RDE Nº 14-A - Mestrado e Doutorado

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RDE Nº 14-A - Mestrado e Doutorado
Ano VIII • Nº 14 • Semestral • Julho de 2006 • Salvador, BA
Departamento de Ciências Sociais Aplicadas
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano
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Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs
RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998).
– Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2 / Universidade Salvador, 1998.
v.: 30 cm.
Semestral
ISSN 1516-1684
Ano I, n. 1 (nov. 1998); Ano I, n. 2 (jun. 1999); Ano 2, n. 3 (jan. 2000);
Ano 3 n. 4 (jul. 2001); Ano 3, n. 5 (dez. 2001); Ano 4, n. 6 (jul. 2002);
Ano 4, n. 7 (dez. 2002); Ano 5, n. 8 (jul. 2003); Ano 6, n. 9 (jan. 2004);
Ano 6, n. 10 (jul. 2004); Ano 7, n. 11 (jan. 2005); Ano 7, n. 12 (jul.
2005); Ano 8, n. 13 (jan. 2006); Ano 8, n. 14 (jul. 2006).
1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador.
UNIFACS.
CDD 330
Pede-se permuta
On demande l´échange
We ask for exchange
Pede-se canje
Si rischiede lo scambo
Mann bitted um austausch
2
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
EDITORIAL
Nonononnn nnn....
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
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semestral do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador – UNIFACS.
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Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Urbano – PPDRU
Noelio Dantaslé Spinola
EDITOR
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
3
SUMÁRIO
5
12
RAÍZES HISTÓRICAS DA QUESTÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL
OLÍMPIO J. DE ARROXELAS GALVÃO
NOVOS PALCOS PARA UM NOVO DESENVOLVIMENTO. O PAPEL DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
E DO ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO
ANA FLÁVIA MARQUES, VIRGÍNIA ELISABETA ETGES E HELENIZA ÁVILA CAMPOS
23
34
MERCADO DE CAPACIDADE: UMA ALTERNATIVA PARA O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
ANDRÉ LUÍS DA SILVA LEITE
E
EDVALDO ALVES DE SANTANA
LAÇOS COMO ATIVOS TERRITORIAIS: UMA NOVA ABORDAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
GLÁUCIA M. VASCONCELLOS VALE
43
CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA PROPOSTA
TRANSFORMADORA
RENATO DAGNINO
53
60
O SUBDESENVOLVIMENTO BRASILEIRO NOS TEMPOS DO ORNITORRINCO
70
O MÉXICO E OS EFEITOS PERVERSOS DA INTEGRAÇÃO: IMIGRAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO
CARLOS ALBERTO BELLO
UM LIBERTADOR DAS IDÉIAS: O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA DE RAÚL PREBISCH
JOAQUIM MIGUEL COUTO E ANA CRISTINA LIMA COUTO
E CONCENTRAÇÃO DE RENDA
MARCOS COSTA LIMA
78
90
UMA LEITURA DA ECONOMIA BAIANA PELA ÓTICA DO PIB – 1975/2005
GUSTAVO CASSEB PESSOTI
DESENVOLVIMENTO LOCAL E DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO: QUESTÕES CONCEITUAIS
AREZA BATISTA GOMES BARROS , NORMA LÚCIA OLIVEIRA DA SILVA E NOELIO DANTASLÉ SPINOLA
RESENHAS
99
101
4
ISABELLE STENGERS, A INVENÇÃO DAS CIÊNCIAS MODERNAS
FERNANDO PEDRÃO
ARANTES, OTÍLIA. UMA ESTRATÉGIA FATAL: A CULTURA NAS NOVAS GESTÕES URBANAS
LIDIA SANTANA
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
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RAÍZES HISTÓRICAS
DA QUESTÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL
Olímpio J. de Arroxelas Galvão1
Resumo
O artigo objetiva analisar as origens mais remotas da questão fundiária no Brasil. O argumento central do estudo é o de que fatores domésticos – expressos, por exemplo,
na forma como a terra foi originalmente apropriada e no papel das elites locais – constituem a base para a
explicação dos principais determinantes do atraso histórico da economia brasileira. O estudo ressalta que
o caso do Brasil oferece um amplo
conjunto de evidências que mostram
como o comportamento das elites
locais, no que diz respeito às políticas de distribuição e apropriação de
terras, influenciou decisivamente o
curso e os resultados da colonização portuguesa no Brasil, a despeito
do caráter em princípio democrático da legislação das sesmarias especificamente destinadas ao país. O
trabalho ainda procura mostrar que
a ação das elites agrárias brasileiras, no período colonial, está nas
origens do processo que levou à exclusão social de uma vasta e majoritária parcela da população do país,
que ingressou na era moderna do
desenvolvimento nacional na condição de moradores e agregados à
grande propriedade.
Palavras-chave: Raízes da questão
fundiária. Poder local. Poder das elites agrárias. Políticas fundiárias no
Brasil colônia. A Lei das Sesmarias.
Origens remotas do atraso brasileiro.
Abstract
The work aims at analyzing the
most remote origins of the land issue
in Brazil. The central argument of the
study is that domestic factors –
expressed in terms, for example, in
the way land was originally distributed and in the role played by the
local elites – constitute the basis to
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explain the major determinants of the
historical backwardness of the
Brazilian economy. The study stresses that the case of Brazil offers an
ample set of evidence that show how
the behavior or the local elites, with
respect to land distribution and
appropriation, exerted a strong and
decisive influence in the course and
the results of Portuguese colonization in Brazil, in spite of the democratic nature of the Sesmarias Laws
specifically aimed at the country.
The work still attempts to show that
the social and economic exclusion
of a vast and majority part of the
Brazilian population in the modern
stage of the country’s development
is deeply rooted in the political
action from the local agrarian elites
since the colonial period.
Key-words: Roots of the agrarian
question; Local Power; Influence of the
agrarian elite; Agrarian Policies in
Brazil Colônia; The Sesmaria Law;
Remote origins of the Brfazilian Delay.
1. Introdução
Este artigo procura mostrar que o
crescimento econômico dos países
de colonização recente foi conseqüência da conjugação de uma série de
condições internas favoráveis e que
nas origens de seu desenvolvimento tais condições internas podem ter
sido muito mais importantes do que
os entraves decorrentes das políticas mercantilistas de suas “matrizes” coloniais. O argumento central
deste ensaio é o de que fatores domésticos – expressos, por exemplo,
na forma como a terra foi originalmente apropriada e no papel das elites locais – constituem as raízes mais
1
remotas da explicação tanto do sucesso quanto do insucesso das economias das nações colonizadas pelos europeus após os grandes des- cobrimentos. Mais especificamente, este
estudo pretende demonstrar que as
raízes do atraso brasileiro podem ser
encontradas no enorme poder de
suas elites agrárias, durante o regime colonial, e que a vasta legislação
portuguesa relativa ao regime de distribuição de terras era intrinsecamente democrática e contrária ao latifúndio improdutivo. Como, já no
período colonial, a fonte do poder
no Brasil era essencialmente local,
os interesses provinciais constantemente se chocavam contra os do governo português, o qual nunca teve
força suficiente para bloquear as iniciativas das elites agrárias brasileiras. O caso do Brasil, como será visto no decorrer deste trabalho, oferece um amplo conjunto de evidências que mostram como o comportamento das elites locais influenciou
significativamente o curso e os resultados da colonização portuguesa no país.
2.O caráter democrático das
leis das sesmarias e a inefetividade do poder imperial
português
As origens do sistema de distribuição da terra no Brasil são encontradas no regime de sesmarias da
era colonial. É largamente aceito na
literatura que a generosidade com
que as concessões de terra realizadas por Portugal nos mais de três
séculos de dominação lusa, juntamente com a constante preocupação
da Coroa portuguesa de ligar o Brasil às correntes do comércio interna-
Ph.D em Economia pela Universidade de Londres, Mestre em Economia pela Universidade de Yale.
Professor aposentado da UFPE, professor titular em tempo integral do Curso de Mestrado em Gestão
Empresarial da Faculdade Boa Viagem, no Recife, e Pesquisador bolsista nível I do CNPq. E-mail:
[email protected] e [email protected].
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5
“
... a Lei das
Sesmarias era,
sem qualquer
ambigüidade,
especificamente voltada
para evitar que
a terra permanecesse
inculta pelo seu
proprietário...
”
cional, foi responsável pela emergência do processo de apropriação
privada de imensos tratos de solo
agrícola em terras brasileiras e, consequentemente, pela exclusão social de uma vasta e majoritária parcela da população brasileira que ingressou na era moderna do desenvolvimento nacional na condição de
posseiros, sitiantes, moradores ou
agre- gados à grande propriedade.
Entretanto, a questão da origem
do sistema fundiário dos tempos
coloniais é muito mais complexa e
rica do que aparenta.
Nas obras dos muitos autores
que estudaram as origens do problema fundiário no Brasil, encontramse evidências bastante sólidas de que
a exclusão do pequeno agricultor e
a implantação das imensas propriedades que vieram a dominar o cenário rural do país, não eram objetivo
da política de colonização, nem logo
após o seu início e muito menos no
curso dos séculos seguintes. Esses
autores fornecem evidência suficiente para se concluir que o contrário,
de fato, era a verdadeira intenção da
vasta legislação portuguesa sobre
matéria fundiária.
Rodrigues (1951), Guimarães
(1968), Cirne Lima (1954), Porto (s.d.),
Faoro (1975), Bandecchi (1963),
Lobo (1969), entre tantos autores brasileiros que estudaram com profundidade as origens e a evolução do
sistema de concessões de terra no
Brasil, concordam unanimemente
que a instituição jurídica das sesmarias, que se originou em Portugal
antes de ser transplantada em sua
6
integridade para a colônia americana, era, em sua real essência, contrária à grande e improdutiva propriedade.
Concebida ao final do Século 14
e inserida nos vários códigos promulgados nos séculos seguintes (as
Ordenações Reais Portuguesas:
Afonsinas, de 1446, Manuelinas, de
1511 e Filipinas, de 1603), a Lei das
Sesmarias era, sem qualquer ambigüidade, especificamente voltada
para evitar que a terra permanecesse inculta pelo seu proprietário – a
não obediência a essa lei (ou seja, a
não utilização produtiva da terra)
implicando a perda da propriedade
e a sua transferência para alguém
que necessitasse do solo agrícola e
desejasse o seu cultivo.
De acordo com Porto (op. cit), na
época em que as primeiras concessões de terra foram feitas no Brasil,
“a norma romana de repulsa ao solo inculto” fornecia as bases de toda a legislação portuguesa sobre o uso da
terra, de sorte que o solo sem cultura
era considerado “um crime contra a
coletividade, contra o bem comum, contra o interesse geral” (pág. 26). Nesta
mesma linha, Rodrigues (1951, pág.
82) assinala que “a lei das sesmarias
era uma instituição jurídica e econômica contrária ao latifúndio” e Bandecchi
(1963, pág. 24) afirma que as leis
fundiárias portuguesas, fortemente
inspiradas no Direito Romano, estabeleciam enfaticamente o princípio
de que “a terra pertencia a quem a cultivava”.
No que diz respeito ao efetivo
cumprimento das leis portuguesas,
os autores citados e outros, afirmam
não ser matéria de disputa entre os
historiadores, a real eficácia das leis
das sesmarias em Portugal. Lobo
(1969, pág. 268), por exemplo, comparando a experiência do Brasil com
a de Portugal, assinala que “o Latifúndio não foi uma característica da
metrópole, em virtude de a Lei das
Sesmarias, de 26 de maio de 1375, requerer o efetivo cultivo do solo pelos seus
proprietários”. Na mesma linha de argumento, Diegues Jr. (1967, pág. 52)
afirma que “com raras exceções, a atividade agrícola na metrópole estava baseada na pequena propriedade” e que
“a divisão da terra havia criado um re-
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gime de exploração do solo sem o domínio dos grandes proprietários” (ver também a esse respeito, Faoro (1975),
vol.1, pág. 123 e segs).
Da consulta à vasta literatura documentada sobre a questão fundiária
em Portugal, pode ser extraída a conclusão de que a legislação portuguesa com respeito ao uso da terra era,
em geral, democrática tanto em seu
conteúdo, quanto na prática, que seu
objetivo era, claramente, o de impedir a formação do latifúndio e de propriedades ociosas, e que tinha a intenção deliberada de estimular o desenvolvimento da agricultura, através da promoção de uma vasta classe de pequenos agricultores.
A rica legislação portuguesa que
tinha, como foi visto, plena aplicação na metrópole e que deveria servir de base para a colonização das
terras brasileiras, desde muito cedo
demonstrou o seu completo fracasso na colônia, como é largamente
reconhecido. Todavia é essencial
aqui assinalar, que as autoridades
portuguesas tentaram aplicar essas
mesmas leis no Brasil, desde o início da colonização, e que esse objetivo permaneceu bem vivo durante
todo o período colonial, como atesta
uma série de iniciativas da metrópole – a seguir discutidas – na forma de legislações suplementares especialmente promulgadas para serem obedecidas pelos prepostos
portugueses na colônia.
Com efeito, as primeiras peças
legislativas elaboradas pelo Governo de Portugal para disciplinar o
processo de distribuição das terras
no Brasil – os Decretos Reais a serem aplicados pelos primeiros donatários – estabeleciam muito claramente a intenção da Coroa portuguesa. Esses decretos, que envolviam a concessão de imensos tratos de
terra a particulares, conferiam enormes poderes políticos aos donatários, mas não o direito à propriedade de todo o solo agrícola concedido
(Porto, op.cit., pág. 21; Bandecchi,
op.cit, págs. 28-29). De acordo com
as cartas de concessão, as sesmarias
concedidas eram divididas em duas
partes: uma, que pertencia ao donatário (aproximadamente 1/5 do total), sobre a qual o seu titular exerceRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ria o total domínio; e a outra – os 4/
5 restantes – com a clara especificação de serem distribuídas entre os
demais colonos (PORTO, pág. 22)2.
As condições para a efetiva aplicação das leis portuguesas no Brasil, contudo, eram inteiramente diferentes das que prevaleciam em Portugal. O enorme tamanho do país e
a urgência do povoamento da colônia – necessária para evitar a sua
perda para outras potências estrangeiras – aliados à escassez da população da metrópole e à relativa pobreza do Estado Português, impeliram a Coroa a tomar consciência de
que somente oferecendo vantagens
especiais poderia a colonização ser
agilizada e ter-se garantida a ocupação do Brasil. Não é de surpreender, portanto, que os primeiros governadores gerais da colônia tenham
recebido a incumbência específica de
arregimentar “homens de cabedal para
estabelecerem engenhos de açúcar e qualquer outra indústria” na colônia 3.
O resultado dessa preocupação
portuguesa de ocupar a colônia foi
a de tornar o governo luso muito generoso com respeito à concessão de
terras, pela óbvia razão de que apenas mediante o oferecimento de substanciais vantagens poderiam ricos
empreendedores portugueses se sentir motivados a se deslocarem para
o Brasil e embarcarem, quase às suas
próprias expensas, em caras e arriscadas operações. Data, também desta época, a autorização da Coroa
para a introdução da escravidão na
colônia, seja através do aprisionamento do ameríndio, seja pela importação do negro africano.
Mas, deve ser bem enfatizado que,
embora estivesse sendo aberta uma
larga avenida para a introdução do
latifúndio no Brasil, o critério oficial
de distribuição de terras, sob o novo
regime dos Governadores Gerais,
não sofreu nenhuma mudança nos
seus princípios básicos. A terra deveria continuar sendo concedida
apenas em quantidades que poderiam ser exploradas produtivamente
pelo beneficiário, e continuava ainda prevalecendo o princípio do efetivo cultivo como condição essencial para a confirmação do direito à
propriedade. Além do mais, foi estiRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
pulado que o efetivo cultivo deveria
se materializar dentro de um certo
período de tempo, que variou, segundo a época, de dois a oito anos. E,
finalmente, a terra deveria ainda ser
concedida a todos os que a desejassem para cultivo, “independentemente da qualidade e condição” do demandante.
O precoce sucesso da economia
de plantation na costa brasileira ainda na primeira metade do século XVI
– seguido, não muito depois, pela
emergência da atividade criatória
nos sertões – desde muito cedo gerou uma profunda divisão social na
colônia, criando uma classe de poucos mas poderosos latifundiários e
um vasto número de anônimos colonos, dedicados à produção de alimentos e ao pequeno criatório, seja
para subsistência ou para fins comerciais.
Nos primeiros anos da colonização, as poucas evidências parecem
sugerir a não ocorrência de graves
problemas fundiários em decorrência do padrão de apropriação da terra que ia tomando curso no Brasil.
Embora a documentação para este
período histórico seja bastante escassa, há autores que assinalam “que
havia abundância de alimentos e que não
se verificava qualquer espécie de escassez [na oferta de alimentos] nos primeiros anos da colonização no Brasil”
(LINHARES, 1979, pág. 33). Outro
autor, em seu prefácio a um livro originalmente publicado no início dos
1600s, sugere que a produção de alimentos era uma atividade bastante
lucrativa no início da época colonial (CAPISTRANO DE ABREU, 1968,
pág. 27), quer fosse praticada por in-
divíduos que operavam propriedades médias e grandes (utilizando o
braço escravo), quer por pequenos
proprietários, posseiros ou sitiantes
(usando mão-de-obra familiar). Mas,
nos famosos “Diálogos da Grandeza do Brasil”, de 1618, Brandão já
inquiria porque “havia tanta carestia”
em meio “à grande fertilidade e abundância [de terras]” (Brandão, pág. 52
e pág. 328)4 – uma clara indicação,
ao que parece, de que um processo
de concentração da terra estava se
desenvolvendo com toda a força, já
antes de terminado o primeiro século da colonização.
Com efeito, é possível encontrarse evidência suficiente de que a monopolização da terra via expropriação de pequenos colonos – posseiros, sitiantes, etc. – começou em datas muito remotas no Brasil, e que a
colônia – que tinha ao final do seu
segundo século de existência não
mais que uns poucos milhares de
habitantes de origem européia5 – estava experimentando o problema da
escassez de terra e alguma espécie
de pressão demográfica já desde os
primeiros anos de sua vida econômica.
Documentação encontrada em
fontes contemporâneas fornece evidências, datadas ainda do século
XVII, da existência de reclamações
às autoridades coloniais no Brasil e
em Portugal, com respeito ao fato de
que muitos colonos estavam sendo
deixados sem qualquer pedaço de
terra para cultivarem ou para implantarem pequenas criações de animais, porque alguns indivíduos haviam recebido, ou apropriado à força, terras em quantidades muito
2
A famosa Carta de Concessão a Duarte Coelho, por exemplo, datada de 1530 e referente à Capitania
de Pernambuco (todas as demais tinham o mesmo conteúdo), estabelecia explicitamente que as terras
deviam ser dadas e concedidas “a quaisquer pessoas de qualquer qualidade e condição que
sejam, conquanto que sejam cristãos, livremente, sem foro nem direito algum, somente o dízimo
que serão obrigados a pagarem” à Igreja [e este apenas sobre o produto da terra] (...) e que “as
sesmarias” [deveriam ser doadas] na forma e maneira que se contém em minhas Ordenações”,
ou seja, aquelas que vigiam em Portugal. Cf. Cartas de Concessão a D. Coelho e a M.A. de Sousa reproduzidas em Porto (op.cit., pág .149) e Bandecchi (op.cit, págs. 29-30), respectivamente.
3
Cf. Regimento de Tomé de Sousa, primeiro Governador Geral do Brasil, de 1549, reproduzido em
diversos trabalhos de historiadores brasileiros.
4
A resposta de Brandão, todavia, foi a de que a escassez e a carestia na colônia se deviam à “negligência comum e pouca indústria dos seus povoadores” (pág.328).
5
A população branca no Brasil, ao final do século XVII, é estimada em aproximadamente 100 mil, de
um total de 300 mil habitantes, incluindo nesta cifra os escravos indígenas e africanos, e os mestiços
livres. Cf. Furtado (1963, pág. 81).
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7
maiores do que a sua efetiva capacidade de cultivo6.
Ocorre que, no curso dos primeiros dois séculos de colonização,
aqueles que haviam recebido doação
de grandes sesmarias começaram a
adicionar mais terras às suas propriedades – tanto por meios legais,
quanto ilegais, especialmente por
esta última forma. Este fato veio a
dar origem, num curto espaço de
tempo, à formação de uma “aristocracia” de invasores de terra, constituída de plantadores de produtos
de exportação e de pecuaristas – que
passaram, pouco a pouco, a exercer
influência decisiva nos negócios internos da colônia.
Porto, dentre vários outros autores, assinala que são encontrados
registros de sérias disputas fundiárias entre sesmeiros e posseiros no
Brasil, ainda no transcorrer do Século XVII (pág. 71). Tais disputas,
explica Porto, resultavam do sistema de distribuição de terras que veio
a prevalecer na colônia, através do
qual não apenas a Coroa portuguesa tinha o poder de conceder sesmarias, mas também diversas autoridades coloniais que residiam no Brasil, desde os Governadores Gerais até
mesmo meros funcionários provinciais. Desta forma, como as autoridades coloniais no Brasil eram fortemente sujeitas à influência das elites locais, excessos na distribuição
de terra tornaram-se muito cedo prática comum na colônia.
É interessante assinalar que as
inúmeras queixas e reclamações
acerca dos abusos cometidos, sejam
por antigos beneficiários de sesmarias, sejam pelos agentes reais na
colônia, provocaram uma pronta
reação do governo português, através de uma série de medidas voltadas para coibir as arbitrariedades da
política de concessão de terras e para
impedir os excessos de poder dos
grandes latifundiários brasileiros. A
literatura histórica disponível oferece bastantes evidências a respeito
dessa questão.
Um vasto número de editos, decretos, instruções, provisões, regulamentos e outros instrumentos legais
da época, originários de Portugal e
que estão disponíveis nos arquivos
8
históricos no Brasil, documentam as
constantes e reiteradas tentativas do
governo português, para remediar a
questão fundiária na colônia.
Uns poucos exemplos dessas tentativas são descritos a seguir.
Em 1682, um Edito Real foi promulgado, conferindo poderes ao
Governador da Bahia para tomar de
volta as propriedades de sesmeiros
que haviam descumprido a obrigação de cultivar as terras recebidas, e
ordenava que este as concedesse a
quem desejasse cultivá-las, dandose preferência aos colonos que já residiam na Capitania (GUIMARÃES,
1968, pág. 54). Um decreto Real de
1695, objetivando restringir o tamanho das novas sesmarias a serem
concedidas, estipulava 5 léguas
como a máxima dimensão que uma
sesmaria poderia alcançar. Dois
anos depois, outro decreto restringia esta área para apenas 3 léguas,
um outro, logo a seguir, a reduzia
para 2 léguas e, mais adiante, outros decretos ordenavam reduções
ainda maiores, para uma légua e
para meia légua, em alguns casos
(PORTO, op. cit. pág. 74). Em 1699,
um novo decreto “ameaçava os latifundiários de expropriação das terras que
eles não podiam ou não queriam cultivar, em favor de outras pessoas que poderiam ou queriam cultivá-las” e, nas
suas justificativas assinalava que uma
das razões principais pelas quais os
sertões do Brasil não eram adequadamente povoados e cultivados, decorria da “voracidade dos grandes senhores de terra” (BOXER, 1962, pág.
228). Um outro Edito Real, também
datado de 1699 e citado por Boxer
(op. cit., pág. 229), fazia menção “a
poderosos indivíduos nos sertões oprimindo os pobres e os humildes, que se
sentiam temerosos até de ousarem recla-
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mar”, e nele, segundo Boxer, “o Rei
ordenava que o Governador Geral investigasse cuidadosamente o assunto e tomasse medidas enérgicas contra magnatas da terra que fossem considerados culpados de tais práticas, forçando-os a restituírem toda e qualquer terra ilegalmente
adquirida” (pág. 229).
Assim, evidências tanto da determinação da Coroa portuguesa em
impor a sua vontade em questões
relativas ao uso e distribuição da terra, quanto da ineficácia de suas
ações, podem ser extraídas da vasta
e ao mesmo tempo vã, legislação sobre o sistema sesmarial no Brasil,
que se estende desde praticamente o
início da colonização até as primeiras décadas do século XIX.7
Vários autores fazem detalhado
relato de inúmeras outras tentativas
do governo português, ao longo aos
século XVIII e XIX, de interferir na
questão fundiária da Colônia. Rodrigues (1951, pág. 79), dá ênfase a um
decreto Real de 1711, e às Provisões
de 1727 e 1743, assinalando que “o
espírito dos editos era o mesmo: a idéia
de colocar em cultivo o solo não cultivado, re-dividir a grande propriedade e
favorecer a agricultura”. Na mesma
linha, Porto (op.cit. pág.98), cita um
edito Real de 1753, que determinava
que “se desse preferência aos que tiverem roteado e cultivado os sítios, mesmo
em se tratando de rendeiros, pelo princípio de que as sesmarias foram dadas
para exploração e não para se darem de
renda”. Uma menção final deve ser
feita ao Edito Real de 1795, que é
considerado, dentre a vasta legislação portuguesa especificamente dirigida ao Brasil, como talvez a mais
completa e minuciosa Lei de Sesmarias do período colonial. Este edito
estabelecia que “os governadores não
deverão conceder, principalmente em
6
Cf. Livro das Terras, 1860, de Vasconcelos, J.M.P., que reproduz documentos históricos dos
arquivos do Governo da Bahia e dos arquivos da Fazenda Portuguesa. Apud Guimarães (1968, págs.
53-54; e Leite (1963, págs. 33-35).
7
É interessante ressaltar que, logo após a Independência, o Imperador Pedro I suspendeu o regime de
concessão de sesmarias, sob a alegação de que, com o seu ato, o Brasil poderia praticar uma nova
política de distribuição de terras capaz de estimular a imigração e facilitar o processo de conversão do
país de uma economia baseada na escravidão para outra centrada na mão-de-obra livre. Alguns anos
depois, o Imperador Pedro II fazia candentes apelos ao Parlamento para que fosse aprovada uma lei
justa e democrática de distribuição de terras. Todavia, depois de muitas discussões, a nova Lei da Terra
finalmente aprovada pelo Congresso brasileiro, no ano de 1850,teve um caráter extremamente
conservador, legitimando todas as terras ocupadas, legal ou ilegalmente pelos grandes fazendeiros e
eliminando, na prática, qualquer possibilidade de legalização, titularização e aquisição de lotes
ocupados por pequenos posseiros ou moradores (BROWNE, 1972, pág.222 e segs.)
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
áreas próximas às capitais ou das margens de estradas e de rios navegáveis,
mais do que meia légua de terra, para
que a igualdade possa prevalecer entre
todos os moradores” (apud Rodrigues,
op. cit., pág. 80). Esta mesma lei proibia, ademais, a concessão de mais
de uma sesmaria para cada pessoa,
justificando-se tal proibição sob o argumento de que “ninguém deveria receber mais terra do que poderia ser capaz de cultivar por si mesmo ou com
ajuda de escravos”, e reiterava, mais
uma vez, o princípio da devolução,
no caso de verificada a impossibilidade de cultivo (idem, pág. 80). O
conteúdo “revolucionário” deste
edito Real era tão forte que, mesmo
diante da tradição de não obediência às leis portuguesas no Brasil,
desta vez as elites locais formalmente se opuseram à Coroa portuguesa,
obrigando o Rei a revogar o edito
cerca de um ano após a sua promulgação (ibidem, pág. 80).
É desnecessário multiplicar, aqui,
as evidências referentes às disputas
entre colonos pobres e ricos proprietários, às inumeráveis demandas de
residentes contra a expropriação de
suas terras, e à abundante legislação portuguesa voltada para frear o
processo de monopolização da terra na era colonial. As evidências já
assinaladas são suficientes para se
concluir que o padrão de uso e distribuição da terra, que o Brasil herdou sob o domínio português, foi
certamente derivado do sistema de
sesmarias, mas não da vontade e das
legislações portuguesas – desde as
primeiras cartas de concessão, até as
sucessivas e reiteradas peças legislativas promulgadas para o Brasil durante mais de três séculos de jugo colonial. Ao contrário, todas as evidências sugerem que o regime fundiário
que efetivamente veio a prevalecer na
colônia foi, de forma essencial, o resultado do poder e da influência das
elites rurais brasileiras.
É importante assinalar que as
tentativas de Portugal de corrigir e
redirecionar seja a sua política de
concessão de terras, seja, principalmente, a de seus agentes na colônia,
não resultou de qualquer magnanimidade do governo português, mas
de sólidas razões de ordem econôRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
mica e política. Uma melhor distribuição das terras servia aos interesses da Coroa portuguesa de várias e
simultâneas maneiras. Primeiro,
porque facilitaria a ocupação e o
povoamento de um vasto território
que era objeto de disputa por outras
nações européias, as quais, insistentemente, invocavam o princípio da
efetiva ocupação (a lei internacional
do Uti Possidetis, vigente na Europa
logo após os grandes descobrimentos) como a única forma de um país
poder reclamar o direito à posse das
novas terras descobertas. Segundo,
porque ajudaria a resolver o importante problema da oferta de alimentos na colônia – um problema que
Portugal não poderia resolver sozinho, dadas às limitações de sua própria economia. Vale a este respeito
assinalar que, como as grandes plantations e as fazendas pecuárias, quando muito cuidavam de suas próprias
necessidades, a escassez de gêneros
alimentícios alcançava, com muita
freqüência, um estado de calamidade pública nas vilas e cidades brasileiras, criando sérios embaraços para
a administração portuguesa. Além
do mais, como a escassez de alimentos constituía, em si mesma, um obstáculo à política de povoamento e de
penetração do interior, a monopolização da terra veio a ser vista, aos
olhos de Portugal, como claramente
danosa aos interesses imperiais. Uma
outra importante razão que levou o
governo português a desejar uma
melhor distribuição das terras foi a
própria necessidade que Portugal
sentiu de promover a diversificação
da base econômica da colônia. O
declínio da atividade açucareira, já
na primeira metade dos 1600s e, no
século seguinte, o da mineração, representaram duros golpes para o Tesouro português, de modo que a busca de outras alternativas produtivas
na colônia se tornava uma questão
de vital importância para uma metrópole que se via num processo
inexorável de empobrecimento.
A consecução dos objetivos da
Coroa – que passavam necessaria8
“
... a terra se tornou
a fonte por excelência de
renda, de riqueza, de
prestígio e, acima de
tudo, de poder...
”
mente pela expansão da oferta de
gêneros alimentícios e pela diversificação da economia – demandava,
por razões óbvias, uma melhor distribuição das sesmarias, e aqui é
possível localizar uma primeira fonte de explicação das tentativas portuguesas de frear a contínua expansão do latifúndio.
Essas tentativas, contudo, desde
muito cedo geraram um grave conflito de interesses entre o governo
português e as elites proprietárias da
colônia, porque estas últimas passaram a ver, na aplicação das leis de
sesmarias, uma limitação ao seu direito de propriedade e uma séria
ameaça ao monopólio da terra.
Como muito cedo no Brasil, a terra se tornou a fonte por excelência
de renda, de riqueza, de prestígio e,
acima de tudo, de poder, a reação dos
grandes proprietários de terra foi a
de desenvolver uma crescente autonomia vis-à-vis a metrópole, como
forma de resistência ao cumprimento de uma legislação fundiária que,
se favorecia aos interesses imperiais,
claramente não atendia aos das elites agrárias da colônia.
Não é de estranhar, portanto, que
desde também muito cedo o governo
português tenha se dado conta de
que o excessivo poder das elites rurais brasileiras constituía formidável obstáculo à consecução de vários objetivos da metrópole8. E aqui é
encontrado outro motivo que estava
por trás das tentativas portuguesas
de promover uma melhor distribuição das terras no Brasil, através do
apelo ao cumprimento da lei das
sesmarias: como esta lei continha,
como principal provisão, a devolução à Coroa de todas as terras con-
Faoro assinala que o indígena, o estrangeiro e o senhor de terras eram os três grandes inimigos do
reino português e afirma que o último era, de todos, o maior inimigo das autoridades coloniais
(FAORO, 1975, vol. 1, pág.123 e págs.143-8).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
9
“
... a autonomia dos
senhores de terra sobreviveu a todas as
tentativas portuguesas
de centralização...
”
cedidas mas não cultivadas, a sua
aplicação claramente exerceria o efeito de enfraquecer o poder dos senhores de terra e, consequentemente, a
sua autonomia perante as autoridades coloniais9.
Mas a autonomia dos senhores
de terra sobreviveu a todas as tentativas portuguesas de centralização.
Na verdade, aumentaram, com o
tempo, o poder político e a autonomia das elites proprietárias brasileiras, em larga medida por conta do
fato de que enquanto a base econômica do Brasil se expandia, a de Portugal declinava, no que resultava o
enfraquecimento do poder metropolitano sobre a sua vasta e relativamente próspera colônia. Além do
mais, deve ser assinalado que as
políticas portuguesas no Brasil
eram, não raro, ambíguas e contraditórias. Se Portugal tomava, de um
lado, medidas às vezes drásticas
para frear o poder dos latifundiários,
de outro, não poderia ir muito longe
na sua oposição aos interesses das
elites rurais, já que o governo luso
dependia dessa mesma classe para
a realização da relação colonial – ou
seja, para que fosse implementado o
mecanismo de transferência de recursos da colônia para a metrópole.
E, por fim, vale ressaltar que as autoridades portuguesas no Brasil geralmente se aliavam às poderosas
elites locais, ambas, muito frequentemente, até mesmo se contrapondo
à causa real – especialmente em assuntos relativos ao uso e distribuição da terra10.
condicionantes locais deixaram marca profunda nos rumos do desenvolvimento do país, de tal sorte que é
possível concluir que forças domésticas, talvez mais que externas, operaram como fatores determinantes do
atraso do Brasil colonial, influenciando, redirecionando e alterando o
curso e os resultados da colonização.
Comparado ao Brasil, Portugal
era uma pequena e decadente potência imperialista. Em nível mundial,
esse país se apresentava como um
império em franco e inexorável
declínio. A colônia, ao contrário,
devido às suas dimensões e potencialidades, tornou-se, desde cedo,
uma das principais fontes externas
de sustentação econômica de uma
metrópole empobrecida. Todavia,
por ter desenvolvido uma economia
quase exclusivamente de base latifundiária, os negócios internos da
colônia passaram a ser crescentemente controlados por uma aristocracia de grandes proprietários, que
monopolizaram muito precocemente vastas extensões de terras produtivas, impediram a diversificação da
agricultura e bloquearam a emergência de uma classe de pequenos e
médios agricultores, os quais, em
outros países de colonização recente, contribuíram decisivamente para
dar origem, em fase posterior, a um
desenvolvimento capitalista mais
democrático e avançado, tanto política quanto economicamente.
