POR QUE OLHAR PARA UMA NOVELA DE TV NA ACADEMIA
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POR QUE OLHAR PARA UMA NOVELA DE TV NA ACADEMIA
A PEDAGOGIA DE UMA TELENOVELA: JOVENS REBELDES E PROFESSORES AFETIVOS Fernando da Rosa Rosado Angela Dillmann Nunes Bicca Resumo: Recentemente uma telenovela conferiu grande destaque a dois personagens/professores que atuam em uma escola de Ensino Médio ficcional. Em função disto, buscamos, nesta pesquisa, compreender o que se aprende sobre o trabalho docente voltado para adolescentes “rebeldes” na novela da Rede Record de Televisão (com início em 2011) intitulada Rebelde, focando os seus primeiros trinta capítulos, exibidos na TV aberta. Desenvolvemos as análises a partir dos Estudos Culturais, na sua vertente pós-moderna e pós-estruturalista, considerando-a um texto cultural que coloca em circulação, produz e reproduz importantes representações dos/as professores/as bem como de jovens alunos/as “rebeldes”. Ao fazer isso a novela estaria colocando em ação uma forma de Pedagogia Cultural (KELLNER, 2001; STEINBERG, 1997; GIROUX, 1994) que ensina aos/às professores/as e estudantes como devem se comportar, com o que devem sonhar, o que devem almejar e, também, o que devem repudiar. Sob a ótica teórica aqui assumida, valemo-nos do conceito de representação cultural, tal como foi enunciado por Hall (1997), para compreender como a novela contribui para constituir discursivamente o bom professor de jovens estudantes do Nível Médio como aquele profissional que confere centralidade à socialização e à afetividade dos seus alunos/as. O ambiente escolar é onde boa parte das cenas da novela Rebelde se desenvolvem e onde os dois professores/personagens centrais na trama - Vicente (professor de Português e Literatura) e Artur (professor de Matemática) - exercem suas atividades profissionais. Vicente é o professor representado como o mais amigo dos seus/suas alunos/as, sempre de bom humor e dedicado. Os atos mais valorizados desse personagem/professor são aqueles que contribuem para configurá-lo como o profissional que conquistou a amizade dos alunos/as em detrimento das demais tarefas relacionadas ao ensino. A afetividade, portanto, é constituída como o atributo mais importante de um bom professor de jovens estudantes do Nível Médio. Além disso, a narrativa da novela ajuda a constituir o professor/personagem Vicente como bom professor confrontando seu modo de ser com o de outro professor/personagem, Artur. Esse é representado na novela como exigente, tradicional, de relacionamento difícil com os/as alunos/as e que almeja ascender ao cargo de diretor da escola. Ou seja, uma das mais importantes diferenças entre Vicente e Artur é o desejo de ascensão profissional, posta na novela como uma indesejável ambição daquele professor que deveria atuar como se atendesse a um “chamado” vocacional. Desta forma, a partir da riqueza que a leitura de um texto cultural pode propiciar, destacamos que os “ensinamentos” da novela Rebelde ajudam a colocar em ação toda uma produção discursiva que constitui os professores/as de jovens estudantes. Palavras-chave: Pedagogias Culturais, Docência, Telenovela. 1. POR QUE OLHAR PARA UMA NOVELA DE TV NA ACADEMIA? Recentemente ouvimos alunos/as adolescentes chamarem um dos seus professores de “Vicente” e outro de “Artur”, mesmo sabendo não serem estes os seus nomes. Inquietou-nos, ainda mais, os sentidos atribuídos aos referidos nomes: o nome Vicente serviu para indicar ser aquele um professor afetivo e amigo dos estudantes; já o nome Artur indicava ser o professor assim nomeado alguém mais severo e exigente. Nos dois casos os/as estudantes referiam-se a professores/personagens da novela Rebelde de TV, veiculada pela Rede Record de Televisão. Significados sobre a docência, produzidos em textos da mídia, como nos alertou Costa (2006), operam tanto nas ações de professores/as quanto na forma como a sociedade compõe e recompõe suas visões acerca desses/as profissionais. Uma novela de TV, portanto, pode contribuir para posicionar os protagonistas da docência na política cultural da identidade produzindo significados que assumem uma posição de “verdade”, dirigindo ações pessoais e coletivas e legitimando algumas identidades como mais