O Perfil Epidemiológico da Coqueluche no Estado de Santa

Transcrição

O Perfil Epidemiológico da Coqueluche no Estado de Santa
O Perfil Epidemiológico da Coqueluche no Estado de Santa Catarina, Brasil, no
Período de 2001 a 2006.
The epidemiological profile of Whooping Cough in the state of Santa Catarina,
Brazil, from 2001 to 2006.
Daniela Aparecida Marques1
Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Palhoça - SC.
Sérgio Freitas2
Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina.
Coqueluche no Estado de Santa Catarina
Resumo
No Estado de Santa Catarina, Brasil, a coqueluche apresentou uma elevação de casos
notificados e confirmados a partir do ano de 2002, conforme dados epidemiológicos da
Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde. Este estudo teve
como objetivo avaliar o perfil epidemiológico dos casos de coqueluche no Estado,
descrever a proporção da ocorrência da doença nesta população, num paralelo em relação à
cobertura vacinal dos casos confirmados; para tanto, utilizamos a incidência da notificação
e confirmação da doença entre janeiro de 1996 a dezembro de 2006, a porcentagem de
cobertura vacinal e caracterização da população acometida. Em Santa Catarina a
coqueluche apresentou um declínio na taxa de mortalidade no período de 2001 a 2006. O
grupo mais atingido e de maior risco para a coqueluche é o de menores de um ano, e houve
uma pequena proporção de casos entre adolescentes e adultos.
Palavras-chave: coqueluche; perfil epidemiológico; imunização.
Abstract
In the state of Santa Catarina, Brazil, showed an increase of whooping cough cases
reported and confirmed from the year 2002, as epidemiological data from the Department
of Epidemiological Surveillance of the State Department of Health. This study aimed to
evaluate the epidemiological profile of cases of whooping cough in the state, describing the
proportion of the occurrence of the disease in this population, in parallel with regard to
immunization coverage of the confirmed cases, for both, we use the impact of the
notification and confirmation of the disease between January 1996 to December 2006, the
percentage vaccination coverage and characterization of the affected population. In Santa
Catarina the whooping showed a decline in the mortality rate in the period 2001 to 2006.
The group most affected and most at risk for whooping cough is to children under one
year, and there were a small proportion of cases among adolescents and adults
Keywords: whooping cough; epidemiological profile; immunization.
Introdução
A coqueluche é uma doença infecciosa aguda, transmissível, tendo como principal
agente etiológico a bactéria Bordetella Pertussis. Compromete especificamente o aparelho
respiratório e se caracteriza por paroxismos de tosse seca. Causa importante de morbimortalidade infantil1.
1
O diagnóstico da coqueluche é realizado através da técnica da cultura para o
isolamento da Bordetella Pertussis da secreção nasofaríngea considerada como “padrãoouro”, é o único critério de confirmação laboratorial aceito atualmente pelo Ministério da
Saúde, porém a coleta deve ser realizada antes do início da antibioticoterapia ou, no
máximo, até três dias após o seu inicio1. O Estado de Santa Catarina conta apenas com um
laboratório de referencia, o Laboratório Central do Estado de Santa Catarina (LACEN)
Após a introdução da vacinação contra a Coqueluche ocorreu uma brusca redução
da incidência da doença no mundo, com a imunização em massa com a vacina tríplice
bacteriana (DPT, que protege contra Coqueluche, Difteria e Tétano) reduziu a incidência e
mortalidade entre crianças até quatro anos de idade2.
Atualmente observa-se a reemergência da coqueluche em todas as faixas etárias em
alguns países. Este fato tem sido atribuído a diminuição da imunidade adquirida e a
sensibilidade da vigilância epidemiológica; baixa efetividade do componente pertussis da
vacina e presença dos métodos diagnósticos1.
No Brasil no início da década de 80 eram notificados mais de 40 mil casos anuais,
com um coeficiente de incidência maior do que 30/100 mil habitantes, a incidência, a
mortalidade e a letalidade da coqueluche vieram apresentando uma tendência decrescente3.
No Brasil o uso sistemático da vacina DTP foi iniciado em 1983 tornando-se passível de
medidas de controle e prevenção eficazes4. Atualmente as notificações em média não
excederam a dois mil casos por ano, mantendo-se com coeficiente de incidência em torno
de 1/100 mil habitantes1.