Em virtude do fato de a principal
fonte de poder, ao longo de todo o
período colonial, ter tido origem local ou no máximo provincial, e ba9
O cumprimento da lei das sesmarias foi apenas uma das várias maneiras pelas quais o governo
português tentou resistir ao poder das elites agrárias brasileiras. Um conjunto de outras iniciativas
podem ser citadas, tanto compreendendo medidas diretamente destinadas a aumentar o controle da
administração portuguesa sobre os negócios internos da colônia, quanto através de medidas indiretas,
voltadas para o estímulo à formação de novos grupos sociais, de modo a tornar mais difusas as fontes
de poder na sociedade colonial. O alargamento da burocracia do Estado, a fundação de vilas e cidades
(criando-se, assim, uma base urbana na colônia para servir de contrapeso ao poder das elites rurais), a
instalação de câmaras municipais, as constantes substituições dos quadros dirigentes na colônia por
novos funcionários mais leais à Coroa, o ostensivo apoio à classe dos comerciantes e mercadores, e as
inúmeras tentativas de promover a imigração de colonos açorianos para o Brasil - são ilustrações de
algumas das iniciativas do governo português dirigidas ao aumento dos poderes centralizadores da
metrópole (para uma discussão das tentativas portuguesas de aumentar o seu poder político na colônia
vis-à-vis as elites locais, ver, por exemplo, Boxer (1962), Faoro (1975), Queiroz (1976), Guimarães
(1968) e Roett (1984). No que se refere às iniciativas do governo português de fomentar a imigração de
pequenos colonos durante o período colonial, ver particularmente Browne (1972).
10
Há uma vasta literatura disponível que enfatiza e documenta a autonomia que as elites rurais brasileiras
gozavam durante a época colonial. Ver particularmente os trabalhos de Guimarães (1968), Queiroz
(1976), Linhares (1979), Faoro (1975), Boxer (1962), Roett (1984) e Prado Jr. (1979).
11
Novais (1979) descreve, com detalhes, o vasto número de iniciativas do governo português neste sentido.
3. Conclusões
Os fatos e argumentos aqui apresentados enfatizaram a enorme importância de fatores internos na formação social do Brasil colônia. No
curso dos três séculos e duas décadas do domínio colonial português,
10
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
seado na propriedade da terra, a Coroa portuguesa e suas altas autoridades na colônia puderam ser constantemente e eficazmente desafiadas
pelas elites políticas locais (que incluíam as cooptadas autoridades
portuguesas de escalões inferiores),
alcançando-se uma situação em que
as políticas portuguesas para a colônia tinham remotíssimas chances
de sucesso se não contassem com o
decidido apoio das elites rurais brasileiras ou se conflitassem com os
interesses dessas mesmas elites.
A experiência brasileira apresenta inúmeras evidências de que tendia sempre ao fracasso a implementação de qualquer iniciativa da Coroa que fosse vista como danosa aos
interesses das elites locais. Este foi o
caso, por exemplo, de uma série de
medidas na área econômica que,
embora ditadas por interesses imperiais, mesmo assim teriam produzido implicações positivas para o desenvolvimento da colônia, tais como
a obrigatoriedade da construção de
estradas contida nas cláusulas de
doação de terras, os apelos à produção de alimentos, os incentivos à diversificação de culturas, as tentativas de melhorar a distribuição das
terras e a promoção da imigração de
pequenos colonos, além de várias
outras iniciativas que poderiam ter
resultado em melhorias tecnológicas
tanto na agricultura, quanto nas atividades da mineração – as quais,
eventualmente, poderiam ter propiciado o desenvolvimento de uma
embrionária produção manufatureira ainda na época colonial11.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Na mesma linha de raciocínio,
também foi o caso de um amplo espectro de medidas proibitórias –
dentre as quais se destacam, especialmente, o famoso Edito Real de 1785
proibindo a produção de tecidos, e
os esforços para a eliminação do
contrabando na colônia, que tantos
prejuízos causavam ao erário imperial – que as autoridades portuguesas não tiveram poder suficiente
para efetivá-las12.
De todo o exposto, é possível concluir, então, que a efetiva capacidade que Portugal teve de bloquear o
desenvolvimento da colônia foi muito menor do que se costuma acreditar, e que, de fato, o verdadeiro poder de obstrução do desenvolvimento do Brasil colonial resultou do comportamento das elites rurais brasileiras – estas sim, na realidade, os
grandes e poderosos agentes políticos na colônia.
O regime de monopolização da
terra e outras características perversas do sistema de uso do solo que a
colônia herdou na época da independência – e que ainda se preservaram no Brasil moderno – explicam, sem dúvida, mais do que qualquer outro fator externo, o lento desenvolvimento do mercado interno,
o retardamento da industrialização
e a ausência de uma rede inter-regional eficiente de transportes (ferrovias, principalmente) – todos esses
fatores constituindo, na verdade, os
grandes obstáculos para que o Brasil emergisse, no século XXI, como
uma nação desenvolvida e com padrões de distribuição de renda socialmente aceitáveis.
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12
Uma análise detalhada da ineficácia dessas e outras
tantas medidas proibitórias encontra-se em Galvão
(1988).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
11
NOVOS PALCOS PARA UM NOVO
DESENVOLVIMENTO. O PAPEL DAS BACIAS
HIDROGRÁFICAS E DO ZONEAMENTO
ECOLÓGICO-ECONÔMICO1
Ana Flávia Marques2
Virgínia Elisabeta Etges3
Heleniza Ávila Campos4
Resumo
Pensar a região, segundo a racionalidade ambiental, como escala de
desenvolvimento no mundo globalizado contemporâneo, implica em
assumir um projeto de desenvolvimento que parta da periferia e não
do centro; que considere as particularidades, como potencialidades;
que reconheça e tenha em conta as
diferentes territorialidades exercidas
pelos grupos sociais presentes; que
esteja voltado para a sustentabilidade sócio-ambiental, o exercício da
cidadania e a justiça ambiental. Na
busca por palcos para este desejado
novo modelo de desenvolvimento, a
pesquisa aqui apresentada, através
do método de abordagem dialético,
mas sem a pretensão de chegar a
uma síntese totalizante, analisou
dois instrumentos que podem ser tidos como parâmetros para uma
regionalização dos territórios feita
sobre novas bases: a gestão de bacias hidrográficas, usada no estado do
Rio Grande do Sul e o Zoneamento
Ecológico-Econômico, aplicado nos
estados da Amazônia Legal. As análises feitas proporcionaram, entre
outras as seguintes conclusões: (1)
as bacias hidrográficas oferecem a
possibilidade de se efetuar uma
regionalização que considere os conflitos sócio-ambientais, não necessariamente relacionados às divisões
político-administrativas propostas
pelo IBGE, nem sequer com as fronteiras que separam os países, podendo suplantar as divisões regionais
12
nacionais e setoriais, possibilitando
uma visão mais ampla e sistêmica
das realidades regionais; (2) no que
se refere ao ZEE, apesar de todas as
críticas feitas a sua operacionalização, não se pode desconsiderar as
possíveis contribuições deste instrumento no processo de ordenamento
territorial, especialmente se for reorientado, focando sua metodologia
numa visão legitimamente sistêmica
do território.
Palavras-Chave: Regionalização;
Bacias Hidrográficas; Zoneamento
Ecológico-Econômico.
Abstract
In this research, the conception
of region, according to environmental rationality and understood as a
field to development in the contemporary world, implies in assuming
a development project that starts
from ecosystem periphery, and no
more the cent, considering their
particularities as resources. This
point of view recognizes the importance of different territorialities built
by social groups toward social and
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
environmental sustainability, citizenship practices and environmental justice. This research analyses two
regional planning tools that can be
used as parameters for a regionalization of territories, used in two
different Brazilian spatial realities:
the Hydrographic Basins, used in
Rio Grande do Sul and the EcologicalEconomic Zoning (EEZ), applied in
the Legal Amazon. This investigation
searches new proposals to a development model, using Dialectic as method of approach, but without the
pretension to arrive at a global
synthesis. The analyses provided, the
following conclusions, among others:
(1) in one hand, the Hydrographic
Basins offer new possibilities to
implement a regionalization that
considers the social and environmental conflicts, not necessarily
related as political divisions, as
proposed by IBGE, nor even as
frontiers between countries, making
possible a broad and systemic view
of regional realities; (2) in other hand,
we cannot leave behind the EEZ
contributions as tool used in terri-
1
O presente artigo apresenta resultados parciais da pesquisa desenvolvida para a dissertação de
mestrado de Ana Flávia Marques.
2
Ana Flávia Marques é Mestre em Desenvolvimento. Regional, UNISC/RS. Bióloga, Especialista em
Ciências Ambientais, URI/Erechim/RS. E-mail: [email protected]. Endereço: José de Alencar,
346. Verena. Santa Cruz do Sul. RS. CEP: 96820240. Fones: (51) 3717.4106 e (51) 81667688.
3
Virgínia Elisabeta Etges é Doutora em Geografia Humana, USP/SP. PhD em Planejamento Urbano e
Regional, Technische Universität Berlin, Alemanha. Profª do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e do Departamento de História e Geografia da UNISC/RS. E-mail: [email protected].
4
Heleniza Ávila Campos é Doutora em Ciências Geográficas, UFRJ/RJ e University of Durham/
Inglaterra. Profª do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e do Departamento de Arquitetura da UNISC/RS. E-mail: [email protected].
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
torial organization, although all critics that had been made about its
implementation, specially if we consider the possibility of its re-orientation,
focusing its methodology in a systemic view of the territory.
Key Words: Regionalization; Hydrographic Basins; Ecological-Economic Zoning.
1. Introdução
Entendendo a regionalização enquanto método de ordenamento territorial e – em uníssono com Lassere
(1976 apud LEITE, 1994) – em última
análise, não mais que um elemento
da estratégia de desenvolvimento, fazse necessário, para se analisar o processo de regionalização e suas antinomias, considerar as próprias antinomias da sociedade pós-moderna
no que se refere às estratégias de desenvolvimento, especialmente porque
é na Pós-Modernidade que estas passam a ser questionadas, principalmente em resposta à descoberta das
‘mentiras da Modernidade’5. (HARRIS, 2004).
O ordenamento territorial enquanto expressão máxima da ação humana sobre o espaço reflete diretamente as transformações sociais pelas
quais o mundo passa. Prova disso é
o ano-marco 1989, quando da queda do Muro de Berlim – e, com ele do
Socialismo Real – e quando surgem
evidências incontestáveis das ‘falhas’, de um capitalismo que se julgava totipotente expostas nas grandes conferências internacionais sobre o ‘estado do mundo’. As reflexões que emergem destes fatos situam-se no campo da crise do modelo de
desenvolvimento dominante: o capitalismo, nos moldes correntes, mostrase insustentável, exatamente no momento em que o socialismo perde
suas bases. Em torno desta época,
surgem os discursos acerca do Desenvolvimento Sustentável ou Ecodesenvolvimento6.
Neste contexto, os territórios passam por uma transformação que,
para muitos, ameaça a sua própria
existência – segundo a teoria da
desterritorialização ou fim dos territórios7 -, isso no bojo de um mundo que
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
se globaliza na busca por novos mercados consumidores e novos espaços produtivos.
O cenário que se desenha rapidamente marca a emergência de fenômenos e atividades deslocalizados,
o que é garantido principalmente
pelos avanços nas telecomunicações
e nos transportes, transformando os
sentidos de tempo e espaço. Surgem,
entre outros fenômenos:
– o chamado espaço virtual ou
ciberespaço, cuja existência é atestada pela Física na forma de um
hiperespaço com onze dimensões
(WERTHEIM, 2001);
– o fenômeno de fronteiras: no mundo globalizado, ao mesmo tempo em
que se dissolvem para o capital, as
fronteiras fecham-se cada vez mais
para a força de trabalho, numa nova
expressão de xenofobia8;
– a influência dos lugares – mesmo
os mais distantes – uns sobre os outros através da universalização das
ciências e das técnicas. Segundo Eric
Hobsbawn (1996), a história de cada
porção da superfície terrestre não é
mais autônoma, mas dependente, em
maior ou menor grau, de processos
universais;
– divisão territorial do trabalho, caracterizada por especializações produtivas (CORRÊA, 1997);
– a ligação dos territórios em rede,
formando os arranjos espaciais descritos por Milton Santos (2004, p.
284), que não se dão apenas através
de figuras formadas por pontos contínuos e contíguos: “Hoje, ao lado
dessas manchas, ou por sobre essas
manchas, há, também, constelações
de pontos descontínuos, mas interligados, que definem um espaço de
fluxos reguladores”, conformando
forças horizontais (pontos contínuos
no espaço – regiões, em sua definição tradicional) e verticais (pontos
descontínuos, que asseguram o funcionamento global da sociedade e da
economia – circulação, distribuição,
consumo: “fluxos materiais e imateriais que percorrem a superfície terrestre, integrando pontos e áreas diversos”). (SANTOS, 2004, 189)9.
Todos os fenômenos acima discutidos, e outros tantos não abordados, atestam, em maior ou menor
grau, a predominância da racionalidade do capital10 na organização territorial, estabelecendo uma clara hierarquia: os territórios existem e ordenam-se em função de arranjos organizacionais internacionais, responsáveis por uma coesão também
organizacional, baseada na racionalidade das economias mundializadas. Vázquez Barquero (2001,
p.15) ratifica o dito:
A globalização é um processo vinculado ao território, não apenas
porque envolve nações e países,
mas, sobretudo, porque a dinâmica econômica e o ajuste produtivo dependem das decisões sobre investimento
e localização tomadas pelos atores econômicos11, sendo também uma função dos fatores de atração de cada
território. Trata-se, portanto, de
uma questão que condiciona a dinâmica econômica das cidades e
5
Uma das ‘mentiras da Modernidade apontadas por Harris (2004) é a promessa de domínio total
do homem sobre a natureza, e outra, a de que a tecnologia seria capaz de resolver qualquer
problema ambiental provocado pelo modelo entrópico de desenvolvimento. A tecnologia não só
se mostrou ineficaz neste papel, como o seu próprio avanço foi, algumas vezes, barrado por
contingências ambientais.
6
Os conceitos de desenvolvimento sustentável e ecodesenvolvimento serão discutidos no item 2 do
presente artigo.
7
A teoria da desterritorialização ou fim dos territórios é defendida por alguns pensadores que
acreditam que, na contemporaneidade, “o homem pode viver sem território, que a sociedade pode
existir sem territorialidade, como se o movimento de destruição de territórios não fosse sempre,
de algum modo, sua reconstrução em novas bases”. (Haesbaert, 2004, p. 16).
8
Margareth Wertheim (2001, p. 17) exemplifica o fenômeno das fronteiras, do ponto de vista norteamericano: “Há ‘bárbaros’ martelando nossos portões [...]: as ‘hordas latinas’ do sul, que, ao que
nos dizem, iriam exaurir nossos sistemas de seguridade social e assistência médica; há as ‘hordas
amarelas’ da Ásia, que estariam supostamente roubando nossos empregos com sua mão-de-obra
barata e solapando nossa economia com seus aparelhos eletrônicos duvidosos e suas roupas
produzidas em massa”.
9
As noções de horizontalidades e verticalidades serão discutidas no item 2 do presente artigo.
10
O conceito de racionalidade será discutido no item 2 do presente artigo.
11
Grifo nosso.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
13
regiões e que, por sua vez, é afetada pelo comportamento dos atores locais.
Num outro extremo da Pós-Modernidade, emerge o contra-movimento formado por forças, ou contra-forças agindo em direção contrária às
forças de globalização. Estas contraforças têm ação centrípeta – originada e voltada para o local, o regional;
enquanto as forças globalizantes são
centrífugas – voltadas ao mercado/
mundo. (SANTOS, 2004). Este contramovimento não é necessariamente
um movimento de embate, de luta contra as forças da globalização; ao contrário, é um movimento de inserção,
mas que se manifesta no fortalecimento do local e do regional, na busca pelas particularidades que, ao contrário do que se pode pensar num
primeiro momento, não isolam ou individualizam, mas integram, constituindo-se em ‘moeda de troca’ para a
inserção nos fluxos do mercado/
mundo global. A respeito disso, José
Luiz Coraggio, em sua fala, afirma
que a própria globalização pressupõe
a diferenciação:
La celebración de la diferencia no
sólo no se opone sino que está instalada en el discurso sobre la
globalización, lejos de expresar
una contraposición a los procesos
de globalización, el mantenimiento
o incluso la amplificación de las
diferencias entre lugares y sociedades aparece como constitutiva
de aquellos. En términos muy
generales, la complejidad y el
desarrollo de un sistema supone
no la homogeneización sino la
diferenciación creciente (Coraggio,
J. L., 2005, p. 2).
des marcas da Pós-Modernidade) e
como questionamento à racionalidade e aos paradigmas teóricos que
impulsionaram e legitimaram o crescimento em bases puramente econômicas. Estas novas racionalidades e
os pensadores que as gestaram –
entre eles, Leff, que teoriza a racionalidade ambiental; Morin, que apresenta um método para lidar com a
complexidade manifestada nos mais
diversos campos da contemporaneidade; Giddens, que aponta a emergência da sociedade de risco; Brandão e Boff, que falam da necessidade de uma ética inter-específica –
estão imersos no que pode ser entendido como o zeitgeist pós-moderno:
a busca pelos híbridos – expressão
de Bruno Latour (2005) – entre natureza e cultura. Esta busca reflete a
insatisfação com preocupações e
ações unifocais, que desconsideram
suas repercussões em outras áreas12.
E é no ponto de ruptura aí manifesto – que repete a tensão historicamente registrada por outros momentos caracterizados pela busca por
novos paradigmas – que surge espaço para a racionalidade ambiental.
Esta, formada por um conjunto de
interesses e práticas sociais articuladoras de ordens materiais diversas,
que atribuem sentidos e organizam
processos sociais através de certas
regras, meios e fins socialmente constituídos. Processos estes, que especificam o campo das contradições e relações entre a lógica do capital e as leis
da vida; entre a dinâmica dos processos
ecológicos e as transformações dos siste-
As contra-forças são gestadas
socialmente, culturalmente, politicamente e economicamente, através da
ratificação das diferenças territoriais
– como manifestação de outras tantas diferenças. É pela ação das contra-forças que o capitalismo industrial não homogeneíza os espaços,
mas cria, desfaz e refaz unidades específicas, muitas delas configuradas
como regiões (CORRÊA, 1997).
Ainda no campo de ação do contra-movimento, surge espaço para
novas racionalidades emergentes
como resposta à crise (uma das gran-
14
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
mas sócio-ambientais (LEFF, 2004), estando imersos no já referido campo
do hibridismo entre natureza e cultura.
Conseqüentemente, a racionalidade ambiental busca por uma análise da crise – e dos riscos nela presentes – cujo ponto de partida é uma
aproximação conjunta entre as Ciências, especialmente as Sociais e Ambientais. Nada mais necessário, quando se trata de lidar com problemáticas
de cunho sócio-ambiental 13.
Nesta perspectiva, a racionalidade
ambiental embasa uma visão de território que parte da própria concepção deste enquanto um híbrido de
sociedade + natureza, ou seja, de
meio ambiente, política, economia e
cultura; de objetos materiais e objetos ideais; de movimento e estabilidade ou fixos e fluxos, como afirma
Milton Santos (2004). Este território
híbrido abre espaço para o diálogo
entre as múltiplas manifestações de
poder, do mais macro – verticalizado,
proveniente das ações políticas estatais nacionais e dos poderes organizacionais globalizados, ao mais
micro – horizontalizado, expressão
das múltiplas territorialidades que
podem coexistir em diferentes escalas territoriais e podem emergir como
manifestações culturais, identitárias,
expressões da diversidade e da cidadania.
É neste território híbrido que as
regiões voltam à cena como escalas
intermediárias entre o nacional e o
global, continentes e conteúdos das
escalas locais, que podem configurar-se em espaços das particularida-
12
Os problemas do crescimento econômico ‘desencaixado’ dos demais aspectos, especialmente os relacionados à capacidade de suporte dos sistemas naturais, acabaram por gerar a necessidade de uma nova
definição para a sociedade capitalista que - para muitos pensadores, entre eles Ulrich Beck e Anthony
Giddens (1997) - não é mais uma sociedade de classes, mas uma sociedade de risco. Denominação
esta, baseada na lógica negativa da distribuição de males sociais e pessoais. A teoria dos riscos pode
ser compreendida enquanto uma resposta da teoria social à degradação do ambiente e à política
de ambiente. Busca localizar as origens e conseqüências da degradação do ambiente precisamente no
centro de uma teoria da sociedade contemporânea, em vez de considerá-la um elemento periférico ou
uma reflexão teórica a posteriori. Para esclarecer ainda mais acerca da sociedade de risco, David
Goldblatt (1996, p. 228), explica que “A sociologia de Beck e as sociedades que ela descreve são
dominadas pela existência de ameaças ecológicas e pela forma como as entendemos e lhes reagimos. Na
realidade, podemos ser levados ao ponto de afirmar que a sociedade de risco é firmada e definida pela
emergência destes perigos ecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos”.
13
A racionalidade ambiental pressupõe uma ‘união de forças’, que evitaria os problemas de abordagens
unifocais por parte das Ciências Sociais que, em geral, desconhecem as especificidades dos importantes processos naturais que ocorrem nos territórios e suas implicações na implementação de intervenções locais, regionais ou mesmo globais, e das Ciências Ambientais, que ignoram a complexidade dos
fenômenos sociais e a forma como estes interferem nas estruturas naturais. O diálogo entre ambas as
especificidades científicas parece ser a chave para o delineamento de propostas coerentes para um
desenvolvimento assentado em outras bases.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
des, das individualidades, do convívio das multiplicidades, do exercício do micropoder cidadão, capaz
de interagir e integrar-se às demais
escalas.
Para que isso ocorra, o próprio
processo de ordenamento territorial
expresso na regionalização precisa
ser repensado; os parâmetros que
determinam a regionalização dos
territórios precisam ir além daqueles impostos pela racionalidade do
capital; precisam constituir-se em
parâmetros que partam dos preceitos de sustentabilidade, justiça ambiental e exercício da cidadania – a necessidade destes parece constituir-se em
unanimidade na percepção dos estudiosos das crises contemporâneas.
2. Racionalidade e Desenvolvimento
Conforme já afirmado anteriormente, cada concepção de natureza
está atrelada a uma determinada
racionalidade14, e também (a partir da
Antigüidade, nos povos ditos ‘civilizados’) a um ideal de desenvolvimento.
A maneira de entender a natureza
mudou bastante desde os povos primitivos até a Pós-Modernidade, tantas vezes quantas transformou-se a
matriz racional da humanidade.
Dessa forma, o meio ambiente ou a
natureza apropriada que emerge na
Sociedade Industrial Moderna, pensada a partir da racionalidade capitalista, voltada ao desenvolvimentismo, ao
progresso e ao crescimento econômico15,
tem seu contraponto no meio ambiente
da sociedade Pós-Industrial ou Pós-Moderna, com a emergência de uma nova
racionalidade16, chamada por Enrique Leff (2004) de racionalidade ambiental, que se coloca como uma alternativa à racionalidade do capital.
O processo civilizatório da modernidade fundou-se em princípios de
racionalidade econômica e instrumental que moldaram as diversas
esferas do corpo social: os padrões
tecnológicos, as práticas de produção, a organização burocrática
e os aparelhos ideológicos do Estado. A problemática ecológica
questiona os custos socioambientais derivados de uma racionalidade produtiva fundada no cálculo econômico, na eficácia dos sis-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
temas de controle e previsão, na
uniformização dos comportamentos sociais e na eficiência de seus
meios tecnológicos. A questão ambiental estabelece assim a necessidade de introduzir reformas democráticas no Estado, de incorporar
normas ecológicas ao processo econômico e de criar novas técnicas
para controlar os efeitos contaminantes e dissolver as externalidades
socioambientais geradas pela lógica do capital (LEFF, 2004, p. 133).
Para que se possa compreender o
surgimento desta contraposição de
racionalidades e sua influência sobre os rumos do desenvolvimento,
pode-se partir das considerações do
filósofo Bruno Latour, em sua obra
Jamais Fomos Modernos, publicada em
1991. Latour é um dos autores que
aponta o surgimento de uma crise,
marcada especialmente pelo ano de
1989, com a queda do muro de
Berlim e, simbolicamente, do socialismo. Deste fato emergem algumas
considerações importantes, dentre
elas a conclusão de que o socialismo, ao tentar acabar com a exploração do homem pelo homem, multiplicou-a indefinidamente; com a
queda do Socialismo Real, o Ocidente liberal, ou seja, o capitalismo, se
autoproclama ‘vencedor da guerra
fria’.
Mas este triunfo dura pouco. Em
Paris, Londres e Amsterdã, neste
mesmo glorioso ano de 1989, são
realizadas as primeiras conferên-
cias sobre o estado global do planeta, o que simboliza, para alguns
observadores, o fim do capitalismo e de suas vãs esperanças de
conquista ilimitada e de dominação total sobre a natureza. Ao tentar desviar a exploração do homem pelo
homem para uma exploração da natureza pelo homem 17 , o capitalismo
multiplicou indefinidamente as
duas. O recaldo retorna e retorna
em dobro: as multidões que deveriam ser salvas da morte caem aos
milhões na miséria; as naturezas
que deveriam ser dominadas de
forma absoluta nos dominam de
forma igualmente global, ameaçando a todos. Estranha dialética
esta que faz do escravo dominado
o mestre e dono do homem, e que
subitamente nos informa que inventamos os ecocídios e ao mesmo
tempo as fomes em larga escala.
(Latour, 2005, p. 14).
Conforme visto, Latour discorre
sobre um período de mudanças,
apontando para a existência de uma
simetria entre a queda do ‘muro da
vergonha’ e o ‘fim da natureza ilimitada’.
Frente a esta realidade, o antropólogo Marvin Harris (2004), concorda com Latour sobre uma evidente quebra das promessas da Modernidade, uma delas, a já citada promessa de domínio total do homem sobre a
natureza, e outra, a de que a tecnologia
seria capaz de resolver qualquer problema ambiental provocado pelo modelo entrópico de desenvolvimento. A
tecnologia não só se mostrou inefi-
14
O conceito de racionalidade é introduzido por Max Weber “para caracterizar a forma capitalista da
atividade econômica, a forma burguesa das trocas ao nível do direito privado e a forma burocrática da
dominação. A racionalização designa, em primeiro lugar, a extensão dos domínios da sociedade que se
acham submetidos aos critérios de decisão racional. Paralelamente assistimos a uma industrialização do
trabalho social, o que faz com que os critérios da atividade instrumental penetrem também em outros
domínios da existência (urbanização do modo de vida, tecnicização das trocas e das comunicações). Nos
dois casos, o que se vai impondo é um tipo de atividade racional com respeito a um fim (Zweckrational): em um, refere-se à organização de certos meios; em outro, trata-se da escolha entre os
termos de uma alternativa” (Habermas, 1968, apud Santos, 2004, p. 289). Milton Santos (2004, p.
289-290) cita Jürgen Habermas quando este afirma que racionalização designa, em primeiro lugar, a
extensão dos domínios da sociedade submetidos aos critérios de decisão racional: “A superioridade do
modo de produção capitalista em relação aos que o precederam deve-se a duas coisas: o aprimoramento
de um mecanismo econômico que torna permanente a expansão dos subsistemas de atividade racional
com respeito a um fim e a elaboração de uma legitimação econômica que permite ao sistema de
dominação adaptar-se às novas exigências de racionalidade desses subsistemas em via de desenvolvimento. É esse processo de adaptação que Max Weber concebe como uma ‘racionalização’”.
15
Para Herbert Marcuse, “no desenvolvimento da racionalidade capitalista, a irracionalidade se converte em razão: razão como desenvolvimento frenético da produtividade, como conquista da natureza,
como incremento da riqueza de bens; mas irracional, porque a alta produção, o domínio da natureza
e a riqueza social se convertem em forças destrutivas” (Leff, 2004, p. 136).
16
A emergência desta racionalidade está ligada a algumas correntes de pensamento, não sendo hegemônica,
como, de fato, nenhuma racionalidade foi, é, e muito provavelmente, não o será.
17
Grifo nosso.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
15
“
... a humanidade
gerou padrões de
crescimento que se
traduzem pela
incorporação predatória
de recursos naturais no
fluxo da renda...
”
caz neste papel, como o seu próprio
avanço foi, algumas vezes, barrado
por contingências ambientais.
Ignacy Sachs (1996) aponta para
o fato de que a humanidade gerou
padrões de crescimento que se traduzem pela incorporação predatória de
recursos naturais no fluxo da renda, o
que implicou numa descapitalização
da natureza, falando em termos econômicos; ao mesmo tempo, gerou
poluição; logo, o sistema de produção
atual produz riqueza, mas esta produção é acompanhada da reprodução ampliada da pobreza e da exclusão social,
além da degradação ambiental.
Ou seja, a racionalidade do capital
demonstrou que, sozinha, é ineficaz
e que crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento, daí se
pode concluir que não é pela aceleração do crescimento econômico que
se resolvem os problemas de distintas ordens, principalmente porque a
maioria desses problemas é resultado daquele modelo de desenvolvimento. Então, a questão que emerge
apontada por Ignacy Sachs (1996) é:
como passar a um outro paradigma de
desenvolvimento?
Neste sentido, o caminho parece
ser longo. A busca por este novo paradigma (conforme já citado anteriormente) remonta ao ano de 1972, com
Limits to Grow, do Clube de Roma e
Only one Earth, de Ward e Dubos, este
último publicado como conseqüência da Conferência de Estocolmo;
ambos “destacando o elemento humano como protagonista principal
na manutenção do equilíbrio planetário”. (SATO, 1997, p. 36).
Um novo modelo de desenvolvimento aparece nomeado pela primeira vez em 1973, quando Maurice
Strong, referindo-se às áreas pobres
16
do continente africano, utiliza o termo eco-desenvolvimento, popularizado pelo Relatório Brundtland (1987)
e consolidado na Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92
(1992), como desenvolvimento sustentável.
O Relatório Brundtland – Our
Common Future – define desenvolvimento sustentável como “aquele que
atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias
necessidades”. (Dias, 1998, p. 47). A
Comissão Brundtland afirmava que
o conceito de desenvolvimento sustentável não envolvia limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social sobre os recursos ambientais,
e pela capacidade da biosfera para
absorver os efeitos das atividades
humanas. Reconhecia também, que
Our Common Future não oferece um
plano detalhado de ação, apenas sinalizando um caminho para que os
povos do mundo pudessem ampliar
suas formas de cooperação em busca do desenvolvimento sustentável.
(LEMOS, 1995).
Na frase acima grifada, percebese que o desenvolvimento aparece
como limitado pela fase atual de adiantamento da tecnologia em relação à sociedade e ao meio ambiente. Desta consideração transparece o contexto de
crise do modelo de produção capitalista no qual o conceito é cunhado. O Relatório Brundtland, nas entrelinhas, diz: é preciso crescer quantitativamente, mas a tecnologia ainda
não avançou a tal ponto de se poder
desrespeitar/ignorar os limites sociais e ambientais. Fica claro que a
racionalidade que guiou tal conceituação é a racionalidade do capital.
Daí os ‘problemas’ de tantos pensadores da crise sócio-ambiental com
relação ao termo desenvolvimento sustentável.
Atualmente, Michèle Sato (1997)
aponta para a existência de mais de
800 definições para desenvolvimento
sustentável. Almeida (1995 apud Sato,
1997) classifica estas definições dentro de quatro modelos de interação
homem-natureza, quais sejam: o modelo de desenvolvimento cooperativo,
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
que se dá pelo estabelecimento de
interações com ganhos mútuos para
o ser humano e para o ambiente,
comumente encontrado em sociedades tribais; o competitivo, caracterizado por perdas mútuas e complexas, como as ocorridas em Nagasaki
e Chernobyl; o conflitivo egoísta, marcado por ganhos econômicos e perdas ambientais, sendo o mais comum de todos, ocorrendo desde a
Antigüidade; e o conflitivo altruísta,
que utiliza o modelo de proteção da
natureza e do gerenciamento ambiental, como o ocorrido nas unidades
de conservação. Daí advém que alguns modelos de desenvolvimento
que se pautam na sustentabilidade
não se encontram assentados somente na lógica do capital; isso, de
acordo com as tipologias de Almeida, ocorre no desenvolvimento cooperativo, no qual desponta de forma
mais evidente a racionalidade ambiental. Tal racionalidade, por ser legitimadora de práticas sociais – como
qualquer racionalidade – abre novas
perspectivas ao processo de desenvolvimento, permitindo pensar em
princípios éticos e potenciais ambientais, propondo uma transformação
nos processos econômicos, políticos,
tecnológicos e educativos, rumo à
construção de uma racionalidade
social e produtiva alternativa (LEFF,
2004).
Enrique Leff (2004, p. 135) explica que a racionalidade ambiental
integra os princípios éticos, as bases materiais, os instrumentos técnicos e jurídicos e as ações orientadas para a gestão democrática e sustentável do desenvolvimento. Desse
modo, “converte-se num conceito
normativo para analisar a consistência dos princípios do ambientalismo
em suas formações teóricas e ideológicas, das transformações institucionais e programas governamentais, assim como dos movimentos
sociais, para alcançar estes fins”.
Para chegar aos seus citados fins, a
racionalidade ambiental precisa ser
construída mediante a articulação
de quatro esferas (LEFF, 2004):
– a racionalidade substantiva: um
sistema axiológico que define os valores e objetivos que orientam as
ações sociais para a construção de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
uma racionalidade ambiental, na
qual estão implícitas sustentabilidade ecológica, eqüidade social, diversidade cultural e democracia política;
– a racionalidade teórica: sistematiza os valores da racionalidade substantiva articulando-os com os processos ecológicos, culturais, tecnológicos, políticos e econômicos que constituem as condições materiais, os potenciais e as motivações que sustentam a construção de uma nova racionalidade social e produtiva;
– a racionalidade instrumental: cria
os vínculos técnicos, funcionais e
operacionais entre os objetivos sociais e as bases materiais do desenvolvimento sustentável, através de
um sistema de meios eficazes;
– a racionalidade cultural: sistema
singular e diverso de significações
que não se submetem a valores homogêneos nem a uma lógica ambiental geral; produz a identidade e a
integridade de cada cultura, dando
coerência a suas práticas sociais e
produtivas em relação com as potencialidades de seu entorno geográfico e de seus recursos naturais.