desejáveis e mais dignas do que outras. Desta forma, fomos instigados a desenvolver uma pesquisa a respeito do que se aprende sobre docência, juventude e escola a partir de uma novela de TV analisando recortes de cenas dos seus primeiros trinta capítulos1, exibidos na TV aberta entre 21 de março e 29 de abril de 2011. É importante destacar que a novela narra eventos ocorridos em uma escola particular destinada a adolescentes, estudantes do Ensino Médio, que se constituiu no ambiente/cenário da maioria das suas cenas. Esta versão da novela é resultado de uma trajetória de adaptações de roteiros e regravações que teve início em 2002, na Argentina, onde a novela recebeu o nome de Rebelde Way, produzida pela Cris Morena Group e Yair Dori International (a atual Dori Media Group2). Em 2004, a rede mexicana de televisão Televisa fez uma regravação da mesma novela com poucas alterações no enredo original. Em 2005, esta versão de Rebelde que foi ao ar no Brasil, com dublagem em língua portuguesa, sendo exibida pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Tais comentários são importantes para mostrar que a versão novela exibida na Rede Record de Televisão, com início em 2011, tem forte inspiração nas versões argentina e mexicana já apontadas. Ao desenvolver a análise, portanto, objetivamos compreender o que se “aprende” em uma novela de TV sobre o trabalho docente voltado para adolescentes a partir dos Estudos Culturais, inspiração pós-moderna e pós-estruturalista, tendo como objeto de análise a versão de Rebelde produzida e veiculada pela Rede Record de Televisão. 1 Os programas foram gravados por sinal transmitido diretamente do receptor da TV por satélite para uma placa de captura de vídeo Pixelview X-Capture USB através de cabo componente, totalizando 30 capítulos, com 45 minutos de duração média por capítulo. Conforme o portal de notícias da Rede Record de Televisão, obtivemos a informação que a versão brasileira da novela está sob a supervisão de uma roteirista brasileira, Margareth Boury, que a produz enfocando o cotidiano de um grupo de adolescentes estudantes do Ensino Médio, da escola Elite Way School. Não são definidas as idades exatas dos/as adolescentes personagens da novela, mas pode-se dizer que eles aparentam idades entre 16 e 17 anos, justamente a idade com que muitos jovens cursam o Ensino Médio nas escolas brasileiras. 2 A empresa foi fundada por Yair Dori em Fevereiro de 1996, em Israel, com nome de Yair Dori Communications Ltd e desde novembro de 2004, passou a ser denominada de Dori Media Group. Disponível em< http://www.dorimedia.com/>. Acesso em 22 jan. 2012. 2 2. PEDAGOGIA E CULTURA O campo dos Estudos Culturais promoveu um deslocamento da noção de cultura oriunda de tradições elitistas que defendiam ser a cultura o que de melhor se pensou e produziu em uma sociedade. Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003) a revolução copernicana operada pelos Estudos Culturais na teoria cultural concentrou-se neste terreno escorregadio e eivado de preconceitos em que se cruzam duas noções ou concepções extremamente complexas e matizadas como cultura e popular (p.36). Desta forma, os Estudos Culturais afastaram-se do conceito de cultura como algo erudito, pertencente às camadas intelectuais da sociedade, para assim permitir compreender as manifestações culturais sem hierarquizá-las tal como faz a tradição elitista que separa alta e baixa cultura. Como destacaram Costa, Silveira e Sommer (2003), os trabalhos precursores dos Estudos Culturais apesar de não serem unívocos em suas perspectivas de problematização, estão unidos por uma abordagem cuja ênfase recai sobre a importância de se analisar o conjunto da produção cultural de uma sociedade – seus diferentes textos e suas práticas – para entender os padrões de comportamento e a constelação de idéias compartilhadas por homens e mulheres que nela vivem (p.36). Sob essa ótica a novela Rebelde constitui-se em um produto da cultura, tão digno de análise acadêmica quanto qualquer outro. A novela coloca em circulação, produz e reproduz uma série de significados que contribuem para constituir identidades de professores e de jovens estudantes, bem como algumas representações de escola. A possibilidade aqui indicada de analisar uma novela de TV está conectada às viradas “cultural” e “linguística”, apontadas por Hall (1997), que se processaram a partir de trabalhos de diversos campos - filosofia, literatura, antropologia cultural, feminismo e outros – que passaram a descrever a linguagem como responsável por não apenas relatar os fatos, mas por constituí-los. É disso que fala Veiga-Neto (1996) quando afirmou que, ao falar das coisas, nós as constituímos e não apenas descrevemos. 