Trek Alert.docx - GEMInIS UFSCar - Universidade Federal de São

Transcrição

Trek Alert.docx - GEMInIS UFSCar - Universidade Federal de São
ONDE NENHUM HOMEM JAMAIS ESTEVE:
a força da narrativa transmidiática em Star Trek1
André Fagundes Pase2
Bruna Marcon Goss3
Resumo: Esse trabalho pretende analisar a produção da franquia de Star Trek a partir dos
episódios da série original e das edições de revistas em quadrinho publicadas pela Gold Key a
fim de encontrar evidências de uma estratégia transmidiática entre os diferentes produtos da
franquia. Para isso, consideram-se os conceitos de transmídia de Kinder (1991) e Jenkins (2005)
e observam-se os episódios da série original, que foi ao ar de 1964 a 1969 e as histórias em
quadrinho publicadas entre 1967 e 1978.
Palavras-chave: Star Trek, Transmídia, História em Quadrinhos, Televisão.
Abstract: This paper discusses the production of the franchise of Star Trek episodes from the
original series and issues of comic books published by Gold Key in order to find evidence of a
transmedia strategy across the products of the franchise. For this, we consider the concepts of
transmedia Kinder (1991) and Jenkins (2005) and are observed episodes of the original series,
which aired from 1964 to 1969 and the comic books published between 1967 and 1978.
Keywords: Star Trek, Transmedia, Comics, TV.
Esse trabalho faz um recorte para analisar a produção da franquia Star Trek. Serão
consideradas as histórias de quadrinhos Gold Key em relação ao conteúdo da série original. Tal
escolha é feita pelo fato de as histórias em quadrinhos terem sido lançadas quando a série ainda
estava no ar, continuando por muitos anos, fato que permitiu uma maior comparação entre as
tramas impressas e televisivas. Além disso, as HQs têm uma camada visual que permite analisar
o conteúdo além do roteiro e também nos traços visuais do personagens. Pretende-se, através do
estudo das aproximações entre HQs e episódios seriados, encontrar elementos transmídia na
Trabalho apresentado no Seminário Temático “Serialidade e Narrativa Transmídia”, durante a I Jornada
Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos.
2
Jornalista, professor da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Pós-Doutor em Jogos Eletrônicos pelo
Massachusetts Institute of Technology (MIT). Doutor em Comunicação Social pela Faculdade de Comunicação
Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008). E-mail: [email protected].
3
Jornalista, mestranda em Comunicação Social pela PUCRS. Email: [email protected].
1
produção de Star Trek muito antes do conceito ter sido definido por autores como KINDER
(1991) e JENKINS (2006).
1. Origens da Transmídia
Apesar da popularização após o lançamento de Cultura da Convergência em 2006 nos
Estados Unidos, o termo transmídia foi registrado inicialmente por Marsha Kinder em 1991 na
obra Playing with Power in Movies, Television, and Video Games: From Muppet Babies to
Teenage Mutant Ninja Turtles. A partir da observação de episódios da série de desenhos
animados Muppet Babies, constatou que com frequência o programete para crianças
recombinava elementos de outras séries e filmes, produzindo um sentido para quem
acompanhava as aventuras das criaturas de Jim Henson e outro para quem conhecia ambos os
“universos temáticos” mostrados.
Os produtos relacionados com programas de rádio e TV foram observados a partir de
1942 e 1950, com o decodificador do Capitão Meia-Noite (Captain Midnight no original), e o
jogo de tabuleiro do Capitão Vídeo (Captain Video), respectivamente (KINDER, 1991, p. 40). O
primeiro era um brinquedo que permitia traduzir códigos numéricos repassados durante o
programa de rádio, revelando uma mensagem escondida que apenas os fãs com o aparelho
poderiam traduzir. O outro era um jogo de tabuleiro que utilizava as aventuras da TV como
cenário. Desta forma, um produto emprestava a sua narrativa para outro, porém ainda em um
formato cujo sentido desta espécie de “obra-satélite” dependia da compreensão da narrativa
maior para ser plenamente compreendido.
