em Montferrand (Puy-de-Dôme) em
11 de agosto de 1791. Seminarista em Saint-Sulpice em 1812,
sacerdote em 1815. Exerce diversos ministérios em sua diocese até
1830. Exerce a função de Bispo de Rodez a partir de 22 de dezembro
desse mesmo ano. Permanece em Rodez até a sua nomeação para
Cambrai em 1842; Cardeal em 1847, morre em 17 de abril de 1850.
AUB 226(1); HC 1830, 1842; L. SERVIÈRES, o.c. 610-623.
(14) HC 1832. As Constituições foram redigidas entre 1822 e
1832. Os arquivos da Sagrada Família conservam três manuscritos
(1830, 1832, 1834). Acréscimos foram necessários em 1835 e 1840
(por causa das escolas). Remanejamentos profundos em 1845-1846,
pelo cônego E. Barthe (HC 1846); leves modificações em 1851; novas
redações com poucas diferenças em 1857, 1879, 1934 (Aprovação
definitiva em 1944).
(15) Sophie Vallon nasceu em Cassagne (Cantal) em 13 de agosto
de 1807. Tomou o nome de Séraphine nas Irmãs da União e depois o
de Thaïs nas Irmãs da Sagrada Família. Foi a primeira Irmã do ramo
não-clausurado. É sobretudo em Decazeville e nos arredores que
exerceu seu original e incansável apostolado; falecida em 21 de
fevereiro de 1858. AUB 227(1), 237-239, 276-284; HC 1832, 1834,
1837.
(16) Pe. Debons, nascido em Figeac em 1754; sacerdote em
Cahors em 1778, emigra para a Espanha de 1791 a 1796. Vigário em
sua cidade natal de Saint-Thomas e em Saint-Sauveur, falecido em 15
de maio de 1847. AUB 291(1).
(17) Lucie Salgues, nascida em 17 de julho de 1796, no castelo de
Meuilhac, perto de Figeac. Faz profissão entre as Religiosas de
Nevers em 15 de maio de 1815, com o nome de Eléonore, superiorageral de 1842 a 12 de março de 1852, data de sua morte. AUB 292 (1)
(18) Paul-Louis-Joseph d’Hautpoul sucedeu, na diocese de
Cahors, a Dom de Grainville em 1828, e ocupou a sede até 1842. AUB
302(1) HC 1834; E.SOL, o.c. , 244-268.
(19) HC 1835. A respeito das dificuldades que puderam surgir
entre Santa Emília e Pe. Marty, ver os últimos parágrafos do cap. 14
da Autobiografia. Terceira secção, abaixo, 1.115 e 119.
(20) A cap. 12; C 615; M. 386-387. A propósito de Lugan l. 159,
162.
(21) Maxime Debussy, nascido em Rouvray (Somme) em 28 de
março de 1791, entrou na Companhia de Jesus desde o
restabelecimento da mesma em 1814 e fez seus primeiros votos em 8
de dezembro de 1815. Prefeito dos estudos no Colégio de Saint-
631
34
Acheul, depois diretor espiritual no escolasticado de Vals-près-Le Puy
(Haute-Loire). Adquiriu uma grande fama por seus retiros sacerdotais
e suas missões. Morreu em 7 de abril de 1852. AUB. 425(1).
(22) Jean-François Croizier, nascido em Billon (Puy-de-Dôme)
em 2 de novembro de 1787, amigo e condiscípulo de Dom Giraud,
sucedeu-lhe em Rodez no ano de 1842; falecido em 2 de abril de
1855. AUB. 428(1); L. SERVIÈRES, o.c., 623-637.
(23) Pe. Bénavent, Vigário de Marmont, pretendeu tornar a escola
de Marmont independente da Casa-mãe. Escreveu de um modo
bastante injurioso a Madre Emília, que lhe respondeu com extrema
mansidão. HC 1841; D.L. 169; Anim. 15, 108.
(24) Madre Geneviève Sainte-Fleur, cujo nome de família é
ignorado, nasceu em Clavier, perto de Figeac em 1765, e fez a sua
profissão no Carmelo de Montauban por volta de 1783. Tendo
atravessado corajosamente o período revolucionário, teve um papel de
suma importância na restauração de numerosas casas de sua Ordem,
no Sudoeste. Morreu em Montauban em 31 de janeiro de 1848. AUB.
351-353.
(25) Jean Chaudru de Trélissac, bispo de Montauban de 1833 a
1844; na época gravemente enfermo, pediu demissão e foi substituído
por Dom Doney. AUB 351(1); HC 1841.
(26) Irmã Foi nasceu em 1818, fez profissão em 21 de novembro
de 1838. Uma oração repleta de belos sentimentos espirituais, escrita
nessa ocasião, ficou conservada (HC 1837-1839). Durante seu
superiorato em Montauban-Sapiac, foi acompanhada de perto por
Madre Emília que, por vezes, lhe chamou a atenção a respeito de sua
independência. Na qualidade de Diretora das Escolas em 1846, fez
sofrer Madre Emília (HC 1846) que, entretanto, lhe conservou estima
e confiança. Depois de ter sido eleita assistente, em 6 de agosto de
1851, Madre Emília, aos poucos lhe entregou o governo da
Congregação. De 1852 a 1882, seu longo generalato forneceu-lhe
muitas ocasiões de justificar essas esperanças e esse discernimento.
Frente a dificuldades e oposições de todo tipo, soube manter com uma
constante energia o ideal original da fundadora. Pos. Fasc. 2, p. 6.
(27) O cônego Barthe nasceu em Saint-Afrique, em 1802. Sendo
professor do Colégio daquela cidade, escreveu várias obras de
filosofia e de teologia e, em 1863, L'Esprit de la Révérende Mère
Emilie de Rodat. Sua dedicação perspicaz exerceu-se de modo
especial para com a Congregação durante o generalato de Madre Foi.
Morreu em 1885, Br. 340 (1); M 479 (1); HC 1845, 1846, 1851.
(28) HC 1846: “As duas Mestras de Noviças, Irmã Marie-Mélanie
Scudie, para o noviciado de clausura, e Irmã Alphonsine Laforie, para
II. Padres da Igreja e autores clássicos de espiritualidade.
“Livres de la Visitation.”
ALPHONSE de LIGUORI, saint. Obras, HC.
*ANSART (André-Joseph). Esprit de saint Vincent de Paul. Lyon,
Périsse, s.d.
*AUGUSTIN, saint. Les Soliloques, les méditations et le manuel de
saint Augustin. Traduction nouvelle... 5ª édition; Lyon, Martin,
1763. HC; cf C 29 (nº 11).
BERNARD, saint. Citado em C 29 (nº 11).
BERNIÈRES-LOUVIGNY ( Jean de). Le Chrétien intérieur. A. ch.5;
cf. notas da primeira secção, 9.
CAMUS (Jean-Pierre). Esprit de saint François de Sales, HC.
*CLAUDE LA COLOMBIÈRE, bem-aventurado. Oeuvres. Avignon,
Seguin, ainé, 1835 (a biblioteca de Villefranche só possui os
tomos 6 e 7).
*Doctrine spirituelle du Père Berthier, du Père Surin, du Père SaintJure, de M. d’Orléans de La Mothe et de sainte Thérèse. 2ª
edição, Paris, Belin, 1803. L 2, 1. 1.
FÉNELON (François de SALIGNAC, de LA MOTHE). Oeuvres
(précédées de l’éloge de Fénelon par La Harpe). Paris, Ledent,
1837.
FRANCISCO DE SALES, santo. Introduction à la vie dévote. HC; L
3; 1. 2 (Saint François de Sales et sa Philothée).
*Traité de l’amour de Dieu. Nouvelle édition... revista e ligeiramente
corrigida por M. Bonvallet des Brosses..., Paris, Saint-Michel,
1813 (a biblioteca de Villefranche possui apenas o T. 1).
35
630
as linhas impressas dessa etiqueta, se lê, escrito a mão: “Este
livro pertence a Madelle de Selves.” Sobre a primeira página
branca do início, com uma caligrafia de criança: “Este livro
pertence a Emília rodat rodat (sic).” É certo que ela o utilizou
em Ginals.
I. Sagrada Escritura.
*BERTHIER (Guillaume-François). Les Psaumes
traduits en
français avec des notes et des explications. Paris, Mérigot le
jeune, 1785. HC; cf. L 273; 1. 89.
BONNETY. Vie de Notre Seigneur Jésus Christ. HC.
LHOMOND (Charles-François). Vie de Notre Seigneur Jésus Christ.
HC.
LIGNY (François de). Vie de Notre Seigneur Jésus Christ. HC; cf. L
574 e D 95 ( nº 41).
MÉSANGUI (François –Philippe). Vie de Notre
Seigneur Jésus
Christ. HC.
*OSTERVALD. Nouveau Testament. Paris, Smith, 1831.
Le Saint Roi David. Livro pedido com esse título na L 3; 1. 2.
* Le sens propre et littéral des Psaumes de David exposé brièvement
dans une nouvelle interprétation suivie, avec le sujet de chaque
Psaume. Nova edição, Paris, Hérissant, 1755.
* Idem. Treizième édition, Paris, Montallant, 1774.
- É certamente o que HC chama: Explication des Psaumes.
VENCE (Henri-François de). Bible. HC.
o noviciado das Escolas, foram substituídas por Irmã Joseph
Delcamp.”
(29) Basile Abbal foi superior-geral de 1846 a 1858. Nascido em
Labiras, paróquia de Mélagues(Aveyron) em 3 de março de 1799,
exerceu sucessivamente os cargos de Vigário de Gissac (1832), de
secretário e, em seguida, de vigário-geral (1840-1846). Algumas de
suas decisões fizeram sofrer Santa Emília (HC 1846, 1851, 1852);
contudo, prestou eminentes serviços à Congregação no plano
pedagógico em particular, no qual trabalhou em colaboração com
Irmã Angèle Pouget. (HC 1849-1852). Deu, igualmente, um vibrante
testemunho da santidade de Madre Emília numa carta endereçada a
Pe. Fabre, em 24 de junho de 1880 (DEc 16-29).
(30) Desde 1849, o superior-geral teve a intenção de redigir um
método para os professores e começou o trabalho. Seu Manuel
d'enseignement foi publicado em janeiro de 1850, com uma impressão
em trezentos exemplares por Prosper Dufour, em Villefranche. HC
1849-1850 V.i., terceira secção, nota da carta 192.
(31) Por exemplo, quando a maioria do Clero quis suprimir os
exercícios da Confraria de Nossa Senhora das Vitórias, praticados na
Capela do Convento, Madre Emília estava prestes a ceder, mas a
população de Villefranche, no seu conjunto, tomou o partido das
religiosas e enviou uma petição a Dom Croizier, que lhe deu uma
resposta favorável.
A propósito da devoção marial de Santa Emília, notemos que,
favorecida com graças especiais na compreensão do mistério da
Paixão, ela acolheu imediatamente a “mensagem” da Salete. Br 331332. v.i. segunda secção, II, nº 29.
(32) Para uma noção global do movimento missionário na França,
no século XIX, cf. DS V 988-991. A obra da Santa Infância tinha sido
fundada em 1843 por Charles de Forbin-Jeanson, bispo de Nancy
(1785-1844). HC 1852; Ms aut 46; L 214-215.
(33) O texto integral do Testamento Espiritual poderá ser lido na
segunda secção, III. Em 2 de março de 1852, Madre Emília escrevia a
Pe. Abbal: “Tenho a honra de lhe enviar uma cópia do Diretório. Se o
senhor o aprovar, desejamos fazê-lo imprimir. O Sr. Dufour só nos
pediu 120 francos para imprimir 350 exemplares.” HC 1852.
(34) CF 54
(35) Mais adiante, encontrar-se-ão duas “confissões” escritas por
Santa Emília, primeira secção, II, 7.
Numerosos relatos da doença e dos últimos momentos da
Fundadora nos depoimentos que foram conservados: CF 58ss.; DF
131 ss.; DL 179 ss., DA 64 ss.; DM por inteiro.
36
629
a solicitude dos fundadores em matéria de leitura. Quatro anos
mais tarde, em 27 de dezembro de 1828, Madre Emília escreve
de Aubin à Comunidade de Villefranche: “Irmã Louise, que
saúdo afetuosamente e que agradeço pelas notícias que me dá,
me pergunta qual o livro a ser lido durante as refeições. Se
houver alguma vida de Santo Inácio e da Santa Madre de
Chantal, seria bom fazê-lo. Poderiam ler igualmente a
explicação dos salmos de Berthier, um pela manhã, outro à
tarde. Será bom renovar-nos a respeito da atenção que devemos
dar à leitura às refeições” (L 273; 1. 89).
Quanto aos três livros pessoais de Santa Emília, eis sua
descrição sumária:
Imitação de Jesus Cristo. In-12 de 544 p. As quatro últimas
páginas dão as vésperas do domingo. As quarenta e seis
primeiras foram perdidas. De acordo com a linguagem e a
ortografia, parece ser uma edição do século XIX.
Les heures ou Ofíce de la sainte Vierge, à l’usage des Filles
de la Visitation. In-12 de XLIV-552 p. Falta a página do título,
mas o privilégio do rei data de 1676. Por outro lado, uma
etiqueta manuscrita, colada no interior da primeira carta, indica:
“As horas ou Ofício de Nossa Senhora ao uso das Filhas da
Visitação, impressas em 1726 e da qual nossa Venerável Madre
se servia habitualmente.” – A obra contém, além do ofício
propriamente dito, muitas outras fórmulas de orações, litúrgicas
ou não.
Petit Catéchisme historique. In-12 de 182 p. Mais uma vez,
a ausência da página do título não permite precisar o lugar e a
data da edição. Uma aprovação de louvor feita por Bossuet data
de 12 de maio de 1683. Apresentada do mesmo modo que a
obra precedente, uma etiqueta impressa diz o seguinte: “Nova
edição / Tomo 1 / Paris / em Pierre e François Emery / bairro
dos Augustins, na esquina da rua Gist-le-Coeur, ao Escudo de
França, M.DCCV.” Pode-se perguntar se essa indicação
convém ao livro que não parece comportar vários tomos. Entre
628
6º Autobiografia (A)
7º Manuscritos autográficos (Ms aut.).
Às vezes, restituímos o nome dos autores, a maior parte do
tempo omitido pela muito rudimentar lista de 1832. Nessa lista
e em outras, os títulos são muitas vezes mal escritos. Nós os
guardamos e sublinhamos. A casa geral de Villefranche ainda
possui alguns livros daquela época. Serão descritos com mais
detalhes, e seu título será precedido de um asterisco. Vários
desses livros não estão na lista de 1832.
Dentro dos quadros da classificação seguinte, a ordem
permanece puramente alfabética. A consulta a essa
nomenclatura bastante breve não apresenta dificuldades.
Algumas notas, entretanto, querem simplificá-la ainda. Foram
colocados entre colchetes os nomes das pessoas a respeito das
quais um livro foi escrito, ou foi feita alguma alusão. É claro
que, muitas vezes, Santa Emília só conhece um autor ou uma
obra de modo indireto, por alguns trechos.
De início, poderão ser lidas duas citações de interesse
muito geral, tiradas da correspondência; em seguida, a
descrição de três livros pertencentes a Santa Emília e
conservados, hoje, no seu quarto.
* * *
Uma carta de 24 de junho de 1824, escrita à superiora de
Aubin, Irmã Agathe Masbou, já prescreve: “Combinamos com
nosso Padre [Marty] que só poderíamos ler os livros indicados
no catálogo que lhe envio. Você tem razão ao pensar que estava
em falta por causa do que Irmã N. tinha lido. Devia consultar a
esse respeito. Essa querida Irmã correu grandes perigos” (L 95,
1. 29). A nomenclatura a que se refere Santa Emília não chegou
até nós. Essas linhas têm, pelo menos, o interesse de manifestar
PRIMEIRA SECÇÃO
___________
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
PESSOAL
de
SANTA EMÍLIA
APÊNDICE
__________
Anotações a respeito das leituras espirituais
das primeiras religiosas da Sagrada Família e da fundadora
Reunimos aqui os títulos de livros espirituais indicados nos
seguintes documentos:
1º L. AUBINEAU, Vie de la Vénérable Mère Emilie de
Rodat, 6ª ed., 1891, p. 96, nota 1: Lista dos “Livres de la
Visitation,” legados à comunidade por Agathe de Pomairols em
1819.
2º Histoire de la Congrégation – Para o ano de 1832, ela
faz um inventário sumário de bibilioteca, ao qual acrescenta
alguns títulos de livros adquiridos posteriormente (HC).
3º Dépositions de la Soeur Laurent Belloc, 114-115 (DL).
4º Conferências e Diálogos, cujas citações ou simples
alusões biográficas fornecem algumas informações (C e D).
5º Cartas, onde às vezes Santa Emília pergunta, julga,
aconselha (L; 1. designa uma carta da terceira secção).
39
626
AUTOBIOGRAFIA
___________
Os manuscritos atribuem a este documento o título
seguinte: Vida da Madre Marie-Guillemette-Emilie de
Rodat, fundadora da Congregação da Sagrada Família,
ditada por ela mesma a seu confessor.
As deposições de Pe. Fabre atestam que, desde 1843,
ele pediu à sua dirigida lhe confiar lembranças
autobiográficas, seja de viva voz, seja por escrito.
Pertencem a esta última categoria os textos intitulados:
Virtudes de seus pais (Ms aut 2-4; cf. A cap. 1 e 2);
Tentações (título dado ele também depois, Ms aut 5-7, cf.
A cap. 10); Narração dos pecados (Ms aut 7-9). Quatro
anos depois, em 1847, ele experimentou, sem dúvida,
lançar novamente uma comunicação que devia ser
bastante limitada e não terminar de fato senão nos
últimos dias da santa. O confessor escreve, com efeito, a
propósito do 7 de setembro de 1852: "Eu lhe perguntei
(ainda) se ela estava certa de não ter mais nada a me
fazer conhecer relativamente à sua vida que eu tinha
escrito ditada por ela havia cinco anos mais ou menos. A
Madre me respondeu que teria ainda muitas coisas a
dizer... Eu escrevi várias páginas ditadas por ela..." 1
Estas últimas confidências situam-se, pois, do 7 ao 11 de
setembro de 1852. Tudo convida a crer que Pe. Fabre se
mostrou um redator fiel. Entretanto, é preciso assinalar
desde agora que existem leves variações entre os
autógrafos mencionados acima e os capítulos que lhes
correspondem na Autobiografia.
Não possuímos as notas tomadas pelo capelão à
medida que Santa Emília prosseguia seu relato: entre
1852 e 1863, ele próprio as ditou à Irmã Marie-Séraphine
Tauriac. Ainda existe o caderno escrito então por ela. Ele
625
40
foi controlado por Pe. Fabre que uma ou outra vez apôs
sua assinatura e corrigiu com sua própria mão uma ou
duas expressões apenas. Esse caderno é, por isso,
considerado como o "autêntico" e serviu para a edição de
1958. No entanto, ele em nada difere daquele que
preencheu, sempre escutando Pe. Fabre, a Irmã MarieAurélie Baldeyroux, por volta de 1872. Ela diz a esse
respeito: "O que chamamos a vida da venerável Madre
Emília foi ditado por Pe. Fabre a duas ou três religiosas e
eu sou uma delas. As outras morreram" (Ms aut 14).
Quase todas as assinaturas de Pe. Fabre que figuram no
caderno precedente estão aqui reproduzidas, mas,
manifestamente, pela mão da escriturária.
O leitor encontrará em seguida o texto integral dessa
Autobiografia,
importante
do
ponto
de
vista
documentário e notável sobretudo no plano espiritual.
Para completar as informações relativas à cronologia e às
pessoas de quem ela trata, gostaríamos de nos reportar à
introdução e às suas notas. Observemos, definitivamente,
que a composição muito simples, o estilo "falado",
muitas vezes pouco elaborado, por vezes apenas correto,
fornecem uma garantia de autenticidade bastante séria.
Veremos aí de bom grado o sinal de um ditado muitas
vezes longamente interrompido. A afirmação de Pe.
Fabre no final do capítulo 15 parece inteiramente exata:
"Eu conservei, tanto quanto possível, a própria expressão
da qual se servia a serva de Deus. O que acrescentei foi
apenas para tornar mais claro seu pensamento."
________________
_________
(1) Cf. Br 315-384, AUB 362-404, e os discursos reproduzidos em
livros comemorativos diversos (v.s. bibiliografia).
Não tratamos, nele mesmo, do delicado problema das influências
literárias. A de São Francisco de Sales e da Visitação certamente é
fundamental. Contribui para dar seu caráter de benevolente doçura à
espiritualidade de Santa Emília, sem, entretanto, alegrá-la muito:
autores austeros (v.g. Rance, tradutores da Bíblia mais ou menos
“jansenistas”, etc.), com certeza desempenharam um papel eficaz (cf.
Apêndice). Aliás, Santa Emília sofreu bastante para, ao mesmo tempo,
irradiar a paz e estar desprovida de certas formas de contentamento.
(2) São CIPRIANO, Líber de bono patientiae III, Patrologia latina,
4, 623; MINUCIUS FÉLIX, Octavius XXXVIII, Ibid, 3, 357.
(3) M. BLONDEL, L’Action. Essai d’une critique de la vie et d’une
science pratique, Paris, Alcan, 1893, 476-477.
624
refletindo sobre problemas muito tempo negligenciados
por seus colegas, retomava com vigor as lições de uma
experiência espiritual cristã. Algumas de suas linhas
parecerão bem citadas aqui com a finalidade de
caracterizar esse gênero de “doutrina”:
“Não é necessário saber tudo o que se faz para fazêlo com conhecimento de causa. O pensamento eficaz
não é necessariamente um sistema completo de
abstrações analíticas... É uma síntese concreta que, em
cada disposição interior, pode resumir, na consciência,
todo o trabalho da vida... Mesmo sem ser acompanhada
de nenhuma justificação teórica, a ação carrega em si
uma certeza suficiente; constitui um método concreto; é
um experimento no sentido mais científico da palavra:
experimento rigoroso e demonstrativo que supre o estudo
especulativo, mas que nada pode suprir. O entendimento
confirma o método prático mostrando que nem precisa
ser confirmado. A conclusão de uma ciência da ação não
deve ser: “Eis o que precisa pensar, crer ou fazer”; o que
é isso? Deve ser agir de fato. Tudo consiste nisso, tudo.
“Assim o caminho direto é aquele que parte do ponto
a que o método indireto da ciência quer nos levar. Pois
não se trata de um problema a resolver, se possível, e
sim de um projeto a realizar se o quisermos: uma solução
é sempre inevitável, por isso é mais urgente prepará-la
do que prevê-la. Considerando esse fim necessário, a
previsão é facultativa, a preparação é obrigatória.
Preparar-se abrindo o caminho que não está feito de
antemão, agindo segundo a verdade antes de vê-la
claramente, enchendo-se de realidade para merecer a
luz, é a ciência sempre acessível e única indispensável
para quem não possui outra. A ascética é uma verdadeira
ciência e a única ciência da direção das consciências: ela
ilumina aqueles que nela se exercitam e lhes permite
esclarecer os outros pela perfeição de uma delicadeza
que dá a esse tato interior da prática toda a precisão da
vista.”3
41
CAPÍTULO I
Nascimento da Madre. Virtudes dos seus
antepassados e de seus pais
Nasci em 6 de setembro de 1787, no castelo de Druelle,
paróquia de Saint-Martin-de-Limouze, perto de Rodez,
Aveyron. Meus pais foram: Jean-Louis-Guillaume-Amans de
Rodat e Henriette de Pomairols.
Fui batizada no dia seguinte ao do meu nascimento, na
Igreja de Saint-Martin-de-Limouze. O Sr. Guillaume de Rodat,
meu avô, foi meu padrinho, e Marie-Marguerite de Pomairols,
minha avó, a madrinha.
Sou de uma família de santos. Se tenho algumas
virtudes, devo-as aos bons exemplos que tive sob os
olhos e à boa educação que meus pais me deram. O Sr. de
Ramondy, meu trisavô, natural de Najac, despojou-se de
seus bens em favor dos pobres, num tempo de fome. Os
habitantes de Najac votavam-lhe grande veneração.
Diziam aos seus filhos: "Quando passarem diante de casa
do Sr. De Ramondy, tirem o chapéu; é um Deus sobre a
terra."
A Sra. de Selves, minha bisavó e filha desse homem
de bem, foi digna herdeira das virtudes do pai; nela
residia o espírito de misericórdia. Levantava-se às vezes
da mesa para dar aos pobres o prato que lhe haviam
servido. Teria tirado o pedaço de pão da boca para lhes
dar. Todos os dias rezava o Ofício de Nossa Senhora. Sua
devoção era generosa, atraente e sem escrúpulos. Atenta
ao serviço da casa, vigiava tudo de forma que a mais
perfeita ordem reinava nos seus negócios e no seu lar.
42
A boa educação que ela tinha dado a minha avó,
sua filha única, comunicara a essa as virtudes das quais
ela própria era o modelo. Nossa Senhora a havia
conservado por um especial favor e ainda a conservou
depois de casada.
Eis como se passou isso: pouco depois do seu
casamento, minha avó adoeceu de varíola. Esteve tão mal
que ninguém esperava sua cura. Um dia, em que estava
pior, viram-na, subitamente, em grande agitação;
sobreveio abundante suor; julgaram que seu fim havia
chegado. Instantes depois abre os olhos e diz: "Estou
curada, dêem-me de comer." A primeira coisa que
encontraram ali foram umas amêndoas confeitadas que
ela comeu com satisfação. Afirmou, em seguida, ter visto
dois homens que a queriam carregar, quando, de repente,
uma bela dama apareceu e lhes ordenou deixá-la.
Essa visão inspirou-lhe terna devoção para com
a Santíssima Virgem. Em toda a sua vida conservou
preciosamente a lembrança dessa graça que várias vezes
me contou. Minha avó tinha sempre consigo uma imagem
de sua querida benfeitora e a olhava com amor. Como sua
mãe, ela rezava todos os dias o Ofício de Nossa Senhora
e era o amparo dos pobres e doentes que vinham pedirlhe remédios, pomadas preparadas por ela própria e que
Deus abençoava, pois, muitas vezes, os doentes ficavam
muito aliviados e mesmo curados.
Havia ainda na família dos Pomairols uma
jovem de nome Charlotte, considerada como santa. Muito
tempo após a sua morte, encontraram-lhe o corpo
perfeitamente conservado.
Minha avó paterna tinha grande espírito de fé.
Ela deixou sua paróquia de Saint-Martin-de-Limouze
porque aí havia um sacerdote intruso e retirou-se para a
de Ampiac.
Meu pai tinha duas irmãs religiosas de Nossa
Senhora em Rodez. Ele era extraordinariamente severo
623
Com certeza, não a encontraremos na originalidade
de uma intuição ou de uma síntese dogmática nova, nem
mesmo numa invenção institucional no estabelecimento
ou na manutenção dos “dois ramos”. Porém, é preciso
destacar o sentido profundo dessa disposição: por meio
de dois estilos de vida distintos, ela expressa a
complementaridade das duas funções que a caridade
coordena em toda existência cristã. De um lado, a função
“individual,” ora ascética, ora contemplativa passiva;
numa palavra, o momento de inspiração animadora, a
solidão com Deus no deserto. Por outro lado, a função
“social”, ministerial, benfazeja e apostólica: desabrochar
concreto do gesto animado pela graça, expressão para o
outro da palavra que ela sugere.
O ritmo – sempre ameaçado, instável, sujeito à
perfeição – dessa complementaridade dinâmica é função
da viva caridade “que passa antes de tudo”. É bem por
isso que Madre Emília tantas vezes a recomenda em
suas exortações, conversas, cartas e, finalmente, em seu
testamento espiritual, exaltando, logo depois, o próprio
amor de Deus, a união no seio do Instituto e das
comunidades que o compõem. Por isso, igualmente,
quando se refere a determinações mais particulares, ela
insiste, sem ser exclusiva, ora sobre a vida orante e
oculta, solitária e penitente, que tem seu exemplo ideal
no lar de Nazaré, em seguida na Paixão de Nosso
Senhor, ora, sobre a vida de dedicação, entregue aos
serviços que aliviam e trazem a paz àqueles que podem
ser atingidos de imediato, num mundo que aspira à
redenção.
Em última análise, o ensinamento de Santa Emília
encontra-se sobretudo no exemplo de sua vida e na sua
inspiração carismática de fundadora, aliás parecida com
outras. “Christiani non magna loquuntur, sed vivunt”,
escrevia São Cipriano, retomando uma palavra de
Minucius Félix, muitos séculos antes da Santa. Quarenta
anos após a morte de Madre Emília, um filósofo,
622
irrevogável determinação que jorra em 1815: “Serei a
educadora dos pobres”, prolifera em uma imprevisível
seara de realizações: obras e serviços nos quais a
beneficência corporal se associa ao ministério da
consolação moral e sobrenatural. Essa determinação
manifesta, sobretudo nos últimos tempos, o zelo
missionário da propagação da fé no meio dos pagãos. É
em vista disso que, durante doze anos, o Senhor
concedeu cada dia a Santa Emília o perdão sacramental,
dando-lhe a paz que vai além dos sentimentos.
Enfim, da mesma forma que o serviço exercido pelo
Cristo atiçava o furor do adversário e suas perseguições,
assim também, em muitas ocasiões, aconteceu com a
dedicação da fundadora. Várias de suas tentações e
angústias podem, sem dúvida, ser atribuídas à inveja do
demônio, assim como certas dificuldades no momento da
abertura de novas casas. Ao longo do caminho em que
avançava fazendo o bem, apareceram pessoas com má
vontade declarada ou disfarçada. Mais misteriosas e
dolorosas foram as incompreensões e dureza de quem a
cercava, e quem em certos momentos tomava uma
inexplicável posição contra a Madre.
Isso, para ela, constituía uma forma bem real de
“perseguição”, sem causa, sem que o menor desvio
mórbido a aumentasse. Esses procedimentos só fizeram
suscitar o aniquilamento e o perdão. Esse revelou-se
fecundo, levando a maior parte dos culpados a
reconhecerem a paciência de Deus manifestada em sua
serva.
Não pretendemos ter esgotado, nestas linhas, uma
descrição da perfeição espiritual de Madre Emília; seus
biógrafos e panegiristas abordaram o assunto em outros
pontos talvez mais sugestivos. Aliás, pode-se falar de
uma “doutrina espiritual” que lhe seria própria?
43
quanto à moral; grande era a sua retidão de caráter.
Jamais contrariou na mínima coisa minha vocação. Na
velhice converteu-se e praticou muitas virtudes com
grande zelo. 2 Minha irmã Eléonore era também um
modelo de virtude. Seus exemplos me impressionavam
durante a época de minha tibieza e, quando me converti e
me entreguei à prática do bem, notei que ela era muito
mais piedosa do que eu.
CAPÍTULO II
Infância de Madre Emília. Primeira Comunhão.
Elevada por Deus a sublime grau de oração3
Quando tinha apenas dois anos, minha avó levou-me
para Villefranche. Logo que atingi a idade da razão,
ensinou-me a amar a Deus. Uma de minhas tias, religiosa
Visitandina, prodigalizou-me juntamente com ela, os
mais
ternos
cuidados.
Ambas
vigiavam-me
alternadamente, mas, de modo tão suave, que eu me
sentia bem sob essa vigilância, apesar de muito contínua.
Elas não queriam perder-me de vista. Se me
encarregavam de um recado, recomendavam-me que
voltasse logo. Não me deixavam ir só à cozinha. Em
lugar de me imporem alguma coisa, quando queriam
obtê-la de mim, insinuavam-me, faziam-me desejá-la.
Quando eu cometia alguma falta, não me repreendiam
nem mesmo me castigavam. Não me lembro de haver
sido alguma vez punida; entretanto, nada toleravam
contra os meus deveres: um aviso ou simplesmente um
olhar era suficiente para que eu reconhecesse minhas
faltas.
Quando muito pequena, tinha o defeito de amuar-me;
ia-me colocar no ângulo de uma janela; então, minha avó
dizia-me: "Emília, vem cá, perto de mim." Quando eu
satisfazia seu desejo, ela acrescentava: "Olha para mim.
É preciso sorrir." Eu emperrava, mas ela persistia até que
44
meu rosto se tivesse desenrugado e retomado seu aspecto
comum. Era chorona: suavemente ela trabalhou para
corrigir-me desse defeito; exigiu que me confessasse
dele, o que muito me custou. Foi preciso que ela me
conduzisse ao confessionário. Concedia-me as pequenas
satisfações próprias de minha idade e me formava pouco
a pouco para coisas mais sérias. Quando fiquei maior, ela
controlava muito minhas leituras. Meu tio tinha
romances: a entrada em seu gabinete me foi proibida.
Um dos principais cuidados de minha avó era o de
inspirar-me, em qualquer ocasião, a mais perfeita
modéstia: de pé ou deitada, era preciso que meu corpo
tivesse uma posição e movimentos corretos. Nos jogos e
nos brinquedos, ela exigia de mim a mesma atenção.
Formava-me um critério sólido e sentimentos delicados.
Chamava-me a atenção para qualquer falta contrária às
boas maneiras. Quando eu fazia o bem, recompensava-me
com um olhar amável, com um gracioso sorriso. Minha
tia fazia a mesma coisa e eu ficava mais satisfeita com
isso do que se me tivessem dado um prêmio.
À tanta doçura minha avó unia grande firmeza
quando isso era necessário. Quando me dava uma ordem,
eu tinha de executá-la; se replicasse, ela esperava, mas
tinha de fazer o que ela ordenara. Eu era preguiçosa:
minha avó esperou pacientemente que a idade me fizesse
conhecer o valor do trabalho. Eu era também muito
exigente quanto à alimentação, não podendo decidir-me a
comer uma grande quantidade de comidas de que não
gostava. Ela pensou que apenas a razão me faria vencer
minhas repugnâncias, o que aconteceu efetivamente.
Minha tia dava-me tarefas escolares e de modo que eu
as fizesse com satisfação. Se queria que eu lesse um
livro, inspirava-me o desejo dessa leitura. Era a mesma
coisa para o estudo. Gostava de surpreendê-la fazendo
mais do que ela me mandara. Tomei tal gosto pelo estudo
e pela leitura que não podia me saciar. Era um pouco
curiosa e queria tudo compreender. Sobrecarregava com
621
vestígios e as semelhanças com o Senhor, no mundo
que ele restaura em si mesmo.
Bem-aventurança da pobreza. Sabemos com que
rigor a jovem, antes mesmo de sua entrada na vida
religiosa, partilhava a condição dos pobres no que diz
respeito à habitação, ao alimento, ao vestuário, etc. E
sempre foi assim: sua devoção para com São Bento
Labre ou Santa Germana Cousin manifestava uma
disposição interior. Sua cela, sem dúvida, permaneceu
uma das mais despojadas do convento, os cortes de tudo
que pode favorecer o bem estar se revestem um caráter
inimitável, mas desafiam as críticas do bom senso
limitado. As doenças freqüentes não a deixaram agir
livremente. Espontaneamente e devido a circunstâncias
diversas, teve de renunciar às riquezas da cultura e
permanecer num nível de vida médio. Geradora de
humildade, essa pobreza real vivida em pleno
consentimento de espírito lhe dava uma posse
antecipada do Reino. Vemos isso no modo muito simples
com que tratava de todas as coisas com Deus, com a
Sagrada Família e com a Igreja do céu; pelos prodígios
materiais realizados; mais profundamente, pela discreta
influência que exercia sobre as almas, abrindo-as à
soberania do Senhor e ao desejo dos bens messiânicos.
Dessa maneira, sua pobreza desabrocha na esperança e
num total abandono à Providência. Quer se trate dela
mesma quer de seus empreendimentos, após ter feito
tudo para um bom resultado, apoiada em Deus, ela lhe
confia, com um coração filial e sem preocupações vãs,
um sucesso que não depende mais de suas atividades.
Livre das reivindicações da cupidez, aquele que vive
a familiaridade com Deus só pode irradiar a misericórdia:
assim, em Santa Emília, os progressos da
desapropriação intensificam a ação e a paixão em vista
do alívio dos outros. Sua inteligência cordial adivinha e
assume seus sofrimentos. As religiosas podiam falar com
ela a qualquer hora e confiar à sua compreensão
problemas até mal confessados ou explicitados. A
620
Quando evoca a sua infância, denuncia um amorpróprio sombrio e susceptível, mas a firme educação
recebida em Ginals ameniza um pouco as asperezas de
seu caráter: sempre terá de deplorar seu orgulho. Fica
bem claro que a excepcional luz infundida por Deus devia
pôr em relevo os sobressaltos desse defeito comum a
todos nós, tanto mais que Emília era inclinada a fazer
uma introspecção analítica, sem dúvida excessiva. Um
pouco de pessimismo ou, pelo menos, uma certa
desconfiança em relação a certos valores naturais e
humanos se desenvolveu em razão desse fechamento e
de influências religiosas ou culturais exteriores. Várias
faltas acusadas pela Santa se compreendem melhor se
se toma em consideração uma habitual hipotensão vital
compensada, só em parte, por sua energia moral.
Entretanto, seria totalmente errado explicar com isso
todas as modalidades de sua mortificação ou de suas
angústias interiores. O caráter e a saúde frágil, com
certeza, as condicionaram. Sua causa verdadeira é de
ordem espiritual e sobrenatural.
“Bem-aventurados
os
corações
puros...”
A
autenticidade e exclusividade do amor que dedica a Deus
em Jesus Cristo aparecem nos sacrifícios que aceita:
separação dolorosa – ela não esconde – dos laços da
família; renúncias necessárias para salvaguardar a
universalidade assim como a intensidade de sua afeição
para com suas religiosas: nesse ponto, igualmente,
afirma ter travado duros combates. Essa purificação
ativa, aliás em relação aos acontecimentos, é
acompanhada de uma purificação passiva da qual o
décimo capítulo da Autobiografia só pode dar uma idéia
incompleta. Na privação quase contínua dos sentimentos
unida habitualmente, às virtudes teologais, ela atinge
uma muito humilde familiaridade com Deus. É assim que
em sua própria noite ela pode “vê-lo”, não só quando um
raio de luz rasga, por um instante, as trevas mas ainda
em virtude de uma perspicácia superior que discerne os
45
perguntas a minha avó. Essa alimentava minha ardente
curiosidade com boas leituras. A da vida dos santos me
comovia muito. Queria seguir-lhes as pegadas e imitar
todos os exemplos de virtudes que eles deram.
A Sra. de Selves, mãe de minha avó, vivia conosco.
Embora estivesse caduca prestou-me grandes serviços.
Durante toda a vida havia praticado eminentes virtudes,
cujo exercício ainda conservava, apesar de ter perdido
uma parte da razão. Eu digo uma parte porque, nas coisas
de Deus, ela não dizia tolices.
Continuamente voltada para Deus, orava sem cessar.
Enferma, não podia trabalhar mas recomendava-me
incessantemente que eu mesma o fizesse. Comprazia-me
em lhe fazer companhia e ouvi-la rezar com fervor por
toda a família. Dizia muitas vezes: "Meu Deus, quando
vos verei face a face sem receio de perder-vos? Querer o
que Deus quer é a única coisa que nos pacifica", dizia ela
ainda muitas vezes, bem como outras aspirações
inflamadas.
Ela me amava muito e creio dever às suas orações
uma parte das graças que Deus me concedeu. Ela tinha
obtido esse grande fervor por uma vida plenamente
virtuosa, uma paciência que nem as injúrias nem os maus
tratos podiam alterar, uma humildade profunda que a
mantinha sempre em seu nada. O seu desapego era tão
grande que não queria mesmo se fizessem mais roupas
para si. Dizia que não era necessário, pois morreria logo.
Desfizera-se até de sua aliança.
Minha avó, como já o disse, era a perfeita imitadora
das virtudes da Sra. de Selves, sua mãe, e os bons
exemplos que ambas me davam me comoviam
profundamente. Minha avó morreu numa velhice feliz.
Ela temera muito a morte durante toda a vida e, quando
chegou o momento, suas apreensões transformaram-se
em doce confiança. Viu chegar a morte com uma
profunda paz. Ela mesma preparou as bolas de algodão
que deviam servir para lhe administrar a Extrema-Unção.
46
Volto a falar dos meus defeitos, pois devo acrescentar
àqueles de que já falei, que o amor próprio e o orgulho
manifestavam-se em todas as ocasiões.
A mínima falta de consideração feria-me, tornava-me
às vezes mal-humorada. Queria ser respeitada. Um dos
meus priminhos quis uma vez beijar-me; repeli-o logo
com um tapa. Fiz isso com um movimento espontâneo e
natural, sem nenhuma malícia, pois não era maliciosa.
Achavam que eu era mansa. Jamais me queixava, exceto
quando me ameaçavam de revelar meus defeitos ao
confessor; então, murmurava. Amava a verdade. Jamais
menti.
CONCLUSÃO
Caiu-me nas mãos um cântico que produziu em mim
um recolhimento profundo e admirável. Começava a
amar a Deus de todo o meu coração, embora quase não o
conhecesse, pois minha inteligência não estava ainda
desenvolvida. Rezava com fervor, pois Deus já me havia
dado aquele ardor que faz encontrar verdadeira satisfação
na prática do bem. 4
Ao término dessas páginas nas quais foi Santa
Emília, sobretudo, quem falou, gostaríamos de destacar
alguns aspectos de sua pessoa e de seu ensinamento.
Amava muito os pobres e dar-lhes esmola era para
mim real contentamento. Conhecedora do meu atrativo,
uma moça piedosa, de nome Marianne Gombert, 5
costureira, levava-me às vezes com ela para visitá-los.
Dava-lhes o dinheiro que possuía.
Um dia, após haver esvaziado minha bolsinha, estava
desolada por não ter mais nada para dar. Disse-o a meu
avô, pois era ele que ordinariamente a enchia. Vendo
minha dor, deram-me mais dinheiro que fui distribuir na
companhia de Marianne. Tínhamos um escudo (três
francos), visitamos vinte doentes e não demos a cada um
menos de trezentos réis; a diversos, quatro e mesmo
cinco. Quando terminamos a distribuição, a bolsa que eu
própria levava e na qual não havíamos posto senão três
francos ainda não estava vazia. Verificando essa
multiplicação, Marianne exclamou: "Providência!" Essa
moça piedosa fora abandonada por seus pais e,
__________
Se considerarmos a “natureza” com que a divina
Providência a dotou, percebemos talentos muito
apreciáveis ao lado de fraquezas e fragilidades que
faziam apelo à solicitude do Senhor. No aspecto
intelectual, Emília é, certamente, bem privilegiada. Desde
a infância, manifesta gosto e facilidade para o estudo.
Mais tarde, sofre por não poder ler por causa da doença.
Por um lado, esta inteligência parece ser mais positiva,
prática e organizadora do que especulativa. Madre Emília
dará provas disso por sua maneira de governar e de
administrar. Os contemporâneos lhe reconhecem um
realismo feito de intuição, de imaginação criadora, de
larga visão e prudência. Uma vez religiosa, nada fez para
aumentar, por simples curiosidade ou por orgulho, uma
instrução bastante elementar. Seu constante amor à
natureza revela finalmente as felizes disposições de seu
gosto. Os dons afetivos harmonizam-se nela com os do
espírito e a aptidão para realizar. É profundamente boa e
simpática, sabe dedicar-se e entrar em comunhão com o
outro com retidão.
618
47
entretanto, tratou deles com carinho quando ficaram
velhos. Os pobres veneravam-na.
Com onze anos de idade, fiz a primeira comunhão na
capela do castelo de Ginals, um dos domínios da família
de Pomairols, para onde nos tínhamos retirado durante a
tormenta revolucionária. Não pude preparar-me bem para
esse grande ato devido ao deplorável estado de época,
mas estava revestida de inocência. Tinha tão pouca
compreensão que, voltando da mesa da comunhão, me
surpreendi a brincar com os dedos.
Digo isso para que as pessoas escrupulosas não
acreditem que tudo está perdido quando uma criança
ainda é irrefletida na época de sua primeira comunhão.
Se ela é inocente, Deus mesmo se colocará no seu
coração e agirá nela como fez comigo. Ele se apoderou
de todas as faculdades de minha alma e logo me senti
atraída pelo santo exercício da oração mental. Deus a
fazia em mim e eu encontrava tanto gosto nesse santo
exercício, experimentava nele tanta consolação que não
posso falar disso sem chorar.
Todas as noites, retirava-me ao quarto em que morreu
a Sra. de Selves, minha bisavó, e ali, naquela penumbra
favorável, entretinha-me suavemente com Deus, meia
hora, às vezes uma hora, conforme o atrativo que sentia.
Ninguém sabia o que eu ia fazer ali; percebia, contudo,
que meus pais estavam contentíssimos vendo-me tão
piedosa.
Gostava de contemplar os encantos da natureza, de
meditar no campo à margem de um riacho. Apreciava
muito a leitura e entregava-me a ela com ardor. Não
tinha relações a não ser com os meus parentes e com a
família Dulac que era inteiramente patriarcal e cujos
membros cumpriam fielmente seus deveres de cristãos.
Havia nessa família uma jovem muito piedosa, mais ou
menos da minha idade, éramos muito amigas e íamos
passear juntas comentando nossas piedosas leituras.
Considerava todos os rapazes como meus irmãos e não
48
617
suspeitava que com eles se pudesse praticar algum mal.
Inscreveram-me na confraria do Santíssimo Rosário.
CAPÍTULO III
Na idade de 14 anos, a Madre abandona o santo
exercício da oração mental.
Passa dezoito meses em estado de tibieza.
Perigos a que fica exposta; proteção da divina
Providência
Tinha eu cerca de 14 anos quando, um dia, rezando,
fazendo a meditação no quarto onde morrera minha avó,
a Sra. de Selves, de quem já falei, senti um desses
pavores infantis: julguei revê-la e saí correndo daquele
aposento e não tive mais coragem de retomar o santo
exercício da oração mental.
Logo que abandonei esse exercício, comecei a relaxar
nas minhas confissões. Meu diretor, percebendo que eu
decaía, recomendava-me que pedisse fervor a Deus.
Determinou que comungasse de quinze em quinze dias.
Isso me sustentava um pouco. A diminuição do fervor ia
sempre crescendo e logo foi rápida.
Deixamos Ginals e voltamos para Villefranche. No
começo, a permanência na cidade não me agradou; achei
porém, aí, amigas virtuosas, o que mitigou um pouco
meu aborrecimento. Às vezes visitava os pobres, mas, na
prática do bem, temia ser inspirada por motivos humanos
e, depois, queria evitar parecer piedosa. Escondia-me de
meus pais para cumprir os exercícios de piedade. Meu
confessor disse um dia a alguém que, se eu me desviasse,
iria longe.
Estava lendo, uma noite, perto de uma mesa, quando
ouvi a voz do meu avô, recentemente falecido, que me
chamava. Levanto-me, olho em torno e nada vejo. Não
senti o mínimo pavor. Gostava de Henri de Grammont,
– 196 (1) A confiança não é idêntica à esperança teologal. Parece,
porém, que do ponto de vista psicológico (e, por conseguinte, no nível
em que evolui o “discernimento dos espíritos”), ela constitui seu
aspecto “formal”. É por ela que os elementos personalistas essenciais
à esperança teologal são postos em evidência. Cf. J. de GUIBERT,
Etudes de théologie mystique (Toulouse, 1930), 241-248; DS II 14051412, IV 1215-1222; Ch. A BERNARD, Théologie de l’espérance
selon saint Thomas d’Aquin (Paris, 1961).
– 203 (1) Trata-se de Irmã Philippine Vacquié, superiora em
Figeac de 1846 a 1851. Sua irmã, destinatária dessa carta, a sucedeu
por longos anos (1851-1878).
– 204 (1) Permanece difícil determinar quem teve a iniciativa das
representações teatrais. Certamente não foi Pe. Abbal que as recusa
com vigor (cf. 1.206). Com certeza foi um costume que veio aos
poucos. A desconfiança extrema de Santa Emília pode se basear na
opinião sustentada por Bossuet em suas Maximes et réflexions sur la
comédie (9 de maio de 1694). Porém é preciso lembrar que essa obra
severa fica um pouco falsificada pela polêmica contra Pe. Caffaro. Por
outro lado, o ambiente de uma representação feita num internato
difere essencialmente da de um teatro propriamente dito.
– 207 (1) Talvez a destinatária dessa carta seja Irmã Françoise
Pascal, uma vez que sua atitude para com Santa Emília logo ficou
estranha durante o tempo em que foi ecônoma geral em Villefranche
(1846-1851). Cf. nota 9 da Introdução.
Em 1851, é nomeada superiora em Aubin e encontra dificuldades
com o espinhoso assunto de Irmã Augustine Carles, que devia em
breve deixar a Congregação.
– 208 (1) Sem dúvida, trata-se da entrega de um boletim da Santa
Infância. As cartas seguintes mostrarão com freqüência o interesse de
Madre Emília para com essa obra. Cf. introdução, p. 22 e nota 32; l.
214, 215.
– 217 (1) O “gênero literário” das circulares necrológicas pode
parecer, por vezes, ligeiramente artificial. Entretanto, deve-se
observar que Madre Emília, pelo menos uma vez, ousou falar de uma
religiosa pouco edificante (l. 104). Aliás, esse gênero tem a vantagem
de manifestar a vitalidade espiritual de uma comunidade, com
simplicidade e de um modo muito concreto.
___________
616
O Pe. Abbal, em sua correspondência, dava muitos conselhos dos
quais damos algumas amostras (sempre baseados em HC 1850):
“Gostaria que alunas e professoras tivessem, em sua casa, tantas
horas para trabalhar sozinhas quantas existem nos colégios públicos.
Gostaria que as mestras pudessem, cada ano, fazer os mesmos
progressos que suas alunas e, por conseguinte, tivessem muito tempo
livre... Quase todas, seja por gosto, seja por virtude, aproveitem as
horas preciosas que lhe são deixadas para cultivar o espírito...
Gostaria, confesso, nunca escutar expressões proibidas pela
gramática. Uma mestra, e sobretudo uma mestra religiosa, deve ser
irrepreensível em sua linguagem, em sua caligrafia, em suas maneiras,
tendo a certeza de que suas faltas causarão prejuízo a toda a
Congregação... O tempo de aula deve ser mais curto do que o tempo
de estudo... O movimento é quase tão necessário às meninas quanto o
ar puro. Gostaria que a proibição de ficar em repouso durante o
recreio fosse tão severa quanto a de dançar durante as aulas”(16 de
outubro de 1850).
“Que todas as lições sejam redigidas pelas alunas. Os cadernos
são examinados pela mestra uma vez por semana, pela inspetora
quando passar, e publicamente, por ocasião dos exames de fim de ano
escolar... Que os deveres sejam conforme à capacidade das alunas”(22
de outubro de 1850).
“Que as Irmãs sejam bem persuadidas de que, para serem
abençoadas por Deus e pelos homens, devem ser santas e fazer com
que suas jovens alunas se tornem boas cristãs... Que respeitem a honra
de suas alunas” (6 de novembro de 1850).
“Desejaria que, nos exames públicos, as alunas mais aplicadas
pudessem responder sobre todo o Catecismo. Em todos os tempos e
principalmente em nossos dias, devemos dar grande importância à
nossa religião”(1851)
Dados objetivos, talvez pessimistas demais, a respeito da
insuficiência do ensino dado na França pelas escolas católicas, no
início do século XIX, foram apresentadas por ª DANSETTE, Histoire
religieuse de la France contemporaine, Paris, Flammarion 1948, t. 1,
202, 242, 273, 318-319. Com a Lei Falloux e os esforços intelectuais
da elite do Clero, progressos foram realizados em diversos setores, cf.
A.LATREILLE, J.R. PALANQUE, etc..., Histoire du catholicisme en
France, Paris, Spes, t. 3, 1962, 321-347; R. AUBERT, Le Pontificat
de Pie IX (1846-1878), Paris, Bloud e Gay, 1952, 118-121. DS V,
963-966; 985-986.
49
meu parente, como de um irmão e nada fiz com ele que
pudesse desagradar a Deus.
Em fevereiro de 1803, realizou-se o casamento de Sr.
de Pomairols, meu tio, com a senhorita de Villefranche.
Fui assistir às núpcias. Durante o banquete, recebi um
pequeno elogio que me agradou: acharam-me espirituosa.
Percebendo que certa perturbação se apoderava de meu
espírito, tranqüilizei-me dizendo: Deus me guarda. Agia
com tanta simplicidade que acreditei, efetivamente, que
Deus me preservaria de todo mal.
Fiquei uns instantes sozinha com Henri de
Grammont, meu parente, a quem dei o braço para o
passeio. Fiz isto tão inocentemente que não tive a idéia
de que alguém pudesse censurar-me.
À noite, minha avó disse-me que eu tinha me
comportado bem; entretanto, foi nessas núpcias que
tomei gosto pelas "toilettes" mundanas, o que não era um
crime. Gostava de trajar com elegância, mas sem
pretensão e sem más intenções. Passei a quaresma inteira
sem comungar. Na Páscoa, meu confessor repreendeu-me
fortemente, por causa de uma pequena maledicência.
Depois da quaresma, voltei para Ginals com minha
avó e os recém-casados. Meu gosto pela "toilette"
aumentou. Agradava-me a convivência das damas que
vinham visitar minha jovem tia. Queria imitá-las no
timbre da voz. Senti nascer em mim, sem o perceber, um
pouco de afeição por M. de Lastic, mas ele partiu logo e
acabou-se.
Encontrei alguns livros maus. Comecei a leitura de
um intitulado: "Mœurs et coutumes des pays". 6 Lendo-o,
eu chorava. Minha avó o arrancou das minhas mãos antes
que eu tivesse encontrado algum trecho perigoso. Lia
todos os dias um formulário com as orações da Missa,
mas tinha cuidado de procurar os mais curtos. Permaneci
em Ginals durante todo o verão, sem comungar. Só
pensava em coisas mundanas.
50
Minha avó, que na juventude se sentira atraída pela
vida religiosa, quando enviuvou e casou os filhos,
sonhou em recolher-se à casa da Sra. Saint-Cyr, onde
viviam várias religiosas de congregações diferentes, que
foram obrigadas a deixar seus conventos na época da
Revolução. Essas religiosas viviam sob o mesmo teto,
seguindo cada uma a própria regra. Minha avó
manifestou-me seu desejo e me convidou a segui-la. O
interior de um convento causava-me horror. Não gostava
de religiosas nem de beatas. Recusei-me a aceitar o
convite.
Ela me disse então que seria preciso voltar para
minha família. A solidão de Druelle era-me tão
desagradável quanto o convento. Teria gostado de ficar
com minha tia que me amava muito, e a quem, por minha
vez, eu amava ternamente. Minha avó opôs-se a isso de
maneira formal e compreendi que era preciso obedecer
como quando era pequena. Chorei muito. Foi, até então, a
maior dor que tive. Enfim, decidi-me a deixar minha avó
e minha tia. Parti para Druelle no fim do verão. Tinha
cerca de dezesseis anos.
Meu pai e minha mãe, que eram de costumes muito
austeros, exerceram sobre mim a mais estrita vigilância.
Não me consentiam sair sozinha e me observavam
continuamente.
Após dois ou três meses de permanência em Druelle,
fui a Marcillac, à casa do Sr. de Bussy, 7 meu tio. Ali
encontrei, por ocasião de umas núpcias a que assisti, os
mesmos perigos já encontrados nas do Sr. de Pomairols e
me expus a eles sem precaução alguma. Cheguei a tomar
parte em uma dança, certa de que nisso nada havia de
culpável. Ignorava absolutamente os perigos do meu
caminho e entregava-me sem remorso às inclinações
naturais do meu coração que, aliás jamais me levaram a
ações pecaminosas.
Deus me atingiu enviando-me um enfraquecimento
físico, o que me causou grande despeito. Não queria
615
2º – Após ter feito a oração vocal, tomando a intenção de ganhar
todas as indulgências possíveis durante o dia e que, só por sérios
motivos, deixarão de fazer, meditarão um quarto de hora ou pelo
menos dez minutos.
3º – Farão todo o possível para assistir cada dia à santa missa,
como homenagem de ternura ao Coração de Jesus.
4º – Em qualquer situação, é preciso trabalhar. É uma
necessidade e um dever imposto a toda criatura, desde que o pecado
entrou no mundo; e infeliz daquela que vive na ociosidade. Antes do
trabalho, terão o cuidado de oferecê-lo a Deus.
5º – Na medida do possível, sem faltar com seus deveres, farão,
todos os dias, a visita ao Santíssimo Sacramento; utilizarão o livro tão
piedoso de Santo Ligório.
6º – Cada dia rezarão duas dezenas do terço e, no domingo, três.
7º – As que tiverem tempo, farão todos os dias pelo menos dez
minutos de leitura espiritual.
8º – Depois da oração da noite, farão pelo menos três minutos de
exame, renovarão seu ato de contrição. É o momento de ler o assunto
da meditação do dia seguinte. Terminarão com três Ave-Marias.
9º – Ao se deitarem, tomem água benta e joguem-na sobre a
cama, em forma de cruz. A hora do deitar deve ser determinada como
o é a do levantar.
10º – Vocês se confessarão a cada quinze dias e comungarão
tantas vezes quantas o seu confessor o permitir. Vivam de modo que
possam merecer aproximar-se desse adorável Sacramento.
11º – Uma vez por mês, por ocasião do retiro, levarão esse
regulamento, e prestarão contas a seu confessor do modo como o
terão vivido.
12º – Todos os anos haverá três dias de retiro. As que tiverem
sido membros de uma das Congregações estabelecidas na
Comunidade terão o direito de entrar na clausura. Nessa época, será
feita a revisão do ano.
51
614
8h30 - Aula até 5 para meio-dia
Meio-dia: Almoço – Recreio
1h30 - Aula até 7h, com intervalo às 4h.
7h - Oração – 2 dezenas do Terço – Leitura espiritual – Exame
7h30 – Jantar – Recreio
9h - Deitar
Eis alguns dos livros adotados para essa classe:
Histoire de l’Eglise (de Lhomond);
Ancien Testament (de Mésangui) ou Bible (de Royaumont);
Civilité des jeunes personnes (de J.B. Chantal);
Paroissien ou Formulaire de prières (para a leitura do latim);
Choix de 50 sortes d’écritures (Hachette);
Catéchisme du Diocèse; e de Persévérance;
Histoires diverses: sainte, ecclésiastique, ancienne, romaine (de
Loriquet); du Bas-Empire (Sarion); du Moyen-Age et Moderne
(Rendu); de France (a Sra. de Saint-Ouen); Naturelle (F.P.B.);
Mythologie à l’usage des Maisons d’Education;
Géographies (de F.P.B.); ancienne (de Lefranc); Atlas diversos;
Grammaires et Exercices orthographiques (de F.P.B.);
Cacographie et Cacologie (de Boinvilliers);
Analyses logique et grammaticale (de Noël e Chapsal);
Arithmétiques (de F.P.B.);
Littérature (de Pe. Gomien);
Abeille du Parnasse; Abeille poétique; Narrations (de Filon);
Fables choisies (de Fontaine, Florian, Pe. Reyre).
A lista dos livros destinada às outras classes é mais ou menos
idêntica.
O Manual conclui assim:
“Que as Irmãs da Sagrada Família estejam persuadidas de que,
para serem abençoadas por Deus e pelos homens, elas devem ser
santas e fazer com que suas alunas se tornem boas cristãs.”
Junto ao Manual está um Regulamento para o tempo das férias,
ou para o término dos estudos. Bastante exigente, vale a pena
reproduzi-lo como documento e porque pode trazer sugestões ainda
aceitas hoje:
1º – Todos os dias vocês se levantarão numa hora determinada:
por exemplo, no verão, às seis horas da manhã, e às sete horas, no
inverno. Oferecerão o coração a Deus, após ter feito o sinal da cruz.
Levantem-se sem demora e rezem o Lembrai-vos, etc., enquanto se
vestem.
perder os encantos da minha idade juvenil. Sentia-me
humilhada ao ver que meu espírito não era mais o
mesmo. Voltei para casa doente. Meu pai vigiava minhas
leituras. Passei todo o inverno doente e triste. Vomitava
continuamente. O médico, não encontrando remédio; quis
esperar a estação primaveril para iniciar meu tratamento.
Ordenou-me passeios a cavalo. No fim do inverno,
recuperei a saúde e não me lembrei de agradecer a Deus,
nem de me converter.
Esqueci-me de dizer que na casa do Sr. de Bussy,
meu tio, experimentei novamente outra afeição por um
jovem cavalheiro, mas ele deixou logo a região e tudo
terminou. Durante esses dezoito meses de tibieza,
confessei-me e comunguei apenas quatro ou cinco vezes.
CAPITULO IV
Mudança ocorrida na Madre por ocasião de um
jubileu. Deus lhe outorga todas as virtudes.
Sua correspondência à graça divina
Uma vez restabelecida, como acabo de dizer, nem
pensei em agradecer a Deus. Fiz mesmo a Comunhão de
Páscoa sem advertência alguma de minha consciência.
Na festa do Corpo de Deus, era o ano de 1804, por
ocasião do Jubileu, confessei-me a um sacerdote piedoso
e zeloso. De súbito, compreendi claramente meu estado
de tibieza e ressuscitei sem combate algum, sem
sofrimento. Fiquei desolada por ter passado tanto tempo
longe de Deus, mas essa amargura era suave, pois Deus
me cumulava de graças e inundava de consolação a
minha alma.
Ficava tão penetrada de Deus que teria permanecido
sempre com Ele, sobretudo na igreja. Ali, sua presença
me absorvia a tal ponto que eu não via nem ouvia o que
se passava ao meu redor. Temos, nesse estado, todas as
52
alegrias. A fome da divina Eucaristia era tão ardente que
não podia dormir na véspera de minhas comunhões.
Ia diariamente à Missa, embora a igreja ficasse a
meia hora de distância. Duas vezes por dia rezava a ViaSacra, subindo um pequeno Calvário que não era longe
do castelo. Fazendo esse santo exercício, gostava de
ajoelhar-me no pavimento, sobre coisas que me
mortificassem. No princípio, experimentei um pouco de
respeito humano, mas ia ao que me custava e logo fiquei
livre dessa tentação.
Passava o domingo todo na igreja, com uma moça
muito devota. Gozava, nesse santo lugar, de alegrias que
não posso expressar, dizendo somente: era o céu. Minha
irmã Eleonora, que era muito piedosa, fazia-me em voz
alta a meditação, e, por causa de sua grande piedade,
pensavam que ela tinha vocação religiosa. Deus, porém,
reservou para mim esta graça.
Ele se apoderou inteiramente do meu coração e deume gratuitamente todas as virtudes. Sua prática me foi
tão fácil como se eu estivesse habituada a elas desde
muitos anos. O mundo, que eu tinha amado durante
minha tibieza, tornou-se para mim digno de desprezo.
Tinha horror a todas as suas máximas. Queria Deus, e
Deus unicamente. Via-o em tudo e por toda parte.
Desprezei as modas, que não podia mais suportar.
Comecei a trajar com grande simplicidade. De
Villefranche queriam enviar-me uns adornos. Rejeitei-os.
Deus me deu um grande atrativo pela mortificação.
Era insaciável e procurava sempre o que mais me
mortificava. Entretanto, fui infiel em uma circunstância:
uma pessoa tinha ataques de epilepsia. Uma vez, vendo-a
cair, não tive coragem de ir socorrê-la. Essa doença
impressionava-me de tal modo que eu receava contraí-la.
Para vencer-me, fazia passar na minha imaginação tal
doença e todas as outras mais humilhantes, mais
dolorosas, para aceitá-las diante de Deus.
613
Das visitas – Das alunas novatas – Da admissão das internas –
Das doentes – Dos recreios – Dos passeios – Dos meios
disciplinares –
Do silêncio – Dos sinais – Das ausências – Dos feriados –
Da distribuição dos prêmios – Das férias – Das responsáveis pela
classe –
Da expulsão de alunas.
Os dias feriados para as externas são: a quinta-feira, os três
últimos dias da Semana Santa, a manhã do Natal, o 1º dia do ano, os
dias de cerimônia, os dias de feira.
As internas têm um dia de saída por mês.
As férias do ano duram um mês.
Para a distribuição dos prêmios, só será permitido representar
cenas ou poesias mencionadas no catálogo. Os trabalhos manuais
feitos pelas alunas serão apresentados numa exposição.
Cada classe celebrará a festa de seu padroeiro e naquele dia será
dispensada dos trabalhos clássicos. As alunas organizarão uma missa
e, à noite, terão uma refeição em comum. A festa da classe Sainte
Marie será celebrada no dia 21 de novembro.
As alunas de Saint-Casimir e Saint-Louis têm um uniforme.
Todas serão convidadas a fazer parte da Obra da Propagação da
Fé (para as maiores), da Santa Infância (para as mais jovens). As
Congregações das Filhas de Maria e do Menino Jesus estarão em
honra.
Cada ano, as alunas farão um retiro.
As mestras farão cantar cada dia, antes e depois das aulas, pela
manhã às 10 horas e antes do Catecismo.
As alunas externas serão encorajadas a fazer, cada dia, um quarto
de hora de meditação.
A mensalidade das alunas da classe Saint-Casimir é de 5 francos
ou de 3 francos. A da classe de Saint-Louis é de 3 francos ou de 2
francos. A das classes externas é de 1 Fr 50 ou de 1 Fr.
A segunda parte do Manual trata do objetivo e do conteúdo do
ensino, dos exercícios diários nas diferentes classes, dos livros
adotados, etc.
Horário das internas. Os exercícios diários para as internas de
Saint-Casimir são os seguintes:
5 h no verão (6 h no inverno): Levantar
5h30 (ou 6h30): Oração da manhã – Meditação de um quarto de
hora.
6h - Estudo
7h30 – Café – Recreio
8h – Missa
612
tragédias de Esther e de Athalie; Abrégé des sciences; Cours d’études;
Vocabulaire; La Grammaire des grammaires; La Géographie
moderne (por Crozat, por Gibrat); Fables choisies (La Fontaine)”.
Porém o mais eficaz agente do progresso foi o Pe. Abbal que
mandou imprimir, em 1850, um Manuel d’enseignement (cf. nota 30
da Introdução), redigido em colaboração com várias religiosas,
principalmente Irmã Angèle Pouget (cf. nota segunda secção, p. 328).
Eis a análise fornecida pela Histoire de la Congrégation (1850):
“O Manual lembra que, em todas as escolas da Sagrada Família,
o ensino é dividido em cinco classes, de acordo com a categoria social
à qual pertencem as alunas, a saber: Saint-Casimir, Saint-Louis,
Sainte-Marie, Saint-Vincent, Sainte-Ursule. Nas três primeiras
classes, o ensino é dado em conformidade com a mensalidade das
alunas, nas duas outras, ele é gratuito.
As alunas são internas, semi-internas, vigiadas ou externas.
As internas compreendem duas categorias: a classe SaintCasimir, a classe Saint-Louis. Nos pensionatos pouco numerosos,
podem se acrescentar as alunas vigiadas.
Cada classe tem uma mestra que deve prestar contas da classe à
superiora, a cada 15 dias.
Todos os meses, a superiora reúne as mestras de cada classe a fim
de dar avisos em prol do progresso das alunas.
Além do mobiliário escolar, haverá em cada classe um crucifixo,
uma pia de água benta, uma estátua de Nossa Senhora se possível,
gravuras da Sagrada Família, dos Sagrados Corações de Jesus e de
Maria, do anjo da guarda, do padroeiro da classe. Nas paredes,
sentenças estarão escritas. A mestra responsável deverá zelar pela
ordem e limpeza da classe.
A mais perfeita união deverá reinar entre as mestras, que só
devem ter um único desejo: buscar a glória de Deus e o maior bem de
suas alunas.
Uma mestra deve ser, em todos os aspectos, o modelo de suas
alunas... e recomendá-las, cada dia, à Sagrada Família e a seu anjo da
guarda.
A primeira parte do Manual contém os seguintes capítulos:
Do relacionamento das mestras entre si –
Do relacionamento das mestras com suas alunas –
Da preparação para a recepção dos sacramentos –
Das orações – Do catecismo – Da leitura - Da recitação –
Da caligrafia – Da gramática – Da ortografia –
Da polidez – Da emulação – Das redações –
Das recompensas – Da reunião dominical – Das refeições –
Do levantar e do deitar –
53
Por intenso que fosse o frio, durante o inverno, ia
fazer a Via-Sacra sobre a montanha e isso nada me
custava. Visitava e consolava uma mulher que diziam ser
leprosa. A simplicidade das camponesas encantava-me.
Era para mim uma felicidade conversar com elas.
Nas minhas confissões eu era breve. Meu confessor
falava-me pouco, mas esse pouco me bastava.
Comungava de quinze em quinze dias ou semanalmente;
o amor me conduzia à Sagrada Mesa. Amava muito a
solidão e sobretudo era feliz quando não ouvia nenhum
ruído das coisas deste mundo. As maravilhas da vida
terrestre de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e São José
eram o objeto da minha contemplação. Nunca me servia
de livro para ler e meditar. Entregava-me a Deus e seguia
as inspirações de meu coração.
Enquanto gozava assim, em minha família, das
alegrias tão suaves que provêm de uma volta sincera para
Deus, soube que minha avó, de quem havia dezoito
meses estava separada, queria me rever. O pensamento de
afastar-me dos lugares onde havia recebido tantas graças
afligiu-me a princípio, mas a lembrança da contrariedade
que minha avó me causou quando me fez voltar para casa
de meus pais, me fez pensar que eu faria um ato
agradável a Deus se satisfizesse imediatamente o seu
desejo.
54
611
CAPITULO V
Madre Emília volta para junto da Sra. de Pomairols,
sua avó, e de sua tia, cunhada da Sra. de Pomairols.
Coloca-se sob a direção de Padre Marty,
que a ajuda a progredir nos caminhos de Deus
Antes de continuar a narração que o senhor me
ordenou, tão contrária ao meu atrativo, deixe-me dizerlhe que desejaria muito uma fundação em Ampiac.
Recebi tantas graças na igreja dessa paróquia que a
gratidão me faz desejar termos uma casa ali.
Tinha dezessete anos e meio quando deixei Druelle
a fim de voltar para Villefranche e ir morar na casa da
Sra. Saint-Cyr, onde residiam minha avó e minha tia.
Primeiramente, propuseram-me fazer um retiro. Não
aceitei, porque Deus me falava ao coração e eu preferia
seguir assim, docemente, as inspirações de sua graça.
Pedia a Deus com insistência que me esclarecesse
na escolha de um diretor. Dirigi-me a Pe. Marty que era o
confessor da casa. Ele cuidou de minha alma com grande
solicitude. Sua direção era assídua e quase diária.
Ensinou-me a prestar-lhe conta das minhas disposições
interiores e me admitiu à comunhão freqüente. Admirava
o modo pelo qual Deus conduzia a minha alma.
O demônio inspirou-me, nessa época, muitos
pensamentos de vaidade. Dizia tudo ao meu confessor e
esses pensamentos me ajudaram muito a obter a
humildade. Confessava-me quatro vezes por semana e,
quase sempre, acusava-me de faltas contrárias à
humildade. Quanto mais me humilhavam, tanto mais eu
ficava contente.
Meu confessor ajudava-me a descobrir meu orgulho
e queria que eu lhe fosse prestar conta das luzes que
Deus me dava. Não me ocultava os meus talentos; apenas
sua avó e sua tia (cf. Introdução p. 2 e A cap. 2). Pela primeira vez deu
provas de sua capacidade pedagógica na casa da Sra. Saint-Cyr (A
cap.6). A iluminação interior que afastou qualquer dúvida a respeito
da sua vocação lhe confirmou que seria “a educadora dos pobres” (A
cap. 8). Em 1834, não hesitou em criar um “segundo ramo,” dedicado
de modo mais exclusivo “às escolas” (cf. Introdução, p. 13). Apesar
de dificuldades e aborrecimentos, ela se esforçou, em seguida, em
responder a todos os pedidos de fundações desse tipo. Houve um
momento de perplexidade em 1840, porém reagiu logo e explorou
profundamente as possibilidades oferecidas pela dupla forma de vida
que caracteriza o Instituto.
Madre Emília foi antes a inspiradora e organizadora da instrução
e não a técnica. Não elaborou programa nem método de estudos. A
leitura de vários trechos da segunda secção pôde dar uma idéia de seu
ideal e de suas preferências (cf. I, 2: Regulamento para as internas; II,
7: Sobre o verdadeiro zelo pela glória de Deus; 28: Como orientar
sempre nossa vida para Deus; 31: Amor pelo próximo (segundo São
Paulo); 35: Mansidão e Caridade, sobretudo para com as crianças).
Insiste muito sobre a intenção sobrenatural que deve animar as
religiosas educadoras e lhes indica os meios. Dá uma particular
atenção à instrução religiosa (L 596, M 374-377), a ponto de, por
vezes, deixar na sombra os aspectos mais profanos da questão (cf. Br
271-287). No meio de nossas cartas, guardaremos particularmente as
de nº 71 e 76, escritas para as crianças, elas mesmas e 147, 157 para
as religiosas educadoras.
Pe. Marty não deixou de trabalhar para aperfeiçoar os métodos
pedagógicos. Em 1825, recomenda para a instrução religiosa, os livros
seguintes: “La vie de Notre Seigneur, por M. Campan ou o Pe. De
Ligny; l’Abrégé de l’Histoire de l’Ancien Testament, por Mésangui;
les Figures de la Bible; l’Histoire religieuse, por Lhomond” (HC,
citando uma carta de 23 de janeiro, cf. também 1829 e 1830).
Anotamos uma das perguntas feita pela superiora: (2ª série, nº 9):
“Acha bom que acrescentemos ao catálogo dos livros lidos pelas
Irmãs o Spectacle de la nature, por Pluche? Seria melhor utilizar a
gramática de Restant, de Olivet, de Vailly, etc., ou outra; da qual
gosta mais?”
Uma lista de livros possuídos pela biblioteca em 1832, por sua
vez, esclarece o assunto. É redigida de um modo rudimentar, nós a
recopiamos de acordo com a HC. “La Conversion des Protestants;
Les Nouvelles des Missions; Le Catéchisme du Concile de Trente;
L’Éducation des Filles (Fénelon); Ancien Testament (Mésangui);
Sainte Bible (Royaumont); Conversations de Saint-Cyr; Moeurs des
Israélites; La Religion (poema de Racine); Algumas cenas das
610
– 159 (1) O bispo é sempre Dom Pierre Giraud (1830-1842); cf.
nota 13 da Introdução.
– 163 (1) Trata-se de uma certa Irmã Ardourel, da qual muito
pouco se sabe de preciso, mas que fez um grande bem a esses
prisioneiros, depois que a paz religiosa foi restaurada, após a
Revolução, e até a sua morte, em 1820. Cf. AUB 338-340; Br 261.
– 167 (1) O bispo de Montauban é então Dom Jean Chaudru de
Trélissac. Cf. nota 25 da Introdução.
– 174 (1) Vale ressaltar que essas fórmulas de simpatia voltam
freqüentemente nas cartas de Madre Emília, tão solícita em se doar
totalmente a cada uma de suas correspondentes.
– 178 (1) A respeito da elaboração progressiva das Constituições,
cf. nota 14 da Introdução.
– 183 (1) Com muita freqüência, fala-se de “novenas” ou de
outras práticas da oração vocal, nessa correspondência e na história
interna da Comunidade em seus começos. Nesse campo, uma
multiplicação excessiva pode ser prejudicial (cf. segunda secção, p.
267, com nota 47). Porém, o Espírito é mestre de seus dons: ao lado
de casos “excepcionais”, como os de Pe. Doyle (cf. Revue d’ascétique
et de mystique, 1921, 128-146), pode-se citar o exemplo do bemaventurado Pierre Favre, um dos primeiros companheiros de Santo
Inácio: ele multiplica, com notável facilidade, as orações para toda
espécie de intenções (cf. seu Mémorial, traduzido e comentado pelo
Sr. de CERTEAU, coleção “Christus”, nº 4, Paris, 1963).
O perigo de desvio foi denunciado por São João da Cruz: visa a
certas pessoas que “dão tanta eficácia e tanta credulidade a essas
práticas por meio das quais querem satisfazer suas devoções, que
imaginam que Deus não as atenderá se tiverem faltado a um só ponto
ou a uma única circunstância. Tudo isso é inútil e não agrada a Deus.
Elas têm mais confiança nessas práticas e cerimônias do que no que
constitui o fundamento da oração e não receiam com isso faltar com o
respeito devido a Deus e causar-lhe injúria” (Subida... 1. 3, c. 42).
Do ponto de vista histórico, é preciso dizer que esses erros
foram talvez mais freqüentes no século XIX, na França, por causa de
um certo individualismo da piedade, aliás bastante compreensível
após as “crises” do século XVIII e antes das primeiras “renovações”
litúrgicas inauguradas por Dom Guéranger. Cf. J. LEFLON, La Crise
révolutionnaire (1789-1846), Paris Bloud e Gay, 1949, 509 e R.
AUBERT, Le Pontificat de Pie IX (1846-1878), Ibid., 1952, 461-462.
– 186 (1) Cf. nota 22 da Introdução.
– 192 (1) A educação humana e cristã das crianças, assim como a
sua instrução, constituem o ministério primordial do Instituto. A
própria Santa Emília tinha sido educada de um modo muito feliz por
55
cuidava de referi-los a Deus. Meu desejo da comunhão
era sempre grande: quando uma festa se aproximava, ia
pressurosa pedir licença ao meu confessor para
comungar. Ora ele me permitia e aumentava o meu
número já determinado, ora fazia o contrário; recusavame ou diminuía algumas. Quando ele agia assim, eu
experimentava extraordinária amargura, mas não
desanimava. Enfim, terminei por me abandonar quanto a
esse assunto.
Padre Marty instruía-me, emprestava-me livros.
Inspirava-me grande atrativo pelos salmos. 8 Aprendi de
cor o saltério. Deus continuava a prodigalizar-me graças
particulares durante a oração. Lembro-me, com grande
júbilo, dos lugares onde Deus se manifestava à minha
alma.
Foi aos dezesseis anos que conheci Nosso Senhor
Jesus Cristo. Esse conhecimento de Deus me encantava.
Muitas vezes derramava lágrimas, pensando na minha
demora em amar um Deus tão bom. Gostava das
disposições extáticas. Repetia-as em voz alta; minha tia
me proibiu. O Cristão interior, o Bom Pastor, as
qualidades de Jesus como esposo, o Cântico dos
Cânticos, as alegrias da Santíssima Virgem, eis em geral
o objeto de minhas meditações dos dezesseis aos trinta
anos. 9 Ordinariamente, durante a Santa Missa, pensava na
Paixão do Salvador. Ficava algumas vezes tão absorta em
Deus que não podia me levantar. Gostava muito de
permanecer ao pé do Tabernáculo. Deram-me um quarto
próximo à Capela. Quando me tiraram dali, senti uma
pena indizível.
Não gostava de ver imperfeições nas religiosas. Se
alguma tinha gosto pelo locutório, se apreciava o mundo,
isso me desedificava. Gostava de vê-las desprendidas dos
bens terrenos, amigas da solidão e do silêncio, e não
podia compreender que, após se terem consagrado a
Deus, algumas se afastassem dessa linha de conduta.
Como Santa Teresa, 10 amava muito os santos
56
desconhecidos; meu Anjo da Guarda me era também
muito caro. Invocava-o sempre e atribuo à sua proteção a
memória que conservo dos detalhes. Confiava-lhe o que
queria dizer e o que temia esquecer. Creio dever à sua
proteção ter sido salva de um perigo iminente de perder a
vida.
Ia à adega, carregada de garrafas; descíamos ali por
um alçapão. Eu o julgava fechado, mas estava aberto.
Adianto-me e, quando o assoalho desapareceu sob meus
pés, ia cair com as garrafas nas mãos. Senti então que
alguém me tomava nos braços e me retinha. Pensei logo
em agradecer ao meu Anjo da Guarda. Os de casa
acorreram, pensando que eu havia caído no porão.
Acalmei-os, contando-lhes o ocorrido.
Desejava consagrar-me a Deus e entrar em uma
Comunidade Religiosa. Uma irmã de meu pai, religiosa
no Convento de Nossa Senhora de Rodez, atraía-me.
Manifestei meu desejo a Pe. Marty que quis experimentálo durante quatro anos; permitiu-me, contudo, fazer em
particular os votos de religião. Fi-los perpétuos, no dia
da Apresentação de Nossa Senhora. Parece-me que Deus
me concedeu a graça de observá-los fielmente.
Eu não era triste. Na casa da Sra. Saint-Cyr, porém,
achavam que não era alegre. Pe. Marty deu-me um livro
que me ensinava essa arte. Aprendi um pouco. Aquelas
senhoras me diziam também que meu fervor seria
passageiro. Isso me causava inquietação. Receava voltar
novamente ao meu estado de tibieza, o que eu não queria.
Gostava muito de receber a santa absolvição,
principalmente na sexta-feira da Semana Santa. Um dia,
fui confessar–me a Pe. Alet na Igreja da Madalena. Era
precisamente a Sexta-feira Santa. Recebi então uma
graça extraordinária. Passou-se na minha alma algo
indefinível.
609
um pouco mórbida. A abundante literatura consagrada aos escrúpulos
sempre tem uma referência a esse assunto. De modo mais resumido e
mais técnico, cf. DS II 2651-2654 (culpabilidade patológica); III
1164-1167 (direção propriamente espiritual em tais casos). Cf. L.
BEIRNAERT, Expérience chrétienne et psychologie, Paris, L’Epi,
1964; Pour les maîtresses des novices, coleção: “Problèmes de la
religieuse d’aujourd’hui”, nº 3, Paris, Le Cerf, 1949.
– 148 (1) Na sua Autobiografia, Madre Emília confessa a respeito
de Pe. Marty: “Alguns anos antes de sua morte, ele não me era mais
útil. Sem dúvida, Deus queria me preparar para o sacrifício” (cap. 14).
Acima, ela fala de sua dor “amarga e profunda” por ocasião do
falecimento de seu antigo diretor. Podemos concluir, portanto, que,
apesar das sombras e do afastamento, a estima e a afeição recíprocas
tinham permanecido reais. A este respeito, Irmã Laurent Belloc
escreveu o que segue: “Quando faleceu Pe. Marty, uma Irmã rodeira
confessou que tinha ido ao correio por ordem da assistente, trouxe
uma carta endereçada à Madre e soube a triste notícia. Ao voltar,
encontrou a Madre ocupada pondo ordem no refeitório e lhe entregou
a carta, mas não disse nada. A Madre, ao receber a carta, notou a
fisionomia alterada da Irmã, mas nada perguntou e continuou seu
trabalho, sem abrir a carta. Quando tudo terminou, foi à capela e ali,
em meio às lagrimas, leu a carta” (DL 156).
– 149 (1) É preciso considerar o “exagero”. Já revelamos
testemunhos sobre a adaptação e a eficácia da direção espiritual feita
por Santa Emília (cf. nota 6 de segunda secção).
– 152 (1) Mt 16, 24. Cf. nota 34 da segunda secção. Resumindo,
de algum modo, toda a sua experiência pessoal e apostólica do
combate espiritual, Santo Inácio pôde escrever: “Cada um deve pensar
que progredirá em todas as coisas espirituais na medida em que
deixará seu amor, seu querer e seus interesses próprios” (Exercícios
espirituais, 189, fim).
– 155 (1) Numa edição do Diretório das Irmãs da Sagrada
Família (Tulle 1894), o capítulo XXXIV, Da vida interior, adverte
contra umas seis “dissipações”: “a dos sentidos, a da imaginação, a do
espírito, a do sentimento, a do coração e a da vontade.”
– 157 (1) Voltaremos a esse assunto da pedagogia a respeito da
carta 192. A complementaridade entre o abandono e a aplicação,
quando se trata do serviço de Deus, foi expressa por Santo Inácio
numa fórmula paradoxal: “Tal deve ser a regra primordial de suas
ações: tenham fé em Deus como se o sucesso dependesse totalmente
de vocês, não dele; por outro lado, apliquem-se como se tudo
dependesse de Deus e nada de vocês” (cf. G. FESSARD, La
Dialectique des Exercices..., Paris, 1956, 281 sv.).
57
608
– 112 (1) Fl 4, 4-6.
– 117(1) Essas reflexões caracterizam bastante bem a
“espiritualidade” de Santa Emília, perfeitamente ortodoxa no plano
teórico (porque não nega o valor das criaturas) e no plano prático
(porque deixa um grande espaço às “obras”). Entretanto, haveria uma
tendência a um certo “acosmismo”. Coexistindo de modo pacífico
com o “humanismo cristão”, uma tal atitude é feliz porque põe em
relevo a transcendência divina, os valores escatológicos, etc.: todos
eles, bem inalienáveis do cristianismo.
– 119 (1) As cartas 115, 118, 119 fornecem um belo testemunho
da humildade de Santa Emília: a recusa de se justificar e de obter
algumas compensações, o propósito de total submissão, são mais
expressivos do que tal ou tal busca de humilhações espetaculares.
– 121 (1) Essa afirmação de princípio parece totalmente justa e
esclarece a significação de “esposa” da vida religiosa. Para ter uma
justificação teológica, ver em particular G. MARTELET, Sainteté de
l’Église et vie religieuse (Toulouse, 1964).
– 122 (1) Irmã Fébronie Bouquiers é assistente de 1830 a 1832.
Cf. l. 128, 129.
– 125 (1) Sobre o papel da “Regra” para dar um cunho pessoal e
concreto ao movimento que inspira a vida religiosa, cf. L. COLIN, Le
culte de la Règle (Paris, 1949), ou, mais resumido, R. CARPENTIER,
Témoins de la Cité de Dieu ( 5ª edição, Paris 1958) 120-128.
– 133 (1) Para uma descrição geral do desenvolvimento tomado
no início do século XIX pelo trabalho industrial, cf. R. SCHNERB, Le
XIXe Siècle (Col.”Histoire général des civilisations”, VI, 2ª edição,
Paris 1957), cap. III: Les techniques nouvelles de la fabrication et des
transports. A respeito das incidências religiosas destes transtornos
sociais, cf. R. AUBERT, Le Pontificat de Pie IX (1846-1878), Paris,
Bloud e Gay, 1952, 124-128. A.LATREILLE, J.R. PALANQUE, etc,
Histoire du catholicisme en France, Paris, Spes, T. 3, 1962, 352-362.
– 137 (1) Mt 25, 34. Santa Emília cita esses versículos do
Evangelho nas últimas linhas de seu Testamento espiritual (v.s.
segunda secção, p. 338). O modo como fala aqui das “obras” às quais
o “segundo ramo”do Instituto poderá se dedicar, mostra bem que ela
não dá menos valor ao apostolado e à beneficência do que à clausura.
– 142 (1) As “estações” designam, sem dúvida, a própria ViaSacra. Historicamente, entretanto, é preciso observar que a devoção às
quedas, ao caminhar e às estações do Cristo precedeu e preparou a
organização da Via-Sacra, tal como apareceu definitivamente no
Ocidente, no século XVII, cf. DS II 2582-2589.
– 146 (1) Muitas vezes, como certamente terá sido observado,
Santa Emília adverte suas correspondentes contra uma culpabilidade
CAPITULO VI
A Madre encarrega-se da instrução religiosa das
alunas da Sra. Saint-Cyr. Pouco depois, dá aulas de
geografia e dirige os recreios.
Desempenha conscienciosamente o seu cargo.
Deus lhe envia uma provação: a doença
Tendo a Sra. Saint-Cyr pedido que me encarregasse
da instrução religiosa das alunas, aceitei. Explicava o
Catecismo,
preparava-as para
a
recepção
dos
sacramentos. Algumas senhoras da cidade manifestaram
o desejo de assistir às explicações que eu dava às alunas,
o que lhes foi concedido. Achavam que eu discorria com
facilidade e tinha o talento de persuadir. Aplicava-me em
inspirar-lhes grande respeito ao lugar sagrado, dava-lhes
grande idéia dos sacramentos da Penitência e da
Eucaristia. Indicava-lhes práticas piedosas a fim de se
prepararem para recebê-los. Tinha gosto em ornar os
altares e chamava algumas de minhas alunas para ajudarme, com o fim de inspirar-lhes amor ao Santíssimo
Sacramento.
Falava-lhes
freqüentemente
sobre
Nossa
Senhora, desejosa de que elas a amassem com ternura.
Ensinava-lhes a se prepararem para as festas marianas, a
recitarem orações em sua honra, a cultuarem-na sob o
título de divina Pastora. Induzia-as ao amor ao Anjo da
Guarda, do qual lhes falava com freqüência.
Era sempre pela doçura e insinuação que as
conduzia; jamais as repreendi. Queria que todas
acreditassem que eu as amava igualmente. Por isso não
deixava passar um só dia sem dar a cada uma um sinal de
afeição, um olhar, um sorriso amável, uma palavra de
ternura. Agia de tal maneira que cada uma pudesse dizer:
Minha mestra pensou em mim hoje. Se me acontecia
58
empregar uma expressão mais dura, pedia desculpas
imediatamente, dizendo: "Perdoem-me e não me imitem."
Esses e outros atos de humildade que eu fazia diante de
minhas alunas jamais diminuíram o respeito que elas
tinham por mim.
Empenhava-me
em
fazê-las
reparar
delicadamente as suas faltas recíprocas. Nunca as
castigava quando me sentia contrariada, por pouco que
fosse. Esperava e, na mais perfeita serenidade, advertiaas, castigava-as, fazendo-lhes compreender que era pelo
bem delas que assim agia. Não ligava importância ao que
me dizia respeito: a honra de Deus, o bem das meninas,
era o que eu tinha unicamente em vista.
Quando eu queria que minhas alunas praticassem
um ato de virtude, praticava-o primeiro; o exemplo às
vezes, as levava à imitação. Para animá-las na prática do
bem, dava-lhes recompensas, tarefas apostólicas.
Ensinava-lhes a fazer tudo por amor a Deus. Poupavalhes o amor-próprio, repreendendo em particular aquelas
cujas faltas eram secretas, e na presença das alunas as
que poderiam ter dado mau exemplo.
Se descobria más inclinações em certas alunas,
indicava-lhes alguns meios para vencê-las, fazia-lhes
prestar conta dos progressos na virtude. Havia uma que
tinha o costume inveterado de mentir. Ajudei-a a contar
todos os dias quantas vezes havia mentido. Consegui
corrigi-la por esse meio. Costumava tratá-las com ternura
de mãe. Via-as em particular para lhes dar avisos e
conselhos. Procurava conquistar as rebeldes, tratando-as
com carinho, conservando-as com prazer perto de mim,
como uma cruz que Deus me enviava. Desejo que minhas
filhas façam também assim.
Eu tinha uma aluna extraordinariamente
irrequieta e dissipada. Amava-a mais que as outras e
cuidava dela do melhor modo possível. Fazia atos de
humildade diante dela. Ela fez um que julguei ótimo
presságio para seu futuro e não me enganei. Essa aluna é
607
oração (cf. segunda secção, p. 274); porém, no que lhe diz respeito
pessoalmente, mortificava-se constantemente nesse ponto.
– 82 (1) Irmã Athanasie Rozié é assistente de Madre Emília e,
portanto, a substitui durante suas ausências, de 1823 a 1830.
– 83 (1) O “conhecimento de si mesmo” está na base de toda
reflexão e de todo esforço de ordem moral. Num meio cristão, ele é
inseparável do “conhecimento de Deus” e é acompanhado de toda
uma série de sentimentos espirituais, cuja complementaridade deve
assegurar o equilíbrio da vida espiritual. Cf. DS II, 1511-1543, artigo
Connaissance de soi; J. CHEVALIER, Histoire de la Pensée (Paris,
1956), II, 835: Le Socratisme chrétien.
– 87 (1) Em 8 de dezembro de 1815, Emília obtém da Sra. SaintCyr a permissão de deixar o estabelecimento para fundar sua própria
Congregação, com suas três primeiras companheiras (cf. introdução,
p. 6). Em 8 de setembro de 1820, realizaram-se as primeiras
profissões em circunstâncias bem providenciais.
– 89 (1) Lc 2, 51.
– 98 (1) Sobre o esforço a ser retomado sempre, para obter que a
união com Deus e o trabalho se fortifiquem mutuamente, cf. nota 43,
da segunda secção.
– 100 (1) Madre Emília possuía um conhecimento bastante amplo
da Bíblia, do saltério, em particular. Recomenda a leitura da tradução
e dos comentários de Berthier (cf. apêndice e nota 8 da primeira
secção).
– 101 (1) São Francisco de Sales dá conselhos sobre a maneira de
se comportar na tentação, nos capítulos 3 e seguintes da quarta parte
da Introduction.
– 102 (1) Santa Teresa de Lisieux unirá, mais tarde, uma
“espiritualidade” da infância à piedade para com os mistérios da
Paixão. De modo semelhante, Santa Emília não separa a
contemplação de Nazaré da do Calvário. Cf. J. de GUIBERT,
Perfection et mystère de la croix, em Leçons de théologie spirituelle
(Toulouse, 1955), p. 194-205; DS II 2607-2624.
– 108 (1) Como já pôde ser constatado, as freqüentes cartas
enviadas à Irmã Françoise Pascal têm habitualmente como finalidade
apaziguá-la; não é, portanto, surpreendente que Madre Emília
quisesse evitar entre ela mesma e essa Irmã todo excesso de
sensibilidade (v.s., nota da l. 9).
– 111 (1) Madre Emília que, apesar de todas as dificuldades
pessoais que podia experimentar a esse respeito, dava sempre o
exemplo da mais humilde submissão recomendava a suas religiosas
que abordassem com espírito de fé o sacramento da penitência e seus
ministros. Cf. A cap. 14, DL 96.
606
reverência que exige a situação de cada um, com naturalidade e
simplicidade religiosa. Assim, tendo consideração uns com os outros,
crescerão em devoção e louvarão a Deus, nosso Senhor, pois cada um
deve se esforçar para reconhecer a imagem dele no outro”
(Constituições, 3ª parte, cap. 1, nº 4 [250]).
– 60 (1) As “aspirações” são uma prática de piedade muito
recomendada pela tradição espiritual. São Francisco de Sales a seu
respeito assim se expressa: “Neste exercício do retiro e das orações
jaculatórias se encontra a grande obra da devoção: pode suprir todas
as outras orações, porém a sua falta quase não pode ser substituída por
nenhum outro meio. Não se pode viver a vida contemplativa e vive-se
mal a vida ativa. O repouso se converte em ociosidade e o trabalho em
desorganização” (Traité, 1. 6, ch. 1).
– 63 (1) Nós nos enganaríamos muito se fizéssemos do abandono
um caminho espiritual fácil e sem valor. Sem dúvida, necessitamos
mostrar suas “vantagens”, mas não devemos esconder também que
implica uma vida de fé e uma ascese sempre vigilantes. Cf. o artigo
consagrado a esse vocábulo no Dictionnaire de spiritualité I, 2-25 e
M. OLPHE-GALLIARD, L’Abandon à la Providence divine et la
tradition salésienne, na Revue d’ascétique et de mystique, 1962, 324353. – Essa “via” é de modo equivalente recomendada por Santa
Emília, quando utiliza os termos de “simplicidade”, “ingenuidade”,
“esquecimento de si”, “paz”, etc. Sem fazer teoria sistemática, ela
indica os aspectos complementares, negativos e positivos, do
abandono.
– 67 (1) Santa Emília não se limitou a prescrever a suas religiosas
a visita externa aos doentes. Várias vezes insistiu sobre o fato de que,
numa comunidade, a presença de membros doentes constitui uma
graça. Cf. segunda secção, p. 174, 216; 1. 138.
– 70 (1) O fato de se sentir estrangeiro na terra é essencial à
“compunção”, tal como a compreende toda uma tradição espiritual
católica: “...Quanto à ‘compunção’ o que conta essencialmente é o
além, o invisível, as realidades, os bens e os males de ordem
sobrenatural... Daí vem todo este conjunto de sentimentos profundos e
ternos, comoventes e confiantes, de luta e de paz, cujas expressões
incomparáveis estão em nossa liturgia, o Miserere mei Deus e o Salve
Regina.” J. de GUIBERT, La componction du coeur, na Revue
d’ascétique et de mystique, 1934, 225-240. Cf. DS II 1312-1321.
– 79 (1) Tendo vivido sua infância no campo, dotada de uma
sensibilidade e de uma imaginação ardentes, Madre Emília sempre
experimentou um amor todo especial pela natureza. Sabia recomendar
às Irmãs que aproveitassem essa beleza para alimentar e estimular a
59
hoje carmelita em Montauban e edifica a comunidade
com sua regularidade. Quando estava em Montauban para
a fundação do nosso estabelecimento, tive a oportunidade
de vê-la. Agradeceu-me os cuidados que lhe
prodigalizara. Sua Superiora contou-me que, quando ela
entrou para ser religiosa, subia a escada de quatro em
quatro degraus. Suplico às Irmãs que não desanimem
diante dos defeitos das postulantes e noviças. Que elas
suportem também com muita paciência os defeitos das
crianças.
Encarregada da vigilância dos recreios,
preparava-me como se tivesse que dar uma aula.
Brincava pouco com as alunas, mas as fazia brincar,
falava-lhes da maneira como as coisas se apresentam na
natureza, lembrava-lhes a presença de Deus, sem
constrangimento. Não consentia jamais que fossem
familiares comigo, a fim de conservar minha dignidade.
Ensinei-lhes geografia durante algum tempo.
Preparava minhas aulas e, percorrendo em espírito as
regiões e as cidades, falava-lhes de tudo que se referisse
à Religião ou à piedade. No Catecismo, contava-lhes
sempre um fato que se relacionasse com a verdade
explicada. Aconselhava-lhes a estudar a própria vocação
e lhes inspirava o amor aos pobres, fazendo-as
confeccionar, com retalhos, roupas para eles.
Empreendi a conversão de uma jovem muito
amável que eu desejava curar de uma paixão
desordenada. Não tive êxito e percebi mesmo que a
linguagem apaixonada dessa jovem me fazia mal. Logo
que percebi isso, fui falar ao meu confessor e não me
ocupei mais dessa infeliz. Ela se tornou um objeto de
escândalo.
Fui atingida por uma bronquite, durante a qual
não podia falar. Vigiava em silêncio os recreios. As
alunas diziam: "Nossa Mestra está doente." Isso me
aborrecia um pouco. Com a licença de Pe. Marty, meu
confessor, recebi a triste confidência dos erros de uma
60
jovem espanhola que tive a felicidade de reconduzir a
Deus. Contudo, meu confessor me censurou por tê-la
escutado. Recebi essa admoestação com um prazer tanto
maior quanto mais ela me parecia imerecida, pois agi sob
as ordens da obediência.
Considerava que o desapego das coisas deste
mundo era uma das maiores graças que Deus pudesse
conceder a uma alma. Estimava tanto a pobreza que nada
queria ter em meu quarto e desejava que me permitissem
dar tudo que me fosse oferecido. Recusava o que não me
era absolutamente necessário para economizar em favor
dos pobres que eu continuava sempre a visitar. Não
perdia a oportunidade de praticar um ato que julgasse
agradável a Deus, mas, ao perceber que alguma coisa lhe
causaria prazer, executava-a. Muito me comoviam estas
palavras de Nosso Senhor: "Vinde, benditos de meu Pai."
Doente de um olho, fiquei impossibilitada,
durante algum tempo, de fazer minhas leituras.
Aplicavam-me injeções. A postura adotada pelo médico
causava-me uma pena extrema. Não ousava dizer-lhe.
Recorri a Nossa Senhora. Sobreveio-me uma bronquite, o
médico suspendeu o tratamento e eu me restabeleci.
Ameaçada por uma doença moral, era preciso empregar
um medicamento que feria um pouco o pudor. Consultei
Pe. Marty que me deixou livre. Preferi a morte e fiquei
curada.
Havia, em casa da Sra. Saint-Cyr, uma Clarissa
de piedade exemplar e desprezada pelas outras. Torneime sua enfermeira. Deus mesmo me instruía. Eu via nisso
uma graça preciosa. Ele me dava grande força e muita
energia para combater meus defeitos e aspirar à virtude.
Pe. Marty me orientava para o que havia de mais
perfeito.
605
modalidade dessa “recompensa”: “A alma que atinge o vazio e o
despojamento de todas as coisas... só pode obter de Deus o que ele lhe
destina. Quando a alma tem sido generosa, Deus não tarda em se
comunicar pelo menos silenciosamente e em segredo” (Ibid).
– 45 (1) A mansidão para consigo mesmo é instantemente
recomendada por São Francisco de Sales, Introdução, 3ª parte, cap. 9.
– 47 (1) Santa Emília deu provas de uma piedade eucarística
fervorosa e discreta. Nisso não é contaminada pelo Jansenismo e,
relativamente à comunhão freqüente, vê mais longe do que seu tempo,
mas sabe também que essa leva a novas exigências (cf. l. 40, 53, etc).
– 50 (1) A atual renovação bíblica ajuda a explicitar alguns dos
subentendidos dessa carta: “O Êxodo consiste numa ruptura com o
mundo pecador, mas é para viver numa intimidade nova com Deus. A
imagem do deserto expressa ao mesmo tempo essa ruptura e essa
intimidade... Os profetas evocaram esse período privilegiado com uma
certa nostalgia” (DS IV 1993). A respeito do eremitismo, pôde-se
escrever: “Solidão do monge ou solidão do eremita, mesma solidão,
porém relativa, do cristão ‘em retiro’, pertencem autenticamente à
espiritualidade cristã. Todo cristão busca a volta para Deus, a
presença de Deus, a união com Deus. Nenhum verdadeiro
‘compromisso’ na encarnação leva a contradizer o mistério da divina
transcendência, e nenhuma alma eleita pode tomar consciência desse
mistério sem compreender e desejar a solidão, da qual o deserto do
eremita é o símbolo absoluto” (DS IV 981).
– 52 (1) A devoção ao Sagrado Coração sempre foi viva em Santa
Emília e no seu Instituto: o primeiro regulamento, que data de 1816,
faz alusões explícitas a essa devoção (cf. segunda secção, p. 152); o
Sagrado Coração é mencionado na conclusão de numerosas cartas. Cf.
nota 1 da segunda secção.
– 53 (1) Sobre o sentido, sempre atual, da ação de graças que
segue a comunhão sacramental, cf. DS II 1222-1234.
– 55 (1) Sobre Irmã Vincent Vacquié, cf. catálogo alfabético dos
correspondentes, p. 360.
– 59 (1) Santo Inácio de Loyola pretende, também ele, que um
certo comportamento exterior pode constituir a manifestação da união
profunda com Nosso Senhor: “Eles devem manter-se na paz e na
verdadeira humildade da alma, provar essa atitude pelo silêncio,
quando deve ser guardado e, quando for o momento de falar, fazê-lo
de um modo discreto e edificante, com modéstia no rosto, seriedade
no andar e em todos os seus gestos, sem nenhum sinal de impaciência
ou de orgulho. Eles se esforçarão e terão o desejo de não se elevar
acima dos outros. Em sua alma os considerarão como sendo
superiores a eles e manifestarão exteriormente o respeito e a
61
604
– 16 (1) Cf. Introdução, p. 14. As datas de Irmã Marie Vialard
são 1799-1835; fez profissão em 1822. Cf. AUB 266 sv., HC 1822,
1834, DL 58.
– 19 (1) Agathe Masbou; cf. catálogo alfabético dos
correspondentes, p. 358.
– 25 (1) At 9,6.
– 26 (1) A obediência “de juízo” é proposta habitualmente como
o supremo grau dessa virtude. Consiste em o superior e o súdito
emitirem um mesmo julgamento prático no que diz respeito a uma
determinação moralmente boa, que tende a promover o reino de Deus.
Não deve ser confundida pura e simplesmente com a obediência cega,
senão em certos casos extremos. Cf. H.-A. PARENTEAU, La notion
d’obéissance aveugle, d’après saint Ignace de Loyola. Revue
d’ascétique et de mystique, 1962, 31-51 et 170-195.
– 27 (1) Essa “confissão” (cf. também l. 32, 125 e 149) deve ser
comparada com as que Santa Emília escreveu a Pe. Fabre, em
particular. Cf. primeira secção p. 112 e Autobiografia, cap. 10 et 14.
– 29 (1) Madre Emília, que teve de combater os excessos de sua
afetividade (cf. A cap. 10), sempre se mostra bastante rigorosa sobre
esse ponto da amizade que poderia reinar entre membros de uma
comunidade religiosa (cf. segunda secção, p. 242; 309).
– 32 (1) Esse termo designa a cozinha e suas dependências.
– 34 (1) Lc 10, 16. Essa aplicação das palavras de Nosso Senhor
ao que os superiores dizem deve ser feita com discernimento: eles não
têm o carisma da infalibilidade; porém, uma vez que tudo foi
examinado diante de Deus e, se necessário, as “objeções” foram
apresentadas, o súdito está certo de cumprir a atual vontade de Deus,
executando a ordem recebida.
– 37 (1) Todos os orientadores espirituais estão de acordo ao
recomendar a abertura de consciência como meio de libertação
interior e de objetivação das dificuldades morais e religiosas. Essa
finalidade é conseguida antes mesmo da resposta da pessoa a quem é
feita a confidência. Cf. Santo Inácio de Loyola – Exercices spirituels,
nº 322; F. ROUSTANG, Une Initiation à la vie spirituelle (Paris,
1963), 97.
– 44 (1) Segundo São João da Cruz, “Se se quer deixar Deus
realizar a união na alma, só existe um método, aquele que liberta, que
faz o vazio”(Subida, I, III, 1ª parte, cap. 1). Disso pode resultar,
segundo o bel prazer divino, uma graça de união mística propriamente
dita: “Quando a alma pronunciou, em Deus, o sim do desapego de
todas as coisas... Deus deu sem sim pelo dom total de Sua graça.
Nisso consiste o alto estado do matrimônio espiritual entre a alma e o
Verbo de Deus” (Flamma, 3ª estrofe, v. 3). Porém, qualquer que seja a
CAPITULO VII
A madre experimenta a vida religiosa em várias
comunidades
Não pode fixar-se em nenhuma
Como já disse, a atração pela vida religiosa me foi
dada logo após minha conversão. Uma de minhas tias
convidava-me para a sua Congregação: Nossa Senhora
em Rodez. Se a morte não a tivesse levado, talvez eu
tivesse ido.
Veio-me o pensamento de entrar na Congregação das
Damas de Nevers. Falei disso a Pe. Marty que me fez
esperar quatro anos, no fim dos quais me permitiu fazer
uma experiência. A saúde foi em parte a causa dessa
delonga.
Amava tanto a meus pais que a separação deles era
uma morte para mim. Foi mister, entretanto, despedir-me
deles. Parti para Figeac onde havia uma casa das Damas
de Nevers. Durante a viagem, fingi dormir para não falar
nem me distrair. Apenas entrei nesse convento, Deus me
privou de sua presença sensível. Trevas espessas
invadiram a minha alma. Não sabia o que fazer. Via
faltas em toda a minha vida. Minha aflição era grande.
Escrevi a Pe. Marty, a minha carta extraviou-se. Escrevilhe uma segunda. Ele me tranqüilizou, disse que me
submetesse à vontade de Deus que tinha outros desígnios
sobre mim. Após um mês na casa de Nevers, saí forçada
pelas penas interiores. 11 Não receava a humilhação que
essa
saída
me
ocasionaria;
entretanto,
sofria.
Experimentava repugnâncias tão grandes que nem podia
ouvir a palavra obediência sem chorar.
Após haver passado um pouco de tempo em
Villefranche veio-me a idéia de entrar no Instituto das
Damas do Santíssimo Sacramento de Picpus. Consultei
Pe. Marty que não aprovou minha idéia e não quis mais
62
conversa. Fiquei desolada. Depois ele mudou de atitude,
permitiu-me entrar naquele Instituto e ali fazer uma
experiência. Segui para Cahors, onde havia uma casa
daquelas Damas que me acolheram muito bem. Creio que
Deus permitiu minha entrada ali para me mostrar
modelos de piedade. Meu confessor achava que eu tinha
uma consciência muito delicada. Declarou-me que não
era chamada a viver naquela Congregação e fui obrigada
a deixá-la. 12
A Sra. Genyer, fundadora das Irmãs da Misericórdia
de Moissac, escreveu a Pe. Marty pedindo-lhe que se
encarregasse da direção de um Seminário que ela acabava
de fundar naquela cidade. Pe. Marty aceitou o pedido. A
Sra. Genyer escreveu-me em seguida, convidando-me
para fazer parte de sua Congregação. O convite agradoume muito e segui para Moissac. Eu me encontrei, quase
imediatamente, no mesmo estado que em Figeac: trevas
espessas encheram minha alma. Pe. Marty consolou-me e
disse-me que Deus não me queria naquela casa. Queria
ficar ali, mas a Superiora julgou que eu deveria sair.
Voltando a Villefranche, veio-me o pensamento de que
eu era inconstante.
Voltei para junto de minha avó, na casa da Sra.
Saint-Cyr, onde continuei a me dedicar à instrução da
juventude, à visita aos pobres e doentes. Para a
confissão, dirigia-me a Pe. Grimal. Desejava tão
ardentemente a Comunhão que pedi licença para
comungar todos os dias.
Pe. Marty queria que a instrução religiosa fosse dada
às crianças pobres das quais ninguém se ocupava, mas
nunca me falou disso. Eu própria havia desejado isso
também, mas nada dissera. Falei disso somente à
Superiora das Carmelitas de Montauban, que visitei ao
voltar de Moissac.
Tendo sofrido muito em Moissac, Pe. Marty
regressou a Villefranche onde reassumiu a direção da
Casa Saint-Cyr. Dirigi-me novamente a ele para as
Notas da terceira secção
____________________
N.B. – O primeiro algarismo é o da carta; o segundo é o da nota.
– 1 (1) Este bispo é o de Cahors, Dom G. Cousin de Grainville
(1802-1828). Praticamente governará a diocese de Rodez até 1822.
Cf. nota 6 da Introdução.
(2) Para se ter uma idéia aproximativa do conjunto das leituras
espirituais, ou pelo menos dos conhecimentos parciais de Santa
Emília sobre esse assunto ver o apêndice terminal.
(3) Santa Emília parece ter, bastante cedo, renunciado a utilizar a
partícula que indica nobreza, na sua assinatura. A partir de agora,
assinará: “Irmã Emília”, às vezes acrescentando a menção (mais ou
menos abreviada): “religiosa da Sagrada Família.” A partir de 1841,
sobretudo, acrescentará muitas vezes o nome de Maria ao de Emília.
– 3 (1) Mt 16, 24.
(2) “Mamãe” designa a Sra. de Pomairols; na carta 5, Emília a
chamará de “vovó.”
– 5 (1) Eléonore desposará em janeiro de 1811 o Sr. Colomb, de
Rignac. Teve sete filhos, dentre os quais uma filha chamada Emília
que foi interna em Villefranche.
(2) “Titia” designa Agathe de Polmairols, tia-avó de Emília,
antiga Visitandina.
(3) Esse Henri é o irmão caçula de Santa Emília, nascido em
1799. Foi aluno do colégio onde Pe. Marty exercia a função de
diretor.
– 6 (1) Ao terminar suas cartas, Madre Emília saúda
habitualmente suas correspondentes religiosas “no Sagrado Coração
de Jesus”, ou “nos santos Corações de Jesus, Maria e José”. Esta
última fórmula pode parecer insólita, pois São José certamente não
ressuscitou. Entretanto, não se vai censurar o autor. Muitas vezes,
também, as frases de adeus têm uma intensa tonalidade afetiva.
– 8 (1) As iniciais “L.S.J.C” significam: “Louvado seja Jesus
Cristo”. É a fórmula ordinária de saudação das religiosas da Sagrada
Família (v.s., segunda secção, p. 153); mais tarde, Madre Emília
utiliza em geral a sigla: “J.M.J.”
(2) Trata-se de Irmã Athanasie Rozié. Cf. nota 12 da Introdução.
– 12 (1) Sem dúvida, em razão da influência da tia da fundadora e
das preferências de Pe. Marty, a espiritualidade salesiana marcou
fortemente Santa Emília e seu Instituto. Cf. índice onomástico:
Francisco de Sales, etc.
63
602
Não estou zangada com ninguém, mas quero – porque o bom
Deus assim o quer – que, embora se escreva para pedir uma
autorização, deve-se aguardar a resposta para agir. Até aqui,
nossas Irmãs não-clausuradas e nossas Irmãs rodeiras vieram
sem ter sido chamadas. Sempre considerei isso com muita
tristeza, mas não acreditei poder dizê-lo. Agora chegou o
momento de poder falar. Antes de morrer, quero que saibam
que não o aprovei.
confissões; ele me encaminhava sempre para o mais
perfeito. Quando eu saía para visitar os doentes, evitava
ver qualquer coisa. Baixava tão bem os olhos que a
ninguém saudava. Eu não tinha lareira no meu quarto;
gostava dessa privação. Na cama, tinha apenas um
cobertor de algodão. Não procurava saber as novidades
do mundo, por isso, arranjava-me para ficar com as
alunas nas horas dos recreios. Não gozava de boa saúde.
Esforçava-me para não faltar aos meus pequenos deveres.
Não poder entregar-me à leitura e à escrita foi para mim
grande privação.
Saúdo-a com muita afeição e recomendo-lhe não se afligir,
pois estou muito feliz. Tarda-me encontrar o bom Deus.
CAPITULO VIII
Irmã Foi, assistente, escreveu por nossa Madre no seu leito
de morte.
P. S. Foi nossa santa Madre quem ditou esta carta e até o modo
como devia ser assinada.
Madre Emília funda a Congregação da Sagrada
Família para a educação das meninas pobres
Dificuldades que ela encontra no
estabelecimento dessa obra
Visitava, como já disse, os pobres da cidade,
esperando que Deus me desse a conhecer o que queria de
mim.
Um dia, encontrei várias mulheres na casa de uma
doente. Elas falavam de suas pobres crianças que,
diziam, cresciam numa grosseira ignorância e no
esquecimento de Deus, porque elas não tinham meios de
instruí-las. Diziam: "Antes da Revolução, as Ursulinas
ensinavam gratuitamente; nós mesmas tivemos a
felicidade de ser instruídas por elas."
Essas palavras foram como um dardo que veio
traspassar-me a alma. Disse-lhes que me enviassem suas
filhas, que eu mesma me encarregaria de instruí-las, e, no
intimo do coração, prometi a Deus fazer tudo que
dependesse de mim para fundar em Villefranche um
estabelecimento destinado à instrução de meninas pobres,
64
601
contanto que Pe. Marty o aprovasse. Comuniquei-lhe o
meu desejo. Ele me disse ter tido a mesma idéia e me
animou a cumprir a promessa.
Pedi então licença à Sra. Saint-Cyr para dar aulas no
meu quarto às crianças pobres que aparecessem. Ela me
autorizou a recebê-las e logo se apresentaram umas
quarenta meninas. Como meu quarto era muito pequeno,
– era um pouco menos da metade do que ocupo neste
momento – vi-me obrigada a colocá-las sobre minha
cama. Servia-me de umas para ensinar as outras.
Para começar o estabelecimento de que já falei, Pe.
Marty designou três jovens professoras da casa. A mais
velha das três era a senhorita Ursule Delbreil; as outras
eram as senhoritas Marie Boutaric e Eléonore Dutriac. As
quatro éramos intimamente unidas e elas tinham um zelo
extraordinário. Manifestei-lhes meu desejo e elas o
aceitaram com grande satisfação, sobretudo quando
viram que era o desejo de Pe. Marty.
Juntas deliberamos, então, preparar-nos para a
execução desse projeto por meio de orações, nas quais
todos os Fundadores de Ordens religiosas eram
invocados. Reuníamo-nos todos os dias para rezar o
Ofício de Nossa Senhora. Prometemos a Deus que, assim
que estivéssemos reunidas em comunidade, erigiríamos
um altar a Jesus-Mestre, que rezaríamos a Salve Rainha
durante seis meses.
A empresa era difícil e muito grande nossa
apreensão. A Sra. Saint-Cyr era muito boa para nós.
Temíamos
que,
realizando
nosso
projeto,
prejudicássemos sua obra, o que não queríamos. Rezamos
e pedimos orações, depois decidimos comunicar-lhe
nosso projeto. Escolhemos para isso o dia da Imaculada
Conceição. Nossa Senhora ajudou-nos, pois a Sra. SaintCyr recebeu-nos muito bem, prometeu-nos que seria a
primeira a nos auxiliar. Cumpriu sua promessa, dandonos, pouco depois da fundação, vasos sagrados,
paramentos e até dinheiro.
219
Última carta de Madre Emília, ditada seis dias antes de seu
falecimento. É bastante severa: uma religiosa de Figeac, Irmã
Gabrielle, veio sem permissão para ver uma última vez a fundadora.
Madre Emília afirma que essa maneira de agir é inadmissível e quer
que se saiba disso (L 938, M 575-577).
À Madre Vincent, em Figeac.
Villefranche, 13 de setembro de 1853.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Acredito que certamente fez o possível para impedir a
viagem de Irmã Gabrielle, entretanto, penso que lhe faltou
firmeza. Deveria lhe ter dito: “Não posso deixá-la ir porque não
tenho permissão.” É verdade que você escreveu, mas não
recebeu resposta. Era preciso que Irmã Gabrielle permanecesse
em seu lugar até que a obediência a chamasse. Nem mesmo
você deveria ter escrito para solicitar essa permissão. Era
preciso dizer à Irmã Gabrielle: “Gostaria de lhe conceder esta
consolação, mas não me é possível. Se quiser ir não posso retêla. Saiba, porém, que não a autorizo, sabe que não posso.” Que
exemplo para a Congregação! Desejo que diga a todas as Irmãs
que Irmã Gabrielle viajou sem autorização da Casa-mãe.
Se você reconhece não ter tido firmeza, diga-o à Comunidade
e que esse fato sirva de lição para todas as Irmãs. Devem
respeitar a autoridade de Deus na autoridade da superiora. Se eu
tivesse podido, a Irmã teria voltado imediatamente, mas partirá
esta tarde e quero que toda a Congregação saiba que, de forma
alguma, aprovo tais ações. Outras Irmãs, além de Irmã
Gabrielle, teriam gostado de me ver, mas fizemos votos e, para
que eles serviriam se não os observássemos?
600
65
paz, o repouso, a felicidade após um ano agitação, de cansaço?
É por isso que seus corações o desejam ardentemente.
Paciência, minhas boas Irmãs, paciência. Ainda um mês de
trabalho e de sacrifícios e depois todas juntas repousaremos no
Sagrado Coração de Jesus. Nesse Coração adorável adquirimos
novas forças, inflamaremos nosso zelo, purificaremos nosso
coração de tudo o que o contato com o mundo nos tiver trazido
de estranho. Obteremos o perdão de nossos pecados por
intermédio do Coração de Jesus. Nós nos consagraremos com
um renovado ardor ao serviço de Deus e à salvação das almas.
Animadas e fortificadas pelo auxílio do alto, retomaremos com
ardor nosso trabalho interrompido por um instante.
A fim de evitar toda causa de dissipação durante os santos
dias do retiro e só ter de nos ocupar dos cuidados de nossa
alma, queiram prever as diversas compras a fazer, seja dentro
de casa, seja fora. É preciso, minhas muito queridas Irmãs, que
nenhum pedido seja feito durante o retiro. Que, durante o mês
de agosto, cada superiora envie à Madre Diretora ou à Irmã
Ecônoma a relação detalhada de tudo o que quer levar voltando
para sua casa. Com toda certeza, vão apreciar essa medida e
todas considerarão um dever conformar-se a ela.
Sempre fiquei triste ao saber que um bom número de nossas
Irmãs se demoram na cidade, em lugar de ir diretamente ao
convento. Recomendo-lhes de modo bem particular irem para a
Casa-mãe logo ao chegar. A abertura do retiro será no dia 1º de
setembro pela manhã. Como nos anos anteriores, só será
permitido fazer um pequeno trabalho de tricô. Peço-lhes, minha
queridas Irmãs, fazerem uma pequena oferta para ajudar a
Casa-mãe nas despesas extraordinárias que ela é obrigada a
fazer durante o retiro.
Toda de vocês.
Irmã Maria Emília.
Vencida essa primeira dificuldade, outra sobreveio, a
de achar uma casa para alugar. Ninguém confiava em
quatro jovens sem recursos para pagar o aluguel. Após
muita fadiga, achei uma, atrás do antigo cemitério.
Acertamos o aluguel com o proprietário, apesar de ele ser
bastante alto. No dia seguinte, devíamos ir à polícia, mas
o proprietário havia mudado de opinião, e foi preciso
empreender novas buscas. Elas não tiveram resultado
durante algum tempo. Nosso projeto era quimérico e
considerado loucura mesmo pelos mais criteriosos.
Todas as senhoras do pensionato se voltaram contra
nós, inclusive minha avó. O clero da cidade, salvo Pe.
Grimal e Pe. Daures, também nos desaprovou.
Censuravam-nos fortemente. Pe. Marty não podia tomar
nossa defesa. Era triste a situação. Embora Pe. Marty não
pudesse nos defender publicamente, ajudava-nos em
segredo com seus conselhos e avisos.
A Providência veio enfim em nosso auxílio,
inspirando uma antiga aluna da Sra. Saint-Cyr, a
senhorita Alric, a feliz idéia de alugar-nos uma parte da
casa por ela habitada. Essa casa era insalubre, mal
situada, no centro da cidade, sem jardim, muito escura,
pois a rua era estreita, diante de alto muro que a privava
de ar e de luz. Apesar de todos esses inconvenientes,
parecia-nos ter feito uma grande descoberta e
prometemos pagar por ela quatrocentos francos. Essa
piedosa moça prometeu-nos emprestar alguns móveis e
ajudar-nos no que fosse possível.
Enquanto nos ocupávamos ativamente com a nossa
empresa, as senhoras da pensão Saint-Cyr pensaram em
se organizar como comunidade. Queriam fazer da casa
um convento. Falei disso a Pe. Marty que me respondeu:
"O vento levará tudo isto." Com efeito, ao cabo de um
ano essa casa não mais existia.
Quanto a nós, nada tínhamos. Meus pais, bem como
os de minhas companheiras, eram inteiramente contrários
ao nosso projeto e, por conseguinte, não podíamos contar
66
com eles. Os pais da senhorita Eléonore Dutriac fizeram
tudo o que puderam, promessas, ameaças, para dissuadila do seu nobre ideal. Chegaram a dizer-lhe que a
mandariam buscar à força e a meteriam no cárcere. Eles o
teriam feito se os magistrados não se tivessem oposto a
tal injustiça.
Minhas companheiras e eu esperávamos com
impaciência o momento feliz em que poderíamos entrar
em nossa nova casa para ali nos entregarmos aos
exercícios de nossa santa vocação. Reuníamo-nos muitas
vezes para nos estimular a uma fiel correspondência aos
desígnios de Deus, mas não era fácil conseguir esses
momentos. As senhoras da casa, que não gostavam de
nosso empreendimento, muito nos mortificavam. Assim,
quando estávamos sós, em doce intimidade, uma delas
vinha impedir-nos de manter nossa piedosa conversa.
Em outras ocasiões, encarregavam alguém de nos
escutar, de forma que fomos obrigadas a nos reunir
durante a noite. Não faltavam zombarias, críticas,
censuras. Julgavam com isso prestar-nos serviço, pois
nossa obstinação parecia evidente. As pessoas que
ajudavam a Sra. Saint-Cyr em seu apostolado zangavamse porque nós queríamos deixá-la e repetiam
constantemente que era um crime abandonar essa
virtuosa senhora, deixá-la sem mestras e obrigá-la a
fechar a sua escola. Nós não queríamos prejudicá-la e,
entretanto, fora decidido que devíamos responder ao
chamado de Deus a isso estávamos resolvidas.
A Providência veio em nosso auxílio. Os inquilinos
da casa por nós alugada, que só deviam sair no São João,
saíram logo no mês de abril. Ao mesmo tempo, a Sra.
Saint-Cyr pensou seriamente em fazer de sua casa um
convento, o que nos facilitou a saída.
Em 30 de abril, dia de Santa Catarina, fui com a
senhorita Eléonore Dutriac ver a casa que havíamos
alugado. A senhorita Alric aconselhou-nos que
599
respeito, a afeição de todas as pessoas que tiveram a felicidade
de viver sob sua obediência.
Os sentimentos comoventes expressados pelas penitentes
após a sua morte são a prova inequívoca da afeição que lhes
dedicavam. A doença que a afastou delas foi longa e dolorosa.
Durante sua agonia não cessava de repetir: “Bom pastor, tenha
piedade do rebanho que me confiou.” Alguns instantes antes de
falecer, mandou chamá-las e pôde apenas pronunciar estas
palavras: "A penitência nos abre o céu." Após ter invocado
com amor e confiança os santos nomes de Jesus, Maria e José,
adormeceu na paz do Senhor. Embora a santidade de sua vida
nos faça acreditar que Deus a tenha recebido em sua santa
morada, peço para ela os sufrágios da Congregação.1
Toda sua nos santos Corações.
(Sem assinatura)
218
Carta preparatória ao retiro: é no Coração de Nosso Senhor que as
religiosas virão encontrar o ânimo necessário à sua vida interior.
Cuidar atentamente para que as compras ou outras coisas semelhantes
não prejudiquem o recolhimento daqueles dias (L 934).
Circular para todas as casas.