Dessa forma, a relevância da racionalidade ambiental parece residir no fato de que ela permite incluir
as questões ambientais dentro das problemáticas sociais, orientando o saber
e as pesquisas para o campo estratégico do poder e da ação política.
Neste sentido, já em 1996, Ignacy
Sachs sugere que o desenvolvimento esteja submetido a alguns condicionantes, os quais, embora o autor
não se refira na época, ao termo racionalidade ambiental, parecem estar nela assentados ou, ao menos,
parecem extrapolar a racionalidade
do capital. Quais sejam esses condicionantes:
– o condicionante ambiental, que
por muitos é interpretado em termos
éticos como a solidariedade com as gerações futuras, mas que parece mais
relacionado à solidariedade sincrônica e diacrônica com a humanidade;
– a eficiência econômica, interpretada do ponto de vista social e não
empresarial, já que pode haver situações de alta rentabilidade, mas que
se traduzem em custos sociais e
ambientais externalizados; portanRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
to, o que parece muito eficiente no patamar micro, pode ser considerado como
socialmente ineficiente;
– o critério cultural, ou seja, a impossibilidade de forçar padrões ou
paradigmas de desenvolvimento que
não correspondam à cultura de um
dado grupo ou povo;
– o critério territorial, já que o problema da distribuição — ou mesmo
má distribuição — dos homens e das
atividades humanas no Planeta é
certamente um dos elementos essenciais da crise sócio-ambiental.
A respeito deste último critério, é
indiscutível a existência de uma forte dimensão territorial no desenvolvimento. E é a partir desta consideração que a região desponta como uma
escala especialmente propícia para
se pensar em um desenvolvimento
equânime do ponto de vista social,
ambiental e econômico, baseado em
relações de horizontalidades18, como
propõe Milton Santos (2004), ou seja,
fundamentado em uma nova racionalidade.
3. A Regionalização na Contemporaneidade
A organização do espaço, o ordenamento territorial e o planejamento de
ações de gestão e desenvolvimento são
os principais objetivos dos processos de regionalização na contemporaneidade (PUJADAS; FONT, 1998).
“
Em sentido
amplo, a regionalização
pode ser entendida
enquanto ação no
sentido de organizar um
espaço em regiões...
”
Etienne Juillard19 (1994, p. 290) corrobora esta afirmação ao dizer que
“cada vez más, en los medios de
actuación económica y social, se
piensa el desarrollo en términos de
ordenación del territorio, de
regionalización”.
Em sentido amplo, a regionalização pode ser entendida enquanto
ação no sentido de organizar um espaço
em regiões (BEZZI, 2004). Porém, constituindo-se na operacionalização
das diferentes abordagens de região,
a própria regionalização é compreendida de formas distintas por autores diversos, ocorrendo transformações no sentido do termo relacionadas às próprias transformações
ocorridas no mundo.
Segundo autores como Maria
Ângela Faggin Pereira Leite (1994),
Roberto Lobato Corrêa (1997) e Milton Santos (1996), o significado de
regionalização se evidencia com o
desenvolvimento de técnicas de produção que, pela percepção da diver-
18
Para Milton Santos (2004), as horizontalidades e verticalidades são relações entre as ‘coisas e seus
fenômenos’ desenvolvidas no ‘espaço banal’, entendido como espaço de todas as pessoas, empresas e
instituições, podendo ser descrito enquanto sistema de objetos animado por um sistema de ações.
Santos (Idem) entende que, atualmente, os arranjos espaciais não se dão apenas através de figuras
formadas por pontos contínuos e contíguos, supondo haver, igualmente, constelações de pontos
descontínuos, porém interligados, definindo um espaço de fluxos reguladores. E é neste contexto de
segmentações e partições presentes no espaço que o autor percebe os recortes de horizontalidades e
verticalidades: “De um lado há extensões formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade,
como na definição tradicional de região. São as horizontalidades. De outro lado, há pontos no espaço
que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. São
as verticalidades”. (Santos, 2004, p. 284). Santos (Idem, p. 285) segue afirmando que as verticalidades
criam interdependências hierárquicas, baseadas especialmente na informação ao serviço das forças
econômicas hegemônicas e ao serviço do Estado, funcionando como regentes das ações que definem
as novas realidades espaciais, na maioria das vezes homogeneizadas em função da “perda correlativa da
capacidade de gestão da vida local”. Neste sentido, as horizontalidades caracterizam-se como contraponto,
sendo, para Santos (2004, p. 286), tanto o lugar da finalidade imposta de fora, de longe e de cima,
quanto o da contrafinalidade, localmente gerada. “Elas são o teatro de um cotidiano conforme, mas não
obrigatoriamente conformista e, simultaneamente, o lugar da cegueira e da descoberta, da complacência e da revolta”.
19
Ettienne Juillard, juntamente com Jean Labasse, Pierre George, Michel Rochefort, Raymond Dugrand,
Philippe Pinchemel, Bernard Kayser, entre outros, membros da corrente da Geografia Ativa, discutem
região pela perspectiva do desenvolvimento desigual, colocando-a como objeto de intervenção da ação
humana. Os trabalhos desses autores expõem o quanto a base regional do território francês foi
destruída ante o desenvolvimento capitalista; demonstram igualmente o quanto o território francês está
voltado unicamente para Paris. (LENCIONI, 2003).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
17
sidade dos lugares, desenvolveram-se
a partir do uso dos recursos disponíveis.
Dessa forma, para Mints (apud
LEITE, 1994), a base do processo de
formação de uma região é constituída pelo trabalho social organizado
segundo certas formas técnicas aplicadas a uma determinada combinação de recursos naturais.
Para Roberto Lobato Corrêa (1986),
os conceitos de região e de regionalização, estando atrelados ao modo de
produção, e considerando-se que
este muda no decorrer do tempo, não
podem ser definitivos e imutáveis,
constituindo-se em construções históricas. Este autor (1986, p. 44) ainda
afirma que os próprios mecanismos
de regionalização não são sempre os
mesmos, mudando segundo as transformações ocorridas na história do
homem, “marcada pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela
dinâmica da sociedade de classes e
de suas lutas”, tornando-se – o processo de regionalização – cada vez
mais complexo.
Dessa forma, é no modo de produção capitalista que o processo de
regionalização se acentua, estando
marcado pela simultaneidade dos
artifícios de diferenciação e integração, verificada no interior da constante mundialização da economia a
partir do século XV. Sob a égide do
capital, os mecanismos de diferenciação de áreas tornam-se mais claros,
sendo eles (CORRÊA, 1986, p. 44-45):
• a divisão territorial do trabalho,
que define o que será produzido e
onde;
• o desenvolvimento dos meios e
técnicas de produção e a combinação das relações de produção
originadas em momentos distintos da história, que definem o como
se realizará a produção;
• a ação do Estado e a ideologia,
que se espacializam desigualmente, garantindo novos modos
de vida e a pretensa perpetuação
destes;
• a ampla articulação, através dos
progressivamente mais rápidos e
eficientes meios de comunicação
entre as regiões criadas ou transformadas pelo e para o capital.
18
Desse modo, compreendida enquanto processo, a regionalização
comporta diferentes metodologias,
todas ligadas a abordagens diversas, conforme explica Paulo Affonso
Soares Pereira (2000) em sua tipologia:
• Regionalização como Diferenciação
de Áreas: aqui a paisagem geográfica constitui o próprio método de
regionalização, ou seja, a região é
a área coincidente à determinada
paisagem geográfica;
• Regionalização como Classificação:
o espaço terá tantas regiões quantas forem as classificações adotadas para analisá-lo. Esta forma de
regionalização trata o espaço de
modo multivariado, setorizado e
mesmo desagregado de sua complexa constituição;
• Regionalização como Instrumento de
Ação: associada às teorias econômicas de desenvolvimento regional – supõe planejamento regional como estratégia de desenvolvimento econômico. A região passa a ser vista como sinônimo de
‘espaço econômico’, sendo homogênea ou funcional;
• Regionalização como Processo: parte da idéia de que as diferenciações regionais são frutos de processos sociais e econômicos20.
A região enquanto escala de planejamento ou mecanismo de ordenamento territorial – instrumento de ação,
segundo a tipologia de Pereira (2000)
– foi/é bastante estudada pela chamada Ciência Regional, surgida na
Geografia, mas à qual se agregaram
pesquisadores de diferentes áreas,
constituindo um dos ramos mais recentes das Ciências Sociais e Econômicas. Oficialmente, a Ciência Regional foi fundada em 1954, pelo economista espacial Walter Isard, junto a uma associação chamada Regional Science Association (BENKO,
1999).
Na contemporaneidade, a região
enquanto escala de planejamento
emerge como resposta local ao pro-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
20
“
A Pós-Modernidade
trouxe à pauta
discussões sobre o fim
do Estado...
”
cesso de globalização capitalista,
formador do que Sandra Lencioni
(2003, p. 177) caracteriza como “um
contexto de desenvolvimento global
e de internacionalização de todas as
esferas da vida humana”, marcado
por uma “crescente intensificação
da determinação do caráter internacional sobre o nacional”.
A Pós-Modernidade trouxe à pauta discussões sobre o fim do Estado,
o fim do território, a existência dos
não-lugares e, também a negação da
região. A escala regional tende a não
fazer sentido: como uma entidade
espacial baseada na diferenciação
de áreas pode sobreviver à homogeneização globalizante?
Otávio Ianni (1993 apud LENCIONI, 2003, p. 191) contribui com as reflexões sobre esta questão quando
afirma que a globalização não apaga as desigualdades nem as contradições que constituem parte importante da vida social nacional e mundial. “Ao contrário, desenvolve
umas e outras, recriando-se em outros níveis, com novos ingredientes.
As mesmas condições que alimentam a interdependência e a integração alimentam as desigualdades e
contradições, em âmbito tribal, regional, nacional, continental e global”.
Já Milton Santos (1999, p. 197)
afirma que “a região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo homem”. O
autor procura mostrar que o processo de globalização é também um processo de fragmentação, significando,
assim, além da globalização, individualização e regionalização.
Por isso é que a região se recompõe como um nível decisivo de análise. Aqueles que vêem o fim da
região argumentam que o seu desaparecimento deve-se à anulação
Herbert Klarmann (1999) ainda aponta uma quinta forma de regionalização, proposta por Duarte
(1980): regionalização e totalidade social – que considera a região como reflexo espacial da
totalidade social, o que significa ver a região como um produto da sociedade.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
das diferenciações regionais decorrentes da expansão do capital hegemônico em todo o planeta. Milton
Santos (SANTOS, 1996, p. 196-197)
observa que, com o espaço tornado
mundial, as regiões ‘são o suporte
e a condição de relações globais que
de outra forma não se realizariam’
Regiões com formas e conteúdos em
constante mudança, diríamos ainda, mudanças bastante voláteis. O
fato de as formas e conteúdos terem movimentos acelerados não
significa o desaparecimento da região. Atualmente, segundo expressão de Milton Santos, as regiões têm
uma menor duração de seu edifício
regional, ao mesmo tempo que são
mais complexas em comparação às
construções regionais de antigamente. (LENCIONI, 2003, p. 192-193).
“
Para Bertha Becker (1990), a ‘nova
regionalização’ e o rompimento das
divisões administrativas oficiais são
resultado da interação conflituosa
de suas malhas: a programada, ou
técnico-política, das grandes redes
e territórios impostos pelo Estado, e
a sócio-política, constituída pelo espaço vivido dos grupos sociais.
Atentando para as considerações
feitas até este ponto, e tendo em conta a ‘mutabilidade’ da ação regionalizante e a necessidade de eficácia
da escala regional – isso em consonância com os objetivos da pesquisa,
voltados aos parâmetros utilizados
na regionalização – a definição de
regionalização adotada na presente
pesquisa refere-se à formação e transformação de regiões, ou seja, uma
regionalização que seja “mais que o
método de identificar regiões, passando a ser conceitualmente o processo
de formação de regiões”. (DUARTE,
1980 apud PEREIRA, 2000, p. 66)21.
4. Discussões e Considerações Finais
Pensar a região como escala de
desenvolvimento no mundo globalizado contemporâneo, implica – indiscutivelmente – em assumir um ‘outro’ processo de desenvolvimento.
Mas este ‘outro’ processo pode
não pressupor, necessariamente,
novas bases, novas racionalidades.
Ao contrário, pode assumir um padrão igualmente cruel e excludente,
caso os processos de regionalização
mantenham-se atrelados ao modelo
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A gestão territorial
a partir de bacias hidrográficas passa a ser
realidade no Brasil a
partir da implementação
da Política Nacional de
Recursos Hídricos...
”
de desenvolvimento dominante, voltado unicamente para a lógica do
capital, centralizador ou concentrador das instâncias de decisões e levado a cabo à revelia da participação social.
No movimento para que a efetivação de um processo de institucionalização de regiões que sejam palcos
para este novo modelo de desenvolvimento, evidencia-se a necessidade de novos instrumentos ou parâmetros de regionalização.
A gestão territorial por bacias hidrográficas e o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumentos
de ordenamento territorial que, segundo seus objetivos e propostas,
parecem ter – ao menos idealmente
– como pressupostos, dentre outros,
a sustentabilidade, a justiça ambiental
e o exercício da cidadania, apresentam
características relevantes para o processo de regionalização dos territórios com base em novos parâmetros.
As bacias hidrográficas – por constituírem-se em unidades naturais,
diretamente relacionadas com o fornecimento da água, imprescindível
para a manutenção da vida, dotadas
de um grande e comprovado poder
de resiliência frente às agressões –
há muito têm reconhecido o seu papel estratégico no processo de desenvolvimento.
A percepção dos problemas de
origem sócio-ambiental a assolarem
as áreas de drenagem dos rios, locais historicamente ocupados desde
o processo de colonização do Brasil,
e a conseqüente perda na qualidade
de vida da população, torna as bacias
21
hidrográficas objeto de atenção por
parte dos planejadores.
A gestão territorial a partir de bacias hidrográficas passa a ser realidade no Brasil a partir da implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos, instituída pela Lei nº. 9.433,
de janeiro de 1997, que cria o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos e
institui a bacia hidrográfica como
unidade de gestão. Os recursos hídricos
passam a ser geridos no contexto de
suas bacias pela constatação de que a
problemática de disponibilidade e
qualidade dos mesmos está vinculada a processos naturais sistêmicos
que estão diretamente relacionados
ao clima, à vegetação, à fauna, ao
substrato de solo, etc. Além disso, a
gestão de bacias passa a ser uma gestão territorial, porque é impossível
pensá-la em separado da realidade
sócio-econômica-cultural – marcada
pela relação sociedade-natureza.
Assim, a gestão territorial a partir de bacias, expressa através da regionalização dos Comitês de Gerenciamento de Bacias parece estar
em acordo com a racionalidade ambiental e apresentar potencialidades
para embasar um processo de regionalização novo, capaz de definir regiões-palcos para um novo projeto de
desenvolvimento. Isso porque, pressupõe o trato com problemáticas de
ordem sócio-ambiental, remetendo
diretamente aos preceitos:
– da sustentabilidade: em sentido
amplo, abarcando questões sociais,
econômicas e ambientais, relacionadas à sustentabilidade da vida humana – inclusive no que se refere aos
sistemas produtivos – e à vida animal e vegetal;
– da participação popular: através
da formação de órgãos gestores
deliberativos que podem ser semelhantes aos Comitês de Gerenciamento de Bacias, que constituam-se
em fóruns de discussão e deliberação a respeito da totalidade das
ações a serem tomadas em relação à
região e, conseqüentemente;
– da justiça ambiental: no que se
refere à garantia de uma distribuição justa dos riscos causados por al-
Dessa forma, observa-se que, em contraposição à regionalização, há um processo diferenciado, a
delimitação de regiões, procedimento que faz referência exclusivamente à subdivisão de espaços.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
19
terações na região da bacia hidrográfica, que influirão, mais ou menos diretamente, na qualidade de
vida da população (poluição, maucheiro, mortandade de peixes, queda
na qualidade e disponibilidade de
água para consumo humano, animal
e aproveitamento em atividades produtivas, etc.). A justiça na distribuição dos riscos deverá ser garantida
pelos preceitos anteriores, sustentabilidade e exercício da cidadania
através da participação popular.
Além do que – uma regionalização
que considere os conflitos sócioambientais, não necessariamente relacionados às divisões político-administrativas propostas pelo IBGE, nem
sequer com as fronteiras que separam os países – poderia suplantar
as divisões regionais nacionais e
setoriais, possibilitando uma visão
mais ampla e sistêmica das realidades regionais; respeitando limites
físico-geográficos coerentes com unidades ambientais que compõem sistemas interdependentes, e não limites criados arbitrariamente por órgãos governamentais; garantindo
uma maior coerência na feitura e
aplicabilidade das políticas públicas; contribuindo mesmo para que
diferentes nações, em conjunto, passem a discutir alternativas de desenvolvimento.
As regiões assim criadas constituir-se-iam em unidades supranacionais, instituições administrativas
descentralizadas e articuladas entre
si. Mais do que em qualquer outra
situação, seriam palcos da diferença e da pluralidade, unidas pelo que
parece ser o fio de Ariadne em relação ao futuro da humanidade: as
variáveis ambientais, especialmente aquelas relacionadas à disponibilidade e qualidade da água, substância sem a qual é impossível pensar qualquer modelo de desenvolvimento, porque impossível pensar a
existência da vida.
Quanto ao ZEE, no que se refere
aos preceitos de sustentabilidade,
participação popular e justiça ambiental, tem-se:
– sustentabilidade: no texto dos documentos oficiais do ZEE – especialmente nas Diretrizes Metodológicas para o Zoneamento Ecológico-
20
Econômico do Brasil (2001, p. 26) há
uma especificação de que, para orientar sua operacionalização, o ZEE
deve considerar alguns princípios
políticos fundamentais e a sustentabilidade está entre eles, equivalendo ao Princípio 2, cujo texto remete à
sustentabilidade ecológica e econômica,
afirmando que:
A sustentabilidade visa desenvolver a sociedade e proteger os recursos naturais, de acordo com
suas potencialidades ecológicas,
econômicas e sociais. A premissa
básica considera a existência de
potencialidades e limitações diferenciadas a vários tipos de usos.
Os recursos naturais devem ser utilizados considerando-se os impactos diretos e indiretos para a sociedade e para a natureza. A noção
de escassez relativa coloca limites
nas opções atuais e futuras de ocupação do território e uso dos seus
recursos.
O viés economicista é claramente privilegiado neste conceito de
sustentabilidade, enquanto a sustentabilidade em uma visão mais coerente com novas racionalidades,
está implícita em outros pressupostos do ZEE, como a abordagem multidisciplinar e sistêmica e, com relação
aos aspectos técnicos, a feitura dos
diagnósticos físico-bióticos, sócio-econômicos e jurídico-institucionais.
A participação popular está citada
no Princípio 3, intitulado Participação Democrática, cujo texto diz que
o ZEE só pode ser legitimado através da participação social, na forma
de redistribuição do poder entre as
esferas pública e privada,
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
[...] aí incluída a ampliação de
parcerias entre os diversos níveis
da administração pública (federal,
estadual e municipal) e entre estes
e as organizações do chamado terceiro setor e as instituições privadas. Para ter viabilidade política,
o ZEE demanda abertura à participação de segmentos sociais interessados, que tenham acesso às
informações relativas ao andamento dos trabalhos e aos produtos
gerados, conforme preceitua a
Constituição Federal no artigo 5º,
incisos XIV e XXXIII. Na construção do ZEE, o processo de participação demanda mobilização dos
órgãos públicos afins e dos seg-
mentos sociais interessados. No
âmbito das instituições de Governo, este passo busca o envolvimento técnico (gerentes, coordenadores, especialistas, etc.) e político
(representantes oficiais, lideranças,
formuladores de políticas, etc.)
orientando os esforços para integrar ações e otimizar resultados.
Dentre os segmentos sociais, busca-se apreender e disseminar conceitos básicos, concentrando esforços para estimular parcerias e compartilhar ações comuns. (Diretrizes Metodológicas para o Zoneamento Ecológico-Econômico do
Brasil, 2001, p. 26-27).
Uma crítica a se fazer neste ponto,
é que a participação da população
parece ser requerida apenas para legitimar a aceitação das intervenções
propostas pelo ZEE e não no sentido
de orientar o instrumento para as
necessidades e objetivos da população a ser diretamente atingida.
– no que se refere à justiça ambiental, os documentos que apresentam a proposta de ZEE para o território nacional não consideram diretamente este preceito. Porém, se voltado à sustentabilidade e se contar
com a efetiva participação das populações dos territórios a serem zoneados, conseqüentemente estará
voltado à efetivação da justiça ambiental.
Apesar de todas as críticas feitas
ao ZEE – especialmente durante a
sua aplicação nos estados da Amazônia Legal – não se pode desconsiderar as possíveis contribuições deste instrumento num processo de
ordenamento territorial sistêmico.
O ZEE, tendo sua metodologia
focada numa visão legitimamente
sistêmica do território, e sendo considerado verdadeiramente como instrumento para o tratamento dos conflitos de uso de recursos e de distribuição das atividades nos territórios e
não como tendo um fim em si mesmo,
pode contribuir para a mudança nos
rumos do desenvolvimento a partir
da racionalidade ambiental.
Sem contar que o ZEE, através de
suas interfaces com a gestão das bacias hidrográficas, pode constituirse em importante meio para a inserção das variáveis ambientais no
novo processo de regionalização
proposto.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Falar na inserção das variáveis
ambientais no processo de ordenamento territorial, especialmente no
que se refere aos seus rumos e aos
interesses nele imbricados, faz menção a uma reflexão há muito posta
por pensadores como Habermas,
Marcuse, Lévy-Strauss, a qual gira
em torno da idéia de que a ciência e
a técnica subordinam a dominação
humana da natureza a uma dupla
dominação dos homens. Isso se dá,
segundo o antropólogo Carlos Roberto Brandão (1994), primeiro, por
meio de uma subordinação entre
homens e, em segundo lugar, por
meio da subordinação dos homens
a um sistema que os exclui em troca
de bens, ao torná-los cativos servos
dos senhores do aparato, dentro de redes onde valem apenas a utilidade e
o interesse.
Assim, repensar as formas de desenvolvimento e o ponto de chegada destas, o seu resultado final, é estabelecer uma ponte entre o Do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau (1762:2002), que levou a sociedade humana até o ponto de conflito da atualidade e O Contrato Natural, de Michel Serres (1990), baseado
na ética sociedade-natureza. É preciso considerar, como sugere Serres,
que existe um ou muitos equilíbrios
naturais e humanos ou sociais, mas
que falta refletir, construir e colocar
em ação um novo equilíbrio global
entre esses dois conjuntos, buscando derivações diversas das alcançadas até o momento. É isso o que os
resultados das análises da pesquisa desenvolvida propõem.
Estas considerações, então, juntam-se ao desejo propositivo de mudanças que sempre moveu e – espera-se
– moverá, as ações humanas frente
aos impasses. Assim, os resultados
desta pesquisa pretendem constituirse numa contribuição para com a
mudança, ou a luta ‘antidestino’, como
chamada pelo filósofo Jean-Michel
Besnier22 (1996, p. 161), que propõe
o confronto de alteridades “como desafio a ultrapassar, como apatia a
sacudir”, na busca pelo novo.
Um desejo final: que a principal
contribuição deste trabalho, tendose em conta suas limitações, possa
ser a de fornecer elementos para as disRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
cussões em torno da emergência de
novos pressupostos para a compreensão da região, dos processos de
regionalização e de desenvolvimento, voltados a uma ética humanista,
que amplie seus horizontes no sentido das relações inter-específicas, e
que garanta a revisão dos valores
que fundamentam a organização das
sociedades. Utopia? Talvez, mas há
que se sonhar.
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Jean-Michel Besnier (1996, p. 161) afirma que: “não pode haver mudança sem essa determinação
em relação ao antidestino, isto é, sem o confronto com uma alteridade como desafio a ultrapassar,
como apatia a sacudir. Trata-se de uma banalidade que o político, parece, contudo, ter esquecido,
quando se julga um mero gestor do possível, ou que o humanista também se afastou, quando se
julga predisposto à evocação generosa e à reconciliação universal”.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
21
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Ecologia e Recursos Naturais. Universidade Federal de São Carlos, 1997.
WERTHEIM, M. Uma História do espaço. De Dante à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CEDRE
CENTRO DE ESTUDOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
O CEDRE realiza estudos e pesquisas, elabora projetos
e presta consultoria nas áreas de:
• ECONOMIA REGIONAL E URBANA – Análises regionais para programas de
desenvolvimento – Avaliações e acompanhamento de programas de fomento –
Estudos de viabilidade econômica – Estudos setoriais de oportunidades de
investimento – Estudos de localização industrial – Projetos de implantação e
ampliação de empresas – Diagnósticos municipais – Planejamento espacial e
econômico nos planos macro e microeconômicos – Planos diretores de
desenvolvimento urbano – análises urbanas.
• TURISMO E MEIO AMBIENTE – Planejamento turístico macro e microeconômico
– Estudos de viabilidade econômica de empreendimentos turísticos – Projetos
turísticos – Estudos de impactos ambientais (Rima).
Sendo uma instituição universitária o CEDRE não tem finalidades lucrativas e
opera em termos bastante acessíveis para as prefeituras municipais e as pequenas
e médias empresas.
Tel.: (71) 3273-8528
22
/ 3271-8780
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
E-mail:
[email protected]
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
MERCADO DE CAPACIDADE: UMA
ALTERNATIVA PARA O SETOR ELÉTRICO
BRASILEIRO
André Luís da Silva Leite1
Edvaldo Alves de Santana2
Resumo
1 Introdução
Este trabalho tem como objetivo
propor um modelo de mercado de
capacidade para o setor elétrico brasileiro. O mercado de capacidade ou
de reserva de geração tem sido utilizado como ferramenta adicional ao
mercado spot em muitos países, visando aumentar a confiabilidade do
sistema. O modelo aqui proposto tem
duas características principais. A
primeira é o estabelecimento de uma
penalidade para os geradores indisponíveis. A segunda propõe que as
transações ocorram com a utilização
de mecanismos do mercado de opções. Neste sentido, conclui-se que o
mercado de capacidade opera como
um hedge para os geradores, dado
que são remunerados tanto pela disponibilidade quanto pela energia
vendida.
As reformas nas indústrias de
energia elétrica (IEE) em diversos
países têm como objetivo principal
o aumento da eficiência econômica,
pelo aumento do grau de competição nestas indústrias. Muitas destas mudanças vêm sendo questionadas, já que em certos casos não foi
possível alcançar os objetivos propostos. Contribuem para esses questionamentos as crises de suprimento de energia vivenciadas na Califórnia (2001), no Brasil (2001) e no pool
Nórdico (2003), além de problemas
isolados como na Inglaterra (20002001) e na Nova Zelândia (2001).
Parte da explicação para as crises
da IEE refere-se à redução dos investimentos, principalmente, devido à
não implementação de modelos ou
falhas de desenhos.
Atualmente, uma das preocupações refere-se ao modo mais eficiente de atrair investimentos em geração, incluindo reservas de geração.
No caso brasileiro, devido à limitada capacidade financeira do Estado,
há muito espaço para a participação privada no setor elétrico brasileiro, o que pode sugerir a possibilidade de mecanismos de mercados
que estimulem os investidores privados.
O papel das reservas de geração
tem sido muito destacado, devido à
importância que essas exercem na
garantia de um ambiente competitivo estável, estímulo a novos investimentos e, principalmente, na manutenção da confiabilidade do sistema,
Palavras-chave: confiabilidade – penalidade – mercado de capacidade
Abstract:
The main purpose of this paper
is to model a capacity market for the
Brazilian electricity industry. In
other countries, the capacity market
is being used as an additional tool
to enhance the system’s reliability.
The model we propose has two
characteristics. First, we propose a
penalty for non-performing generators. Second, we model a capacity
market where capacity is sold and
bought with options mechanisms.
So, we conclude that a capacity
market can reduce the risk in the spot
market, as generators are paid for
their availability and electricity.
Key words: Reliability – penalty capacity market
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
que é condição essencial para o bom
funcionamento da IEE. A expansão
do sistema elétrico deve ser garantida de modo compatível com a manutenção da confiabilidade. Para isto,
mecanismos complementares são
necessários, tais como: aumento da
contratação bilateral e a criação de
um mercado de reserva de geração ou
capacidade, tema deste artigo.
Assim, este trabalho tem como
objetivo propor um mercado de capacidade para o setor elétrico brasileiro. O modelo aqui proposto tem
como ênfase o estabelecimento de
uma penalidade para as geradoras
não disponíveis e também se caracteriza pelo fato de as transações ocorrerem utilizando-se mecanismos do
mercado de opções.
Para atingir o objetivo, o artigo
está dividido em mais cinco seções,
além desta introdutória. A seção seguinte brevemente a reforma no setor elétrico brasileiro e apresenta os
principais fatores que podem comprometer a confiabilidade na IEE
brasileira. A terceira seção discute a
questão das reservas de geração e a
criação de um mercado para se
transacionar tais reservas. A quarta
seção apresenta o design de mercado proposto e mostra que neste tipo
de mercado é importante o estabelecimento de um mecanismo de penalidade, que pode, inclusive, estimular o aumento dos investimentos na
IEE. A quinta apresenta a simulação
do modelo com transações via opções. E, por fim, a última seção apresenta as conclusões do trabalho.
1
Professor Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL – E-mail: [email protected].
2
Professor Titular Depto. de Economia – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC –
Campus Universitário – Trindade – Florianópolis – SC 88040-900 – – E-mail: [email protected].
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
23
2. A reforma no Brasil
Ano
Esta seção visa examinar questões
que podem comprometer a confiabilidade do setor elétrico brasileiro, e
que, portanto, devem ser analisadas,
dado que mostram que a confiabilidade da IEE brasileira será seriamente afetada caso não ocorram aumentos expressivos nos investimentos.
Tais áreas são: maturidade do mercado e a natureza da indústria.
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004 (*)
2005 (*)
2006 (*)
2007 (*)
2008 (*)
2.1 Maturidade do mercado
Uma das questões essenciais ao
sucesso da reforma no setor elétrico
é a criação de um ambiente regulatório e comercial estável. Sem tal estabilidade os agentes evitam fazer novos investimentos, dado que não
compreendem os riscos envolvidos.
A IEE brasileira caracteriza-se
por ser ainda um mercado imaturo,
onde a demanda cresce a taxas maiores que o crescimento do PIB. Isto
pode ser visto no quadro 1, que compara a taxa de crescimento do PIB
com o consumo de energia elétrica
de 1994 a 2001. Pode-se notar que
na maior parte do período o consumo de energia, de fato, cresce a taxas
acima da taxa de crescimento do PIB.
A exceção é o ano de 2001, no qual o
PIB cresceu 1,42% em relação ao ano
anterior. Contudo, devido à crise de
energia, o consumo de energia teve
uma queda de 7,9%. Na verdade,
2001 foi um ano atípico para a IEE
brasileira, onde o consumo caiu em
todas as regiões, de forma diferenciada, pois a região sul, que não fez parte do racionamento, sofreu conseqüências. Mas, mesmo com a crise, na
média do período o crescimento do
consumo de energia ainda ficou acima do crescimento do PIB, o que sugere o caráter ainda de pouca maturidade do setor elétrico brasileiro.
Importa notar que no período pósracionamento, as empresas concessionárias vêm enfrentando uma séria crise financeira, causada pela
expressiva redução no consumo, o
que levou a um excesso de oferta.
2.2 Natureza da indústria
No caso da IEE brasileira, o preço da energia é função da natureza
da indústria, i.e., da disponibilidade de água. Em sistemas predomi-
24
PIB (crescimento %)
Crescimento do Consumo
de Energia Elétrica (%)
5,85
4,22
2,66
3,27
0,13
0,81
4,36
1,42
1,9
0,5
3,6
3,6
3,9
4,5
4,4
3,58
6,01
4,86
6,12
4,19
2,50
4,43
-7,9
3,2
3,8
4,5
5,4
4,5
4,9
6,3
Quadro 1 – Relação Crescimento do PIB e do consumo de Energia Elétrica
1994 a 2008
Fonte: IBGE (www.ibge.gov.br), Relatório Analítico Eletrobrás (2003) e ONS (2004)
(*) Previsão
nantemente hidráulicos, o preço da
energia tende a ser pouco volátil no
curto prazo e mais volátil no longo
prazo. Isto porque, no curto prazo,
os reservatórios transferem energia
das horas de carga baixa para as de
ponta, modulando a oferta e reduzindo a volatilidade dos preços. Enquanto que, no longo prazo, o preço
da energia é mais volátil porque os
sistemas hidráulicos são desenhados visando garantir a oferta de carga em condições hidrológicas adversas. Há de se destacar ainda o aspecto híbrido da IEE brasileira. Este
se caracteriza principalmente pelo
fato de que enquanto aproximadamente 80% da geração se encontram
sob controle estatal, apenas 20% da
distribuição é estatal.
Note-se, ainda, que há expressiva diferença entre a competitividade
das geradoras hidráulicas, mais baratas e de investimentos já amortizados, e das térmicas, com investimentos novos e custos mais altos.
Isto resulta na necessidade de criação de um estímulo ao aumento da
participação térmica, porque a diferença de custos entre as geradoras é
inconsistente com os requisitos de
um mercado competitivo. Tal situação pode ser entendida por meio do
quadro 2, que mostra a diferença
entre as tarifas das usinas hidrelé-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
tricas antigas, de investimentos já
amortizados, das hidrelétricas novas
e das termelétricas novas, o que dificulta a competição no segmento de
geração.
Fonte de geração
Tarifa média
(US$/MWh)
Energia Velha
10 – 12
Hidrelétrica Nova
32 – 34
Termelétrica Nova
(gás natural ciclo
combinado)
39-41
Quadro 2 – Tarifa média de
geração do setor elétrico brasileiro
Fonte: MME (2002).
Além do mais, um mercado de
energia elétrica deve ter liquidez e
oferecer algum tipo de mecanismo de
hedge financeiro para possibilitar o
gerenciamento do risco por parte
dos agentes. No atual contexto da
IEE brasileira, tal mecanismo inexiste e também não há liquidez para
incentivar os agentes a adotarem
estratégias de risco mais agressivas
e de longo prazo.