A partir da década de 80, a transformação de personagens e produtos em produtos fora
das narrativas foi intensificada, completando a indústria paralela de livros e revistas. A indústria
de brinquedos acentuou a sua conexão com a criação de produtos, comerciais de action figures
travestidos de programas. Isto foi observado em produtos como He-Man (1983) e Ursinhos
Carinhosos (Care Bears, 1981), por exemplo.
Em Muppet Babies, objeto analisado, Kinder constata uma mudança de posicionamento.
Se antes a conexão entre mídias e produtos tinha foco no comércio, o cruzamento de referências
passa a servir para a produção de sentido em uma narrativa. No episódio The Green Ranger (O
Vigilante Verde, s06e04), exibido pelo canal CBS em 7 de outubro de 1989, o sapo Caco
questiona o que aconteceu com o herói Tim Relâmpago (Range Rider no original) depois que o
programa foi cancelado. Como em outros episódios, ele imagina vivenciar as aventuras de outros
heróis, fato mostrado com a inclusão dos personagens contemporâneos em cenas em preto-ebranco.
Kinder alerta para a forma como o público infantil pode perceber as conexões e os
sentidos da trama, sem perceber ideias que estavam na obra original. A partir disso, busca
compreender como as crianças percebem tramas vistas em diversas mídias, ligadas por uma
mesma trama ou não, além de alertar sobre a percepção sobre produtos comercializados
derivados de atrações exibidas.
O registro de Kinder mostra que a transmídia já era realizada antes mesmo das operações
digitais detalhadas por Jenkins em 2006. Enquanto a autora optava pelo termo “intertextualidade
transmidiática”, o outro autor optou por usar “narrativas transmidiáticas”. Apesar da estratégia
observada com os produtos da franquia Tartarugas Ninja (Teenage Mutant Ninja Turtles) (1991,
p. 125), os processos de criação que controlavam diversos produtos eram poucos. Jenkins
registra como este processo tornou-se intenso e também programado.
“Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos [...]. O
universo é maior do que o filme, maior, até, do que a franquia - já que as especulações e
elaborações dos fãs também expandem o universo em várias direções” (JENKINS, 2009, p. 161).
Portanto, falamos em transmídia quando um cânone, seja ele de ficção ou não-ficção, é utilizado
em diferentes narrativas que estão conectadas por um plano maior. Não são apenas adaptações de
uma linguagem para a outra, o livro (prosa em texto) é adaptado para o cinema (audiovisual),
mas construções fragmentadas que valorizam cada plataforma para contar diferentes partes de
uma história.
Narrativas transmidiáticas representam um processo onde elementos de
uma ficção são dispersos sistematicamente através de vários canais de
distribuição com o objetivo de criar uma única e coordenada experiência
de entretenimento. Idealmente, cada meio faz a sua única contribuição
para a expansão da história. (JENKINS, 2011)
Assim, é possível ler um livro de uma série ou ver apenas o filme sem deixar de
compreender a mensagem da obra, porém quem procurar mais de um produto irá compreender o
todo. “O consumidor que jogou o game ou assistiu os curtas terá uma experiência diferente com
o filme daquele que apenas experimentou o filme apenas no cinema. O todo vale mais do que a
soma das partes”. (JENKINS, 2009, p. 145)
Se na primeira edição de Cultura da Convergência em 2006 Jenkins usava a Bíblia como
exemplo da existência de narrativas transmidiáticas em outros períodos históricos, em 2014
acentuou este resgate. Além das produções de Walt Disney, que eram exibidas em desenhos e
expandidas para tramas em livros e quadrinhos, indica a publicação de The Wonderful Wizard of
Oz e suas adaptações para a Broadway em 1902, tiras de jornais, série de 14 livros e cinema em
1939 com o nome mais conhecido (O Mágico de Oz) como uma das primeiras experiências de
transmídia na comunicação. Ou seja, a ideia de aproveitar diversos caminhos para tramas
interessantes não é nova, porem é mais intensa (JENKINS, 2014). A trajetória da série original
de Star Trek indica isso, bem como aponta como a expansão das jornadas da Enterprise permitiu
a sobrevivência do seu cânone.