Villefranche, 1º de agosto de 1852.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Tenho certeza de que cada uma vê chegar com alegria o
tempo do retiro. Agradeçamos à divina Providência esse novo
favor. Façamos o possível, minhas muito queridas Irmãs, para
nada perder das graças que Deus, na sua infinita misericórdia,
prepara para esses dias de bênção em que a alma recolhida e
silenciosa só escuta a voz do seu bem-amado. O retiro não é a
598
todo tipo. Ficava tão atormentada que vivia com a face banhada
de lágrimas. Acreditava estar tão longe dele que não ousava
mais receber o sacramento de seu amor. Durante sete anos não
conseguiu receber na santa comunhão aquele que amava de
todo o coração e que acreditava ofender a todo instante. A
viagem a Villefranche, longe de acalmar seus males, tornou-os
mais amargos. Só via em Deus um juiz terrível, pronto a
castigá-la. Nosso capelão, com quem ela falou, descobriu logo
o rico tesouro que a divina Providência lhe enviava. Tendo-a
escutado uma ou duas vezes, compreendeu que Deus tinha
grandes desígnios para essa alma, que ele se comprazia em
crucificar. Aos poucos, exerceu uma influência tão grande
sobre ela que a fez aproximar-se dos sacramentos, o que custou
terrivelmente à sua penitente. Após esse primeiro passo, seu
confessor lhe declarou que Deus a queria religiosa da Sagrada
Família. Apesar de suas oposições e de suas repugnâncias
extremas causadas pelo temor excessivo de não cumprir os
deveres do estado religioso, embora fosse de uma exatidão
exemplar, submeteu-se e vestiu o santo hábito religioso. Seus
sofrimentos continuaram e só ficou livre deles dois dias antes
de falecer. Tendo terminado o noviciado, não conseguiu
assumir a profissão, só pronunciando os votos alguns anos
depois.
Viveu num alto grau de generosidade e de espírito de
sacrifício. Seu fervor, sua fidelidade às menores prescrições da
Regra nunca diminuíram. Seu atrativo particular era viver
desconhecida aos olhos dos homens. Por isso, quando foi
nomeada superiora do Refúgio ficou numa tristeza tão grande
que ficou acamada. Mas quando lhe fizeram compreender o
valor da obra das arrependidas e que essas jovens excluídas da
sociedade foram objeto da ternura, da solicitude e até das
buscas do divino Pastor, quando compreendeu todo o bem que
se podia fazer a elas, aceitou com resignação a vontade de Deus
e assumiu o governo da casa. Suas filhas adotivas encontraram
nela uma mãe terna e dedicada. Todos os seus momentos lhes
eram consagrados, só vivia, só respirava por elas. Estabeleceu
em sua casa uma perfeita ordem. Soube conquistar a estima, o
67
ficássemos logo
companheiras.
e
mandássemos
chamar
nossas
Escrevi à Sra. Saint-Cyr e, na tarde do mesmo dia, as
senhoritas Ursule Delbreil e Marie Boutaric vieram
juntar-se a nós. Bendizemos o Senhor por nos ter
conduzido enfim à solidão e começamos logo a observar
o pequeno regulamento que tínhamos feito, esperando
que Pe. Marty nos pudesse dar as Constituições. À noite,
tocamos a campainha para anunciar o grande silêncio e
nos propusemos honrar particularmente o Sagrado
Coração de Jesus e viver inteiramente entregues aos
cuidados da divina Providência.
Essa casa obscura foi para nós um lugar de delícias, e
Deus nos fez experimentar quanto se é feliz ao deixar
tudo por seu amor. A senhorita Alric preparou nosso
jantar e, como não estávamos habituadas aos trabalhos
domésticos, Anne Revel, uma virtuosa viúva que cuidara
de mim desde meus primeiros anos e me queria muito
bem, encarregou-se do serviço, desde o começo. Ela
comprava o trigo, preparava a massa e nos trazia o pão.
Encarregava-se ainda de tudo mais de que precisássemos.
No dia 1º de maio de 1816, vestimos um hábito muito
simples e uniforme. Na cabeça tínhamos uma touca e,
duas a duas, fomos à Missa onde comungamos.
No dia 3 de maio, à sombra da Cruz, abrimos uma
classe gratuita. Abrimos também uma classe denominada
Santa Maria para as meninas de condição média. Jeanne
Bonal, morta na Congregação com o nome de Ir. MarieRaymond, foi a primeira aluna que se apresentou. Sua tia
enviou-nos lenha. Adotamos ao mesmo tempo uma
orfãzinha, Myon Colombiès, para atrair as bênçãos de
Deus sobre o estabelecimento e, logo depois,
encarregamo-nos de duas espanholas. Chegaram
numerosas meninas pobres. Para acomodar nossas três
orfãzinhas, foi preciso colocar a cama de Irmã Ursule no
vão de uma janela e eu mesma fui dormir numa mansarda
desabrigada, no alto de uma torre, quase ao ar livre.
68
Um de nossos maiores desejos era possuir o
Santíssimo Sacramento em casa. Dom Grainville, bispo
de Cahors, 13 que fazia então a visita pastoral da Diocese,
achava-se em Villefranche. Fomos cumprimentá-lo e
pedir que nos concedesse a Santa Reserva. Respondeunos que era preciso ver primeiro a marcha do
estabelecimento.
Não podendo observar a clausura, como teríamos
desejado, procuramos aproximar-nos o mais possível das
religiosas que a observavam. Não fazíamos visitas e as
pessoas seculares eram recebidas em um sótão obscuro,
que nos servia como parlatório.
Entretanto, éramos obrigadas a sair para ir à Missa e
realizar uns passeios necessários, o que muito nos
mortificava. Apontavam-nos com o dedo e éramos objeto
de sarcasmo e desprezo. Embora não tivéssemos guardachuva, íamos à Missa mesmo que chovesse
torrencialmente. Desprezando as censuras, cobríamo-nos
com velhos chapéus, com aventais de cozinha, o que não
contribuía pouco para excitar a hilaridade pública. Em
vez de nos contrariarmos com isso, pensávamos ser bom
sinal para o êxito de nossa obra.
Quando íamos passear, juntávamos gravetos que
arrastávamos na volta pelas ruas, a fim de atrair para nós
o desprezo. Eu levava um pouco longe esse amor ao
desprezo, e o bom Deus permitiu que não nos poupassem.
Pe. Marty, então diretor do Colégio, foi obrigado a
manter-se afastado, visto ser capelão da Casa de SaintCyr.
Eu considerava também como feliz presságio ser
ajudada pelos pobres. A senhorita Alric emprestou-nos
algumas camas e alguns pratos; uma pobre viúva deu-nos
lenha e a metade de um lastro de cama com que
mandamos fazer dois bancos. Anne Revel, de quem já
falei, assim como outra virtuosa moça, dedicaram-se a
nos fornecer as coisas indispensáveis. Não tínhamos
provisões. Vivíamos cada dia. O trigo tornou-se muito
597
217
Circular necrológica da Irmã Raymond Bonal, superiora do
Refúgio em Villefranche. Foi uma das primeiríssimas alunas, entrou
na Congregação em maio de 1816. Madre Emília revela até que ponto
essa religiosa sofreu por causa de escrúpulos e angústias interiores,
antes e até mesmo depois de entrar no convento. No entanto, nada
diminuía seu zelo junto às arrependidas que foram unânimes em sentir
a sua falta (L 932).
À Madre Léonide em Asprières, e a todas as casas.
Villefranche, 27 de junho 1852.
J.M.J.
Minhas queridas Irmãs:
Nossa casa do Refúgio, toda a nossa Congregação, acabam
de sofrer uma grande perda com o falecimento de nossa querida
Irmã Marie Raymond, que o Senhor chamou, quinta-feira, 24,
às 5h30 da tarde. Essa querida Irmã foi nossa primeira aluna.
No dia 3 de maio, quando iniciamos a Congregação, ela se
apresentou para freqüentar nossa escola. O bom
comportamento, a piedade, a doçura que a caracterizavam
tornaram-na muito querida de suas mestras. Em pouco tempo
foi apresentada como modelo às suas jovens companheiras.
Antes que o desejasse, foi obrigada a deixar o estabelecimento
para cuidar de uma de suas tias enferma que habitava Mur-deBarrez. Essa tia, embora muito virtuosa, a fez sofrer muito pelas
desigualdades de seu caráter que, por vezes, a tornavam
insuportável. Nossa querida Irmã tudo suportava com uma
paciência admirável. Para pagar as despesas ocasionadas pela
doença da tia, teve de se impor duras privações, mas nada lhe
custava: fadigas, trabalho, saúde, tudo sacrificava por ela.
Após o falecimento da tia, fez uma viagem até Villefranche
para acalmar os escrúpulos que a devoravam. Desde sua tenra
infância, Deus a tinha provado com sofrimentos interiores de
596
69
Autorizo de bom grado que nossas Irmãs se confessem
apenas cada 15 dias. Queira entregar ao Vigário de Cransac os
dois boletins que lhe envio da parte de Pe. Bernard.
216
Estando doente e muito enfraquecida há vários meses, a superiora
geral pede a Pe. Abbal que a partir de agora envie toda a
correspondência administrativa à Madre Foi Bousquet (L 931, M 570).
A Pe. Abbal, Vigário geral de Rodez.
Villefranche, 23 de junho de 1852.
J.M.J.
Reverendo Padre:
Sofro, há vários meses, de uma doença nos olhos e tenho
várias enfermidades que me dão um cansaço contínuo e me
impedem de trabalhar. O menor cansaço, seja de espírito, seja
de corpo, aumenta meus males. Não tendo condições de me
ocupar e resolver os negócios, Madre Foi cuida da casa e da
Congregação, de acordo com o Conselho. Ela me consulta e
segue meus conselhos. Preside também o Conselho, comunicame as deliberações sobre as quais dou meu parecer antes da
conclusão.
Estando impossibilitada de tratar de negócios, não podendo
ler nem escrever, o senhor não se incomodará que lhe peça para
enviar suas cartas à Madre Foi. Ela leu para mim a última que o
senhor me fez a honra de escrever, comunicou-a ao Conselho e
terá a honra de lhe responder.
Sou, com profundo respeito, Reverendo Padre, sua humilde
e obediente filha.
Irmã Maria Emília.
caro. Chuvas que duraram até junho pareciam anunciar a
perda completa da colheita. O preço dos víveres subiu
excessivamente, a ponto de o hectolitro de trigo ser
vendido até por cinqüenta francos.
Nesses momentos críticos, confiamos plenamente em
Deus e ele não nos abandonou. Inclinou diversas pessoas
a nos emprestarem trigo que deveríamos pagar no ano
seguinte. Para obter as bênçãos de Deus, já nos tínhamos
encarregado de três orfãzinhas. Adotamos uma quarta.
Nas classes remuneradas, recebíamos alunas com grandes
abatimentos. Bastava que os pais expusessem sua
situação
precária
para
que
as
recebêssemos
gratuitamente. Fazíamos a mesma coisa com as internas.
Várias pagavam a metade ou a quarta parte da pensão.
As jovens que se apresentavam como aspirantes ao
estado religioso eram também recebidas gratuitamente.
Não lhes pedíamos senão a boa vontade de seguir Jesus
Cristo. A Providência não falhou. Nunca nos faltou o
necessário, e sempre nos chegavam os auxílios
indispensáveis à medida que dele precisávamos.
Essa mesma Providência velou ainda sobre nossa
saúde. Tínhamos temperamento fraco e delicado e,
contudo, nenhuma de nós esteve doente, apesar de muito
mal agasalhadas, pobremente alimentadas, pois, como já
disse, havíamos dado os quartos mais cômodos da casa às
internas, reservando-nos o alto de uma torre, onde o frio
e o vento se faziam sentir tanto quanto na rua. No
entanto, não tivemos o mais leve resfriado.
Nossa alimentação era frugalíssima desde os
primeiros dias, mas nossa Irmã Marie Boutaric que se
julgava dengosa, embora fosse muito austera, achou que
o pão era bom demais e propôs que não se peneirasse a
farinha. Seguimos seu conselho e, durante algum tempo,
o pão era tão escuro que era preciso ter um apetite muito
bom para comê-lo. Ela entendeu ainda que era fresco
demais quando o servíamos. Ficou resolvido que
faríamos muito pão de cada vez e a resolução foi tão bem
70
executada que nos aconteceu várias vezes comê-lo
cinzento de mofo. Nossa cara Irmã, ávida de
mortificação, achou que os legumes eram muito bem
preparados e indicou uma cozinha muito econômica;
algumas cenouras ou batatas cozidas em água com um
pouco de banha, que apenas se via, foi todo o tempero. O
vinho foi proibido.
Essas privações não faziam senão aumentar a alegria
de nossas almas. Uma única privação era-nos dolorosa, a
de não possuirmos o Santíssimo Sacramento em casa.
Pedíamos a Deus essa graça que nos foi concedida em
junho do mesmo ano por Dom Grainville, ao passar
novamente por Villefranche, quando voltava de sua visita
pastoral. Honrou-nos com sua visita, ficou muito
satisfeito ao ver a ordem e regularidade que reinavam em
nossa casa e concedeu-nos a maior das felicidades por
que poderíamos anelar.
Possuindo o Santíssimo Sacramento, acreditávamos
ter tudo. Logo erigimos um altar, mas nada tínhamos para
orná-lo, nem paramentos para a Missa. Pe. de PomairolsGrammont emprestou-nos paramentos que nos deu em
seguida. A Sra. de Pomairols, minha tia religiosa, deunos toalhas para a sacristia e outras coisas dentre as quais
uma taça de prata que mandamos transformar em um
cálice. Minha avó contribuiu também com sua cota,
assim como a senhorita Alric. Várias outras pessoas
quiseram também contribuir para essa boa obra.
Emprestaram-nos uma custódia e, desde então, só nos
faltava mandar benzer a capela e encontrar um padre para
celebrar a Missa.
595
você está adoentada, teria sido melhor guardá-las e comê-las.
Privou-se por minha causa.
Cuide de sua saúde, minha querida Madre. O frio não lhe
faz bem, faça o possível para não se expor a ele. Levante-se
mais tarde, deite-se cedo, enfim, faça tudo que puder para ter
condições de me dizer em breve que está perfeitamente
restabelecida. Compartilho dos sofrimentos de Pe. Ricard. Hoje,
iniciamos uma novena e domingo daremos a intenção na
bênção do Santíssimo Sacramento.
Tenho a consolação de saber que o retiro das crianças foi
um sucesso. Peço ao bom Deus que dele conservem os frutos.
Fico contente de saber que fará todo o possível para
propagar a obra da Santa Infância. Aqui nossas crianças estão
muito animadas. Uma menina da classe de Irmã M. Paul
solicitou como um favor ter apenas um pedaço de pão para o
jantar, porque a mãe não queria lhe dar um centavo para fazer a
inscrição e disse ingenuamente à sua mãe, que lhe oferecia um
pedaço de queijo: “Mamãe, guarde o queijo e me dê um
centavo.” Já constituímos um certo número de séries. As alunas
da classe do Bom Pastor organizaram um sorteio em benefício
da obra. Despojaram-se de seus brinquedos, conseguiram
prendas e distribuíram bilhetes. Essa turma da Irmã Angèle tem
apenas cinco alunas, mas precisa ver com que zelo conseguem
prendas e distribuem bilhetes. Eles são vendidos por apenas
cinco centavos e elas têm cerca de 80 prêmios. A leitura de um
boletim lhes deu essa idéia. Fizeram tudo sozinhas e no início
sem eu saber, estavam muito contentes de me fazer uma
surpresa. Uma delas trouxe uma lanterna mágica: houve um
grande espetáculo. As alunas da classe São Casimiro deviam
pagar um centavo para assistir à representação e as da classe
Santa Maria e São Vicente pagavam apenas dois centavos. Foi
uma brincadeira inocente e transformaram o recreio numa ajuda
à Santa Infância.
Toda sua. Não tenho mais tempo para continuar.
Irmã Maria Emília.
594
71
as maiores das classes gratuitas também deram sua contribuição
e as que não têm condição de dar um centavo oferecem um
santinho, um pouco de queijo, etc... Peça ao bom Deus que
queira sustentar o que ele começou, pois essa devoção é bem
própria a fazê-lo amar. Envio-lhe um folheto e uma gravura,
assim como 2 quadros, 2 livros. Se precisar de mais, eu os
enviarei. Cuide bem da gravura, porque ela não é encontrada
facilmente. Queira devolvê-la após tê-la utilizado para animar
as crianças.
Saúdo afetuosamente nossas queridas Irmãs e peço-lhes que
se interessem muito pelos irmãozinhos do Menino Jesus. Eles
são tão infelizes e elas podem abrir-lhes a porta do céu
oferecendo-lhes a graça do santo batismo.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
215
Agradecimentos a Françoise Pascal que, juntamente com a carta,
enviou algum presente para Madre Emília. Recomendações para
cuidar da saúde. Alegria em saber que tudo será feito em Aubin para
propagar a obra da Santa Infância, que tem cada vez mais sucesso em
Villefranche (L 901, M 547-549).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 17 de março de 1852.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
A sua afetuosa carta muito me tocou. Mil vezes obrigada
pelos doces, ainda mais por sua atenção, que me é infinitamente
mais agradável do que o presente. Não quero dizer que não o
aprecio, pelo contrário, mas quero dizer que o sentimento do
coração me causou ainda mais prazer do que o próprio presente.
Agradeço igualmente as lindas uvas que me mandou. Como
CAPITULO IX
A Madre manda benzer a capela e procura um
sacerdote para celebrar a Santa Missa. Crescendo
todos os dias o número das alunas, muda-se de
local. Candidatas apresentam-se para receber o
hábito religioso. Sua avó e tia vão reunir-se a ela.
Marianne Gombert pede para terminar seus dias
no novo convento
Pe. Martin, pároco de Notre-Dame, foi designado
para benzer nossa capelinha, o que ele fez em 15 de
julho. Celebrou em seguida a Santa Missa e nos deixou
Aquele que não tínhamos cessado de chamar por nossos
desejos e preces. Então nos julgamos ricas no meio de
nossa pobreza.
Apressamo-nos em procurar um sacerdote para
celebrar a Santa Missa. Ninguém queria vir, pois ainda
éramos censuradas e criticadas, e o fomos durante dois
anos. Um sacerdote decidiu-se, enfim. Pe. Jourdain,
pároco de Veuzac, e Pe. Blanc, pároco de Saint-Affrique,
vinham confessar-nos. Padre Moncan confessava as
internas. Eu mesma era sempre dirigida por Pe. Marty. 14
O número das alunas aumentava cada dia. O local que
tínhamos alugado não era mais suficiente. Voltamos
nosso olhar para a casa da Senhora Saint-Cyr que não era
mais habitada. O aluguel que nos propuseram era muito
elevado mas, confiando em Deus, prometemos dar 700
francos por ano. Logo que ocupamos a casa, tivemos a
consolação de poder observar a clausura. Contratamos
definitivamente um capelão que celebrava a Santa Missa
e confessava as internas. Podíamos comunicar-nos
livremente com Pe. Marty que vinha estimular nosso
72
593
zelo. Apesar de suas numerosas ocupações, quis ser
nosso confessor ordinário.
privação que lhe é imposta, e gosto de pensar que fará
generosamente o sacrifício.
Algumas candidatas vieram aumentar nossa pequena
comunidade. Um dia, entre outros, cantávamos; de
repente, percebemos uma jovem que se apresentava para
entrar na Congregação, trazendo-nos um porco. Uma e
outro
foram
bem-vindos.
Tudo
dirigia
nosso
reconhecimento para com Deus que jamais faltava em
nossas necessidades. Minha avó e minha tia quiseram vir
reunir-se conosco. Como na casa da senhora Saint-Cyr,
elas pagavam uma boa pensão, o que nos ajudou muito a
comprar móveis e a ficar um pouco mais à vontade.
Como você pretende viajar para Villefranche, terei ocasião
de lhe expressar novamente os sentimentos que você já
conhece.
Marianne Gombert, aquela moça virtuosa em cuja
companhia eu visitava os pobres na minha infância,
desejou com ardor vir terminar seus dias entre nós. A
princípio recusei, temendo que, embora piedosa, não
tivesse ela a nossa maneira de ver e prejudicasse a
regularidade. Ao saber que não a aceitaríamos, disse que
isso não a impediria de dar-nos tudo o que tinha. Fiquei
comovida com tal generosidade e lhe reservei um quarto
na casa. Ela nos edificou com seus exemplos de virtude.
Sua humildade era tão profunda que se considerava
indigna de habitar no convento. Afetada de uma
pleurisia, sofria essa doença com uma paciência
inalterável. Viu chegar a morte com paz e confiança, na
idade de setenta anos. Deixou três mil francos para a
casa.
Manifestação do zelo de Santa Emília pela obra da Santa
Infância. Como as alunas de Villefranche multiplicam donativos e
sacrifícios para o resgate dos pequenos pagãos (L 899, M 545-546).
Minha tia, Marie Agathe de Pomairols, era
Visitandina e fora educada no espírito de São Francisco
de Sales. Expulsa do convento depois da Revolução,
voltou para sua família. Era muito instruída, mas
ocultava sua instrução aos olhos dos homens. Veio
terminar seus dias junto a mim. 15
Depois de dois anos de residência na casa da senhora
Saint-Cyr, pensamos comprar uma casa. Pe. Grimal, que
nos protegia, comprou-nos o antigo convento dos
Cordeliers que, desde a Revolução se tornara um café dos
Toda sua no divino Coração de Jesus.
Irmã Maria Emília.
214
À Madre Vincent, em Figeac.
Villefranche, 2 de março de 1852.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
O divino Menino Jesus, que é o presidente da obra da Santa
Infância, a recompensará por seu zelo em propagar a amável
associação da qual ele é o presidente. Não se deixe amedrontar
pelas dificuldades. Que nossas queridas Irmãs tenham muito
zelo por essa excelente devoção. Encoraje as crianças e
conseguirá tudo. Mas para isso é preciso ter a bênção de Deus
que necessita pedir com confiança. Aqui tivemos muita sorte, o
ardor de nossas alunas jorrou espontaneamente. Um dia, a
mestra de trabalhos manuais da turma..... por acaso fez ler um
boletim da Santa Infância, e as alunas foram estimuladas de
modo a tudo fazer em favor dos pequenos chineses. Esse ardor
propagou-se em todas as turmas. Já temos nove séries, nossas
zeladoras se propõem a expandi-la fora, entre as pessoas
conhecidas. Essas queridas crianças fizeram o sacrifício (sem
serem levadas a isso) de dar seus pequenos brinquedos e outras
coisas para o resgate dos pequenos pagãos. As menores como
592
73
afetuosas lembranças. Faça com que nossas Irmãs também vão
vê-la com freqüência.
Ao terminar minha carta, recebo uma cesta cheia de carne
de ganso. Agradeço-lhe afetuosamente e gostaria de todo o meu
coração poder retribuir-lhe.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
213
Encorajamentos a uma noviça (vinda de outra Congregação).
Precisão a respeito dos exercícios que ela seguirá ou não, com toda a
comunidade (L 895, M 544-545).
À Irmã Germaine Combres, em Livinhac.
Villefranche, 19 de fevereiro de 1852.
J.M.J.
Minha querida e amada Irmã:
Li a sua carta com muita consolação. Agradeço ao bom
Deus as santas disposições que ele coloca em sua alma.
Aproveite para progredir sempre mais no caminho da virtude.
Gosto de saber que minha última carta lhe causou prazer. Foi
por esquecimento que só mencionei o refeitório, pois você
poderá igualmente assistir às conferências, continuar a
participar dos recreios, ocupar-se da casa na medida de suas
forças, ajudar as Irmãs em seus trabalhos. Entretanto, no que se
refere ao Capítulo, você não poderá participar dele, conforme o
que me escreveram de Rodez. O certo também é você sair do
refeitório cada vez que houver alguma prática de penitência,
algum aviso a ser dado às Irmãs. Como pensei que ficaria triste
em ter de sair do refeitório, escrevi à Madre Alphonsine para
suspender as práticas de penitência que costumamos fazer,
deixando-as para a reunião do Capítulo. Assim, você só será
privada deste último exercício. A liberdade que lhe é deixada
para participar de todos os outros compensará a pequena
mais freqüentados da cidade. Prometemos dar 24.000
francos, mas, não sendo bastante vasto esse local e não
encontrando aí lugar para uma capela, compramos uma
casa contígua, onde estava a antiga capela de São Roque,
que tinha sido transformada em estrebaria. Custou-nos
10.000 francos. Compramos também o jardim dos
Cordeliers por 8.200 francos.
Ao todo eram 42.200 francos que devíamos pagar e
nada tínhamos. Pe. Grimal auxiliou muito nos consertos
que eram numerosos. Um dia, devíamos fazer um
pagamento, encontramos 7.000 francos no fundo de um
armário, o que nos deixou numa admiração indescritível.
Nossas saúdes arruinaram-se quando o bem-estar
começou. Irmã Marie-Eléonore foi acometida de uma
doença no pulmão e morreu aos 20 anos, perfeitamente
resignada à vontade de Deus. Era uma alma generosa,
preferia o cuidado dos pobres ao dos ricos.
Chorávamos ainda nossa querida Irmã Eléonore,
quando Deus quis afligir-nos ainda chamando a si Irmã
Marie Boutaric. Alguns dias depois, morreu uma órfã.
Todos os meses tínhamos uma pessoa a chorar. Estava eu
mesma muito cansada, pois toda a responsabilidade
pesava sobre mim. Não podia, na maior parte dos
negócios, contar com ninguém. Por isso perdi o sono e
minha saúde se foi arruinando. Em 1819, fomos tomar
posse da casa que havíamos comprado e emitimos
solenemente os primeiros votos. 16
74
591
CAPÍTULO X
Sou, com o mais profundo respeito, meu muito querido
Padre,
Sua muito humilde e obediente filha.
Irmã Maria Emília.
Deus prova a Madre com tentações contra a fé, a
esperança e a caridade
Ano de 1852
Ela se encontra num estado extraordinário de
sofrimento interior 17
212
No mês de agosto de 1820, começaram as terríveis
tentações que tive de combater durante cerca de trinta e
um ou trinta e dois anos.
Durante esse tempo, tive alguma trégua por ocasião
das fundações e durante meus grandes sofrimentos
corporais.
Essas tentações, que jamais experimentara, caíram
sobre mim de repente, como uma tempestade; meu
espírito ficou perturbado; as trevas, a tristeza encheram a
minha alma. Fui procurar Pe. Marty que não teve
palavras para me tranqüilizar; deixou-me entregue a mim
mesma e confesso que, sem uma graça particular de
Deus, não teria podido resistir, sobretudo no início. Eis,
em resumo, o estado em que me encontrava:
A respeito da fé, ela parecia extinta. Quanto à
esperança, tudo parecia me provar que eu estava perdida
e abandonada por Deus. Em relação à caridade, Deus me
era representado como inimigo. Essa tentação era
excitada a cada momento pela vista dos objetos mais
indiferentes: um verme, uma pulga e todos os diferentes
desconfortos que afligem o corpo; as aberrações do
espírito, sua fraqueza, suas paixões aumentavam minha
pena e pareciam dizer-me... (a frase está inacabada.)
.. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
Sempre a mesma solicitude afetuosa para com Françoise Pascal.
Não desanimar: as intervenções divinas são por vezes tão inesperadas.
Fazer com que os sofrimentos sejam um meio de união com Nosso
Senhor (L 894, M 555-556).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 31 de janeiro de 1852.
J.M.J.
Minha querida Madre:
Penso muitas vezes em você. Saber que sofre me aflige e
tarda-me saber como está. Conseguiu pôr as coisas em ordem?
De qualquer maneira, não desanime. No momento em que
menos esperamos, Deus vem em nosso auxílio. Aproveitemos
de nossos sofrimentos para nos unir ao nosso divino Esposo que
você ama e deseja fazer amar. Fiquei satisfeita em saber que
sua casa vai bem. Madre Joseph me disse que tudo estava bem
organizado, que a Regra era observada e que nossas Irmãs,
dóceis a suas observações, esforçavam-se para colocá-las em
prática. Manifeste-lhes minha alegria, pois não poderia ser
maior. Poupe sua saúde e não esqueça de me dar notícias sobre
ela quando me escrever.
Madre Joseph me disse que você vai muitas vezes visitar a
pobre Irmã Brigitte. Como me alegra, minha querida Madre,
indo visitar e consolar essa pobre Irmã a quem envio as mais
590
75
211
Fazendo chegar a padre Abbal, alguns artigos modificados das
Constituições, Madre Emília lhe anuncia a saída da Irmã Augustine
Carles e lhe pede seu parecer sobre algumas necessidades materiais da
Irmã. De sua parte, está a favor de todas as concessões (L 888, M 541542).
A Padre Abbal, vigário geral em Rodez.
Villefranche, 28 de novembro de 1851.
J.M.J.
Meu muito querido Pai:
Tenho a honra de enviar-lhe uma cópia das modificações
feitas em nossas Constituições.
Lamento dizer-lhe que minhas esperanças a respeito de
Irmã Augustine foram cruelmente frustradas. Longe de aceitar
minhas propostas de vir até aqui para fazer um retiro, nem quis
sequer passar pelo convento. Seu irmão foi buscá-la em Aubin,
levou-a para casa. Ela me escreveu uma carta muito tocante, na
qual me comunica seu pesar, lamenta ter sucumbido à tentação,
está desolada. Pede-me um avental, um véu para a santa
comunhão, um livro de meditação e tecido para fazer um
vestido e um casaco. Diz que, mais tarde, nos reembolsará.
Como para a pensão e o dote ela só pagou 600 francos, nossas
Irmãs do Conselho não querem lhe dar o que solicita. Querem
que eu decida isso. Não conhecendo suas intenções, temo emitir
uma opinião. Os familiares da Irmã Augustine estão tão
prevenidos contra nós que, a meu ver, se não lhe dermos o que
ela nos pede, isso provocará mal-estar e causará, talvez, um
grande prejuízo à Congregação. O médico acaba de me
prescrever leite de jumenta. Creio, Padre, que a permissão que o
senhor der para satisfazer essa pobre Irmã me fará bem mil
vezes mais do que todos os remédios do mundo. Entretanto, eu
me conformarei com a mais religiosa exatidão a tudo o que o
senhor me prescrever.
Quando a essa tentação vinha juntar-se o afastamento
da humanidade sagrada de Jesus Cristo, minha aflição
aumentava, não tendo a quem recorrer, nenhum apoio.
Essa desolação ainda era aumentada pela lembrança da
doce união com Deus de que eu gozara outrora. Sentiame, então, como uma pessoa que do posto mais elevado
tivesse caído na última indigência.
Os terrores que eu experimentava me faziam sentir as
angústias de uma pessoa que se visse suspensa à borda de
um abismo. Parecia-me que as luzes da fé não mais me
guiavam. Achava-me como em noite escura, cercada de
inimigos, só e sem nenhuma defesa. Deus ainda permitia
que tudo que me dissessem não servisse senão para me
afligir, de modo que os remédios se convertiam em
veneno. As palavras do meu confessor para pacificar-me
aumentavam minha perturbação, me agitavam e faziam o
meu tormento. Quando queria me aproximar de Deus,
sentia-me repelida. Nesse estado de aflição e terror, era
inclinada a dizer: "Para onde fugirei a fim de me subtrair
à cólera do Senhor?"
A essa pena juntava-se grande aborrecimento por
tudo que me cercava. Nada me podia distrair ou pouco
me distraía. As pessoas que eu amava se me tornavam
importunas, de forma que tinha perdido a faculdade de
amar. Todo tipo de alegria era-me proibida e eu não
podia senão sofrer. Parecia-me que o bem, em mim, se
convertia em mal e os meus atos de virtude se
originavam de um mau princípio. A Sagrada Comunhão,
que era a minha felicidade, tornou-se meu tormento, bem
como o sacramento da penitência. A oração, delícia da
minha alma, tornou-se para mim insuportável. Não podia
resolver-me a aproximar-me do altar. Contava os
momentos que ali passava.
Se naquele tempo me viessem bons pensamentos,
santos desejos, isso aumentava meu sofrimento de modo
indizível. Tinha sempre a morte diante dos olhos e com
tal pavor como se fosse cair entre as mãos de um senhor
76
inexorável. A idéia que tinha de Deus, a repulsão que
sentia por ele, faziam com que eu nada quisesse fazer por
seu amor e, se me dominava, era impelida a murmurar
contra Deus e acusá-lo de indiferença pelos serviços que
eu lhe prestava, a lançar-lhe em rosto tudo que fazia por
ele. O cuidado que eu dispensava às almas tornou-se
penosíssimo, o aborrecimento me cansava. Não podia
suportar falar nem ouvir falar de Deus. Ainda ficava mais
acabrunhada se me viessem contradições e perseguições
de fora. Só experimentava fraqueza e não encontrava
força alguma ao pé da Cruz.
Em lugar de me trazerem alívio, as leituras piedosas
aumentavam meu sofrer. Via tudo negro, e o que me
podia consolar causava-me desolação. Acontecia-me
nada poder compreender do que lia, pois não podia ligar
nem as palavras nem as frases. A lembrança das ações
dos santos irritava minha dor, bem como a conversa das
pessoas piedosas.
Minhas paixões pareciam ter-se tornado mais fortes e
faziam-me travar rude combate. Parecia-me não ter força
alguma para resistir a elas. Alguma coisa, todavia, me
impelia a lutar; por outro lado era retida, o que me
causava uma pena inexplicável. As faltas que cometia me
levavam ao desespero, bem como a lembrança de minha
vida passada que me era representada de um modo
terrível. A tudo isso vinham juntar-se tentações de
preguiça e de gula. Sentia, não sem grande remorso, um
amor exagerado por meu corpo. Isso era acompanhado
muitas vezes de despeito e ansiedade indefiníveis.
Parecia que minha vontade estava de tal modo
direcionada para o mal que não podia reagir; se negasse o
que sentia, parecia-me ser ilusão e mentira.
Sofria ainda mais nas grandes solenidades. A alegria
da Igreja fazia com que sentisse mais fortemente a minha
dor. Não podia penetrar no espírito do mistério que se
celebrava e ficava mais ou menos como uma pessoa que
sentiria mais vivamente sua enfermidade ouvindo os
589
gosta tanto, a levaria a uma mudança de idéias, de tal modo que
fiquei mais do que surpresa quando recebi a autorização de
nosso Pai. Guardei-a por um dia, sempre na esperança de que
essa terrível crise passasse. Escrevi-lhe sábado passado, 22. O
senhor Simian devia fazer chegar até você a minha carta. Soube
que ele a reteve, o que me penalizou. Escrevi-lhe ainda
segunda-feira, 24. Ignoro se minha carta já lhe foi entregue. Eu
mesma não recebi a que você me escreveu de Aubin e da qual
Madre Françoise me fala. A pobre Madre está desolada com a
sua saída. Escreveu-me que você lhe havia prometido entrar no
convento. Lamento e lamentarei sempre que você não tenha
sido fiel a essa promessa. Parece-me que os resultados teriam
sido satisfatórios e que, se eu tivesse podido lhe falar, você não
teria resistido. Conheço há muito tempo seu coração.
Comuniquei seus pedidos a nossas Irmãs do Conselho.
Você sabe que, com a nova Regra, não devo ocupar-me das
coisas temporais. Nossas Irmãs desejam que você mande seu
irmão ou seu cunhado para falar com a ecônoma.
Saúdo-a com muita afeição e sou toda sua nos santos
Corações.
Irmã Maria Emília.
29 – Logo que terminei minha carta, recebi a sua. Estou
desolada por não poder lhe enviar o que me pede. Asseguro-lhe
que eu consentiria, de boa vontade, despojar-me para prover às
suas necessidades, mas faça como eu lhe disse ontem, envie
alguém.
Não tenho a coragem de escrever no endereço: Senhorita
Carles. No entanto, se isso a faz sofrer que lhe enderece as
cartas dessa maneira, diga-me e não mais o farei.
588
77
210
Numa última carta, Madre Emília suplica da maneira mais
insistente à Irmã Augustine Carles que reveja sua decisão de
abandonar a vida religiosa. Fala-lhe sobre seus esforços anteriores,
sempre discretos, para retê-la, mas sem a constranger. Expressa-lhe
sua aflição atual e a da superiora de Irmã Augustine, Françoise Pascal
(L 887, M 537-539).
À Irmã Augustine Carles,
em Labastide-Capdenac.
Villefranche, 28 de novembro de 1851.
J.M.J.
Minha querida, minha muito querida Irmã Augustine:
Deixe-me dar-lhe ainda este nome que sai do meu coração,
antes que minha caneta o escreva. Sua iniciativa me afligiu
profundamente, mas em nada diminuiu a afeição terna e
maternal que sempre tive por você. Ao contrário, desde o início
de sua infelicidade, tenho um crescente interesse, um
devotamento que nada pode diminuir. Você sofre, eu também.
Como me sentiria feliz em poder lhe devolver a tranqüilidade e
a paz! Se não a pressionei, solicitei não deixar a Sagrada
Família, é porque receava constrangê-la, tornando-a mais
infeliz. Ao lhe escrever pedindo para ir diante do crucificado e
fazer como você gostaria de ter feito na hora da morte, pensei
que essas poucas palavras falariam mais do que os discursos
mais ternos e mais patéticos. Nada é mais propício para nos
tocar, nos fazer entrar em nosso íntimo, do que a lembrança das
grandes verdades da religião. Acalentei a esperança de que esse
pensamento sobre a morte a levaria a refletir e que o resultado
de suas reflexões seria o de aceitar, se não com coragem, ao
menos com resignação, todos os sofrimentos que o bom Deus
quisesse enviar-lhe, pois, minha boa Irmã, você bem o sabe,
Deus conduz tudo. Ele queria santificá-la por esse caminho.
Eu não acreditava que você persistiria no desejo de sair do
Instituto. Disseram-me, aliás, que estava mais calma. Pensei
que a volta para Aubin da Madre Françoise, de quem você
outros a falarem das belas coisas que viam, ou como
alguém que, diante de uma mesa com finas iguarias, não
pudesse saborear nenhuma delas.
Nas tentações que giram, de algum modo, em torno
da alma e contra as quais ela combate, sente que não
pertence ao inimigo, mas, naquelas em que eu me
encontrava, acreditava-me vencida, em poder do inimigo,
sem defesa alguma, o que tornava minha tristeza
excessivamente grande, pois me julgava em poder do
demônio. Apesar disso, podia às vezes lançar gritos
inflamados para Deus, os quais teriam podido consolarme na minha aflição, mas parecia-me que essas centelhas
vinham de um braseiro que me era estranho.
Considerava o santo estado religioso como ele é visto
pelo mundo. Minhas filhas, que eram para mim uma cruz,
não percebiam meu estado. Deus me dizia que nada
deixasse
transparecer.
Conservava-me
alegre
exteriormente. Embora minhas filhas me fossem um
grande objeto de sofrimento por causa da tentação, só era
severa com elas quando suas faltas o exigiam. Para
mortificar minha vontade, Pe. Marty queria não somente
que eu falasse quando estivesse tão penalizada, mas que
começasse a conversação. Deixava-me conduzir pela
obediência como um irracional e pensava muitas vezes
em Nabucodonosor.
Tendo-me assaltado essas tentações pouco tempo
antes dos votos perpétuos, custou-me muito fazê-los.
Nisso ainda me entreguei à obediência. Durante certo
tempo, não podia fazer leitura alguma em francês. Pe.
Marty ordenou-me que lesse em latim. Na fundação de
Saint-Beauzély, meu pavor em relação a morte tornou-se
maior por causa dos esqueletos que encontramos no
jardim. Para vencer-me, ia mudá-los de lugar. Para
vencer ainda meu grande horror aos cadáveres e um
sentimento de pavor que experimentei junto de uma Irmã
agonizante, quando ela morreu, passei a noite junto ao
seu cadáver.
78
587
Nunca experimentei tentação alguma contra a pureza.
Não compreendia o mal. Superiora, compreendi apenas o
que era preciso fazer para evitá-lo. Jamais julguei alguém
maliciosamente nem tive tentação contra o próximo.
Fazia-me grande violência para, combater os
sentimentos naturais que experimentava pelas Irmãs que
há muito não tinha visto. Deus me levava a renunciar
aos reclamos da natureza, em relação a esse ponto, para
punir-me de algumas faltas que se tinham mesclado a
sentimentos agradáveis. 18
CAPÍTULO XI
A Madre é provada por uma doença humilhante e
muito dolorosa
Pe. Marty a envia a Aubin para consultar um
médico afamado
Nessa cidade ela funda uma casa da Congregação
Antes de me submeter às tentações que acabo de
relatar, Deus havia provado o Instituto com a doença ou a
morte da maior parte dos seus membros. Amedrontados,
os pais das alunas vinham buscar as filhas.
Pensei, então, que Deus não queria nossa obra e eu
faria melhor unindo nossa comunidade de Villefranche à
das Filhas de Maria, muito recentemente fundada em
Agen pela Senhora de Trenquelléon. Expus minha idéia a
Pe. Marty que a endossou. Desde então, fizemos, de
comum acordo, várias diligências para isso, mas sem
êxito, porque as Irmãs de Villefranche se opuseram.
Escrevi ao príncipe de Hohenlohe 19 para consultá-lo a
respeito dessas doenças. Ele me respondeu que era uma
perseguição do demônio.
É o número 39 que falta à Irmã Laurent.1 Queira fazer
chegar esta carta à mãe de Nicolaïde, por uma pessoa de
confiança.
209
Madre Emília demonstra uma paciente solicitude para com a Irmã
Augustine, que devia efetivamente sair da Congregação algum tempo
depois (L 886, M 536).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 25 de novembro de 1851.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Nossa querida Irmã Augustine me disse que está decidida a
sair e pede para deixar aqui o santo hábito. Respondi-lhe que
tenho confiança de que, longe de deixá-lo, espero que ela o
guardará. Espero cada dia por essa Irmã. Deus queira iluminála, fazendo-a compreender o quanto é grande a infelicidade de
sair do claustro, sobretudo contra os conselhos de seus
superiores. Penso, minha muito querida Madre, que você faz
rezar por ela. Não devemos deixar de fazê-lo.
Tenhamos confiança de que seremos atendidas. Entregue-lhe
minha carta e procure dissuadi-la dos pensamentos que o
demônio lhe coloca no espírito. O senhor Simian disse-nos que
ela lhe havia escrito e pedia-lhe para vir buscá-la na quartafeira. Ela fará o retiro antes de ir para a casa da irmã e, se Deus
quiser, verá melhor as coisas.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
586
79
pobre Irmã Mélanie (Courtois) que tosse de cortar o coração. O
pai de nossa Irmã Marie Gervais veio buscá-la anteontem. Nós
a entregamos com prazer, esperando que o clima natal a
restabeleça. Ela foi para o convento de Saint-Amans.
A pobre Monique sucumbiu à tentação. Seu irmão veio
buscá-la e ela não teve força para resistir. Seu irmão prometeulhe que a deixaria voltar se ela tivesse vocação.
Irmã Laurent sensibilizou-se com sua lembrança e a oferta
que você fez do número dos anais que lhe faltam sem que lhe
tenha pedido. Gostaria que você estivesse presente quando ela
leu esse parágrafo de sua carta. Pede que aceite seus
agradecimentos e a certeza de seu afeto. Ela lhe quer bem, nós
todas lhe queremos bem, fique certa de que você deixou muitas
saudades. Quanto a mim, minha querida Madre, conhece minha
afeição por você, ela não mudou um instante e, se pudesse ler o
meu coração, veria como ele está bem disposto a seu favor.
Amo muito todas as minhas filhas, todas têm direitos iguais ao
meu amor, mas as minhas idosas têm direitos particulares e
ninguém pode se ofender com isso!
Desejei muito guardá-la junto a mim. Tive que ceder a
circunstâncias imperiosas, mas isso não altera em nada meus
sentimentos, eles são e serão sempre os mesmos. Se o bom
Deus permitir que vivamos separadas, nós nos encontraremos
numa vida melhor e será para sempre.
A Madre Joseph irá, talvez, passar alguns dias em Aubin.
Eu lhe disse isso ao partir.
Você pensou que havia colocado o comunicado que recebeu
de Bezonnes na carta posta no correio e o esqueceu. Pelo
menos, não o recebemos.
Adeus, minha muito querida Madre, creia que sou toda sua.
Irmã Maria Emília.
Após ter encorajado minhas Irmãs, tomado grande
parte em seus sofrimentos, pois, de tal modo as amava
que morria com aquelas que morriam, caí, eu mesma,
doente. Compreendi que o mal vinha do nariz. Fiquei
apavorada, mas silenciei. Quando as Irmãs o perceberam,
fizeram-me consultar o médico que não descobriu meu
mal. Outra consulta foi feita e depois vieram dizer-me
que eu estava ameaçada de um câncer. Respondi:
"Mesmo dez cânceres seriam preferíveis a um pecado
mortal." Eu seguia meu rumo normal. Submeteram-me a
uma operação no nariz. Quiseram amarrar-me, receando
que eu me agitasse e comprometesse a operação. Não
quis. Disse que me bastava o Crucifixo que tinha entre as
mãos. Com efeito, Deus me concedeu a graça de
permanecer imóvel, o que levou o médico a dizer que em
mim havia algo de divino. Trataram-me com remédios
muito dolorosos, o que me fez sofrer muito. Obrigada a
repousar um pouco, eu me ocupava em cuidar das flores,
dos animaizinhos. Receio ter cometido nisso alguma
pequena sensualidade, tão grande era a minha satisfação.
Pe. Marty enviou-me a Aubin para consultar Dr.
Murat e tentar minha cura. 20 A senhorita Constans,
pensionista em nossa casa, propôs-me fundar nessa
paróquia, seu torrão natal, um educandário para moças.
Fomos juntas a Aubin. Não fui bastante reservada nessa
viagem, elogiando-a quanto a suas qualidades.
Na fundação dessa casa, tive um modo de ver oposto
ao de Pe. Marty. Não fui franca. Ocultei-lhe que um
inquilino não podia desocupar a casa que nos estava
destinada desde nossa chegada. Pe. Marty veio e trouxe
as Irmãs. Repreendeu-me um tanto severamente.
Suscetibilizei-me demais. Foi o maior pecado que
cometi. O que mais me penaliza é ter comungado em
seguida sem me ter confessado.
Não tardei, entretanto, a compreender o mal que fiz
conduzindo-me segundo meu raciocínio, que, aliás, me
parecia bom, pois não queria faltar à palavra dada aos
80
habitantes da paróquia. Havia-lhes prometido Irmãs para
o princípio de novembro. Fui confessar essas faltas ao
próprio Pe. Marty. Minha aflição era tão grande que não
podia alimentar-me. Confessei-me uma segunda vez a Pe.
Marty. Senti de tal modo a minha falta que quase morria
de dor. Reconhecendo meu erro, mudei de atitude e,
desde então, as graças se multiplicaram. 21
Para expiar as palavras inúteis ditas nessa casa,
apliquei-me ao mais absoluto silêncio. Era muito simples
e nada podia esconder de meu Superior. Bastava que um
pensamento me custasse a dizer para que eu lhe fosse
confessar. Entretanto, ele não me dava muito crédito
desde aquele meu modo de agir que já relatei. Pensava
sempre que eu não era franca para com ele, o que me
causava uma pena tão grande que não sei exprimir. Dr.
Murat prescreveu-me um medicamento que muito me
aliviou. Mais tarde, querendo renovar a receita, nem ele
nem o farmacêutico puderam lembrar-se.
Minhas tentações, que se tinham acalmado um pouco
durante a fundação, voltaram logo mais fortes. Fiquei
numa agitação que nada podia atenuar. Pe. Marty
repreendia-me, humilhava-me. "Foi preciso", dizia-me
ele, "que Deus aplicasse o ferro e o fogo." Gostava de ser
tratada assim. Um dia subi ao último andar da casa, onde
li o necrológio dos trapistas. 22 Passou-se em mim alguma
coisa que não sei exprimir. Compreendi como se sentiam
os mártires em seus sofrimentos. Foi um momento dos
mais extraordinários de minha vida.
No meu estado de tentação, sentia em mim como duas
pessoas que se contradiziam, e os bons pensamentos
abundavam em minha alma. A visão de Jesus Cristo
subindo ao Calvário sustentava-me. Pe. Marty queria que
eu me entregasse à contemplação. Permanecia no coro
sem pensar, três, quatro horas, como o faria alguém que
estivesse sentado ao lado de uma pessoa. Tinha presentes
muitas vezes as palavras do Cântico dos Cânticos:
"Aonde levais a pastar vosso rebanho na hora do meio-
585
208
Um certo descontentamento pelo envio de cartas muito curtas e
pouco circunstanciadas. Pedido de notícias detalhadas. Ao mesmo
tempo, declaração de inalterável afeição (L 879, M 532-534).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 1º de novembro de 1851.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Não estou muito satisfeita com sua secretária, minha cara
Madre. Após um silêncio de sete dias, escreve-me uma carta tão
curta, sem nenhum detalhe! Você e ela merecem alguma coisa.
Sabe que, na Casa-mãe, cada falta é julgada e punida. Então!
Sua penitência será de encarregar alguém de me escrever, ou
melhor, você mesma (eu ficaria mais satisfeita), uma carta bem
detalhada e bem longa. Como está? Como vai sua saúde?
Dorme bem? Tem apetite? Tem chorado muito? Tem sido
razoável? Quais são suas ocupações? Está acostumada? Tem
mais paz? Está satisfeita? Está feliz? E nossas boas Irmãs, como
estão? E a Irmã Marie Augustine? Está um pouco mais calma?
Você tem a esperança de fazê-la voltar a melhores sentimentos?
Como vai a saúde dela? Ela tem apetite? Tem ocupações a fim
de que não fique voltada para si mesma? Quais são as
ocupações dela? E minha querida Irmã Antoinette está melhor?
Todas as nossas queridas Irmãs estão animadas e com bons
propósitos? Querem se tornar fervorosas? Você introduziu o
costume de proclamar a penitência? As encarregadas da
disciplina prestam-lhe conta com exatidão do que vêem de
contrário à regularidade, etc.? Espero, minha querida Madre,
que lhe tenha dado o esquema de carta que desejo e que ela me
chegará logo. Embora você só mereça repreensões, entretanto,
não quero repreendê-la, pois o próprio das mães é perdoar!
Perdôo-lhe, pois, em vista do seu bom propósito. Isso é o que
sua carta vai me provar.
Agradeço-lhe pelo interesse que tem por minha saúde. Vou
bastante bem. Não temos doentes na enfermaria, exceto nossa
81
584
207
Com grande firmeza de espírito, Madre Emília reconhece como
sendo providencial a provação de uma superiora na ocasião de sua
passagem por Villefranche, e renova-lhe a certeza de sua afeição (L
859).
A uma superiora.
Villefranche, 17 de junho de 1851.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Creio que o estado em que você se encontrou durante os
dias passados aqui foi uma verdadeira permissão de Deus,
permissão que, em seus desígnios, tinha alguma finalidade para
nós desconhecida e que devemos adorar. Pensei muitas vezes
que, se você tivesse voltado, as coisas teriam sido diferentes. A
divina Providência destinou-a, sem dúvida, à guarda do rebanho
que lhe foi confiado e junto ao qual espero que faça muito bem.
Conte sempre, minha muito querida Madre, com minha grande
e profunda afeição. Faz muito tempo que esses sentimentos
estão no meu coração e estão gravados nele de uma maneira
que não poderão enfraquecer.
No pouco tempo que Irmã Philippine passou aqui, fiquei
muito edificada com suas boas disposições. Apesar do
sofrimento de ir para Montauban, sua submissão à santa
vontade de Deus foi total. Deus a abençoou. Ela me escreveu
dizendo que estava muito feliz.
Faça rezar por nossa Irmã Augustine que decidiu sair da
Congregação. Convidei-a para vir fazer um retiro aqui antes de
realizar uma coisa tão ruim. Nosso bom Pai fez tudo o que pôde
para demovê-la do projeto e ele está muito aflito com isso. Não
fale sobre isso. Talvez Deus se deixe tocar e ouça nossas
preces.1
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
dia?" Abrasada de amor por Deus, desejava se
rompessem os meus laços. Não podia ouvir falar de Deus.
Estava como que queimada. Era por demais expansiva
quando falava em Deus.
Foi depois da fundação de nossa casa de Aubin que
Pe. Marty começou a elaborar as Constituições. Para que
elas terminassem logo, eu fui obrigada a enganá-lo
muitas vezes, quando me perguntava a hora.
CAPÍTULO XII
A Madre, por ordem de Pe. Marty, vai a Livinhac
para transformar em casa da Sagrada Família um
convento das Irmãs da União.
Logo depois, em 1834, ela abre as escolas
Em 1823, Pe. Marty foi nomeado vigário-geral de
Rodez. Apesar da distância, quis continuar a dirigir-me.
Nessa época, fui atacada por uma febre maligna. Sofri
muito. Entreguei-me à vontade de Deus. Entretanto,
cometi grande imperfeição perguntando se a doença
poderia ser mortal. Apenas me restabeleci dessa febre,
outra sobreveio. Dessa vez, fui mais generosa, embora
sempre tenha sido muito dengosa. A visão dessa fraqueza
não me desanimava. Esperava converter-me na idade de
Santo Agostinho.
Em 1832, Pe. Marty enviou-me a Livinhac para
converter em convento da Sagrada Família um
estabelecimento de Irmãs da União, existente naquela
paróquia. A empresa era um tanto difícil, pois somente a
Superiora desejava firmemente agregar-se à nossa
Congregação. Segui para Livinhac no dia 1º de agosto de
1832. Com muita deferência para com as Irmãs da União,
que eu considerava como minhas superioras e mestras,
82
consegui o fim desejado por meus superiores. Ficou
resolvido que viveríamos na mesma casa; elas,
observando a própria regra, e nós, observando a nossa e
nos dedicando à instrução da juventude. Aquelas que
quisessem observar nossa Regra e entrar na Congregação
seriam aceitas. Somente a superiora quis.
O meu modo de ver foi, ainda aí, contrário ao do meu
superior, mas, creio nada ter feito de repreensível.
Contudo, Pe. Marty contrariou-se, deixou-me agir por
minha conta, e a prevenção de que eu tinha feito nascer
na fundação de Aubin aumentou. Ele não estava
satisfeito, embora todo mundo me aprovasse; quanto a
mim, estava sempre contente, pensando que as
perseguições nos eram necessárias como à Igreja
universal. Não fazia caso de proteção dos homens. Meu
apoio eram os pobres e a Providência. Chamava-os
sempre em meu auxílio.
Após ter passado vários meses em Livinhac, voltei
para Villefranche onde recomeçaram as mesmas lutas
interiores, mas Deus concedia-me a graça de me dominar
de modo que as Irmãs nada percebiam do meu estado.
Um dia, contudo, uma Irmã surpreendeu-me num estado
insuperável de tristeza. Fui à Capela e aí Deus me deu a
paz.
Desejava muito ver um estabelecimento de
Carmelitas em Villefranche. Mandei erigir, em casa, um
oratório a Santa Teresa para obter essa graça e pedi às
Irmãs que rezassem nessa intenção. Como Deus tardasse
a atender o meu pedido, cada vez que passava diante do
oratório queixava-me à Santa desse longo atraso. Queria
dar tudo que tinha recebido de minha família a esse
estabelecimento. Pe. Marty não concordou. Pouco mais
tarde ele consentiu, mas, no momento em que ia executar
meu piedoso projeto, o Sr. Bispo opôs-se.
Nossas Irmãs de Aubin eram encarregadas de
distribuir aos pobres da paróquia as esmolas fornecidas
para esse fim pela prefeitura. Confiamos a distribuição a
583
encenadas pelas alunas, nessas circunstâncias. Vocês não
querem que se tornem atrizes, comediantes, elas não podem
querer pregar nas igrejas, contestar nos tribunais. É preciso,
sem dúvida, que saibam ler convenientemente. Parece-me bom
que recitem belos trechos literários que educam e formam o
coração, mas, se vamos mais longe, corremos o risco de cair,
pouco a pouco, em grandes abusos. As peças mais perigosas
serão sempre as mais atraentes. Acharão monótonas aquelas
que poderiam ser representadas sem perigo. O pregador de
nossa quaresma contou no púlpito a história de M. Baudier que,
tendo se saído muito bem nas peças encenadas no convento e
não sabendo o que fazer aos 16 anos, sem fortuna, entrou numa
companhia de comediantes e obteve muito sucesso no teatro de
Paris. Eis, minha querida filha, minha opinião de sempre.”
A leitura desta carta me comoveu. Nossas Irmãs daqui
partilham meus sentimentos e foi decidido que o número 197
será novamente posto em vigor.
Toda de vocês.
Irmã Maria Emília.
582
83
Peço para ela as orações da Congregação.
Sou toda de vocês nos sagrados Corações de Jesus, de
Maria e de José.
Irmã Maria Emília.
206
Madre Emília comunica a todas as casas a decisão sem apelo de
suprimir as peças teatrais, por ocasião da distribuição dos prêmios (L
856, M 512-513).
Às Irmãs de Verfeil e de todas as nossas casas.
Villefranche, 9 de maio de 1851.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
O número 197 de nossas Constituições proíbe apresentar
dramatizações durante as provas de fim do ano escolar. Nosso
Fundador, de santa e venerável memória, julgou esse ponto tão
importante que dele fez uma proibição expressa nas
Constituições que nos deixou e que observamos durante tantos
anos. Enquanto ele viveu, nenhuma peça foi encenada, nem
recitada pelas alunas. Há algum tempo, algumas circunstâncias
me levaram à necessidade de permitir não somente a recitação
mas também a representação, embora confesse só tenha dado
essa permissão a contragosto. É certo que essa tolerância pode
levar mais tarde a grandes abusos. Não as assinalarei, minhas
boas Irmãs, vocês me compreenderão suficientemente.
Escrevi, há uns quinze dias, ao nosso digno Superior Padre
Abbal, perguntando-lhe simplesmente se este ano as provas de
fim de ano seriam públicas. Após me haver exposto as razões
que o levaram a responder de uma maneira afirmativa, conclui
com estas palavras: “Não compreendo a utilidade das peças
uma jovem Irmã conversa, criteriosa e prudente, chamada
Irmã Marie. Ela cumpria com zelo sua missão e,
provendo as necessidades do corpo, não negligenciava o
cuidado das almas das pessoas que ela assistia.
Visitando os pobres da localidade, ela teve ocasião de
passar por Vialarels, onde se encontrou com meninas
inglesas em cuja conversão muito trabalhou. Essas
crianças afeiçoaram-se a ela e, quando a viam retomar o
caminho do convento, estendiam-lhe os braços dizendo:
"Irmã Marie, venha instruir-nos, fique conosco." E a boa
Irmã não podia fugir às suas inocentes carícias. Em uma
circunstância em que me achava em Aubin, Irmã Marie
veio falar-me da sorte dessas pobres crianças que ela
amava com uma grande ternura. Meu coração comoveuse com a narração que ela me fez. Disse-lhe: "Não seria
bom, Irmã Marie, abrir uma escola para essas crianças
em Decazeville ou em Vialarels? – Oh! Sim, Madre, que
boa inspiração Deus lhe enviou!" Disse-lhe então: "Quer
ser a superiora?" Em sua simplicidade ela me respondeu:
"Sim, minha Madre."
Rezei e pedi orações para conhecer a vontade de
Deus. Falei em seguida a Pe. Marty e decidimos que
fundaríamos uma escola em Decazeville. O vigário da
paróquia e a prefeitura aprovaram. As Irmãs: Julitte e
Thaïs que não haviam feito voto de clausura, e Irmã
Marie, a jovem conversa de que acabo de falar, foram
designadas para começar a escola. Demos-lhes um hábito
diferente do das Irmãs clausuradas e conversas. Irmã
Marie devia ser a Superiora. As três partiram no dia 6 de
julho de 1834. Chegaram a Vialarels antes da Missa. O
pároco mandou cantar o Veni Creator. Em seguida
exortou os pais a mandarem suas filhas à escola que ia se
abrir no dia seguinte.
Todo mundo viu com satisfação esse estabelecimento.
O demônio, ao contrário, ficou enraivecido e não poupou
tentações às Irmãs: o desgosto, o tédio, a tristeza,
assaltaram ora uma, ora outra. Para cúmulo da aflição,
84
Irmã Marie, alma e sustentáculo da casa, caiu doente. Ela
já o estava antes da abertura da escola, pois tinha tido
uma hemoptise, mas após algumas semanas em Vialarels,
ela sucumbiu e, em poucos dias, seu estado se tornou
desesperador. Nessa triste conjuntura, uma das Irmãs
experimentou tão furiosa tentação de desânimo que quase
fugiu. Esquecendo os próprios sofrimentos, Irmã Marie
conseguiu reanimar essa Irmã e restabelecer a paz em sua
alma. Fez a mesma coisa com outras que não podiam
mais e iam alternadamente confiar-lhe suas fraquezas.
Essa querida Irmã teve uma melhora, mas de pouca
duração. Morreu em março de 1835. A obra das escolas
estava fundada sem esperança de desenvolvimento.
Logo após a fundação da escola de Vialarels,
pediram-me outra em Lassouts, que eu própria fui
inaugurar por ordem do meu superior. Depois, abrimos
outra em Saint-Beauzély. O Sr. Bispo queria muito essa
obra e eu também, mas receava que ela viesse prejudicar
a regularidade dos claustros. Tendo percebido, em 1838 e
1839, que algumas casas não-clausuradas, que eu havia
fundado, não eram regulares (alguns membros me
causavam pesar devido às suas relações com o exterior),
tive um momento de desânimo e quis renunciar a essa
obra. Vendo que isso penalizava o Sr. Bispo de Rodez,
reanimei-me e tomei as medidas necessárias para
regularizar um pouco as ditas casas e reconduzir seus
membros a melhor observância.
Para entrar perfeitamente nas intenções de Sua
Excelência, propus-lhe estabelecer um noviciado à parte
para as Irmãs não-clausuradas, a fim de poder formá-las
melhor para as obras a que eram destinadas. Separei-as
também das noviças clausuradas, porque ninguém queria
dedicar-se às escolas. Entretanto, Deus reserva grandes
graças àquelas que ele destina a cumprir essa obra de
zelo.
Logo que esse noviciado foi estabelecido, pensei na
visita aos doentes e, com a autorização do Sr. Bispo,
581
tantas vezes quantas quiserem.” A enfermeira perguntou-lhe se
a fazia sofrer durante os curativos. “Não me pergunte”, disselhe, faça comigo tudo que quiser.” Quando lhe disseram que
logo receberia a unção dos enfermos, disse com alegria: “Estou
curada.” Após receber o sacramento, acrescentou: “Nada me
falta, deixem-me sozinha com Deus; é preciso orar a Deus
durante todo este dia.” Nesse mesmo dia deveriam fazer-lhe
cauterizações. Disseram-lhe: “Irmã, vamos fazê-la sofrer.” –
“Coloquem tudo o que quiserem e não digam nada.” Não queria
que tivessem pena dela e achava que suas dores eram pouca
coisa, embora fossem muito fortes e sua posição das mais
dolorosas, obrigada a manter-se sempre deitada, sem poder se
mexer. Sua fisionomia era serena, um suave sorriso nos lábios
anunciava a paz profunda de sua alma que a menor nuvem
jamais perturbou. Sua confiança em Deus era inalterável;
parecia haver recebido a certeza do céu, que desejava
ardorosamente. Sentindo que dentro de pouco tempo seria
chamada, a alegria inundou sua alma. Disse-lhe a esse respeito:
“Minha Irmã, é preciso aceitar a vontade de Deus e viver, se ele
quiser.” – “Sim, minha Madre”, respondeu, “viverei trinta,
quarenta anos na situação em que estou, se for preciso; não
estou apegada a nada, a absolutamente nada, a nada, aqui na
terra.” Seus familiares queriam muito que um médico da
família entrasse para vê-la e trocasse idéias com nosso médico.
Ela não permitiu. A proposta que lhe foi feita a fez sofrer
muito.
Durante a doença, só quis comunicar-se com Deus e com as
Irmãs enfermeiras, com quem conversava um pouco, durante o
recreio. No dia de sua morte, reuniu toda a comunidade e lhes
disse que deviam amar a Deus, observar a Regra e rezar, que
não era suficiente apenas rezar, mas que todas as nossas ações
deviam ser bem feitas. Pouco depois disse: “Deus só, só ele.”
(Ela tinha dificuldade em falar.) Acrescentou ainda: “Como
desejaria lhes falar! Quantas coisas teria a lhes dizer! Em
seguida, disse: “Fechem as cortinas da cama para eu ficar
sozinha com Deus.” Pouco tempo depois entregou sua alma ao
Criador com tamanha paz, que seu último suspiro foi apenas
percebido.
580
doença que a precedeu corresponderam à vida edificante que
teve. Seu atrativo principal foi estar escondida em Deus e de
sofrer por ele. O desejo do sofrimento a atraía há muito tempo
para a Trapa. A idéia de um contínuo silêncio, de uma total
mortificação e de separação do mundo a impulsionava de tal
maneira que nada poderia retê-la, se não fosse a total aceitação
da opinião de seus superiores que, por prudência, queriam uma
provação mais longa. Vendo-se privada do que era objeto dos
seus mais intensos desejos, mergulhou numa vida de morte e de
sacrifício a cada momento, para encontrar aqui essa união
íntima com Deus, que era o centro de todos os seus desejos.
Encontrou os meios na caridade sem limites que praticou, sendo
em todas as ocasiões a serva de todas; na prática de uma
humildade que lhe interditava qualquer julgamento ou atenção
sobre a conduta das outras, tornando-se alheia a tudo que se
passava fora de seu emprego, a não ser que um dever de
caridade a obrigasse a fazê-lo. Sua simplicidade assemelhava-se
à de uma criança. Via Deus em tudo e suas superioras eram as
intérpretes de sua vontade. Por isso seus desejos eram para ela
uma ordem. Sua fidelidade aos menores pontos da Regra
orientava sua conduta. Seu amor pela pobreza foi além de tudo
o que se possa dizer. Sofrimentos interiores longos e fortes
foram-lhe também ocasião de morte para si mesma. Após estas
provações, Deus, satisfeito com sua generosidade, cumulou-a
com os seus mais ternos favores.
Quando estava no coro a meditar sobre Jesus escondido nos
altares, não via nem ouvia nada do que se passava ao seu redor.
Numa ocasião, eu não queria que ela ouvisse um sermão
apavorante, cujo tema poderia lhe ser nefasto. Disse-me: “Se a
senhora quiser, posso permanecer aqui, pois transporto meu
espírito para o Santíssimo Sacramento e não ouvirei nada.” No
fim da quaresma, uma dor que sentia de um lado há longos
meses, e à qual não deu importância, forçou-a a ficar acamada,
num total abandono à vontade de Deus, não desejando
cuidados, nem remédios, aceitando-os numa total indiferença.
Na véspera de sua morte, mostrou o desejo de não beber.
Pouco depois, ela se retrata: “Não me escutem; façam-me beber
85
decidimos que nossas Irmãs das escolas se dedicariam
também a isso.
Tendo a visita aos doentes nos dado ocasião de ver
alguns prisioneiros, encarregamo-nos, com a aprovação
de Sua Excelência, de visitá-los também, como aos
doentes.
Aceitamos igualmente a direção de um abrigo para
crianças que um rico negociante de Villefranche ia
fundar.
86
579
tudo terminará. Nossas Irmãs do Conselho se ocupam disso, no
momento.
CAPÍTULO XIII
A Madre funda um claustro em Figeac.
Cinco anos depois, funda outro em Montauban
Um senhor de Figeac veio me propor a fundação de
um convento nessa cidade.
Como eu não queria fazer nova fundação, fiz o
possível para não pensar nisso. Esse senhor escreveu a
Pe. Marty, meu superior, propondo-lhe a mesma coisa.
Ele projetava vender uma casa e nada negligenciava para
que a comprássemos. Pe. Marty me escreveu que fosse a
Figeac para ver se me era possível fundar ali um claustro.
Parti sem os recursos necessários, embora isso me
custasse um pouco, não pela falta de meios mas porque
não sentia atrativo para essa fundação. Duas de nossas
Irmãs me acompanhavam. Chegamos a Figeac depois de
meia-noite.
Ao amanhecer, pedimos à empregada da casa onde
nos hospedamos que nos conduzisse ao pároco da
freguesia. Estava persuadida de que ele me daria os
esclarecimentos necessários. Apresentei-me a ele sem
nenhuma carta de recomendação. Expus-lhe o objetivo da
minha viagem. "Ótimo!" disse-me o bom velhinho. Não
quis deixar-nos no albergue. Enviou-nos ao hospício
dirigido pelas Damas de Nevers. Assistimos à Missa na
Igreja de Nossa Senhora das Dores, depois executamos
suas ordens.
As Damas de Nevers, sobretudo a Madre Eléonore,
acolheram-nos com caridade cordial. Perfeitamente
desinteressada, a Madre nos disse: "Praza a Deus que
todo mundo profetize." A Madre Julie acompanhou-me às
De bom grado permitiria à Irmã Marie Espérance ir passar
alguns dias em casa, para a consolação de seus pais que são
idosos demais para virem a Villefranche. Porém este ano
recusei isso a várias de nossas Irmãs e acho que não convém
recusar a umas o que se permite a outras. Vou escrever ao
Procurador da República a fim de apresentar-lhe meu pesar por
não poder realizar seus desejos.
Os recursos de nossas Irmãs de Figeac não lhes permitiriam
empreender reparos tão consideráveis, além dos projetos feitos,
se a senhorita Fauverge não desse o dinheiro necessário.
Queira aceitar a homenagem de meus sentimentos
respeitosos, com os quais tenho a honra de ser, meu muito
caríssimo Padre,
Sua muito humilde e submissa filha.
Irmã Maria Emília.
205
Elogio sem restrições à Irmã Marie du Calvaire Alaux, de quem
se trata em vários Diálogos (v.s., segunda secção, II, 10, 16):
mortificação e caridade, simplicidade e submissão; heroísmo nos
últimos momentos (L 855, M 508-511).
À Madre Léonide, em Asprières,
e a todas as casas
Villefranche, 06 de maio de 1851.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Nossa muito querida Irmã Marie du Calvaire adormeceu no
Senhor esta manhã, dia 6 do corrente mês. Sua morte e a
578
tivesse me afastado dessas representações, a leitura de sua carta
teria sido mais do que suficiente para me inspirar aversão a
elas. Estou longe de achar sua decisão demasiado severa. Eu a
guardarei em nossos arquivos: quero que as Irmãs que virão
depois de nós conheçam seu pensamento a respeito dessas
futilidades. Além dos perigos que o senhor assinala e que são
infelizmente muito reais e muito freqüentes, acrescentarei a
perda de tempo que exigem os ensaios, tempo que seria
empregado mais utilmente se se ocupassem as alunas em
trabalhos manuais, que somos obrigadas a negligenciar
totalmente nos últimos meses. Além disso, essas peças são uma
fonte de inveja. Todas as alunas aspiram aos principais papéis,
ficam descontentes, aborrecidas, os pais são bastante injustos
por acatar os ressentimentos de suas filhas. Daí nascem
desavenças, invejas e até disputas.
Em Caylus, para acabar com as queixas, nossas Irmãs foram
obrigadas a proibir a apresentação de peças teatrais.
“Senhoras”, - disse a Superiora a algumas mães de família que
lhe demonstraram descontentamento – “farei com que todas
estejam de acordo. Vocês acham que os papéis desempenhados
por suas filhas não estão de acordo com sua posição, sua
inteligência, seus talentos. Não digo o contrário, mas
concordarão também que não posso dar os primeiros papéis a
todas e que, necessariamente, os papéis secundários devem ser
preenchidos. Não mais apresentaremos peças teatrais. Assim,
evitaremos para nós o cansaço e para vocês o desgosto, quando
buscamos lhes ser agradáveis.” Quanto a nós, Padre, por outra
razão, proibiremos as apresentações teatrais. Agradeço ao bom
Deus por lhe haver inspirado escrever-me essas linhas.
Agradeço-lhe ainda mais por eu não ter provocado, de maneira
alguma, essa decisão que vejo como a expressão de sua
vontade.1
Novamente interroguei a noviça que chegou de SaintAmans. Suas respostas são de uma pessoa que não se sente
culpada. Disse-me que, antes de sua partida de Saint-Amans,
queria entregar à sua superiora o bilhete de que se trata, mas
não o encontrou. Agradeço-lhe, Padre, por me ter falado sobre
essa Irmã. Ela não está firme em sua vocação, não sei como
87
diferentes casas. Ficamos vários dias nesse hospício. O
capelão queria que eu retornasse a Villefranche,
pensando que havia bastantes casas na cidade para a
instrução da juventude. Eu lhe opus a obediência: "Ela
me foi prescrita," respondi-lhe; "de resto, se essa
fundação é obra de Deus, ela se conservará; se ela não o
é, se destruirá."
Pe. Imbert, vigário dos Carmelitas, que eu fui visitar,
acolheu-me muito friamente; contudo, acompanhou-nos e
compreendi que era esse mesmo que eu devia escolher
como meu diretor. 23 Abri-lhe a minha alma e, desde
então, segui seus conselhos. Essa fundação trouxe-nos
muitas dificuldades. Quase todo mundo era contra;
consideravam-na uma loucura. Pe. Marty, ora me
censurava, ora me aprovava. Enviou-me seu sobrinho, o
Sr. Marty, tabelião em Villefranche, para examinar o
caso. Esse senhor era contra a fundação, porém ao
escrever ao tio, nosso Fundador, manifestou-se
inteiramente favorável.
Estávamos em Figeac sem recursos e cercadas de
censuras e de críticas e com isso éramos felizes. Minhas
tentações tinham cedido lugar a uma paz tão grande que
não saberia expressá-la. Recebia poucos conselhos, mas
repetia muitas vezes: "Meu Deus, guie meus passos de tal
modo que eles se dirijam todos à observância dos seus
preceitos. Dirige gressus meos." Estava sempre alegre.
Alugamos, por fim, uma casa, embora nada
possuíssemos, como já disse, e abrimos a escola. As
alunas chegaram numerosas. Logo as salas alugadas
foram insuficientes e algumas vezes fomos obrigadas a
dar aulas nas escadas. Todas as Irmãs que vieram para a
nova fundação ficaram desanimadas, e era preciso que
nas horas de recreio eu procurasse alegrá-las. Pe. Marty
enviou-me como superiora uma de nossas Irmãs que
estava muito doente. Ela tomou logo posse do seu cargo
e, naquela noite começou a se alimentar, um prodígio se
operou em sua saúde. Pedi e obtive do Bispo de Cahors a
88
577
licença para ter o Santíssimo em nossa capela. A Regra
começou a ser bem observada.
Após alguns meses de permanência em Figeac, voltei
para Villefranche. Fiz a viagem a pé para não faltar à
clausura. Nossas provisões de viagem acabaram-se logo e
minhas companheiras não puderam mais caminhar. Para
reanimá-las, encontrei apenas uma ameixa que lhes dei.
Chegando a Veuzac, fomos pedir hospitalidade ao
vigário, que no-la concedeu após frio acolhimento. Ele
estava tão prevenido contra a nova fundação que nem
uma palavra nos disse sobre Figeac. Continuamos a
viagem pela manhã e chegamos felizmente a
Villefranche.
Pouco tempo após minha volta, Deus chamou a si
nosso venerando Pai. Minha dor foi amarga e profunda.
Ele projetava destruir a nova fundação. Seu sucessor
deixou-a na indecisão. Todo o clero de Figeac era contra
e, quando o novo superior foi ver em que ponto andavam
as coisas, todos os padres foram a favor. As Irmãs,
consultadas para ver se preferiam voltar para
Villefranche e abandonar a obra, responderam que
queriam ficar.
Deus continuou a abençoar a Congregação depois da
morte de nosso venerado fundador, e o número de casas
do Instituto aumentou. Em 1841, fundamos um claustro
em Montauban, no bairro Sapiac. Em quase todas as
fundações, tive uma pena, um sofrimento: em Montauban
foi um tédio mortal; impossível dizer o que sentia
interiormente. 24
Em 1842, fundamos ainda um convento
clausurado em Montauban, no bairro Villebourbon.
não-
Em 1845, foi fundado o Refúgio de Villefranche, do
qual me senti feliz em tomar a direção devido à grande
compaixão que experimentava pelas infelizes vítimas das
paixões humanas.
Irmã, suas disposições, pois elas só podem ser o efeito da graça.
Não querendo assumir a decisão tão difícil de chamá-la aqui ou
de considerar seu estado de saúde como um obstáculo,
entreguei a sua carta ao nosso Pai que me respondeu de deixá-la
em Figeac e até permite-lhe ir a Livinhac. Quanto a Livinhac,
não é preciso ir agora, espere que eu lhe fale. Ajude Madre
Philippine1 quanto aos consertos e outras coisas, e sobretudo
restabeleça sua saúde que nos é tão cara, particularmente a
mim.
Reze por nós, pois precisamos muito. Uma vez que o bom
Deus não quer, no momento, que estejamos no mesmo lugar,
fiquemos unidas no divino Coração de Jesus, onde a afeição é
tão forte quanto imutável.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
204
Com satisfação, Madre Emília fala sobre seu agradecimento ao
Padre Abbal, que suprimiu as representações teatrais, mantendo
públicas as provas e a distribuição dos prêmios (L 853, M 505-507).
Ao padre Abbal, vigário geral em Rodez.
Villefranche, 26 de abril de 1851.
J.M.J.
Meu caríssimo Padre:
Perguntando-lhe se haveria exames este ano, estava certa de
sua resposta. No entanto, quis conhecer mais particularmente
suas intenções, uma vez que nossas Irmãs desejavam sabê-lo.
Eu lhes comunicarei sua resposta. Não duvido da presteza delas
em assumir seu ponto de vista. Não precisarei estimular-lhes o
zelo: a esperança de vê-lo presidir os exercícios inflamará seu
ardor. De acordo com seu desejo, o ano escolar será encerrado
com exames públicos e com a distribuição solene dos prêmios.
Mas será, Deus ajudando, sem que sejam precedidos das peças
teatrais.
Li com grande satisfação o que o senhor teve a bondade de
me dizer a esse respeito. Se, durante toda a minha vida, não
576
89
Para mim seria um grande sofrimento você receber a
mensalidade das filhas que o Sr. Cavaignac lhe confia. O bem
que ele fez a nossas Irmãs pede que vocês as eduquem com
todo o cuidado possível, mas não permitirei que você passe para
segundo plano a delicadeza dos sentimentos desse respeitável
médico. Sempre que nossas Irmãs precisaram de seus serviços,
ele as atendeu com zelo e dedicação, e agora que, graças a
Deus, a saúde de todas vocês é bastante boa, não sendo preciso
recorrer a ele, seria impossível aceitar seu pagamento. Queira
dizer por mim ao Sr. Cavaignac que agradeço os cuidados por
ele dispensados, que lhe sou muito grata e peço que os continue
quando for necessário. Tenho certeza de que deixará sua filha
conosco, sempre nas mesmas condições. Asseguro-lhe que será
tratada como as outras e que ninguém saberá se paga em
espécie ou de qualquer outra maneira: isto é assunto que só nos
diz respeito.
Faça-me o favor de mandar chamar Régis, o serralheiro, e
diga-lhe que eu ignorava por completo que lhe devêssemos a
quantia de 7 francos e 40 centavos. A Irmã ecônoma está
ausente e peço que se dirija ao Sr. Joffre, que redigiu o contrato
e lhe pagará o que é devido.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
203
Agradecimentos e orientações à Irmã Vincent Vacquié por ter
demonstrado generosa indiferença, no que diz respeito aos cuidados
para com a própria saúde (L 849, M 501-502).
À Irmã Vincent, em Figeac.
Villefranche, 24 de março de 1851.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Sua carta de 12 de março tocou-me e edificou-me. Nela vejo
o desejo natural de gozar de boa saúde e, ao mesmo tempo, o
generoso sacrifício que quer fazer retornando para cá ao menor
sinal da obediência. Deus abençoará, minha muito querida
CAPÍTULO XIV
Disposições interiores da Madre
Seus exercícios de piedade
Deus me havia chamado; meu desejo era ser dele e
dele só. Não podia suportar que alguém o amasse mais do
que eu. Não via senão ele em tudo e em toda parte e não
desejava senão que o bem se fizesse por mim ou por
outros.
Ao ouvir dizer que iam fundar um convento em
Graves, queria dar meu dote a fim de contribuir para essa
boa obra. O Sr. Bispo se opôs a isso. 25 Desejo que minhas
Irmãs não vejam senão a Deus e os interesses de sua
glória, que elas se alegrem quando virem outras Ordens
trabalharem com essa mesma finalidade. Oh! Praza a
Deus que todos os homens profetizem! Um dia, o Bispo
de Rodez, pensando ter-me penalizado, pediu-me
desculpas por ter consentido que as Irmãs de Nevers se
estabelecessem na cidade. Respondi a Sua Excelência
que ele não me tinha penalizado, que havia ali bastante
trabalho para todas e eu conservava sempre grande
afeição por esse Instituto onde tinha querido entrar.
Nunca disse a mínima palavra contra elas. 26
Nas contradições, lembrava-me do céu. "Contanto
que nós nos salvemos," tal era minha divisa. Bastava que
tivéssemos, desde o princípio, pessoas capazes para que
Deus as levasse. Esse Esposo divino achava maduros os
frutos do seu jardim e apressava-se em colhê-los. Pe.
Marty me dizia: "É nada o talento; o espírito de sacrifício
é tudo."
A simplicidade era minha virtude predileta e tinha
como lei jamais replicar a meus superiores. Se algumas
vezes
acontecia-me
fazê-lo
por
inadvertência,
confessava-me. Considerava sempre como vindo de Deus
tudo que me diziam meus confessores, e a oposição que
90
observara em mim relativamente ao que eles me diziam
era para mim um martírio contínuo. Durante muito
tempo, tive dois confessores. Tendo outro confessor me
aconselhado a deixá-lo, obedeci. No confessionário, não
via senão Deus. Eis porque a obediência me era tão fácil.
Era sucinta em minhas confissões, exceto quando era
preciso prestar contas das minhas disposições interiores.
Custou-me muito a confissão cotidiana.
Jamais pude deter-me na idéia de uma comunhão
sacrílega tanto tinha horror a esse crime. Também não
podia ouvir alguém dizer: "Talvez eu vá para o céu."
Muitas vezes, sonhava, enquanto dormia, com as coisas
de Deus, a santa comunhão, os atos de virtude.
Vi um dia, durante o sono, minha mãe em tão mísero
estado que me causou compaixão. Vi-a novamente, muito
embaraçada, em um caminho penoso. De repente, ela foi
transportada com outras para um lugar aprazível, o que
muito me consolou.
Apreciava muito a vida dos pastores. A do beato
Benedito Labre encantava-me. 27 Era sujeita a insônias
quase contínuas. A calma profunda da natureza me
facilitava a união com Deus. Pedi licença a Pe. Marty
para ter um Crucifixo no meu leito devido às tentações
de que era vítima. Ele o permitiu. Levava-o comigo
quando viajava e o tinha sempre sob os olhos. Madalena
ao pé da Cruz e Santa Teresa eram minhas santas
prediletas. A leitura da vida dos santos enlevava-me e
produzia em mim sofrimentos... (a frase está
incompleta). Quando me falavam do fervor de uma
Ordem religiosa, ficava igualmente comovida e
exclamava: "E minha alma ainda tão apegada à terra!" É
impossível compreender o que se sofre quando não se
ama bastante a Deus.
Durante a noite, eu repetia continuamente os cânticos
que sabia, cerca de cinqüenta. Dizia também com o santo
Rei Davi: "Alimentai-me com o pão das lágrimas..." 28 e,
com a Esposa dos Cânticos: "Procurei aquele que meu
575
Os pobres eram objeto de sua mais terna afeição. No último
ano de sua vida, utilizava todas as suas forças para trabalhar por
eles. Deus era seu único bem!
Um dia ela disse à Irmã enfermeira: “Deixo esta terra
desapegada de tudo.” Um outro dia, perguntando-lhe se tinha
confiança em Deus, respondeu: “Só tenho confiança nele.”
Nossa querida Irmã Colombe, após ter percorrido um caminho
tão penoso, após ter experimentado cruéis temores pelos
julgamentos de Deus, foi inundada de graças.
Alguns dias antes de sua morte, uma paz profunda invadiu
sua alma. Deus lhe fez sentir como é bom ter vivido à sombra
da cruz. Disse-me um dia, com uma expressão que eu não
poderia esquecer: “Estou toda penetrada de confiança, nada
poderia me atemorizar. A contemplação de Jesus crucificado
fez em mim algo que não posso expressar.”
Na noite de sua morte, expressou novamente esses vivos
sentimentos de amor e, pegando seu crucifixo, após ter beijado
amorosamente as sagradas chagas, disse: “Agradeço-lhe, meu
Jesus, por me dar tanta confiança.” Pouco depois, entregou sua
alma a Deus, deixando toda a comunidade edificada com o
ardor de suas virtudes.
Saúdo-as muito afetuosamente, nos sagrados Corações.
Irmã Maria Emília.
202
A superiora geral insiste para que se tenha a delicadeza de receber
gratuitamente, em Aubin, a filha do médico que tem sido muito
caridoso para com a comunidade (L 846, M 498-499).
À Madre Philippine Vacquié, superiora em Aubin.
Villefranche, 12 de janeiro de 1851.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
574
Tivemos a dor de perder nossa muito querida Irmã Colombe
Chresteil, na noite do dia 5, às 10h45. Há vários anos ela se
oferecera a Deus como vítima pelo bem da Congregação. Sua
oferta foi aceita pela divina Majestade, pois toda espécie de
sofrimentos a afligiu sucessivamente, não somente aos poucos,
mas em grande quantidade de uma só vez, de maneira que não
havia uma única parte de seu corpo que não sentisse dores
agudas. Os sofrimentos interiores foram muito maiores. Disseme várias vezes que suas enfermidades e a intensidade de suas
dores nada eram em comparação com o que ela sofria
interiormente.
Em meio a essas terríveis aflições, sua coragem não
diminuiu um só instante. Um dia em que sofria muito,
perguntei-lhe se continuava em seu espírito de imolação.
Respondeu-me afirmativamente. Seu amor pelo sofrimento não
se satisfazia com aquele que lhe era enviado pela justiça divina.
Mas até em seus desfalecimentos extremos, recusava uma
ameixa, uma pastilha. Achava que a serviam e a alimentavam
bem demais. Seu amor pela vida comunitária era de algum
modo excessivo. Houve uma época em que ela estava tão fraca
a ponto de não poder dar um passo sem cair. No entanto, queria
ir à capela sem ajuda, fazer sua cama, etc. E apesar do desejo de
aliviá-la, via-me forçada a ceder ao seu atrativo pela
mortificação.
Seu amor ao Santíssimo Sacramento era dos mais ardentes.
Tendo obtido a permissão de rezar segundo sua devoção,
passava longas horas em meditação ao pé do altar, num
profundo recolhimento. O desejo pela santa comunhão era vivo
e a fazia vencer todos os obstáculos. Longas insônias, uma
tosse persistente, uma necessidade extrema de tomar algo não
podiam diminuir seu ardor, nem impedi-la de prolongar sua
ação de graças. Para se alimentar do pão dos anjos, Deus lhe
deu, em sua última doença, forças que chegavam a ser
prodigiosas. Embora estivesse com muita sede, comungou
todos os dias e só uma vez recebeu o Viático.
91
coração ama e não o encontrei." 29 Começava a meditação
da manhã pelas duas ou três horas. Tinha muitas vezes a
tentação de contar as horas durante a noite, mas só por
inadvertência me concedia essa satisfação. Sentia-me
atraída, de modo especial, pela mortificação interior e
desejo muito que nossas Irmãs se exercitem nesse gênero
de mortificação. Pela manhã, examinava os pensamentos
que havia tido e as faltas cometidas durante a noite. 30
Nas viagens, tudo me conduzia a Deus. Santificava-as
pela oração e não empreendia sem necessidade. Elas
constituíam para mim tempos de recolhimento mais
profundo. Ordinariamente, meditava sobre a Paixão,
durante a Missa. Durante as tentações, lia na Missa os
Solilóquios ou a Imitação, por ordem de Pe. Marty.
Gostava muito das estações da Via Sacra. As imagens
piedosas alimentavam minha piedade. Gostava também
das Ladainhas do Santíssimo Nome de Jesus e de Nossa
Senhora. Comentava-as. 31
Durante a minha infância nunca deixava de oferecer
meu coração a Deus pela manhã e à noite. O Salmo 118
me era muito caro. Lia-o e relia-o e me apropriava dele
conforme o estado em que me achava. Gostava do De
profundis e do Salmo 144. Era-me ainda muito caro um
cântico de São João da Cruz no qual se falava de um
estado inteiramente oposto ao meu. Durante minhas
doenças, lembrava-me sempre dos salmos ou dos
cânticos. 32 Apreciava muito as Bem-aventuranças,
sobretudo a primeira e a última, que me encorajavam nos
sofrimentos e contradições.
Festejava sempre o dia do meu aniversário, da minha
entrada em religião, da vestição e profissão. 33 Todas as
tardes fazia cerca de duas horas de meditação. Ficava, às
vezes, tão absorta em Deus que não ouvia os passos das
Irmãs. Era preciso que batessem em mim com força para
acordar. Ordinariamente, entretinha-me em doce
contemplação. 34
92
Persuadida da necessidade de manter a alma serena,
moderava-me em tudo e em toda parte. Meu estado de
sofrimento forneceu-me longo exercício nesse ponto,
sobretudo devido à minha surdez. No começo, sentia um
ruído muito forte no ouvido, mas com a idade ele foi
diminuindo. As humilhações que Deus me enviou me
deram alguns traços de semelhança com Jesus Cristo.
Sempre receei os temperamentos difíceis. Era indiferente
aos presentes e donativos. O Nisi Dominus... servia-me
para as fundações. Nas minhas doenças, recorria à
piedosa pastora de Pibrac e sempre me senti aliviada.
Recusei pedir minha cura. 35
Tinha feito uma coleção das cartas de Pe. Marty que
mandei transcrever; após sua morte. Consolava-me
lendo-as. 36 Receando seguir nisso a natureza, entregueias ao novo superior. Guardei somente aquelas onde havia
algumas repreensões. O próprio Pe. Marty me obrigou a
queimar algumas antes de sua morte.
Quando fiz cair o reboco que tinha sido colocado na
parede do meu quarto, foi por receio de dar mau exemplo
que o deixei. Passei um ano sem o perceber. 37 Os
médicos Delpech, pai e filho, foram-me dados como uma
Providência. No governo da Congregação, Deus me dava
uma coragem a toda prova. Uma vez conhecida a vontade
de Deus, nada me detinha. "Só acontecerá o que Deus
quiser," esse pensamento me sustentava. 38
O que mais me fez sofrer foi a desconfiança de nosso
venerando Fundador. Ele queria convencer-me de que eu
não agia simplesmente e tinha cometido uma falta ali
onde minha consciência nada me censurava. A idéia de
abandoná-lo não me veio. Por isso, alguns anos antes de
sua morte, ele não me era mais útil. Deus queria, sem
dúvida, preparar-me para o sacrifício.
Amei sempre muito a verdade e nunca menti. Se, em
uma carta, houvesse uma sílaba contrária à verdade,
embora por pouca coisa, eu a apagava. Eu me teria
censurado manifestar um sentimento que não estivesse
573
Ano de 1850
200
Encorajamentos numa provação com múltiplas ramificações.
Nenhum sofrimento é esquecido por Deus. Entregar-se o mais
possível ao cuidado das crianças (L 843).
À Madre Marie Justine, em Marmont.
Villefranche, 8 de novembro de 1850.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Fique certa de que tenho muita pena de você, pois vejo que
sofre de todas as formas. Para encorajar-se, pense que o
sofrimento é o caminho do repouso. Deus vê o que sofremos e
nada esquecerá. Cada sofrimento terá sua recompensa. Tenha
paciência, permaneça ainda onde está. Você não pode
abandonar a vinha do Senhor. Cuide dessas pobres crianças.
Será feliz em levá-las a Deus. Regozijo-me em saber que Irmã
Claude está contente. Não preciso falar-lhe sobre o cuidado que
é preciso ter com essa querida jovem. Envio-lhe as mais
afetuosas lembranças.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
Ano de 1851
201
Circular sobre a Irmã Colombe Chresteil que, durante sua doença,
foi a interlocutora em vários Diálogos (v.s. segunda sessão, II, 12-14).
Como Deus tomou a sério a oferta de si mesma que ele lhe havia
inspirado fazer, em benefício da Congregação: graças e provações que
lhe foram prodigalizadas (L 845).
Minhas muito queridas Irmãs:
Villefranche, 8 de janeiro de 1851.
93
572
paciência. Jesus, nosso adorável mestre e nosso modelo, sofreu
muito mais durante sua vida pública, estando cercado e seguido
por pessoas que contradiziam sua doutrina e o censuravam sem
cessar. No entanto, ele não se afastou de seu convívio. Você
desejou muito que mudássemos M., isso foi feito. Agora, é
preciso esforçar-se para ter mérito em seus sofrimentos e
procurar não somente tirar proveito deles, mas ser
extremamente delicada e boa. Você o é, não duvido, mas
sempre podemos crescer na virtude. Esforcemo-nos por fazê-lo
e Deus nos abençoará.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
199
É pensando menos em si que se corrige melhor e mais depressa
seus defeitos (L 838).
À Madre Marie Damien, em Caylus.
Villefranche, 23 de dezembro de 1849.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Desejo que você se entregue sem reserva a Deus. Ele é tão
bom! Poderia ele lhe recusar alguma coisa? Não pense em si
mesma e por esse meio se corrigirá mais depressa de seus
defeitos do que por todos os seus temores. Uma confiança
infantil tudo consegue. Tenha coragem, suas filhas confiam em
você. Fique certa de que Deus, colocando-as nessa disposição,
você fará o bem a elas. Seja sempre muito delicada: a mansidão
atrai as bênçãos de Deus.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
em meu coração. Parece-me que vivia em um abandono
perfeito entre as mãos de meus superiores. Nunca tive
outra cama, a não ser a que me davam, porque Pe. Marty
o tinha proibido. Aplicava-me em moderar a
precipitação. Se, por exemplo, tivesse tido um desejo
muito grande de ler uma carta, teria esperado o dia
seguinte. Não me teria permitido aspirar o perfume de
uma flor. Impunha privações a meus olhos. Nunca quis
tomar café com leite, mesmo em casa.
Tendo-me Pe. Marty inculcado a devoção ao Espírito
Santo e dito que era preciso esvaziar-me de minha
vontade própria, mandei erigir um oratório em honra
dessa adorável Pessoa e esperava que ela me tirasse meu
próprio espírito para me dar o seu. Uma de minhas
conselheiras teve uma tentação extraordinária contra
mim, ela reprovava todos os meus atos. Bem feliz,
aproveitei a oportunidade para me humilhar. 39 Desejava
que me conduzissem como a uma criança. 40
CAPITULO XV
Mortificação da Madre na alimentação
Favores sobrenaturais que Deus lhe concede
As doenças que tive antes dos trinta anos, sobretudo a
do nariz, debilitaram-me o estômago a tal ponto que não
pude, desde aquela época, digerir senão pequena
quantidade de alimentos magros e, mesmo assim, a
digestão me cansava muito. Tomava apenas o essencial, e
muitas vezes o estômago não podia suportar a pequena
quantidade reclamada pela natureza, o que me fazia
experimentar contínua fome. Esse sofrimento me
perseguiu durante vários anos. Deus me concedeu, enfim,
a graça de triunfar dele. Tomava ordinariamente leite,
alguns alimentos líquidos, um pouco de creme, algumas
maçãs, etc.
Jamais procurava variar a alimentação, a menos que o
estômago recusasse absolutamente o que me era
prescrito. Durante muito tempo, desejei comer uma
571
94
castanha. Deus me concedeu a graça de me dominar
bastante e não a comi. Apesar disso, reconheço não ter
sido bastante generosa. Pedia ao Espirito Santo que me
guiasse. Pe. Marty não sabia o que fazer. Disse-me uma
vez ter compreendido que Deus queria alimentar-me.
Recusei aceitar, muitas vezes, as amabilidades de minhas
Irmãs. Reconheço que não fiz bem. 41
A Providência foi sempre muito boa para nós. Não
sabia, muitas vezes, como o dinheiro chegava à bolsa.
Acontecia também, com freqüência, que a despesa
ultrapassava a receita e nós não tínhamos dívidas.
Algumas vezes mesmo não havíamos feito empréstimo; a
despesa é, este ano, 40.000 francos, e a receita, trinta (no
ano em que ela me ditava). 42
Um dia, no refeitório, levaram pão para as Irmãs das
escolas em um cesto. Quando o tornaram a trazer, estava
cheio como antes. Em outra ocasião, uma Irmã me
chamou três vezes para dizer que o pão havia aumentado.
Queixava-me, um dia, porque partiam pão demais. Fui ao
refeitório, examinei eu mesma o fato e vi que havia tanto
depois como antes da refeição. Se eu escolhia maçãs, elas
se multiplicavam assim como os legumes, a banha. As
Irmãs me pediam que contasse o dinheiro. Elas acreditam
e atestam que ele se multiplicou; assim, preocupava-me
muito pouco com os donativos. Nossas casas de Aubin e
Villebourbon não podem ter o suficiente porque não são
bastante generosas. Eu tinha, sobre a lareira do meu
quarto, um frasquinho de óleo que tinha sido benzido
sobre o túmulo da bem-aventurada Germana de Pibrac.
Estava quase seco. Multiplicou-se uma vez.
Ass: Pierre-Marie FABRE
Capelão, diretor e confessor, afirmando
ser tudo aqui escrito a expressão da
verdade.
Conservei
tanto
quanto
possível a própria expressão da Serva
de Deus. O que acrescentei foi apenas
para esclarecer melhor seu pensamento.
todas nos prepararmos bem para o retiro. Para esse fim,
ofereçam ao bom Deus tudo o que fizerem a partir de agora.
Rezem muitas vezes o Veni Creator e o Lembrai-vos. Durante a
viagem, mantenham-se muito recolhidas. O sucesso do retiro,
para muitas, depende disso. É preciso prever e anotar com
antecedência tudo que quiserem dizer ou comprar, a fim de que,
chegando aqui, cada uma só tenha que se dedicar inteira e
sinceramente à santificação de sua alma. Para o bem de nossa
Congregação, pensamos que deveríamos convidar um jesuíta
para nos pregar o retiro.
Padre Abbal e Padre Barthe também estarão presentes.
Sendo consideráveis os honorários do Padre jesuíta, sendo
considerável, contamos com sua generosidade para ajudar a
Casa-mãe que, como vocês sabem, se encontra em grande
dificuldade financeira. Darão sua contribuição como no ano
passado, acrescentando a parte do pregador, segundo suas
possibilidades.
Aguardando com muito prazer vê-las em breve, saúdo-as
muito afetuosamente.
Irmã Maria Emília.
198
Madre Emília expressa sua compaixão a uma superiora que tem
dificuldades com a comunidade, mas lembra-lhe, ao mesmo tempo,
que esse tipo de provação é comum e está ligado ao cargo (L 837, M
57).
À Madre Caroline, superiora de Aubin.
Villefranche, 22 de dezembro de 1849.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Compartilho sinceramente seus sofrimentos, mas não posso
aliviá-los, pelo menos agora. Cada casa tem suas dificuldades,
tais são os desígnios da Providência que a cruz cubra toda a
terra. Você me dirá: “Isso prejudica o bem.” Em outros
conventos existem os mesmos inconvenientes e se tem
570
95
de felicidade, sobretudo muita confiança no bom Jesus.1
Parece-me, por sua carta, que lhe falta essa confiança. Não se
apóia bastante na infinita bondade de Deus. Não
compreendemos o quanto o Senhor nos ama, o quanto ele cuida
de nós. Se nos fosse dado compreendê-lo, asseguro-lhe que o
desânimo não teria lugar em nós. Ao contrário, nós nos
alegraríamos pelos pequenos males da vida, pois eles devem
nos levar ao céu. Não pense que faz sofrer suas Irmãs. Elas a
amam, você as ama e tudo termina aí. Recomendo-lhe entregarse sem cessar ao bom Mestre, manter-se alegre junto da cruz.
Vamos iniciar o retiro, então virá e nos dará todas as notícias.
Não vejo possibilidade de você vir antes disso, faça esse
sacrifício.
Lembranças afetuosas às nossas queridas Irmãs.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
197
Em vista do retiro comum em Villefranche: prever a tempo todas
as compras e fazê-las antes, para ficar livre e disponível em seguida (L
831, M 493-494).
À Madre Appolonie, em Montbazens,
e às outras casas secundárias.
Villefranche, 7 de agosto de 1849.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Como o nosso retiro coincide este ano com o retiro pastoral
de Rodez, fomos obrigadas a antecipar o nosso. Começa no 29
do corrente mês. É preciso que estejam aqui na manhã do 29.
Só cheguem no 28 ou 29 pela manhã. Não há necessidade de
dizer-lhes, minhas boas Irmãs, o quanto é importante para nós
CAPITULO XVI
Última doença da Madre
Administração do Sacramento dos enfermos
O estado de tentação de que já falei durou até dois ou
três meses antes desta doença mortal. Encontrando-me
numa grande paz, compreendi que Deus queria me retirar
deste mundo e dar-me, por essa paz, maior ardor para ir a
ele. Tendo entregue tudo à minha conselheira, felicitavame por não ser mais Superiora.
No dia 4 de setembro, o seu confessor encontrou-a
mais doente e lhe disse após a confissão:
"Madre, deseja receber os últimos sacramentos? –
Sim, não me deixe morrer sem eles. Depois, se ousasse
pedi-lo, desejaria muito me concedessem o mesmo favor
que recebeu a Superiora do Refúgio: a Santa Comunhão,
embora não esteja em jejum. Padre, acredita que eu não
faria bem em pedir perdão a todas as Irmãs dos
escândalos que lhes dei, das penas que lhes causei; eu
era tão orgulhosa, bem o sabe – Eu o farei pela
senhora, pois está cansada demais. (Eu sabia que ela se
comprazeria em ficar inteiramente unida a seu divino
Esposo durante a administração dos sacramentos) –
Parece-me, Padre, que eu não deveria ficar deitada, será
bastante respeitoso? Terei força para me levantar. –
Fique deitada. – Pois bem, como quiser. – Peço-lhe que
me perdoe ter recusado o médico; fiz isso para ficar livre
das insistências da conselheira, mas estou pronta a
obedecer."
Quando cheguei ao seu quarto para administrar os
sacramentos, apresentei-lhe o Crucifixo. Ela quis beijar
todas as chagas e com tal afeição que fazia chorar todas
as suas filhas. Quando avistou o Santo Cibório, não pôde
deixar de levantar-se. Pedi-lhe que abençoasse todas as
96
569
suas filhas, presentes, ausentes e futuras. Ela as
abençoou a todas com indizível bondade.
Ass: Pierre-Marie FABRE
Capelão e confessor da Madre,
afirmando a veracidade de tudo que
está contido no caderno.
CAPITULO XVII
Últimos diálogos da Madre com seu confessor
Segunda-feira, 6 de setembro de 1852, Madre Emília
manifestou-me, por intermédio de uma de suas Irmãs, o
desejo de me ver. Fui logo atendê-la. "Padre, peço-lhe
que recomende de modo especial a filhinha de uma
mulher do Refúgio chamada Clémentine, a Garrigoune e
a Candelette, e depois o Refúgio, ao qual envio as sobras
do pão das alunas internas e semi-internas. Digne-se
apagar, nas notas que foram dadas pelo Padre Superior,
uma frase que deixa entender ser o Refúgio uma causa de
despesas para a Casa-mãe, o que não é verdade. Desejo
muito que a aproximação existente entre o Refúgio e a
Casa-mãe aumente e o tratem sempre com benevolência.
Irmã Baptistine tem para com você uma amizade demasiado
natural, deve precaver-se, apegar-se à mortificação, sobretudo
interior, comprometer-se a cuidar bem de Irmã Césarie, pois me
parece, segundo suas cartas, que não tem bastante caridade para
com ela, tratar as pessoas com dignidade; não falar em dialeto
(parece-me que fazia isso em sua comunidade, pois as Irmãs
que nos chegaram o usam muito). Por obediência, ser muito fiel
em observar o regulamento e, finalmente, recorrer a uma
humilde oração, pois é nisso que encontramos um remédio para
todos os nossos males.
Desejo de todo o meu coração que todas possam vir fazer o
retiro. O vigário, a quem escrevi, julgará se é conveniente.
Toda sua.
O vigário lhe responderá por mim aos outros itens de sua
carta.
Nosso Pai está melhor. Mais tarde lhe falaremos sobre a
cerimônia.
Irmã Maria Emília.
Ano de 1849
– Madre, no céu a senhora poderá interessar-se por ele
e lhe ser útil.
– Não duvido, Padre, que Deus o proteja. Encontro-me
em grande paz, sem sentir nada de extraordinário, como
sentiram algumas de nossas Irmãs falecidas. –
Aconselho-a a oferecer a Deus o sacrifício das
consolações mais abundantes que Deus lhe poderia dar,
a fim de obter essa graça para suas filhas. – De boa
vontade, Padre. Procuro moderar o desejo que tenho da
morte. – Acredita que vai morrer? – Oh! sim, tomei
apenas um pouquinho de doce e sofri a noite inteira. O
estômago recusa tudo, por conseguinte, vou morrer. O
196
Resposta aos votos de feliz ano novo. Abertura a uma confiança
sem limites para com Nosso Senhor, a fim de purificar-se dos
germens que difundem o desânimo cotidiano (L 826, M 490-491).
A uma superiora.
Villefranche, 29 de janeiro de 1849.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Sou-lhe grata pelos votos de feliz ano novo que me enviou.
Os meus para você são os mais sinceros. Desejo-lhe toda sorte
568
97
Para lhes facilitar tudo isso, peço-lhes prever, antes de
saírem de suas casas, as compras que queiram fazer aqui e as
permissões que quiserem solicitar. Quando chegarem,
entreguem à ecônoma a nota assinada de tudo que quiserem
adquirir na Casa-mãe, seja no que se refere aos livros dos
alunos, seja para o hábito das Irmãs. A lista das compras a
serem feitas fora deve ser entregue à vice-diretora. Para essas
duas Irmãs, será um dever e um prazer servi-las da melhor
maneira possível.
Solicitamo-lhes que tragam os lençóis, as camisas, as
guimpes (golas), as toucas, os lenços e as meias que acharem
necessárias, e mais os talheres, um trabalho manual, um livro de
orações, um guarda-chuva e, em caso de mudança de tempo,
uma camisola e uma saia de inverno.
Toda de vocês.
Irmã Maria Emília.
Ano de 1848
195
ruído que ouço no peito me faz sofrer. Nossas Irmãs
poderiam pensar que me queixo. Faço o possível para
abafar meus gemidos. – Não tenha medo, Madre. – Quer
consentir que eu diga a suas filhas tudo que sei da
senhora pela confissão e que poderá ser útil e vantajoso
para a glória de Deus, a edificação do Instituto e dos
fiéis? – Sabe, Padre, quanto evitava atrair sobre mim a
atenção de quem quer que fosse, mas, visto ser sua
vontade, submeto-me. Confesso que o senhor me impõe
um grande sacrifício. Digne-se recomendar às Irmãs, a
prática da caridade e depois procure destruir todas as
misérias que conhece, sem que eu as diga. – Dar-lhe-ei a
indulgência plenária quando o desejar. – Quando quiser,
Padre. – Pensa morrer logo, Madre? – Ainda não. –
Pediu alguma vez a Deus morrer em um dia
determinado? – Não, Padre. Pensaria exigir demais com
isso. Disse algumas palavras ao médico. Queria tanto
que ele se convertesse! Desejo muito que nossas
Constituições sejam aprovadas pela Igreja, se o Sr.
Bispo e o Padre Superior o julgarem oportuno. Logo que
compreendi ter chegado ao fim da minha carreira,
afastei-me das responsabilidades da direção para
acostumar minha conselheira ao governo da casa. Não
cesso de rezar por ela a fim de que Deus a assista.
Suplico-lhe que ajude minha Irmã Foi para que se
aperfeiçoe e se corrija de tudo que nela possa
desagradar a Deus."
Ass: Pierre-Marie FABRE
Pequenos conselhos para verdadeiramente tornar mais fervorosa
e radiante a vida religiosa numa pequena escola do vilarejo (L 823).
À Irmã Mathilde, superiora de Saint-Beauzély.
Villefranche, 19 de outubro de 1848.
Minha muito querida Madre:
Participo intensamente dos seus sofrimentos. O remédio
para todos esses males é uma grande fidelidade aos movimentos
interiores da graça. Um outro é o de não se permitir nenhuma
familiaridade com quem quer que seja, até com as Irmãs. Como
Afirmando a veracidade de tudo
que está contido neste suplemento.
98
567
194
II. DOCUMENTOS ANEXADOS À AUTOBIOGRAFIA
Os textos seguintes (1 a 9) provêm do fascículo
datilografado que tem como título Manuscritos autógrafos (cf.
bibliografia, documentação não-impressa, 15). Alguns foram
inseridos nas coletâneas de cartas (cf. ibid., 18), outros
subsistiram graças às cópias cujo conjunto constitui os “Dossiês
da Causa”.
Sob os números 10 e 11, reunimos algumas cartas ou
trechos de cartas recebidas por Santa Emília (cf. ibid., 19 e 20).
Observar-se-á aqui, ainda, que o estilo da fundadora contém, às
vezes, pequenas falhas ou pelo menos negligências, sem dúvida
em virtude da pressa com que ela redigia, pois nunca pensou
que as cartas pudessem ser um dia publicadas.
1. “Ata” de 1810
Referência e texto nos Manuscritos autógrafos 40-41 que
reproduz uma passagem dos Dossiês da Causa (fascículos 17,
classis quinta). Esta oração está datada de 3 de janeiro de 1810.
Emília, pensionista na Casa Saint-Cyr, já havia feito sem
sucesso duas tentativas de vida religiosa e emitido os três votos
puramente privados, no dia 21 de novembro de 1809 (v. s. p. 5;
e nesse mesmo texto uma alusão: “Se eu não o posso por
voto...”). O primeiro parágrafo dirige-se a Deus; o seguinte à
Santíssima Virgem. Por essa razão, sem dúvida, esse
documento aparece por vezes com o título de “Consagração à
Santíssima Virgem”, o que não lhe convém de modo algum;
v.g. “Sei que a serva de Deus escreveu um ato de consagração à
Santíssima Virgem” (DF citado nos Manuscritos autógrafos
40).
Com o auxílio de sua santa graça, tomo-o por minha única
herança. Sim, só o senhor, sim, só o senhor, eis meu lema. Que
Informações sobretudo disciplinares e práticas, antes do retiro
anual, mas visando proporcionar, do melhor modo possível, o pleno
sucesso espiritual (L 814, M 480-481).
À Madre Marie Léonide, em Asprières,
e sua comunidade.
Villefranche, 7 de agosto de 1847.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Tenho a satisfação de anunciar-lhes que o retiro começará
na noite de 1º de setembro próximo e terminará no dia 8 do
mesmo mês, festa da Natividade da Santíssima Virgem. Se
acham que a viagem as fatigará, cheguem um ou dois dias antes
do início do retiro para repousarem um pouco.
Também as previno para marcar com antecedência o
retorno para a noite do encerramento do retiro ou para o dia
seguinte. Assim, viajarão sem confusão, por um transporte
público, particular ou a cavalo, como o preferirem.
Queiram reler os artigos 316 e os seguintes até o 321 de
nossas Constituições e conformar-se com o que eles dizem,
vindo a Villefranche. Numa palavra, minhas queridas irmãs,
esforcemo-nos seriamente para aproveitar, mais do que no
passado, de um retiro que nos é oferecido unicamente para nos
renovar no espírito de nossos votos e de nossa vocação. Tendo
isso em vista, prometam a Deus que evitarão, tanto durante a
viagem quanto em Villefranche, as conversas de superiora a
superiora, ou de Irmã para Irmã, no que diz respeito às casas ou
aos membros de nossa Congregação. Sem isso, aceitem que eu
lhes diga, o retiro prejudicará a união, em vez de cimentá-la, e
as dissipará, em vez de as recolher. Que cada uma se
compenetre de que esses 8 dias de retiro lhes são dados para
fortificar suas almas no recolhimento e na oração, e conversar
com Deus sobre o grande projeto de sua salvação.
566
99
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Neste momento é preciso testemunhar seu amor a Deus e
encorajar suas filhas a fazerem o mesmo. Abrace a cruz e esteja
certa de que ela a levará um dia ao céu. Você teria feito melhor
em não escrever ao vigário, mas sim em responder-lhe de viva
voz, falando-lhe com grande humildade e respeito. Aconselho-a
agora a pedir que ele chegue até o convento ou você vá ao
presbitério. Diga-lhe que não quis aborrecê-lo e que, se tivesse
pensado que o que foi dito iria produzir um tal efeito, não o
teria dito, que você o considera sempre como seu Pai e quer lhe
dar satisfação. Acredite que, fazendo assim, você se comportará
como uma verdadeira Irmã da Sagrada Família, e o Senhor
vigário ficará contente. Faça o sacrifício de confessar-se com
ele e leve suas Irmãs a fazerem o mesmo. Nessa circunstância,
procurar outro confessor poria tudo a perder. Veja somente
Deus na pessoa do confessor e progredirá mais fazendo assim
do que de outra maneira.
Eu a veria com muito prazer, mas não é o momento de vir.
Participo vivamente de seus sofrimentos. Amanhã, toda a
comunidade rezará por você e por suas queridas filhas, a quem
envio as mais afetuosas lembranças.
Não venha, Deus a ajudará. Se quiser que eu escreva ao
Senhor vigário, diga-me.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
Mantenha-me a par de tudo, pois tudo me interessa.
essas palavras estejam freqüentemente em minha boca e
profundamente gravadas em meu coração, mas que eu não me
contente em dizê-las. Faça com que sejam para mim, por sua
misericórdia, uma grande lição que me ensine a me desapegar
de tudo para me unir intimamente ao senhor. Quero, pois, se for
preciso, tudo perder, tudo sacrificar pelo senhor, abraçar sua
cruz, esconder-me em suas santas chagas, sobretudo no seu
Sagrado Coração, e dali, com seu auxílio, ver a terra de longe e
viver desconhecida, no retiro, no silêncio, meditando sua santa
lei, pondo no senhor toda a minha confiança, pois reconheço,
para minha vergonha e confusão, que não a tive bastante.
Assim, por maiores que sejam minhas faltas, não perderei
nunca a confiança, ajudada com seu auxílio. Se for tentada pelo
desânimo, voltarei meus olhos para o meu divino Salvador
Jesus, lançar-me-ei nos braços da divina misericórdia e a força
me será restituída.
Quero também ter mais devoção à Santíssima Virgem e,
depois do senhor, repousar inteiramente nela. Sim, será a
senhora, Virgem Santíssima, que me obterá a graça de temer
docemente as ilusões do meu amor-próprio e que pedirá para
mim a graça de não falar demais, de ser prudente e simples ao
mesmo tempo, de evitar prejudicar os outros nas mínimas
coisas e nunca dizer algo com o fim de atrair a estima dos
outros, seja interior, seja exteriormente, de me alimentar das
verdades santas que o bom Deus quiser me fazer conhecer, de
falar pouco sobre isso, de meditá-las, de não me apoiar em um
confessor, mas de considerá-lo como um instrumento do qual
devo estar disposta a ver mudar quando Deus quiser. A não
procurar nesse instrumento nem consolação nem apoio, mas
sim a vontade de sua divina Providência.
Será ainda sob sua proteção, Virgem Santíssima, que me
lembrarei sempre dos grandes exemplos de virtude que tive
nesta santa casa e que me esforçarei por imitá-los.
Diga-lhe, eu lhe suplico, que, no excesso de seu amor, ele
me torne para sempre sua escrava, que eu lhe obedeça todos os
dias de minha vida, obedecendo com inteira simplicidade às
pessoas que ele puser acima de mim, que eu seja sempre a
escrava do meu dever, de condescender, tanto quanto me for
possível, à vontade dos meus semelhantes e mesmo dos meus
100
565
subalternos, a fim de que eu pratique a santa obediência, e, se
não puder fazê-lo por voto, pelo menos em desejo e em minhas
ações.
Que a santa pobreza seja minha fiel companheira. Que eu a
pratique também até o meu último suspiro.
2. Crônicas dos anos 1816-1817
Autógrafo (coletâneas de cartas VI 337-340; Manuscritos
autógrafos 11-13) que apresenta interesse ao mesmo tempo histórico e
espiritual. Vê-se como Santa Emília já recomenda as atitudes de
confiança na Providência e de humilde serviço que devem, segundo o
seu parecer, caracterizar o exercício do superiorato ( v.s.p. 68-71).
O bom Deus nos deu a graça de começar nossa escola no
dia 3 de maio de 1816. A escolha desse dia lembrará às Irmãs
que elas devem viver e morrer no sagrado monte do Calvário;
por conseguinte, renunciar-se sem cessar e não conhecer senão
Jesus e Jesus crucificado.
No dia 15 de julho do mesmo ano, tivemos a felicidade de
possuir o Santíssimo Sacramento em nossa capela, felicidade
pela qual ansiávamos com ardor e que temíamos não obter,
diante de nossa indignidade. Antes, nossa capela foi benzida e
dedicada à Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria
que queremos amar e honrar como nossa boa e terna Mãe que é,
depois de Deus, toda a nossa esperança.
Tomamos como nosso protetor e advogado junto a Deus o
glorioso São José, a quem devemos prestar honra e homenagem
toda particular. As Irmãs devem considerar como um de seus
primeiros deveres invocar São José todos os dias, e invocá-lo
ainda em todas as suas necessidades gerais e particulares.
No dia 20 de abril de 1817, pela primeira vez, tivemos a
bênção do Santíssimo Sacramento. Não pudemos tê-la antes
porque nem tínhamos ostensório nem os outros objetos
necessários.
por isso que o Sr. Bispo julgou conveniente doar-nos uma parte
dos livros dos Irmãos das Escolas Cristãs. Todos os nossos
foram mudados, com exceção da História da Igreja, da
Cronologia, da História Sagrada antiga e romana. Eis os preços
dos livros, primeiramente para vocês e em seguida para os
alunos. Será preciso providenciar a despesa do frete.
Gramática – 0,85 centavos; para as alunas 1 franco.
Exercícios de ortografia – 1,10; para as alunas, 1,25.
Leituras autografadas 0,45 centavos; para as alunas 0,50.
Livro de exercícios do professor – 1,80.
Geografia – 1,10; para as alunas 1,25.
Leituras impressas para a mestra – 0,75 centavos
Aritmética – 1,30; para as alunas 1,40.
Soluções – 1,40
Deveres do cristão, livro de leitura, 0,95 centavos; para as
alunas 1 franco.
Os Irmãos são os autores de todas as obras que nos vieram
de Paris.
O terço custa 1 franco, porque os crucifixos que tínhamos
não eram resistentes. Encomendamos alguns em Paris e
custarão 50 centavos. Calculem os livros e os terços de que
precisarem. As alunas devem pagar e enviem-nos o dinheiro
pelo correio com o pedido, assim como os terços. Nossa
ecônoma está sem dinheiro e não é possível pagar adiantado.
A História da França de Lefranc.1
Irmã Maria Emília.
Ano de 1847
193
Abraçar a cruz que um dia levará os seus para o céu. Após
acontecimento desagradável e de mal-entendidos com o pároco,
mostrar-se ainda mais respeitosa e deferente para com ele (L 805).
A uma superiora.
Villefranche, 21 de janeiro de 1847.
564
101
À Irmã Euphrasie.
Villefranche, 14 de setembro de 1846.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Não posso deixar de responder imediatamente à
consoladora carta que me escreveu e que me causou prazer. Ela
me dá as mais doces esperanças. A luz que Deus lhe dá será
seguida por seus esforços e você começou bem a fazê-los de
acordo com as confidências que fez a nossas Irmãs e a mim
também. Não tema, minha querida Irmã, pois elas não
diminuirão a terna afeição e a estima que lhe tenho, ambas só
podem aumentar. Continue abrindo plenamente sua alma à Irmã
N. e fique certa de que Deus medirá suas graças pela sua
simplicidade, seja interior, seja exterior, como também pelos
esforços que fará para ir ao encontro do que lhe custa. Um dos
melhores meios para ter essa coragem é olhar muita vezes
nosso terno Salvador em sua Paixão. Nessa divina escola só
podemos nos tornar corajosas e dispostas a fazer tudo que Deus
nos pede.
Peço-lhe que em breve me escreva, pois desejo saber que
você está indo cada vez melhor.
Sou, com muita afeição, nos santos Corações, toda sua.
Irmã Maria Emília.
192
Remessa de uma lista de livros escolares imposta pelo Bispo (L
694).
À Madre Léonide, em Asprières.
Villefranche, 11 de outubro de 1846.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Sendo nosso Instituto dedicado à instrução da juventude, é
de suma importância estabelecer a uniformidade no ensino. É
Deus nos concedeu muitas graças neste primeiro ano de
nossa fundação. No tocante ao espiritual, nada nos faltou. De
quatro que éramos, somos doze, às quais ele quis dar o desejo
de servi-lo. Afastou aquelas que não tinham vocação, de forma
que cinco jovens que pensavam ser chamadas por Deus para
viver conosco não foram aceitas e saíram, o que deve servir de
lição para a superiora e seu conselho, que não deve se apressar
em receber jovens sem, antes, consultar humildemente o
Espírito Santo e não ter nenhuma visão humana, sobretudo não
se decidir pelos bens que a jovem possui, o que deve ser
contado como nada. As Irmãs estejam bem certas de que
enquanto puserem sua confiança em Deus nada lhes faltará e,
mesmo que isso aconteça, devem se alegrar porque têm nisso
alguma semelhança com Jesus pobre. É na santa pobreza que
encontrarão verdadeiros tesouros que ninguém lhes poderá
roubar.
Neste primeiro ano, a divina Providência quis prover a
todas as nossas necessidades temporais. Humanamente falando,
tudo nos deveria faltar e nossa casinha deveria ruir por falta de
recursos humanos. Mas Deus nos concedeu a graça de ver as
coisas de outra maneira, persuadidas de que ela não
desmoronaria por conta disso. Começamos assim mesmo e,
para melhor consolidar a obra, recebemos quatro pessoas para
alimentar gratuitamente. Não fomos enganadas em nossa
esperança, embora este ano tenha sido dos mais difíceis, que
tenhamos comprado o trigo por um preço muito alto (até
quarenta e dois francos), que todos os outros produtos também
tenham custado muito, que tenhamos recebido as jovens que
queriam se consagrar a Deus pagando uma pensão muito
pequena, que de todos os nossos parentes, somente o pai de
uma de nós deu uma pequena pensão à sua filha, que não tendo
nenhum móvel, tenha sido preciso comprar os mais necessários.
Deus proveu de tal maneira às nossas necessidades que tivemos
tanto pão quanto queríamos e mesmo além do que queríamos.
Aprendamos, pois, a contar com Deus, que nunca falta.
102
563
À Madre Angélique, em Firmi.
Villefranche, 26 de agosto de 1846.
Um ano depois de nossa fundação, no dia da Santa Cruz,
celebramos o aniversário com santa alegria e todas com boa
saúde. Tivemos a exposição do Santíssimo Sacramento o dia
todo e a bênção à tarde.
Que a superiora se lembre de nada fazer, seja no plano
temporal, seja no espiritual, sem antes consultar humildemente
o Senhor. Por não tê-lo feito, sinto-me bem confusa. Tive mais
trigo do que era necessário para chegar até a colheita. Vendi-o e
vejo-me obrigada a comprá-lo por um preço mais alto e tudo
isso porque não agi sob os olhos de Deus.
Também que ela se lembre de não impor nenhum fardo que
ela mesma não tenha carregado antes. Tanto quanto possível,
deve assumir o mais penoso e não permitir que as Irmãs a
poupem demais. Deve dar o exemplo e sem querer fazer disso
um mérito, lembrando-se de que deve ser a mais humilde serva
de suas Irmãs. Bem compenetrada dessa verdade, não
apresentará semblante cansado nem aborrecido, quantas vezes
se recorra a ela. Ao contrário, que se sinta feliz e muito honrada
em servir às esposas de Jesus Cristo.
3. Crônicas dos anos 1817-1820
Manuscritos autógrafos 13 (coletâneas de cartas III 5-8). Notar a
confissão que se refere ao dia 26 de junho 1818: é típica de um
rigorismo que, em Santa Emília, se alia a uma grande e compreensiva
bondade. A “classe São Vicente” designa aquela que, inteiramente
gratuita, acolhe as crianças mais pobres (v. s. p. 71-74).
No dia da Assunção da Santíssima Virgem, em 1817,
quatro Irmãs tiveram a felicidade de fazer os votos de pobreza,
castidade e obediência por um ano. Eis seus nomes: Ir.
Eléonore Dutriac com 19 anos, Irmã Athanasie Rozié de 20
anos, Irmã Rose Masbou de 19 anos, Irmã Vincent Garrigou de
14 anos.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
O retiro que vai se realizar, do qual espero dizer-lhe em
breve a data, me dá a oportunidade de conversar com você para
levá-la a redobrar de ardor e zelo em suas obrigações
particulares e para com o próximo. Faço-o com prazer, pois a
sua boa vontade é minha alegria e minha consolação. Para mim,
é agradável pensar que, espalhadas pela zona rural, fazem tudo
o que depende de vocês para tornar conhecido e amado o
melhor de todos os mestres, e que não deixam passar nenhuma
ocasião de suscitar o amor à Sagrada Família. Acrescentem a
isso, segundo seus desejos, um aumento de vida interior e de
caridade e continuarão, por sua exatidão no cumprimento de
seus deveres e sua constante regularidade, a amenizar os
sofrimentos inseparáveis do cargo que a Providência me
confiou. Esforcemo-nos, minhas bem-amadas Irmãs, por nos
encorajar por ter um grande desejo de amar o bom Deus de todo
o coração e por seu amor amar ternamente nosso próximo.
Daqui até o retiro, procuremos fazer todos os atos de amor
possíveis e estejamos certas de que esse retiro, que vejo com
alegria ser o objeto de seus votos, será um tempo de felicidade e
solidificará os laços que nos unem. Que a mais profunda paz
seja seu melhor fruto.
Saúdo-as afetuosamente, com uma dedicação sem medidas,
minhas muito queridas Irmãs.
Sua Madre muito afeiçoada.
Irmã Maria Emília.
