Giddens - Universidade Federal de Santa Catarina

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Giddens - Universidade Federal de Santa Catarina
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA.
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS.
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO.
PROGRAMA DE DOUTORADO.
DISCIPLINA: OS PERIGOS DA BOMBA INFORMÁTICA.
PROFESSOR: AIRES ROVER.
RESUMO.
OBRA: GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São
Paulo: Unesp, 1991.
REALIZADORA: Carolina Medeiros Bahia.
I. INTRODUÇÃO.
Na introdução, Giddens destaca que realizará durante a obra uma analise institucional da
modernidade com ênfases cultural e epistemológica, afastando-se da maior parte das abordagens
normalmente realizadas (p.11).
Tenta, de antemão, definir o que seria modernidade, afirmando que: “modernidade referese a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na
Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua
influencia” (p. 11).
Estaríamos, assim, no limiar de uma nova época. Alguns autores destacam a emergência
de um novo sistema social, mas a maioria chama a atenção para um estado de coisas que está
chegando ao fim.
Neste sentido, para Jean-François Lyotard, a pós-modernidade representa “um
deslocamento das tentativas de fundamentar a epistemologia, e da fé no progresso planejado
humanamente” (p. 12). Ela seria caracterizada pelo desaparecimento da grande narrativa, através
da qual somos inseridos na historia como seres tendo um passado definitivo e um futuro
predizível.
A sensação de que vivemos diante de um universo de fatos que não podem ser
inteiramente compreendidos e que estão fora do nosso controle gera a idéia de que não se pode
obter um conhecimento sistemático sobre a organização social (p.12). Para analisar o fenômeno,
não basta inventar novos termos, deve-se olhar novamente para a natureza própria da
modernidade.
Para tanto, Giddens desenvolve suas concepções em torno do que ele chama de uma
interpretação descontinuísta do desenvolvimento social moderno, que compreende que as
instituições sociais modernas são, em alguns aspectos, diferentes de outros tipos da ordem
tradicional (p.13).
AS DESCONTINUIDADES DA MODERNIDADE.
Segundo Giddens, os modos de vida produzidos pela modernidade nos afastam de todos
os tipos tradicionais da ordem social de uma maneira sem precedentes. As transformações
produzidas pela modernidade seriam mais profundas tanto em seu aspecto vertical quanto do
ponto de vista horizontal (p. 14). Em virtude da radicalidade dessas transformações, há uma
limitação de nosso conhecimento de períodos anteriores para interpretá-las.
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O caráter descontinuísta da modernidade não tem sido tão enfocado, sobretudo, por
influencia do evolucionismo social. Por isso, deve-se deslocar a narrativa evolucionaria ou
desconstruir seu enredo tanto para melhor elucidar a modernidade quanto para alterar o enfoque
de parte do debate pós-moderno.
As descontinuidades que afastam as instituições sociais modernas das tradicionais teriam
como características:
o O ritmo da mudança
o O escopo da mudança – “as ondas de transformação social penetram através de
virtualmente toda a superfície da Terra”.
o A natureza intrínseca das instituições modernas – algumas não encontram
correspondência em períodos históricos precedentes como o sistema político do
estado-nação, a dependência por atacado da produção de fontes de energia
inanimadas, ou a completa transformação em mercadoria de produtos e trabalho
assalariado.
SEGURANÇA E PERIGO, CONFIANÇA E RISCO.
Giddens entende que a modernidade é um fenômeno de dois gumes. As instituições
sociais modernas criaram a oportunidade para os seres humanos de desfrutarem de uma vida
segura e confortável e este aspecto de oportunidade sempre foi mais fortemente enfatizado pelos
fundadores clássicos da sociológica, como Marx, Durkheim e Max Weber. Contudo, gerou
diversos efeitos indesejáveis, como:
o O trabalho industrial moderno, para além de submeter os homens a disciplina de
um trabalho maçante e repetitivo, apresenta um potencial destrutivo de larga
escala em relação ao meio ambiente;
o Os totalitarismos, que pareciam ser pertencentes ao passado, estão contidos nos
parâmetros da modernidade, como demonstram os episódios do Holocausto, do
fascismo e do stalinismo;
o A industrialização da guerra refuta a tese durheimiana de que o industrialismo
geraria uma ordem industrial pacifica e integrada. Os pensadores sociais também
não puderam prever a invenção do armamento nuclear.
O mundo moderno é, assim, repleto de perigos. Essa constatação tem contribuído para
a perda da crença no progresso e, por conseqüência, para a dissolução de narrativas da
história.
SOCIOLOGIA E MODERNIDADE.
Giddens destaca que se pode encontrar na sociologia três concepções que impedem a
realização de uma analise adequada das instituições modernas:
o O diagnóstico institucional da modernidade: para os autores influenciados por
Marx, a força que amolda a sociedade moderna é o capitalismo. Segundo
Durkheim, a modernidade seria resultado do industrialismo. Já Weber, embora
fale de capitalismo, sem se referir à existência de uma ordem industrial, tem uma
concepção mais próxima de Durkheim do que de Marx.
Analisando essas concepções, Giddens entende que essas caracterizações da
modernidade não podem ser compreendidas como mutuamente excludentes, pois a
modernidade, no âmbito das instituições, seria multidimensional (p. 21).
o A sociedade: deve-se ter reservas à noção de sociedade utilizada ordinariamente
pelo pensamento sociológico. Primeiro, porque os autores que vêem a sociologia
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como o estudo das sociedades levam em consideração apenas as sociedades
modernas e, entendidas desta forma, as sociedades seriam simplesmente estadosnação. Segundo, porque, frequentemente, entende-se que o principal objetivo da
sociologia seria soluciona o problema da ordem, compreendida aqui como a forca
que mantém a integração do sistema em face das divisões de interesses.
Para Giddens, o problema da ordem não deve ser enfocado dessa maneira, mas
como um problema de distanciamento tempo-espaço, pois as sociedades modernas
“são também entrelaçadas com conexões que perpassam o sistema sóciopolítico
do Estado e a ordem cultural da ‘nação’” (p. 23) e apresentam um distanciamento
de tempo-espaço muito maior que o das mais desenvolvidas civilizações agrárias.
o Conexões entre conhecimento sociológico e as características da
modernidade: em várias formas de pensamento, a sociologia tem sido encarada
como a ciência produtora de conhecimento sobre a vida social moderna, que pode
ser empregado a serviço da previsão e do controle.
Giddens compreende que essas concepções são insuficientes porque uma visão de
reflexividade extremamente simples. Para ele, “o conhecimento sociológico
espirala dentro e fora do universo da vida social, reconstituindo tanto este universo
como a si mesmo como uma parte integral deste processo” (p. 24). Complementa
afirmando que “este é um modelo de reflexividade, mas não um modelo em que há
uma sucessão paralela entre a acumulação de conhecimento sociológico, por um
lado, e o controle firmemente mais extensivo do desenvolvimento social, por
outro” (p. 24).
MODERNIDADE, TEMPO E ESPAÇO.
A partir de uma retrospectiva histórica, Giddens lembra que todas as culturas prémodernas tinham suas formas de calcular o tempo. Contudo, esse cálculo de tempo sempre
vinculou tempo e lugar. A determinação da hora do dia sempre esteve ligada a outros fatores
sócio-espaciais. Ele atribui à descoberta o relógio mecânico o fator crucial para a separação entre
o tempo e o espaço (p.26).