3 Desta forma, assumimos que esta novela de TV, ao abordar os professores de jovens que vão à escola constitui tanto os professores quanto os jovens ao indicar como devem comportar-se, o que devem vestir, o que devem consumir, como devem se relacionar com as outras pessoas, o que devem desejar, com o que devem sonhar, e também, o que devem repudiar e recusar. Ou ainda, é possível afirmar que ao falar sobre as coisas produzem-se aprendizagens que diferem dos modos escolares de produção de saber. E isso se dá mesmo quando a escola é o tema central do artefato cultural analisado. Em seu trabalho de pesquisa, Fabris (1999) analisou o olhar que a indústria cinematográfica de Hollywood expressou sobre a escola e os/as docentes3, colocando em circulação representações que são tomadas como verdades pelos espectadores. Como destacou a autora (idem): Foi meu objetivo, ao tratar de espaço e tempo escolares, trazer para o campo da pedagogia cenas de filmes que fazem parte da cultura e são apresentados nas escolas, lares e cinemas, constituindo representações e desenvolvendo diferentes pedagogias. Pedagogias essas que operam em variados locais e também nas escolas. (p.20) A análise de artefatos da mídia, enfocando as aprendizagens por eles proporcionadas, tem base no conceito de Pedagogia Cultural (KELLNER, 2001; STEINBERG, 1997; GIROUX, 1994) como a forma de educação que ocorre em muitos locais que não são a escola. Desta forma, ocorrem aprendizagens a partir das novelas de TV, dos filmes, dos jornais, das revistas, dos brinquedos, dos anúncios publicitários, dos jogos eletrônicos, dos livros de histórias infantis, etc. Sob esta ótica, o termo pedagogia sofreu uma ampliação abrangendo as inúmeras instâncias culturais. Como já referimos, a forma de pedagogia que se exerce a partir da novela Rebelde, assim como outras pedagogias da mídia, não acontece tal como se dão os ensinamentos propiciados nas instituições formais de educação. É importante esclarecer que a novela Rebelde, tomada como uma forma de Pedagogia Cultural, não determina a ação dos/as professores/as, nem o comportamento dos/as adolescente, nem os modos de funcionamento das escolas. Esse texto cultural exerce uma forma de Pedagogia Cultural ao colocar em circulação uma série de significados, contribuindo para constituir discursivamente os objetos de que fala. 3 O livro organizado por Costa (2006) possibilitou-nos, além da leitura de importantes análises propostas pelos autores/as que compõem a coletânea de textos, conhecer a diversidade de pesquisas desenvolvidas no Brasil e que tratam das representações dos/as docentes na mídia. 4 Cabe esclarecer que não buscamos com esta análise encontrar uma suposta verdade essencial sobre o trabalho docente, a escola ou os/as adolescentes, mas buscamos compreender como este artefato cultural estaria produzindo saberes a cerca do trabalho docente, dos/as estudantes e da escola a partir de discursos e representações recorrentes em seus capítulos, bem como a partir de elementos componentes da linguagem televisiva tais como o posicionamento da câmera, a música de fundo, os figurinos, a interpretação dos atores e das atrizes, só para citar alguns. Assim, a análise da novela permitiu-nos mostrar o que está se constituindo como certo e como errado, como repudiável e como desejado, na atuação dos/as professores/as que trabalham com alunos/as adolescentes. Para desenvolver a análise valemo-nos do conceito de representação cultural, tal como foi enunciado por Hall (1997). A representação cultural está fortemente relacionada às viradas cultural e linguística, já referidas, a partir do que se passou a assumir ser a cultura central nos processos de produção e estabelecimento dos significados para os seres e coisas do mundo. A crítica cultural passou, portanto, a considerar que a cultura tem a ver com produção e com a circulação de significados, como também indicou Hall (1997). Assim, a análise cultural de uma novela de TV possibilita colocar em destaque os modos como os significados do que seja ser o bom professor/a dos/as jovens que vão à escola produzem efeitos práticos na vida dos/as docentes, dos/as jovens e das suas famílias, bem como nas escolas. Para cumpri tal propósito, iniciamos a análise com uma breve reflexão a respeito dos estudantes da escola da novela Rebelde para, em outro tópico, abordar os professores/ personagens Artur e Vicente. 