2. Franquia Star Trek
A produção de artefatos culturais de Star Trek é extensa e novos produtos continuam
sendo desenvolvidos, permitindo que a história seja reinventada em diferentes épocas. Esse
trabalho considera o espectro de produção entre os anos de 1964 e 1981, marcado pelo
lançamento da série original: nesse período, além da série de televisão foram lançados livros,
histórias em quadrinhos, filmes e uma série animada. O conteúdo produzido nessa época leva em
consideração os personagens e conceitos da série original: por mais que sejam introduzidas
novas tramas, a centralidade é baseada nos personagens da trama de televisão.
Figura 1: Produtos de Star Trek lançados entre 1964 e 1981
Autores (2014)
O episódio piloto de Star Trek foi produzido em 1964 e apresentado para a rede
americana NBC4, que a princípio não aceitou a série, mas permitiu que o criador, Gene
Rodemberry, fizesse modificações ao programa e o apresentasse novamente. A nova versão do
programa foi aceita pela rede de televisão e lançada em 1966. Nesse sentido, o primeiro capítulo
pode ser considerado o Piloto, cujo nome é The Cage e que conta com o capitão Picard, e não o
Capitão Kirk, representado por William Shatner. A trama da série original é centrada nas viagens
da nave USS Enterprise por diversos planetas em uma missão de cinco anos. A equipe da nave é
4
Para esta pesquisa, foram observados os episódios não no seu aspecto original, mas a partir da remasterização em
DVD e blu-ray lançada em 2009. Apesar de alterações cosméticas nos efeitos especiais, isto não acarreta em
mudanças nas narrativas exibidas nos anos 60.
comandada pelo capitão James T. Kirk, que conta com Spock, um ser metade humano e metade
Vulcan, como comandante de Ciências, Leonard McCoy como médico, Hiraku Sulu como oficial
de leme da nave estelar, entre outros personagens. Estima-se que a USS Enterprise na época
tivesse 200 tripulantes.
A série teve três temporadas, sofrendo com problemas de audiência desde a segunda. O
cancelamento ocorreu em 1969, após a exibição da terceira temporada. Apesar das baixas
audiências, a série tinha um grupo de fãs bastante forte, e continuou no ar através de reprises. Em
1967, as histórias em quadrinho da franquia começaram a ser produzidas através do selo Gold
Key. As edições da Gold Key foram produzidas até 1978, perdendo a licença para a Marvel em
1979, tendo publicado um total de 61 histórias em quadrinhos. Em 1969, tiras em quadrinhos
foram publicadas em revistas específicas nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Em 1973 foi ao ar a série de desenho animado da franquia, chamada Star Trek: The
Animated Series. A série de livros da Bantam começou a ser publicada em 1967, os livros eram
compostos por rascunhos de roteiros e adaptação de episódios, no total de 13 edições. A mesma
editora passou a publicar livros com roteiros originais em 1970, a partir de Spock Must Die!
(BLISH, 1970), primeiro livro com conteúdo voltado para o público adulto. O primeiro livro
com roteiro original, porém, foi produzido antes mesmo da série de livros da Bantam: Mission to
Horatius (REYNOLDS, 1968), livro voltado para o público infanto-juvenil, foi publicado apenas
em 1968, mas foi escrito antes, sendo o primeiro livro com história original da série. Apesar de
não utilizar como base roteiros dos episódios, passagens da obra são bastante semelhantes a
episódios da série original, como a batalha de Kirk e Spock em um cenário Romano, que
assemelha-se à batalha ocorrida no episódio Bread and Circurses, da segunda temporada.
Esta pesquisa observa em especial as relações entre os quadrinhos e a série pois o volume
de publicações foi maior no hiato entre o fim da exibição dos episódios da série em 1969 e o
lançamento do primeiro filme em 1979. O material em quadrinhos foi relançado anos depois, até
mesmo em CD-ROM e também foi digitalizado por fãs para download ilegal online. Para esta
pesquisa foram utilizadas cópias disponibilizadas por fãs com a conferência em relançamentos
como a edição de 2014 da editora IDW.