Essa descoberta coincidiu com a expansão da modernidade e trouxe, como efeitos, a
padronização em escala mundial dos calendários e a padronização do tempo através das regiões.
Isso que ele define como esvaziamento do tempo seria pré-condição para o esvaziamento do
espaço, pois “a coordenação através do tempo é a base do controle do espaço” (p. 26).
O autor define o espaço vazio como a separação entre espaço e lugar (cenário físico da
atividade social). Se para as sociedades pré-modernas havia coincidência entre espaço e lugar, a
modernidade separa o espaço do tempo, estimulando relações entre “ausentes”, distantes de
qualquer situação dada (p. 27). Os locais passam a ser penetrados e moldados por influencias
sociais bem distantes.
A separação entre tempo e espaço para o sociólogo, é crucial para o dinamismo da
modernidade por variadas razões:
o Ela é condição do processo de desencaixe;
o Ela proporciona os mecanismos de engrenagem para aquele traço distintivo da
vida social moderna, a organização racionalizada. As organizações modernas, para
Giddens, apresentam uma capacidade de conectar o local e o global que seriam
impensáveis nas sociedades tradicionais;
o A historicidade radical que caracteriza a modernidade depende de inserções no
tempo e no espaço que não eram acessíveis às sociedades pré-modernas.
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DESENCAIXE.
Giddens conceitua desencaixe como o “‘deslocamento’ das relações sociais de contextos
locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (p.
29).
Ele destaca a existência de dois tipos de mecanismos de desencaixe presentes nas
instituições modernas:
o Fichas simbólicas: seriam “os meios de intercâmbio que podem ser ‘circulados’
sem ter em vista as características especificas dos indivíduos ou grupos que lidam
com eles em qualquer conjuntura particular” (p.30). Ele exemplifica essas fichas
simbólicas com o dinheiro. Denominado por Marx de “prostituta universal”, o
dinheiro é um meio de troca que substitui os bens e serviços por um padrão
universal.
Giddens acrescenta, porém, que as condições de desencaixe proporcionadas pelos
economias modernas são muito mais amplas do que ocorria com as civilizações
pré-modernas onde já havia dinheiro, pois hoje, o dinheiro independe de qualquer
modo de representação, consistindo numa informação pura, armazenada como
números num computador.
o Sistemas peritos: são conceituados como “sistemas de excelência técnica ou
competência profissional que organizam grandes áreas dos ambiente material e
social em que vivemos hoje” (p. 35). Para Giddens, os sistemas nos quais está
integrado o conhecimento dos peritos influenciam diversos aspectos do que
fazemos continuamente. Ele exemplifica: ao permanecer em casa, também
estamos envolvidos num sistema perito, pois não temos medo de subir as escadas
da moradia esmo sabendo que em tese a estrutura pode desabar. Eles seriam um
mecanismo de desencaixe porque, do mesmo modo que as fichas simbólicas,
retiram as relações sociais das imediações do contexto.
Para o autor todos os mecanismos de desencaixe dependem da confiança, considerada
como artigo de fé, que se baseia na experiência que estes sistemas geralmente funcionam
conforme as nossas expectativas.
CONFIANÇA.
A confiança, como definida pelo Oxford English Dictionary seria compreendida como
“crença ou crédito em alguma qualidade ou atributo de uma pessoa ou coisa, ou a verdade de uma
afirmação” (p.38). Tanto crença como crédito estariam vinculados de algum modo à fé. Luhmann
distingue fé e confiança, ressaltando que esta deve ser compreendida especificamente em relação
ao risco, um termo originado a partir da época moderna.
Para Luhmann, a noção de confiança desponta a partir da compreensão de que as nossas
atividades e decisões podem gerar resultados inesperados. O risco, em grande medida, substitui a
idéia de fortuna e está apartado das cosmologias. Embora crença e confiança se relacionem a
expectativas que podem ser frustradas ou desencorajadas, a confiança pressupõe consciência das
circunstâncias de risco. Dessa forma, “um individuo que não considera alternativas está numa
situação de crença; enquanto que alguém que reconhece essas alternativas e tenta calcular os
riscos assim reconhecidos, engaja-se em confiança” (p. 39).
Giddens critica a concepção de Luhmann porque entende que a confiança é geralmente
um estado mais continuo do que a sua teoria implica. Além disso, discorda de Luhmann quando
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ele conclui que quem se abstém de agir não incorre em risco, pois a inação seria frequentemente
arriscada.
Feitas essas objeções, ele tenta conceituar o que ele entende por confiança:
1. a confiança estaria relacionada à ausência de tempo e espaço: não haveria
necessidade de se confiar em alguém ou num sistema cujas atividades ou
procedimentos fossem plenamente conhecidos e compreendidos;
2. a confiança está vinculada não ao risco, mas à contingência: a confiança resulta da
credibilidade em face de conseqüências contingentes, não importando se esses
resultados decorram das ações humanas ou das operações de sistemas;
3. a confiança não se confunde com a fé na credibilidade de uma pessoa ou de um
sistema; ela deriva dessa fé. Seria uma espécie de elo que liga fé e crença.
4. quando se fala em confiança em sistemas peritos ou em fichas simbólicas, não nos
referimos à fé na probidade moral dos outros, mas na fé na correção de
princípios dos quais se é ignorante;
5. por isso, confiança seria a “crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema,
tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença
expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de
princípios abstratos”.
A REFLEXIVIDADE DA MODERNIDADE.
Embora a reflexividade seja uma característica de toda ação humana, a modernidade dá
origem a uma nova forma de reflexividade. Para Giddens, “ela é introduzida na própria base da
reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente retratados em
si” (p. 45).
Dessa forma, a reflexividade consistiria no fato de que as praticas sociais são
constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias
praticas, alterando constitutivamente seu caráter.
Neste sentido, destaca que em todas as culturas, as práticas sociais são modificadas por
conta de descobertas sucessivas que passam a informa-las, mas somente na era moderna, a
revisão da convenção é radicalizada para se aplicar a todos os aspetos da vida humana, inclusive
à intervenção tecnológica no mundo material.
MODERNIDADE OU PÓS-MODERNIDADE?
Giddens inicia o tópico distinguindo pós- modernidade e pós-modernismo, enfatizando
que este último termo é mais apropriado para se referir a estilos ou movimentos na literatura,
artes plásticas e arquitetura. Já quando nos referimos que estamos caminhando para a pósmodernidade, isto significa estamos saindo das instituições da modernidade rumo a um novo e
diferente tipo de ordem social (p. 51). Além disso, o termo assume outros significados:
o que nada pode ser conhecido com alguma certeza;
o que a história é destituída de teleologia e que nenhuma versão do progresso pode
ser plausivelmente defendida.
o que uma nova agenda social e política surgiu com a crescente projeção das
questões ambientais e de novos movimentos sociais.
II. AS DIMENSÕES INSTITUCIONAIS DA MODERNIDADE.
Giddens retoma a idéia de que existe uma tendência nas teorias sociológicas de buscar
apenas um nexo institucional dominante nas sociedades modernas. Explica que o prolongado
debate sobre o caráter industrial ou capitalista das sociedades modernas é baseado em premissas
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equivocadas, pois em ambos os casos há um reducionismo envolvido. Propõe, então, que o
industrialismo e o capitalismo sejam vistos como “‘feixes organizacionais’ ou dimensões
diferentes envolvidos nas instituições da modernidade” (p. 61).