3. A VERSÃO BRASILEIRA DA NOVELA REBELDE A CONSTITUIÇÃO DOS JOVENS COMO REPLETOS DE REBELDIA A história narrada pela novela Rebelde se passa na cidade do Rio de Janeiro e trata da vida de alunos da Elite Way School, uma escola destinada a jovens estudantes do Ensino Médio oriundos de famílias de classe média alta. Além disso, a escola oferece bolsas de estudos a alunos/personagens comprovadamente carentes com desempenho alto em um exame promovido na própria instituição de ensino4. Desta forma, a escola da novela reuniria filhos 4 A escola da novela Rebelde possui alunos oriundos de famílias com renda não muito elevada, o que é possível através de um programa de bolsas destinadas a alunos/as com bom desempenho em um teste de aptidão. Todos os alunos de baixa renda supostamente fizeram o teste antes de entrar na escola, porém esse período não e abordado na narrativa e essa é a justificativa apresentada na trama da novela para a presença de alunos com 5 de pessoas consideradas importantes na sociedade carioca sem deixar de exercer a função social de promover a melhoria de vida de bons estudantes com menos recursos financeiros. A Elite Way School funciona em regime de semi-internato o que faz com que os alunos/personagens permaneçam na escola de segunda a sexta retornando para casa nos finais de semana. Tal retorno é condicionado ao bom comportamento apresentado pelos/as estudantes. Por tudo isso a escola constitui-se no cenário principal da maior parte das cenas de Rebelde. A trama coloca em destaque seis alunos/personagens, sendo quatro deles filhos de pessoas influentes e conhecidas na sociedade carioca (Tomás, Roberta, Alice e Diego) e dois alunos bolsistas (Pedro e Carla). Esses alunos/personagens, assim como os demais, apresentam inúmeros problemas de relacionamento com os seus pais e/ou responsáveis. Porém, os jovens oriundos das famílias mais ricas, em geral, apresentam problemas mais graves e em maior quantidade. Os primeiros capítulos, analisados neste estudo, focam especialmente a vida dos alunos/personagens principais referidos. O primeiro deles, Pedro, é oriundo de uma família que perdeu sua fortuna, ocasião em que o patriarca se suicidou. Seu maior desejo é vingar-se do suposto responsável pelos problemas que levaram seu pai a uma atitude tão drástica, Franco Albuquerque. Este homem um grande empresário da moda e pai de sua colega Alice, menina por quem ele acaba se apaixonando. Alice, por sua vez, é conhecida por andar sempre bem vestida e por procurar “ajudar” as amigas que acredita vestirem-se fora dos padrões que ela considera satisfatórios. Tomás, outro jovem oriundo de uma família rica, vive em busca de divertimento. Apenas sua avó tenta impor limites ao seu comportamento. Roberta, outra jovem aluna, é filha de uma cantora famosa, costuma ser agressiva com os demais personagens que a consideram extremamente carente em função da pouca atenção que parece receber da sua mãe. Diego, outro personagem/aluno que destacamos aqui, é um filho de um empresário bem sucedido que também atua na política. Conforme anunciado em entrevista com o ator5, durante a novela, Diego desenvolve um quadro de alcoolismo que parece ter sido desencadeado pela relação difícil que tem com o pai. Além desses, temos a jovem Carla que aluga um quarto junto com sua irmã Bernarda, de pseudônimo Becky, no apartamento do professor Vicente. Carla sonha em ser bailarina e é obcecada por manter seu corpo esbelto fazendo todos os sacrifícios possíveis para isso. Carla, poder aquisitivo menor. Também não é explicado se tal programa de bolsas consiste em exigência legal ou se está vinculado a algum programa de responsabilidade social promovido pela direção da escola. 