Contradizendo à necessidade e
devido à situação conjuntural (em
fase de adaptação em virtude da
reestruturação recente) do setor elétrico brasileiro, a participação priRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
vada em novos investimentos pode
não tem crescido conforme planejado. Assim, pode-se concluir que caso
não haja um mecanismo capaz de
atrair novos investimentos privados
e dada a escassez de recursos públicos, a confiabilidade e a capacidade
de geração do setor poderão estar
seriamente comprometidas em um
futuro próximo, o que pode ser observado pela análise do quadro 3,
para o sistema interligado nacional.
O quadro 3 mostra, a partir de um
dado cenário e mantidas algumas
condições previstas pelo ONS em
2004, que a capacidade instalada
tenderia aumentar menos que proporcionalmente ao aumento da carga, ou seja, que há tendência ao aumento no risco do déficit. È para evitar isso que estão sendo viabilizadas
alternativas de contratação por meio
de leilões, o que incluiria usinas hidrelétricas, usinas termelétricas a
diversos tipos de combustível, biomassa e outras fontes alternativas.
3 Reservas de geração
A energia elétrica tem, nos últimos
tempos, sido considerada uma commodity. No entanto, deve-se salientar que
tal conceito não se aplica, sem ressalvas, à eletricidade, já que energia elétrica não pode ser estocada a custos
baixos, ao contrário das demais commodities (COLLINS, 2002).
Em sistemas elétricos, o desequilíbrio entre demanda e oferta põe a
estabilidade do sistema em risco. O
problema se torna mais grave, dado
que dificilmente o equilíbrio entre
demanda e oferta pode ser alcançado pelo lado da demanda 3. Deste
modo, a manutenção da estabilidade do sistema requer o equilíbrio
entre a capacidade instalada suficiente para garantir a demanda de
ponta mais uma margem de reserva,
que seja capaz de garantir suprimento de energia elétrica em situações
não esperadas de perda de capacidade de geração e de transmissão.
A reserva de geração tem como
principal objetivo prover lastro físico ao sistema, de forma que o fornecimento a todos os consumidores
aconteça sem interrupção. Em suma,
O principal objetivo das reservas de
geração é aumentar o grau de confiaRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Submercado
2005
2006
2007
2008
SE/CO
S
NE
N
0,1
0,4
0,4
4,5
0,8
8,4
2,9
2,9
1,5
1,3
3,6
3,5
3,4
3,2
8,9
5,9
Quadro 3 – Riscos de déficits conjunturais (%)
Fonte: ONS (2004).
bilidade no sistema. Neste sentido,
a NERC4 define confiabilidade como
sendo o grau no qual o desempenho
do sistema técnico resulta em energia entregue aos consumidores dentro dos padrões esperados e na quantidade desejada5.
As reservas são importantes porque tanto a carga quanto a oferta são
imprevisíveis, sendo necessárias
para que o operador do sistema possa responder a tais variações e às
condições inesperadas. No curto
prazo, mudanças nas condições climáticas e hidrológicas, dentre outros
fatores, podem causar mudanças nas
condições de oferta e demanda. No
longo prazo, o ritmo de crescimento
econômico deve influenciar o crescimento da oferta. Reservas de geração,
então, podem ser definidas como a
capacidade de geração de eletricidade que não está sendo utilizada em
um determinado momento6.
Assim, há um mercado físico de
energia, com suas características técnicas que devem ser respeitadas
para a adequada prestação do serviço, e um mercado financeiro, que
não estando submetido a tais características e, que, portanto, deve ser
operado dentro de limites técnicos,
para evitar negociação de ativos não
realizáveis. Deste modo, a capacidade ou reserva de geração (MW), apresenta características de semelhantes
às de uma commodity.
Vários trabalhos abordam o tema
das reservas de geração e confiabilidade, como Oren (1996 e 2000), Jaffe
e Felder (1996), Von der Fehr, Har-
bord e Fabra (1998), Hirst e Hadley
(1999), Stoft (2000), Araújo et alli
(2001) Joskow (2002), Joskow e Tirole
(2004), Cramton (2003), Certi e Fabra
(2004) e Leite (2003).
Em um ambiente competitivo, espera-se que a demanda responda às
oscilações no preço spot, de modo
que, por um lado, alguns consumidores possam voluntariamente não
consumir energia. Por outro lado, a
confiabilidade refere-se à probabilidade que os demandantes que escolham consumir eletricidade e pagar
o preço de mercado possam fazê-lo7.
Assim, no novo ambiente da indústria de eletricidade, a confiabilidade
pode ser vista como um problema
multidisciplinar. Ou seja, é um problema técnico, no que diz respeito à
infra-estrutura necessária, sendo
também um problema econômico, no
que tange aos incentivos dos ofertantes e demandantes. E passa também a ser um problema político, à
medida que as instituições de governança do setor operem de forma eficiente.
Em um ambiente de competição,
o preço, em tese, se torna a variável
chave. Os agentes planejam novos
investimentos em geração com base
nas expectativas sobre os preços futuros da eletricidade. Novas plantas são erguidas na medida em que
os preços futuros aumentem. Bem
como, há uma queda no ritmo de expansão das obras quando o preço
diminui.
A garantia de confiabilidade é
fundamental para o desenvolvimen-
3
Ver Fraser (2001) para uma análise da importância do comportamento do consumidor em sistemas
elétricos.
4
North American Electric Reliability Council.
5
Conceito disponível em http://www.nerc.com.
6
FERC, 2001.
7
Ver Felder (2001).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
25
“
... numa situação
de racionamento não
pode haver discrimi-
nação entre classes de
consumidores...
”
to do setor elétrico, mas se torna, na
prática, um assunto complexo devido a três fatores: i) a estrutura industrial do segmento de geração está
sendo modificada visando à introdução de mecanismos de mercado,
enquanto o segmento de transmissão permanece como monopólio natural, exigindo coordenação técnica
e econômica do operador do sistema; ii) decisões referentes à expansão do segmento de geração, teoricamente, podem ser deixadas a cargo das forças de mercado, mas decisões de expansão do segmento de
transmissão continuam dependendo de planejamento central ou do
operador do sistema; e iii) geração e
transmissão são bens complementares e substitutos simultaneamente8.
Como o fornecimento de energia
ocorre em rede é praticamente impossível suspender o fornecimento
aos consumidores de forma discriminatória. Isto torna a reserva de
geração um bem público, no que tange ao seu aspecto físico, não havendo, portanto, distinção entre consumidores cativos e livres. Ou seja,
numa situação de racionamento não
pode haver discriminação entre classes de consumidores. Desta forma, é
importante que a contratação de geração de reserva, em um mercado de
capacidade, seja obrigatória para
todos os consumidores.
3.1 Mercado de capacidade
A confiabilidade também pode ser
garantida por um mercado de capacidade. O principal objetivo de um
mercado de capacidade é garantir
que o mercado tenha disponível uma
determinada quantidade de capacidade instalada. Em outras palavras, operar como um “seguro coletivo” contra riscos de desabastecimento, o que elevaria a confiabilidade no
setor. Também visa criar um ambien-
26
te competitivo adicional entre geradores e distribuidoras e consumidores livres, o que aumenta a liquidez
do setor.
Adicionalmente, o mercado de
capacidade cumpre outras funções,
como reduzir a volatilidade dos preços de energia; estimular novos investimentos, ao possibilitar a recuperação dos custos fixos; mitigar
poder de mercado; e balizar o preço
spot, e, por conseqüência, os contratos bilaterais.
Um mecanismo importante em
um mercado de capacidade é o estabelecimento de uma penalidade. O
sistema de requerimento de capacidade prevê penalidades para o agente que tiver menos energia (capacidade) do que a quantidade requerida. O
requerimento de capacidade incentiva geração suficiente, dado que imputa uma penalidade maior que o custo
de nova capacidade (ou o custo marginal de expansão), de tal forma que
picos de preço não mais são necessários para induzir ao investimento.
O sistema PJM (Pennsylvannia –
New Jersey – Maryland) dispõe, desde 1998, de um mercado de capacidade que é referência para outros
mercados semelhantes em outras regiões. Neste pool, as LSEs têm obrigações de capacidade, em base anual,
e são penalizadas caso não cumpram
tais obrigações. A oferta de capacidade é de responsabilidade dos geradores da região. Mas, um dado interessante é que a capacidade pode
ser exportada para outras regiões dos
Estados Unidos, e vice-versa.
Já a demanda de capacidade no
pool PJM é determinada pelo operador do sistema (PJM-ISO), através
das decisões das LSEs. As atuais regras do pool requerem que as LSEs
tenham ou adquiriam capacidade
igual ou maior do que a demanda
de ponta mais uma margem de reserva, que é calculada com base na
análise anual de confiabilidade do
PJM e nos padrões de confiabilidade
estabelecidos pela NERC.
4. Mercado de capacidade
para o setor elétrico brasileiro
As mudanças na estrutura da IEE
brasileira aumentaram a exposição
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
dos agentes a um maior grau de incerteza. Tal incerteza implica a necessidade de minimizar os riscos ou
de compartilhá-los via contratos de
longo prazo. No entanto, ao passo
em que reduzem o risco de longo
prazo, os contratos não resolvem os
desequilíbrios que eventualmente
podem surgir entre demanda e oferta no curto prazo. Tais desequilíbrios fazem surgir a necessidade de
mecanismos de mercado adicionais,
como o mercado spot e o mercado de
capacidade. Em suma, O mercado
spot é necessário para fazer face às
flutuações da demanda em tempo
real, enquanto que o mercado de capacidade minimizaria os riscos de
falta de eletricidade e garantiria o
aumento da expansão da capacidade instalada.
Em relação particular à existência de um mercado de capacidade
para a IEE brasileira, há três razões
para sua implantação:
• O critério do cálculo de energia
assegurada incorpora um risco de
déficit pré-fixado de 5%;
• Caso haja incerteza em relação à
demanda futura, as empresas distribuidoras poderiam adotar um
cenário de menor crescimento do
mercado, e para evitar prejuízo
com a sobrecontratação, tenderiam a reduzir os investimentos;
• Eventuais atrasos em obras de geração e transmissão poderiam
causar deplecionamentos nos reservatórios das usinas.
Em relação ao fato de a quantidade ter de ser determinada pelo operador do sistema, isso ocorre porque a
curva de oferta de eletricidade tem inclinação menor que a curva de demanda. Então, se a quantidade for determinada livremente pelo mercado, pequenas variações no preço poderão
gerar grandes variações na quantidade de equilíbrio, o que comprometeria a confiabilidade do sistema, que
é um dos objetivos do design de mercados de eletricidade. Além do mais,
num ambiente competitivo, a previsão
de carga de cada firma se torna mais
difícil, o que justifica novamente o fato
de a quantidade de capacidade reque8
Ver Hirst e Hadley (1999, p. 1).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
rida ser determinada administrativamente pelo operador.
Como as firmas serão remuneradas pela disponibilidade, este mercado representa uma maneira de remunerar as usinas térmicas, que com
custos de geração maiores podem
não ser despachadas de forma a tornar tais investimentos atrativos para
o capital privado.
No mercado proposto, a demanda reflete a disposição das LSEs em
pagar pela capacidade disponível
das geradoras. Isto torna os demandantes mais preço-elásticos, o que
contribui para uma definição de preço mais próxima do ideal competitivo e reduz poder de mercado. Sob o
prisma da oferta, os geradores seriam
remunerados pelo preço de mercado, que reflete o custo marginal de
capacidade7. Em suma,
Pk = CMK
(1)
onde:
Pk
= preço de capacidade
CMK = Custo Marginal de capacidade.
Posto isto, o custo total de capacidade pode ser expresso por:
(2)
onde:
CTn-1
: custo total de capacidade no
período n-1;
: refere-se ao custo de capacidade de geração térmica
no período n-1;
: expectativa de geração hidrelétrica no mês em questão (o a 1).
Então, o problema, em um sistema hidrotérmico, é determinar o valor de â, que é tão mais importante
quanto maior é a participação das
hidrelétricas ou quanto mais regularizada é a produção de energia pelas
fontes hídricas. Na prática, o valor
de â pode ser zero quando há expectativa de vertimento e pode ser um
quando a esperança é de geração térmica, em estações secas. Em suma,
o custo de capacidade é proporcional à disponibilidade de água nos
reservatórios.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
4.1 Penalidade
Uma interrupção no fornecimento provoca uma externalidade. Esta
se traduz em custo para os consumidores que ficaram sem energia por
um determinado período de tempo.
Por outro lado, a redução do risco
de interrupções, ou o aumento da
confiabilidade, é uma externalidade
positiva. Desta forma, a confiabilidade pode ser considerada um bem
público.
O conceito de mercado de capacidade envolve penalidade, como
mencionado anteriormente. Caso um
agente gerador não tenha reservas à
disposição em um determinado mês,
ainda há a possibilidade de adquirir a quantidade contratada no mercado spot, mesmo que com isso tenha prejuízo. Caso contrário, o agente com deficiência de capacidade recebe uma penalidade do órgão regulador. O valor desta penalidade poderia ser distribuído entre os demais
agentes do mercado que supriram
com capacidade extra a demanda do
mercado.
O segredo no mercado de capacidade é definir um preço que não seja
função exclusiva do regime hidrológico, mas que não o despreze, levando seus efeitos em termos da necessidade de expansão. Logo, o principal elemento neste mercado é a existência de uma penalidade. Assim, o
modelo aqui proposto inclui elementos como:
a) Requerimento de condições de
geração de energia, que garanta
que a capacidade disponível é capaz de ser gerada no momento requerido;
b) O operador deve evitar que haja
excesso de oferta de capacidade
para não remunerar capacidade
que não será despachada no determinado momento;
c) Os dados do mercado de capacidade, tais como quantidade e preço, devem estar disponíveis com
certa antecedência, de sorte que os
agentes possam tomar decisões
relativas às operações físicas das
9
usinas, de acordo com sua futura
participação no mercado. Por
exemplo, usinas não listadas no
mercado devem ficar livres para
fornecer energia ou via contratos
ou no mercado spot.
Dado que se pretende estudar a
formação de um mercado, então, os
métodos de determinação da quantidade requerida devem ser simplificados. Por exemplo, os requerimentos devem ser função da previsão de
carga e da margem de reserva planejada.
Desta forma, supondo:
qo = capacidade instalada;
qr = capacidade requerida;
Pk = pr eço da capacidade;
Y = penalidade imposta pelo regulador; e
CF = Custo fixo de geração.
O preço de equilíbrio de mercado
de capacidade seria, portanto, igual
ao custo marginal, como em (1). O
custo marginal, a exemplo do que
sucede em toda teoria econômica de
cunho marginalista, é dado por:
(3)
onde:
: custo marginal estabelecido
no mês anterior;
: é o custo total para o mês anterior; e
q n-1
: quantidade de energia estabelecida como reserva de capacidade para o mesmo mês; e
qr
: quantidade requerida.
A composição do custo total é essencial no modelo proposto. Assim:
(4)
onde:
: é o custo fixo de capacidade
para o mês anterior;
: é o custo variável de capacidade para o mês anterior.
Neste caso, convém notar que o custo marginal de capacidade reflete um custo de oportunidade,
dado que implica a análise, por parte das empresas, da relação custo/benefício entre operar no
mercado spot ou operar no Mercado de capacidade.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
27
Em situação normal, o custo marginal variaria com a quantidade, o
que significaria que tal custo seria
função apenas do custo variável de
capacidade, o que é irrelevante no
modelo proposto, uma vez que manteria a volatilidade do preço spot.
Para resolver tal problema é incorporada uma penalidade (Y).
Observe-se que sempre que a capacidade requerida (qr) se aproximar
da capacidade instalada (q0), maior
será o preço no mercado spot, ocorrendo o contrário quando qr for muito menor do que q0. neste sentido,
haveria um valor ótimo para a relação entre qr e q0, e é prudente que se
defina a penalidade em função de
tal relação. Em outras palavras,
(5)
Portanto,
Y=f(
)
(6)
Na prática, a penalidade seria um
incentivo à expansão da capacidade e, por conseqüência, ao aumento
da confiabilidade e, por isso, podese determinar que se ≤ 1, então:
Y = CFK
(7)
Por outro lado, se
Y=
CFK
> 1, então:
(8)
O uso combinado das equações
(7) e (8) mostra que sempre haverá o
incentivo à expansão e que, para
evitar custos maiores, as empresas
dificilmente permitirão que qr seja
maior do que q0.
O benefício do aumento da capacidade instalada resulta na redução
dos custos sociais da interrupção.
Quando aumenta a diferença entre
q0 e qr, a probabilidade de interrupção diminui. No entanto, há uma
relação ótima entre q0 e qr, e na prática, isso dificulta o planejamento dos
geradores.
Joskow (2002) acrescenta que as
penalidades para os geradores não
disponíveis devem ser as mais elevadas possíveis e aumentar conforme o grau de emergência. Ou seja,
28
em situações onde há a necessidade
de aumento da expansão do parque
gerador, mecanismos de penalidade são essenciais ao correto funcionamento de mercado de opções de
capacidade.
A penalidade exerce um papel
significativo, pois as LSEs são severamente multadas caso não disponham de capacidade nos momentos
requeridos. A penalidade impõe um
limite máximo ao preço da capacidade, pois os consumidores não vão
pagar mais pela capacidade do que
o valor da penalidade.
5. O Modelo
Importa notar também que há significativa relação entre a quantidade de capacidade e o lucro das geradoras neste mercado. Assim, ao se
reduzir a quantidade de reservas
disponíveis, o preço destas aumenta, e aumentam também os lucros
dos geradores. Isto leva a um aumento dos investimentos, que gera um
ciclo virtuoso. Este ciclo corresponde
a épocas onde há excesso de capacidade intercaladas com épocas nas
quais há escassez de capacidade.
Oren (2003) propõe que capacidade seja transacionada via mercado de opções. Por meio deste mecanismo, compradores e vendedores
de opções determinariam o preço de
mercado da capacidade em um momento futuro. O período necessário
para contratos futuros de capacidade seria limitado apenas pelas previsões de requerimentos futuros. Um
mercado de opções de capacidade
funcionaria como um hedge em relação às incertezas inerentes a mercados de energia. Além do mais, tal
mercado incentivaria o aumento da
participação das usinas termelétricas, o que contribuiria para reduzir
a dependência hidráulica e a volatilidade do preço spot.
Note-se que as LSEs, individualmente, poderiam contratar capacidade futura visando suas próprias
necessidades. Entretanto, como há
uma perspectiva de aumento da competição no segmento de varejo, de
modo unilateral nenhuma distribuidora tem condições de prever sua
carga futura. O Operador do Sistema pode indicar às distribuidoras
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
suas obrigações de compra de capacidade futura.
A experiência internacional mostra que mercados de energia e de capacidade são suscetíveis a desequilíbrios. Assim, o regulador deve estabelecer a quantidade de reserva a ser
requerida e o preço deve ser formado como em um leilão. Isto se caracteriza como uma intervenção branda, dado que o regulador especifica
requisitos mínimos de hedge, fiscaliza as garantias comerciais, os arranjos contratuais e as penalidades para
os geradores que não cumprirem os
requisitos de disponibilidade.
Esta intervenção regulatória proativa tem a vantagem de permitir que
o consumidor escolha o nível adequado de proteção contra o risco (de
preço ou de abastecimento) e fundamentar uma relação econômico-financeira entre os pagamentos de
opções de capacidade aos geradores
a responsabilidade advinda de tais
pagamentos. Os geradores que recebem pagamento pela capacidade
devem garantir sua disponibilidade
para produzir energia quando o risco de abastecimento atingir um nível previamente estabelecido pelo
regulador. Assim, o prêmio de uma
opção de compra de capacidade
(R$/MW) reflete um pagamento pela
disponibilidade do gerador (pago no
momento da assinatura do contrato) e o preço de exercício da opção
(R$/MWh) equivale à remuneração
recebida pela energia gerada (pago
se houver entrega de energia).
Outra possível solução diz respeito às trocas diretas entre as distribuidoras. Neste caso, distribuidoras que contrataram capacidade em
excesso podem revender tais opções
a concorrentes que têm à sua disposição uma quantidade de capacidade menor do que o necessário para
fazer frente à carga.
Convém destacar que em um mercado de opções de compra de capacidade pode haver manifestação de
poder de mercado. Se a obrigação se
der em data próxima à data de entrega e, ao mesmo tempo, a capacidade disponível estiver próxima da
capacidade total instalada, então, o
preço de capacidade pode subir acima do nível competitivo.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Com o objetivo de reduzir tal poder de mercado, a liquidação neste
mercado deve se dar com antecedência da data de entrega. Isto além de
reduzir o poder de mercado potencial, aumenta as opções de oferta de capacidade disponíveis aos consumidores, e incentivar novos entrantes a investir no aumento da capacidade.
Num ambiente competitivo, a
previsão de carga individual de cada
empresa fica mais difícil, assim, o
MAE deve definir a quantidade de
capacidade requerida para todo o
sistema. Os mercados de capacidade operam em regimes temporais.
Isto é, o produto capacidade pode ser
diário, anual ou mensal. Em um mercado diário as liquidações ocorrem
no dia anterior à entrega da energia
elétrica. No entanto, um mercado de
capacidade diário não cumpre suas
funções, justamente por não prover
sinais com antecedência significativa das possíveis alterações na oferta e demanda de energia.
Um mercado de capacidade mensal, por sua vez, provê mais liquidez
e sinais, mas como o setor elétrico
demanda planejamento de longo
prazo, um mercado mensal não satisfaz todas as exigências. Já um mercado de opções de capacidade anual
fornece sinais de médio e longo prazo ao mesmo tempo em que garante
maior confiabilidade ao sistema.
Em cada submercado, o regulador
deve exigir de cada distribuidora que
tenha contratos de opções de compra
de capacidade para fazer frente à previsão de demanda nos horários de
ponta além de uma margem de reserva (em torno de 15 a 20%).
O tamanho do mercado de capacidade, em relação à capacidade instalada total do setor elétrico, é de fundamental importância para seu sucesso. Caso o percentual determinado pelo MAE seja relativamente pequeno, menos de 5 % da capacidade
instalada, então, nos horários de
demanda de ponta, haverá exercício
de poder de mercado, dado que no
mercado de energia a capacidade
estará próxima ao limite e o mercado de capacidade não terá folga suficiente para reduzir os preços MAE.
Outra questão importante diz respeito ao tempo de maturação dos
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Figura 1 – Efeito Risco quantidade
Fonte: Adaptado de Hunt e Shuttleworth (1996)
contratos de opções de capacidade.
Dado que o setor elétrico requer investimentos de longo prazo, os contratos também devem obedecer a este
critério. Especificamente, contratos
de um até três anos de maturação
seriam ferramentas úteis ao planejamento de longo e médio prazo.
Mas, devido à dificuldade em se prever corretamente a demanda, contratos de opções de capacidade com
tempo de maturidade inferior a um
ano também poderiam ser negociados para suprir eventuais erros de
previsão de carga.
Como o objetivo básico desta proposta é criar um mercado para reserva de geração, é irrelevante se a
reserva é proveniente de geração
termelétrica ou hidrelétrica. A idéia
é que o mercado de capacidade crie
incentivos para que os geradores
mantenham níveis confortáveis de
armazenamento.
Em suma, tanto os geradores hidrelétricos quanto os térmicos devem
operar no mercado de capacidade.
Para que o mercado de capacidade
seja eficiente é necessário que os geradores termelétricos comprovem a
contratação de combustível e que os
hidrelétricos mantenham etoques de
água compatíveis com o nível de reserva contratado. O tratamento simétrico a todos os tipos de geradores
minimiza os efeitos das economias
de escala que decorrem da expansão
da geração e também reduz o custo
marginal de longo prazo do sistema.
Os benefícios do contrato de opções de reserva de geração podem ser
visualizados na figura 1, que apre-
senta o risco quantidade, ou seja, as
possibilidades de variação na produção de um determinado gerador
dadas às variações no preço de mercado. Ou seja, tanto se o preço subir
ou diminuir, o gerador ficará exposto a um risco quantidade. Tal risco
pode ser mitigado por contratos de
opção de capacidade.
A figura 1 retrata uma situação
na qual se o preço aumentar a geradora tende a operar por H2 horas no
ano. E, caso o preço se reduza, a geradora operará por H0 horas/ano.
Deste modo, o gerador está sujeito a
produzir além de sua capacidade ou
disponibilidade.
Assim, supondo-se que um determinado gerador tenha contratado
uma quantidade Q kw em um dado
período, onde Q é a capacidade do
gerador e E ($/Kw) é o custo variável, que equivale ao preço de exercício. O risco quantidade do gerador
está expresso nas possíveis variações no preço de mercado. Neste
caso, supondo que o gerador esteja
sempre disponível, a geradora operará H* horas, que é o número de
horas em que o preço de mercado é
superior ao preço de exercício. Assim, o prêmio de exercício gera uma
receita fixa que remunera os custos
fixos (CF) da planta.
6. Simulação do modelo
Esta seção descreve o modelo de
mercado proposto. Para se atingir o
objetivo deste trabalho, foram seguidas as seguintes etapas8: Primeira8
Como em Leite (2003).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
29
mente, foi desenvolvido um modelo
ARIMA (Autoregressive Integrated Moving Average) de previsão do preço
spot no Brasil, com base nos dados
do Mercado Atacadista de Energia
(MAE). Em segundo lugar, com base
no modelo ARIMA estimado, foram
feitas previsões com diferença de um
mês em relação ao mês estudado. Por
fim, com base nos preços futuros estimados, foram calculados os valores
das opções de compra de capacidade,
com base no modelo desenvolvido por
Black and Scholes (HULL, 1998).
Este modelo de previsão do preço spot foi desenvolvido como objetivo de possibilitar a simulação de
preços futuros de capacidade, no
prazo de um mês. A previsão de preço spot neste trabalho leva em consideração os limites impostos pela
metodologia de cálculo do mesmo.
Esta utiliza uma série de tempo com
mais de 70 anos de dados para modelar a previsão de variáveis estocásticas como o nível pluviométrico. Assim, o preço MAE em um determinado período contém informações passadas, por isso, ele é a única variável
no modelo.
Para tanto, foi usada uma série
histórica de dados do preço MAE,
dos submercados Sudeste/CentroOeste (Se) e Sul (S), de 47 semanas,
com início na segunda semana de
fevereiro de 2002 e terminando na
última semana de dezembro e 2002.
Este período foi escolhido porque
seu início se dá no final do período
de racionamento de energia e seu final ocorre simultaneamente ao período final de operações do MAE. A
utilização dos dados colhidos no
período de vigência do racionamento de energia poderia levar a um viés
na análise estatística, dado que houve forte queda nos preços, na região
sudeste, no período de apenas uma
semana. O modelo de previsão do
preço MAE utilizado neste trabalho
segue o método de Box & Jenkins
(MAKRIDAKIS et al., 1998) e utiliza
um modelo ARIMA para descrever
o comportamento da série.
Foram, assim, estimadas as seguintes equações para os submercados SE/CO e S, respectivamente.
30
SE/CO
S
Assim, com base nas equações encontradas, foram feitas previsões exante do comportamento dos preços MAE nos submercados SE/CO e S. Ou
seja, com base nas equações estimadas, foram calculados preços futuros
teóricos com prazo de maturidade de um mês, para 43 semanas.
Desta forma, as figuras 2 e 3 mostram a relação entre os preços reais
observados (P SE/CO e P S) e os preços teóricos estimados (Pt Se e Pt S).
Pode-se notar que a série teórica tem volatilidade reduzida em relação à
série observada. Porém, segue a mesma tendência de sazonalidade.
Figura 2 – Relação entre Preços MAE observados (P) e teóricos (Pt) para o
submercado SE/CO (R$/MWh e R$/MW).
Fonte: Elaboração própria com dados MAE.
Figura 3 – Relação entre Preços MAE observados (P) e teóricos (Pt) para o
submercado S (R$/MWh e R$/MW).
Fonte: Elaboração própria com dados MAE.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Volatilidade/ tempo
P SE/CO
P Sul
SE/CO
P teórico
P teórico
Sul
Volatilidade Semanal
Volatilidade Mensal
Volatilidade Anual
27
53
193
39
77
279
19
38
138
26
51
184
Quadro 4 - Volatilidade das séries de preços real e estimada pelo modelo
(Em %)
Fonte: elaboração própria com dados do MAE.
Figura 4: Valores das opções de compra para os submercados SE/CO e S
(R$/MW teóricos)
Fonte: elaboração própria com dados do MAE.
O passo seguinte consistiu em
estimar a volatilidade, com em Hull
(1998) tanto dos preços observados
quanto dos preços teóricos estimados. É possível notar no quadro 4 que
o preço teórico estimado tem volatilidade aproximadamente 30% menor que o a série de preços real. Precisamente, esta redução é um dos
objetivos de um mercado de opções.
Porém, é possível notar que o modelo de previsão do preço MAE apresenta limitações, que são inerentes à
própria metodologia de formação do
preço MAE. Assim, caso fosse possível estimar um modelo de previsão
de preço ótimo, então, a volatilidade
estimada também seria expressivamente menor, corroborando a existência de um mercado de opções de
capacidade.
Posteriormente, com base nos preços estimados pelo modelo e na
volatilidade calculada para os preços futuros teóricos, foi feito, por intermédio da metodologia apresentada por Black e Scholes, o cálculo do
preço das opções de compra, ou seja,
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
das calls, que podem ser visualizados na figura 4, para os dois submercados estudados.
Note-se que há semanas em que
o preço das calls nos dois submercados é positivo, mas há semanas em
que o preço das calls é igual a zero.
Este era um resultado esperado já que,
dada a variação do preço MAE, é
natural que ocorra semanas em que
as distribuidoras (compradoras) precisem recorrer ao mercado de opções,
para garantir entrega de eletricidade para o mês seguinte, dado que
nestes períodos a probabilidade de
racionamento seria maior. Em alter-
“
... um modelo
de mercado spot
competitivo e eficiente é
condição essencial para
o crescimento do setor
elétrico brasileiro...
”
nância, há semanas em que isso não
é necessário dado que o preço MAE
possa estar bastante baixo, devido à
demanda reduzida.
Ou seja, há períodos onde é vantajoso exercer a opção de compra, o
que significa dizer que o preço spot é
maior do que o preço de exercício da
opção. E, em contrapartida, há épocas onde é mais racional comprar
energia diretamente no mercado spot.
Quando o preço spot (ps) for menor
do que o preço de exercício da opção
(pe), o comprador não exerce sua
opção e compra energia diretamente no mercado spot. O gerador disponível vende energia no mercado spot
e é remunerado por pelo preço spot.
Já quando o preço spot for maior do
que o preço de exercício, então, o
comprador exerce sua opção e paga
o preço de exercício. Neste caso, o
gerador disponível oferta energia ao
comprador e é remunerado em pe.
Em todos os casos, o gerador é remunerado também pelo prêmio do
contrato de opções, que remunera os
custos fixos de disponibilidade. Em
suma, o mercado de capacidade opera como um price-cap ao nível pe.
O mercado de capacidade é uma
combinação entre uma opção de
compra de capacidade ou reserva de
geração, um preço de exercício previamente estabelecido e uma penalidade por indisponibilidade. As
transações com mecanismos do mercado de opções operam como um elemento estabilizador da receita do
gerador, reduzindo, portanto, seu
risco. Isto se torna ainda mais relevante para geradores que não tenham 100% da energia contratada.
Pode-se concluir, então, que há
forte relação de interdependência
entre o mercado spot e o mercado de
opções de capacidade, e, por conseqüência, entre a eficiência de cada um
destes mercados. Muito embora, o
modelo aqui proposto resulte na redução da volatilidade do preço spot,
sua eficiência também é afetada pelo
modelo de mercado spot. Assim, um
modelo de mercado spot competitivo
e eficiente é condição essencial para
o melhor dinamismo e crescimento do
setor elétrico brasileiro.
O limite do modelo aqui proposto reside no fato de que o prazo de
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
31
maturidade do mercado de opções
de capacidade, um mês, é relativamente curto, o que pode aumentar a
correlação entre o valor dos prêmios
e o preço MAE. No entanto, tem a
vantagem de reduzir a volatilidade
do preço MAE e garantir o aumento
da confiabilidade no curto prazo.
Contratos futuros de longo prazo,
por sua vez, tenderiam a reduzir ainda mais a volatilidade do preço
MAE. No entanto, estimar um modelo de previsão levando-se em conta um período de um ano requer uma
quantidade significativa de dados.
Sendo assim, este trabalho limitouse a modelar os preços futuros com
apenas um mês de antecedência.
7. Considerações finais
Este artigo teve como objetivo
apresentar uma proposta de mercado de capacidade, com transações
via mercado de opções, para o setor
elétrico brasileiro. Discutiu-se que a
para garantir um nível mínimo de
confiabilidade, a capacidade instalada deve ser superior à demanda.
Para tanto, num ambiente onde participem agentes privados, esta capacidade adicional deve ser remunerada. Assim, a proposta tem algumas características importantes:
• Foi proposto que capacidade, isto
é, a disponibilidade dos geradores, seja transacionada via mercado de opções, do tipo europeu;
• Como a garantia de confiabilidade
é o objetivo deste mercado, o MAE
deve determinar a quantidade exante e o preço é determinado no
mercado de opções de capacidade;
• Este mecanismo reduziria o poder
de mercado do lado da oferta e
tornaria a demanda mais preçoelástica.
Além do mais, neste trabalho foi
desenvolvido um modelo de previsão do preço MAE com o intuito de
simular preços de opções de compra,
no curto prazo. Mostrou-se que os
preços futuros teóricos estimados
comportam-se de forma sazonal, tal
qual a série de preços MAE, e que,
por conseqüência disso, os preços
das opções de compra, calculados
pelo modelo Black e Scholes, são
positivos em determinados períodos
32
e nulos em outros. Isto mostra que
há épocas em que os preços de exercício tendem a ter valor acima dos
preços spot e épocas onde os primeiros são menores do que os últimos.
A principal implicação disso é
que em alguns períodos os geradores serão remunerados pela sua disponibilidade futura e períodos nos
quais não o serão, sendo, portanto,
necessário buscar mecanismos para
garantir tal remuneração em todos
os períodos.
Examinou-se, também, que o próprio modelo de previsão tem restrições, o que implica restrições também nos preços futuros teóricos e nos
preços das opções de compra. Isto
permite concluir que mecanismos de
mercado, como o proposto neste trabalho, somente serão eficientes se o
mercado spot também o for. Em outras palavras, a partir da experiência internacional, especialmente o
caso americano, pode-se notar que
há forte correlação entre o mercado
spot e o mercado futuro de energia
elétrica. No entanto, tal correlação
não permite verificar relações de
causalidade, o que implica afirmar
que os dois modelos de mercado são
complementares e a eficiência em
ambos é requisito para o sucesso
destes tipos de mercado.