Em seguida, o autor passa a definir capitalismo e industrialismo:
o Capitalismo: “um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre
propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade, esta relação
formando um eixo principal de um sistema de classes”;
o Industrialismo: tem como característica principal o uso de fontes inanimadas de
energia material na produção de bens, combinado ao papel central da maquinaria no processo de
produção. A maquina seria um artefato que realiza tarefas empregando tais fontes de energia
como os meios de suas operações. Ele pressupõe a organização social regularizada da produção
no sentido de coordenar a atividade humana, as maquinas e as aplicações e produções de matériaprima e bens.
Neste contexto, as sociedades capitalistas seriam um subtipo das sociedades modernas em
geral e que tem como características específicas:
- o fato de sua ordem econômica apresentar as características já destacadas;
- a economia é razoavelmente distinta (ou insulada) das outras arenas sociais, sobretudo,
as instituições políticas;
- a insulação do estado e da economia tem como fundamento a preeminência da
propriedade privada dos meios de produção.
- a autonomia do estado é condicionada pela sua dependência da acumulação do capital.
Reconhece a dificuldade de se classificar a sociedade capitalista como instituição
moderna, dadas as suas características expansionistas e o seu escopo internacional. Entende que
a sociedade capitalista só pode ser compreendida como sociedade moderna porque é um
estado-nação. Destaca também que nenhum dos estados pré-modernos foi capaz de se aproximar
do nível de coordenação administrativa desenvolvido no estado-nação.
À sua analise da modernidade, o autor acrescenta duas outras dimensões:
o O aparato de vigilância. Giddens compreende vigilância como a supervisão das
atividades da população súdita na esfera política. Acrescenta que essa vigilância pode ser direta
(como em muitas instancias discutidas por Foucalt), mas é, de modo mais característico, indireta
e baseada no controle da informação.
o O controle dos meios de violência. Embora o poder militar seja um traço das
civilizações pré-modernas, o monopólio dos meios de violência dentro de fronteiras territoriais
precisas seria outro traço da sociedade moderna, assim como a sua relação com o industrialismo
(industrialização da guerra).
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Em seguida, o autor cria uma figura, por meio da qual demonstra os vínculos existentes
entre as quatro dimensões da modernidade: o capitalismo, a vigilância, o poder militar e o
industrialismo.
Observando as linhas circulares, Giddens destaca a existência de relações entre:
o Capitalismo e vigilância: “O capitalismo envolve a insulação do econômico em
relação ao político contra a tela de fundo do trabalho e mercados de produtos competitivos. A
vigilância, por sua vez, é fundamental a todos os tipos de organização associados à ascensão da
modernidade, em particular o estado-nação, que se entrelaça historicamente com o capitalismo
em seu desenvolvimento mútuo” (p. 64).
o Vigilância e poder militar: “Da mesma forma, há vínculos substantivos íntimos entre
as operações de vigilância dos estados-nação e a natureza alterada do poder militar o período
moderno” (p. 64). O monopólio dos meios de violência por parte dos estados modernos estaria
vinculado à manutenção de novos códigos de lei criminal e ao controle de “desvios”.
o Poder militar e industrialismo: uma evidencia dessa relação seria a industrialização da
guerra.
o Industrialismo e capitalismo: o industrialismo transformou-se no principal eixo da
interação dos seres humanos com a natureza em condições de modernidade. Nos locais
industrializados do globo, as pessoas vivem numa ambiente criado – um ambiente físico, mas que
não é apenas natural.
Além das linhas circulares, as linhas retas também trazem conexões que podem ser
estabelecidas. Giddens exemplifica demonstrando o vinculo existente entre vigilância e
industrialismo, destacando que a vigilância anda de braços dados com o industrialismo,
fortalecendo o poder administrativo no interior das fábricas, usinas e oficinas.
Ressalta que o empreendimento capitalista teve um importante papel no distanciamento
entre a vida social moderna das instituições do mundo tradicional. O surgimento do capitalismo
causou o desenvolvimento do industrialismo e forneceu muito ímpeto para a sua emergência.
Um elo que para o autor é muito importante entre o capitalismo, o industrialismo e o
controle dos meios de violência é o desenvolvimento da força de trabalho abstrato. Essa realidade
distancia a modernidade dos sistemas pré-modernos: “o contrato de trabalho não repousa sobre a
posse direta dos maiôs de violência e o trabalho é nominalmente livre” (p. 67).
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Outro fator capaz de acelerar a expansão das instituições modernas (além do capitalismo)
foi o estado-nação. O estado-nação surgiu da junção de uma serie de eventos contingentes. Eles
concentravam o poder administrativo de modo muito mais efetivo que os estados tradicionais.
Globalização da modernidade.
Para Giddens, a modernidade é inerentemente globalizante. O autor entende a
globalização como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam
localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de distancia e vice-versa” (p. 69). Destaca tratar-se de um processo
dialético, pois “os acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações
muito distanciadas que os modelam” (p. 70).
Exemplificando:
o O autor esclarece que quem se voltar ao estudo das cidades hoje em dia deve estar
ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores que se
operam a uma distancia indefinida da vizinhança em questão.
o A ascensão dos nacionalismos locais na Europa e em outros lugares. No processo de
globalização acelerada o estado-nação torna-se muito pequeno para os grandes problemas e muito
grande para os pequenos. Isso estimula o aparecimento de pressões para a autonomia local e para
a identidade cultural regional.
Duas perspectivas teóricas.
O sociólogo destaca que as discussões da globalização tendem a aparecer em dois corpos
de literatura:
o A literatura das relações internacionais: encaram os estados-nação como atores,
envolvendo-se entre si na ordem internacional. Para a maior parte dos autores que se filiam a essa
abordagem, os estados soberanos emergem primeiro como entidades amplamente separadas,
tendo controle administrativo mais ou menos completo no interior de suas fronteiras. A medida
em que o estado europeu amadurece, vai se transformando num sistema global de estado-nação,
desenvolvendo cada vez mais padrões de interdependência. Estes processos estariam a assinalar
um movimento em direção a um mundo. Muitos antecipam para o futuro próximo o surgimento
de um estado mundial.
Giddens faz algumas reservas a essa concepção:
- entende que ela cobre apenas uma dimensão geral da globalização: a coordenação geral
dos estados.
- critica esses teóricos por registrarem estes estados como atores, o que eles não fazem
quando se referem aos estados pré-modernos. Acrescenta que a imagem do estada-nação como
ator não é condizente com as relações sociais que não estão entre ou fora de estados, mas lhes são
transversais.
- também questiona o retrato da crescente unificação do sistema de estados-nação. O
desenvolvimento da soberania não foi anterior, mas concomitante, a sua inserção no sistema de
estados-nação – “a soberania do estado moderno foi desde o inicio dependente das relações entre
estados” (p. 72).
o A teoria do “sistema mundial”: essa doutrina também parte de uma distinção entre a
era moderna e a pré-moderna. Compreende que as economias mundiais existiam antes do tempo
moderno. Contudo, estavam centradas em grandes estados imperiais e não cobriam mais do que
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certas regiões. O advento do capitalismo gera uma ordem genuinamente global em seu objetivo,
baseada mais no poder econômico que no político. Reconhece a existência de uma multiplicidade
de centro políticos no sistema mundial moderno: o centro, a semi-periferia e a periferia.
Embora avance em alguns pontos, essa teoria também merece criticas do autor:
- ela continua a ver apenas um nexo institucional dominante como responsvelpelas
transformações modernas: o capitalismo;
- por se concentrar nas influências econômicas, não explica de modo satisfatório questões
como a ascensão do estado-nação e do sistema de estados-nação.