5 Entrevista com Arthur Aguiar, o ator que interpreta Diego na novela Rebelde. Disponível em: < http://diversao.terra.com.br/tv/noticias/0,,OI5207240-EI17836,00Ator+de+Rebelde+sobre+alcoolismo+e+uma+valvula+de+escape.html >. Acesso em 13 mar. 2012. 6 assim como Pedro, reside na vila Leme da novela, um dos cenários secundários da trama6, local de moradia dos demais personagens oriundos de classes populares da novela e dos professores da Elite Way School, tais como Vicente e Artur. A novela, especialmente com os personagens acima referidos, buscou apresentar o comportamento de rebeldia como uma condição “natural” dos jovens, abordando o modo como esses agem na escola e fora dela. Isso ocorre mesmo que vários personagens integrantes do corpo docente e da direção da escola da novela afirmem que a rebeldia não pode ser tolerada em uma instituição de ensino. Porém, essas ações “rebeldes” são apenas levemente punidas e acabam sendo esquecidas. É possível observar que as ações de rebeldia dos jovens em Rebelde, motivada pela possibilidade de contestarem a autoridade da família ou da escola, se valem dos mesmos valores dominantes que tais contestações buscariam questionar em mais de uma versão da novela. Carrascoza e Furtado (2007), ao comentarem a versão mexicana de Rebelde, afirmaram que: a telenovela mostra tensões que são próprias de um mundo edulcorado e a atitude das personagens não transgride senão a aparência do construto social. Os rebeldes são jovens enquadrados pelos valores dominantes, que se arvoram em questionar as autoridades não para desafiá-las, mas para obter alguma vantagem própria.(p.85) Desta forma, mesmo que a novela busque mostrar a forma discutível como muitas famílias resolvem as situações problemáticas que envolvem seus filhos, não é possível esquecer que esse texto cultural ajuda a produzir como heróis os mesmo jovens/personagens que sofrem muito poucas consequências por seus atos, até mesmo quando são muito graves. Parece-nos que no mundo encantado da mídia, ao buscar um final feliz para as histórias que narra, onde todos superam suas desavenças, estaria produzindo lições sobre o modo como os jovens e suas famílias devem enfrentar seus problemas. Além disso, se a adolescência era compreendida como uma fase curta de preparação para a vida adulta parece-nos, analisando os textos midiáticos, que hoje tem se verificado que a adolescência tem ganhado uma centralidade cultural nunca vista antes. Assim, a instituição escolar que teve sua gênese marcada pela função de tornar crianças em adultos (FABRIS, 1999) tem sido recorrentemente representada como local de convivência de adolescentes que 6 Os personagens moradores da vila Leme possuem padrão de vida compatível com a dita média brasileira. 7 vivem muito mais um estilo de vida do que uma etapa cronológica. Isso está fortemente relacionado com a captura do jovem pelo mercado consumidor e com as associações do uso de determinados produtos com um modo de vida jovem que estaria ao alcance de pessoas com todas as idades (CANEVACCI, 2005; SCHMIDT, 2006). Para lidar com esses jovens “rebeldes” a novela confere destaque a dois professores/personagens, Vivente e Arthur, a respeito dos quais trataremos a seguir. 4. A CONSTITUIÇÃO DOS PROFESSORES COMO OS SUJEITOS APTOS A LIDAR COM JOVENS REBELDES Os professores/personagens centrais na novela Rebelde são Vicente, que leciona Português e Literatura e Artur, o regente de Matemática. Lembrando, esses são os personagens cujos nomes estariam assumindo significados bem particulares, como já referimos. O primeiro deles, Vicente, é um professor considerado amigo dos seus alunos, sempre de bom humor e dedicado ao trabalho. Desta forma, ele é constituído na narrativa da novela como o herói dos seus alunos. Vivente tem formação acadêmica para exercer essa função e é antigo no corpo docente da escola da novela, portanto ele não é um outsider7 como ocorre com os professores/as de queridos dos alunos/as nos filmes analisados por Fabris (1999). No entanto, este é um personagem/professor que nos lembra personagens/professores de filmes hollywodianos de escola em função de seu carisma. É importante salientar que os atos mais valorizados do