Conforme Fraser (2003), um mercado spot no qual os preços estão
submetidos a rígidos controles, pode
não induzir a um adequado nível de
investimento, mesmo quando ocorre um choque de oferta. E, medidas
no sentido de reduzir o poder de
mercado podem reduzir o preço de
escassez, que tenderia a estimular
novos investimentos.
Resulta daí que algum tipo de
obrigação de capacidade é desejável
no sentido de reduzir a volatilidade
do preço spot. Tal obrigação é ainda
mais desejável quando o mercado de
energia não é competitivo, e tal obrigação teria caráter passageiro.
É importante enfatizar que mercados secundários de energia ou
capacidade são ferramentas preciosas para aumentar a confiabilidade
e a liquidez do setor elétrico, como
mostra a experiência internacional,
mas, sua eficiência só ocorre na medida em que também sejam eficien-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
tes os mercados de contratos e o mercado spot.
Tal Mercado e seu sistema de penalidade induzem ao aumento da
expansão do sistema porque: como
os geradores são remunerados pela
disponibilidade, e sendo o CF o real
custo de capacidade, então, como
mostrado em Leite (2003), a capacidade seria transacionada a um preço
igual ao custo marginal. Há incentivo também, pois como a penalidade
é proporcional à diferença entre a
capacidade requerida e a capacidade instalada, os geradores tenderiam
a investir a fim de evitar tal situação.
Importa, por fim, destacar que um
mercado de capacidade é um mercado adicional no sistema elétrico. A
experiência bem-sucedida de alguns
países (por exemplo, o pool dos países nórdicos) mostra que a co-existência de diferentes tipos de mercados (de contratos, spot, futuros) pode
contribuir para o aumento da eficiência econômica no setor elétrico. Ou
seja, a introdução de um mercado de
capacidade é somente viabilizada à
medida que outros mercados, como
o spot, também estejam em operação
no sistema.
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Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
33
LAÇOS COMO ATIVOS TERRITORIAIS: UMA NOVA
ABORDAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
Gláucia M. Vasconcellos Vale1
Resumo
Este artigo introduz o conceito de
“capital relacional” e apresenta um
novo referencial para análise do fenômeno do desenvolvimento regional. Utilizando-se de uma base teórica densa, respaldada por evidências
empíricas inéditas, mostra porque os
laços e as conexões presentes em uma
dada região – vinculando e interconectando os atores produtivos entre
si e estes com o mundo exterior e formando as redes territoriais – são fundamentais para o crescimento e a
prosperidade. Durante o desenvolvimento ocorre um processo de adensamento das relações locais e uma ampliação e diversificação das conexões
com o mundo exterior. Laços são ativos territoriais e condicionam a própria evolução da região. Não são, no
entanto, imutáveis. A ação empreendedora – dotada de capacidade de
inovação – pode alterar a configuração das redes. Os laços e suas conformações podem ser adequadamente
identificados e mensurados, com
metodologias e indicadores adequados, permitindo a realização de estudos de natureza comparativa. O presente trabalho demonstra a importância da construção teórica na elucidação de dimensões até então desconhecidas da dinâmica territorial e a necessidade de se incorporar, nas análises sobre competitividade e desenvolvimento regional, os ativos relacionais,
ao lado de outros recursos produtivos
convencionais, já amplamente considerados na literatura
Abstract
This article conceives and displays an new analytical construct,
devised for the evaluation of the regional development, supported by a
set of empirical dates. This is accomplished with reliance upon the
recognition of the importance acquired by ties and networks connecting
local productive actors among themselves and with the outside world. It
shows that throughout the development process underlying a given
territory, local relations, involving
local productive actors, tend to
coalesce, conjoined with the widening and diversification of their ties
with the outside world. Ties and
networks condition and shape the
nature of business achievements
those actors can accomplish and the
evolution of the own region. But they
are not unchangeble. Entrepreneurship, with its innovative dimensions,
can prevail upon a given region,
changing ties and connections, as
well as imprinting current networks
with new dynamics. This work
shows the importance acquired by
relational assets – also called here
Relational Social Capital or, briefly,
Relational Capital – for the explanation of territorial dynamics and
introduces a new methodology, with
a set of indicators, able to be supportive of comparative studies, both at
the inter and intra territorial levels.
A call is placed on the need, in the
context of analytical studies on
competitiveness and regional deve-
Palavras-chave: desenvolvimento,
competitividade, capital relacional,
capital social, laços, redes, enraizamento, empreendedorismo, inovação, aglomeração produtiva.
34
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
1
lopment, to incorporate relational
assets to the conventional productive assets, distinguished in the
traditional literature.
Key words: development, competitiveness, relational capital, social capital, ties, networks, embeddedness,
entrepreneurship, innovation, regional clusters.
Introdução
A crença de que o desenvolvimento regional poderia ser induzido a
partir de fatores exógenos, ancorados
em investimentos em grandes projetos produtivos e de infra-estrutura,
capazes de desencadear efeitos benéficos na região, norteou, em grande
parte, em todo o mundo, as políticas
públicas na área, sobretudo nas décadas imediatamente após a Segunda Grande Guerra. No Brasil, tal
proposta foi incorporada, por exemplo, nas estratégias da SUDENE, voltadas para a industrialização e o desenvolvimento do Nordeste. Essa
promessa parece ter se esgotado, juntamente com a crença na capacidade
ilimitada de utilização de mecanismos externos e exógenos, como a principal fonte de estímulo ao crescimento econômico regional (a propósito da
evolução recente da literatura sobre
desenvolvimento, ver, entre outros
autores, Sen, 2002; Meier & Stiglitz,
2002; Sachs, 2004; Johanssen et al.,
2001. Sobre a prática recente do desenvolvimento local no Brasil, ver, por
exemplo, Lages et al., 2004; Fisher,
2002, Vale, 2004 a; b; c.).
Economista, Mestrado (Université de Paris I- Panthéon/Sorbonne), Doutorado (UFLA), Professora da
PUC Minas, Gerente do Sebrae Minas, com mais de uma década de experiência na concepção e
acompanhamento de projetos de desenvolvimento regional e setorial, com livros e artigos publicados,
no Brasil e no exterior, sobre os temas desenvolvimento, empreendedorismo, redes empresariais.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A partir, sobretudo, da década de
1980, o sucesso alcançado por algumas regiões do mundo, em termos
de inserção competitiva no mercado
global, associado a elevado padrão
de sustentabilidade sócio-econômica, passou a atrair a atenção. Projetaram-se, nesse contexto, não só as
experiências bem sucedidas dos distritos industriais italianos, que passaram a ser amplamente estudados
e observados, como também de várias outras regiões, caracterizadas, em
geral, por configurações de maior
densidade produtiva, compostas por
um grande número de empresas
conexas e inter-relacionadas, em geral, de pequeno porte. Neste elenco
incluem-se, entre outras, certas regiões produtoras de confecção e jóias
da Grande Londres, na Inglaterra, os
distritos de Baden-Wurttemberg, na
Alemanha e o Vale do Silício, nos
Estados Unidos. No Brasil cita-se,
por exemplo, a partir da década de
1990, o aglomerado de couro e calçados do Vale dos Sinos. Mas, várias
outras regiões no país vêm despontando, também, como exemplos de
regiões mais dinâmicas, como é o
caso, em Minas Gerais, da aglomeração de móveis, na região de Ubá.
Ressurgem, nesse contexto, novas
indagações e provocações. Por que
algumas localidades se desenvolvem e outras não? Por que algumas
aglomerações produtivas são mais
dinâmicas que outras? Por que algumas regiões, aparentemente semelhantes, em termos, por exemplo, de
dotação de recursos produtivos e de
capital humano, podem apresentar
diferentes níveis de evolução? Questões deste tipo vêm despertando a
atenção de delineadores de políticas
públicas. A inclusão, nas análises
sobre desenvolvimento, dos ativos
relacionais pode ajudar a esclarecer
algumas questões.
O presente artigo pretende mostrar como estes ativos de natureza
relacional – designados, aqui, por
Capital Social Relacional ou, simplesmente, Capital Relacional – podem ser tão importantes para o processo de desenvolvimento local quanto os demais recursos produtivos tradicionalmente citados na literatura.
Esses ativos podem ser não apenas
identificados como, também, mensuRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
rados, com a utilização de instrumentos adequados. Tal tema foi concebido e explorado por Vale (2006a).
Esta autora já vinha trabalhando
com a temática do desenvolvimento
regional e suas associações aos temas do capital social, das redes empresariais e do empreendedorismo
(VALE, 2002 a.,b; 2004 a;b, 2005,
2006 a;b;c). Sua proposição corrente
evoluiu a partir da teoria das redes
sociais – em particular as noções de
“laços fracos” e embeddedness (enraizamento)2 associadas a proposições
originárias da literatura sobre capital social3, que foram acrescidas com
reflexões advindas de uma das vertente da literatura sobre empreendedorismo4 e sobre inovação enquanto
um processo de construção social.5
Este trabalho mostra que: i.) os laços e conexões presentes em um dado
território podem mudar. A ação empreendedora dotada de capacidade
de inovação possui a propriedade de
afetar a configuração das redes de
relacionamento aí existentes; ii) durante o processo de desenvolvimento
de uma região ocorre um adensamento das relações locais – que conectam
os diferentes atores locais entre si -,
concomitantemente a uma ampliação
e diversificação de suas conexões com
o “resto do mundo”; iii.) empresas
funcionam como “plataformas” de
relacionamentos, dotando seus membros de ativos relacionais específicos,
úteis para a criação de novas empresas em setores afins.
Será apresentada, para isso, a proposta teórica básica (primeira parte), acompanhada por um conjunto
de evidências empíricas , onde se
incluem, entre outras, as geradas em
uma pesquisa pioneira e inovadora,
realizada, durante o ano de 2005, na
aglomeração produtiva de móveis,
na região de Ubá, em Minas Gerais
(segunda parte), seguida pela conclusão (terceira parte).
A concepção teórica
Uma proposição teórica básica
norteia a presente reflexão. Trata-se
da noção que a transformação de
uma região desarticulada ou economicamente deprimida em um território próspero e produtivo depende
não apenas da natureza dos recursos produtivos aí presentes e da qualidade da mão-de-obra (como, aliás,
amplamente defendido pelos teóricos do desenvolvimento, que a isto
vêm adicionando, mais recentemente, outros fatores, como história e
cultura), mas também, em grande
dose, de seus “ativos relacionais”,
ou seja, do seu estoque de capital
relacional.
No sentido aqui imputado, o capital relacional representa o conjunto de recursos enraizados (embedded)
em redes sociais, de usufruto de atores (individuais ou coletivos) e resultante de relacionamentos, conexões e laços. Tais recursos garantem
a seus detentores informações, permitem acesso a bens valiosos e geram oportunidades, ajudando-os na
obtenção de resultados pretendidos.
Nesse contexto, atores sociais, com
conexões capazes de lhes permitir
transpor distâncias sociais e estabelecer “pontes”, com outros atores e
redes (grupos sociais) distintos, gozarão de condições mais privilegiadas. Em um determinado território,
o capital social seria representado
pelo conjunto de recursos inseridos
nas conexões e laços à disposição
dos atores produtivos aí presentes,
vinculando-os entre si e com o “resto do mundo” e condicionando a
natureza dos empreendimentos (individuais e coletivos) que são capazes de implementar. Estes “ativos”
relacionais, em interação com os demais recursos produtivos aí presentes, condicionam a evolução do próprio território.
2
Ver, na origem destes conceitos, Granovetter, 1973, 1985, 1986, 1991, 1992, 1994, 2001, 2005.
Nos desdobramentos, em outros autores, ver, por exemplo, Zukin & DiMaggio, 1990; DiMaggio,
1994; Grabher, 1993; Dosi e Malerba, 1996; Dacin et al., 1999; Malerba, 2005.
3
As abordagens recentes sobre capital social diferem, significativamente, das abordagens clássicas
(representadas, por exemplo, por Coleman 1988, 1990; Bourdieu, 1982, 1999, 2002; Putnam
1993, 1996). Ver, entre outros, Lin, 2001a,b.
4
Trata-se da visão do empreendedor enquanto um articulador de redes, como concebido por
Leibenstein 1968; Granovetter 1985; Burt, 1992, 1997, 2000, 2001
5
A propósito deste assunto ver, entre outros, Lundval, 1988; Lundval & Borrás, 1997; Malerba,
2005
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
35
“
... alianças
estratégicas são
construídas e desfeitas;
novas alianças se
consolidam; relações
empresariais e
institucionais são
retransformadas...
”
Este conjunto de laços e conexões
representa, em um dado momento, o
estoque de capital social relacional
ou de ativos relacionais do território. Este estoque não é, no entanto,
estático, sendo dotado de uma característica dinâmica. A configuração
das redes, em um dado momento,
reflete a história e a natureza da evolução da própria comunidade. Relações e interações passadas influenciam a natureza das relações futuras que, por sua vez, são afetadas
por variáveis de natureza institucional, social e cultural aí presentes.
Mas, na dinâmica de reconfiguração
das redes, um fator, em particular, é
de interesse do presente trabalho: a
ação empreendedora dotada de capacidade de inovação.
A ação empreendedora pode alterar não só a configuração das redes
existentes, preenchendo brechas ou
vazios no mercado, destruindo e criando diferentes laços e conexões entre distintos atores e grupos sociais e
recombinando recursos novos e ou
antigos, como altera, também, a natureza dos recursos enraizados (embedded) nessas redes. Ou seja, o capital relacional. Ao longo do processo,
vinculações sociais e mercantis, imbricadas e enraizadas (embedded)
umas nas outras, vão se reforçando e
interpenetrando, afetando a dinâmica do próprio capital social aí presente.
A reconfiguração de redes passa
não só pela capacidade de combinação de recursos produtivos convencionais, disponíveis no mercado e
compatíveis com um determinado
padrão de conhecimento já existen-
36
te, mas também e sobretudo, pela
capacidade de combinação de recursos existentes mas não relacionados
ou não considerados compatíveis
em face de um dado paradigma
tecnológico prevalente. Fornecedores e distribuidores são, eventualmente, substituídos ou acrescidos;
novos produtos são lançados, exigindo a criação de novas redes voltadas para outros segmentos ou nichos de mercado; novas combinações de produtos e mercados são realizadas; alianças estratégicas são
construídas e desfeitas; novas alianças se consolidam; relações empresariais e institucionais são retransformadas; relações sociais e mercantis, imbricadas umas nas outras, se
reforçam e se modelam.
O ritmo da transformação dependerá da natureza da inovação (se
incremental versus radical) e de seu
impacto (se pequena versus grande
e se localizada versus abrangente).
Grandes inovações podem gerar
grandes transformações. Inovações
incrementais geram transformações
incrementais. O ritmo de desenvolvimento e de transformação de um
território é, em geral, lento. Se é verdade que uma empresa possui uma
certa dotação em termos de rotinas e
procedimentos técnicos (a propósito deste assunto ver Nelson & Winter, 1982), que evolui, geralmente, de
maneira mais gradual, pode-se complementar tal afirmação salientando que cada empresa possui um determinado conjunto de ativos relacionais – seu estoque de capital social – que evolui, também, de maneira mais gradual. Tal ritmo pode ser
quebrado, apenas, no caso de grandes inovações.
Nesse contexto, as empresas locais funcionam como plataformas de
relacionamentos, dotando seus
membros de ativos relacionais específicos, que lhes são de utilidade na
criação de novas empresas, em setores afins. No início da evolução de
uma empresa, os laços pessoais
pregressos de seus proprietários funcionam como alavancadores de relações comerciais, que vão se formando, constituindo, elas próprias,
à medida que se consolidam, também em alavancadoras de novas re-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
lações, que compõem o ativo relacional das empresas. Parte deste ativo ou acervo pode ser, eventualmente, apropriado ou aproveitado por
outros membros da empresa, como
ativos pessoais, na criação de novas
empresas.
Durante o processo de desenvolvimento de uma região ocorre uma
evolução e uma ampliação das redes aí existentes, capazes de preencher os vácuos e lacunas, que separam não só distintos atores, grupos
e segmentos sociais presentes naquela comunidade (reduzindo as facções, o isolamento e a distância existente entre eles, permitindo, conseqüentemente, um maior fluxo de informação e a difusão e renovação da
inovação entre as empresas) como,
também, que separam a região de
centros mais dinâmicos, localizados
fora de seu território, ou seja, situados no “resto do mundo”. Enquanto
o adensamento dos vínculos locais
garante a criação de um padrão produtivo local e a implementação de
ações coletivas, são os vínculos exteriores, com os centros dinâmicos,
capazes de “capturar” recursos valiosos e diversificados, localizados
fora do território, que funcionam
como mecanismos indutores de permanente transformação e inovação.
Uma ênfase demasiada em vínculos interiores, em detrimento dos
exteriores, leva o território a uma situação de isolamento e contração.
No outro extremo, uma valorização
excessiva dos vínculos exteriores,
sem um correspondente desenvolvimento dos vínculos interiores, leva
à formação de enclaves territoriais,
onde os benefícios do progresso podem ficar concentrados nas mãos de
poucos privilegiados conectados
com exterior, ao mesmo tempo em
que se amplia a vulnerabilidade local, visto que processos decisórios
relevantes podem, eventualmente,
situar-se fora da esfera do próprio
território.
Para o desenvolvimento de uma
região concebe-se, como fundamental, o estoque de ativos relacionais
existentes e sua interação com os demais ativos, tradicionalmente citados
na literatura corrente. Se, por um
lado, os modelos econômicos regioRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
nalizados de relações interindustriais, como os de Leontief, Chenery e
Isard, entre outros, são capazes de
captar as vinculações produtivas
existentes, em um dado momento,
entre certos tipos de recursos produtivos locais e os recursos produtivos
externos, tais modelos são, no entanto, incapazes de capturar as múltiplas dimensões existentes na configuração das redes sociais aí presentes ou o caráter dinâmico de tais configurações. Estas configurações afetam, de certa forma, a própria conformação da matriz de insumo-produto, à medida que condicionam o que
será ou não “apropriado” como recurso local e o que será “transacionado” com o mundo exterior, dentro de um conjunto de possibilidade
objetivas e concretas, teoricamente
disponíveis para a região. Tais proposições encontram amplo respaldo
na realidade das regiões, como pode
ser observado, recorrendo-se a pesquisas empíricas.
As evidências empíricas
Alguns exemplos permitem uma
melhor compreensão da importância das conexões e das redes de relacionamento, tanto no âmbito de um
ator individual, quanto de um território. Pode existir, por exemplo, em
uma comunidade rural, um ou mais
artesãos com capacidade de criar ou
produzir determinados objetos, muito valorizados em outros locais ou
em centros mais dinâmicos. No entanto, a realização e o usufruto do
valor pelo seu criador ou produtor
só são possíveis se esse ator possuir
contatos e laços com outras redes
sociais, além daquelas situadas na
sua própria localidade, capazes de
permitir a ele inserir seu produto em
mercados que o valorizam. Ao contrário, sua criação ou produção ficarão restritas à sua pequena comunidade de relacionamento, que é incapaz de dotá-lo de qualquer valor econômico relevante.
Em várias regiões do país podem
ser encontrados indivíduos deste
tipo, como atestado pelo projeto de
resgate cultural do artesanato, desenvolvido pelo Sebrae/ FAOP (VALE, 2003). São detentores de saberes
tradicionais, verdadeiros repositóRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
rios de técnicas e ofícios que foram,
um dia, no passado, fundamentais
para a vida social e econômica de
suas comunidades. Vários desses
ofícios encontram-se, hoje, em risco
de extinção. Seus produtos seriam,
no entanto, muito valorizados, atualmente, em vários locais do mundo, como objetos de decoração ou,
mesmo, como utilitários. Situações
deste tipo podem ser encontradas,
por exemplo, em regiões que já foram prósperas, passaram por um
processo de contração e perderam
suas conexões (região deprimida)
ou, ainda, em regiões dotadas de certo conteúdo demográfico e de recursos convencionais, mas que, ainda,
não lograram articulação com centros dinâmicos (regiões isoladas ou
desarticuladas). É comum referir-se
a essas regiões como pouco dotadas
de capacidade empreendedora e, conseqüentemente, incapazes de usufruir, plenamente, de investimentos
aí realizados. Na realidade, elas carecem de um tipo de capital social,
ou seja, de redes de relacionamento
e conexões com o mundo exterior,
embora possam possuir, eventualmente, densidade de vínculos locais.
Um segundo exemplo ajuda a
caracterizar a importância das conexões externas de um dado território na manutenção do dinamismo local. Com o esgotamento do ciclo do
café e a decadência da produção de
fumo, a Zona da Mata, localizada em
Minas Gerais, foi perdendo a vitalidade e as conexões com os centros
mais dinâmicos do país e do exterior. Insere-se, hoje, entre as macroregiões deprimidas do estado e do
país. Sua taxa de crescimento do PIB,
no período 1992/2000, foi de 3,3%,
inferior à média estadual. No entanto, aí vem despontando uma localidade cujo desempenho destoa do
restante da região. Trata-se do pólo
moveleiro de Ubá que apresentou,
neste mesmo período, uma taxa de
crescimento de 5,7%, muito superior,
inclusive, à taxa estadual ou à nacional. Esta localidade vem se especializando, desde a década de 1970, na
fabricação de móveis. A partir de
1990 multiplicou-se o número das
empresas existentes e a produção
expandiu-se para cidades vizinhas.
Nos últimos anos esta região despontou, no cenário nacional, como
um dos principais centros produtores do país e inicia, agora, seu processo de internacionalização.
Ao longo do processo de transformação e desenvolvimento desta
região é possível observar como as
redes locais foram se adensando;
como foram surgindo e se multiplicando as conexões externas; a importância das redes pessoais condicionando e afetando a criação das redes empresariais; as repercussões
destas nas redes pessoais; a capacidade de inovação e o papel da ação
empreendedora rompendo o status
quo e afetando a configuração das
redes regionais; a interação entre
estes processos na formação do capital relacional local.
Nas últimas décadas, este território foi forjando, paulatinamente,
uma nova rede de conexões e vinculações com os principais centros produtores e consumidores de móveis
do país e inicia, agora, suas conexões com o mercado internacional.
Os móveis que eram, inicialmente,
cópias mal feitas, voltadas para segmentos situados geograficamente
próximos do pólo e menos exigentes
de consumo, estão adquirindo uma
concepção própria e voltando-se
para mercados cada vez mais distantes e exigentes. Dada a intensa
interação existente entre os produtores e demais atores locais, a proliferação de redes conectando a região
com os centros mais dinâmicos amplifica e multiplica oportunidades
empreendedoras individuais. Novos
empreendimentos que surgem usufruem de muitas das conexões existentes no local, além de forjar, muitas vezes, novos laços e conexões.
“
Com o esgotamento do ciclo do café e
a decadência da produção de fumo, a Zona da
Mata foi perdendo a
vitalidade...
”
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
37
Uma imersão na realidade de Ubá
permite observar como vem se dando a dinâmica de evolução do território.
Serão utilizados, para isso, alguns resultados obtidos a partir de
uma pesquisa de campo aí realizadas.6, que contou com a ajuda de um
conjunto de indicadores, incluindo:
i.) Indicador de densidade da rede
(mede o grau de conectividade de
uma rede, em um determinado momento, a partir da aferição da freqüência de contatos existentes entre
seus membros, incluindo: contatos
diários/semanais; mensais; bimestrais; eventuais); ii.) Indicador de
amplitude da rede (mede o número
de diferentes “categorias” de contatos existentes em uma determinada
rede, incluindo os contatos a níveis
local, estadual, nacional e internacional); iii.) Indicador de Adensamento da rede (mede a alteração na
intensidade de contatos, dentro de
uma mesma “categoria de contato”,
em um determinado período de tempo); iv.) Indicador de Enraizamento
ou de embeddedeness, contendo dois
tipos (Temporal mede o encadeamento intrafamiliar da atividade
produtiva, verificando a quantas
gerações imediatamente precedentes
esta remonta; Setorial mede o grau
de encadeamento interempresarial,
verificando as ligações a jusante e a
montante, que se estabelecem entre
diferentes empresas, no fenômeno de
transformação de antigos empregados em novos empresários); v.) Indicador de desempenho empresarial
(mede o impacto de um produto
novo nas vendas totais de um dado
conjunto de empresas).
Embora um determinado território possa apresentar uma tendência
geral dominante de transformação
em certa direção, podem coexistir e
conviver, em seu interior, diferentes
realidades, com distintos padrões de
evolução. A pesquisa realizada em
Ubá permitiu a identificação de dois
conjuntos bastante distintos de empresas: o Grupo em Expansão (empresas que apresentaram, nos últimos dois anos, taxas de crescimento
do faturamento superiores a 20%,
representando o núcleo dinâmico do
polo); Grupo em Retração (empresas
38
cujas taxas de faturamento, no mesmo período, foram negativas ou, no
máximo, inferiores a 5%). A pesquisa identificou que estes dois grupos
também apresentaram nítidas diferenciações em termos de capacidade de inovação e no que diz respeito
à posse de ativos relacionais.
O fenômeno de ampliação e adensamento das redes
Há meio século atrás, a região de
Ubá não possuía conexões vinculando empresas moveleiras com qualquer tipo de organização localizada
além das fronteiras estaduais. Há
uma década, a região não possuía
conexões com qualquer tipo de organização além das fronteiras nacionais. Há cinco anos, a região não
tinha contato com nenhum centro
tecnológico.
No exercício de sua missão as
empresas lançam mão de vários canais de conexão e de contato (com o
mercado, o poder público e a sociedade), cada um deles inserindo-se
em uma dada “categoria de contato”. As diferentes categorias de contato incluem: outras empresas similares, fornecedores, clientes, representantes, empresas de consultoria,
bancos, entidades empresariais e de
apoio, escolas/universidades/centros tecnológicos, grupos empresariais, fóruns e grupos sociais, prefeitura e orgãos públicos, outros grupos, etc. Estas vinculações podem se
dar a nível local/regional, estadual,
nacional e internacional. Quanto
mais freqüentes forem, por exemplo,
as vinculações de âmbito internacional, mais internacionalizada encontra-se a região; e vice versa. No
caso de Ubá, estes canais foram todos mapeados e classificados em
certas categorias de contato ou de
vinculação, levando à criação de
uma Matriz de Conectividade Territorial. Foi possível vislumbrar, aí, o
atual perfil de vinculações empresariais, hoje prevalente na região. Os
dados indicam que, no âmbito local,
existem treze diferentes categorias de
contato explorados pelas empresas
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
6
locais; no estadual nove; no nacional,
sete; no internacional, quatro. Tais
vinculações retratam não apenas o
quadro atual mas representam, também, os limite das possibilidades
territoriais atualmente disponíveis
para o setor produtivo local.
Observando-se a performance do
indicador de diversidade de contato entre os dois grupos de empresas
constatam-se diferenças significativas: o grupo de empresas em expansão possui, em geral, um maior número de diferentes categorias de conexão. Mais de 20% das empresas
moveleiras possuem vinculações
com um mínimo de nove diferentes
categorias de conexão (no caso das
empresas em retração este indicador
é de 11%, contra 24% no caso das
empresas em expansão). Cerca de
56,3% das empresas possuem mais
de cinco diferentes categorias de conexão em âmbito nacional (sendo
36,9% para o grupo em retração e
66,7% para o grupo em expansão).
Já, 8% das empresas possuem pelo
menos uma categoria de conexão em
âmbito internacional (empresas em
retração zero e empresas em expansão 15%).
A transformação recente no estoque de ativos relacionais da região
(período 2000-2005) pode ser captada com a utilização do indicador de
adensamento das conexões, que baseia-se no conceito de saldo (um saldo positivo indica que em 2005 a freqüência de contatos realizados pelo
conjunto de empresas, dentro de
uma mesma “categoria de contato”
foi maior do que a freqüência existente em 2000, sinalizando expansão nos contatos; por outro lado, o
saldo negativo sinaliza retração nos
contatos).
Este indicador, aferido na categoria de relações “empresa moveleiraoutras empresas similares da região” é de +30%. Indica que o número de empresas que ampliou seus
contatos com outras empresas similares, na própria comunidade, é
muito superior ao número de empresas que, no mesmo período, reduziu
A pesquisa de campo foi realizada em 2005, com uma amostra composta por 64 empresas,
representativa do universo empresarial local, considerando um nível de confiança de 95% e um erro
amostral de nove pontos percentuais.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
seus contatos. Este indicador, aferido para a categoria de relacionamento “empresa moveleira-entidades empresariais de apoio local” é
de +31%. No caso da categoria “empresas moveleiras-entidades coletivas locais” (a exemplo de consórcios de exportação, centrais de compra, etc.) é de +14%.
No mesmo período, as empresas
do pólo também ampliaram e diversificaram suas conexões com o resto
do mundo, com destaque para o grupo de empresas em expansão. Estas,
apresentaram um indicador de adensamento das conexões com a categoria “universidades, escolas, centros
tecnológicos”, no âmbito estadual,
de +15% (contra zero para o grupo
de retração). As empresas do grupo
em expansão apresentaram uma
taxa de adensamento de contatos
com a categoria “clientes”, localizados no exterior, de +12% (valor nulo
para grupo em retração). As empresas da aglomeração produtiva de
móveis da região de Ubá encontramse, neste exato momento, iniciando
um processo de internacionalização,
com inserção no mercado internacional.
Desempenho, inovação, laços e dinâmica territorial
A sobreposição e o encadeamento de mudanças e inovações nas
empresas vêm alterando, de maneira significativa, as relações com seus
clientes, fornecedores, representantes, com demais empresas moveleiras
do pólo e com a comunidade em geral: do total de empresas que lançou,
a partir de 2003, um produto novo
no mercado (considerado novo da
perspectiva da empresa), tal fato afetou, em algum grau, suas respectivas carteiras de clientes (em 95% das
empresas), suas carteiras de representantes (40% delas), suas carteiras de fornecedores (30% delas) e
suas relações com outras empresas
moveleiras na região (21% delas).
A região vem apresentando, nos
últimos anos, capacidade de inovação e de mudança. O mesmo conjunto de empresas que vêm ampliando
e diversificando seus laços e conexões com o “resto de mundo” vem,
também, demonstrando uma maior
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
capacidade de inovação e um melhor
desempenho, este aferido em termos
de evolução do faturamento nos últimos dois anos (2003/2005). Tal fato
permite associar desempenho com a
presença de ativos relacionais e sugere que a ampliação e a diversificação de contato encontram-se, intimamente, associada à capacidade de
inovação das empresas.
O indicador de desempenho empresarial permite captar a associação entre capacidade de inovação e
desempenho empresarial. A pesquisa constatou que existe uma capacidade diferenciada de inovação entre os dois conjuntos de empresas:
este indicador foi de 30,6% no caso
do grupo em expansão (contra 3,6%
no grupo em retração). Observandose o impacto de um produto novo,
introduzido pelas empresas nos últimos dois anos (2003/2004), nas
vendas totais correntes das empresas, constatou-se que em 51,5% das
empresas em expansão (contra apenas 5,2% no caso das empresas em
retração), o impacto de um produto
novo, nas vendas totais da empresa
situou-se no patamar de 5% a 50%.
Salienta-se, também, que 67% das
empresas em expansão afirmaram
ter lançado um produto novo (incluem-se, neste conjunto, todas as empresas que estão exportando), contra apenas 10,5% para o grupo em
retração.
Pode-se concluir que, durante o
processo de desenvolvimento da região de Ubá, vem ocorrendo, gradualmente, seja um processo de um
adensamento das redes de conexão
envolvendo as empresas com distintos grupos e organizações presentes
na região (reduzindo as facções, o
isolamento e a distância existente
entre eles, permitindo, conseqüentemente, um maior fluxo de informação e a difusão e renovação da inovação entre as empresas), seja um
processo de ampliação e diversificação das conexões locais com outras
organizações e empresas, situadas
em centros mais dinâmicos e localizadas em territórios cada vez mais
distantes. Enquanto o adensamentos
dos vínculos locais vem permitindo
a criação de um padrão produtivo
local e a implementação de algumas
ações coletivas, são os vínculos exteriores, com os centros dinâmicos,
que funcionam como mecanismos
indutores de permanente transformação e inovação.
Destaca-se, nesse contexto, o papel desempenhado por um conjunto
de empresas que constituem o núcleo dinâmico da aglomeração, imprimindo à região uma capacidade
diferenciada de inovação e de transformação, associada a uma habilidade de desbravar e criar novas conexões. Muitas destas são, posteriormente, exploradas e ocupadas pelas
demais empresas da região. Elas
também funcionam como referência
para melhoria e mudanças nas outras empresas, o que é possível, devido à grande interação, em geral
informal, existente entre elas e o fluxo de informação que aí circula. Alguns dados permitem sustentar tal
proposição. Quase 60% das empresas consideram “muito importante”
ou “importante” os contatos com
“outras empresas do ramo”, como
fonte de informação para aperfeiçoamento de seus produtos. Mais de
60% delas mantêm laços fortes (caracterizados por uma freqüência diária ou semanal de contato) com pelo
menos uma outra empresa do ramo,
localizada na região; 96,8% das empresas mantêm laços de qualquer
intensidade com pelo menos uma
outra empresa moveleira. Tais dados
indicam que a circulação de informação e a difusão da inovação na
aglomeração produtiva podem se
propagar rapidamente. Para uma
melhor compreensão da dinâmica
territorial é importante entende o
papel das empresas como “plataformas” de relacionamento.
Empresas como “plataformas” e laços
como ativos
Empresas podem funcionar como
“plataformas” para a criação de novas empresas, dotando seus membros de ativos relacionais específicos. No caso de Ubá, um grande número de empresários atuais teve, no
passado, algum tipo de conexão,
pessoal ou familiar, no ramo de móveis. A forma mais difundida de experiência prévia é, no caso dessa região, a vinculação passada como
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
39
“
... experiência
prévia no mesmo ramo,
inclusive como empregado constitui-se, no
mundo empresarial, um
fator distintivo.
”
empregado em outra empresa. Antigos empregados, que se transformam em novos empreendedores, somam, ao estoque de ativos relacionais que tiveram a habilidade de
acumular durante o período em que
atuaram como membros de outra organização, as novas conexões, que
são capazes de criar, em suas próprias empresas, graças ao esforço
empreendedor e à capacidade de
inovação. Nesse contexto, é de fundamental importância a natureza do
enraizamento (embeddedness) da atividade produtiva na região.