Dimensões da globalização.
o Economia capitalista mundial: Giddens destaca que se os estados-nação são os atores
principais dentro da ordem política global, as corporações sãos os agentes dominantes dentro da
economia mundial. Como essas companhias dependem da produção para ter lucro, a
disseminação de sua influencia acarreta uma extensão global de mercados de bens e capitais.
Contudo, a economia mundial capitalista não é apenas um mercado de bens e serviços: ela
também envolve a transformação da força de trabalho em mercadoria. Esse processo é repleto de
desigualdades globais.
o Sistemas de estados-nação: todos os estados-nação, nos setores desenvolvidos do
mundo, apostam na produção industrial para a geração da riqueza na qual se baseiam seus
ganhos. A influência dos estados na ordem política global está fortemente condicionada ao nível
de sua riqueza, mas seu poder deriva das capacidades de soberania.
o Ordem militar mundial: para analisá-la, é necessário verificar as conexões entre a
industrialização da guerra, o fluxo de armamentos e técnicas de organização militar de
certas partes do mundo para outras, e as alianças que os estados estabelecem entre si;
- as alianças militares não comprometem necessariamente o monopólio sobre os meios
de violência que um estado mantém sobre seus territórios, embora isso possa ocorrer em algumas
circunstâncias.
- fluxo de armamentos e técnicas de organização militar: “como resultado do poder
destrutivo maciço do armamento moderno, quase todos os estados modernos força militar muito
mais excessiva do que mesmo as maiores civilizações pré-modernas” (p.79). Muitos países
economicamente fracos são militarmente poderosos.
- a globalização milita, para Giddens, também tem a ver com a guerra: a emergência de
duas guerras mundial pôde demonstrar como os conflitos locais tornaram-se questões de
envolvimento global.
o Divisão global do trabalho (industrialismo): a expansão da divisão internacional do
trabalho envolve as distinções entre as áreas mais e menos industrializadas no mundo. Pode-se
verificar uma dupla divisão de trabalho: uma relacionada à divisão de tarefas propriamente dita e
outra referente à especialização regional de indústria, capacitação e produção de matérias-primas.
Para Giddens um dos traços marcantes do industrialismo é a difusão das tecnologias de
máquina. Essa difusão afeta, inclusive, os estados primordialmente agrícolas e foi responsável
pela criação de um mundo no qual há mudanças ecológicas reais ou potenciais de um tipo
daninho que afeta a todos no planeta.
Por outro lado, o industrialismo também alterou a nossa forma de ver o mundo, porque
transformou as tecnologias de comunicação.
III. CONFIANÇA E MODERNIDADE.
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O autor inicia o capítulo chamando atenção para o fato de que, com a modernidade, um
número cada vez maior de pessoas vive em situações onde instituições desencaixadas organizam
os aspectos essenciais da vida cotidiana.
Confiança e modernidade.
Nesta passagem, Giddens introduz o conceito de reencaixe, definido como: “a
reapropriação ou remodelação de relações sociais desencaixadas de forma a comprometê-las
(embora parcial ou transitoriamente) a condições locais de tempo e lugar” (p. 83).
Também diferencia os chamados:
o Compromissos com rosto: seriam as relações verdadeiras, mantidas por conexões
sociais de co-presença.
Exemplo: desatenção civil - duas pessoas se aproximam e se cruzam numa calçada.
Giddens ressalta que a desatenção, neste caso, não pode ser compreendida como indiferença.
Seria antes uma exibição do que ele denomina de estranhamento polido. Ela é uma demonstração
da confiança presumida em encontros regulares com estranhos em lugares públicos.
Giddens entende que a chamada “desatenção civil” é a forma mais elementar de
compromisso com rosto envolvido em encontros com estranhos em circunstancias da
modernidade. Ela envolve o uso do rosto e o emprego de uma postura corporal que quer dizer
“você pode confiar que estou sem intenções hostis”.
o Compromissos sem rosto: é o desenvolvimento da fé nas fichas simbólicas e nos
sistemas peritos (que o autor denomina de sistemas abstratos).
Confiança em sistemas abstratos.
O autor diferencia duas modalidades de confiabilidade:
o “Aquela estabelecida entre indivíduos que se conhecem bem e que, baseados num
relacionamento de longo prazo, substanciaram as credenciais que tornam cada um fidedigno aos
olhos do outro”.
o Aquela proveniente dos mecanismos de desencaixe. Em certas circunstancias, ela não
pressupõe encontro algum com indivíduos ou grupos responsáveis.
O encontro de atores leigos com indivíduos ou grupos responsáveis é o que Giddens
chama de “pontos de acesso”.
A fidedignidade conferida pelos atores leigos aos sistemas peritos não decorre apenas do
desejo por uma sensação de segurança, mas, antes de tudo, uma questão de cálculo de vantagem e
risco. O sociólogo esclarece que um dos significados disso é que niguem opta por sair
completamente dos sistemas abstratos envolvidos nas instituições modernas, como ocorre nos
casos de guerra nuclear ou de catástrofe ecológica.
Por isso, contatos com peritos ou seus representantes e delegados seriam conseqüentes nas
sociedades modernas. Esses encontros podem ser regulares e assumir a forma de confiabilidade
associada com amizade ou intimidade. Contudo, na maior parte das vezes são periódicos e
transitórios.
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Giddens destaca que embora todos saibam que o verdadeiro alvo da confiança são os
sistemas abstratos, os pontos de acesso recordam que as pessoas de carne-e-osso é que são os
seus operadores.
Mais adiante, o autor indaga porque os peritos mantêm oculta boa parte do que eles
fazem. Apresenta, a seguir, as possíveis razões:
o A necessidade de ambientes especializados e de concentração mental para o exercício
da perícia: o que é difícil de conseguir a vista do público.
o Aqueles que trabalham nos pontos de acesso procuram minimizar o mais possível. Ex:
os pacientes não poderiam confiar de modo suficiente na equipe medica se conhecessem os
enganos cometidos nas enfermarias e nos centro cirúrgicos.
Confiança e perícia.
Giddens ocupa-se em esclarecer porque a maioria das pessoas, a maior parte do tempo,
confia em praticas e mecanismos sociais sobre os quais seu próprio conhecimento técnico é
superficial ou inexiste.
Para tanto, destaca varias respostas possíveis:
o As crianças na escola não aprendem apenas as descobertas cientificas, mas a
respeitar o conhecimento técnico de todos os tipos. Dessa forma, a ciência mantém
uma imagem de conhecimento fidedigno.
Giddens acrescenta que as atitudes leigas em relação à ciência e ao conhecimento
técnico são tipicamente ambivalentes: só se exige confiança onde há ignorância.
No entanto, a ignorância sempre fornece terreno para o ceticismo e a cautela.
o Na modernidade, atitudes de confiança para com os sistemas abstratos são via de
regra incorporadas à continuidade das atividades cotidianas e reforçadas pelas
circunstâncias do dia-a-dia.
O texto destaca que as atitudes de confiança ou de falta de confiança em relação
aos sistemas abstratos são muito influenciadas pelas experiências de pontos de
acesso.
O autor vê nos pontos de contato uma fonte de vulnerabilidade para os sistemas
abstratos: uma pessoa que te uma experiência desagradável em relação a um ponto
de acesso pode abandonar o relacionamento leigo-cliente.