professor Vicente, aqueles que contribuem para configurá-lo como um professor que conquistou a amizade dos alunos/as na escola da novela, não dizem respeito ao trabalho relacionado aos saberes escolares. Trata-se de atos que destacam sua preocupação com o bem-estar e com a vida afetiva dos/as estudantes. No terceiro capítulo da novela, por exemplo, o personagem Pedro descobre que Alice, a moça por quem está apaixonado, é filha do empresário que teria desencadeado o insucesso e o suicídio de seu pai. Após esse evento Pedro muda seu comportamento e é o professor Vicente quem percebe o sofrimento do aluno. Vicente, em meio às suas atividades 7 Personagens que se tornam professores em função de alguma circunstância que lhes exige assumir tal tarefa mesmo que não tenham buscado o magistério como profissão e que não tenham formação específica para exercerem a docência. 8 diárias, encontra tempo para convidar Pedro para treinar socos de boxe, abrindo caminho para o diálogo com o adolescente a respeito dos conflitos que este vive. Portanto, o personagem/professor Vicente é destacado em função do modo como auxilia os/as jovens alunos/as da escola da novela a superarem seu dos problemas afetivos. Como destacou Fabris (1999), os discursos psicológicos na educação estão relacionados a um processo de desapropriação do ato de ensinar de sua preocupação com saberes acadêmicos para uma atenção à afetividade dos/as alunos. Assim, quando o personagem/professor Vicente aparece em cenas que se desencadeiam em sala de aula não são os conteúdos escolares ou as metodologias de ensino que ganham destaque, mas os conflitos pessoais dos/as alunos/personagens. Além disso, em nenhuma situação este professor aparece preparando aulas ou realizando alguma tarefa de apoio ao ensino de conteúdos escolares, tais como as de planejamento ou correção de trabalhos escolares. Um exemplo disso aparece em uma cena do 10º episódio onde Vicente discutia com seus/as alunos/as uma das obras de Machado de Assis. O debate proposto dizia respeito ao tema da traição, associado a personagem Capitu. Ao solicitar a opinião dos alunos sobre a trama do livro a conversa desloca-se da obra de Machado de Assis para eventos da vida dos alunos/personagens. Neste caso, a discussão deslocou-se da obra literária para os desentendimentos entre os alunos, em especial entre as duas personagens/alunas Vitória e Alice. Neste caso o conflito adveio de um beijo que Alice deu em Pedro, menino por quem Vitória era apaixonada. Vicente, em sua aula, apresenta o resumo da obra informando que o autor a escreveu em primeira pessoa para marcar que aquela é a versão de um personagem a respeito dos eventos narrados no livro. Nesse momento Vitória se manifesta dizendo que é óbvio que as mulheres traem. Alice, que entende o comentário da colega como direcionado a ela, defende-se dizendo que não é incorreto julgar as pessoas sem obter provas e sem analisar todos os lados da questão. Desta forma, a discussão a respeito de uma obra literária, que poderia estimular um debate acerca do tema da traição, desloca-se para a vida afetiva dos/as personagens/alunos. A aula do professor Vicente, portanto, parece ser apenas uma introdução a alguma questão relacionada a vida familiar e social dos/as alunos. Não queremos dizer com isso que o trabalho em sala de aula não possa desencadear debates ligados á vida cotidiana, mas que nas cenas da novela a vida cotidiana que é mais fortemente aborda e os temas escolares acabam constituindo-se apenas um modo de adentrá-la. Assim como se deu na situação descrita acima na qual a ação escolar é um mote para iniciar um tema ligado aos relacionamentos dos/as jovens com a família e com os/as amigos, 9 diversas são as cenas destinadas a mostrar situações de lazer dos personagens/alunos. Mesmo, nos dias letivos, há incontáveis cenas na piscina, nos corredores, na sala de estar, nos dormitórios, na biblioteca ou mesmo no espaço da sala de aula da escola, nas quais as situações apresentadas não destacam situações de estudo. São exemplos disso as cenas que se passam nos corredores e no pátio da escola onde o foco recai sobre o envolvimento do personagem Pedro com duas colegas, Alice e Vitória. Desta forma a novela coloca em destaque as situações onde