Algumas das dimensões do fenômeno foram captadas em Ubá, contando-se, inclusive, com a utilização
dos indicadores de enraizamento
(Temporal e Setorial). Em Ubá, o indicador de enraizamento temporal
para a terceira geração é de 6,2% (indica que 6,2% das empresas possuem vinculações intrafamiliares que
remontam há 3 gerações). O indicador de enraizamento setorial é de
71,8% (indica que 71,2% das empresas possuem sócios-proprietários
que já foram, anteriormente, empregados de outras empresas no ramo
ou, então, possuíram, no passado,
empregados que se tornaram empresários no ramo).
Um empresário bem sucedido em
um determinado ramo de negócios
usufruiu, com muito freqüência, no
passado, de uma experiência prévia
no mesmo ramo, inclusive como empregado (antes de se tornar empresário). A presença de tal experiência
constitui-se, no mundo empresarial,
um fator distintivo. Ampla maioria
dos empresários pesquisados considera que a experiência previa é benéfica para a sua empresa. No entanto,
avaliando-se o tipo de beneficio obtido, aquele gerado pelo domínio do
40
processo produtivo equipara-se, em
termos de importância, ao beneficio
advindo do conhecimento das fontes de informações de interesse,
ambos citados por pouco mais da
metade das empresários pesquisados, que registraram a presença de
alguma experiência anterior na área.
Como identificado pela pesquisa, existe, no entanto, um benefício
que é, na visão dos empresários,
superior aos demais: “o conhecimento de clientes”, citado por 72% dos
empresários. Na realidade, é o acesso ao cliente que se constitui um elemento distintivo, para um iniciante
no mundo dos negócios. Como podese daí depreender, a experiência passada do atual empresário, como empregado em outra empresa, pode se
transformar em um grande ativo.
Entre as formas possíveis utilizadas pelas empresas de Ubá, para
obter o acesso aos clientes, situamse indicação de pessoas do relacionamento comercial, com 21,% das
citações (primeiro lugar) e, “já era
de conhecimento do empresário,
desde o tempo em que trabalhava
em outra empresa do ramo”, com
16% das citações (segundo lugar).
Salienta-se que o primeiro tipo de
benefício diz respeito a contatos de
natureza comercial (que a empresa
foi forjando), enquanto que o segundo tipo refere-se a contatos de natureza pessoal (que o empresário acumulou enquanto atuava, como empregado, em outra empresa).
A pesquisa constatou que, à medida que ocorre um aumento no porte das empresas, amplia-se a importância dos mecanismos de acesso
derivados da ação empreendedora
dotada de capacidade de inovação,
levados a cabo pela empresa, capaz
de diferenciar seu produto dos concorrentes, tornando-o mais competitivo. No outro extremo, quanto menor for uma empresa, mais dependente ela encontra-se de ativos
relacionais passados, de natureza
pessoal do empresário. Se, por um
lado, estes podem ser importantes
para permitir um melhor posicionamento inicial de uma nova empresa
no mercado e podem, também, dar
uma contribuição para o sucesso
posterior do empreendimento, eles
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
não são, no entanto, suficientes para
o crescimento e o desenvolvimento
da empresa. Em um mundo de competição acirrada e em permanente
processo de mudança, as empresas
devem, continuamente, investir na
criação de novos laços e conexões, o
que é possível à medida que são capazes, também, de inovar e de se
transformar, introduzindo novos
processos e gerando produtos diferenciados. A inovação garante o
acesso a novas redes e a centros mais
dinâmicos. Ao mesmo tempo, as novas vinculações e conexões exigem
da empresa maior dinamismo e capacidade de transformação.
No ambiente de interação, as novas empresas geradas, muitas delas
provenientes de empresas já instaladas, aproveitam, muitas vezes, das
redes e conexões criadas pelas empresas anteriores mas vão, também,
adicionando e forjando seus próprios laços e criando novas redes. Foi
assim em Ubá e é assim nas regiões
que estão prosperando e crescendo.
Considerações finais
Como observado, os ativos relacionais, no contexto de um dado território, são tão importantes quanto o
capital físico ou o capital humano aí
presentes, para seu crescimento e desenvolvimento. No caso de Ubá, várias gerações vêm alimentando a dinâmica dessa aglomeração produtiva, com um rico acervo de capital
relacional, que vem se acumulando e
ampliando, como resultado da ação
empreendedora, dotada de capacidade de inovação. As gerações, assim,
vão se sucedendo, as mais novas utilizando-se dos laços, conexões e conhecimento das gerações anteriores,
mas, conseguindo, ao mesmo tempo,
preservar o ímpeto empreendedor e a
capacidade de inovação.
As concepções teóricas, associadas às observações de campo, permitem avançar com algumas proposições para políticas públicas voltadas para o incremento da competitividade territorial e para a implementação de processos sustentáveis de
desenvolvimento local. São elas:
a) Conscientizar entidades envolvidas com projetos de desenvolvimento territorial sobre a imporRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
tância de seus papéis como agentes de conexão e de criação de redes, conectando empresas entre si,
com entidades e grupos locais e
com o mundo exterior.
b) Ajudar a transformar as conexões
indiretas das empresas (intermediadas, em geral, por entidades de
apoio empresarial) com atores
chaves, localizados no âmbito local, estadual, nacional e internacional, em conexões diretas
c) Inserir ou valorizar, nos esforços
de criação de um sistema local de
governança nas aglomerações
produtivas, a presença de entidades diversas de atuação estadual
e nacional, para que possam interagir mais freqüentemente com os
demais atores locais.
d) Implementar, em aglomerações
produtivas, constituídas por um
grande número de empresas do
mesmo setor de atividade, programas de incentivo à criação de novas empresas, explorando, ao
máximo, as conexões aí presentes
e o estoque de experiência e conhecimento acumulados.
e) Incentivar os contatos e interações
de natureza mais informal entre
as empresas, em acréscimo aos
esforços de criação de agrupamentos empresariais mais institucionalizados ou formalizados.
f) Reforçar iniciativas que permitam
ampliar os contatos e as interações
das empresas locais com empresas similares ou com outros elos
da cadeia produtiva, localizados
em centros mais dinâmicos, fora
da região.
g) Investir na criação de um núcleo
dinâmico e auto-suficiente de empresas, capaz não só de gerar efeito demonstração, como, também,
de forjar e desbravar novos contatos e conexões, que poderão,
gradativamente, ser ocupados e
explorados pelas demais empresas da região.
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VALE, G.M.V. Reinventando o espaço
para a construção de territórios competitivos, LAGES, V.; BRAGA, C.;
MORELLI, G. Territórios em movimento: cultura e identidade como es-
tratégia de inserção competitiva.
Brasília: Relume Dumará, 2004c. p.301323.
VALE, G. M. V., Amâncio, R. Wilkinson, J. Desbravando Fronteiras: o Empreendedor como Artesão de Redes e
Artífice do Crescimento Econômico.
Brasilia, Enanpad, 2005
VALE, G.M.V.; AMÂNCIO, R.; LIMA,
J.B. A criação e gestão de redes na estratégia competitiva de empresas e regiões, Revista de Administração da
Universidade de São Paulo, 2006a. No
prelo.
VALE, G.M.V.; AMANCIO, R.; LAURIA, M.C.P. Capital social e suas implicações para o estudo das organizações. Organizações e Sociedade, 2006b.
No prelo.
VALE, G.M.V. Laços como ativos
territoriais: análise das aglomerações
produtivas na perspectiva do capital
social. 2006. Tese (Doutorado) UFLA.
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Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA PROPOSTA
TRANSFORMADORA
Renato Dagnino1
Resumo
Ao contrário de outras áreas de
política pública, aonde a esquerda
brasileira e latino-americana vem
conformando um modo novo de governar que vai construindo um estilo alternativo de desenvolvimento
sócio-econômico, a de C&T permanece ainda no passado. O propósito
deste trabalho – muito ambicioso e
que para alguns poderá parecer pouco acadêmico – é resgatar a C&T da
“neblina ideológica” em que antes
estiveram tantas outras áreas de política pública e propor ações que a
coloquem numa situação coerente
com seu poder alavancador desse
estilo alternativo. Seu foco é o nível
local, ou municipal, até agora ainda
pouco tratado pelos pesquisadores
dos Estudos Sociais da C&T, mas
que para os que se interessam na elaboração de políticas publicas que
possam incidir “onde as coisas acontecem” (ou impactam diretamente a
população) é fundamental.
Palavras chave: Política Científica e
Tecnológica, desenvolvimento local,
estilos alternativos de desenvolvimento, inovação social.
Abstract
Contrarily to other areas of public
policy, where the Brazilian and
Latin-American left are conforming
a new way to govern appropriate to
the alternative style of socioeconomic development they defend, the
area of S&T remains tied to the past.
The purpose of this paper -very
ambitious and, for some, little academic– is to rescue S&T of the “ideological fog” in which so many other
areas of public polices where before
and to propose actions that place it
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
in a situation coherent with its
impelling power towards that alternative style. The focus of this work
is at local level, which has been
rarely approached by researchers of
social studies of S&T.
Key words: Science and Technology
Policy, local development, alternative development styles, social innovation.
1. Introdução
O patamar do qual se tem que
partir é muito inferior ao existente
em outras áreas, aonde um longo
processo de acúmulo de reflexão e
discussão foi gerando um pensamento alternativo e rompida a “neblina ideológica” que as cercava. Foi
saindo do vale enevoado que a esquerda chegou ao meio do caminho,
foi capaz de perceber o quanto já se
havia afastado da neblina, escolher
a melhor maneira de chegar ao pico,
e transformar esse pensamento em
ações de governo nas instâncias que
foi pouco a pouco controlando. Partir desse patamar, que se poderia
denominar “pré-neblina”, uma vez
que são ainda escassas as manifestações críticas a respeito, obriga a um
longo e arriscado caminho. Ele deixa a muitos temerosos e a todos impacientes, mas deve ser percorrido
em marcha forçada porque disso
depende a produção do conhecimento necessário para construir o
futuro que se deseja.
Ele se inicia pela desconstrução
do pensamento hegemônico, do
substrato analítico-conceitual e do
marco institucional da PCT em curso. Apesar de terem sido construídos
1
pela direita ao longo de mais de dois
séculos, a favor da corrente conformada pelo modo de produção capitalista – sua base econômico-produtiva, e sua superestrutura ideológica – e junto com a ciência e a
tecnologia que com ele se foram entremeando, esses três elementos do
pensamento hegemônico terão que
ser rapidamente desconstruídos.
Mitos muito caros a quem insiste em
dizer que o conhecimento só pode
sair da universidade e chegar à sociedade através da empresa privada; que é aquilo que imitativamente
entendem por a “alta tecnologia” o
que irá desenvolver o País; que só
pode existir uma ciência – a verdadeira, neutra e universal –; e que a
construção de um conhecimento que
sirva a um outro projeto é heresia,
serão deixados para trás neste longo e arriscado caminho.
Iremos do geral/ideológico/internacional/teórico-programático para
o particular/político/nacional/ municipal/prático, abordando sucessivamente nas seções que se seguem:
1. os desafios que a construção do
“Estado necessário” coloca para
a PCT;
2. a agenda proposta pela esquerda
em nível mundial acerca das relações entre C&T e sociedade;
3. a urgente necessidade de incorporar esta agenda num processo de
politização da PCT nacional;
4. as características do potencial de
C&T instalado nas cidades brasileiras, o arranjo institucional dos
Parques e Pólos Tecnológicos e as
razões do seu fracasso, determinadas pelas características do tecido industrial brasileiro;
Livre Docente e Professor Ttitular do Departamento de Política Científica e Tecnológica – Unicamp.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
43
“
... se espera que uma
ampla conscientização e
mobilização políticas
ocorra sem um custo
social maior que aquele
que esta sociedade
vem pagando...
”
5. a proposta de um Sistema de Inovação Social feita por setores da
esquerda para a instância municipal;
6. os compromissos possíveis de
novos governos de esquerda na
área de C&T.
Coerentemente com o caráter das
questões que levanta e com o interesse que espera satisfazer – mais
próximo do debate político do que
da reflexão acadêmica – este trabalho não inclui nenhuma referência
bibliográfica. Não será difícil para o
leitor acostumado com os Estudos
Sociais da C&T rastrear muitas das
idéias que ele contém.
2. O “estado necessário” e a
PCT
Este item pode ser entendido
como uma tentativa de responder, no
plano da PCT, a uma pergunta que
a muitos preocupa: o que fazer para
construir o “estado necessário”, um
estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria
da população e projetar os países da
América Latina numa rota que leve
a estágios civilizatórios sempre superiores? Por isto, e embora a abordagem que ele propõe esteja limitada ao campo da PCT ou de Inovação, buscamos situá-la num contexto mais amplo.
A resposta a essa pergunta demanda, em primeiro lugar, que se
identifiquem as características do
Estado que herdamos do período
autoritário, que sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo
neoliberalismo. Para fazê-lo, parece
necessário reconhecer que, mais
além das referências ideológicas, a
combinação que herdamos, de um
44
Estado que combinava autoritarismo
com clientelismo, hipertrofia com
opacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo com megalomania, não atende nem ao projeto da direita nem ao projeto da esquerda latino-americana.
O final do autoritarismo deu início a um processo de democratização política, que tende a possibilitar
um aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de veicular
seus interesses, levando à expressão
de uma demanda crescente por direitos de cidadania. À medida que
este processo avançar, aumentará
ainda mais a capacidade desses segmentos de pressionar, pela satisfação de suas necessidades não atendidas por bens e serviços – alimentação, transporte, moradia, saúde,
educação, comunicação etc. – e, com
isso, a demanda por políticas públicas capazes de promover seu atendimento.
É o que tem sido chamado de cenário tendencial da democratização.
Para satisfazer essas necessidades
sociais com eficiência, e no volume
que temos em países como o Brasil,
será necessário “duplicar o tamanho” dessas políticas (ou, mais precisamente, do volume de recursos
envolvidos e impactos esperados)
para incorporar os 50% da população hoje desatendida. Se não for possível promover um processo de transformação do Estado que herdamos
em direção ao “Estado necessário”
que permita satisfazer necessidades
sociais represadas ao longo de tanto tempo, o processo de democratização pode se ver dificultado e até
abortado, com uma fatal esterilização de energia social e política. É claro que para satisfazer àquelas demandas, o ingrediente fundamental,
que não depende diretamente do
Estado, é uma ampla conscientização e mobilização políticas que, se
espera, ocorra sem um custo social
maior que aquele que esta sociedade vem pagando.
É verdade que a correlação de forças políticas, que sanciona uma brutal e até agora crescente concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixa para que uma ação
no sentido de disponibilizar conhe-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
cimento, que possa levar à melhoria
das políticas públicas e da eficiência da máquina do Estado contribua
para alavancar o processo de democratização. Mas também é verdade
que como esse espaço irá se ampliando à medida que a democratização avance e a concentração de renda, que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade, for
sendo alterada, este conhecimento
poderá fazer toda a diferença. Isto é,
talvez ele venha a ser o responsável
por se alcançar ou não a adequação
sócio-técnica e a governabilidade
necessária para tornar materialmente sustentável o processo de mudança social que se deseja.
A democratização política está
levando a um crescimento exponencial da agenda de governo; a erupção de uma infinidade de problemas
que, em geral, demandam soluções
específicas e criativas, muito mais
complexas do que aquelas que o estilo tradicional de elaboração de políticas públicas – homogeneizador,
uniformizador, centralizador, tecnocrático, típico do Estado que herdamos – pode absorver.
A maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os problemas que o Estado deveria tratar
ficava restrita ao que a orientação
ideológica e o pensamento político
conservador dominante eram capazes de visualizar. A explicação dos
mesmos estava constrangida por um
modelo explicativo que, de um lado
tendia à quase monocausalidade e,
de outro, a soluções genéricas, universais. Isso levou ao estabelecimento de um padrão único causa – problema – solução no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade nos problemas enfrentados, o
fato de que segundo o modelo explicativo adotado, sua causa básica era
a mesma, terminava conduzindo à
proposição de uma mesma solução.
As demandas que o processo de
democratização política irá cada vez
mais colocar, e que serão filtrados
com um viés progressista por uma
estrutura que deve celeremente se
aproximar do “Estado necessário”,
originarão um outro tipo de agenda
política. Serão muito distintos os
problemas que a integrarão e terão
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
que ser processados por este Estado
em transformação. Eles não serão
mais abstratos e genéricos, serão
concretos e específicos, conforme
sejam apontados pela população
que os sente, de acordo com sua própria percepção da realidade, com seu
repertório cultural, com sua experiência de vida, freqüentemente de
muito sofrimento e justa revolta.
Da mesma forma que é pertinente a idéia de que não pode ser deixada de lado na PCT, a necessidade de
tomar mais eficiente o modo como
se gastam os recursos disponíveis,
parece pouco discutível a afirmação
de que a mera adoção de estratégias
de reengenharia institucional será
incapaz de alterar o status quo. Em
outros termos: as propostas centradas na “otimização da qualidade de
gestão’’, são pró-inerciais e, portanto, inúteis para redirecionar para
objetivos políticos e sociais alternativos os complexos sistemas sociais
locais de interação entre ciência,
tecnologia e sociedade.
O fato apontado, relativo à escassa reflexão existente, contribui para
explicar porque, apesar das numerosas experiências falidas de reforma institucional acumuladas na região durante a década passada, ainda se continue buscando implementar estratégias baseadas na otimização da gestão. Rejeitar essas iniciativas, que além de se terem mostrado pouco eficazes podem ser inclusive contraproducentes, demanda a
proposição de cursos de ação alternativos para conceber uma PCT capaz de reforçar e consolidar processos de democratização política e econômica.
3. A esquerda contemporânea
e as relações entre C&T e
sociedade
O próximo passo do longo e arriscado caminho a que se fez referencia na introdução deste trabalho implica numa mudança de foco. Tratase de passar da América Latina para
os paises avançados de modo a avaliar como a esquerda hoje concebe
as relações entre Ciência, a Tecnologia e a sociedade para desta forma
vislumbrar como elas podem se materializar numa política adequada à
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
realidade de países periféricos como
o nosso. Essa rápida síntese destaca
três direções de crítica da esquerda
contemporânea ao pensamento hegemônico de direita sobre essas relações. Dela se poderá extrair uma
orientação para a construção de um
substrato analítico-conceitual e de
um marco institucional para uma
PCT de esquerda, e para construir
propostas para ação imediata no
âmbito dos governos de esquerda.
Ao criticar o uso do conhecimento pelas elites para viabilizar a exploração da classe trabalhadora, por
um lado, e a incapacidade do socialismo real para gerar uma C&T coerente com o interesse dos trabalhadores e com o estilo de desenvolvimento sustentável que desejam, por
outro, a esquerda tem revisitado a
análise da história da C&T contada
por pensadores do capitalismo. E o
tem feito partindo da incidência da
C&T sobre sua contradição central,
a relação capital-trabalho. Ou, mais
especificamente, da forma como o
capital as usa crescentemente para
viabilizar sua reprodução ampliada
tirando partido da característica singular da mercadoria força de trabalho: o fato de ela poder ser trocada
por um não-equivalente em termos
de tempo de trabalho socialmente
necessário.
Antes de Marx, outros pensadores já haviam mostrado que o preço
das mercadorias era uma manifestação social do tempo de trabalho
nelas incorporado na esfera da produção (o qual regulava a troca de
equivalentes em valor), e não um
suposto equilíbrio entre oferta e demanda logrado através do mercado.
Marx avança evidenciando que
esse tempo de trabalho que determina o valor das mercadorias, entendido este como uma construção social, é dividido em três partes; que
correspondem às matérias-primas e
depreciação das máquinas, ao lucro
do capitalista, e ao salário que ele
paga ao trabalhador pela mercadoria força de trabalho. Origem, vale
ressaltar, da acumulação capitalista. Marx mostra também que esse
lucro – mais valia, para ser exato –
pode ser aumentado continuamente
pelo capitalista através do emprego
de novas tecnologias – máquinas,
equipamento, métodos de gestão da
mão-de-obra etc – que diminuam a
terceira parte, correspondente ao
tempo que o trabalhador gasta para
produzir as mercadorias em sua
empresa. Ou, então, pela ação de
outras tecnologias, em outras empresas, que permitam a produção das
matérias-primas ou dos bens que
consomem os trabalhadores num
tempo menor. Ou seja, que o desenvolvimento de tecnologias que permitam reduzir a parte do valor da
mercadoria efetivamente pago ao trabalhador pelos capitalistas – donos
dos meios de produção –, e maximizar o que Marx chama de mais valia
relativa, é o motor da acumulação do
capital e a condição de manutenção
da exploração da classe trabalhadora.
Marx foi além ao mostrar como a
pesquisa científica passava a incorporar-se à lógica capitalista ao proporcionar conhecimentos apropriados para aumentar o controle do capitalista sobre o processo de trabalho, cada vez mais parcelizado,
alienante (dissociador do trabalho
intelectual do braçal), hierarquizado, heterogestionário. O caráter de
construção social da C&T é também
evidenciado quando ele aponta
como, em dezenas de processos de
inovação que então estavam ocorrendo, alternativas de igual eficiência técnica eram escolhidas em função da facilidade com que o capitalista ou gerente podia diminuir o
preço da força de trabalho. Quer através do controle sobre o processo de
trabalho em sua empresa, aumentando o tempo de trabalho não pago ou
“
Ao criticar o uso do
conhecimento pelas elites
para viabilizar a
exploração da classe
trabalhadora, a
esquerda tem revisitado
a análise da história
da C&T...
”
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
45
“
A direita
evitou o questionamento
do marxismo
apoiando-se no velho
mito iluminista
da neutralidade
da ciência...
”
a produtividade do trabalho, quer
diminuindo o número de trabalhadores necessário para a produção e,
desta forma, ao reduzir-se a oferta
de empregos, abaixando o salário
real.
A direita evitou o questionamento do marxismo apoiando-se no velho mito iluminista – da neutralidade da ciência – que a idealiza como
resultado intrinsecamente verdadeiro, e cada vez melhor, da relação (individual) de um Homem curioso
com uma Natureza perfeita. Dessa
forma, tem logrado mascarar o caráter de construção social do conhecimento que, sob a égide do capitalismo, se verifica em benefício de seu
objetivo de dominação. Um outro
mito, positivista, do determinismo,
que confere ao desenvolvimento tecnológico atributos de endogenia,
linearidade e inexorabilidade que
assegurariam eficiência crescente e
a serviço de todos, tem sido usado
para compor no plano ideológico
superestrutural o suporte para a
manutenção das relações sociais e
materiais que, no plano da infra-estrutura técnico-econômico, garantem a exploração capitalista.
A esquerda contemporânea, criticando o novo fetiche unificador –
a inovação – que a direita ideou para
tentar convencer a sociedade que ela
só poderá evoluir caso incorpore
celeremente este fruto desses dois
processos quase supra-humanos,
tem atuado em três direções complementares. Primeiro, argumentando
de modo radical que o estilo de desenvolvimento alternativo que defende não pode ser construído tendo por base o conhecimento, aparentemente neutro e progressista, mas
46
intrinsecamente excludente e predatório engendrado por um sistema que
só logra manter-se às custas de violência crescente. Que, tal como mostrou o socialismo soviético (forçado a
recriar o controle autoritário que a
tecnologia capitalista no qual se fundou exigia, e por esta via engendrar a
degenerescência burocrática), não
basta a mera apropriação pela classe
trabalhadora, e em seu benefício, do
conhecimento que maximiza a maisvalia. Isto é, que a transformação que
ela anseia demanda a concepção de
um conhecimento alternativo ao existente, por mais difícil e utópico que
isso seja. Segundo, resignando-se,
dialética e realistamente, a “não jogar a criança com a água do banho”,
mostrando como a adoção de agendas de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico que internalizem valores ético-sociais (e sua
contrapartida técnica) coerentes com
um estilo alternativo de desenvolvimento podem levar à concepção de
um outro tipo de conhecimento. Consciente de que essa reorientação da trajetória da C&T, embora seja um desafio histórico sem precedentes, é indispensável para seu projeto político, a
esquerda tem substituído as receitas
totalizadoras, ingênuas e voluntaristas do passado pela proposição de
estratégias de pesquisa e docência
ancoradas nos interesses dos movimentos sociais que alavanquem processos de adequação sócio-técnica
coerentes com esse estilo alternativo.
Terceiro, mostrando que a crescente
subordinação da dinâmica de exploração da fronteira do conhecimento
científico-tecnológico ao interesse das
empresas transnacionais não produz apenas trabalhadores desempregados e pesquisadores obcecados por
uma “qualidade” enganosa. Que
também empresários pequenos e médios vêem-se cada vez mais debilitados frente a uma situação como a atual em que as dez transnacionais que
mais realizam pesquisa gastem mais
do que a Inglaterra e a França juntas.
4. Politizando o debate
Ao apontar essas direções de crítica, a esquerda contemporânea tem
mostrado o alto grau de convergência política possível entre esses três
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atores diretamente envolvidos com
a C&T. Grau este que se torna potencialmente muito maior em se tratando de países periféricos como o nosso. Mas que exige para se tornar efetivo um processo de politização do
debate que resgate a C&T da “neblina ideológica” em que se encontra.
De fato, essa crítica ao pensamento
formulado pela direita não alcançou
ainda a cena brasileira. Pelo contrário, tem ecoado aqui, ampliada, a
proposição do neoliberalismo – aparentemente neutra, mas de fato
ideologizada e contrária os interesses desses três atores e da sociedade
– sobre a importância da “inovação”
para a “competitividade” das empresas e para o “progresso” dos países
num mundo “globalizado”.
Por isso, esse pensamento permanece hegemônico na condução do
esforço nacional de pesquisa e formação de recursos humanos, mantendo-a infensa à crítica política da
esquerda; como se esta área de intervenção do estado não estivesse estado como outras a serviço do projeto
neoliberal. A existência desse pensamento tem dificultado também a
construção no âmbito da esquerda
de um marco analítico-conceitual
alternativo capaz de integrar a questão do desenvolvimento científico e
tecnológico na sua proposta global
de transformação sócio-econômica e
cultural, e a concepção de um estilo
de PCT com ela coerente. Como resultado, nas instâncias de governo
que vem logrando conquistar, a esquerda não tem sido capaz de
implementar ações na área de C&T
à altura das demandas tecnológicas
que aquela proposta contém. Não
tem sequer logrado politizar o tema,
acompanhando o movimento protagonizado pela esquerda contemporânea, no âmbito do aparato do estado e da sociedade, e dos professores, pesquisadores e gestores que
conformam nosso complexo público do ensino superior e da pesquisa.
Nem mesmo tem conseguido contrapor-se à ofensiva da direita para seguir implementando seu projeto político na área de C&T.
A absoluta precedência desse
processo de politização do tema em
relação à elaboração de um marco
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
analítico-conceitual adequado necessário para conceber uma PCT de
esquerda, tem sido crescentemente
percebida por setores que, entendendo-o como uma prioridade, o tem
colocado em marcha. A ampliação
dessa politização da C&T no âmbito nacional, supõe a utilização pela
esquerda dos instrumentos, inclusive institucionais, de que dispõe para
envolver comunidade de pesquisa,
gestores públicos, empresários e
ONGs, juntamente com a sociedade
e seus movimentos sociais organizados, na construção de uma PCT de
esquerda. Uma política que, levando em conta os diferentes atores e
correntes de opinião que compõem
o pacto que lidera, privilegie o interesse daqueles que estrategicamente representa, os trabalhadores.
5. Características do potencial
de C&T instalado nas cidades
Como não poderia ser de outra
forma, os governos municipais que
têm desenvolvido ações na área de
C&T são os de cidades onde existe
algum potencial de C&T instalado.
Uma primeira característica desse
potencial é seu alinhamento com os
interesses das elites econômicas e
políticas que controlam os processos econômico-produtivos, o meioambiente, e os próprios trabalhadores em benefício da acumulação do
capital.
Esse alinhamento não está determinado por uma orientação particularmente privatista, míope ou corporativa dos seus responsáveis e sim
por um senso comum ainda hoje
hegemônico, inclusive em muitos
setores da esquerda. Conformado
através de uma série de ações aparentemente aleatórias, ele reflete o
modo ideologicamente comprometido com a acumulação de capital
como se pensa a C&T:
• Como algo que só pela intermediação das empresas, dos bens e
serviços que oferece no mercado,
dos empregos que gera, dos impostos que paga, ou do aumento
de eficiência possibilitado pelas
inovações que realiza (utilizando
conhecimentos e recursos humanos gerados nas instituições púRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
blicas) pode atingir a sociedade;
• Como algo que segue uma trajetória linear, inexorável, em que o
último desenvolvimento é, por definição, o melhor; aquele ao qual
a sociedade deve necessariamente – por bem ou por mal – adaptar-se;
• Como, senão o único legítimo, o
principal motor do desenvolvimento econômico e social;
• Como algo que simplesmente decorre da aplicação “eficiente”, segundo padrões “técnico-científicos” e de acordo à ética profissional, de uma ciência “universal”,
“neutra”, que funciona segundo
regras e métodos próprios e endogenamente determinados em “busca da verdade”.
Essa visão da C&T, ideologicamente construída ao longo de um
processo que se inicia com o próprio
surgimento do capitalismo, e que se
incorporou ao “senso comum” de
nossa sociedade, torna difícil alterar o alinhamento desse complexo
com interesses contrários aos das
elites dominantes sem que um profundo debate se realize no âmbito da
esquerda. Até que ele ocorra, o conhecimento que esse complexo produz e difunde, muitas vezes contrariando a visão de mundo e a postura ideológica dos seus pesquisadores, dificilmente poderá ser usado
para promover o estilo de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável que a esquerda deseja.
A segunda característica é a pouca relevância desse complexo para
as equipes que, qualquer que tenha
sido seu projeto político, têm ocupado os governos municipais. Suas
demandas cognitivas, associadas à
gestão pública e à satisfação dos interesses dos grupos que lhes dão
sustentabilidade política (que vão
dos grandes empresários aos segmentos marginalizados), não têm
encontrado, nesse complexo, elementos significativos para sua satisfação em patamares mais elevados.
Nem os programas de inclusão social, que buscam proporcionar oportunidades sustentáveis de trabalho
e renda, nem as iniciativas de atrair
empresas multinacionais intensivas
em “alta tecnologia”, têm aí encontrado o conhecimento científico e
tecnológico que necessitam. A relativamente escassa relevância do conhecimento difundido por esse complexo e, sua conseqüente pequena
importância para a implementação
de políticas públicas não se verifica
apenas em relação à instância municipal. De fato, a intervenção do
Estado brasileiro na área de C&T,
concentrada na instância federal no
que respeita à sua regulação e ao financiamento, tem-se orientado para
a geração de capacidade de oferta de
conhecimento e não para a sua incorporação aos distintos projetos
políticos que se expressam em nossa sociedade.
6. Governos municipais e Parques e Pólos Tecnológicos
A percepção desse distanciamento levou a que governos de algumas
cidades passassem a se preocupar,
no final dos anos 70, em promover a
utilização de seu potencial de C&T.
Isto ocorreu de modo coerente com
seu alinhamento com demandas
bem distintas daquelas da maioria
da população e, também, com a postura ideológica desses governos.
Essa iniciativa foi deixada, como era
natural que ocorresse numa área
politicamente marginal, e em que a
comunidade científica era legitimada como proprietária de um saber
“neutro” e portador do progresso,
nas mãos do projeto político dominante no seu âmbito. Assumiu o controle dessa iniciativa uma parte dessa comunidade, que passou a implementar seu projeto: colocar esse potencial a serviço de segmentos produtivos de “alta tecnologia”. Isso
ocorreu no bojo de um movimento
de emulação da experiência norteamericana de Parques e Pólos Tecnológicos que em meados dos 80, em
função do vácuo deixado pelo Projeto-Brasil-Grande-Potência, foi envolvendo gestores públicos que, talvez por default, permitiram que se
tornasse ideologicamente dominante na PCT nacional.
Embora sejam freqüentemente tratados de forma indistinta, talvez porque ambos tenham seu núcleo na universidade e tenham recebido apoio de
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
47
“
Preocupados com
a baixa eficácia das
políticas tecnológicas e
industriais européias,
pesquisadores europeus
mostraram que 97%
de toda atividade industrial desse continente
está baseada em baixa e
média tecnologia...
”
governos municipais, esses dois arranjos institucionais possuem significado distinto e trajetórias algo diferentes em nosso meio. De fato, foi
em torno deles que se desenvolveram as iniciativas do pequeno número de Prefeituras brasileiras que
atuam na área de C&T.
O primeiro deles – o dos Parques
Tecnológicos – foi implantado em
torno das universidades públicas
onde aquele projeto era mais bem
aceito visando à incubação de “empresas de base tecnológica” criadas
por professores e ex-alunos a partir
de pesquisas com aplicação tecnológica. É uma iniciativa de custo inicial relativamente modesto, que tem
lugar no próprio espaço físico e
laboratorial da universidade e não
demanda, como o segundo, investimento imobiliário. Passadas quase
duas décadas, esses arranjos, quase
200, segundo os que os patrocinam,
incubam anualmente 2000 empresas, das quais menos da metade completam um ano de vida, gerando
cada uma média de 10 empregos.
Avaliações baseadas em evidência empírica realizadas no País têm
corroborado o que já se sabe a respeito do relativamente pequeno impacto dos Parques Tecnológicos situados nos países avançados. Eles
têm mostrado, por exemplo, que o
custo das incubadoras, caso computadas as bolsas, auxílios a projeto e
outros recursos alocados por instituições de financiamento como
CNPq, Finep, Fapesp, etc e de enti-
48
dades como o Sebrae, é bem maior
do que aquele explicitado pelas universidades e prefeituras que as apóiam. E, ademais, que as empresas são
em geral desenvolvedoras de softwares que não podem ser considerados, nem mesmo pelos professores com elas engajados, de “alta
tecnologia”; que a dificuldade das
empresas em se manter no mercado
é em geral tão grande que onerosos
mecanismos de “pós-incubação”
são hoje adotados em quase todas
as incubadoras; que seu benefício
para a universidade é quase nulo; e
sua contribuição para a sociedade
muito pequena. O impacto econômico alegado na geração de emprego
tem também sido contestado. Mas se
aceitos, ele seria de uns 10 mil empregos “firmes” gerados por ano
num país em que chegam ao mercado de trabalho 1,5 milhão de pessoas por ano. Assim, nos escassos casos em que foram bem-sucedidas,
essas empresas apenas lograram
beneficiar seus proprietários – professores ou alunos da universidade
– e uns poucos empregados, em geral na produção de bens e serviços
demandados pelas grandes empresas nacionais e multinacionais localizadas na região.