O Ministério da Saúde preconiza a cobertura vacinal para a vacina DPT acima de
90% e Tetravalente (DPT + Hib, contra Coqueluche, Tétano, Difteria e Haemophilus
Influenzae b) acima de 95% dos suscetíveis, e atribui eficácia de 75% a 80% contra a
coqueluche com esquema básico completo. A imunidade da vacina não é permanente e
decresce com o tempo1. No ano de 2001, a cobertura vacinal no Brasil atingiu o índice de
97%, porém não houve homogeneidade entre os estados brasileiros5. No estado de Santa
Catarina, região sul do Brasil, a cobertura vacinal da vacina DTP alcançou cobertura
preconizada acima de 90% a partir do ano de 2000, sendo que no ano de 2001 a cobertura
vacinal da vacina DTP foi de 105,04%, em 2002 iniciou a vacinação Tetravalente (DPT
+Hib) para menores de um ano de idade onde a cobertura foi de 64,56% e de e de 36,75%
para a DPT, nos anos de 2003 a 2006 foi acima de 100% para a vacinaTetravalente5.
No Brasil foram confirmados 878, 750, 1.036, 1.343, 1.273 e 790 casos da doença e
no Estado de Santa Catarina 17, 87, 45, 31, 47 e 39 casos, em 2001, 2002, 2003, 2004,
2005 e 2006 respectivamente. Dos 266 casos confirmados no período de 2001 a 2006,
16,5% receberam as três doses da vacina e um reforço.
Diante da presença de casos da doença no Estado de Santa Catarina, o presente
trabalho tem por objetivo avaliar o perfil epidemiológico dos casos de coqueluche no
Estado, descrever a proporção da ocorrência da doença nesta população num paralelo em
relação à situação vacinal dos casos confirmados.
Metodologia
Foi realizado um estudo epidemiológico descritivo de série histórica.
A população utilizada abrange todos os casos notificados e/ou confirmados de
coqueluche no Estado de Santa Catarina, registrados no Sistema Nacional de Agravos de
Notificação (SINAN) no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2006.
Os dados secundários utilizados referentes à ocorrência de casos notificados e
confirmados de coqueluche, critérios de confirmação, sexo, faixa etária e cobertura vacinal
2
foram coletados nos registros de informação da Secretária Estadual de Santa Catarina, na
Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVE), na Gerencia de Vigilância em
Imunopreveníveis (GEVIM) e na página eletrônica (http://www.saude.sc.gov.br), na base
de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAN) do Ministério da
Saúde e departamento de Informática do SUS (DATASUS; http://www.datasus.gov.br). A
incidência foi calculada por 100 mil habitantes segundo ano de diagnóstico, utilizando os
dados pesquisados na página eletrônica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE; http://www.ibge.gov.br).
Foi calculado o coeficiente de mortalidade por 100 mil habitantes segundo ano de
diagnóstico e a taxa de letalidade por 100 habitantes segundo óbitos de coqueluche ao ano.
A análise dos dados coletados foi realizada através das notificações do SINAN,
sendo consideradas como variável dependente os casos confirmados da doença e variáveis
independentes: sexo, faixa etária (menor de 1 ano, 1 – 4 anos, 5 – 9 anos, 10 – 14 anos, 15
– 19 anos e maiores de 20 anos), critérios de confirmação ( clínico, leucograma, cultura e
vinculo epidemiológico) e esquema vacinal ( uma dose, duas doses, três doses, três doses
mais um reforço e não vacinado).
Resultados
Em Santa Catarina foram notificados 690 casos suspeitos de coqueluche no período
de 2001 a 2006, sendo confirmados 266 (38,6%) casos da doença, sendo que no período
de1996 a 2000 foram notificados 364 casos e confirmados apenas 51 casos. Comparando o
número de casos notificados podemos observar uma brusca elevação no ano de 2002 que
passa de 34 casos notificados em 2001 para 129 casos no ano de 2002, desde então o
panorama das notificações progressivamente aumentaram, atingindo o cume de 168 casos
em 2004. Também em 2002 ocorreu uma elevação de casos confirmados, diminuindo no
ano seguinte e mantendo-se abaixo nos demais período (Figura 1).
No período de 2001 a 2006 a doença acometeu mais o sexo feminino, sendo as
crianças menores de um ano a faixa etária mais atingida 69,2%. O coeficiente de
mortalidade foi de 0,02/100.000 hab. neste período, e a taxa de letalidade de 0,38%, sendo
que ocorreu apenas um óbito por coqueluche no ano de 2003, na faixa etária menor de um
ano, no entanto, no período de 1996 a 2000 o coeficiente de mortalidade foi de 5,97%, com
dois óbitos em 1996, e um óbito nos anos de 1999 e 2000, sendo todos na mesma faixa
etária. A partir destes dados verifica-se um declínio no coeficiente de mortalidade no
período de 2001 a 2006, apesar do aumento das notificações e casos confirmados da
doença. (figura 2).