As edições da Gold Key foram lançadas em 1967: um dos desenhistas dos primeiros
números, Alberto Giolotti, desenhou 25 histórias sem nunca ter visto a série, o que contribuiu
para uma caracterização fraca dos personagens. Os primeiros números não eram precisos em
relação à cor dos uniformes (amarelo para comando, azul para ciências e vermelho para
engenharia) e não traziam todos os personagens, sendo focados principalmente nos personagens
Kirk, Spock e Dr. McCoy, dando espaço a personagens secundários como Janice Rand em
algumas histórias.
Nas 10 primeiras edições publicadas pela Gold Key, as capas eram feitas com imagens
dos personagens da série, indicando uma necessidade de “lastro” da série para as HQs, a partir da
11ª edição, as capas eram ilustradas, contando com pequenas imagens de Kirk e Spock, modelo
reproduzido até as últimas edições. O conteúdo das histórias é original, mas toca muitas vezes
em tópicos e questões dos episódios televisivos, sem reproduzir ou fazer cruzamentos com as
tramas da série. A estrutura das histórias é bastante semelhante à dos episódios: geralmente
inicia-se dentro da Enterprise, envolve a ida a planetas distantes, uma dificuldade nesse planeta e
a eventual vitória da equipe comandada por Spock.
3. Aproximações entre histórias em quadrinhos e série
Apesar de não utilizar roteiros da série, as HQs têm elementos muito próximos dos
episódios, tratados de outra maneira. Na edição 23, publicada em 1974, a história gira em torno
de um pedido de ajuda de um planeta com condições semelhantes à Terra: ao descerem ao
planeta, os tripulantes da Enterprise encontram uma civilização governada por crianças, já que os
adultos morreram por uma praga que matava todos acima de 13 anos. Um argumento semelhante
havia sido utilizado no oitavo episódio da primeira temporada, chamado Miri: nele, a equipe da
Enterprise também recebe um chamado de ajuda e o planeta que requer o auxílio é igual à Terra.
Ao descer, a equipe encontra uma civilização parada no tempo, no qual as crianças também são
as únicas a sobreviverem. A doença responsável pela morte dos adultos fazia vítimas assim que
as crianças entravam na puberdade. A trama de crianças sozinhas em um planeta também é
explorada no quarto episódio da terceira temporada, chamado And The Children Shall Lead, no
qual todos os adultos de um planeta cometem suicídio, deixando as crianças sozinhas, o que
depois é atribuído a um poder de controle de mente das crianças.
Na segunda edição, chamada The Devil’s Isle of Space, publicada em 1968, a Enterprise
desce a um planeta utilizado como colônia penal, que corre risco de ser destruído pelo choque
com um asteroide; os prisioneiros da colônia penal fazem o capitão Kirk de refém e Spock tem
que decidir entre deixar o capitão ou arriscar toda a Enterprise. No nono episodio da primeira
temporada da série, a colônia penal aparece novamente; dessa vez, a Enterprise, ao transportar
suprimentos e receber material de análises de uma colônia penal, um prisioneiro foge e revela
uma trama do diretor da colônia. O capitão Kirk e a psiquiatra Helen Noel ficam presos na
colônia e Spock precisa salvá-los utilizando sua mente Vulcan.
Na revista número quatro, The Peril of Planet of Quick Change, a equipe da Enterprise é
transportada para um planeta cuja estrutura está em constante mudança. A mente de Spock é
controlada por alienígenas sem que ninguém perceba, pois usar o Vulcan irá resultar em uma
forma de estabilizar o planeta. A mente Vulcan de Spock também é abordada no último episódio
da primeira temporada: Operation – Annihilate. Na trama, a Enterprise enfrenta um vírus que
vitimou habitantes de diversos planetas, entre eles o irmão, a cunhada e o sobrinho do Capitão
Kirk. Ao descerem ao planeta, descobrem que as criaturas, que assemelham-se a amebas, estão
usando o corpo de humanos como hospedeiros. Uma das criaturas ataca Spock, comprometendo
sua mente e fazendo com que ele experimente muita dor.