191
Felicitações e encorajamentos a uma religiosa que tomou boas
resoluções e que começa a colocá-las em prática. Para ter a coragem
de renunciar a si mesma, é preciso contemplar muitas vezes Nosso
Senhor em sua Paixão (L 790, M 38-39).
562
103
Quero suprir a privação que experimento por tê-la longe de
mim, desejando-lhe um santo Aleluia e a paz que o acompanha,
bem inestimável que todas podemos possuir pela prática das
obrigações de nosso santo estado, e pela união que nos é fácil
ter com Jesus, Maria e José, a quem temos a felicidade de
pertencer de um modo particular. Lembremo-nos muitas vezes,
minhas muito queridas Irmãs, das virtudes das quais nos deram
o exemplo e, sobretudo, desse espírito de recolhimento que
tinham na santa e humilde morada de Nazaré.
Gostem de viver escondidas, sejam breves no parlatório e
não repitam o que tiverem escutado. Lembrem-se de que nosso
fundador nos recomendou: fechar cuidadosamente todas as
brechas por onde o espírito do mundo poderia entrar na solidão.
É pelo amor e pelo espírito de sacrifício que precisamos nos
preparar para receber a nova Regra que esperamos. Disseramme que em breve chegará. Façamos tudo que depender de nós a
fim de estar repletas de coragem e de zelo para cumprir tudo o
que ela nos prescrever. Enquanto esperamos, peço-lhes que
façam três comunhões em honra do Sagrado Coração de Jesus,
e ofereçam, pela manhã, tudo que fizerem em união com esse
divino Coração.
Nosso Pai manda lhes dizer que nos envie, por escrito, a
relação de tudo que as crianças devem recitar por ocasião da
distribuição dos prêmios. Ele não se refere aos livros clássicos,
mas aos diálogos, fábulas, textos de história, poesias. Ele deseja
ainda que nos enviem a lista dos livros que devem dar como
prêmio.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
190
Mais uma carta em preparação ao retiro. Alegria da superiora
geral ao pensar no apostolado feito pelas religiosas. Convite a um
aprofundamento da caridade interior e do sentido de sua observância
(L 788, M 455-456).
26 de junho de 1818 – Cometi uma falta da qual me
arrependo e dela peço perdão a Deus, como também à
Santíssima Virgem e a São José: deixei sair uma interna com o
vigário da paróquia, porque não agi, naquele momento, sob o
olhar de Deus. Com o auxílio da graça, não serei mais tão fraca
e me orientarei pela regra de só deixar sair com o pai ou a mãe.
Há também algum tempo que deixei uma aluna ir ao parlatório
sem ser acompanhada. Disso me arrependo também e me
proponho, com o auxílio de Deus, não mais permiti-lo.
No dia da Natividade da Santíssima Virgem, em 1820,
tivemos a imensa felicidade de emitir os votos perpétuos,
recebidos por nosso celebrante em nome de Deus. Éramos sete:
Irmã Athanasie, Irmã Rose, Irmã Ursule, Irmã Vincent, Irmã
Thérèse, Irmã Agathe e Irmã Emilie, superiora.
Três fizeram os votos por um ano: Irmã Augustine, Irmã
Angèle e Irmã Euphrasie. Nesse mesmo dia, recebemos o véu e
o hábito religioso, que nos foi dado por nosso Pai. Isso nos leva
a amá-lo e estimá-lo muito particularmente, pensando que é o
próprio Deus que nos quer assim, pois aquele que fica em seu
lugar no-lo deu. Nesse mesmo dia, a superiora fez um quarto
voto: o de orientar nossa Congregação para a educação da
juventude.43
Embora não tenhamos feito um voto particular de clausura,
a isso somos igualmente obrigadas, estando esse compromisso
incluído nos outros. Não podemos sair por nenhum motivo,
nem mesmo para tomar banhos térmicos, embora certas de que
eles devolveriam uma saúde perfeita depois de uma longa
doença. Não podemos deixar entrar em nossa casa outras
pessoas, a não ser por necessidade. Somente no dia de São
Vicente, 21 de julho, nos é permitido deixar passear no grande
jardim as crianças dessa classe. Para as crianças de outras
classes, podemos deixá-las passar pelo pequeno jardim ao longo
do muro, para irem à capela, quer para se confessarem, quer
para participarem da Missa. As Irmãs que as acompanham
devem cuidar para que não se espalhem pelo jardim, apenas
deixá-las passar pela porta do pequeno jardim, pela qual se
entra na capela.
Ao fazer voto de pobreza, não podemos legalmente nos
104
561
despojar da propriedade de nossos bens aos olhos da lei, mas,
diante de Deus, renunciamos a ela para sempre, de forma que,
se uma Irmã herdasse algum bem, esse não lhe pertenceria, mas
à comunidade, a quem deu todos os seus bens presentes e
futuros.
4 . Detalhes sobre a fundação de Montauban-Sapiac
Manuscritos autógrafos 48-50 (Dossiês da Causa: fascículos 18,
classis quinta). Tendo-se realizado a fundação em 1841, o texto deve
ser dela sensivelmente contemporâneo. A Madre fala de si própria na
3ª pessoa, por discrição, como de costume. Afetuosa estima pela vida
carmelitana, gratidão para com a priora, disposições de obediência e
de humildade, tantos “pontos” que caracterizam Santa Emília. Ela
confessa a persistência de uma desolação que, entretanto, se acalmava
ordinariamente no momento de empreendimentos difíceis, mas não há
nesse campo nenhuma lei (v.s.p. 19 e 88).
Nossa casa de Montauban foi estabelecida e eis como
surgiu a idéia: a superiora das Carmelitas de Figeac foi
obrigada a fazer uma viagem para Montauban.44 Durante sua
permanência nessa cidade, teve a oportunidade de ver o
proprietário de uma antiga casa dos Carmelitas, que desejava
muito vendê-la. Ele lhe pediu que nos comunicasse e nos
encorajasse a fazer a aquisição para fundar uma de nossas casas
nessa cidade.
Madre Thérèse fez o que lhe foi pedido e até insistiu para
que realizássemos o desejo desse respeitável sacerdote.
Nosso Pai interessou-se por esse projeto e concordou que
nossa Madre viajasse até lá. Ela se sentia igualmente atraída
por essa obra. O objetivo era ver se a casa indicada convinha,
mas faltava dinheiro, e toda a esperança de encontrar fundos,
pelo menos em grande parte, estava apoiada na divina
Providência. Mas a experiência feita tantas vezes de que a
divina Providência é o mais seguro de todos os recursos fazia
suas vizinhas para se alegrarem com ela. Vocês lhes dirão que
os anjos de Deus se alegram com a volta de um pecador e lhes
lembrarão as consoladoras palavras do Salvador, exortando-as a
meditá-las, a alimentar-se delas, sobretudo nos momentos de
perturbação e angústia.
É preciso ainda preveni-las contra as astúcias do demônio
que quer levá-las à tristeza e ao desânimo. Ele colocará, sem
cessar, diante dos olhos delas, as desordens da vida passada,
nada negligenciará para levá-las ao desespero. Sustentem-nas
então com palavras firmes, digam-lhes que nada têm a temer,
contanto que se deixem conduzir. Não se esqueçam de lhes
inspirar uma grande devoção para com a santa Virgem.
Exortem-nas a invocá-la e a acrescentar à invocação a imitação
das virtudes das quais nos deu o exemplo. Finalmente, levemnas a rezar muitas vezes ao anjo da guarda, sobretudo quando
forem tentadas. Eis, minhas boas Irmãs, o que queria lhes dizer.
Não duvido de que farão todo o possível para seguir as
recomendações que lhes faço.
Toda de vocês.
Irmã Emília.
Ano de 1846
189
Votos de Páscoa à comunidade de Montauban-Sapiac. Exortação à
vida escondida e solitária, da qual a clausura é o sinal e a garantia.
Receptividade acolhedora no que diz respeito às Constituições
ansiosamente esperadas (L 786, M 472-473).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 20 de abril de 1846.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
560
Imitadoras do divino Mestre, seus corações devem estar
repletos de caridade, de compaixão por essas infelizes vítimas
das paixões humanas. Essa caridade será demonstrada em todas
as suas palavras, em todas as suas ações. Como o bom
samaritano, vocês colocarão óleo e vinho nas feridas ainda
sangrentas de suas pobres doentes. Evitarão, diante delas, a
menor atitude, o menor gesto que lhes possa fazer sentir sua
superioridade sobre elas. Seu coração lhes será aberto. Ao
abordá-las, não terão elas que temer a frieza que gela, a
severidade que afasta e o acanhamento que constrange. Vocês
saberão temperar a firmeza com a doçura, a ativa vigilância
com as maneiras boas e confiantes. Terão entranhas maternas
para cada uma delas, e seus maiores cuidados serão para as
mais necessitadas. A ternura materna lhes fará suportar com
este espírito de mansidão tão recomendado pelo Salvador, as
asperezas do caráter, as desigualdades do humor, as faltas de
educação, algumas vezes mesmo a ingratidão e as grosserias
ocasionadas pela falta de educação. O zelo, a paciência nos
encontros difíceis, não as deixará se abater nem desanimar.
Sejam sempre as mesmas em todas as circunstâncias, firmes na
confiança em Deus e no desejo de salvar almas, que nada as
espantará nem as desencorajará. Nas conversas com suas filhas
adotivas, elas poderão perceber que realmente vocês gostam
delas, apreciam estar com elas, aproveitam todas as ocasiões
para conduzi-las ao bem, à prática da virtude, o amor pela vida
solitária que voluntariamente escolheram.
Vocês lhes falarão muitas vezes das infinitas misericórdias
do Senhor, farão com que vejam Nosso Senhor Jesus Cristo
como um pai terno, sempre pronto a recebê-las. Vocês lhes
contarão as parábolas tão comovedoras que revelam tão bem os
sentimentos do Coração de Jesus para com os pecadores. Por
exemplo, o pai do filho pródigo correndo ao encontro de seu
filho e mandando matar o novilho gordo para celebrar seu feliz
retorno, será assunto de suas conversas; também a samaritana
diante do poço de Jacó; Madalena lavando os pés de Jesus com
suas lágrimas; o bom pastor carregando em seus ombros a
ovelha desgarrada; a mulher que perdeu a dracma e que chama
105
com que houvesse a certeza de que não nos faltaria nessa
circunstância, contanto que estivesse nos desígnios de Deus.
Ficou, pois, acertado ir ver e voltar em seguida para amadurecer
o projeto, mas tínhamos a idéia de que se a Madre fosse,
estabeleceria aí a casa antes de sua volta, senão teria suplicado
a nosso Padre Marty de não a obrigar a fazer essa viagem se
não tivesse quase certeza de êxito. Viajou no dia 5 de julho de
1841. Perguntou a uma pobre mulher onde residiam as
Carmelitas: a mulher se ofereceu para conduzi-las até lá.
A boa Madre Sainte-Fleur, a quem pediu hospedagem,
recebeu-a com a mais terna caridade, ofereceu-lhe um
apartamento para ela e suas companheiras, forneceu-lhes tudo e
em tudo fez como uma mãe a filhas bem-amadas. Essa boa
Madre ajudou-a com seus sábios conselhos, que lhe foram
muito úteis, como também as orações que ela e suas queridas
filhas fizeram ao Senhor. Nossa Madre, sentindo-se expatriada,
sem apoio, sem socorro, encontrava sua consolação junto à
venerável carmelita. Em todas as dificuldades e sofrimentos, ela
era seu recurso. Gostava tanto de falar com uma filha de Santa
Teresa quanto essa grande santa fora sempre objeto de sua terna
afeição. Queixava-se de não ter recebido seu nome no batismo e
teria gostado de encontrar Carmelitas em toda parte. Vinte anos
atrás, antes do começo do Instituto, passando por Montauban,
havia entrado nessa mesma casa onde tinha sido acolhida com
tanta caridade. Havia falado à superiora do desejo de abrir uma
casa destinada à instrução dos pobres e acrescentava que não
tinha dinheiro. A boa Madre lhe disse: “Não tema, considere os
meios pecuniários como nada; se seu projeto for da vontade de
Deus, ele não deixará de realizar-se.” Essas palavras não se
apagaram de sua memória e, revendo essa santa casa, sua alma
ficou emocionada e alegrou-se por estar novamente sobre o
monte sagrado do Carmelo.
Gostava de ir rezar junto de um altar que lhe chamara a
atenção quando de sua primeira passagem, representando em
vários medalhões os diferentes momentos da vida dessa grande
santa. Era junto desse altar que ia rezar a Santa Teresa para dela
obter intenções puras e que fossem ao menos um pouco
559
106
próximas das suas em semelhantes circunstâncias. Era preciso...
e a força de que precisava era-lhe muito necessária, pois, além
das dificuldades para encontrar uma casa, teve uma, bem
sensível devido às tentações extremas que desolavam sua
companheira. Era de não se poder suportar, tão triste e desolada
se sentia.
Por outro lado, ficou provado que o grande convento dos
Carmelitas não podia convir, primeiramente por causa da
considerável soma que por ele era pedida, mas sobretudo,
porque o desejo de nossa Madre era começar tudo muito
simples, tendo compreendido ser essa a vontade de Deus sobre
nosso Instituto. Precisava procurar em outra parte.
As senhoras do Refúgio queriam vender sua casa. Ela foi
vê-la, mas a casa não lhe convinha. Entretanto, o que tornava a
decisão mais urgente é que estavam alojadas na casa das
Carmelitas que não tinham o suficiente para elas, mas que não
queriam retribuição. Parecia que a melhor coisa seria voltar
para Villefranche, mas nossa Madre jamais acreditou que essa
fosse a vontade de Deus. A não ser por um desejo formal de seu
Superior (o que a teria feito partir imediatamente), estava
decidida a ir até o impossível e só pensava em socorrer as
numerosas crianças não aceitas pelas outras comunidades que
eram numerosas em Montauban.
glória de Deus. É fazendo desaparecer qualquer espírito
partidário que a caridade e a união se estabelecerão sobre bases
sólidas. Foi dito ainda de esquecer o passado e só lembrar dele
para humilhar-nos diante de Deus por todas as nossas faltas,
reconhecendo que todas erramos. Penetradas desse pensamento,
ninguém dirá: “Tal Irmã está errada.” Todas juntas diremos:
“Queremos agir bem para agradar o bom Deus, consolar nosso
primeiro pastor, pela paz que ele verá reinar entre nós. Juntas,
tenhamos um só coração e uma só alma, assim como somos
uma mesma família.”
Toda de vocês nos sagrados Corações.
Irmã Maria Emília.
188
Encorajamentos às Irmãs do Refúgio, em Villefranche. Elas fazem
o ofício do bom pastor e devem, por seu acolhimento e sua incansável
bondade, facilitar a total conversão de suas “filhas adotivas”, como
diz delicadamente a Santa. É preciso falar-lhes muitas vezes sobre a
misericórdia divina e lembrar-lhes os textos evangélicos mais
eloqüentes sobre esse assunto. Ressaltar que tendo a obra do Refúgio
evoluído, comporta no momento diferentes modalidades educativas (L
774).
Às Irmãs do Refúgio.
Villefranche, 23 de novembro de 1845.
5. Orações, primeiras palavras de cânticos e de orações
Manuscritos autógrafos 41-46. Foram transcritas aí duas
passagens das coletâneas de cartas (V 351 sv. e 356 sv.),
respectivamente de 1840 e 1847, provavelmente. O primeiro grupo
compreende: “Oração às sagradas chagas de Nosso Senhor Jesus
Cristo”; “Oração à Santíssima Virgem”; “Oração durante a santa
missa”; “Comunhão espiritual”. Apresentamos a segunda, em que
transparece a piedade marial de Santa Emília, e a terceira, na qual se
afirma a conexão entre o mistério da Paixão e o mistério Eucarístico.
Citaremos apenas um pequeno número de inícios de cânticos
(250 mais ou menos) e de orações (15), simplesmente para dar alguma
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Não sendo possível reuni-las todas para lhes falar, como
faço com nossas Irmãs, quero suprir essa privação escrevendolhes uma carta comum para encorajá-las, apoiá-las e guiá-las na
realização de sua difícil tarefa. Se as funções de nossas Irmãs
junto às crianças são meritórias, as de vocês não o são menos: a
educadora guia a infância no início da vida, ensina-lhe a
conhecer, amar e servir a Deus. Vocês, minhas queridas Irmãs,
fazem o oficio do bom pastor: fazem retornar ao redil as
ovelhas infiéis que deixaram uma pastagem fértil para correr
atrás das urtigas e dos espinhos.
558
107
idéia do que às vezes podia acalmar um pouco a desolação de Santa
Emília ou expressar os impulsos de um fervor momentaneamente
sensível.
187
Carta-circular para convidar todas as Irmãs a se prepararem para o
retiro anual: oração, desejo de união mais verdadeira dentro da
Congregação, espírito filial e dócil na espera das Constituições
revisadas (L 767, M 465-466).
A todas as Irmãs do Instituto.
Villefranche, 9 de agosto de 1845.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Eis chegado o momento do retiro anual. Gostaria de fazê-lo
com vocês, mas, não sendo possível este ano, eu me unirei a
todas em espírito e de coração. Juntas suplicaremos ao bom
Deus de nos unir a ele, dando-nos seu divino amor e o do
próximo, que tanto nos recomendou, e sobretudo entre todos os
membros do Instituto. Daqui até o retiro, ofereçam tudo o que
fizerem para obter de Deus a graça de bem fazê-lo. Nessa
intenção, todos os dias, rezem o terço completo ou em parte,
segundo lhes for mais fácil. Visitem a divina Pastora, com uma
oração a São José e algumas invocações ao Espírito Santo. Um
Pai Nosso em honra dos santos protetores da Congregação. Se
forem movidas a fazer alguma mortificação, façam-na com a
mesma finalidade. Façam ainda o seguinte para honrar nossa
boa Mãe: que a sacristã, ou aquela que a Madre designar,
coloque flores diante de sua imagem, tendo grande cuidado de
renová-las, oferecendo-lhe sempre, por todas, a terna expressão
de sua afeição filial. Nosso retiro foi dos mais consoladores,
pela suave paz que reinou entre nossas Irmãs. Vocês se
alegrarão comigo, minhas queridíssimas Irmãs, agradecerão ao
Senhor por nos ter concedido tantas graças.
Falamos sobre nossa futura Regra e todas a desejam. Ficou
decidido por unanimidade que seria recebida como se nos
viesse do próprio Deus e, por conseguinte, com uma obediência
cega. Nada de interesse particular: clausuradas e nãoclausuradas, todas devemos ter o mesmo desejo, o da maior
Oração à Santíssima Virgem: Lembre-se, Santíssima
Virgem, de que é minha Mãe e de que eu sou sua filha; de que
seu Filho no Calvário me entregou à senhora; não deixe perder
um bem que lhe pertence e que lhe foi tão caro que, para o
resgatar, ele deu o seu sangue e sua vida. Não permita que eu
menospreze esse sangue precioso e que o demônio se vanglorie
de ter arrastado para o inferno uma filha de Jesus e de Maria.
Oração durante a Santa Missa. Sangue adorável do meu
Salvador derramado na cruz para a salvação de todos os
homens, eu o adoro e o bendigo de todo o meu coração.
Salvador Jesus, que esse sangue recaia sobre mim para me
resgatar, sobre o meu coração e o meu corpo para purificá-los,
sobre minha vida e minhas ações para consagrá-las ao Senhor.
Ó meu Salvador, faça que eu me esqueça tudo e até de mim
mesma antes de perder a lembrança deste excesso de caridade
com a qual o Senhor entregou aos maiores tormentos e à morte
mais ignominiosa pelos pecadores. Que essa piedosa
lembrança, ó meu Deus, se grave para sempre em meu espírito,
que me desperte durante a noite, me ocupe durante o dia, me
ilumine, me fortifique nas tentações contínuas desta vida. Mas
que essa piedosa lembrança, ó meu Deus, produza em mim a
compaixão, me encha de contrição e me inflame de um amor
eterno pelo Senhor.
Primeiras palavras de alguns cânticos
– Eis Senhor, esta ovelha...
– Pequei desde minha infância...
– Castigarás, Senhor...
– Ah! Tenho vivido sem te amar...
– A penitência tem suas doçuras e seus atrativos...
– Tudo é suave e nada custa...
– Viva Jesus, viva sua cruz...
– Cruz augusta, cruz consagrada...
– Escutas os anjos. (Escutas lous angels)...
– Pastorzinhos (Pastourels)...
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– “O que mitrobi content dobe quitat lou...” A alegria de ter
deixado tudo.
– “Demore rabissente, oymable porodis...” Morada
encantadora, amável paraíso.
– Ó minha doce esperança, Jesus...
– Ó Coração divino, coração todo abrasado de amor...
– Eu gemia na escravidão...
– Jesus encanta minha solidão...
– Jesus é minha felicidade...
– Jesus, viver sem ti...
– Do santo nome de Jesus eu quero cantar a glória...
– Contemplemos o Salvador reduzido à agonia...
– O Senhor reinou...
– Monumento de sua glória, a cruz triunfa neste grande
dia...
– Jesus é a própria bondade ...
– Jesus, dou-te meu coração...
– Sim, eu ouço tua voz...
– O anjo anuncia o mistério a Maria...
– Se eu pudesse sempre com os anjos, Virgem Santíssima...
– Eu sou a pastora fiel45...
– De uma Mãe querida, celebremos as grandezas...
– Que minha sorte tem encantos...
– Salvador bondoso...
– Que Jesus é um bom mestre...
– Tua esposa querida...
– Vem, ó meu divino Salvador, vem reinar...
– Que belo dia, que felicidade suprema...
– Do rei dos céus eu sou o tabernáculo...
Primeiras palavras de algumas orações
– Eu ousaria falar ao meu Senhor...
– Ó Jesus, cuja bondade é infinita...
– Senhor, fortalece minha alma...
– Ó feliz morada da cidade celeste...
–Considera, meu filho, qual será o fruto dos teus
trabalhos...
– Senhor, qual é o meu apoio nesta vida...
557
Ainda não recebi suas cartas, mas espero logo, e que vocês
me darão todos os detalhes possíveis. Não deixo de recomendálas ao bom Deus e à sua santa Mãe.
Vocês sabem que escrevi ao senhor Bispo, comunicando-lhe
que não viria a Rodez por causa da minha má saúde. Acredito,
entretanto, que ainda que a viagem me cansasse um pouco, eu
não pioraria. Falem sobre isso a Sua Excelência. Digam-lhe, se
acham que essa viagem é para a maior glória de Deus, que
desejam minha ida e que a vantagem de me encontrar com o Sr.
Bispo compensará amplamente o cansaço da viagem. Padre
Turq é de opinião que eu vá com vocês, se for necessário.
Aguardarei a sua resposta. Se acharem que minha viagem será
útil, partirei imediatamente com Irmã Vincent.
É, na união dos santos Corações de Jesus, de Maria e de José
que sou com uma terna afeição, minhas queridíssimas Irmãs,
sua Madre muito dedicada.
Irmã Maria Emília.
De maneira alguma desejo ir a Rodez. Se lhes escrevo sobre
isso é só pelo desejo de estar nas mãos de Deus, na indiferença
de ir ou não, segundo a sua vontade. Da mesma maneira, desejo
que não se apressem em me responder, mas antes peçam
conselhos à Madre Priora, a quem envio meus afetuosos
respeitos. Coloquemos nossa confiança em Deus. Queremos em
tudo fazer a sua vontade. Tenhamos uma reta intenção e a
divina Providência resolverá tudo para o nosso bem. Estou
pronta a vir encontrar-me com vocês, mas não tenho confiança
em meus impulsos. Só acredito que minha viagem poderia ser
útil se o Sr. Bispo estiver totalmente de acordo, senão prefiro e
julgo mais vantajoso ir visitar a divina Pastora.
Não preciso recomendar-lhes que permaneçam humildes e
bem unidas a Deus. Por favor, que a alegria de me ver em
Rodez não interfira em sua determinação. Pe. Turq que, apesar
do mau tempo, quer chegar até vocês, as ajudará com seus
conselhos.
556
109
inteiramente sob os olhos de Deus. Que aquelas que amam a
clausura e querem guardá-la coloquem uma fava branca;
aquelas que querem ser Irmãs das escolas coloquem uma fava
preta e, repito, que se deixem conduzir unicamente pela
consciência. Tenhamos muita confiança. Deus tudo conduzirá.
Se você deseja saber qual a decisão de nossas Irmãs daqui,
posso dizê-lo. Todas ficaram consternadas após a leitura da
carta de Padre Barthe, mas São Carlos as encorajou de tal
maneira que, no momento, estão muito confiantes. Consideram
como bom presságio as aflições que Deus nos enviou. Durante
a novena, tínhamos nove Irmãs doentes, acamadas ao mesmo
tempo: tifo, erisipela, febre cerebral, etc. Duas receberam a
unção dos enfermos. Todas estão melhores. Irmã Nathalie, a
mais doente de todas, está ainda delirando. Mas esperamos que
ela fique boa.
Toda sua.
Irmã Emília
Digo-lhe, mas só para você, que um padre daqui, homem
muito piedoso e muito bom conselheiro, me dizia num desses
dias: “Se acabarem com a clausura destruirão o Instituto.”
Acrescentou que todos os fundadores tinham sido também
molestados.
– Meu filho, é preciso que te dirijas sempre a mim...
– Com que te retribuirei, ó meu Deus, por esta infinidade de
bens dos quais eu...
6. Disposições de Madre Emília no momento da
“Negociação Hugounenc”
Manuscritos autógrafos 4-5 (coletâneas de cartas IV, 5-8). A
Irmã Laurent Belloc escreve: "Em 1844, o nosso representante Sr.
Hugounenc que, desde o começo do Instituto tinha sempre declarado
não querer honorários, nos apresentou uma conta, segundo a qual ele
pretendia que lhe devíamos 34.000 francos. A serva de Deus que via
tudo na linha do sobrenatural, não perdeu sua calma e, colocando toda
a sua confiança naquele a quem amava unicamente, esperou de sua
bondade que fizesse conhecer a falsidade das pretensões do Sr.
Hugounenc. Mandou procurar duas órfãs e as admitiu ao noviciado,
rezou e mandou rezar muito, e o Sr. Hugounec se satisfez com a
quantia de 2.000 francos que lhe entregamos a título de gratificação.
Por ordem do seu confessor, ela consignou suas disposições relativas
a esse assunto num texto cujo original eu vi. (DL 128). Apreciar-se-á
a grandeza da visão de Santa Emília, que não é, entretanto, uma
idealista e, ao mesmo tempo, sua humildade no reconhecimento de
várias imperfeições.
Ano de 1845
186
Sempre preocupada com o problema da clausura, Madre Emília
escreve à Irmã Françoise Pascal que deve encontrar em Rodez o
senhor Bispo, dom Croizier,1 dizendo-lhe que ela também irá
encontrá-lo, se for preciso, apesar de sua saúde debilitada (L 750, M
461-462).
À Madre Françoise, atualmente em Rodez.
Villefranche, 28 de janeiro de 1845.
J.M.J.
Minhas queridas Irmãs:
Nas negociações com o Sr. Hugounenc, Deus me deu a
graça de ficar num estado de indiferença, seja pelo sucesso, seja
pela perda, sendo meu desejo que a santa vontade de Deus se
cumprisse e que o negócio servisse para a sua maior glória. Em
seguida, a perda de uns 20.000 francos me pareceu pouca coisa
em comparação com o menor pecado. Além disso, eu estava
persuadida de que estando todos os nossos negócios nas mãos
da Providência, essa não deixaria de nos fazer recuperar o que a
injustiça dos homens nos fazia perder.
Outra consideração que, muitas vezes, me torna
indiferente às coisas deste mundo é olhá-las como se eu
estivesse à beira do túmulo. Esse pensamento, que me faz
lembrar de tudo, serve para me desapegar das coisas terrenas e,
embora sinta suas vantagens, preferiria que fosse o amor de
555
110
Deus a produzir essa atitude.
Embora nesse processo Deus me tenha preservado de toda
preocupação, como se eu não me sentisse atingida
pessoalmente, entretanto, devo me censurar por haver dito algo
de constrangedor a esse pobre homem, e isso por falta de
desprezo a mim mesma, não tendo esta íntima persuasão de que
o que eu digo ou nada é a mesma coisa.
Além disso, ao falar sobre esse assunto para esclarecê-lo,
eu disse muitas coisas inúteis nas quais reconheço ser tanto
mais culpada quanto Deus me censura pelas muitas palavras
inúteis. Elas provêm de um espírito de auto-suficiência, que é
meu defeito dominante. Faltei ainda ao apelo que Deus me faz
de confiar só nele, de me apoiar apenas numa humilde oração e
em atos de caridade.
Algumas vezes me falam do tribunal de justiça, mas eu
preferiria de bom grado perder tudo o que o advogado nos pede,
a conservar esse dinheiro por semelhante meio.
Deus se serviu dessa infeliz questão para me proporcionar
bons pensamentos. Disse a mim mesma: se a injustiça de um
homem tem algo de tão gritante para com o seu semelhante,
qual não deve ser a minha para com Deus! Esse pobre homem
está cheio de confusão! A minha ainda deve ser maior, pois sou
bem mais culpada, visto que a ingratidão para com Deus é o
maior dos crimes. As aflições, as angústias que esse homem
experimenta, não sabe o que vai ser dele, pois se acha cercado
de todos os lados, sem meios de defesa. Isso me dá uma idéia
da alma culpada perseguida pela justiça de Deus.46
7. Narração dos pecados
seja concedida, sobretudo se tivermos o cuidado de nos
preparar pelo recolhimento e por um grande desejo de nos doar
a Deus sem reserva.
Não temos necessidade de lhes repetir que uma coisa
necessária para bem entrar em retiro é não ter durante esse
santo tempo, senão um desejo, um pensamento, que as afaste de
tudo que não diz respeito à nossa salvação. A preocupação,
qualquer outra coisa, como os desejos inúteis, os apegos, a
tristeza, a perturbação privam a alma de uma infinidade de
graças.
Nosso retiro começará no dia 2 de outubro. Procurem
começá-lo naquele dia, sob a proteção dos santos anjos da
guarda. Unam-se a nós e nós nos uniremos a vocês, e todas,
num mesmo espírito, nos esforçaremos por nos animar a servir
melhor do que temos feito até agora o melhor de todos os
mestres.
A renovação dos votos será na quinta-feira da semana
seguinte, ou seja, no dia 10.
Saúdo-as com a mais terna afeição.
Irmã Maria Emília
185
Tempo difícil em que o voto de clausura está prestes a
desaparecer. A superiora geral escreve à Madre Foi para lhe falar
sobre os sentimentos das religiosas da Casa- mãe e as modalidades de
escrutínio sobre esse assunto (L 744, M 459-460).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Manuscritos autógrafos 7-9. Este documento encontra-se em dois
textos de épocas diferentes (mas não especificadas) de coletâneas de
cartas: I 247-250 e VI 333-336. Santa Emília deve ter pedido várias
vezes ao seu confessor que fossem reveladas algumas de suas faltas.
A última é relatada pelo Padre Fabre, com data de 7 de setembro de
1852: “Pedi-lhe permissão para revelar tudo que sabia sobre ela por
meio da confissão e que poderia ser útil para a glória de Deus e a
Villefranche, 24 de dezembro de 1844.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Quanto à adesão que nos é solicitada para a supressão do
voto de clausura, é preciso que diga às Irmãs que elas têm total
liberdade, que nada devem temer e, conseqüentemente, agir
554
Irmãs da Sagrada Família por sua modéstia, humildade e
afastamento do mundo, ocupando-se cuidadosamente de seus
alunos e da visita aos doentes, cumprindo com o maior zelo
essas duas obras que são tão agradáveis a Deus e tão úteis ao
próximo.
Uma coisa que devemos recomendar-lhes particularmente é
de manterem entre si uma íntima união pela prática da mais
terna caridade, que as faça suportar com paz e doçura os
defeitos umas das outras, de maneira que cada uma de nossas
casas seja a imagem da de Nazaré.
Para atingir tal felicidade, reconheçam as faltas cometidas
contra a doçura, o respeito e o suporte mútuo. Verifiquem se
vocês se esforçam continuamente para chegar a tudo desculpar
e a tudo suportar entre si e a se amarem de tal maneira que
sejam um só coração e uma só alma. Após terem examinado a
maneira como a caridade deve existir entre vocês, vejam se a
praticam para com todos os membros do Instituto. Em seguida,
para com os doentes: vejam, sob os olhos de Deus, se os
visitaram e os consolaram tanto quanto lhes foi possível.
Fazendo a revisão de suas obrigações, não esqueçam o
espírito de zelo que, abrasando o coração, as leve a desejar
ardorosamente realizar tudo para a maior glória de Deus, no
cuidado para com as crianças do qual vocês fizeram o voto,
voto que será perfeitamente cumprido se tiverem uma
verdadeira pureza de intenção. Após um tranqüilo exame,
entreguem-se a Deus e, colocando toda a sua confiança nele,
tomem boas resoluções.
Vocês nos dirão talvez que, não vindo aqui, o retiro não será
tão frutuoso. Nada temam. Deus vê seus desejos. Ele não se
recusará a lhes dar seu espírito e sabem que ele sopra onde
quer. Entrem no retiro com paz, amor, alegria, coragem e
confiança, certas de seus frutos. Unidas em espírito e coração a
todas, nós rezaremos juntas. Embora distantes, estarão
presentes. Estaremos unidas no divino Coração de Jesus, e isso
não será em vão. Esperemos que uma renovação de fervor lhes
111
edificação das religiosas e dos fiéis. O senhor sabe, respondeu-me ela,
como estive longe de chamar a atenção sobre mim mesma; entretanto,
se o senhor quiser, submeto-me: suspendo o segredo da confissão,
com a condição de que fará conhecer os meus pecados” (CF 17).47
Referindo-se sem dúvida a 1843, o capelão declara também: “Na
época em que exigi da serva de Deus, seguindo o conselho dos meus
superiores, que ela me fizesse conhecer tudo o que dizia respeito à sua
vida, sua humildade foi atingida. Não me deu seu consentimento
senão com a condição de que eu tornasse conhecidos seus pecados e,
receando que eu não cumprisse essa incumbência, entregou-me um
papel em que os havia escrito” (CF 17). As linhas seguintes são tão
claras que dispensariam todo e qualquer comentário. Emília “exagera”
evidentemente, mas o bom senso comum revela-se incapaz de
delimitar as fronteiras ultrapassadas por esse exagero.
Primeira parte
Com a idade de 15 anos, eu sentia um grande atrativo pela
mortificação, o qual perdi por minha culpa. Ele foi substituído
por um terno amor por meu corpo, ocupando-me muito dele,
sobretudo
quanto
à
alimentação,
cuja
lembrança
freqüentemente me distraía durante a oração. Favoreci a
tentação por freqüentes atos de amor a mim mesma, indo até
mesmo à intemperança, comendo frutas em quantidade, dando
como desculpa o grande calor que sentia no peito. Eu tinha uma
espécie de ilusão quanto a isso e não gostaria de ser vista,
enquanto dava mau exemplo a nossas Irmãs. Penso que era uma
ilusão.
Esse amor para comigo mesma foi, durante longo
tempo, a causa de que ninguém podia me contentar, sobretudo
num tempo em que me sentia mais doente. Quando me davam
leite, desejava que fosse fresco e, para outros alimentos, não
ficava satisfeita se não fossem como eu os desejava.
Esse mesmo amor por meu corpo me fazia desejar que
reservassem para mim o que havia de melhor. Não gostava que
me esquecessem em minhas necessidades e que não fossem
pontuais a me prestarem serviço. Um dia, magoei uma Irmã que
me encontrou deitada, quando veio aquecer a minha cama.
Parece-me mesmo que eu me tinha apressado, querendo que ela
compreendesse sua negligência.
112
Em outras ocasiões, queixei-me, de uma maneira indireta,
da falta de serviço ou de atenção. Freqüentes vezes recusei
receber lenitivos e depois eu mesma os tomava. A ocasião me
levava a tomá-los. Por exemplo, encontrando pastilhas,
bombons, tomava-os, alegando que estava cansada.
Nas refeições, perdi muito tempo. Em vez de me conformar
com a necessidade provocada pela fraqueza do meu estômago
de tomar pouca alimentação, conservava, ou melhor, não a
combatia generosamente. A tal hora alimentava-me um pouco,
depois outro pouco. Mastigava sem engolir a fim de ter o suco,
persuadindo-me de que isso me fortificaria. Desejava sobretudo
poder comer pão, persuadindo-me de que era para fazer como
as outras.
Muitas vezes, permiti-me mais liberdade, prevalecendo-me
de minha posição de superiora, e resisti ao atrativo que me
levava a uma total abnegação de mim mesma. Freqüentes vezes
provei o que estava preparado para o refeitório ou para as
doentes, ainda por amor ao meu corpo. Enganava a mim
mesma, dizendo que era útil.48
Enfim, sou culpada de tantas e tantas reflexões sobre mim
mesma e recordações de amor-próprio, que me é impossível
dizê-lo. Disso sou tanto mais culpada, pois a luz não me faltou.
Reconheço que a falta de força para me vencer que sempre tive
veio do meu orgulho. Não duvido de que Deus não tivesse
escutado tantos suspiros dirigidos a ele, se tivessem partido de
um coração humilde. Quantas vezes, sentindo o peso das
minhas correntes, pedi-lhe que as rompesse. Pesavam-me tanto
mais que eu sentia vivamente o preço da liberdade dos
verdadeiros filhos de Deus.
Uma outra coisa de que me censuro é a confiança que
depositei nos socorros da medicina. Queria fazer exatamente o
que era prescrito pelo médico, não por espírito sobrenatural,
mas pela esperança de ser mais aliviada.
Há muitas outras coisas sobre esse infeliz amor de mim
mesma, amor-próprio, das quais não me recordo. Percebo que
em tudo que acabo de dizer eu me refiro ao passado, como se já
estivesse curada. Muito pelo contrário, ainda sou escrava,
embora me pareça que há uma pequena melhora.
553
Partilhamos os sofrimentos que lhe são causados por suas
dores de cabeça. Vamos iniciar uma novena pedindo que o bom
Deus queira aliviá-lo.
Sou, com o mais profundo respeito, senhor vigário, sua
muito humilde e muito obediente serva.
Irmã Maria Emília.
184
Sente-se o peso das dificuldades específicas experimentadas pelas
escolas. Por ocasião do retiro anual, Madre Emília convida a um sério
exame de consciência, particularmente em tudo que diz respeito à vida
de oração, à caridade dentro e fora da comunidade e o mínimo de
solidão indispensável (L 739).
Às Irmãs de Firmi e outras casas não-clausuradas.
Villefranche, 9 de setembro de 1844.
J.M.J.
Muito queridas e bem-amadas Irmãs:
O grande interesse que temos pelo seu crescimento na virtude
e a terna afeição que temos por todas levam-nos a desejar
ardorosamente ir até cada uma de suas casas para partilhar de
seus sofrimentos e de suas consolações, para nos edificar, nos
consolar, nos encorajar com seus bons exemplos. Mas não nos
sendo isso possível, queremos compensar a privação de falarlhes pessoalmente fazendo-o por escrito e convidando-as a
fazer o retiro numa íntima união com suas Irmãs da Casa-mãe,
transportando-se em espírito para esses lugares tão caros ao
coração de vocês pelos santos compromissos assumidos com o
mais terno dos Esposos. Nos dias que dedicarem à solidão,
tragam à memória os votos sagrados que as unem a ele.
Recordem cuidadosamente as faltas cometidas. Vocês
renovarão suas resoluções e seus desejos de ser verdadeiras
552
113
183
Em conseqüência de uma incompreensão, o vigário de uma
paróquia onde estavam as Irmãs da Sagrada Família acreditou que as
exigências delas eram exorbitantes. A superiora geral esclarece tudo
com ponderação e respeito, pedindo simplesmente que seja
assegurado o mínimo necessário (L 735, M 451-452).
Ao vigário de Asprières.
Villefranche, 29 de junho de 1844.
J.M.J.
Senhor Vigário:
Estou extremamente mortificada porque a minha última
carta o aborreceu. Com certeza não foi a minha intenção ao lhe
escrever. Queria apenas respeitar as intenções do nosso Bispo
que não aprova novas fundações sem que seja assegurada às
Irmãs uma honesta subsistência. Eu lhe tinha escrito por
ocasião da fundação de Asprières e de uma outra que nos
pedem. Sua Excelência me respondeu que exige mais do que
nunca não fazermos fundação sem que antes seja bem
assegurada a conveniente subsistência das Irmãs. Acrescenta
que só nessas condições é que dará o seu consentimento para
que o projeto seja realizado.
Conforme a sua carta, vejo que o senhor não entendeu e
pensou que pedíamos mais do que nos pode dar. Não queremos
entesourar. Que nossas Irmãs tenham o necessário para
poderem viver nos diferentes lugares onde são colocadas, é
tudo que desejamos. Tenho certeza de que, enquanto o senhor
viver, não lhes faltará coisa alguma. Mas, após sua morte, quem
poderá mantê-las? O senhor é bom demais e não quererá que
lhes falte o necessário, e quando pedimos essa segurança
queríamos nos prevenir disso. Pode ser que eu não tenha
exposto bem o meu pensamento e por isso o tenha aborrecido.
Se tivéssemos conversado, teríamos entrado em acordo. Deus
me livre de desconfiar do senhor, mas é preciso que eu respeite
as intenções do senhor Bispo, anteriormente expressas, dizendo
formalmente a Padre de Saint-Julien, nosso administrador, que
tivesse cuidado para que nenhuma escola fosse aberta sem que
a subsistência das Irmãs fosse bem assegurada.
Segunda parte
O medo penetra-me até a medula dos ossos, motivado pela
lembrança das graças de Deus das quais abusei sempre e pelo
grande número dos meus pecados.
Eu os vejo de todo tipo e em todas as minhas ações, seja
como religiosa, seja como superiora. Os maiores são aqueles
que cometi no tempo em que gostava do mundo e por ocasião
da fundação de nossa casa de Aubin, cujo nome é para mim
como o canto do galo.
Mas, além desses, cometi e cometo um grande número que,
por assim dizer, vai até o infinito. As obras que parecem boas,
eu as vejo tão manchadas, tão indignas de ser ofertadas a Deus
que me dão grande confusão. Se o meu pensamento se volta
para a minha inteligência, vejo que dela fiz mau uso, usei-a mal
por minha auto-suficiência proveniente do orgulho, que foi
sempre o meu defeito dominante e que muito mal combati.
Empreguei minha memória em tantas e tantas coisas vãs
que Deus não pode estar satisfeito comigo. Sentia-me atraída a
consagrar-lhe minha vontade. Deus a queria toda inteira e eu
não lhe obedeci. O amor ao meu corpo me acompanhou como
uma sombra e segui seus impulsos, embora soubesse que Deus
queria que eu fosse sua vítima.
A partir de tudo isso, vejo em mim mesma uma profunda
ingratidão e nada me parece mais horrível do que esse mal.
Vejo que utilizei tão mal o tempo e que me resta tão pouco para
repará-lo. Ainda se, por meio de um coração abrasado de amor,
tudo isso pudesse ser consumido por esse fogo divino, mas, sem
generosidade não sei o que fazer, a não ser lançar-me
cegamente no seio da divina misericórdia. Nosso bemaventurado Padre Marty me havia prometido que chegaria um
tempo em que tudo em mim se perderia no amor sagrado e isso
nunca acontece.
114
Como superiora, quantos erros cometi por minha falta de
prudência e por não ter consultado a Deus na oração. Quantas
vezes não tive espírito de misericórdia, faltando à doçura, a essa
complacência disponível a tudo e a essa doce caridade que
suporta os espíritos mais difíceis. Dei mau exemplo, o que teria
provocado um efeito negativo se Deus não tivesse colocado no
coração de nossas Irmãs uma grande indulgência para comigo.
Cometi faltas em todos os aspectos do governo da
Congregação, o que muito me leva a me queixar a Deus por me
haver escolhido para fazê-lo servir no Instituto de Jesus, Maria
e José.
Espero que, na sua extrema bondade, ele suscite alguém
para reparar minhas faltas e que, apesar das minhas
infidelidades que são inúmeras, ele me conceda o espírito de
penitência. Nessa esperança, quando vou me confessar, colocome aos pés de Jesus Cristo e faço um ato de abandono, mas
com muita tristeza. Para a santa comunhão, faço a mesma coisa,
mas freqüentemente me sinto tão penalizada que sou obrigada a
me esforçar para não explodir e deixar transparecer minha dor.
Léon Aubineau (o.c., 390) cita um texto cujo autógrafo não foi
conservado, mas que, tal qual uma confissão, foi certamente escrito
por Madre Emília por ocasião de sua última doença.
Desde o começo do meu resfriado, tive a impressão de que
ele degeneraria em tuberculose. Isso muito me assustou por
causa do estado interior em que me encontro e do grande
número de faltas que me faz cometer um amor exagerado ao
meu corpo.
Por outro lado, um longo período de doença me parecia
bem útil para adquirir o espírito de abnegação. Reconheço que
não me detive em nenhum desses pensamentos. Disse a mim
mesma para pensar apenas no momento presente, não fazer
caso de minhas previsões e entregar-me totalmente a Deus na
doença e na morte. O temor do meu último momento não me dá
nenhum desejo de remédios nem de cuidados. As poucas dores
que sinto de lado me causariam prazer se com isso eu tivesse
um meio de conhecer o Sagrado Coração de Jesus.
551
182
Madre Emília percebe na superiora de Montauban-Sapiac certa
falta de simplicidade na maneira de lhe expor suas dificuldades e
problemas de governo. Ela a repreende delicadamente (L 733, M 444445).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 25 de junho de 1844.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Irmã Marie du Bon Pasteur me escreve a respeito de seu
cargo de ecônoma. Cuidado para que as Irmãs que exercem
funções nas casas secundárias sempre se dirijam, em todas as
suas dificuldades, à sua respectiva superiora, e essa à superiora
da casa de Villefranche. Desejo encontrar em você, minha
muito querida Madre, um pouco mais de simplicidade de
criança. Você me informa por intermédio de outras pessoas.
Penso que isso a aborrece e faz sofrer, e lamento. Creia-me,
abandone-se de uma vez por todas e com isso será mais
agradável a Deus. O constrangimento em que se encontra não a
impede de amar a Deus. Porém, você o amaria mais se pudesse
vencer essas dificuldades. Vamos, um pouco de coragem. Não
acredita que seus sofrimentos sejam também os meus? Desejo
de todo o coração amenizá-los. Eu a asseguro de que a sua
lembrança me é muito freqüente. Temo que nosso inimigo
comum ponha dúvidas no seu espírito com a finalidade de
angustiá-la.
Talvez sofra por causa do que aconteceu, mas isso já passou.
Escrevi à Madre Tabithe e com certeza ela lhe mostrou a minha
resposta. Se tivéssemos dinheiro na época em que você
precisava, nós o teríamos enviado. Esperamos que o bom Deus
no-lo enviará e, se não chegar, nós a informaremos.
(Falta o fim da carta)
115
550
Meu terno afeto a todas as nossas queridas Irmãs. As duas
últimas que você nos enviou fazem-lhe honra, pois estão muito
bem.
Se for aconselhada a cumprimentar o Bispo, não o faça, a
não ser que as Carmelitas saiam para isso. Tenho a intenção de
escrever a Sua Excelência após a chegada dele. Avise-me a
respeito disso.
Considero a falta de gosto pelo alimento como um
verdadeiro favor, na esperança de obter o espírito de
mortificação e de reparar as inúmeras faltas de gula das quais
me tornei culpada o tempo todo.
181
Em outros momentos de doença, faltei de confiança em
Deus. Quando me diziam que deixasse todo trabalho, eu me
preocupava e me dizia: O que vai ser de mim, entregue a mim
mesma e a esta multidão de inimigos que me segue por toda
parte! No momento, quero abandonar-me totalmente, pouco
importa o sofrimento. Aliás, sinto-me tão atraída a me entregar
a Deus e a abraçar a cruz de qualquer forma que me seja
apresentada, que cometeria falta se assim não o fizesse.
A superiora anuncia cautelosamente a uma religiosa o
falecimento de seu pai e a encoraja afetuosamente (L 718).
8. Perguntas feitas por Santa Emília a Padre Marty
A uma superiora.
Villefranche, 20 de fevereiro de 1844.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Você e eu fomos consagradas à cruz, entregando-nos a
Deus. Fizemos o sacrifício de tudo o que nos era caro. Agora é
preciso lembrar-lhe isso para que aceite com total resignação a
triste notícia do falecimento daquele que você amava com tanta
ternura. Deus achou por bem chamá-lo a si há algum tempo.
Como você estava doente quando esteve aqui, não tive coragem
de dizê-lo. Todas nós pedimos pelo descanso de sua alma, que o
Senhor terá recebido na mansão celeste. A paciência com a qual
ele suportou a doença e os socorros da religião que ele teve a
felicidade de receber, nos confortam. Procure, minha muito
querida Madre, não se deixar abater, mas submeta-se totalmente
e não fique pensando nessa triste lembrança. Eu lhe direi, para
diminuir seu sofrimento, que seu irmão Batista cuida bem da
casa e substitui seu pai falecido de uma maneira que deve lhe
fazer admirar a Providência. Suas duas irmãs estão no convento
de Livinhac. Madre Joseph me escreveu que estava muito
satisfeita com ambas e pensava que elas têm vocação.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
Ms aut. 14-31. A superiora da Sagrada Família fez, por cartas,
numerosas perguntas a Padre Marty. Delas, temos duas séries: a
primeira contém 59 perguntas, a segunda 176. Várias são autógrafas
(coletâneas de cartas III 339-362); outras, recopiadas nos Dossiês da
Causa (fascículos 26 classis oitava). A maioria diz respeito ao
governo da comunidade ou a alguma religiosa em particular (quase
nunca nomeada ou pelo menos os nomes foram riscados). Nós só
guardaremos aqui perguntas pessoais reveladoras da simplicidade e da
submissão de espírito da santa. Conservamos a numeração de Ms aut:
trata-se da segunda série.
57ª. Quando trocamos nossas medalhas, eu não troquei a
minha porque tocou o corpo de Santa Germana. Fiz bem?
Tenho também um cinto que tocou seu santo corpo. Parece-me
que um desses objetos me bastaria se, no entanto, o senhor
aprovar que eu os guarde.
59ª. Uma caixa me parece necessária no meu quarto para
guardar alguns papéis. O senhor me permite usá-la, como
também algumas cruzes, a fim de ver a imagem de qualquer
lado para o qual eu volte minha vista?
60ª. O senhor me permitiu ter em meu quarto uma imagem
de Jesus crucificado com a Madalena abraçando a cruz. Tenho
116
549
uma, que tem um pé de altura. O senhor acha conveniente que
eu a guarde?
61ª. Nossas Irmãs têm apenas uma cadeira para seu uso, eu
tenho duas. Tenho uma escrivaninha, uma pia de água benta,
um vidro para guardar folhas de hera. As outras têm esses
objetos em comum, de forma que várias se servem do mesmo.
O senhor acha bom que eu tenha isso só para mim, como
também um lápis? Tenho sempre água no meu quarto, da qual
posso me dispensar, sacrificando-me um pouco para ir buscá-la
quando preciso. O que acha disso?
70ª. No coro, temos uma cruz no meio de nós. Recitando o
santo ofício, eu queria olhar para ela. Entretanto, não ouso fazêlo, pois o senhor nos aconselhou olhar para nosso breviário.
Parece-me que ficaria mais recolhida se tivesse essa liberdade.
São Francisco de Sales dava-a àquelas que sabiam o santo
ofício de cor. O senhor poderia também fazer o mesmo?
88ª. Algumas vezes tenho a oportunidade de dar um
santinho, um relicário. Posso guardá-los em meu quarto, para
não precisar de pedi-los à arquivista todas as vezes que
necessite?
89ª. O Sr. vigário de Pibrac enviou-me uma imagem à qual
Leão XII deu uma bênção particular para a pessoa a quem o Sr.
vigário a presenteasse. O senhor quer que eu a coloque num
oratório, ou que a guarde em meu quarto?
90ª. Tenho uma estampa de Nossa Senhora das Dores que
o senhor teve a bondade de tirar do seu breviário para me dar.
Estou um pouco apegada a ela. Posso guardá-la? Tenho outra,
em minha chaminé, do bem-aventurado Benoit Labre, pela qual
tenho particular afeição. Posso guardá-la? Não tinha apercebido
antes que devia pedir-lhe isso.49
91ª. Quando temos pensamentos contra a fé, como
combatê-los?
92ª. E quando temos pensamentos contra a esperança?
sem lhes dizer a razão. Diga-lhes que é algo que diz respeito à
religião. Não comunique nada a Padre Guyard sem me
consultar.
Gostaria e acredito que você deveria me prestar contas de
tudo que se passa na sua casa. Sei por outras pessoas. Ser-me-ia
bem mais agradável sabê-lo por meio de você. Não me
preocupo pelo fato de suas cartas não serem bem elaboradas,
nem bem escritas, mas que sejam minuciosas e que me preste
conta de tudo. Recomendo-lhe ainda que não prometa nada, não
comunique nada a Padre Guyard. É preciso que eu lhe
recomende e, em consciência, não posso me dispensar disto:
padre Guyard só pode entrar raramente no convento e ainda por
boas razões. Você sabe que nosso Pai só entra aqui para os
exames que são feitos três ou quatro vezes durante o ano.
Mantenha-se firme nesse ponto.
Jeanne envia-lhe respeitosas recomendações e deseja que
você nos dê notícias de seus pais, pois os mesmos não
respondem a nenhuma de suas cartas.
Quanto à Irmã Bernardine, consultamos Madre Vincent;
ainda não recebi resposta.
Convido você a ter uma grande devoção ao divino Coração
de Jesus. Você me pede uma maneira de atrair a bênção de
Deus sobre sua pessoa. A melhor é ter uma confiança sem
limites e não dizer nem pensar: “Como faremos?” Como faz
uma criança adormecida no regaço de sua mãe? – Permanece
tranqüila. Precisamos fazer o mesmo. Que idéia foi esta de
contar quantos pães vocês comiam por mês? Pensa ser esse o
meio de consegui-los? Leia o cântico à Providência e penetre
nos sentimentos que expressa. Mas não acredito que seja
preciso uma grande confiança em Deus quando se tem uma
Casa-mãe. Vamos, seja razoável e pense que a salvação é o que
importa.
Toda sua.
Irmã Maria Emília.
548
117
9. Resoluções de retiro
Ano de 1844
180
Uma dificuldade freqüente: a penúria de vocações, o risco de
sobrecarregar as Irmãs das quais se dispõe. É preciso ainda que os
motivos sobrenaturais preservem de uma paralisia inspirada pela
desconfiança. Aliás, a superiora geral lembra formalmente que deseja
ser informada claramente de tudo, para que ela mesma possa tomar a
decisão final (L 716, M 484-485).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 29 de janeiro de 1844.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Não se deixe abater, mas pelo contrário abrace a cruz.
Carregue-a e um dia ela a carregará, Deus está com você.
Procure pensar muitas vezes no divino Coração de Jesus e tenha
certeza de que só pelo sofrimento é que poderá entrar nesse
coração. Aceite tudo da mão de Deus, tudo e sem nenhuma
reserva. Não tema pelo que se refere às necessidades temporais;
enviaremos dinheiro, o mais tardar pela Páscoa. Não se
preocupe se for preciso alimentar-se bem. Deus nos dará os
meios para isso. Vamos, um pouco de coragem! Quando me
escrever, fale detalhadamente do que a aflige. Algumas vezes,
Deus permite que isso alivie. Ontem, enviamos Irmã Longin
para Montauban. Ela parou em Mémer, onde há uma Irmã
muito doente (já recebeu a unção dos enfermos). A Madre
Isidore também está um pouco doente e o vigário nos escreve
insistindo para que deixemos com ele a Irmã Marie Longin, o
que não pudemos recusar, em vista das circunstâncias.
Entretanto, preocupo-me por causa de Irmã Marie Agathon.
Não se deveria cansá-la demais, sobrecarregando-a com
trabalho. Veja se Irmã Paule poderia ajudá-la.
Penso, minha muito querida Madre, que é preciso rezar e
fazer rezar muito para que o bom Deus a inspire sobre o que
você precisa fazer na situação em que se encontra. Peça às
Carmelitas e em outros conventos para fazerem novenas, mas
Ms aut 9-11. Para o retiro de março de 1827, coletâneas de cartas
V 1; para o de 1831, III 2-3.
Primeiro texto (1827)
Jesus, Maria, José. Num retiro que tive a felicidade de
fazer no mês de março de 1827, sob a direção do nosso muito
bom e venerando Superior, Deus me deu um poderoso atrativo
para me apegar a uma vida de renúncia, tanto para com o corpo
como para o espírito. Propus-me, sob a proteção de minha
santíssima Mãe, a divina Maria, dedicar-me a uma verdadeira e
contínua mortificação: 1º evitar, com cuidado, reflexões sobre
mim mesma, vãos pensamentos, desejos inúteis, etc., a fim de
encher meu espírito com a lembrança dos meus pecados e da
Sagrada Paixão do meu Salvador Jesus Cristo; 2º só conceder
ao meu corpo os cuidados necessários, evitar toda afetação, seja
na alimentação, seja nas vestes, etc., e levar em tudo a vida
comum.
Proponho-me tudo isso para reparar minha vida passada
que deve ser, até o meu último suspiro, a causa dos meus
gemidos e de minhas lágrimas.
Resoluções que nosso venerável Superior teve a
bondade de me propor:
1º. Para com Deus: espírito de adoração, de submissão,
de confiança, de zelo, de uma dedicação sem reserva; a ele toda
honra e toda a glória; alegre atividade na execução de seus
menores desejos.
2º. Para com o próximo: paciência para suportar,
caridade para amar, doçura para exortar, firmeza para corrigir,
indulgência para desculpar, afabilidade para encorajar, coração
compadecido para consolar, prudência para governar, para
guiar, para poupar; nenhuma prevenção, nenhuma acepção de
pessoa.
118
3º. Para comigo mesma: humildade, simplicidade,
obediência, suportar a si mesma, alegria interior, pouca
reflexão, pouco desejo, desapego da atenção e da afeição das
criaturas.
Segundo texto (1831)
Espírito de adoração:
1º. Rezando com toda a atenção possível, em união com a
Sagrada Família, e num inteiro aniquilamento diante da
grandeza de Deus e da lembrança dos meus pecados; 2º.
Fazendo o sinal da cruz e as genuflexões com respeito. 3º.
Assistindo ao Santo Sacrifício com fé, ter o cuidado de me
recolher desde a segunda chamada.
Caridade terna para com minhas Irmãs, que me leve a lhes
dar todos os cuidados para com a alma e o corpo, sem me
queixar, sem me voltar para mim mesma, sem examinar se
estou cansada, considerando-me feliz por lhes dar tudo o que
tenho de força, lembrando-me de que sou serva de todas e devo
respeitá-las como esposas de Jesus Cristo. Conversando com
elas, evitarei com cuidado ser apressada, distraída, cortante e
descontente. Responderei com poucas palavras, com doçura,
recomendá-las-ei sempre a Deus, pedindo-lhe que me ensine.
Supervisionarei os trabalhos, sobretudo o da sacristia.
Quero fazer tudo o que depender de mim para que as
crianças sejam bem tratadas e que cada programa do ensino seja
bem executado.
Vigilância sobre os movimentos interiores: evitar os
pensamentos vãos, as reflexões sobre mim mesma; lembrança
freqüente de Jesus, sobretudo na sua Paixão; pedir
humildemente a graça de conhecer a imensidão de seu amor.
Em união com ele, suportar os sofrimentos do corpo e da alma,
num inteiro abandono; persuasão de tê-los merecido e muito
mais; lembrança contínua dos meus pecados; observar o
silêncio, evitar as palavras inúteis, aceitar as censuras, não me
desculpar nem direta nem indiretamente; não dar importância
547
esse artigo. Sendo assim, é preciso realizá-lo todos os anos no
tempo indicado. Leia nas Constituições o artigo sobre a
hierarquia entre as Irmãs e verá que não observamos o que está
prescrito. Percebemos isso e vamos corrigi-lo. Veja, minha
querida Madre, que nós também temos necessidade de
melhorar.
Irmã Emília.
De acordo com as Constituições, as funções de mestra de
ordem, de sacristã, de enfermeira, de mestra de trabalhos
manuais, etc., devem ser dadas somente às Irmãs de coro. Se
não há bastantes Irmãs, acumulam-se os títulos e lhes dão
ajudantes.
Envie-me a relação das tarefas de cada Irmã. Toda sua.
Irmã Maria Emília.
179
Sincera compaixão, tal como Madre Emília sabe experimentar e
expressar, ao mesmo tempo em que, segundo seu costume, lembra o
mistério central da cruz (L 707).
A uma superiora.
Villefranche, 8 de agosto de 1843.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Seus sofrimentos são os meus; partilho-os profundamente.
Embora compadecendo-me, julgo-a feliz em seguir Jesus à
sombra da cruz. Lembre-se, minha muito querida Madre, que a
maior felicidade que possamos ter na terra é viver de
sacrifícios. Com isso adquirimos uma verdadeira semelhança
com nosso divino Esposo. Tenhamos muita coragem,
confiemos em Deus e nosso caminho será menos difícil. Nosso
Salvador no-lo aplainará e compreenderemos como é bom
sofrer.
Comunique-me sempre seus sofrimentos e fique certa de
que, como lhe disse, ninguém os partilha como eu.
Toda sua.
Irmã Emília.
546
As Constituições1 dizem que todas as casas secundárias são
organizadas segundo a de Villefranche. De acordo com essa
medida, deve haver uma ecônoma, uma mestra de trabalhos,
enfim, todas as funções como na Casa-mãe. Isso deve ser
observado rigorosamente, visto que é um ponto das
Constituições. Você não tem ecônoma. Peço-lhe que nomeie
uma, mas é preciso que ela exerça sua função: faça as contas,
guarde o dinheiro, organize as compras, as vendas, vá ao
parlatório para os negócios. Enfim, que ela faça tudo como está
prescrito nas Constituições.
Acredite, minha querida Madre, será melhor você deixar
todas as funções. Com a de superiora, já tem bastante e
procedendo assim contentará a sua comunidade. A confiança
atrai confiança. Se suas Irmãs vêem que você tem confiança
nelas, terão confiança em você. Mas o principal motivo é que as
Constituições são claras nesse ponto.
O que lhe disse sobre a ecônoma, vale também para a mestra
de trabalhos manuais e para qualquer outra. Dando uma função
a uma Irmã, deve dar-lhe autoridade e, como teria essa
autoridade se do cargo só tem o nome? Aqui, Irmã Clara faz
tudo que diz respeito ao economato, a mestra de trabalhos
manuais, igualmente. Ficou decidido que nas casas secundárias
será feito da mesma maneira. Escrevi a todas as casas. Você me
dirá: "Se vierem chamar ao parlatório a ecônoma e a mestra de
trabalhos, estando elas na sala de aula, o que fazer?" Creio que,
em pouco tempo, as pessoas de fora se acostumarão com o
horário da ecônoma. Se for um caso urgente, você enviará outra
Irmã que prestará contas à ecônoma, não tomando iniciativas
sem falar com ela. É assim que fazemos aqui. Não peço às
rodeiras para fazerem compras. Falo com a ecônoma, é ela
quem dá as ordens. O mesmo com os trabalhos manuais.
Quando quero que alguém faça algo, digo-o à Irmã encarregada
e ela manda. A experiência me ensinou que, quanto menos a
superiora aparecer, melhor será. Aliás, o certo é que as Irmãs
governem na função que lhes é confiada.
Nas Constituições está escrito igualmente que o Capítulo
anual não se realiza nas casas secundárias e cabe à superiora
geral com o superior geral, nomear as supervisoras gerais, a
partir da proposta das superioras locais. Tinha perdido de vista
119
ao que passa; só dar às coisas externas a atenção que o meu
dever exige.
Depois de Jesus, Maria e José, devoção especial ao santo
Anjo da Guarda, suplicando-lhe de me fazer presente o espírito,
a fim de evitar as faltas, quando a ocasião se apresentar.
Deus é tudo, e eu nada.
10. Trechos de cartas escritas pelo Cônego Marty a
Madre Emília
Os arquivos da Sagrada Família de Villefranche-de-Rouergue
conservam 379 cartas de Pe. Marty, das quais somente 276 são
autógrafas (HC 1852). Por sua vez, Madre Emília deixou um fascículo
de 43 páginas, que Irmã Laurent Belloc, sua secretária encarregada de
catalogar, depois de 1852, documentos biográficos, intitulou: Trechos
de algumas cartas de Pe. Marty à nossa venerável Madre e que ela
mesma transcreveu. (Cf. A cap. 14, supra, p. 92; onde Emília diz ter
ela mesma mandado fazer essa cópia). Encontram-se os originais de
vários desses trechos entre os autógrafos de Pe. Marty, porém Santa
Emília destruiu alguns (Ms aut 48). Vamos apresentar aqui algumas
partes, segundo Ex (v.s., bibiliografia, fontes não-impressas, 19) que
faz referência ao fascículo e numerá-los de 1 a 14.
Foi preciso limitar-nos e consentir mesmo, aqui ou ali, uma
supressão para evitar acúmulo de textos que não provêm da autoria da
santa. Mas não poderíamos deixar de mencioná-los. Valem bem mais
do que todos os comentários que pudéssemos fazer sobre a provação
excepcional de Madre Emília. Se, no início, Pe. Marty se mostrou um
pouco desconcertado e ineficaz, sua direção epistolar, impregnada de
inspiração bíblica e da tradição espiritual do melhor quilate (São
Francisco de Sales, em particular), testemunha em favor do seu
discernimento e de sua humanidade compreensiva. G. Bernoville fez
outras citações a esse respeito (Br 138-145), e com ele podemos
concluir: “A direção de Pe. Marty, por mais fielmente que Irmã
Emília a ela tenha correspondido, não afastou a tentação, mas muito
contribuiu para neutralizá-la. Foi o apoio sensível de que Santa Emília
necessitava em semelhante provação. As cartas [que acabamos de ler]
têm uma feição compassiva e afetuosa. É com mão leve e paciente e
respeitoso cuidado que Pe. Marty toca nos pontos dolorosos e cuida
das feridas. Ele é o diretor, ele é também o amigo” (p. 145).
120
545
177
1
13 de dezembro de 1824 (fasc. p. 1)
Deus aceitará agradavelmente o sacrifício de uma confissão
e de uma comunhão mais freqüente que sua doença não lhe
permite fazer. Você cuidará de substituí-la por comunhões
espirituais, multiplicando os atos de união com o Sagrado
Coração de Jesus. Esse coração infinitamente amável suprirá
todos os apoios que lhe faltam. Aceito ser o depositário de suas
resoluções: contrição ao pé da cruz, humildade de julgamento,
fé viva e prática, alegria e paz interior. Um edifício apoiado
sobre esses quatro pilares não corre o risco de desmoronar. Os
temores que a assaltam (sobre a santa comunhão) não devem
impedi-la de comungar. Quanto mais você vê em si mesma más
disposições e menos tem amor sensível a Deus, tanto mais
deve apressar-se em ir aquecer-se no fogo sagrado da divina
Eucaristia. Em sua fraqueza, assemelhe-se à hera que não pode
sozinha crescer nem se sustentar, mas, apoiada na árvore da
vida, você pode progredir e se elevar.
Mais uma recusa de viagem à Casa-mãe, tendo em vista o voto de
clausura, que é merecedor de tais sacrifícios (L 704, M 441).
A uma superiora clausurada.
Villefranche, 6 de junho de 1843.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Com certeza, teria muito prazer em vê-la, mas não creio que
sua viagem até aqui seja agradável a Deus. Você me dirá que no
ano passado foi dito que as superioras das casas clausuradas
viriam aqui a cada três anos. Isso, no entanto, não foi aprovado
pelo Bispo, e as Constituições também não o aprovam. Assim,
minha muito querida Madre, é preciso que faça o sacrifício e
esteja certa de que, se for feito de bom grado, receberá muitas
graças. O sagrado voto de clausura não é tão meritório diante de
Deus senão por causa das privações que impõe. Espero que
entre plenamente nesse espírito, e alegre o bom Mestre.
Toda sua.
Irmã Emília.
2
178
30 de março de 1825 (fasc. p. 4)
Gostaria que me fosse dado derramar consolação em sua
alma. Mas o Senhor tem seus desígnios ao permitir que você
ainda esteja na aflição. Cabe a ele fazer suceder o alívio à
aflição quando lhe convier. Esperando o momento de uma
graça sensível, tenho certeza de que encontrará um pouco de
paz interior ao pé da cruz, permanecendo aí com a Santíssima
Admoestações a uma superiora local sobre vários pontos das
Constituições, em particular deixar o máximo de liberdade às pessoas
em suas funções (L 705).
À superiora de uma casa clausurada.
Villefranche, 10 de junho de 1843.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
544
121
Ano de 1843
Virgem e o discípulo bem-amado, ou visitando o túmulo com
Madalena e as outras santas pessoas.
176
3
Ter cuidado para não ofender a bondade de Deus com exagerados
temores. Com simplicidade, confiar na Casa-mãe, pois ela ajudará
materialmente, na medida do possível (L 703).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 3 de junho de 1843.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Um total abandono e uma confiança sem limites na divina
Providência, eis o que Deus pede das Irmãs da Sagrada Família
e sobretudo das superioras. Não desconfie, minha querida
Madre, da infinita bondade de Deus com seus temores e
queixas. Pelo contrário, entregue-se à confiança. Deus cuidará
de tudo. Não é ele nosso Pai? Não receie em nos fazer pedidos,
não para fazer consertos, pois faltam-nos recursos para isso,
mas sim para todas as suas outras necessidades. Com certeza
Deus sempre nos dará os meios para prover a tudo o que for
necessário. Prometa-me afastar toda e qualquer tristeza.
Aguarde um pouco para colocar Irmã N. na sala de aula.
Aconselhando-a, poderá fazer um bom trabalho. Reze e faça
rezar para obter isso, pois em todas as dificuldades nosso
grande recurso deve ser a oração.
Nosso Pai não desistiu do projeto da oficina de costura, mas
ele não quer que as alunas se comuniquem, de maneira alguma,
com as pessoas do convento, a não ser com suas mestras. Seu
desejo é que sejam as Irmãs das escolas que se encarreguem
dessa obra. Ele gostaria que Padre Guyard não fizesse tantos
consertos. No entanto, ele diz que é preciso deixá-lo agir.
Sou toda sua. Qualquer dia terei o prazer de escrever um
pouco mais longamente a Padre Guyard e a você.
Irmã Emília.
30 de maio de 1826 (fasc. p. 38)
As doenças das Irmãs, querida Madre, podem lhe ser muito
úteis e proporcionar-lhe grande progresso: 1º pelos cuidados
que elas exigem de sua caridade; 2º pelos bons exemplos que
lhe dão; 3º pela oportunidade que lhe oferecem de fazer
sacrifícios: cada uma delas faz o seu, mas você multiplica seus
sacrifícios pelo número das Irmãs que adoecem ou morrem.
Cada uma até lhe oferece a ocasião de fazer mais de um
sacrifício.50 Alegre-se espiritualmente por ter tantos meios de
salvação. Não convém, parece-me, que você multiplique suas
obrigações, acrescentando um novo voto aos que já fez.
Observando esses fielmente, com alegria, com satisfação, com
zelo e amor, não somente em sua substância mas em todas as
suas ramificações, quantos merecimentos pode adquirir e que
coroa lhe será reservada! Você tem ainda a carregar o jugo de
suas angústias. Não é bastante para seguir o Cordeiro ao
Calvário?
Segundo o que ressaltou em sua penúltima carta, vejo que
tirou proveito em se ocupar menos de suas faltas, o que me dá
mais tranqüilidade para convidá-la a só guardar a remota
lembrança de seus pecados e considerar mais profundamente a
bondade inefável de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo para
com você. Creio que essas considerações produzirão em seu
coração mais compunção e certamente mais paz, mais repouso
e mais coragem. Exercite, pouco ou nada, seu raciocínio na
meditação; contemple tranqüilamente um mistério ou uma
virtude de Nosso Senhor, como se estivesse diante de uma
imagem. Agindo menos, você receberá mais da parte de Deus.
Desejo que ele se digne introduzi-la na contemplação das
grandezas de Jesus Cristo na Eucaristia. Mas é preciso deixá-lo
agir. Diga-me se você tem uma estampa da descida do Espírito
Santo. Aconselho-a que a contemple de vez em quando. Algo
122
543
importante e muito digno de atenção seria discernir nas Irmãs o
modo de rezar que convém a cada uma ou a várias, pois
percebe-se que uma única maneira de rezar não proporciona
igual proveito a todas.
4
para aí voltar. Reflita muito sobre isso. Escute a voz de sua
consciência, que lhe dirá que é preciso suportar com paciência
os sofrimentos e as humilhações que a Providência lhe envia.
Se eu a transferir, é impossível fazê-lo agora, porque não tenho
ninguém para substituí-la. Só na primeira Profissão poderei
transferi-la. Enquanto isso, seja fiel e confie na sua boa Madre.
Espero que Deus a ilumine e que você mude seu modo de
ver as coisas.
Toda sua.
Irmã Emília.
14 de junho de 1827 (fasc. p. 29)
Espero que não se aflija com sua pouca generosidade, visto
que já superou muita coisa em si mesma e que Deus lhe dá o
ardor para superar ainda mais. Mantenho o princípio de que um
bom meio para crescer é ocupar-se mais de Deus do que de si
própria e mais da bondade de Deus do que de seus julgamentos.
Esse meio inspira confiança, alegria e um crescimento mais ou
menos sensível. O agricultor confia à terra suas sementes que
ele perde de vista e rega laboriosamente às cegas, na certeza de
que seu trabalho há de dar fruto. Quanto mais devemos
depositar com segurança no seio de Deus todos os nossos
pensamentos, desejos, dificuldades! Não pense que Deus nada
realiza em você e que não se opera nenhuma mudança.
5
12 de janeiro de 1828 (fasc. p. 18)
Permitindo este mal, Deus adverte-a de que não quer que
fique sem algum sofrimento. Talvez tenha deixado à humilde
pastora de Pibrac o cuidado de aliviá-la. Entregue esse cuidado
à amável Providência e à bondade infinita do Coração de Jesus.
Você diz muito bem que a alma se beneficiará das privações do
corpo e se beneficiará também das próprias trevas. Os
175
Para retomar a coragem diante das dificuldades que surgem para si
como também para sua comunidade, a superiora de MontaubanSapiac contemplará sempre com mais generosidade Jesus no Calvário
(L 690).
À Madre Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 15 de setembro de 1842.
J.M.J.
Gosto de pensar, minha muito querida Irmã, que você
procurou sua força e apoio junto à cruz e que lá aprendeu que as
coisas mais amargas são aquelas que um dia serão nossa alegria
e nossa paz e, enfim, nossa felicidade eterna. É no caminho
doloroso do Calvário que encontramos Jesus. Seguindo-o com
fidelidade, aprendemos a conhecê-lo e, conseqüentemente, a
amá-lo. Peço-lhe, minha muito querida Irmã, que tenha
coragem. Recomendo a todas as Irmãs colocarem sua confiança
em Deus. Ele as ajudará e as levará a experimentar como é
bom, principalmente para quem se abandona aos seus cuidados
paternos. Ajudem-nos com as suas orações. Nós faremos o
mesmo. Breve será o retiro, as tomadas de hábito, profissões.
Você sabe como tudo isso é importante. Temos outras
dificuldades para as quais necessitamos muito de luz. Portanto,
rezem.
Irmã Emília
Leia a carta que escrevi a Padre Guyard.
542
123
173
Uma religiosa se aborrece na casa onde a obediência a colocou.
Delicadamente, Madre Emília a convida a buscar Deus em tudo (L
680, M 432-433).
À Irmã Anne-Régis, superiora em Livinhac.
Villefranche, 17 de junho de 1842.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Recebi suas notícias com muito prazer. Há muito tempo não
as recebia. Tenho muita pena de você por causa do desânimo
em que se encontra. Para encorajar-se a suportar esse
sofrimento, pense que se encontra em Livinhac pela voz da
santa obediência. Toda a terra pertence ao Senhor e em
qualquer lugar em que estejamos podemos amar a Deus, fazer
nosso dever e promover a sua glória. Em Livinhac, você está
tão perto do paraíso como se estivesse noutro lugar. Console-se,
pois, minha querida Irmã, e pense apenas em satisfazer a Deus.
Saúdo-a afetuosamente e sou toda sua.
Irmã Emília.
174
Ainda alguém que desejaria ser transferida de sua comunidade
atual. A superiora geral não se opõe, mas mostra as dificuldades de
uma mudança e pede para que a Irmã reflita e reze (L 682).
A uma Irmã de Montauban-Sapiac.
29 de junho de 1842.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Sinto pena de você1 e gostaria de tê-la perto de mim. Mas,
será que quer deixar a casa da qual você é uma das primeiras
pedras? Você me disse que gostaria de vir passar alguns dias
aqui e que não fez votos. Mas devo agir como se você os
tivesse feito. Se for obrigada a retirá-la de Montauban, não será
fantasmas da noite aparecem e desaparecem. A noite também
tem sua luz. Uma prova disto é a coluna de nuvem tenebrosa
durante o dia e luminosa durante a noite, pela qual Deus
conduziu seu povo através do deserto. Há em você uma luz que
brilha no fundo do espírito, mas que não é colorida e nada tem
de sensível. Compadeço-me de suas privações interiores. Mas
persista na espera de Deus e numa simples resignação. Quando
for o tempo, ele lhe fará sentir sua presença. Não é quando se
experimentam mais consolações que se acumulam mais
méritos. Parece que você não avança. Deixe o julgamento para
Deus: Ele conhece a verdade. Os passageiros tímidos temem
monstros e perigos e, no entanto, avançam sem perceber.
Esperamos que, com a graça de Deus, nos aconteça o mesmo.
Assim, amemos o divino Coração de Jesus, amemos muito a
Jesus, Maria, José, em nome dos quais lhe apresento os
sentimentos de uma terna afeição.
6
11 de maio de 1828 (fasc. p. 9)
A lembrança de suas faltas passadas, que as circunstâncias
do lugar são próprias a fazer reviver, renovará em seu coração
uma compunção mais doce do que amarga, porque não virá
apenas do conhecimento das faltas mas também, sobretudo, da
bondade infinita de Deus que as lavou e apagou no sangue de
Jesus Cristo, e que delas retirou o maior bem. Lembre-se de que
Nosso Senhor perguntou três vezes a São Pedro, à beira-mar, se
ele o amava e até se o amava mais que os outros. Pedia dele um
amor maior, porque queria lhe confiar o governo de seu
rebanho. Suponha que o Senhor lhe dirige as mesmas perguntas
que fez a São Pedro e dê-lhe a mesma resposta. Os atrativos que
ele lhe inspira, particularmente o dos sofrimentos, a
participação em seu cálice e tantos outros sinais de sua amável
Providência, devem enchê-la da certeza de que está com ele, e
ele com você. Se aflige sua alma, é para prepará-la para a posse
124
541
dele mesmo por toda a eternidade. Se aflige seu corpo, é porque
quer torná-lo digno da gloriosa ressurreição.
7
14 de dezembro de 1828 (fasc. p. 31)
O espírito de obediência que a anima é certamente uma das
grandes graças que o autor de todo bem faz a uma alma
religiosa. Mas, concedendo às suas necessidades e às suas
orações a perseverança e o progresso nessa virtude, existe outra
que o Senhor não recusará à sua situação presente: a de
preservá-la do excesso de reflexão sobre si mesma que
naturalmente os sofrimentos físicos e morais provocam e de
inspirar-lhe o esquecimento de si própria e um abandono cheio
de confiança à sua adorável conduta. Essa disposição será
seguida de uma terceira graça que não lhe é menos necessária
como superiora do que como religiosa, e que consiste numa
verdadeira paz interior, independentemente de toda situação, do
repouso, da solidão, como das preocupações do governo, da
doença como da saúde e que se encontra onde estiver a vontade
de Deus, num rio de paz, enfim, do qual fala Isaías51 que inunda
ao mesmo tempo todas as faculdades da alma, que não conhece
nem dique nem obstáculo, e que atravessa todas as regiões por
mais diferentes que sejam, até que vá se perder no oceano.
8
26 de maio de 1831 (fasc. p. 30)
Explico, parece-me, como acontece que, sem ter a visão e o
gosto de Deus você não cessa de suspirar por ele: o que parece
contrário a essa disposição é precisamente a causa dela. Não se
desejo que diga uma palavra sobre isso às nossas Irmãs, a fim
de que não se prevaleçam de seu exemplo para dar menos
importância à clausura. Que tudo o que acabo de lhe dizer não a
constranja, pois você foi bem intencionada e essa falta servirá
para mantê-la alerta e lhe será muito útil. Exorto-a ainda a
continuar a trabalhar pela construção do Reino de Deus com
coragem e confiança.
Toda sua.
Irmã Emília.
172
Uma nova superiora, um pouco desanimada, vê-se carinhosamente
convidada a ter confiança e uma visão mais positiva a respeito do bem
já realizado (L 679).
À Irmã Marie Damien, superiora em Lanuéjouls.
Villefranche, 6 de maio de 1842.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Partilho profundamente todos os seus sofrimentos, mas acho
que você não tem bastante confiança em Deus. Por que não se
apoiar inteiramente nele? Não é por vontade dele que você tem
este cargo? E será que não tem a certeza de que ele mesmo a
sustentará? Entregue-se a ele, não fique pensando em si mesma,
e seus sofrimentos diminuirão.
Em vez de pensar que tudo vai mal, alegre-se com o bem
que se faz. Sua confiança atrairá bênçãos sobre você e seus
alunos. Bordaremos com prazer os saquinhos para os relógios,
mas não queremos pagamento.
As mais afetuosas lembranças às nossas queridas Irmãs.
Toda sua.
Irmã Emília.
540
125
Ano de 1842
171
A superiora de Montauban-Sapiac, irrefletidamente, fez uma visita
à priora do Carmelo. Sem a censurar, Madre Emília apressa-se em lhe
lembrar as exigências da clausura (L 668, M 441- 443).
À Irmã Foi, em Montauban-Sapiac.
Villefranche, 15 de janeiro de 1842.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Alegro-me por você ter encontrado consolação junto à
virtuosa Madre priora. Admiro a bondade divina em tê-la
tratado com tanto amor, fazendo algo que não é permitido. Mas
ele só viu a simplicidade de sua intenção e a retidão de seu
coração, pois embora a sua saída para ir conversar com a Madre
seja sem antecedentes no Instituto e totalmente contrária às
nossas Constituições, estou convencida de que não pecou. Por
isso, aconselho-a a ler esse artigo das Constituições, o qual é
muito claro. Padre Guyard, dando-lhe essa permissão, não a
considerou como uma religiosa, senão ele teria percebido que
não podia dá-la. Não creio que nosso Pai pudesse fazê-lo. É
preciso ainda lembrar-lhe que uma permissão não é uma ordem,
portanto você não poderia aproveitar-se dela porque fez voto de
clausura, segundo nossas Constituições. Não refletiu
suficientemente e, em assunto de tão grande importância, é
necessária uma séria reflexão.
Pode ser que você tenha pensado que fui a Figeac para ver a
Madre Priora. Se foi assim, enganou-se. Fui vê-la uma ou duas
vezes, mas, naquela época, não éramos clausuradas. Em outra
ocasião, passei pelo convento das Carmelitas porque se
encontrava no meu caminho. Penso não ser necessário dizer a
Padre Guyard o que eu lhe disse. Acredito que ele não lhe dará
mais semelhante permissão e, se isso acontecer, espero que não
se aproveite disso. Se por acaso ele lhe der uma ordem contrária
às nossas Constituições (o que não acredito), acho que você
deveria nos consultar antes de executá-la. Se for possível,
suspira por um bem que se possui, nem mesmo por um bem
pelo qual não se tem nenhuma estima. Você procura Deus
porque o ama e porque sabe que ele é o seu bem supremo. Você
geme porque não o encontra. Por sua vez, ele não se deixa
encontrar a fim de que você o procure. É verdade que Nosso
Senhor disse: Procurem e encontrarão,52 mas ele não marcou o
fim dessa procura porque quer que o procuremos com
perseverança, e que nos baste saber que o encontraremos, cedo
ou tarde.
Entreguemo-nos tranqüilamente à ação divina; ela nos
conduzirá enfim ao total desprezo de nós mesmos, bem mais
desejável que todas as vantagens da natureza.
Não se canse, minha querida Madre, de suportar a
humildade com que Deus a envolve, e fique certa de que ele
mesmo fará o que suas trevas a impediriam de fazer. Ficaria
contrariada se tomasse seu lugar e desejaria um melhor
suplente? Vivamos em paz à sombra da vontade divina, até que
o dia nos ilumine.
N.B. – Os trechos seguintes não estão datados.
9
(fasc. p. 9)
Nada deseje, deixe agir Deus que quer santificá-la. Seus
receios são sem fundamento. Faça algumas atividades que a
levem a esquecê-los e não pense nos que os causa. De resto, se
nada a liberta desses temores, suporte essa provação como
qualquer outra, até que Deus queira tranqüilizá-la. Jó e Davi
foram também assim afligidos. Eles comparam seu sofrimento
ao de um homem que fosse transpassado por flechas. Esse
terror do qual estavam penetrados não impedia que fossem os
amigos de Deus. Seus temores e sofrimentos se tornarão, para
você, motivos de consolação.
126
539
10
170
Encorajamentos maternais à nova comunidade de Montauban e à
sua superiora (L 656, M 422-423).
(fasc. p. 10)
Tenha uma inteira confiança e um total abandono nas mãos
de Deus que você ama, que procura e que encontrará. Alegre-se
com reflexões que lhe dêem alegria, deixando de lado aquelas
que podem levá-la à tristeza. Acho, por exemplo, que se apóia
demais sobre a apatia de sua alma e sobre a falta de fervor das
Irmãs, persuadindo-se de que seus próprios defeitos são a causa
disso e concluindo daí que não está em condições de conduzilas. Vejo esses pensamentos e esses raciocínios como tentações
do demônio. Não tema faltar à humildade rejeitando-os, e
pratique a obediência não dando nenhuma importância a tudo
isso.
11
(fasc. p. 19)
Nos meios que você usa para combater, procure seguir o
atrativo ou a inspiração de Deus, sem se apressar. Mas não
reflita para saber se você se apressa. Minha querida Madre,
Deus permite esta perplexidade que tanto a penaliza, esta visão
das falhas de que está cheia a sua vida, este sentimento de
fraqueza e de impotência, esta aflição e esta espécie de
abandono, esta tentação de desânimo e esta falta de esperança.
Este pavor da morte é para fazê-la conhecer melhor o seu nada,
levá-la ao desprezo de si mesma e forçá-la a se entregar sem
reserva entre as mãos de Nosso Senhor Jesus Cristo, como seu
único recurso. Ele permite tudo isso porque tudo entra no plano
de sua santificação e do qual você pode obter grandes
vantagens. Diga algumas vezes Ó Crux ave, spes única! Não
exercite seu raciocínio, mas sua submissão.
Quanto ao pavor de contrair doenças, o que deve fazer é
desprezar as repugnâncias e os temores e cumprir com firmeza
À Irmã Foi, Superiora de Montauban-Sapiac.
Villefranche, 19 de setembro de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Hoje é apenas para cumprimentá-la que me dou o prazer de
lhe escrever e para dizer-lhe que fizemos boa viagem. Embora
estando em Villefranche, minha querida Irmã, sinto-me muitas
vezes no meio de vocês. Sabem que as guardo todas no meu
coração e que motivos superiores me levaram a me afastar tão
cedo de vocês. Mas tenham coragem, pois o bom Deus está
com vocês. Ele não lhes negará sua ajuda, está profundamente
comprometido com isso. Assim, minha querida Irmã, peço-lhe
o quanto me é possível, aumentar a confiança em sua bondade.
O que pode temer sob a proteção de Jesus, Maria e José?
Entregue-se sem reservas nas mãos da Sagrada Família e, longe
de entristecer-se, alegre-se de ter sido escolhida para torná-la
conhecida e amada. O trabalho feito por você, minha querida
Irmã, pede, exige essas disposições, e tenho muita confiança de
que esse sentimento esteja gravado no seu coração.
Deixo-a, mas permaneço com você: preciso enviar minha
carta pela diligência. Você encontrará hóstias embaixo da
escada grande. Esse lugar é demasiado úmido, é preciso tirá-las
de lá.
Saúdo-a afetuosamente, assim como a todas as nossas
queridas Irmãs, às quais recomendo entregar-se a uma santa
alegria.
Irmã Emília.
127
538
e abandono a santa vontade de Deus, o que exige o dever e a
caridade.
12
169
Escrevendo à mesma correspondente, Madre Emília explica, com
seu senso de discernimento dos espíritos, que uma indocilidade de
caráter a faz sofrer menos do que uma certa falta de humildade (L
653, M 486-487).
À Madre Tabithe, em Rieupeyroux.
Montauban. 5 de setembro de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Procure não admitir nenhum pensamento triste em seu
espírito, mas, pelo contrário, rejubile-se em poder trabalhar para
a glória de Deus. Não se aflija com as pequenas contrariedades
que são inseparáveis de sua função e procure colocar em prática
as advertências das Constituições que se referem à Madre.
Constatará que deve permanecer na paz e na alegria. Longe de
mim acreditar que sua alma não seja dócil; pelo contrário,
acredito que esteja repleta de boa vontade. O que lhe falta, você
o sabe, é um pouco de confiança em Deus. De onde vem isso?
De uma falta de humildade, virtude que devemos pedir sem
cessar. Rogo-lhe que o faça por mim e acredite na minha terna
afeição nos santos Corações.
Sua dedicada Madre.
Irmã Emília.
(fasc. p. 20bis )
Você diz que pede sem cessar a lembrança de Jesus e de
sua Paixão e que Deus parece rejeitar sua oração. Mas não está
evidente que você tem lembrança quando a pede? O que pede,
sem dúvida, é estar penetrada de um modo sensível dessa
lembrança, mas esse pedido é supérfluo.
Quanto aos seus sofrimentos corporais, Deus não pede que
você os suporte com alegria; basta a resignação. Aprovo que
pratique, em união com Jesus Cristo, a mortificação de não
demonstrar inutilmente seus sofrimentos e seus desejos. Mas
não convém deixar suas Irmãs adivinharem suas necessidades
para obter delas algum alívio: um pedido do que lhe é
necessário lhes causará prazer, e está conforme a vontade de
Deus que, para sua maior glória, você tenha um cuidado
razoável com a sua saúde.
Quanto à sua meditação, não tenho nem regra nem método
a lhe propor. Isso faria apenas aumentar a sua perturbação.
Livre-se disso como puder: permaneça sentada à sombra do
bem-amado,53 e sofra em paz seu abandono tanto quanto ele
quiser.
13
(fasc. p. 34)
Você fará muito bem em se vigiar. Mas para ser bem
sucedida com menos sofrimento, observe as três regras
seguintes: 1ª. ataque o vício fundamental que é o amor e a
preocupação consigo mesma. Se esse defeito for corrigido,
128
todas as dificuldades desaparecerão por si mesmas. 2ª. coloque
no seu espírito a máxima de São Paulo: que a prudência da
carne é inimiga do espírito de Deus54; conseqüentemente, não
calcule tanto e reflita menos sobre a qualidade da alimentação,
como também sobre as minúcias dos cuidados que sua saúde
exige. 3ª. oriente-se pela obediência; não se fixe demais nas
mortificações, antes, limite-se ao que é mais importante e mais
necessário. Para evitar as ciladas do demônio, gostaria de
menos mortificação e mais simplicidade. Não é necessário
agitar as asas para voar imediatamente e pairar nas alturas,
como as águias. Contentemo-nos em nos empoleirar numa
árvore e arrulhar como a rolinha, ou habitar solitariamente
sobre o teto, como um pássaro.55
Não lhe proporei passar fome ou sede de propósito, mas
regrar sua alimentação, de maneira que coma alguma coisa em
horas fixas e cada dia nas mesmas horas, para impedir de se
deixar levar pela fantasia. Gostaria que sua mortificação
consistisse unicamente em determinar com antecedência a hora,
a qualidade e a quantidade de sua alimentação e a ser fiel a essa
determinação.56
É importante mortificar a dissipação em todas as suas
ramificações, isto é, a dos sentidos, a da imaginação e a da
memória, a do espírito e a do coração, e não confundir a
vigilância com a curiosidade. Qual o meio? É exercer a
vigilância apenas em espírito de caridade, seja para com Deus,
seja para com as pessoas que o Senhor lhe confiou. Não
pretender outra coisa senão ir para o céu e para lá conduzir suas
Irmãs. Não deter demais seu pensamento sobre suas qualidades
ou más inclinações. Pensará pouco nisso se vigiar só por
caridade. Então, sua vigilância será fácil e alegre. Do contrário,
será acompanhada de tristeza, de cansaço e mesmo de desgosto.
537
168
Em meio às dificuldades do superiorato, particularmente no
temor de que Irmãs consideradas como necessárias fossem
transferidas, abandonar-se sempre mais à vontade de Deus (L 644, M
416-417).
À Madre Tabithe, em Rieupeyroux.
Montauban, 21 de julho de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Irmã Philippine está muito preocupada com o seu sofrimento
e respondo no lugar dela, pois receia que você esteja
aborrecida. Cause-me o prazer de poder expressar-lhe o
contrário. Tenha muita coragem. Deus está com você, ele será
seu apoio. Permaneça num espírito de total abandono. Quanto
mais se entregar a ele, mais força terá. Acrescente a isso um
verdadeiro amor à cruz. Disponha-se a todos aqueles inerentes
ao superiorato. Acolha de bom grado todos os sacrifícios dele
decorrentes, disposta a tudo, como, por exemplo, a ver Irmãs
adoecerem, a ver tal ou tal Irmã que você achava necessária ser
transferida, a ver chegar alguma que você receia acolher e até
que poderia causar prejuízo a casa, como por exemplo a Irmã
que nosso Pai queria enviar e sobre a qual consultei as Irmãs do
Conselho. Se nosso Pai, mudando de idéia, a fizesse voltar para
Rieupeyroux, deveríamos acreditar que é para um bem maior e
que Deus tem desígnios que nos são desconhecidos. Podemos
dizer o mesmo sobre outras coisas que poderiam acontecer. O
melhor para conservar a paz da alma é estar pronta para tudo e
procurar em todas as coisas fazer a vontade de Deus, que se
encontra sempre, para aqueles que obedecem na vontade dos
seus superiores. Certa de que fará o possível para entrar nesse
caminho de renúncia, saúdo-a de todo o coração, assim como
suas muito queridas filhas, a quem desejo um fervor sempre
crescente.
Irmã Emília.
129
536
conhecidas e assim atrair alunas para o próximo ano. Agora, eis
os motivos contrários: se retardarmos o início dos trabalhos,
teremos tempo de formar melhor nossas Irmãs, de refletir.
Enfim, faremos o que pudermos.
O fato de me encontrar aqui me evitaria uma segunda
viagem e a despesa que é grande: as passagens custam 10
francos. Sobre todos os aspectos, é melhor começar no verão do
que no inverno. Três Irmãs será suficiente para o início. Assim,
você vê que é fácil enviá-las. Após ter expressado todos esses
motivos, fico feliz em fazer como nosso Pai quiser.
Peça a nosso Pai para não falar sobre esse assunto. Toda sua,
muitas lembranças minhas e de nossas Irmãs às Irmãs daí.
Irmã Emília.
A escritura da casa só será feita quando as Irmãs do Refúgio
receberem a autorização. Esperando, nós pagaríamos um
caução.
Antoinette Martin deve vir para visitar sua filha, que mora
aqui. Queira me enviar tamancos e a Vida dos Santos
ultimamente canonizados, que está em cima da chaminé.
A Madre Priora deu-me licença para observar como são
ensinadas as crianças no jardim da infância e fomos
imediatamente.
14
(fasc. p. 36)
Eis como se devem combater os pensamentos contra a fé:
somos filhos dos santos, seguimos suas pegadas, queremos
chegar aonde eles estão; tinham suas razões como eu tenho a
minha; eles creram, quero crer como eles, a fim de me salvar
com eles; eles foram provados e tentados como eu, resistiram e
venceram; quero resistir para partilhar de sua vitória e de sua
coroa; eles colocaram a fé acima de sua razão; farei, como eles,
o sacrifício do meu próprio julgamento e do meu orgulho. Eis o
que é preciso fazer e isso basta.
Quando se é tentado contra a esperança, é preciso refugiarse no Sagrado Coração de Jesus, considerando apenas a sua
bondade, por meio de um sentimento puro e sem raciocinar.
Caso experimente uma forte tentação de desespero, é preciso
lembrar-se de Abraão que São Paulo louva por ter esperado
contra toda esperança; rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria em
honra de São Francisco de Sales, outro em honra da Santa
Madre de Chantal. Mas, a uma Irmã da Sagrada Família podem
faltar a fé e a esperança?
Nada dá tanta coragem como o pensamento profundo de
Jesus Cristo, embora seja acompanhado de aridez. Os remédios
amargos não deixam de ser eficazes.
130
535
11. Carta e trechos de cartas a Madre Emília escritas pela
Priora do Carmelo de Figeac, Madre Marie-Thérèse de
Saint-Augustin
Por ocasião de sua estadia em Figeac para a fundação de uma
casa de clausura (fevereiro-maio de 1835), Emília travou
conhecimento com esta carmelita que foi a única, com os Padres
Marty e Fabre, a ouvir a confidência de suas provações espirituais.
Em seguida, Madre Emília entregou a Pe. Fabre três cartas íntimas da
religiosa, como também a cópia de duas outras, cujo original ela havia
destruído (HC 152). Nós temos parcialmente três dessas cartas; da
primeira (sem data) restou a cópia redigida por Santa Emília (B I 283287); um trecho de cada uma das duas outras foi publicado (B I, 287288 e II, 247-249).
que as Irmãs do Refúgio deixem a sua. Há pouco tive uma
conversa com a Reverenda Madre que consultei anteriormente.
Ela pensa que devemos iniciar nossa comunidade
imediatamente e que nos será fácil encontrar uma casa. Procure
me responder de modo claro a tudo o que lhe pedi... Como isso
poderá ser feito. Peço que não se preocupe conosco. Estamos
bem alojadas e bem alimentadas e temos frutas e leite em
abundância. Ainda não tivemos contratempos, mas cuidamos de
esperá-los. A boa Madre Priora, que fez muitas fundações, é
bem talhada para encorajar. Ela teve a complacência de me
contar como ela se encontrou, o que nos faz dizer que Deus é
admirável em suas obras.
Minha carta é longa. Aqui, posso escrever à vontade. Escrevo
um pouco agora, outro depois, sem me cansar, pois não estou
muito ocupada.
Esses textos são interessantes pela luz que projetam sobre o
“caso” da santa, pelo discernimento do qual dá prova sua
correspondente, as alusões a Santa Joana de Chantal, etc. Nós as
numeramos 1, 2, 3. – 1 é tirada de Lth que oferece uma variante, aliás
insignificante, com B, na primeira frase.
Dê-me notícias de minha querida Irmã Thérésia. Desejo-lhe
uma grande união com Jesus, nosso bom Salvador.
1
Acabam de me dizer alguma coisa que me mostra que, se não
terminarmos logo, a tempestade cairá.
Minha venerável Madre:
No tocante às suas disposições interiores, eu as considero
sempre admiráveis para você. Não pense que está sob o
domínio do demônio, mas sim sob o poder de um amor muito
ciumento do nosso divino Mestre. Ele a atormenta de uma
maneira muito penosa para a modelar segundo sua vontade.
Não tome, pois, como testemunho de sua reprovação o que é a
maior marca de sua salvação. Não tema, minha caríssima
Madre, deixe o bom Deus agir e acredite que os outros vêem
mais claro do que você no seu estado.
Não raciocine para saber se os atos que pratica são uma
questão de hábito ou não. Parece-me que deve honrar a Deus
Peço-lhe que me responda imediatamente.
Desejava muito que alguém me abençoasse. Enfim, duas
pessoas me concederam essa graça: o superior do Refúgio e o
Bispo, que teve a delicadeza de me dar a mão para me levantar.
Depois dessas duas bênçãos, tive mais coragem.
Se nosso Pai quiser saber as razões de iniciarmos logo, eilas: se esperarmos, será preciso vir durante o inverno e as
alunas já estarão nas escolas.
Nossa demora tornará os começos mais difíceis, uma vez
que os espíritos se ensoberbecem, a inveja se infiltra, etc., etc.
Os homens mudam: aquele que nos vê hoje com prazer, dentro
de pouco tempo não nos suportará. Começando imediatamente,
antes do início do ano escolar, poderemos nos tornar
534
mesmo dia e disse à Madre que tinha pressa. Respondeu-me
que, para negócios desse tipo precisava ser rápida.
Imediatamente fomos ao Refúgio, percorremos a casa e
ficamos edificadas ao ver aquelas virtuosas senhoras que
encantam, sobretudo, pela simplicidade. Isso é algo de Deus
que edifica e faz descobrir em tais pessoas que elas caminham
em sua santa presença. Tivemos o prazer de conversar um
pouco com uma jovem Irmã privada do uso dos braços e das
pernas, de maneira que é preciso ajudá-la em tudo, como se
fosse uma criança. A boa Madre nos disse: “Eis nossa relíquia.
É por meio dela que nos vieram todas as bênçãos de Deus.” E
nos disse outras coisas sobre a felicidade de ter doentes em
casa. Ela sabe também falar sobre os cuidados paternais da
Providência. A Madre das Carmelitas faz a mesma coisa, de
maneira que, se nos faltar confiança, poderemos buscá-la entre
elas. Falam, com muita persuasão, como quem tem certeza de
que dois e dois são quatro. Agora, vou rezar. Quando souber de
alguma coisa, eu lhe direi. Reze com fervor a fim de que o
Espírito Santo dirija todos os nossos movimentos.
O superior do Refúgio, que é pároco de Caussade e vigário
geral, veio nos visitar com o vigário da paróquia. Fez-me
prometer ir pedir ao Bispo a aprovação de nosso projeto e nos
acompanhou. O Sr. Bispo nos recebeu bondosamente e
expressou a alegria e o desejo de nos ver chegar o mais cedo
possível. Ele disse a um padre: “Vão chegar boas religiosas.
Nada tenho a pedir senão vê-las antes de morrer.”
Como já sabe, o preço da casa é 25.000 francos. É
impossível não ficar com a casa pequena, avaliada em 3.000
francos, mas que nos deixam por 2. Tudo custará 27.000
francos. Pergunte ao nosso Superior, a quem apresento meus
respeitos, se ele está de acordo com o preço. Quanto às outras
casas, ainda não as vi, mas, pela aparência e pelo que me
disseram, não nos convêm. Pergunte a nosso Pai se ele me dá a
liberdade de agir de acordo com o que achar melhor, e que, se
eu for bem sucedida, abriremos o convento antes de minha
partida, alugando uma casa ou pedindo uma emprestada, até
131
por um grande silêncio interior e uma total adesão a tudo o que
sofre, aceitando maiores trevas se for preciso, para o
cumprimento de seus desígnios. Parece-me que deveria seguir o
movimento interior que a leva a fazer um pouco mais de
meditação e que uma hora em silêncio na presença de Deus e
um abandono total às mais cruciantes aflições, trazem mais
proveito e glorificam a Deus. Mais tarde verá as imensas
riquezas adquiridas nesse cadinho de tribulações. Agora, tudo
isso lhe está oculto, mas o dia da divina claridade surgirá. Então
se admirará com as maravilhas que Deus tiver realizado em
você, no momento dos seus maiores rigores. Não rezarei pela
sua conversão. Peço somente que Deus se alegre em você e que
o deixe agir com liberdade.
Permaneça, minha querida Irmã, em seu estado de
sofrimento, desafiando a Deus por orações vocais se não puder
fazer de outro modo, que você quer viver de sua morte e
alimentar-se de amargura, sem buscar nem gosto, nem
sentimento, nem conhecimento, pois esse bom Pai a quer toda,
sem reserva, inteiramente abandonada à sua amorosa vontade.
Meu Deus! Como você é feliz por estar assim aconchegada
a Jesus! Adore em silêncio! Jogue-se em seus braços apesar da
repulsa que experimenta. Não tema que ele a rejeite, nem que o
demônio leve vantagem sobre você: as revoltas da natureza não
a tornam culpada. Deus realiza em você grandes coisas, à
sombra de suas misérias. Chegará o dia em que todas essas
riquezas lhe serão apresentadas abertamente. Agora é o tempo
das trevas: deixe-o agir, silencie, continue seu abandono, é ele
quem exige urgentemente, é ele também quem lhe dá essa fome
dele, esse aborrecimento de tudo o que é criado. É uma graça
muito preciosa. Seu atrativo é a cruz, sonde seu coração. É
também o atrativo de Deus para sua alma. Ele se alegra quando
você está entregue ao mais doloroso sofrimento. Sua dedicação
prova que você quer que ele realize seus desígnios. Não se
aflija, pois, com o resto. Quanto mais você morrer para seus
interesses, tanto mais facilitará para Deus moldá-la, conforme
sua vontade. Suas repugnâncias são graças: o Santo Esposo
quer a alma morta para todo desejo e para todo querer próprio.
132
533
O que Deus pede à alma é uma grande indiferença quanto
ao estado em que ele a mantém, seja qual for, de modo que ela
se glorie da abjeção, de suas disposições martirizantes e
humilhantes. Esse contínuo espírito de sacrifício e de abandono
lhe é muito agradável. Portanto, que ela não procure outra
coisa, alimentando-se de morte, sem querer sair do túmulo.
Abandonar-se nas mãos dos outros vale mais do que uma maior
mortificação, e a repugnância que se sente por isso vem mais da
natureza do que da graça.
Célestine de volta. Penso que o bom Deus ficará muito mais
satisfeito se você lhe disser de todo o coração: “Meu Deus, não
quero nada, a não ser sua vontade e em toda ocasião renunciar a
todo desejo para mergulhar na sua vontade.”
Tenho pena de nossa querida Irmã Colombe.
Espero que você preste serviço à Irmã Marie Marc e que, ao
voltar, ela se comporte melhor.
Abandonemo-nos a Deus sem reserva: pois quando nos
parece estar mais afastadas dele e mais mergulhadas no
conhecimento de nossas misérias, ele opera grandes coisas. E
para a alma fiel chegará um dia em que, toda mergulhada nele,
o bendirá mil vezes por suas angústias e seu pretenso
afastamento dele.
167
Uma alma sofredora deve dizer a si mesma: Coragem,
suporta com fé firme o exílio que Deus faz experimentar teu
coração! Ele se compraz em agir às ocultas, fazendo-te sentir
um vazio muito penoso, mas não está menos presente, nunca te
amou tanto. Tua posição é penosa; no entanto, é só o que
desejaste: mil vezes disseste a Deus que rompesse todas as tuas
amarras e que não querias senão a ele. Agora te pegou na
palavra. Transtornou tudo, fechou todas as portas a fim de que
nem um pouquinho de consolação te fosse dada. Permitiu ao
demônio e à natureza que te fizessem sentir suas revoltas, a fim
de que sob essas aparências humilhantes ele pudesse te
estabelecer num caminho todo de puro amor: pois não se pode
dar esse nome ao prazer que se experimenta ao servi-lo no belo
dia das consolações. Passam sutilmente em tudo isso muitas
misérias que precisam ser purificadas no cadinho no qual te
encontras. Aliás, é assim que ele age com seus santos. A Madre
de Chantal experimentava esse gênero de aflições. Via-se
entregue à tentação, gemia por se ver à frente de suas filhas e
dizia experimentar todas as misérias e tentações que elas
mesmas suportavam e tudo isso nos últimos anos de sua vida.57
Portanto, que tua oposição a Deus não te perturbe. Não vem do
teu coração que lhe pertence. Não gostas de fazer o mal. É um
sentimento que ele permite para te manter na humilhação.
Madre Emília conta, de uma maneira bastante circunstanciada, sua
chegada em companhia de duas Irmãs, a Montauban, para a fundação
que se instalou finalmente no bairro de Sapiac (julho-setembro de
1841; conferir acima, primeira sessão, Documentos anexos, 4) (L
639, M 405-409).
À Irmã Philippine, assistente em Villefranche.
Montauban, 7 de julho de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Eis-nos aqui, pela graça de Deus, chegamos com boa saúde,
apesar de termos feito um regime severo durante a viagem.
Ninguém tocou nas pequenas provisões e os pobres disso
aproveitaram. Foi por eles que fomos acolhidas, ao descermos
do transporte. Uma pobre cega recebeu as maçãs cozidas, etc.,
etc.
O Sr. Murat queria nos acompanhar e nos enviar um senhor
para nos ensinar as ruas. Nós lhe agradecemos e tomamos uma
pobre mendiga que nos levou diretamente até às Carmelitas.
Sem nenhum preâmbulo, pedimos hospedagem. A reverenda
Madre disse sim um pouco embaraçada, perguntando quantas
éramos. Respondendo-lhe sermos três, ela nos disse: “Para três,
nós nos arranjamos bem. Pensei que fossem umas doze. Tudo o
que temos está à sua disposição.” Ela nos disse isso com tanta
franqueza que nós respondemos: “Faremos aqui como se
estivéssemos em nossa casa e como gostaríamos que fizessem
se estivessem em nosso lugar.” Em seguida, fui à casa do Padre
Capmeil; ele estava ausente. Eu queria ver todas as casas no
532
133
166
Recusa fortemente expressa de permitir que uma Irmã viaje à
Casa-mãe, pois iria de encontro às Constituições. Convite a entregarse inteiramente, nessa ocasião, à Providência de Deus (L 638, M 404405).
A uma Superiora.
Villefranche, 22 de junho de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Apesar do prazer que teria em vê-la (não posso ir contra o
meu pensamento), não acredito que a razão para fazer um retiro
seja suficiente para uma Irmã empreender uma viagem. Aliás,
as Constituições são taxativas nesse ponto. Leia o artigo da
clausura e ficará convencida. Superioras e Irmãs fizeram-me o
mesmo pedido e sempre dei a mesma resposta. A graça de
Deus, minha querida Madre, independe dos lugares e das
pessoas. Ele não abençoaria uma viagem que fosse de encontro
às Constituições. Procure fazer esse sacrifício. Eu o farei com
você, pois seria muito agradável para mim vê-la, mas é preciso
que nos lembremos de que somos religiosas clausuradas e não
teremos dificuldade em nos submeter.
Saúdo-a com muita afeição e sou toda sua.
Irmã Emília.
Eis, minha muito querida Madre, uma forma de crescimento
que lhe servirá mais que uma viagem: entregar-se a Deus num
total
abandono,
colocando
sua
confiança
nele,
independentemente dos meios e de todo apoio, fazendo-lhe
generosamente todos os sacrifícios pedidos por ele, estando
disposta a aceitar que todas as suas filhas lhe sejam retiradas, se
Deus o quiser, seja pela morte, seja pela vontade de seus
superiores. Você me demonstrou um grande desejo de ter Irmã
Deixa-o agir, dedica-te a tudo que ele quiser, entrega-te como
vítima ao seu amor, sem te afligires com tudo que
experimentas. Querer sentir outra coisa além da própria
fraqueza é imperfeito, visto que Deus o permite. É um sinal de
que isso o glorifica. Quanto menos é do teu gosto, mais é do
gosto de Deus.
2
Minha venerável Madre:
Mil ações de graças pelos votos que nos enviou. Os nossos
são recíprocos: receba-os, juntamente com os de suas filhas que
certamente não são menos sinceros. Vejo-a sempre sobre a cruz
com uma inveja, mas não deveria ter essa inveja, eu que nem
sei sofrer nem amar. Apesar disso, invejo as almas destinadas a
esta vida de sacrifício. Sim, minha terna Madre, e falo do fundo
do coração. Quando penso em você, experimento um
sentimento particular. Acredito que você seja mártir do amor:
Ele se compraz em atormentá-la a fim de se glorificar em suas
angústias e apressar a obra dele. Deixe-o agir, não deseje
repouso. Seu estado pertence totalmente a Deus; deixe-se
consumir pela dor. A paz virá a seu tempo e ultrapassará a dor
experimentada. Sou por demais imperfeita para merecer que
você dê atenção ao que tomo a liberdade de lhe dizer.
Certamente não é segundo minhas luzes, nada vejo, mas vejome forçada a repetir-lhe que seu estado interior é de Deus,
assim como suas outras aflições exteriores: é por esse caminho
que ele quer chegar a seus fins, seja em relação a sua alma, seja
em relação ao seu Instituto. Estou fazendo uma novena a Santa
Chantal para pedir-lhe o espírito dela para mim. Coloquei uma
intenção por você. Seu estado tem muita relação com ela.
Terminarei a novena no dia da morte dela, 23. Tome uma
intenção por mim, que sou bem pobre. Tenho mil razões para
tremer pela minha salvação, ao passo que vejo a sua
completamente assegurada.
134
531
3
14 de julho...
Tenho grande prazer em receber freqüentemente suas
cartas, pois me ajudam a suportar as amarguras que às vezes
inundam meu coração, vendo que, estando acima de mim, você
é tratada ainda mais rigorosamente. Apesar disso, sinto
vivamente a tristeza por vê-la sofrer e gostaria de partilhá-la, se
fosse possível, a fim de partilhar também seus méritos. Não
pense, minha venerável Madre, que me sinta inspirada quando
lhe falo. Estou a cem léguas de merecê-lo. O interesse que
tenho por você me faz experimentar certos sentimentos que
parecem razoáveis: por exemplo, pensando em sua aflição, não
vejo aí senão uma conduta toda amorosa da parte de Deus. Se
você não sofresse, sua Congregação iria mal, e é por essa cruz
contínua que a perfeição de ambas será consumada. Deus
encontra glória e prazer em sua vida de morte. Você lhe deu mil
vezes seu consentimento, ele se aproveita, deixe-o agir. Tempo
virá em que a paz lhe será restituída. Mas, vendo as vantagens
que suas angústias e tédios, trazem para você e suas filhas, seria
desejável que morresse sobre essa divina cruz. Entretanto, não
posso pedir isso. Minha afeição por você é ainda muito
humana. Com tristeza vejo-a sofrer. Peço a Deus que a sustente
e realize em você e em suas filhas todos os desígnios dele.
Parece que Deus é glorificado por todas as fundações que você
empreende. Que ele a abençoe e acompanhe todas as suas
iniciativas, que lhe dê o seu espírito, multiplique suas filhas
como as estrelas do céu: é o desejo que formulo para você e
para a maior glória de Deus. Meus sentimentos respeitosos para
seu querido rebanho que está perto de você. Gostaria que me
fosse dado estar aí também, sem prejuízo do que devo a Santa
Teresa. Gostaria de despertar esse desejo em minhas sobrinhas.
Preferiria que estivessem perto de você a estarem perto de
mim, por causa do bem que lhes adviria. Reze por mim, ou
É verdade, mas a terna afeição que lhe tenho é a causa de falarlhe demoradamente a esse respeito. Você me escreveu dizendo
que ia muito ao parlatório, o que torna a sua vigilância sobre si
mesma ainda mais necessária. Confiando em Deus e desejando
estar totalmente sob sua mão, vigie-se sobretudo nos
relacionamentos externos.
Toda sua.
Irmã Emília.
Ano de 1841
165
Acompanhar com doçura uma religiosa um pouco difícil e sem
senso crítico, mas que é fervorosa e tem boa vontade (L 636 M 342343).
À Madre Tabithe, em Rieupeyroux.
Villefranche, 4 de abril de 1841.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Não desanime quanto à Irmã N. Seu caráter na verdade é
difícil, mas ela é fervorosa, ama o bom Deus de todo o seu
coração. Tem algumas idéias falsas, mas quer fazer bem as
coisas. Apesar de seus pequenos desvios, tem boa vontade e faz
verdadeiros sacrifícios. Não é preciso apressá-la, mas conduzila com grande doçura, aceitar algumas vezes suas idéias e
ajudá-la discretamente a retificar seu pensamento, demonstrarlhe grande ternura e procurar adquirir sua confiança. Estou
persuadida de que você já o faz. Prossiga, minha muito querida
Madre, pois por meio disso você prepara para si mesma uma
brilhante coroa. Esteja certa de que são as pessoas difíceis que
nos proporcionarão a felicidade de nos unir a Deus. É, sem
dúvida, para nos proporcionar essa preciosa vantagem que Deus
permite que haja esse tipo de pessoas em todos os conventos.
Toda sua.
Irmã Emília.
530
135
saber, e o deixaremos se V. Exa. o quiser, embora já tenhamos
começado a gostar dele. É preciso que lhe diga ainda que as
pessoas interessadas por essa obra querem comprar o material e
outras coisas necessárias. Permita-me, Sr. Bispo, desejar-lhe um
bom fim de quaresma e um feliz aleluia. Queira responder-me
sim ou não, nesta mesma carta, pois já é bastante que a tenha
lido, a qual é muito longa. Mas conto com a sua indulgência e
testemunho-lhe o meu respeito.
Sua muito humilde e obediente filha.
Irmã Emília.
164
Conselhos de moderação e de prudência no parlatório, pois o
mesmo poderá tornar-se uma ocasião de dissipação (L 630, M 400401).
À Madre Tabithe, em Rieupeyroux.
Villefranche, 24 de julho de 1840.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Considero uma coisa muito importante para uma Superiora
manter-se recolhida no parlatório. O meio de chegar a isso é
nunca ir ao parlatório sem pedir humildemente ao bom Deus
para ficar conosco e nos preservar de tudo que possa
desagradar-lhe. O segundo é ir com temor, mesmo com padres
e pessoas piedosas, sobretudo quando não são do nosso sexo.
Por exemplo, Padre Teulier, que é tão religioso. Então, minha
muito querida Madre, isso não é uma razão para dar uma total
segurança; pelo contrário, tema sua fraqueza, seu amor-próprio.
Procure não ter longas conversas (coisa inevitável, quando não
tínhamos parlatório, mas o mesmo facilita), pois isso faz muito
mal a uma religiosa, uma vez que ela se volta para o exterior e,
conseqüentemente, torna-se mundana, enquanto deve ser o
contrário. Para se preservar desse perigo, preocupe-se em fazer
um pequeno exame de consciência quando sair do parlatório,
procurando conhecer as faltas de prudência humana, de
confiança nas criaturas, de um desejo secreto de ser estimada,
as muitas palavras ditas, a dissipação, etc. Pensará, talvez,
minha querida Madre, que estou insistindo muito nesse assunto.
melhor, eleve só uma vez seu espírito a Deus pelas minhas
necessidades. Eu o faço freqüentemente por você.
529
163
Providencialmente, uma religiosa foi levada a se ocupar dos
detentos e a lhes proporcionar trabalho. Pede-se à Sagrada Família
encarregar-se deles. Madre Emília submete esse novo apostolado à
aprovação do Bispo de Rodez (L 620, M 394-396).
A Dom Giraud, bispo de Rodez.
Villefranche, 10 de abril de 1840.
J.M.J.
Exmo. Sr. Bispo:
Padre Cazals, capelão dos prisioneiros, apresentou a uma de
nossas Irmãs rodeiras o desejo de encontrar uma pessoa que lhe
comprasse estopa para dar trabalho a uma dúzia de mulheres
detentas e que essa pessoa lhes distribuísse o trabalho, cuidasse
para que tudo fosse feito e o vendesse ou o fizesse vender, para
que o apurado fosse dado a essas pobres infelizes. A Irmã,
seguindo seu zelo, disse-lhe que se encarregaria de boa vontade
dessa tarefa e me comunicou o caso. Consultei Padre Blanc e
ele me deu sua aprovação. Várias senhoras ricas e caridosas,
sabendo que assumiríamos esse trabalho, ficaram muito
satisfeitas.
Querem também que prestemos o mesmo serviço aos
detentos, o que tornaria nosso trabalho bem maior. A Irmã
rodeira não seria suficiente, mas como temos as Irmãs das
escolas, podemos facilmente fazê-lo. Padre Blanc pediu-me que
lhe falasse, desejando também que só se faça o que for
aprovado por V. Exa., pois, mesmo que essa obra seja boa, não
podemos assumi-la a não ser conforme a vontade de Deus que
nos será manifestada pela sua. O estado de nossos pobres
detentos é digno de piedade. Depois da morte de uma santa
religiosa que cuidava deles,1 não têm ninguém. Estão sem
trabalho e o pedem, mas em vão. Se V. Exa. nos permitir
socorrê-los, procuraremos amenizar-lhes a sorte o mais que
pudermos. Para o cuidado das detentas, comprometi-me sem o
137
528
Elas foram transcritas para um caderno de felicitações Quanto
às respostas do senhor Bispo, foram deixadas no armário da
mestra de trabalho, o qual servia também de biblioteca.
Saúdo-a afetuosamente e sou toda sua.
Irmã Emília.
162
Encorajamentos delicados e espirituais à Irmã Françoise Pascal,
que estava muito sofrida. Para a comunidade de Aubin,
recomendações sobre o respeito e a caridade mútuos (L 619).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 2 de abril de 1840.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Fiquei muito penalizada por vê-la aflita. Recomendo-lhe
colocar todos os seus sofrimentos aos pés da cruz e aceitá-los
num total abandono à vontade divina. O que lhe é tão amargo
no momento se tornará doce. Tenha coragem e não se feche em
si mesma, mas considere os sofrimentos que nosso Salvador
enfrentou por nós. Gostaria imensamente de ter falado com
todas as nossas Irmãs e dizer-lhes palavras encorajadoras antes
de minha partida, mas, como isso não foi possível, peço-lhe de
todo o meu coração de cuidar particularmente da prática da
caridade, a fim de que não se fique observando o
comportamento umas das outras, nada dizendo que possa
desmerecer umas às outras, mas respeitando-se mutuamente.
Irmã Appolonie deseja ficar com as galochas de Irmã Charité.
Peço-lhe que o permita.
Toda sua.
Irmã Emília.
NOTAS DA PRIMEIRA SECÇÃO
_______________________
(1) DF 87, 126; 132 (= texto citado).
(2) Essa conversão constou, sem dúvida, da passagem de uma
honestidade moral de aspecto um tanto "filosófico", à prática religiosa
explícita. A irmã de Emília, da qual se trata em seguida, Eléonore
(1789-1833), desposou em 1811 o doutor Colomb e teve sete filhos,
dos quais uma filha que foi aluna interna na Casa-mãe. HC 1832; C
396.
(3) A este capítulo corresponde um original de Santa Emília (Ms aut
2-4, reproduzindo a coletânea de cartas V 251-258) que, entretanto,
não lhe é literalmente idêntica. É possível que ela tenha escrito e
ditado a mesma coisa, em termos um pouco diferentes, mas também
se pode supor que Padre Fabre tenha retocado o autógrafo. Essas
modificações, qualquer que tenha sido sua origem, esclarecem o estilo
escrito de Santa Emília sem lhe alterar o sentido nem mesmo o caráter
familiarmente confidencial. Não há, pois, razão para salientar o
pormenor. Assinalemos somente que vários parágrafos de autógrafos
se encontram em A cap. 1 (trecho começando por: “O espírito de
misericórdia estava com ela”... e termina por: “... muito aliviados e até
curados”). A última frase do autógrafo permanecia inacabada: “Ela
mesma preparou o algodão que lhe deveria servir...”. O presente
capítulo substitui as palavras omitidas e em seguida fornece dados
inteiramente novos.
(4) Emília ainda não tem dez anos. Já “conhece” a Deus pelo seu
catecismo, mas o fervor afetivo e mesmo, ao que parece, o
recolhimento contemplativo ultrapassam nela uma ciência que se
desenvolverá, sem nunca atingir uma técnica muito acentuada. Esse
parágrafo e os seguintes dão um esboço das orientações essenciais de
sua vida moral e religiosa: delicadezas divinas de ordem
contemplativa (freqüentemente por ocasião dos sacramentos);
exercício das “obras de misericórdia”; intervenções providenciais de
ordem material. Apesar da diferença de pessoas e circunstâncias,
somos levados espontaneamente a aproximar essas confidências às de
Santa Teresa de Lisieux, relativas à sua infância.
(5) Marianne ou Marie-Anne, da mesma maneira, um pouco mais
abaixo, Dulac ou du Lac, os nomes próprios têm às vezes uma
ortografia diferente de um documento para outro.
(6) Não pudemos identificar mais exatamente esse livro.
138
(7) A senhora François Lenormant de Bussy era irmã da senhora de
Rodat. HC 1804.
(8) Sobre o lugar dado à Bíblia na cultura espiritual no século XIX
cf. DS V 966: “Independentemente da atividade das sociedades
bíblicas protestantes (D. ROBERT, Les Eglises réformées de France,
1800-1830, Paris, 1961, p. 253-255, 422-429), a difusão da Bíblia em
francês atingiu uma amplitude inesperada. Entre 1781 e 1850, as
edições comentadas ou não de Maistre de Sacy, de Vence, de
Carrières, de Genoude, chegaram a umas vinte, enquanto os Salmos, o
Cântico dos Cânticos ou o Novo Testamento continuam a ser editados
à parte.
“O sucesso das traduções escriturárias comentadas por Guillaume
Berthier pode nos indicar utilmente o espaço que ocupava a Escritura
nas preocupações dos clérigos ou dos leigos. Com efeito, os Psaumes
traduits avec des notes et des réflexions, publicados pela primeira vez
em 1785 em 8 volumes, foram reeditados em 8, 6 ou 5 volumes em
1788, 1801, 1817(duas vezes), 1825 e 1831, ao passo que Isaïe traduit
avec des notes et des réflexions era publicado em 5 volumes, primeiro
em 1788-1789, depois em 1807, 1828, 1840”. V.i. apêndice I, Sagrada
Escritura.
(9) De 1804 a 1817, aproximadamente.
Padre Fabre declara: “Ela se entregava ao santo exercício da oração.
Os temas mais comuns de suas meditações eram a Santíssima
Virgem, São José, Jesus Bom Pastor, Jesus Salvador das almas, Jesus
esposo das almas, a divina Eucaristia. Algumas vezes, porém
raramente, ela se servia de um livro intitulado: le Chrétien intérieur.”