A confirmação de casos deu-se em sua maioria por critério clínico 68,4%, sendo
que a Cultura considerada “padrão-ouro” foi confirmada apenas 9,8% dos casos, como
podemos observar na figura 3.
A figura 4 nos mostra que dos 266 casos confirmados, 83 não haviam recebido
nenhuma dose da vacina contra a coqueluche (31,2%).
Discussão
Na distribuição de casos por faixas etárias, o grupo mais atingido e de maior risco
para a coqueluche é o de menores de um ano. Pode-se observar também uma pequena
proporção de casos de coqueluche entre adolescentes e adultos, contrastando com o que
vem sendo descrito na literatura atual, pois uma das explicações para o elevado número de
casos da doença em crianças menores em populações onde a cobertura vacinal é elevada,
tem sido atribuída aos familiares da criança, freqüentemente pais ou irmãos mais velhos.
3
Porém, muitos profissionais de saúde acreditam que a coqueluche estaria controlada no
país, devido à alta cobertura de vacinação, quando se alia a isso as dificuldades na
comprovação da infecção e o desconhecimento da duração da imunidade conferida pela
doença ou pela vacina, há uma resistência em realizar e aceitar o diagnóstico7, resultando
assim que muitos casos não são captados pela Vigilância Epidemiológica.
É esperado um maior número de casos na faixa etária de menores de um ano, pois
esta faixa etária é de risco clássico. Porém, esse aumento dos casos de coqueluche nessa
faixa etária indica entre outras possibilidades que esta suscetibilidade pode estar sendo
agravada pelo aumento da população suscetível nas demais faixas etárias, considerando
que a imunidade diminui com o passar dos anos. Alguns artigos científicos indicam como
estratégia da utilização de uma dose reforço da vacina DPT acelular na adolescência, e
também em indivíduos que tenham contato prolongado ou que venham a ter contato com
recém-nascidos ou com lactentes que não receberam o esquema básico de vacinação contra
a coqueluche8.
No entanto, apesar do pequeno percentual de casos na população maior de 20 anos
de idade, geralmente eles são notificados e diagnosticados quando realizada a busca ativa
dos comunicantes com tosse dos casos notificados da doença em crianças pequenas.
Não podemos afirmar que realmente esteja ocorrendo tal mudança no padrão
epidemiológico da coqueluche no Estado de Santa Catarina, uma vez que pode estar
ocorrendo uma subnotificação da doença, pois existe uma falsa concepção de que a
coqueluche é somente uma doença pediátrica que foi controlada por imunizações rotineiras
na infância e que a imunidade conferida pela vacinação ou infecção natural é permanente,
além de que a imunidade residual pode dificultar o diagnóstico, pois modifica a
apresentação clínica da doença principalmente entre crianças maiores, adolescentes e
adultos6, assim os profissionais da saúde não consideram como diagnóstico diferencial.
Para prevenir a expansão da doença em indivíduos suscetíveis, deve-se reforçar a
manutenção de coberturas vacinais elevadas e homogêneas em todo o Estado, ampliarem o
conhecimento dos profissionais de saúde quanto aos diagnósticos diferenciais de tosse
prolongada ou em qualquer outra doença com tosse acompanhada de vômitos pós-tosse,
principalmente na população de adolescentes e adultos, a realizar o diagnóstico e
tratamento precoce aos doentes assim como também realizar a profilaxia antimicrobiana
para os contatos.
Referências bibliográficas
1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 6ª
ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
2. Luz PM, Codeço CT, Werneck GL. A reemergência da coqueluche em países desenvolvidos:
um problema também para o Brasil? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2003; 19 (4):
1209-1213.
3. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância em saúde no SUS:
fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Brasília: Ministério da
Saúde, 2006.
4. Ministério da Saúde. Programa nacional de imunizações 30 anos. Brasília: Ministério da
Saúde; 2003.
5. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde: indicadores de saúde.
http://tabnet.datasus.gov.br (acessado em 10/09/2008).