Outra forma de aproximação das tramas das revistas e televisivas é através da aparição de
personagens específicos, como Harry Mudd. Ele aparece no episódio seis da primeira temporada,
Mudd’s Women, quando leva mulheres para a Enterprise que lançam feitiços sobre os membros
masculinos da tripulação. O vilão é visto ainda mo décimo segundo episódio da segunda
temporada, I, Mudd, no qual captura a Enterprise e tenta prender Kirk por vingança, e na edição
61 das histórias em quadrinhos, Operation Con Game, no qual firma contrato com os Klingons.
Ao longo das edições das histórias em quadrinhos, muitas aproximações foram feitas com
os conteúdos da série televisiva. No início da série, as histórias eram consideradas mais simples e
de menor qualidade, porém com o passar do tempo - e o cancelamento da série original - as HQs
tornaram-se mais complexas, utilizando mais personagens da série original, como a tenente
Uhura e o piloto Sulu. A produção mais elaborada permitiu que algumas histórias em quadrinhos
expandissem a trama original, como é possível perceber em dois casos.
4. HQ como forma de continuação e expansão de episódios televisivos
O episódio The City on the Edge of Forever, vigésimo oitavo exibido na primeira
temporada da série televisiva, apresenta aos telespectadores o Guardian of Forever, um portal do
tempo que assemelha-se a um anel e que permite que pessoas viajem para qualquer período da
história. O Guardian of Forever é mencionado em outros produtos da franquia Star Trek, como
jogos, livros e episódios de outras versões da série, como Star Trek: Enterprise, além da aparição
na história em quadrinhos No Time Like The Past,edição número 56 publicada pela Gold Key.
No episódio da série original, após um acidente no qual Dr. McCoy injeta em si mesmo
um remédio e sofre os efeitos colaterais, ele transporta-se para um planeta no qual está o
Guardian of Forever. Ele vai para outro período temporal e altera a história, fazendo com que a
Enterprise e seus tripulantes não existam mais. Na edição em quadrinhos, a Enterprise retorna ao
planeta do Guardian of Forever e volta à Terra no período antes de Cristo em busca do ditador
Trengur, que havia fugido de um asilo mental.
Outro episódio que tem sua continuidade nos quadrinhos é o episódio 9 da segunda
temporada, Metamorphosis. Na série, Kirk, Spock, McCoy e a embaixadora Nancy Hedford
estão retornando à Enterprise na nave Galileo quando são puxados por uma nuvem de força para
um planeta abandonado. Neste planeta, eles encontram Zefram Cochrane, que foi puxado pela
mesma nuvem e tornou-se imortal.
Na HQ, edição 49, publicada em 1977, a Enterprise volta ao planeta Gamma Canaris N
buscando explicações para o desaparecimento de diversas naves e lá, reencontram Zefram
Cochrane e Nancy Hedford. Essa edição de quadrinhos reconta a história do episódio da série
original através de um flashback e depois continua uma nova história a partir desses
personagens, expandindo o imaginário da série.
5. Considerações Finais
É possível perceber que existem elementos transmidiáticos na produção da franquia Star
Trek, considerando que existe uma retomada e expansão de histórias da série televisiva a partir
das histórias em quadrinhos. Observando o desenvolvimento das HQs ao longo do tempo, é
possível apontar uma mudança na forma como os temas eram tratados: nas primeiras edições,
lançadas enquanto a série ainda estava no ar, as tramas das revistas eram simples e até, de certo
modo, infantis, servindo mais como um produto de merchandising do que algo que agregasse ao
desenvolvimento da série, o que explica as capas com fotos dos personagens a aproximação de
conceitos da série.
Com o passar do tempo, a história em quadrinhos passa a ser um produto independente, o
que dá mais fôlego para que suas histórias sejam melhor desenvolvidas, seja na utilização de
todos os personagens quanto nas tramas, que tornam-se mais complexas e próximas de conceitos
e personagens usados na série televisiva. Dos dois exemplos aqui tratados como formas de
continuação da história através dos quadrinhos, o episódio Metamorphosis e a história Warp in
Space melhor exemplificam essa situação, pois além de introduzir o conteúdo da série, constrói
uma nova narrativa em cima dela. Para obter consistência na publicação, foi necessário explorar
outros temas menores, revelando facetas não exploradas no curto espaço da TV.