O segundo arranjo, os Pólos
Tecnológicos, também situados, não
por casualidade, próximo às universidades, visava, basicamente, criar
um pólo de atração de grandes empresas para que viessem neles desenvolver tecnologia “de ponta”;
preferencialmente multinacionais,
porque são elas que têm recursos
para isso. Assim, essas grandes empresas vindas de fora gerariam empregos “limpos” e de “qualidade”,
efeitos indiretos de encadeamento
industrial, impostos etc, enfim, atividade econômica. Além disso, e
muito importante para o projeto político daquela parte da comunidade
de pesquisa diretamente interessada, demandariam resultados desenvolvidas na universidade gerando
recursos e potencializando as atividades de professores e alunos e mobilizariam a rede de “empresas de
base tecnológica” incubadas nos
Parques Tecnológicos. O pacote
institucional “Parques e Pólos”, e daí
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em parte o uso indiscriminado dos
dois arranjos, passava a ser cuidadosa e atrativamente embrulhado...
Versão pós-moderna dos “Distritos Industriais”, os Pólos são iniciativas bem mais ambiciosas que ultrapassam a capacidade organizativa, financeira e de articulação política da universidade. Demandam
legislação de incentivo fiscal específica, supõem a existência de uma
área próxima à universidade capaz
de abrigar as empresas interessadas,
e podem implicar num considerável
investimento imobiliário. A observação da experiência brasileira de Pólos Tecnológicos tem mostrado também um quadro modesto. Nem mesmo quando se utilizou o expediente
da “guerra fiscal” foi possível atrair
empresas na quantidade e com a
“qualidade” esperada. Pólos como
o criado em Campinas no início dos
anos 90 com o apoio da Prefeitura,
que possui o respaldo de legislação
específica para atrair empresas de
base tecnológica, tem conseguido
resultados apenas sofríveis.
7. Razões do fracasso dos Parques e Pólos Tecnológicos
Algumas das razões que explicam o pouco sucesso dessas iniciativas são também as que explicam a
pouca relevância para a economia
brasileira dos segmentos industriais
baseados no que é conhecido como
alta tecnologia. Uma classificação
internacionalmente aceita aponta
como de “alta tecnologia” as indústrias que apresentam gastos de P&D
superiores a 4% do faturamento, de
“média” as gastam entre 1 e 4% em
P&D, e de “baixa” aquelas em que o
gasto em P&D é menor do que 1% do
faturamento.
Preocupados com a baixa eficácia das políticas tecnológicas e industriais européias que, baseadas
na idéia de senso comum de que são
as indústrias de alta tecnologia as
que promovem desenvolvimento
econômico, pesquisadores europeus
mostraram que 97% de toda atividade industrial daquele continente está
baseada em baixa e média tecnologia. E que mesmo nos EUA e Japão a
participação da alta tecnologia não
ultrapassa 16%. E, ainda, que como
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
... muitos dos
segmentos industriais
de baixa e média
tecnologia sofreram
um processo
de reorganização
que os tornou muito
competitivos...
”
o setor manufatureiro representa
uma parcela cada vez menor do PIB
dessas economias (hoje ela é menos
de 25%), as indústrias de alta tecnologia responderiam apenas por
0,75% e 4% do total da riqueza produzida, respectivamente, na Europa
e nos EUA e Japão.
Segundo esses pesquisadores,
muitos dos segmentos industriais de
baixa e média tecnologia que, segundo aquele senso comum, seriam
transferidos para a periferia, sofreram um processo de reorganização
que os tornou muito competitivos e
exitosos no que toca à penetração no
mercado mundial. E que, apesar do
rápido desenvolvimento das TICs,
muito do crescimento industrial recente da Europa decorre do avanço
de segmentos não intensivos em
P&D mas que geram uma quantidade significativa de produtos novos
ou tecnologicamente modificados a
partir, inclusive, de inovações desenvolvidas em outras indústrias localizadas dentro e fora da região. Essas indústrias parecem possuir formas de organização industrial e geração de conhecimento e relações
com a infra-estrutura de C&T muito
particulares, que não se enquadram
nos modelos tradicionalmente empregados para elaborar a política
tecnológica e industrial. A de mobiliário é um exemplo de indústria
européia que está crescendo mediante utilização intensiva de conhecimento, de habilidades em design
de alto nível, etc para a inovação.
Não existe para o Brasil pesquisa semelhante. Mas segundo dados
obtidos através da metodologia da
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Pintec/IBGE, dos 29 setores industriais, nenhum gasta mais do que 4%
de seu faturamento em P&D para
poder ser considerado de alta tecnologia. Somente 6 setores poderiam
ser considerados de média tecnologia (1 a 4% do faturamento aplicado
em P&D): Máquinas e Equipamentos (1,2%), Equipamentos de Informática (1,3%), Equipamentos de Precisão, de Comunicações, Máquinas
e aparelhos elétricos (todos com
1,8%) e Outros Equipamentos de
Transporte (2,7%). O fato dos demais
23 setores de baixa tecnologia responderem por quase de 85% da produção industrial brasileira estaria
mostrando, por um lado, a excessiva importância que os setores de alta
tecnologia possuem na determinação dos rumos da política tecnológica nacional. E a escassa probabilidade de que esta possa de fato promover a capacitação do tecido industrial local – mais ainda do que o europeu, de baixa intensidade tecnológica – e o crescimento econômico. Por
outro lado, sugere como uma política que, ao invés de basear-se em Parques e Pólos Tecnológicos com um
viés de alta tecnologia e na atração
de empresas estrangeiras, promovesse a capacitação da micro e pequena empresa nacional situada em
setores de baixa intensidade tecnológica, poderia alcançar resultados
significativos.
Uma outra razão que explica o
pouco sucesso dos Parques e Pólos
Tecnológicos é que em geral somente as grandes empresas é que tem
condições de investir em P&D. E que,
destas apenas as nacionais é que efetivamente realizam P&D no País. O
fato de que entre as 500 maiores empresas, as de propriedade estrangeira são atualmente responsáveis por
46% da produção total (quando, em
1985 eram por 29%) e que se concentram justamente nos setores de maior intensidade tecnológica (92% do
segmentos eletro-eletrônico, 85% do
automobilístico, 78% do de computação e 74% do de telecomunicações),
ajuda a entender porque a PCT brasileira tem que mudar e porque ela
deve mudar a partir da instância
municipal. Finalmente, por que investir esforços na atração de uma
das pouquíssimas empresas multinacionais que contrariam a tendência mundial de localizarem seus centros de P&D nos países sede ou em
outros países avançados para um
Pólo brasileiro, quando existe para
eles um uso alternativo muito mais
rentável para o País.
8. Exemplo de uma proposta
de esquerda: o Sistema de
Inovação Social
Este Sistema procura responder
ao desafio que hoje se coloca para
um grande número de prefeituras,
em que ganharam as eleições forças
políticas interessadas em promover
um estilo de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável e
que, para tanto, percebem a necessidade da inovação social. A seguir se
apresentam as características do Sistema de Inovação Social, iniciando
pelo enunciado de alguns conceitos
necessários ao entendimento da proposta, passando a apresentar alternativas para a visualização de sua
forma de operação e indicar os recursos materiais e humanos que demanda.
Alguns conceitos próprios ao Sistema
de Inovação Social
O conceito de inovação, entendido como o conjunto de atividades
que pode englobar desde a pesquisa
e o desenvolvimento tecnológico até
introdução de novos métodos de gestão da força de trabalho, e que tem
como objetivo a disponibilização por
uma unidade produtiva de um novo
bem ou serviço para a sociedade é
hoje recorrente no meio acadêmico e
cada vez mais presente no ambiente
de policy making. O conceito engloba, portanto, desde o desenvolvimento de uma máquina (hardware),
até um sistema de processamento de
informação (software) ou de uma
tecnologia de gestão – organização
ou governo – de instituições públicas e privadas (orgware).
As condições em que, no Primeiro Mundo, o conceito de inovação foi
cunhado e passa a ter como objetivo
primordial a competitividade dos
países merecem destaque. É lá onde
surge o novo paradigma tecno-econômico baseado na eletro-eletrôni-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
49
ca, onde um estado do bem-estar
garantia um nível razoável de desenvolvimento social, onde o término da
Guerra Fria acirra a concorrência
intercapitalista e onde o crescimento dependia crescentemente das as
oportunidades de exportação e, portanto da competitividade (sempre
entendida em relação ao exterior).
O conceito de Sistema Nacional
de Inovação foi cunhado nestes países como um modelo descritivo de
um arranjo societal típico do capitalismo avançado. Arranjo em que
uma teia de atores densa e completa
gera, no interior de um ambiente
sistêmico propício proporcionado
pelo Estado, sinais de relevância que
levam ao estabelecimento de relações
virtuosas entre pesquisa e produção,
à inovação nas empresas e à competitividade do país. Posteriormente ele
se transforma num modelo normativo para que estes países, ao mesmo tempo semelhantes no plano sócio-institucional e complementares
no econômico, orientem seus governos e grandes empresas em busca da
competitividade.
Algo parecido ocorreu, também,
nos países periféricos como o Brasil,
onde se tentou emular a criação de
Sistemas Nacionais (e Locais) de
Inovação em busca da competitividade, como se existissem aquelas
condições e aquele arranjo societal.
O conceito de Sistema é aqui utilizado num sentido francamente prescritivo (ou normativo). Isto é como um
arranjo a ser construído mediante
ações coordenadas e planejadas, de
responsabilidade de um tipo particular de Estado que, sem pretender
substituir e sim alavancar uma incipiente teia de atores ainda incapaz
de gerar sinais de relevância fortes,
promova o estabelecimento de relações virtuosas entre pesquisa e produção e a um tipo particular de inovação.
O conceito de inovação social é
aqui usado para fazer referência ao
conhecimento – intangível ou incorporado a pessoas ou equipamentos,
tácito ou codificado – que tem por
objetivo o aumento da efetividade
dos processos, serviços e produtos
relacionados à satisfação das necessidades sociais. Sem ser excludente
50
em relação ao anterior, ele se refere a
um distinto código de valores, estilo
de desenvolvimento, “projeto nacional” e objetivos de tipo social, político, econômico e ambiental. Como o
anterior, o conceito de inovação social engloba três tipo de inovação:
hardware, software e orgware2.
A visualização do Sistema de Inovação Social
A concepção combinada destes
três tipos de inovação, através de
uma rede de atores sociais (universidades, órgãos de governo, empresas etc) em que o Estado3 desempenha um papel central direcionado a
garantir à população os direitos de
cidadania – educação, saúde, emprego e renda – é o que caracteriza o
Sistema de Inovação Social. Adicionalmente, visa à promoção de sinergias cumulativas entre estes atores,
no bojo de um processo de radicalização da democracia política e econômica; condição para assegurar níveis crescentes de participação nas
decisões que afetam a maioria da
população. O Sistema irá promover
o desenvolvimento de inovações, no
interior do aparelho de Estado, ou
por outros atores (através do apoio
direto ou a compra de seus resultados) de três tipos distintos (hardware,
software e orgware) , orientadas a três
finalidades tal como representado
na figura abaixo.
Em cada um dos três eixos se representa o grau em que cada finali-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
dade é atendida pelas inovações que
o Sistema promove. O primeiro eixo
diz respeito às demandas do próprio
Estado por inovações orientadas à
melhoria da eficiência, eficácia e
efetividade da “máquina” do Estado. O segundo diz respeito à utilização do poder de compra do Estado
como vetor de inovação dos processos de produção dos bens e serviços
que adquire ou contrata com organizações de natureza privada (empresas, cooperativas etc). O terceiro
eixo abarca inovações passíveis de
serem utilizadas por organizações
de natureza privada (e preferivelmente por elas geradas) com ou sem
finalidade lucrativa, que promovam
formas de produção compatíveis
com um estilo de desenvolvimento
social e ambientalmente sustentável.
Dado que uma mesma inovação
pode atender a mais de uma finalidade (e é desejável que seja assim), o
sólido mostrado na figura seria o
conjunto de ações promovidas pelo
Sistema visando promover inovações de três tipos diferentes para
atender às três finalidades, também
diferentes.
O Sistema não se resume a uma
estrutura administrativa ou conjunto de órgão situados em alguma secretaria de governo. Sendo a inovação social um processo que interessa e onde intervém um grande número de atores, e cujo impacto se dá
de forma dispersa (em nosso caso em
diferentes partes do aparelho de Estado e da sociedade), é lógico que ele
seja concebido como um ente governamental de tipo horizontal. Um
ente que permita que o processo de
decisão acerca das ações a serem
privilegiadas e seu próprio processo e local de implementação envolva várias áreas de atuação – e respectivos órgãos – de governo. Embora possa ser representado por uma
matriz, o Sistema não deve ser assimilado a uma “estrutura matricial”,
muito menos a uma de tipo “departamentalizada”. Ele tem como premis-
2
Mantivemos os anglicismos porque não nos parece valer a pena cunhar outros termos.
3
Usamos o termo Estado e não o de Prefeitura, propositadamente, por duas razões. A primeira é
para conotar a aplicabilidade do conceito de Sistema de Inovação Social a outros contextos. A
segunda é para apontar que embora “sediado” numa determinada prefeitura, o Sistema poderá
prestar serviços a outras prefeituras situadas na sua região de abrangência ou mesmo fora dela.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
sa cognitiva a interdisciplinaridade,
como elemento organizador a visão
sistêmica, como princípio finalístico
o serviço à população e como vetor
estruturante a inovação social.
O Sistema não se esgota nos limites da porção do aparelho do Estado à qual estará adstrita. A rede de
atores com ele relacionada abrange
por um lado, atores especificamente
direcionados à geração de conhecimento – as Universidades e Institutos de Pesquisa do Estado – e, por
outro, organizações públicas e privadas que têm como característica
distintiva a de alavancar inovação.
Seja no sentido de oferecer condições
para a realização de atividades
inovativas, seja de demandar soluções inovativas aos seus problemas.
São exemplo, no setor privado (e no
chamado terceiro setor), os pequenos
produtores, as empresas familiares,
as cooperativas e movimentos sociais e, na área pública, uma grande
quantidade de órgãos relacionados
ao governo (setores das prefeituras,
empresas públicas, autarquias etc)
que demandam significativamente
da inovação para sua operação. A
presença dessas organizações capazes de incorporar desde o início do
processo inovativo os componentes
direcionadores da “oferta” e da “demanda” de conhecimento fará com
que as decisões de maior transcendência relativas à atuação do Sistema sejam tomadas de forma participativa e em conjunto com aqueles
mais diretamente envolvidos no seu
desempenho.
Um último comentário em relação à forma de operação do Sistema
diz respeito à relação entre a metodologia proposta e os métodos de intervenção social que já compõem o
arsenal de alguns partidos políticos
brasileiros, em especial o Orçamento Participativo. Isto porque eles contribuem para encaminhar favoravelmente um dos problemas cruciais do
processo inovativo, o que se conhece na literatura especializada como
a “formação da agenda”. A definição dos temas que devem concentrar
a atenção do potencial de inovação
(ou usando a termo mais conhecido
embora não equivalente, da capacidade material e humana existente de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
geração de pesquisa e de financiamento) é realizada em todo o mundo, mas principalmente em sociedades periféricas, em função de um
modelo institucional que busca emular a dinâmica científica e tecnológica dos países centrais. Contar com
um mecanismo como o Orçamento
Participativo implica em contrabalançar esta tendência até agora
hegemônica, danado lugar à possibilidade de que o processo de “formação da agenda” passe a estar influenciado por outras diretrizes.
Recursos materiais e humanos
As características do Sistema proposto fazem com que o mesmo possa ser constituído, basicamente, a
partir de recursos materiais e humanos já existentes no âmbito da Prefeitura. Do ponto de vista estritamente financeiro, as ações referentes às
três finalidade apresentam um balanço de custo-benefício que tenderá a ser positivo. As ações referentes
à finalidade denominada “Poder de
Compra do Estado” é claramente
geradora de recursos, na medida em
que poderá permitir, já no curto prazo, uma considerável economia. As
referentes à finalidade “Demanda
do Estado” tenderão a demandar
recursos para a contratação de serviços especializados para a organização e oferecimento de cursos e programas de capacitação etc cujo retorno só será sentido na medida em
que a melhoria da eficiência, eficácia e efetividade da “máquina” do
Estado se concretizar. Não obstante,
neste caso mas também nos demais,
os encarregados da gestão do Sistema terão a responsabilidade de alavancar recursos públicos e privados
adicionais aos fornecidos pela Prefeitura para a sua operação. Como
exemplo mais relacionado a esta finalidade, estão os recursos que poderão ser obtidos junto ao FAT,
SENAI, Fundação Euvaldo Lodi e
outros fundos, instituições e Programas dedicados à formação e qualificação do trabalhador. De um modo
genérico, instituições como o CNPq,
Finep, Fapesp, entre tantas outras
relacionados ao fomento à pesquisa
científica e tecnológica, também poderão ser importantes parceiras das
iniciativas promovidas no Sistema.
Num plano ainda mais abrangente,
haveria que citar as instituições internacionais de caráter público e privado sensíveis a projetos e iniciativas como o que se pretende implantar. As ações referentes à finalidade
denominada “Desenvolvimento Sustentável”, na medida em que se criem
mecanismos como pagamento de
royalties pelas organizações envolvidas, capital de risco, arrendamento
de equipamento e locais de propriedade da Prefeitura, poderão também
ter seu custo líquido de operação positivo.
9. Considerações Finais: doze
pontos programáticos de
uma proposta transformadora
Os novos governos da esquerda
deverão ter como um de seus focos
importantes a exploração do potencial científico-tecnológico das cidades para adicionar conteúdo tecnológico às atividades-fim da Prefeitura e aos bens e serviços que adquire.
Neste último caso, utilizando seu
poder de compra como estímulo à
capacitação tecnológica das pequenas e médias empresas, das cooperativas e de seus cidadãos, de maneira a melhorar a qualidade do serviço que presta à população.
A priorização da dimensão C&T
no governo da cidade irá beneficiar
todos os seus demais setores devido
ao seu intrínseco caráter de transversalidade. A materialização do potencial de C&T da cidade requer a participação democrática de todas as
instâncias de governo e dos demais
atores políticos e movimentos sociais. Mas, para que isso ocorra é necessário criar, de imediato, o espaço
institucional adequado para a implementação das diretrizes que esse
processo de participação irá definir.
O futuro governo de esquerda
deverá ter então, como principais
compromissos programáticos:
1. A criação de um espaço institucional (secretaria ou órgão de planejamento, coordenação e execução de ações em C&T) que deverá
se articular com as demais instâncias administrativas, com a finalidade de introduzir nos planos e
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
51
ações do governo os objetivos definidos em um Plano de C&T a ser
elaborado.
2. Dar a esse novo órgão importância estratégica dentro do plano de
ação de governo.
3. Incorporar a ele os órgãos eventualmente já existentes na estrutura de governo relacionados à
C&T.
4. O novo órgão será o “braço tecnológico da Prefeitura”, com a missão de identificar o componente
científico–tecnológico (ou, de forma mais ampla, cognitivo) contido nos problemas internos de gestão, e da cidade e sua população,
e propor soluções.
5. Dada à inexistência de informação adequada para o cumprimento de sua missão, a primeira ação
do órgão será realizar um levantamento das demandas mais urgentes do governo e da cidade e
das soluções científico-tecnológicas passiveis de serem geradas
através da mobilização do potencial de C&T existente.
6. A realização do levantamento se
irá apoiar nas competências dos
técnicos e profissionais da própria
Prefeitura e no potencial de C&T
existente na cidade.
7. Os resultados do levantamento
irão compor um banco de dados
sobre as demandas e o potencial
de soluções existente junto ao pessoal da Prefeitura e à comunidade
científica e tecnológica da cidade.
8. Utilizando esse banco de dados,
e buscando privilegiar soluções
locais para os problemas da cidade, o novo órgão irá propor ações
visando à utilização do poder de
compra de bens e serviços da Prefeitura para estimular cooperativas e outros empreendimentos
auto-gestionários, e pequenas
empresas, a expandirem sua capacitação tecnológica.
9. Identificar o componente tecnológico e científico contido nas decisões do Orçamento Participativo
e otimizar a utilização dos recursos disponíveis, tendo em vista,
sempre que possível, a capacitação tecnológica dos empreendimentos auto-gestionários.
10. Mais do que atrair atores externos (grandes empresas) ou pesquisadores, professores e alunos para se instalarem em Parques ou Pólos de Alta Tecno-
logia, o órgão irá promover mecanismos de intervenção direta
(incubadora de empresas e de
cooperativas, etc) e indireta (utilizando o poder de compra da
Prefeitura) para qualificar seus
cidadãos no desenvolvimento,
uso e difusão das tecnologias
adequadas para solucionar os
problemas da cidade.
11. Desenvolver uma linha de ação
propositiva em relação às instituições que compõem o potencial científico-tecnológico da cidade, influenciando, no caso
das instituições ligadas ao governo federal, na definição de
sua agenda de pesquisa e na orientação de suas políticas.
12. Desencadear um processo de
politização da C&T, envolvendo a comunidade de pesquisa,
gestores públicos, empresários,
ONGs, e movimentos sociais, na
construção de uma PCT de esquerda. Uma política que, levando em conta os diferentes atores
e correntes de opinião que compõem o pacto liderado pela esquerda, privilegie o interesse daqueles que, estrategicamente, representa: os trabalhadores.
Leia todos os números da RDE
acessando o site:
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Arquivos prontos para download.
52
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
O SUBDESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
NOS TEMPOS DO ORNITORRINCO
Carlos Alberto Bello1
Resumo
O artigo discute as perspectivas
de superação do subdesenvolvimento brasileiro. Partindo do pensamento de Francisco de Oliveira, analisa
como as mudanças na base econômica e na dinâmica política se influenciam mutuamente desde 1930. Ao
contrário do ocorrido no início dos
anos 60, as transformações mais recentes apontam no sentido oposto à
superação do subdesenvolvimento,
pois elas promoveram um grande
enfraquecimento dos trabalhadores
e da burguesia nacional, os grupos
sociais mais interessados nas políticas de desenvolvimento.
Palavras chave: Subdesenvolvimento; Economia Brasileira; Política de
Desenvolvimento.
Abstract
The article discusses the prospects of surpassing Brazilian’s underdevelopment. Departing from
Francisco de Oliveira’s thought, it
analyzes how the shifts on economics basis and political dynamics
influence one another since 1930.
Unlike what happened in the early
60’s, recent changes point against
the surpass of underdevelopment,
because they promoted a great weakness of workers and national bourgeoisie, the social groups most
interested in development policies.
Key words: Underdevelopment; Brazilian’s Economy; Development
policy.
Introdução
Avaliando o quadro atual do subdesenvolvimento brasileiro, Francisco de Oliveira conclui seu ensaio de
forma contundente:
O ornitorrinco capitalista é uma
acumulação truncada e uma socie-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
dade desigualitária sem remissão.
(OLIVEIRA, 2003b:150).
Teria sido ele pessimista demais?
Este artigo busca discutir essa avaliação a partir da especificidade do pensamento de Oliveira, contida em diversas obras voltadas à economia e à
política brasileiras, interpretando-a e
avançando contribuições quanto à
perspectiva de que o ornitorrinco possa significar a virtual impossibilidade de superação do subdesenvolvimento no Brasil, discussão central do
ensaio citado acima.
Embora Oliveira não tenha discorrido detidamente sobre o conceito de subdesenvolvimento, duas
acepções podem ser percebidas no
citado ensaio. A primeira remete ao
grau de desenvolvimento das forças
produtivas, como exposto no trecho
abaixo:
Antes, tratou-se de uma singularidade histórica, a forma do desenvolvimento capitalista nas ex-colônias transformadas em periferia,
cuja função histórica era fornecer
elementos para a acumulação de
capital no centro. Essa relação, que
permaneceu apesar de intensas
transformações, impediu-a precisamente de “evoluir” para estágios superiores da acumulação capitalista;
vale dizer, para igualar-se ao centro dinâmico, conquanto lhe injetou reiteradamente elementos de
atualização. (Oliveira, 2003b:126,
grifo nosso).
A segunda acepção chama a
atenção para a existência de um certo desenvolvimento das forças produtivas, porém com a preservação de
características de subdesenvolvimento sócio-econômico, como se
1
pode observar no trecho abaixo:
“Ao rejeitar o dualismo cepalino,
acentuava-se que o específico da
revolução produtiva sem revolução
burguesa era o caráter “produtivo”
do atraso como condômino da expansão capitalista.” (OLIVEIRA,
2003b :131, grifo nosso).
O artigo discutirá a questão do
desenvolvimento a partir do conceito definido nessa segunda acepção,
uma vez que busca analisar as relações entre economia e política, ou
seja, como as ações dos segmentos
sociais influenciam a economia e, na
direção oposta, como as mudanças
na economia influem sobre o poder
e as ações daqueles segmentos.
Oliveira avaliou que houve virtualidade de superação do subdesenvolvimento no início dos anos
60, salientando como processos fundamentais o crescimento da organização dos trabalhadores e o avanço
da luta pela reforma agrária. No entanto, eles teriam sido insuficientes
para romper o subdesenvolvimento,
uma vez que a burguesia nacional
não compartilhou do que Oliveira
chamou de projeto emancipador, ou
seja, do objetivo de liquidar a alta exploração propiciada pelo custo rebaixado da força de trabalho, salientando que a reforma agrária liquidaria
com a formação do amplo exército de
reserva e com o poder patrimonialista
(OLIVEIRA, 2003b: 131-32).
Como a caracterização do ornitorrinco se refere aos dias atuais, parece auspiciosa a tentativa de analisar de maneira comparativa a atual
situação sócio-econômica e política
frente ao quadro vigente no início
dos anos 60, já que se trata de dois
Doutor em Sociologia pela USP, pesquisador do Cenedic (Centro de Estudos dos Direitos da
Cidadania) da FFLCH/USP e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Ciências
Sociais (campus Guarulhos).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
53
momentos fortemente contrastantes
quanto às perspectivas de superação do subdesenvolvimento, permitindo ainda uma discussão mais
acurada sobre os processos que
teriam constituído o ornitorrinco.
1. O período 1930-64 e a virtualidade da superação do
subdesenvolvimento
Oliveira contribuiu de maneira
inovadora para a análise deste período por ter argumentado que o avanço do setor moderno (indústria) se
nutriu de suas relações com os setores atrasados (agricultura de subsistência e informal urbano). No entanto, no ensaio O ornitorrinco ele mesmo ressalta outra contribuição fundamental: a política como elemento
estruturante da articulação das formas econômicas subdesenvolvidas
(Oliveira, 2003b:128). Embora a crise mundial abalasse fortemente nossa economia dominada pelos setores agrário-exportadores, abrindo
assim a perspectiva de buscar a alternativa do crescimento do mercado interno, foi a mudança na correlação de forças entre as classes sociais a partir de 1930 que possibilitou que a industrialização surgisse
como projeto de dominação, às custas do domínio anterior da burguesia cafeeira.
Diversas transformações viabilizaram uma rápida industrialização
no Brasil, no sentido do desenvolvimento das forças produtivas, tais
como a criação da CLT, a transferência de excedentes dos setores agroexportadores para a indústria, a expansão da infra-estrutura e das empresas estatais e a articulação entre a
entrada de capitais estrangeiros e a
expansão das empresas privadas
“
... as intensas
transformações sócioeconômicas promoveram
o grande crescimento
da classe operária
e das classes médias
urbanas...
54
”
nacionais. Tais mudanças só foram
possíveis devido à autonomização
fiscal e monetária, o que Oliveira
(1995) discutiu a partir de Keynes e
Aglietta, dizendo que a moeda nacional passou a ser concebida como
uma relação entre ativos e passivos
cuja medida cabia ao Estado, que
podia expandir os gastos públicos e
financiá-los de diversas formas, sem
necessariamente provocar inflação.
Como Oliveira (2003a, II)2 discutiu de forma inovadora, a criação da
CLT resultou na estruturação do
mercado de trabalho no Brasil, ao
estipular padrões salariais que viabilizaram o cálculo empresarial e ao
fomentar a formação de um amplo
exército industrial de reserva. A
autonomização fiscal e monetária do
Estado foi direcionada não só para
a expansão industrial interna como
também para a criação e o crescimento das formas monopolistas do
capital, ao viabilizar a expansão das
empresas estatais e a entrada das
empresas multinacionais. Cabe frisar que o quadro estrutural existente entre 1930 e 1945 – a base capitalista relativamente pobre e a falta de
perspectivas de restaurar um modo
de acumulação vinculado à divisão
internacional do trabalho – acarretou que a industrialização necessitasse de uma ativa promoção estatal
que resultasse em expressiva transferência de renda dos agroexportadores para a burguesia industrial.
Esta transferência foi viabilizada
pelo apoio popular obtido através do
pacto populista o qual, em contrapartida, excluiu o mundo rural da
CLT, permitindo a reprodução das
formas de trabalho que possibilitaram a continuidade dos latifúndios
e das oligarquias rurais.
A expansão das empresas estatais e multinacionais, aliada ao crescimento das diversas instâncias do
Estado, permitiu o incremento das
classes médias, segmento social fundamental para a gestão das complexas organizações públicas e privadas que caracterizam o capitalismo
monopolista. Esta modernização
social implica também o aumento do
volume de consumo total da economia, uma vez que na sua ausência
os processos que incrementavam a
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
participação dos lucros na renda
nacional teriam efeitos ainda mais
deletérios sobre o nível de consumo.
Desta forma, as intensas transformações sócio-econômicas promoveram o grande crescimento da classe
operária e das classes médias urbanas, ao mesmo tempo em que fortaleciam a burguesia industrial. Assim,
a política reestruturou as formas econômicas subdesenvolvidas; é possível, no entanto, ir além e argumentar que, ao mesmo tempo, esta reestruturação reforçou as demandas por
medidas de caráter nacional-desenvolvimentista, uma vez que os citados segmentos sociais se fortaleciam
através de tais medidas, o que os levava a lutar mais intensamente para
que elas fossem implementadas.
Noutras palavras, a base econômica e a luta político-ideológica se
alimentavam mutuamente em torno
das medidas nacional-desenvolvimentistas, fortalecendo-as e levando a burguesia industrial a assumir
uma posição de poder econômico
cada vez maior, força que estava longe de possuir em 1930, momento no
qual começaram as mudanças que
iriam levá-la a ter grande poderio.
Nesse sentido, as instituições de caráter corporativista, implantadas
durante o Estado Novo, propiciaram à burguesia nacional maior espaço dentro do aparato estatal e
maior capacidade para se organizar
e levar seus interesses ao conjunto
da sociedade (FONSECA, 1987).
O crescimento da classe operária
e das classes médias ocorreu paralelamente à busca de seu apoio político pelos governos, notadamente
sob as presidências de Getúlio Vargas e de João Goulart. A incorporação desses segmentos sociais à política deu-se através da tutela estatal,
materializada nas instituições corporativas criadas no Estado Novo e assegurada pela relativa eficácia dos
discursos populistas, já que a promessa de inclusão social tornava-se
plausível devido ao crescimento da
renda e do emprego.
Apesar desses aspectos característicos do processo de desenvolvi2
A referência remete aos itens que
compõe Oliveira (2003a).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
mento econômico-social, outras
facetas de caráter contrário surgiram
ou continuaram a se reproduzir. No
âmbito do trabalho, os trabalhadores rurais e a grande maioria dos
ocupados no terciário urbano não
foram inseridos no novo estatuto do
trabalho (a CLT), reproduzindo formas de exploração anteriores à fase
monopolista do capitalismo, objeto
de tratamento minucioso em Oliveira (2003a, II). Quando a crise econômica começou a aparecer em fins dos
anos 50, um novo processo antidesenvolvimentista ocorreu: para combater a inflação, houve contenção
dos reajustes salariais, embora ela
nem sempre tenha sido efetiva, uma
vez que o pacto populista dificultava a plena continuidade desta opção estatal.
A grande expansão monetária –
necessária para viabilizar a incorporação de bens de capital e de
insumos intermediários e expandir
a infra-estrutura – impulsionou, e
depois sancionou, a reprodução do
processo inflacionário, o qual tende
a estreitar o horizonte de cálculo
empresarial e assim reduzir a atividade econômica. A incapacidade de
realizar reformas fiscais e de arbitrar ganhos e perdas entre o empresariado em meio ao processo inflacionário – a incapacidade de as classes dominantes se abrirem para a
política, conforme Oliveira (1999) –
são aspectos que expressam uma
outra espécie de subdesenvolvimento; a burguesia usufruía dos recursos públicos, mas contribuía muito
menos do que o necessário para evitar o aparecimento de um déficit
público elevado.
Cabe ressaltar que a reprodução
do processo inflacionário não pode
ser explicada apenas pelo enorme
aumento da base monetária. Tavares
(1981) afirmou que a desaceleração
do crescimento (a partir de fins dos
anos 50) expressava o esgotamento
das reservas de mercado preexistentes, devido à substituição de importações de bens de consumo durável
(ou seja, da exploração do potencial
de consumo das classes de maior
renda), e da complementaridade
intersetorial entre os investimentos
(entre setores produtores de bens de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
consumo durável, de bens de capital e de insumos intermediários), o
que levou as empresas a aumentar
os preços para frente ao menor crescimento das quantidades vendidas
(já que aumentar o crédito ao consumo aumenta as suas necessidades
de capital de giro), o que em muitos
casos levou ao aumento da capacidade ociosa.
Esta crise cíclica ilustra um aspecto fundamental do subdesenvolvimento: a ausência de uma expansão significativa do consumo de
massas – fruto do estatuto das relações capital-trabalho já discutidas –
que pudesse continuar impulsionando os investimentos, o que fez
com que o elevado volume de excedentes gerado anteriormente (apoiado não só na exploração do trabalho, aumentada pela introdução de
novas tecnologias, como no protecionismo e no barateamento dos produtos das empresas estatais) superasse as oportunidades rentáveis de
acumulação de capital.
Oliveira (2003a, IV) articula a crise econômica com a crise política do
período pré-64 ao discutir que a crise inflacionária, ao resultar em perdas salariais expressivas, leva os
trabalhadores a denunciarem o pacto populista, inclusive porque estas
perdas são mais sentidas por ter
havido um expressivo aumento do
custo de reprodução da força de trabalho urbana, devido à incorporação de bens modernos à sua cesta de
consumo.