Confiança e segurança ontológica.
A segurança ontológica seria uma forma de sentimentos de segurança. Trata-se da crença
que a maioria dos seres humanos têm na continuidade de sua auto-identidade e na constância dos
ambientes de ação social e material circundante.
Giddens considera a segurança ontológica como um fenômeno mais emocional que
cognitivo. Diversas questões como “eu realmente existo?”e “eu sou hoje a mesma pessoa que eu
era ontem”não podem ser respondidas de modo inequívoco por um argumento racional.
Enfatiza que quando filósofos enfrentam essas questões não estão ontologicamente
inseguros em suas ações comuns, diferente do que ocorre com uma minoria da população que não
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considera a ausência de certeza sobre tais assuntos como uma preocupação intelectual, mas como
uma intranqüilidade profunda. É o que ocorre com alguns mentalmente enfermos, especialmente
com os esquizofrênicos.
A maior parte das pessoas não se encontra em estados de alta-inseguranca ontológica em
face dos diversos problemas existenciais por conta de certas experiências na primeira infância.
Nessa fase, há uma certa inoculação emocional que nos protege contra as ansiedades ontológicas
às quais todos os seres humanos estão potencialmente sujeitos. O agente promotor dessa
inoculação é normalmente a mãe.
Para Erick Erickson, citado pelo autor, a esquizofrenia infantil seria um resultado possível
da ausência de estabelecimento dessa confiança básica entre a criança e seus provedores.
Giddens complementa que “a fé no amor de seus protetores é a essência daquele salto ao
compromisso que a confiança básica - e todas as formas de confiança, portanto – pressupõe” (p.
98).
Desenvolvendo o pensamento de Winnicott, enfatiza que o que faz uma criança sentir que
a vida é real e que é digna de ser vivida é a sua relação com o seu protetor e a existência de um
“espaço potencial” entre ambos. Este espaço seria a separação criada entre a criança e seu
proteror, que corresponderia a uma autonomia de ação, uma identidade e um da realidade das
coisas.
Neste passo, demonstra a importância da ausência. Segundo ele, “um traço fundamental
da formação inicial da confiança é a confiança na volta do protetor” (p. 99). Desse modo,é
possível vislumbrar uma equiparação da confiança com a distancia no tempo e no espaço que
bloqueia ansiedades existenciais que poderiam se manifestar.
Na idade adulta, verifica-se a existência de um elo entre confiança, segurança ontológica e
o sentimento de continuidade das coisas. Há uma clara vinculação entre rotina e segurança
ontológica: “a previsibilidade das rotinas (aparentemente) sem importância da vida cotidiana está
profundamente envolvida com um sentimento de segurança psicológica” (p. 100).
Por isso, quando a rotina sofre alteração, a ansiedade pode “transbordar” e traços da
personalidade do sujeito podem ser afetados.
Outro paradoxo é apresentado pelo autor: “a rotina é psicologicamente relaxante, mas
num sentido importante ela não é algo a respeito do qual se possa estar relaxado” (p. 101). Além
disso, a rotina só pode ser mantida com base na vigilância das partes envolvidas.
Uma questão levantada é qual seria o oposto da confiança. Para responder à indagação,
Giddens salienta que a “desconfiança” é um termo muito fraco para expressar o oposto da
confiança básica e que a sua antítese seria algo como angst ou pavor existencial.
O pré-moderno e o moderno.
Embora alguns traços da psicologia da confiança sejam comuns às culturas pré-modernas
e modernas, também é possível encontrar diferenciações nas condições das relações de confiança
nessas sociedades.
Quatro contextos tendem a predominar nas culturas pré-modernas:
o Sistema de parentesco: as relações de parentesco são um foco de tenso e conflito,
mas, apesar disso, são, normalmente, ligações em que se pode confiar na
estruturação de ações nos campos do tempo-espaço. Ademais, o parentesco
proporciona uma rede de relações amigáveis ou intimas que a travessam tempo e
espaço.
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o Comunidade local: “o meio local é o lugar de feixes de relações sociais
entrelaçadas, cuja pequena extensão espacial garante sua solidez no tempo” (p.
105). Por isso, no contexto pós-moderno, a localidade contribui ara a segurança
ontológica.
o Cosmologia religiosa: se, por um lado, a cosmologia religiosa pode ser fonte de
grande ansiedade, em outros aspectos, proporciona interpretações morais e
práticas da vida pessoal e social e do mundo natural que geram um ambiente de
segurança para o crente. Neste sentido, Giddens acrescenta que a religião “gera
um senso da fidedignidade dos eventos sociais e naturais, e assim contribui para a
vinculação do tempo-espaço” (p.106).
o Tradição: para o sociólogo a tradição difere da religião porque enquanto esta se
refere a um corpo particular de crenças e práticas, aquela se preocupa com a
maneira como as crenças e práticas são organizadas, principalmente em relação ao
tempo. Releva a importância da tradição para a manutenção da segurança
ontológica na medida em que gera a confiança na continuidade do passado,
presente e futuro, atrelando essa confiança a praticas sociais rotinizadas.
Em seguida, Giddens traça um panorama dos riscos nas culturas tradicionais:
RISCOS NAS CULTURAS TRADICIONAIS
Ambiente de risco dominado pelas vicissitudes do mundo físico como
inconstâncias climáticas, inundações, tormentas, chuva excessiva, seca
etc.
Preponderância da violência humana. Na população, poucos grupos
podiam sentir-se seguros em virtude da violência dos exércitos invasores,
senhores da guerra local, salteadores, ladrões ou piratas.
Contribuição dual da religião, que, a um só tempo, garantia proteção
contra as tribulações da vida e era fonte de ansiedade e apreensão mental.
Os quatro principais focos de confiança não têm a mesma importância no contexto
moderno:
o Sistema de parentesco: as relações de parentesco continuam importantes para a
maior parte da população, mas já não se apresentam como veículos de laços
sociais intensamente organizados através do tempo-espaço.
o Comunidade local: o primado do lugar tem sido destruído pelas operações de
desencaixe e pelo distanciamento espaço-tempo.
o Tradição e religião: ambas têm tido um impacto decrescente. Para Giddens, a
cosmologia religiosa tem sido substituída pelo conhecimento reflexivamente
organizado.
Panorama do ambiente de risco nas sociedades modernas:
RISCO NAS CULTURAS MODERNAS
Os perigos que enfrentamos derivam mais do mundo que da natureza. É o
que ocorre, por exemplo, com o risco ecológico.
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A ameaça de violência militar permanece, mas seu caráter foi alterado
substancialmente. A ameaça de um conflito nuclear acarreta perigos
nunca antes enfrentados.
O risco e o perigo também se tornaram secularizados, deixando pouco
espaço para as influencias divinas, forças mágicas ou espíritos cósmicos.
IV. SISTEMAS ABSTRATOS E A TRANSFORMAÇÃO DA INTIMIDADE.
O autor enfatiza que os sistemas abstratos propiciaram um grande nível de segurança na
vida cotidiana que estava ausente nas ordens pré-modernas.
É possível constatar que esses sistemas operam com grande eficácia, embora situações de
pane ou obstáculo possam surgir, originando atitudes de ceticismo ou antagonismo nos
indivíduos.
A confiança nesses sistemas é a condição para o distanciamento espaço-tempo e para as
áreas de segurança na vida cotidiana.
Confiança e relações pessoais.
