sistematização do exame ultrassonográfico do abdome

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sistematização do exame ultrassonográfico do abdome
SISTEMATIZAÇÃO DO EXAME ULTRASSONOGRÁFICO DO ABDOME
Wagner Iared; José Eduardo Mourão; David C. Shigueoka
Introdução
A ultrassonografia é provavelmente o método de imagem mais frequentemente
solicitado para a avaliação dos órgãos parenquimatosos do abdome. Isso porque a US é
amplamente disponível, seu custo é relativamente mais baixo que outros métodos de imagem,
além de apresentar algumas vantagens intrínsecas do método.
É o único método de imagem realizado em tempo real. Permite a formação das
imagens em múltiplos planos. Precisa do contato direto com o paciente, facilitando a obtenção
de dados clínicos. É um exame dinâmico, onde se pode explorar a gravidade, a
compressibilidade de estruturas. Permite avaliar o peristaltismo de alças intestinais. E, com o
Doppler, avaliar o fluxo sanguíneo.
É ideal que o paciente realize um preparo para otimizar o exame. O preparo é
dispensado em situações de urgência. Recomenda-se um jejum de 8 horas a fim de obter
repleção da vesícula biliar e minimizar a quantidade de gases intestinais. Há outros protocolos
de preparo que preconizam o uso de laxantes e medicamentos antifiséticos como a
dimeticona. A experiência mostrou que os laxantes podem promover efeito oposto,
aumentando a quantidade de gases. A dimeticona pode ser desejável em diversas situações,
como pacientes que persistem com muitos gases apesar do jejum e para melhor avaliação das
artérias renais e vasos mesentéricos.
O exame pode ser completamente realizado com o transdutor convexo, com
freqüências de 2 a 5 MHz. Para avaliações específicas, por exemplo, avaliação do apêndice
cecal, alças intestinais, enxerto renal e em pediatria, o uso do transdutor linear, com
freqüências iguais ou superiores a 7 MHz pode ser de valioso auxílio.
Devemos selecionar o preset mais adequado, o ganho e a curva de ganho, o foco e a
profundidade ideal para cada região ou estrutura anatômica estudada.
A ultrassonografia do abdome total inclui o fígado, a vesícula e vias biliares, o
pâncreas, baço, rins, aorta abdominal e retroperitônio e a bexiga. Também deve ser realizada a
pesquisa de líquido na cavidade abdominal. Alguns protocolos incluem a pelve, avaliando
também a próstata e vesículas seminais em homens e ou útero e anexos em mulheres. No
nosso serviço realizamos o estudo destes órgãos quando solicitado em separado.
Quando se sistematiza um exame, minimiza-se a probabilidade de erro. Segue uma
recomendação de sistematização do exame, iniciando-se pelo fígado e terminando na bexiga.
A primeira coisa a fazer é ler completamente o pedido médico antes de qualquer
contato com o paciente. Além de evitar a possibilidade de se realizar um exame diferente do
indicado pelo colega solicitante, muitas vezes há dados clínicos relevantes ou hipóteses
diagnósticas que indiquem a modificação do protocolo de rotina do exame.
Avaliação do fígado
Inicia-se o exame com o paciente em decúbito dorsal, aplica-se o gel na região do
epigástrio e hipocôndrio direito, e posiciona-se o transdutor de modo a obter-se uma imagem
transversal oblíqua do fígado, onde se pode observar a veia cava inferior e a confluência das
veias hepáticas. Essa imagem deve ser documentada.
Passa-se para o corte longitudinal do lobo direito, posicionando-se o transdutor com o
marcador voltado cranialmente, posicionado entre a linha hemiclavicular e a linha axilar
anterior. Deve-se medir o diâmetro longitudinal do lobo direito. Em seguida, ainda com o
transdutor em posição longitudinal e com o marcador voltado cranialmente, obtêm-se a
imagem do lobo esquerdo na altura do processo xifóide. Deve-se medir o diâmetro
longitudinal do lobo esquerdo. Com a tela dividida, documentar a imagem do eixo longitudinal
de cada lobo com as medidas.
O fígado todo deve ser rastreado para a avaliação da forma, contornos, dimensões,
ecogenicidade e ecotextura do parênquima e para a pesquisa de lesões focais. Lesões focais
devem ser documentadas e mensuradas em ao menos dois planos, preferencialmente
ortogonais.
Enquanto avaliamos o fígado, também avaliamos as vias biliares intra-hepáticas e os
vasos hepáticos e portais. Deve-se obter uma imagem do tronco da veia porta, com a medida
de seu calibre no ponto em que penetra o parênquima hepático, preferencialmente com o
paciente em decúbito dorsal e sem inspiração profunda. Deve-se documentar esta imagem.
Alterações do ducto hepatocolédoco costumam ser bem observadas nesse plano de
corte e a medida realizada no porta hepatis.