DF 11.
Jean de Bernières-Louvigny (1602-1659) exerceu uma influência
profunda pela sua irradiação mística em Caen, onde ele viveu e em
Nouvelle-France, onde tinha relacionamentos pessoais com vários
missionários. Foram publicadas quando ainda em vida mas sobretudo
depois de sua morte, suas notas íntimas e suas cartas. A história das
primeiras edições, bastante movimentada, nem sempre honrou aqueles
que as forneceram, a tal ponto que, finalmente, o livro intitulado le
Chrétien intérieur foi colocado no Índex em 1690, tendo ficado o
pensamento de Bernières, sem dúvida, desfigurado. Entretanto,
surgiram nos séculos XVIII e XIX várias reedições. DS II 1521-1527.
(10) Santa Teresa de Ávila foi bastante apreciada na França no século
XIX (DS V 967-968). Entretanto, as reedições da tradução feita no
século XVII por Arnaud d’Andilly começam apenas em 1818. Antes
dessa data, Emília pôde servir-se de uma edição antiga. Sem dúvida,
ela leu a Doctrine spirituelle du Père Berthier, du Père Surin, du Père
527
dormem e recreiam. As aulas de Santa Maria são na sala das
mestras de disciplina e essas estão na grande sala onde era
outrora o noviciado. A experiência nos mostrou ser impossível
fazer a experiência de sua vocação levando um tipo de vida
diferente daquele que elas terão. Agora que estão separadas,
saem, visitam os doentes (as noviças também). Em geral, essa
obra é bem aceita. Nossas Irmãs têm boa vontade e zelo, o que
me dá muita consolação. Visitam mais de quarenta doentes,
levando-lhes alguma coisa. Damos o quanto podemos, mas
como nossas posses não são muitas, nossa disponibilidade
também não o é. Damos pouco, mas sempre de coração, e seria
o caso de dizermos que é o óbolo da viúva pobre.
Nossas alunas semi-internas consideram como uma
recompensa acompanhar nossas Irmãs em suas visitas. Duas
dentre elas, de mais ou menos oito anos, diziam à sua mãe:
“Mamãe, durante alguns dias, só queremos pão para o almoço e
depois dê-nos três centavos para a visita aos doentes.” (Só
permito levá-las quando querem dar esmolas.) Uma terceira,
que só tem seis anos, guardou o centavo dado por sua mãe para
comprar um pequeno patê e assim ter três centavos para levar
aos pobres, e alegremente comia seu pão seco, enquanto a
irmãzinha, ainda muito criança para perceber o pequeno
sacrifício feito pela irmã, comia seu pequeno patê com muito
gosto. Vejo isso com singular prazer. Espero muito de crianças
ou de um adulto nos quais vejo uma grande afeição pelos
pobres.
Irmã N. agradece as orações feitas em seu favor. Agradece
de todo o coração e pede que continue a recomendá-la a Deus
porque tem muita necessidade. Ainda não terminamos nosso
Regulamento para as alunas, porque os Regulamentos e as
Constituições de nossas Irmãs educadoras tomaram nosso
tempo. Mas logo que terminarmos o nosso, tenha certeza de que
não será a última a ser servida.
Irmã Laurent pede que lhe envie as cartas que escrevemos a
Dom d'Hautpoul quando estivemos na casa da senhora Arnaldy,
como também a resposta de Sua Excelência. Ela procura fazer a
relação do que se passou de mais interessante em nossas
diversas fundações e, para terminar a de Figeac, essas cartas lhe
são absolutamente necessárias. Irmã N. lhe dirá onde estão.
526
Nossa querida Irmã Thaïs desejava e pedia, havia mais de
um ano, para ser enviada a Decazeville a fim de catequizar os
ingleses. O que desejava com tanto ardor lhe foi permitido, e
Madre Pacôme a substitui em Montbazens na administração da
casa. Com a transferência de Irmã Thaïs para Decazeville,
chamamos Irmã Symphorienne para ajudar em Montbazens.
Essa jovem Irmã está apta a ensinar. Agora, nossa escola de
Decazeville está bem provida, nela há organização, Madre N.
administra com uma prudência e uma sabedoria bem superiores
à sua idade. Sob todos os aspectos, essa comunidade vai bem.
Como o número de alunos era bem elevado para as Irmãs que aí
trabalhavam, fomos obrigadas a enviar para aquela casa nossa
Irmã Palémon que queria ser clausurada. Em Cadour, elas eram
apenas duas, após a partida de nossa querida Irmã Anastasie.
Não tendo Irmãs para as escolas, tivemos de transferir Irmã
Théodule. Em toda parte, pedem-nos escolas e nós não temos
Irmãs. Peçam ao Pai de família para enviar operários à sua
vinha.
Li com muito interesse as cartas das duas jovens aspirantes.
Parece que não são economicamente carentes. Cuidem delas a
fim de que, se é vontade de Deus, venham para o Instituto da
Sagrada Família. Para proporcionar a sua glória, temos grande
necessidade de pessoas e, como você sabe, as boas vocações
são raras.
Como tudo que vem da Casa-mãe lhe interessa de maneira
toda particular, temos a alegria de dizer-lhe que, no dia da festa
da Purificação, tivemos uma cerimônia de Irmãs das escolas.
Eis os nomes delas: Célestine Calmels, agora Irmã Anne-Marie;
Brigitte Scudier, Irmã Marie Mélanie; Julie Grèzes, Irmã Marie
Damien; Marie Souyri, Irmã Marie Claver. As Irmãs Procule e
Léontine fizeram a primeira profissão. Esperamos realizar outra
cerimônia para as escolas no dia 3 de maio, ou talvez antes.
Recomendamos às suas orações aquelas que participarão dessas
cerimônias.
No dia da Epifania, separamos as postulantes que se
destinam às escolas. Elas têm um noviciado à parte e também
observam pontualmente seu regulamento. Só se reúnem com as
noviças clausuradas para assistir às aulas de gramática e de
cálculo. Moram na Casa São Luís, aí fazem as refeições,
139
Saint-Jure, de M. d’Orléans de La Mothe e de sainte Thérèse, cuja
segunda edição foi publicada em 1803. (V.i. apêndice II, Padres da
Igreja e autores clássicos de espiritualidade); cf. 1. 1.
(11) Nos dois cadernos manuscritos (Tauriac p. 27, Baldeyroux p.
26), lê-se neste lugar: “e também um pouco de relaxamento que
percebi na comunidade”, com uma nota explicativa: “ela era dirigida
naquele momento por uma superiora que havia perdido o espírito de
seu estado.” Foi por inadvertência que a edição de 1958 omitiu essas
linhas.
(12) Alusão evidente à decisão de Pe. H. de Launay. AUB 66-68; HC
1809.
No dia 21 de novembro de 1809, Emília emitiu os votos privados de
religião (DF 15); em janeiro de 1810, redigiu a Ata que reproduzimos
abaixo (Documentos anexos...1).
(13) Os cadernos manuscritos trazem uma nota também presente na
edição de 1958: “Desde a Revolução, a Sé episcopal de Rodez estava
vacante e a diocese era regida pelo bispo de Cahors.”
(14) Cf. Documentos anexos... 2: Crônicas para os anos de 18161817.
(15) A antiga visitandina deixou para as religiosas uma biblioteca
espiritual que L. Aubineau catalogou de maneira bastante imprecisa:
“les Constitutions, le Directoire et le Grand Coutumier de la
Visitation, les Petites Coutumes d'Annecy, les Réponses et les Epîtres
de la Sainte Mère de Chantal; um vol. in- 4º de lettres circulaires; les
Vies de quatre premières Mères de la Visitation pela R.M. Madeleine
de Chaugy; le livre des Chapitres; les Vrais Entretiens de saint
François de Sales; la Vie de saint François de Sales, pelo seu
sobrinho Charles-Auguste; la Vie de sainte Chantal, etc.” – AUB 96
(1); cf. Apêndice, II, “Livres de la Visitation”.
(16) Cf. Documentos anexos...3: Crônicas para os anos de 18171820.
(17) Esse capítulo está parcialmente duplicado por um autógrafo sem
título, escrito, sem dúvida, por volta de 1843 (Ms aut 5-7, que
reproduz as páginas 341-347 da coletânea VI das cartas; cf.
bibliografia, documentação não-impressa (18). Começa por:
“Tentações contra a fé...” e termina por: “lhe é estranho”).
Nesse sentido, Padre Fabre relata em suas “cadernetas”: “Essas
tentações eram tão violentas, tão tenazes e tão contínuas que pensei
não poder eu mesmo expressá-las, e lhe pedi que as escrevesse, o que
ela fez” (CF 5). Os últimos parágrafos do capítulo 10, narrados sem
dúvida, não são, entretanto, menos duros do que o início. Mas quando,
por sua vez, Pe. Fabre ditou suas próprias anotações, sentia-se mais
livre para falar. Com efeito, durante sua vida, Madre Emília havia
525
140
feito tudo para ocultar seu sofrimento. Seu confessor declara a esse
respeito: “Ela me disse um dia: 'Compreendo o suplício da alma
condenada à separação do seu Deus...' Nesse estado lamentável,
Madre Emília encontrava bastante força para repelir todos os ataques
do demônio e ocupar-se dos seus trabalhos ordinários. 'O cuidado das
Irmãs', dizia-me, 'me custa muito.' Entretanto, não cessava seus
entretenimentos em público e em particular. Falava-lhes com um
semblante sorridente, com uma expressão de bondade sobre as
virtudes cristãs e religiosas, sobre as verdades da fé, sobre a confiança
em Deus, sobre os exercícios de piedade cristã e, coisa admirável,
nessas exortações falava com tanto ardor e unção, que suas filhas, as
religiosas, pensavam que sua alma estivesse inundada de consolações.
Quando, após a morte da Madre, me foi permitido fazer-lhes conhecer
o estado de provação no qual tinha vivido sua Superiora, elas
derramaram torrentes de lágrimas.” DF 78; DL 155.
Observam-se aqui, como para o 2º capítulo (acima, nota 3),
algumas diferenças entre as duas versões: a religiosa falava dela
mesma na 3ª pessoa (sem dúvida para salvaguardar o anonimato em
qualquer eventualidade). Padre Fabre transpõe para a 1ª pessoa que é
sempre usada na Autobiografia. O texto original tem talvez alguma
coisa de mais irregular, por ter sido expresso de modo vivo e
dramático, para que não fosse omitido pelo confessor.
(18) Somente algumas palavras para comentar essas linhas
comoventes. Sua sinceridade não causa nenhum problema. Descreve
uma situação que se prolongou por trinta e dois anos, mas que
estaríamos enganados ao imaginá-la como monolítica, por assim
dizer. Ordinariamente, a provação dava uma pequena trégua à Madre
por ocasião de suas fundações fora de Villefranche (cf. também as
notas 21, 31, 34).
Recentemente, não se hesitou em comparar o caso de Santa Emília
com os de alguns grandes “desolados” dos quais a história da
espiritualidade guardou o nome: os santos João da Cruz, Paulo da
Cruz e Afonso de Ligório, Santas Joana de Chantal e Teresa do
Menino Jesus (DS III 631-639). O autor dessas comparações esboçou
em seguida uma reflexão sobre essa questão da teologia espiritual
(639-645).
Convém com certeza, e não somente para as necessidades de análise,
considerar diversas modalidades e finalidades de um tal desamparo.
Concretamente, quando é vivida por longo tempo, os elementos assim
distintos devem se emaranhar e às vezes se sobrepor. Permitam-nos
referir-nos aos Exercícios Espirituais, de números 317-322, e aos
comentários que foram feitos, por exemplo, por G. FESSARD, La
Irmã Emília.
161
Feliz por ter podido proporcionar mais regularidade nas diversas
casas, durante suas visitas e pela promulgação do Regulamento das
escolas, tirado das Constituições, Madre Emília dá notícias. Relata,
também, a abertura do noviciado das escolas e as atividades das Irmãs
não-clausuradas: visitas aos doentes das quais as alunas participam
muitas vezes (L 618, M 390-394).
À Madre Vincent, em Figeac.
Villefranche, 25 de fevereiro de 1840.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
As orações que lhe pedi produziram seu efeito. Continue, a
fim de que aquilo que foi começado com tanto sucesso se
mantenha e seja sempre melhor. Estou satisfeita com minha
viagem. O fervor, o zelo e a boa vontade de nossas queridas
Irmãs das escolas me consolaram muito. Eu me regozijo que o
bem se faça e que Deus seja conhecido e amado. Asseguro-lhe,
minha querida Madre, que nossas Irmãs me dão muita
consolação. Elas amam os doentes, têm prazer em vê-los e lhes
oferecer algumas guloseimas. Madre N., particularmente, é toda
dedicada a seus doentes. Graças a Deus, todas as Irmãs
partilham seus sentimentos. O bem que fazem é incalculável.
São amadas e respeitadas. Atualmente, nossas escolas de
Montbazens e de Lugan têm o aspecto de uma casa religiosa.
Há um parlatório, ninguém entra, todos os exercícios são
anunciados por um sino. Enfim, têm o aspecto de um convento,
enquanto que antes nada ou quase nada se percebia. Durante
mais de uma semana, ia todos os dias de Lugan a Montbazens,
e isso, longe de prejudicar a minha saúde, fazia-me muito bem.
Sinto-me melhor do que algum tempo atrás. Embora trabalhasse
muito, não tinha doença. Ao contrário, dormia melhor e minha
digestão se fazia com mais facilidade. Levantávamos muito
cedo para ir à santa missa, apesar do frio intenso, isso não nos
incomodava.
524
Irmãs, que a morte súbita do nosso superior nos impediu de
retocar e de amadurecer, pela reflexão e pela experiência, os
diferentes artigos que o compunham. Para vocês ele será, pois,
precioso, porque nele reconhecerão o espírito e as máximas de
nosso santo fundador. Para vocês ele o será ainda por estar
autorizado pelo Sr. Bispo, que muito se interessa pela boa
organização de nossas escolas. Esse Regulamento será para
vocês o livro de vida. Gostarão de lê-lo e de pautar por ele sua
conduta, bem persuadidas de que da exatidão em observá-lo
depende o grau de glória que lhes está reservado no céu. Como
é consolador para uma religiosa que ama sua consagração e que
deseja cumprir suas obrigações, poder testemunhar que a todo
momento ela cumpre a santa vontade de Deus!
A vantagem do Regulamento é fixar irrevogavelmente o
tempo e a duração de cada exercício, proporcionando em todas
as nossas escolas esta útil e agradável uniformidade que o
espírito ou, se o quiserem, o amor à nossa santa vocação torna
indispensável. E o que seria de uma religiosa que só quisesse se
submeter às suas idéias e inclinações? Estaria bem longe de
realizar o fim a que necessariamente se propôs renunciando ao
mundo, abraçando uma vida de mortificação e de penitência
que a torna semelhante a Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é
verdade, minhas queridas Irmãs, que vocês querem ser suas
dignas imitadoras? Podemos esperar que esse Regulamento,
objeto de seus justos anseios, será para vocês um momento de
renovação e que lhes proporcionará uma grande ajuda no
cumprimento de suas santas funções? Sim, é bom acreditar
nisso e esperamos da parte de vocês zelo e docilidade. Por que
não o fariam, uma vez que nele encontrarão a expressão da
vontade de Deus manifestada pelos superiores! A Sagrada
Família, à qual temos todas a inestimável felicidade de
pertencer, as cobrirá com a sua benevolente proteção para
ajudá-las a observá-lo com fidelidade e fazer reinar entre todas
esta união e esta terna caridade que é a preciosa característica
pela qual são reconhecidos os verdadeiros discípulos de Jesus
Cristo.
Nós as saudamos com os sentimentos da mais íntima e mais
cordial afeição e estamos unidas a vocês no amável Coração de
Jesus.
141
Dialectique des Exercices spirituels de saint Ignace de Loyola, Paris,
Aubier, 1956, 240-246, ou por Fr. ROUSTANG, Une Initiation à la
vie spirituelle, Paris, Desclée De Brouwer, 1963, ch. 4. Isso, sem
prejuízo, certamente, para os mestres assinalados pela bibiliografia de
DS III 645, com os estudos a seu respeito.
No tocante à própria Santa Emília, as reflexões de G. BERNOVILLE,
op.cit., 129-147, apresentam preciosas nuanças. Nos primeiros
tempos, Padre Marty não teve nenhum poder para tranqüilizar sua
penitente. Mais tarde, porém, ele devia estabelecer por
correspondência uma direção muitas vezes compreensiva e profunda.
(Documentos anexos... 10). A partir de 1841, o Padre P.M. Fabre seria
também um bom conselheiro. Notemos enfim, os intercâmbios entre
Santa Emília e uma carmelita, Madre Marie-Thérèse de Saint
Augustin (Documentos anexos...11).
(19) Leopoldo-Alexandre, príncipe de Hohenlohe-WaldenbourgSchillingsfurst, nascido em Kupferzell, perto de Waldenbourg em
1794; falecido em 1850. Ordenado sacerdote em 1815. Eram-lhe
atribuídos dons taumaturgos. Escreveu vários livros de
espiritualidade. Tudo não parece inteiramente digno de fé naquilo que
por certo tempo o fez famoso.
(20) Louis-François Brassat-Murat nasceu em Aubin, em 1750. Sua
reputação “era européia”. “Era consultado, pode-se dizer, por todas as
partes do mundo.” Entretanto, ficou confinado em Aubin, dedicandose a todos e aí morreu em 27 de março de 1829. AUB 148 (1).
(21) O estado de rejeição e de tentações não é, pois, exclusivo de
graças “substanciais”, das quais Madre Emília pode ter um
conhecimento reflexivo (v.s., nota 18). DF 120.
(22) Trata-se sem dúvida des Relations de la vie et de la mort de
quelques réligieux de l'abbaye de la Trappe, escritos pelo Abade de
Rancé. AUB 156; Cf. apêndice, II.
O texto escriturário citado um pouco mais abaixo é tirado do Cântico
dos Cânticos, 1,6.
(23) Padre Imbert foi ordenado sacerdote em 1821. Encontramo-lo
sucessivamente como vigário de Saint-Céré, vigário de Théminettes,
professor no Colégio Real de Avignon (ele o abandona por se ter
recusado em consentir, em 1828, regulamentos de tendência
anglicana), vigário de Saint-Thomas (ou Igreja do Carmo) de Figeac.
Morreu em Saint-Céré, em 1865. AUB 297 (1).
(24) Cf. Documentos anexos...4: Detalhes sobre a fundação de
Montauban-Sapiac.
(25) Essas religiosas são provavelmente de Picpus, HC 1832. De fato,
só os Padres de Picpus se estabeleceram em Graves, em 1848. HC
523
142
1848, FR 8.
(26) Cf. FR 5: “A Misericórdia: fundada em 1696 e confiada às
Damas de Nevers para a distribuição domiciliar de assistência aos
“pobres doentes rejeitados.” Ela foi fundada com o hospital SaintLoup, em 1749. Em 1780, tomou o nome de Hotel da Caridade e, em
1796, o nome de Casa da Beneficência; foi vendida em 1853. Madre
Emília faz várias alusões às Irmãs da Misericórdia que entravam na
Casa para cuidar dos doentes”. HC 1847: Trata-se aqui da maneira
como as Irmãs de Nevers tomaram em 1847 a iniciativa de abrir
também uma escola, apoiadas pelos vigários de Notre-Dame e de São
José. (Pe. Alric e Pe. Turq), e sem pedirem a autorização episcopal.
(27) São Bento-José Labre (1748-1783) permanece célebre por suas
intermináveis caminhadas de peregrino mendicante e penitente,
sobretudo na Itália. Sua reputação de santidade espalhara-se já antes
de sua beatificação, em junho de 1859. Cf. Documentos anexos... 8,
90ª questão.
(28) Talvez uma citação um pouco inexata do Salmo 79 (80), 6:
“Cibabis nos pane lacrymarum, et potum dabis nobis in lacrymis in
mensura”. (= “Vós o nutristes com o pão das lágrimas e o fizestes
verter um precioso pranto”).
(29) Cânticos dos cânticos, 3, 1.
(30) Sublinhamos essa importância do “exame”. Pode-se sempre
objetar que Santa Emília se deixa levar demais por uma inclinação
perigosa à introspecção; mas, além do nosso bom senso psicológico,
os santos vêem no exame o meio privilegiado de purificação da
consciência: reprovação lúcida de si, em relação com o sacramento da
penitência. DS IV 1789-1838.
(31) Esse "comentário" é uma forma espontânea do que Santo Inácio
de Loyola chama “segunda maneira de rezar: contemplar o sentido de
cada uma das palavras de uma oração”. Exercícios espirituais, nn
249-257.
Aqui ainda, vemos misturarem-se anotações relativas a uma oração
aparentemente fácil, com alusões às horas de grande aridez. Lemos,
com efeito, nos depoimentos de Padre Fabre: “Tornara-se estúpida,
por assim dizer, não compreendendo nada em nenhum livro escrito
em francês. Padre Marty, para ocupar seu espírito, lhe havia dado para
ler os Solilóquios de Santo Agostinho, escritos em latim, língua que
ela ignorava. Para obedecer, contentava-se em examinar a forma das
letras, não podendo fazer outra coisa. Entretanto, não suprimia a
menor parte do tempo que tinha prescrito a si mesma para a
meditação. Pelo contrário, prolongava-o” (DF 78). É verdade que aqui
Santa Emília fala do tempo da missa. (Cf. A cap. 10).
(32) Encontram-se alguns trechos e alguns títulos de orações e de
desempenharem dignamente a nobre função de instruir a
juventude. Lembrem-se, minhas queridas Irmãs, do que está
dito no Evangelho: “Que aqueles que ensinam a um ou a vários
os caminhos da justiça brilharão durante toda a eternidade como
as estrelas do firmamento.”
Irmã Emília.
160
Apresentação geral do “Regulamento das Escolas”, fruto da
experiência e da reflexão. O mesmo permanece fiel às intenções
profundas de Padre Marty. Que ele seja o referencial de uma vida
mortificada e ressuscitada em Nosso Senhor (L 617, M 387-390).
Às Irmãs de Montbazens e outras
comunidades não-clausuradas.
Villefranche, 3 de fevereiro de 1840.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Há muito tempo sentíamos a necessidade de redigir o
Regulamento que diz respeito a vocês. Muitos imprevistos nos
impediram de fazê-lo, mas o desejo que expressaram nos levou
à conclusão de que todas estavam de acordo sobre esse ponto.
Não poderíamos deixar de atendê-las diante das suas insistentes
solicitações. Debruçamo-nos seriamente sobre esse importante
trabalho e nele nada redigimos que não tenham sido bem
refletidos e pesados as vantagens e os inconvenientes.
O sentimento mais profundo de respeito e da mais terna
afeição que conservamos pelo nosso querido Pai, de quem
honramos a memória e veneramos as virtudes, nos levou a
afastar-nos o menos possível do cerne do Regulamento que ele
nos deu. Se vocês nele encontrarem alguma mudança, temos ao
menos a satisfação de poder dizer-lhes que não nos afastamos
em nada de suas primeiras intenções. Pelo contrário, assumimos
o dever santo e sagrado de segui-las, quando ele mesmo nos
autorizou a nele fazer as modificações e acréscimos que
julgássemos convenientes. Vocês sabem, minhas queridas
522
143
Procure fazer o sacrifício da carta de seu primo que queimei
para que você não ficasse perturbada.
Ano de 1840
159
A superiora geral comunica a todas as casas não-clausuradas um
trecho das Constituições que diz respeito a seu modo de vida e
fazendo continuação ao regulamento elaborado para elas (L 613, M
381-382).
Às Irmãs de Lugan e outras casas de escolas.
Villefranche, 8 de janeiro de 1840.
J.M.J.
Minhas muito queridas e bem-amadas Irmãs:
Sempre preocupadas com sua felicidade e buscando com
cuidado tudo que pode contribuir para o bem e o progresso de
suas almas, apresentamos tudo que poderia lhes convir em
nossas Constituições.
Apresentamos esse trecho ao nosso digno Bispo, que o
aprovou e o carimbou. Nós os enviamos hoje, minhas muito
queridas Irmãs, com a doce confiança de que será recebido por
vocês com profundo respeito e como vindo do próprio Deus.
Por muitos motivos ele lhes será caro e precioso tanto mais caro
por ser o trabalho de nosso bem-aventurado Pai, e tanto mais
precioso por ser para vocês a expressão da vontade do Senhor.
O regulamento que receberam lhes causou, sem dúvida, uma
grande alegria. Desejamos que aconteça o mesmo com esse
texto e que, por sua fidelidade em cumprir escrupulosamente
todos os seus artigos, vocês provem a Deus seu amor e seu
reconhecimento. Anexamos a esta expedição a fórmula dos
votos, tal qual o Bispo1 acaba de aprová-la e que ele mesmo
redigiu. O novo compromisso que fizeram consagrando-se aos
cuidados da infância será para vocês um impulso mais do que
suficiente para redobrarem o zelo e a boa vontade a fim de
cânticos, sem dúvida particularmente amados por Santa Emília, nos
Documentos anexos... 5.
(33) Nascimento de Santa Emília: 6 de setembro de 1787; entrada na
vida religiosa: 30 de abril de 1816 e tomada de hábito, em 1º de maio.
Os votos do 6 de abril de 1817 parece terem sido apenas temporários:
a profissão perpétua realizou-se em 8 de setembro de 1820.
(34) Ainda uma “inconseqüência” no desenrolar das provações
espirituais. Sobre certas manifestações exteriores do recolhimento
contemplativo de Madre Emília, cf. DA 56-57; P 12, 13, 17, 18.
Aconteceram muitas vezes por ocasião dos sacramentos da penitência
e da eucaristia e na meditação da Paixão (diante de um quadro do
Ecce Homo; durante a Via-Sacra). Cf. Pos, 2º fascículo, 496-500 e
508-511.
(35) A Madre contraiu sua surdez em janeiro de 1824, por ocasião de
uma viagem a Aubin, empreendida por ordem de Pe. Marty. Sobre
suas freqüentes doenças, consultar, por exemplo, AUB 127-131; CF
64.
Santa Germana Cousin nasceu perto de Toulouse, em Pibrac, pelo ano
de 1579, e aí morreu em 1601, depois de uma vida de camponesa
pobre, tecida de sofrimentos, de humilhações e de bondade. Em 1644,
seu corpo foi encontrado intacto. Um processo canônico começado
em 1700 não terminou antes da Revolução. O culto que lhe prestavam
não cessou, mas a causa foi retomada somente em 1843. Beatificação:
7 de maio de 1854; canonização: 29 de junho de 1867. Cf.
Documentos anexos...8, 57ª e 89ª questões.
(36) Pode-se ler um certo número dessas cartas mais adiante,
Documentos anexos...10.
(37) A propósito desse incidente, cf. HC 1842; DL 158; AUB 394.
(38) Belo exemplo do desinteresse e do abandono à Providência por
parte de Santa Emília, por ocasião das dificuldades fomentadas pela
indelicadeza de um advogado: Documentos anexos...6. Testemunhos
diversos sobre essas virtudes na Pos 2º fascículo, 144-149.
(39) Talvez se trate de Irmã Vincent Vacquié (1804-1880), várias
vezes superiora em Aubin e em Figeac, assistente em Villefranche, de
1846-1851. Irmã Foi Bousquet foi assistente somente a partir daquele
ano (Cf. notas da introdução, 26). Sobre as dificuldades criadas contra
Madre Emília por seu conselho, durante os cinco ou seis últimos anos,
cf. HC 1846; DL 169-170.
(40) Sobre a extrema docilidade de julgamento e de vontade
manifestada por Santa Emília, ver, por exemplo, (CF 13-15; DF 107112; Pos, 2º fascículo, 454-469. Cf. também os testemunhos dos
cônegos Barthe e Abbal, HC 1845 e 1846).
(41) Sobre a temperança quase milagrosa da Santa, cf. Pos, 2º
521
144
fascículo, 379-416.
(42) Muitos testemunhos atestam multiplicações de víveres e, às
vezes, de dinheiro, por exemplo, Pos, 2º fascículo, 527-536.
(43) Sabe-se em que circunstâncias dramáticas foi obtida a graça
dessa profissão de 8 de setembro de 1820; Br 151-153; HC 1820. O
voto de ensino será reconhecido pelas Constituições aprovadas em
1832 (nº 319: “A superiora geral faz o voto de ensino para toda a
Congregação, e a superiora local para a sua comunidade”), depois
suprimido em 1846. Um empreendimento feito em 1857 para seu
restabelecimento não teve êxito.
(44) Trata-se de Madre Marie-Thérèse de Saint-Augustin, conhecida
de Santa Emília desde 1835 e que lhe escreverá cartas das quais
publicamos abaixo alguns fragmentos: Documentos anexos...11.
(45) Desde muito tempo, Emília gostava de invocar a Santíssima
Virgem sob o título de “divina Pastora”. Dedicou-lhe um oratório no
convento de Villefranche. Esse título pode parecer-nos um pouco
chocante ou pelo menos antiquado. Entretanto, não devemos ceder
nisso ao escândalo dos fracos. Cf. A cap. 6; Br 330-351.
A respeito dos cânticos em geral (cânticos “espirituais” ou cânticos
“populares”) pode-se notar: “Haverá sempre espíritos que serão tão
privados do senso do verdadeiro, que pensarão ter realizado tudo o
que um instante os encantou... Mas para os outros, que sentiram o que
um alto e claro pensamento contém de virtualidade, é preciso
persuadi-los a cantar esses cânticos que lhes vêm como apelos à vida
plena e rica, à bela vida cristã...
“... Então esses sentimentos de fervor que ultrapassam as disposições
reais ou pelo menos habituais da alma, não virão como uma
germinação sem enraizamento nessas existências de cristão medíocre.
Eles revelam e despertam as possibilidades desta graça que, no
batismo, ficou infundida em nossa natureza para fermentá-la
divinamente.” (DS II 115).
(46) Senso da justiça divina, pensamento sobre a morte, aspiração aos
motivos de um amor mais puro. É na integral e harmoniosa
complementaridade de tais disposições que se constitui realmente uma
espiritualidade pouco suspeita de angelismo abstrato. Isso tanto mais
que esses sentimentos se manifestam por ocasião de um negócio sério.
(47) Cf. DM, 7, a propósito desse mesmo dia, quando Pe. Fabre pede
à moribunda para terminar sua narração: “Resta-me muito a dizer,
responde essa doce Madre. O que desejo sobretudo fazer conhecer é a
minha juventude, para que os jovens do mundo compreendam todos
os perigos nos quais eu quase naufraguei.
(48) A quem se escandalizasse com tais declarações, poder-se-ia sem
158
Censuras feitas com aflição, mas com doçura e de modo
construtivo, em resposta a uma carta escrita sob o ímpeto da paixão (L
605, M 362-363).
A uma Irmã.
Villefranche, 7 de maio de 1839.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Sabendo da terna afeição que lhe tenho, você tinha muita
razão de pensar que sua carta me penalizaria. Causou-me um
desgosto tão vivo e tão profundo que o suportaria de bom grado
se com isso pudesse lhe ser útil. Só posso rezar, o que farei de
todo o coração. As orações das mães são muitas vezes
atendidas. Serei feliz se as minhas pertencem a esse número.
Volto à sua carta. Meu Deus, como ela me aflige! Entretanto,
prefiro pensar que você a escreveu num momento de paixão, e
que a sua imaginação, bem mais do que sua vontade, conduziu
a pena. Queira, minha muito querida e bem-amada Irmã,
esforçar-se para conhecer melhor o preço de sua alma. Se as
aflições que você experimenta se fazem sentir tão vivamente
por um pouco de tempo, que será das penas de uma eternidade?
Aliás, supondo que dissesse preferir ser feliz nesse mundo e
infeliz no outro, você se enganaria nesse raciocínio pois não
encontrará a felicidade longe de Deus. Ele lhe concedeu a graça
de chamá-la e fazê-la sua esposa. Se você lhe for infiel, o
remorso a seguirá por toda parte e, longe de evitar o sofrimento,
você o experimentará mais forte.
Espero que tenha melhores disposições e logo mais me
escreverá de uma maneira inteiramente diferente. É nessa
esperança que sou, com os sentimentos que você conhece, sua
Madre muito dedicada.
520
145
que nada conservará de amargura em relação à Irmã Foi, mas,
pelo contrário, aproveitará de todas as ocasiões para dar-lhe
provas de uma cordial afeição.
Toda sua.
Irmã Emília.
Ano de 1839
157
A vocação de educadora cristã é tão sublime que se deve ao
mesmo tempo desconfiar inteiramente de si e confiar totalmente em
Deus e, nessa disposição, doar-se à tarefa (L 603, M 377-378).
À Irmã Jude, em Figeac.
Villefranche, 2 de abril de 1839.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Sendo a instrução da juventude um dos nossos principais
deveres, nunca saberíamos refletir bastante sobre a excelência
dessa nossa vocação, visto que somos chamadas a ensinar o
caminho da salvação às jovens inteligências que aprouve a
Deus nos confiar. Para desempenhar dignamente tão nobre
função, uma Irmã da Sagrada Família deve ter grande
desconfiança de si mesma, não se apoiar em seus próprios
meios, nem sobre os recursos que sua experiência pode lhe
proporcionar. Sua principal ocupação deve ser de rezar a fim de
que a semente lançada nos corações que lhe são confiados
frutifique e produza frutos de todas as virtudes. Deve alegrar-se,
minha querida, em cumprir essa tarefa e nada poupar, nem
cuidados, nem preocupações, nem trabalho, nada enfim para
cumpri-la com o zelo e a fidelidade que Deus lhe pede.1
Eu a saúdo com muita afeição e sou toda sua.
Irmã Emília.
Se estiver bem persuadida do que lhe digo, não pensará em
mudar de casa.
dúvida fazer ler um grande número de confidências semelhantes,
emanadas das mais santas personagens. Citemos pelo menos esta
passagem de um escrito, onde Santo Inácio de Loyola anota
ordinariamente para seu uso pessoal evidentemente, os grandes
favores místicos com os quais ele é favorecido. É o dia 12 de março
de 1544: “Achando-me completamente desprovido de socorro, sem
poder ter nenhum gosto nas meditações ou nas Pessoas divinas, tão
afastado e separado como se eu nunca tivesse sentido nada a seu
respeito ou nunca mais devesse sentir, mas ao contrário pensamentos
vindos ora contra Jesus, ora contra um outro, e eu me sentia entregue
à agitação de diversos pensamentos: sair de casa e alugar um quarto,
evitar o barulho ou abster-me de comer, ou recomeçar as missas, ou
colocar o altar num andar superior...” Journal spirituel, traduzido e
apresentado por Padre GIULIANI, Paris, Desclée De Brouwer, 1959,
p. 96.
(49) Padre Marty respondeu a essa pergunta: “Não, você não deve, é
preciso se desapegar delas. Transfira-as por um tempo para alguma
Irmã ou exponha-a em um dos oratórios do convento...” Br 200.
As questões 91 e 92 falam muito no seu laconismo: Pe. Marty
parece responder a isso numa carta da qual publicamos um extrato:
Documentos anexos...10, 14ª questão.
(50) Muitos testemunhos evidenciam a caridade de Madre Emília
para com os doentes: Pos, 2º fascículo, 289-291; Char 21-23.
(51) Is 66, 12.
(52) Mt 7, 7.
(53) Cf. Ct 2, 3; A cap. 14. Com sua experiência espiritual, Madre
Emília não tem certamente necessidade de um método imposto de
fora.
(54) Rm 8, 6-7.
(55) Sl 100 (101), 8.
(56) Santo Inácio de Loyola dá diretivas análogas nos Exercícios
espirituais, de números 210-217.
(57) Ressaltaram-se os progressos que fez realizar na doutrina
espiritual de São Francisco de Sales a experiência vivida por Santa
Joana de Chantal: DS V 1079-1080 e 1086-1088. O episódio que
narra aqui a carmelita foi consignado pela Madre de CHAUGY,
Mémoires sur la vie et les vertus de Jeanne-Françoise Frémyot de
Chantal; isso se situa em 1641, quando a superiora da Visitação pensa
em se demitir do cargo. Ela confia a uma religiosa: "... meu espírito
está numa tão má e dolorosa disposição que de todas as tentações
espirituais, aflições e aversões das quais me falam minhas filhas, sou
de repente atacada por elas. Deus me ensina o que devo dizer-lhes e
consolá-las e eu permaneço na minha miséria"(ed. 1865, 466).
519
146
Essas cartas de Pe. Marty e de Madre Marie-Thérèse de SaintAugustin lembram às vezes as de um diretor de consciência, ele
também de espírito salesiano e debruçado sobre destinos freqüentes
vezes muito provados, Padre J.-P. Caussade, s.j. (1675-1751); cf. suas
Lettres spirituelles, publicadas por M. OLPHE-GALLIARD, 2 vol.,
Paris, Desclée De Brouwer, 1962-1964.
pensar pouco e deixar passar as coisas deste mundo como a
água no rio. Todos os nossos olhares devem se voltar para o
grande empreendimento da salvação.
Quando nosso Pai leu para mim a carta de Delagnes escrita
para o Sr. Bispo, eu lhe disse que seu conteúdo não estava de
acordo com a verdade. Você sabe que isso nos acontece
freqüentemente, mas não nos deve preocupar. Aliás, acontece
tantas vezes, sobretudo às superioras, serem acusadas
injustamente que elas podem facilmente se acostumar com isso.
Irmã Emília.
Ano de 1838
156
Nos momentos de perseguições ou de simples conflitos com
outras pessoas, entrar em nós mesmas para descobrir o que é mais
favorável a nos humilhar, diante da verdade que vem do alto (L 601).
À Irmã Caroline, superiora em Aubin.
13 de novembro de 1838.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Finalmente você está tranqüila a respeito do assunto que lhe
causou tanta aflição, da qual muito participei. Agora que
repousa, procure nada conservar em sua lembrança, e ainda
menos no coração, que possa alterar a preciosa virtude da
caridade. Lembre-se, pelo contrário, das palavras que teriam
podido escapar-lhe sobre tal ou tal pessoa. Encontrei em suas
cartas alguma coisa que não me agradou. Concordo que,
quando se é vivamente atingida, é difícil conter-se. Mas não
devemos nos desculpar porque nosso dever é tudo suportar com
paciência. Em vez de considerar o erro que os outros poderiam
cometer, pelo contrário, devemos entrar em nós mesmas,
humilhar-nos e pedir ao bom Deus que nos esclareça sobre o
íntimo de nossa alma. Tenho confiança, minha querida Madre,
518
Sinto muito que Irmã Augustine esteja cansada. Não
respondo a ela, mas saúdo-a muito afetuosamente. Diga-lhe que
Madre Antoinette vai muito bem, as aulas também. O Sr.
Fourgous, que vi um desses dias, disse-me que por ocasião dos
exames estavam perfeitamente satisfeitos. Não escrevo à Madre
Vincent, mas queira transmitir-lhe minhas afetuosas
lembranças. Assim que soube do sofrimento dela, escrevi a
Villefranche, pelo correio, para que se enviasse Irmã Félicité.
Disse que trouxessem fita de Rodez.
Toda sua nos santos Corações.
SEGUNDA SECÇÃO
Irmã Emília.
P.S: Soube com muita satisfação que Irmã Guillemine vai bem.
Tarda-me saber o mesmo a respeito de sua saúde.
Agradeço à Madre pelo doce.
155
A Madre tranqüiliza sua correspondente relativamente à sua
inteira confiança para com ela. É preciso esquecer muito para
estabelecer em si o reino de Deus (L 587, M 367-368).
À Irmã Thérèse, suplente em Aubin.
Villefranche, 20 de outubro de 1837.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Asseguro-lhe que você é muito franca e sincera, assim, não
se penalize se não posso escrever longamente. Nosso Pai tem a
intenção de me chamar a Aubin durante as férias, se Deus nos
der vida e saúde. Então, conversaremos à vontade e explicarei o
motivo do que lhe disse.
Enquanto isso, devolva-me a carta onde existe a palavra
“desconfiança”, porque isso a preocupa, e fique bem certa de
que confio em você.
Leia o artigo sobre a vida interior1 e preste bem atenção
que, para estabelecer o reino de Deus em nós, precisamos
__________________
A DOUTRINA ESPIRITUAL DA
FUNDADORA
517
vive. Sem esses remédios, todo o resto é apenas paliativo que
não poderá curar seus males. Afaste-se da idéia de que você não
se corrigirá. Ela só lhe é sugerida pelo espírito mau para
entristecê-la e mesmo paralisá-la.
Minha querida filha, você me falou muitas vezes de uma
situação de sofrimento na qual se encontrava com freqüência.
Convença-se de que essa falta de paz provém somente da falta
de humildade e de obediência. Assim, minha pobre jovem, se
quiser experimentar a doçura do serviço de Deus, precisa fazerse esta santa violência que arrebata o céu.
Saúdo-a nos santos Corações com muita afeição. Sua Madre
muito dedicada.
Irmã Emília.
154
Abandono à vontade de Deus por vezes desconcertante. É a isso
que deve tender uma doente que um dia compreenderá o significado
da sua provação no plano da santidade (L 584, M 366-367).
A uma Irmã de Figeac.
Decazeville, 7 de setembro de 1837.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
A confiança em Deus, o abandono à sua santa e adorável
vontade, você o sabe, são as disposições nas quais deve entrar o
mais plenamente possível. Nosso bom Pai, que nos aflige
apenas para o nosso bem, quer que você pertença totalmente a
ele e é por isso que a faz participar de sua cruz. Chegará o dia
em que você saberá claramente que a doença lhe era necessária
e fazia parte do plano de sua santificação. Não tenha medo.
Esperemos que este novo acidente não tenha conseqüência;
entretanto, aproveite para descobrir que tudo é nada, exceto
Deus. A juventude, a saúde, a própria vida nada é, porque tudo
passa. Deus só é o único bem e é para ele que devemos tender
de todo o nosso coração. A doença é um grande meio de união
com ele. Procure nada perder dessa provação.
516
Minha caríssima Irmã:
Que lhe direi senão de bem escutar interiormente estas
palavras de nosso divino Salvador: “Quem quiser vir após mim,
renuncie a si mesmo, carregue sua cruz todos os dias de sua
vida e me siga.”1 Felizes as almas que compreendem essas
palavras e muito mais felizes as que as põem em prática. Na
verdade, para isso é preciso sofrer, mas esse sofrimento é
precioso porque une a Deus. É preciso renunciar às suas
comodidades, que são substituídas pelas alegrias interiores. É
preciso submeter-se aos outros, mas é assim que se adquire a
liberdade dos filhos de Deus. É preciso fazer-se violência, mas
essa violência arrebata o céu. É preciso continuamente
combater contra si mesma, conseqüentemente se obtém uma
coroa imortal. Assim, a maior felicidade que possamos ter é
caminhar de bom grado sob o estandarte da cruz, em união com
nosso dulcíssimo Jesus que quis carregá-la por nós. Peça essa
graça para você e para mim, e acredite que sou para sempre nos
santos Corações, sua Madre muito dedicada.
Irmã Emília.
Ano de 1837
153
Compreensiva e firme exortação à humildade para uma postulante
que ainda não goza de paz interior (L 578).
A uma postulante.
Villefranche, 6 de junho de 1837.
J.M.J.
Minha muito querida filha:
Compartilho sinceramente seus sofrimentos do corpo e da
alma. É preciso suportar uns e outros com paz e resignação, ser
muito mansa e humilde com todas as pessoas com quem você
REGULAMENTOS PRIMITIVOS
______________________
1. Primeiro regulamento e ordem do dia para as religiosas
A respeito das “obras” de Santa Emília, Irmã Laurent Belloc
depõe: “A Madre escreveu apenas algumas notas curtas, em forma de
crônicas, sobre seu Instituto, pequenos regulamentos provisórios para
a conduta das Irmãs, nos primórdios do seu Instituto, alunas internas,
congregacionistas.”(DL 178). Antes, ela havia anotado que, desde o
dia 30 de abril de 1816, as quatro primeiras companheiras começaram
a “observar o pequeno regulamento que Emília – a partir de agora
chamarei Irmã Emília – havia preparado e do qual tenho em mãos o
texto original, aguardando que Padre Marty lhes desse as
Constituições.” (DL 27). Esse texto original encontra-se ainda
anexado ao volume VI das coletâneas de cartas, nas páginas 313, 314,
323, 324, 321, 322, 319 (Ms aut 35).
Citamos primeiramente o que diz respeito às religiosas: diretório
bastante desenvolvido e horário. No primeiro, notar-se-á a insistência
sobre a devoção ao Sagrado Coração e o desejo de imitar Nosso
Senhor pobre e humilhado; depois, vêm considerações sobre as
virtudes correspondentes aos três votos, sobre a vida comum (caridade
fraterna, pontos mais específicos de disciplina), sobre o ensino dado
às crianças pobres, apostolado primordial do Instituto.
Primeiro regulamento (1816)
Todo o nosso desejo ao nos unirmos e querendo, com a
graça de Deus, viver como Irmãs, é amar e honrar o Sagrado
Coração de Jesus, tomá-lo como nossa morada e escola onde
queremos nos instruir, aprendendo dele a tomar disposições
conforme às suas, e sobretudo esforçando-nos por conhecer
seus sentimentos sobre a pobreza, os sofrimentos e as
humilhações, reconhecendo que nunca seremos verdadeiras
150
filhas desse divino Coração se não nos colocarmos em um
estado de vítimas.1
Embora não façamos votos, queremos quebrantar nossa
vontade e dela nada nos reservar. Jesus obediente até a morte
será nosso modelo. É nisso que devemos particularmente imitálo. Assim consideraremos de algum modo como importantes as
menores faltas contra essa santa virtude, que deve ser ainda
mais interior do que exterior, que não deve ficar somente na
vontade mas ainda no julgamento, pois se reservássemos essa
parte de nós mesmas, só faríamos metade do sacrifício.2
515
Toda sua.
Irmã Emília.
151
Em visita a Firmi, escola fundada em 1835 e semelhante à de
Vialarels, Madre Emília recomenda às religiosas da Casa-mãe a maior
caridade fraterna na abnegação individual (L 561, M 365).
Às Irmãs da Casa-mãe.
Firmi, 31 de julho de 1836.
J.M.J.
Para obter a graça de conhecer Jesus pobre e humilhado,
praticaremos essas virtudes caras ao seu divino Coração, a
pobreza e a humildade, vivendo desapegadas de tudo aqui na
terra, e cada uma querendo de todo o seu coração ser
considerada como a última, amando, por conseguinte, o
trabalho mais humilde, o quarto mais incômodo, etc, etc.,
aguardando de Deus a graça de não termos nada nosso. Embora
não ponhamos nossa roupa em comum, nós a colocamos num
armário comum. Uma de nós a distribuirá, segundo as
necessidades de cada uma, que usará sem nada dizer a que lhe
for servida. Nada será dado nem recebido sem permissão, não
se terá nada em particular, como linha, fruta, bebida, etc.
Os trabalhos serão comuns e não será permitido escolher
aquele que se quiser. Uma Irmã ficará encarregada de distribuílos. Se os pais derem dinheiro a alguma Irmã, ela não poderá
guardá-lo, mas o entregará à superiora que, entretanto, não o
empregará para a casa, mas o guardará, ou então comprará para
a Irmã que o entregou aquilo que ela achar melhor. Se uma
recebe mais dos seus pais, de forma que possa fazer mais bem a
casa do que uma outra, não deve se prevalecer disso, porém,
deve considerar o dinheiro como a menor das coisas e pensar
que a grande riqueza das casas religiosas é a humildade.
Não considerarão como próprios seu quarto, seu hábito,
etc., mas estarão dispostas a não tê-los, se isso for considerado
conveniente. Dirão sempre: nosso trabalho, nossa cama, etc.
Minhas muito queridas Irmãs:
Sinto-me feliz em lhes renovar a expressão dos sentimentos
afetuosos que sabem que tenho por todas em geral e por cada
uma em particular. O desejo mais ardente de meu coração é que
sejam intimamente unidas, não tendo senão um só coração e
uma só alma e que, à minha chegada, eu as encontre nesta paz e
na prática desta doce caridade que faz de uma casa religiosa um
paraíso antecipado. Que cada uma de vocês, minhas queridas
Irmãs, não tema fazer alguns sacrifícios para conseguir um fim
tão desejável. Peçamos a nossos santos anjos da guarda que nos
ajudem e apresentem nossas preces a Deus, para que abençoe
nossos esforços.
Na doce esperança de que nossos desejos serão atendidos,
sou, nos santos Corações, sua mãe muito dedicada.
Irmã Emília.
152
Segundo o mais radical ensinamento evangélico, a liberdade dos
filhos de Deus se adquire pela renúncia ao amor-próprio reivindicador
e na submissão a outrem (L 563, M 81-82).
À Irmã Jude, em Figeac.
Firmi, 7 de agosto de 1836.
J.M.J.
514
151
Parece-me que mais vezes eu deveria lhes ter chamado a
atenção para reprimirem os vãos desejos e tenderem com todas
as forças para a paz da alma, etc.1
Quando será, minha caríssima Madre, que nos será dado
conhecer o preço da vida interior, que nos conduzirá ao
conhecimento de Jesus, de Maria e de José, nossos preciosos
modelos? Envio muitas lembranças às nossas queridas Irmãs.
Pode ler para elas esta carta. Não temo que conheçam minhas
faltas. Ao contrário, desejo-o a fim de que isso as leve a pedir
ao bom Deus que me dê seu espírito, de modo que eu não siga
de maneira alguma o movimento do meu. Peço sobretudo às
nossas Irmãs que sejam muito caridosas entre si, que jamais se
contradigam e, se acontecer alguma contestação, seja apenas
para cederem umas às outras e se respeitarem mutuamente.
Toda sua nos santos Corações.
Irmã Emília.
150
Ainda uma vez Françoise Pascal deve ser encorajada a suportar
com paciência certas pessoas difíceis de sua comunidade (L 556) Cf.
1. 138, 139.
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 3 de abril de 1836.
J.M.J.
Minha caríssima Madre:
Segundo o que você me diz sobre Irmã N., ela exercita sua
paciência. Partilho de todo o coração o sofrimento que ela lhe
causa, assim como todos os que você tem. Porém, lembremonos de que o que nos aflige nesta terra de exílio fará nossa
felicidade no céu. As Irmãs que têm um temperamento difícil
são precisamente as que podem adornar nossa coroa. As
doenças que Deus nos envia servirão para nos unir a ele e virá
um tempo em que nos alegraremos por ter sofrido por seu amor.
Esforcemo-nos por nada perder do mérito que elas nos
permitem adquirir, de forma que, por meio delas, obtenhamos o
santo amor, que é o mais precioso de todos os bens.
No tocante à castidade, queremos, com a graça de Deus,
praticá-la tanto quanto depender de nós: muito reservadas em
nossas palavras, não sair senão raramente, sempre com
permissão e nunca sem necessidade, ou pelo menos uma grande
utilidade. Os estranhos serão sempre recebidos no parlatório, a
menos que, por sérias razões, a superiora julgasse conveniente
fazê-los subir, porém antes consultará suas Irmãs. Se chega
alguma notícia mesmo que boa, a não ser que se refira ao bem
da Igreja, não se deve repeti-la em comunidade. O mundo nos
deve ser estranho e, se não estamos separadas dele pela
clausura, queremos sê-lo pelo espírito e pela vontade.
As Irmãs não olharão pelas janelas. Queremos substituir as
austeridades corporais fazendo o melhor possível, com muita
ordem e pontualidade, o pouco que fizermos, agindo sempre
com alegria, paz interior e no Sagrado Coração de Jesus.
Ao despertar as Irmãs, se lhes dirá: “Viva o Sagrado
Coração de Jesus”. Elas responderão: “Em todos os lugares da
terra.”
A mais perfeita união deve reinar entre as Irmãs. Assim,
elas se tratarão com respeito e sinceridade, com toda caridade e
afeição. Elas se substituirão de bom grado e se sobrecarregarão
de boa vontade para aliviar suas Irmãs que estiverem doentes
ou que, por outros motivos, não puderam fazer seu trabalho.
Não se pode fazer substituir-se sem permissão. Cumprirão o
que lhes foi dado a fazer, como se fosse Deus mesmo que as
tivesse encarregado dessa tarefa.
Elas se aplicarão sobretudo a andar em espírito de
simplicidade, lembrando-se de que é preciso se tornar criança
para entrar no reino dos céus.3 Não criarão pequenos mistérios,
nem terão segredos entre si, não refletirão sobre si mesmas, mas
trabalharão bem e de boa vontade, não olhando se uma trabalha
mais do que a outra, e farão com alegria o que lhes foi dito de
fazer.
Quando forem repreendidas, quer tenham razão quer não,
não se desculparão. Tratar-se-ão por: minha Irmã, mas não
152
dirão: meu coração, minha amiga e outras palavras de ternura
que não condizem com a seriedade religiosa.
Elas se esforçarão para ser sempre alegres, mas com uma
alegria moderada que deve ser, sobretudo, interior. Evitarão
uma alegria barulhenta que as dissiparia e não rirão às
gargalhadas.
Não se permitirão a menor crítica, sobretudo interiormente,
nem palavras de zombaria, lembrando-se de quanto a caridade é
delicada. Jamais falarão em dialeto, a não ser em caso de
necessidade. Não sairão do apartamento sem permissão. Não
farão perguntas inúteis. Não falarão nas ruas, a não ser que a
caridade ou a conveniência as obrigue e, nesse caso, não
prolongarão a conversa.
Quando levarem as crianças a passeio, só falarão entre si
quando estiverem fora da cidade. Observarão também o
silêncio, indo e vindo da santa Missa.
Quando uma Irmã não puder rezar o ofício com as outras,
ela o omitirá. Se acontecer que no fim do dia não se tenha feito
nem meditação nem leitura, as Irmãs irão se deitar na hora de
costume tão tranqüilamente como se elas tivessem rezado muito
a Deus, que será mais honrado por sua obediência do que pelo
apego a seus exercícios piedosos.
Toda excentricidade deve ser banida. Assim, sob o pretexto
de mortificação, não devolverão o que lhes tenha sido servido
porque o acharam gostoso. Não farão mais orações do que as
outras, a não ser com permissão, nem outras práticas de
piedade.
Elas se cumprimentarão com estas palavras: “Louvado seja
Jesus Cristo.” Farão uma hora de adoração na quinta e no
domingo. Não sairão sozinhas, a não ser por sérias razões. Não
lhes é permitido comer nem beber fora, exceto em caso de
necessidade, como também não podem hospedar nem oferecer
refeição a ninguém na casa. Se parentes das Irmãs vierem com
513
Receberemos com reconhecimento aquele que V. Exª.
julgar por bem dar-nos para nos governar sob suas ordens. Mas,
visto que nos permite designá-lo, queira nos permitir também
aguardar um pouco a fim de fazermos uma boa escolha.
Desejamos que isso seja feito por Deus, e é para obter essa
graça que pedimos um tempo para rezar. Enquanto isso, queiranos permitir dirigir-nos diretamente a V. Exª. para as
permissões ou outras coisas que teríamos a solicitar.
É nessa confiança que sou, com o mais profundo respeito e
a mais terna afeição, sua, etc.
Irmã Emília.
Ano de 1836
149
A superiora acusa-se de negligências e imperfeições na conduta
espiritual das religiosas, na maneira de proceder por ocasião dos
encontros espirituais. Deseja que esta carta seja lida em comunidade
(L 555, M 67-68).
À Madre Vincent, em Figeac.
Villefranche, 5 de março de 1836.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Reconheci não ter feito o que dependia de mim para levar
nossas Irmãs à prática da vida interior. Por exemplo: durante o
retiro anual, com mais atenção, teria podido dispensá-las de
uma parte de suas ocupações, mas não refletia e lhes dizia que
isso não me era possível. Conseqüentemente, não deram uma
tão grande importância a esse tempo tão precioso e também à
renovação de seus votos. Vi ainda que quando vinham falar
comigo em particular não tinha o cuidado de lhes perguntar se
tinham praticado o silêncio interior, a comunhão espiritual e
também não as conduzi a não se contentarem em fazê-la
durante o dia, cuidadosas em seguirem a voz da consciência
quando as advertia a se mortificarem em tal ou tal ocasião.
512
153
Irmã, para lhe dizer tudo o que desejaria sobre esse assunto.
Peça ao Senhor para esclarecê-la e ensinar-lhe a bem cumprir as
funções de que está encarregada.
Sua irmãzinha Julie está aqui há alguns meses e nossas
Irmãs estão contentes e ela também. Ela é ainda muito jovem, é
preciso esperar que aproveite bastante. Ela sofria um pouco da
vista, mas está melhor depois que chegou.
Saúdo-a com particular afeição.
Irmã Emília.
148
Agradecimento a Dom Giraud pelas condolências por ocasião da
morte de Pe. Marty. Expressão de reconhecimento afetuoso para com
esse. Pedido de um prazo para a eleição e a indicação do novo
Superior Geral (L 554, M 355-356).
A Dom Giraud, bispo de Rodez.
Villefranche, 18 de novembro de 1835.
J.M.J.
Sr. Bispo e meu Pai,
As demonstrações de afeto são mais valorizadas quando
estamos na dor. Por isso tenho vivamente apreciado as que me
vêm de sua bondade paterna. Elas me ajudarão a suportar a
profunda aflição que sinto com a perda daquele a quem tudo
devia. Desde a idade de dezesseis anos, ele dirigia meus passos
e sustentava minha fraqueza. A esperança que me resta é que
continuará com sua bondade para comigo, estando bem
persuadida de que se encontra junto de Deus. Não deixará de
solicitar sua infinita misericórdia para com aquela a quem
testemunhava uma tão terna caridade e pelo pequeno rebanho
que lhe tinha sido confiado.1 Esse rebanho, Sr. Bispo, é de
algum modo duplamente seu, e a mais inteira e absoluta
obediência será sempre nossa conduta.
essa intenção, devem dizer-lhes cordialmente que não é
possível.
As Irmãs poderão escrever aos pais uma ou duas vezes por
ano. Antes de lacrar suas cartas, elas as apresentarão à sua
superiora para quem não devem ter nada oculto.
Não se chamará ninguém ao parlatório, seja Irmãs, seja
internas, sem antes avisar a superiora, que cuidará de moderar
as visitas, sobretudo para as Irmãs que renunciaram ao mundo e
que, por conseguinte, não devem gostar de receber visitas e
nada fazer para atraí-las. Quando forem chamadas ao parlatório,
depois de terem pedido a permissão, devem se recolher sob o
olhar de Deus e pedir-lhe humildemente a graça de não o
ofender.
Devemos considerar o cuidado das crianças como fazendo
parte de nossa salvação. É o desejo de dar-lhes uma educação
cristã que nos reuniu: tudo que temos de força e de saúde deve
ser para elas. É preciso viver para elas e nos sentirmos muito
honradas de ter sido escolhidas para uma tão nobre tarefa.
Devemos pregar-lhes mais pelo exemplo do que por palavras,
amá-las em Nosso Senhor Jesus Cristo que as resgatou com seu
precioso sangue. Não nos devemos deter no seu exterior, mas
amá-las no Sagrado Coração de Jesus, sem preferência por
nenhuma, a menos que amemos um pouco mais aquelas que
dão mais trabalho.
A primeira coisa que devemos fazer quando uma criança
nos for confiada, é levá-la aos pés do Senhor, suplicando-lhe
recebê-la em sua escola, colocá-la sob a proteção de Maria e de
José, e fazê-la conhecer seus deveres que são: maior
pontualidade aos exercícios; não falar alto diante da porta da
capela e na escada; não falar durante as aulas, a não ser à
mestra, nem durante o grande silêncio. Nunca falar em dialeto.
Manter-se bem asseada e arrumada, de maneira que não haja
nem mancha nem buraco na roupa. Ter o cuidado de lavar as
mãos e o rosto, cortar as unhas, pentear-se todos os dias. É
preciso adverti-la de que entra numa casa consagrada a Deus e,
511
154
por conseguinte, deve falar sempre a verdade, ser bem
obediente, muito recolhida durante a oração e, sobretudo, ser
muito aplicada.
Mandei entregar, com muito prazer, o terço a seu pai.
Toda sua nos santos Corações.
Irmã Emília.
Ordem do dia para as Irmãs (1816)
Levantar às 5 horas; às 5 e meia, a meditação até 6 horas; às
6 horas, as pequenas horas do ofício da Santíssima Virgem,
Matinas e Laudes do ofício do Sagrado Coração de Jesus. Em
seguida, cada Irmã irá ao seu trabalho. Às 7 horas, a santa
Missa; depois da Missa, o café do qual elas não poderão se
dispensar sem permissão. Às 8 horas, aula até 10 horas. Às 10
horas irão ao seu emprego. Aquelas que não têm emprego irão
trabalhar na sala comum, onde farão meia hora de leitura. Às 11
horas, o silêncio até a ação de graças. Às 11 e meia, irão à
capela, rezarão as pequenas horas do Ofício do Sagrado
Coração de Jesus, as ladainhas da Providência e farão o exame
particular. Almoço ao meio-dia; a uma e meia, um pequeno
momento na capela para rezar a Salve Rainha, em seguida, aula
até às 15h45. As que não têm nada para fazer na casa, irão à
sala comum. Às quatro horas e meia, leitura até às cinco. Às 5
horas, irão rezar o terço que será seguido de Vésperas e
Completas; às seis horas e meia, a meditação; às 7 horas, o
jantar; às 8 horas e meia, a oração, Matinas e Laudes; o deitar
imediatamente. O grande silêncio será desde a oração da noite
até o dia seguinte, após a santa Missa. Elas o observarão à
tarde, das 4 às 5 horas.
2. Regulamento das internas (1816)
Eis agora o que diz respeito a essas crianças que a fundadora se
empenhou de coração a instruir e educar de modo cristão. Devia haver
alunas “externas” ou “vigiadas” e “internas”, mas estas últimas
representam evidentemente a categoria mais importante de alunas,
aquela para a qual a influência das educadoras corre o risco de ser a
mais determinante. A essas internas podem-se assimilar, sem dúvida,
as “órfãs”. Essas não são necessariamente privadas de pai e mãe. Elas
podem também ser impedidas de viver em casa por uma razão
147
Madre Emília exalta a vocação de educadoras cristãs das
religiosas da Sagrada Família: é um apostolado cuja grandeza deve
ajudar a vencer as dificuldades bem reais dessa missão (L 544, M 348349).
À Irmã Jude, em Figeac.
Villefrandhe, 25 de agosto de 1835.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Demorei um pouco a lhe responder, mas também não serei
breve em minha carta. Você é bem feliz por ser chamada, como
os apóstolos, a trabalhar no cultivo da vinha do Senhor, e por
ser escolhida especialmente para semear nos jovens corações
confiados a seus cuidados a semente da religião. Oh! que
felicidade para uma Irmã da Sagrada Família, poder doar-se
totalmente, por assim dizer, a esse assíduo cuidado. É penoso,
cansativo e difícil instruir crianças, que na maior parte do
tempo só estão atentas ao que lhes ensinam quando sua atenção
se fixa em algo que as diverte. Mas que essas dificuldades não
diminuam seu zelo. Continue sempre com o mesmo ardor e a
mesma constância, sempre em vista de agradar apenas a Deus e
terá o prazer de ver que a maldade de várias dessas crianças se
transformará em bondade, seus caprichos em doçura, sua falta
de devoção em piedade e, enfim, elas se lembrarão sempre do
que lhes foi ensinado durante a infância.
Se devemos bendizer cada dia o Senhor por nos ter chamado
a conhecer, amar e servir Jesus, Maria e José, com maior razão
devemos unir à nossa ação de graças o privilégio de ter sido
escolhidas para expandir o conhecimento do verdadeiro Deus.
Nem uma carta nem duas seriam suficientes, minha querida
510
155
Aliás, se você não tem confiança na Madre, eu me sentirei feliz
em substituir o que lhe falta. Nada tema, minha muito querida e
amada Irmã, abra-me inteiramente seu coração. É unicamente o
desejo de aliviá-la que me leva a fazer esse pedido.
Toda sua no sagrado Coração de Jesus.
Irmã Emília.
qualquer. O original desse texto está nas coletâneas de cartas VI, 309
(Ms aut 38).
1º Nossas senhoritas devem se propor a amar a Deus de
todo o seu coração e testemunhá-lo elevando freqüentemente
seu coração para ele, e cumprindo, para lhe agradar, todos os
seus deveres que são:
146
2º Ter entre si uma doce e cordial caridade que lhes faça
evitar todo gesto brusco, as torne muito educadas e as leve a ter
atenções mútuas.
Que as faltas cotidianas sejam ocasião de humilhação e não de
desânimo. Ser sempre dócil e simples em relação ao confessor ou à
superiora, porém, reservada no parlatório (L 543, M 347-348).
3º Ser muito submissas a todas as suas mestras,
obedecendo-lhes pronta e alegremente, reconhecendo nelas a
autoridade de Deus.
À Irmã Laurent, em Figeac.
Villefranche, 23 de agosto de 1835.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Esteja certa de que você se tornará uma boa religiosa. As
oposições que encontra para atingir esse precioso fim não
devem desanimá-la. Sua grande fraqueza, suas quedas
freqüentes só devem humilhá-la.1 Uma grande docilidade aos
conselhos de Pe. Imbert, a confiança que você começou a
depositar na Madre a tornarão infalivelmente como deseja ser,
uma esposa de Jesus, toda cheia do seu santo amor.
Sua carta, longe de me entristecer, me dá muita esperança.
Dissipou a nuvem provocada por uma notícia, ocasionada sem
dúvida pela conversa que você teve com sua mãe. Procure ser
mais prudente no futuro, pois é preciso ser tão simples com
seus superiores quanto prudente quando se está no parlatório.
Desejaria, minha muito querida Irmã, poder escrever-lhe
longamente, mas você sabe que não me é possível. Suprirei
junto à divina Pastora, da qual não preciso lhe dizer que seja
bem devota. Sem dúvida, você não deixa de recorrer de modo
particular a Santa Filomena.
4º Observar perfeitamente o silêncio que lhes é prescrito
durante seus estudos e ainda mais, depois das 8 horas e meia até
o dia seguinte às 7 horas e em todos os lugares da casa, em
todos os tempos, exceto quando estão com a Irmã que as vigia.
O silêncio não é somente calar-se. Deve-se ainda evitar toda
espécie de barulho, como fechar as portas fortemente, andar
pesadamente, etc.
5º Ter habitualmente uma atitude simples, modesta e
recolhida, evitando uma aparência indolente e afetada, as
risadas altas e voz estridente, etc.
6º Uma boa postura que consista em pisar bem, manter o
corpo ereto, não andar correndo, etc.
7º Ser extremamente limpas e arranjadas, não usar nunca
suas roupas nem manchadas nem rasgadas.
8º Evitar entre elas toda familiaridade, não se apoiando
umas nas outras, não se tratando por tu, chamando-se senhorita
e não somente pelo nome, etc. 4
156
509
A uma Irmã de Aubin.
3. Regulamento das congregacionistas (por volta de 1820)
Saint-Beauzély, 20 de julho de 1835.
J.M.J.
Desde sua volta da emigração, Pe. G. J. Chaminade "primeiro
dedicou seus esforços à criação de poderosas congregações da
Imaculada Conceição, para rapazes e moças, pais e mães de família,
as quais renovaram o espírito cristão na cidade de Bordeaux, no
sudoeste da França, e além daquela região" ( DS II, 454 e 1482-1483).
Ele foi eficazmente auxiliado na propagação dessa obra por Adèle de
Trenquelléon (v.s. p. 8). Essa que tinha conhecido Emília em Figeac
em 1809, escreveu-lhe em 21 de julho de 1819 para convidá-la a
praticar esse apostolado (HC 1819). Sem tardar, Madre Emília
“fundou uma congregação para as pessoas do seu sexo. As senhoras
mais qualificadas da cidade vinham escutar suas instruções”(DL 48).
Essa Congregação se manteve até 1825. Autógrafo nas coletâneas de
cartas VI, 317-318 ( Ms aut 38).
Minha querida Irmã:
Consola-me saber que você reconheceu seu erro. Procure,
minha muito querida Irmã, vigiar seus primeiros impulsos, veja
como eles a enganam. Uma coisa que deveria conseguir seria
uma total confiança em Madre Françoise que lhe é muita
dedicada. Procure não escutar os erros de sua imaginação. Este
coração tão terno, tão afetuoso que Deus lhe deu, por que não
voltá-lo um pouco mais para sua superiora, que é certamente
uma mãe ainda mais do que uma superiora!
Toda sua.
Irmã Emília.
145
Viva Jesus, Maria e José!
A finalidade principal da Congregação é honrar a Sagrada
Família, imitando a obediência de Jesus, a humildade de Maria
e o recolhimento de São José. Deve-se reconhecer as
congregacionistas ao vê-las praticar essas virtudes às quais
devem se apegar tanto mais que se não lhes prescreve nada de
difícil e muito poucas orações, tais como:
Afetuosa e condescendente solicitude para com uma religiosa que
parecia não confiar bastante em sua superiora local para lhe confiar
seus sofrimentos. Madre Emília se declara pronta a supri-la, se isso
for conveniente (L 541, M 344-345).
À Irmã Laurent, em Figeac.
Villefranche, 14 de agosto de 1835.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
1º Dizer todos os dias: “Jesus, Maria e José, assisti-me
agora e na hora de minha morte.”
2º Uma Salve Rainha, todos os sábados, ou um Pai Nosso e
uma Ave Maria.
3º Dedicar uma hora, todos os sábados, em honra da
Santíssima Virgem.
Nossas alunas externas nos disseram que você se aborrece
muito. Penso que alguém que foi visitá-la espalhou essa notícia.
Em sua carta, você me demonstra estar muito satisfeita de
permanecer em Figeac. Madre Vincent parece ignorar o que
você pensa. Sem dúvida, não tem confiança nela. Preocupa-me
pensar que você sofre e que não ousa ou receia dizer-me.
Assim, minha querida Irmã, digo-lhe com a terna e viva afeição
que você conhece, que sou sua mãe, no seio da qual você pode
depositar com toda confiança tudo que a aflige. Partilharei seus
sofrimentos e talvez Deus me concederá a graça de aliviá-los.
157
508
À Madre Françoise, superiora em Aubin.
4º Fazer seu exame de consciência todas as noites.
Villefranche, 6 de junho de 1835.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
Compartilho todas as suas aflições, mas vejo que você tem
com isso um grande meio de união com Deus. É só pela cruz
que podemos nos aproximar dele e nosso verdadeiro bem nesta
terra de exílio é viver de sofrimentos. No que me conta de seus
sofrimentos, vejo que alguns são muito reais, mas há outros que
não são razoáveis e alimentados pela reflexão. Por exemplo:
afligir-se pelas coisas materiais, quando estamos bem dispostas
a lhe dar tudo o que for necessário, partilhando sempre com
você. A respeito do testamento da pobre Henriette, você
também não tem razão em se preocupar. Ela não o fez porque
não era a vontade de Deus. E se não recebemos bens por esse
meio, receberemos por outro.
Quanto às queridas Irmãs de quem você me fala, há pouca
esperança de conversão: a solução é separá-las. Faça disso seu
mérito, aguardando que isso possa ser feito, pense que é sua
penitência e fique persuadida de que todas as superioras têm
uma mais ou menos semelhante. Também é preciso algum
espinho, e por que trazemos uma coroa que é composta deles?
Nosso doce Salvador a carregou, ele bem sentiu os espinhos.
Não somos nós suas esposas? Um pouco de coragem e
confiança em Deus, minha querida Madre, e tudo correrá bem.
Irmã Emília.
Para esta pobre Irmã N., é preciso ter pena dela e rezar, mas
que isso não a inquiete.
144
Precaver-se contra a imaginação e os primeiros impulsos: eles
desencaminham as melhores afetividades (L 536, M 69-70).
5º Honrar muito particularmente o santo que lhes for dado
como patrono durante o mês.
6º Ser muito exatas nos exercícios da Congregação, não
faltar a eles a não ser por legítimas razões.
Quaisquer pessoas não podem ser admitidas na
Congregação. As que se apresentarem serão apresentadas ao
conselho que as admitirá contanto que tenham uma boa conduta
e uma boa reputação, sejam fiéis aos ofícios e instruções da
paróquia, não freqüentem nenhuma má companhia e estejam
vestidas segundo as regras da mais severa decência. Não se
deve contentar em recebê-las com a promessa de fazer melhor,
mas se esperará algum tempo para ver se estão realmente
mudadas.
Elas devem saber que não poderão ficar se não cumprirem
as condições exigidas na admissão.
158
507
II – CONFERÊNCIAS E DIÁLOGOS
Apresentamos simultaneamente estas duas categorias de
“obras” que têm em comum não terem sido escritas por Santa
Emília. A principal redatora é Irmã Marie-Séraphine Tauriac.
Nascida em 1º de março de 1829, em Firmi (Aveyron), fez
profissão em 22 de julho de 1845 e morreu no dia 16 de abril de
1863. Todos aqueles que a conheceram são unânimes em louvar
seus dons naturais (foi encarregada da instrução profana das
noviças de 1845 a 1852), e sua inteligência profunda quanto ao
pensamento espiritual da fundadora. No prólogo de L’Esprit, o
cônego Barthe diz ter haurido largamente em fontes de primeira
mão, dentre as quais “conferências espirituais e conversas
particulares recolhidas pela fiel memória de uma de suas mais
caras filhas [da santa]” (p. 4-5). Além disso, lemos no Diálogo
nº 20, datado de 1º de setembro de 1852, estas palavras trocadas
entre Irmã Séraphine e sua superiora já quase em agonia:
“Minha Madre,... penso que quer me enviar para uma casa
secundária... Deixe-me, visto ser preciso afastar-me da senhora,
redigir uma nota dos avisos particulares que me deu e das
conferências das quais ainda guardo a lembrança. Foi para lhe
obedecer que não escrevi nada. Como ficaria feliz se tivesse
agora alguns escritos para levá-los e relê-los, em caso de
necessidade!
– Quando lhe disse que não escrevesse as conferências e outras
coisas, foi porque pensei que o bom Deus não o quisesse.
Agora, permito para sua consolação escrever as lembranças que
você tem” (p. 43).
Assim nos chegaram dois cadernos manuscritos. O dos
Diálogos parece inteiramente escrito à mão,
por Irmã
Séraphine, embora se trate algumas vezes de uma outra
interlocutora. Sabia-se que ela preparava documentos para
“L’Esprit.” Algumas de suas companheiras, pelo menos, lhe
É verdade que eu não esperava a graça que V. Exª. quer nos
conceder. Fiquei tão surpresa quanto satisfeita. Peço de todo o
meu coração àquele que o tornou dispensador de seus bens que
os derrame sobre V. Exª. em profusão. Nossas Irmãs, ao
fazerem a via-sacra, não esquecerão aquele que lhes
proporciona a felicidade de percorrê-la. Elas lhe expressam sua
afetuosa gratidão, como também pela bênção do Santíssimo
Sacramento. Ao lhe mostrar a relação das bênçãos que temos,
estava longe de pensar que V. Exª. as concederia tão
numerosas. Somos muito felizes de ter uma bênção por mês.
As Irmãs da Sagrada Família estão acostumadas à pobreza,
até nas coisas espirituais, se é que poderemos nos considerar
pobres diante de tantos dons que V. Exª. nos concedeu.
Apreciamos tanto mais esses dons que, segundo seu parecer,
não temos raízes. V. Exª. será consolado se criarmos raízes
profundas pela prática de todas as virtudes. É o que esperamos
de fazer na escola de Jesus sofredor. O exercício da via-sacra1
muito nos ajudará. Embora tenhamos chegado tarde, ajudadas
pelo bom Deus faremos esforços para ter nossa recompensa no
fim do dia. A falta de firmeza e de estabilidade de nossa casa de
Figeac, assemelhando-a à humilde família da qual temos a
honra de possuir o nome, nos dá a esperança de que será útil.
Não tenho dúvida de que V. Exª. continuará dando-nos sinais
de sua paternal generosidade.
Perdoe-me, eu lhe peço, Exª., a liberdade que tomo de lhe
escrever ainda esta vez. Até agora sempre o tinha feito para
pedir algo. Hoje eu me dou essa consolação unicamente para
expressar-lhe meu reconhecimento.
Tenho a honra, etc...
Irmã Emília.
143
Solidariedade face às penas e sofrimentos reais que enchem a
existência. Precaver-se contra aquelas que criamos. Suportar as sérias
desavenças entre duas religiosas (L 533).
506
159
mesmo dia de nossa chegada, nós nos colocamos, bem como
nossa obra, sob sua especial proteção, e estou bem persuadida
de que não será em vão. Quarta-feira unam-se também a nós
para rezar bem particularmente a São José.
Talvez vocês tenham pena de nós, mas não, não é o que
devem fazer. O que é preciso é ajudar-nos, primeiramente pela
oração, e, em seguida, pela prática exata das virtudes que Deus
nos pede. Que cada uma abandone sua vontade própria, seus
gostos, suas idéias. Que cada uma esteja intimamente unida à
nossa Irmã Claire pela confiança, respeito e amor terno e
cordial que deve ser gravado no coração de todas as Irmãs da
Sagrada Família, a respeito daquela que ocupa o lugar de Deus.
Ajudem-nos ainda pela fidelidade a seu emprego e às pequenas
coisas que lhes são prescritas. Isso nos será bem mais útil do
que toda compaixão que poderiam ter para conosco. Seguindo
os conselhos que lhes dou, vocês nos ajudarão poderosamente e
procurarão a glória de Deus, sendo nosso Moisés e nos obtendo
a graça de combater valentemente e mesmo vencer. Repitolhes, não tenham pena de nós, estamos muito contentes e nos
sentimos bem honradas em estar trabalhando numa obra que
fará conhecer e amar a Sagrada Família.
Toda de vocês.
Irmã Emília.
142
Efusão de reconhecimento para com Dom d’Hautpoul pelas
numerosas bênçãos do Santíssimo Sacramento que ele quis conceder à
nova comunidade da Sagrada Família em Figeac, assegurando-lhe
total dedicação na abnegação (L 531, M 325-327).
Ao Sr. Bispo de Cahors.
Figeac, 20 de maio de 1835.
J.M.J.
Sr. Bispo:
comunicaram de bom grado o que sabiam. O caderno das
Conferências não apresenta sempre a caligrafia de Irmã
Séraphine que permanece, no entanto, a responsável e a
redatora principal. Aliás, no começo, ela escreveu estas linhas:
“Na maioria das vezes, escrevi sem anotações e me haviam
proibido de reler o que escrevia. Conseqüentemente, você
encontrará muitos erros.”
Fica bem claro que com os sessenta e quatro Diálogos e as
trinta e oito Conferências, só é transmitida uma ínfima parte das
conversações espirituais e das instruções de Santa Emília.
Recorria-se muito a ela para uma direção de consciência própria
a completar os conselhos recebidos no tribunal da penitência. O
número 339 das Constituições de 1832 prescreve: ‘O Capítulo
hebdomadário realiza-se cada sexta-feira. A culpa não é
obrigatória e não é feita a não ser com permissão. A superiora
dirige às Irmãs uma exortação ou manda fazer uma leitura” (HC
1832). Por sua vez, os Depoimentos diversos fornecem
indicações bastante evocativas a esse respeito. É Irmã
Alphonsine Laforie quem relata suas reminiscências:
“Na maioria das vezes, Madre Emília tomava como assunto
de suas conferências algumas passagens da Sagrada Escritura
que ela amava muito. As que ouvi dela tinham ordinariamente
como tema: Abraão e sua fé; Jacó e sua mortificação; Moisés e
sua doçura; Gedeão e seu exército; Samuel e sua obediência;
Davi e sua humildade, sua contrição; Roboão e sua fraqueza;
Ruth e sua piedade filial; Manassés e sua impenitência; os
Macabeus; a vida de Jesus Cristo; Isaac e sua obediência; José e
sua semelhança com Jesus Cristo; os milagres do deserto; Heli
e sua fraqueza; Saul e sua desobediência, Salomão e sua
sabedoria; Ezequias e sua confiança em Deus; Judith, seu jejum
e sua oração; Eleazar e sua força de alma; os Salmos; os Atos
dos Apóstolos” (DD 51-52).5
Como será preciso fazer uma escolha no conjunto que
subsistiu, vamos transcrever para informar mais perfeitamente
ao leitor a relação exaustiva das Conferências e dos Diálogos.
Os títulos são tomados dos cadernos manuscritos (porém às
160
vezes um pouco abreviados). O nome das interlocutoras e as
datas foram, em vários casos, restituídos, com mais ou menos
precisão, pela atual arquivista de Villefranche. De imediato,
notar-se-ão bastantes diferenças entre a relação seguinte e a que
dá ou sugere a passagem citada acima, dos Depoimentos
diversos.
Índice das trinta e oito Conferências
1 – Sobre a festa de São Pedro acorrentado; 31 de julho de
1849
2 – Sobre a Quaresma
3 – Sobre as peregrinações espirituais; 1852
4 – Sobre a clausura; dezembro de 1844
5 – Sobre a santa compunção
6 – Sobre a oração
7 – Sobre o Sagrado Coração de Jesus; 1846
8 – Sobre o Santíssimo Sacramento
9 – Sobre a maneira de se conduzir durante a doença; abril de
1843
10 – Sobre o relaxamento
11 – Sobre o relaxamento
12 – Sobre a maneira de tomar as refeições e sobre os abusos
em que se poderá cair se as superioras não forem bastante
vigilantes; 1847
13 – Sobre a maneira de santificar os domingos e as festas
14 – Sobre os exames públicos; agosto de 1847
15 – Sobre o silêncio; mais ou menos 1843
16 – Sobre o silêncio (sem data)
17 – Sobre a paciência; fim de 1851
18 – Sobre a virtude de duas Irmãs doentes, maio de 1851
(inacabada)
19 – Sobre o que deve ser o objeto principal de nossa vocação
(inacabada)
20 – Sobre o que deve ser o objeto principal de nossa vocação
(inacabada)
21 – Sobre o cuidado com as crianças (inacabada)
22 – Sobre a paz da alma; por ocasião de uma festa de Páscoa
505
que V. Ex.ª não terá filhas mais obedientes e que amem mais
ternamente seu pastor. Embora sejam as últimas e as menores
de suas ovelhas, V. Exª. não deixará de amá-las como suas
filhas queridas. Por sua vez, elas não cessarão de erguer suas
mãos aos céus para que a Sagrada Família, da qual temos a
honra de trazer o nome, derrame sobre V. Exª. muitas bênçãos.
Permita-me, Sr. Bispo, desejar-lhe um santo aleluia, com
toda a alegria que o acompanha. Gosto de pensar que V. Exª.
nos dará essa grande alegria, concedendo-nos a graça das
graças, a de ter a reserva. Queira ainda, eu lhe peço, nos dizer
que nos ama, porque a certeza de sua afeição nos encorajará
muito em meio às penas e às dificuldades que acompanham um
estabelecimento iniciante, para o qual eu lhe peço sua bênção. É
na esperança de que V. Exª. nada nos recusará do que lhe peço,
que tenho a honra de ser etc. etc.
Irmã Emília.
141
Nem tudo vai bem em Figeac. Afastada há quase dois meses, a
superiora de Villefranche pede às suas religiosas que a ajudem com a
oração e oferta de seu constante esforço de conversão (L 526, M 330331).
Às Irmãs de Villefranche (para as professas apenas).
Figeac, 17 de abril de 1835.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Desde os primeiros dias em que estive em Figeac, ouvi um
toque de sino de nosso velho inimigo anunciando-me com
certeza que não nos daria repouso, o que vem acontecendo até o
presente. Preparou uma emboscada mais forte (eu lhes direi do
que se trata em tempo oportuno). Precisamos de um socorro
todo particular do céu. Unam-se a nós para pedir a Maria,
invocada sob o título de Mãe das Dores. Vocês sabem que, no
504
161
À Dom Hautpoul, em Cahors.
Figeac, 16 de abril de 1835.
J.M.J.
Sr. Bispo:
Quando tive a honra de receber sua resposta, hesitei sobre a
decisão que deveria tomar. As observações que teve a bondade
de me fazer teriam me levado a uma decisão negativa; por outro
lado, o senhor me dava permissão. Nessa incerteza a obediência
foi meu guia. Consultei e disseram-me que deveria aproveitar
essa permissão. Meu Superior, a quem enviei sua carta, viu nas
suas observações apenas um efeito de sua bondade e não uma
reprovação. De acordo com isso, nós nos estabelecemos em
Figeac. Deus quer abençoar a nossa obra: umas cem crianças
freqüentam nossa escola, embora tenhamos recusado todas as
que se apresentaram mas que já estavam matriculadas em Santa
Marta, na Misericórdia e na Congregação. O bem que se
apresenta para realizar compensa amplamente as dificuldades
que são inevitáveis num estabelecimento iniciante. Estamos
bem contentes; entretanto, sentimos a maior de todas as
privações, a do Santíssimo Sacramento. Queira, eu lhe suplico,
permitir-nos ter uma capela com a reserva.
Assim que cheguei a Figeac, meu primeiro dever era lhe
pedir a permissão para aqui me estabelecer. O senhor deve ter
me julgado ousada por não tê-lo feito, pois soube indiretamente
que eu tinha vindo com essa finalidade, antes que eu lhe falasse
a respeito.
Perdoe-me, eu lhe peço, senhor Bispo. Queira desculpar-me
uma semelhante falta, que seria imperdoável se não tivesse
havido um mal entendido. Acreditava que meu Superior tivesse
cumprido esse dever junto a V. Ex.ª, o que não impedia que eu
mesma pedisse essa permissão, porém mais tarde. Aliás, teria
sido muito agradável oferecer-lhe a homenagem de meu
profundo respeito, de minha inteira obediência e, posso
acrescentar, da minha terna afeição, para obrigar-me a fazer
essa diligência, mesmo que ela não me tivesse sido ordenada.
Nossas Irmãs partilham meus sentimentos e ouso prometer-lhe
23 – Sobre a confissão e a santa comunhão
24 – Sobre a fé e o sacrifício de Abraão
25 – Sobre o prejuízo que traz para uma religiosa o amor
muito grande a seus pais
26 – Sobre a vida interior
27 – Sobre a hospitalidade de Abraão; ela deve ser o modelo
da nossa
28 – Sobre a oração de Moisés que torna os Israelitas
vitoriosos sobre os Amalecitas
29 – Sobre a maneira como devemos usar as coisas deste
mundo
30 – Sobre os deveres dos superiores; mais ou menos 1846
31 – Sobre o arrependimento após uma falta
32 – Sobre a obediência (inacabada)
33 – Sobre a luta contra o defeito dominante; pouco antes de
uma festa de Pentecostes
34 – Sobre a salvação
35 – Sobre o conhecimento de Jesus Cristo sofredor
36 – Sobre a gratidão para com a Igreja
37 – Sobre o espírito de misericórdia; começo de 1852
38 – Sobre a Paixão de Nosso Senhor, no decorrer de um
retiro anual (várias conferências sobre os temas da Via-Sacra;
inacabada)
Índice dos sessenta e quatro Diálogos
1 – Sobre o desapego; com Irmã S. Tauriac; começo de
setembro de 1852
2 – Sobre o amor de Deus; (mesma interlocutora)
3 – Sobre a caridade; (mesma interlocutora), 1845
4 – Sobre as virtudes que deve praticar uma mestra de
instrução das noviças; (mesma interlocutora), 1847
5 – Sobre o desapego do coração; (mesma interlocutora),
mais ou menos 1852 (inacabada)
6 – Sobre o relacionamento com os sacerdotes; 1849
(inacabada)
7 – Sobre o respeito para com os superiores; agosto de 1846
8 – Com a superiora geral que deveria substituí-la; Madre Foi
Bousquet, 6 de setembro de 1852
162
9 – Sobre a amizade das almas piedosas; 1849
10 – Sobre os bilhetes escritos ao confessor ou ao capelão;
1845
11 – Sobre o espírito de clausura; fevereiro de 1848
12 – Sobre a morte de nossas primeiras Irmãs; 1849
13 – Sobre a morte de uma Irmã que era levada a dizer
brincadeiras durante o silêncio; 7 de janeiro de 1845
(inacabada)
14 – Sobre o nome dado a uma Irmã noviça ; Irmã Macrine
Douziech, 1839
15 – Sobre o combate contra o defeito dominante; Irmã S.
Tauriac, 1844
16 – Sobre os sofrimentos interiores
17 – Sobre a presença de Deus
18 – Sobre o respeito humano
19 – Sobre a obediência; agosto de 1849
20 – Sobre a obediência; Irmã S. Tauriac, 1º de setembro de
1852
21 – Sobre os perigos que se corre algumas vezes na vida
religiosa; (mesma interlocutora), 1850 (inacabado)
22 – Com a mestra de instrução das noviças sobre seu
emprego; (a mesma interlocutora), 1846
23 – Mesmo assunto; 1847
24 – Com uma postulante-noviça sobre a confiança para com
a mestra das noviças; 1847
25 – Sobre o espírito de mortificação e de penitência; 1845
26 – Mesmo assunto; Irmã S. Tauriac, 1846
27 – Com uma noviça não-clausurada que deseja fazer voto
de clausura; Irmã S. Tauriac, 1846
28 – Com uma noviça sobre a clausura
29 – Com uma religiosa professa sobre a clausura; 1846
30 – Com uma jovem religiosa sobre a tibieza; Irmã Angèle
Pouget
31 – Com a mesma religiosa sobre o assunto precedente
32 – Sobre a conduta a manter a respeito de uma professanoviça que se relaxava no serviço de Deus; Irmã S. Tauriac,
1852
33 – Com uma jovem religiosa sobre a confiança nos
superiores
503
Embora não tenha respondido às suas cartas no que diz
respeito à sua alma, nem por isso deixo de me interessar, porém
a falta de tempo foi a causa do meu silêncio. Primeiro, vejo
com satisfação que sua alma vai bem. Você quer pertencer
totalmente a Deus, amá-lo e fazê-lo amado, eis o principal, e
para chegar a esse fim os meios não lhe faltam: a cruz é o maior
de todos; portanto, é preciso abraçá-la de todo o coração.
Acho que lhe falta um pouco de generosidade. Primeiro,
nunca deve se entregar ao desejo de ser dispensada do
superiorato; em seguida, não se deixe acabrunhar por causa dos
temperamentos difíceis. Querer livrar-se deles é um raciocínio
humano, pois existem em todas as comunidades, e Deus os quer
de tal modo que, quando uma delas se vai, chega outra. Se uma
superiora não tivesse uma em sua casa, seria privada de um
traço de semelhança com Jesus em sua vida pública. Se
pudéssemos compreender toda vantagem que há em suportar
essa dificuldade com toda a paciência, asseguro-lhe que ela se
tornaria leve e a paz que resultaria de nossa aceitação
produziria uma grande paz em nossa alma e tornaria nossas
disposições interiores muito calmas e suaves.
Preste atenção: as pessoas que têm mau espírito não são
mais culpadas do que uma pessoa que é deficiente. Assim,
tomemos a resolução de ser extremamente misericordiosas:
“Felizes os misericordiosos, eles serão tratados com
misericórdia.”
Toda sua.
Irmã Emília.
140
Na época da fundação de Figeac (fevereiro de 1835), Madre
Emília acreditava de boa fé que Pe. Marty tinha feito as diligências
necessárias junto ao bispo de Cahors. Nada disso aconteceu e Dom
d'Hautpoul manifestou seu descontentamento. A fundadora lhe
escreve para desculpar-se, muito filialmente, desse contratempo (L
565, M 319-322).
502
163
mesmo estado, não nos falam de despedi-la. Aqui, onde
tivemos várias atingidas com a mesma doença, não pensamos
da mesma maneira. Pelo contrário, acreditamos que elas
atrairiam a bênção de Deus, seja sobre a casa, seja em particular
sobre as pessoas que as serviram até seu último momento. E
temos confiança de que elas são nossas protetoras junto a Deus
e de que encontraremos nossa felicidade nos pequenos
sacrifícios que elas nos têm dado ocasião de fazer. Devo ainda
adverti-la: o que verdadeiramente traz prejuízo a uma casa
religiosa é quando o regulamento não é bem observado, quando
as Irmãs não permanecem unidas a Deus e inteiramente
dependentes de seus superiores. Eis o que prejudica o convento,
mas uma doente não o prejudicará. Eu lhe suplico, minha muito
querida Irmã, pense um pouco mais sobrenaturalmente e
acredite que sou toda sua.
Irmã Emília.
Peço-lhe amar muito Irmã Hilarie e testemunhar-lhe sua
afeição. Essa Irmã não é má e ama o bom Deus de todo o seu
coração. Se ela comete faltas, é por inadvertência, não por má
vontade. Não as leve em consideração. Ela precisa ser tratada
com grande doçura e confiança. Fazendo assim, você obterá
dela o que quiser.
139
As superioras devem aceitar que haja sempre algum
“temperamento difícil” na sua comunidade: é uma disposição
providencial, para que se viva a bem-aventurança dos misericordiosos
(L 518, M 340-341).
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 20 de fevereiro de 1835.
J.M.J.
Minha muito querida Madre:
34 – Com uma jovem religiosa sobre o verdadeiro zelo pela
glória de Deus; 1847
35 – Conselhos a uma de suas filhas sobre a união com Deus;
Irmã Marie du Sacré-Coeur, 1848
36 – Sobre diversos assuntos (trata-se sobretudo da vigilância
necessária para salvaguardar a castidade)
37 – Com uma religiosa doente (inacabado)
38 – Sobre o Refúgio; 23 de novembro de 1845
39 – Advertência sobre o espírito religioso
40 – Com uma de suas filhas que se entregava à tristeza
41 – Sobre os recreios
42 – Sobre a reparação das pequenas faltas
43 – Sobre a perseverança na vocação; Irmã S. Tauriac,
agosto de 1852
44 – Sobre a caridade
45 – Sobre as relações contrárias à caridade
46 – A respeito da República; dezembro de 1848 (inacabado)
47 – Sobre as pequenas práticas de piedade (inacabado)
48 – Com uma religiosa doente; Irmã Colombe Chresteil,
1850
49 – (Mesma interlocutora e mesmo ano)
50 – (Mesma interlocutora e mesmo ano)
51 – Sobre a virtude de uma Irmã doente: Irmã S. Tauriac,
1850
52 – Sobre o espírito de mortificação de Irmã Marie du
Calvaire; Irmã S. Tauriac, 1849 (inacabado)
53 – Sobre a morte de Irmã Marie du Calvaire; fevereiro de
1851
54 – Sobre a ignorância do mal que nossas Irmãs devem
procurar conservar
55 – Sobre os meios de evitar um apego do coração
56 – Sobre a moderação que é preciso ter no estudo
57 – Mesmo assunto
58 – Sobre a doçura e a caridade, sobretudo para com as
crianças
59 – Sobre a obediência
60 – Com duas de suas filhas, durante sua última doença;
uma das interlocutoras é Irmã S. Tauriac, noite de 10 a 11 de
setembro de 1852
164
61 – Prestação de conta de consciência feita à Madre Emília
62 – Com uma Irmã doente; 1851
63 – Fragmentos de conversações sobre a oração; épocas
diversas
64 – Sobre a felicidade da vida interior
Uma simples leitura dessas nomenclaturas permite
constatar que os dois cadernos foram redigidos sem grande
ordem cronológica ou sistemática. Não nos cabe remediar essa
situação inserindo na obra critérios puramente internos, sempre
frágeis e discutíveis. Conferências e sobretudo diálogos
espirituais enxertam-se habitualmente nos problemas que
coloca a atualidade cotidiana (por exemplo: sobre a clausura em
1844-1845, exames escolares públicos depois da nomeação e
das decisões de Padre Abbal); certos Diálogos se estendem por
vários dias, alguns se realizam durante uma conferência,
quando a Madre questiona ou é questionada. É evidente
também, às vezes, que uma ou outra anotação se deva quer à
redatora, quer à religiosa que lhe dita suas recordações. A
extensão dos trechos varia muito: em geral, três ou quatro
páginas no máximo, datilografadas (sem entrelinhas), ou então
para alguns Diálogos, uma meia página.
Apesar de algumas exceções (v.g.: lembrar-se de), na
maioria das vezes o estilo é correto, mas admite procedimentos
artificiais (repetições insistentes de sinônimos; interrogações
fictícias, etc.). Impossível dizer até que ponto ele é fiel à
formulação original, que não devia ela mesma ter feito o objeto
de um considerável esforço literário. Por seu gênero próprio, os
Diálogos são ordinariamente mais vivos, pelo menos quando
há uma verdadeira conversação (o que não é sempre o caso).
Essa vantagem leva a um maior número de erros gramaticais.
Com freqüência a expressão parecerá um pouco enfática e
arcaica. Ela remonta a cem anos...
Embora seja de uma simplicidade doutrinal elementar e de
uma orientação pragmática freqüente, a tonalidade espiritual
permanece inegavelmente elevada, com tendência ao rigorismo
e mesmo a certo anti-humanismo que evoca tais páginas da
Imitação de Jesus Cristo. Entretanto, os Diálogos manifestam
um autêntico discernimento dos espíritos, uma disponibilidade
501
Minha muito querida Irmã:
Nosso Pai teve a bondade de transmitir-me sua carta que fala
do triste estado de nossa Ir. N. do qual me compadeço
vivamente. Vi também com tristeza que você deseja muito
livrar-se dela, sob o pretexto de que isso traz prejuízo à sua
casa. Contudo, estou persuadida de que é por falta de meditar
ao pé da cruz que você se entregou a esse desejo. Não
compreendeu a felicidade de servir aos membros sofredores de
Jesus, não se lembrou de que pelos serviços caridosos que lhes
prestamos merecemos ouvir um dia estas consoladoras
palavras: “Venham, benditos de meu Pai que me visitaram
quando estava doente.” Você não pensou que os cuidados
oferecidos a essa querida Irmã, as mortificações que ela lhes dá
ocasião de fazer são, para todas, um grande meio de salvação e
podem lhes merecer uma infinidade de graças. Não se lembrou
de que o espírito da Sagrada Família é todo doçura, todo
caridade e não releu o artigo de nossas Constituições que fala
sobre doentes.
Se quiser replicar, dirá a tudo isso: “Essa doença traz
prejuízo.” Mas, minha querida Irmã, se o bom Deus lhe
enviasse uma doença semelhante, que gostaria que lhe
fizessem? Não deve fazer aos outros o que gostaria que lhe
fizessem? Você diz que nossa Irmã N. cheira mal. Acredito,
mas acredite também que, se a mantivesse bem limpa, ela
exalaria menos mau odor. Você não sabe onde colocá-la.
Parece-me que ela estaria bem longe das crianças, nesse
pequeno quarto comprido que se encontra atrás daquele onde há
sanitários e uma alcova. Nessa, há um quarto aquecido e poderá
acender o fogo para ela. Assim, ela não irá à cozinha e as
internas não a verão. Se for preciso, você levará o alimento ao
quarto. É preciso separar a roupa dela. Nós lhe enviaremos o
dinheiro da pensão. Assim, ela não lhe será um peso. Você já
deve ter recebido 100 francos que enviamos por Pe. Cabantous,
quando foi pregar o retiro. Penso que você esqueceu de dizer ao
nosso Pai, quando ele foi visitá-la. Nós lhe enviaremos mais
dinheiro na primeira ocasião.
Volto a falar sobre o prejuízo que Irmã N. pode lhe causar.
Mas, em Lassouts, onde está nossa Irmã Timothée quase no
500
165
espirituais e corporais para as quais nosso divino Mestre
prometeu uma grande recompensa. No dia do julgamento, ele
deve citá-las e apresentá-las a todo o universo: “Venham,
benditos do meu Pai, possuir o reino que lhes foi preparado
desde o começo do mundo!”1Prestem bem atenção ao motivo
destas palavras tão consoladoras: “Pois eu tive fome e me
deram de comer, estive doente e vieram visitar-me, etc.” Eis,
minhas queridas Irmãs, o que vocês fazem todos os dias.
muito benevolente, apesar das exigências sem complacência,
uma adaptação singular a cada pessoa e às diversas situações
que ela conhece.6
A princípio adotamos uma ordem cronológica, em que se
intercalam Conferências e Diálogos; em seguida, reunimos por
analogia as partes conservadas não-datadas.
Qual não deve ser a alegria de terem sido chamadas a
realizar obras tão santas! Mas prestem bem atenção: todas essas
obras só podem ser meritórias se forem feitas com uma
verdadeira e sincera humildade unida à íntima convicção de que
é uma grande honra da qual vocês são infinitamente indignas.
(C 42-43; nº 15).
Datada de 1843 aproximadamente, esta conferência tem um
aspecto inteiramente prático, mas um sentido sobrenatural profundo,
valoriza detalhes por vezes banais. Sentido da separação própria a
toda vida religiosa, exigências da oração e da união habitual com
Deus, do esquecimento de si num comportamento simples e oculto.
Envio-lhes ameixas para nossa Irmã Xavier, caso ela queira.
Embora a rosca seja para os pobres, podem lhe dar, se ela o
desejar.
Vocês receberam o aquecedor de cama?
Saúdo-as bem afetuosamente e sou sua muito dedicada
Madre,
Irmã Emília.
Nós lhes enviamos 12 camisas, 3 véus, 4 golas
(guimpes) e uma saia.
138
Madre Emília censura, com bastante firmeza, a superiora de
Aubin, Françoise Pascal, por não ter tido doçura e paciência para com
uma religiosa enferma, cujo mal é, na verdade, doloroso também para
a comunidade. Não se preocupar com a pensão dela. Villefranche
disso se encarrega. Além disso, considerá-la como uma “bênção de
Deus” (L 513, M 352–354).
À Madre Françoise em Aubin.
Villefranche, 10 de janeiro de 1835.
J.M.J.
1. Conferência sobre o silêncio
Não é sem razão, minhas queridas Irmãs, que todos os
fundadores de ordens religiosas fizeram do silêncio uma de suas
principais regras. Compreendiam os prejuízos infinitos que
causa uma língua mal governada. Por isso atribuíam grande
importância à observância dessa regra e puniam com muita
severidade os infratores. Numa casa religiosa onde não se
observa o silêncio, não existe regularidade, nem espírito
interior, nem espírito de oração, a caridade aí não é praticada.
Por que se falta ao silêncio? Para satisfazer a curiosidade, para
se queixar, para dar a conhecer as contrariedades, os
aborrecimentos, os desgostos, para desabafar com uma amiga.
Eis os motivos comuns de se faltar ao silêncio. Essas faltas são
totalmente contrárias ao espírito interior e a nossos deveres.
Quantas religiosas perderam esse espírito interior com essas
faltas de silêncio!
Uma alma que não é interior, que faz ela, na maioria das
vezes, durante a oração? Perde o tempo. Seu espírito divaga de
uma coisa para outra como durante o dia. A hora passa e chega
o fim da oração sem se ter ainda recolhido. Que frutos
produzem tais meditações? Não sei; bem poucos, sempre. E
quando, numa comunidade religiosa, não há mais espírito de
oração, que mal se sabe o que é fazer oração, em que ponto está
o fervor, a regularidade? Pode existir na aparência, mas não é
real. Não está mais aqui, fugiu, e o relaxamento veio substituílo. Queremos ficar preservadas dessa infelicidade? Guardemos
166
o silêncio, amemo-lo, tenhamos para com ele o maior carinho.
Unamos ao silêncio exterior a prática do silêncio interior que
vem em primeiro lugar. É só para chegar a ele que o silêncio
exterior foi estabelecido. Mesmo sem falar, se deixarmos nosso
espírito divagar, seremos levadas pela curiosidade a examinar
tudo o que se nos apresenta: não observamos o silêncio, só
fazemos de conta. De que serve a uma religiosa permanecer o
dia todo sem dizer uma palavra se seu espírito não cessa de
falar? O silêncio e o recolhimento se dão as mãos, um não pode
ir sem o outro.
Quando temos alguma coisa necessária a dizer, digamo-la
em voz baixa e em pouquíssimas palavras. Antes de falar,
examinemos se o que temos a dizer pode esperar até o recreio.
Se nos for possível, aguardemos aquele momento. Nunca
falemos nos lugares de passagem, mesmo por utilidade, isso
desedifica. Vamos a um lugar afastado. É preciso igualmente
evitar falar em lugares próximos à capela, por respeito ao
Santíssimo Sacramento: estes lugares são o vestíbulo do coro, a
sacristia, o pátio do parlatório... Existem dois ou três lugares
onde temos freqüentes ocasiões de falar: esses lugares são a
cozinha, o parlatório, a enfermaria. Quanto à cozinha, nenhuma
Irmã ali deve ir sem ordem daquela que é encarregada dos
trabalhos ou da superiora. As que ali vão dar algum recado não
devem entrar, mas esperar na porta que lhes venham responder.
As cozinheiras e suas ajudantes são fortemente encorajadas a
falar baixo e o menos possível. Quanto ao parlatório, a porteira
deve evitar falar sem necessidade com as pessoas de fora, com
as alunas que entram, com as religiosas que entram ou que
saem. Quando duas Irmãs saem juntas e que uma deve esperar
pela outra, não deve ser no parlatório, mas no vestíbulo do coro.
As Irmãs que vão trabalhar no Jardim de infância devem estar
atentas a essa recomendação. Quando se tem alguma coisa a
dizer à porteira, não se deve ir ao parlatório, mas tocar a campa
da Irmã. Ela chegará até o corredor que dá para o pátio.
Quanto à enfermaria, tenho muitas recomendações a lhes
fazer. A regra diz que não se deve ir até lá sem permissão.
Acrescento que só se deve fazer esse pedido com a finalidade
de visitar as doentes para lhes falar do bom Deus, distraí-las um
pouco. Não se deveria ir para satisfazer o desejo de falar, de
499
Recomendo-lhe muito particularmente a doçura e a firmeza
para fazer observar todos os pontos do Regulamento: que a
ordem e a regularidade reinem na casa e nas classes; que as
crianças sejam bem instruídas e os doentes visitados com
cuidado; que a alegria, a paz, o fervor e uma santa união façam
de vocês todas um só coração e uma só alma. Enquanto houver
caridade na casa, todo o resto irá bem. Desconfie sempre de si
mesma, mas ponha toda a sua confiança em Deus. Peça a Jesus,
Maria e José que a tomem sob sua proteção.
Sou, como você bem sabe, toda sua e a saúdo bem
afetuosamente.
Irmã Emília.
Ano de 1835
137
Respondendo aos votos de Ano Novo apresentados pela
comunidade de Vialarels, Madre Emília expressa os seus e faz elogio
às obras de misericórdia às quais se dedicam incessantemente essas
religiosas (L 511, M 315-316).
Às Irmãs de Vialarels.
Villefranche, 2 de janeiro de 1835.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Recebi com muito prazer a expressão de seus votos e desejos
para o novo ano. Os meus não são menores. Desejo-lhes,
minhas queridas Irmãs, a abundância dos bens celestiais e
eternos e todas as graças das quais nosso santo estado está
repleto. Regozijo-me por vê-las em meio às boas obras. Com
efeito, nada é mais consolador para a piedade do que visitar os
membros sofredores de Nosso Senhor Jesus Cristo e levar-lhes
palavras de consolo. Quanto bem vocês podem fazer! Ora,
vocês ensinam a um ignorante, consolam um aflito, aliviam um
pobre doente, numa palavra, exercem as obras de misericórdia
498
167
em saber que você começa a se alimentar um pouco mais e
gosto de pensar que irá melhorando sempre.
Tem muita razão em querer e desejar ardentemente que se
faça o mais cedo possível o que combinamos. Primeiro na
capela, mas aí não vejo possibilidade enquanto não tivermos
dinheiro. O primeiro que chegar, após ter pago o mais urgente
da dívida de Madre Antoinette, será utilizado para isso. Tem
razão em não poder se acostumar a ver pessoas estranhas na
clausura. Deus queira que isso termine logo.
Nossas Irmãs, sensíveis à sua lembrança, dizem-lhe coisas
amáveis e desejam ardentemente o restabelecimento de sua
saúde.
Deixo-a para ir à santa missa e saúdo-a de todo o meu
coração.
Irmã Emília.
136
Madre Emília comunica a uma religiosa que Pe. Marty acaba de
designá-la como superiora em Vialarels. Recomenda-lhe firmeza e
doçura para fazer observar a disciplina e reinar a paz na união mútua
(L 504, M 309-310).
À Irmã Angélique, em Vialarels.
Villefranche, 7 de dezembro de 1834.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Nosso Pai acha oportuno que você substitua Irmã Marie até
nova ordem. Não se amedronte. Nada podemos por nós
mesmas, mas o bom Deus está conosco, ele a ajudará, não
duvide. Permaneça bem recolhida e pense muitas vezes que é
mais obrigada a isso, pois, sendo a responsável, deve servir de
modelo às outras.
brincar, para uma longa demora. A enfermaria é um lugar santo,
um lugar que chamo o vestíbulo do céu; erraríamos muito
fazendo dele um lugar de dissipação. Por conseguinte, nunca
devemos ir até lá para falar inutilmente. Que as conversas que
tiverem com nossas queridas Irmãs doentes sejam espirituais,
rápidas e sempre com permissão. Não se deve falar o dia todo
na enfermaria. A Irmã enfermeira, de acordo com as doentes,
reserve alguns momentos durante os quais rezam, lêem um
pouco, guardam o silêncio. Advirta as Irmãs que as doentes não
podem receber visitas durante esse tempo. Quanto às Irmãs que
passam apenas alguns dias na enfermaria, por causa de uma
indisposição, não devem falar muito, não devem dissipar-se.
Em geral, não se deve preferir tomar as refeições na enfermaria,
a não ser que haja uma necessidade real. Acho melhor servir eu
mesma, no refeitório, as Irmãs doentes que precisam de
cuidados particulares, ou mandar servir cada uma segundo a sua
necessidade, que deixá-las na enfermaria por causa dos abusos
que disso podem resultar. Quando uma Irmã pode assistir aos
exercícios da comunidade, circula pela casa, deve pedir para
tomar as refeições no refeitório, exceto em casos raros.
Somente as superioras compreendem isso.
Talvez vocês me considerem um pouco severa, mas
acreditem que é para o bem, que só penso em prevenir o
relaxamento. Se não tomarmos cuidado, a enfermaria se
tornará, em breve, um lugar de irregularidades, um lugar onde
se cometerão muitas faltas pela língua. Todas sabem o que nos
diz o Espírito Santo em nossos livros sagrados: “Aquele que
não peca pela língua é um homem perfeito."7 Quando falamos
demais, raramente somos isentos de pecado. Certamente vocês
fizeram essa experiência. Eu mesma a fiz, por isso, tomei o
propósito de me corrigir. Vocês também, minhas Irmãs, façam
o mesmo e se sentirão bem. Precisamos nos advertir
mutuamente quando percebermos que faltamos ao silêncio, que
dizemos inutilidades ao falar por necessidade. Esta semana eu
me vigiei mais do que habitualmente sobre o silêncio. Quando
vocês falavam comigo, notei que diziam muitas palavras
inúteis. Chamei a atenção de várias. Continuarei a fazê-lo.
Algumas talvez digam: “Mas, não faltamos ao silêncio, quando
falamos com a superiora.” Podemos faltar ao silêncio com ela,
168
497
assim como com uma outra. Todas nos vigiaremos e seremos,
espero, mais fiéis a todos os pontos de nossa regra da qual o
silêncio é um dos mais essenciais.
interior. Ele envia recomendações e está bem persuadido, como
eu, de que você se tornará uma religiosa verdadeiramente
segundo o coração de Deus.
2. Conferência sobre a maneira de como se comportar
durante a doença
A alva do vigário a ocuparia demais, visto que você tem sua
roupa a consertar. Queira enviá-la imediatamente pela primeira
ocasião segura. Encarrego-me de mandar fazer esse trabalho
conforme o gosto do padre.
(C 19-21; nº 9).
Suas contemporâneas deram inúmeros testemunhos da delicadeza
da Santa para com os doentes.8 O relato seguinte nos fornece uma
prova disso (abril 1843). A expressão parecerá algumas vezes
exagerada mas, ao mesmo tempo, revela muito de humanidade e de
sentido sobrenatural, por sua maneira de encarar concretamente a
situação da religiosa doente e de elevar essa, como também as que a
cercam, a um plano evangélico e cristocêntrico.
Ah! minhas Irmãs, que falta imensa nos faz nossa querida
Irmã Marie Artémon! Ela nos deixou belos exemplos de
piedade. Todas vocês tiveram a oportunidade de admirar suas
virtudes e, sobretudo, sua preciosa morte. O que mais me
chamou a atenção nos últimos momentos dessa querida Irmã
foram estas palavras que várias de vocês ouviram: “Deus só!
Deus só!” Ah! que meditação profunda merecem essas
palavras: Deus só! Deus só! Como isso é belo!... Apliquemolas, cada uma a nós mesmas. Digamos muitas vezes: “Deus só!
Deus só!”, durante a vida, a fim de que, como nossa Irmã,
possamos também dizê-lo na hora de nossa morte. A graça de
uma morte tão santa merece alguns sacrifícios, alguns atos de
generosa dedicação. Nossas primeiras Irmãs sabiam bem fazêlos e foram por eles beneficiadas nos últimos momentos. Deus
as fez conhecer e experimentar o quanto é suave entregar a
alma nas mãos do seu Criador, a quem se amou e serviu com
zelo e dedicação. Podemos adquirir grandes méritos quando
estamos com saúde, porém maiores ainda durante a doença,
pela paciência, pela resignação com a qual a suportamos e,
sobretudo, pela perfeita conformidade de nossa vontade com a
vontade de Deus. Deus tem duas maneiras de visitar seus
eleitos: a consolação e a desolação. Coloco a doença nesta
última forma de visita, porque a nossa natureza a considera
Se quiser, direi de viva voz à Madre Antoinette o conteúdo
de sua carta sem que você precise escrever. Será exatamente
como se o tivesse feito. Escreva-me logo para me dizer como
vai. Sabe quanto é grande o interesse que tenho pela sua alma.
Toda sua.
Irmã Emília.
É preciso que eu tenha a alva aqui, amanhã à tarde.
135
Afastar toda tristeza, diz Madre Emília a uma religiosa
convalescente. Empenhar-se do melhor modo possível em pequenas
ocupações (L 498, M 304-305).
À Irmã Vincent, em Livinhac.
Villefranche, 13 de outubro de 1834.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
O que desejo particularmente de você é a alegria. Para
cultivá-la, afaste com cuidado todo pensamento triste. Nunca
diga que não vai ficar curada, nem mesmo pense nisso sob o
pretexto de resignação; nem tampouco se preocupe com
Villefranche. Em Livinhac, ocupe-se o melhor possível. Ocupese em pequenas coisas, assim como ajudar a cozinheira a
descascar os legumes, cortá-los para a sopa, tanto quanto as
forças o permitirem. Se a Madre quiser, eu lhe dou o emprego
de ajudante de cozinheira e da despensa. Tenho muito prazer
496
169
que nos disse sê-lo em parte, mas o vigário fará como achar
conveniente.
Suas boas orações, minhas caras Irmãs, ajudarão as Irmãs
daqui na conversão dessas pobres crianças.
Irmã Emília.
134
Encorajamentos a alguém cuja fraqueza é ainda resgatada por
muita sinceridade (L 496, M 302-303).
A Irmã Augustine, em Livinhac.
Villefranche, 7 de setembro de 1834.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Estou muito contente com sua franqueza e lhe asseguro que
só isso é suficiente para que suas faltas, bem menos graves do
que você pensa, sejam mais facilmente perdoadas. Não existe
em sua alma o mal que acredita ter. É verdade que você é fraca
e se deixa levar. Há muitas vezes uma falta de fidelidade aos
apelos da graça, mas você o reconhece em seguida e está bem
disposta a repará-lo fazendo o melhor. É verdade que logo
recai, mas também se levanta da mesma maneira. Pouco a
pouco retomará coragem e se tornará mais fiel. Procure adquirir
uma grande união com a Sagrada Família. Reserve um quarto
de hora todos os dias para pensar nela ou na Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Se tiver bastante coragem, fará bem em revelar todas as suas
misérias e seus sofrimentos à Irmã Joseph. Esse meio é infalível
para lhe obter uma grande paz e conduzi-la à humildade. Não
são os lugares que nos aproximam de Deus, mas a boa vontade.
É preciso esperar ainda para voltar a Villefranche, pois sua
saúde ainda não está bastante restabelecida. Nosso Pai, a quem
fiz ler suas cartas, não está tão alarmado sobre seu estado
como uma aflição. Se compreendêssemos bem os desígnios de
Deus sobre nós quando nos envia alguns sofrimentos, em lugar
de nos afligir lhe agradeceríamos. A esse respeito, temos muitos
belos exemplos deixados por nossas primeiras Irmãs, exemplos
que devemos imitar se queremos como elas chegar à perfeição.
Para isso é preciso:
1º Não prever nem a saúde nem a doença e estar tão contentes
com uma, como com a outra.
2º Gozando saúde, não devemos desejar adoecer; quando
doentes, é preciso não nos deixarmos levar por um exagerado
desejo de recuperar a saúde, mas abandonar-nos inteiramente
nas mãos de Deus, preferindo a tudo sua vontade.
3º Devemos tomar exatamente todos os remédios prescritos
pelo médico, mas sem apego e excesso de preocupação com seu
efeito.
4º Não devemos pensar que a cura depende mais ou menos da
perícia do médico, mas da bênção que Deus dá aos seus
diagnósticos e receitas. Por conseguinte, não devemos nos
afligir se ele não compreende ou não cura nosso mal, mas ver a
vontade de Deus que assim decidiu.
5º Precisamos não deixar a imaginação procurar à direita ou à
esquerda, perguntar a uma e a outra o que pensa do nosso
estado, o que poderíamos fazer para conseguir a cura, mas
confiar esse cuidado às superioras e nos abandonar entre as
mãos de Deus.
6º É necessário também não nos angustiarmos por não poder
trabalhar como as outras, mas saber que o sofrimento é um
trabalho. Convém contentarmo-nos em fazer o que podemos,
sem ansiedade, sem inquietação. Quando não podemos
trabalhar, podemos rezar pelas que trabalham, podemos meditar
e nos unir a Deus. A enfermeira deve ter o cuidado de variar os
exercícios às doentes para que não se aborreçam, proporcionarlhes trabalhos leves que as distraiam; entretê-las com conversas
170
espirituais, trazer-lhes a visita de algumas Irmãs que sabem
falar de Deus, do céu, da perfeição. Ela deve ser como uma mãe
terna e compreensiva. As doentes devem obedecer às
enfermeiras e tomar todos os remédios que lhes são dados.
Eis alguns pensamentos que poderão ajudá-las nos
momentos mais difíceis. Quando tiverem de tomar algum
remédio que lhes custa muito, pensem no que o nosso divino
Salvador sofreu na Cruz, derramando o seu precioso sangue por
nosso amor, para expiar nossos pecados. Sejam solidárias à
Paixão, unindo seus sofrimentos aos do divino Mestre. Nas
noites de insônia, façam-lhe companhia rezando sobre a
montanha ou agonizando no jardim do Getsêmani. A lembrança
da coroação de espinhos as ajudará a suportar as dores de
cabeça com mais paciência, eu diria mesmo com alegria, vendo
que há alguns pontos de semelhança com ele! Quando vocês
forem obrigadas a ficar de cama por causa da transpiração,
unam-se à Nosso Senhor suando sangue e água no jardim das
oliveiras.
Unamos todas nossas dores às de nosso Salvador. Elas se
tornarão por isso duplamente meritórias.
Também lhes recomendo que, durante a doença, relembrem
os exemplos de paciência e de resignação que nos deram os
santos em idênticas situações. Em vez de se deterem nos
próprios sofrimentos, pensem ora na Paixão do Salvador, ora
nos exemplos dos santos, em particular dos que
experimentaram algumas das dores que experimentamos. É
bom também pensar algumas vezes que o tempo da doença é
um tempo de colheita espiritual, um tempo de retiro; para
muitas, um tempo de conversão. A doença tem salvado muitas
almas que a saúde teria perdido. Várias que se esqueciam de
Deus na prosperidade lembraram-se dele na adversidade, no
sofrimento, na dor. A doença não é um mal, minhas queridas
Irmãs, ela é um bem, um grande bem, quando sabemos recebêla e suportá-la com paciência e resignação.
Que deve fazer uma Irmã que, por causa da doença
prolongada, é forçada a permanecer um ou dois anos numa
495
que estavam presentes de relembrar-lhe essas palavras durante
o dia. Há um grande número de doentes. Nossas Irmãs vão
visitá-los todos os dias, duas a duas como vocês sabem, de
maneira que as Irmãs Marie e Julitte vão de um lado e as Irmãs
Thaïs e Xavier do outro lado.
Os assuntos para meditação não faltam aqui. Estes pobres
operários que se queimam vivos nos fazem corar diante da
nossa covardia. Poderiam ganhar sua vida de outra maneira,
mas porque recebem 7 ou 8 francos por dia, permanecem a
noite inteira ou o dia todo, segundo seu turno, na boca da
fornalha onde sentem tanto calor. Alguns são obrigados a beber
grande quantidade de chá refrescante. Trazem-lhes um litro a
cada hora, mas apesar disso seus dias são abreviados. Quando é
que amaremos tanto o bom Deus? Rezem por mim, minhas
muito queridas Irmãs, a fim de que ele me conceda essa graça;
tarda-me muito. Peço de todo o coração por vocês todas em
geral e por cada uma em particular. Rezem por duas senhoras
idosas que queremos encaminhar para Deus. Nossas Irmãs vão
visitá-las, são bem recebidas, mas ainda não puderam persuadilas a se confessar.
Toda sua nos corações de Jesus, Maria e José.
Irmã Emília.
Tenham a bondade de mandar visitar Roquette. Desejaria
muito colocar alguma coisa na cesta para ela, mas nada tenho,
queiram suprir a isso. Nossa Irmã Thaïs e eu lhes enviamos
muitas lembranças.
Acabo de conversar com três inglesas que são irmãs. A mais
velha tem quinze anos. São muito interessantes e seria uma
grande pena se não se aproximassem do bom Deus. A mais
velha disse-me que queria se batizar após o pagamento (dia do
pagamento de todos os operários em Decazeville). Irmã Marie
perguntou se ela ia à missa. Respondeu que não tinha tempo,
mas que iria após o batismo. Com efeito, não lhe falta trabalho.
Sendo a mais velha de sete irmãos que para se alimentarem só
têm o trabalho do pai, estou admirada que possa vir à escola.
Está disposta a confessar-se e nós esperamos fazer dela e de
suas cinco irmãs, boas cristãs. Nenhuma é batizada, exceto uma
494
Minhas caríssimas Irmãs:
Embora espere revê-las em breve, não podendo escrever a
cada uma em particular, quero ter o prazer de falar a todas
juntas, como se estivesse em São Francisco (sala de reuniões),
no meio de vocês. O que lhes posso dizer de mais satisfatório é
a respeito de suas queridas Irmãs, que vocês amam como a si
mesmas. Seus sofrimentos, penas, alegrias, sucessos são os de
vocês. Combatemos todas sob o estandarte de Jesus, Maria e
José e temos a doce confiança de que, após o combate,
repousaremos em sua santa companhia. O demônio não está
ocioso nesta região e não deixa de inquietar nossas Irmãs pelo
desânimo, o desgosto, a tristeza. Felizmente no momento, todas
não são igualmente atingidas. Cada uma passa por sua vez, de
modo que uma pode ajudar a outra.
No começo, nossa querida Irmã Marie, doente a não mais
poder, tinha de sustentar todo esforço do combate e é difícil
imaginar quanto era forte. Nossa Irmã Julitte, que me contou
isso, não tinha palavras para traduzi-lo. Iam alternadamente
com nossa Irmã Thaïs ao encontro dessa pobre doente, que não
podia falar e, no entanto, via-se forçada a fazê-lo
continuamente. Um dia Irmã Julitte foi ter com ela no auge da
tempestade, dizendo-lhe que não podia resistir. Irmã Marie lhe
disse: “Bem! Se você abandonar a obra de Deus, ele não a
abandonará, antes dessas pedras suscitará alguém.” Irmã Julitte
acrescentou que essas palavras a tinham poderosamente
animado e determinado a não ter vontade própria. Todo esse
trabalho do demônio nada tem que deva surpreender. Pelo
contrário, é bom sinal. Esse inimigo da felicidade dos homens
vê que esta escolinha prestará algum serviço a Deus e ele não
pode suportar isso.
Por outro lado, nossas Irmãs estão bastante animadas diante
do bem que podem fazer: essas pequenas inglesas a preparar
para o batismo, grande número de doentes a consolar e vários a
preparar para uma santa morte. É esta última obra que agrada
sobretudo à nossa Irmã Thaïs! Quando ela sai para isso, volta
radiante, dizendo que não entende como tem tanta facilidade
para se expressar. Um pobre doente que ela costumava visitar,
após tê-la escutado com muito prazer, recomendava às pessoas
171
enfermaria? Deve considerar esse tempo como o mais precioso
que Deus lhe dá para se preparar, ou para a morte, ou para a
saúde, segundo aprouver a Deus. Não deve pensar que, pelo
fato de estar doente, está dispensada de tudo. Não, ao contrário,
ela deve, de acordo com a superiora, organizar o tempo que
Deus lhe dá. As doentes não podem fazer longas meditações,
mas é preciso que, de vez em quando, durante o dia, elevem seu
coração a Deus e recitem de cor, se não podem fazê-lo
oralmente, alguma oração: uma vez serão os atos de religião,
mais tarde uma dezena do terço ou as ladainhas de Nossa
Senhora, etc, etc.
As Irmãs que vão vê-las devem lhes falar sobretudo do que
se refere a Deus. Desejo muito que as Irmãs que melhor sabem
falar de Deus, dêem conferências espirituais,9 vão
freqüentemente visitar as doentes que quase não saem da
enfermaria. Os dias se tornam longos quando a pessoa está
constantemente diante de si, fechada no mesmo quarto. Existe a
necessidade de ver alguém que venha encorajar, conversar
sobre os bens que nos aguardam na vida futura. Pequenos
trabalhos que não sejam cansativos alegram e distraem as
doentes. A enfermeira deve ter o cuidado de lhes proporcionar
esses trabalhos e variá-los.