alunos/as e professores/as conferem centralidade à socialização dos estudantes, indicando ser esse o objetivo primordial do professor competente, fazendo ecoar em um artefato cultural destinado a jovens/adolescentes um discurso já bastante conhecido quando se trata da escolarização de crianças pequenas: o do imperativo do afeto como forma de enfrentar os problemas educacionais (VARGAS e CARVALHO, 2012). Como esses autores (idem) destacaram, o referido discurso adveio das pedagogias psicológicas e do ideário de os/as professores/as devem conhecer profundamente os/as alunos/as para educá-los, suprindo inclusive a atenção que eles “supostamente” não têm em casa. A afetividade, portanto, é constituída como o atributo mais importante de um bom professor de jovens estudantes do nível Médio. Parece-nos que ao fazer isso a novela Rebelde ajuda a colocar em ação, também, outro antigo discurso que associou a docência ao sacerdócio ou a paternidade/maternidade entendida como desígnio divino ou como uma doação semelhante ao sacerdócio (FABRIS, 1999). Destacamos que a afetividade nunca deixou de ser um atributo desejável das mulheres dedicadas à docência (COSTA, 1999) em se tratando da escolarização de crianças pequenas, mas na novela Rebelde a afetividade é apresentada, também, como o mais importante qualificativo para que um professor atue no ensino de jovens. A afetividade, já tão marcada como atributo imprescindível para uma professora é, neste artefato cultural, associado também como atributo importante para um homem que exerce a docência. Assim, a narrativa da novela ajuda a constituir o professor/personagem Vicente como bom professor confrontando seu modo de ser com o de outro professor/personagem, Artur. O segundo professor/personagem, Artur, faz o papel de um professor exigente e tradicional, o que é mostrado na novela como perfil profissional que desencadeia relacionamentos difíceis com os alunos. Essa forma de representação de professores/as de Matemática, assim como outras representações estereotipadas de professores/as de outras disciplinas, em diversos artefatos culturais, tem se constituído como uma forma de buscar 10 fixar uma imagem baseada na disciplina que lecionam como indicaram Costa e Camozzato (2006). Além disso, a constituição de Artur como um professor que não atende aos requisitos para que seja considerado um bom profissional parece pautar-se também em um julgamento moral. Artur em repetidas cenas bajula o seu chefe, o diretor/personagem Jonas, na esperança de um dia assumir a direção da escola. O desejo de ascensão profissional é posto, na novela, como uma indesejável ambição daquele professor que deveria atuar como se atendesse a um “chamado” vocacional. Em uma cena do quinto capítulo, o que poderia ser um destaque positivo da atividade profissional transforma-se em uma situação de tensão entre professor e alunos/as. Artur se mostra irritado com o barulho que Carla e suas amigas fazem no apartamento onde residem, pois estariam o atrapalhando na sua atividade de preparação de aulas. Esta prece ser mais uma forma de associar esse professor/personagem com a uma suposta dificuldade de convívio entre pessoas, neste caso de relacionar-se com seus/as alunas/as. Resumidamente, a afetividade é exaltada como o principal atributo dos bons professores, a característica marcante para constituir os professores como heróis. 5. UMA PEDAGOGIA “REBELDE” A novela Rebelde da Rede Record de Televisão estaria, portanto, “ensinando” como ser professor de alunos adolescentes, evocando ensinamentos que não são novos. Desta forma, conferimos destaque, neste texto, ao modo como a versão brasileira da novela tem contribuído para constituir o professor apto a lidar com jovens rebeldes representando-o como alguém afetivo, capaz de abordar preferencialmente os temas da socialização dos jovens, convivendo com esses em muitos lugares além da sala de aula. Enfim, ao marcar a riqueza de ler um texto cultural que nunca deixou de ser obra da ficção, buscamos tratar de uma história que constitui a discursivamente professores e estudantes. REFERÊNCIAS CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas. Mutações juvenis nos corpos das metrópoles. 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