Avaliação da vesícula biliar
É possível uma boa visualização da vesícula biliar com o paciente em decúbito dorsal
na maioria dos pacientes. Mas para a avaliação completa da vesícula biliar é obrigatório que se
obtenham imagens com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Eventualmente manobras
de decúbito mais acentuadas, em posição quase ventral, com movimentos rápidos, ou mesmo
em posição sentada ou ortostática, podem ser necessárias para averiguar a mobilidade de
conteúdos em seu lúmen.
Devem ser realizadas varreduras no sentido longitudinal e transversal, avaliando-se
desde o infundíbulo até o fundo para averiguação dos contornos, dimensões, espessura da
parede, conteúdo e lesões parietais focais.
Ao menos duas imagens devem ser obtidas para a documentação, preferencialmente
um corte longitudinal e um corte ortogonal a este, passando pelo maior eixo da vesícula biliar.
Avaliação do pâncreas
A ultrassonografia pode fornecer informações muito importantes em várias doenças
do pâncreas. Embora sua situação retroperitoneal posteriormente ao antro gástrico e colo
transverso possa dificultar a avaliação em muitos pacientes, o preparo intestinal e a
compressão gradual, com a ajuda de manobras respiratórias, permitem, na grande maioria das
vezes, uma avaliação completa.
Inicia-se o exame com o transdutor em posição transversal e o marcador voltado para
a direita do paciente. Um reparo anatômico extremamente útil é a veia esplênica, quase
sempre situada posteriormente ao pâncreas. A cabeça pancreática está intimamente
relacionada à junção esplenomesentérica, que é a origem da veia porta. Abaixo desta junção
podemos observar o processo uncinado. O corpo pancreático é facilmente reconhecido, em
continuidade com a cabeça. É a cauda do pâncreas que muitas vezes não é visibilizada
facilmente. Mas antes de desistir de avaliá-la, duas tentativas devem ser feitas. A primeira é a
aquisição de sua imagem posicionando-se o transdutor na linha axilar média esquerda, usando
o baço como janela acústica. Outra é oferecer água para encher o estômago do paciente, o
que pode fornecer uma excelente janela acústica em muitos pacientes. Limitações
intransponíveis devem ser registradas no laudo.
O pâncreas deve ser avaliado quanto à forma, contornos, dimensões, ecogenicidade,
ecotextura e devem-se rastrear lesões focais. O ducto pancreático principal deve ser avaliado
principalmente quanto ao seu calibre.
Ao menos duas imagens do pâncreas devem ser documentadas. Uma transversal,
preferencialmente com a cabeça, corpo e ao menos parte da cauda, e outra longitudinal, na
altura da cabeça.
Avaliação do baço
Inicia-se com o transdutor em posição longitudinal e o marcador voltado cranialmente,
posicionado na linha axilar anterior ou média. Geralmente é facilitado com uma inspiração
profunda, mantida, pelo paciente. Obtém-se uma imagem longitudinal do baço, passando pelo
hilo. Nessa imagem deve-se medir o eixo longitudinal e o eixo perpendicular a este na altura
do hilo. A multiplicação dessas duas medidas, em centímetros, nos dá o índice esplênico
ultrassonográfico, cujo valor normal é inferior ou igual a 60. Essa imagem deve ser
documentada juntamente com uma imagem perpendicular à mesma. Fazem-se varreduras
longitudinais e transversais e verifica-se a forma, contornos, dimensões, ecotextura e a
presença de lesões focais.
Avaliação dos rins
O rim direito pode ser abordado na linha axilar anterior, em decúbito dorsal ou em
algum ponto entre o decúbito dorsal e o lateral esquerdo, usando o fígado como janela
acústica. Ou via dorsal, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Geralmente a inspiração
profunda do paciente ajuda na aquisição da imagem. Embora o rim esquerdo possa ser
visibilizado em decúbito dorsal, geralmente alguma inclinação no sentido do decúbito lateral
direito facilita a obtenção da imagem. Pode ser visibilizado através da linha axilar média, onde
o baço pode funcionar como janela acústica, ou por via dorsal. Em muitos pacientes,
principalmente quando não foi realizado preparo adequado, a única janela disponível para
avaliar o rim esquerdo é a intercostal, prejudicando a obtenção de uma imagem longitudinal
livre de sombras acústicas de costelas.
Os rins são avaliados quanto à topografia, forma, contornos, dimensões, espessura do
parênquima, ecogenicidade do parênquima – que deve ser comparada com a do fígado –
diferenciação parenquimossinusal, diferenciação corticomedular – quando as pirâmides são
evidentes, quanto à presença de lesões focais no parênquima ou seio renal, dilatações do
sistema coletor e quanto à presença de fatores obstrutivos ao sistema coletor, como cálculos.
Devem ser documentadas ao menos duas imagens de cada rim. Uma longitudinal,
onde consta a medida do eixo bipolar e da espessura do parênquima, e outra transversal,
passando pelos maiores diâmetros transversal e anteroposterior, nas quais são incluídas as
respectivas medidas.