É possível constatar ainda uma dinâmica entre as produções, mesmo com publicações em
tempos diferentes. Se a série de TV contava com episódios de 50 minutos, em média, as revistas
concentravam as tramas em 18 páginas (nas reimpressões alcançando 36). Paralelo a isso, os
livros expandiam ainda mais os plots, resultando em 210 páginas em Mission to Horatius
(REYNOLDS, 1968). Cada linguagem explorou as suas propriedades, formando um quebracabeça canônico sem um planejamento maior, decorrência do estilo episódico do meio principal.
Ao passo que não há um planejamento, marca da percepção de Jenkins (2006), as conexões entre
as “obras-satélites” são realizadas de maneira que uma trama reforce a outra.
Assim, as operações de Star Trek no período formam um universo de intertextualidade
transmidiática (KINDER, 1991) que não apenas permitiu vender produtos derivados, mas
sobretudo “alimentar” o imaginário dos fãs enquanto o meio principal, o vídeo, era apenas
utilizado para reprises de episódios. Se na TV a saga da nave Enterprise encontrou restrições, a
fuga para o hiperespaço de outros meios de comunicação resultou em uma dobra temporal
vitoriosa, permitindo que tramas inéditas surgissem no período de dez anos entre o fim da série e
a estreia do filme.
Espécie de “dobra temporal”, apresentou para um público específico e ávido por produtos
formas possíveis de expandir histórias, fato que fora replicado mais adiante por outras
mitologias, como Star Wars. Ou seja, antes mesmo do conceito ser pesquisado, Star Trek esteve
aonde poucos heróis estiveram, na narrativa transmídia.
Referências
BLISH, James. Spock Must Die!. Nova York: Bantam Books, 1970.
Guide to the Gold Key Star Trek Comics. Disponível em http://curtdanhauser.com/Enter.html e
acessado em 12 de abril de 2014.
KINDER, Marsha. Playing with Power in Movies, Television, and Video Games: From Muppet
Babies to Teenage Mutant Ninja Turtles. Berkeley: University of California Press, 1991.
JENKINS, Henry. Convergence Culture. Nova York: NUY Press, 2006.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
JENKINS, Henry. Transmedia 202: Further Reflections. Publicado em 1º de agosto de 2011 em
http://henryjenkins.org/2011/08/defining_transmedia_further_re.html. Acessado em 12 de abril
de 2014.
JENKINS, Henry. The Reign of the "Mothership": Transmedia's Past, Present, and Possible
Futures. In MANN, Denise (Ed.). Wired TV: Laboring Over an Interactive Future. New
Brunswick: Rutgers Univeristy Press, 2014.
Jornada nas Estrelas: O Filme. Dir. Robert Wise. Los Angeles: Paramount, 1979. 132 min.
REYNOLDS, Mack. Mission to Horatius. Nova York: Whitman, 1968.
Star Trek: The Complete Original Series (Seasons 1-3). Paramount Studios, 2009. 4120 minutos.
DVD.
Star Trek The Animated Series - The Animated Adventures of Gene Roddenberry's Star Trek.
Paramount Studios, 2006. 526 minutos. DVD.
Star Trek (Whitman). Disponível em http://en.memory-alpha.org/wiki/Star_Trek_(Whitman) e
acessado em 12 de abril de 2014.
Star Trek: Gold Key Archives, Vol. 1. Nova York: IDW, 2014.

Documentos relacionados

EDITORIAL

EDITORIAL original, Leonard Nimoy recusou o convite devido a suas obrigações com a peça de teatro

Leia mais

informe geral 2001

informe geral 2001 Diplomata e tático, Picard conseguiu ter uma carreira de 22-anos como primeiro oficial e capitão da U.S.S. Stargazer seguido pela capitania da U.S.S. Enterprise. Neste papel ele testemunhou não só ...

Leia mais