Repito-lhes o que já disse várias vezes: as doentes são os
tesouros das casas religiosas. Inútil dizer-lhes quanto devemos
amá-las, estimá-las e sobretudo visitá-las freqüentemente. O
avarento não esquece o tesouro que possui. Cem vezes ao dia
pensa nele e o visita. Assim também, não esqueçamos nossos
tesouros, nossas queridas Irmãs doentes. Visitemo-las muitas
vezes para fazer-lhes o bem e para nos beneficiar também com
sua paciência e resignação. Algumas Irmãs poderiam pensar e
dizer: as longas doenças ocasionam muitas despesas; por isso,
não há vantagem em ter Irmãs doentes em nossas casas. Elas se
enganam ao falar assim. O que se gasta com elas nunca será
perdido. Jamais as doentes empobreceram uma comunidade
religiosa. Portanto, nossas Irmãs doentes não devem se
angustiar pelas despesas que causam a uma comunidade. Não
172
são nossos bens que elas gastam, mas o bem de Deus, e ele não
nos faltará enquanto amarmos seus membros sofredores.
3. Diálogo sobre o combate contra o defeito dominante
(D 29-34; nº 15).
A interlocutora é Irmã S. Tauriac, que ainda não fez
Profissão (1844). Santa Emília dá ainda aqui a prova de sua intuição
espiritual e, ao mesmo tempo, de uma firme exigência. Só a reação
diametralmente oposta poderá acabar, lentamente, as mais negativas
manifestações do orgulho. A Madre enumera algumas delas (teimosia,
vaidade na conversação, etc.). Lembra à religiosa algumas de suas
faltas nesse ponto, faz alusão a outro caso concreto, mas, sem nomear
a pessoa. Sabe também encorajar, pela comparação com o duelo entre
Davi e Golias (1 Sam 17, 40-54).
A Madre: Venha prestar-me contas de suas vitórias sobre o
seu defeito dominante. Tem feito cada dia seu exame de
consciência sobre esse ponto?
A Irmã: Sim, Madre, contei quantas vezes falei de mim
mesma durante o dia, mas não fui fiel em me impor uma
penitência como a senhora tinha me dito. Perco a esperança de
me tornar humilde, pois, quanto mais me esforço para me tornar
humilde, mais sou orgulhosa. Quando não cometo atos, tenho
pensamentos de orgulho que não ousaria dizer a ninguém.
A Madre: Não se admire disso. Quando nos aplicamos em
adquirir uma virtude, ordinariamente somos muito tentadas pelo
defeito contrário e, na maioria das vezes, quanto mais a
praticamos, tanto mais o defeito parece dominar. Não deixe de
se infligir uma pequena penitência, como rezar um ato de
contrição, beijar a cruz, visitar um dos oratórios da casa, beijar
o chão duas, três, quatro vezes, etc... e, que nunca mais a ouça
dizer: "eu desespero." Não devemos desesperar de nada quando
temos a ajuda de Deus, e você a tem. Ele lhe dá a luz para
conhecer suas faltas, o desejo de se tornar humilde, isso já é
muito. Tenho a esperança de que você se tornará humilde.
Diga-me os pensamentos de orgulho que tem.
493
coadjutoras a La Salle. Não devemos assumir mais do que
podemos. Ensinar a ler, escrever e calcular, eis tudo. Minha
opinião é não pedir nada a ninguém. Porém, com a aprovação
do Sr. vigário e do prefeito, alugar uma casa que seja
conveniente e enviar pessoas que julgarmos capazes, de
maneira que sejamos livres e independentes da Empresa. Em
seguida, se estiverem satisfeitos com nossos serviços e queiram
nos dar alguma coisa, aceitaremos com reconhecimento. Assim,
sem falar com outras pessoas, veja se encontra uma casa para
alugar. Ainda que o aluguel seja um pouco caro, não tema em
arriscar-se. Parece-me que seria melhor se a casa fosse perto da
Igreja, o que para nossas Irmãs seria melhor. Por outro lado,
talvez pensarão que seria melhor que fosse em La Salle por
causa das crianças, pois é preciso adaptar-se a elas. Nossas
Irmãs iriam com essa finalidade. Os senhores a quem você
falou julgarão da conveniência, mas, eu lhe repito, desejo muito
nada receber da Empresa, pelo menos agora.
Irmã Emília.
Envio-lhe um pouco de macarrão e de doce. Se você deseja
alguma coisa, diga-me.
133
A Madre foi a Vialarels, onde fora fundada a primeira escola, com
apenas 3 religiosas: Marie Vialard, superiora; Thaïs Vallon, Julitte
Jambert. Um grande campo de trabalho apostólico, num meio social
até então desconhecido: é o que a fundadora vai descobrindo, por sua
vez. O começo foi muito difícil. Foi preciso que Marie Vialard
encorajasse suas colaboradoras que estavam a ponto de renunciar a
tudo. Aliás, uma outra Irmã acabou de chegar. Madre Emília relata
alguns episódios interessantes, evocando o trabalho dos mineiros e a
boa vontade das “pequenas inglesas” (L 494, M 297-300).
Às Irmãs de Villefranche.
Vialarels, 19 de agosto de 1834.
J.M.J.
492
173
Agradeço a carta que me escreveu. É sempre com uma
alegria renovada que recebo suas notícias, sobretudo quando sei
que você está melhor. Desejo que sua saúde vá sempre
aumentando. Procure, minha querida Irmã, ser uma boa doente,
isto é, muito resignada à santa vontade de Deus, não
expressando seus desejos, suas fantasias, seus gostos ou
desgostos a não ser à Madre e, mesmo com ela, não o fazendo
senão com paz e resignação, disposta a fazer os sacrifícios que
ela aconselhar. Você sabe que as doenças nem sempre
santificam, porque algumas vezes os doentes se entregam
demasiadamente a seus gostos naturais, e assim diminuem a
graça e enfraquecem a alma. O meio para evitar essa
infelicidade é ser bem dócil a todos os conselhos que lhe dão e
praticar uma verdadeira humildade, acompanhada de
mortificação, pois podemos e devemos ser mortificadas até na
doença, na medida do possível.
Saúdo-a muito afetuosamente.
Irmã Emília.
Ano de 1834
132
O projeto de enviar Irmãs rodeiras a La Salle, como educadoras,
abrindo uma classe numa casa não-clausurada, amadurece pouco a
pouco no espírito de Santa Emília: é o início das “escolas” (L 484, M
291).
A Irmã: Madre, não ouso e, aliás, não me detenho em tudo
o que me passa pela cabeça, procuro mesmo não me lembrar
disso.
A Madre: Quem sabe se não é pelo receio de ser obrigada a
revelar esses pensamentos que você os afasta tão depressa e se,
nisso, não é guiada pelo orgulho? Veja se me engano.
A Irmã: É bem um pouco como a senhora diz. Mas que
necessidade há de dizer o que se pensa quando se sabe que isso
desagrada, que não há consentimento, que nem demora no
pensamento?
A Madre: Humilhar-se quando se é orgulhoso é necessário
para triunfar desse defeito. Ora, um dos maiores atos de
humildade que podemos fazer é revelar todas as misérias, todas
as tentações à pessoa que nos dirige e orienta. Certamente, você
não está obrigada a me descobrir todos os seus pensamentos de
orgulho, mas creio que Deus o pede a você. Vamos, diga-me os
seus pensamentos, não a deixarei sair sem que o tenha feito.
A Irmã: Creio que será bom, mas não ouso. Voltarei em
outro dia e lhe contarei tudo, porém não agora, teria muita
vergonha. Se fosse de noite, no escuro, ainda bem, mas agora, a
senhora olhando para mim, é humilhante demais.
A Madre: Como o demônio é hábil! Você terá mais
dificuldade de outra vez do que hoje. Vai se preocupar com
isso, enquanto que, se falar hoje, estará terminado. Olho o meu
crucifixo, não a vejo.
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 15 de maio de 1834.
J.M.J.
Minha caríssima Madre:
Nosso Pai pensa como eu, que Irmãs clausuradas não podem
ir para o meio rural. Portanto, só podemos enviar as Irmãs
A Irmã: Penso, que se quiser, poderei me tornar uma das
religiosas mais instruídas da Congregação; que a senhora
poderia me dar o emprego da Irmã N., assim, eu me
relacionaria com as senhoras N. e N. o que me agradaria. Os
senhores M. e N. vieram visitar nossas crianças, fizeram-me
alguns elogios que acolhi com prazer. Isso volta ao meu espírito
várias vezes ao dia. Tarda-me que esses senhores voltem.
174
Considerando que no Noviciado passei do último ao primeiro
lugar, penso que devo ter mais possibilidades do que as outras.
Escutei, com prazer, o elogio que nosso Pai fez de mim à
Mestra das Noviças, relativamente à instrução. Ele disse a ela
que, se me cultivassem, em pouco tempo eu iria longe, por isso
que ela não me negligenciasse. Gosto de acompanhar as
internas no passeio, porque sempre me dizem algo agradável.
Basta, já ouviu o suficiente para deduzir todo o resto.
A Madre: É bom, muito bom! Se, em lugar de se tornar uma
religiosa mais instruída, pudesse se tornar uma das mais santas,
não gostaria da troca? É o que desejo para você. Do cume do
orgulho, é preciso que se eleve ao cume da humildade. Você é
jovem. Acredite em mim. Empreenda um sério e constante
combate contra um defeito que poderia perdê-la. Repito-lhe: do
cume do orgulho, lute com todas as suas forças, com todos os
meios, empenhando-se cada dia e a cada instante do dia, até o
cume da humildade.
A Irmã: Madre, não compreendo bem o que a senhora quer
dizer. O que é o cume do orgulho, o cume da humildade?
Pressinto um pouco o que a senhora vai me responder, e desde
já tenho medo, tremo porque não poderei, sem dúvida, fazer o
que a senhora me pede. Terei remorso durante toda a minha
vida. Por favor, não me proponha uma humildade grande
demais. Não gostaria que me passasse pela cabeça o desejo de
imitá-la. Eu não poderia, não tenho bastante força.
A Madre: "Não me proponha uma humildade grande
demais,” não é uma boa disposição que a leva a me fazer esse
pedido. Você deveria, ao contrário, me pedir para lhe ensinar o
caminho mais curto para consegui-lo, qual o sacrifício que teria
de se impor. É da maior importância combater seu defeito
dominante. É um general de exército que causa o maior dano às
almas. Você precisa combatê-lo custe o que custar, sem se
apavorar com a intensidade e a duração dos combates. Deus que
é testemunha dos esforços que fazemos, dá habitualmente a
vitória à alma que a pede. É por seu amor, por sua glória que
combatemos. Ele não recusaria seu socorro. Não tenha medo.
491
Madre Antoinette me escreve que você está muito triste, o
que a aflige muito. Penso que a falsa acusação de que você é a
causa da transferência das Irmãs Julienne e Augustine, que
realmente é doloroso a suportar, a aflige e torna difícil sua
estada em Livinhac. Creia-me, coloque-se acima disso. Você
em nada influenciou no caso e, se assim fosse, não haveria mal
nenhum. Afinal, a opinião dos homens sobre nós tem pouco
valor. Madre Antoinette me disse ter dito algumas palavras que
foram mal interpretadas! Penso que ela mesma as interpretará
para você, no seu verdadeiro sentido. Ela é muito franca. Peçolhe crer no que lhe disser, pois será sempre a verdade exata.
Desejo ardentemente que a mais perfeita união reine entre
ambas, de maneira que não tenham senão uma só alma. Penso
que você deve lhe prestar todos os serviços possíveis, seja no
parlatório, no economato, etc. Veja bem que é impossível ela
dar conta de tudo, estando o dia todo com as crianças. Disse-me
que o vigário só pedia que você se ocupasse dos consertos da
casa. Com certeza ele não quer dizer que você recusa prestar
serviço quando for solicitada pela Madre. Pelo amor de Deus,
peço às duas que procurem agir num perfeito entendimento.
Tarda-me saber se vocês tiveram um diálogo cordial.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
131
Conselhos a uma doente que se restabelece progressivamente:
muita docilidade, humildade, mortificação dos movimentos
espontâneos (L 462, M 278–279).
À Irmã Anne-Sophie, em Aubin.
Villefranche, 2 de novembro de 1833.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
490
175
Temos um jubileu a ganhar. Façamos tudo que depender de
nós para nada perder dessa grande graça. Imagino a má
impressão que deve ter produzido a transferência de Irmã
Julienne. Mas, que fazer? Era um mal necessário. Nosso Pai me
escreveu para que a chamasse aqui imediatamente.
Adeus, minhas queridas Madres. Estou bem unida a vocês
nos santos Corações e termino dizendo que é preciso amar a
cruz. É só por meio dela que encontraremos nosso Esposo, a
quem demos todo o afeto de nossos corações. Se tivessem visto,
como eu, quanto se é feliz por ter sofrido e sofrido bem! Nossa
querida Irmã Fébronie o mostrou com seu exemplo. Quanto
sofrimento a preparou para a morte! Deus o sabe! E eu também,
um pouco. Quantas aflições interiores a inundaram, Deus o
sabe! De quantas maneiras os demônios tentavam, Deus o sabe!
Fomos testemunhas de seus sofrimentos físicos. Eram de cortar
o coração. Agora ela se sente feliz por ter sofrido e repousa
serenamente no Senhor. Após sua santa morte, ela parecia
dormir. Havia um sorriso em seus lábios e não nos cansávamos
de olhá-la.
Irmã Emília.
130
Irmã Françoise Pascal encontra-se então em Livinhac, onde Irmã
Antoinette Carles foi nomeada superiora no início de dezembro de
1832. Sua competência nos negócios deve prestar bons serviços no
início das atividades da nova superiora num tempo de organização e
ampliação do local. Porém, já houve dificuldades de pessoas e
temperamentos. A superiora de Villefranche tenta remediar isso (L
444, M 259-260).
À Madre Françoise, em Livinhac.
Villefranche, 25 de março de 1833.
J.M.J.
Minha caríssima Madre:
A Irmã: O que devo fazer?
A Madre: Sempre o oposto daquilo que o orgulho lhe
sugerir.10
A Irmã: Terei força para isso?
A Madre: Deus lhe dará. Imagine que seu orgulho é Golias,
o famoso filisteu que combatia contra o exército de Israel. Deus
escolheu para combatê-lo e exterminá-lo o que havia de mais
fraco na família de Jessé, o jovem Davi, que até então só se
ocupara em guardar os rebanhos de seu pai. Ele se encaminha
para o gigante armado apenas com cinco pedrinhas – símbolo
das cinco chagas de Nosso Senhor – no seu bolso e com uma
baleeira. Ele avança na direção do gigante em nome do Senhor
por quem ele combate e, com uma jogada, atira uma pedrinha e
derruba Golias. Em seguida, armando-se com a própria espada
do gigante, acaba de matá-lo. As pequenas paixões que se
encontram em sua alma são outros tantos filisteus que seu
orgulho conduz. Elas só terão força enquanto você deixar viver
esse defeito. Arme-se como Davi com a confiança em Deus,
com a lembrança das humilhações de Nosso Senhor Jesus
Cristo e, por meio de uma oração fervorosa, peça cada dia e
várias vezes ao dia a virtude da humildade. Davi arma-se com a
própria espada de Golias para acabar de matá-lo. Transforme
todas as astúcias que seu orgulho sugerir para se satisfazer em
atos de humildade. Assim, quando cometer algum erro que lhe
deve atrair alguma censura, não a evite; você é mal julgada, não
faça nada para mudar a opinião a seu respeito; o orgulho a leva
a fazer coisas que podem lhe atrair louvores, não as faça, a
menos que a obediência a obrigue a isso; gostaria de ser
valorizada pelos outros, procure ficar desconhecida, tida como
nada; escolha em tudo e por toda parte o último lugar, sem
afetação.
A Irmã: Como é difícil não evitarmos a censura, deixar-nos
julgar desfavoravelmente quando, com uma palavra apenas,
176
poderíamos ser bem vistas pelas pessoas. Não creio ter força
para fazer tudo isso. Mas eis o que estou pensando: compreendo
que meu orgulho é grande e que poderia me perder. Pois bem,
vou pedir ao bom Deus, todos os dias, que me mantenha na
humilhação e não permita que possa ter orgulho de nada. Eu lhe
direi: “Meu Deus, nutra-me com o pão da humilhação e dê-me
de beber a água de minhas lágrimas, desapegai-me do amor que
tenho pela honra e estima dos homens, que seja aos olhos deles
e aos meus um objeto de desprezo, que tudo o que eu fizer para
me elevar se transforme em confusão para mim, de modo que,
aqui na terra, viva na lama e no lixo na medida em que quero
gozar.” Acrescentarei: “Não permita que possa experimentar
outra satisfação que a de amá-lo e de agradá-lo; que o beber, o
comer e as outras satisfações que sou obrigada a conceder à
minha natureza sejam uma cruz para mim. Só lhe peço uma
coisa, ó meu Deus, é a graça de não me perder, de não permitir
que me perca eternamente.”
Eis, minha Madre, tudo que posso fazer. Comecei mesmo a
fazer a Deus esse pedido. Por vezes, tremo ao fazê-lo, por medo
de cair em grandes humilhações, mas imediatamente penso que
todos esses sofrimentos são pouca coisa se eu me salvar. Reze
por mim.
A Madre: Eu o farei e espero que você se torne humilde,
mas, por favor, não passe um dia sem pedir essa virtude da
humildade que nos faz felizes na terra e que atraiu o Filho de
Deus. Um dia, veremos às claras o preço da abjeção. Acrediteme, minha Irmã, é uma felicidade repousar no desprezo, ser
considerada como nada.. Uma vez que você quer realmente se
tornar humilde, vou lhe fazer notar algumas coisas que você fez
e nas quais revelou orgulho. Quando Ir. N. lhe disse, na minha
presença, que suas alunas eram muito lentas, que várias
perdiam tempo por não serem talvez estimuladas pela mestra,
você respondeu com vivacidade: “Ah! quanto sofremos com
essas crianças, quando não temos sangue de barata.” Você
deveria ter simplesmente respondido: “Vou ter mais cuidado
para que façam melhor. Se eu mesma fosse mais dedicada,
teriam aproveitado mais.” Quando a senhorita N. não soube
489
cama. Juntava as mãos com terna piedade e gozava de uma tão
grande calma que o sorriso estava sempre nos seus lábios.
Enfim, as suas últimas palavras foram: “Jesus, Maria...”, juntou
as mãos e assim expirou, alguns minutos após as 3h30 da
manhã.
Após sua morte, seu semblante apresentava uma espécie de
beatitude. À noite, após o jantar, nós nos reunimos ao redor de
seu corpo que não nos inspirava o medo que ordinariamente
produz um cadáver. Mas, havia algo que, em nossa dor, nos
dava uma secreta consolação. Seu rosto tinha uma expressão de
doçura, diria até de contentamento, que parecia dizer-nos: “Não
chore por mim, estou bem.” Nós todas nos propusemos seguir
os grandes exemplos de virtude que ela nos deu. Meu caro
senhor, una-se a nós, siga as pegadas de sua filha. Se soubesse
quanto as orações pelo senhor foram ardentes e freqüentes!
Quem poderia dizer quantas mortificações fez para obter sua
conversão? Que tudo isso não seja perdido. Eis um tempo
precioso para nós todos, o da quaresma, ao qual acrescentamos
a grande graça do jubileu. Tenho confiança de que o senhor fará
o que o melhor dos mestres lhe pede e que não levará a mal o
que acabo de lhe dizer.
Saúdo com muita afeição sua virtuosa esposa, bem como sua
querida família e, sou, com muita consideração, senhor, sua
humilde e obediente serva.
Irmã Emília.
129
Alusão ao jubileu da redenção e aos grandes sofrimentos
suportados, com heroísmo sobrenatural, pela Irmã Fébronie (1. 128)
(L 442, M 258-259).
À Madre Françoise e Madre Antoinnette, em Livinhac.
Villefranche, 10 de março de 1833.
J.M.J.
488
177
afastado de Deus, Madre Emília lhe conta os últimos instantes da
religiosa e procura obter assim sua conversão (L 441).
Ao Sr. Bouquiers.
Villefranche, 7 de março de 1833.
J.M.J.
Prezado Senhor:
Sua filha, nossa muito querida Irmã Fébronie, que tivemos a
dor de perder, mas cujas eminentes virtudes nos dão a certeza
de que agora está no céu ou bem perto de nele entrar – pois se o
senhor tivesse visto, como eu, seu equilíbrio de alma, sua
paciência, sua doçura, a santa alegria, essa doce paz que
acompanha a virtude – se, digo, como eu, o senhor tivesse visto
tudo isso na sua virtuosa filha, diria consolado: “Eu tenho uma
filha no céu.” É essa virtuosa religiosa, modelo de todas as
virtudes, que muitas vezes me falou de uma coisa que a afligia
profundamente. É que desde muito tempo o senhor negligencia
o grande dever de sua salvação e não se confessa. Perdoe, eu
lhe peço, a liberdade que tomo. O que me dá essa liberdade é o
grande interesse que tenho pelo pai daquela que tanto amei, que
era minha consolação e meu apoio. Pense que é ela quem lhe
fala e lhe suplica não atrasar mais o grande dever de sua
salvação. Procure, por uma volta sincera a Deus, a felicidade
que ela teve na sua bem-aventurada morte, tão tranqüila que se
assemelhava mais a um sono do que à morte.
Dizem com razão que esse último momento é terrível, mas
posso assegurar-lhe que não foi assim para ela. Ao contrário,
foi precedido de atos da mais terna piedade. Na noite de sua
morte, quando lhe diziam: “Meu Deus, a vontade do Senhor
seja feita”, ela prosseguia: “Tanto tempo quanto o Senhor
quiser, como quiser e tanto quanto quiser.” Se lhe diziam:
“Jesus, Maria, José” ela continuava: “Agora e na hora de minha
morte.” Dizia de vez em quando: “Vamos, entremos no lado
sagrado de Jesus e estabeleçamos nele nossa morada.” Ela
queria segurar em suas mãos uma imagem de São José, que ela
olhava com satisfação e dirigia também, muitas vezes, os olhos
com devoção para as imagens que estavam ao redor de sua
responder ao que lhe perguntava, você disse: “Eu lhe repeti isso
cinco ou seis vezes.” Se tivesse ficado calada, teria feito um ato
de humildade. Ontem pela manhã, quando visitei as classes para
ver se tudo estava em ordem, você subiu depressa para verificar
se nada estava fora do lugar. Você deveria ter-me deixado
passar primeiro. Quando lhe disse um desses dias que o bolo de
pão que você tinha feito para os pobres não era bom, você
respondeu: “Em casa não se faz dessas coisas.” Teria feito
melhor, se me tivesse dito: "Isto é bem verdade, gostaria que
me ensinasse a fazer melhor." Eis pequenas ocasiões de praticar
a humildade: não as deixe passar como tem feito até agora.
A Irmã: Gostaria que a senhora me dissesse como o orgulho
pode perder uma pessoa?
A Madre: Pode perdê-la de várias maneiras. Em geral, uma
pessoa orgulhosa é temerária, expõe-se sem medo ao perigo. Se
ela perece, podemos dizer que foi o orgulho que a perdeu. Uma
pessoa orgulhosa está demasiadamente apegada às suas idéias.
Acredita ter luzes superiores às dos outros e, se vier a se
enganar em alguma coisa, não há meios de fazê-la voltar atrás.
Todos os hereges de que se fala na História da Igreja só o foram
porque eram orgulhosos. Todo mundo pode se enganar,
cometer um erro, mas se a pessoa é humilde, acredita naqueles
que lhe chamam a atenção e, sobretudo, na Igreja, que é
infalível.
Nós aqui, não nos tornaremos hereges, não creio, porém
existem muitos erros na cabeça das religiosas e erros perigosos
que só a humildade pode curar. Assim, uma religiosa põe na
cabeça que fará mais e melhor se voltar para o mundo. Seus
superiores, seu confessor que vêem com clareza o perigo,
dizem-lhe que é uma loucura da qual se arrependerá e nada
omitem para retê-la. Se ela for humilde, reconhecerá que está
errada; caso contrário, cairá na cilada do demônio. Ei-la quase
perdida e é o orgulho que lhe causou esse mal. Uma outra, que
possui muitos talentos e que gosta de fazê-los aparecer, ama os
elogios. É advertida para permanecer na sombra, na medida em
que suas funções o permitirem, fugir dos louvores dos homens,
178
sobretudo das pessoas do outro sexo, de qualquer idade ou
condição. De nada adianta, quer que todo mundo saiba os
pequenos sucessos que obtém na sua classe. Sem querer
confessá-lo, atrai as visitas do vigário e de seu coadjutor, de
algumas outras pessoas capazes de julgar os méritos que
acredita ter. Elogiam-na porque se conhece ser esse o seu ponto
fraco e quase sempre a prejudicam assim. Se tivesse sido
humilde e dócil, isso não lhe teria acontecido. Eis outra que não
observa exatamente a Regra. Seu confessor, seus superiores a
advertem, impõem-lhe alguma penitência própria para fazê-la
corrigir-se. Não cumpre as penitências e achando que o
confessor e sua superiora a incomodam demais, abandona o
primeiro para ter um outro menos severo e raramente vai
comunicar suas disposições à sua superiora e ainda não lhe diz
tudo. Essa religiosa encaminha-se para sua perda e é o orgulho
que a perderá.
Deus odeia o orgulho em todos os homens, mas em suas
esposas, de modo particular, não o pode suportar. Assim, os
pecados vergonhosos nos quais permite que caiam são um
castigo daquele defeito que sempre pune. A apostasia do santo
estado religioso é ainda um castigo daquele pecado e esse
castigo é, a meu ver, um dos maiores.
A Irmã: Isso me causa medo. Peça ao bom Deus que nunca
me envie um desses castigos. É melhor eu morrer do que deixar
a Congregação ou cair em algum pecado grave. Oh! como
tenho medo!
A Madre: Um medo moderado lhe será salutar e a guardará.
O exemplo seguinte vai lhe mostrar quanto os louvores dos
homens fazem mal às almas que são consagradas a Deus. Uma
de nossas Irmãs a quem quero muito bem era um anjo de
piedade durante o noviciado. Suas delícias eram rezar e se
entreter com as coisas de Deus. Enquanto ficou comigo,
perseverou nos seus bons sentimentos. Edificava suas
companheiras. Com a idade de 22 ou 23 anos, foi enviada a
uma casa secundária e recebeu alguns elogios sobre seus
talentos e sua piedade. Tinha muitos talentos, recebeu esses
487
fere para uni-la mais a ele. Se algumas vezes se sente
desanimada pela duração de sua doença, lembre-se de que, no
dia em que pronunciou os santos votos, escolheu Jesus como
seu único bem e abraçou sua cruz, bem decidida a carregá-la até
seu último suspiro. Essa cruz que a natureza tanto repugna
carregar é, todavia, um verdadeiro bem, visto que nos abrirá,
um dia, as portas do céu. É quando tivermos a ventura de entrar
na morada da verdadeira felicidade que conhecermos todo o seu
valor e nós nos felicitaremos por tê-la carregado de bom grado,
em seguimento a nosso Esposo.
Peço-lhe, minha muito querida Irmã, que não se deixe
abater. Deus está com você. Lembre-se com gratidão de todos
os sentimentos de amor, de abandono e de resignação que Deus
lhe deu tantas vezes, deste espírito de sacrifício que você lhe
ofereceu ao pé do altar, do desejo que teve, sobretudo após a
santa comunhão, de ser toda dele, querendo unicamente sua
santa vontade. Diga-lhe que os renova como se estivesse
atualmente em todo o seu vigor e esteja bem decidida, se for do
agrado do seu bom Mestre restituir-lhe a saúde, a viver apenas
para amá-lo e servi-lo. Procure lembrar-se também muitas
vezes das dores cruciantes que nosso Salvador suportou por nós
todos e una seus sofrimentos aos dele.
Saúdo-a afetuosamente e sou, no seu divino Coração, sua
Madre muito dedicada.
Irmã Emília.
Todas nós rezamos por você e nossas Irmãs lhe dizem mil
coisas e tudo que se pode almejar.
128
Irmã Fébronie (Elisabeth) Bouquiers, nascida em Cajarc no dia
14 de fevereiro de 1809, tinha professado no dia 15 de outubro de
1826 e morreu em 4 de março de 1833, em Villefranche.
Desempenhou bem as funções de mestra de noviças e de assistente,
que exerceu de 1830 a 1832 (cf. 1. 122). Estando seu pai infelizmente
486
179
por nosso amor. Somos suas esposas, devemos esperar sorte
melhor do que ele? Ah! se conhecêssemos o valor dos
sofrimentos e a vantagem que há em carregar a cruz nas
pegadas do nosso bom Mestre, não desejaríamos viver um
instante sem ela. Num tempo tão precioso como este que
vivemos, vá ao presépio pedir ao Menino Deus recém-nascido,
a graça de lhe fazer conhecer a felicidade que há em sofrer por
ele. E, a exemplo dos reis magos que festejamos sexta-feira,
ofereça-lhe seu coração, sua vontade, seus desejos, para não
mais viver senão do seu santo amor.
Encorajo-a fortemente a dizer tudo à Madre e a lhe abrir seu
coração. Ela é tão boa! O bom Deus abençoará esse meio e
esteja certa de que graças bem especiais são ligadas a essa
fidelidade.
Sensibiliza-me a lembrança de Victoire e de Angèle.
Saúde-as de minha parte.
Saúdo-a com afeição e sou, toda sua, nos santos Corações.
Irmã Emília.
127
Uma doença que se prolonga indefinidamente pode, em certas
horas, levar ao desânimo: renovar todos os melhores sentimentos que
se pôde experimentar (L 437, M 250-251).
À Irmã Anne-Sophie Tarayre, em Aubin.
Villefranche, 10 de janeiro de 1833.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Soube, pelas cartas de Madre Françoise, que seu estado de
saúde continua o mesmo, mas ela não me diz se você conserva
a coragem e a confiança em Deus nessa longa provação. Gosto
de pensar, minha bem-amada Irmã, que, submissa ao
beneplácito divino, você beija a mão que em sua misericórdia a
elogios com prazer e, longe de rejeitar o veneno que lhe era
oferecido, sem tomar cuidado o absorvia cada vez que o
apresentavam, sem medo nenhum. Amou naturalmente as
pessoas que tinham para com ela um afeto particular. Essas
duas coisas a fizeram degenerar a tal ponto que, alguns anos
depois, tendo-a chamado novamente perto de mim, não a
reconhecia mais. Só desejava a estima e a afeição das criaturas,
tinha um desgosto muito grande pela oração e pelas coisas de
Deus. Era com dificuldade que se suportava no claustro. Queria
voltar para a casa onde o demônio a havia iludido. Eu me opus
fortemente. O demônio lhe sugeriu abandonar a clausura.
Mostrei-lhe todos os perigos que encontraria numa escola e
que, se alguém precisava de clausura e de retiro para se salvar,
era bem ela. Tendo feito apelo a seu coração, à afeição que
sempre tive por ela, supliquei-lhe, em nome desse amor de mãe
que enchia meu coração por minhas filhas, sobretudo por ela de
quem cuidara desde jovem, supliquei-lhe que voltasse a
melhores sentimentos. Desmanchou-se em lágrimas e
prometeu-me não sair do claustro. O demônio voltou a tentá-la,
pondo-lhe na cabeça regressar ao mundo onde poderia dedicar
sua afeição a alguma criatura. Mostrei-lhe a tentação e,
tomando-a por seu lado fraco que é um coração terno e
afetuoso, consegui que voltasse para Deus. Ela não recuperou
ainda seu primeiro estado de fervor, mas espero que volte a ele.
Os elogios dos homens são um veneno dos mais atraentes e dos
mais sedutores. Fuja sempre deles e não evite a censura e a
crítica.
180
485
4. Conferência sobre a clausura
(C 8-9; nº 4).
Este angustiado desabafo deve situar-se em dezembro de
1844, quando foi oficialmente declarada a proposição do cônego
Barthe de suprimir a clausura em toda a Congregação. (v.s. introdução
p. 20). Para a fundadora, a clausura assegura às suas religiosas uma
garantia institucional de obscuridade na qual se prolonga o mistério da
vida em Nazaré. No seu tempo, a clausura não era incompatível com
as escolas, mas certamente, no tocante a esse assunto, ela teria
aceitado as novas exigências do apostolado contemporâneo. (v.i. nnº
5, 21, 24).
nossos bem-amados modelos: Jesus, Maria, José.1 Como somos
felizes por estar numa tão santa e tão amável companhia! O que
não deveríamos fazer para responder à infinita bondade de Deus
a nosso respeito? No início deste ano, que desejo seja todo
vivido nos santos Corações, reanimemo-nos. Humilhemo-nos e
joguemo-nos confiantes no seio da divina misericórdia,
abraçando a cruz de nosso doce Salvador.
Desejo ardentemente, minhas muito queridas Irmãs, darlhes melhores exemplos do que tenho feito no passado e ser
para vocês melhor Madre, pois, quanto à minha ternura por
todas, vocês sabem que não há nada a acrescentar.
É nesses sentimentos que as saúdo de todo o coração no
bom Mestre.
“Ainda quarenta dias e Nínive será destruída.” Minhas
caras Irmãs, essas palavras do profeta Jonas aos ninivitas me
chamaram vivamente a atenção durante a minha meditação.
Atravessamos um momento muito difícil. Comparo a nossa
situação atual à dos ninivitas, quando Deus lhes envia seu
profeta."11
Ainda quarenta dias, ainda um pouco de tempo e um dos
elos que nos une a Deus será rompido. Nosso voto de clausura
será extinto. Deus não quer destruir Nínive se ela se converte.
Não, ele a ameaça somente com uma ruína total se ela
persevera na sua idolatria; mas, se mudar, grandes graças lhe
são reservadas. Eu também não penso, minhas caras Irmãs, que
Deus queira abalar a nossa Congregação nos seus alicerces,
tirando-nos a clausura. Não, ele quer somente nos dar uma boa
lição, fazendo-nos reconhecer muitas faltas que me parecem a
única causa desse castigo. Nesse extremo, sem nos abater nem
desanimar, vamos imitar os ninivitas na sua penitência. Antes
de lhes falar da quarentena que prometi ao bom Deus que todas
nós faríamos, vou dizer-lhes, em poucas palavras, o que irritou
o céu contra nós e o que temos de fazer para reparar. Foram os
homens os primeiros a pensar em nos privar da clausura? São o
senhor Bispo ou os Padres que não crêem na sua subsistência
que irão eliminá-la? Não, minhas caras Irmãs, não é assim que
vejo a situação e que lhes peço encará-la. As primeiras que
prejudicaram a clausura fomos nós, minhas caras Irmãs, e Deus
Irmã Emília.
Ano de 1833
126
Simpatizando cordialmente com uma religiosa que sofre, Madre
Emília procura colocar esta provação numa perspectiva sobrenatural:
mistério da cruz, esperança do céu, contemplação do presépio (L 435,
M 194-195).
À Irmã Augustine, em Aubin.
Villefranche, 2 de janeiro de 1833.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Fiquei muito penalizada ao ler a sua carta e compartilho bem
sinceramente todos os seus sofrimentos, tanto interiores como
exteriores. Desejaria poder aliviá-la, mas somente Deus pode
fazê-lo. Aguardando que ele o faça, não se deixe abater e
procure submeter-se à sua santa vontade. Lembre-se de que os
sofrimentos e contradições são, neste mundo, o único caminho
que leva ao céu e que tal é o privilégio de um Deus crucificado
484
181
verdadeira humildade que provoca sua dor. Melhor seria pensar
em desempenhar bem a sua função do que lamentar-se sobre as
dificuldades que tem para exercê-la. Aliás, para que tanta
tristeza? Você recebeu esse cargo, será preciso cumpri-lo, quer
queira, quer não. Pelo menos, fazendo-o com boa vontade, terá
o mérito da resignação. Assim, creia-me, não pense mais nisso
e cumpra bem suas obrigações.
(A assinatura foi cortada para dá-la a uma pessoa de fora que
pedia com a mais viva insistência a assinatura de Madre Emília)
125
Ainda uma vez, Madre Emília acredita dever lembrar suas faltas
por ocasião das recentes permanências em Aubin ou Livinhac.
Aproveita a oportunidade para exortar a viver com Deus, cumprindo o
regulamento (L 434, M 253-254).
Às Irmãs de Aubin e Livinhac.
Villefranche, 31 de dezembro de 1832.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Voltando ao tempo que passei em Aubin, em diferentes
ocasiões e especialmente àquele que passei em Livinhac,
reconheci que tinha cometido uma infinidade de faltas que
foram mau exemplo para vocês. Dentre outras coisas, a respeito
do silêncio. Reconheço ter usado de muita liberdade em Santa
Marta (cozinha) e no meu quarto, onde muitas vezes falei sem
que a necessidade ou a utilidade me obrigasse. Concedi
permissões com demasiada facilidade e não fui bastante firme
quanto à observância do regulamento. Desde a minha volta,
lembro-me sempre destas palavras tão impressionantes:
"Aquele que vive do regulamento vive de Deus." Ah! minhas
queridas Irmãs, possamos nos penetrar dessa regra santa e amála de tal forma que, gravada no mais íntimo de nossos corações,
só vivamos para observá-la e que, amando-a mais do que nossa
própria vida, por meio de sua exata observância, honremos
não se serve das pessoas que nos fazem sofrer a esse respeito
senão como instrumentos vingativos de sua justiça.
Em que, me perguntarão vocês, nos tornamos culpadas? Eilo: procuramos elevar-nos além do que devem ser os membros
da nossa Congregação, desejamos receber jovens da classe
privilegiada. Para isso, não hesitamos em transgredir algumas
regras da clausura, o que nunca teríamos feito caso se tratasse
de crianças pobres, da classe média. Entretanto, foi somente nos
pobres que eu pensei ao fundar a Congregação. Não foi para
educar as senhoritas que vocês entraram na Congregação. Não
foi para isso, mas para educar os pobres. Preocupamo-nos
demais com a opinião das pessoas do mundo, procurando
agradá-las, atraindo seus elogios em vez de menosprezá-los.
Não procuramos, como o ordenam nossas Constituições,
colocar nossa Congregação abaixo das outras. As que são
subalternas aspiram aos cargos e as que fazem os trabalhos
domésticos desejam ser professoras. Esse comportamento
desagradou a Deus e, por um castigo que evitaremos se nos
corrigirmos, somos ameaçadas de ver extinto o nosso voto de
clausura. Ah! minhas Irmãs, que infelicidade se a clausura vier
a ser extinta! Será a temer que a Congregação se arruine,
porque o espírito que animou os primeiros membros seria
destruído. Então, veríamos as coisas declinarem dia a dia, a
regularidade se enfraquecer, o espírito do mundo se introduzir e
seríamos apenas fantasmas de religiosas, bastões vestidos.
Como gostaria que o bom Deus nos iluminasse, desse a todas
nós o verdadeiro espírito que devem ter as Irmãs da Sagrada
Família, esse espírito que nos conservará e nos fará viver; mas
se tivermos a infelicidade de perdê-lo, logo nos acabaremos.
Acreditem-me, minhas caras Irmãs, permaneçamos sempre
bem pequenas. Deus olhará para nós. Coloquemos nossa
Congregação abaixo das outras e nada perderemos. Se
soubermos permanecer na humildade, na simplicidade, na
pobreza e, sobretudo, se conservarmos nosso coração isento da
ambição de agradar aos homens, de rivalizar em mérito pessoal
ou local com os outros Institutos religiosos, não teremos nada a
temer pelo futuro da Congregação. Ela será abençoada, a
Sagrada Família a conservará e a cobrirá com a sua proteção.
Teremos seu espírito que é um bem perfeito. Ter o espírito de
182
Jesus, Maria e José, que felicidade! Então, eu lhes permitirei
rivalizar com os demais Institutos religiosos porque não
teremos outra ambição senão a de ser as mais pobres, as mais
humildes, as mais mortificadas. Ambicionaremos o nome de
Irmãs Mínimas de que o mundo não faz caso, Irmãs para os
pobres, para todos aqueles que o mundo rejeita. Esse nome de
“Mínimas” sempre teve a minha simpatia, desde que conheci
São Francisco de Assis.12 Não podemos acrescentá-lo ao de
Irmãs da Sagrada Família, mas lembrem-se sempre de que
desejo que o acrescentemos em nosso espírito e nos
comportemos de maneira coerente com ele. Somos chamadas a
imitar a Sagrada Família, a viver como ela, desconhecidas e
pequenas. Deveríamos estar constantemente ocupadas em
seguir os exemplos dos três modelos que Deus nos deu. Quem
mais pobre, mais humilde, mais retraído que a Sagrada Família?
Jesus, Maria, José viveram numa obscuridade completa. A
cidade de Nazaré era a sua clausura. Dela não sabemos que
tenham saído sem a ordem de Deus.
Também nós, minhas caras Irmãs, não deixaremos jamais
nossa Nazaré, nossa cara solidão, sem ordem expressa do
Senhor. Lá imitaremos, mais do que até agora, a Sagrada
Família, bem persuadidas de que ela aplacará o céu irritado
contra nós. Nosso voto de clausura nos será conservado, nisso
tenho plena confiança. Se entre vocês há alguma indecisa, que
não ama a clausura ou não queira nela permanecer firme como
um rochedo para a conservação da regularidade e da prática de
todas as virtudes como acabo de lhes falar, que se decida agora
e passe enquanto há liberdade para o ramo não-clausurado. Aí,
ela terá mais latitude, um pouco menos de constrangimento do
que as que não querem recuar diante de uma decisão tomada,
desejando realmente ser mais fervorosas, fazendo tudo que
depende de nossa vontade para não abrandar a clausura.
Eis o que devemos fazer para que Deus nos seja favorável.
Amanhã começaremos uma quarentena, durante a qual faremos
vários jejuns, várias comunhões, para obter a conservação da
clausura. Aquelas que não puderem jejuar venham me
perguntar o que deverão fazer para substituir o jejum. Todas as
penitências que deverão ser feitas durante esse tempo, tais
como vigílias, disciplinas, humilhações públicas, serão feitas
483
Saúdo-a nos santos Corações. Mil recomendações a nossas
Irmãs, a Victoire e às nossas crianças.
Irmã Emília.
Uma das causas de seu mal-estar interior bem poderia ser o
vivo apego que tem para comigo. Preste atenção nisso. Pareceme que a esse respeito, em muitas coisas, você segue os
impulsos da natureza.
Creio que deveria evitar pensar e falar de mim e não
alimentar o desejo de me ver. Acredito ainda que você não
aceita, com bastante generosidade, as dificuldades inerentes ao
cargo de superiora e se fecha demais em si mesma. Quanto às
suas confissões, não pense mais nisso e entregue-se à divina
misericórdia. O melhor de todos os meios para curar nossos
males é abraçar a cruz de todo o nosso coração. Sexta-feira será
a festa de Santo André. Esforcemo-nos para seguir o seu
exemplo. Queira dizer a Victoire que lhe responderei
pessoalmente.
124
Esclarecimentos a respeito de uma carta na qual esta religiosa
manifestava um pouco de amargura. Encorajamentos para aceitar
inteiramente a vontade de Deus (L 432, M 252).
À Madre Antoinette, em Livinhac.
Villefranche, 20 de dezembro de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Não posso responder a Philippine. Envio-lhe as mais
afetuosas lembranças e fico triste porque leva tão pouco em
consideração o que lhe disse. Encorajo-a a refletir menos e a
colocar sua confiança em Deus. O mesmo digo a você. Nosso
Pai leu para mim a carta que você lhe escreveu e ficou
penalizado. Creio, minha Irmã, que leva o caso longe demais.
Lamenta ter se deixado abater pelo sofrimento. Não é uma
482
183
Ontem, nós nos propusemos ser bem devotas hoje e de nos
doarmos inteiramente a Deus. As senhoritas Caroline e Rose
(jovens que desejam ardentemente ser Irmãs da Sagrada
Família e ensinam na classe gratuita) fizeram conosco esse
projeto. Mas a tristeza é que não esperávamos ter a santa missa.
Ontem o vigário tinha vindo celebrá-la. Eu lhe expus nosso
desejo, mas ele me disse que tinha uma missa de 7° dia. Nossa
Irmã Laurier, por sua vez, foi pedir ao pároco para nos celebrar
a santa missa (pois ela lamenta muito não termos missa). Ele
lhe disse que tinha uma missa de 7° dia. Nós nos resignamos,
mas o bom Deus, sensível aos nossos desejos, quis entretanto
que o vigário viesse celebrá-la. Imaginem nossa alegria, pois
sentimos muito mais o valor do santo sacrifício quando dele
estamos privadas.
com essa mesma finalidade. Que não haja uma só pessoa na
Congregação que se omita a participar dessa aflição pública
com o objetivo de aplacar o Senhor. Os ninivitas fizeram jejuar
as crianças lactentes e os animais e, no entanto, as crianças e os
animais não eram, de forma alguma, culpados; é preciso fazer
rezar as crianças sem lhes dizer o porquê. As postulantes e as
noviças, consideradas como parte da comunidade, devem, como
nós, se cobrir de saco e cinza, isto é, rezar, humilhar-se e
mortificar-se. Não desanimemos. Deus atenderá às nossas
preces.
Há pouco, o vigário trouxe uma jovem protestante que quer
se converter. Ela deve entrar segunda ou terça-feira. Eu a
recomendo às suas orações.
123
Após alguns negócios práticos, Madre Emília adverte Irmã
Françoise sobre o excessivo apego que acredita discernir nela a seu
respeito (L 428).
À Madre Françoise, em Aubin.
Livinhac, 26 de novembro de 1832.
J.M.J.
Com efeito, é muito gratificante para você e para mim
estarmos afastadas de todo conserto. O Sr. Vigário se ocupará
disso com prazer e nós faremos melhor a oração.
Como você sabe, pedimos muitas coisas em Villefranche.
Quando você as tiver recebido, poderia enviá-las e a mula
voltaria carregada com as batatas e o toucinho. Se tiver bastante
óleo, poderia nos enviar também.
5. Diálogo com uma noviça não-clausurada que desejava
fazer o voto de clausura
(D 65-68; nº 27. Neste diálogo algumas linhas foram omitidas; a
supressão está assinalada por pontos de reticência.).
Trata-se da Irmã S. Tauriac, em 1845. Madre Emília afirma a
importância da clausura, mas se interroga se essa jovem de 15 anos
deve assumir tal compromisso, quando antes sentia que Deus a
chamava para o ramo não-clausurado. São, pois, dois critérios de
escolha individual, e em vista de uma decisão sobrenatural que a
superiora propõe, cujos avisos e controle se repartem em várias
conversas aqui reagrupadas. Tanto no plano individual como no
coletivo, é assunto de discernimento do "melhor," segundo a vontade
de Deus.13
184
481
A Irmã: Madre, desde algum tempo sinto-me muito atraída
pela clausura. Sou tão fraca que temo não perseverar se for
enviada para uma escola.
A Madre: Você sentiu esse atrativo antes de entrar no
noviciado das Irmãs não-clausuradas ou depois que entrou no
convento?
A Irmã: Madre, antes, nada conhecia a respeito das Irmãs
clausuradas, mas desde que as vi, compreendi a felicidade das
pessoas totalmente separadas do mundo e senti o maior desejo
de imitá-las, prometendo ao bom Deus que me tornaria Irmã
clausurada. Depois, compreendo que, com minha natureza
fraca, eu me arriscaria a não ser fiel à minha vocação. Sempre
gostei do prazer, do divertimento e facilmente me deixo levar.
Mais eu avanço, mais tenho pressa em lhe solicitar essa graça.
A Madre: Penso como você que uma inteira separação do
mundo lhe seria vantajosa. Você teme e tem motivos suficientes
para temer. É necessária muita força de vontade às nossas Irmãs
não-clausuradas, sobretudo quando são jovens e tudo lhes sorri.
Não sou contra seu desejo de clausura, mas você precisa refletir
bastante para depois não se arrepender. Que idade você tem?
A Irmã: Tenho 15 anos.
A Madre: Você é muito jovem. Acho uma resolução
bastante precipitada que poderia mais tarde levá-la ao
arrependimento. O melhor será refletir diante de Deus sobre
esse passo que deseja dar, pedindo-lhe para esclarecê-la. Reze
muito à Santíssima Virgem, faça uma novena em sua honra.
Sobre esse assunto, nada comente com as demais noviças. Fale
somente à madre mestra,14 a mim e ao bom Deus.
A Irmã: Madre, não sei por qual motivo a madre mestra me
desencorajou quando lhe disse que desejo ser clausurada. Ela
me despediu tão friamente, dizendo-me que não sou bastante
mortificada, que não perdesse tempo fazendo castelos no ar.
ao porco, limpar o pequeno sanitário, levar lenha à Irmã
Marthe, eis minhas ocupações. São muito do meu gosto.
Nossas crianças são muito dóceis e, conseqüentemente, não
dão trabalho. Nossas Irmãs são bem comportadas e não me
ocupam muito, a não ser para lhes fazer algumas conferências.
Observamos um grande silêncio, quase não vamos ao
parlatório, nada de negócios. Eis em que consiste a minha vida.
Nessa calma profunda, não as esqueço, vocês estão muito
presentes ao meu espírito. Lembro-me em particular de nossa
querida Irmã Fébronie1 que carrega meu fardo com satisfação
para vocês e para mim. Estou persuadida de que continuam
todas a torná-lo leve, de tal maneira que ela se sinta mais
consolada do que cansada. Quanto a vocês, minhas queridas
Irmãs de Aubin, façam o mesmo para com Madre Françoise,
que agora enxugou suas lágrimas, vendo que isso não
adiantava.
Fico pensando quanto seríamos felizes se, a exemplo de
nossa boa Mãe do céu, nos entregássemos amanhã a Deus sem
reservas. As almas que nada recusam a Deus sabem o que
significa pertencer-lhe sem reserva. Como essa experiência
deve ser doce! Quando é que nós a faremos? A fidelidade nas
pequenas coisas é um dos maiores meios. Peçamos a nosso Pai
São José e a nossos santos anjos da guarda de no-la obter.
Eu as saúdo, minhas muito queridas Irmãs, assim como a
todas as nossas crianças. Recomendações a Pe. Cabantous e à
Madre Maurice.
Irmã Emília.
P.S. (Dia 21, continuação). Marie Sophie saberá com prazer que
nossa Irmã Laurier é sacristã da paróquia e desempenha muito
bem sua função, ao gosto do vigário. E, a propósito do Sr.
Vigário, ele nos é muito dedicado. Lamenta ver-nos privadas da
santa missa. Esse padre nos dá o exemplo da vigilância e do
zelo no cuidado das almas. Na sua paróquia, ele é como uma
superiora no seu convento, conhece o interior de cada família,
todos os temperamentos, todos os negócios de suas ovelhas.
Está em toda parte, concilia todas as desavenças tanto quanto
lhe é possível. Interessa-se vivamente pela instrução das
crianças e não deixa de ir as casas para buscá-las.
480
185
de graça e de misericórdia, onde somos purificadas e
abundantemente nutridas. Aproximemo-nos deles com
respeitoso temor acompanhado do mais ardente amor. Não nos
acostumemos com os benefícios de Deus. Quando devemos
receber a santa absolvição, lembremo-nos dessa graça com
muita gratidão, e, após tê-la recebido, façamos o mesmo com a
santa comunhão. Que a idéia de fazê-la, bem como sua
lembrança nos tornem recolhidas e, sobretudo, nos tornem
dispostas aos pequenos sacrifícios que pede aquele que se dá a
nós com tanto amor.
Sou, com a afeição que vocês conhecem, sua Madre.
Irmã Emília.
Não voltei mais a falar com ela. Sinto-me feliz por ver que a
senhora pensa como eu.
A Madre: Pobre criança, sua mestra, como eu, quer o seu
bem, sua salvação. O que ela lhe disse não foi para desencorajála. Se seu desejo persistir e você continuar na disposição de
fazer os sacrifícios que vou lhe propor, eu lhe permitirei
ingressar na clausura. Vai refletir os seguintes pontos:
1º Terei a coragem de permanecer dez, vinte, trinta, quarenta
anos no mesmo lugar, sem mudar de casa, sem sair?
2º Se eu adoecer e o médico achar que uma saída é necessária
para que recupere a saúde, teria a coragem de oferecer-me
como vítima, preferindo morrer a sair da clausura?
122
Madre Emília conta com humor suas ocupações subalternas e
expressa sua alegria ao ver a regularidade reinar na comunidade de
Livinhac. Elogia o zelo do vigário (L 426, M 241-243).
Às Irmãs de Villefranche e de Aubin.
Livinhac, 20 de novembro de 1832.
J.M.J.
Minhas queridas Irmãs:
Enquanto vigio a vaca, pensei em escrever-lhes uma
palavrinha. É muito fácil vigiar vacas. Certamente, é preciso
experimentá-lo para saber. Esse pobre animal se dirige com
grande docilidade para o lugar onde deve pastar, não dá
nenhuma preocupação e é muito tranqüilo. É justo, minhas
caras Irmãs, que após ter partilhado com vocês a preocupação e
o trabalho que tive durante algum tempo, eu lhes fale um pouco
de meu repouso que é tão grande quanto a ocupação foi
considerável. Agora, descascar castanhas, fazer algumas visitas
3º Se meus pais adoecerem e desejarem insistentemente que eu
vá vê-los e, se, pedindo, obtiverem essa permissão, teria
força para resistir?
4º Se violentas tentações, sofrimentos interiores e outras
dolorosas provações me assaltarem na clausura,
permanecerei firme? Estou plenamente decidida a morrer
antes que desistir da clausura?
Medite sobre essas quatro exigências diante do bom Deus e
veja quais as suas disposições a respeito delas. Na próxima vez
que vier me prestar conta das suas disposições interiores, me
dirá o resultado das suas reflexões.
A Irmã (alguns dias depois): Minha Madre, dos pontos que
a senhora me deu para refletir há dois que me causam um pouco
de medo. É de talvez permanecer quarenta anos no mesmo
lugar, sobretudo se estiver doente. A esse pensamento sinto-me
desfalecer, não teria força, mas, apesar disso, algo me diz que
não devo desistir da clausura. Gostaria de abandonar essa idéia,
mas não consigo.
A Madre: Quando alguém se decide pela clausura, deve
oferecer-se como vítima, ofertar a Deus o sacrifício da saúde,
186
da vida. Não deve mais desejar rever o mundo e a família,
senão através das grades.
......................................................................................................
A Irmã: Minha Madre, peça a Deus que me conceda a graça
de sempre fazer a sua vontade, de me dar a força para
corresponder ao seu apelo.
479
esperança de que Deus vai atendê-la que sou, com muita
afeição, nos santos Corações,
Sua serva muito humilde.
Irmã Emília.
PS: Estamos solidárias com a doença do Senhor seu cunhado e
rezamos por ele.
A Madre: Rezarei e farei rezar. Reze também você, porque
disso, pode depender a sua salvação. Existem almas para as
quais a vida no claustro é necessária à salvação. Você poderia
ser do número delas. Falarei disso ao nosso Superior. O bom
Deus nos fará conhecer sua vontade. Não se inquiete.
121
A Irmã (alguns dias depois): Minha Madre, nosso Superior
me falou sobre a clausura. Disse-me que deveria esperar quatro
ou cinco anos para fazer o voto. Meu confessor me disse
também que vou bem nas escolas e que devo permanecer nelas,
bem tranqüila. E a senhora, o que pensa disso?
O único bem a que se pode verdadeiramente aspirar na vida
religiosa é a união com Deus; pedi-la com um coração mais pobre;
aproximar-se dos sacramentos com um grande espírito de fé (L 425,
M 240-241).
A Madre: Penso como eles. A primeira vocação é a
melhor. Procure fazer o bem no ramo das Irmãs nãoclausuradas.
Livinhac, 19 de novembro de 1832.
A Irmã: Minha Madre, interiormente, algo me diz que devo
ingressar na clausura, apesar do esforço que faço para me
libertar dessa idéia.
A Madre: Resolvemos que você irá passar algum tempo em
N..(casa não-clausurada) para ver se essa idéia passa. Viajará
por esses dias. Não se aflija. Se perseverar em pedir a clausura,
essa lhe será concedida.
A Irmã: Minha Madre, penso que se eu for passar algum
tempo numa escola, correrei o risco de perder a minha vocação
para a clausura. Gosto tanto do mundo, dos passeios, da
superiora de... receio que se for para lá não queira mais voltar
para a clausura. É preciso que o bom Deus me atraia
fortemente, como ele o faz, para eu pedir a clausura. Não gosto
Às Irmãs de Villefranche e de Aubin.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
A única coisa a que devemos aspirar em nosso santo estado
é uma íntima união com Deus.1 Para consegui-la, nada nos deve
parecer demasiadamente penoso ou difícil. Nada nos deve
desanimar. Assim, aspiremos incessantemente a esse único
bem. Que todo o resto nos pareça realmente desprezível, de
forma que não ocupe nosso espírito e, ainda menos, o nosso
coração que não é feito senão para o único bem. Peçamos sem
cessar esse bem único, esse bem soberano que é o tudo da alma
religiosa que, tendo renunciado a tudo, se torna infinitamente
rica porque na sua pobreza possui o tesouro dos tesouros. Um
meio de atingir esse ideal é receber os sacramentos com grande
espírito de fé, apreciando com todas as nossas forças esses dons
preciosos da divina misericórdia. Nosso santo estado nos
proporciona a vantagem de haurir com freqüência nessas fontes
478
187
À Senhora Marty, em Villefranche.
Livinhac, 6 de novembro de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Senhora:
Vejo que na sua grande dor Deus a sustenta. Permite essa
dolorosa provação para lhe conceder grandes benefícios. Esteja
bem certa de que servirá para uni-la a ele e desapegá-la das
coisas presentes. Que é a vida? Que são todas as pretensas
vantagens que a acompanham senão objetos que passam e não
são feitos para nos apegar? Só Deus é o nosso soberano bem. É
ele que pode fazer nossa felicidade. Você me diz em sua carta
que seus queridos filhos eram o objeto de todas as suas afeições
e elas eram justas. Mas essas afeições talvez, por mais justas
que fossem, tivessem algo de exagerado, e com isto Deus
perdia uma parte de um coração feito só para ele. Creia-me,
minha querida senhora, entre nos desígnios da Providência,
fique bem persuadida de que ela é tão boa e misericordiosa
quanto justa.
Um dia verá que aquilo que a aflige tão profundamente será
o motivo de sua alegria e que se alegrará eternamente por ter
tido uma dor tão cruel. A Sabedoria eterna nos disse: “Bemaventurados os que choram.” E por quê? Porque suas lágrimas
serão, durante toda a eternidade, o objeto de um prazer
delicioso. Nunca estaremos bastante convencidos de que não
somos deste mundo, pois essa verdade, bem compreendida,
suavizaria todos os nossos males. O cristão deve habitualmente
elevar seus pensamentos e seus desejos para o céu. Se não o
faz, sai da ordem estabelecida por Deus.
É bem difícil, quando se têm filhos tão amáveis quanto os
que Deus lhe deu, que se ame a Deus com o coração bastante
puro. Aproveite, minha querida senhora, esse amargo e penoso
remédio que a Providência lhe deu para entregar-se
inteiramente ao santo amor. Esse fogo divino enxugará suas
lágrimas, após ter sido bem aceso em seu coração. Sua divina
doçura substituirá com muita vantagem tudo que perdeu. É para
lhe obter essa graça que vamos começar uma novena e é na
do interior do convento, prefiro o exterior e, no entanto, algo
me diz que não devo mais sair. Creio que seria uma infelicidade
para mim ir para uma escola. Coloco-me à sua disposição.
Agora farei o que a senhora achar melhor.
A Madre: Você não irá, eu a compreendo. Reze e rezarei
para que em todas as coisas façamos a santa vontade de Deus.
A Irmã (no dia seguinte): Minha Madre, passei toda a noite
pedindo ao bom Deus que me conceda a graça de entrar hoje no
noviciado das Irmãs clausuradas, se tal é a sua vontade. Pedilhe para que a senhora estivesse de acordo.
A Madre: Penso que o bom Deus ouviu o seu pedido. As
Irmãs do conselho e eu pensamos ser essa a vontade de Deus.
Desde esta tarde você entrará no noviciado das Irmãs
clausuradas. Entrando para o serviço de Deus, prepare-se para a
tentação.
A Irmã (um mês depois): Minha Madre, estou sendo muito
tentada a respeito da clausura. Parece-me que sufoco, não posso
respirar. Aborreço-me demais. Parece que estou encerrada
numa caixa muito pequena onde morrerei por falta de ar. Não
gosto de nenhuma noviça nem da mestra tampouco. Não era
assim. Sentia tanta consolação quando apenas via essas noviças
tão fervorosas, sua mestra tão virtuosa. O que significa isso? Se
continuar assim, não poderei fazer o voto de clausura.
A Madre: Bem pensava eu que você seria tentada como o
está sendo, isso não me espanta de modo algum. Você sofrerá
ainda, mas logo que fizer o voto de clausura, tudo passará.
A Irmã: Minha Madre, poderei fazer o voto de clausura
nesse estado? Minha mestra receia muito e está longe de me
aconselhar a fazê-lo. Estou triste ao ver que tanto as minhas
mestras, seja quando eu estava no noviciado das escolas, seja
agora, não pensam como a senhora.
188
477
A Madre: Isso não quer dizer nada. Eu lhe permito a se
engajar, agora que a vontade de Deus lhe é conhecida, a fazer
não somente o voto de clausura mas os três outros. Você tem 15
anos. Acredito que a Igreja permite fazê-los nessa idade. Vá
procurar o padre, pergunte se você é jovem demais e fale-lhe
das tentações que tem tido. Enquanto isso, reunirei os membros
do capítulo para lhes pedir seu consentimento. Tenha coragem,
reze bem à Santíssima Virgem para que a abençoe e lhe
conceda a graça de doar-se totalmente a Deus e prossiga no seu
caminho.
(Tendo a Religiosa emitido o voto de clausura, não mais
sentiu tentação a esse respeito).
6. Diálogo com uma postulante-noviça sobre a confiança
para com a mestra das noviças
(D 56-58; nº 24).
Caso típico, sem dúvida, de adaptação da superiora às
circunstâncias e às mentalidades individuais. Ela se mostra aqui muito
exigente. Será preciso superar generosamente todas as dificuldades e
aversões à abertura de consciência. As motivações secretas da aversão
são pouco a pouco reveladas e sintetizadas no orgulho entranhado que
se revolta facilmente. A “direção” se prolonga por vários dias.
Estamos em 1847. A mestra das noviças é Irmã Joseph Delcamp.
A Madre: Minha filha, você está se aborrecendo? Está
contente?
A Noviça (postulante): Minha Madre, não me aborreço de
forma alguma. Estou muito contente.
Em sua última carta, você me dizia que não tinha tempo de
me dizer tudo e que me diria de viva voz, caso viesse. Não
fique triste se eu lhe pedir que não me diga nada mais a esse
respeito, a não ser que fosse necessário para a glória de Deus e
para minha salvação. Gosto do meu Superior, como você sabe,
terna e respeitosamente, e quaisquer que sejam seus
pensamentos a meu respeito, isso não mudará em nada minha
conduta. Ela será, com a graça de Deus, interior e exteriormente
submissa e inteiramente abandonada, de maneira que, qualquer
coisa que me pedir, seja para minha conduta pessoal, seja para o
governo da casa, eu o farei de todo o meu coração. Se ele quiser
minha opinião, eu a darei, se for o caso; se não, agirei de olhos
fechados. Talvez pense que seria bom informar-me sobre o que
pensa nosso Pai. Engana-se, visto que ele me disse tudo. Digolhe isso porque certamente ele se explicou com você e não quis
lhe falar quando estava aqui, julgando não ser útil, e, além
disso, poderia contristá-la. Contudo, que isso não a aflija. Nem
pense, nem fale sobre o assunto, apenas reze a fim de que eu
aprenda a amar o bom Deus e a cumprir bem os meus deveres.1
Eu a saúdo com afeição, assim como nossas queridas Irmãs.
Irmã Emília.
Nossa Irmã Angélique me disse que você pedia estopas.
Não me parece possível que as crianças tenham desfiado o
grande saco cheio que lhe enviei. Se você pensou ter me
devolvido todo o fio, enganou-se, segundo creio. Repare bem e,
quando vier para a lavagem da roupa, levará outras.
120
A Madre: Você gosta de todas as suas mestras?
A Noviça: Há uma de quem gosto muito, mas da outra não
gosto porque está sempre a me julgar.
A Madre: Em que esta Irmã a julga mal?
Condolências enviadas à correspondente da carta 114, em
circunstâncias análogas. Mesma união de simpatia humana com visão
sobrenatural (L 423, M 245-247).
476
189
Minha caríssima Madre:
Reconheci que não fiz bem em lhe dizer de falar sobre tal ou
tal assunto em meu lugar ao nosso Pai e eu mesma não lhe ter
dito tudo que pensava, como o fazia outrora. Assim, está
terminado. Eu lhe direi tudo com a simplicidade de uma
criança. Ele é meu Superior e com ele devo, como diz M.
Tronson, derramar minha alma como a água. Assim, não
combinaremos mais o que lhe devemos dizer. Sei como devo
falar, isto é, como a meu pai; então, não há nada que me possa
perturbar. Arrependo-me sinceramente de tudo o que, com ele,
pareceu mistério. Não quero que haja nada no meu interior que
ele não possa ver, e a mesma coisa no meu exterior. Terei para
com ele o mais inteiro abandono, como antes. Lastimo ter agido
desse modo. Você e eu lhe diremos a verdade e só.
Saúdo-a nos santos Corações.
Você pode ler para nossas Irmãs a carta que Irmã Séraphine
escreveu às Irmãs da União.
A Irmã: Ela pensa que falo durante a aula, que não me
aplico. Foi o que disse à Irmã N. Ela será responsável se eu não
for aceita com as outras. Isso me aborrece. Gostaria que essa
Irmã fosse mudada.
A Madre: Está realmente certa de que essa Irmã fala mal de
você?
A Noviça: Ninguém me disse isso, mas creio não me
enganar. Penso que ela também falou de mim à senhora.
A Madre: É preciso não ir tão depressa no seu julgamento,
porque poderia muito bem se enganar. Mesmo supondo ser
verdade o que pensa, é preferível suportá-lo por amor a Deus,
lembrando-se de que muitas vezes você cometeu faltas e
ninguém a repreendeu. Ame essa Irmã, tenha para com ela um
profundo respeito, do contrário você desagradaria a Deus.
Irmã Emília.
119
Ainda um protesto de inteira submissão filial a respeito de Padre
Marty, embora sejam bastante pejorativas as apreciações por ele
dirigidas à Madre Emília (L 421, M 234-235).
À Madre Françoise, em Aubin.
Livinhac, 30 de outubro de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Madre:
Rose Olivié acaba de me dizer que você a apresentou a
nosso Pai e que ele a aceitaria se eu desse meu consentimento.
E não quero senão cumprir o parecer dele. Pode julgar de
acordo com a resposta que ele deu.
A Irmã: Minha Madre, não faço nada para contrariá-la, mas
não posso gostar dela como das outras. Tudo nela me aborrece.
Parece-me que não está bastante preparada para dar aula
quando Irmã N. adoece.
A Madre: Embora não simpatize com ela, procure gostar
dela por dever, jamais comente com as suas companheiras o
que nela acha de desagradável. Quando falar com ela, faça-o
sempre com muita humildade. É uma religiosa fervorosa que,
sob uma aparência simples e comum, esconde muitas virtudes.
Você não gosta dela porque a repreende com freqüência. Sabe o
que isto significa, minha filha? Que é uma pequena orgulhosa.
Você faz seu exame particular diariamente?
A Irmã: Minha Madre, faço dois exames por dia, mas não
sei qual é o que se chama de particular.
A Madre: É o que fazemos ao meio-dia. É preciso examinar
então a maneira como combate o defeito dominante. Conhece o
seu?
190
475
A Irmã: Não, Madre.
A Madre: É o orgulho. Você é muito jovem. Comece logo a
combatê-lo, terá mais facilidade para destruí-lo, antes de o
deixar enraizar-se. Conte, cada dia, quantas vezes se desculpou,
quantas vezes gostou de que seus talentos e seu pequeno saber
fossem notados.
A Irmã: Minha Madre, será preciso muito tempo para
destruir esse defeito?
A Madre: Sim, precisará de muito tempo e será muito se
conseguir eliminá-lo de sua alma um quarto de hora antes da
sua morte. Mas não precisa saber quanto tempo vai levar para
consegui-lo. O essencial é começar logo, com coragem e
determinação. São Francisco de Sales levou vinte anos para
conseguir a doçura.15 Quando você tiver combatido o orgulho
durante vinte anos, penso que terá feito algum progresso na
virtude. Venha, cada mês, me dar conta das vitórias que terá
conseguido, como também das faltas que cometer. De vez em
quando você vai à direção espiritual com a mestra das noviças?
A Irmã: Sim, minha Madre, vou.
quanto nos cerca nada é quando conhecemos o tudo de Deus?1
Todas juntas aspiremos a isso, minhas muito amadas Irmãs, e
numa mesma vontade não busquemos em tudo senão a Deus.
Que esse seja nosso desejo unânime, sob a proteção de nossa
boa Mãe, a quem depois de Deus dedicamos todas as nossas
afeições, de nosso honrado e amado São José, pai nutrício de
Jesus e que é também o nosso, e de nosso santo anjo da guarda,
a quem devemos muito particularmente amar.
Saúdo-as, minhas queridas Irmãs, sou bem e toda de vocês
nos santos Corações.
Saúdo em particular nossa querida Irmã Catherine que vive
há muito tempo ao pé da cruz, cujos frutos, na verdade, são
amargos atualmente, mas é bem certo que se tornarão
deliciosos.
Minhas respeitosas saudações à Madre Maurice. Mil
recomendações a todas as queridas crianças. Se me perguntam
talvez quando é que nos veremos, não o sei mais do que vocês.
Não me pertenço, não devemos querer, vocês e eu, senão o bom
querer divino.
Continuem a consolar nossa querida Irmã Fébronie que
vive unida a Deus e nada tem a temer. Sejam sua alegria e sua
coroa assim como a minha, e quando estiverem diante do santo
altar, lembrem-se da pequena colmeia de Livinhac e de sua
indigna Madre.
Irmã Emília.
A Madre: Conte-lhe todas as suas tentações, não tenha
segredos para ela. É assim que aprenderá para mais tarde nada
ocultar aos seus superiores. Uma das maiores tentações que
uma noviça possa ter é a desconfiança e a antipatia para com
sua mestra. Deve lutar seriamente para vencê-las. Custe o que
custar, deve dizer tudo à sua mestra.
A Irmã: Minha Madre, digo tudo o que me contraria à
minha mestra, mas desde que tomei o hábito ela aborrece
sempre, acha que não faço nada certo. Por isso, quando vou lhe
falar, não faço outra coisa senão chorar. Esqueço tudo o que
pretendia lhe dizer. Isso lhe desagrada e não sei o que fazer.
118
Humilde retratação de tudo que pareceu ser um sinal de oposição,
mesmo leve, em relação a Pe. Marty, que Madre Emília quer honrar
de modo sempre mais filial (L 420, M 233-234).
À Madre Françoise, em Aubin.
Livinhac, 26 de outubro de 1832.
J.M.J.
474
191
você dá tudo a Deus. Que, chegando a Villefranche, eu a
encontre pronta para tomar o santo véu e tenha a consolação de
colocá-lo em sua cabeça. Desejando-lhe de todo o coração um
bem tão precioso eu sou, com a mais terna afeição nos santos
Corações,
Toda sua.
Irmã Emília.
117
Exortação sobre o nada das coisas temporais, em sua oposição ao
tudo de Deus. (L 419, M 235-237).
Às Irmãs de Villefranche e de Aubin.
Livinhac, 25 de outubro de 1832.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Estando impossibilitada da doce consolação de lhes falar
pessoalmente, aproveito um instante de lazer para fazê-lo neste
pedaço de papel e para unir-me ao fervor de todas, aos seus
santos desejos e à sua fidelidade em seguir o Cordeiro. A partir
do retiro vocês o escutam melhor, pois estou persuadida de que
fizeram calar os gritos da natureza para escutar apenas a sua
divina e amável linguagem. Meu Deus, quanto é feliz a alma
que não escuta outra linguagem! Para conseguir uma tão grande
felicidade, lembremo-nos, minhas muito queridas Irmãs, do
conselho que nosso Pai muitas vezes nos deu: de evitar com
cuidado toda curiosidade. Evitemos esse defeito pela convicção
íntima do nada de tudo que passa. Então, não fazendo caso do
que acontece em torno de nós, não teremos grande vontade de
conhecê-lo. Na medida em que desprezarmos as coisas
temporais, teremos maior estima pelo que é eterno. Com efeito,
tudo passa e acaba. Olhemos as coisas como nós as veremos no
momento da morte. Essas idéias parecem tristes; entretanto, são
o princípio da verdadeira alegria. Não é triste pensar que tudo
A Madre: Minha cara filha, tenha paciência, isso passará.
Se você faz tudo o que pode para contentá-la, isso basta. É
preciso passar por algumas pequenas provações. Se você nada
tivesse a sofrer, onde estaria a virtude?... Como praticaria a
humildade sem humilhações? Mesmo assim, não deixe de lhe
expor todos os seus pensamentos, faça como se nada estivesse
acontecendo, e verá como o bom Deus ficará contente. Não
deixe de me procurar todos os meses.
A Irmã: Minha Madre, minha mestra foi tão severa a última
vez em que falei com ela, fez-me sofrer tanto que tomei a
resolução de só procurá-la daqui a quinze dias. Tenho um
pouco de rancor contra ela. Acho que ela não é justa.
A Madre: Calma, calma, o demônio está trabalhando. Se ele
pudesse impedir o relacionamento entre você e sua mestra,
ficaria muito contente, mas ele não o conseguirá, porque você
será fiel em fazer sempre o contrário de tudo o que ele pode lhe
sugerir de sofrimentos a esse respeito. Vá imediatamente
procurar a sua mestra, diga-lhe a resolução que tomou de não ir
vê-la senão daqui a quinze dias e tudo o que o demônio lhe
envia como tentações a seu respeito.
A Irmã (depois dessa entrevista): Minha Madre, fiz o que a
senhora mandou, mas sinto-me tão tentada contra a minha
mestra que não posso vê-la perto de mim. Intimamente zombo
de tudo o que ela me diz e de tudo que fala durante a
conferência. Não gostaria de estar assim, mas não consigo
vencer essas tentações.
A Madre: Isso não é nada. Precisa combater essa tentação
sem se apavorar, ela lhe será proveitosa, pois no íntimo você
ama a sua mestra. Vá procurá-la freqüentemente e faça tudo o
que lhe disser. Não deixe que as outras noviças conheçam suas
tentações, pois isso poderia lhes fazer mal.
(A mestra das noviças que agia em tudo, conforme os
conselhos de nossa venerável Madre, procedia da seguinte
maneira: 1º ordenava-lhe que viesse, diariamente, prestar conta
192
de tudo o que interiormente se passava nela; 2º fez colocar a
cama da noviça ao lado da sua; 3º no refeitório, colocou-a na
sua frente, de forma que os talheres quase se tocavam; 4º no
recreio, devia estar continuamente perto da mestra,
testemunhando-lhe uma afeição e sentimentos completamente
opostos aos que realmente sentia. A noviça obedecia
exatamente, mas a tentação, em lugar de diminuir, tornou-se
cada vez mais violenta, provocava todo tipo de pensamentos
desfavoráveis em relação à mestra, e toda noite devia relatarlhe tudo. Cansada do combate, a noviça vai procurar a Madre
para receber seus conselhos.)
A Irmã: Minha Madre, disse tudo que se passa no meu
íntimo à minha mestra. Disse-lhe, também, tudo o que penso a
seu respeito, mas isto não faz senão aumentar o meu
sofrimento. Receio fazê-la sofrer. Sofro um pequeno martírio
ao ser obrigada a manter um contínuo relacionamento com ela.
A Madre: Você tem, minha cara Irmã, uma ocasião diária
de merecimento. Basta-lhe ser fiel a todas as prescrições da sua
mestra. Não se aflija, você não tira senão vantagens dessa
provação, que vai lhe ensinar como se comportar, se no futuro
surgirem semelhantes tentações para com sua superiora. Saberá
que jamais se devem ocultar essas tentações, o que poderia
arruinar a vocação religiosa, sobretudo quando se é jovem e que
se tem necessidade de ser orientada em tudo. Não se deve temer
fazer sofrer os superiores dizendo-lhes tudo que se pensa,
mesmo que algo os atinja. Eles conhecem a fraqueza humana.
Não pense que tais confidências diminuem a sua estima. Há
muito mérito em se vencer numa coisa que tanto contraria a
natureza. Estou satisfeita com a maneira como você se
comporta em relação à Irmã.
A Irmã (mais tarde): Cansada da tentação que
experimentava em relação à minha mestra, pedi ao bom Deus
que me livrasse dela. Ele o fez, mas logo depois, surgiram
outras bem mais terríveis, às quais tenho medo de sucumbir (ela
lhe confidencia essas novas tentações).
473
À Irmã Séraphine, em Aubin.
Livinhac, 7 de outubro de 1832
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Por muitas razões, desejo seu regresso a Livinhac. Você é
minha filha muito querida, assim como é minha muito amada
Irmã. Gosto de tê-la perto de mim. Ficaria muito contente de
levá-la comigo a Villefranche. Mas esse motivo será suficiente
para fazê-la voltar aqui, quando nosso bom e venerável Pai a
aconselhou a sair? Aliás, penso como ele que o meio de atrair
uma infinidade de graças sobre você é não hesitar em seguir a
voz que a chama. Creia, minha muito querida Irmã, tome São
Mateus como seu modelo. Se tivesse escutado todas as
reclamações da natureza e todos os motivos para não seguir
Nosso Senhor, que atraso não teria sido e, sem dúvida, se
tivesse adiado, jamais teria sido um dos doze.
Creia-me, parta para Villefranche logo que receber minha
carta. Não vacile mais, Deus não se deixa vencer em
generosidade. Ele contará todos os seus sacrifícios,
recompensará todos os seus esforços. Nada será perdido. Mas,
poderá dizer-me: As razões que lhe apresento para voltar a
Livinhac não são muito boas? Permita-me dizer-lhe: creio que
são pretextos do inimigo de todo bem para fazê-la crer serem
boas razões. Eu me encarrego de tudo, providenciarei tudo do
melhor modo possível e esperemos que Deus nos dará sua
bênção: foi ele quem começou a obra, será ele que continuará e
a levará à perfeição. Repito, não se atrase mais, parta sob a
proteção da Sagrada Família, nada tema, ela a protegerá. Não
leve em consideração os temores da natureza como também os
vãos pensamentos que o demônio lhe incute na mente. Caminhe
humildemente guiada pela inspiração divina e pelo conselho de
nosso bondoso Pai.
No que diz respeito aos negócios de família, não se
preocupe, tudo se arranjará da melhor maneira. Você não quer
se dar toda a Deus? Fale com Madre Françoise ou escreva-me
tudo que quer lhe dizer e será a mesma coisa. Aliás, você acaba
de ver nosso Pai a quem, sem dúvida, disse o essencial. Vamos,
minha querida Irmã, que eu tenha a satisfação de saber que
193
472
Por favor, não se aflija, eu bem o mereço. Nosso Pe. Marty
nunca me julgará de uma maneira por demais desfavorável e
tudo o que desejo nessa circunstância é nada dizer, pensar ou
fazer que desagrade a Deus. Você se engana ao me colocar ao
lado das grandes almas. Pense antes que minhas faltas me
atraem tudo isso e você não se enganará. Confesso-lhe que
receio, quando você estiver aqui, falar desse sofrimento. A
natureza leva a desabafar com uma pessoa que se interessa, mas
é preciso esperar que você e eu sejamos prudentes e falemos
apenas o necessário.
Escrevi à Irmã Séraphine. Leia minha carta antes de
entregá-la e queira acentuar e corrigir o que não estiver bem.
É nos santos Corações que a saúdo de todo o meu
coração.
Irmã Emília.
Agradeço-lhe as boas ameixas que me enviou. Teria sido
melhor guardá-las para você. Clotilde não lavou a roupa esta
semana. Disse-me que a água estava ainda um pouco suja, mas
que quinta-feira estará melhor e que, se você quiser, avise-a
para que procure lavadeiras. É da casa da Sra. Tourille que
levam minha carta e você pode responder-me do mesmo modo.
Diga-me alguma coisa sobre nossa Irmã Séraphine, se ela se
decide a ir para Villefranche, e, nessa suposição, se é oportuno
chamar sua irmã a Aubin para vê-la.
116
Irmã Séraphine Vallon, da Congregação da União, era a única a
desejar sem reticências a fusão do seu convento de Livinhac com a
Sagrada Família. Mas era preciso que fizesse em Villefranche um
verdadeiro noviciado. Encontrando-se em Aubin, talvez manifeste
alguma hesitação e Madre Emília se esforça com firmeza para afastar
as ilusões nesse sentido (L 418, M 230-232).
A Madre: Você errou em agir sem consultar, pedindo a
Deus de livrá-la de uma tentação, na verdade bem dolorosa,
mas que a mantinha na humilhação e lhe era vantajosa. Nas
tentações, deve-se pedir a Deus não de ficar livre, mas de não
sucumbir à tentação. Apraz-me que o bom Deus lhe tenha
ensinado, doando-lhe uma cruz mais pesada, quando pedia para
livrá-la da que ele carregava com você. Suas novas tentações
passarão logo que tiver feito os votos. Você escolheu dar-se a
Deus sem reserva. Livremente fez seu sacrifício. Não olhe para
trás. “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é
digno de mim”, diz Jesus Cristo.16
7. Diálogo com uma jovem religiosa sobre o verdadeiro zelo
pela glória de Deus
(D 83-84; nº 34).
Datando de 1847, esta conversa contém, sem dúvida, uma
alusão implícita à abertura, pelas religiosas de Nevers que já tinham
um hospital, de um Colégio suscetível de causar algum prejuízo real
ou imaginário, ao da Sagrada Família. (v.s., p. 89).
A Madre: Qual o assunto do recreio de ontem à tarde?
A Irmã: Minha Madre, falávamos sobre algumas de nossas
alunas que nos deixaram por outro colégio. Isso me contraria e
criticamos a atitude das religiosas que atraem as alunas.
A Madre: Vocês erraram falando disso, sem terem a certeza
de que as religiosas procuram as alunas. Podem estar
enganadas. Qual o motivo que as leva a desejar que tenhamos
muitas alunas? Será a glória de Deus? Duvido disso! Os outros
institutos religiosos podem glorificá-lo e, se é isso que desejam,
não têm com que se preocupar. Se for algum outro motivo que
as anima, afastem-no, ele é imperfeito. Oh! como estou triste de
ver que há um pouco de rivalidade entre certos colégios
dedicados à educação da juventude! Isso mostra que o espírito
de Deus não move o coração dessas religiosas. Que devemos
194
desejar, querida Irmã? A salvação das almas. Que importa que,
para realizá-la, Deus se sirva de nós ou das outras?
A Irmã: O que me leva a desejar que tenhamos muitas
alunas é somente a prosperidade do colégio.
A Madre: Em lugar de pensar dessa forma, deseje e reze
para que a Congregação prospere, não tendo senão santas e
fervorosas religiosas. Seja você mesma uma dessas religiosas e
verá então que o colégio progredirá. Quando o bom Deus nos
envia alunas, é preciso recebê-las com prazer, prodigalizar-lhes
nossos cuidados e dar-lhes toda a instrução que convém,
amando-as e fazendo por elas o que faria a mais terna das mães.
E depois, não desejemos ter senão aquelas que o bom Deus nos
destinou. Repito-lhe o que me disse a Madre Eléonore,
superiora das Damas de Nevers, de Figeac: “Que todo mundo
profetize.”17 Eis o que dizem e devem dizer todas as religiosas.
Não fale mais como o fez ontem à tarde, você ofenderia o bom
Deus.
A Irmã: Não repetirei o que disse. Se tivesse um pouco de
humildade, não teria assim faltado à caridade.
A Madre: Você tem toda razão. Conservemo-nos sempre
bem pequenas, bem pequenas. Deus olhará para nós.
Coloquemos nossa Congregação abaixo de todas as outras, nada
perderemos com isso. Se nos conservarmos sempre na
humildade, nenhum risco correrá o futuro da nossa
Congregação, ela será abençoada. A Sagrada Família lhe
concederá a sua proteção e seu socorro, teremos seu espírito,
que é um espírito perfeito. Ter o espírito de Jesus, Maria e José,
que felicidade! Temos algo a invejar das outras Congregações
religiosas? Não, minha cara Irmã. Façamos todo o possível para
não perdermos esta simplicidade, esta pobreza, este silêncio,
este recolhimento que contemplamos nos três membros da
Sagrada Família e que nossas primeiras Irmãs souberam imitar
com tanta perfeição. Somos chamadas a imitar a Sagrada
Família, a vivermos como ela desconhecidas e pequenas. Que
glória não prestou a Deus em sua obscuridade! Não brilhou aos
471
Você me diz: "Mas eu não tenho mais meus filhos." É
verdade, não os tem mais no momento, mas ainda um pouco de
tempo e os terá para nunca mais perdê-los. Peço-lhe não refletir
sobre a amabilidade deles, a não ser para oferecer o sacrifício.
Aliás, não é o que é bom, o que é precioso que é digno de
Deus? Um grande meio de consolação ainda é unir-se a Maria
ao pé da cruz. Uma outra razão para não se deixar abater é o
estado em que se encontra. Você tem o dever de se cuidar em
todos os sentidos. Espero que o faça e peço-lhe que me dê
notícias.
Sou, com muita afeição, no Coração de Jesus Sofredor, sua
muito humilde e dedicada serva.
Irmã Emília.
Nosso Superior me encarrega de lhe dizer que partilha
profundamente de sua grande aflição.
115
Alusão à divergência de opinião entre Madre Emília e Pe. Marty,
na época da fundação de Livinhac. Desconfiança de si e humildade
que ela demonstra (L 417, M 232-233).
À Madre Françoise, em Aubin.
Livinhac, 7 de outubro de 1832.
Minha caríssima Irmã:
Sinto muito prazer em tê-la ainda um pouco de tempo aqui,
apenas o acho curto. Venha logo que o pedreiro tiver chegado.
Sobrenaturalize bem sua intenções. Embora eu tivesse pensado
que poderia agir sozinha com o pedreiro, creio que suas idéias
me servirão muito, embora nosso Pai ainda não tenha
determinado de que maneira se deve fazer este conserto. Se
assim for, temos de segui-lo exatamente conforme as suas
intenções. Agradeço-lhe sua participação no meu sofrimento.
470
195
114
Carta de condolências a uma mãe, ex-aluna de Madre Emília e
sobrinha de Pe. Marty, a qual perdeu vários filhos. Uma verdadeira
compaixão humana se une às considerações sobrenaturais. Talvez o
estilo por demais sensível dê à carta um cunho artificial (L 412, M
244-245).
À Senhora Marty, nascida Lobinhes, Villefranche.
Livinhac, 14 de setembro de 1832.
J.M.J.
Senhora,
Assim que soube da profunda aflição em que sua alma
estava mergulhada, propus-me escrever-lhe a fim de unir
minhas lágrimas às suas e expressar-lhe quanto era grande a
minha participação no seu sofrimento. As múltiplas ocupações
impediram-me de fazê-lo. Rezei e fiz rezar ao único consolador
para aliviar seu sofrimento. Só ele, realmente, pode fazê-lo,
pois o que dizer a uma mãe que perdeu seus filhos, e que filhos!
Que lhe dizer para acalmar sua grande e justa dor? Só a fé pode
fazê-lo, ensinando-lhe que eles não estão perdidos, mas, ao
contrário, vivem nos braços de Deus. Seus queridos filhos, que
talvez no mundo, apesar da bondade de suas disposições,
tivessem sofrido um triste naufrágio, estão agora no porto onde,
gozando da mais doce paz, iluminados por uma viva luz, felizes
com a felicidade do próprio Deus, poderosos junto dele,
intercedem por sua terna mãe, que não pode deixar de chorálos, mesmo na certeza de sua felicidade. Imagine, minha
querida senhora, que você os escuta, esses filhos bem-amados,
falar-lhe de sua felicidade, de sua alegria e fazer-lhe delicadas
repreensões por derramar tantas lágrimas, enquanto eles se
encontram tão felizes. Estou persuadida de que muitas vezes
você disse essas coisas a si mesma. Que essas doces e
consoladoras verdades a tenham fortalecido, tenham dito, de
qualquer modo, que você era uma mãe feliz, perdoe-me essa
expressão. Não falaria assim se não conhecesse sua religião e
sua piedade.
olhos dos homens, mas aos olhos de Deus como ela foi grande!
Amemos muito a Sagrada Família, imitemo-la. Jesus é de
família real. Maria e José não se prevaleceram disso. Eles
vivem como simples artesãos e se consideram felizes na sua
pobreza. Os santos que não tomaram, como nós, os três
membros da Sagrada Família como protetores especiais
quiseram, no entanto, imitá-los e, como eles, viver na
humildade.18 Nós, Religiosas da Sagrada Família, devemos ser
como as violetas plantadas à margem dos riachos; elas aí estão
escondidas, bem viçosas. Não correm o risco de ser levadas
pelo vento ou pela tempestade, enquanto as grandes árvores
plantadas no alto das montanhas, admiradas pelos homens,
correm o risco de ser derrubadas e inteiramente desenraizadas.
Queremos conservar-nos por muito tempo? Sejamos como
essas pequenas violetas, não aspiremos a ser como árvores
expostas a todos os ventos. Peçamos ao bom Deus que nos dê
sempre um bom espírito, o espírito que convém às Religiosas
da Sagrada Família. Alegremo-nos em nossa pobreza, nossa
humilhação.
196
8. Advertência de Madre Emília a uma das suas filhas
sobre a união a Deus
(D 84-85; nº 35).
Esta religiosa é Irmã Marie du Sacré-Coeur Faure, educadora
por demais preocupada com a proximidade dos exames públicos
(1848). Sua superiora pede-lhe com muita insistência prever todas as
coisas de tal maneira não precisar, como no ano anterior, pedir
dispensas relativamente aos exercícios de piedade. Eles são os tempos
fortes de união com Deus. Por conseguinte, do advento de seu reino,
único bem absolutamente desejável.
Eis-nos, minha cara Irmã, às vésperas da época da
distribuição dos prêmios. Previno-a para ficar alerta a fim de
fazer com que suas alunas terminem os trabalhos com bastante
antecedência, de maneira que não tenha necessidade, como no
ano passado, de pedir dispensa da oração e de outros exercícios
de piedade. Não lhe darei tal dispensa. É preciso preparar as
alunas devagar, sem prejudicar a união de sua alma com Deus.
Ah! se soubéssemos o que é perder um minuto a união de nossa
alma com o bom Deus, jamais consentiríamos nisso
voluntariamente. Você está admirada de que Santa Rosa de
Lima sofreu um tormento que ela compara às chamas do
purgatório quando, cada dia, lhe parecia perder durante uma
hora a união de sua alma com o bom Deus. Ah! você não
compreende o que é e o que se passa com uma alma
intimamente unida a Deus. Uma hora parecia-lhe ser um
século.19
Entristece-me ver que na época dos exercícios do fim de
ano, algumas educadoras negligenciam um pouco seus deveres
religiosos, algumas meditações e algumas comunhões. Ah!
como isto me entristece! Deixar o bom Deus, descuidar-se de
sua alma para se preocupar com o êxito ou não de um exame,
isso não convém às esposas de Jesus Cristo. O amor de Deus
passa antes do amor ao próximo. Devemos, em primeiro lugar,
469
P.S. Acabo de receber sua carta do dia 14 e agradeço os
detalhes que me dá. Alegro-me com as boas disposições de
nossas queridas Irmãs. Vejo com muita alegria que partilham os
sentimentos das que estão aqui, que todas se alegram ao terem
mais conhecimento sobre a santidade dos deveres de nosso
estado e todas cheias do desejo de se tornarem santas religiosas.
Depois da partida do nosso bondoso Pai, todos os recreios se
passam a falar das coisas de Deus. Nossas Irmãs dizem que,
fazendo assim, todas se sentem dispostas a rezar o ofício divino
e, pela manhã, a fazer o trabalho sem dissipação. Desde que
fizeram algumas pequenas experiências de mortificação, têm
mais alegria interior e, em geral, me dizem que as mortificações
que fazem na alimentação lhes servem muito. Aliás, é a que
nosso Pe. Marty mais recomendou. Eis o que ele me escreveu
ultimamente, a esse respeito:
“Bendigo o Senhor, de todo o coração, porque nossas
queridas Irmãs finalmente reconheceram que as leis da
sobriedade não eram suficientemente observadas e souberam
atribuir a esse defeito as infelizes conseqüências da falta de
vigor da alma e do corpo. Da mortificação no comer resultará,
pelo contrário, uma grande facilidade para a vida espiritual. As
conferências contribuirão muito para sustentá-las em suas boas
resoluções no caminho da renúncia a tudo que lisonjeia os
sentidos."
Algumas Irmãs pediram braceletes com pregos para
impedi-las de dormir durante a meditação ou no ofício. Isso
parece mais fácil do que privar-se de todo excesso no comer,
sobretudo quando ainda não se experimentou a picada do
bracelete. Que elas experimentem primeiramente o recurso da
temperança. Talvez isso seja suficiente para fortificá-las contra
o sono.
Alegro-me pelo que me diz sobre Julie. Você no-la
restituirá curada e fortalecida no bem.
O que me diz de Rose Blanquier parece-me razão
suficiente para despedi-la, e o melhor é fazê-lo o quanto antes.
Irmã Emília.
468
197
Irmã Emília.
113
Felicitações pelo desejo de santificação manifestado pelas Irmãs
de Aubin. O mesmo aconteceu em Villefranche, após uma recente
passagem de Pe. Marty: os recreios são mais sobrenaturais, uma maior
sobriedade alivia a indisposição do corpo (L 402, M 266-268, em
parte).
À Irmã Thérèse, suplente em Aubin.
Villefranche, 18 de julho de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Pediram-nos 4 centavos de frete pelos dois exemplares
Leçons d’une mère à sa fille, que você nos devolveu. Não
quisemos pagar, pensando que a criança que os trazia os queria
para ela. Diga-me o que é preciso fazer. Penso que você não
teria enviado por alguém que quisesse fazer pagar o frete, visto
que não havia urgência.
Não posso escrever muito, tendo mais ocupação do que
tempo à disposição. Assim, Irmã Anne-Régis não ficará triste se
não lhe responder. Em vez da carta, farei a meditação para que
o bom Deus a cumule com seus bens. Pela mesma razão não
respondo a Victoire. Diga-lhe que estou bem longe de querer
despedi-la, que será preciso procurar um bom emprego que
possa beneficiá-la. Por favor, entregue esta carta à Madre
Françoise, assim como o bilhete anexo. Há algum tempo não
tenho notícias dela. Estaria doente? Peço-lhe, durante o tempo
que ela passar em Livinhac, examinar bem a vocação de Rose,
de observar se ela gosta do silêncio e de outras coisas do nosso
santo estado.
Saúdo a todas, com muita afeição, nos Sagrados Corações.
Irmã Emília.
começar por cumprir todos os nossos deveres que se referem
diretamente a Deus, como a meditação, a oração vocal, a
assiduidade aos sacramentos, etc., e depois seremos úteis ao
próximo.20 Nosso trabalho será abençoado e dará frutos. Se não
for aos olhos dos homens, será aos olhos de Deus por quem o
fizemos. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua
justiça e todo o resto vos será dado em acréscimo” (Mt 6, 33).
Depois de ter prestado ao bom Deus o culto interior e exterior
que lhe devemos e que nossas Constituições ordenam,
trabalhemos pela instrução da juventude, pela educação da
infância o mais perfeitamente possível, sem ansiedade, sem
inquietação de espírito, confiando à divina Providência o
sucesso dos nossos trabalhos e teremos o acréscimo prometido
por Nosso Senhor, em alunas e em méritos.
9. Diálogo sobre a República
(D 100-102; nº 46).
Como em 1830, porém com pressentimentos menos sinistros (v.i.,
1. 102), Madre Emília convida a abandonar-se à divina Providência
no que se refere à forma de governo. O conceito “elevado” que ela faz
das palavras “liberdade”, “igualdade” e “fraternidade” tem algo um
pouco “ingênuo”, sem dúvida. Seus sentimentos realistas e legalistas
não alteram sua simpatia pelos Bonapartes. A referência à carestia dos
víveres e à excessiva prudência da ecônoma revela circunstâncias
históricas gerais (dezembro de 1848) e outras que se referem mais
particularmente à Congregação (v. s., p. 21-22).
A Madre: Você está com medo da República? Receia que
nos aconteça algum mal?
A Irmã: Não, minha Madre, nada temo. Aplico-me a amar o
bom Deus e a cumprir minhas obrigações. Não penso em outra
coisa.
A Madre: Faz muito bem, minha cara Irmã. É precisamente
nessas disposições que eu desejava encontrá-la. Não há nenhum
motivo para ter medo. Essa República estava nos planos de
198
467
Deus desde toda a eternidade. Tudo o que ele faz visa à sua
maior glória e ao nosso bem. Só nos acontecerá o que for
determinado por sua divina Providência. Muitas vezes, o que
nos parece um mal é o que mais contribui para o nosso bem.
Será assim quanto a essa República. Ela será uma ocasião para
muitos se converterem. A fé ressurgirá nos corações franceses,
não tenhamos dúvida. Diga-me se você nada pensou quando o
capelão nos falou a respeito da atual situação do governo?21
autorize para você um outro padre dos arredores de Aubin, pois
nada deve ser mais livre do que a confissão. Mas acho, no
entanto, que se encontram poucos confessores tão bons quanto
os Padres Granier, Durand e Ricard.1
Saúdo-a com muita afeição nos Sagrados Corações.
A Irmã: Minha Madre, pensei que Deus é um bom Pai e
que, se rezarmos e confiarmos nele, nada temos a temer. Nunca
estive tão tranqüila como agora.
112
A Madre: Você pensou bem, minha Irmã. Estamos nas
mãos de Deus, que ele faça de nós o que bem lhe aprouver. Ele
nos tratará sempre como um pai terno e amante se o amarmos e
nele confiarmos. Ah! como Deus se compraz em ver uma alma
abandonada à sua divina Providência, que não vive apreensiva
com a incerteza do futuro, vivendo seu dia-a-dia sem se
preocupar com o que lhe pode acontecer, colocando-se nas
mãos de Deus a quem unicamente deseja agradar. Essa alma
encanta e alegra o coração de Deus, ela nada tem a temer. Não
fale a ninguém a respeito da disposição em que se acha e na
qual todas as religiosas deveriam encontrar-se. Não fale,
tampouco, do que acabamos de conversar. Poucas pessoas
seriam capazes de compreendê-lo.
A Irmã: Quando ouço cantar uma canção que não conheço,
mas da qual consegui distinguir estas palavras: “às armas,
cidadãos,” peço para que o bom Deus não seja ofendido, e em
seguida me exercito em lutar contra minhas paixões.
A Madre: Eu medito essas palavras: “liberdade”,
“igualdade”, “fraternidade”. Quão desejável é a liberdade dos
filhos de Deus. Essa liberdade que faz com que não nos
deixemos escravizar pelas coisas da terra, por nenhuma afeição
natural, e que aspiremos continuamente por Deus e pela
perfeição. Deseje, minha cara Irmã, essa verdadeira liberdade e,
quando a tiver alcançado, faça tudo para conservá-la. Quando
Irmã Emília.
Votos de alegria pascal na intimidade com Deus e modéstia no
exterior (L 394).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 22 de abril de 1832.
(Dia de Páscoa)
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Aleluia!
É neste feliz tempo, minhas queridas Irmãs, que lhes peço
para cultivar uma santa alegria, lembrando de pôr em prática
estas palavras do apóstolo: "Alegrem-se, eu lhes digo ainda
uma vez, alegrem-se." E para nos fazer conhecer de que modo
nos devemos alegrar, ele acrescenta: "Que sua simplicidade seja
conhecida por todos os homens."1 Esse apelo se dirige
particularmente a nós, cuja modéstia, proveniente de uma
profunda humildade, deve nos distinguir das pessoas do mundo.
O apóstolo não quer dizer que nossa alegria deva ser ruidosa,
mas bem íntima e toda em Deus. Essa santa alegria, que é mola
da piedade, ao dilatar nossa alma a mantém numa grande paz.
Desejaria que vocês conversassem a partir destas palavras:
"Que sua modéstia." Estou convicta de que encontrarão nelas
um fundamento sólido, pois significam muitas coisas. Saúdo-as
afetuosamente e sou toda de vocês. Creio que amanhã iremos a
Livinhac. Queira Deus que sejamos tão bem acompanhadas
como os dois discípulos de Emaús.
466
199
111
A uma religiosa que não quer se confessar ao sacerdote designado
para a comunidade. A Madre não se opõe, mas pede-lhe que reflita
antes de escolher um outro confessor (L 389, M 204-205).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 17 de março de 1832.
Minha muito querida Irmã:
Irmã Françoise me escreveu dizendo que você lhe pediu para
escrever a Pe. Cazals porque sente dificuldade para se confessar
com Pe. Granier. Ela lhe propôs o vigário de Viviez, mas você
lhe respondeu que tinha ainda mais dificuldade com esse, como
também com Pe. Ricard. Receio, minha querida Irmã, que essa
grande dificuldade de se adaptar aos padres que a Providência
lhe dá como diretores espirituais seja uma astúcia do demônio.
Tenha cuidado, pois uma alma que busca a Deus com
simplicidade, com espírito de fé e que o vê na pessoa de seu
ministro; uma alma, digo eu, que vê no sacerdote Jesus Cristo
que continua por seu intermédio seu divino ministério; uma
alma contrita e verdadeiramente arrependida e que
decididamente quer chorar seus pecados e repará-los, para ela
pouco importa qual seja o sacerdote a quem se acusa. Basta-lhe
que seja autorizado.
Não quero, certamente, impedi-la de escrever a Pe. Cazals.
Não o desaprovo, mas esteja certa de que a paz de sua alma se
encontrará em sua boa vontade de dar tudo a Deus, tanto no
plano espiritual como no temporal. É aí que você a encontrará e
não numa confiança exclusiva. Ficará bem satisfeita se seguir o
exemplo de Irmã N. que, por si mesma, me pediu para deixar
Pe. Cazals, e, de fato, o deixou, dizendo-me temer que essa
confiança nele não fosse muito sobrenatural. Tudo o que lhe
digo, minha querida Irmã, não é para angustiá-la. Sinta-se
perfeitamente livre. Pode mesmo pedir a nosso Superior que
nos tornamos religiosas, colocamo-nos num estado de
submissão e dependência. Mas nossa submissão e dependência
nos proporcionam essa liberdade que as pessoas do mundo
reclamam neste momento. Rezemos, peçamos insistentemente
ao bom Deus para que os homens não abusem da liberdade que
obtiveram, mas saibam fazer bom uso dela, a fim de praticar
melhor a religião e as boas ações.
A Irmã: Ah! se o mundo compreendesse o que é a
verdadeira liberdade! Minha Madre, a palavra fraternidade deve
encantar seu coração.
A Madre: Ah sim! Essa palavra tem toda a minha simpatia.
Fraternidade, como isso é belo! Se todos os homens pudessem
amar-se como irmãos, não ter senão um só coração e uma só
alma, como os primeiros cristãos! A história nos relata como
eram felizes na Igreja primitiva porque se amavam
mutuamente. Peçamos ao bom Deus que essa caridade reviva,
que todos os homens, particularmente as religiosas, tenham um
terno amor aos pobres, ajudando-os e abrindo-lhes suas bolsas e
seus celeiros. Ah! se esta palavra fraternidade fosse bem
compreendida pelos homens, não se veria tanta miséria.22 A
palavra “igualdade” deve também despertar em nós santos
desejos, levar-nos a tomar generosas decisões. Somos todos
chamados a ser como os anjos no céu. Na terra, há bons e maus.
Desejemos e peçamos que os maus se convertam, que os
pecadores se tornem bons; os tíbios e relaxados, fervorosos e
destemidos. Sirvamo-nos de tudo para nos elevar a Deus e fazer
o bem.
A Irmã: Os alimentos tornaram-se caros e nossa Irmã
ecônoma tem pouco dinheiro em caixa. Ela teme não ter o
suficiente para alimentar tanta gente.
A Madre: Nossa Irmã ecônoma não tem razão de temer.23
Deus que alimenta os pássaros, veste os lírios dos campos,
poderia deixar-nos faltar o necessário? Não tenho nenhum
receio. No início da Congregação, fiz um pacto com o bom
Deus. Pedi-lhe que me ajudasse em todas as necessidades
200
temporais e eu nunca deixaria de ajudar os pobres todas as
vezes que a ocasião se apresentasse, confiando nele. Deus
jamais me falhou. Não duvidarei da sua bondade. As
necessidades materiais não me preocupam, jamais o pão e o
necessário nos faltarão.
A Irmã: Minha Madre, ouvi dizer que Luís Napoleão,
sobrinho de Napoleão I, foi nomeado Presidente da República.
É verdade?
A Madre: Você soube da notícia. Pensava anunciá-la, hoje à
tarde, à comunidade. Enganei-me. Sim, minha Irmã, é verdade.
Sempre pensei que essa República contribuiria para a salvação
da França. Tudo parece confirmar esse pressentimento. A
nomeação de Napoleão III muito me alegrou. Acredito que o
bom Deus quer se servir dele para fazer o bem à nossa pátria.
Ele será o instrumento da sua misericórdia em nosso favor.
Sempre tive uma grande estima por Napoleão I. Na sua
infelicidade como na sua prosperidade, rezei por ele e pedi ao
Senhor para não o abandonar. Ele era um homem de bons
sentimentos. Preparou-se bem para a primeira comunhão.
Espero que o bom Deus tenha sido misericordioso para com ele,
concedendo-lhe a graça de uma santa morte. Nessa hora,
lembrou-se, com alegria, do carrilhão que tinha acompanhado a
cerimônia de seu batismo. Se Napoleão I cometeu erros, seu
sobrinho há de repará-los. Se deixou de realizar algum
benefício em prol da França, seu sobrinho é chamado a fazê-lo.
Napoleão III é favorável à religião e ao Santo Padre.24 Rezemos
por ele para que o bom Deus o abençoe e lhe conceda a graça
de realizar um bom governo. Supliquemos que o guie em todos
os seus empreendimentos e, se for para a glória de Deus, que
ele seja mais feliz que seu tio.
A Irmã: Onde se pode ler que Napoleão I se preparou bem
para a sua primeira comunhão? (Inacabado).
465
desta vez, creio tê-las advertido que isso não era certo, assim
como para o ofício divino. Sabem que cada vez que vou faço a
mesma observação de maneira que isso seja corrigido e, de
modo geral, toda falta de respeito no coro. Como observamos
numa conferência, será sobretudo pela correção de toda falta a
esse respeito, e substituindo-a por um verdadeiro espírito de
adoração, que obterão a saúde da Madre.
Há dois dias que nossa mestra de cerimônias nos orienta
para fazer a meditação sobre a ordem, pois precisamos
melhorar nesse ponto. Como somos da mesma família, pode ser
que vocês também necessitem disso.
Saúdo-as bem afetuosamente, nos Sagrados Corações. A
Madre lhes diz o mesmo.
Irmã Emília.
Seria bom fazer uma escala para lavar os pés. Renovo o
pedido que lhes fiz de se tornarem em tudo e em toda parte,
conforme o que se faz aqui.
Aconteceu-me várias vezes, quando estava em Aubin, de
dar responsabilidades às Irmãs rodeiras, no lugar onde me
encontrava. Isso é contrário às Constituições, que determinam
que a superiora o faça no seu quarto ou no lugar designado. A
ecônoma não deve se prevalecer de um exemplo que eu dei, por
inadvertência.
Madre Vincent desejava que as Irmãs não fossem se aquecer
em Santa Marta, porque em Villefranche ninguém o faz e nós
não o permitimos. Para que as Irmãs pudessem se aquecer, seria
necessária uma lareira na enfermaria ou na sala comum.
Outra observação que esqueci de lhes fazer é que me
pareceu que não se servia a todas as Irmãs da mesa das doentes
a mesma coisa que no refeitório.
Desejo saber se são mais pontuais e mais discretas ao
expressar sua maneira de pensar, mais cuidadosas e afetuosas
no cuidado para com as órfãs. Tenho certeza de que neste santo
tempo da quaresma todas se esforçarão para se unir a Deus pela
prática exata das obrigações de nossa santa vocação, e quando
sua querida Madre lhes for devolvida serão, mais do que nunca,
sua consolação e alegria.
464
201
recente visita: críticas mútuas, certas faltas de respeito diante do
Santíssimo Sacramento (L 387, M 201-204).
10. Diálogo sobre o espírito de mortificação da Irmã Marie
du Calvaire
(D 112-114; nº 52).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 14 de março de 1832.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Sua querida Madre parece estar um pouco melhor. Vive
muito ocupada e sua atividade natural tem de se contentar com
o grande número de tarefas que lhe demos, pois, além de todas
aquelas que foram mencionadas na carta a Irmã Françoise, é
também auxiliar da enfermeira. Por isso está sempre em
atividade: ora de avental arregaçado mexe a frigideira ou serve
no refeitório, ora leva um chá a esta, coalhada àquela, mostra a
maneira de fazer torradas. Ora está arrumando a sacristia, ora
vai ajudar numa sala de aula, etc. Continuem a rezar pela
recuperação de sua saúde, contanto que a santa vontade de
Deus, à qual devemos inteiramente nos submeter, seja
conforme os nossos desejos.
Tornem suas orações eficazes pelo fervor na correção dos
defeitos, sobretudo daqueles que reconheceram quando eu
estava entre vocês: o de se julgarem e criticarem mutuamente.
Peço à Irmã Françoise ser bem cuidadosa em adverti-las quando
recaírem, pois embora tenham um grande desejo de se corrigir,
não é possível já o terem conseguido, considerando-se que os
hábitos se corrigem muito dificilmente, sobretudo esse, porque
o demônio, não querendo que uma religiosa se corrija, faz todo
o possível para dissimulá-lo, atenuando suas faltas nesse ponto.
Mas, acreditem-me, não o escutem sob qualquer pretexto.
Acusem-se, entretanto, sem escrúpulos da menor censura, seja
interior, seja exterior, e testemunhem, ao contrário, verdadeiro
respeito mútuo. Esqueci de lhes dizer que vocês saem muito
facilmente do coro durante os exercícios. Como fazia frio, eu
não lhes disse de ficar no antecoro quando chegam atrasadas a
um exercício. Logo que Irmã Françoise julgar o tempo bastante
ameno, terei bastante prazer de saber que fazem como aqui e
que entram juntas e em ordem no lugar santo e fazem o mesmo
para sair. Na penúltima vez em que estive em Aubin e também
Em 1849, Madre Emília revela à Irmã Tauriac que sua
companheira, Irmã Marie du Calvaire Alaux (1821-1851), doente e
muito mortificada exteriormente, sofre também grandes provações
interiores. Apesar disso, é com grande fervor que ela fala de Deus,
embora se mostre muito discreta a respeito de suas próprias
experiências espirituais. É nisso, sobretudo, que se deve procurar
imitá-la. O leitor não pode deixar de fazer o paralelo com o
comportamento da própria santa.
A Irmã: Minha Madre, a Irmã Marie do Calvaire, desde
algum tempo, não come quase nada. Penso que ela está doente e
que não lhe diz nada a esse respeito.
A Madre: Ontem mandei chamá-la para saber se está
sofrendo. Respondeu-me que não está doente, mas com grande
inapetência. Pedi à Irmã refeitoreira para tratá-la com mais
cuidado. Ela está, neste momento, muito abatida. Peçamos ao
bom Deus por ela.
A Irmã: Esta Irmã não deve ter muitas penas interiores. Ela
tem sempre a fisionomia tão alegre, tão contente, e depois,
quando amamos o bom Deus como ela o ama, só podemos
encontrar a felicidade sobre a terra.
A Madre: Você julga muito as pessoas. Compara Irmã
Marie du Calvaire ao Padre Donadieu. Essas almas tão puras
são ordinariamente mais provadas do que as outras. Deus lhes
oculta os tesouros de graça que lhes concede para conservá-las
na humildade. Nossa Irmã Marie du Calvaire sofre muito
interiormente, embora, por virtude, ninguém o perceba.
Devemos conservar ocultos os dons recebidos de Deus e, como
o sofrimento é um dos maiores, as almas interiores fazem todo
o possível para ocultá-los.
A Irmã: Parece-me impossível falar do bom Deus com tanto
fervor como o faz nossa Irmã Marie du Calvaire, quando
202
estamos em meio a grandes provações interiores. Ao ouvi-la
falar do bom Deus à nossa Irmã Colombe, diríamos que nada
teme dos seus julgamentos e goza sempre das consolações
espirituais.
A Madre: Isso não significa nada. Nossa Irmã vive muito
unida a Deus, em meio a seus sofrimentos. Ela encontra nos
sofrimentos de que alimentar seu amor e estimular seu fervor.
Acontece, muitas vezes, que encorajamos alguém ao fervor,
quando, pessoalmente, estamos no constrangimento. Os outros
pensam que a pessoa é inteiramente “fogo” e “chama” pelas
coisas de Deus, quando, ao contrário, experimenta a amargura e
a desolação espiritual.
A Irmã: Por que nossa Irmã fala tão pouco durante o
recreio? Jamais fala do seu relacionamento com Deus. Uma
vez, ela quis saber se eu podia fazer a meditação com
facilidade, se o bom Deus me favorecia com algumas
consolações, ou se eu estava na desolação. Respondi-lhe apenas
por monossílabos, como ela costuma fazer. Foi, da minha parte,
uma pequena vingança.
A Madre: Não devia vingar-se, mas podia não lhe dar
explicações sobre esse ponto. Aliás, desejo que não
comuniquem entre si o que se passa em suas almas. De fato, é
perigoso falar demais sobre esse assunto. Irmã Marie du
Calvaire sabe muito bem disso. Seu lema é: “Meu segredo me
pertence.” Ela se lembra da recomendação que o Senhor fez a
seus apóstolos sobre o Tabor: “Não falem nada do que viram.”
Uma alma humilde fala pouco sobre os favores que Deus lhe
concede tanto na oração como em outras ocasiões.
463
ela mandou começar uma "alva" cujo bordado leva muito
tempo para terminá-la. É preciso esforçar-se para ter o mesmo
zelo que ela teve.
Outra coisa que lhe recomendo muito particularmente é ter
por escrito o que deve fazer para não esquecer e ler várias vezes
ao dia as anotações.
Irmã Marie lhe será muito útil para informá-la a respeito do
que acontece. Peça-lhe que lhe comunique tudo o que perceber
que não vai bem. Ela sai para visitar os doentes, mas não para
fazer compras. Não quer dizer que não se possa pedir-lhe para
resolver alguma coisa quando vai visitar os doentes, mas é
preciso lembrar-se de que não foi designada para isso e que
suas saídas só têm em vista os doentes. Peça à Irmã N. que a
informe sobre todas as queixas que fazem contra o convento.
Não tema exceder-se no cuidado com a saúde das Irmãs.
Poupe sobretudo Irmã N. e não permita que lhe façam a menor
censura.
Recomendações à família Carcenac.
Visitar Pe. Ricard.
Não lastime o tempo que Irmã Marie emprega com os
doentes.
É Irmã N. quem deve substituir Irmã Augustine na classe
quando essa não puder ir.
Diga ao médico que tenha a caridade de não cobrar as
visitas feitas às órfãs. Anote exatamente as que ele fizer às
Irmãs e às internas.
Irmã N. não deverá ir ao parlatório para o seu trabalho.
Irmã Emília.
A Irmã: Minha Madre, está fazendo tanto frio e nossa Irmã
Marie du Calvaire não se aquece. Diga-lhe de fazer como as
outras.
110
A Madre: Já lhe falei a esse respeito. Ela me respondeu que
o fogo a incomodava, que habitualmente estava gelada até a
cintura, que se aquece mal durante todo o inverno, mas que isso
Notícias à comunidade de Aubin sobre a Madre Vincent que
procura se restabelecer em Villefranche. Conselhos claramente
formulados a respeito de abusos observados pela fundadora numa
462
203
109
Conselhos à Irmã Françoise Pascal, recentemente nomeada
superiora em Aubin. Autodomínio na dependência de Deus, doçura
incansável e universal. Ser tanto quanto possível condescendente e
delicada para com as mais difíceis (L 386, M 206-207).
não prejudica sua saúde. Disse-lhe para se vestir bem e que não
gostaria que suportasse o frio por espírito de mortificação.
Prometeu atender ao meu pedido, mas o amor de Deus que arde
no seu interior faz com que suporte, quase sem perceber, o frio
exterior.
A Irmã: Ela diz que não é por mortificação que suporta o
frio, mas acho que se engana. Isso lhe fará mal e a senhora não
será responsável pelo que vier a acontecer.
À Madre Françoise, em Aubin.
Villefranche, 10 de março de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
A primeira coisa que você deve se propor ao chegar a Aubin
é manter-se numa grande dependência de Deus, evitando seguir
os movimentos naturais e precipitados. A segunda é ter uma
extrema doçura, pois é melhor exagerar do que faltar o mínimo
que seja, pois bem pode imaginar que não faltarão comparações
entre a maneira de administrar de Madre Vincent e a sua. Essa
doçura deve ser universal, mas é preciso praticá-la
particularmente para com Irmã N., da qual é preciso conquistar
a confiança; para com a Irmã N., que lamenta excessivamente a
saída da Madre. Evite censurá-la por isso quando lhe falar do
assunto, mas, ao contrário, seja solidária com o sofrimento dela.
Quanto à Irmã N., ela se sentirá muito bem se for tratada com
grande caridade.
Evite com cuidado toda aparência de reforma. Não fale de
Villefranche, nem de você mesma, nem direta, nem
indiretamente.
Cuide muito particularmente da classe gratuita, fazendo com
que as crianças sejam bem instruídas. Seja atenciosa com
Victoire, tratando-a com grande doçura quando ela tiver
qualquer problema com a Irmã N. e que essa lhe fizer alguma
queixa. Não condene Victoire, mas procure contentar as duas,
tanto quanto possível. Tenha um cuidado especial para com as
órfãs.
Procure estar sempre presente aos recreios. Empenhe-se em
realizar os desejos e intenções de Madre Vincent. Por exemplo:
A Madre: Talvez ela não possa mesmo se aquecer. Se o
bom Deus permite que se engane pensando não se mortificar ali
encontrando uma ocasião de mérito, tanto melhor, a vaidade
não poderia retirar-lhe o preço do seu sofrimento.
A Irmã: O frio nos pés é muito penoso, acho que é uma
grande mortificação.
A Madre: O frio nos pés faz mal e prejudica a saúde. Não
devemos suportá-lo por espírito de mortificação, exceto quando
não temos a possibilidade de nos aquecer. Não pense poder
imitar Irmã Marie du Calvaire. Não, não, você não pode fazer o
que ela faz. Tudo o que pode imitar dela é a sua humildade,
doçura e caridade. Admire o resto.
A Irmã: Sei muito bem que não poderei imitá-la. Eu a vi
fazer certas coisas que me arrepiaram.
A Madre: O que era?
A Irmã: A senhora sabe que aplicaram nela um vesicatório
no estômago. Ontem à tarde ela estava na ante-sala da
enfermaria, para fazer o curativo. Retirou a pele que cobria a
ferida e esfregou-a até sangrar. A Irmã enfermeira a quem eu
disse o que a Irmã fazia, respondeu-me que ela era para si
mesma um carrasco e que, cada vez que lhe aplicavam o
vesicatório, sentia prazer em se fazer sofrer assim. Não quer
permitir que lhe façam o curativo com receio de que não a
204
façam sofrer. Tudo isso não é necessário para ganhar o céu.
Não gostaria de sentir atração por semelhante mortificação.
A Madre: O atrativo pela mortificação é bem suave. As
almas que o possuem encontram mais delícias em se impor o
sofrimento que as outras em procurar prazeres e comodidades.
Deus não dá a todo mundo o atrativo pelo sofrimento como o
concedeu à nossa Irmã Marie du Calvaire, mas todas nós
devemos mortificar-nos. As pequenas e contínuas mortificações
que se apresentam mil vezes durante o dia, devem ser acolhidas
com alegria por nós, que não podemos suportar as grandes.
A Irmã: Se a senhora ouvisse a nossa Irmã tomar a
disciplina, pensaria que ela quer se destruir, tal a violência com
que se flagela.
A Madre: Ela quer imitar São Domingos o “encouraçado”,
que se flagelava de tal forma que reduzia seu corpo a uma
chaga. Ele encontrava delícias no sofrimento. Sabe por que o
chamavam de “o encouraçado”? (inacabado).25
11. Conferência sobre a festa de São Pedro acorrentado
(C 1-3; nº 1).
A indicação da circunstância litúrgica e dos acontecimentos
políticos (fuga de Pio IX para Gaeta, atividade do corpo
expedicionário francês), permite datar esta exortação em 31 de julho
de 1849. Vemos aí o amor e o sentido profundos da Igreja que
animam Madre Emília. As perseguições são, a seus olhos,
inseparáveis da pregação e da expansão do Reino de Deus. Essa lei
verifica-se ainda nos casos individuais: o propósito sério e constante
de tender à perfeição provoca tempestades de tentações interiores e
exteriores.
Amanhã, minhas caras Irmãs, a Igreja celebra o ofício de
São Pedro acorrentado. Todas vocês conhecem a história dessa
libertação milagrosa, mas gosto de repeti-la porque as jovens
religiosas quase não sabem como meditar sobre esse assunto,
461
que ele nos pede. É preciso oferecer-lhe generosamente esse
sacrifício com uma vontade inteira, sem queixas, sem reflexão,
a não ser para pensar que tudo lhe é devido e que, dando-lhe
tudo, não fazemos mais que o nosso dever. Amemos muito o
bom Deus, e os sacrifícios, quaisquer que sejam, nos parecerão
pouca coisa.1
Fiquei sensibilizada, ao ver o avanço da doença de Irmã
Stanislas. Não preciso recomendar-lhe de dar à nossa Irmã
todos os cuidados que dependerem de você. Embora Pe. Ricard
esteja doente, estou certa de que ele a confessará de boa
vontade. Desejo que ela se dirija a ele. Quando era interna, fez
com ele uma confissão geral e, sem dúvida, o preferirá a
qualquer outro. Aliás, esse padre se interessa por ela e diversas
vezes me pediu notícias dela. Não permita que outra Irmã se
confesse a Pe. Ricard. É preciso que elas aguardem Pe. Granier,
embora algumas não possam comungar. É preciso que se
humilhem e que isso lhes seja uma lição para se manterem
vigilantes e serem mais fiéis a Deus.
Desejo que você conheça Pe. Ricard e que lhe peça
conselhos quando se sentir perturbada com alguma coisa. Pedilhe que a orientasse no que ele soubesse ser útil para o bem do
convento, a partir de alguma queixa da casa ou outro assunto.
Disse-me que o faria.
Se você for obrigada a se fazer substituir no parlatório, que
o seja por Irmã Marie ou Irmã Thérèse e não por qualquer
outra, a não ser que haja impossibilidade.
Irmã N. não vai ao parlatório para sua tarefa, é Irmã Y que
a substitui e, quando você tiver tempo, será bom ir também.
Assim, conhecerá mais rápido os afazeres da casa.
Quando Irmã N. for ao parlatório, que a assistente entre
com ela. Quando o médico vier, peça-lhe para não cobrar as
visitas feitas às órfãs. Poderá acrescentar que Madre Vincent,
me pediu para lhe dizer isso.
Você sabe muito bem que somente a mestra de instrução
fala aos confessores das crianças. Sendo a mestra, somente você
deve fazê-lo.
Irmã Emília.
460
205
alma. Convença-se ainda de que todos os esforços do inimigo
de nossa salvação não terão outro efeito senão o de confundi-la.
Desfaça os projetos dele abrindo sua alma à Madre com uma
inteira confiança: é o que ele mais teme. Não pense em si
mesma. Permaneça sempre ocupada e creia que tudo que sente
não é nada. Sem objeção direi sim à sua volta aqui, se nosso Pai
aprovar. Enviei sua carta. Devemos, você e eu, não ter outra
vontade a não ser a de nosso boníssimo Pai. Afaste para bem
longe de si a idéia de que você seria a minha cruz. Pelo
contrário, estou certa de que se esforçaria por ser a minha
consolação. Amemos muito o bom Deus. Vivamos no divino
Coração de Jesus que contém, como diz o nosso querido Pai,
Aubin e Villefranche.
Sou toda sua nos Sagrados Corações.
Irmã Emília.
Ano de 1832
108
Foi para não alimentar sentimentos por demais "naturais" que
Madre Emília recusou um encontro com a Irmã Françoise, a quem dá
explicações. Diretrizes a respeito das confissões e do confessor.
Elogio de Padre Ricard (L 385, M 199-200).
À Madre Françoise, nova superiora em Aubin.
Villefranche, 7 de março de 1832.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Certamente não está contente comigo. Em nosso encontro
em Montbazens, tratei-a muito friamente e com franqueza, mas
isso parecia necessário. Por menos que eu tivesse demorado e
demonstrado minha solidariedade no seu sofrimento, isso
poderia nos comover e não amenizaria o preço do sacrifício que
Deus nos pedia. Não devemos nos contentar em dar a Deus o
não retiram todo o ensinamento dessa meditação. Eis o fato:26
algum tempo após a descida do Espírito Santo, São Pedro foi
preso e acorrentado pelos judeus. Todas podem avaliar a aflição
dos primeiros fiéis e sobretudo dos apóstolos. Estes últimos
recolheram-se numa casa para se livrarem da fúria dos judeus.