Avaliação do retroperitônio
Algumas regiões do retroperitônio são visibilizadas com os órgãos que já
mencionamos. Quando se aborda o rim direito ou o fígado, podemos surpreender uma lesão
de suprarrenal direita. Da mesma forma, quando avaliamos o rim esquerdo ou o baço,
podemos observar alterações da suprarrenal esquerda. Em exames de rotina, dispensa-se a
documentação das suprarrenais. Avaliação específica desses órgãos deve ser realizada em
casos com indicação clínica. A suprarrenal direita pode ser visibilizada junto ao pólo superior
do rim direito, posteriormente à veia cava inferior. A suprarrenal esquerda geralmente situa-se
medialmente ao terço médio do rim esquerdo e sua abordagem geralmente é melhor no plano
transversal, com o transdutor posicionado na região epigástrica, direcionado posteriormente à
esquerda, onde se visualiza a coluna lombar, a aorta e o rim esquerdo.
A aorta e a veia cava inferior devem ser avaliadas desde a transição toracoabdominal
até a bifurcação das ilíacas. A varredura deve ser feita no plano transversal. Mas a
documentação mínima é a da aorta abdominal no plano longitudinal. Alterações específicas,
como trombos em veia cava inferior devem ser documentadas em ao menos dois planos,
preferencialmente com o auxílio do mapeamento colorido com Doppler. Aneurismas da aorta
abdominal devem ser documentados em mais imagens. Para aneurismas infrarrenais – os mais
frequentes, a documentação deve ser específica, incluindo a medida do colo (distância entre o
início da dilatação e a emergência da artéria mesentérica superior), a extensão do aneurisma,
e a medida dos maiores diâmetros no plano transversal.
Durante a varredura do retroperitônio deve-se dar atenção a imagens que possam
traduzir linfonodomegalias retroperitoneais, incluindo o retroperitoneo pélvico.
Avaliação da bexiga
A bexiga deve conter ao menos cerca de 250 ml para uma avaliação adequada em
exames de rotina. Como preparo prévio, orienta-se a ingestão de água e não urinar antes da
realização do exame, de forma que o paciente tenha a sensação de repleção vesical. O volume
pode ser calculado através da obtenção dos três maiores diâmetros, em centímetros, que são
multiplicados entre si e pela constante da elipsoide, 0,52.
Devem ser realizadas varreduras no plano longitudinal e transversal. A medida da
espessura da parede pode ser obtida na parede posterior, acima da área do trígono vesical.
Durante a varredura da bexiga, devem ser pesquisados alterações e fatores obstrutivos
nas porções distais dos ureteres.
Avalia-se a forma, contornos, capacidade, espessura da parede, conteúdo e
pesquisam-se lesões vegetantes em suas paredes.
A documentação mínima são duas imagens, uma no plano longitudinal e outra no
plano transversal, preferencialmente evidenciando os meatos ureterais.
Cavidade abdominal
Devemos realizar um rastreamento da cavidade abdominal para avaliação de liquido
peritoneal, principalmente no espaço hepatorrenal (de Morison) e fundo de saco. Uma
avaliação sumária das alças intestinais é realizada de forma concomitante, com maior atenção
caso o paciente apresente sintomas localizados. Da mesma forma podem ser avaliadas
eventuais linfonodomegalias mesentéricas e outras lesões cavitárias.
Documentação
Um exame de ultrassonografia abdominal total normal deve conter ao menos 17
imagens que podem ser documentadas em 12 fotos fazendo a divisão da tela do US para
algumas imagens.
Há várias razões para que se realize uma documentação adequada do exame
ultrassonográfico abdominal. Entre elas citamos: a documentação vai ajudá-lo no momento de
escrever seu laudo; é uma evidência do que você observou e corrobora o relatório; mostra que
você foi sistemático na avaliação daquele paciente; boas imagens são um cartão de visitas do
profissional e do serviço de diagnósticos.
Especial atenção na colocação das legendas ou marcadores de posição do transdutor
(“body mark”), a fim de se evitar erros de lateralidade, assim como da identificação do
paciente.
Referências:
1.
Chammas, M.C.; Cerri, G.G. Ultra-sonografia abdominal, 2º ed. Revinter, Rio de Janeiro: 2009.
2.
Rumack, C.M. et al. Tratado de ultra-sonografia diagnóstica, 3ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro: 2003.
3.
Colégio Brasileiro de Radiologia. Normas básicas para inscrição no programa de qualidade em
ultrassonografia geral. Disponível em
http://www.unimagem-net.com.br/cbrportal/upload/normativa_us_260511.pdf. Acessado em 21/08/2011.
4.
ACR–AIUM practice guideline for the performance of an ultrasound examination of the abdomen and/or
retroperitoneum.
http://www.acr.org/SecondaryMainMenuCategories/quality_safety/guidelines/us/us_abdomen_retro.aspx

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