4
6. Trevizan S, Coutinho SED. Perfil epidemiológico da coqueluche no Rio Grande do Sul, Brasil:
estudo da correlação entre incidência e cobertura vacinal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 2008; 24(1): 93-102.
7. Carvalho AP, Pereira EM. Acellular pertussis vaccine for adolescents. Jornal de Pediatria, Rio
de Janeiro, 2006; 82: 15-24.
Tabelas e Figuras
Figura 1. Casos de coqueluche, Santa Catarina, 1996 - 2006
180
160
Casos
140
120
casos notificados
100
80
casos confirmados
60
40
20
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Figura 2. População do Estado de Santa Catarina, nº de casos notificados, nº de casos
confirmados segundo sexo e faixa etária, taxa de incidência, coeficiente de mortalidade e
taxa de letalidade de Coqueluche, no período de 2001 a 2006
População
2001
n
5.448.702
%
2002
n
5.527.718
%
%
103
2004
n
5.686.503
%
168
2005
n
5.866.590
%
143
2006
n
5.958.229
%
Casos Notificados
34
Casos Confirmados
Masculino
Feminino
Não informado
17
6
10
01
35,3
58,8
5.9
87
37
50
0
42,5
57,5
0
45
18
27
0
40
60
0
31
13
18
0
41,9
58,1
0
47
16
31
0
34
66
0
39
16
23
0
41
59
< 1 ano
1 - 4 anos
5 - 9 anos
10 - 19 anos
> 20 anos
12
4
0
0
1
70,6
23,5
0
0
5,9
51
17
6
9
4
58,6
19,5
6,9
10,3
4,6
36
8
0
1
0
80
17,8
0,00
2,2
0,00
24
2
2
2
1
77,4
6,5
6,5
6,5
3,2
31
7
3
2
4
66
14,9
6,4
4,3
8,5
30
8
1
0
0
76,9
20,5
2,6
0
0
Taxa de Incidência
129
2003
n
5.607.160
113
0,31
1,57
0,8
0,54
0,8
0,65
Coeficiente de
Mortalidade
0
1
0,02
0
0
0
Taxa de letalidade
0
0
1
1,15%
0
0%
0
0
0
0
0
0
Fontes: SINAN/GEVIM/DIVE/SES/SC/IBGE
5
Figura 3. Casos de Coqueluche confirmados segundo critérios de confirmação, SC, 2001–2006.
Critério
Confirmação
Ign/Branco
Cultura
Leucograma
Vinculo
Epidemiológico
Clínico
Total
–
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Total
4
3
0
0
1
0
8
(23,5%)
(3,4%)
(0,0%)
(0,0%)
(2,1%)
(0,0%)
(3,0%)
0
4
3
4
8
7
26
(0,0%)
(4,6%)
(6,7%)
(12,9%)
(17,0%)
(17,9%)
(9,8%)
1
3
8
13
3
5
33
(5,9%)
(3,4%)
(17,8%)
(41,9%)
(6,4%)
(12,8%)
(12,4%)
1
7
2
1
4
2
17
(5,9%)
(8,0%)
(4,4%)
(3,2%)
(8,5%)
(5,1%)
(6,4%)
11
70
32
13
31
25
182
(64,7%)
(80,5%)
(71,1%)
(41,9%)
(66,6%)
(64,1%)
(68,4%)
17
87
45
31
47
39
266
Fontes: SINAN/GEVIM/DIVE/SES/SC
Figura 4. Casos confirmados de Coqueluche segundo situação vacinal, SC, 2001– 2006.
Doses de vacina
1 dose
2 doses
3 doses
3 doses + reforço
Nunca Vacinado
Total
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Total
2 (11,8%)
16
15
6
11
7
57
(18,4%)
(33,3%)
(19,4%)
(23,4%)
(17,9%)
(24,5%)
1
8
1
5
4
3
22
(5,9%)
(9,2%)
(2,2%)
(16,2%)
(8,5%)
(7,7%)
(9,4%)
2 (11,8%)
11
4
1
4
5
27
(12,6%)
(8,9%)
(3,2%)
(8,5%)
(12,8%)
(11,6%)
15
4
5
8
7
44
(17,2%)
(8,9%)
(16,2%)
(17%)
(17,9%)
(18,9%)
21
17
14
11
15
83
(24,1%)
(37,8%)
(45,2%)
(23,4%)
(38,5%)
(35,6%)
87
45
31
47
39
233
5 (29,4%)
5 (29,4%)
17
Fonte: SINAN/GEVIM/DIVE/SES/SC
6