Lá rezavam para obter a libertação daquele que Nosso Senhor
lhes tinha dado por chefe.
Pedro estava, pois, retido na prisão, por ordem de Herodes
que devia mandar executá-lo. Na véspera do dia em que deveria
ser morto, dormia, carregado de correntes, entre dois soldados.
Havia um corpo de guarda diante da prisão. De repente, um
anjo do Senhor apareceu, o recinto ficou cheio de luz (pois era
noite), e o anjo, tocando o lado de Pedro, acordou-o e disse:
“Levante-se imediatamente.” Num instante as correntes lhe
caíram das mãos. “Coloque seu cinto", disse-lhe o anjo, "e calce
suas sandálias”, e ele assim o fez. O anjo acrescentou: “Vista-se
e siga-me.” Pedro saiu imediatamente e o seguiu sem saber se o
que era feito pelo anjo era sonho ou realidade. Ele acreditava
ter uma visão. Após terem passado o primeiro e o segundo
corpos da guarda, chegaram ao portão de ferro que dá acesso à
cidade e que se abriu por si mesmo diante deles. Tendo saído,
caminharam até o fim da rua e logo o anjo o deixou. Então
Pedro, tendo voltado a si, exclamou: "Vejo que o Senhor enviou
seu anjo e que me livrou das mãos de Herodes." Dirigiu-se à
casa de Maria, mãe de João Marcos, onde várias pessoas
reunidas rezavam. Quando bateu à porta, uma jovem chamada
Rhode veio atender. Tendo reconhecido a voz de Pedro, ficou
tão contente que, em vez de abrir a porta, correu a anunciar pela
casa que era Pedro. Os apóstolos lhe disseram: “Você perdeu a
razão.” Mas ela assegurava ser ele e eles diziam: “É o anjo
dele.” Entretanto, Pedro continuava a bater. Abriram-lhe a porta
e vendo-o, ficaram estupefatos. Contou-lhes como o Senhor o
havia tirado da prisão e acrescentou: “Comuniquem o fato a
Tiago e aos irmãos.” Depois, retirou-se para um outro lugar.
Quando amanheceu, os soldados ficaram preocupados sem
saber onde estava Pedro. Herodes mandou procurá-lo. Não
tendo sido encontrado, os guardas foram enviados ao suplício.
206
Essa pequena história nos oferece grandes ensinamentos.
Primeiramente, mostra-nos como Deus cuida de sua Igreja e
daqueles a quem destinou para governá-la. Sem dúvida, envialhes aflições, mas sabe libertá-la na hora e momento marcados
nos desígnios de sua Providência. Nosso Santo Padre o Papa,
prisioneiro nesse momento, lembra-nos o príncipe dos
apóstolos. Nossa aflição é grande. Não é sem razão, pois nossa
Mãe Igreja sofre. É mais do que justo juntarmos nossa aflição à
dela. Estamos numa circunstância mais ou menos semelhante
àquela em que se encontraram os primeiros cristãos. Unamos
nossas preces pelo soberano Pontífice às que faziam os
primeiros discípulos de Jesus Cristo, para pedir a libertação de
São Pedro. Esperamos que, se nossas preces forem fervorosas,
Deus as acolherá e reconduzirá a Roma o nosso Santo Padre o
Papa, cheio de novas graças e de novos méritos. Rezemos,
minhas Irmãs, rezemos muito, não será em vão. Dirijamo-nos a
São Pedro, sobretudo amanhã. Peçamos que proteja nosso
primeiro pastor, nosso pai em Jesus Cristo. Lembremo-lhes a
graça tão grande e tão consoladora para a Igreja que ele recebeu
naquele dia. Ele nos protegerá, fiquemos certas disto. É preciso
que eu lhes comunique outro pensamento bem consolador:
vocês sabem que Napoleão demonstrou menosprezo, por um
momento, em relação ao Soberano Pontífice. Sempre me
pareceu que seu sobrinho foi chamado a reparar o erro do tio, e
que o momento favorável chegou. Luís Napoleão já enviou
socorro ao Santo Padre. Nosso exército se dedicará inteiramente
a ele. Assim que tiver notícias do que se passa em Roma, eu
lhes transmitirei. É nossa Mãe que se acha em aflição. É mais
que permitido saber se Deus a consola.
A história da prisão de São Pedro nos ensina que, quanto
mais as obras de Deus às quais nos dedicamos são aptas a
promover sua glória, mais necessárias se tornam as provações e
sofrimentos para executá-las. São Pedro foi estabelecido por
Jesus Cristo como o chefe da Igreja e chamado a renovar o
mundo inteiro. Pois bem, em vez de aplainar os caminhos
dispondo os espíritos e os corações a essa mudança, tarefa
muito fácil para ele, Deus permite, pelo contrário, que tudo se
levante contra São Pedro, que o maltratem, que o prendam e
459
Quando você me manifestou o desejo de vir fazer um retiro
em Villefranche, não refleti que seu pedido era contrário às
Constituições que dizem que nenhuma Irmã ultrapassará os
limites do mosteiro, a não ser para uma fundação ou para ser
enviada a uma outra casa. Nosso Pai, não tendo também
refletido sobre esse artigo, queria chamá-la, mas mudou de
idéia quando constatou que era contrário à obrigação da
clausura. Não duvido que o amor que você tem por todos os
seus deveres a leve a fazer de bom grado o sacrifício de um
desejo que não vem do espírito de Deus, visto que está em
oposição aos deveres que ele mesmo lhe impôs.
Toda sua.
Irmã Emília.
107
A uma de suas Irmãs que sofre, Madre Emília sabe expressar sua
delicada compaixão e sua convicção de que só Deus poderá livrá-la
dessa provação. Ela convida a reler cartas de Pe. Marty, recebidas em
situações semelhantes, e à abertura de consciência para com a
superiora local (L 369).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 2 de dezembro de 1831.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Compadeço-me sinceramente do estado de sofrimento em
que você se encontra e desejaria que estivesse em meu poder
levar consolação à sua alma, mas isso só Deus pode fazer, eu
lhe suplico de todo o meu coração. Aconselho-a a ler com
atenção as cartas que nosso Pai lhe escreveu em diferentes
épocas, quando você se encontrava em situações semelhantes às
de agora. Estou persuadida de que sua alma será fortalecida por
essa leitura. Esteja certa de que está no bom caminho e que ama
a Deus, apesar de todas as más impressões que invadem sua
458
207
isto é, em santidade e adormeceu no Senhor numa paz
profunda. No dia em que recebeu a unção dos enfermos, ela
mesma preparou tudo o que era necessário à administração
desse sacramento. Irmã Félicité encontrou-a fazendo as bolas de
algodão para as unções. A morte que ela havia temido durante
toda a sua vida, tornou-se o objeto de seus desejos. Você sabe
dos favores que devo a essa querida falecida, quase mais que a
vida. Em grande parte é ela o instrumento de minha salvação.
As orações que quiserem fazer por ela junto a Deus, é como se
as fizessem por mim mesma.
As coisas presentes, ao que me parece, vão sempre muito
mal. Não devemos pensar em fazer paramentos nem para vocês,
nem para nós, mas esperar que passe a tempestade e rezar muito
para apressar os momentos da divina misericórdia.
Recebemos tudo o que você nos anuncia. Irmã Euphrasie
escarrou sangue há uns quinze dias. Sua enfermidade parece
agravar-se. Ela vai e vem, mas fica sufocada e tosse. Peça ao
bom Deus por ela, a fim de que lhe conceda tudo o que lhe for
necessário.
Penso que você encontrou uma de minhas cartas nas
sacolas.
Saúdo a todas com muita afeição nos Santos Corações.
Irmã Emília.
106
Emília retira a permissão dada precipitadamente de vir fazer o
retiro em Villefranche e exorta sua correspondente a ver
sobrenaturalmente essa decisão (L 357).
À Irmã Anne-Régis, em Aubin.
Villefranche, 11 de setembro de 1831.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
que nas penas e sofrimentos seja realizada a grande missão a ele
confiada. Assim, seja qual for a dificuldade, a tentação que
experimentemos para cumprir a vontade de Deus quando nos é
conhecida, devemos manter-nos sempre firmes e não colocar
obstáculo. Os apóstolos não deixaram de pregar o Evangelho
por causa das perseguições. Pelo contrário, quanto mais os
faziam sofrer, mais a sua coragem aumentava. Pareciam ganhar
novas forças nas torturas. Uma das características das obras de
Deus é ser perseguida pelos homens. Os demônios, todo o
inferno se enfurece contra os escolhidos de Deus para trabalhar
nelas. Longe de nos apavorarmos, devemos reanimar-nos e
esperar com tanto mais confiança quanto somos perseguidas.
Jesus Cristo não resgatou o gênero humano senão entregandose aos maiores sofrimentos. A exemplo de seu mestre, eles
deram a vida para sustentar a religião que pregavam.
Os santos, a exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos
apóstolos, não se consideravam felizes senão quando tinham
alguma coisa a sofrer. Consideravam a perseguição dos homens
como o sinal mais certo de que suas obras eram agradáveis a
Deus. Lemos que São Francisco de Bórgia sentia-se mais feliz
quando via os homens perseguirem a Companhia de Jesus.
Dizia então: “Deus está do nosso lado. A prova disso é que os
homens estão contra.” Quando, pelo contrário, a Companhia era
honrada, estimada, falava-se muito do bem que fazia, ele
começava a temer a reprovação de Deus, não a considerando
digna de sofrer pela glória de seu nome.27 O selo das obras de
Deus é a perseguição dos homens, a fúria do inferno que semeia
grandes e numerosas dificuldades nos passos daqueles aos quais
elas são confiadas.
Cada uma de nós tem uma lição pessoal, uma instrução
própria na libertação de São Pedro. Temos também um grande
trabalho, uma grande obra a realizar. É a destruição do velho
homem e a edificação do novo. Para ter êxito nisso, temos uma
rude guerra a empreender contra nossas más inclinações. Será
necessário converter os vícios em virtudes, o que não é fácil. Os
vícios, como os pagãos, se levantarão contra nós e não quererão
converter-se. Eles nos perseguirão de todas as maneiras. Às
457
208
vezes, parecem atar as faculdades de nossa alma para impedilas de fazer o bem. Seus assaltos serão tão terríveis que nos
consideraremos perdidas.28 Mais que nunca, deveremos esperar
e crer contra as aparências que chegaremos a vencer nossas
inclinações desregradas. Às vezes, como Pedro, nossa alma se
verá prisioneira num corpo que parecerá pôr um obstáculo
intransponível à plena realização da obra por ela iniciada. Mas
então se, como Pedro, nós confiamos em Deus, ele nos
estenderá a mão, quebrará nossas cadeias e nos proporcionará
essa liberdade que nos faz correr, voar nos caminhos de Deus.
12-14. Diálogos com uma religiosa enferma
(D 104-110; nnº 48, 49, 50)
Nas três conversas seguintes, Madre Emília dialoga com uma
religiosa de elite, Irmã Colombe Chresteil, nascida em 13 de
novembro de 1812 em Thérondels (Aveyron). Fez profissão em 15 de
outubro de 1839. Os oito últimos anos de sua vida foram marcados
pela doença quase constante e por penosas tentações. Deixou-nos,
nessas circunstâncias, o exemplo da mais sobrenatural resignação
(AUB 4531). Na sua morte em 5 de janeiro de 1851, a superiora
escreveu uma circular (v.i. 1. 147).
Na primeira conversa, a doente dá a conhecer numa simplicidade
evangélica os motivos que mantêm sua coragem: expiação dos
pecados, participação na Paixão de Nosso Senhor. No decorrer da
segunda conversa, Santa Emília mostra que, bem aceita, a
inobservância da regra imposta pela doença torna-se muito meritória.
Prescreve à Irmã Colombe a comunhão eucarística para o dia
seguinte, apesar da tibieza da qual a mesma se censura. Ceder a tal
impressão seria facilitar o jogo do demônio. A última conversa reúne
vários dias. No começo, a doente sofre muito: a Madre, diz uma nota,
quase revelou suas próprias provações para encorajá-la. Porém, vemos
afirmar-se essa coexistência misteriosa da angústia e da paz que se
situa além dos sentimentos. E aflora um pouco à consciência, por
ocasião das últimas conversas.
nossas Irmãs e conservou essa infeliz disposição até a hora da
morte. A divina Providência conduziu nosso bem-aventurado
Superior a Villefranche. Veio visitá-la. Ela lhe abriu sua alma,
aceitou ver perto dela a Irmã que era objeto de sua rejeição e
pediu-lhe perdão pelos erros cometidos. A partir daí, voltou-se
sinceramente para Deus e amou-o de todo o coração. Quando
lhe administraram a unção dos enfermos, ele ainda edificou
muito. Na noite de sua morte, sofrendo extremamente, mas com
uma paciência inalterável, atormentada pela sede, dizia com
fervor: "Em breve, irei me saciar nas fontes eternas."
Adormeceu tranqüilamente nessa doce esperança no dia 2 de
julho de 1831. Tinha sido admitida ao noviciado no dia 19 de
maio de 1818 e à profissão no dia 8 de setembro de 1820.
Toda a instrução que ela adquiriu não foi abençoada por
Deus, pois não tinha nenhum sucesso junto às crianças que não
a escutavam, prova de que não há nada eficaz senão o que vem
de Deus.
Irmã Emília.
105
Relato edificante da morte da senhora de Pomairols, avó de
Emília, falecida em plena serenidade lúcida, no dia 10 de agosto de
1831, com 90 anos (L 353, M 179-180).
À Madre Vincent, em Aubin.
Villefranche, 13 de agosto de 1831.
J.M.J.
Minha caríssima Madre:
Agradeço-lhe por querer saber notícias de minha saúde,
que está melhor. Tenho mais força, o nariz incomoda menos do
que quando estava em Aubin, tomo um pouco de sopa, ovos
frescos, frutas, sem dificuldade.
Recomendo às suas orações minha boníssima e muito
virtuosa avó que Deus retirou deste exílio. Faleceu como viveu,
456
209
12. Primeiro Diálogo
Saúdo-a com afeição e sou toda sua.
Irmã Emília.
104
Perfil de uma religiosa que nem sempre correspondeu bem aos
apelos da graça: ardor excessivo pelo estudo, aversão para com uma
de suas Irmãs. Entretanto, pediu perdão antes de seus últimos
momentos (L 351).
Circular da Irmã Angèle Gaillard.
Villefranche, 4 de julho de 1831.
J.M.J.
Nossa cara Irmã Angèle, nascida em Cajarc no dia 10 de
maio de 1802, chegou a nossa casa aos 13 anos de idade. Era
dotada de um boníssimo coração e de um espírito perspicaz. Foi
admitida para fazer a experiência e a santa profissão, apesar de
um pouco de receio inspirado pela dificuldade mal superada
que tinha em dar a conhecer sua vida interior, o que muito
negligenciou devido a aplicação dada ao estudo motivada pela
curiosidade, pelo prazer de saber. Foi tão longe nesse ponto que
nosso bem-aventurado Superior se viu obrigado, percebendo o
quanto isso lhe era prejudicial, a proibir-lhe toda leitura, exceto
a da Imitação de Cristo, de Rodriguez, etc. Ela se submeteu,
mas seu coração não mudou.
Tendo sido acometida de um enfraquecimento, não tinha a
paz nem a calma que víamos nas outras Irmãs. A morte a
apavorava e dizia, lembrando-se de seu defeito de pureza de
intenção: "Ah, meu Deus, que eu não tivesse feito outra coisa
senão varrer." Ela havia se recusado a colocar um vesicatório
que lhe havia sido prescrito. Mais tarde, lembrando-se dessa
desobediência, dizia na sua dor: "Agora eu colocaria
cinqüenta." Apesar de seus bons sentimentos, não estava em
Deus e alimentava em sua alma uma antipatia para com uma de
A Madre: E então, minha cara Irmã Colombe, como vai a
coragem para ajudar Nosso Senhor a levar a cruz?
A Irmã: Está muito fraca, Madre. Tenho necessidade de que
o bom Deus venha em meu auxílio, sem o que temo perder o
fruto do mérito que poderia adquirir com um pouco mais de
paciência.
A Madre: O bom Deus está com você, minha cara Irmã, e
lhe dá uma prova bem tocante do amor que tem por sua alma.
Ele a associa a Jesus, seu divino Filho, para subirem juntos o
caminho penoso do Calvário. Trata-a como um de seus
melhores amigos. Você não é digna dos favores por ele
concedidos. Humilhe-se e seja-lhe sempre muito agradecida.
Certamente, há momentos em que você compreende que, se a
cruz é espinhosa de um lado, está cheia de rosas do outro.
A Irmã: Sim, Madre, há momentos em que sinto minha
felicidade e o favor insigne que o bom Deus me fez, pondo-me
na via do sofrimento. Mesmo que a natureza se revolte algumas
vezes, que eu chore, não deixo de ser feliz.
A Madre: Compreendi bem, minha cara Irmã. Também,
longe de lastimar sua sorte, como fazem algumas de nossas
Irmãs, felicito-a e considero-a feliz por ter sido escolhida para
assemelhar-se, por suas feridas e dores, a Nosso Senhor Jesus
Cristo. Medite sobre os sofrimentos desse divino Salvador e
verá que os seus são pouca coisa, representam apenas uma gota
d’água no mar. Durante sua enfermidade, escolheu alguma
santa como protetora especial? Qual o assunto mais freqüente
de sua oração?
A Irmã: O número e a importância de meus pecados, que o
bom Deus jamais me fará expiar bastante, é o que mais me
preocupa. Peço-lhe constantemente perdão. Que sua justiça me
maltrate nesta vida, mas me poupe na eternidade. Penso
também com freqüência nos sofrimentos de Nosso Senhor, dos
210
quais fui causadora (não cremos que essa Irmã tenha perdido a
veste da inocência. Um dos maiores pecados de que se
censurava com lágrimas, era de ter chorado no dia de sua
primeira comunhão porque não tinham comprado um vestido
conforme seu desejo).
A Madre: Continue nos sentimentos em que se acha,
esperando da bondade de Deus que ele já tenha perdoado seus
pecados e que a receberá no paraíso. Todas as Irmãs da Sagrada
Família devem para lá caminhar, nenhuma deve duvidar disso.
Lembre-se muitas vezes de Santa Lidwine que, como você, foi
obrigada a passar a maior parte de sua vida acamada.29 Sua
ocupação habitual era meditar sobre a Paixão do Salvador.
Imite-a e dela retirará abundantes frutos.
455
Na qualidade de enfermeira, cuide bem da Madre e veja o
que ela pode comer. É preciso que ela lhe obedeça: nossas
Constituições nos dizem que é necessário obedecer à
enfermeira. Saúde-a de minha parte. Tente não se ocupar
demais consigo mesma, mas com Deus. Que a lembrança de
sua santa presença seja freqüente em seu espírito e somente
viva e respire por ele. Quando lhe vierem pensamentos de
desânimo, refugie-se no Coração adorável de nosso divino
Salvador. Asseguro-lhe que, se viver bem isso, não achará o
tempo longo.
Saúdo-a afetuosamente e sou toda sua nos Sagrados
Corações.
Irmã Emília.
A Irmã: Quando minhas dores são mais vivas, acontece-me
gemer alto. Entretanto, meu desejo seria esconder meus
sofrimentos, não deixá-los transparecer.
A Madre: Nosso Senhor sobre a cruz queixou-se a seu Pai,
dizendo: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
(Mt 27,46). Essas palavras, arrancadas pela imensidão de seus
sofrimentos, mostram-nos que não podemos sempre, mesmo
querendo, ocultar de tal forma nossas dores, a ponto de não
serem percebidas. Seu atrativo é bom. Siga-o, não falando de
seus sofrimentos senão a mim e à Irmã enfermeira. Com nós
duas, aja com toda simplicidade, como se fosse com sua própria
mãe. Você gosta muito de ouvir cânticos. Para distraí-la um
pouco, cada dia enviarei duas órfãs para cantarem os que mais
lhe agradam. Designarei várias Irmãs para virem em rodízio e
falar-lhe um pouco do bom Deus. São muito jovens e a
presença e conversa com doentes na enfermaria só lhes pode
fazer um grande bem. Quantas vantagens você nos proporciona
com sua doença!
A Irmã: A vantagem de se fazer servir, de ocupar uma
pessoa quase o dia todo, não é tão grande bem para os outros e
é mais penoso a si própria do que a doença.
103
Os trabalhos de jardinagem devem levar-nos a aprofundar em nós
o abismo da miséria e do aniquilamento (L 348, M 177).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 14 de junho de 1831.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Eis que agora você é encarregada da horta. Tenho prazer
em saber que sua horta vai indo bem e que você aproveita todo
o terreno. Seja bem cuidadosa em colher os morangos para as
doentes.
Arrancando as ervas daninhas do jardim, procure, com
todas as forças, destruir as do seu coração. É cavando bem no
abismo de nossa miséria e de nosso nada, que nos tornamos
agradáveis a Deus, pois ele não ama nada tanto quanto a
humildade. É por isso que quis se tornar semelhante a um
verme e se humilhou até o extremo. Aprendamos com seu
exemplo a nos tornar mais humildes e façamos dessa virtude
nosso principal estudo.
454
211
muito satisfeita com o que me diz a respeito de nossas queridas
postulantes. Peço-lhe assegurá-las de minha afeição. Julie,
muito agradecida por sua lembrança, saúda-a afetuosamente.
Ela vai relativamente bem, tanto espiritual como fisicamente.
Sou, com muita afeição, toda sua, nos Corações de Jesus,
Maria e José.
Irmã Emília.
Ano de 1831
102
Apegar-se tranqüilamente à cruz de Nosso Senhor, sair de si
mesma para unir-se a ele, o mais possível (L 346, M 176).
À Irmã Blandine, em Aubin.
Villefranche, 1º de junho de 1831.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Estar pregada na cruz de nosso divino Salvador e nela
morrer, deve ser nossa divisa. É preciso carregá-la todos os dias
de nossa vida, como ele mesmo a carregou por amor a nós. Que
seu exemplo nos encoraje. Esforcemo-nos para seguir o modelo
que nos foi dado sobre a montanha. A cruz foi o privilégio dos
santos: que seja também o nosso e façamos de modo que, pela
nossa paciência, se torne para nós uma fonte de salvação.1
Estou muito sensibilizada com a sua bondade, mas por
favor, não tenha pena de mim, pois não tenho nem mais nem
menos trabalho desde sua partida, visto que uma outra ocupou o
seu lugar e faz o que você fazia. Não faço mais do que fazia
quando você estava aqui.
A Madre: O que está dizendo?... A vantagem de ter doentes,
de cuidar delas é muito grande para uma casa religiosa. Não
sabe que são as doentes que atraem as bênçãos de Deus sobre a
Congregação? As doentes são os tesouros das comunidades
religiosas.
A Irmã: As boas doentes, porém enfermas como eu, Deus
queira que não atraiam a maldição do céu!
A Madre: Todas as doentes, boas ou não, são tesouros que
devemos estimar mais que o dinheiro.
212
453
Irmã Emília.
13. Segundo Diálogo
A Madre: Como vai, minha querida Irmã Colombe?
A Irmã: Um pouco melhor, minha boa Madre, mas não faço
trabalho, não posso nem me mexer do lugar.
A Madre: É preciso ir tomar um pouco de ar, hoje. Isto lhe
fará bem. Dê-me o braço. Vamos, caminhemos.
Recomendo-lhes não falar com suas alunas sobre assuntos
políticos e, se quiserem tornar-se mais agradáveis a Deus, não
falem absolutamente com ninguém, a não ser por uma razão
particular. Comigo podem falar tanto quanto quiserem.
Aqui, em toda a cidade, estão fazendo uma novena em honra
de Nossa Senhora. Nós a fazemos também. Consiste na
recitação do terço e na ladainha da Santíssima Virgem que
dizemos imediatamente após a Hora Nona.
Evitem, na oração, dizer: "Pelo rei, etc.”
A Irmã: Madre, a senhora é muito fraca. Alguém mais me
ajudará. Peço-lhe para esperar por mais alguém.
101
A Madre: Pegue meu braço, vamos. Quero fazê-la a guardiã
dos patinhos. Esta tarde, iremos vê-los e depois, cada dia, com a
ajuda de sua bengala, caminhará até o fim do jardim. Trarei um
pratinho de farelo, um punhado de ervas e você fará a ração
desses animais tão inocentes. Uma das meninas de Santa
Úrsula, que vou determinar, trará os ingredientes cada vez que
quiser-lhes dar de comer. Você só voltará à enfermaria à tarde,
pelas sete horas. Mandarei lhe trazer o almoço e a merenda aqui
no jardim. Peço-lhe muito para não se deixar levar por nenhum
pensamento triste.
Convite insistente a não deixar a comunhão por causa de
algumas impressões desagradáveis. Esforçar-se para fixar mais
firmemente a própria vontade na vontade de Deus (L 333, M 159160).
A Irmã: Queria muito obedecer-lhe neste último ponto, mas
há dias em que o demônio me tenta tão fortemente, que me
parece não poder resistir a ele e afastar as idéias que me vêm.
Sofro por você deixar a santa comunhão pois, com as
tentações que experimenta, ela é para você um remédio
necessário. Siga os conselhos de Pe. Cazals, despreze as
sugestões do inimigo. Que pode ele fazer a não ser barulho?1
Sua vontade pertence a Deus. Basta trabalhar para torná-la cada
dia mais firme e mais decidida, a fim de que seja sempre
orientada para o espírito de sacrifício, no seguimento de Jesus
crucificado. Teria gostado de lhe falar antes de partir, mas não
foi possível. Neste triste exílio, as contradições acompanham
todos os nossos passos. Aproveitemos para nos desapegar e
elevar incessantemente ao céu nossos votos e desejos. Estou
A Madre: Já lhe disse como deve, nas tentações, suportar as
aflições de espírito que o bom Deus lhe envia! Ponha em
prática os meios que lhe indiquei e conserve a calma e a paz.
Tem ainda alguma coisa que a penalize?
A Irmã: Toda a minha vida temi a cruz exterior que Deus
me enviou. Entrando nesta casa, pensei em santificar-me pela
À Irmã Blandine, em Villefranche.
Aubin, 2 de novembro de 1830.
Minha caríssima Irmã:
452
Minha caríssima Irmã:
Aconselho-a ler atentamente, sob o olhar de Deus e com
verdadeira humildade, os Salmos 3, 22, e 261. Depois disso não
ficará tão amedrontada. Em seguida, reflita: Poderá acontecer
outra coisa senão o que Deus ordena ou permite? Recorde a
última estrofe do cântico da Providência. Amemos muito a
Deus e façamos nosso caminho para a pátria celeste. Façamolo, digo, com paz, confiança e até alegria interior. As
revoluções da terra não nos impedirão de chegar lá.
Não tema pelo nosso bom Pai. Nada soube a seu respeito que
pudesse nos preocupar.
Ficou bem combinado e decidido que as Irmãs não falariam
sobre assuntos políticos, que Irmã Félicité não falaria disto nem
mesmo comigo e não me daria nem as boas notícias nem as
más. Na minha última carta, que você sem dúvida recebeu com
o pacote eu lhe dizia que daria algumas notícias depois das
refeições. Não o faço mais e não poderia fazê-lo, porque não sei
mais do que nossas Irmãs. Isso foi feito apenas nos três
primeiros dias. Assim, se você me pede notícias, eu lhe direi
que procure outra fonte, pois nada sei. Ficou combinado ainda
que o rufar do tambor chamando para o combate (e que
ouvimos freqüentemente) nos animaria para o combate
espiritual; que os fortes gritos, que a nossa querida solidão não
nos impede de ouvir, nos relembrariam os clamores dos judeus
quando o nosso querido Salvador estava na cruz. As religiosas
não devem se envolver em assuntos políticos. Assim, você não
deve assinar nada.
Acredite no que digo: no parlatório, não falarão de assuntos
atuais. Se alguém começar a lhes falar sobre isso, podem dizer
que não é do nosso costume. Esperamos não ter de sair do
nosso deserto. Domingo, na conferência, juntas combinamos:
"A cada dia basta sua pena." Assim, pensaremos no hoje e não
no amanhã.
Todas as nossas Irmãs dizem que, depois de tudo isso, elas
estão mais unidas a Deus e têm mais habitualmente a lembrança
de sua santa presença.
Saúdo a todas muito afetuosamente.
213
observância exata do regulamento e eis-me vivendo
continuamente de dispensas, desde o noviciado. No mais íntimo
de minha alma, tenho um vivo desejo de fazer como todas as
minhas Irmãs. Esse desejo aumenta cada dia e cada dia aumenta
minha impossibilidade de vê-lo realizar-se. Sei muito bem que
Deus não pede o impossível. Mas, apesar de tudo, não posso me
impedir de sofrer por uma doença real que não se pode muito
compreender. Enquanto minhas Irmãs jejuam, faço quatro
refeições; enquanto rezam, repouso em minha cama; enquanto
trabalham, nada faço. Deus me atingiu pelo lado mais sensível.
Tenho sempre a impressão de estar desedificando minhas
Irmãs. Temo ser uma pedra de escândalo, uma pedra de
tropeço.
A Madre: Não é como você pensa, minha cara Irmã. Nunca
será uma pedra de tropeço. O bom Deus quer humilhá-la.
Enviou-lhe essa enfermidade e tudo quanto a acompanha para o
bem de sua alma. Veja, cara Irmã, que tem dois méritos não
cumprindo o regulamento, porque os superiores e o bom Deus
não o querem. Primeiramente, tem o mérito das Irmãs que o
cumprem, porque você faria como elas, se pudesse. Em
segundo lugar, tem o mérito do sacrifício que lhe é inspirado
por esse vivo desejo que é preciso sempre reprimir, contrariar.
Além disso, eu lhe direi que as leis da Providência passam antes
da lei dos homens, que é necessário, de bom coração, curvar a
cabeça quando aquelas falam e não reclamar, pois o bom Deus
tem seus caminhos em tudo quanto faz ou permite. Você
encontraria sua própria satisfação na observância exata do
regulamento, mas Deus não o quer. Creia que eu, como
superiora, não gostaria de ver todas as minhas Irmãs
observarem perfeitamente o regulamento, nunca se dispensarem
de um exercício de piedade, vê-las jejuar, trabalhar bastante?
Tenho que dar dispensas de todos os pontos do regulamento,
suportar toda espécie de enfermidade do corpo e da alma, de
todas vocês. Eu me sentiria atormentada da manhã à noite se
não curvasse de boa vontade a cabeça a todas as leis da
Providência, das quais não conheceremos senão no céu toda
necessidade e toda vantagem.
214
A Irmã: Compreendo muito bem que é a natureza que se
revolta nesses momentos, e que meu orgulho não quereria essa
espécie de humilhação. Mas, aceitei e aceito ainda até à morte
esse estado, se for a vontade de Deus. Não pedirei para dele me
livrar.
A Madre: Você agiria mal se o fizesse, pois ofereceu a
Deus um sacrifício que ele aceitou. Ele deu provas da aceitação,
dando-lhe os meios de satisfazer sua justiça. Persevere, pois,
minha Irmã, em seu estado de vítima. Sei que você é feliz,
apesar dos gritos da natureza, você ama o sofrimento porque
sabe que é o verdadeiro caminho da salvação. Você sente
necessidade de força, é preciso ir buscá-la na santa comunhão.
Você a receberá comigo, pela manhã, quatro dias seguidos.
A Irmã: Minha Madre, a senhora vê meus sentimentos tão
imperfeitos! Não me ordene ir tão depressa. Serei uma
profanadora.
A Madre: Não quero uma palavra de réplica. Amanhã, você
começará a receber a santa comunhão comigo, até eu dizer: é
bastante.
A Irmã: Então, minha Madre, obedecerei e esta noite
pedirei ao bom Deus conceder-me essa graça.
451
Irmãs da Sagrada Família.
(A Madre sozinha)
Se nossas queridas crianças de Santa Úrsula, de Aubin, têm
muitas pulgas e percevejos como as daqui, peço-lhes que façam
nelas uma grande limpeza. Hoje, levantei-me à meia noite e
acordei nossas Irmãs que dormiam tranqüilamente. Ontem à
tarde, a mestra de trabalho determinou a cada uma sua tarefa. A
minha foi a de orientar umas e outras. Depois de ter feito a
meditação, cuja hora foi avançada por necessidade,
trabalhamos, fazendo passar pelas janelas colchões e
travesseiros que foram esvaziados e depois lavados. Todo o
madeiramento das camas foi lavado com água fervente. Depois
das órfãs, foi a vez das internas, de modo que nossas queridas
Irmãs se cansaram muito. Ontem à noite, foi recomendado à
Irmã cozinheira que preparasse uma boa sopa para o café da
manhã, tanto para as Irmãs como para as órfãs. Ela cumpriu
bem seu dever, pois a sopa estava deliciosa: feijão e batata a
tornaram incomparável. Foi um bom restaurador, mas nossas
Irmãs estão muito cansadas. Todas se levantaram, pois
combinamos ontem que todas as fadigas teriam licença, e as
camas, férias. Depois disso tivemos muito sono. Nossas órfãs,
dormirão esta noite em São Francisco, no chão, pois as camas
ainda não secaram e queremos rebocar o dormitório e
exterminar todos os percevejos, se for possível.
A Madre (vários dias depois): Como se acha em relação ao
bom Deus? Ralha com você sempre? E a santa comunhão lhe
traz uma felicidade sensível?
A Irmã: Minha Madre, há momentos em que me sinto num
estado de felicidade impossível de expressar. Sinto que Deus
está comigo, nada temo. Quase logo depois, recaio no meu
estado habitual. Vem-me então o sentimento de que é talvez o
demônio o autor de tão grande consolação, que estou em mau
estado, e que é para me manter assim que ele se transforma em
anjo de luz.
Irmã Emília.
100
Abandonar-se mais à Providência, a quem nada escapa, como
testemunham os Salmos indicados. Falar o menos possível de
assuntos políticos (L 319, M 156-157).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 9 de agosto de 1830.
450
entanto, não pudemos recebê-las todas. Uma pobre viúva, mãe
de cinco filhos, foi procurar nosso Pai e pediu para aceitar sua
filha de doze anos. Ele se compadeceu dessa boa mulher e
prometeu falar com a nossa Madre. Ele lhe perguntou se
podíamos aceitá-la. "Sim, Padre”, respondeu nossa Madre, “se
o senhor deseja, temos bastantes recursos e uma órfã a mais não
custará nada". Conseqüentemente, a pequena entrou.
Durante a ausência de nossa Madre, propuseram outra órfã
que corria pelas ruas e pedia esmolas. Nossa Madre queria
recebê-la também, mas, como nosso Pai não estava para lhe
dizer: "Aceite", ela aguardava uma ocasião oportuna. O bom
Deus a fez surgir, permitindo que a mãe de uma de nossas
meninas viesse pedir para passar alguns meses no campo com a
filha, onde estaria bem, e nossa Madre não quis deixar o lugar
desocupado e perder essa oportunidade. Imediatamente mandou
chamar a menina que freqüentava a classe gratuita e lhe disse
que trouxesse a sua tia, o que ela fez. Assim, ela entrará esta
tarde, se Deus quiser.
Nossa classe de São Vicente é numerosa e nossa Madre
desejaria que o fosse ainda mais. Todos os dias, nossa Madre
vai colher couve, acelga, favas, beterrabas, batatas e outros
legumes. Manda preparar, ora dez, ora doze cestos cheios e os
distribui com as crianças que esperam ao lado da escola. Nossa
Madre orienta Irmã Cécile, que não sabe bem como fazer.
Somos boas comerciantes. Pelo menos, não há vestígios de que
estejamos despertando a ambição dos outros, visto que a bolsa
de nossa ecônoma não se enche muito rápido. Ontem à tarde,
nossa Madre nos disse que seria preciso dar tudo o que
colhemos do jardim para obter do bom Deus que nossas
crianças não se dissipem e sejam mais silenciosas. Essa graça
que a Sagrada Família nos concederá, se nós lhe pedirmos com
confiança, nos é muito necessária. Não tenho outras notícias.
Toda a comunidade vai bem. Irmã Jeanne é a mais doente e
sofre muito.
Recebam, queridas Irmãs, a certeza de nossos sentimentos
muito afetuosos e creiam em nossa sincera afeição e terna
cordialidade.
Suas muito humildes e obedientes Irmãs.
215
A Madre: Não dê ouvidos ao demônio. É um mentiroso.
Deus está com você. Comungará às minhas intenções durante
oito dias. Não faça nenhuma observação. Prepare-se, é a
vontade de Deus. Se, durante a noite, sofre muito com seu
estado de fraqueza, não comungue e comunique-me depois.
A Irmã: Madre, se me abstenho, nunca será por causa das
fraquezas e dos demais sofrimentos que posso sentir. A
felicidade de me unir a Deus é grande demais para deixar de
recebê-la por tão pouca coisa. Somente meus pecados e minha
tibieza poderiam impedir-me.
A Madre: A visão de seus pecados e de sua tibieza devem
humilhá-la, mas nunca impedi-la de caminhar para Deus.
Jamais deixe a santa comunhão por isso. Pelo contrário,
estimule-se pensando que sua tibieza se dissipará à medida que
se aproximar de Deus. Ninguém se aproxima do fogo sem se
aquecer, pelo menos um pouco. Acontece o mesmo em relação
a Deus.30
A Irmã: Farei tudo que for possível para lhe obedecer. Se
alguma vez não o fizer, não é senão por causa do sofrimento
interior que sinto, que me pareceu impossível de superar.
14. Terceiro Diálogo
A Madre (sentada sobre a cama da doente): Minha querida
Irmã Colombe, como vai? Você continua sempre na cruz com
Nosso Senhor?
A Irmã: É a senhora, minha Madre, que está sentada tão
perto de mim? Que felicidade! Não pensava vê-la tão perto de
mim.
A Madre: Sim, sou eu, querida Irmã. Cheguei há um
tempinho. Estava esperando você parar de tossir. Estou vendo-a
chorar. Por que se entrega assim à dor? Anteontem disse-me
estar muito contente. Seus sofrimentos físicos aumentaram?
216
449
À Irmã Vincent, em Aubin.
A Irmã: Minhas dores físicas são sempre as mesmas. O que
sofro no corpo nada é comparado ao que experimento na alma.
(Explicou-se com a Madre e não sabemos o que lhe foi dito).
Villefranche, 3 de maio de 1830.
Minha caríssima Irmã:
A Madre: Acredito, minha cara Irmã, você não é a única a
experimentar essa espécie de sofrimento. (Pe. Marty nos disse,
após a morte dela, que fora tentada a manifestar-lhe suas
misérias interiores para consolá-la, mas Deus não o quis). A
cruz mais pesada é para os amigos mais íntimos de Deus. Se ele
a quer nesse número, aceite. Diga-lhe: “Ainda mais, Senhor,
ainda mais, se for sua vontade.” Fiz-me sua vítima, não me
poupe, pois não poupou seu divino Filho. Aceito o grau de
sofrimento que reservou para mim." Você persevera em seu
estado de vítima?
A Irmã: Sim, minha Madre, persevero. Aceitei e aceito cada
dia meus sofrimentos pelo que foi combinado. De um lado,
pareço esmagada, aniquilada sob o peso da justiça divina, e do
outro, sinto, por vezes, uma força extraordinária para aceitar
novas cruzes. Mesmo esmagada na dor, estou feliz. Não
trocaria minha posição atual com a dos mais afortunados do
mundo. Nem a rainha nem a imperatriz encontram no trono a
felicidade que encontro no meu leito de dor.
A Madre: O bom Deus visitou Jó sobre o monturo. Ele se
inclina também para você, minha cara Irmã. Pense muitas vezes
nesse santo homem, em seus momentos mais penosos. Lembrese destas palavras ditas por ele: “O Senhor me tinha dado tudo e
tudo me tirou. Bendito seja seu santo nome.” E estas outras:
“Mesmo se me tirasse a vida, esperaria sempre nele.”31 Esse
santo homem deve servir-lhe de modelo nos momentos em que
parece não haver mais esperança.
A Irmã: Lembro-me muitas vezes dele. Acredita, Madre,
que viverei muito tempo ainda? Mesmo tendo medo, desejo
morrer.
Num tempo em que você se encontra tão ocupada, penso
na sua alma e temo que se perturbe e se dissipe diante das
preocupações e cuidados. Vigie para que ela não seja
prejudicada e que sua união com Deus seja fortalecida pelo
trabalho que faz por ele.1 O recolhimento deve nos acompanhar
por toda parte: é por ele que nossas ações adquirem muito
valor; é por ele também que aprendemos a retificar nossas
intenções e a não ter outra meta a não ser Deus, e Deus só. É
ainda por ele que afastamos as reflexões sobre nossa conduta, e
que a lembrança de nosso bem-amado preencha nosso espírito e
invada nosso coração.
Sou, com a mais terna afeição, toda sua.
Irmã Emília.
99
Aspectos da vida em Villefranche: acolhimento o mais
generoso possível às órfãs; distribuição de legumes às crianças
pobres; luta contra a verminose (L 315, M 151-152 - em parte).
À Madre Vincent, em Aubin (carta comum da Madre para
as Irmãs).
Villefranche, 7 de julho de 1830.
Nossas caríssimas Irmãs:
Nossa Madre quer que partilhemos com vocês nossas
pequenas atividades, a fim de que se alegrem conosco e que não
acreditem ser as únicas a quem ela ensinou a fazer o comércio
que vocês fazem com o produto do seu jardim.
Em primeiro lugar, a classe de Santa Úrsula é muito
numerosa e encontramos muitas órfãs que desejavam entrar. No
217
448
R
.
F
.
97
Alegrar-se espiritualmente por pertencer exclusivamente a Deus,
pertencendo à Sagrada Família (L 294, M 238).
À Irmã Anne-Régis, em Aubin.
Villefranche, 16 de outubro de 1829.
Minha caríssima Irmã:
Diga na alegria de sua alma: "Meu bem-amado é meu, eu
sou dele; pertenço à Sagrada Família, sou de Jesus, de Maria e
de José e, com a graça de Deus, nada quero fazer, nada dizer,
nada pensar que não responda às grandes misericórdias de Deus
na minha alma. O Deus do meu coração terá todo o meu amor.
Viverei somente para lhe testemunhar o meu reconhecimento e
detestar todos os momentos de minha vida que não foram para
ele." Eis, minha querida Irmã, qual deve ser sua linguagem.
Depois, aplique-se a uma profunda humildade.
Quanto à santa comunhão, aconselho-a a desejá-la e fazê-la
conforme acharem seu confessor e Irmã Thérèse. Saúdo-a no
divino Coração de Jesus.
Irmã Emília.
Ano de 1830
98
Velar para que o ativismo não prejudique a alma. Que a união
com Deus seja fortificada pelo serviço prestado a ele; que o
recolhimento contínuo modere os ímpetos que surgem (L 308).
A Madre: Não penso que o bom Deus a chame agora. Não
se entregue a esse desejo, mas abandone-se inteiramente em
suas mãos, desejando apenas sua vontade, sua glória.
Adquirimos tanto mérito durante o sofrimento que seria um erro
suspirar pelo momento de nos livrarmos dele.
A Irmã: O que me leva a desejar a morte é o pensamento de
que, desta maneira, me livrarei do poder que tenho de ofender a
Deus. Ah! como me tarda não mais pecar!
A Madre: A morte a libertará do poder de pecar, mas a
deixará na impossibilidade de promover a glória de Deus. Você
não poderá adquirir mais nenhum mérito. Diante de todas essas
circunstâncias, creio ser melhor abandonar-se e só pensar em
aproveitar o tempo que Deus lhe dá para santificar-se, fazendo a
vontade dele.
A Irmã: Eu me abandono. Não quero senão o que Deus
quer.
A Madre (alguns dias depois): Como está hoje, minha cara
Irmã?... Creio que faz sol.
A Irmã: Sim, minha boa Madre, faz sol, o bom Deus me
visita. Eis meus pés e minhas mãos inchadas. Estou no limiar da
eternidade. Que felicidade!
A Madre: Você está perto do fim. Ainda um pouco de
tempo, minha cara Irmã, e irá unir-se a seu Esposo. Ele tardava
e eis que Deus satisfaz seus desejos. Permaneça bem unida até
aquele momento (acrescenta coisas das quais não temos
conhecimento). É bom ter amado o bom Deus, ter sofrido
durante a vida, não é?
A Irmã: Sim, minha cara Madre, é bom morrer. Nunca teria
pensado ser tão doce deixar a terra. Toda a minha vida temi a
severidade do julgamento de Deus. A senhora sabe quanto eu
receava esta última passagem e eis que Deus me inunda de
consolação. Não temo mais. Por que temer um Deus tão bom?
218
Ah! meu Salvador, o que fiz eu para que seja tão bom para
mim, para morrer por mim numa cruz! (Beijava sua cruz e
tornava a beijá-la, depois falou em particular à Madre).
A Madre: Bem que eu lhe dizia durante a vida que o bom
Deus a trataria assim nos últimos momentos. Humilhe-se
sempre por causa de seus pecados, e depois deseje
ardentemente seu bem-amado. O sofrimento está bem
recompensado, não é?
447
preparou um lugar. Para caminhar corajosamente, precisamos
receber o Espírito Santo que virá a nós, se o invocarmos por
nossos desejos e nossa fidelidade. A constatação de suas faltas
não a deve desanimar, mas, ao contrário, encorajá-la à prática
das virtudes contrárias. Contemple muitas vezes seu divino
Esposo e apóie-se inteiramente nele. Segunda-feira, 1º de julho,
será celebrada uma Missa (para nós) em Pibrac. Não preciso
pedir-lhe que se una a ela em intenção.
Muitas recomendações a suas alunas e sou toda sua nos
Santos Corações.
A Irmã: Nada melhor do que ser recompensada no céu.
Quando a senhora me falava da bondade de Deus, eu não podia
imaginar que chegasse a ser tão feliz. É meu Salvador Jesus
quem me concede tantas graças. Quando estarei unida a ele para
sempre?
A Madre: Você se lembrará de nós, pobres exiladas a
rastejar com sofrimento e trabalho nesta terra.
A Irmã: Poderia esquecê-la, minha boa Madre, a senhora
que me fez tanto bem? Sem o auxílio de suas orações e
conselhos, sem dúvida eu não teria aproveitado das cruzes que
Deus me enviou. Depois de Deus, devo tudo à sua caridade.
Esquecê-la, minha boa Madre, seria impossível. Obrigada,
muito obrigada por ter recebido e guardado perto da senhora
uma tão miserável pecadora!
A Madre: É o bom Deus o autor de todo bem que lhe
fizemos. Vai pedir também pela Congregação, a fim de que
todos os membros sejam animados de um bom espírito, não é?
Coragem! Em breve o bom Deus virá buscá-la e irá juntar-se à
sua querida Irmã Isidore (religiosa de nossa Congregação, irmã
da própria Irmã Colombe e cuja vida tinha sido semelhante à de
São Luís de Gonzaga).
A Irmã: Madre, não a estou vendo mais, reconheço-a
apenas pela voz.
Irmã Emília.
96
Dedicar-se de todo coração à visita aos doentes, numa intenção
plenamente sobrenatural, testemunhando-lhes a mais humana afeição
(L 289).
À Irmã Rose em Aubin.
Villefranche, 5 de julho de 1829.
Minha caríssima Irmã:
Sei que é encarregada da visita aos doentes. Recomendolhe não deixar nenhum deles sem visita. Não é necessário dizerlhe que os ame, pois sei que os ama. No entanto, jamais
podemos dizer que amamos bastante, visto que não é a homens
que prestamos serviços, mas ao próprio Nosso Senhor.
Encorajo-a a olhá-los todos no coração desse amável Jesus.
Você os amará e fará por eles tudo o que for possível. Desejaria
ter alguma coisa para lhe enviar, mas há algum tempo que não
disponho de nada. Contudo, envio-lhe um pedaço de bolo.
Desejo-lhe um zelo sempre renovado por esse trabalho. Peço ao
menino Jesus que o conceda a você.
Toda sua.
Irmã Emília.
446
219
que dirão, mas faça-o como uma verdadeira noviça que, sem
escutar nem a carne nem o sangue, sabe tudo sacrificar por
amor daquele que a escolheu para ser o tudo de sua vida. Você
sabe que o caminho da união com Deus não é outro senão o da
renúncia e o da santa obediência. Pratique-as se quiser tornar-se
uma verdadeira esposa de Jesus. Se não tomar cuidado, o
Senhor que a cumulou de graças as retirará e a privará da maior
de todas as felicidades. Espero que, quando me escrever, me
fará sentir que se tornou generosa e cada vez mais obediente,
humilde e mortificada. Então, a Sagrada Família a guardará e a
amará como uma verdadeira filha. É nessa esperança que sou,
com afeição, sua dedicada Madre, nos Corações de Jesus, Maria
e de José.
Irmã Emília.
R.S.F.
95
Renovar nossa coragem pensando que Nosso Senhor nos prepara
um lugar no céu e pedir, para isso, as luzes do Espírito Santo. Não se
deixar abater por nenhum pretexto, diante das faltas cotidianas (L
287).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 29 de junho de 1829.
Minha caríssima Irmã:
A carta do nosso Pai, que você teve a delicadeza de me
enviar, causou-me grande prazer... Havia muito tempo que não
tinha notícias dele. Agradeço-lhe também as notícias que me
deu de suas queridas doentes e das outras Irmãs. A todas,
afetuosas lembranças. As doentes e as que estão bem de saúde,
todas, numa santa união, esforcemo-nos para avançar em
direção à nossa bem-aventurada pátria, onde nosso chefe nos
A Madre: Dê-me sua cruz, minha querida Irmã. Que eu a
beije antes de nos deixar. (Beija-a com profundo respeito).
A Irmã: Madre, dê-me também sua cruz a beijar. (A Madre
a dá). Você vai receber a bênção da Sagrada Família. (Feito
isso, a Madre se retira com profundo respeito.)
15. Diálogo sobre a virtude de uma Irmã enferma
(D 110-112; nº 51)
A interlocutora não é nomeada, mas trata-se sobretudo das
Irmãs Marie du Calvaire (v.s. nº 10) e Colombe (v.s. nº 12-14), que
ela é convidada a visitar a fim de tornar-se melhor. Deve ir conversar
com elas, mesmo se o heroísmo delas assuste um pouco o comum dos
mortais. Numerosas alusões às causas de relaxamentos provocados na
Congregação pela introdução de novos costumes: exames públicos e
distribuição de prêmios, estilo de vida mais liberal, etc. É no decorrer
do ano de 1850, um pouco antes de um dos últimos Diálogos
precedentes, parece.
A Madre: Você está um pouco doente. É preciso que lhe dê
por companheira a Irmã Colombe. Irá aprender com ela as
virtudes que deve possuir uma religiosa fervorosa. Vai tomar
leite de jumenta; portanto, farei substituí-la na classe, durante
um mês. Tem toda a liberdade para encontrar essa Irmã. Você
lhe dirá que lhes permito conversar, bem entendido, sempre
sobre o bom Deus. Examine bem sua conduta e veja como se
conduziria se estivesse no lugar dela.
A Irmã: Madre, temo um pouco essa Irmã. Ela é demasiado
perfeita para mim. Sinto-me confusa quando percebo que os
pensamentos dela, bem como os da Irmã Marie du Calvaire são
tão opostos aos meus.
A Madre: Em que os pensamentos delas são tão opostos aos
seus?
220
A Irmã: Madre, para elas, o sofrimento é tudo, e o gozo das
satisfações permitidas, mesmo das consolações espirituais nada
é, porque apenas o sofrimento merece ser recompensado. Irmã
Marie du Calvaire queria ser desprezada, odiada, abandonada
por todo mundo, sofrer as mais vivas dores. Irmã Colombe fica
abismada em seu nada, penetrada pela grandeza de Deus, reza
com uma fé tão viva que, quando rezo com ela, paro para
contemplá-la. Quando assisto às pequenas conferências que a
senhora lhe permite fazer, encho-me de confusão. Tenho a
impressão de que me vêem nua como um verme, isto é, despida
de toda virtude. Falo pouco com ambas, sobretudo com a Irmã
Marie du Calvaire. Quereria que não me conhecessem. É
bastante a senhora conhecer-me.
A Madre: Veja como seu orgulho ainda é grande. Você se
tornará humilde, tenho confiança. Quanto proveito poderá
haurir de seu relacionamento com as Irmãs Marie du Calvaire e
Colombe! Não é necessário falar muito. Escute-as e isso lhe
fará bem. Gostaria que todas as jovens religiosas como você
visitassem sempre essas duas Irmãs. Ah! que almas! Nada
somos ao lado delas: desejar o desprezo, o ódio dos homens, o
abandono de todas as criaturas, como é perfeito! Vá até elas
tanto quanto puder. Estou certa de que lhe farão bem.32
A Irmã (algum tempo depois): Madre, acabo de estar com
Irmã Colombe. Encontrei-a tão aniquilada em sua dor que nada
pude lhe dizer. Vá consolá-la um pouco!
A Madre: Irei já, mas não sei se vou consolá-la. Existem
sofrimentos que só Deus conhece e aos quais ninguém pode
remediar. Nossa cara Irmã se encontra, às vezes, em um estado
tão doloroso, tão penoso, que só podemos lhe desejar a
paciência. Fez bem em avisar-me. Irei vê-la daqui a pouco.
A Irmã: Estar tão doente e tão aflita ao mesmo tempo é
terrível! Ela morrerá logo.
A Madre: Essa piora da enfermidade não a levará à morte.
Ela se levantará ainda.
445
ele nos sustentará e nos protegerá contra o demônio e contra
nós mesmas. Tenha sempre grande confiança em sua Madre.
Deus abençoará essa confiança e a fará encontrar calma no
meio da tempestade. Sobretudo, não se preocupe consigo
mesma, afaste de seu espírito todo pensamento triste.
Abandone-se com confiança nas mãos de Deus e na proteção da
Sagrada Família. Imite suas virtudes, meditando-as muitas
vezes e não se perturbe com nada. O Senhor, que a ama, não
será o primeiro a abandoná-la.
Na esperança de que você queira ser toda de Deus, sou,
nos Santos Corações de Jesus, Maria e José, sua dedicada e
afeiçoada Madre.
Irmã Emília.
R.S.F.
94
A religiosa que teve de interromper o noviciado comunica sua
alegria ao assistir às conferências reservadas às noviças. Madre Emília
a felicita, lembrando-lhe, no entanto, de que a prática das virtudes é o
único verdadeiro caminho para a união com Deus (L 285, M 142143).
À Irmã André, em Aubin.
Villefranche, 29 de maio de 1829.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Com prazer recebi sua carta e estou feliz em constatar a sua
felicidade em assistir às conferências do Noviciado. Convido-a
a pensar muitas vezes no espírito de obediência, de renúncia e
de mortificação que, ordinariamente, constituem o tema dessas
conferências. Não basta, minha Irmã, saber e ouvir. Precisamos,
no momento certo, provar a Deus que somos ou queremos ser
verdadeiras esposas da cruz. Por exemplo, quando a chamam ao
parlatório, faça o sacrifício, com boa vontade, sem pensar no
444
221
Cada uma teria desejado com ardor que Deus no-la conservasse
por muito tempo ainda, para encontrar nela um modelo e a
ajuda poderosa do exemplo.
Mas como, em pouco tempo, tinha vivido uma longa
carreira e já era um fruto maduro para o céu, seu divino Esposo
apressou-se em recompensá-la. Seu estado de saúde piorou,
sempre manifestando um ardente desejo de ir para o Esposo,
que recebia muitas vezes no sacramento de seu amor, pelo qual
tinha grande atrativo. Embora para gozar dessa felicidade
tivesse de sofrer com a sede e a necessidade de tomar um pouco
de alimento, não deixou nenhuma comunhão e teve a alegria de
recebê-la mesmo em jejum até à véspera de sua morte. No dia
em que morreu, comungou em viático. À tarde, sentiu que seu
último momento estava próximo e disse à nossa Madre:1 "Deus
virá me buscar logo, fique aqui para fechar meus olhos." Pediu
que rezasse a oração dos agonizantes, que acompanhou
também. Em seguida, pronunciou sem cessar os santos nomes
de Jesus, Maria e José. Pelas 19h, entregou sua alma a Deus
numa calma profunda, de modo que sua morte foi semelhante à
sua vida.
A Irmã: Ela deseja tanto morrer!
A Madre: Pode ser que o bom Deus queira contrariar um
pouco o desejo dela. Ela não perde tempo em seu leito de dores.
Vai visitá-la muitas vezes?
A Irmã: Sim, minha Madre, muitas vezes, mas quando ela
está sofrendo como ultimamente, nada me diz.
A Madre: Quando ela não está sofrendo, sobre o que vocês
conversam?
A Irmã: Falamos de Deus, da santa comunhão, do céu.
Muitas vezes ela me fala do que sabe sobre nossas primeiras
Irmãs. Algumas vezes, falamos também de outra coisa que me
leva a bastantes reflexões.
A Madre: Que coisa é essa?
A Irmã: A senhora tem bastantes aborrecimentos, sem que
eu a aflija falando de uma coisa que lhe encherá o coração de
amargura.
93
A Madre: Diga-me.
No âmago do sofrimento, renovar o propósito de inabalável
fidelidade a Deus. Acreditar que, apesar de tudo, ele não nos
abandonará. Recorrer confiante às orientações da superiora de Aubin
(L 284, M 141).
A uma jovem aflita, em Aubin.
Villefranche, 24 de maio de 1829.
Minha querida amiga:
Eis que está sofrendo; no entanto, não se aflija. Esta
miserável vida é um lugar de exílio, onde precisamos ter
continuamente as armas na mão, para combater. Mas tenhamos
coragem. Deus está conosco. Contanto que lhe sejamos fiéis,
A Irmã: Ela me diz algumas palavras sobre o relaxamento
no qual teme que caiamos. Esclareceu-me bastante. Até o
presente, eu acreditava que tudo quanto se fazia de novidade era
bom e necessário. Aprovava e quase gostava de muitas coisas
que agora vejo não serem para amar nem desejar com tanto
ardor. Após a conversa, faço uma profunda meditação sobre as
causas do relaxamento que ela me assinala.
A Madre: Como faz você essa meditação?
A Irmã: Digo a mim mesma: por que os exames públicos, a
distribuição de prêmios, acompanhados de apresentações,
levarão ao relaxamento? Vejo que os preparativos pedem
demasiado tempo e nos preocupam muito. As religiosas
222
443
clausuradas vêem o mundo de muito perto. Esse mundo deixanos um pouco de seu espírito. Se cada ano nos imbuímos um
pouco dele, dentro de algum tempo nos invadirá totalmente.
Vendo isso, peço ao bom Deus não permitir que isso dure.
Outras vezes, observo os motivos que levaram algumas Irmãs a
desejarem fazenda mais fina para suas roupas. Vejo que é um
secreto motivo de amor-próprio, encoberto sob pretextos de
asseio, etc. Vejo também que as religiosas tão atentas ao
cuidado do corpo são pouco interiorizadas. Nunca fixo meu
pensamento sobre uma pessoa em particular, temendo faltar à
caridade. Penso em geral. Quanto à entrada de antigas alunas
que obtêm a permissão do nosso Superior, compreendo quanto
prejudicam as Irmãs que são obrigadas a ficar o dia inteiro com
elas. Na primeira vez, acreditei que essas jovens pediam para
entrar a fim de se refazerem um pouco no espírito de piedade.
Num dia que passei com elas, cheguei à conclusão de ser uma
pura perda de tempo para elas e para nós. Se a Irmã encarregada
de ficar com elas é jovem, tenha cuidado para que as suas
conversas não a prejudiquem.
A Madre: Começamos a bem julgar. Essa meditação vai
muito bem. Irmã Colombe não lhe fala de outra coisa sobre o
relaxamento?
A Irmã: Desculpe-me. Disse, ainda, que o recreio revela se
o espírito de fervor reina ou não. As conversas das religiosas
devem ser santas e espirituais, quase sempre sobre os interesses
da glória de Deus. Não sendo assim, o relaxamento se
aproxima. Ela me falou que o que mais deve preocupar uma
religiosa é o cuidado com sua perfeição. Ela pensa que para
conservar o fervor, é preciso evitar se entregar às coisas
exteriores. Esses ensinamentos me abriram os olhos e me
fizeram compreender muitas coisas ditas pela senhora, e das
quais bem pouco compreendia grande coisa. Gosto também de
ouvi-la falar sobre a santa comunhão.
A Madre: O que lhe diz ela sobre a santa comunhão?
ao mesmo tempo seu diretor, que, se para se tornar religiosa
fosse preciso atravessar os mares e ir até o Novo Mundo, ela
não hesitaria em empreender a longa viagem. Apresentando-se
em nossa casa, nós a recebemos de boa vontade, mesmo sem
dote, pois trazia o melhor de todos: a vontade sincera de se
entregar inteiramente a Deus. Toda a sua conduta correspondeu
às santas disposições que manifestou.
Uma fé viva a mantinha profundamente aniquilada diante
de Deus, levando-a a fazer suas orações com respeitosa atenção,
conservando-a num humilde temor, unido, entretanto, a uma
confiança toda filial, que transformava sua alma em um céu
sem nuvens. Essa calma profunda irradiava em todo o seu
exterior, cujos movimentos anunciavam a sabedoria e o espírito
de Deus de que estava repleta. Como sua humildade era
profunda, o desprezo que tinha para consigo mesma levava-a a
ter toda espécie de atenção pelos outros, sem excluir ninguém.
Todas as pessoas da casa eram tratadas por ela com afetuoso
respeito, animado ainda por uma caridade das mais vivas que já
se viu, sobretudo na função de enfermeira, durante quase todo o
tempo em que gozou de boa saúde. É inútil dizer como era
amável, com tanta humildade e tanto amor a Deus e ao
próximo. Teria sido possível que tivesse alguns momentos de
impaciência? Também, sua doçura era invariável, assim como
sua humildade, sua paz e sua alegria. Amava a vida comum
mais do que a sua própria vida. O silêncio fazia suas delicias.
Vivia na prática da mortificação como o peixe na água.
Uma paciência inalterável, que uma doença de vários anos
não pôde alterar, coroou tantas virtudes. Desde esse tempo, teve
alternativas de melhora que nos davam esperanças, mas
serviram apenas para prolongar seus sofrimentos e aumentar
seu mérito, que foi tanto maior quanto mais se abandonou à
vontade divina. Longe de desejar as visitas do médico, bem
como os remédios, tinha uma repulsa extrema e não aceitava
um e outros, senão por pura resignação. Tendo seu mal
aumentado consideravelmente, nós lhe propusemos receber o
Sacramento dos Enfermos que ela aceitou com ação de graças.
Viveu ainda alguns dias, sempre no sentimento de um amoroso
abandono, sempre contente, sempre calma, o que lhe atraía a
mais terna afeição e o profundo respeito de todas as Irmãs.
442
223
91
Procurar nunca admitir um pensamento triste; a paz oculta no
meio do sofrimento (L 275).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 8 de janeiro de 1829.
Minha querida Irmã:
Exorto-a a jamais admitir algum pensamento triste. Tenha
muita confiança em Deus. Quanto mais nossos sofrimentos se
fazem sentir, contanto que a paz da alma os acompanhe, mais
nossa alma se une a Deus.
Toda sua.
Irmã Emília.
92
Circular sobre uma religiosa notável por seu espírito de fé e sua
humildade diante de Deus e das Irmãs de sua comunidade. Sua
extrema doçura na missão de enfermeira. Vários anos de enfermidade
não alteraram sua paciência. Nos últimos tempos, tudo fez para
comungar muitas vezes, apesar da dificuldade que tinha de observar a
lei do jejum (L 280). Madre Emília, como acontece várias vezes em
suas redações, fala de si mesma na terceira pessoa.
Circular de Irmã Lucie Bouyssou.
Villefranche, 6 de maio de 1829.
Minhas caríssimas Irmãs:
Irmã Lucie, de nome Bouyssou, era de Cransac, vilarejo
pertinho de Aubin. O desejo que Deus lhe inspirou de se
consagrar a ele na solidão era tão ardente que teria ido até o
impossível para vê-lo realizado. Dizia ao seu vigário, e que era
A Irmã: Nada de particular, mas quando fala é com tão
profundo respeito que se diria que ela ainda se encontra diante
do Santíssimo Sacramento. Nossas comunhões tornam-se mais
freqüentes, repete-me ela muitas vezes. O fervor aumenta em
proporção? Uma coisa deve sempre acompanhar a outra. Se nos
mandam aproximar-nos da mesa sagrada quando sentimos
nossa indignidade e que por esse motivo gostaríamos de nos
afastar dela, devemos pensar ser para nos aproximarmos mais
rápido de Deus, da santidade. Tenho medo de que minhas
comunhões me condenem ao julgamento de Deus.
A Madre: Ela teme que as comunhões que faz a condenem.
Isso não lhe dá medo?
A Irmã: Isso me humilha e me dá compunção. Cada vez que
falamos da santa comunhão, senti-me mais recolhida durante
vários dias. Finalmente, nunca me aproximo da Irmã sem me
sentir mais inclinada para o bem, para a virtude. Ah! como ela é
feliz!
A Madre: A Irmã teme que suas comunhões a condenem, e,
entretanto, ela sente uma fome devoradora desse divino
alimento, a ponto de sentir desfalecimentos que a fazem sofrer
muito de meia-noite às seis da manhã. Muitas vezes, a
necessidade de tomar algum alimento a impede de dormir.
Durante todo esse tempo, ela enfrenta as dores das pernas e
suas outras dores para se levantar às cinco horas da manhã e
encontrar-se com seu Deus. Eu quis dispensá-la da santa
comunhão por causa dos suores, mas não foi possível quando
senti seu vivo desejo.
A Irmã: Algumas vezes pensei que a senhora não nos
permite o que permite à Irmã. Se suássemos como ela, teríamos
de ficar de cama dois ou três dias. A senhora não suportaria que
sentíssemos desfalecimentos da meia-noite às cinco da manhã.
A Madre: Você conhece o provérbio: Honram-se os santos
como eles são. Na verdade, não permitiria a nenhuma outra o
que permito à Irmã Colombe. Reconheço a mão de Deus nos
224
441
sofrimentos dela. Diviso seus planos sobre ela. Por que impedir
de caminhar para Deus uma alma que só anseia por ele?
Ano de 1829
90
16. Diálogo sobre a morte da Irmã Marie du Calvaire
(D 115; nº 53)
Testemunho sobre a grande santidade desta religiosa. Maneira
única como Madre Emília sabe falar, apreciar, discernir esta “via”
providencial (fevereiro/1851). Ver necrologia, 1.205.
A Irmã: Madre, estou com medo de que a Irmã Marie du
Calvaire morra.
A Madre: Eu também tenho medo.
A Irmã: A senhora só tem que pedir ao bom Deus para
deixá-la conosco. Ele a atenderá.
A Madre: Não farei tal coisa. Quer que prive essa alma de ir
gozar de seu Deus? Não pedirei que seu exílio seja prolongado.
Que a vontade de Deus se cumpra.
A Irmã: Temos tanta necessidade de uma religiosa tão boa,
e a senhora quer deixá-la partir sem nada dizer ao bom Deus?
Por favor, rogue para que ela não morra! Que modelo nós
perdemos!
A Madre: Não, não pedirei que seu exílio se prolongue.
Você não compreende o que sofre aqui uma alma que ama seu
Deus e como lhe tarda unir-se a ele. Do contrário, você não me
faria pressão para reter essa querida Irmã.33
A Irmã: Se todas aquelas que são tão boas se vão, que
faremos? Irmã Colombe morreu, Irmã Marie du Calvaire vai
morrer! Não seria melhor que se fosse qualquer uma de nós?
Bem que eu tomaria o seu lugar, se o bom Deus quisesse. Elas
fariam aqui alguma coisa, seriam edificantes.
Votos de Ano Bom: entrar nos sentimentos mútuos dos membros
da Sagrada Família em Nazaré. Incomodar-se, se for preciso, para
acomodar os outros (L 274, M 137-138).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 5 de janeiro de 1829.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Recebo seus votos com muito prazer. Os meus para vocês
são fortes e ardentes. Renovemo-nos todas juntas, no início
deste ano. Amemos muito a Deus, amemos a Sagrada Família,
vivamos no coração de Jesus, vamos a ele por Maria e José.
Assim, experimentaremos toda a felicidade de nossa santa
vocação. Que uma doce caridade reine entre nós e não nos
poupemos em praticá-la para acomodar nossas Irmãs, mesmo
que precisemos nos sacrificar e nos incomodar por elas.
Obedeçamos sem questionamento e sem réplica, de bom grado,
vendo sempre Deus naqueles que o representam. Assim,
encontraremos no amável abrigo da Sagrada Família uma suave
e abundante paz, bem como férteis pastagens.
Recomendo às suas orações nossa querida Irmã Lucie que
está muito doente, porém muito contente apesar do seu estado
de saúde.
Saúdo-as de todo o coração.
Irmã Emília.
440
225
que vocês têm para comigo. Esperemos na infinita bondade de
Deus que este ano receberemos muitas graças para nos
tornarmos verdadeiras esposas de Jesus. Essas graças serão
particularmente concedidas pela paz e união que reinarão entre
vocês. É essa santa união que compõe o excelente perfume de
que fala o profeta.
Saúdo-as com uma terna afeição junto ao presépio, e sou
toda sua.
Irmã Emília.
Irmã Louise, a quem saúdo afetuosamente e a quem
agradeço os detalhes que me relata, pergunta-me que livro se
deve ler à mesa. Se há alguma vida de santos que não se tenha
lido desde muito tempo, como a vida de Santo Inácio e da santa
Madre de Chantal, seria bom reler. Poderiam também ler a
explicação dos Salmos por Berthier, um pela manhã, outro à
noite. Faremos bem de nos renovar quanto à atenção que
devemos dar à leitura à mesa.
Irmã Louise ainda me pergunta se é preciso colocar a
biografia de nossas Irmãs falecidas após as crônicas. É
necessário começar a escrever sobre a fundação da casa e
depois colocaremos a vida das Irmãs, se for preciso.
Irmã Aghate escreveu-me uma delicada cartinha, à qual
ainda não respondi. Agradeço-lhe muito. Uno-me a ela no
cuidado às crianças e, embora sinta a felicidade em fazer
conhecer e amar Jesus, exorto-a a apreciar sempre mais esse
serviço. Peço a ela e a todas vocês, minhas queridas Irmãs, as
que estão junto a essas jovens plantinhas, de lhes desejar, da
minha parte, um Feliz Ano Novo e dizer-lhes mil coisas
amáveis.
A Madre: Deus tem seus desígnios, ao chamar a si essas
duas religiosas. Do céu elas poderão nos ajudar melhor do que
se estivessem aqui. A vontade de Deus deve passar antes de
tudo.
A Irmã: Sempre as melhores se vão.
A Madre: Elas estão preparadas. Colhe-se um fruto quando
está maduro. O bom Deus faz o mesmo. As menos fervorosas
ficam para adquirir o grau de perfeição que Deus quer que
atinjam antes de se unirem a ele.
A Irmã: Quando nada de bom se faz aqui e se ofende
sempre o bom Deus, não seria melhor morrer?
A Madre: É preciso fazer na terra as coisas para as quais
Deus aqui nos colocou e nela permanecer o tempo que ele
quiser. Não raciocine tanto. Ponha mãos à obra. Não são os que
dizem "Senhor, Senhor, que entrarão no reino dos céus, mas os
que fizerem a vontade do Pai celeste." Tenho de ir ao meu
quarto.
A Irmã: Permite-me ir ver Irmã Marie du Calvaire? Quero
falar com ela antes que morra.
A Madre: Ofereça esse sacrifício ao bom Deus. Você se
sentirá mais contente. A Irmã me pediu para deixá-la sozinha.
Está unida a Deus. Por que distraí-la? Seu atrativo para viver
escondida e desconhecida perdura. Deus a cumula com suas
graças, mas tudo deve permanecer secreto. Após sua morte,
diremos alguma coisa, mas é preciso esperar.
17. Conferência sobre a paciência
(C 47-49; nº 17)
Embora as ocasiões, os exemplos e os pontos de aplicação
evocados por Santa Emília no declínio de sua vida (estamos no fim de
1851) sejam tirados da vida cotidiana e banal, esta exortação
ultrapassa o nível de um moralismo puramente pragmático. Tudo está
fundamentado em motivações sobrenaturais e teologais. Vemos
226
também que o rigorismo da superiora é abrandado pela doçura
heroicamente salesiana.
“Um homem paciente vale mais que um homem valente.
Aquele que sabe vencer-se a si próprio é maior do que aquele
que conquista as mais brilhantes vitórias”, diz a Imitação de
Cristo.34 Esse versículo bem meditado é próprio para nos
encorajar à paciência em tudo o que nos pode contrariar. O
mundo estima, ama e aprova o que brilha. Uma pessoa dotada
de algumas qualidades do espírito e do coração, que tenha
saúde, riqueza, uma boa fama, que trabalhe muito e saiba
mandar, que seja poderosa e revestida de autoridade, o mundo –
e entendo por mundo aqueles que, não lhe pertencendo,
possuem seu espírito – imediatamente a aprova, louva e julga
feliz. Ela tem muitos amigos. Se, pelo contrário, uma outra é
fraca, pequena, indigente, se apenas sabe orar, meditar,
combater seus defeitos, essa tem poucos amigos, pouca estima
da parte dos homens. É, segundo ele, uma pessoa inútil, que
para nada conta.
Assim acontece no mundo e, algumas vezes, mesmo na
vida religiosa, quando todos os religiosos não possuem o
espírito de Deus, mas ainda são imbuídos do espírito do mundo.
E no entanto, não é assim que Deus julga. Não é sobre as
aparências, as qualidades físicas e morais que são um puro dom
de sua liberalidade, mas sobre a paciência e a humildade com as
quais suportamos as penas da vida. É sobre as virtudes
interiores que tivermos adquirido que Deus nos julgará.35 Ele
não nos perguntará o que os outros disseram ou pensaram de
nós, mas o que tivermos feito. Nossa cara Irmã Colombe dizia
que não haverá recompensa no outro mundo senão para a
paciência com a qual foram suportados os sofrimentos, as penas
da vida. Eu também acredito que a aceitação humilde e paciente
das penas e das misérias da vida é o que há de mais meritório e
o que mais une uma alma a Deus. Onde há satisfação própria,
pouco se ganha para o céu, mas, onde há pena, trabalho,
sofrimento, há ganho para a eternidade.
439
Não se aflija por não poder jejuar. Substitua essa santa
obrigação, que gostaria tanto de poder cumprir, pelo jejum do
espírito, por essa mortificação interior que atrai o coração do
nosso queridíssimo Esposo.
Seu querido papai, que mandei visitar um desses dias,
encontra-se mais ou menos no mesmo estado de saúde. Aceita a
doença muito cristãmente. Você deve se alegrar com a
paciência dele, aceitar os desígnios de Deus sobre ele e ver nas
aflições meios eficazes de torná-lo mais santo.
Irmã Emília.
89
No ambiente sobrenatural que o presépio irradia e no limiar do
"mês de Jesus", será mais fácil se dispor a uma total obediência
religiosa. As graças que Deus quer generosamente conceder durante o
novo ano frutificarão na medida em que forem recebidas numa
comunidade mais unida (L 273, M 135-136).
Às Irmãs de Villefranche.
Aubin, 27 de dezembro de 1828.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Na preciosa festa que acabamos de celebrar, fiquei unida a
todas vocês e pedi ao divino Infante que me fizesse participar
do santo fervor que certamente tiveram junto ao presépio. Não
duvido de que o bom Jesus, envolto em panos, tenha
preenchido seus corações com o mais ardente desejo de lhe
pertencer sem reserva. Vamos começar o mês de Jesus,
procurando não nos limitar às práticas externas que nos são
prescritas. Tomemo-lo por modelo, meditemos, sobretudo, as
palavras de São Lucas: "Era-lhes submisso." Se as
compreendermos, a prática da obediência se tornará para nós
deliciosa.
É inútil dizer que lhes desejo um feliz ano novo. Conhecem
meus sentimentos e eles correspondem à intensidade daqueles
438
227
com ela um coração inteiramente filial. Se alguma de vocês
pensa ter bastante ternura para com ela, engana-se. Não
saberíamos amar bastante aquela que, depois de Deus, merece
toda a afeição de nossos corações.
Soube, por uma carta de Irmã Françoise, que estavam
fazendo uma novena por mim. É um grande serviço que me
prestam, pelo qual não sei como lhes testemunhar minha
gratidão. Deus, em sua infinita bondade, as recompensará pelo
que fazem por seu amor em meu favor.
Recebam, minhas queridas Irmãs, nos Sagrados Corações
da Sagrada Família, a expressão do meu sincero afeto.
Irmã Emília.
88
Uma piedade profunda para com o Sagrado Coração não pode
deixar de gerar a paz no abandono filial e uma delicada caridade no
ministério da visita aos doentes (L 272).
A uma Irmã de Villefranche.
Aubin, 19 de dezembro de 1828.
Minha muito querida Irmã:
Seria também para mim um grande prazer vê-la, mas é
preciso que nos submetamos à santa vontade de Deus e
tentemos nos encontrar no divino Coração de Jesus, no qual
devemos colocar todo o nosso afeto. Amemos ternamente esse
Coração adorável. Rejubilo-me com você pela calma e pela paz
de sua alma. Mantenha-as pela fidelidade em seguir as
inspirações de Deus, por uma obediência pronta e generosa e
por um total abandono de si mesma nos braços do Pai. Aliás,
você sente que ele lhe pede isso e agindo de outro modo seria
resistir à sua voz. Sirva e visite nossos queridos doentes com
verdadeiro espírito de fé, como se visitasse Nosso Senhor
pessoalmente.
Portanto, paciência, minhas Irmãs, em tudo. Paciência,
principalmente, para com as alunas que mais nos fazem sofrer.
A propósito de alunas, vocês talvez pensem que são as Irmãs
que têm mais disciplina na classe, que não experimentam
nenhuma resistência por parte das crianças que fazem o maior
bem. Poderiam enganar-se e muito. Uma Irmã pode sofrer
muito junto às alunas e só receber delas ingratidão, frieza e
fazer-lhes um bem imenso por seus bons exemplos, sua
paciência, sua doçura. Muitas vezes o bem está escondido sob
uma aparência de mal, mas ele não é menos real, e por isso é
menos sujeito a ser corrompido pela vaidade. Portanto, minhas
caras Irmãs, paciência com as crianças. Mais elas são
turbulentas, de mau humor, desagradáveis, tanto mais é preciso
amá-las, armar-se de paciência, rezar, mortificar-se por elas. Se
você estiver emocionada, não as castigue no momento, vença
sua natureza. Quando estiver mais calma, você as repreenderá
com doçura e caridade. Não lhes dê nenhuma palmada. Se uma
criança resiste abertamente, ceda no momento. Quando ela
estiver mais calma, faça-a conhecer docemente sua falta com
caridade. Quanto mais uma criança é difícil, tanto mais se deve
ter por ela compaixão, amá-la e afagá-la. Durante o recreio, não
falem com nossas Irmãs dos motivos de impaciência que
tiveram durante o dia, menos ainda dos defeitos de seus alunos.
Isso é imperfeito e contrário à caridade. Vão ao pé da cruz,
contem tudo ao bom Deus, se vocês quiserem. Caso tenham
necessidade de comunicar a alguém seu sofrimento, podem vir
a mim a qualquer hora, assim não terão a tentação de faltar com
a caridade.
Paciência, minhas Irmãs, no suporte dos temperamentos.
Ah! isso é um dos exercícios mais difíceis da caridade cristã,
um dos mais meritórios. Suportar os temperamentos supõe uma
atenção constante para não ferir a caridade. Vocês são umas
sessenta nesta sala. Cada uma tem um caminho diferente para ir
a Deus, cada uma tem, igualmente, um caráter diferente.
Existem semelhanças entre várias, mas nunca identidade
perfeita. Se é assim, precisamos de paciência para nunca nos
chocarmos, para que reine entre todos os membros da
Congregação um acordo perfeito. Esse acordo, essa caridade é o
228
437
que se pode ver de mais belo, o que há de mais precioso numa
comunidade religiosa. Quando esse acordo perfeito, essa
virtude prática reinam num convento, pode-se dizer que é um
paraíso na terra. Considero a caridade que une os membros de
uma comunidade religiosa como o cimento que une e consolida
as pedras de um edifício. Se se retira o cimento desse edifício,
ele não pode durar, desaba. Uma casa religiosa desabará
também quando os religiosos retirarem esse cimento que deve
uni-los, não praticando a caridade, a aceitação dos
temperamentos.
Se, por fraqueza ou distração, isso lhes acontecer,
arrependam-se de todo o coração, façam uma pequena
penitência, reparem a sua falta e obterão da bondade infinita de
Deus a graça de não mais cair.
(O final desta carta se perdeu.)
Demos alguns exemplos sobre a maneira como é preciso
suportar os temperamentos. Eis duas religiosas no mesmo
emprego. Uma é viva, ativa; a outra, lenta, fleumática. Que
devem fazer essas duas Irmãs cujos caracteres são tão opostos?
A que é viva deve moderar sua vivacidade, evitar a pressa,
suportar sem se queixar nem murmurar contra a que é lenta. A
que tem o temperamento fleumático, levado à lentidão, deve
ativar-se e não condenar a que é viva, nem acusá-la de
impaciência quando se esquece e sai um pouco dos limites da
moderação. Assim se deve fazer para suportar os demais
temperamentos.
Na impossibilidade de passar a festa da Imaculada Conceição em
Villefranche, a Fundadora exorta as religiosas a uma fervorosa
gratidão à Santíssima Virgem que guiou o desenvolvimento do
Instituto e o estabelecimento da Casa-mãe (L 271, M 134-135).
Você vai até à porta para sair; a porteira a faz esperar. Em
vez de se impacientar interiormente, de agitar a campainha, de
censurá-la quando chegar, tenha paciência, não diga nada. No
recreio, poderá dizer-lhe amavelmente que às vezes ela faz
esperar demais as pessoas que querem entrar ou sair. Se isso se
repetisse com freqüência, deveria me avisar.
Freqüentemente, durante o dia, atos semelhantes se
apresentam. Precisam ser aproveitados para conquistar vitórias
sobre si mesmas.
Você vai ao refeitório, com fome, até mesmo com urgente
necessidade de tomar alimento e nada encontra no seu lugar, o
serviço está atrasado. Em vez de murmurar interiormente, de se
impacientar, pense que o bom Deus permite isso para o seu
bem. Não diga nada, não pense nada. Você pode me dizer –
87
Às Irmãs de Villefranche.
Aubin, 4 de dezembro de 1828.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Se Deus não tivesse decidido de outro modo, no dia de nossa
boa Mãe eu teria tido a felicidade de me encontrar no meio de
vocês, de lhes falar das virtudes dela, de me edificar e me
consolar pelos seus bons sentimentos. Privada dessa doce
oportunidade, eu me consolo pensando que estou detida pela
adorável e santíssima vontade divina, que devemos preferir a
tudo.
Peço-lhes, queridas Irmãs, como lhes pedi outrora, que
sejam a consolação e a alegria de Irmã Athanasie. Suavizem,
pelo seu fervor e pontualidade, seu zelo na observância do
Regulamento e por uma total obediência, o pesar que lhe causa
a minha ausência. Que ao voltar eu as encontre todas animadas
do ardente desejo de serem verdadeiras Irmãs da Sagrada
Família.
A festa da divina Maria é bem própria a aumentar em nós
esse desejo. Esse dia é tanto mais precioso para nós quanto
aquele que marcou o início da obra para a qual Deus nos
chamava.1 Alegremo-nos porque nossa casa começou, cresceu
e se sustentou sob a proteção da divina Maria. Tenhamos para
436
229
86
Elogio à caridade que vale o trabalho de numerosos sacrifícios
das comodidades individuais: ela é sempre acompanhada da paz que
ultrapassa todo sentimento (L 267, M 100-101).
Às Irmãs de Villefranche.
Aubin, 18 de setembro de 1828.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Foi difícil separar-me de vocês sem ter a consolação de
entretê-las em comum e de me edificar por meio de
conferências espirituais, em que teríamos falado das doçuras e
encantos da caridade, essa bela e inestimável virtude, a rainha
de todas as outras, que fez descer à terra nosso Salvador, e cuja
prática nos assegura a posse do seu divino Coração. Felizes as
comunidades religiosas cujos membros são animados pelo
espírito de caridade. Podemos dizer que são uma imagem do
céu, um jardim fechado onde o santo Esposo encontra suas
alegrias e onde derrama suas graças sem medida. Penetremonos, minhas queridas Irmãs, de amor e estima por essa virtude.
Não poupemos nossos esforços se, para obtê-la, for necessário
fazer sacrifícios e imolar a natureza, calar em tal ou tal ocasião,
afastar nossos pensamentos, julgamentos, mortificar nossos
gostos e não nos deixar vencer por algum incômodo, o que será
bem recompensado não somente no céu mas ainda na terra, pela
paz que sentiremos em nossa alma, precioso bem que aplaina o
caminho da felicidade.
Vocês, com certeza, observaram sem dúvida, quando
possuem a paz de Deus, nada lhes é difícil e caminham com
santa alegria nos caminhos da virtude. Então! Essa paz que
ultrapassa todo sentimento, que Jesus deixou para os seus
discípulos, é sempre conseqüência da caridade. Peço-lhes,
minhas queridas Irmãs, amem-se umas às outras. Vocês já o
fazem, mas façam-o mais ainda, pois o amor nunca diz: é
bastante. Amem-se e, para o conseguir, estimem-se, respeitemse umas às outras. Nunca repitam o que uma Irmã disse ou fez e
que poderia, mesmo de leve, prejudicá-la.
como não pensar nada? Em vez de pensar no que a contraria,
pense em Deus, no proveito que pode ter nessa ocasião, para se
enriquecer com méritos. Assim, afastará seus pensamentos de
impaciência.
Você diz: se estivéssemos todas atentas em nos prevenir,
em nada fazer que nos contrarie umas às outras, não teríamos
isso a sofrer. Por mais atentas que estejamos todas, sempre
teremos algo a sofrer, porque Deus assim o quer e, na maioria
das vezes, acontece que somos contrariadas sem que haja culpa
de ninguém. Pensamos às vezes que acomodamos uma pessoa
quando, na realidade, a incomodamos. Muitas vezes uma Irmã
encarregada de um serviço fará o possível para bem servir as
Irmãs. Não o consegue, ou porque não tem o que precisa, ou
ainda porque as Irmãs são um pouco difíceis. De um lado e de
outro, exercitem-se na paciência e acomodem-se com
mansidão,36 sem que haja a menor falta contra a caridade, a
menor imperfeição.
Eis muitas ocasiões de praticar a paciência exterior, mas
existem ainda muitas outras ocasiões de praticar a paciência
interior, suportando com calma e sem perturbação nossas
imperfeições, nossas misérias que são bem grandes. Muitas
vezes, a dificuldade que temos em suportar nossos próprios
defeitos, nossas faltas, é maior do que aquela que nos vem da
parte dos outros. Paciência para conosco, paciência nas
tentações, nas penas interiores, paciência para esperar por Deus,
pelos momentos da graça. Um homem paciente, repito, vale
mais do que um homem valente. Aquele que sabe mandar em si
próprio é maior do que aquele que manda nos outros.
Precisamos colocar-nos numa disposição habitual de
receber com paz e doçura tudo que pode nos acontecer de
penoso. Não duvidemos de que Deus no-lo envia para aumentar
nossos méritos. Nem mesmo devemos prever, para afastá-los,
os motivos de impaciência que receamos, mas nos entreguemos
nas mãos de Deus, imitando Santa Isabel da Hungria que dizia
cada dia ao bom Deus: “Senhor, que há de me acontecer hoje?
Nada que não tenha sido previsto pelo Senhor!” Ela aceitava
230
essa vontade de Deus, não se preocupando em saber se o
resultado seria bonança ou sofrimento. A fim de manter sua
alma na maior paz e pureza, após a morte de Conrad, seu pai
espiritual, cada dia lhe fazia uma confissão interior de todos os
pecados, pedindo-lhe que lhe obtivesse o perdão; em seguida,
mantinha-se numa calma e tranqüilidade perfeitas.37
Imitemos essa Santa e digamos cada dia a Deus: “Aceito
tudo o que pode me acontecer hoje de penoso, como penitência
por meus pecados e para cumprir sua santa vontade. Concedame não perder uma só ocasião oferecida pelo Senhor para lhe
testemunhar meu amor e minha fidelidade.”
435
85
Uma postulante está angustiada pela hesitação. Madre Emília
tenta fortalecê-la no que ela pensa ser sua vocação divina e convida-a
a se firmar numa humilde docilidade. Trata-se da futura Irmã Laurent
Belloc que percorrerá, efetivamente, uma útil e edificante carreira na
vida religiosa (L 246, M 119).
A uma aspirante, Fanny Belloc (Irmã Laurent).
Aconselho-as a que aprendam a oração do cap. 15, livro III
da Imitação de Cristo. Começa assim: “Dulcíssimo Jesus,
conceda-me sua graça a fim de que permaneça em mim, atue
em mim, persevere em mim até o fim, etc..., etc.”. Essa oração
é muito bela, merece ser recitada muitas vezes pelas almas
desejosas de que a vontade de Deus se cumpra perfeitamente
nelas.
Aubin, 15 de setembro de 1828.
J.M.J.
Minha cara filha:
Espero, minha querida Fanny, que suas hesitações
terminarão e serão substituídas por uma vontade firme e
resoluta de dar-se inteiramente a Deus. Muitas vezes, as jovens
que tiveram mais dificuldades se tornam as mais firmes. Não
desanime, continue a rezar com humildade e fervor e una à
oração muita fidelidade a todos os seus deveres. Pratique,
sobretudo, uma inteira obediência e uma simplicidade sincera e
ingênua. Se o fizer, Deus a abençoará e fará de você sua esposa.
Não creio que seja feita para o mundo. Seria com muito pesar
que eu a veria voltar a ele. Lamentaria muito se você fosse
"habitar na tenda dos pecadores", depois de ter morado tanto
tempo na terra feliz de Nazaré!...
Saúdo-a com grande afeição.
Irmã Emília.
Agradeço-lhe a bela imagem com que me presenteou. Eu a
guardarei com muito prazer. Inspira piedade e é muito preciosa
pelo que representa e porque demonstra a marca de sua
sabedoria.
434
231
trabalhos a levarão para o céu. Que poderoso motivo para bem
executá-los! Ponha em Deus toda a sua confiança e, quanto à
sua vocação, é preciso consolidá-la pela observância exata das
Constituições.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
84
Na doença, não ficar triste, viver na indiferença vivificada pela
alegria que Deus comunica, isso tanto mais que a destinatária desta
carta é uma religiosa que tem a intenção de fazer, em breve, sua
profissão perpétua (L 262).
A uma Irmã doente.
Aubin, 11 de setembro de 1828.
Minha caríssima Irmã:
Não lhe direi que tenho pena de você por estar doente.
Poderia ter pena de algo que lhe dá a feliz ocasião de se parecer
com seu divino Esposo, unindo-se a ele, obtendo dele um peso
imenso de glória, se você o aceita com verdadeira paciência?
Permaneça na paz e na alegria, viva contente por cumprir a
santa vontade de Deus e ter um meio de expiar as suas faltas.
Abandone-se inteiramente, seja na vida, seja na morte, na
saúde, na doença. Nada mais agradável poderá fazer para o seu
bem-amado, a quem deseja consagrar-se pelos votos perpétuos,
para os quais não me oponho, desde que nosso Pai o aprove.
Tornando-se esses laços sagrados indissolúveis, darão à sua
alma um novo vigor. Procure conhecer bem seu valor e peça à
Santíssima Virgem que a ajude a obter a inteligência desse
grande favor. Desejo, tanto quanto você, suposto que Deus a
chame a si, assisti-la durante sua doença e quando ele a chamar.
Já falei disso ao nosso bom Pai.
Adeus, minha caríssima Irmã. Sou, com uma terna afeição,
toda sua, nos Corações Sagrados de Jesus, Maria e José.
Irmã Emília.
18. Conferência sobre o espírito de misericórdia
(C 90-91; nº 37)
Como o Pai celeste é misericordioso para com todos, como ele
manifesta isso particularmente no comportamento de Nosso Senhor.
Podemos irradiar também um pouco da misericórdia que recebemos
pela universalidade de intenção das nossas preces e pela aceitação dos
defeitos das pessoas que nos cercam (início de 1852).
Não se admirem, minhas queridas Irmãs, se lhes falo com
tanta freqüência sobre a caridade. Essa virtude é tão bela,
agrada tanto ao Coração de Jesus, que eu não saberia dizer-lhes
nada melhor.38
Tudo está incluído na caridade. Se nós a possuímos,
cumprimos toda a lei que só tem dois preceitos, o do amor de
Deus e o do próximo. Não podemos cumprir perfeitamente o
primeiro preceito da lei se não cumprimos o segundo que
apresenta muitas dificuldades e é transgredido em muitas
circunstâncias.
O homem é egoísta, só pensa em si, só quer trabalhar para
si mesmo, não pensa senão em si, em seu próprio interesse.
Seus irmãos, na maioria das vezes, ele os esquece. Pensando
trabalhar para si ele se engana, pois estas palavras de Nosso
Senhor se realizarão: “Felizes os que são misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.” Que significa, pois, minhas
queridas Irmãs, “felizes os misericordiosos?” Quer dizer que os
que suportam com paciência os defeitos, as fraquezas do
próximo e partilham suas penas e pesares, que os assistem
conforme suas possibilidades, que choram com os que choram e
riem com os que riem, numa palavra: aqueles que se fazem tudo
a todos, como diz São Paulo, para ganhá-los todos para Jesus
Cristo. Os que assim fazem serão tratados com misericórdia.
Deus cumprirá sua palavra. Eles tiveram pena de seus irmãos,
Deus os tratará com indulgência; não se irritaram contra o
próximo, não encontrarão nele um juiz irritado, mas um juiz
cheio de misericórdia. Perdoaram de bom grado as faltas de
seus irmãos, não quiseram guardá-las na lembrança, Deus
232
esquecerá suas faltas, as perdoará todas. Usará para com eles a
mesma medida que usaram para com seu próximo. Como essa
promessa deve nos tocar e nos levar ao espírito de misericórdia!
Nada tem a temer na hora da morte a pessoa que pode dizer:
“Fui misericordiosa, cumpri a lei, imitei o Senhor que faz
levantar o sol sobre os justos como sobre os pecadores. Sim, eu
tive para com todos, os bons e os maus, um coração
misericordioso.” Oh! minhas Irmãs, nada tem a temer a pessoa
que age assim, a pessoa que imita o Pai celeste. Temos em
nosso Pai celeste o exemplo da misericórdia. Vejam como ele
suporta com paciência os pecadores, os ingratos, os
perseguidores de sua Igreja!
Por quê? Porque espera deles a penitência. Ele é lento em
punir e sempre pronto a perdoar. Nosso Senhor nos diz, no
Evangelho, que veio para os pecadores e não para os justos.
Durante toda a sua vida só faz atos de misericórdia. Se traz
alguma mudança à lei, é só para transformar uma lei de rigor
numa lei toda de amor, de caridade. Tudo em Jesus Cristo nos
prega a misericórdia, a mansidão. Vejam-no suportando seus
apóstolos, homens ignorantes e grosseiros, com paz e doçura,
amando-os, concedendo-lhes mil favores, instruindo-os e
suportando com paciência que eles não compreendam as lições
que lhes dá, usando, com o que deve traí-lo, de todos os
cuidados que uma caridade cheia de ternura sabe tão bem usar.
Considerem como o Salvador come e bebe com os pecadores
para convertê-los, deixa-se aproximar pela multidão que ele
instrui, esperando no poço de Jacó a samaritana a quem quer
converter. Peçamos a Deus, minhas Irmãs, a graça de bem
compreender e praticar estas palavras de Nosso Senhor:
“Felizes os que são misericordiosos porque serão tratados com
misericórdia.” Se tivermos essa felicidade, seremos em breve
perfeitas, teremos essa caridade que tudo desculpa, tudo
suporta, que nunca se queixa por mais que a façam sofrer e que
evita com cuidado magoar os outros. Nossa caridade deve ser
prática e se estender a todos os homens. Somos todos irmãos
em Jesus Cristo, nossa caridade deve ser a prova disso. Se não
podemos prodigalizar nossos cuidados, nossos serviços a todos
os homens, devemos, pelo menos, rezar por eles, oferecer
433
totalmente entregue a Deus. Desde que lhe consagrei meu
coração, mudei de residência, de região, de sociedade, e isso
aconteceu várias vezes, mas nunca mais eu soube o que era
aborrecimento. Não me preocupo com o rebanho. A pastora que
me substitui é mais competente do que eu, e, longe de crer que
a casa perde com minha ausência, acredito que ganhará.1 A
alegria que me causam ao ter notícias das menores coisas que se
fazem ou dizem em nossa querida casa, o desejo de saber os
menores detalhes, não vêm da preocupação mas do grande
interesse que tenho por vocês. Digam-me como fazem minha
Irmã Macrine e Irmã Madeleine.
Saúdo-as afetuosamente, minhas queridas Irmãs, e tarda-me
vê-las. Rezem ao bom Deus por mim, pois tenho medo de ficar
preguiçosa aqui, onde nada mais faço a não ser cuidar do meu
corpo. Levanto-me tarde, não faço mortificações e temo que
semelhante vida me prejudique a alma. Vocês fazem tanto e eu
tão pouco!
Irmã Emília.
83
Valor do conhecimento de si mesmo que Deus dá algumas
vezes: é uma luz que nos guia no caminho do serviço (L 260, M 120).
À Irmã André, religiosa em Villefranche.
Aubin, 30 de agosto de 1828.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Uma das maiores graças que Deus pode conceder a uma
alma é o conhecimento de si mesma. Você deve se alegrar com
as luzes que ele lhe dá. É preciso servir-se disso para progredir.
Sem isso, em lugar de lhes ser vantajosas, serão prejudiciais. É
necessário fazer como alguém que está tateando nas trevas, com
dificuldade, e, sem fazer grande caminhada, de repente avista
uma luz. Ficará muito contente e dirá: “Preciso caminhar
enquanto tenho essa luz, com medo de não tê-la sempre." Seus
432
233
81
Num constante desejo de perfeição, aplicar-se a uma mortificação
que levará à conformidade com a vontade de Deus (L 257).
A uma aspirante.
Aubin, 12 de agosto de 1828.
J.M.J.
Minha caríssima filha:
Penso que nada temos a fazer de melhor, você e eu, que nos
submeter e nos conformar em tudo à santa vontade do Senhor.
Aproveitemos todos os meios de salvação e de perfeição e
desejemos de todo o coração nos entregar a uma verdadeira
mortificação. Você sabe, minha filha, que essa virtude nos é
proposta como base de nosso edifício espiritual. Na esperança
de que se aplicará, de todo o coração, à prática dessa virtude,
sou com terna afeição, sua mãe muito dedicada.
Irmã Emília.
82
As linhas que seguem provam o autêntico abandono de Santa
Emília: sem nada negar de sua solicitude pela casa de Villefranche,
aceita com inteira confiança e sem lamentações permanecer afastada,
enquanto for esta a vontade de Deus (L 258, M 96).
Às Irmãs de Villefranche.
Aubin, 13 de agosto de 1828.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Vocês me causam prazer falando-me com franqueza e
simplicidade e lhes responderei igualmente. Só me contrariei
uma vez na minha vida e foi quando ainda não estava
alguma mortificação, algum sacrifício pela conversão dos
pecadores, inspirar às nossas alunas um grande amor pela
Propagação da Fé, a obra da Santa Infância, falar-lhes muitas
vezes do amor que devem ter para com os pobres.
Dentro de casa, temos mil vezes ao dia, a ocasião de
realizar esses atos de caridade que tanto agradam ao Coração de
Jesus. Você vê uma religiosa cometer uma falta. Em vez de
condená-la, desculpe-a, fazendo como se não tivesse percebido
a falta, exceto se a caridade pede que você a advirta, a ela ou à
superiora. Você vê uma criança que chora, console-a o melhor
que puder. Não deixem chorar as crianças. Uma de suas Irmãs
está triste durante o recreio, alegre-a; se ela gosta de brincar, de
falar de coisas indiferentes que não lhe agradam, não lhe dê a
entender que não gosta, interesse-se por sua brincadeira, pelo
que ela diz. Falam mal de você, caluniam-na, desculpe em seu
coração essas pessoas, veja nelas um instrumento do qual Deus
se serve para fazê-la merecer.
Existem defeitos de caráter, pessoas com as quais não
podemos simpatizar. Considere isso com calma e doçura.
Suporte as outras como desejaria que a suportassem, se
estivesse no lugar delas. Se for contrariada, se a incomodam em
seu trabalho, não fale disso nem mesmo às suas companheiras,
não se queixe aqui e acolá. Se for necessário, procure sua
superiora, comunique-lhe suas dificuldades sem perturbação,
sem inquietação. Se ela não puder mudar a situação, suporte
com espírito de misericórdia, de caridade, que a incomodem
outra vez. Faça assim em todas as ocasiões. Pedem-lhe um
serviço, realize-o o mais breve possível. Uma de suas Irmãs
precisa de uma coisa que é útil a você no emprego, comece por
dar-lhe aquilo de que ela precisa. Pode ficar certa de que o bom
Deus o devolverá a você.
Lembre-se destas palavras do Evangelho: “Se lhe pedem o
manto, dê também a túnica. Se o convidam a andar cem passos,
ande duzentos.” Isso significa, minhas Irmãs, que é preciso
fazer sempre além do que pedem de nossa caridade. Não nos
poupemos para dar prazer ao próximo. Tudo o que fizermos por
234
431
ele nos será devolvido ao centuplicado. Um copo de água fria
dada aos pobres não ficará sem recompensa.
19. Diálogo sobre a perseverança na vocação
(D 96-97; nº 43)
Em agosto de 1852, Madre Emília diz à Irmã Séraphine Tauriac
que uma das principais causas da falta de perseverança é a falta de
confiança e de abertura de consciência, o desafeto crescente em
relação aos superiores. Irmã Tauriac, temendo por sua própria
vocação, pede garantias. A santa responde ainda de maneira evasiva.
Só será plenamente afirmativa, de acordo com uma nota de redação,
pouco antes de morrer.
A Irmã: Minha Madre, sinto-me apavorada vendo que há
religiosas que deixam seu estado de vida para voltar ao mundo.
Temo que isso me aconteça.
A Madre: Minha pobre Irmã, há bastante o que temer em
vista do castigo que Deus inflige às almas que não souberam se
conservar no fervor, na regularidade. Não é Deus que as faz
sair, mas ele o permite. Seria preferível cem vezes a morte a
abandonar a vida religiosa, quando se é chamada a ela. Que o
exemplo das outras lhe sirva de lição. Não é de repente que se
chega à apostasia. Começa-se por pequeninas coisas, por leves
infrações à regra, por fechamentos do coração para com os
superiores, deixando de revelar as tentações que o demônio
provoca. O jugo da obediência começa a pesar, a pobreza e a
castidade, que pedem tanta vigilância, tantas precauções para
serem bem preservadas, tornam-se constrangedoras.
Conseqüentemente, nós nos desviamos com facilidade de
nossas obrigações que gostaríamos não ter contraído. Nós nos
afastamos cada vez mais do bom Deus pelas faltas voluntárias
cometidas cada dia. Perdendo a paz da alma, a felicidade em
seu estado de vida, volta-se ao mundo, onde a distração, os
divertimentos farão esquecer por um instante a infeliz sorte da
religiosa infiel que se deixou seduzir. Entretanto, após essa
saída, ela não demora a ver que fez uma bobagem, uma loucura.
80
Advertência a uma religiosa que manifestou repugnância quando
chegou sua vez de assumir a ordem e a limpeza da capela. Essa tarefa
pode ser a ocasião de numerosos favores espirituais (L 252).
À Irmã André em Villefranche.
Aubin, 25 de julho de 1828.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Uma das maiores graças que possamos ter é a de
testemunhar a Deus nosso amor e nosso respeito. E temos
ocasião para isso quando nos é dada a felicidade de poder
assumir a manutenção da limpeza e do arranjo do lugar onde ele
quer habitar, para ser companheiro do nosso exílio. Espero que,
reconhecendo que a sua falta, manifestando repugnância por ter
de passar a semana nesse trabalho, venha da falta de fé, você
tenha se humilhado sinceramente e que, de agora em diante,
quando chegar sua vez, vai se sentir feliz, porém ainda indigna
e desempenhando esse serviço com um fervor todo particular,
como quando Zacarias exercia seu ministério e que o anjo
Gabriel lhe apareceu para anunciar que ele se tornaria pai de
João Batista. Procuremos, minha caríssima Irmã, conhecer
Jesus em seu divino sacramento. É lhe desejando essa preciosa
graça que sou toda sua.
Irmã Emília.
430
no convento, não saiba bordar. Por quê? Porque a mestra fez
uma parte do trabalho e sempre o mais difícil.
Igualmente, para fazer ponto de cruz e outros trabalhos.
Muitas vezes, depois de ter feito vários pares de meia, uma
aluna não sabe começar um sozinho, nem terminar, nem
começar o calcanhar, etc. Depois de tudo isso, observa-se um
grande prejuízo para a casa.
Foi decidido que, se uma aluna tiver feito apenas uma parte
de um trabalho, ela o enviará a seus pais e nós os advertiremos,
porque ocultar-lhes isso é contrário ao espírito de verdade.
Irmã Marie pede-me algumas reflexões sobre a Missa. Faz
algum tempo que enviamos umas belíssimas, intituladas:
"Maravilhosa relação entre o sacrifício da cruz e o sacrifício da
Missa." A Irmã arquivista deve tê-las. É preciso que mande tirar
algumas cópias e dê uma à Irmã Marie, contanto que a
arquivista tenha o cuidado de guardar uma na biblioteca.
235
Peço ao bom Deus, cada dia, que me conceda uma boa vocação,
isto é, a perseverança. Peça-a também. Essa circunstância é
bem apropriada para nos despertar. Não adormeçamos, porque
o demônio não dorme.39
A Irmã: Sou feliz na minha vocação, mas tenho necessidade
de o ser e de encontrar a felicidade junto a Deus. Sem isso, não
creio poder me suportar num convento. O medo que tenho de
me tornar tíbia e por isso infeliz me faz desejar a morte e até
chamá-la. O bom Deus lhe concede tudo quanto a senhora lhe
pede: obtenha-me uma morte próxima ou a perseverança.
Parece-me que estou em estado de graça.
A Madre: Quem lhe disse que Deus concede tudo o que lhe
peço? Eu não digo isso. Não posso lhe prometer o que você me
pede. (Ela só o prometeu no leito de morte.) Mas tenha
confiança, Deus a guardará. Seja fiel. Você se santificará na
Sagrada Família, mas terá muito a sofrer. Que os sofrimentos,
as dificuldades não a façam parar na sua caminhada. Lembre-se
de que o Reino de Deus sofre violência e só os violentos o
conquistam.40 Rezarei por você. Não duvide de que um dia você
verá o bom Deus. Tenha muita confiança nele, não se apóie nas
criaturas humanas. São braços de carne que lhe faltarão quando
menos esperar. Deus não procederá dessa maneira se você lhe
confiar o cuidado de tudo o que lhe diz respeito. Não tema
sobre a maneira como as pessoas a tratam. Se Deus é por você,
quem será contra você? Faça dele seu único amigo, o
confidente de todos os seus sofrimentos. Ame-o muito. Ele é
seu Pai e, mesmo que no estado interior em que você se
encontra não sinta essa confiança infantil como outrora, não
tema. Deus a ama.
236
429
20. Diálogo sobre o desapego do coração
(D 9-11; nº 5)
Data aproximativa: 1852. A interlocutora é Irmã S. Tauriac.
Colocando-se na perspectiva do exclusivismo ciumento do amor do
Senhor, ambas concordam com o perigo das amizades particulares.
Madre Emília declara com simplicidade que sua afeição universal se
manifesta para com cada religiosa, de um modo pessoal e
diversificado.
A Irmã: Minha Madre, a senhorita N. nos trouxe este cesto
cheio de pêras. A Irmã da portaria me disse que ficaria muito
contente se a senhora pudesse enviar um santinho para ela dar
como vindo de sua parte.
A Madre: Vou ao meu quarto num instante. Eu lhe darei
um. Ninguém me espera no parlatório?
A Irmã: Não, minha Madre.
A Madre: Eis uma Sagrada Família que inspira devoção.
A Irmã: Madre, não tenho absolutamente nada, seja no
breviário, seja na pasta a meu uso. Gostaria de ter uma
lembrança piedosa. Dê-me um santinho a fim de que eu o
guarde.
A Madre: Continue sem nada. Se eu soubesse que uma Irmã
me amasse um pouco mais, em detrimento de seu amor para
com Deus, eu a enviaria o mais distante possível de mim. Não
suportaria ser uma pedra de tropeço à perfeição para nenhuma
de minhas filhas.
A Irmã: E eu, Madre, eu me afastaria o mais longe possível
de uma pessoa que eu não amasse senão por Deus e segundo
Deus. Falo conforme meu pensamento. Nada me desagrada
proposta para aquele dia e, em seguida, fazer a recapitulação
por meio de perguntas. Vocês sabem que, muitas vezes, permiti
a algumas Irmãs, quando tinham um trabalho urgente,
levantarem-se antes da hora e deixar a meditação para outra
hora do dia. Nosso Pai me disse que não tinha feito bem, que a
meditação deve preceder tudo o mais, a não ser que uma
necessidade indispensável nos obrigue a isso, que não é justo
dar os primeiros momentos ao trabalho. Eles devem ser para
Deus. A primeira coisa que devemos fazer é nos aniquilar
diante dele, desde o nosso levantar, com espírito de fé e de
amor. Quero lhes dizer o que falou nosso bom Pai, quando
viajávamos no carro: ele olhava muitas vezes o campo e fazia
reflexões sobre a grandeza de Deus, que se manifestava nas
maravilhas da natureza. Dentre outras coisas ele me disse: "É
tão bela, que os próprios anjos a contemplam." E me disse
também: "Tudo o que é belo, tudo o que é bom, somente o é
porque há uma pequena marca da divindade.”1
Foi escrito nas Constituições que a leitura de cada dia seria
feita em particular. Nosso Pai assim o determinou porque, disse
ele, cada uma terá a facilidade de parar para refletir, o que seria
mais frutuoso. Procuremos fazê-la de maneira que nos seja bem
proveitosa.
Saúdo a todas nos Santos Corações.
Marguerite me disse que minha Irmã Ursule estava bastante
cansada. Desejo saber se está bem agora. Irmã Jeanne continua
sempre doente.
Irmã Emília
R.S.F.
P.S. Antes de partir, nosso Pai nos recomendou o cuidado de
não permitir que as alunas demonstrem ser mais do que são, de
modo que sejam realmente capazes e saibam muito bem o que
dizem saber. Por exemplo, a criança diz: "Eu sei fazer uma
conta de multiplicar." É preciso que ela seja capaz de provar
isso diante de quem quer que seja.
A mesma coisa para o trabalho manual. Pode acontecer,
disse ele, que uma criança, depois de ter feito vários bordados
428
237
79
Notícias de Villefranche, onde se distribuem, generosamente, às
crianças pobres, produtos da horta e do pomar. Felicitações pelo fato
de que os catequizandos adultos se tornam mais numerosos. Nunca
retardar as meditações da manhã, por mais urgentes que sejam as
tarefas. Pe. Marty recomenda grande lealdade pedagógica: não elogiar
demais os valores das alunas, não ajudá-las sem necessidade (L 250,
M 113-115).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 4 de julho de 1828.
J.M.J.
Minhas caríssimas Irmãs:
Por esta carta, respondo às que me escreveram em
particular. Felicito-as primeiramente pelo bom destino que dão
aos produtos da horta e posso lhes dizer que temos a mesma
vantagem. Todos os dias, nossas queridas crianças não deixam
de nos pedir coisas para fazer a sopa, salsa, alface, etc. Um
canteiro de cebolas lhes é destinado. Seus porcos, suas jumentas
não são esquecidos, e elas têm o cuidado de levar cestos cheios
que Rosalie Carles lhes prepara com muita satisfação por ter tal
ocupação. Ela é encorajada também a colher as flores que são
dadas como recompensa e que lhe dão um grande prazer.
A propósito das flores, gostaríamos de dá-las a vocês para
adornar seus oratórios, pois temos em quantidade. Irmã Angèle,
que me parece estar melhor, as coloca nos nossos em
abundância. Possamos nós, todas juntas, unirmo-nos a ela para
oferecer ao bom Deus as flores das virtudes.
É preciso agradecer a Deus pelo aumento do número de
boas mulheres que vêm receber instrução. Não sei se é bom dar
um nome a essa classe, não vejo inconveniente nisso. Podem
colocá-la sob a proteção de São José. Nosso Pai, que perdemos
sexta-feira à tarde, recomendou-nos muito particularmente o
cuidado das crianças. Dentre outras coisas, ele me disse que as
Irmãs encarregadas da catequese, seguissem o método de
Constance, isto é, começar por uma explicação da verdade
como as amizades particulares em relação a quem quer que
seja. Quando passo diante do oratório do Sagrado Coração de
Jesus, suplico-lhe não permitir que meu coração se volte jamais
para as criaturas. Amo a liberdade interior mais que as pessoas
do mundo amam aquela liberdade tão proclamada. Compreendi
o que seja a amizade particular quando o capelão falou à
comunidade sobre ela. Desde então, o simples nome me
desagrada.
A Madre: Tanto melhor, minha cara Irmã, tanto melhor.
Não há nada, o Padre sem dúvida lhe disse, que afaste mais
uma alma da perfeição, que lhe retire o sentimento do amor a
Deus, que a faça perder a vocação à vida religiosa como essas
amizades. A experiência ensina mais a esse respeito que tudo
quanto poderíamos dizer. Entretanto, essa experiência curou
poucas pessoas atingidas por esse mal.
A Irmã: Ontem à noite, a Irmã Marie du Sacré-Coeur falava
do perigo dessas amizades. Como eu lhe dissesse que pedia,
cada dia, ao bom Deus de não me permitir cair nunca numa
delas, afirmou-me que eu não corria esse risco. É verdade que
nada tenho a temer sobre isso? A Irmã me fez muito bem ontem
à noite com suas palavras. Diga-me também que nada tenho a
temer.
A Madre: Não lhe direi isso. Sabemos bem o que fizemos,
mas ignoramos o que faremos mais tarde, sobretudo se somos
presunçosas e imprudentes. Tal pessoa que tanto prometera a si
mesma jamais cometer tal e tal falta, de não se deixar dominar
por tal defeito, caiu nessa falta, nesse defeito, no momento em
que menos esperava, no momento em que cessou de temer. Por
que essa pessoa caiu? Porque se apoiou em si mesma. Reze,
tema sempre e o bom Deus a guardará.
A Irmã: Ninguém se deixa envolver por uma amizade
particular em relação aos superiores.
A Madre: Se eles não fossem amados por Deus e em Deus,
mas por causa de suas boas qualidades, do prazer que se sente
238
em estar com eles, a afeição não seria espiritual, porém
totalmente material. Diante disso, se não tivesse cuidado e não
se procurasse sobrenaturalizar essa afeição, ela se transformaria
em uma amizade particular, manifestando-se em atos. Assim
sendo, uma amizade dessa natureza prejudicaria uma alma
como se ela tivesse uma outra pessoa como objeto.
A Irmã: Eu lhe quero muito bem, sinto muito prazer em
falar do bom Deus com a senhora, mas nunca a sua lembrança
me preocupou durante a oração. Se penso na senhora, é para
relembrar as boas coisas que me disse, para pedir ao bom Deus
a sua saúde quando está doente. Peço-lhe também que todas nós
sejamos para a senhora motivo de muita consolação. Quando a
senhora está doente e nós não podemos aliviá-la, peço a Nosso
Senhor que encha sua alma de consolo espiritual, a fim de que
não sinta tanto as dores físicas. Existe em tudo isso algo que
possa desagradar o bom Deus? Será que a amo demais?
A Madre: Não. Não há nada. Continue assim. O bom Deus
lhe permite dar, em seu coração, uma pequena preferência às
superioras, às pessoas que muito se interessam pela nossa
salvação. Seus sentimentos por mim devem ser encontrados em
todas as religiosas. Você nunca fez nada que mostre serem por
demais naturais seus sentimentos para comigo. Acredito
também nunca ter feito por você qualquer coisa que leve a crer
que a amo mais do que às outras Irmãs. Todas as minhas filhas
têm um lugar em meu coração e uma grande parte em minhas
afeições, mas nem a todas posso dizer isso; elas não
acreditariam. Se não posso fazer o bem em relação a algumas, é
porque elas não querem. Há quem se aborreça porque falo
sempre com você. Não sabem da necessidade que tem e do
proveito que pode retirar para si mesma e para as noviças, pois
são essas jovens que tenho em vista em sua formação ao
espírito religioso. Seja o que for que possa ouvir em relação à
minha afeição por você, não se perturbe, não deixe de vir me
consultar. Ambas fazemos juntas o que Deus quer.
A Irmã: Nunca pensei que a senhora me amasse mais que a
uma outra...(texto inacabado).41
427
pensionato causa-me um grande prazer. Envio a todas mil
lembranças afetuosas. Tive grande satisfação ao ler o nome das
grandes e das pequenas.
Irmã Emília.
Peço à Irmã arquivista corrigir os erros de ortografia.
78
Disposições de reconhecimento, respeito e contrição com as quais
devemos aproximar-nos da Eucaristia. Fazê-las crescer sempre mais,
de maneira a tirar todo o proveito espiritual desejado por Deus dessa
fonte inesgotável de graças (L 247, M 107-108).
A uma Irmã de Villefranche.
Aubin, 3 de junho de 1828.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Li sua carta com muito interesse e regozijei-me pela luz que
Deus lhe concedeu. Procure aproveitá-la bem. Alimente-se de
sentimentos de contrição; deixe-se penetrar de um humilde
temor e de um profundo respeito ao se aproximar da mesa
sagrada. Se conhecêssemos o que é a santa comunhão, quais
não seriam nosso amor e nossa gratidão, mas ao mesmo tempo
que sentimento não teríamos da nossa indignidade! Não é o
número de nossas comunhões que mostra o nosso progresso,
mas a maneira de comungar. Assim, minha querida Irmã,
procuremos nos aproximar do pão dos anjos com uma
verdadeira pureza de intenção, não buscando outra coisa a não
ser contentar o bom Deus que nos dá, nesse sagrado mistério,
grandes sinais de seu amor.
Fico bem contente ao saber que as crianças estão mais
comportadas e envio-lhes muitas lembranças.
Quando eu voltar, lembre-me de minha Irmã Félicité. Até lá,
faça como Irmã Athanasie quiser. Sou, com íntima afeição, nos
Sagrados Corações, toda sua.
Irmã Emília.
426
Domingo, iniciamos a congregação. As senhoritas
Carcenac, Descrosailles e Constans são nossas primeiras
congregacionistas. Temos umas cinqüenta e muitas outras que
desejariam entrar. Segunda e terça-feira houve conferências,
nas quais a Madre Vincent recebia instruções de uma delas.
Todas escutavam com interesse e estão muito satisfeitas.
Irmã Agathe terá alegria em saber que várias jovens vêm
para aprender o catecismo. Algumas de 18, 20 anos que ainda
não fizeram a primeira comunhão e não sabem nem o que é a
Santíssima Trindade. Outras que a fizeram há muito tempo não
sabem mais do que as primeiras. Um desses dias, veio uma
senhora com 50 anos mais ou menos. Tendo Irmã Marie saído,
e todo mundo bastante ocupado, fui recebê-la. Ela não conhecia
uma palavra do catecismo. Perguntei-lhe o que era Pentecostes,
o que tinha acontecido naquele dia. Não sabia mais do que um
selvagem, e foi assim para as outras perguntas que lhe fiz. Veio
outra que tinha uns 80 anos. Faz uns quarenta anos que não se
aproxima dos sacramentos. Com Madre Vincent fomos visitála. Ela ficou toda feliz por ver duas Madres juntas. Por nossa
vez, nós a achamos muito amável e também com ótimas
disposições para sua salvação.
Um desses dias, uma de nossas alunas, com mais ou menos
12 anos de idade, providenciou a graça do batismo a um inglês
prestes a morrer. Ao sair da escola, ela ouviu dizer que esse
pobre doente não era batizado e que ninguém se preocupava em
proporcionar-lhe essa felicidade. Foi procurá-lo e lhe perguntou
se desejava o batismo. Ele respondeu-me que sim e ela logo foi
buscar um sacerdote que o batizou. O doente faleceu algumas
horas depois. Saúdo-as muito afetuosamente, minhas queridas
Irmãs. Eis uma longa carta. Não me é comum escrever assim,
mas era necessário compensar um pouco a privação de escrever
a cada uma em particular. Aliás, eu a retomei diversas vezes e
espero que minha Irmã Françoise não me repreenderá.
Peço a todas as Irmãs que estão com as crianças que sejam
avarentas em castigos e generosas em recompensas e, em
particular, peço à Mestra de Instrução prover nossas Irmãs
responsáveis de classes. Há muito tempo não tenho informações
das classes externas. Tarda-me receber notícias delas, como
também das orfãzinhas. A carta de nossas queridas alunas do
239
21. Conversa de Madre Emília com nossa Madre Geral
atual, depois de haver dito, em seu leito de morte, que a
designava para substituí-la
(D 15-16; nº 8)
Trata-se, evidentemente, da Madre Foi Bousquet (v.s. p.22).
O fato acontece no dia 6 de setembro de 1852. O assunto é a
coexistência dos ramos clausurado e não-clausurado, do intercâmbio
dos benefícios recíprocos que podem e devem existir entre ambos, tais
Marta e Maria.
A Irmã: Minha Madre, a senhora sabe o quanto nos
perseguiram a respeito da clausura. Disseram e dizem ainda que
jamais se viu uma Ordem religiosa como a nossa, e que ela não
poderá se manter assim. Receio que, após a sua morte voltem a
esse assunto e que a clausura desapareça.
A Madre: Creio que a vontade de Deus é que nosso
Instituto seja dividido em dois ramos. Ambos podem crescer e
dar frutos na mesma árvore. É verdade que não se viu mais na
Igreja uma Ordem religiosa como a nossa. O que não se viu até
agora, não pode ser visto? O braço de Deus ficou mais curto?
Não, minha Irmã. Deus pode fazer cada dia coisas novas e, por
conseguinte, não existe dificuldade para ele manter, numa
regularidade perfeita, um Instituto com dois ramos: um
clausurado e outro não-clausurado. Não se preocupe com isso.
Creio, repito, ser essa a vontade de Deus.
Há grandes vantagens na união dos dois ramos num só
corpo. Primeiro, as Irmãs não-clausuradas têm, no claustro,
Irmãs encarregadas de manter o espírito primitivo do Instituto,
o que seria difícil e quase impossível se todas as religiosas
saíssem e se comunicassem com o mundo.
240
Segundo, tendo elas uma Casa-mãe clausurada, podem
haurir nela o espírito de clausura que devemos ter, caso venham
a perdê-lo no contato com o mundo, o que é fácil acontecer.
Terceiro, o contato que têm durante sua permanência, na
Casa-mãe, com as religiosas clausuradas só pode trazer proveito
às suas almas, exceto se se relaxarem. No claustro deve haver
mais silêncio, recolhimento, regularidade e, em conseqüência,
mais união com Deus, do que numa casa não-clausurada.
Quanto motivo de consolo para nossas Irmãs das escolas ao
pensarem que, quando o mundo as tiver distraído e quase
dissipado, não terão senão que entrar no claustro para
reencontrar Irmãs cujos exemplos lhes mostrarão o que cada
uma foi durante os seus primeiros tempos de vida religiosa e o
que devem ser até o fim.
Quarto, a vantagem de cada ano poderem fazer o retiro
numa casa clausurada, não é pequena. É uma das mais
preciosas, pois é bastante entrar numa casa clausurada regular
para sentir o recolhimento e a necessidade de tender à
perfeição, a Deus. Várias de nossas Irmãs não-clausuradas me
disseram ser difícil expressar o conforto espiritual e a felicidade
que experimentavam só ao transpor as portas do claustro: “É
nosso paraíso terrestre”, afirmaram. Voltavam às suas casas
compungidas e cheias de santos anseios.
Uma quinta vantagem para nossas Irmãs não-clausuradas é
terem como Superiora geral e principais membros do Conselho
religiosas clausuradas, religiosas que têm mais tempo para se
unir a Deus na oração e que são obrigadas a entregar-se à
meditação, escola da verdadeira ciência.42 Em suas orações e
meditações freqüentes, elas se enchem do espírito de Deus que
deve animá-las para bem governar a Congregação.
Existe ainda uma sexta vantagem que nunca se apreciará
bastante: é a de fazer o noviciado numa casa clausurada. Fica-se
numa completa solidão, passa-se um ano, dois anos sem ter
nenhuma comunicação com o mundo, suas máximas ficam
quase esquecidas, bem como as mentiras que ele difunde, e se
425
Minhas caríssimas Irmãs:
Não podendo ter o prazer de responder a cada uma em
particular, quero pelo menos compensar respondendo à sua
carta comum, que me dá tanto mais alegria ao perceber as boas
disposições em que se encontram. Assim, não é uma lição de
moral que quero lhes dar, pois não precisam disso. Eu me
contentarei em lhes dar notícias de nossas Irmãs, pois, estando
na Casa-mãe, tenho certeza de que todas têm um coração
maternal e, conseqüentemente, muita satisfação em saber o que
se passa aqui. Nossa pobre Irmã Jeanne encontra-se
extremamente doente: grande fastio, muita agitação, dores em
todo o corpo e uma ferida em uma das coxas a fazem sofrer
muito. Várias vezes lhe falamos para ir ao médico, mas sempre
recusou dizendo que o bom Deus a aliviaria se fosse sua
vontade. Irmã Anne-Régis teve uma forte dor de ouvidos.