Para Giddens, a confiança em sistemas abstratos contribui para a confiabilidade da se
segurança cotidiana, mas não pode fornecer a mutualidade e a intimidade que as relações de
confiança pessoal oferecem.
A esse processo, o autor denomina de transformações na intimidade, enfatizando que, em
muitas explicações sociológicas, ela é resultado da mudança do caráter comunal das ordens
tradicionais para a impessoalidade da vida social moderna e que esse contraste tem sido retomado
por três maneiras principais:
o Numa primeira concepção, o desenvolvimento da modernidade rompe as velhas
formas de “comunidade” em detrimento das relações pessoais nas sociedades
modernas. Haveria, assim, uma desinstitucionalização da esfera privada, como
efeito da precedência das organizações burocráticas e da influência da sociedade
de massas;
o As instituições modernas são vistas como tendo assumido grandes áreas da vida
social, libertando-se do conteúdo que já possuíram. A esfera privada desponta
como enfraquecida e amorfa;
o Por fim, a concepção do declínio da comunidade tem sido criticada com base em
pesquisas que têm sido desenvolvidas em áreas urbanas. Neste sentido, diversos
autores tentam demonstrar que as cidades modernas fornecem mecanismos para
gerar formas de vida comunal, muitos deles não disponíveis no período prémoderno.
Giddens concorda que a comunidade, no sentido de uma afinidade encaixada ao lugar,
tem sido destruída em parte na modernidade, embora se possa discutir a extensão desse processo
em contextos específicos.
Exemplifica que a constatação de que alguns laços de parentesco permanecem fortes no
contexto moderno não pode significar que o parentesco desempenha o mesmo papel que
desempenhou na estruturação da vida cotidiana para a maioria das pessoas.
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Mais adiante, ele questiona a maneira como essas mudanças afetam as relações de
intimidade pessoal e sexual, tomando parâmetro as relações de amizade.
A amizade que nas culturas pré-modernas era institucionalizada com freqüência e vista
como meio de criar alianças com contragrupos externos potencialmente hostis, na cultura
moderna aparece como um modo de reencaixe. Nesse sentido, Giddens torna claro que “o oposto
de ‘amigo’ já não é mais ‘inimigo’, nem mesmo ‘estranho’; ao invés disso, é ‘conhecido’,
‘colega’, ou ‘alguém que não conheço’” (p. 121). Neste mesmo caminho, a honra é substituída
pela lealdade, que tem como única base o afeto pessoal e sinceridade é substituída pela
autenticidade, que se resume a exigência de que o outro seja aberto e bem-intencionado..
Confiança e identidade pessoal
Com a evolução dos sistemas abstratos, a confiança em princípios impessoais e em outros
anônimos é indispensável à existência social. As rotinas organizadas pos sistemas abstratos são
vazias, amoralizadas. Contudo, para o autor, não se trata de uma simples diminuição da vida
pessoal em prol de sistemas impessoalmente organizados, “mas numa transformação genuína da
própria natureza do pessoal” (p. 122).
Dessa forma, não é correto realçar a impessoalidade dos sistemas abstratos contra as
intimidades da vida pessoal, pois a vida pessoal e os laços sociais estão muito conectados aos
sistemas abstratos de longo alcance. Exemplifica-se com a constatação de que as dietas ocidentais
refletem intercâmbios econômicos globais (“cada xícara de café contem em si toda a historia do
imperialismo colonial”).
Nesse contexto, a confiança em pessoas não é enfocada por “conexões personalizadas no
interior da comunidade local e das relações de parentesco” (p. 123). Ela se torna um projeto a ser
trabalhado pelas partes envolvidas e “requer a abertura do individuo para o outro” (p. 123).
Em seguida, Giddens passa a analisar a transição das relações eróticas, associando-as à
formação do denominado ethos do amor romântico ou individualismo afetivo. O autor
compreende que, ao invés de estar associado à ascensão das instituições modernas, esse ethos
mais parece ser uma transição associada à dissolução das formas mais antigas de casamento
arranjado.
Nesse contexto, “a confiança pessoal, por conseguinte, tem que ser estabelecida através
do processo de autoquestionamento: a descoberta de si torna-se um projeto diretamente envolvido
com a reflexidade da modernidade” (p. 124).
Risco e perigo no mundo moderno
O risco característico da modernidade tem como traços principais:
o A globalização do risco no sentido de intensidade. Ex: a ameaça nuclear pode
atingir toda a humanidade;
o A globalização do risco no sentido da expansão da quantidade de eventos que
afetam todos ou uma grande quantidade de pessoas no planeta;
o O risco derivado do meio ambiente criado ou da natureza socializada;
o O desenvolvimento de riscos ambientais institucionalizados. Ex: mercado de
investimentos;
o A consciência do risco como risco
o A consciência bem distribuída do risco;
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o Consciência da limitação da perícia.
IV. SISTEMAS ABSTRATOS E A TRANSFORMAÇÃO DA INTIMIDADE (continuação).
Riscos e segurança ontológica
Giddens inicia o tópico questionando de que maneira os riscos modernos interferem na
confiança leiga em sistemas peritos e nos sentimentos de segurança ontológica e enfatizando que
a análise tem que levar em conta que os perigos atuais são inevitáveis, longe de controle (pelos
indivíduos e pelas organizações), de alta intensidade e que podem ameaçar a vida de milhões de
pessoas.
Em seguida indaga como é possível mantermos no primeiro plano dos nossos
pensamentos a visão de perigos tão assustadores e incontroláveis. A essa questão ele responde
que a maior parte das pessoas não pode manter esses pensamentos, com exceção daquelas que
tendem a ser mentalmente perturbadas. Isso ocorre porque esta perspectiva paralisaria a vida
cotidiana comum. Acrescente que existe a necessidade de seguir com as coisas praticas do dia-adia e que um senso de “destino” retira do individuo o fardo do engajamento numa situação
existencial que poderia ser perturbadora.
Contudo, se, por um lado, os riscos de alta-conseqüência e de baixa probabilidade podem
ser minimizados dentro de uma perspectiva otimista, por outro, eles não podem ser extintos. Para
demonstrara idéia, o autor traz o exemplo da bomba atômica: mesmo que todas elas fossem
destruídas, ainda assim, o risco não estaria extinto, pois remanescendo o conhecimento em torno
da bomba, ela sempre poderá serre construída.
Noutro diapasão, a invisibilidade que alguns riscos tendem a promover seria a justificativa
para o seu caráter “acentuadamente contrafatual” (p. 135). E mais... quanto maior o perigo, não
mensurado em termos de probabilidade, mas de dimensão da ameaça, mais contrafatual ele é.
Isso ocorre também pela impossibilidade desses riscos serem traduzidos para situações de teste
empírico.
Reações de adaptação
Com relação às reações de adaptação, Giddens entende que não há uma distinção
significativa entre os indivíduos peritos e os leigos. Elas seriam de quatro espécies:
o Aceitação pragmática: essa reação envolve uma concentração em “sobreviver”. O
enfoque não é sair do mundo exterior, mas se concentrar nas tarefas do dia-a-dia.
Essa posição não está livre de custos psicológicos, pois o entorpecimento por ela
gerado reflete uma “profunda ansiedade subjacente, que em alguns indivíduos
emerge conscientemente repetidas vezes” (p. 137).
o Otimismo sustentado: consiste na permanência das atitudes do iluminismo - na
manutenção de uma fé na razão providencial a despeito de todos os perigos. É a
postura daquele que acredita que podem ser encontradas soluções sociais e
tecnológicas para os problemas globais. Essa perspectiva tem muito prestigio no
ambiente leigo porque oferece uma convicção de que a ciência traz fontes de
segurança a longo prazo.
o Pessimismo cínico: para Giddens, essa reação pressupõe um envolvimento direto
com as ansiedades provocadas pelos perigos de altas-conseqüências. Ele não
significa indiferença nem o mau agouro. Seria mais “um modo de amortecer o
impacto emocional das ansiedades através de uma resposta ou humorística ou
enfastiada do mundo” (p. 138). O pessimismo é criticado pelo autor, para quem,
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“o pessimismo não é uma formula para a ação, e numa forma extrema leva apenas
à depressão paralisante” (p. 138). No entanto, se combinado com uma atitude de
cinismo, teria a sua aspereza aliviada.
o Engajamento radical: seria uma atitude de contestação prática em relação às
fontes de perigo. Os seus adeptos defendem que embora estejamos circundados de
problemas graves e globais, devemos tentar ultrapassa-los ou, pelo menos,
diminuir o seu impacto. O principal veiculo dessa concepção é o movimento
social.
Uma fenomenologia da modernidade
De acordo com a obra, duas abordagens sociológicas têm dominado quando o assunto é
como viver no mundo da modernidade:
o Análise de Weber: para esse autor: os laços da racionalidade tendem a ficar cada
vez mais forte, aprisionando-nos numa gaiola anódica de rotina burocrática. O
colorido e a espontaneidade da vida moderna estariam aprisionados numa gaiola
de aço rígido que seria a racionalidade burocrática. Giddens critica a concepção de
Weber, compreendendo que, embora as instituições modernas sejam marcadas por
uma rigidez burocrática em diversos contextos, eles estão longe de ser difusos, por
isso, essa teoria seria inadequada mesmo para explicar as organizações de grande
escala. Acresce que, ao contrário de produzir uma rigidez, essas organizações
produzem áreas de autonomia e espontaneidade.
o Análise de Marx: a modernidade é vista como um monstro. Ela se apresenta como
um projeto inacabado, mas, como qualquer produto da criação humana, esse
monstro poderia ser domado. Contudo, o capitalismo seria uma via inadequada
para conduzir o mundo moderno.
Aproveitando um pouco da construção marxista, Giddens opta pela imagem do “carro
Jagrená” – “uma máquina em movimento de enorme potência que, coletivamente como seres
humanos, podemos guiar até certo ponto, mas que também ameaça escapar do nosso controle e
poderia se espatifar” (p. 140). Esse carro esmaga aqueles que lhe resistem, às vezes parece ter
um rumo determinado, mas pode mudar repentinamente para direções imprevisíveis. A viagem
pode ser estimulante, mas, para Giddens, enquanto durar a modernidade, nunca seremos capazes
de controlar o rumo e a velocidade da viagem. Por isso, também nunca nos sentiremos seguros,
em face da potencialidade de riscos de alta – conseqüência.
O autor então, passa a desenhar quatro estruturas de vivencia dialeticamente relacionadas,
que compõem uma fenomenologia da modernidade:
o Deslocamento e reencaixe: “a intersecção de estranhamento e familiaridade” (p.
140).
o Intimidade e impessoalidade: “a intersecção de confiança pessoal e laços
impessoais” (p. 140).
o Perícia e reapropriação: “a intersecção de sistemas abstratos e cognoscibilidade
cotidiana” (p. 141).
o Privatismo e engajamento: “a intersecção de aceitação pragmática e ativismo” (p.
141).
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Desabilitação e reabilitação da vida cotidiana
Consoante o pensamento de Giddens, a perícia é parte da intimidade no contexto da
modernidade. Isso pode ser exemplificado com as diversas formas de psicoterapia e
aconselhamento e com o grande numero de obras e de programas de televisão a nosso alcance,
que tentam passar “informações técnicas” sobre relacionamentos.
Contudo, ele discorda da tese habermasiana no sentido de que essa integração entre
perícia e intimidade significa uma colonização dos sistemas abstratos sobre o mundo da vida
preexistente. Para tanto, apresenta duas razões:
o “As instituições modernas não se implantam no mundo da vida, cujos
resíduos permanecem muito semelhantes ao que sempre foram” (p.144). as
alterações na natureza da vida cotidiana também interferem nos mecanismos de
desencaixe.
o A perícia técnica é constantemente reapropriada por agentes leigos como
parte da sua atuação cotidiana com os sistemas abstratos. Se nós não podemos
nos tornar peritos em todo o conhecimento existente na atualidade, por outro lado,
ao travarmos contato com os sistemas abstratos, terminamos dominando alguns
princípios sobre os quais eles se baseiam.
O sociólogo também critica a suposição de alguns sociólogos de que, diversamente do
que ocorria nas culturas tradicionais, o mistério não existe e o modo como o mundo funciona
pode ser inteiramente conhecido. Ele exemplifica: “quantos de nós hoje em dia, ao ascendermos
o comutador de luz, sabemos de onde vem o fornecimento de energia elétrica ou mesmo, num
sentido técnico, o que é realmente a eletricidade” (p. 145).
O autor nota, porém, que esse processo de reapropriação da perícia técnica não aumenta o
sentimento de controle seguro para o indivíduo comum sobre as circunstancias da vida cotidiana
e somos nós, pessoas leigas na maior parte dos sistemas peritos, que devemos conduzir o carro do
Jagrená.
Dentro deste contexto, ele considera que um senso de sobrevivência não pode estar
ausente de nosso pensamento. Contra as profundas ansiedades que esses riscos de altaconseqüência podem produzir, o agir-como-de-hábito atua como mecanismo estabilizador da
confiança e da segurança ontológica.
Contudo, os riscos de alta-conseqüência não são apenas contingências remotas. Alguns
deles se impõem no âmago das atividades cotidianas. Para Giddens, “a mistura de risco e
oportunidade é tão complexa e muitas circunstancias envolvidas que é extremamente difícil para
os indivíduos saberem até onde atribuir confiança a prescrições ou sistemas específicos e em que
medida suspendê-la” (p. 148). Isso ocorre frequentemente com os alimentos.
V. CONDUZINDO O CARRO DE JAGRENÁ.
No início desse capítulo, Giddens traz algumas questões de capital importância:
o Como é possível para a humanidade atrelar o carro de Jagrená ou, pelo menos,
conduzi-lo, de forma a diminuir os perigos e ampliar as oportunidades que a
modernidade nos oferece?
o Por que vivemos hoje num mundo tão descontrolado e diferente daquele
imaginado pelos iluministas?
o Por que a razão não gerou para nós a previsão e o controle?
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Em seguida, o autor aponta alguns fatores, já advertindo que nenhum deles relaciona-se
com a idéia de que não temos mais métodos aptos para sustentar as reivindicações de
conhecimento:
o Defeitos de projeto: será que existem defeitos de projeto nos sistemas abstrato que
nos joga para fora do desenvolvimento que foi projetado?
o Falha do operador: qualquer sistema abstrato pode falhar em seu funcionamento
porque quem o opera comete enganos. Ex: acidente de Chernobyl.