Receávamos que fosse um abscesso e, depois de consultarmos a
Madre, decidimos aplicar um emplastro na nuca, o que lhe fez
muito bem. Agora dorme e se alimenta bem. Nossas outras
Irmãs e eu vamos como de costume. Elas lhes enviam as mais
afetuosas lembranças e recomendam as crianças às suas
orações.
As classes aumentam em número. Fazemos o possível para
manter tudo em ordem e para atrair as crianças pobres. Para
conseguir isso, oferecemo-lhes morangos, groselhas, ameixas,
biscoitos, etc., alface às que não têm horta. Há tempo não
ensinávamos canto devido à pouca voz de suas professoras.
Para suprir essa falta, contratamos a senhorita Montfort, mestra
de canto, para a classe Santa Maria, e a senhorita Laforie para a
classe São Vicente. Ambas o fazem com muito zelo, e a
enfermeira tem o cuidado de lhes dar cerejas na merenda, a fim
de lhes fortificar os pulmões. As crianças estão muito contentes
de poder cantar. Pensamos também que ensinar a escrever na
classe gratuita as atrairia; um grupo trouxe papel, mas que
trabalho para ensiná-las! A professora é obrigada a passar nisso
várias horas, leva-as à mesa, duas a duas, para ensiná-las a
segurar a caneta e a fazer alguns traços. É indescritível o prazer
das crianças, por isso a turma aumenta muito e são bem mais
assíduas.
424
241
J.M.J.
Minhas muito queridas jovens:
Quando saí, pensava ausentar-me apenas por uns oito dias e
não esperava ficar impedida tanto tempo do prazer que sente
uma mãe ao ver os filhos que ela ama com ternura, mas espero
revê-las em breve, e então minha alegria aumentará pelas boas
notícias que me darão suas mestras de sua aplicação, de sua
obediência e, sobretudo, de sua piedade.
A graça preciosa que receberam as senhoritas Granier e
Cousy deve ter animado a todas vocês e reavivado o amor pelo
melhor de todos os mestres. Alegra-me saber que se exercitam
em cantar seus louvores. Gosto de pensar que sua simplicidade
e recolhimento ao acompanhar o Santo dos Santos na procissão
servirão de exemplo. Quem tem de fato obrigação de dar bom
exemplo a não ser as alunas da Sagrada Família? A Madre
Vincent e todas as nossas Irmãs pensam em vocês e enviam
afetuosas lembranças.
Agradeço-lhes as orações que fizeram por mim. Estou
convencida de que sentirei os efeitos delas. Sou, com terna
afeição, nos Sagrados Corações de Jesus, Maria e José, toda de
vocês.
Irmã Emília.
77
Notícias gerais da comunidade de Aubin, saúde de uma e de
outras. Aulas de canto para as crianças, atividades diversas para atrair
um maior número, de preferência entre os pobres. Início da
congregação. Catequese também para as pessoas idosas, algumas sem
nenhuma instrução. Convite à doçura para com as crianças (L 245, M
109-112).
Às nossas Irmãs de Villefranche.
Aubin, 2 de junho de 1828.
J.M.J.
fica cheia do espírito de Jesus Cristo, depois se reaparece no
mundo como um fruto novo que ele não pode mais colher.
Numa casa clausurada, as noviças são rodeadas dos mais belos
exemplos de virtude, pois na Casa-mãe só deve haver
religiosas-modelo, fervorosas e regulares.
Eis algumas das principais vantagens que encontra o ramo
não-clausurado por estar unido ao ramo clausurado, vantagens
que seria a lastimar não compreender e apreciar, vantagens que
todas as religiosas possuidoras do verdadeiro espírito religioso
de nosso santo estado desejam conservar para sempre. O ramo
clausurado tem também uma grande vantagem em ser unido ao
ramo não-clausurado: é a de participar de todas as obras de
misericórdia realizadas por nossas Irmãs não-clausuradas. No
claustro, reza-se um pouco mais, há mais mortificação para
atrair as bênçãos de Deus sobre o Instituto e obter, para nossas
Irmãs não-clausuradas, a prosperidade e a pureza de intenção.
Os dois ramos são as duas Irmãs da casa de Betânia, na qual
costumava muitas vezes hospedar-se nosso amável Salvador.
As Irmãs não-clausuradas representam Marta. São destinadas a
servir, por suas obras, o bom Mestre, usufruindo de pouco
repouso, esgotando sua saúde, suas forças, em busca da
salvação de seus irmãos, ao passo que as Irmãs clausuradas,
como Maria, permanecem aos pés do bom Mestre, suplicandolhe que derrame sobre suas Irmãs todos os tesouros de seu amor
e de suas graças. O bom Mestre contempla umas e outras, ama
a ambas, mas deseja que Marta não perturbe Maria em seu doce
repouso. Que não a julgue preguiçosa, não considere seu
repouso um crime e, sobretudo, não queira subtrair a melhor
parte que ela escolheu. Ele deseja também que Maria, sem se
prevalecer da preferência concedida pelo bom Mestre, se
lembre de sua Irmã e a auxilie todas as vezes em que não
estiver aos pés do Salvador.43
A Irmã: Vou transmitir às Irmãs reunidas em conferência o
que a senhora acaba de me dizer.
423
242
A Madre: Sim, vá. Diga-lhes que não se preocupem a
respeito da clausura. Deus a conservará. Diga-lhes que acredito
também que Deus quer os dois ramos na Congregação e os
manterá enquanto o merecerem por seu fervor e sua
observância. Que as Irmãs não-clausuradas tenham o mesmo
zelo pela conservação da clausura quanto as que fizeram o voto.
São todas da mesma família e devem caminhar para um mesmo
objetivo: buscar a glória de Deus e manter a Congregação como
a deixaram seus fundadores. Geralmente eles são inspirados por
Deus nos regulamentos que elaboram. Acredito que Pe. Marty o
foi, quando escreveu nossas Constituições. Eu o via com
freqüência, de caneta na mão, os olhos elevados para o céu,
esperando as luzes do Espírito Santo. Ele oferecia muitas
orações para obter ser guiado em tudo só pelo Espírito de Deus:
“Amem o claustro. Se ele se mantém firme, a Congregação
irá bem. Se ele cair, a Congregação perecerá. As escolas são
enxertadas numa árvore que não pode morrer sem que esse
ramo secundário morra. Permitam serem clausuradas as
religiosas não-clausuradas que manifestarem essa vocação.
Quanto às vocações, lembrem-se de que elas vêm de Deus e
não podem ser desviadas sem que se falte gravemente ao dever.
Se as pretendentes pedem a clausura e se se reconhece nelas
essa vocação, deve-se em consciência admiti-las no claustro e
deixar perfeitamente tranqüilas as que não o pedem. Repito:
amem o claustro, consolidem-no.”
ainda mais estreito durante minha ausência. Seu zelo pela
observância, pelo cuidado das crianças e pela sua própria
santificação deve adquirir um novo grau de força. É a vocês que
Deus confia os interesses de sua casa. São vocês que, por seu
exemplo e por suas sábias deliberações, devem manter a ordem,
a regularidade e o fervor. Persuadida de que estão todas com
essas disposições, tenho confiança de que, ao regressar,
encontrarei tudo, não digo em bom estado, mas em melhor
estado, uma vez que devemos avançar e não recuar.
Saúdo-as muito afetuosamente, assim como a nossas
queridas Irmãs. Rezem pelas crianças daqui de nossa escola.
Estamos muito ocupadas em colocar tudo em ordem. A classe
gratuita cresceu muito, ultimamente. Tem 36 alunas e outras
que chegarão nestes dias. Estamos com o propósito de reabrir a
congregação das leigas. Rezem também nessa intenção.
Queremos igualmente encontrar meios para que as jovens e as
mulheres analfabetas possam facilmente vir aqui para se
instruírem. É bom não falar sobre isso, mas rezar.
Irmã Emília.
R.S.F.
Minha opinião é que podemos acolher esta jovem da qual
vocês e Irmã Blandine me falam, por 4 francos mensais. Nós
lhe daremos alimentação e a prepararemos para fazer sua
primeira comunhão, se Deus quiser. No entanto, se pensam de
modo diferente, não quero me opor. É preciso observar que, se
ela não tem bom comportamento, não podemos recebê-la.
76
Ao lhes expressar a alegria de revê-las em breve, Madre Emília
exorta as jovens internas de Villefranche a terem uma reverente
piedade eucarística (L 243).
Às jovens internas de Villefranche.
Aubin, 27 de maio de 1828.
422
243
Minha muito querida Irmã:
Gosto muito quando me diz que quer amar o bom Deus de
todo o seu coração. Realize esse desejo por uma grande
fidelidade em seguir as inspirações da graça. Assim cultivará
em sua alma esta santa alegria com a qual tem sido favorecida.
O espírito de amor que irá receber a tornará generosa e você
não hesitará mais em lhe abrir inteiramente a sua alma. Você
sabe, minha muito querida Irmã, que o Esposo é ciumento e não
pode suportar a menor reserva. Reze por mim, a fim de que
aproveite o tempo de repouso para recordar suas graças e meus
deveres.
Saúdo-a de todo o coração, nos Sagrados Corações de Jesus,
de Maria e de José.
Como nossa mestra de ordem esteve doente, achei que nos
descuidamos quanto à arrumação. Peço-lhe realizar esse
trabalho o mais perfeitamente possível. É o que Deus quer de
você.
Irmã Emília.
75
Na ausência da superiora, as Irmãs do Conselho devem, pela
sinceridade e força de sua caridade, fazer progredir a vida religiosa na
casa de Villefranche. Em Aubin, as Irmãs se ocupam em implantar
laboriosamente diversas formas de apostolado próprios ao Instituto (L
242, M 106-107).
À nossas caras Irmãs Conselheiras.
Aubin, 24 de maio de 1828.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Para me compensar da privação que experimento de não
poder escrever a cada uma em particular, consolo-me em fazêlo às quatro juntas e será como se o fizesse individualmente,
uma vez que devem ter um só coração e uma só alma. Todas as
pessoas que compõem a comunidade devem ser muito unidas e
as conselheiras devem sê-lo de uma maneira ainda mais íntima.
O laço sagrado da caridade que as une deve ser, de certo modo,
22. Diálogo de nossa Madre Emília com duas Irmãs,
durante sua última enfermidade
(v.s., nº 19)
O principal interesse desta conversa, que aconteceu na noite
de 10 a 11 de setembro de 1852, é manifestar de maneira singela as
disposições de Santa Emília em seus últimos momentos e suas mais
caras recomendações. Uma das interlocutoras é Irmã S. Tauriac que
ainda faz perguntas um tanto angustiadas sobre sua perseverança (v.s.
nº 19).
A Madre: Quem está de guarda esta noite?
Uma Irmã: Sou eu, Madre, e minha Irmã Marie-Séraphine.
A Madre: Esse nome, Séraphine, me lembra os bemaventurados Serafins. Oh! como gozam da presença de Deus,
como são felizes! Serafins!... Ó bem-aventurados Serafins!
Onde está Irmã Marie-Séraphine?
A Irmã: Ela foi levar o chá à Irmã Xavier. Vem voltando.
A Madre: Aproxime-se, minha cara Irmã, venha cá. Não
chore. Pense nos Serafins que gozam da plena visão de Deus...
Que belo nome! Serafins!... Quanto são felizes! E você
também, minha querida Irmã, é feliz por tê-los como protetores.
Será que os ama bastante? Você lhes pede que lhe comuniquem
um pouco de sua pureza, de seu amor a Deus? Invoque-os, são
bastante poderosos junto a Deus. Peça-lhes que lhe obtenham
um coração ardente de amor a Deus. Coragem. Não chore. Vou
protegê-la quando estiver perto de Deus.
A Irmã: Madre, peço-lhe que obtenha para mim a graça de
ver o Deus dos Serafins.
244
421
A Madre (com voz forte): Oh! você duvida? Uma esposa
de Nosso Senhor pode perecer? Deve ela sempre temer como
você o faz? Uma Irmã da Sagrada Família, por tão pouco que o
queira, nada tem a temer por sua salvação. Sendo assim, não
tema. Ame seu divino esposo, ame-o e não tema sua vinda.
Sabe de cor as promessas escritas por Pe. Marty em nossas
Constituições, para as Irmãs da Sagrada Família?
A Irmã: Sim, Madre.
A Madre: Então, repita-as comigo: “Se uma Irmã da
Sagrada Família vive da fé, se faz pouco caso dos recursos
humanos, se ela se abandona inteiramente à proteção e à
direção de Jesus, de Maria e de José, só procurando evitar o que
lhes desagrada, ela nada tem a temer, nem para o Instituto, nem
para si mesma. Nada, nem do mundo, nem da natureza, nem do
demônio, nada enfim, nem na vida, nem na morte.” Recite com
freqüência essas linhas de nossas Constituições.
A Irmã: Farei isto, Madre, mas...
A Madre: O que quer dizer esse mas?... “Eu temo não ser
fiel?” Não tenha tanto medo. Nem tudo está perdido, embora eu
me vá. Diga muitas vezes durante sua vida estas palavras que
eu mesma repito com felicidade neste momento: “Meu Deus, eu
creio, espero, amo e me abandono.” Depois, ria do demônio.
Vamos dormir um pouco, as três.
A Madre (após uma hora de sono, aproximadamente, com
um sorriso inefável): Pensava tê-lo encontrado e ele ainda não
chegou. Nós nos sentimos felizes na ilusão de um sonho, como
se fosse uma realidade. É necessário esperar ainda. Então!
Uma Irmã (à outra): O que ela disse? Não compreendo. O
que ela tinha encontrado?
A outra Irmã: Ela não diz o nome, mas é fácil entender que
se trata do celeste Esposo dos Cânticos. Pensava já estar com o
bom Deus e fica admirada porque ele ainda não veio.
A todas as Irmãs que me causam prazer com suas cartas,
peço que me desculpem por não lhes responder. Elas sabem por
que não posso fazê-lo.
73
Como aproveitar a função de sacristã para intensificar a união de
amor com Nosso Senhor (L 240, M 108-109).
A uma noviça de Villefranche.
Aubin, 24 de maio de 1828.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Estou muito feliz pelos santos desejos que você me expressa.
As graças que vai receber na preciosa festa que iremos celebrar
mudarão estas flores em frutos e tenho a confiança de que, ao
voltar a Villefranche, terei a doce consolação de vê-la avançada
no caminho do santo amor. Sua função favorece a união com o
santo Esposo. Desempenhe essa tarefa o mais perfeitamente
possível. Há algo mais importante do que a ordem e a limpeza
na casa de Deus? Conservando-a com zelo, você participará do
mérito de Madalena, quando derramava seus perfumes sobre os
pés sagrados de Jesus.
Sou toda sua nos Sagrados Corações de Jesus, de Maria e de
José.
Irmã Emília.
74
O amor de Deus é exclusivo e ciumento, não admite reserva
alguma. A ele respondemos positivamente por uma fidelidade
constante às inspirações da graça (L 241).
A uma noviça em Villefranche.
Aubin, 24 de maio de 1828.
245
420
Saúdo-as todas muito afetuosamente e sou, nos Corações de
Jesus, Maria e José, sua Madre muito dedicada.
Irmã Emília.
72
Ainda distante das religiosas da Casa-mãe, a superiora as felicita
por suas boas disposições e as convida a se prepararem, por um
renovado recolhimento para a festa de Pentecostes (L 238, M 378379).
Às Irmãs de Villefranche.
Aubin, 20 de maio de 1828.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Soube, com grande satisfação, que gozam de uma santa
alegria. Também o que li na carta da Irmã arquivista me causou
prazer. Esta resolução unânime de viver numa verdadeira
sabedoria é tanto mais consoladora quanto ela será
acompanhada do seu fruto. Não pode deixar de sê-lo nesses dias
preciosos consagrados à preparação da vinda do Espírito
consolador, esse Espírito Santo que ensina todas as coisas às
almas recolhidas e dóceis à sua voz. Como seremos felizes,
minhas queridas Irmãs, se não colocarmos obstáculo algum à
abundante efusão de graças que nos é destinada! Unamo-nos a
Maria e aos apóstolos, perseveremos como eles na oração e
numa suave e humilde espera dos benefícios do Senhor.
Saúdo-as muito afetuosamente e peço-lhes fazer uma
novena em honra de São José, a qual consiste em uma hora de
silêncio; recolhimento que faça evitar as palavras inúteis; visita
ao seu altar e algumas invocações.
Irmã Emília.
R.S.F.
A Irmã: Pergunte-lhe o que estava sonhando.
A outra: Não ouso. Não digamos nada. Talvez durma
novamente.
A Madre (após ter dormido um pouco): A muralha cai,
esfacela-se e, quando não houver mais obstáculo, veremos o
invisível. A destruição do corpo é pouca coisa. É um benefício
para os amigos de Deus, pois, sem esse desmoronamento não
podem gozar plenamente de seu Deus. Lembra-se de qual foi o
santo que, coberto de chagas, cantava sua felicidade em
transportes de alegria?
A Irmã: Não Madre, não me lembro.
A Madre: Nem eu. Mas lembro-me de que esse solitário foi
visitado por algumas pessoas do mundo. Vendo-o tão alegre,
perguntaram-lhe o motivo. Ele respondeu: “É porque a muralha
está cheia de rachaduras e se desfaz cada dia um pouco. Em
breve estaremos na fortaleza de Sion.”
A Irmã (chorando): Madre, a senhora acha que está
demorando em nos deixar?
A Madre: Não é que me demoro em deixá-las, mas é que
anseio por ver a Deus. Além disso, não as deixarei. Estaremos
unidas. Eu me ocuparei de vocês como se estivesse aqui. Não
chorem.
A Madre (após ter cochilado um pouco): Que horas são?
A Irmã: Duas horas da madrugada.
A Madre: Daqui a três horas vão trazer-me o bom Deus. É
hoje o dia de receber a comunhão? Esqueci de dizer que não
fiquem preocupadas se lhes falo durante o grande silêncio. O
Padre me permitiu, por causa do pouco tempo que tenho a
246
419
passar com vocês e também para lhes causar prazer. Não
falamos senão do bom Deus.
A Irmã: Estamos longe de nos desedificar. Apenas tememos
fatigá-la deixando-a falar. A senhora está tão fraca! Se pudesse
repousar, ficaríamos mais contentes.
A Madre: Isso eu faço tanto quanto posso, mas, no resto do
tempo, devo entretê-las. Que a Irmã Séraphine se aproxime.
Ainda não me deu de beber nenhuma vez. Por que deixa isso
sempre para Irmã Anne-Marie?
A Irmã: Madre, não ouso levantá-la um pouco com medo
de que isso lhe faça mal. Disse à Irmã que é acostumada a
cuidar das doentes que lhe cederia esse prazer.
P.S. Gostaria de escrever em particular às nossas caras Irmãs do
Conselho, mas como isso me é difícil, peço-lhes que me
desculpem e encontrem nesta a resposta à carta que tiveram a
bondade de me escrever.
71
Madre Emília se mostrava sempre inclinada à indulgência mais do
que à severidade para com as crianças. A carta seguinte o prova, mas
vemos também que certas faltas teriam sido incansavelmente
corrigidas por ela até uma perfeita correção. Observaremos com que
tom respeitoso ela fala a essas alunas (L 237, M 87-88).
Às jovens senhoritas da Sagrada Família, em Villefranche.
A Madre: Não receie me fazer mal. Em todo caso, para
deixá-la à vontade, Irmã Anne-Marie me segurará e você me
ajudará a beber.
A Irmã: Madre, a senhora é muito boa!
A Madre: Vou lhes dizer ainda algumas palavras ainda e
depois vamos dormir, as três. É preciso que a Irmã que poderá
ser enviada futuramente a trabalhar com crianças não se deixe
desconcertar pelas dificuldades que poderão aparecer. Que as
faltas das crianças irrefletidas, levianas, não a surpreendam,
pois são feitas sem malícia. É preciso até, minha cara Irmã, que
as crianças desse tipo sejam o objeto de uma solicitude especial,
de uma afeição maior que as outras. Observei que, muitas
vezes, crianças levianas, quando pequenas, são as que mais
tarde trazem maior consolo. Eu mesma fiz a experiência muitas
vezes. Uma delas, sobretudo durante as aulas, não tinha um
minuto de sossego. Estava em todas as brincadeiras, em tudo
que era permitido às crianças. Além disso, atrapalhava-me
durante as aulas, rodopiando e outras coisas mais. Procurava ser
paciente. Eu a amava porque via que nela só havia leviandade e
também porque o amor aos pobres tinha penetrado em sua
alma. Tinha esperanças para o futuro. Não me enganei.
Atualmente ela é religiosa.
Aubin, 20 de maio 1828.
J.M.J.
Minhas muito queridas crianças:
Não estando junto a vocês para lhes obter o perdão das
faltas que sua idade, bem mais do que a má vontade, as faz
cometer, eis o meio que devem utilizar: é permanecerem
atentas, após terem invocado o seu anjo da guarda, para não
cometê-las, e, se sua fraqueza as fizer cair algumas vezes, peço
às nossas queridas Irmãs tratá-las com muita indulgência.
Refiro-me às pequenas faltas, pois, infelizmente, se se
comportam mal na capela, se dizem mentiras, ou por malícia
batem umas nas outras, para faltas assim tão graves, não posso
pedir às suas mestras que as perdoem. Se o fizesse, não seria
uma boa mãe, pois a vantagem para vocês, queridas meninas, é
que sejam corrigidas. Se não o fizesse, o que seria de vocês?
Mas estou persuadida de que, quando voltar, não me dirão que
tenham cometido semelhantes faltas.
Vocês manifestam o desejo de me ver. De minha parte,
desejo-o ainda mais e ficarei muito feliz quando chegar esse
momento. Espero que seja logo.
418
247
lembrar que estamos aqui na terra a caminho da pátria definitiva (L
231, M 102-103).
CONFERÊNCIAS E DIÁLOGOS SEM DATAS
Às Irmãs de Villefranche.
1º – Temas de Oração
Aubin, 8 de maio de 1828.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Eis chegado o tempo no qual eu deveria voltar para o meio
de vocês, a fim de me encorajar e animar pelos seus exemplos
e, ao mesmo tempo, fazer o pequeno trabalho que agradou a
Deus me confiar em sua santa casa. O que me atrasou foi uma
resposta que aguardo do nosso Pai, que talvez queira que eu
permaneça ainda um pouco por causa de alguns remédios que a
Madre Vincent quis que eu tomasse. Não tenho confiança
alguma neles, mas temo entristecer nossas Irmãs se os recusar
obstinadamente. Se me fizerem bem, será devido apenas às suas
orações e, se não, amaremos nisso a santa e muito amável
vontade de Deus, que tudo dispõe para nosso maior bem.
Aguardando o grande prazer de revê-las, peço-lhes que se
lembrem muitas vezes do santo Esposo que escolhemos como
nosso único bem. Foi a ele que entregamos o nosso coração. Ele
deve possui-lo inteiramente.
A festa que celebraremos em breve, fazendo-nos antever a
feliz morada onde ele nos precedeu, convida-nos ao desapego
da terra, que não é nossa pátria, e a viver nela como
estrangeiros, para termos nosso coração lá onde está o nosso
tesouro.1 Se a nossa fé for viva, todos os sofrimentos da vida,
bem como o trabalho e as dificuldades que o acompanham, nos
parecerão suaves, por serem o caminho que a ele nos conduz.
Vivamos, minhas queridas Irmãs, na paz e na esperança bem
como numa santa união, para honrar Jesus, Maria e José, a
quem temos a inestimável felicidade de ser consagradas. É em
seus Corações que sou, com terno afeto, sua mãe muito
dedicada.
Irmã Emília.
23. Conferência sobre a oração
(C 12-14; nº 6)
Madre Emília desenvolve, a seu modo, a doutrina comum do
circuito fechado constituído pela oração e uma mortificação tão
perseverante quanto possível com a graça: quais os condicionamentos
mútuos, qual a causalidade recíproca que as articula
indissociavelmente.
A oração deve ser o alimento das almas piedosas, sobretudo
das almas religiosas. É um grande dom, o dom da oração, o
espírito de oração. As religiosas que não o têm são bem
infelizes e, entretanto, minhas Irmãs, seu número é
considerável, porque não cultivam a vida interior e que, sem
vida interior, sem o espírito de mortificação que a ela conduz,
não chegamos à união com Deus. Essa união torna muito fácil o
exercício da oração. Esse dom da oração, esse espírito de
oração é tão necessário que as religiosas que não o possuem,
compreendem pouco o que é a vida religiosa e cumprem seus
deveres com negligência. Os santos davam a máxima
importância à meditação e à oração. Vemos que, seguindo esse
caminho, eles se santificaram. Onde hauriam essas luzes tão
vivas que nos comunicaram nos livros escritos por eles e cuja
leitura faz tanto bem às almas? Na oração. Ali, encontravam
estas luzes puras, esta força sobrenatural que os fizeram
caminhar a largos passos na via da perfeição, essas luzes que os
desapegaram totalmente de tudo que o mundo, a natureza, o
demônio oferecem como sedução a quem aspira a Deus, à
perfeição. Durante essas horas de absoluta solidão em que a
alma se comunica a sós com Deus, eles compreenderam o que é
248
a terra, o que é o céu. Aprenderam a desprezar a primeira e a
dar importância somente ao segundo.
A oração é a escola da verdadeira ciência, da ciência que
faz os santos. É a escola de todas as virtudes. Por mais que se
fale de humildade, de silêncio, de recolhimento a quem ignora o
que é fazer oração, ele pouco compreende o valor dessas
amáveis virtudes. Tudo que brilha, que é elevado aos olhos do
mundo, que atrai sua estima, sua aprovação, toca, faz palpitar o
coração. As obras piedosas mais brilhantes são logo acolhidas
pelos espíritos levianos. A abnegação, a humildade, não são do
gosto deles, porque não hauriram na oração o conhecimento das
grandes vantagens de uma vida conforme à de Jesus Cristo.
Deus é mais honrado por uma alma de oração do que por um
grande número de outras, porque naquelas há mais pureza de
intenção, mais conversão interior. As outras agem, muitas
vezes, segundo seu humor, por capricho, não perscrutam o
recôndito de sua alma onde se escondem o amor, o interesse
próprio. Essa energia, essa fortaleza de alma que vemos brilhar
nos santos, onde a encontravam? Quando lhes era comunicada?
Eles a hauriam na oração e na contemplação de Jesus sofredor,
de Jesus que se imola à justiça de seu Pai por nossos pecados,
que sofre mil vezes mais do que seria preciso para nos resgatar,
na contemplação de uma multidão de santos que seguiram os
passos do Homem-Deus. Essas considerações inflamavam sua
coragem, eles não recuavam diante de nenhum sacrifício,
queriam uma vida conforme à do divino Modelo que Deus nos
enviou. Eis o que os santificou, o que os fez santos, e grandes
santos, pela sua maior ou menor conformidade com o HomemDeus.
Se compreendemos pouco nossas obrigações, os caminhos
de Deus, os caminhos da perfeição, se somos tão fracas, tão
medrosas, culpemo-nos a nós mesmas. Não rezamos bastante,
não meditamos suficientemente as grandes verdades de nossa
santa religião. Vocês me dirão: “Minha Madre, temos apenas
meia hora de meditação pela manhã e à tarde; é bem pouco.”
Minhas Irmãs, para nós é bastante, uma vez que a obediência
não nos dá mais tempo. A recitação do ofício, a leitura, o exame
de consciência, o terço, etc., são excelentes orações. Se esses
417
Saúdo-a muito afetuosamente, bem como a todas as nossas
Irmãs.
Irmã Emília.
69
Uma religiosa que acaba de fazer seu retiro é convidada a
perseverar em suas felizes disposições e a fazê-las frutificar no
cumprimento de seus deveres (L 230, M 90-91).
A uma Irmã de Villefranche.
Aubin, 2 de maio de 1828.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
É um grande prazer saber que o Esposo a conduziu ao
deserto e que lá ele lhe tenha comunicado seus segredos e
falado ao seu coração; que, por sua vez, dócil à sua voz tão
suave, você se tenha oferecido para fazer sua vontade. Assim, a
mais total dedicação e o espírito de zelo, seja para sua
santificação, seja para o cuidado das crianças que a bondade de
Deus lhe quis confiar, serão de agora em diante sua partilha. Se
eu não esperasse ter em breve o prazer de vê-la, eu lhe pediria
que me comunicasse suas resoluções, mas será mais consolador
para você e para mim falarmos disso de viva voz. Sou toda sua.
Irmã Emília.
Peço-lhe recomendar-me às crianças. Peço-lhes que sejam
bem obedientes.
70
Tendo de ficar em Aubin para tomar remédios preparados com
cuidado, Madre Emília pede desculpas às religiosas de Villefranche
por não poder regressar ainda. Manifesta grande abandono quanto à
sua saúde e aproveita a proximidade da festa da Ascensão para
416
249
Nossas Irmãs escreveram ao nosso Pai pedindo-lhe que
viesse, mas ele ainda não respondeu. Tenho prazer como vocês
que lhe confiem as criancinhas. Alegre-se com a felicidade de
fazê-las conhecer e amar o bom Deus. Lamento de todo o
coração a grande perda que você sofreu e as privações que isso
lhe ocasionou. Submetamo-nos inteiramente à santa vontade de
Deus que nos recompensará pelos sofrimentos que suportarmos
por seu amor.
Alegro-me porque Deus aumentou em você o espírito de fé,
fazendo-a apreciar a felicidade de estar com doentes. Seja fiel à
graça e ele não cessará de aumentá-la em você.1
Irmã Emília.
68
Boas notícias a respeito de uma religiosa que, enfim, se corrige
generosamente. Alusão aos males da Igreja na França
(anticlericalismo e galicanismo que pressagiam a revolução de 1830)
(L 229, M 99-100).
À Irmã Athanasie, suplente em Villefranche.
Aubin, 24 de abril de 1828.
Minha muito querida Irmã:
Certamente partilhará comigo a grande consolação que me
dá Irmã N. Ela mudou completamente. Desde algum tempo ela
é de um fervor, de uma obediência e de uma humildade que me
causam muita alegria. Que Deus seja louvado! Ela desejou
escrever-lhe para reparar as faltas que teria cometido diante de
você.
Acredito que você tem o cuidado de fazer rezar pelos
problemas da Igreja da França, os quais vão sempre de mal a
pior. Só a oração nos pode salvar. Unamo-nos a todas as almas
fiéis que clamam aos céus e procuremos ser bem fervorosas
para aplacar a cólera de Deus, justamente irritado contra nós.
diversos exercícios são feitos com o espírito interior que
convém, eles nos unem a Deus. E depois, se, durante todo o
nosso dia, cuidamos em permanecer nesse espírito de solidão,
de calma interior que vemos brilhar em Jesus, Maria e José em
Nazaré, nossa oração é contínua.
Em todo tempo, em toda ocasião, podemos receber essas
luzes, esses toques secretos com os quais os santos foram tantas
vezes favorecidos. O essencial para isso é permanecermos
unidas a Deus, não de modo absorvente que cative as
faculdades de nossa alma e lhes tire a liberdade de agir, mas de
um modo suave, pelo qual se permanece na presença de Deus,
que faz com que sigamos sempre a voz da consciência, que
renunciamos em tudo a nossos gostos, a nossos caprichos para
cumprir sempre a vontade de Deus. Uma alma que age assim é
feliz, mesmo em meio às maiores provações. Nos momentos de
sofrimento, nas contradições que lhe chegam, recorre a Deus
que a ajuda a tudo suportar com mérito para o céu. Quando
sofre, une-se a Jesus sofredor e se lembra de que os sofrimentos
são a semente da alegria. Quando é tentada, une-se a Jesus na
sua tentação no deserto e pede-lhe força para resistir. Quando se
aborrece acompanha Jesus ao Jardim das Oliveiras, une seu
aborrecimento ao desse bom Mestre. Quando é caluniada,
pouco estimada, vê Jesus tratado como perturbador da ordem
pública, como um demônio. Ela o vê acolher com alegria as
maiores humilhações, e então se considera feliz por partilhar
um pouco de sua cruz. Quando se sente abandonada por Deus,
vítima das maiores provações interiores, une-se a Jesus
abandonado por seu Pai. A exemplo de nosso Salvador,
abandona-se. Quando goza de consolações celestes, lembra-se
de Jesus no Tabor, o qual, em meio a seu triunfo, sua glória,
não deixa de pensar em sua Paixão. Como Jesus, ela pensa que
a consolação é passageira e será seguida de tentação e de
sofrimento. Quando goza de perfeita saúde, quando fica
ocupada o dia todo com suas alunas, ela se lembra de Jesus
instruindo seus discípulos e o povo e, a seu exemplo, pratica a
doçura, a caridade para com as alunas.
250
Eis o que fazem as almas de oração, eis o que torna sua
vida tão meritória. Podemos dizer que adoram a Deus em
espírito e em verdade.
Apliquemo-nos, minhas queridas Irmãs, com toda a nossa
alma a viver no silêncio, no recolhimento, para obter o espírito
de oração, e não desanimemos por causa das dificuldades que
podemos encontrar. Leiamos, de vez em quando, o capítulo da
oração que está nas Constituições de nosso Pai, Pe. Marty.
Veremos aí as grandes vantagens desse santo exercício para a
alma. Às vezes, há religiosas que dizem: “Eu me aborreço
durante a meditação, é com dificuldade que permaneço na
capela.” Suportem esse aborrecimento e permaneçam na capela.
Lembrem-se de que Santa Teresa muitas vezes contou os
buracos das grades do coro, durante a oração e que se aborrecia
muito durante esse exercício.44 Vocês pensam não fazer
meditação quando estão na secura, no desgosto, no
aborrecimento. Fazem uma excelente meditação suportando-se
a si próprias e combatendo as tentações.
Bom seria que, algumas vezes, examinassem com calma
por que não podem meditar, para verificar se não haveria algum
relaxamento na sua conduta, pondo obstáculo à sua união com o
bom Deus. Se essa for a causa, procurem se corrigir.
Quando não podem acompanhar o ponto de meditação que
é lido na Comunidade, aconselho-as a meditar sobre a Paixão
de Nosso Senhor. Tomem, cada dia, uma estação da Via-Sacra
como assunto da oração. Algumas vezes, igualmente, nos
momentos de aborrecimento, de desgosto, vocês podem recitar
um cântico, um salmo, cujas palavras as tocaram. Assim o
tempo passará e a oração não será menos perfeita se tiverem
feito o possível para se unir a Deus. A melhor de todas as
meditações é aquela em que mais nos conformamos com a
vontade de Deus. Qualquer que seja a situação em que nos
encontremos, quando é Deus que a quer, fica honrado com
nossa submissão a seu bel-prazer.
415
Ano de 1828
66
Seguir o caminho real da cruz, na convicção sobrenatural de que
ele conduz a Jerusalém celeste (L 223).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 15 de março de 1828.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Você sabe tanto quanto eu que os sofrimentos corporais e
espirituais são o caminho real da santa cruz, caminho que
conduz à bem-aventurada Jerusalém, onde o mais perfeito
repouso e a mais doce paz acompanham aqueles que a habitam.
Encorajemo-nos na doce esperança de estar um dia com nosso
Esposo nessa morada eterna. Pensando assim, nada nos deve
parecer demasiado penoso nem tão difícil. O tempo da
renovação de seus votos é bem oportuno para reavivar o seu
fervor. Um exercício para se preparar para essa renovação é
recorrer freqüentemente à Sagrada Família e a seu anjo da
guarda. Peça muitas vezes um coração puro e o esquecimento
de si mesma.
Irmã Emília.
67
Submissão à vontade de Deus naquilo que satisfaz, como numa
perda bastante sensível. Intensificar o olhar da fé que faz discernir a
graça, representada numa comunidade, pelas doentes (L 226).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 14 de abril de 1828.
O que lhes peço, acima de tudo, é que não desanimem por
causa das dificuldades que poderão encontrar nesse santo
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
414
251
posso dizer-lhe que é um dos melhores. Torna o demônio muito
mais fraco contra nós e nos ajuda a resistir. Tenha muita
coragem, minha muito querida Irmã, suas fadigas passarão, bem
como suas tentações, e a paz de Deus que ultrapassa todo
sentimento será um dia sua recompensa. Mesmo que não lhe
fosse concedida nesta vida, não seria bem feliz em possuí-la
durante toda a eternidade?
Toda sua no Coração Sagrado do bom Jesus.
Irmã Emília.
65
Encorajamento a uma postulante que experimentou, sem dúvida,
alguns momentos de hesitação. Prosseguir agora com uma coragem
inteiramente renovada (L 211).
A uma postulante.
Villefranche, 2 de setembro de 1827.
J.M.J.
Minha muito querida Célestine:
Muitas vezes recuamos para saltar melhor. Foi o que você
fez pensando na sua saída (sem a qual teria avançado mais no
santo estado da vida religiosa). Com certeza estará animada
com nova coragem para a prática das virtudes que devem
conduzi-la à união com Jesus, Maria e José. Nada mais propício
do que o exemplo das almas fervorosas para nos ajudar a
sacudir nossa preguiça. Cuide para que esta conferência não
produza em você um efeito passageiro. Naquele dia, Deus falou
ao seu coração. Seja dócil à sua voz. Estou certa de que Rosalie
tem os mesmos sentimentos que você. Assegure-lhe minha
terna amizade, bem como a de todas as postulantes, sem
esquecer nossas noviças e nossas Irmãs.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
exercício. Rezem, peçam ao bom Deus que as assista, que lhes
conceda a perseverança; tenham confiança, ele o fará.
Lembrem-se destas palavras de Nosso Senhor, no santo
Evangelho: "Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, ele
vo-lo dará." Quem fez essa promessa? Nosso Senhor Jesus
Cristo, que é a própria Verdade. Ah! dizia ainda esse bom
Mestre a seus discípulos: "Se tivésseis fé como um grão de
mostarda, transportaríeis as montanhas." Apliquemos essas
palavras a nós mesmas. Se rezássemos com fé e confiança,
obteríamos tudo que pedíssemos. Se temos pouco é porque
pedimos pouco e muito mal. Não digo isso para desanimá-las,
apenas para estimulá-las a rezar com mais ardor. Recitemos
com atenção e respeito esta oração que se encontra no fim das
ladainhas do Santo Nome de Jesus: “Senhor Jesus, que disse
aos seus apóstolos: peçam e lhes será dado, busquem e acharão,
batam e lhes será aberto, nós lhe suplicamos, dê-nos seu divino
amor a fim de que todos os movimentos de nosso coração,
todas as nossas palavras, nossas ações sejam orientadas para o
Senhor e que o louvemos sem cessar.”
Essa oração bem recitada estimulará nossa confiança e nos
obterá muitas graças.
Vão refletir diante de Deus sobre o que acabamos de dizer e
peçam-lhe a graça de bem aproveitar dessa reflexão.
252
413
63
24. Conferência sobre a oração de Moisés que torna os
israelitas vitoriosos sobre os amalecitas
(C 74-76; nº 28)
Procurar esquecer-se de si mesma, evitando particularmente as
reflexões e confidências inúteis: o abandono e a simplicidade serão os
preciosos frutos desse tipo de mortificação (L 206, M 93).
A uma Irmã de Aubin.
Alusão ao Êxodo 17, 8-16. A Casa-mãe, privilegiada em relação à
clausura e demais observâncias, deve exercer no Instituto este papel
de intercessão. Ele supõe, como em Moisés, disposições profundas de
doçura amorosa, de oração silenciosa. A fundadora pode situar dessa
maneira e coordenar umas em relação às outras as três categorias de
religiosas: de coro, conversas (clausuradas ou não), das escolas.
Quando os israelitas acamparam em Rafidim, no deserto, os
amalecitas vieram combatê-los. Moisés disse a Josué para
convocar homens e ir combatê-los, acrescentando: "Amanhã
permanecerei no cume da montanha, tendo na mão o bastão de
Deus." Josué fez o que Moisés lhe havia dito e combateu contra
Amalec. Moisés, Aarão e Hur subiram ao alto da colina e,
enquanto Moisés mantinha os braços elevados, Israel era
vitorioso. Mas, quando os baixava um pouco, Amalec levava
vantagem. Entretanto, as mãos de Moisés estavam cansadas e
pesadas. Por isso, eles pegaram uma pedra e, fazendo-o sentarse nela, Aarão e Hur sustentaram-lhe os braços dos dois lados.
Durante esse tempo, Josué expulsou Amalec e fez passar o
povo dele ao fio da espada. Lendo a Sagrada Escritura, gosto de
aplicar aos nossos deveres as verdades nela encontradas e que a
eles se referem.45
Parece-me que a passagem que acabo de lhes transmitir é
muito instrutiva para nós, religiosas clausuradas e nãoclausuradas, todas pertencentes a uma mesma família. Moisés,
Josué e Hur permaneceram na montanha enquanto os israelitas
combatiam na planície. Neles, temos a imagem das religiosas
clausuradas, que se dedicam especialmente à oração e que, pelo
fervor de suas preces, devem atrair as bênçãos de Deus sobre
todo o Instituto. Temos ainda neles a imagem das Irmãs da
Casa-mãe que devem, mais que as outras, estar cheias do amor
Villefranche, 11 de agosto de 1827.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Creio que a melhor maneira de se livrar das tentações é darlhes o desprezo, não se ocupar de si mesma, nem de sua
imaginação, mas apegar-se à lembrança de nosso dulcíssimo
Salvador. É uma perda de tempo contar seus pensamentos
detalhadamente. Basta dizer que se tem tal ou tal tentação e, se
a Madre julgar que precisa de mais detalhes, saberá lhe pedir.
Quanto às mortificações, só deve fazer aquelas que a Madre
lhe permitir. A que mais lhe convém é esquecer-se de si mesma.
Não tema que eu esqueça esse seu assunto. Eu também não
tenho vontade de me perder. Desejo-lhe, minha muito querida
Irmã, um inteiro esquecimento de si mesma e uma verdadeira
simplicidade e sou, com verdadeira afeição, toda sua.
Irmã Emília.
64
Encorajamento em meio a penosas tentações: procurar distrair-se
com o trabalho (L 209).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 17 de agosto de 1827.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Que lhe dizer a respeito de todas as suas tentações, senão
que é preciso suportá-las de bom grado e na paz, ser fiel a uma
obediência inteira e cega, refletir pouco ou nada sobre si
mesma, abandonar-se a Deus e submeter-se à sua vontade. O
trabalho é um dos meios que você usa para enfraquecê-las e
253
412
De vez em quando, nós lhe dizíamos algumas palavras que
ela escutava com uma grande atenção. Todas as vezes que lhe
falávamos de Nossa Senhora, o sorriso aflorava a seus lábios.
Quando nos ajoelhávamos para rezar, ela se esforçava para
rezar conosco. Ao meio-dia, rezou o Angelus, continuou a rezar
jaculatórias, e às doze e quinze expirou docemente nos braços
de Jesus, de Maria e de José, a cuja família se sentia muito feliz
de pertencer. Morreu em 19 de janeiro de 1827.
62
Votos de alegria pascal: conhecer intimamente, tanto quanto
possível, a humildade consoladora do Senhor, revelando-se, por
exemplo, a santa Madalena ou ao apóstolo Tomé (L 194).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 24 de março de 1827.
Minhas muito queridas Irmãs:
Embora lhes escreva este bilhete no tempo das dores e das
humilhações de nosso divino Mestre, e como só lhes chegará no
tempo de seu triunfo, desejo a todas, de todo o meu coração, a
santa alegria que acompanha sua gloriosa Ressurreição.
Regozijemo-nos nele. Que nossa alegria seja íntima e profunda.
Agradeçamo-lhe mil vezes de nos ter colocado tão perto dele,
de nos ter dado tantos meios de conhecê-lo e de amá-lo. Por nós
foi vitorioso e gozamos os frutos de sua vitória. Vamos a ele
com amor, escutemos sua voz como Madalena. Procuremos
conhecer suas chagas como São Tomé e faremos a feliz
experiência do quanto é bom e amável nosso Esposo.
Compreenderemos que por infinitas razões ele merece nosso
coração. Dando-o todo inteiro, seremos verdadeiras Irmãs da
Sagrada Família.
É nos Sagrados Corações de J.M.J. que sou toda de vocês.
Irmã Emília.
de Deus. Esta casa, na qual vocês têm a felicidade de estar e
onde se operam tantas maravilhas da misericórdia de Deus,
pode ser considerada como a montanha sobre a qual estavam
Moisés, Aarão e Hur. Os membros que a compõem devem ser
outros Moisés e, se não podem ir até lá, que sejam pelo menos
outros Aarão e Hur.
Foi Moisés quem enviou combatentes contra Amalec, que
para nós representa o demônio e o mundo. É desta casa e por
ordem de Deus que aqui representam Moisés sobre a montanha,
que nossas Irmãs não-clausuradas são enviadas ao mundo como
a um campo de batalha, para combatê-lo, bem como a seu
chefe, o demônio. Enquanto nossas Irmãs desdobram todas as
suas forças para instruir a juventude, ensinar aos ignorantes,
cuidar dos doentes do corpo e da alma, nós, clausuradas, damos
o bom exemplo pela prática de todas as virtudes. As Irmãs da
Casa-mãe, por sua união a Deus, seu fervor na oração, fazem
alcançar todo tipo de vitórias às suas Irmãs. Que conduta deve
ter uma Irmã que vive no claustro para ser como Moisés? Em
primeiro lugar, deve imitá-lo em sua caridade. Ele amava a
todos os seus irmãos. É a oração do mais afável dos filhos dos
homens. Todas nós devemos ter o coração mais generoso
possível, o mais devotado para com nossas Irmãs nãoclausuradas, nunca recuar diante de qualquer sacrifício quando
se trata de lhes fazer o bem, de fortalecê-las, de sustentá-las.
Elas são nossas bem-amadas Irmãs, digo-o do fundo de meu
coração. Julgaram, algumas vezes, que eu não as estimava tanto
quanto as outras. Não existe diferença alguma em meu coração.
Todas me foram dadas por Deus. Creio que todas lhe são
igualmente caras, mesmo chamadas a tarefas diferentes. Amoas a todas igualmente, mas não posso guardá-las todas junto a
mim, nem confiar-lhes tarefas às quais Deus não as destina.
Diante desse terno amor que devemos lhes dedicar, o que
devemos fazer? Elevar sempre nossas mãos aos céus, pedindo
as graças de Deus sobre todo o Instituto, mas particularmente
sobre o ramo não-clausurado, a fim de que prospere sem se
envaidecer. Que prospere dentro do espírito que convém ao
254
nosso Instituto, a fim de nunca esquecer sua origem, nem se
desvie da finalidade para a qual foi instituído.
Cabe a nós, minhas Irmãs, religiosas clausuradas, religiosas
da Casa-mãe, conservar na sua perfeição o espírito do Instituto,
espírito que estimulou nossas primeiras Irmãs. Para isso,
devemos estimar nossa solidão, nosso claustro, vivendo no
afastamento, no silêncio e no recolhimento, evitando tudo
quanto possa nos trazer o espírito do mundo, tais como as
entradas inúteis de pessoas de fora, as saídas desnecessárias de
nossas Irmãs rodeiras ou de nossas Irmãs não-clausuradas. Não
procuremos nenhuma informação das novidades de fora.
Detenhamos até as pessoas que nos quiserem transmiti-las,
fazendo-as entender que estamos mortas. Esse ponto é muito
importante e punirei severamente as Irmãs rodeiras que
transmitirem qualquer coisa de fora e também as mestras que
escutarem suas alunas. Vivamos em nosso claustro de oração e
de meditação. É isso que deve, principalmente, distinguir as
religiosas clausuradas. Após haver cumprido as obrigações que
nos são confiadas, enquanto trabalhamos com as mãos
guardando o silêncio na sala comum, devemos rezar e meditar.
Mesmo cumprindo nossas obrigações, se somos o que devemos
ser no claustro, rezaremos e não perderemos jamais o
recolhimento. Dessa maneira, minhas caras Irmãs, imitaremos
Moisés, cumpriremos nossa tarefa. Sem fraquejar, Moisés
manteve o dia inteiro as mãos voltadas para o céu. Sem cessar
devemos rezar porque, sem cessar, o Instituto tem necessidade
de graças, sem cessar nossas Irmãs não-clausuradas estão
expostas aos perigos do mundo. Se elas são cercadas por
inimigos obstinados em perdê-las, um grande combate lhes é
proposto. Sustentemo-las, sejamos plenas de Deus, de seu santo
amor e obteremos dele, como Moisés, tudo quanto desejamos
para nós e para nossas caras Irmãs.
Não temo pelo Instituto enquanto o claustro caminhar bem
e, principalmente, as Irmãs da Casa-mãe. Não, eu lhes repito,
não temo por ele, enquanto no claustro houver verdadeiros
411
bastante conforme seu desejo, ela lhes furtava muitas vezes
para poder assisti-los. Não somente furtava mas até gostava que
todos os necessitados viessem furtar também e levassem lenha e
outras coisas do seu pai. Quando isso acontecia, gostaria de
torná-los invisíveis, se isso estivesse em seu poder.
Essa extrema bondade transparecia nas mínimas coisas.
Teria gostado de evitar o sofrimento e a fadiga de todos. Era
muito doloroso a seu coração ver as crianças serem punidas, de
bom grado teria suportado seus castigos para poupá-las. Muitas
vezes se punha de joelhos diante de suas professoras para lhes
obter o perdão. Essa grande bondade era acompanhada de uma
caridade e de uma simplicidade singular. A seus olhos, ninguém
era culpado. Mesmo diante dos erros mais graves, ela
encontrava sempre um meio de desculpá-los e cada uma de suas
Irmãs era, no seu espírito, um modelo de virtude.
Sua humildade era profunda. Colocava-se sempre abaixo
dos outros. Compenetrada dos sentimentos do seu nada e da
lembrança das faltas cometidas antes de entrar no convento,
considerava-se como a última do mosteiro. Dizia-se indigna de
morar nele. Sentimentos da mais viva gratidão penetravam sua
alma, ao recordar a infinita bondade de Deus que a havia
chamado à solidão. Expressava-se sobre isso com tanta
veemência que, ao ouvi-la, a pessoa se sentia repleta de
consolação. Era inesgotável nesse assunto, nele meditava
continuamente e pode-se dizer que sua alma dele transbordava.
Sua última doença foi uma disenteria que a enfraqueceu.
Sua paciência permaneceu inalterável. Sua alma conservou
sempre uma conformidade perfeita, uma paz profunda e uma
submissão total à vontade de Deus. Essas felizes disposições a
acompanharam até o último suspiro. No dia de sua morte,
disseram-lhe que se preparasse para receber os últimos
sacramentos. Essa notícia lhe causou alegria. Alimentou-se de
seu Deus com amor e gratidão.
Após receber a unção dos enfermos, nossa Madre lhe disse
que lhe daria a permissão para fazer os votos perpétuos. Ao
anúncio desse insigne favor, a alegria iluminou seu semblante.
Embora agonizante, parecia ocupar-se apenas com sua
felicidade. Pronunciou os santos votos com a vontade bem
sincera de só pertencer ao divino Esposo.
410
255
Ano de 1827
60
Perseverar no recolhimento, graças aos exercícios comuns de
piedade e pela consideração do nada das coisas passageiras (L 185).
A uma aspirante.
Villefranche, 12 de janeiro de 1827.
Pela sua carta, sei que você persevera em seu desejo de
pertencer totalmente a Deus, para responder às suas doces
inspirações. Entregue-se a ele sem reservas e experimentará
todos os dias sempre mais a suavidade do seu jugo. Procure
aproveitar o mais possível de suas meditações e exames de
consciência e volte-se freqüentemente para Deus.1 Peça-lhe que
a faça conhecer sempre mais o nada e a vaidade de tudo que
passa. Agradeço os votos que faz por mim. A eles acrescente a
oração, para que Deus, em sua infinita bondade, seja sempre
meu apoio.
Saúdo-a muito afetuosamente.
Irmã Emília.
61
Perfil de uma religiosa pouco dotada intelectualmente, mas muito
dotada quanto à bondade compassiva. Esses dons magnificamente
reforçados pela graça aparecem particularmente em sua última doença
(L 189). (Madre Emília fala de si mesma na 3ª pessoa)
24 de janeiro de 1827.
Em lugar da inteligência e dos talentos, nossa querida Irmã
Véronique Jamès tinha recebido da liberalidade de Deus uma
rara bondade e um coração dos mais agraciados. Amava os
pobres com tão viva ternura que não podia resistir diante de
suas necessidades e, achando que seus pais não lhes davam
Moisés, almas de oração, almas que levarão a caridade até
sofrer a rejeição por suas Irmãs. Sobre a montanha, Moisés
guardava o silêncio. Para ser uma verdadeira religiosa e
sobretudo uma religiosa clausurada, é preciso amar o silêncio
da língua, do espírito e do coração. Sem isso, não há
recolhimento verdadeiro. E sem recolhimento não há verdadeira
oração. A prece sem o espírito de oração é quase sempre
ineficaz. Silêncio, pois, no claustro, silêncio na Casa-mãe
especialmente. Aarão e Hur, que sustentavam os braços de
Moisés, representam nossas Irmãs rodeiras, encarregadas de
evitar às Irmãs da clausura toda distração, toda preocupação
com as coisas de fora. Usufruem das orações de suas Irmãs, que
não podem passar sem elas. Quanto à nossas Irmãs das escolas,
devem sentir-se felizes por haver Irmãs que oram e se
mortificam enquanto elas trabalham e combatem o demônio.
Diz-se que, enquanto Moisés baixava os braços, os
amalecitas venciam. Assim será em nossa Congregação. Se o
claustro, isto é, as Irmãs que nele residem, perdem a virtude que
devem ter e, por conseguinte a clausura seja destruída, a
Congregação não subsistirá por muito tempo. O claustro não
será destruído entre nós, a não ser por um efeito de cólera de
Deus. Lembrem-se sempre de que se essa infelicidade nos
acontecesse, o castigo seria terrível e todas, clausuradas e nãoclausuradas, carregaríamos esse desgosto. Assim, as nãoclausuradas têm tanto interesse quanto as outras em manter uma
clausura regular. Vocês devem rezar cada dia por suas Irmãs de
dentro, a fim de que elas cumpram a missão que lhes foi dada
por Deus. Se algumas delas se desviassem de seu dever,
deveriam lembrá-lo. Ela é sua Irmã. Sua falta recairá sobre
você, que carregará a pena. É como numa família. Se um
membro se desonra, toda a família participa dessa desonra.
Espero que a bondade de Deus anime com um bom espírito
todos os membros da Congregação, fazendo de todas uma só e
sustentando-se mutuamente. Infeliz daquela que não o fizesse.
Seria um flagelo para sua Congregação.46
256
409
25. Diálogo sobre as pequenas práticas de piedade
doçura, humildade e alegria espiritual. É o que lhe desejo com
toda a afeição.
Irmã Emília.
(D 102-104; nº 47)
59
A Madre não condena a multiplicidade de práticas se a graça leva
a tal suavemente. Mas, notam-se sobretudo suas idéias sobre a “via de
simplicidade passiva.” Parece afirmar que Deus chama a isso com
freqüência e confirma, em todo caso, sua conciliação sempre possível
com as modalidades e as exigências do gênero de vida dito “ativo”.
Nesse ponto, refere-se ao exemplo de São Francisco Xavier.
Como presente do dia de ano, é enviado um anel que deve
lembrar continuamente a aliança de amor feita com Nosso Senhor.
Esforçar-se para fazer de toda a vida uma ação de graças por tudo o
que ele nos deu (L 182, M 82-83).
Às Irmãs de Aubin.
A Irmã: Madre, costumo fazer algumas orações a mais do
que as prescritas em nosso regulamento. Também tenho o
costume de algumas práticas particulares. A senhora acha que
posso continuá-las?
A Madre: Diga-me que práticas são essas e lhe responderei.
A Irmã: Peço a bênção a Nossa Senhora à noite e pela
manhã e no início de cada uma de minhas ações. Faço a
genuflexão diante do Santíssimo Sacramento pela manhã ao
levantar-me e à noite ao deitar-me. Rezo cada dia, nas idas e
vindas dentro de casa, o terço de Nossa Senhora, os sete salmos
de penitência, faço sete comunhões espirituais em honra das
sete alegrias de Nossa Senhora e oito pequenas mortificações
no almoço e no jantar: três para honrar a Sagrada Família e
cinco em honra às cinco chagas de Nosso Senhor. Nenhuma
dessas práticas ou qualquer outra que possa fazer me impedem
de cumprir minhas obrigações. Caso contrário, eu teria pedido
seu consentimento.
A Madre: Tudo quanto me disse pode ser feito sem uma
permissão particular, exceto as genuflexões. Não as proíbo
quando você estiver sozinha ou quando ninguém perceber. Do
contrário, seria uma singularidade a evitar numa comunidade
religiosa. Mesmo sem necessidade de uma permissão particular
Villefranche, 29 de dezembro de 1826.
Minhas caríssimas Irmãs:
Nós lhes enviamos como presente de Ano Novo um anel,
sinal da santa aliança que firmamos com nosso divino Esposo.
Olhando-o, lembraremos os sinais de sua ternura, os favores
singulares que ele nos concedeu. Esse anel nos lembrará,
sobretudo, das amabilidades do bem-amado de nosso coração e
aumentará o desejo de amá-lo unicamente, de sermos fiéis à sua
voz e, enfim, de nada lhe recusar. Aliás, como poderíamos
recusar-lhe alguma coisa uma vez que ele tudo nos deu, tudo
até seu próprio sangue, tudo até sua vida, nada recusando para
assegurar nossa salvação? Poderíamos encontrar algo mais
difícil para lhe testemunhar nosso amor? Procuremos, minhas
queridas Irmãs, seguir seus passos com generosidade e fervor.
Pratiquemos, sobretudo, as virtudes da Sagrada Família: a
doçura e a humildade. Não devemos esquecer, ou melhor,
precisamos colocar a caridade em primeiro lugar, pois nada é
mais agradável a Deus do que a perfeita união dos corações,
que se manifesta no semblante, na atitude, nas palavras e ações
e as torna semelhantes às de Jesus, que o amor fez descer sobre
a terra! É o que lhes desejo de todo o coração nesse início de
ano, nos Sagrados Corações de Jesus, Maria e José.1
Irmã Emília.
408
257
Sou, em união de Jesus, de Maria e de José, toda sua, com a
mais sincera afeição.
Irmã Emília.
para as pequenas práticas das quais me falou, foi bom ter-me
dito. Uma alma bem obediente e que deseja a santificação evita
até as mínimas coisas sem o consentimento de seus superiores,
mesmo que o regulamento não se oponha. Continue a caminhar
como vem fazendo. Não multiplique suas práticas. Seja apenas
fiel às que o bom Deus lhe inspirou, enquanto outro atrativo
não venha substituir os atuais.
Aceitar de boa vontade as restrições dos superiores
concernentes ao parlatório: ocasião de dominar o amor-próprio. Nada
de inquietações a respeito das confissões e comunhões passadas. É
preferível humilhar-se. A Irmã agora é ecônoma. Se a superiora
assume a maior parte dos negócios, felicitar-se por isso (L 178).
A Irmã: Pensava lhe pedir autorização para essas práticas,
enquanto eu viver. A senhora acredita que não as farei sempre?
58
A uma Irmã, em Aubin.
Villefranche, 30 de novembro de 1826.
Minha muito querida Irmã:
Penso que, em lugar de ficar triste por não ir ao parlatório,
deve considerar que é uma grande felicidade. Há coisa mais
desagradável para uma religiosa do que entreter-se com o
mundo? Aliás, não é o desgosto de estar proibida de falar com
as pessoas de fora, é o seu amor-próprio que ficou ferido, e
você sabe que nossa felicidade consiste em combatê-lo
generosamente. Quando nossos superiores nos ajudam nesse
trabalho, devemos nos alegrar. Quanto às faltas cometidas
contra a Madre, humilhe-se profundamente e dirija-se com toda
a confiança a Jesus obediente. Você terá paz e sossego à
medida que se tornar simples e obediente. Não deve se
perturbar com suas confissões e comunhões, mas humilhar-se
profundamente diante de Deus, reconhecendo não ter sido fiel
às inúmeras graças com as quais ele a cumulou. Prometa-lhe
reparar o passado e ser toda dele.
Quanto ao economato, eu a aconselho a fazer somente o
que a Madre julgar conveniente. Se ela quer encarregar-se de
uma parte do trabalho, melhor para você. Terá menos
responsabilidade e sua alma deve ficar numa grande paz, bem
inestimável, que lhe desejo de todo o coração. Vivamos
tranqüilamente no seio da Sagrada Família, onde tudo é paz,
A Madre: Certamente, minha Irmã. Acredito que chegará o
dia em que não terá mais necessidade de todos esses meios para
se unir a Deus e, quando chegar, não se perturbe nem pense
estar recuando. Previno-a porque poderia angustiar-se pensando
nada fazer, perder o tempo, porque não fará quase nenhum ato
concreto. Entretanto, estará em permanente estado de união
com Deus. Não sentirá nenhum atrativo para fazer algum ato
particular, senão à medida que Deus, pelo movimento interior
de sua graça, exigirá algum. E serão raros.
A Irmã: Madre, não compreendo bem o que me diz.
Acreditava ser necessário fazer muitos atos, pelo menos
interiores.
A Madre: É verdade. É necessário praticar muitos atos de
amor a Deus e outras virtudes. Isso é muito bom. Mas, para
algumas almas que Deus chama a unir-se intimamente a ele,
pede pouco e não lhes permite determinar nem o número, nem a
duração desses atos, nem onde devem ser feitos. Ele quer que
essas almas permaneçam numa disposição habitual de
corresponder a todas as inspirações de sua graça, sem jamais
olhar para trás, tentando ver o que já fizeram. Elas sonham tãosomente em progredir, fazer o que Deus quer.
A Irmã: Parece-me ser difícil de fazer.
A Madre: No início, sim. Mas quando se tomou uma boa
resolução de ser toda de Deus, de não mais resistir à voz de sua
258
graça, a dificuldade desaparece. Esse abandono à direção de
Deus é o que mais faz avançar uma alma na via da perfeição e o
que mais felicidade lhe proporciona.
A Irmã: Pode-se assim estar unida a Deus sem contenção de
espírito? Pode-se trabalhar bastante nesse estado?
A Madre: Certamente que se pode. O trabalho que então se
faz é mais perfeito e mais meritório, porque nele se infiltram
menos imperfeições. Deus o preside e o abençoa. Vemos isso
pelo exemplo que nos deram os santos. Ninguém trabalhou
mais que São Francisco Xavier. Entretanto, o autor de sua vida
nos diz que ele quase nunca perdia a santa presença de Deus.
São Vicente de Paulo e tantos outros faziam o mesmo. Com a
mão direita prendiam-se estreitamente a Deus e apenas com a
mão esquerda se prestavam às coisas exteriores. Essa mão
esquerda, abençoada por Deus que estava sempre ao lado deles,
duplicava o trabalho.
407
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 10 de setembro de 1826.
Minha caríssima Irmã:
Tudo o que você me diz em sua carta não deve desanimála, mas humilhá-la profundamente, pois com que finalidade
deixamos o mundo para vir a esta bendita solidão senão para
nos desapegar de nós mesmas?
Façamos esforços mais generosos, compenetremo-nos das
grandes obrigações que temos para com Deus, a fim de que,
sentindo bem o valor de nosso estado, comecemos a reproduzir
em todo o nosso comportamento as virtudes que eram
praticadas na humilde casa de Nazaré, sobretudo a doçura, a
humildade e uma total simplicidade.
É com o desejo de vê-la praticar perfeitamente essas
virtudes que sou, com verdadeira afeição, toda sua.
Irmã Emília.
A Irmã: Era muito cômodo. Queira me dizer como passa o
dia uma alma que vive no estado do qual falamos.
57
A Madre: Ela o passa mais simplesmente do que se pensa e
é essa simplicidade nas ações que a torna feliz. Ao levantar-se
pela manhã, oferece-se ao bom Deus a quem ama de todo o
coração, para fazer e sofrer tudo quanto ele quiser e renova sua
promessa de ser em tudo fiel às inspirações de sua graça.
Caminha guiada por seu regulamento, pelas orientações de seus
superiores, de seu confessor, dos quais nunca se afasta
voluntariamente. Presta atenção à voz do Espírito Santo que
reside no interior de sua alma. Cumpre tão perfeitamente
quanto possível todos os seus deveres, nunca tomando seu
gosto ou seu desgosto como regra de conduta. Vindo a cair,
levanta-se e, sem perder a coragem, pune-se por suas faltas.
Não ignora ser esta vida um lugar de misérias no qual é
necessário que cada um tenha sua parte nos sofrimentos.
Resignada em tudo que Deus quiser dela, aceita a pena, a dor,
as faltas de consideração com uma espécie de indiferença,
ocupando-se apenas de uma única coisa que é cumprir a
Evitando os obstáculos provenientes do desânimo ou da
presunção, caminhar na imitação de Jesus manso e humilde de
coração (L 176).
A uma aspirante.
Villefranche, 13 de setembro de 1826.
Minha querida jovem:
Não foi possível dar o seu recado. Há quatro dias nosso
Superior está ausente. Farei isso com grande prazer logo que ele
voltar, assim como o que você pede junto às nossas Irmãs. Por
sua vez, seja fervorosa e fiel à graça, agindo por Deus. Viva na
mortificação interior, não consentindo em nenhum pensamento
que possa fazê-la cair no desânimo nem na presunção. Busque a
vontade de Deus e seja fiel em cumpri-la. Que Jesus manso e
humilde de coração seja seu modelo. Imitando-o é que
encontrará a verdadeira paz da alma.
259
406
vontade de Deus, e pouco lhe importa de que maneira ela será
cumprida.
55
Madre Emília comunica à comunidade de Aubin a nomeação de
uma nova superiora. Convicta de suas excelentes disposições, pede
que uma inteira docilidade das Irmãs lhe facilite a tarefa (L 166, M
77-78).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 28 de julho de 1826.
J.M.J.
Minhas muito queridas Irmãs:
Quis o bom Deus transferir a pessoa da qual se servia para
dirigi-las. Estou convencida de que o mais inteiro abandono à
vontade divina é seu desejo e que, vendo apenas a Deus naquela
que as dirigirá, ela encontrará em todas vocês uma docilidade
de criança e a maior flexibilidade, que é o verdadeiro espírito
da Sagrada Família. Irmã Vincent,1 que, graças a Deus, tem
verdadeiro desejo de ser mais sua serva do que sua Madre, foi
eleita com a maioria dos votos. Amenizem quanto puderem,
minhas queridas Irmãs, a tarefa bem pesada que Deus lhe
impõe. Cabe a vocês tornar o seu fardo suave e leve. Tenho a
doce confiança de que o farão além das minhas esperanças, pois
é assim que atrairão sobre vocês as graças mais especiais e os
olhares de ternura do santo Esposo de suas almas.
Sou toda de vocês.
Irmã Emília.
56
A solidão da vida religiosa deve, definitivamente, conduzir ao
esquecimento de si mesmo. Contemplar na casa de Nazaré a
realização do ideal que ela aponta (L 175).
A Irmã: É um estado de perfeição. A senhora crê que nossas
Irmãs, dando aula o dia todo, possam ser tão vigilantes sobre si
mesmas, manter-se sempre na presença de Deus?
A Madre: Existem almas a quem Deus não chama a tão
íntima união com ele, mas a maior parte das religiosas a isso
são chamadas. Se não o conseguem é por culpa própria. É
possível manter-se unida a Deus, viver em sua presença quando
se dá aula, como quando se faz qualquer outro trabalho. A
instrução que se dá às crianças sob o olhar de Deus lhes é mil
vezes mais proveitoso do que deixar-se guiar por si mesma. As
crianças logo percebem qual espírito move sua mestra. Se
notam nela uma forte base de piedade, uma forte dose do
espírito de Deus, concebem uma estima toda especial por essa
religiosa e jamais a impressão de sua conduta se apagará de sua
memória. Tornando-se mães de família, transmitirão a seus
filhos quanto sua mestra era doce, boa, caridosa. Elas lhes
mostrarão como ela rezava, qual a sua postura no lugar santo,
como lhes inspirava horror à vaidade, à preguiça e ao pecado.
Seu nome, sua lembrança serão um bálsamo precioso ao
coração dessas felizes mães, pois podem ser chamadas de
felizes por terem vivido em sua infância com uma pessoa unida
a Deus.47
A Irmã: Existem muitas religiosas que não são tão unidas a
Deus e que, entretanto, fazem muito bem. Suas aulas são muito
proveitosas.
A Madre: O bem que fazem as almas que não são unidas a
Deus é mais exterior que interior, mais aparente que sólido
(inacabado).
260
405
26. Fragmentos de algumas conversas a respeito da oração
(D 131-138; nº 63)
Deste conjunto um pouco original (o caderno manuscrito diz
expressamente: “eles aconteceram em épocas diversas”, mas levam a
supor, sem o afirmar, uma mesma interlocutora, sem muita certeza),
retenhamos os dados característicos seguintes: Madre Emília
recomenda levar para a oração muita espontaneidade, simplicidade,
docilidade, disponibilidade. Ela mostra como o espetáculo da natureza
pode ajudar a encontrar a Deus intimamente. Encara ainda a
eventualidade de períodos mais passivos e contemplativos que
qualificam intrinsecamente, sem mudar a natureza, a meditação dos
mistérios evangélicos. Mestre de seus dons, Deus pode comunicar, em
todo tempo e em todo lugar, luzes e fervores à alma autenticamente
receptiva. Por fim, põe em ação critérios tradicionais de discernimento
e de direção a propósito de uma “visão” que julga suspeita.
A Madre: Minha Irmã, você não fará retiro este ano.
A Irmã: Está bem, Madre, farei como quiser. Sinto-me
contente fazendo sua vontade. Procurarei colocar-me na
disposição em que se encontra Irmã N. Acredito que isso me
será tão proveitoso quanto um retiro.
A Madre: E como faz a Irmã N.?
A Irmã: Vive unida ao bom Deus e em estado de
recolhimento habitual. Penso que ela é sempre fiel à graça, que
recebe bem todos os contratempos que Deus lhe envia. Numa
palavra, parece existir um pequeno comércio entre ela e Deus.
Isso me apraz. Quisera ser assim.
A Madre: Você tem razão em pensar que esse estado será
mais proveitoso que um retiro. Oh! sim. Essa atenção constante
à voz de Deus será melhor que todos os retiros. Imite a Irmã N.
e Deus estará contente. Eis como passará seu tempo durante os
oito dias de retiro: durante as instruções, irá à cozinha ferver as
meios humanos com a firme convicção de que só ele pode
abençoá-los.
Saúdo-a no divino Coração de Jesus.
Irmã Emília.
54
Encorajamentos espirituais na doença: Nosso Senhor sofredor
está mais perto de nós, nossas orações lhe são mais agradáveis. Deus
abençoa a alma (L 161).
À uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 28 de junho de 1826.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
A Madre me escreveu que você está doente há algum
tempo, mas não me diz exatamente qual a sua doença e desejo
sabê-lo por você mesma. Compartilho seu sofrimento e
desejaria poder aliviá-la se, todavia, Deus assim o quiser, pois
estou convencida de que você prefere sofrer fazendo a vontade
dele a ter uma saúde perfeita. Na doença, tem a vantagem de se
unir a Jesus sofredor e um meio a mais de conhecê-lo e amá-lo.
Entregue-se totalmente a ele. Você já o fez, mas pode fazê-lo
mais perfeitamente. Na doença, ele está mais perto de nós e
nossas orações lhe são mais agradáveis. O santo amor se acende
mais facilmente em nossos corações e é esse o tempo da bênção
de Deus em nossa alma. Ocupe-se muitas vezes da Sagrada
Família e, ao rezar por você, faça-o também por mim, que sou
com terno afeto toda sua.
Irmã Emília.
404
fazer bem a ação de graças que não nos permita esquecer Jesus
Cristo após tê-lo recebido, mas nos recorde e nos faça conversar
com ele durante o dia, de maneira que nossa alma nos esteja
mais presente que de costume.1
Outra coisa a que precisamos prestar atenção é de nos
instruir bem sobre nossa santa religião. Aqui utilizamos alguns
meios para isso. Irmã N. poderia lhe dizer como fazemos no
noviciado, onde tudo é dirigido para o estudo da religião. As
Irmãs docentes se reúnem antes da santa Missa e dedicam um
certo tempo a se instruírem, quer lendo, quer conversando. Veja
se poderiam fazer assim todos os dias, ou em vários dias na
semana. Num Instituto em que fizemos voto de educar, tudo
deve ser dirigido para esse fim.
Tenho um grande respeito por M., a quem dedico um
particular afeto, tanto por causa de suas virtudes, quanto pela
memória de sua querida filha, nossa Irmã N. Compartilho de
seu sofrimento e quisera ter algo que pudesse causar-lhe prazer.
Envio-lhe alguns figos secos. Se você souber o que lhe pode ser
útil, diga-me. A relíquia que está no pequeno relicário que N.
lhe levou é das mais autênticas, é uma partícula do crânio de
São Luís, rei da França. Por conseguinte, é preciso considerá-la
como muito preciosa e respeitá-la.
Você me pergunta se fez bem em demonstrar confiança em
Pe. N. Nunca devemos demonstrar o que não sentimos. Assim,
antes de testemunhá-la era preciso senti-la. Não vejo nada que
pudesse impedir você de sentir essa confiança para com ele,
pois é natural pensar que um sacerdote respeitável como ele se
interesse pela sua casa e por lhe dar bons conselhos. Quanto a
tomá-lo como seu confessor extraordinário, acho que se
apressou um pouco. Receio que um pouco de prudência
humana tenha influenciado o pedido que lhe fez. Rezou e pediu
orações antes de tomá-lo como confessor? Aliás, nosso Pai
deveria ter sido consultado antes. Agora que já pediu, não deve
voltar atrás. Deve escrever ao nosso Pai dizendo o que fez e
pedir-lhe a aprovação.
Em sua carta, encontro alguma coisa na maneira de se
expressar que revela prudência humana. Devolvo-a para que a
releia e veja se essas seriam suas disposições. Coloquemos em
Deus e somente nele toda a nossa confiança. Utilizemos os
261
panelas e cuidar para que aí nenhuma criança entre. A presença
do fogo pode trazer-lhe mil bons pensamentos. Além disso,
você proporcionará a nossas Irmãs a vantagem de participarem
dos exercícios. Trabalhará para as esposas de Jesus Cristo. Isso
deve compensá-la. Após as instruções, irá ao quintal colher
frutas, feijões. Deus fala a seus amigos quando quer. Todos os
tempos e todos os lugares são próprios para isso. Assim, no
quintal como no coro, você pode rezar, unir-se a ele, escutar sua
voz. Apenas se mantenha recolhida, sem contenção de espírito.
Vá alegre e jovialmente ao bom Deus. Ele ama muito a
simplicidade infantil. Sim, ele se compraz com os pequenos,
com os humildes. Seja desse número.
A Irmã (dias depois): Madre, fiz como a senhora disse
durante o retiro. Senti-me tão calma, tão tranqüila!... Falava ao
bom Deus como a meu Pai, tudo quanto queria. A parábola do
filho pródigo me tocou muito. Vejo-me como esse filho. O bom
Deus me trata ainda melhor que o pai do pródigo. Sua ternura
vai além de tudo quanto eu poderia pensar. É porque cometi
muitos pecados que Deus é tão bom. Estou surpreendida ao ver
que se abaixa até a mim, permite-me ir a ele, falar-lhe como à
senhora. Permita-me relatar todos os pecados que tive a
infelicidade de cometer em minha vida. Verá como é grande a
misericórdia de Deus.
A Madre: Permito-lhe fazer essa confissão. (A Irmã o faz.)
Minha pobre Irmã, a misericórdia de Deus a seu respeito é
muito tocante. Ele é um pai e um terno pai para você. Ame-o
muito. Apegue-se fortemente. Ame-o porque ele a ama. Deus é
bom. Oh! Sim, ele é bom!...Como é liberal!... Não nos trata
como mercenárias!... Você pecou muito e é por isso que Deus a
ama. Ele esquece sua ingratidão para lembrar-se apenas da
misericórdia dele. Constatamos bastante em nossos santos
livros que é sobre os pecadores, sobre as almas que mais lhe
custaram, que ele expande suas liberalidades, suas graças em
profusão. Observe Davi em seus salmos: “O Senhor me
perdoará, Senhor, meu pecado porque ele é grande.”48 Porque é
grande. Compreende? Existem almas bem inocentes, bem
menos culpadas que você e, entretanto, não experimentaram
262
nada dessa felicidade da qual me fala. São tratadas de maneira
bem diferente. Não esqueça seus pecados, continue a chorá-los,
faça as suas ações em espírito de penitência. Veja sempre no
bom Deus um terno pai.
É sob esse emblema que quer vê-la chegar até ele:
humildade, simplicidade, confiança e amor. Eis o caminho a
tomar sem se desviar de si mesma. Seja bem fiel à graça. Aí
está o ponto mais importante para você. As inspirações divinas
são a voz de Deus que fala ao nosso coração. Jamais resista
voluntariamente à graça. O demônio vai lhe armar ciladas
desconhecidas, eis porque lhe recomendo vir ter comigo com
freqüência. Venha cada vez que o pensamento voltar. Se esse
pensamento voltar cada dia e várias vezes ao dia, venha sem
hesitar. Quando eu era jovem, Pe. Marty me fez a mesma
recomendação. Fui fiel, senti-me muito bem. É um momento
crítico, você tem necessidade de que eu forme seu julgamento e
lhe ensine muita coisa que ignora. Venha, eu lhe recomendo,
não fale a ninguém do que se passa em sua alma Nem de mim,
nem do que lhe digo. Procure conciliar a isso sua conduta e seja
obediente. Não irá mais à conferência do noviciado. Eu mesma
a dirigirei.
A Irmã: Gosto de escutar e de falar com a senhora, mas não
ousarei vir procurá-la cada dia. Que pensariam nossas Irmãs?
A Madre: Que pensarão nossas Irmãs, isso deve lhe importar
pouco. Pensarão o que quiserem. Faça o que lhe digo. Ficará
inquieta ouvindo dizer que a estimo mais que às outras, que me
vem trazer histórias. Disseram isso da Irmã X. Não era verdade,
ela o suportou. Será necessário fazer o mesmo, caso isso
aconteça. Procuro fazer o bem às almas. Não a amo mais que as
outras, porém você tem necessidade de mais. É muito jovem,
não tem nenhuma experiência. Pensa ainda como se pensa no
mundo em muitos assuntos. Não vê as coisas da vida religiosa
sob seu verdadeiro ponto de vista. Aprecia ainda o que estimam
muitas religiosas imperfeitas e não aprecia bastante o que
merece. Sobre todos esses pontos nos quais talvez errasse, eu a
403
P.S. Aproxima-se a festa do Sagrado Coração. Que seja esse o
dia de entrarmos nele. É aí que poderemos aprender a ser
inteiramente de Jesus Cristo e dele só. Em seu divino Coração
estão encerrados os tesouros de suas infinitas misericórdias. O
meio dos meios é nos abandonarmos a Deus nesse refúgio
sagrado e inacessível a todos os golpes do inferno. É também
por esse Coração, que poderemos agradecer a Deus sua imensa
bondade. Deixo-a nessa feliz morada. Aí você aprenderá esta
santa indiferença, objeto de seus desejos.1
53
Na recepção da Eucaristia, reagir contra a rotina que ameaça
facilmente a vida religiosa. Interesse pelo aperfeiçoamento da
instrução religiosa das Irmãs, particularmente das mais jovens. A
respeito de um problema bem concreto: cautela contra o excesso de
"prudência humana" (L 157).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 14 de maio de 1826.
Minha muito querida Irmã:
Veio-me ao pensamento dizer-lhe que preste particular
atenção às comunhões das Irmãs, de forma que, como dizem as
Constituições, elas as façam de maneira frutuosa. Para isso,
peça muitas vezes as luzes do Espírito Santo. Parece-me que é o
assunto para o qual a superiora tem mais necessidade dessas
luzes. Procuremos todas ter uma profunda consciência desse
celeste alimento. Em geral, as religiosas não são bastante
compenetradas do valor da sagrada comunhão, da sua
importância, das grandes obrigações que ela nos impõe.
Corremos o risco, e muitas vezes nos acontece, de comungar
algumas vezes por semana sem pensar que uma comunhão
freqüente deve ser seguida da correção dos defeitos, bem como
de generosidade e de fervor na prática das virtudes da
mortificação, humildade, obediência e recolhimento.
Precisamos preparar-nos bem para receber esse pão divino e
402
263
vezes um pouco do Livre d’Or. Gostei de saber que está
fazendo flores e que isso lhe rende alguma coisa.
Dê-me notícias de sua saúde.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
52
Simplificar as relações com os superiores, ao prestar contas da
consciência. Não acreditar facilmente que os enganamos. Eles terão a
graça para deduzir. Premente exortação à confiança para com o
Sagrado Coração (L 154).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 17 de abril de 1826.
Minha caríssima Irmã:
Quanto à idéia que a preocupa de que você engana seus
superiores, pode ficar tranqüila. Não receie isso, pois o bom
Deus lhes dará bastante luz para conhecer o íntimo de sua alma.
Não pense também que eles tenham maior estima por você ao
vê-la violentamente tentada. As tentações não são coisas boas;
devem, pelo contrário, nos humilhar profundamente, e Deus só
as permite para nos instruir sobre a nossa tendência ao mal e
para tornar nossa vontade submissa à dele na pessoa daqueles
que escolheu para representá-lo. Não deve levar em conta a
repugnância que poderá experimentar algumas vezes ao lhes
abrir sua alma. Vá com a simplicidade de uma criança, mas
evite, ao falar de si mesma, debruçar-se sobre seus problemas.
Evite a prolixidade e não deseje que lhe digam muitas palavras.
No que diz respeito à sua vida passada, não se aflija, entreguese inteiramente à misericórdia divina. O mais perfeito, o mais
inteiro abandono deve ser seu prêmio. Deixe o desejo de se dar
a conhecer mais intimamente a seus superiores até a chegada do
nosso Pai em Aubin. Ele prometeu ir logo. Então, você lhe dirá
tudo o que se passa em seu íntimo e fará o que ele quiser.
Saúdo-a bem afetuosamente e sou toda sua.
Irmã Emília.
esclarecerei. É sobretudo com relação às disposições da alma
que precisa ser bem dirigida. Vamos, você se fortalecerá.
A Irmã: Madre, não consigo fazer a meditação sem
interrupção. Tenho sempre alguma coisa a dizer ao bom Deus
quando estou meditando. Estou sempre pedindo que me torne
fervorosa, que me dê seu amor. Quando fui infiel à graça, não
perco a coragem. Peço-lhe perdão todo o tempo da oração.
Posso continuar assim?
A Madre: Não somente pode, mas deve. A oração é uma
conversa da alma com Deus. Lê-se um ponto, apenas para
ajudar a alma a fazer os colóquios. Se durante a meditação se
atinge a finalidade proposta pela leitura do ponto e pelas
reflexões, deve-se seguir seu atrativo. Continue como está
fazendo. Deus a quer simples. Não se desvie desse caminho
para refletir. Evite toda curiosidade, seja sobre si mesma, seja
sobre os outros. Caminhe na via da obediência como entre duas
muralhas, sem se desviar nem para a direita, nem para a
esquerda, e verá que agradará a Deus. Quando foi infiel, poderá
empregar a oração para se humilhar, pedir perdão a Deus. Que
podemos fazer de melhor durante esse exercício do que pedir
perdão de nossos pecados, humilhar-nos diante de Deus! Aí
está uma boa meditação. Recomendo-lhe ler atentamente a vida
de Jesus Cristo. Isto lhe fará muito bem.
A Irmã: Madre, desde que comecei a fazer a leitura no santo
Evangelho, comecei a conhecer um pouco mais Nosso Senhor,
amo-o mais, sinto prazer em ouvi-lo falar, agir. Como ele devia
ser amável!... Na meditação, quando se lê um ponto sobre a
vida pública de Jesus, tenho a impressão de vê-lo. Sinto prazer
em olhá-lo. Penso nisso o tempo todo. Tenho medo de perdê-lo
e temo ser a preguiça que me faça permanecer tão tranqüila.
A Madre: Não se perde o tempo contemplando a humanidade
sagrada de Nosso Senhor. Faz-se a meditação sem nada dizer
interiormente, como se estivesse falando. Uma figura de Cristo,
uma imagem piedosa, pode levar-nos a isso. Você não fala, mas
os exemplos do Salvador lhe falam. Se você contempla seu
264
Corpo Sagrado, diz a si mesma: Ah! como uma pessoa séria,
doce, modesta, unida a Deus como nosso Salvador, é amável,
leva ao bem, à virtude. Isso lhe dá, sem que o perceba, o desejo
de ser assim. Essa caridade que brilha em todos os atos desse
bom Mestre ensina-a a ser caridosa, doce, boa. A maneira cheia
de doçura com a qual ele trata, instrui os apóstolos e o povo,
ensina-a como deve instruir, suportar suas alunas, sobretudo as
de caráter difícil. Na contemplação dos mistérios da vida de
Nosso Senhor, é ele quem fala. Não se deve crer que se perde o
tempo fixando os olhos sobre esse modelo. Não, não é tempo
perdido. Entregue-se a esse exercício sem contenção de
espírito.
A Irmã: Madre, é necessário fazer sempre a preparação à
meditação? Muitas vezes sinto-me predisposta a meditar, ao
entrar no coro. Humilho-me um instante e depois começo.
A Madre: Quando nos sentimos predispostas a meditar desde
que entramos no coro para a oração, é preciso que nos
entreguemos a esse exercício sem outra preparação que um
simples ato de adoração, de humildade. A vigilância que
exercemos sobre nós mesmas durante o dia, para nos
mantermos unidas a Deus, é uma excelente preparação. Se, às
vezes, é necessário tanto tempo para nos colocarmos na
presença de Deus, cativar o espírito antes da oração, é devido a
não estarmos recolhidas durante o dia. Quando, fazendo a
preparação à meditação composta por nosso Pe. Marty,
sentimos a alma emocionada, tocada por algumas palavras que
a compõem, como por exemplo: “Eis-me diante do Senhor, ó
meu Deus, pobre, despida de todo bem, carregada de dúvidas”,
ou então estas outras: “O Senhor liberta os cativos, sua luz
expulsa as mais espessas trevas”, é necessário parar e não
passar além, até que nos sintamos dispostas. Tudo consiste em
não perder tempo durante a meditação. Contanto que se ocupe
de Deus ou da salvação, é o suficiente.
Todas as almas não são conduzidas à oração pelo mesmo
caminho. Cada uma deve seguir seu atrativo, entregar-se a isso
sem procurar outra coisa. Nosso bem-aventurado Pai diz, em
401
Sem dúvida, minha querida Irmã, desde o início desta
Quaresma, você não deixou de entrar na solidão do seu coração
para acompanhar ao deserto nosso divino Salvador. Desejo que
se sinta tão retirada e tão silenciosa que ouça apenas a voz e a
linguagem do Esposo, pois você sabe que é somente no segredo
do retiro que ele fala no íntimo da alma fiel. Ele mesmo é seu
mestre, a ilumina e a instrui sobre tudo o que pode agradar ao
amor.1 Procure, pois, minha cara Irmã, não se fazer de surda,
mas, ao contrário, estar atenta ao que ele lhe disser, para depois
derramá-lo no coração de suas alunas. Adeus, minha querida
Irmã, eu a saúdo muito afetuosamente e sou toda sua.
Desculpe-me, minha muito querida Irmã, se não lhe
escrevo de próprio punho, estou muito ocupada. De outra vez
terei esse prazer.
Minhas lembranças a nossas queridas Irmãs. Todas daqui
lhes dizem tudo o que se pode dizer de afetuoso.
Irmã Emília.
51
Tender a uma confiança ilimitada, aproximar-se muitas vezes e
com alegria da Eucaristia, amar uma vida de humilde anonimato junto
ao Senhor (L 153).
À Irmã Anne-Régis, em Aubin.
Villefranche, 9 de abril de 1826.
Minha caríssima Irmã:
Uma doce confiança deve penetrar e encher sua alma. Só a
idéia de sua pertença à Sagrada Família deve inundá-la de santa
e deliciosa alegria. Embora não tenha muitas vezes a
oportunidade de se confessar, pode sem dificuldade comungar,
segundo seu costume. Faça-o com grande amor e com o
ardentíssimo desejo de se dar inteiramente àquele que nada
reservou para si. Que cada comunhão a faça crescer em sua
santa amizade, de tal maneira que, totalmente unida a ele, viva
unicamente para sua glória. O melhor meio para chegar a isso é
manter-se pequenina e bem humilde. Será bom ler algumas
400
265
Ano de 1826
49
Encorajamentos a alguém que, modestamente, confessou suas
faltas. Voltar sempre para junto da Família de Nazaré a fim de
adquirir algo do espírito de mansidão que a caracteriza (L 148).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 4 de janeiro de 1826.
Minha caríssima Irmã:
A confissão de suas faltas só pode me consolar, dando-me a
confiança de que lhe serão um auxílio para não mais cometêlas. Você deve detestá-las, tanto mais que o espírito da Sagrada
Família só respira paz, doçura e a mais perfeita caridade.
Vivamos, ajamos e respiremos na santa casa dessa Família que
é o objeto do nosso amor e da nossa imitação. É desejando-lhe
essa felicidade como para mim que eu sou, com o mais vivo
afeto, toda sua.
Irmã Emília.
50
No limiar da Quaresma, convite a um silêncio do coração que
libera todas as possibilidades de atenção à voz do Senhor (L 150, M
75-76).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 14 de fevereiro de 1826.
Minha muito querida Irmã:
nossas Constituições, que é preciso seguir, tanto quanto
possível, o ponto lido para a comunidade e, em geral,
conformar-se a essa recomendação. Entretanto, acredito que ele
disse isso tendo em vista as pessoas que perderiam o tempo se
não seguissem um plano de meditação, um ponto fixo,
meditando. Eis o que devemos fazer para entrar no espírito das
Constituições: escutar atentamente a leitura do ponto e depois,
se acontecer sentir que um outro assunto absorve todas as
afeições da alma, é bom não nos desviarmos, pois correríamos
o risco de perder o tempo.
A Irmã: Fazemos meditação contemplando a natureza? Ah!
como as obras de Deus são magníficas! Ontem à tarde, vários
pássaros cantavam perto do coro. Sentia-me feliz escutando-os.
Como desejaria ter a inocência deles e como eles cantar os
louvores de Deus. Na primavera, quando vejo as árvores
cobrindo-se de brotos, plantas surgindo da terra com um novo
frescor, nem posso lhe descrever o que sinto. Ah! como é bela a
natureza!
A Madre: Oh! sim, a natureza é bela, as obras de Deus são
magníficas. Fazemos a meditação ao admirar a bondade de
Deus numa obra tão admirável. Tudo prega, tudo aqui na terra
fala ao coração de uma alma recolhida e atenta. Você não perde
tempo escutando o canto dos pássaros, contemplando as árvores
que se cobrem de flores e frutos. No recreio, deve, muitas
vezes, conversar sobre o espetáculo da natureza e, como não
podemos sempre falar a Deus diretamente, falaremos
indiretamente. Reúna três ou quatro jovens professas e vocês
lerão juntas, cada dia, durante uma meia hora o tratado sobre a
natureza,49 e disso falarão durante o recreio. Você sabe dos
cantos sobre esse assunto compostos por nosso bem-aventurado
Padre? É preciso aprendê-los: “Deus por quem tudo respira”,
eis um que é belo. Aprenda também no cântico da missão: “Ó
doce Providência”. Pe. Marty, durante as viagens, extasiava-se
vendo essa natureza tão bela, sobretudo na primavera e durante
o verão. Não sei como é possível que nos voltemos tantas vezes
sobre nós mesmas, quando tudo impulsiona a nos elevar a
Deus. Viu a ovelha que trouxeram com seu cordeirinho?... Que
266
doçura! Que inocência! Gostaria que todas as Irmãs a vissem.
Se tivéssemos essa doçura, essa inocência, como seríamos
felizes! Vamos, ame o bom Deus e aproveite de tudo para se
elevar até ele.
A Irmã: Madre, às vezes sentimos muita felicidade no
serviço de Deus. Isso nos tira o gosto por todo o resto. Como
será no céu, se na terra Deus é tão bom!
399
recolhimento, de beber com abundância nessa fonte deliciosa.
Aconselho-as, para reanimar sua piedade, a ler com atenção o
capítulo 4 do livro 4 da Imitação de Cristo.1
Irmã Emília.
( O final desta carta foi retirado.)
48
A Madre: É bem verdade que somos muito felizes. Jamais
teríamos ousado pretender, por nós mesmas, o insigne favor de
nos ligar tão estreitamente a Deus. Ele a faz compreender um
pouco a felicidade que reserva a suas esposas fiéis. Se tudo a
aborrece, é preciso suportar esse aborrecimento e a privação de
gozar continuamente de Deus em espírito de penitência, com
resignação à sua santa vontade, lembrando-se de que as filhas
de Eva gemem por causa dos aborrecimentos e amarguras desta
vida. A alma que uma vez compreendeu quanto o Senhor é
bom, suspira depois pelo fim de seu exílio. O comer a aborrece,
o dormir a fatiga, os embaraços e os afazeres do mundo a
deixam acabrunhada, os prazeres da terra lhe são insípidos, tudo
quanto não é seu bem-amado se torna um peso. Ela exclama:
“Quem me livrará deste corpo de pecado! Quando será, ó meu
Deus, que não me recordarei senão do Senhor? Quando gozarei
de uma plena alegria no Senhor? Quando serei desembaraçada
de todo obstáculo numa verdadeira liberdade? Quando virá essa
paz sólida, essa paz inalterável, essa paz interna e externa, essa
paz que nada poderá alterar?” A alma fervorosa suspira assim
pela morada eterna, porque aqui ela não vê seu Deus e teme
porque ainda pode pecar. Nesse caso é permitido suspirar pela
eternidade.
(Muitas vezes, quando se encontrava com Madre Emília
para comunicar suas disposições interiores, ela repetia alguns
versículos da Imitação, que sabia de cor.) Leia os capítulos 48 e
49 do terceiro livro da Imitação de Cristo. Aí você verá como a
alma fala a Deus a respeito do que lhe digo. Eu lhe aconselho
muito a leitura da Imitação de Cristo. Será para você muito
proveitoso ler um capítulo cada dia. Decore alguns salmos. O
Permanecer vigilante e fiel no cumprimento do seu dever de
estado e na pureza do coração (L 144).
À Irmã Thérèse, suplente em Aubin.
Villefranche, 10 de dezembro de 1825.
Minha muito querida Irmã:
Não poupemos nosso esforço para vigiar, não deixemos a
sentinela adormecer. A fortaleza merece e o general promete
seu fervor à nossa vigilância. Não deponhamos as armas.
Permaneçamos firmes, e as forças não nos faltarão. Segundo
sua carta, vejo que tudo vai bem. Estou muito contente com a
atitude que tomou junto às Irmãs. Seja fiel em conservá-la pela
mansidão e pelo espírito de reconhecimento com que receberá
sugestões delas.
Afaste cuidadosamente os vãos pensamentos: seu espírito e
seu trabalho pertencem a seu Esposo. Alegre-se por lhe
pertencer, alegre-se ainda pela duração e indissolubilidade dos
sagrados laços que a unem a ele.
Sou toda sua, minha querida Irmã e, ao mesmo tempo,
minha filha muito amada.
Irmã Emília.
398
267
47
Associar-se do melhor possível, qualquer que seja a aridez
experimentada, às disposições da Virgem Maria na sua Apresentação
ao Templo. Crescer na caridade, sobretudo pela receptividade às
graças que o sacrifício e a comunhão eucarística proporcionam (L
142, M 71-72).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 18 de novembro de 1825.
Minhas muito queridas Irmãs:
Depois de amanhã festejaremos nossa boa Mãe.
Consideremo-la ao pé do santo altar, dedicando-se a Deus e se
consagrando a ele sem reservas. Como essa hóstia era pura,
como era agradável ao Deus três vezes santo! Unamos a
oferenda de nós mesmas à da divina Pastora. Assim como ela,
demos tudo a Deus. Não temos um coração, como o dessa
puríssima Virgem, consumindo-se nas chamas do mais puro
amor, mas não deixemos de oferecê-lo, por pobre que seja.
Deus é todo poderoso, ele o enriquecerá e lhe derreterá o gelo,
ele nos encherá com a dedicação que estava no coração de
Maria. Amemos, minhas queridas Irmãs, sirvamo-nos de todos
os meios capazes de estimular em nós a prática da caridade e
sejamos penetradas de gratidão por nos serem concedidos com
tanta abundância. Procuremos, sobretudo, participar do santo
sacrifício da Missa com particular devoção. Consideremos aí
Jesus como sacerdote e como vítima e peçamos ao Espírito
Santo que nos dê a compreensão desse grande sacrifício.
Deliciemo-nos ainda ao pensar nesse divino alimento com que a
infinita bondade de Deus se apraz em nos saciar tantas vezes e
façamos a comunhão sacramental ou espiritual com todo o
fervor possível. Como não nos tornarmos fervorosas
participando assim da santa Missa e recebendo nosso Deus com
vivo desejo! Tomemos, pois, hoje, a firme resolução de
aproveitar melhor do que fizemos até agora, desse abundante
meio de salvação e de estar em condições, pelo nosso
que lhe convém no momento é o Salmo 23: “O Senhor é meu
Pastor, nada me faltará! Ele me colocou em excelentes
pastagens.” Como essas palavras são belas, confiantes! O
Senhor, Pastor! O próprio Nosso Senhor, após Davi, repetiu em
seu Evangelho: “Eu sou o Bom Pastor. Sou o Pastor que dá a
vida por suas ovelhas.” Nada me faltará. Ele me colocou em
excelentes pastagens", diz o salmista. Essas palavras caem bem
para nós. Estamos bem colocadas em excelentes pastagens. Ah!
como é grande nossa felicidade! Poderemos jamais testemunhar
a Deus toda a gratidão que lhe devemos pelo benefício da
vocação religiosa?
A Irmã: Madre, se durante a oração apenas recebêssemos as
luzes que Deus nos comunica, perderíamos tempo? Por
exemplo, compreenderemos que há um Deus. Tínhamos ouvido
falar disso antes, acreditávamos bastante, mas não o tínhamos
compreendido tão intimamente. Ficamos pasma, sem nada
dizer. De outra vez, descobrimos a vaidade das coisas da terra,
quanto elas pouco merecem nossa afeição. Ficamos comovida
com o mistério da Redenção, do amor de Deus. Às vezes, nós
nos sentimos perto de Deus, sentimo-nos feliz, mas nada
fizemos. Temo que a preguiça esteja numa meditação tranqüila.
A Madre: Esse estado de clareza é uma graça de Deus. É
preciso recebê-la com humildade. Você faz a meditação ficando
ali perfeitamente tranqüila, sem nada dizer. É o bom Deus
quem age e não você. Quanto mais recebemos, tanto mais
somos devedor. Se o bom Deus lhe dá a graça de compreender,
ele lhe pedirá conta das graças recebidas e do proveito que
delas tirou. Ele lhe pede mais que a qualquer outra. É
necessário que uma constante fidelidade à graça, uma
humildade profunda sejam o fundamento do edifício de sua
perfeição. Humildade, humildade em tudo e sempre. Humildade
em seus pensamentos, em suas palavras, em suas ações, em sua
maneira de agir. Humildade sempre e em toda a sua conduta.
Seja fiel à inspiração da graça, nunca resista às moções do
Espírito Santo, as quais levam a suspirar por Deus, a procurar
somente a ele, a desprezar a terra, a mortificar a natureza, a
268
manter a carne sempre submissa ao espírito. Se você abusasse
das graças preciosas que o bom Deus lhe concede, talvez ele lhe
permitisse cair numa cegueira deplorável. Eis por que tema
sempre, permaneça na humilhação, estime viver no último
lugar, servir suas Irmãs. Recomendo-lhe particularmente evitar
a curiosidade em assuntos espirituais. Isso lhe faria um grande
mal. Não leia senão os livros que eu lhe indicar. O que mais lhe
convém no presente são: Les fondements de la vie spirituelle de
Padre Surin, da Companhia de Jesus.50 Não fale a ninguém do
que se passa em sua alma. Venha me consultar todas as vezes
que quiser. Vá simplesmente ao bom Deus, mas evite toda
curiosidade, como acabo de lhe dizer. Seja fiel à graça,
mantenha-se sempre pequenina, abaixo de todo mundo.
A Irmã: Madre, recebo luzes particulares enquanto dou aula
e durante os recreios. Sinto-me constrangida vendo que não
posso conter em mim mesma o que experimento e que por isso
recebo alguns elogios.
A Madre: Qualquer tempo e qualquer lugar são próprios
para Deus operar numa alma. Não se admire de encontrar na
classe, no recreio e em qualquer outro lugar a luz divina. Isso
não é novidade, mas não se apegue a esses favores. O sol não
estará sempre no seu apogeu. Quanto ao que lhe podem dizer,
não preste atenção. Hoje será louvada, amanhã será censurada.
Você teme que isto a faça orgulhosa. Não vê que tais graças não
lhe pertencem, que é a bondade de Deus descendo assim até
você? Oh! meu Deus, onde encontraremos em nós mesmas um
motivo para nos elevarmos, enquanto temos tantos para nos
humilharmos? Você não vale mais quando a louvam do que
quando a criticam. Quando Deus a favorece do que quando
permite que seja atormentada em todos os sentidos. Fale pouco
de si mesma. Às vezes cito pequenas coisas que me
aconteceram porque agora não temo a vaidade. Sei que o que é
bom não é meu, mas de Deus. Eu lhe falo como se tivesse
acontecido a uma outra, para sua experiência. Outrora eu me
abstinha. Eu a autorizo a falar algumas vezes às postulantes, às
noviças, quando elas se sentem provadas por tentações,
dificuldades pelas quais você passou, para encorajá-las.
397
46
Diretrizes gerais a uma superiora sobre a maneira de conceder ou
recusar dispensas às religiosas (L 140).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 2 de novembro de 1825.
Minha caríssima Irmã:
Quanto às dispensas das quais alguma Irmã precisa, há
algumas que eu deixo livres e outras às quais eu digo: "Façam".
Não podemos impor normas sobre isso. Depende do caráter, da
inclinação e da necessidade maior ou menor das Irmãs a quem
aconselhamos. Mas, em geral, quando percebemos que a pessoa
a quem são oferecidos alguns cuidados tem - apesar da recusa
que ela faz dos mesmos - um secreto desejo de que insistamos
com ela e quase a obriguemos a aceitar alguma dispensa, é bom
dizer-lhe que a aceite, mesmo se ela tem pouca necessidade.
Acrescento ainda: mesmo se a necessidade estiver apenas na
imaginação, porque é preciso contentar os espíritos, na medida
do possível. Penso que aquelas das quais você me fala têm
necessidade desse repouso. Quanto a você, penso a mesma
coisa: está se cansando e seu temperamento é delicado. Proceda
com simplicidade e não tema permitir-se o que lhe é necessário.
Aliás, poderia se fazer servir, por um certo tempo, como as
doentes e depois, quando julgar não ser mais necessário, voltar
ao seu ritmo normal.
Eu a saúdo muito afetuosamente e envio lembranças a
todas as nossas queridas Irmãs.
Irmã Emília.
396
269
45
Acalmar a agressividade contra si mesma, colocar em tudo mais
amor. Evitar as longas conversas, mesmo com as "responsáveis", além
do estrito necessário (L 138).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 5 de outubro de 1825.
J.M.J.
Minha caríssima Irmã:
Penso que está se censurando demais. Creia-me, mantenha
seu espírito e seu coração com suavidade, assim terá mais
proveito.1 Ame o bom Mestre, pois amar é o remédio para tudo.
Pense pouco, fale pouco e faça tudo do melhor modo possível.
Estou muito satisfeita em saber que minha carta coletiva lhes
tenha servido. Penso que o excesso de palavras prejudica
extremamente. Um assunto que não podia estar naquela carta e,
no entanto, é essencial, é evitar falar mesmo sob pretexto de
fazer o bem. Por exemplo, você com Irmã N. deve ser o mais
sucinta possível. Se se habituassem a conversar do que se refere
a casa, seria um nunca terminar e perderiam muito tempo. Aqui,
não falamos nada ou quase nada com Irmã N. nem com as
Irmãs do Conselho. Esperamos a segunda-feira e ainda a
reunião do Conselho é curtíssima. Outrora, tínhamos o costume
de falar do que se passava na casa. Parecia-nos que isso era
bom, depois reconhecemos o contrário. Assim, aconselho-as a
falar muito pouco quando estiveram juntas. Nosso Pai diz que
onde há muitas palavras há pouco espírito de Deus. Faz algum
tempo, minha grande aplicação é diminuir o número de
palavras, quer sobre mim, quer sobre os outros. O que me causa
prazer é constatar que Deus iluminou nossas Irmãs sobre isso.
Eu ficarei muito grata se você comunicasse minha carta a
M., a quem saúdo.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
A Irmã: Minha Madre, ontem, durante o recreio,
experimentei um desses momentos nos quais não posso
encerrar dentro de mim o que sinto. Senti prazer que algumas
Irmãs o tivessem percebido. Ao tomar consciência dessa
vaidade, humilhei-me, mas isso me desgosta, e logo após penso
que, se tivesse tais tentações de orgulho, não ousaria dizê-las.
Elas me desagradam muito.
A Madre: É suficiente que alguma coisa a humilhe, custe a
dizer, para que deva ir contra si mesma. Não é obrigada a me
revelar todos os seus pensamentos, mas faz um ato de virtude.
Você é mais agradável a Deus falando do que calando.51 Não
faça uma montanha por causa de alguns pensamentos de
vaidade que lhe passam pelo espírito. Nada representam,
porque não consente neles. Aproveite a ocasião para se
humilhar e reconhecer que por si mesma é fraca, pequena e
incapaz de conservar os dons de Deus. Peça ao bom Deus para
ele mesmo conservar os dons que lhe dá. Não reflita sobre isso
e não tema o demônio. Não se abstenha de falar de Deus
durante o recreio por causa disso, nem de estimular, tanto
quanto possível, no coração das jovens professas, o amor pela
virtude e pela oração. Converse sempre com elas sobre coisas
espirituais. Mesmo se às vezes surgirem alguns pensamentos de
vaidade, não se aflija. O demônio poderia se aproveitar dessas
tentações para impedir que você, as jovens professas, as
noviças, se fizessem o bem, mutuamente, agradando a Deus por
meio de conversas aprazíveis. O que há de bom em nós não é
nosso, mas de Deus. Somos, entre suas mãos, vis instrumentos
e não outra coisa.
A Irmã: Madre, ontem à tarde, durante a meditação,
aconteceu-me alguma coisa que não ouso realmente lhe dizer:
estava em meu lugar, os olhos fechados, meditando sobre a
Paixão de Nosso Senhor, quando de repente vi, sem abrir os
olhos, mas de modo tão sensível como se estivesse de olhos
abertos, Nosso Senhor Jesus Cristo, Ecce homo. Isso durou
apenas alguns minutos. Eu o vi num estado deplorável. Não
pude continuar minha meditação. Senti-me perturbada, pois
395
270
nunca semelhante coisa me aconteceu. Apresso-me em vir lhe
dizer, porque penso que o demônio poderia fazer esse jogo
comigo. Quero muito amar o bom Deus, unir-me a ele, mas não
quero coisas extraordinárias, tenho medo delas.
A Madre: Penso ter sido o demônio que fez isto, porque
você ficou perturbada. Ordinariamente, quando Deus se revela
a uma alma, quando lhe concede algum favor especial, a alma o
reconhece e não tem medo. Fez muito bem em me dizer. Não
me esconda nada do que se passa em você, porque, se for
enganada, eu a farei reconhecer. Não pense no que se passou.
Despreze-o. Não aspire a coisas extraordinárias que Deus
concedeu a alguns de seus amigos mais íntimos. Religiosas da
Sagrada Família, somos chamadas a levar uma vida simples e
comum aos olhos dos homens, mas muito agradável a Deus.
Sem êxtases e arrebatamentos podemos chegar a uma elevada
santidade e nos manter intimamente unidas a Deus. Esse é o
caminho mais seguro, o menos sujeito a ilusões. Aspire a ser
sempre a última e a serva de suas Irmãs. Coloque-se sempre no
último lugar, goste de ser desconhecida, contada como nada.
Suporte com paciência o desprezo em que a deixarem. Não
tema a humilhação. Bem suportada, é a marca de uma sólida
virtude.
Santa Teresa é admirável em seus êxtases e não é imitável.
Porém, ela deve ser imitável em uma coisa que mostra a solidez
de sua virtude. Um dia, disseram-lhe que se comportava, sem
dúvida, como uma mulher que perdera o juízo, após ter sido
olhada durante muito tempo como visionária e elevada a
estados sublimes, reconhecidos depois como ilusórios. A santa
humildemente respondeu: "Têm razão. Temo mais que vocês
que seja assim.” Oh! como esta resposta anuncia a humildade!
tudo isso daqui para o retiro, ele será para nós um tempo de
bênçãos e a época das maiores graças.
Queira dizer à Irmã N. que procure acalmar e pacificar sua
alma tanto quanto possível, evitando toda preocupação consigo
mesma e anime a todas a praticarem uma obediência cega.
Como vai nossa sofredora Irmã N.? Ontem tivemos a dor de ver
sair Irmã N. Seus pais quiseram levá-la para casa. Reze por ela,
sua doença parece agravar-se sempre. Afetuosas lembranças a
todas as nossas queridas Irmãs. As daqui lhe dizem o mesmo.
Irmã Emília.
44
Lutar contra o amor-próprio, tomando sempre a contrapartida de
suas pretensões, com os olhos fixos em Jesus Cristo humilhado (L
137, M 69).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 22 de setembro de 1825.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Você se queixa do seu amor-próprio e tem razão, pois é um
cruel inimigo. É preciso, portanto, fazer-lhe uma guerra
contínua, não nos poupando em nada, indo generosamente ao
encontro do que nos contraria, evitando com cuidado atrair a
atenção dos outros, nunca falando de nós mesmas, a não ser
obrigadas pela necessidade, não refletindo sobre nosso eu que
tanto amamos e que, entretanto, é o maior obstáculo para nos
unir a Deus.1 O meio para fazer tudo isso é ter muitas vezes os
olhos fixos em nosso bom Salvador humilhado e aniquilado,
esforçando-nos para copiar esse divino modelo. É nele e para
ele que sou toda sua.
Irmã Emília.
394
271
43
Solidariedade nas provações, mas também algumas censuras por
julgamentos precipitados expressos numa carta. Exortação a preparar
o retiro anual na abnegação e espírito de fé, na recepção dos
sacramentos, etc. (L 135, M 63-64).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 22 de agosto de 1825.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Compreendo todos os seus sofrimentos e deles participo. É
preciso abraçar a cruz do nosso bom Mestre. É o verdadeiro
meio de encontrar a paz. Parece-me, pela sua carta, que ao falar
com os vigários você não estava bastante recolhida e humilde.
Se estivesse, não teria feito falsos julgamentos. Essa maneira de
pensar é bem temerária e pode lhe trazer um grande prejuízo.
Aconselho-a a fazer um exame sobre a falta de mortificação no
julgar. É possível que ele lhe dê a conhecer muitas faltas que
lhe passaram despercebidas.
Tenha confiança em Deus no que se refere ao confessor.
Talvez o sacerdote que lhes darão como vigário seja excelente.
Quanto ao seu irmão, tive a honra de vê-lo há pouco tempo.
Disse-me que era vigário e que tinha levado Rosette com ele. O
caçula está também com ele. Não é ainda sacerdote, mas o será
em breve. Um e outro me encarregam de lhe assegurar o desejo
que têm de ir visitá-la e que o farão logo que lhes seja possível.
Todos os seus estão com saúde.
Eis-nos, minha cara Irmã, bem próximas do nosso retiro
anual. Devemos fazer todo o possível para nos preparar e
preparar nossas Irmãs. A renovação bem feita dos votos deve
produzir um grande efeito na alma de uma religiosa. Rezemos
ao Espírito Santo para que nos ilumine e nos dê a conhecer toda
a importância de um retiro. Reanimemo-nos, invoquemos
Maria, renovemo-nos quanto ao valor do santo recolhimento,
do silêncio, da abnegação de nós mesmas, do espírito de fé,
sobretudo ao nos aproximarmos dos sacramentos. Se fizermos
27. Diálogo sobre a presença de Deus
(D 36-37; nº 17)
Uma religiosa anônima pergunta como poderá manter a
lembrança contínua do Senhor. Madre Emília responde que se trata da
lembrança de alguém que se ama... Mas, muito particularmente, uma
educadora considerará Jesus nas crianças a ela confiadas que teve a
idade delas, etc. Seu desinteresse e sua abnegação irão uni-la
efetivamente à maneira de agir de Nosso Senhor.
A Irmã: Madre, a senhora me tem recomendado muitas
vezes de me manter na presença de Deus. É durante todo o dia
que quer que eu tenha Jesus presente ou somente durante o
tempo da oração?
A Madre: Meu desejo é que você aspire a permanecer num
estado contínuo de união com Deus, mas sem nenhuma
contenção de espírito. Viva docemente sob seu olhar,
chamando-o em socorro nas dificuldades que encontrar,
agradecendo-lhe em todo tempo e em todo lugar pelos
contínuos benefícios que lhe concede.
A Irmã: Parece-me ser isto um pouco difícil quando
passamos quase o dia inteiro com as crianças.
A Madre: Não é tão difícil quanto pensa, quando amamos
bastante a Nosso Senhor. A lembrança de uma pessoa a quem
muito amamos, acompanha-nos por toda parte. Um amigo dessa
pessoa, uma imagem que o lembre, lhe é cara. Se seu coração se
volta inteiramente para Deus, para a sagrada humanidade de
Jesus Cristo, tudo a relembrará e você a terá presente cem vezes
ao dia. As crianças entregues a seus cuidados são o preço do
seu sangue, tesouro precioso do qual você é a guardiã. Nelas
você deve ver essa santa humanidade em sua juventude. Como
suas alunas, Jesus teve dez, doze, quatorze anos. Era cândido,
393
272
simples como suas pequenas, ocultando sua divindade sob uma
aparência comum. Não acha que sentimos felicidade vendo
Jesus criança em jovens de doze, quatorze, quinze anos?
A Irmã: Ainda não considerei Jesus nessas jovens, mas
experimento uma felicidade inexplicável, contemplando a
inocência e a candura expressas nessas jovens frontes. Isso me
dá um grande desejo de amar a Deus, de me tornar pura como
elas. Quanto é bela a jovem que ainda possui toda a sua
inocência aos quinze, dezessete, dezoito anos! Lastimo quando
as vejo deixar o convento para entrar no mundo. Nele se perde
tão rápido essa bela flor da inocência! Diga-me o que devo
fazer durante o dia para me manter na presença de Deus. É com
afinco que quero trabalhar para me tornar uma fervorosa
religiosa.
A Madre: Aja no espírito de Nosso Senhor, em união com
ele. Assim, você rezará. Una-se a Jesus em oração, procure
fazê-lo com o fervor que animava o divino Salvador quando
estava na terra. Se estiver dando aula, una-se a Jesus instruindo
seus apóstolos e o povo. Em relação a suas almas, conduza-se
como o fazia esse divino Salvador. Seja doce, boa, paciente,
procure como ele a glória de Deus, a salvação das almas.
Tomando as refeições, faça-o com pureza de intenção. Da
maneira como tomamos as refeições depende em grande parte o
recolhimento do dia. A sensualidade no beber e no comer leva à
dissipação, aos desabafos naturais, ao passo que a mortificação,
a modéstia nessas duas ações conservam o recolhimento, a
compunção. Que suas conversas no recreio sejam santas,
animadas pelo espírito de Deus. A boca fala da abundância do
coração. Se você ama a Deus, as coisas de Deus, sentirá prazer
em falar dele, de tudo quanto se refere à sua glória. Você sofre,
tem qualquer desgosto: una-se a Jesus sofrendo e agonizando
no Jardim das Oliveiras. Convido-a a ir todas as noites, a
exemplo de Santa Teresa, adormecer junto a Nosso Senhor
suando sangue e água em sua agonia.
mais intimamente a ele. É o que lhe peço de todo coração e sou,
com muita afeição, sua Madre muito dedicada.
42
Insistência sobre a temperança adquirida, se necessário, às custas
de uma mortificação discreta, porém generosa (L 131).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 14 de julho de 1825.
Peço-lhe recomendar às Irmãs a prática da temperança.
Que não dêem ouvidos às falsas razões da natureza que dela
pretendem desviá-las. Diga-lhes que lhes peço não irem mais
devagar em seus bons propósitos, mas seguirem fielmente as
inspirações da graça, para vencerem a natureza que tem muita
força e se revolta sem cessar. Esse combate é difícil e penoso.
Só alcançamos a vitória, fazendo-nos muita violência. Mas, se
tivermos a coragem de empreendê-lo e de prosseguir nele
generosamente, experimentaremos depois os deliciosos frutos
da vitória.
Encorajo as Irmãs que costumam merendar a fazê-lo
sobriamente e, por conseguinte, a não satisfazerem o apetite.
Peço-lhes prestar atenção, pois se não tendermos a uma
verdadeira mortificação e nos relaxar nesse ponto, nossa alma
se tornará fraca e teremos pouquíssima luz para fazer nosso
retiro e nenhuma força interior para aproveitar os conselhos que
nos serão dados e as inspirações da graça.
Irmã Emília.
392
273
Diga-lhe, em meu nome, de não a poupar. Ela pode puni-la
mandando reconhecer sua culpa, pedir perdão às pessoas
ofendidas ou beijar-lhes os pés, etc., ocupando-a em trabalhos
manuais, como lavar a louça, varrer, limpar os sanitários, etc.
Ela poderá ainda privá-la da santa comunhão, quando você se
entregar às inquietações e não submeter suas idéias às dela. A
comunhão freqüente não pode combinar com a falta de
fidelidade. Goste você ou não, é preciso cumprir seu dever.
Aliás, creio que a luz e a paz lhe serão dadas quando tiver feito
esforços para adquirir as virtudes, sobretudo a que lhe fará
submeter sua razão para obedecer cegamente. Desejo que me
escreva muitas vezes e me diga, com confiança infantil, suas
faltas e também suas vitórias.
Irmã Emília.
41
Por sua compaixão para com alguém que sofre, Madre Emília
estimula docemente a buscar motivos sobrenaturais de serenidade
pacificadora (L 129).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 31 de maio de 1825.
Minha caríssima Irmã:
Compartilho profundamente seus sofrimentos e gostaria de
poder amenizá-los, mas o que deve tornar seu estado menos
penoso é que, por ele, chegará a adquirir um grau de
semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo e merecerá um dia
participar de seu Reino. Não somos bem felizes, minha
caríssima Irmã, em poder conquistar o céu a esse preço?
Alegre-se, pois, em vez de se deixar dominar pela tristeza, e
faça com que sua tibieza seja apenas uma provação da qual não
tenha dado lugar por suas infidelidades.1 Redobre o seu fervor e
pertença inteiramente a esse bom Mestre que tanto a ama, e que
só permite os sofrimentos que está experimentando para uni-la
28. Como orientar sempre nossa vida para Deus
(B II 551-572)
Aqui e nas várias subseções seguintes, daremos um resumo da
obra do cônego E. Barthe: L'Esprit de la Révérende Mère Emilie
(Paris, 1863). Com grande liberdade, o autor justapõe passagens de
conferências, conversas individuais, depoimentos, etc., referindo-se a
um tema determinado. Certamente, ele sentia a mais sincera
admiração por Santa Emília e desejava, pelo que dependesse dele,
servir a seu Instituto e prolongar sua influência. Para isso, dispunha de
bons documentos e podia interrogar religiosas que viveram muitos
anos junto à fundadora. Entretanto, certamente “poliu” mais de uma
vez o estilo de suas fontes, sem para tanto alterá-las, como diz
claramente em seu curto prefácio.52
Como de costume, as orientações seguintes são ao mesmo tempo
afetivas e de tendência ascética bastante rigorosa: trata-se de criar
condições possíveis para uma comunicação respeitosa e familiar com
o Senhor. Porém, somente ele determinará as modalidades do dom
dele mesmo no íntimo dos corações. Como lhe acontece muitas vezes
M. Barthe introduz por algumas linhas de sua criação as citações de
Madre Emília.
A bússola permanece invariavelmente voltada para o pólo.
Da mesma forma, a atividade de nossa vida deveria
permanecer, sem cessar, voltada para Deus, de quem tudo nos
vem e tudo esperamos. Por ele e para ele só nós existimos. Para
Deus, que é como o pólo adorável onde nossos pensamentos,
nossos afetos, nossas palavras, todos os nossos atos deveriam
constantemente se orientar, em meio a tudo que poderia parecer
próprio a nos afastar dele. A bússola não conserva toda a
energia de sua orientação, mesmo sob a ação de uma força
contrária? Oh! se compreendêssemos bem esta verdade!
Madre Emília tinha recebido em alto grau a inteligência
dessa verdade e procurava comunicá-la ao coração de suas
filhas: “Saibam, minhas Irmãs, que nenhum de nossos atos, por
pequeno que seja, é indiferente aos olhos de Deus. A ele
pertencem, e Deus não pode abrir mão de nenhum de seus
direitos em prejuízo de sua glória. Nada, pois, é nem pode ser
274
indiferente. No momento em que alguma coisa não lhe é pelo
menos indiretamente oferecida, ela não responde à palavra de
São Paulo: “Quer comam, quer bebam, façam tudo para a glória
de Deus.”53 Mas se todo cristão deve agir para a glória de Deus,
mesmo em coisas tão simples como o beber e o comer, quanto
mais uma religiosa deve agir por Deus, deve viver em todas as
coisas por Deus e nada considerar como indiferente nos
menores detalhes de sua conduta! Façamo-lo, pois, com um
zelo incessante, lembrando-nos de que, quanto mais tivermos
orientado nossa vida para Deus, trabalhado, vivido por Deus
nas coisas aparentemente mais indiferentes, tanto mais teremos
adquirido méritos preciosos para o céu.”
Ela não se contentava em mostrar o dever. Ajudava a
cumpri-lo, indicando como meio feliz a união com o divino
Jesus nas diversas ações de sua vida mortal: “É suave unir
nosso coração ao do nosso bom Mestre, unir nossa vida à sua, e
essa prática é bem própria a nos fazer cumprir com perfeição o
grande dever de nos orientar para Deus em tudo. O divino
Salvador quis, por nosso amor, comer, beber, dormir, levantarse, trabalhar com suas mãos, conversar, rezar, ensinar, tornarse, por assim dizer, o Mestre de seus apóstolos, praticar a
pobreza, a obediência, suportar os sofrimentos morais, os
sofrimentos corporais e a própria morte. Que encorajamento e
que modelo para nós! Sigamo-lo, pois, passo a passo, e
fiquemos intimamente unidas a ele. Vocês estão rezando, por
exemplo, unam-se a Jesus que reza e ofereçam por vocês
mesmas, ao Pai celeste, seu recolhimento e seu fervor. Estão
dando aula, unam-se a Jesus instruindo o povo e mais
particularmente seus apóstolos. Ofereçam ao Pai celeste seu
zelo, sua paciência, sua caridade, sua doçura, a perfeição
sublime de suas intenções e procurem conduzir-se com suas
alunas assim como ele o fazia com seus discípulos.
Vocês estão à mesa, unam-se às refeições que ele quis
tomar em Nazaré, com a Santíssima Virgem e São José, ou
mesmo em outros lugares, imitando sua modéstia, sua
moderação no comer e no beber e oferecendo ao Pai celeste a
391
O que você me diz muito me satisfaz. Tenho confiança de
que este retiro terá sido para você, realmente, o feliz momento
das misericórdias do Senhor. Viva de abandono e de paz e,
acrescento, de humildade. Aquele que começou em você uma
boa obra vai continuá-la e aperfeiçoá-la para sua maior glória.
Mesmo que você recaia algumas vezes em suas antigas faltas,
não desanime, mas procure reerguer-se com um novo desejo de
ser inteiramente de Deus. Aceite a repreensão, peça a M. e
mesmo a N. que o façam. Quanto a esta última, penso que ela
não faz bem dizendo que deve voltar para cá. Não pensemos no
futuro (digo o mesmo a você; esteja certa de que não a
esquecerei e, se tiver oportunidade para sua volta, farei o
possível). Esse futuro não nos pertence, talvez tenhamos apenas
o dia de hoje. Faça o mesmo por N. Entregue isso à divina
Providência que conduz e rege tudo. O maior de todos os
negócios e, por assim dizer, o único, é amar. Seja essa nossa
incessante ocupação. Desejo-lhe esse bem como para mim
mesma e sou toda sua.
Irmã Emília.
40
Madre Emília compartilha das dificuldades de uma religiosa que
não se habitua em Aubin, mas lembra-lhe com firmeza vários meios
ascéticos a usar diante de certas repugnâncias superáveis (L 127).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 17 de maio de 1825.
Compartilho suas dificuldades e meu coração se ressente
vivamente delas. Falei sobre isso ao nosso Pai que quer fazê-la
voltar, se as coisas não mudarem. Será que vai nos forçar a
isso? Não fará o possível para pôr ordem em sua alma e curála? Parece-nos que os melhores remédios são prestar contas de
seu interior à Madre, pelo menos duas vezes na semana, e isso
simplesmente, sem rodeios, dizendo-lhe sobretudo suas
impaciências, tanto interiores como exteriores, aceitando com
docilidade as penitências que ela lhe der.
390
275
adorável pureza de intenção com a qual elevava
maravilhosamente bem a baixeza natural daquela ação.
38
Esclarecimento sobre a carta precedente: Madre Emília
nunca teve a intenção de "lisonjear" sua correspondente, mas
recomenda-lhe, hoje, raciocinar menos e agir mais (L 122).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 13 de abril de 1825.
Não falo de N. N. Você recebeu ultimamente uma carta
do Senhor N. Vamos à sua carta. Afirmo que se enganou ao
pensar que queria lisonjeá-la. Isso nunca me veio à mente.
Aliás, tal coisa não é do meu feitio. Fique certa de que eu vou
sempre muito reta e digo-lhe ainda que espero boas notícias de
sua vida interior. Dê-me essa consolação, dê-me a alegria de
pensar que você quer, de qualquer modo, ser o que deve ser.
Portanto, creia, é preciso não pensar, não raciocinar, mas agir.
A fidelidade à prática desse conselho lhe trará esta abertura,
esta unção interior que você se queixa de não possuir.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
39
A verdadeira humildade produz a vida no abandono e na paz.
Assim não seremos vítimas do desânimo, aceitaremos ser
repreendidas pelos outros, não nos inquietaremos com o futuro (L
125).
A uma Irmã de Aubin.
Estão no recreio. Jesus conversou com a sua Santíssima
Mãe, com seu pai adotivo, com seus discípulos; mas ele o fez
com uma perfeição encantadora para os próprios anjos que
disso eram testemunhas. Unam-se à suavidade, ao encanto
divino de sua palavra, à sua seriedade que excluía tudo o que
podia parecer brincadeira ou tristeza, e que irradiava em torno
dele o bom odor de todas as virtudes, e ofereçam ao Pai celeste
o mérito perfeito dessa divina conversação. Se 'a boca fala da
abundância do coração',54 o que devia sair do coração adorável
de Jesus conversando com os homens, senão o pensamento de
Deus, o zelo por Deus, o amor de Deus, a vida por Deus, por
Deus só? Ah! se nosso coração se parecesse um pouco com o
Coração de Jesus, o que sairia de nossa boca durante nossos
recreios? E quanto esse exercício de nosso dia religioso se
tornaria santificador para os outros e para nós mesmas!
Vocês têm sofrimentos (quem não os tem sobre a terra e
não seria lastimável para nós se nunca os tivéssemos?). Têm
sofrimentos morais, fadigas, dores no corpo a suportar, unam-se
a Jesus que tanto sofreu de toda maneira, que quis, de certo
modo, esgotar o cálice do sofrimento humano, e que fez tudo
isso com uma paciência tão admirável, uma tão prodigiosa
dedicação, um amor tão grande. Unam-se particularmente a
Jesus no Jardim das Oliveiras e nessa união encontrarão a seiva
divina que deve fazer produzir para todos os seus sofrimentos
frutos abundantes para o céu. Sobretudo, se tiverem insônias
penosas, que Jesus, vigiando e orando sob o peso de uma
tristeza mortal, seja seu recurso e sua consolação: Santa Teresa
ia todas as noites tomar seu repouso junto a seu bom Jesus
agonizante e suando sangue no Jardim do Getsêmani.
Villefranche, 11 de maio de 1825.
Minha caríssima Irmã:
Tenham cuidado todo particular em santificar seu levantar,
orientando, logo ao despertar, seu coração para o do seu bem-
276
389
amado Salvador, unindo-se às suas disposições admiráveis de
zelo, dedicação e amor para com seu Pai celeste. E à noite, que
seu sono se transforme numa prece por sua união a seu sono
que nunca interrompeu a oração incessante de sua adorável
humanidade.”55
Durante uma conversa particular com uma de suas filhas, a
Reverenda Madre insistia sobre a pureza de intenção com a
qual era preciso recrear e sobre a maneira de bem santificar esse
exercício prescrito pela Regra. Tendo-lhe dito a Irmã que, na
maioria das vezes, se encontrava com companheiras que
falavam do bom Deus, da perfeição e que gostava, sobretudo,
de se entreter com a Irmã encarregada da horta, acrescentara:
“Essa Irmã fala admiravelmente da vida de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Quando fico com ela, a hora do recreio parece durar
apenas um momento.” – “Oh! como esta Irmã ama o bom
Deus," – respondia Madre Emília! Fala pouco, mas, quando
abre a boca, vemos que sua memória é dona de um grande
tesouro. Que são todos os seus conhecimentos comparados com
os daquela boa Irmã?... Não me admiro de que seja mais
instruída do que muitas outras sobre a história de Nosso Senhor
e sobre a vida interior. Podemos aplicar-lhe as palavras do
divino Mestre: “ Eu te louvo, ó Pai, porque escondeste estas
coisas aos sábios e aos prudentes e as revelaste aos humildes.”56
“Deus se inclina para a alma que é humilde”,57 ele mesmo a
ensina, a esclarece a respeito de muitas coisas que os homens
em vão se esforçariam por lhe transmitir. Nossa Irmã
encarregada da horta é uma daquelas almas simples que vão
direto para Deus. Esteja com ela durante os recreios, sua
conversa fará bem à sua alma.
"Ah! minha Irmã, um recreio assim temperado, ao mesmo
tempo em que repousa o corpo, torna-se um santo exercício.
Algumas vezes pode ser até mais proveitoso que uma
conferência ou meditação. Por isso desejo muito que tal seja o
feliz condimento de nossos recreios: o amor de Deus, o
espetáculo da bela natureza, a vida de nosso Salvador, os
37
A corajosa confiança no Senhor a fará vencer as contradições que
surgem no dia a dia. Colocar muita simplicidade ao prestar contas de
sua alma, mesmo que não veja nisso utilidade (L 120).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 29 de março de 1825.
Minha caríssima Irmã:
Apesar de todos os seus defeitos, fraquezas e inquietações,
com confiança em Deus e coragem, fique certa da vitória sobre
si mesma e, com o passar do tempo, chegará a uma vitória total.
O maior de todos os meios é uma inteira obediência totalmente
simples. Se lhe peço detalhes freqüentes de sua conduta, não é
para dar uma lição de moral, nem para dar opinião no tocante a
isso. Deixo esse cuidado à Madre Agathe. Faço-o para o bem de
sua alma. E não se pergunte a si mesma: Por que nossa Madre
quer que eu lhe diga tudo? Contente-se em me dizer e nada
pensar.1 Não peço que suas cartas sejam bem organizadas,
pouco me importa que sejam rasuradas, mal escritas, com um
estilo descuidado. Que elas sejam apenas simples, como
costuma fazê-las. Eis tudo que desejo. Na sua primeira carta
que me chegar, talvez antes que esta seja enviada, espero
alguma vitória.
Sou toda sua.
Irmã Emília.
P.S. Ao receber cada uma de suas cartas, prometo fazer uma
visita a mais à divina Pastora, mas não me contentarei apenas
com isso, minha muito querida Irmã N.
Por bondade, diga à Irmã M. que não lhe escrevo esta tarde.
Que ela escreva ao nosso Pai sobre o assunto que tratou
comigo. Ela agirá segundo o parecer dele. Desejo a todas um
santo e alegre aleluia.
388
277
Ano de 1825
36
Novo elogio das virtudes "passivas", à luz do mistério de Natal;
insistente exortação a não se entregar a um remorso desgastante (L
116).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 23 de janeiro de 1825.
Minha caríssima Irmã:
Estou bem feliz em poder atender ao seu pedido. Você
deseja, sem dúvida, praticar as duas virtudes favoritas do
amabilíssimo Jesus, quero dizer: a doçura e a humildade. Ah!
minha cara Irmã, é ao pé do pobre berço que aprenderá essas
sublimes lições. Suplico-lhe, em nome do nosso Esposo
comum, não me esquecer junto a ele.
Envio-lhe a fórmula do terço que me pediu. Se as virtudes
que pede por esse terço nos são dadas de presente pela Sagrada
Família, somos verdadeiramente felizes e podemos, sem medo,
nos considerar suas filhas.
Parece-me que você se aflige e se alarma demais. Acrediteme, coloque a confiança em Deus e na lembrança de seus
benefícios no lugar de todos os seus pensamentos. Caminhe
tranqüilamente pelas sendas da Sagrada Família e não tema
coisa alguma. Quando perceber o amor-próprio em seu coração,
afaste-o e fique tranqüila. Com muito prazer, envio a imagem
da Virgem que me pede. Desejo que ela a contemple com seus
olhos maternos e a faça entrar no coração de seu divino Filho.
Irmã Emília.
socorros e as consolações que ele nos deixou na Santa Igreja, os
meios para avançarmos no caminho da perfeição. Não oferecem
eles um assunto inesgotável para piedosas conversas? Sem
dúvida, de modo algum me oponho a que nos distraiamos com
os jogos permitidos pela Regra, porém, devemos evitar o apego.
Eles devem ser oferecidos a Deus. Devemos jogar sob seu olhar
paterno e reservar-nos momentos para falar dele, de assuntos
edificantes. Lembrem-se de que uma alma que está cheia de
Deus, que está fortemente preocupada com a sua salvação, com
sua perfeição, quase não pode falar de outras coisas. Todo o
resto pouco lhe interessa. Por sua conversa, conhecemos de que
espírito é animada uma religiosa.”58
Em outra ocasião, uma Irmã vinha se queixar de não ter a
paz da alma. A Reverenda Madre aproveitou a ocasião para lhe
mostrar a importância de orientar-se sempre para Deus com
todo o coração, de não agir para com ele com uma ingrata
reserva: “Você se admira de não ter a paz da alma, minha cara
Irmã. Como poderia tê-la se não fizer tudo que Deus lhe pede?
Não digo que cometa um pecado não seguindo todos os
conselhos que lhe dou, mas, com certeza, não está isenta de
imperfeição, nem de ingratidão para com a bondade divina. Por
isso mesmo ela não a deixa tranqüila: você sofre e continuará a
sofrer enquanto não estiver correspondendo à graça que a
chama, até que tenha tomado a determinação de orientar toda a
sua vida para Deus. Não me diga que lhe proponho um caminho
perfeito demais: é Deus que lhe propõe. Por que entrou na vida
religiosa? Por que é religiosa da Sagrada Família? E o que é
que lhe peço que não seja conforme ao espírito de nossa Santa
Regra, de nosso querido Instituto?... Você ousaria dizer que lhe
peço demais? Santa Teresa, por exemplo, tinha todo o direito de
querer para suas filhas a perfeição que Deus pede das
carmelitas. E eu não posso, não devo querer para nossas Irmãs a
perfeição que Deus espera delas? Pois bem, é tudo que quero,
nem mais nem menos. Só quero a perfeição que nos foi
indicada por nosso Venerável Fundador, mas quero-a e em
você, de modo particular, a quem o Senhor concedeu tantas
graças e que parece ter medo de que seu reino se estenda
278
387
demais na sua alma: eu a quero para glória de Deus e para sua
felicidade.”59
A orientação contínua da vida para Deus, para a perfeição
que ele pede da alma religiosa exige esforços que devemos
encorajar e manter. Madre Emília ensinava que o melhor meio é
a fidelidade em se punir pelas menores faltas, à medida que são
cometidas: “Cair é um mal, mas seria pior não reconhecer a
culpa, não se levantar.” O importante mesmo é tirar o bem do
mal, como sempre faz a Providência e utilizar uma falta
cometida para fazer atos de virtude mais numerosos e mais
fervorosos. Que faz um bom soldado quando, na batalha, recebe
uma ferida? Permanece no chão? Não, ele se levanta
imediatamente, se puder, e reage combatendo com mais ardor.
É assim que devemos fazer no combate espiritual: quando por
infelicidade falhamos, precisamos nos levantar imediatamente,
voltar ao nosso dever com um novo ardor e reagir infligindo
uma penitência à nossa natureza má. Porém, é necessário
acompanhar essa penitência com um sincero pesar, uma oração
ardorosa, cheia de confiança e de amor. Eis um precioso meio
de atrair sobre nós os olhares misericordiosos do Senhor e a
graça de nos corrigir, de nos unir a ele mais intimamente.
“Se é útil nos impormos uma penitência após cada falta
cometida, é igualmente útil que haja proporção entre a
penitência e a falta. A uma falta pública que prejudicou nossas
Irmãs, deve corresponder uma penitência pública. Para uma
falta oculta da qual só Deus foi testemunha, a penitência deve
ser feita em segredo. E depois devemos tentar reparar o mal
impondo-nos atos contrários: se faltarmos ao silêncio, impornos durante o recreio calar algumas coisas das quais seria
permitido falar e, no resto do dia, aplicar-nos em guardar a
santa regra do silêncio com toda a perfeição possível. Para um
ato de vã curiosidade, punirmo-nos privando-nos de olhar, uma
ou duas vezes, coisas indiferentes. Se dissemos a uma Irmã
palavras pouco caridosas, pedimos-lhe desculpas, pedimos-lhe
humildemente perdão e o auxílio de suas preces. Caso
tenhamos dito alguma coisa sob o impulso do amor-próprio,
35
É contemplando no presépio o Senhor feito criança que
devemos adquirir as virtudes humildes e amáveis (L 114).
A uma Irmã de Aubin.
28 de dezembro de 1824.
J.M.J.
Suas cartas, minha caríssima Irmã, me causam um duplo
prazer: primeiro, porque recebo notícias de minha tão querida
filha; segundo, porque sei que ela é dócil e quer sê-lo para
sempre. Esse pensamento é bem consolador para uma mãe.
Permaneça sempre nessa boa disposição, faça-a crescer nestes
dias preciosos em que honramos um Deus menino, e que, por
nosso amor, se tornou tão pequenino. É ao pé do presépio que
devemos nos tornar mansas, humildes, simples e obedientes.
Agradeço-lhe por ter rezado por mim e, para testemunhar meu
reconhecimento, quero ir imediatamente ao presépio que nossa
Irmã M. armou e lá pedirei ao bom Jesus para fazer minha
caríssima Irmã N. toda sua, e não há dúvida de que serei
atendida, contanto que ponha em prática as boas disposições de
que me fala em sua carta.
Felicito-a por estar ensinando. É uma boa atividade.
Adeus, minha caríssima, deixo-a porque tenho várias cartas
a escrever. Todas as nossas Irmãs enviam afetuosas lembranças.
Irmã Emília
386
279
34
Confiança em Deus, entregando-se à ação de sua misericórdia.
Simplicidade, docilidade respeitosa para com a superiora local (L
109).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 26 de novembro de 1824.
Minha muito querida Irmã:
O melhor remédio, como o sabe muito bem, o melhor de
todos, é abandonar-se inteiramente e sem reservas nos braços e
no coração do mais terno dos Pais e humilhar-se profundamente
sob a ação de sua mão misericordiosa. A confiança infantil para
com a Madre será para você uma grande ajuda. Ao lhe prestar
contas de sua alma, evite usar expressões vivas e fortes, ser
prolixa e insistir sobre seus males interiores. Também não
deseje que ela lhe diga muitas coisas. Se você for simples como
uma criança, algumas palavras devem lhe bastar. Tenha para
com essa querida Madre o mais profundo respeito. Lembre-se
de que ela é o seu Jesus Cristo na terra. Deus medirá suas
graças pela obediência, pela confiança e pela simplicidade que
tiver para com ela. Evite sobretudo replicar quando lhe disser
alguma coisa. Lembre-se do que disse Nosso Senhor, falando
sobre os superiores: "Quem os ouve a mim ouve, e quem os
despreza a mim despreza.”1 Todas as vezes que sua atitude,
seus gestos, suas palavras não forem marcados pelo respeito
para com ela, peça perdão a Deus e deteste sinceramente essa
falta.
Não acredito que você busque satisfação na confissão, mas
penso que não está penetrada de uma grande fé, pois uma
pessoa que tem essa fé não olha o ministro mas Deus, cujo
lugar ele ocupa. Se você o considerar assim, creio que terá
muito mais paz na santa confissão.
Desejo-lhe essa paz e sou toda sua.
Irmã Emília
beijamos o chão com um sentimento de desprezo por nós
mesmas e fazemos um ato de amor de Deus: e assim, para as
outras faltas. Para adquirirmos a pureza do coração, para nos
conservarmos em fervorosas disposições, para progredirmos na
correção dos defeitos e na santa união da alma com Deus, o
meio por excelência é o cuidado assíduo em nada nos perdoar e
sempre trabalhar para agir melhor, sem nunca escutar, nem por
um instante, a natureza que se cansa, o amor-próprio que se
irrita, o demônio que se esforça para nos desencorajar.”60
Seguem as orientações que reproduzem quase literalmente um
Diálogo precedente61 e vários trechos de cartas relacionadas com a
caridade fraterna. Como trataremos em breve desse tema e como
publicamos na terceira secção uma ou outra dessas cartas, passamos
imediatamente aos últimos parágrafos desse capítulo, no tocante à
visão da autoridade divina na autoridade exercida pelos superiores
religiosos.
Aos olhos da Reverenda Madre, Deus, princípio de toda
caridade, Deus em cujo amor todos os corações deveriam
permanecer estreitamente unidos entre si, era o foco adorável
em que uma comunidade devia haurir a união ainda mais
estreita dos membros com o chefe. Era, portanto, Deus que se
devia ver sempre na pessoa e no governo de uma superiora.
Nesse elevado ponto de vista, ela queria que a união
sobrenatural das Irmãs fosse como cimentada pelo laço
santamente filial que as devia unir àquela que a Providência
lhes tinha dado como Mãe. E a fim de que a força desse laço
não sofresse alteração, ela desejava que a superiora fosse
sempre considerada não de uma maneira humana mas como a
imagem viva da autoridade divina, cujo brilho deve fazer
desaparecer, aos olhos das súditas, os defeitos inseparáveis de
nossa natureza mortal. Falando um dia das religiosas tentadas
de não terem para com as superioras a perfeita submissão, a
afeição respeitosa que nascem da verdadeira caridade: “Que
devemos buscar sobre a terra? Fazer a muito santa, muito justa
e sempre muito amável vontade de Deus. Que essa vontade nos
seja manifestada por tal ou tal pessoa, se tivermos um pouco de
280
fé e de amor, o que isso pode nos fazer? Contanto que a
conheçamos, isso deve nos bastar. Fazem muito mal, muito
mais do que pensam, as religiosas que sucumbem às tentações
contra a autoridade, sobretudo se deixam transparecer alguma
coisa. A pessoa das superioras deve ser sagrada. Só devemos
falar delas para dizer o bem, nunca para censurá-las, para
criticar a sua conduta. Nunca devemos dizer algo que possa
diminuir a confiança que as súditas têm para com elas. Basta, às
vezes, meia palavra, um ar, um gesto, para diminuir essa
confiança, para fazer com que religiosas que se dirigiam a elas
simplesmente, que só viam a Deus numa superiora, agora
comecem a examinar o que significava tal palavra, ar, frase.
São feitas reflexões a respeito do que foi visto ou ouvido. Por
sua vez, somos tentadas a julgar a conduta da Madre; a fazer
comentários sobre seus atos; a murmurar em vez de obedecer
simplesmente. Esse mal, essa desordem, donde vêm? Da
primeira que faltou a seu dever para com a superiora. E
ninguém pode dizer até aonde vai a sua responsabilidade diante
de Deus. A força de um Instituto está na união dos membros
entre si e de todos os membros com o chefe. Ora, essa união
não existe quando não há a confiança e o amor dos súditos para
com os superiores. Infeliz, pois, a alma que perturba a harmonia
perfeita, tão desejável, tão necessária, num corpo religioso!... A
Trapa nos oferece um belo modelo desse amor, dessa confiança
que deveriam existir no coração de todos os súditos para com
seus superiores. Cada trapista só tem um amigo, um confidente
de seus sofrimentos, é seu superior. Todos se aplicam em seguir
suas orientações, em lhe obedecer como crianças. Oh! que
felicidade se, em nosso Instituto, pudéssemos conservar
sempre, pelo menos, alguns traços de um tão belo modelo! Que
felicidade se trabalhássemos incessantemente para merecer essa
graça, esforçando-nos por encontrar no amor de Deus o
princípio e o alimento da união inalterável de todos os nossos
corações!.”62
385
melhor. Estou muito satisfeita em saber que Irmã N. está
melhor e mais cumpridora dos seus deveres. Exorto-a a se
corrigir totalmente. Enviei-lhe a carta que a irmã dela escreveu,
para que ela tenha o prazer de lê-la, e a que é dirigida à mestra
das noviças para você, por ser no momento a mestra dela.
Tarda-me receber notícias da saúde da senhorita N. Estará ainda
tomando remédios?
Todas as vezes que eu lhe causar alguma mágoa em minhas
cartas, diga-me com simplicidade. Ficarei grata e tudo será logo
sanado. Penso que isso acontece muitas vezes, por exemplo:
quando não lhe enviei os casacos de lã. Em vez de explicar o
porquê, disse-lhe que a roupeira não tinha mais. Escreva-me o
que pensou disso e de outras coisas. Assim, o demônio, que só
procura semear a discórdia, perderá sua força e em vão rondará
em torno de nós.
As notícias que me dá de suas disposições interiores são
boas. Será na prática de suas boas resoluções que encontrará a
paz de sua alma e um meio de bem conduzir os outros. Procure
sobretudo tornar sua vontade bem dócil, quando sentir alguma
repugnância em fazer algo de tal ou tal maneira. Humilhe-se,
por exemplo, a respeito do tecido do paramento que lhe devia
ser enviado. Fez bem, mas fará ainda melhor, quando não tiver
apego a isto ou àquilo. Diga muitas vezes a si mesma e inspire
também fortemente às suas filhas que a casa de Aubin deve ser
para com esta (a de Villefranche) como uma filha para com sua
mãe, de modo que, se lhe dão ou se lhe tiram algo, ela deve
estar sempre satisfeita. Se agora dissesse: "Envie-nos o
paramento branco e mais isso e mais aquilo", então, minha
querida Madre, seria preciso ficar contente por qualquer coisa
que eu lhe pedisse. Aplique-se a observar esse conselho. Deus
ficará contente e você também.
Quando escrever ao nosso Pai, será bom perguntar-lhe se
permite que você espere M. N. vir a B., para pedir-lhe confessar
C. Pode dizer-lhe que essa Irmã se contenta com M.L.
Saúdo-a muito afetuosamente.
Irmã Emília.
384
281
32
29. Comentário sobre as ladainhas de Nossa Senhora
Ainda uma espécie de confissão sobre dois pontos mal
observados, uma vez por ocasião da fundação de Aubin: grande
silêncio à tarde; pontualidade a um exercício comunitário (L 103, M
66-67).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 7 de setembro de 1824.
Fiz duas coisas em Aubin que me causam tristeza: primeiro,
por mim mesma, porque errei, e segundo, por causa do
exemplo. Um dia falei, em Santa Marta,1 em voz alta, depois
das quatro horas. Lá, como em qualquer outro lugar, só
devemos falar naquela hora em caso de extrema necessidade, e
não era o caso. Peço àquelas que aí se encontravam não
utilizarem meu erro para cometerem um semelhante. Outro dia,
atrasei-me um pouco e cheguei a um exercício que já tinha
começado. Isso me pesa, sobretudo porque a falta de
pontualidade é um dos maiores defeitos que possam existir em
uma comunidade. Pode ter-me acontecido outras vezes de não
ter chegado a tempo, mas porque não ouvi o sino. Peço-lhes que
roguem ao bom Deus por mim, a fim de que ele me perdoe em
todas as ocasiões em que não lhes ensinei por meus atos o que
lhes ensino por minhas palavras.
33
Tendo, com muita simplicidade, pedido perdão da mágoa que
poderia ter causado numa carta anterior, Madre Emília recomenda a
docilidade submissa da vontade, à base de desapego (L 106).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 3 de outubro de 1824.
Minha caríssima Irmã:
Parece-me que não respondi inteiramente às suas
penúltimas cartas. Tenho-as ao meu lado, a fim de responder
(B I 377-383)
Extremamente simples e despojada, esta paráfrase oferece a
oportunidade de fazer conhecer Santa Emília sob um aspecto muito
espontâneo e vivo. Deveria ser citada, igualmente, como um
testemunho da importância tanto na sua vida pessoal como no seu
“ensinamento” espiritual, da piedade marial.
Várias vezes, Madre Emília explicou às Irmãs as ladainhas
da Santíssima Virgem, comentando com uma expressão
comovedora cada um dos versículos que as compõem. Dizia
que era preciso recitar com o coração o que os lábios
pronunciavam e sugeria os piedosos sentimentos, o entusiasmo
que deviam acompanhar as palavras:
“Os lábios dizem: Santa Maria; e o coração diz: Ó
soberana! ó astro radioso! ó Rainha do mar! Nome tão suave e
tão poderoso, seja para sempre escrito no meu coração, ao lado
do nome adorável de Jesus! – Os lábios dizem: Santa Mãe de
Deus; e o coração diz ao mesmo tempo: a Senhora é, também,
minha mãe e para sempre o será! – Os lábios dizem: Santa
Virgem das Virgens; e o coração: Virgem por excelência, ó
modelo, ó protetora, ó terna e dedicada mãe de todas as virgens,
faça-me santamente ciosa do belo título de sua filha e sempre
digna de usá-lo! – Mãe de Cristo! A senhora que nos deu o
desejado das nações, faça com que deseje ardentemente o
progresso de seu reino em minha alma! – Mãe da divina graça!
Ah! A senhora me concedeu tantas graças que, por sua
intercessão, espero não me perder! – Mãe puríssima! Faça com
que eu trabalhe sem cessar para tornar minha alma cada dia
mais pura aos olhos do Senhor! – Mãe castíssima! Possa eu sêlo sempre, sempre, seguindo seu exemplo! – Mãe sempre
virgem! Oh! que nunca tenha a infelicidade de manchar a
beleza sobrenatural de minha alma regenerada pela graça! –
Mãe ilibada! Purifique minha alma de toda mancha, a fim de
que seja um pouco menos indigna de Jesus e de vós! – Mãe
282
amável! Tudo na Senhora é encanto para o meu coração! – Mãe
admirável! Oh, que sempre goste de contemplar suas virtudes,
suas encantadoras perfeições! – Mãe do Criador! Que honra
para mim, tão pobre criatura, poder me chamar sua filha! – Mãe
do Salvador! Pela Senhora, o filho de Deus se fez meu Jesus,
tornando-se seu filho! – Virgem prudentíssima! Oh! que em
tudo e de todas as maneiras, eu também seja prudente para
agradar a Jesus e a Senhora. – Virgem Venerável! A Senhora é e
sempre será o que há de maior no mundo, depois de Deus! –
Virgem digna de todo louvor! Que eu possa louvá-la e vos
bendizê-la eternamente! – Virgem poderosa! Sim, a Senhora é
toda poderosa pela oração! – Virgem clemente! Seu coração
transborda de caridade e de compaixão pelos homens, e
sobretudo pelos pobres pecadores! – Virgem fiel! Nunca houve
falha na Senhora. Que por sua intercessão eu seja preservada de
toda falta voluntária! – Espelho de justiça! Nunca seu brilho
ficou embaçado: sempre foi o maravilhoso reflexo da beleza de
Deus, enquanto que nós, infelizmente!... – Sede da sabedoria!
Desta sabedoria da qual Salomão estava tão afastado e que a
elevou tão alto no céu, eleve-nos consigo nos santos caminhos
da sabedoria divina! – Causa da nossa alegria! Com a sua
lembrança, meu coração se dilata, sente-se por demais feliz em
tê-la como mãe! – Vaso espiritual! Todas as suas ações
inspiradas pelo Espírito Santo a elevam sem cessar acima da
terra! – Vaso honorífico! Que honra não lhe é devida, depois de
seu filho, 'ao qual pertencem unicamente a honra e a glória
como ao rei imortal dos séculos.' 63
– Vaso insigne da devoção! Que outro coração soube como
o seu render a Deus o culto da adoração e do amor? – Rosa
mística! Na Senhora estão contidas todas as virtudes cujas
flores são o emblema: se a rosa é a rainha das flores, a Senhora
é, e muito mais ainda, a rainha das virtudes! – Torre de Davi! A
Senhora é uma fortaleza inexpugnável, contra a qual todos os
esforços do inferno são impotentes! – Torre de marfim! A
Senhora é revestida da pureza e da força divinas! – Casa de
ouro! A Senhora é o que há de mais belo e mais precioso na
criação!... – Arca da aliança! Pela Senhora nos vieram a
reconciliação e a salvação! – Porta do céu! A Senhora o abriu
383
dúvida, vir com a Madre, mas um pequeno olhar à cruz de
nosso bom Mestre fará com que se sinta feliz em lhe oferecer
esse sacrifício. Tentaremos conseguir transporte para a volta
dela e você aproveitará a ocasião para vir. Todas as nossas
Irmãs desejam vê-la e dizem que já é tempo de proporcionarlhes essa consolação.
Sou toda sua, no coração do nosso bem-amado.
Irmã Emília
31
Madre Emília agradece a Deus a paz que ele concede à Irmã
Françoise pela sua resignação por ocasião de um luto. Pede a essa que
aprofunde ainda mais esse abandono. (L 100, M 51-52).
À Irmã Françoise, em Aubin.
Villefranche, 27 de agosto de 1824.
L.S.J.C.
Só posso agradecer ao bom Deus, minha muito querida
Irmã, pela paz que ele lhe concede. É um favor preciosíssimo
pelo qual deve dar humilde ação de graças. Não somente deve
suportar com paciência a notícia da morte do seu querido irmão,
como também, por ter sido uma morte repentina, é preciso
confiar que ele tenha sido recebido com misericórdia. Deus o
terá conduzido ao porto pela boa ação que fez trazendo você até
aí. Reze por ele e ofereça sua aceitação pelo repouso da alma
dele. É em momentos penosos como esse que é preciso mostrar
que é a esposa de um Deus que morreu por nosso amor. O
monte sagrado do Calvário é o monte dos que amam. É lá que
se colhem as verdadeiras virtudes. Estou bem convencida,
minha muito querida Irmã, de que nessa dolorosa circunstância
não permanecerá ociosa.
Sou toda sua.
Irmã Emília
382
283
pouco sobrenatural.1 Isso prejudica muito a alma que não pode
se encher de Deus sem se despojar da natureza. Quanto aos
pensamentos que lhe vieram, sirva-se deles para se humilhar
sinceramente diante de Deus. É bem verdade que eu não o fiz.
Não sei como está redigida a carta de Irmã N. Queira enviar-me
ou dizer-me o que nela havia de chocante. Procure afastar de
sua alma toda desconfiança, torne-se simples, torne-se criança.
Irmã N. não escreveu à Irmã X; você se enganou. Entendo
que seria uma grande consolação para você vir nos visitar,
como seria também para mim que tão cedo não poderei ir a
Aubin. Não me recusarei a isso se nosso Pai o aprovar. Pode lhe
escrever a esse respeito. Ontem tive ocasião de fazê-lo. Disselhe que você desejava nos visitar e que lhe escreveria sobre
isso. Irmã N. poderia substituí-la por algum tempo, supondo
que ele esteja de acordo.
Ternas lembranças a todas as nossas Irmãs. Saúdo-as todas
em Jesus, Maria e José.
Irmã Emília
30
Em nome da comunidade da Casa-mãe, Santa Emília promete um
caloroso acolhimento a uma religiosa de Aubin que deve chegar para
se renovar em seu primeiro fervor (L 97, M 53).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 16 de agosto de 1824.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
Recebi sua carta somente após a chegada de Madre Agathe.
O desejo que expressa de rever a Casa-mãe é louvável e muito
justo. Para satisfazê-lo, escrevi ao nosso Pai, a fim de obter a
permissão que certamente não lhe recusará, uma vez que gosta
que suas filhas venham de vez em quando renovar aqui seus
desejos e seu fervor. Qual não será sua consolação, minha
muito querida Irmã, ao rever os lugares onde teve a graça
inestimável de se consagrar a Deus e a Jesus Cristo e onde disse
adeus ao mundo e a si mesma. Você teria preferido, sem
por seu divino Filho, o abriu aos maiores pecadores que lhe
imploram, abra-o para mim, ó terna mãe! – Estrela da manhã!
Guie-me sempre no mar tempestuoso do mundo! – Saúde dos
enfermos! Cure minha pobre alma, ainda repleta de tantas
misérias espirituais! – Refúgio dos pecadores! Nenhum
daqueles que a invocaram foi rejeitado pela Senhora. Boa mãe,
se tivesse a infelicidade de cair, oh! imediatamente me
prostraria aos seus pés, implorando a graça do arrependimento e
do perdão! – Consoladora dos aflitos! Em meio aos
sofrimentos e dificuldades, elevarei meu olhar suplicante para a
Senhora e fará descer em minha alma a resignação, a paciência,
a serenidade no meio dos piores males da vida! – Socorro dos
cristãos! A Senhora é a sua salvaguarda nos combates e lhes
dará a Vitória! – Rainha dos Anjos! A graça de seu divino Filho
me fez irmã dele; portanto a Senhora é minha rainha, mas sois
também minha mãe! – Rainha dos patriarcas! Como a Senhora
os ultrapassou a todos em virtudes e em méritos! – Rainha dos
profetas! Eles a anunciaram, viram-na e saudaram-na de longe,
eles a exaltaram como sua soberana! – Rainha dos apóstolos!
Eles a honraram, escutaram e amaram como a mãe de seu
divino mestre! – Rainha dos mártires! Seus sofrimentos foram
sem igual e o mérito deles foi incomparável! – Rainha dos
confessores! A Senhora os encorajou e sustentou na sua
fidelidade constante, por seus exemplos e por sua real proteção!
– Rainha das virgens! A Senhora é, portanto, a minha, se sou
fiel à minha vocação. Oh! como me sinto honrada, como sou
feliz em seguir seus passos, em abrigar-me à sombra de seu
cetro virginal! – Rainha de todos os santos! A Senhora é ainda
a minha, obtendo-me de, um dia, ser admitida no número dos
bem-aventurados eleitos! – Rainha concebida sem pecado!
Rainha por excelência, rainha imaculada, que esmagou pelo
divino Jesus a cabeça da serpente infernal, ah! faça que até o
fim eu seja vitoriosa de todo pecado!...”.
Era assim que a Reverenda Madre parafraseava
sucessivamente todos os versículos das ladainhas e ensinava
suas filhas a recitá-las com uma terna e frutuosa devoção.
Numa carta endereçada às Irmãs de Aubin, em 10 de fevereiro
de 1832, ela mencionava a recomendação que acabava de fazer
381
284
o venerável M. Marty “de dar uma particular atenção a essas
ladainhas...”, e aproveitava a ocasião para falar da Santíssima
Virgem em termos que merecem ser destacados: “É nelas que a
chamamos o Refúgio dos pecadores: precioso título que nos
inspira tanta confiança. Nestas ladainhas é que vemos que ela é
e sempre será a consolação das pessoas que sofrem, ela que
sofreu mais do que qualquer outra e que é chamada, com toda
razão, a Rainha dos mártires. É a ela que Deus confiou o
governo do mundo, sob a dependência de Jesus, nosso divino
Salvador. Ele é seu rei, ela sua rainha. Foi ele que a elevou
acima de todas as criaturas, no céu e na terra, e nenhuma delas
poderia lhe ser comparada. A Igreja não cessa de louvá-la, de
bendizê-la, de invocá-la. A destruição de todas as heresias lhe é
atribuída. Todas as graças nos vêm por ela. Seriam necessárias
luzes bem particulares do Espírito Santo para conhecermos
apenas uma pequena porção daquelas com que Deus inundou
sua alma santíssima. Quem poderia falar dignamente dos atos
heróicos de virtude que praticou em toda a sua vida, e
sobretudo ao pé da cruz? Quem poderia conhecer a ternura de
seu coração para com seu divino Filho e, ao mesmo tempo, sua
generosidade e a elevação de sua alma?... Amemos essa terna
Mãe, invoquemo-la com amor vivo e ardente e que, depois de
Jesus, ela tenha o primeiro lugar em nosso coração! Para honrála, imitemos suas virtudes e demos uma particular atenção a
todas as orações que rezarmos em sua honra.”64
comunhão! Procure responder à infinita bondade de nosso Deus
a quem devemos amar com todas as nossas forças. Pouca coisa
podemos fazer para lhe testemunhar esse amor, mas façamos o
mais perfeitamente possível tudo que nos é prescrito e ele,
grande como é, ficará satisfeito com essas pequenas coisas.
Sua nova função lhe dá condições de exercer uma caridade
atenta para com as nossas queridas Irmãs. Não perca a ocasião
de lhes testemunhar essa caridade, como se o fizesse ao próprio
Jesus Cristo. Evite a preocupação e faça tudo por amor.
Saúdo-a muito afetuosamente.
Irmã Emília
29
É preciso visar a um total abandono à vontade de Deus para
encontrar a paz, renunciando a toda desconfiança. Vigiar a tendência a
amar de maneira por demais humana; diminuir as conversas longas
demais (L 95).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 24 de junho de 1824.
Minha caríssima Irmã:
Combinamos com nosso Pai que só poderíamos ler os
livros indicados no catálogo que lhe envio. Tem razão em
pensar que errou pelo fato de ter permitido à Irmã N. ler certos
livros. Deveria ter consultado sobre isso. Essa querida Irmã
correu grandes perigos.
Alegro-me pela facilidade que encontra em seus exercícios
espirituais e pela paz que Deus lhe concede quando está em sua
presença. Mas o essencial e o mais necessário é o abandono à
santa vontade de Deus. É isso que cura nossas impaciências,
nossos ressentimentos, nossas inquietações e, enfim, todas as
asperezas de nossa alma. Não leve em conta as maneiras de
falar ou de agir. Quanto à prolixidade de palavras nas Irmãs, é
preciso tentar corrigi-las, pois é um defeito que procede do
amor-próprio, porém, é preciso fazê-lo com doçura e paz.
Corrija quanto puder essa sua tendência a amar de maneira
380
285
esse sentimento mútuo nem deve ser tão sensível, nem tão
manifesto.
Lembro-me ainda de ter deixado falar demais do
exterior, dos amigos da casa, etc. Lembre-se ainda das outras
faltas por meio das quais eu dava mau exemplo e procure
reparar o mal que fiz. Não permita absolutamente que as Irmãs
não-clausuradas falem algo do que viram ou ouviram, mesmo
que o assunto lhes pareça indiferente. Dê-lhes os recados
discretamente e que elas procedam da mesma forma.1
Aqui, nem todas as Irmãs sabem que não é permitido
falar com os operários quando estamos com eles na casa.
Advirta-as novamente. Ia esquecendo de lhe dizer que Irmã N.
não é muito cumpridora dos seus deveres, facilmente rompe o
silêncio e tem ares e maneiras que não são bastante dignas.
Queira observar isso e adverti-la.
Tenha cuidado ainda em não se apegar demais à
Irmã N. Que entre você e ela não haja nada de humano e que
seu afeto seja todo segundo Deus. Não permita que nenhuma
manifeste à outra amizade exagerada.
Mil lembranças a todas as nossas Irmãs.
Irmã Emília.
28
Testemunho da piedade eucarística de Santa Emília. A melhor
ação de graças consiste em cumprir o mais perfeitamente possível os
deveres comuns de nossa vocação (L 93).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 15 de junho de 1824.
J.M.J.
Minha muito querida Irmã:
O benefício da santa comunhão nunca será bastante
apreciado. Ele é tão grande que se torna impossível falar sobre
ele de maneira que corresponda à sua grandeza e extensão.
Como nosso estado de vida é feliz, minha querida Irmã, uma
vez que nos permite aproximar-nos tantas vezes da santa
30. Conferência sobre a gratidão
(C 88-89, nº 36)
Nós nos enganaríamos muito se víssemos em Santa Emília uma
“asceta” interesseira. A ação de graças, negação por excelência da
cupidez, lhe é comum. O lugar dado à Igreja, nas linhas seguintes, lhe
confere uma certa atualidade, à qual não se pode ficar insensível.
Pensamos adquirir muitas virtudes, esgotamo-nos em
desejos. Sempre pedimos graças e isso é muito bom, e devemos
fazê-lo, uma vez que Nosso Senhor nos diz: “Peçam e lhes será
dado, busquem e acharão.”65 Até nos prometeu que tudo o que
pedíssemos a seu Pai, em seu nome, ele no-lo daria.66 Não
esqueçamos de pedir, minhas boas Irmãs. Sentimos demais
nossas necessidades, nossas misérias espirituais. Porém, há uma
coisa que receio nos esqueçamos de fazer. É agradecer a Deus,
testemunhar-lhe nossa gratidão pelas numerosas graças que nos
concedeu e nos concede ainda, todos os dias. Se não o fizermos,
seremos umas ingratas e não merecemos que continue a nos
favorecer. Que ultraje não se faz a uma pessoa dizendo-lhe que
é uma ingrata. Isso a revolta. Não pode suportá-lo. Nós também
não devemos suportar que o bom Deus deva nos censurar por
causa da nossa ingratidão, do esquecimento de seus benefícios
para conosco e para com todos os homens. A ingratidão esgota
a fonte dos benefícios. Quantos motivos temos, minhas
queridas Irmãs, de testemunhar a Deus nosso reconhecimento!
Vejamos um pouco os benefícios comuns a quase todos os
homens: somos cristãs. Compreendemos bem esse belo título de
cristãs, essa tão grande graça de não pertencer ao número dos
infiéis, dos selvagens que não vivem na verdadeira religião?
Santa Teresa, no leito de morte, exclamava: Meu Deus, eu lhe
agradeço por me ter feito nascer filha da Igreja Católica,
Apostólica e Romana.”67 Esse pensamento de que era filha da
Igreja a fazia feliz, tinha compreendido a grande graça que
Deus lhe tinha concedido. Devemos, nós também, reconhecer
esse benefício, ir vez por outra visitar em espírito o santuário
bendito onde Deus nos adotou como filhas. Essa igreja, essa
pia batismal devem ser amadas com ternura por nossos
286
corações. A santa que nos é dada como padroeira, no batismo,
não devemos esquecer de invocá-la. É nossa mãe, a Santa
Igreja, que a ela nos confiou. Embora, ao entrar em religião
tenhamos recebido outra padroeira, é a primeira que não
devemos esquecer. São Luís, rei de França, tinha tanto respeito
pelo lugar de seu batismo que, em vez de assinar, Luís, rei de
França, assinava Luís de Poissy, "porque foi em Poissy," dizia o
santo rei, "que recebi um novo nascimento, nascimento mil
vezes mais precioso do que o primeiro."
Esse título de filhas da Igreja, quantos direitos ele nos dá!
Nós os conhecemos, minhas queridas Irmãs. Entretanto,
digamos uma palavra a respeito desta comunhão dos bens
espirituais entre os fiéis. O bem que fazemos é pouco, nem
temos a possibilidade de fazer muito, mas temos uma mãe rica
que dispõe de todo o preço do sangue de Jesus Cristo, seu
divino Esposo, tesouro imenso cujo preço é infinito e que nunca
esgotaremos. Esses tesouros nos chegam de toda maneira, por
todo tipo de canais. Essa mãe tem ainda os méritos
superabundantes dos santos. O que nossos irmãos fizeram a
mais, essa mãe o reserva para enriquecer seus filhos pobres,
fracos, que mal podem atingir a santidade e depois, minhas
Irmãs, essa participação em todas as orações, em boas obras das
almas santas deve afervorar nossa gratidão, nosso amor para
com essa tão boa mãe. Em todos os tempos, em todos os
lugares, a Igreja vela sobre nós, nos envolve com a sua
proteção. Amemos muito essa Igreja, é nossa obrigação.
Rezemos por sua prosperidade, por sua conservação na França,
nossa pátria. Sabemos que a Igreja não perecerá. Jesus Cristo a
sustenta e a sustentará contra todos os esforços que os homens e
o inferno farão para destruí-la. Mas Deus bem pode, como
punição de nossos pecados, nos retirar a fé e dá-la a outros
povos. Isso aconteceu em outros lugares. Rezemos pela
conservação da fé na França. Respeitemos muito todos os
ministros dessa Igreja. Quanto é grande a dignidade do
sacerdote, sua pessoa é sagrada. Santa Teresa dizia que, se
encontrasse um sacerdote e um anjo, ela se inclinaria primeiro
diante do sacerdote e depois diante do anjo. Nós, minhas
queridas Irmãs, tenhamos sempre o mais profundo respeito
379
27
Confissões de Madre Emília referentes a várias faltas que ela se
censura ter cometido em Aubin: palavras próprias a destacar a Casamãe, recordação inútil do bem realizado, busca de um afeto
demasiadamente humano por parte das religiosas (L 92).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche 28 de maio de 1824.
Sinto-me triste, minha querida Irmã, por você estar doente.
Cuide-se, não fale tanto tempo com as jovens a quem dá
instrução. Talvez fosse bom tomar alguns caldos refrescantes.
Nossas Irmãs M. e N. chegaram com saúde. Percebendo o forte
apego de N. à casa de Aubin, lembrei-me do grande número de
faltas que cometi nessa fundação. Tive a infelicidade de falar de
uma maneira própria a destacar a Casa-mãe, e o sofrimento que
suportou Irmã M. para voltar aqui parece causado por mim.
Lembre-se de que eu disse que nos achávamos melhor numa
casa secundária; que éramos mais apreciadas pelos habitantes;
que não tínhamos tantos temperamentos a suportar, etc., e
muitas outras coisas, que são agora a causa da minha dor. Dizia
eu que fazíamos o bem e trabalhávamos para a glória de Deus.
Isso era um pouco verdade, mas não deveria ter insistido, pois é
sempre perigoso olhar o bem do qual somos apenas o
instrumento. Não permita que se cometam semelhantes faltas.
Que as Irmãs amem Aubin porque Deus as quer aí e que se
sintam sempre felizes em voltar ao lugar onde tiveram a
felicidade de se consagrar a Deus e a Jesus Cristo.
Arrependo-me por ter agido de maneira que as Irmãs
fossem levadas a ter para comigo uma ternura excessivamente
humana. Eu lhes testemunhava demasiada ternura e não cuidava
em moderar as demonstrações de seu afeto para comigo. Agora,
sinto que é preciso que nos amemos em Deus e por Deus e que
378
287
26
Convite à humildade: pedi-la na oração; começar a praticá-la
na obediência do raciocínio (L 83).
A uma Irmã de Aubin.
Villefranche, 17 de março de 1824.
Minha muito querida Irmã:
Regozijo-me com você pelos favores recebidos do santo
Esposo. O verdadeiro meio de conservá-los e até de aumentálos é, como você bem o sabe, ser verdadeiramente humilde.
Trabalhe, pois, generosamente para a aquisição dessa virtude.
Poderá dizer três ou quatro vezes ao dia: "Meu Deus, crie em
mim um coração puro"; ou então: "Jesus aniquilado, torne-me
semelhante ao Senhor"; "Maria, abismo de humildade, rogue
por mim"; "Meu bom anjo, conduza-me pelo verdadeiro
caminho da humildade." A humildade, na prática, é a mais
absoluta obediência, sobretudo a obediência do raciocínio.1
Esforce-se para praticá-la.
pelos ministros de Jesus Cristo. É penoso para os amigos de
Deus ver o pouco respeito, os vexames de todo tipo que os
sacerdotes sofrem. Isso deve nos afligir e nos encorajar a fazer
com que nossos alunos nunca partilhem os sentimentos do
mundo a esse respeito, inspirar-lhes de todos os modos um
respeito profundo pela sua pessoa e seu caráter. Lembremo-nos
destas palavras do Evangelho: “Quem vos escuta me escuta;
quem vos despreza me despreza.”68
Do benefício de sermos filhas da Igreja decorrem todos os
outros benefícios de que fomos cumuladas. Não lhes
relembrarei os cuidados assíduos dessa boa Mãe: a primeira
comunhão, a participação dos sacramentos, tão freqüente nas
religiosas, são graças extraordinárias. Estamos na fonte das
graças. Deus no-las concede em torrentes. É para nós uma
corrente contínua de favores. A meditação, a santa missa, a
santa comunhão, a leitura, o ofício, freqüentes elevações para
Deus são graças de todos os dias que não compreendemos, não
apreciamos bastante e, muitas vezes, falhamos em testemunhar
a Deus nossa gratidão.
Lembremo-nos de que, dos dez leprosos curados por Nosso
Senhor, só um veio testemunhar sua gratidão. “Onde estão os
outros nove," diz o Mestre, por que não vieram agradecer?”69
Não lhe demos ocasião para uma semelhante censura.
Sou toda sua e lhe peço que me recomende a Deus.
2º – Temas sobre a caridade para com o próximo
Irmã Emília.
Santa Emília volta a este assunto com predileção. Foi-nos
possível constatar lendo o que foi relatado anteriormente e o veremos
também lendo os trechos da correspondência. Ficamos sempre
surpresos com a aliança de universalidade e realismo pessoal que
caracteriza a noção de caridade no ensinamento espiritual da
fundadora. Ela passa com facilidade da consideração dos motivos e
das aplicações imediatas (vida de comunidade, relacionamento com as
alunas, etc.), à do campo ilimitado da oração compassiva e apostólica.
M. Fabre anota em suas cadernetas: “Em suas conferências, a Madre
288
377
desenvolvia as diversas qualidades enumeradas por São Paulo” (CF
146).
Ano de 1824
25
31. Características da caridade segundo São Paulo
(B I 61-69)
Madre Emília procurava fazer bem compreender às suas
filhas as características desta bela e tão importante virtude e
citando o que São Paulo diz a respeito da caridade aos fiéis de
Corinto: "Vou citar-lhes", dizia ela, “as características da
caridade apresentadas por São Paulo, que tão bem a
compreendeu: que cada uma de vocês as aprenda de cor e que,
em seguida, vez por outra, faça um pequeno exame de
consciência para ver se se esforça em reproduzi-las em sua
conduta: “A caridade é paciente; é bondosa; não é invejosa, não
age com temeridade nem com precipitação; não se vangloria;
não é arrogante; não busca seus próprios interesses; não se
queixa, não pensa o mal; não se alegra com a injustiça, mas
regozija-se com o que é conforme à verdade. Tudo sofre, tudo
crê, tudo espera, tudo suporta.”70
"1º A caridade é paciente. Como recebemos as
contrariedades que nos vêm de nossos superiores ou de nossas
Irmãs, de nossas alunas, das pessoas de fora? Se, ao nos chegar
da parte delas algo desagradável, penoso, não deixamos de nos
queixar, de murmurar, de demonstrar mau humor, faltamos a
essa primeira característica da verdadeira caridade.
"2º É suave, benfazeja e cheia de bondade. A religiosa que
possui esta segunda característica da verdadeira caridade não
esquece que o Salvador Jesus ensina a mansidão antes da
humildade, da qual ela é a flor e o fruto. É suave e boa para
com todos: para com seus superiores a quem é perfeitamente
submissa, nas mãos dos quais ela se deixa moldar; para com
suas Irmãs, para quem nunca tem uma palavra mais alta do que
a outra, nunca uma atitude desagradável; para com as crianças,
junto às quais une à firmeza necessária, alguma coisa de
graciosa e amável, fruto da santa presença de Deus da qual
Ocupadíssima, Madre Emília não pode responder em particular a
cada Irmã que lhe escreveu, mas confia que não deixarão de lhe enviar
cartas pessoais que a enchem de consolações (L 79, M 49-50).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 24 de janeiro de 1824.
Apesar do desejo de responder em particular às minhas
Irmãs Françoise, Marie e Nathalie, vejo-me na obrigação, por
causa do meu querido retiro, de escrever não somente às três
mas a todas juntas, esperando que isso não vá contrariá-las, e
que cada uma de vocês me escreverá pessoalmente, como se eu
lhe tivesse escrito em particular, pois o que vocês me dizem me
causa um imenso prazer. É o meu mais doce recreio. Suas
cartas são boas, muito boas, e são ainda mais do meu gosto
porque são feitas sem arte e ditadas pelo coração. Perguntamme quando irei aí? Em breve, fiquem tranqüilas.
Amanhã é a conversão de São Paulo. Quando nosso orgulho
ficará inteiramente aniquilado? Quando diremos com esse
grande apóstolo e de todo o coração: "Senhor, que queres que
eu faça?”1.
Aspiremos, minhas queridas Irmãs, a esse espírito de
generosidade e de sacrifício.
Adeus, minhas queridas Irmãs, sou toda de vocês.
Irmã Emília
Recomendações ao Sr. Vigário. Muitas lembranças às
nossas crianças e aos nossos amigos.
289
376
alcançar a graça de se corrigir, tais como: visitar um altar,
reconhecer sua falta, deixar de merendar, etc. Um desses dias
escreverei às Irmãs sobre a santa obediência.
Adeus, minha querida Irmã. Peço-lhe que pacifique sua
alma e conte muito com Deus, quer para si, quer para os outros.
Irmã Emília
24
Madre Emília indaga com solicitude os progressos de Irmã
Françoise Pascal nas virtudes ocultas de paciência e de doçura.
Recomenda-lhe nunca admitir, senão uma pacificante compunção (L
75).
À Irmã Françoise, em Aubin.
Villefranche, 22 de novembro de 1823.
Agradeço-lhe afetuosamente as agulhas e o enfiador. Aliás,
agradeço a cada uma, pois eram para o bem comum, minha
querida Irmã Françoise. Nada tendo que lhe pertença, a não ser
o seu bem-amado, pelo qual, de coração e de vontade, ela quer
renunciar a tudo e renunciar a si mesma. Tem se esforçado bem
depois do retiro? A santa tarefa de adquirir a doçura e a
paciência tem progredido? Não tem nenhuma reclamação
quanto ao voto de obediência? Dê-me todas essas notícias.
Estou muito contente que você deixe todos os seus pesares para
trás para sentir apenas a dor suave da santa compunção.
Hélène nada me mandou dizer. Fico feliz por saber que
terminaram todos os consertos da casa. Assim estarão mais
tranqüilas.
Adeus, querida Irmã, sou toda sua.
Irmã Emília
nunca perde a preciosa lembrança. É suave e boa e, por
conseguinte, benfazeja. Os corações bons sentem a necessidade
de fazer o bem. Só estão satisfeitos quando podem prestar
serviço ao próximo, servir a todos. Ah! sem dúvida, mais uma
vez o experimentaram assim como eu: como se é feliz quando
se causa prazer a alguém! O coração experimenta um
sentimento delicioso que não podemos traduzir.
"3º A caridade não é invejosa. Não é raro, minhas Irmãs,
encontrar pessoas que, em vez de se regozijarem com o que
acontece de bom aos outros, ficam tristes. Parece que o que os
outros ganham, elas mesmas perdem. Se na sua presença falam
bem de uma pessoa, elogiam seus talentos ou suas boas
qualidades, eis que, sem ousar contradizer diretamente, elas
procuram, por meio de algumas palavras, enfraquecer o elogio
que lhes desagrada ou que fere sua inveja: "Sim, sem dúvida,
dizem, essa pessoa tem mérito, mas bem que tem seu 'lado
fraco'.” E esse lado fraco elas o aumentam muitas vezes, sem
pensar que, dessa maneira, chegam até à calúnia. Eis um
defeito, infelizmente muito comum no mundo, e as grades de
um convento não o impedem sempre de nele penetrar.
"4º Não age com temeridade, nem com precipitação. A
temeridade vem do orgulho e a precipitação é o fruto da
temeridade. Quando não se toma tempo para examinar as coisas
que se vai dizer, os atos que se vai fazer, fere-se muitas vezes a
caridade. Desconfia-se ou mesmo se julga o próximo com
temeridade, expressa-se levianamente o que se pensa dele, e
freqüentemente, o que se diz dessa maneira não é nada mais
que falsidade e não se tem medo de dizer coisas que podem
prejudicar notavelmente o próximo. Não basta, às vezes, uma
só palavra para fazer perder a uma pessoa sua reputação, sua
honra?... São verdadeiramente línguas de víbora as que ousam
proferir a respeito dos outros os juízos temerários que a malícia
ou a imaginação lhes sugere. Com um pouco de humildade se
agiria de outra maneira. Nunca ou raramente, pelo menos,
vocês verão uma pessoa humilde julgar mal seu próximo e falar
temerariamente de suas faltas. Quando se é humilde, não se vai
depressa, desconfia-se das próprias idéias e pesa-se as palavras.
290
"5º A caridade não se vangloria. Quando tomou posse de
uma alma, não lhe permite elevar-se por orgulho acima das
outras, mas leva-a a se abaixar para se fazer toda a todos.71
"6º Ela não é arrogante, não busca seus próprios
interesses. Qualquer que seja o próximo, por mais humilde que
pareça a sua profissão, ou qualquer que seja o defeito que ele
manifeste em sua conduta, a alma caridosa que o ama em Deus
não o repelirá, nem o julgará pouco digno de seus cuidados e de
seus serviços. Ao contrário, o coração que possui a verdadeira
caridade se comove à vista dos grandes pecadores, dos
miseráveis mais aviltados e sente-se impelido a ajudá-los, sem
considerar seus interesses próprios, seu amor-próprio ou as
repugnâncias da natureza. É igualmente junto aos pobres que
têm mais defeitos exteriores, junto às crianças mais
desagradáveis, mais difíceis de governar, que a caridade de uma
verdadeira religiosa mostra todos os recursos de uma dedicação
generosa. O egoísmo não encontra lugar no seu coração. Não
sabe ela que apenas a aparência de um tal vício causa revolta
numa alma piedosa que tem a felicidade de se unir
freqüentemente a Deus que é a própria Caridade?
"7º A caridade não se irrita. Ela sabe que cada um de nós
tem seus defeitos e que, se quisermos que nos suportem com
paciência, devemos, da mesma forma, suportar os outros e ter
uma grande indulgência mútua. Se, pois, uma pessoa vem nos
dizer algo que não seja exato, não nos queixemos com
amargura, antes pensemos que, mais de uma vez nos aconteceu
de nos enganarmos a respeito do outro, de dizer certas coisas
mais tarde reconhecidas como errôneas ou exageradas.
Pensemos ao menos que, tendo em vista nossa fraqueza, isso
poderia nos acontecer, mesmo sem malícia e, em semelhante
caso, bem que gostaríamos que não guardassem amargura para
conosco. Se nos tratam com palavras duras, que ferem, que
fazem sofrer, em vez de responder o que nosso amor-próprio
nos inspiraria, lembremo-nos de que Nosso Senhor Jesus
Cristo, a própria inocência, teve de sofrer muito mais do que
nós das palavras dos que se fizeram seus inimigos... A seu
375
23
Alguns esclarecimentos sobre os costumes de Villefranche. A
fundadora preocupa-se, sobretudo, porque as religiosas de Aubin
respondem mal à sua superiora, a quem ela aconselha para pôr fim a
esse abuso (L 74).
À Madre Agathe, superiora em Aubin.
Villefranche, 21 de novembro de 1823.
Eis a resposta às suas perguntas. Todas as nossas Irmãs
estão habitualmente ocupadas em suas tarefas até às seis horas,
depois vão à sala comum e não ficam com as noviças. Ocupamse em silêncio da leitura, da escrita, do estudo, da memorização
dos salmos, da preparação das aulas, etc. Após o jantar, fazem
exercícios para se aquecer, sem barulho, mas batendo os pés
fortemente, como vocês viram algumas vezes. Quando não
sentem mais frio, sentam-se. Falam habitualmente das coisas de
Deus, cantam um hino, etc., até o fim do recreio.
As noviças ficam conosco no recreio. Seus exercícios são
completamente diferentes dos das Irmãs professas. Se eu não
lhe disse tudo, faça-me mais perguntas. Eu as responderei com
prazer.
Entristece-me saber que nossas boas Irmãs respondem mal.
Isto não é bom, mas não se ofenda. Tenha confiança que elas se
corrigirão. Seria bom pedir à Irmã N. que lhe permita usar
palavras mais mansas e menos autoritárias. Diga-lhe que nunca
agi assim e que nossas Irmãs não estando habituadas a isso,
poderiam se magoar. Elas diriam, no seu íntimo, que eu nunca
fiz assim. Aliás, querida Irmã, o meio de impedi-las de replicar
é não lhes dar o motivo pelo qual recusou tal coisa. Diga-lhes
simplesmente que você não pode conceder o que pedem, que a
vontade de Deus está na submissão. Faça-lhes compreender que
uma boa religiosa deve se considerar como um pobre a quem
nada é devido. Seja extremamente doce e ao mesmo tempo
firme. Lembre-se de que se apanham moscas com mel. Quando
uma Irmã tiver replicado, converse em particular sobre a falta
cometida e encoraje-a a fazer alguma prática piedosa para
374
291
Não sei onde passou o Panis Angelicus. Vou procurá-lo e
lhes enviarei.
Adeus, nossas queridas Irmãs, são mais de 9 horas. Deixoas.
Irmã Emília
22
Solicitude da Casa-mãe para com a comunidade de Aubin, onde
há muitas doentes. Madre Emília se faz pessoalmente o porta-voz
dessa preocupação e promete uma visita (L 71, M 36).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 5 de novembro de 1823.
L.S.J.C.
Soube com muito pesar, minhas queridas Irmãs, que
estavam todas um pouco adoentadas. Fiquei muito triste, mas
não excessivamente, pensando que a divina Providência tudo
dispõe para a santificação de todas. Rogo ao bom Deus que as
alivie e gostaria de estar junto de vocês. Farei o possível para ir
o quanto antes, de acordo com a determinação do nosso Pai.
Até lá, sejam bem fiéis a todos os seus deveres, amem o
silêncio e fiquem recolhidas tanto quanto depender de vocês.
Nossas Irmãs, que lhes enviam muitas lembranças, vão
como de costume. Pedimos ao bom Deus que as cure e vamos
continuar dizendo cada uma: "Meu Deus, eu lhe suplico, cure
minha alma e meu corpo." Essa oração deve ser freqüente e
feita com grande confiança e resignação à vontade divina. Toda
a oitava deve ser particularmente destinada a esse pedido, assim
como a graça de bem ensinar e a virtude da doçura interior e
exterior. Unam-se a nós que continuamos a rezar as ladainhas,
no lugar daquelas da Providência que não dizemos, a invocação
e o Pater em honra do santo Nome de Jesus.
Adeus, queridas Irmãs, sou toda de vocês.
Irmã Emília
Envio-lhes alguns coelhinhos que podem colocar com os
porcos. Quando eu chegar, procuraremos fazer uma pequena
coelheira.
exemplo, fiquemos caladas, não nos susceptibilizemos. Nunca
guardemos ressentimento e de todo o coração perdoemos
imediatamente.
"8º A caridade não pensa o mal. Menos se é bom, mais se
pensa mal dos outros e, pelo contrário, mais um coração é puro
e reto, menos é levado a pensar mal de seu próximo. Quando
somos tentadas a julgar alguém desfavoravelmente, voltemonos imediatamente contra nós mesmas e digamos, por exemplo:
Não seria porque eu mesma, em certa ocasião, agi por algum
motivo baixo ou indelicado ou imperfeito que sou levada a
pensar que os outros agem da mesma forma?... Nosso Senhor
Jesus Cristo nos diz no santo Evangelho: “Não julguem e não
serão julgados, não condenem e não serão condenados.”72 E
para nos mostrar que, muitas vezes, somos piores do que os que
são julgados por nós, acrescenta: “Por que vêem uma palha no
olho de seu irmão quando não vêem uma trave no seu?”73 Ah!
sejamos dóceis a essa preciosa lição do Salvador: não
julguemos, não condenemos. Vejamos só o bem que está nos
outros e, quanto aos defeitos do próximo, fechemos os olhos,
sejamos cheias de indulgência.
"9º A caridade não se alegra com a injustiça, mas
regozija-se com o que é conforme à verdade. Estar satisfeito
que os outros façam o mal, ofendam o bom Deus, é uma coisa
que não se pode supor numa cristã digna desse nome, quanto
mais numa religiosa. Por isso, minhas queridas Irmãs, não
posso pensar que jamais cometam uma tão grande falta. Gosto
de pensar, pelo contrário, que se regozijam sempre diante de
Deus, do bem que vêem fazer outras pessoas que se aplicam em
praticar a verdade vinda do céu, seja nos preceitos, seja nos
conselhos evangélicos.
"10º A caridade tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta. Quaisquer que sejam os sofrimentos que lhe advenham
do próximo, ela os recebe como vindos da mão de Deus, que se
serve dos defeitos, dos erros, e mesmo da malícia dos outros
para o nosso bem e tem o cuidado de não os afastar, mas faz
deles uma piedosa oferenda ao Senhor. – Ela tudo crê, tudo
espera. Quando nunca se engana a si próprio, não se pode
373
292
pensar que os outros sejam enganadores, que ajam com astúcia
e artifício. Por outro lado, o que a caridade promete ela cumpre
e gosta de pensar que os outros farão a mesma coisa, e assim
como, de bom grado, acredita todo o bem possível do próximo,
do mesmo modo confia na perseverança e, sobretudo, tem o
cuidado de nunca desesperar de sua conversão ou de sua
salvação. – Ela tudo suporta. Não se pode amar a Deus e ao
próximo sem sofrer, pois esse amor exige os sacrifícios da
natureza. Assim, a alma que tem a verdadeira caridade suporta
com paciência e resignação tudo que pode ter de penoso esse
amor sobrenatural: abraça-o com uma santa coragem, sabendo
que o amor verdadeiro se prova pelo sacrifício.
"Não posso, minhas queridas Irmãs, estender-me como o
desejaria sobre todas as características da verdadeira caridade.
Mas para que nenhuma de vocês fique privada da felicidade de
bem compreendê-las, para se esforçar em se revestir delas e
reproduzi-las em toda a sua conduta, vou mandar depositar no
coro um pequeno livro no qual elas são explicadas: leiam-no,
todas, eu o recomendo e meditem-no bem."
21
A superiora expressa às religiosas de Aubin sua alegria pela
generosidade com a qual renunciaram a uma viagem a Villefranche. É
preciso chegar a colocar no único Senhor toda a nossa alegria: "É
amando que tudo se tornará fácil” (L 67).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 2 de outubro de 1823, de manhã.
L.S.J.C.
A maneira generosa como fizeram o sacrifício da viagem
projetada a Villefranche encheu minha alma de consolação e
alegria. Fiquem certas, minhas queridas Irmãs, de que Deus as
recompensará, pois ele retribui ao cêntuplo os sacrifícios feitos
por seu amor. Vivam alegres e tranqüilas nas mãos de sua
paternal Providência. Amem e amem de todo o coração o
divino Esposo que tomaram por sua única partilha. É aí que
encontrarão a felicidade de nosso santo estado. É amando que
tudo se tornará fácil, que os sofrimentos e dores inseparáveis da
vida perderão seu amargor, que as dificuldades e obstáculos se
aplainarão por si mesmos. É ainda na prática desse divino amor
que encontrarão uma paz inalterável, antegozo daquela que
devemos usufruir por toda a eternidade, onde estaremos
mergulhadas no amor do próprio Deus.
Adeus, minhas caríssimas Irmãs, sou toda de vocês.
2 de outubro de 1823, à tarde.
Entregaram-me suas cartas um pouco tarde, no momento
em que fazíamos uma conferência sobre o distanciamento que
uma religiosa deve ter do parlatório. Não pude lhes responder
logo. Saúdo-as com todo o meu coração. Matamos um porco e
queremos que vocês provem dele. Por isso, lhes enviamos
salsicha e torresmos mais do que o necessário, pois talvez
queiram ter o prazer de partilhar com outras pessoas. Irmã
Victoire manda dizer que a salsicha foi feita por ela e os
torresmos por Irmã Marcelline. Gostaríamos de lhes enviar
chouriço feito pela senhorita Anastasie, mas não foi possível.
Irmã Félicité nunca se sente tão feliz como quando prepara uma
cesta para Aubin.
372
293
Estou feliz porque você não tem chorado. Creia-me,
guardemos todas as nossas lágrimas para chorar nossos
pecados.
32. Diálogo sobre a caridade
(D 97-98; nº 44)
20
Encorajamentos afetuosos e sobrenaturais à Irmã Françoise
Pascal, dolorosamente aflita. Madre Emília promete-lhe o auxílio de
suas orações e da comunidade (L 62, M 50-51).
À Irmã Françoise, em Aubin.
Villefranche, 21 de agosto de 1823.
L.S.J.C.
Por mais dolorosa que seja a provação pela qual está
passando, estou persuadida, minha querida Irmã, de que a
suporta com paz e resignação. Esse golpe é terrível, reconheço,
mas, por penoso que seja, é preciso sempre dizer e repetir de
coração: "Meu Deus, seja feita a vossa vontade." Essa foi a
linguagem dos santos nas maiores aflições e deve ser a nossa.
Somos seus descendentes e devemos caminhar seguindo suas
pegadas. Devemos reproduzir em nós seus exemplos,
sentimentos e palavras, uma vez que aspiramos à mesma
recompensa. Procure, minha querida Irmã, não se deixar abater.
Por uma inteira submissão, pode lucrar muito, adquirir uma
maior união com aquele que escolheu como seu único bem e
obter graças para aquele por quem você chora.
Adeus, minha querida Irmã. Toda a comunidade reza por
você, para que alcance uma verdadeira paz interior.
Irmã Emília
Estamos numa conferência e a conversa se estabelece a partir do
questionamento de uma religiosa. A caridade para com os de fora se
manifestará na oração pelos pecadores e no trabalho para prover as
necessidades dos pobres. É necessário habituar as crianças a esse
gênero de atividade. A caridade comunitária poderá consistir, dentre
outras coisas, em emprestar voluntariamente, sem entesourar para si,
pequenos bens.
A caridade é a rainha das virtudes. É ela que enriquece as
demais. Volto com freqüência às palavras do apóstolo São João
aos primeiros fiéis, mas eu lhes repito que não sei nem posso
dizer outra coisa: “Meus bem-amados," dizia esse apóstolo,
"amemo-nos uns aos outros, pois a caridade vem de Deus. Não
amemos em palavras, mas em ações de verdade,”74 prestando
serviço a nosso próximo todas as vezes que pudermos,
incomodando-nos sempre para acomodar os outros. É
necessário, minhas caras Irmãs, que nossa caridade se estenda
não somente às pessoas que nos cercam, a nossas alunas. Ela
deve se estender a toda a humanidade, atravessar os mares, de
maneira que todo mundo tenha um lugar em nosso coração e
participe das orações, das boas ações que fazemos. Para isso,
rezemos muito pela conversão dos pecadores, peçamos a
perseverança dos justos e façamos, cada dia, todas as nossas
ações por amor a Deus e ao próximo.
Uma Irmã: Madre, caso desejemos muito dar esmola, servir
aos pobres e não possamos, temos o mesmo mérito como se o
fizéssemos?
A Madre: Sim, minha Irmã, se o desejo que temos de fazer
essas boas obras é sincero e acompanhado pela execução
perfeita de tudo quanto podemos fazer nesse ponto, por
exemplo: você deseja dar esmola, economize tanto quanto
puder, seja no vestir, nos objetos a seu uso, a fim de que a casa
possa receber maior número de órfãs. Todas as vezes que tiver
294
ocasião de prestar algum serviço às crianças da classe gratuita,
faça-o sem demora. Inspire às suas alunas um grande amor por
essa parcela do rebanho querido de nosso bom Mestre. Ensinelhes a fazerem pequenas esmolas, com a permissão dos pais. A
esmola cobre a multidão dos pecados. Você abrirá o céu à
maioria de suas alunas inspirando-lhes amor aos pobres. O que
pensam, minhas caras Irmãs, quando mando as pequenas que
não sabem tricotar desfiar retalhos e quando desejo que as
outras trabalhem também para os pobres de vez em quando?
Não é pelo trabalho que fazem, pois muitas vezes estragam
tudo, mas para inspirar-lhes amor aos pobres, para que mais
tarde elas tenham a idéia de fazer alguma coisa por eles. A
propósito desse trabalho que recomendei ensinar às menores,
gostaria de saber se nenhuma de vocês nada tem a se censurar.
Uma Irmã: Madre, estou em falta. Não levo trabalho às
crianças, pensando exatamente que quase nada fazem.
A Madre: Está enganada. Fazem mais do que você pensa.
Elas aprendem a não esquecer os pobres, que você mesma não
ama bastante. Isso me penaliza. A obediência não raciocina
dessa maneira. Além disso, seu coração deveria levá-la a fazer
na clausura o que tantas almas caridosas fazem no mundo.
Prefiro crer que não refletiu sobre essa negligência. Fará melhor
doravante. Minhas queridas Irmãs, sejam cheias de
amabilidades umas para com as outras.
A Irmã: Se alguém vem pedir emprestada alguma coisa da
qual vou precisar, devo emprestá-la?
A Madre: Caso o objeto solicitado seja absolutamente
necessário, podemos recusar de maneira amável. Do contrário,
podendo passar sem ele, devemos emprestar. No mundo se diz:
a primeira caridade começa por si. Na vida religiosa não
podemos falar assim, mas ceder sempre o que nos pedem, bem
persuadidas de que o bom Deus nos dará o meio de nos
acomodarmos de outra maneira. Demos sempre o que nos
pedem, o bom Deus o substituirá.
371
19
Incentivo à devoção à Santíssima Virgem. Apelo à paz e à
paciência interiores, numa simples abertura de consciência para com a
superiora local (L 59, M 48-49).
À Irmã Françoise, em Aubin.
Villefranche, 11 de agosto de 1823.
L.S.J.C.
Estou muito satisfeita com a boa resolução que me
comunica, ela não podia ser melhor. Tem razão em acreditar
que junto à divina Pastora nada tem a temer do lobo que deseja
tanto as nossas almas. O que ele mais teme é a humilde
dependência, a doçura, a confiança infantil, virtudes preciosas
que nos põem ao abrigo dos seus ataques e nos conduzem
infalivelmente a Deus. Não se assuste com os sonhos que a
agitam. Evite a lembrança deles durante o dia e, se eles
voltarem contra a sua vontade, afaste seu espírito com paz e
tranqüilidade e tenha paciência. Ame particularmente essa
virtude. Sabe que para ela deve se voltar a maior parte de seus
esforços e sua prática é que deve lhe atrair o olhar do Esposo.
Pense de quantas maneiras ele a praticou, tornando-se nosso
modelo perfeito.
Quando tiver de me enviar cartas por Lacombe, coloque-as
todas juntas no mesmo envelope.
Sou toda sua.
Irmã Emília
Nada pode dizer-me que me cause mais alegria do que
falar-me da inteira confiança que tem na querida Madre
Agathe.1 Ela o merece sob todos os aspectos. Nunca lhe oculte
nada e esteja certa de que as maiores graças serão a recompensa
da fidelidade em partilhar com ela em espírito de fé, sabendo
que representa Deus.
370
295
Irmã Emília
18
Felicitações pelas boas resoluções
perspectivas reconfortantes (L 45).
tomadas;
abertura
de
À Irmã Françoise, em Aubin.
Villefranche, 27 de abril de 1823.
Sua carta, minha muito querida Irmã, causou-me o maior
prazer. Regozijo-me, sobretudo com o contentamento interior
que experimenta. Seja bem fiel às resoluções tomadas e a
recompensa será uma paz abundante. Como você é feliz, minha
querida Irmã, conduzindo almas para Deus e, por conseguinte,
proporcionando-lhe maior glória. Viva alegre, feliz no bendito
estado em que a Providência a colocou e seja toda do seu bemamado.
Ainda não consegui ver sua querida mamãe. Não disponho
de um só momento. Vou pedir-lhe que venha ao parlatório, logo
que eu estiver um pouco mais livre, e então darei
detalhadamente todos os seus recados.
Adeus, minha boníssima Irmã.
Irmã Emília
Acabo de receber sua segunda carta que me causou um
novo prazer. É com grande tristeza que não respondo desta vez
às nossas Irmãs. Contudo, eu o farei na primeira ocasião. Peçolhes terem muita coragem, pois não serão por muito tempo tão
reduzidas. Não posso voltar ainda. Os problemas da casa de
Aubin me prendem aqui tanto quanto o da casa de Villefranche.
Tenham paciência e amem ternamente o bom Mestre.
Uma Irmã: Nós quase não nos preocupamos em emprestar,
porque os objetos que transitam de um lugar para outro se
estragam.
A Madre: Por acaso, você empresta um bem que lhe
pertence? Sua maneira de falar dá a entender que é dona dos
objetos a seu uso. Os objetos se estragam quando emprestados.
Eis uma astúcia do demônio para impedi-la de praticar a
caridade. Os livros, os modelos de caligrafia se estragam, mas
quando estiverem gastos serão substituídos. Que tal temor não a
impeça de praticar a caridade. Se seus alunos não vão escrever
no momento em que uma das Irmãs lhe pede emprestados seus
modelos, empreste-os. A verdadeira caridade leva sempre a agir
de maneira a acomodar a Irmã que se encontra necessitada. Por
acaso, você tem alguns modelos de reserva?
A Irmã: Economizando um pouco, pude reservar alguns
para o próximo ano. Peço deixá-los comigo, porque o
comerciante que os vendeu talvez não volte mais. Sofri tanto
tempo até encontrá-los como desejava.
A Madre: Vá buscar todos os modelos que tem no armário e
entregue-os à ecônoma para que os mande vender. Você sabe
muito bem quanto não gosto de que tenhamos reservas.
Encontrará bastantes modelos no próximo ano. Poderá suportar
ver suas Irmãs em necessidade, enquanto você está na
abundância? Sua caridade é bem pouca. Você esqueceu estas
palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Quando lhe pedem o
manto, dê também a túnica.”75 Não somente não faça isso, mas
você age com um espírito de propriedade que não convém de
modo algum às religiosas. Desejo que as Irmãs professoras não
tenham reservas de papel, penas, modelos de caligrafia, etc.,
para ceder aos alunos. Todas as que obtiveram com permissão,
a partir de hoje devolverão tudo à vice-ecônoma, que as fará
distribuir nas classes.
296
369
33. Diálogo sobre os meios de prevenir um apego de
coração
(D 118-119; nº 55)
Com severa firmeza, Madre Emília impõe a presença de uma
terceira pessoa nos encontros e conversas da interlocutora e sua
amiga. Tendo “suas razões”, ela não admite a discussão e a religiosa,
que de início havia replicado um pouco, vem desculpar-se no dia
seguinte.
A Madre: Em que você emprega o tempo que sobra após as
aulas cada dia?
A Irmã: Eu o emprego no estudo.
A Madre: O que estuda e quanto tempo tem para estudar?
A Irmã: Tenho duas horas e meia, mais ou menos. Estudo
ora num livro, ora noutro, sobre as matérias de ensino em uso
no Instituto. Quero aprender um pouco de cada uma a fim de
bem exercer qualquer emprego a mim confiado junto às alunas.
Levo a sério instruir-me bem e aproveito todas as ocasiões para
isso.
A Madre: Com quem costuma resolver suas dificuldades?
A Irmã: Com Irmã X. Ela é tão boa! Muitas vezes
estudamos juntas as matérias que ela mesma não aprofundou.
Excitamo-nos mutuamente a progredir. Nunca me agradou
tanto estudar.
A Madre: Não diz nenhuma palavra inútil à Irmã X.
enquanto estudam juntas e depois, durante os recreios não
ficam juntas um pouco demais?
A Irmã: É impossível estudar as duas, procurar resolver as
dificuldades, sem dizer algumas palavras inúteis. Além disso, se
estamos sempre juntas nos recreios não é senão para falar sobre
matérias de ensino.
Minha Irmã N. lhe disse o que fora decidido a respeito do seu
desejo de não sair. Tenha paciência e um dia o verá realizado.
Sou toda sua.
Irmã Emília
17
Irmã Françoise Pascal é a miraculada de 8 de setembro de 1820
(Cf. nota 9 da Introdução). Os encorajamentos e o afetuoso interesse
aqui prodigalizados pela Madre lhe devem ser utilíssimos nesses
primeiros tempos em Aubin (L 44).
À Irmã Françoise Pascal, em Aubin.
Villefranche, 3 de abril de 1823.
Minha muito querida Irmã:
Queira dar-me notícias de todas as nossas Irmãs, das alunas,
da horta, etc. Diga-me ainda o nome das jovens que entraram
após a minha saída e se todas se comportam bem.
E você, minha querida Irmã, pela sua carta, parece-me um
pouco mais animada. Procure sê-lo sempre mais. Anime-se pelo
exemplo dos santos. Reconheço que o estado em que se
encontrava e em que ainda se encontra é muito doloroso, mas
também meritório. Ordinariamente, Deus se serve dessas
situações para nos unir a ele. É um meio de fazer penitência e
de nos desapegar de nós mesmas. Parece-me que havia procura
de si própria quando ia chorar. É melhor tomar um livro, olhar
as flores, fazer qualquer outra coisa. Um dos grandes meios
para dissipar esse estado de abatimento é ser bem fiel a Deus,
evitando com cuidado as faltas que são as mais habituais e
prometendo-lhe que nada nos separará do seu amor. Creio que
ele permite essas tempestades para que você se torne mais
generosa e lhe dê todo o seu coração. Confio que isso passará
logo e que Deus curará em você a alma e o corpo. Desde que os
remédios lhe façam bem, tenho motivos para esperar que isso
aconteça.
É preciso ter uma grande paciência e doçura para com a
pobre Irmã Augustine. Ela é digna de lástima. Fala-lhe algumas
vezes de vir a Villefranche?
Sou toda sua.
368
297
16
A destinatária desta carta é a primeira enfermeira da
Congregação. Ela devia provocar mais tarde a fundação do ramo nãoclausurado.1 Madre Emília recomenda-lhe uma visão sobrenatural
constante no exercício do seu ministério de misericórdia corporal.
Reconforta-a também em suas dificuldades espirituais (L 43).
À Irmã Marie Vialard, em Aubin.
Villefranche, 26 de fevereiro de 1823.
Minha muito querida Irmã:
Ei-la muito ocupada junto aos seus queridos doentes. Ah!
minha querida Irmã, como você é feliz, pois, sem sair da santa
obediência, está exercendo as mesmas funções do nosso doce
Salvador. Esse divino modelo, ao restituir a saúde ao corpo,
curava também a alma, pois era a cura principal que ele tinha
em vista. Tenho certeza de que minha Irmã Marie procura
imitá-lo nesse ponto e que seu zelo a leva a fazer conhecer e
amar a Deus. É verdade que nem sempre encontra corações
dóceis e que é preciso recomeçar muitas vezes. Mas que isso
não a desanime. Quanto mais dificuldade tiver, tanto maior será
sua recompensa. Mesmo que convertesse apenas uma alma,
seus trabalhos seriam pagos e até com juros bem altos. Lembrese de que nosso Salvador teria morrido por uma só alma, como
o fez pelo mundo inteiro. Eu a convido a purificar sua intenção
em tudo que faz, a não procurar senão a maior glória de Deus,
a nada atribuir a si mesma, mas a referir a esse bom Mestre o
pouco que realiza, olhando-se apenas como um fraco
instrumento. Tente nestes quarenta dias ficar com Jesus
solitário. Os campos e os bosques que tem ocasião de ver lhe
lembrarão o deserto para onde se retirava o celeste Esposo.
Fique recolhida tanto quanto puder e pratique uma verdadeira
mortificação interior, a fim de que Jesus, Maria e José lhe
concedam cada vez mais o espírito de nossa santa vocação.
Compartilho do sofrimento que experimenta nas suas
tentações e dificuldades espirituais. Seja fiel, minha querida
Irmã, e haverá de vencer. Jesus está com você. Progrida no
esquecimento de si própria e ele se aproximará ainda mais.
A Madre: Não seria impossível estudar as duas sem falar
inutilmente, se quisessem. Doravante, não ficarão sozinhas.
Chamarão Irmã N. que trabalhará em companhia de vocês,
enquanto estudam. Vá dizer-lhe que esteja no jardim às duas
horas da tarde.
A Irmã: Madre, eu suplico, deixe-nos sós! A Irmã X. se
sentirá acanhada com a presença da Irmã N. que estará lá para
nos vigiar. Além disso, ela poderá pensar que a senhora
desconfia de nós, o que parece verdade. Prefiro não estudar
mais com ela, a lhe causar desgosto.
A Madre: Irmã, você é uma contestadora. Não fale mais. Vá
pedir ao bom Deus para esclarecê-la e não volte hoje para me
pedir desculpa de sua pouca docilidade.
A Irmã (no dia seguinte): Minha Madre, peço-lhe perdão
por tê-la penalizado, replicando. Estou disposta a fazer tudo
quanto a senhora quiser.
A Madre: Faz bem em reconhecer sua falta e repará-la. Os
superiores têm razões para ordenar coisas que contrariam suas
súditas. Ambas são bastante jovens. Deus as preserve de
entregar-se a afeições muito naturais uma pela outra. Isso seria
arriscado, caso eu não pusesse ordem. Também não quero
absolutamente que fiquem juntas sozinhas. Ainda não existe
nada sobre esse ponto que desagrade ao bom Deus, mas não
tardaria a existir qualquer coisa. Para o futuro, quando eu lhe
recomendar alguma coisa que a contrarie, recolha-se um
momento, vá em espírito diante do Santíssimo Sacramento, e
depois me faça a observação que o bom Deus lhe inspirar. Se eu
não me render a seus desejos, obedeça sem a mínima réplica.
A Irmã: Madre, deixe-me apresentar-lhe alguma coisa. A
Irmã X. a teme, acha-a um pouco severa. Receava muito
mesmo que isso a indispusesse contra a senhora.
298
A Madre: Sei que irei penalizá-la. Isso deve me impedir de
cumprir meu dever e você o seu? Não, minha cara Irmã. Afinal,
um pequeno mal que resultará disso, impedirá um mal maior e
mais perigoso para ambas. Mesmo que saibamos os
aborrecimentos que ocasionamos cumprindo o dever, nem por
isso devemos deixar de cumpri-lo perfeitamente. Se a Irmã não
sente prazer em ser repreendida enquanto estudam juntas, é
melhor se separarem e estudar cada uma em particular.
A Irmã: Apesar de tudo, sinto um pouco de desgosto ao
notar que a senhora acredita haver entre nós um começo de
amizade particular e porque nos envolve com tantas precauções.
Entretanto, prometo obedecer-lhe.
A Madre: Ainda não existe um começo de amizade
particular, mas isso aconteceria e não deve acontecer. Vou
ainda impor-lhe outro sacrifício. Vocês são o anjo uma da
outra. Não serão mais. Sei que gosta de ser advertida de suas
faltas. Então, eu me encarrego de adverti-la. Depois, quando
não a vir mais, encarregaremos seu bom anjo da guarda de fazêlo. Além do mais, você tem sua consciência. Ela gritará
bastante forte para que a ouça.
367
15
Encorajamentos a uma religiosa que parece engajar-se
resolutamente na "via da infância espiritual." Que esse propósito se
manifeste particularmente por uma inteira abertura de consciência (L
42, M 37).
À Irmã Euphrasie, em Villefranche.
Aubin, 10 de fevereiro de 1823.
L.S.J.C.
Como são boas as notícias que você me dá de si mesma,
minha querida Irmã, como me consolam e são agradáveis ao
coração! Trazem-me alegria e a mais doce consolação! Que
satisfação para mim quando, na minha volta, encontrar minha
Irmã Euphrasie com um semblante aberto, alegre e contente e
este espírito de infância tão agradável ao amável Jesus.
Continue a cumprir suas boas resoluções. Coloque-as sob a
proteção especial de Maria. Mesmo recaindo alguma vez, não
desanime, mas levante-se com humildade e confiança,
entregando-se ao trabalho de bom coração e com alegria.
Continue a abrir seu interior à minha querida Irmã
Athanasie. Faça-o sem nenhuma reserva, com inteira
simplicidade. Essa boa Irmã tem condições em todos os
sentidos de bem dirigi-la e você não pode me dar mais doce
satisfação do que lhe abrir seu coração com plena confiança.
Que sua boa conduta seja consolação e alegria para ela. É na
íntima persuasão de que assim o fará que sou toda sua.
Irmã Emília
Minhas carinhosas lembranças às nossas queridas crianças.
366
299
lastima ter de me deixar partir, mas está decidido e muito bem
decidido que viajarei. Brevemente estarei com vocês. Eu lhes
direi de viva voz que não têm bastante confiança em Deus.
Entristeceu-me saber que Irmã Françoise está doente.
Digam-me, por favor, por que e como lhe aplicaram um
emplastro, o que é que lhe dói, se ela dorme bem e se tem
apetite. Peço-lhe que não chore mais. Séraphine vai voltar bem
convertida, como também suas companheiras. Eu as saúdo
afetuosamente. Meus cumprimentos a Pe. Lalande. Adeus, sou
toda de vocês.
Irmã Emília
14
Concisa e densa exortação a um sacrifício sempre mais total,
porém na discrição que garante a paz e a suavidade do esforço ( L 41,
M 38).
À Irmã Euphrasie Bauguil, em Villefranche.
Aubin, 5 de fevereiro de 1823.
Alegro-me de todo o coração pela calma e pela paz que
Deus lhe dá. Cuide de não lembrar os tormentos interiores por
reflexões sobre si mesma. Entregue-se a este espírito de
sacrifício do qual experimenta as vantagens. Poderá haver
maior felicidade do que dar tudo a Deus? Perdendo tudo, não se
achará um tudo mais abundante do que a felicidade perdida?
Caminhe tranqüilamente, com paz e alegria interiores,
ocupando-se apenas do seu trabalho e nunca procurando saber
algo do que não lhe diz respeito.
Sou toda sua no Sagrado Coração de Jesus.
Irmã Emília
34. Conferência sobre a hospitalidade de Abraão: ela deve
ser o modelo da nossa
(C 72-73; nº 27)
Inspirando-se na narração do Gênesis (18, 1-9), Madre Emília
mostra como a Casa-mãe deve acolher as religiosas das casas
secundárias quando vêm para o retiro anual. Dará prova de uma
franca cordialidade, incomodando discretamente a si mesma, se for
necessário, porém na simplicidade, sem querer surpreender as
hóspedes.
Abraão estava no vale de Mambré, sentado à porta de sua
tenda, quando três homens, que eram três anjos, apareceram.
Logo que os percebeu, diz a Sagrada Escritura, correu ao
encontro deles e prostrou-se por terra. “Senhor," disse ele, se
achei graça aos seus olhos, não passe diante da casa de seu
servo sem parar.” Vendo-os ceder a seu desejo, foi depressa
dizer a Sara de assar pães debaixo da cinza. Ele mesmo correu
até o rebanho, pegou um excelente novilho, muito tenro, e
ordenou que o cozinhassem. Tomou, em seguida, manteiga e
leite e serviu-os com o novilho preparado. Quanto a ele,
mantinha-se de pé. Essa conduta de Abraão é cheia de
ensinamentos para nós. Apenas avistou os estranhos, apressouse em ir ao encontro deles. É assim, minhas caras Irmãs, que
devemos ir, em espírito de caridade, ao encontro das Irmãs
quando vêm à Casa-mãe. Ir ao encontro de religiosas
pertencentes a outra comunidade, quando vêm à nossa casa a
fim de passar um ou vários dias, ao encontro de pessoas
piedosas que foram aceitas para fazer um retiro aqui, quando a
obediência nos permite conversar.
Não quero dizer que devamos ir ao encontro dessas
diferentes pessoas para manter com elas conversas inúteis, para
nos informar de novidades de fora. Não. Assim, faltaríamos a
nosso regulamento. Devemos ir neste espírito de união que nos
fará ver nelas Irmãs talvez necessitadas de nossos serviços, de
nossas delicadezas, enviadas de Deus que trazem graças e
300
bênçãos ao Instituto. Devemos tratá-las em tudo e em toda parte
com respeito e veneração, dar-lhes o primeiro lugar nos
recreios, no coro, no refeitório. Vejam Abraão: ele se prostra
perante os anjos: "Senhor", diz-lhes, se encontrei graça diante
do Senhor,” quer dizer: “se não sou indigno de hospedá-los, de
proporcionar-lhes cuidados, entrem em minha casa, não vão
adiante sem parar um pouco." Eis, mais ou menos, a linguagem
que devemos manter com as pessoas estranhas, que somos
obrigadas a admitir na casa, a linguagem a manter com as
nossas Irmãs das casas secundárias, quando elas se desculpam
ao receber delicadezas que cada uma de nós deve prestar.
Devemos responder-lhes então: “É para mim uma honra e um
grande prazer poder servi-la em alguma coisa.”
Abraão trata seus hóspedes de “senhor” e chama a si
mesmo de “servo”. Cada uma de nós deve se considerar como a
serva de todas as suas Irmãs, porém particularmente como a
serva da Irmã Julie e de suas filhas (religiosas do Sagrado
Coração de Maria, que passaram duas ou três vezes uns quinze
dias aqui na casa); como a serva de Antoinette (serviçal de
Padre Marty, a qual se dedicou a casa); como a serva das Irmãs
de nossas casas secundárias.
Algumas vezes, elas são tímidas quando vêm aqui. É
preciso deixá-las bem à vontade. “É sua casa, é seu berço,"
devemos dizer-lhes. "Não fiquem acanhadas, tudo o que é
nosso é de vocês também. Podem manifestar os menores
desejos, as necessidades ocultas e procuraremos satisfazê-las do
melhor modo possível.” Nos recreios, devemos ir ao encontro
delas e entretê-las, tanto quanto possível, com coisas santas,
espirituais. Nunca deveria acontecer que uma Irmã nãoclausurada se aproxime de uma Irmã clausurada sem se sentir
mais levada ao fervor, ao amor de Deus. Que má edificação não
seria para uma Irmã não-clausurada ou para qualquer outra
pessoa que crêssemos poder admitir na casa, se uma Irmã
dedicada a uma vida retirada e de silêncio procurasse informarse das notícias do mundo, sentindo prazer em escutá-las, se ela
não soubesse entreter-se senão de coisas vãs e fúteis. Em vez de
fazer bem a suas Irmãs e às outras pessoas que algumas vezes
365
Christine e Janou tiveram a felicidade de fazer sua
primeira comunhão. E eu, minhas queridas Irmãs, bem como
Irmã Agathe, terminamos nosso retiro. Essa lhes envia
carinhosas lembranças. Quanto a mim, sabem bem o que lhes
diz meu coração que está entre vocês e que lhes deseja todo o
entusiasmo e grandeza do amor. Hoje visitei metade da
congregação e falei do bom e amabilíssimo São Francisco de
Sales, cuja festa celebraremos quarta-feira. Procurem ter a
missa naquele dia para honrá-lo particularmente. Sabem quanto
crédito ele tem junto a Deus e qual era a sua mansidão, sua
humildade, seu espírito interior, sua doce alegria, seu terno
amor para com Deus, com que caridade suportava os defeitos
do próximo, por maiores e desagradáveis que fossem. Temos
nele um excelente modelo de todas as virtudes; por isso,
devemos ser-lhe muito devotas e invocá-lo com grande
confiança. Peçamos-lhe ardentemente1...
(Falta a continuação dessa carta)
13
A casa de Aubin foi fundada no outono de 1822. Madre Emília
permanece como superiora titular até julho de 1823, mas Irmã Vincent
Vacquié assume a responsabilidade na ausência dela. A comunidade
progride com bastante dificuldade, enfrentando vários processos
judiciários. A fundadora escreve-lhe para confortá-la (L 40, M 32-33).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 1º de fevereiro de 1823.
L.S.J.C.
Tão certo quanto pode ser neste mundo, virei no decorrer
da semana, eu o prometo e lhes dou minha palavra. Seus
sofrimentos são também os meus. Eu os sinto intensamente e
desejo de todo o coração poder amenizá-los. Se eu lhes dissesse
o dia da minha chegada, vocês ficariam angustiadas caso não
conseguisse realizar minha promessa. Aliás não o sei. Será na
semana que começa amanhã, no dia que o bom Deus quiser.
Nosso Pai diz que gostaria de ver-me aqui por mais tempo,
364
301
Nada de novo. Ainda não vi as Irmãs em particular.
Estou tão atarefada que não visitei os coelhos nem os pombos.
Como os porcos estão pertinho do meu quarto tive o prazer de
vê-los. Os de Aubin podem se regozijar de estarem na
fundação. Estão numa fartura tão grande que os daqui se
alegrariam de comer as sobras.
Sou toda de vocês, minhas muito queridas Irmãs.
Alegrem-se, alegrem-se! Que em nenhuma transpareça tristeza.
Vocês estão a serviço do grande Rei, levam consigo a marca do
Esposo, estão em missão e devem conquistar almas para Deus.
Ora, isso só se pode fazer de semblante alegre, não temendo
nada, a não ser a ofensa a Deus. Sintam sua felicidade: poderia
ser maior? Vocês a mereceram? Que têm feito para que Deus
lhes conceda tantos favores? Sejam humildes, desconfiem de si
mesmas, mas confiem em Deus.
Irmã Emília.
Não há nenhum ponto, nem vírgula; não tive tempo de
acentuar.
12
Notícias a respeito dos votos e admissão na comunidade da Casamãe. Elogios a São Francisco de Sales, do qual Madre Emília falou à
Congregação (v.s., p.8).
(L 39, M 31-32)
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 26 de janeiro de 1823.
L.S.J.C.
Temos mais duas Irmãs: uma como associada, tem o
nome de São José, e a outra, Irmã porteira, o de Elisabeth. Esta
piedosa cerimônia, realizou-se com muito júbilo. As novas
esposas estão na alegria espiritual. As senhoritas Bouquiers e
Dufau, que receberam a fita do postulado, se regozijam do
primeiro passo que deram na vida religiosa e querem receber o
véu nesses três meses.
admitimos, ela faria mal e se afastaria do exemplo de Abraão,
que não se entretinha com seus hóspedes senão das promessas
de Deus, da salvação de seus irmãos.
Abraão manda servir a seus hóspedes o que há de melhor:
pães assados na cinza, leite e mel e carne de um tenro novilho.
Essa refeição simples e modesta ainda é para nós uma lição: o
pão é uma coisa muito comum, que todo mundo usa; o leite é
ainda um alimento de uso comum; o mel, um pouco mais
procurado em certos lugares, não é nada de extraordinário; a
carne do novilho é das mais usadas habitualmente. Eis como
devemos tratar nas refeições as pessoas que recebemos,
oferecendo-lhes o que temos de melhor, mas sem nos afastar da
simplicidade habitual em nossa alimentação. Podemos e
devemos preparar um pouco melhor para elas os alimentos
comuns, oferecer-lhes o melhor pão, os mais belos frutos e,
sobretudo, sentir prazer em servi-las com grande cordialidade.
Eis o que dilata os corações, os deixa à vontade. Entretanto, não
devemos, na maneira de tratar nossas Irmãs das casas
secundárias ou as outras pessoas que recebemos, exceto em um
caso extraordinário, como na visita do Sr. Bispo, do Superiorgeral, servir iguarias que não usamos e que nem se espera no
mundo encontrar nos conventos, tais como doces, pastelaria,
café, licores. Servir tais coisas num convento pobre como deve
ser o nosso não pode acontecer. Parece-me que isso não seria
edificante. São iguarias do mundo e geralmente banidas das
casas religiosas.
Algumas de vocês puderam ver uma pessoa da casa,
doente, a quem permiti usar uma garrafa de licor que lhe deram
e algumas pequenas coisas inusitadas entre nós. Tive razões
imperiosas para isso e meu coração sangrou bastante ao
permiti-lo. Queria ter podido guardar num quarto fechado à
chave a mesinha com essas coisas, a fim de serem vistas apenas
pela pessoa que as usa. Não foi possível. Peço então, minhas
queridas Irmãs, de não seguirem esse exemplo.
Na época do retiro, cada uma de nós deve estar disponível
para oferecer sua cama a nossas Irmãs que chegam cansadas de
302
363
nossas casas secundárias. Tenho a impressão e é verdade, que a
palha e o chão no qual vocês estão deitadas durante esses oito
ou dez dias são para vocês bastante suaves. Nós nos sentimos
tão felizes em nos mortificar para servir as nossas Irmãs! Vocês
devem também emprestar-lhes, oferecer-lhes o que têm em uso
e lhes é permitido dispor. É nessa época do ano, sobretudo, que
devemos meditar sobre a hospitalidade de Abraão e conformar
nossa conduta à dele. As Irmãs cozinheiras, as refeitoreiras, as
principais provedoras, que têm relacionamento imediato com
nossas Irmãs, devem considerar-se felizes, mesmo se por isso
forem impedidas de assistir a todos os exercícios do retiro,
porque a caridade passa na frente de tudo. Fazemos o retiro
para aprender a ser caridosa, a crescer no amor de Deus. Ora,
servindo às Irmãs, por obediência, crescemos em amor e em
graça diante de Deus. Repito: a época do retiro é um tempo de
colheita para as Irmãs da Casa-mãe, que se conduzem com
espírito de fé em relação a todas as nossas Irmãs.
35. Diálogo sobre a doçura e a caridade, sobretudo para
com as crianças
(D 122-124; nº 58)
O projeto pedagógico de Santa Emília é antes de tudo educativo e
apostólico: ela deseja primeiramente que as alunas da Sagrada Família
se tornem sérias e fervorosas cristãs. Pe. Marty está plenamente de
acordo com ela sobre esse ponto. Quando mais tarde for necessário
insistir sobre o aperfeiçoamento técnico da instrução, Madre Emília se
submeterá, mas deixará outras agirem. Aliás, o que ela diz aqui
conservará sempre seu valor, em qualquer contexto que seja.
Observamos que o “diálogo” parece bem enquadrado numa reunião
com várias religiosas.
A Irmã: Minha Madre, eu me acuso de muitas vezes faltar à
doçura com as crianças.
A Madre: Você faz bem em reconhecê-lo. Humilhe-se
diante do bom Deus por ainda não ter aprendido na escola do
divino Salvador a ser doce e humilde de coração. Jesus Cristo
não nos disse em seu Evangelho: “Aprendam de mim a fazer
11
Tendo de retardar a viagem projetada na carta anterior, Madre
Emília compensa dando notícias da comunidade de Villefranche.
Anima suas correspondentes, recordando-lhes os motivos essenciais
de sua alegria e de sua gratidão para com Deus (L 37, M 29-30).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 21 de janeiro de 1823.
L.S.J.C.
Vamos, se Deus quiser, dar a fita de postulante às
senhoritas Bouquiers e Dufau, o hábito religioso a Marie
Raynal e o santo véu à senhorita Delcamp. Rezem por elas,
minhas queridas Irmãs, a fim de que tenham, bem como nós, o
espírito religioso. Comunicarei o dia dessa cerimônia, para que
possam se unir a nós. Penso que será domingo. A senhorita
Delcamp escreveu à mãe dela para que providencie tudo o que
lhe é necessário. Envio-lhes a carta para que a entreguem logo
no dia seguinte. Enviem por Christine, a quem mando
lembranças. A menina dela vai bem. Ainda não fez a primeira
comunhão, mas está se preparando. Não sei se receberam minha
última carta, na qual eu lhes dizia que nosso bom Pai, vendo-me
mais cansada, me tinha dito que devia voltar o quanto antes.
Não posso determinar o dia, mas será logo que terminar meus
afazeres aqui. Minha idéia de permanecer apenas quatro ou
cinco dias não corresponde ao que ainda tenho a fazer, mas
fiquem tranqüilas, voltarei em breve. Nossas Irmãs e nosso Pai
sentem a necessidade de meu regresso a Aubin. Sejam
inteiramente de Deus. Observem bem o Regulamento e façam
suas orações com particular atenção... Nossas queridas Irmãs
lhes dizem tudo o que se pode dizer, especialmente minha Irmã
Agathe. Ela desejaria muito escrever-lhes, mas posso certificálas de que isso não lhe é possível. Minhas lembranças a
Virginie. Digam-me se está bem comportada. Minha afeição às
nossas crianças e saudações aos nossos amigos.
362
303
Meu coração está com vocês, minhas queridas Irmãs, e
lhes desejo, como sempre, mil e mil bênçãos, sobretudo
coragem e generosidade. Quando tiver terminado nossos
negócios, que resolverei o mais rápido possível, irei lhes falar
de viva voz.
Adeus, não posso hoje lhes dar a mínima notícia. Vivam
na paz e na mais perfeita união. Obedeçam à minha cara Irmã
Vincent como a mim mesma.
Irmã Emília
10
A fundadora deixa entrever às religiosas de Aubin a
eventualidade muito provável de uma visita (L 36).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 17 de janeiro de 1823.
L.S.J.C.
Vejam, minhas boníssimas Irmãs, se não estou cumprindo
minha promessa: escrevo-lhes todos os dias e encontro nisso
uma doce satisfação. Nada de novo aqui. A alegria de nossas
queridas Irmãs só é perturbada pelo receio de me perderem.
Anunciei-lhes que em breve deveria deixá-las. Na primeira vez
em que lhes disse isso, elas não o podiam suportar. Agora
aceitam melhor. Penso que, se não fosse minha saúde, teria sido
impossível ir até vocês, apesar de toda a minha boa vontade.
Mas, havendo essa razão, terei logo a doce consolação de me
encontrar no meio de vocês.
Adeus. Sou toda de vocês. Que a paz e a alegria transbordem
de seus corações.
Irmã Emília
milagres, a passar noites em oração, a jejuar”, mas ele nos
disse: “Aprendam de mim que sou doce e humilde de
coração.”76 A doçura e a humildade são duas virtudes muito
caras ao Coração de Jesus, duas virtudes que todo mundo pode
praticar. Como uma pessoa doce e humilde ganha almas e honra
a piedade! Sabemos, por nossa própria experiência, que muitas
vezes obtivemos por meio da doçura o que jamais poderíamos
ter obtido empregando a severidade. Sejam doces, minhas caras
Irmãs, em suas palavras, jamais dizendo alguma coisa que
possa causar desgosto a alguém, mas que seja ditada por uma
terna e cordial caridade. Sejam doces para com as crianças não
as irritando nunca, mostrando-lhes em todas as ocasiões um
coração de mãe. Que elas não as vejam nunca seguir a natureza
ao puni-las. “A palavra doce apazigua a cólera, a palavra dura
excita o furor.”77 Meditem sobre essas palavras e vejam se sua
conduta se conforma a elas. Quando uma criança se obstina em
não querer obedecer, vocês a conquistarão pela doçura. Caso
contrário, a irritarão.
A Irmã: Eu pensava que nunca devia ceder às crianças e
que, quando têm uma vontade forte, é preciso ser mais forte que
ela.
A Madre: Eu disse que é preciso ceder às crianças, mas é
preciso algumas vezes fazer de conta que estamos cedendo.
Depois, quando percebemos que a criança está calma, é preciso
exigir com doçura aquilo que tínhamos pedido antes. As
crianças compreendem logo, quando a mestra as castiga, se ela
está impaciente ou se está calma, unida a Deus. Todas as vezes
que falam às crianças ou a qualquer outra pessoa, façam isso
com doçura.
A Irmã: Minha Madre, eu acho isso bem difícil. Tentei
várias vezes ser doce, mas parece-me que as crianças não me
escutam. É preciso me impacientar um pouco, falar um pouco
forte.
A Madre: As alunas não a escutam quando você fala com
doçura porque estão acostumadas a vê-la falar de modo
304
361
contrário. Elas a escutariam muito bem se habitualmente a
ouvissem falar com doçura e em voz baixa. O demônio a
persuade de que não conseguirá nunca praticar um ato que lhe
foi tantas vezes recomendado para fazê-la perder o fruto de seu
trabalho, e também para impedir o bem que poderia fazer
comportando-se de outra maneira.
Chove a cântaros, o que nos impede de... nossa consolação
é pensar que é melhor fazer a fundação com a chuva do que
com o sol. Dizem que não há lugar mais necessitado dela do
que este e esperamos que todos a vejam com bons olhos. Peçolhes, minhas queridas filhas, que me enviem o véuzinho de
crepe.
Um meio próprio para adquirir essa mansidão que deveria
ser encontrada em todas as religiosas é, minhas caras Irmãs,
manterem-se em estado de calma interior, de união com Deus, e
então todas as suas palavras se impregnarão dessa disposição de
sua alma. Adquirem muitos méritos aplicando-se em fazer o
que lhes digo. Detestem cada dia suas faltas de doçura. Se for
para com as Irmãs que faltaram, peçam perdão e tomem o
propósito de melhorar.
Mil lembranças a todos os nossos amigos. Transmitam ao
nosso querido Pai meu respeito muito afetuoso. Digam-lhe que
se lembre, junto ao bom Deus, de suas pobres filhas que estão
no meio da Babilônia. Quanto a vocês, minhas queridas Irmãs,
alegrem-se por estar perto do santuário. Amem o bom Deus,
amem-se umas às outras e sejam extremamente dóceis.
Obedeçam a minha Irmã Athanasie2 com prontidão e alegria.
Aliviem o seu fardo pela fidelidade a todos os deveres. Assim
gozarão de uma grande paz.
A Irmã: Minha Madre, eu ouvi dizer de algumas Irmãs que
são muito doces, que suportam tudo com paciência, que não
têm sangue nas veias, que nunca terão sucesso junto às
crianças. Eu não gostaria que se dissesse isso de mim.
Aguardando o prazer de vê-las, sou, minhas queridas filhas,
no Sagrado Coração de Jesus, toda de vocês.
Irmã Emília
A Madre: Não quer que se diga isso de você. Qual o motivo
que a anima? O amor-próprio. Será que as religiosas devem se
deixar guiar por motivos tão baixos, tão imperfeitos? É errado
dizer o que acabo de ouvir e você não deve dar-lhe crédito. Os
tesouros de mérito adquiridos por muitas religiosas de caráter
vivo e petulante, que por esforços contínuos sobre si mesmas
parecem cordeiros, são muito grandes. Quantos erros nos
julgamentos que fazemos. As coisas nos aparecerão sob outro
ponto de vista quando Deus nos conceder um pouco de sua luz
interior. Algumas vezes cremos fazer muito e não fazemos
nada, porque não é o Espírito Santo que nos move.
A Irmã: Minha Madre, se nós formos demasiado tranqüilas,
nada fazemos pelas crianças, elas não progridem. Nosso Pai deu
ultimamente orientações a respeito da calma e da doçura que
ele desejava que tivéssemos. A mim parece não ser possível
fazer como ele diz.
Ano de 1823
9
Uma breve palavra de encorajamento à comunidade de Aubin,
em meio à urgência de múltiplos negócios ( L 35, M 28).
Às Irmãs de Aubin.
Villefranche, 15 de janeiro de 1823.
L.S.J.C.
360
305
Ano de 1822
8
Primeira carta escrita pela superiora às suas religiosas de
Villefranche que ela acaba de deixar para proceder à fundação de
Aubin. Conta com gracioso otimismo as peripécias da chegada e da
instalação provisória e recomenda a docilidade para com a assistente
que a substitui na Casa-mãe (L 34, M 26-27).
Às Irmãs de Villefranche.
A Madre: Tudo é possível a uma religiosa bem obediente e
que tem compreensão. Quando Pe. Marty e eu dizemos que é
preciso trabalhar na educação da infância sem confusão, sem
inquietação, sem preocupação, sem que o cuidado que lhe
dispensamos prejudique em nada nossa perfeição, não
pretendemos dizer que seja necessário nos acomodar, não
buscar o progresso das almas, não é isso que pedimos. Assim
faltaríamos à justiça. O que desejamos é que as educadoras não
esqueçam em sua conduta e em seu relacionamento, seja com as
alunas, seja com os pais, que antes de serem educadoras elas
são religiosas, e aquilo que é objeto secundário de nossa
vocação não seja colocado no primeiro plano. Seu primeiro
objetivo foi o de serem religiosas e não simplesmente
educadoras.
Aubin, 29 de agosto de 1822.
L.S.J.C.1
Minhas caríssimas filhas:
Chegamos a Aubin ontem à tarde, acompanhadas de nossa
querida fundadora que é muito boa para conosco e tem o
cuidado de nos manter alegres. Nossa primeira tarde passou-se
sem tristeza e numa certa escassez de bens deste mundo. Apesar
disso, jantamos com bom apetite. A noite teria sido bastante
tranqüila se não fosse uma tempestade que nos ameaçava de
inundação e a chuva entrando em nosso apartamento.
Fomos à santa Missa em honra de São João Batista,
tomando-o como protetor de nossa fundação, para a qual iremos
começar a agir a partir de hoje à tarde. Peçam ao bom Deus que
inspire bons pensamentos ao Sr. Vigário e ao Sr. Prefeito.
Já vimos todas as nossas ex-alunas e particularmente duas
que nos testemunharam muito afeto, sobretudo a Srta. Fournols
que nos ofereceu um almoço tão copioso quanto escasso tinha
sido o nosso jantar. Acompanhou-nos em seguida à casa do Sr.
Murat, que nos acolheu muito bem, pois tem um carinho
particular pelas religiosas. Ofereceu-nos o seu jardim para
passearmos e aceitamos, visto que fica pertinho de nossa casa e
é muito tranqüilo. Estamos hospedadas na casa de uma
senhorita que é um modelo de virtude.
Ora, minhas Irmãs, várias dentre vocês esquecem hoje esse
primeiro objetivo e sonham tornar-se educadoras. A prova disso
é o pouco caso que fazem da obediência, do espírito religioso,
da observância da Regra. Suas salas de aula as preocupam
demais quanto ao material, ao acessório. Vocês não se
interessam tanto por fazer de suas alunas santas, quanto em
torná-las pequenas sábias. O que é uma mulher instruída se não
tem a piedade, o amor pelo trabalho? É uma pessoa muito
perigosa e que corre o risco de se perder e de perder os outros.
Pensem nisso, minhas Irmãs. Nós não nos dedicamos à
educação da juventude para ganhar dinheiro, para atrair a
estima e a consideração dos homens, mas para procurar a
salvação das almas, a glória de Deus. Para atingirmos esse
objetivo, devemos todas ser fervorosas religiosas e depois boas
educadoras. Nós o seremos se buscarmos em nosso trabalho,
como acabo de dizê-lo, apenas a glória de Deus. Porque então
compreenderemos que podemos fazer maior bem a nossas
alunas pela oração, pela mortificação, por uma conduta mais
regular do que por nossa competência. Quanto bem faz às
crianças uma mestra cheia do espírito de Deus, que haure na
oração e na meditação a luz, as forças e as graças necessárias
para bem cuidar do pequeno rebanho que Deus lhe confiou,
uma mestra que, ao mesmo tempo em que instrui, inspira o
amor ao bem e à virtude. Ela ensina as crianças a agirem com
306
359
pureza de intenção, a fazerem bem suas orações, a amarem os
pobres, os doentes, a fugirem da ociosidade, a amarem o
trabalho. Uma mestra deve ser em tudo o modelo de suas
alunas.
A Irmã: Minha Madre, procuraremos aproveitar de tudo o
que a senhora nos disse.
A Madre: Será para si mesma que cada uma trabalhará. Se o
que fazem for conforme à obediência, obterão uma recompensa;
caso contrário, perderão o tempo. As Irmãs que dizem não
poder se conformar às recomendações feitas por nosso Pai
pensem bem ser o demônio que as persuade disso. Tudo o que
fazem além do que a obediência lhes prescreve é perdido para a
eternidade. Não se iludam, minhas caras Irmãs, não creiam que
seja o espírito de Deus quem guia uma religiosa que, tendo sido
advertida para amenizar um pouco suas forças, não falar alto,
tratar com mais doçura e caridade suas alunas, dando mais
atenção à formação de seu coração e de seu caráter, parece não
fazer nenhum caso dessas recomendações para lhes fazer
aprender muito de história, de geografia, de gramática. Não,
não, não é o espírito de Deus que a move. É a sua própria razão
que a dirige, sem mérito para o céu. Como uma religiosa que
compreende tão pouco a obediência poderá ensiná-la às suas
alunas? Isso não é possível. Há religiosas que julgam fazer-se
respeitar assumindo um tom e ares de autoridade, abrindo os
olhos, nunca falando às crianças com essa simplicidade que é a
verdadeira característica dos discípulos de Jesus Cristo. Elas se
enganam muito mesmo. Em sua presença, as alunas se mostram
em perfeita ordem, não dizem uma palavra, mas por temor, sem
mérito, portanto. Se a mestra se retira, elas falam de seus
modos, criticam sua conduta, comparam-na com outras
religiosas mais humildes, mais modestas. "Ah!" dizem elas,
"Irmã N. é melhor que a Irmã X; ela nos fala sempre com
bondade, com doçura, tem sempre alguma coisa amável a nos
dizer.”
7
À Senhora de Trenquelléon.
Villefranche, 1º de abril de 1820.
Aleluia!
É com alegria e de todo o meu coração que lhe desejo,
minha querida Irmã e a toda a sua comunidade, a alegria, a paz
e o santo ardor que nos deve inspirar a grande solenidade que a
Igreja celebra. Nosso divino chefe vitorioso e triunfante inspiranos a doce confiança de que todas as tentativas de nossos
inimigos só conseguirão proporcionar-lhes uma vergonhosa
derrota. Agora, na bela estação, nós a esperamos todos os dias e
nos alegramos antecipadamente na esperança de vê-la. Eu,
particularmente, sinto grande alegria, certa de que sua viagem
será para a maior glória do divino Esposo a quem nos
consagramos. Possa sua bondade nos iluminar e ele mesmo
aplainar o que poderia dificultar nossa união. Se ela está nos
interesses dele, não duvidemos de que seja perturbada pelo
inimigo de todo bem. Rezemos para obter uma pura intenção.
Não lhe peço notícias de suas queridas filhas, na esperança
de tê-las de viva voz. Aguardando essa consolação, sou toda
sua no Sagrado Coração de Jesus.
Irmã Emília.
307
358
Participo vivamente da tristeza do seu coração ao ver suas
queridas filhas na impossibilidade de satisfazer o preceito de
nossa boa Mãe. Estou na mesma situação que você, tendo
várias Irmãs obrigadas a comer carne, inclusive eu. Quanto ao
jejum, apenas uma dentre nós todas pode fazê-lo. Assim, veja
que nossa casa está sempre à sombra da cruz, mas, como a
escolhemos por nosso quinhão, ela deve ser nosso tesouro.
Nossa Irmã porteira esteve muito doente dos pulmões; agora me
parece fora de perigo. Eu lhe disse que a sua estava enferma:
ela se solidarizou com o mais vivo interesse e me disse que a
ama muito, pois a considerava como sua irmã e iria rezar por
ela. Todas as nossas Irmãs se alegram ao ouvir falar das suas.
Elas pretendiam abraçar afetuosamente a "bonequinha" e a
esperavam com ansiedade, mas ela não nos foi entregue.
Teremos o prazer de nos encontrar depois da Páscoa. Isso
valerá muito mais do que a boneca. Entretanto, é lamentável
que depois de ter o trabalho de fazê-la se tenha extraviado. Não
conhecendo o portador, não pude reclamar. Mas, voltemos às
nossas viagens. Penso que sem isso a união de nossas casas será
impossível. Aliás, essa união é desejada por minhas Irmãs e por
mim. Assim, minha querida Irmã, espero-a depois da Páscoa e
não uma de suas filhas, pois considero conveniente que veja
por si própria e não pelos olhos de uma delas, por mais
confiança que mereçam.
Concordo com você que a responsabilidade é algo bem
difícil, e minha impressão é tão forte que nunca pude encará-la.
Um ato de confiança cega, eis tudo o que consegui fazer.
Adeus, minha muito querida Irmã. Na espera do grande
prazer de vê-la, sou toda sua no Sagrado Coração de Jesus1.
Emília Rodat.
3º – Temas de provação e de sofrimento
36. Conferência sobre a fé e o sacrifício de Abraão
(C 66-67; nº 24)
Acontece algumas vezes que a perfeição, verdadeiramente
querida e procurada, parece absolutamente inacessível. Uma
redobrada renúncia torna-se necessária na confiança contra toda
esperança. As intervenções divinas podem ser súbitas e maravilhosas.
Deus, minhas caras Irmãs, prometeu a Abraão uma
posteridade mais numerosa que as estrelas do firmamento e,
para prová-lo, prorrogou por muito, muito tempo, o
cumprimento de sua promessa. Abraão acreditou sempre na
palavra de Deus. De idade avançada, ele e sua mulher, tudo o
levava a crer que não devia mais esperar este filho predito, esta
raça da qual Isaac devia ser a haste. Sara duvida, mas Abraão
acredita sempre. Firme em sua fé, ele crê contra toda esperança.
E Deus, cuja palavra é infalível, lhe dá esse filho tão desejado e
tão pacientemente esperado, vinte e cinco anos após a promessa
que lhe tinha feito. Como essa conduta de Deus é instrutiva,
minhas caras Irmãs. Deus gosta de provar a fé de seus
servidores. Ele promete e depois faz esperar por muito tempo o
objeto da promessa para ver se a alma não duvidará. Faz surgir
mil dificuldades, mil embaraços, capazes de tirar todas as
possibilidades, toda esperança de sucesso. Em tudo isso ele não
procura senão provar a alma, fazê-la adquirir mérito.
Deus dá um filho a Abraão, vinte e cinco anos após a
promessa. Acontece a muitas almas esperarem mais do que
esperou esse pai dos crentes, para ver se realizarem as
promessas que ele lhes fez. Assim, Deus chama uma alma à
perfeição, pede-lhe um grau de virtude extraordinário, dá-lhe
primeiramente o desejo de atingi-la e deixa mesmo entrever que
ele quer da alma essa aspiração. Essa alma, amiga do bem e
308
sobretudo desejosa de cumprir a vontade de Deus, trabalha com
toda a sua vontade para adquirir essa virtude, essa perfeição.
Para prová-la, Deus permite que, em vez de ser bem sucedida
em seu empreendimento, ela se torne, pelo menos
aparentemente, menos perfeita, menos virtuosa. Ele a tinha feito
perceber que, fazendo o bem, teria a paz da alma, a felicidade.
Mas, nada disto. Escrúpulos, provações de toda espécie a
assaltam. Antes tinha uma certa facilidade de se dar a Deus.
Depois que a ele se devotou, desgraças incessantes caem sobre
ela. Hoje, são reveses de fortuna; amanhã, negras calúnias que
obscurecem sua reputação. Um pouco mais tarde, penosas
tentações que a colocam na iminência de perder-se. Muitas
vezes, sente-se perdida, pela impossibilidade aparente que vê de
realizar sua salvação. A fé de Abraão deve ser, nessa
circunstância, a fé dessa alma. Contra toda esperança ela deve
crer que sua salvação será alcançada pela atenção que tem ao
cumprir em tudo a vontade de Deus. Evita o mal tanto quanto
lhe é possível, por nada ela quereria ofender a Deus, e isso deve
lhe bastar. Todo sofrimento que lhe advier dos homens, do
demônio e dos abandonos aparentes nos quais Deus a deixa,
não serão senão uma prova. Como Abraão, repito, ela deve crer
contra toda esperança que se salvará e atingirá o grau de
perfeição ao qual Deus a chama. Ele não se contentou em fazer
Abraão esperar o objeto de sua promessa, mas o submeteu a
uma segunda prova, ordenando-lhe que lhe sacrificasse o filho
tão amado e tão longamente esperado. Mas, como o sacrifício
de Isaac pode nos fornecer matéria para outra instrução,
termino aqui com uma última consideração. Durante sua
provação, Abraão foi muitas vezes visitado por Deus que repete
as coisas que antes já lhe havia dito uma primeira vez, o que
consola e sustenta esse pai dos crentes. Igualmente, a alma de
quem Deus prova a fé é de tempos em tempos visitada pelo
nosso bom e amado Mestre. Uma iluminação súbita, uma
palavra ao coração, um reforço de coragem, uma carícia do
Espírito Santo, eis as visitas que Deus faz à alma e pelas quais a
fortalece e a prepara para novas provações.
357
Ontem vi o pequeno Henri3: ele está bem e é muito bem
comportado; envia-lhe lembranças, bem como para papai e
Eléonore. Vovó e titia lhe asseguram sua terna afeição. Ao
papai, meu respeitoso afeto e diga a Eléonore que a amo de
todo o meu coração.
Com muito afeto, sou, minha querida mamãe, sua filha
submissa,
Emília Rodat
P.S. Vovó estranha não ter recebido a resposta de papai a
respeito da minha emancipação, que ela lhe havia pedido. Pedelhe que a faça o mais breve possível. Peço-lhe também de me
responder, querida mamãe, logo que lhe seja possível. Sinto
muito ter de lhe dar tanto trabalho, mas sua amizade por mim
me faz esperar que fará tudo com prazer.
Ano de 1820
Nas duas cartas seguintes, dirigidas à co-fundadora das Filhas
de Maria de Agen, Adèle de Trenquelléon, revela-se a intenção de
Madre Emília de unir sua pequena congregação à de sua
correspondente. Espera-a brevemente em Villefranche. A "boneca" de
que se trata devia vestir o hábito das Filhas de Maria, de maneira a
fornecer um modelo às companheiras de Madre Emília (L 23 e 24)
(v.s., p. 8-9)
6
À Senhora de Trenquelléon.
Villefranche, 10 de março de 1820.
Minha muito querida Irmã:
Gostaria de lhe dar as informações que me pede, se
conhecesse a família Labroquère, mas não me será possível, por
não ter dela nenhum conhecimento.
356
peixe fora d'água. Quando saio daqui, sinto-me sem jeito até
voltar. E por que acharia a senhora incorreto deixá-la por Deus?
Eléonore o faz pelo Sr. Colomb, e a senhora acha isso bom.
Aquele que ela escolhe não pode, entretanto, ser comparado
com o meu1.
As dificuldades de que me fala não são tão grandes
quanto pensa. Tenho motivos para esperar ser bem sucedida.
Aliás, em toda parte há alguns sofrimentos, e prefiro os que
terei aos da minha irmã. Meu desejo não é, como a senhora
pensou, de estar na tranqüilidade. Meu repouso é somente
cumprir a santa vontade de Deus.
Até agora, minha querida mamãe, fiz o possível para não
lhe ser um peso e, por essa razão, alegro-me em poder viver do
meu trabalho. Quanto ao resto de que precisava, sempre me
limitei ao estritamente necessário. Tenho, pois, razão de esperar
que fará todos os esforços para não me negar o que lhe peço.
Se, à primeira vista, isso lhe pareceu quase impossível, mudará
de idéia ao pensar que assim poderá me proporcionar a única
forma de felicidade que desejo neste mundo.
A senhora ama tanto seus filhos, já lhes deu tantas
provas do seu afeto. Vai querer me recusar agora essa prova de
seu amor? Aliás, o que fizer por mim, vovó considerará como
feito a ela própria: pois, ao pensar que a senhora não quisesse
para mim o que suas possibilidades não lhe permitem fazer, ela
ficou tão penalizada que não está bem. Aconselhei-a, esta
manhã, a tomar alguns remédios. Respondeu-me que antes seria
preciso destruir a causa do seu mal.
Coloque-se um momento em seu lugar: ela não tem
razão em querer ficar sempre aqui? Conhece-me bast

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