Embora esses fatores tenham a sua relevância, para Giddens, as duas influencias mais
significativas são: as conseqüências involuntárias e a reflexividade ou circularidade do
conhecimento social. Os defeitos de projeto e a falha do operador integram a categoria das
conseqüências inesperadas, mas ela é muito mais abrangente.
o As conseqüências involuntárias: não importa o grau de eficiência do projeto e o
quanto seus operadores são preparados: as conseqüências da introdução da
modernidade e do seu funcionamento não podem ser inteiramente previstas, por
conta da complexidade dos sistemas e ações que constituem a sociedade.
o A reflexividade ou circularidade do conhecimento social: a razão dessas
conseqüências involuntárias está na circularidade do conhecimento social. “Em
condições de modernidade, o mundo social nunca pode formar um meio ambiente
estável em termos de entrada de conhecimento novo sobre seu caráter e
funcionamento” (p. 153). O conhecimento novo é reflexivo, porque altera a
natureza do mundo social, “projetando-o para novas direções” (p. 153).
Dessa forma, o autor conclui que “não podemos controlar a vida social completamente,
mesmo considerando que nós mesmos a produzimos e reproduzimos em nossas ações” (p.153).
Realismo utópico
Uma mensagem de otimismo: o texto ressalta que isso não significa que devemos desistir
das tentativas de governar o carro de Jagrená. Para Giddens, é necessário criar modelos de
realismo utópico.
O autor constrói as bases do seu realismo utópico a partir da teoria marxista:
o Assinala, inicialmente, que devemos abandonar a concepção de Marx de que a
historia tem uma direção geral e converge para um agente revolucionário, o
proletariado, pois “os interesses dos oprimidos não são uniformes e
frequentemente colidem entre si” e “as mudanças sociais benéficas com
freqüência exigem o uso de poder diferencial mantido apenas pelos privilegiados”
(p. 154);
o Contudo, o principio marxista de que os caminhos para a mudança social não
serão viáveis se não estiverem atrelados a possibilidades institucionalmente
imanentes deve ser mantido.
Prossegue, destacando que uma teoria critica sem garantias no fim do século XX deve:
o Ser sensível sociologicamente: deve estar atenta às transformações institucionais
imanentes que a modernidade abre constantemente para o futuro;
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o Ser geopoliticamente tática: deve reconhecer que compromissos morais e boa-fé
podem ser perigosos num mundo de riscos de alta – conseqüência;
o Criar modelos da sociedade boa;
o Reconhecer que a política emancipatória tem que estar vinculada apolítica da
vida, ou uma política de auto-realização.
Orientações futuras: o papel dos movimentos sociais
Giddens reconhece que, como modalidades de engajamento radical com importância
difusa, os movimentos sociais fornecem elementos para as transformações futuras. Esse papel
não deve estar restrito ao movimento trabalhista.
Ele complementa que os movimentos sociais oferecem visões de futuros possíveis,
mostrando-se como veículos para a sua realização. Contudo, da perspectiva do realismo utópico,
não são a única base de mudança que pode levar a um mundo melhor. Ele reconhece outras
forças importantes como: a força da opinião pública, as políticas das corporações de negócios e
dos governos nacionais e as atividades de organizações internacionais.
Pós-modernidade
Nesta etapa, o autor tenta identificar os contornos de uma ordem pós-moderna, afirmando
que ela deve ser institucionalmente complexa, consistindo num movimento para além da
modernidade. Novamente, o autor distingue quatro dimensões para a mudança:
o Sistema pós-escassez: segundo Giddens, ir além do capitalismo implica na
transcendência das divisões de classes produzidas pelos mercados capitalistas.
Haveria um potencial para um sistema pós- escassez, coordenado mundialmente. Esse
novo sistema deve passar a largo do dilema entre a liberdade dos mercados (que leva a grandes
disparidades entre grupos e regiões) e o seu controle centralizado por uma agencia totalmente
abrangente (que leva ao autoritarismo político). De acordo com o autor: “quando os bens
principais da vida já não são mais escassos, os critérios do mercado podem funcionar apenas
como dispositivos de sinalização, ao invés de serem também meios de manutenção da privação
em larga escala”.
Giddens observa que a busca pela acumulação capitalista não pode durar eternamente
porque não é auto-suficiente em termos de recursos. Por isso, essa ordem pós-escassez deve
trazer alterações significativas nos modos de vida social. As expectativas de crescimento
econômico contínuo deveriam ser modificadas, além de ser imperativa uma redistribuição global
deriquezas.
Esse sistema, mesmo que inicialmente esteja concentrado em algumas áreas do mundo,
teria que ser coordenado mundialmente.
o Participação democrática de múltiplas camadas: o sociólogo percebe que “no
interior dos estados-nação, a intensificação das atividades de vigilância leva a
pressões crescentes para a participação democrática” (p. 166). Isso seria um
reflexo da mudança na posição do estado-nação na ordem mundial, com a
proliferação de novas formas de organização local e de um tipo internacional.
o Desmilitarização: o autor identifica um certo realismo na previsão de um mundo
sem guerra. Essa tendência decorreria do processo de industrialização da guerra e
da posição alterada dos estados-nação na arena mundial. Alem disso, o aumento
da interdependência global amplia as situações em que interesses semelhantes são
partilhados por todos os estados.
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o Humanização da tecnologia: embora os processos de inovação tecnológica e de
desenvolvimento industrial ainda estejam em aceleração, Giddens percebe
algumas contracorrentes parcialmente expressas nos movimentos ecológicos e em
outras esferas. A questão ambiental ingressou na agenda política dos governos e
deverá confrontar o desenvolvimento para evitar danos sérios e irreversíveis.
Também entende que como o desafio ambiental é global, as formas de intervenção
deverão ter base planetária. Deve ser criado um sistema geral de cuidado
planetário.
Noutro passo, Giddens tenta inventariar os riscos de alta-conseqüência existentes hoje:
o Crescimento do poder totalitário: as possibilidades para a criação de poder
totalitário seria o lado sombrio das tendências para um crescente envolvimento
democrático.
o Conflito nuclear ou guerra de grande escala: é o único risco de alta
conseqüência que a humanidade enfrenta num futuro de médio prazo no que tange
à guerra industrializada.
o Deterioração ou desastre ecológico: embora apresente um risco menos imediato
tem conseqüências igualmente perturbadoras
o Colapso dos mecanismos de crescimento econômico
VI. É A MODERNIDADE UM PROJETO OCIDENTAL?
No último capitulo, Giddens tenta discutir porque a modernidade seria um projeto
ocidental. Para responder a essa indagação, afirma que dois complexos organizacionais são
significativos para o desenvolvimento da modernidade:
o O estado-nação
o Produção capitalista sistemática
Ambos têm suas raízes em características especificas da historia européia e não se
vinculam a outros períodos históricos ou contextos culturais. Por isso, em termos do modo de
vida forjado por essas agencias transformadoras, a modernidade seria um projeto ocidental.
Uma conseqüência fundamental da modernidade é a globalização que, para além de
representar a difusão das instituições ocidentais através do mundo, trata-se de “um processo de
desenvolvimento desigual que tanto fragmenta quando coordena – introduz novas forams de
interdependência mundial, nas quais, mais uma vez, não há ‘outros’” (p. 174).
Para o autor, contudo, do ponto de vista das suas tendências globalizantes, a modernidade
não seria peculiarmente ocidental, pois existe a emergência de uma interdependência mundial e
de uma consciência planetária.
Complementa ainda que a modernidade é universalizante não apenas sob o ponto de vista
de seu impacto global, mas “em termos do conhecimento reflexivamente fundamental a seu
caráter dinâmico” (p. 174). Sob esse ponto de vista, a modernidade também seria distintivamente
ocidental.
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