Esta dimensão de crise tipicamente moderna alia-se à ascensão
da luta dos excluídos – reforma de
base (massas urbanas) e reforma
agrária – para conformar um quadro de grave crise, o qual faz aparecer como problema outra faceta do
nosso subdesenvolvimento: a insuficiência de moeda estrangeira para
fazer frente às necessidades de valorização do capital aplicado internamente. A crise política exacerba
“
Os discursos populistas propiciavam
aumento das demandas
dos excluídos às medidas
de inclusão social...
”
os efeitos da crise econômica, levando à diminuição da entrada de investimentos e de empréstimos externos e, principalmente, ao aumento
da demanda pela remessa de lucros
das multinacionais, a maioria delas
instalada no país há poucos anos.
A análise de Oliveira (2003a, IV)
da crise econômica do período pré64 permite caracterizar a política
como elemento estruturante da crise
econômica. Os discursos populistas
e os próprios resultados sócio-econômicos (incluindo o aumento do
grau de urbanização, o que incrementava o impacto desses discursos)
propiciavam aumento das demandas dos excluídos às medidas de
inclusão social, crescentemente expressas nas lutas pelas reformas de
base e reforma agrária, incorporadas
mais intensamente à dinâmica política no início dos anos 603. Desta forma, as medidas nacional-desenvolvimentistas, fruto da dinâmica política iniciada em 1930, ensejaram
transformações sócio-econômicas
que, no contexto essa dinâmica, propiciaram condições para a ascensão
da luta dos trabalhadores e dos excluídos, de difícil absorção sob a dinâmica política anterior.
Uma outra manifestação dessa
espécie de relação entre política e
economia refere-se a outra transformação sócio-econômica ocorrida
neste período. A partir dos anos 40,
a taxa de inflação anual esteve quase sempre acima dos dois dígitos4 e
tornou-se mais preocupante a partir de 19545, ano no qual o governo
Getúlio Vargas decretou um aumen-
3
Santos (1979) salienta que a crise política desse período se deve em grande medida às demandas
por direitos dos segmentos sociais não contemplados na democracia regulada vigente sob o
populismo.
4
À exceção do biênio 1948/9 (4% ao ano) e de 1950 (9,4%), cf. Abreu (1990).
5
A média do período de 1954/6 foi de 22% ao ano, seguida por 16% a.a entre 1957/8, 34% a. a.
entre 1959/61 e 49, 73 e 92% ao ano nos três anos seguintes, conforme Abreu (1990).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
55
to de 100% no salário mínimo, atendendo demandas de sindicatos que
vinham fazendo muitas greves reivindicando reposição do poder de
compra desde 1952 (Fonseca, 1987).
As expressivas perdas salariais levaram os trabalhadores a questionarem a tutela estatal inerente ao populismo, obrigando os governos a fazerem concessões, as quais realimentavam o processo inflacionário e o
próprio questionamento à tutela estatal.
Além disso, vimos a pouco que a
política de grande expansão dos
gastos públicos foi um fator inflacionário relevante; ela era indispensável ao desenvolvimento, mas o
populismo dificultava muito o aumento das receitas fiscais, que poderia reduzir os impactos inflacionários dos gastos públicos. A questão inflacionária mobilizava os trabalhadores e acirrava os ânimos dos
segmentos empresariais, conformando uma situação de tensão política que também se nutria das demandas dos excluídos. O quadro se
torna ainda mais turbulento devido
à exacerbação do caráter nacionalista do populismo, cujo momento de
maior afirmação se deu na criação
da Petrobrás em 1954; no momento
da crise de 1963/64, uma grande
mobilização social acabou levando
o governo Goulart a propor uma lei
para reduzir o volume das remessas
de lucros, o que gerou forte oposição
do capital estrangeiro.
Em suma, as características do
populismo incrementaram os elementos de crise econômica e política do início dos anos 60. Levando
em conta os compromissos assumidos com os trabalhadores, com as
massas urbanas e agrárias e com os
segmentos empresariais, o alto grau
de conflitualidade ficou claramente
expresso nas dificuldades em gerir
as políticas salariais e os gastos públicos. As transformações sócio-econômicas ocorridas desde 1930 tendiam a fazer com que a temática
desenvolvimentista caminhasse no
sentido da redução das desigualdades, ao mesmo tempo em que a crise
econômica aumentava a oposição do
empresariado a esta direção. A mútua retroalimentação entre crise eco-
56
nômica e crise política produziu
uma grave crise que foi “resolvida”
pelo golpe militar de 1964.
2. O subdesenvolvimento a
partir da redemocratização
Para discutir a situação atual,
cabe iniciar retornando a 1985, quando o país reiniciava sua vida democrática. A inflação havia chegado a
mais de 200% ao ano, impulsionada
pelas duas máxi-desvalorizações
cambiais (de 30%, em 1979 e em
1983) e reproduzida através da generalizada indexação da economia.
Paralelamente, houve uma profunda transformação na atuação do Estado, cujo eixo deixou de ser o fomento à rápida industrialização,
como vinha ocorrendo no Brasil desde 1930.
A partir de meados dos anos 70,
a autonomização fiscal e monetária
do Estado brasileiro transforma-se
em seu contrário: ao invés de fomentar a acumulação de capital, os gastos públicos não comprometidos
com a manutenção das instituições
estatais são crescentemente destinados ao pagamento de encargos relativos à estatização das perdas privadas com a dívida externa e a honrar uma dívida pública interna plenamente indexada, administrada em
curtíssimos prazos e sujeita a altos
juros, justificados como instrumento de combate à inflação e de captação de recursos externos (TAVARES
& ASSIS, 1985). Esta política viabilizou e estimulou estratégias empresariais defensivas – menores investimentos, maiores aplicações financeiras e aumento ou defesa das margens de lucro, condutas que tendiam a reproduzir a inflação e um baixo nível de crescimento econômico.
Do ponto de vista político, Oliveira (1995) ressaltou a instauração
de uma crise de hegemonia. A capacidade de previsão do Estado evaporou-se, do ponto de vista fiscal
devido ao grande aumento das dívidas externa e interna, do ângulo político devido à ascensão da luta democrática, impulsionada pelos sindicatos e pelos movimentos sociais,
a qual colocou os anseios por mudanças sociais progressistas no plano principal da política, sem que as
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classes dominantes tivessem uma
estratégia para enfrentá-los.
Às vésperas das eleições diretas
de 1989, o quadro descrito acima
estava agravado pelas sucessivas
decepções com os planos de combate à inflação, iniciadas com o fracasso do Plano Cruzado em 1986/87.
Oliveira (1992) avaliou que a situação assumia o caráter de “à beira do
abismo” face à crise econômica (elevada inflação e baixo crescimento),
o que, aliado ao descrédito do sistema político e à profunda crise das
instituições estatais, teria caracterizado a Nova República como um
total descalabro.
A situação de profunda crise econômica e política dificultou em muito a capacidade de agregação de interesses dos partidos, à exceção da
candidatura Lula do PT, que possuía condições para postular a agregação dos interesses das classes trabalhadoras. No entanto, como nem
mesmo os cinqüenta anos de crescimento (1930-80) foram capazes de
produzir uma ampla formalização,
logo sindicalização, da classe trabalhadora, a maioria dos eleitores não
integrava os movimentos sociais organizados; no quadro de ampla crise já discutido, tendeu a prevalecer
o anseio de que um messias – um
salvador da pátria situado fora do
sistema político tão desacreditado –
viesse a derrotar o dragão inflacionário e por ordem no Estado tão debilitado. Esse anseio levou Collor à
presidência da república pois, diante da candidatura Lula, grande parte dos segmentos empresariais e dos
setores conservadores se uniu, transformando a eleição numa espécie de
luta de classes.
A análise da situação brasileira
à época da eleição de Collor parece
fundamental para a compreensão do
momento atual, uma vez que a situação caracterizada como “à beira do
abismo” – fruto de uma profunda
crise sócio-econômica e política –
parece ter se prolongado até 1994,
levando em conta o fracasso do Plano e do governo Collor, tão vorazmente autoritário e corrupto.
A eleição de Fernando Henrique
Cardoso (FHC) em 1994 nutre-se em
boa medida dos anseios por estabiRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
lidade econômica e ordem discutidos acima. Embora o governo Collor
tenha tomado medidas de caráter
neoliberal (privatizações e abertura
comercial e financeira com o exterior), FHC levou-as muito mais adiante entre 1994 e 2002.
O grande apoio empresarial ao
governo pareceu demonstrar que
FHC foi considerado o condottiere
ideal para implementar tais reformas. Sua atuação no Ministério da
Fazenda de Itamar Franco, assessorado por quadros técnicos muito respeitados pelo empresariado, como
Pedro Malan, Pérsio Arida e André
Lara Resende, tornou plausível vislumbrar um novo modo de acumulação no Brasil, que adviria das seguintes mudanças: queda da inflação, rearticulação do país à circulação internacional de capitais, privatização e desregulamentação da economia, perspectiva de realizar a riqueza privada encapsulada na dívida pública (apesar dos juros elevados) e uma reforma do Estado capaz de reduzir e/ou privatizar os
gastos sociais, visando afastar a
ameaça distributivista fortalecida
nos anos 80.
Apesar de tais processos articularem o país com as formas mais contemporâneas do capitalismo – processos de reestruturação tecno-produtiva, de internacionalização e de
financeirização da economia, sua
contrapartida foi uma profunda redução da já precária autonomia nacional, já que a acumulação visa
majoritariamente ao mercado interno, mas passa a depender mais fortemente de recursos externos. Avançaram rapidamente as importações
(o eixo do Plano Real era a âncora
cambial, que assegura a baixa inflação), a desnacionalização da propriedade do capital (além da privatização, as empresas nacionais estavam vulneráveis, logo baratas, aos
olhos dos capitais internacionais),
a dívida externa (dados os baixos
juros internacionais e a citada âncora, que barateou o dólar frente ao
real) e a liberdade de movimento
para os capitais especulativos (uma
estratégia para financiar o déficit
externo), com uma agravante mais
radical: a liberalização da circulaRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ção financeira tornou internacionalizável toda a riqueza situada no
país.
Apesar da precariedade e da
baixíssima remuneração do trabalho
já estarem plenamente estatuídas em
nossa sociedade – a mais permanente faceta do nosso subdesenvolvimento, o governo FHC também procurou contribuir para o seu aprofundamento. Embora não tenha reformulado a CLT como parecia pretender, em 1995 o governo FHC arquitetou uma verdadeira operação de
guerra midiática no episódio da greve dos petroleiros (Rizek, 1998), para
deixar bem clara sua política para
com os sindicatos das empresas estatais e do funcionalismo público.
A forte concorrência das importações e o baixo crescimento vigente
a partir de 1996 constituíram-se em
ameaças à rentabilidade das empresas, levando-as a acelerar a busca
por redução de custos através do
aumento das importações de bens de
capital e de matérias-primas (modernização produtiva incentivada pelo
dólar barateado). Considerando ainda o aumento da concentração do
capital – grandes empresas buscaram adquirir empresas cuja taxa de
lucro potencial tornasse rentável sua
compra, a resultante foi a ampliação
do exército de reserva, possibilitado
às empresas intensificarem a redução de salários e a precarização do
trabalho, fragilizando ainda mais os
sindicatos.
Tais processos exacerbam o subdesenvolvimento, uma vez que as
estratégias empresariais incrementam o excedente potencial, mas simultaneamente acarretam pequena
expansão da massa salarial, fruto
também do fato de a economia ter
crescido pouco (5% ao ano em 1994/
95, 2% entre 1996 e 2000) e do baixo
nível de consumo resultante dos
parcos recursos aportados às políticas sociais.
A redução da inflação e a liberalização com plena internacionalização da circulação financeira fazem
com que o grande aumento da dívida pública, que desde os anos 80 já
não significava uma autonomia estatal, passasse a expressar algo ainda mais crítico: a subordinação do
Estado à necessidade de evitar uma
grande desvalorização cambial, causadora de aumento da inflação e de
perdas aos segmentos importadores
e endividados, além de reduzir o valor dos investimentos externos expressos na moeda relevante (o dólar). Incrementando seus lucros através de juros altos e de ganhos com
recursos externos (captando externamente a juros baixos e aplicando nos
títulos públicos, ganhando inclusive com a variação cambial), os grandes capitais passaram a obter apoio
estatal até para a própria participação nas privatizações (empréstimos
do BNDES, aportes dos fundos de
pensão e plena indexação dos preços nos contratos de concessão).
A partir de 1999, a desvalorização cambial, desencadeada pelas
crises internacionais que aumentaram acentuadamente o risco dos capitais financeiros numa economia
de vulnerabilidade externa tão exacerbada como brasileira, levou os
governos a cederam ao “mercado”
quando este passou a exigir superávits fiscais primários para evitar um
aumento ainda maior da dívida pública e assim não deixar o país, o que
levaria a uma maior desvalorização
cambial. O baixo nível de atividade
econômica, combinado ao rápido
crescimento do endividamento interno e externo, fez com que as exigências do mercado constituíssem o que
Oliveira (2006) chamou de autonomização do mercado, cujo sentido
fica ainda mais claro com a expressão absolutização do mercado, também citada no texto, que significa
uma quase total imprevisibilidade
para a acumulação do capital e, simultaneamente, para a administração das contas públicas.
3. Perspectivas atuais de superação do subdesenvolvimento
A conjunção entre as políticas de
âncora cambial, de privatização, de
reforma previdenciária, de contenção dos gastos públicos não-financeiros e de enfrentamento ao sindicalismo do setor público (incluindo as
empresas estatais) produziu transformações sócio-econômicas que
reestruturaram profundamente as
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
57
“
A internacionalização
produtiva e financeira
da economia resultou em
uma grande
desnacionalização da
propriedade do capital
das empresas...
”
formas econômicas subdesenvolvidas, transformações que, por sua vez,
provocaram alterações no poderio
dos diversos segmentos empresariais, logo na sua capacidade de influência política. Cabe salientar que
o governo Lula, ao manter as linhas
básicas da política macroeconômica,
não reverteu tais transformações e
tampouco promoveu mudanças significativas no quadro descrito na
seção anterior.
A internacionalização produtiva
e financeira da economia resultou
em uma grande desnacionalização
da propriedade do capital das empresas, debilitando o poderio da
burguesia nacional, logo sua capacidade de influir na regulação da
própria internacionalização citada,
a principal fonte de instabilidade da
economia. Ao mesmo tempo, o aumento do poderio das empresas
transnacionais incrementa sua força em influenciar a continuidade ou
até o aprofundamento da citada
internacionalização, conforme os
interesses de cada empresa. Além
disso, tais empresas preferem negociar seus interesses diretamente junto às instâncias estatais, o que tende
a enfraquecer a possibilidade de formulação de políticas de âmbito mais
geral que possam resultar em maior
crescimento econômico, competitividade ou desenvolvimento tecnológico.
Por outro lado, a internacionalização financeira da economia tem
proporcionado grandes rendimentos para os capitais financeiros, ou
seja, para instituições financeiras e
empresas de outros setores capazes
de mobilizar vultosas quantias através dos circuitos financeiros. Essas
58
instituições se beneficiam dos altos
juros vigentes internamente (ainda
mais quando possuem capacidade
de captar recursos externos a juros
baixos e quando houve valorização
da moeda nacional – o real, que diminuía o custo em reais dos dólares
captados no exterior), além dos ganhos nas bolsas de valores e nas operações especulativas (futuros e opções), estas tanto mais intensas
quanto maior a instabilidade financeira e cambial da economia (pois
aumentam as entidades querendo
proteção – hedge – ou vislumbrando
maiores ganhos especulativos),
como tem sido o caso brasileiro.
Além disso, a disponibilidade de
recursos financeiros no mundo (que
também provocou substancial aumento das cotações nas bolsas de
valores e de futuros) tem propiciado
a venda do controle acionário ou de
parte significativa do capital de empresas nacionais, proporcionando
rendas a muitos empresários nacionais (que podem incrementá-las no
contexto das oportunidades financeiras mencionadas).
Por outro lado, as empresas endividadas foram prejudicadas pela
política adotada pelo governo FHC.
O aumento da internacionalização
produtiva tem proporcionado principalmente as importações de bens
de capital e insumos a custos rebaixados enquanto o real estivesse valorizado, embora, por esse mesmo
motivo, as importações prejudicassem diversos setores e as exportações nacionais fossem desestimuladas.
Essas transformações no poderio
dos diversos setores e empresas implicam diferentes capacidades de
influenciar as decisões do Estado.
Enquanto a política estatal estiver
pautada pela ampla liberdade de
circulação financeira dos capitais,
medidas que contrariem uma parcela dos agentes com significativo poderio financeiro poderão resultar em
crises cambiais ou financeiras gravíssimas, caso tais agentes resolvam
se desfazer da moeda nacional ou
dos títulos públicos, em troca de
moeda estrangeira ou de outros ativos financeiros. Por outro lado, o
poderio dos agentes que sofrem com
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
a elevada taxa de juros diminuiu ao
longo do tempo, inclusive quanto à
geração de emprego e renda, o que
facilita a manutenção dessa política
monetária. Cabe salientar ainda que
o segmento empresarial mais interessado na retomada do crescimento do
mercado interno e, provavelmente, o
menos beneficiado (ou mais prejudicado) pela internacionalização
produtiva e financeira da economia,
é o empresariado nacional, cujo
faturamento depende menos das exportações e é, por outro lado, muito
pressionado pelas importações. Debilitado economicamente e distante
de outros segmentos sociais interessado nessa retomada (como trabalhadores e parcelas das classes médias), lideranças do empresariado
nacional tem proferido alguns discursos de teor desenvolvimentista
cuja repercussão tem sido muito fraca junto àqueles segmentos e à opinião pública.
Os trabalhadores foram bastante
afetados pela política adotada pelo
governo FHC, já que o aumento da
internacionalização produtiva através da âncora cambial aumentou as
importações e impediu o aumento
das exportações, além de ter obrigado maior aceleração da reestruturação produtiva das empresas sujeitas
a tivessem maior competição das
importações e propiciado tal reestruturação a empresas interessadas
apenas na redução de custos. Tais
processos aumentaram as taxas de
desemprego e de subemprego, reduziram os empregos formais e rebaixaram os salários.
Oliveira (2003b) acrescentou um
efeito perverso decorrente das novas
tecnologias: aproveitando-se do contexto de ampla flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro (baixa
formalização do emprego e alto índice de rotatividade da mão-deobra), as empresas estão estendendo a contratação de trabalho por
tempo parcial ou determinado também aos setores “modernos”. Na
medida em que as novas tecnologias
permitem uma elevadíssima produtividade do trabalho, sua aplicação
resulta em um grande contingente de
trabalhadores qualificados inseridos no exército de reserva (desemRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
pregados ou subempregados) e possibilita o aumento das citadas formas de contratação. Em consequência, tem sido reduzida a abrangência
da forma salário, o que reduz os custos das empresas e lhes proporciona ainda maior poder frente aos trabalhadores, num círculo vicioso que
agrava cada vez mais a situação dos
trabalhadores.
Este forte debilitamento do poder
econômico dos trabalhadores é, provavelmente, uma das principais causas das novas condutas assumidas
por lideranças sindicais que, desde
os anos 80, vem buscando conquistar espaços para participar de discussões que afetem os interesses dos
trabalhadores. Nesta mesma direção, as políticas neoliberais, ao se
pautarem pela contenção dos gastos
públicos, têm enfraquecido os movimentos sociais e fazendo com que
suas entidades sejam instadas a participar da implementação dos programas sociais, sob pena de pouco
poderem fazer para minorar as carências da população.
Ocorre que os programas sociais
têm se focalizado cada vez mais na
pobreza e na redução das desigualdades de oportunidades de um lado,
e na filantropia empresarial e ações
voluntárias de outro, o que pode estar ampliando processos de consolidação de uma nova subjetividade
assentada no paradigma da dádiva
– não dos direitos, da ação focalizada – não abrangente, das medidas
provisórias (ou emergenciais) – não
estáveis, das técnicas gestionárias
(gestão eficiente e eficaz) – não
participativas. Seu avanço pode estar produzindo uma progressiva
hegemonia de concepções pautadas
pela naturalização da pobreza e da
desigualdade, ou seja, pela desresponsabilização do Estado e da sociedade para com a eliminação da iniqüidade social brasileira. As técnicas gestionárias que caracterizam
tais políticas praticamente inviabilizam a contestação do seu caráter, ao
mesmo tempo em que abrem espaço
para que parte de suas lideranças
mude suas posturas, a ponto de se
transformarem em segmentos especializados na intermediação de fundos públicos, o que levou Oliveira
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
(2006) a denominá-los como novas
classes sociais, cuja atuação tende a
incrementar a despolitização no tratamento dessas questões.
Desta forma, ao contrário do que
ocorreu no período 1930-64, as intensas transformações sócio-econômicas iniciadas em 1994 promoveram um grande enfraquecimento
dos trabalhadores e da burguesia
nacional, reduzindo portanto sua
capacidade política de lutar por
medidas de caráter desenvolvimentista. Além disso, o foco das políticas sociais está concentrado na população mais carente, em sua maioria pouco organizada politicamente, e isto tende a tornar hegemônicas
as concepções pautadas pela naturalização da pobreza e da desigualdade. As entidades sindicais e os
movimentos sociais, os segmentos
que mais seriam capazes de lutar
por aquelas medidas, sofrem assim
uma grande despotencialização política, por estarem sujeitos à coerção
das necessidades e instados a aderir aos programas sociais de caráter
completamente diverso.
Por outro lado, os segmentos empresariais, cada vez menos atuantes
na esfera política, tratam de seus interesses diretamente junto a Estado
(caso dos mais poderosos) ou buscam sobreviver aos percalços da economia (caso dos pouco poderosos),
ao mesmo tempo em que se engajam
nas práticas de responsabilidade
social. As questões políticas que os
unificam estão inseridas no ideário
neoliberal, como a redução dos custos fiscais e trabalhistas, de direção
antagônica à perspectiva do desenvolvimento. Desta maneira, as transformações na base econômica e a
luta político-ideológica se alimentam
mutuamente no sentido contrário
àquele que apontaria para a superação do subdesenvolvimento, inclusive – talvez principalmente – porque elas fortalecem as frações burguesas mais interessadas nas lógicas financeirizantes e internacionalistas predominantes no país.
Será que a pauta desenvolvimentista foi varrida do mapa político?
Nesse momento, o horizonte parece
cada vez mais sombrio; o ornitorrinco se desenvolve, cada vez mais acir-
rando a oposição entre modernidade e desigualdade social.
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MESTRADO EM
ANÁLISE REGIONAL
O primeiro da sua categoria
no Estado da Bahia
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
59
UM LIBERTADOR DAS IDÉIAS: O PENSAMENTO
DESENVOLVIMENTISTA DE RAÚL PREBISCH
Joaquim Miguel Couto1
Ana Cristina Lima Couto2
Resumo
As idéias do economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986) sempre estiveram voltadas para a ação.
As dificuldades encontradas frente
a problemas concretos (durante a
crise dos anos 1930), tornaram
Prebisch um homem prático. Assim,
suas teorias sobre a substituição de
importações, o sistema centro-periferia e a criação de um mercado comum latino-americano, possuíam
um grande sentido de influenciar a
realidade. A única exceção coube a
sua “Teoria da Transformação”,
construída no último decênio de sua
vida. Nesta, Prebisch se afasta da
realidade e teoriza sobre a criação
de um novo sistema econômico, através de uma síntese entre socialismo
e liberalismo, visando alcançar o
desenvolvimento econômico.
Palavras chave: Prebisch; sistema
centro-periferia; substituição de importações.
Abstract
The argentinean economist Raúl
Prebisch’s (1901-1986) ideas were
always gone back to the action. Difficulties facing concrete problems made him a pragmatic man. Thus, his
theories about import substitution,
core-periphery system and the creation of a common latin-american
market, were embodied in a great
purpose of influencing the reality.
The only exception was the “Theory
of Transformation”, which was built
in the last decade of this life. There,
Prebisch moves off practical matters
and speculates about the creation of
a new economic system, through a
synthesis of socialism and liberalism, seeking to reach the economic
development.
60
Key words: Prebisch; core-periphery
system; import substitution.
Introdução
A América Latina teve seus libertadores políticos; homens destemidos que lutaram para libertar o continente sul-americano da dominação
das metrópoles européias. Prebisch
foi também um libertador, não da
dominação política, mas do campo
das idéias econômicas. Sua paixão
pela defesa dos interesses econômicos da América Latina, levou-o a
desprezar a ciência econômica marginalista e monetarista, inspirado,
principalmente, pelo livro revolucionário de John M. Keynes. Expor as
principais idéias do economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986),
sua originalidade e coesão, é o objetivo desse artigo.
No entanto, escrever sobre o pensamento de um determinado autor
requer uma série de cuidados. Primeiro, a certeza de ter coberto a bibliografia correta. Segundo, de extrair de tal bibliografia as idéias centrais e pertinentes de seu pensamento. Terceiro, sistematizar a exposição
de tais idéias, perseguindo um sentido de continuidade entre elas.
Prebisch facilitou em muito este
terceiro cuidado. Em 1982, escreveu
um ensaio para apresentação no
Banco Mundial, posteriormente publicado pelo “El Trimestre Económico”, intitulado “Cinco etapas de mi
pensamiento sobre el desarrollo”.
Neste ensaio, Prebisch, aos 81 anos
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
de idade, volta-se para o passado e
nos diz que seu pensamento sobre o
desenvolvimento econômico atravessou cinco etapas sucessivas, sob
a influência de uma realidade que
se transformava e dos ensinamentos
de sua própria experiência. É por
esta razão que esse artigo segue uma
divisão em etapas.
Na primeira, tratamos das idéias
de Prebisch desenvolvidas entre os
anos de 1943 e 1949: da sua aceitação do ciclo econômico e do repúdio
as teorias do equilíbrio. Na segunda
etapa, que cobre os anos de 1949 a
1959, são expostas as idéias mais conhecidas do economista argentino:
o sistema centro-periferia e a deterioração dos termos de intercâmbio.
Na terceira etapa, situada entre 1959
e 1963, aparece sua defesa pública
pela criação de um mercado comum
latino-americano e o conceito de insuficiência dinâmica da economia.
A quarta etapa marca a passagem
de Prebisch pela Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD), entre
os anos de 1963 e 1969. A quinta etapa tem início em meados do anos
1970 e termina com sua morte em
1986. É o momento em que Prebisch
se aproxima do pensamento de Karl
Marx para propor uma síntese entre
liberalismo e socialismo.
Este é um texto de História do
Pensamento Econômico. No entanto, ao estudar o pensamento de Raúl
Prebisch, estamos tratando da realidade brasileira do “desenvolvimentismo” após a crise dos anos 30, che-
1
Doutor em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da UNICAMP. Professor Adjunto
TIDE (Tempo Integral Dedicação Exclusiva), Departamento de Economia da Universidade Estadual
de Maringá.
2
Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Colaboradora TIDE,
Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
gando até os problemas da dívida
externa e da hiperinflação dos anos
80. O Brasil, sem dúvida, foi o grande laboratório para as idéias de
Prebisch e da CEPAL. Em razão disso, ao penetrar no pensamento do
economista argentino, estamos estudando a própria Economia Brasileira e o caminho para o seu desenvolvimento.
1. A primeira etapa: o ciclo
econômico e o repúdio às teorias do equilíbrio geral
A primeira etapa do pensamento
de Prebisch inicia-se com sua saída
da Direção Geral do Banco Central
da Argentina (1943) e termina com
sua entrada na CEPAL (1949). Neste período, retorna à cátedra na Faculdade de Ciências Econômicas de
Buenos Aires, dedicando-se a pensar sobre o significado de sua experiência anterior. Ressalta que surgiram em sua mente algumas perguntas sobre problemas teóricos importantes cujas reflexões traçaram o caminho da segunda etapa. Perguntava-se: por que se afastou de suas crenças ortodoxas marginalistas? Por
que o Estado teria que desempenhar
um papel ativo no desenvolvimento? Por que as políticas formuladas
nos centros não podiam aplicar-se
na periferia? No fundo, este é um
período formativo das idéias de
Prebisch que só viriam a constituirse em um todo consistente na segunda etapa de seu pensamento. Assim,
concordamos com Rodríguez (1981)
de que esses textos da Primeira etapa são claros antecedentes da concepção do sistema centro-periferia.
O principal conceito teórico abordado por Prebisch nesta etapa é o
ciclo econômico. Para ele, o ciclo se
manifestava em um movimento alternado de rendas que se contraíam
e se dilatavam em um processo circulatório. Este processo circulatório
das rendas não se limitava à esfera
interna de um país, era pois um fenômeno internacional. Prebisch não
aceitava o sistema de equilíbrio dos
economistas marginalistas. Tinha
que a realidade era eminentemente
cíclica. O ciclo era uma sucessão de
desequilíbrios, portanto, incompatível com o equilíbrio geral. Para
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Gurrieri (1982), é através da análise
dos ciclos e da dinâmica econômica
que Prebisch começa a assentar as
bases de sua teoria do desenvolvimento econômico.
Ressalta Prebisch (1945), que desde o início de sua carreira como professor, na década de 20, dominavalhe a fé e um grande entusiasmo pela
teoria econômica e, muito embora o
trabalho futuro frente a problemas
concretos, tenham-no transformado
em um homem da prática, sentia,
cada vez mais, a necessidade do
apoio constante da teoria econômica para explicar e trabalhar sobre os
problemas da realidade.
Apesar desta fé ter se transformado em uma convicção, Prebisch se
mostrava descontente com a teoria
econômica dominante. Para ele, a
teoria envelheceu como um antigo
mapa, fazendo-se necessário uma
tarefa de revisão para acentuar seus
grandes acertos e corrigir seus muitos erros. Esta crítica abarcava tanto
o padrão-ouro como também o protecionismo, o livre câmbio, a livre
concorrência reguladora e muitos
outros pontos defasados. Prebisch
criticava a postura dos Estados Unidos que ainda acreditavam que o livre funcionamento do mecanismo
econômico corrigiria todos os males,
sem a necessidade de uma política
compensatória.
Pontuava Prebisch que a Economia Política estava passando por
uma grave crise que a tornava insuficiente para explicar os problemas
da realidade e agir sobre eles. Esta
era a segunda crise pela qual passava a Economia Política. A primeira
teria sido provocada por Karl Marx.
Superada a crítica marxista, a Economia Política aumentou o seu rigor
e precisão através do aperfeiçoamento dos raciocínios lógicos e do emprego das matemáticas. Porém, esta elegância e rigor matemático afastava a
Economia Política da realidade econômica, tornando-a incapaz de resolver os problemas advindos com a
grande depressão dos anos 30.
O interesse de Prebisch por Keynes torna-se notório ao publicar o
livro “Introdução a Keynes” (1947).
Trata-se do primeiro manual escrito
na América Latina para difundir as
idéias do economista britânico contidas em sua “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, de 1936.
Prebisch, neste livro, concorda que
a falha fundamental do capitalismo
é a desocupação persistente e que
Keynes interpreta este fenômeno e
oferece uma solução compatível com
a iniciativa privada e a liberdade
pessoal. Considera, entretanto, que
os artigos que antecederam a “Teoria Geral”, publicados pelo “Times”
de Londres, em 1933, eram de uma
heresia doutrinária superior ao seu
grande livro. Nesta fase, Prebisch
estuda também profundamente a
obra de Schumpeter, que se materializa nas suas idéias sobre o ciclo econômico e o papel do empreendedor
no processo de desenvolvimento.
Sobre o conceito Centro-Periferia,
este aparece pela primeira vez em
1946 (“Memoria de la Primeira
Reunión de Técnicos sobre Problemas de Banca Central del Continente Americano”, publicado pelo Banco do México):
“Os Estados Unidos, a meu ver,
desempenham ativamente o papel
de centro cíclico principal, não só
no continente, mas em todo o mundo; e os países latino-americanos
estão na periferia do sistema econômico (...) Por que chamo os Estados Unidos de centro cíclico?
Porque deste país, em função da
sua magnitude e de suas características, partem os impulsos de
expansão e contração na vida econômica mundial e especialmente
na periferia latino-americana, cujos
países estão sujeitos as influências destes impulsos, como haviam
estado anteriormente, quando a
Grã-Bretanha tinha o papel de centro cíclico principal (...) Eu creio
que o movimento cíclico é universal, que há um só movimento que
vai se propagando de país a país.
Portanto, não se deveria dividir o
processo em várias partes independentes; não há um ciclo nos Estados Unidos e um ciclo em cada um
dos países da periferia. Tudo constitui um só movimento, mas dividido em fases muito distintas com
características claramente diferentes, segundo se trate do centro
cíclico ou da periferia. Por esta última razão, apesar de ser o processo um só, as suas manifestações são muito diversas, de acordo com o lugar em que nos situe-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
61
“
Não é possível
usar na periferia as
mesmas armas de
intervenção e
regulamentação
monetária que se usa no
centro cíclico...
”
mos (...) Sustento, por isso, que é
impossível aplicar uma política
uniforme para abordar os problemas emergentes do ciclo econômico. Não é possível usar na periferia as mesmas armas de intervenção e regulamentação monetária
que se usa no centro cíclico.” (PREBISCH citado por RODRÍGUEZ,
1981, p.34/35)
Pela citação acima, podemos afirmar que o ciclo econômico constitui
a base de onde se desprende o sistema centro-periferia. Embora este
conceito surja nesta primeira etapa,
ainda estava distante de formar um
sistema único (fato que ocorre somente na segunda etapa).
O comércio internacional e a preocupação com o balanço de pagamentos estão presentes em metade
dos textos escritos por Prebisch nesta fase. Já a necessidade da industrialização através da substituição de
importações é considerada de forma
rápida apenas em texto de 1944. A
inflação, por sua vez, desperta pouca atenção, sendo diagnosticada apenas como um fenômeno monetário.
Podemos considerar esta primeira
etapa, como uma fase onde os fatos
eram analisados sob uma ótica estritamente econômica. Não obstante,
Prebisch (1945) adverte que a teoria
econômica só explicava uma parte e
não toda a realidade. No mais, tem-se
referência ao planejamento e a necessidade da América Latina começar a
pensar com suas próprias idéias.
2. A segunda etapa: o sistema
centro-periferia e a industrialização da América Latina
Esta etapa é marcada pela entrada de Prebisch na Comissão Econômica para a América Latina e o
62
Caribe - CEPAL, em fevereiro de
1949, e termina ao final da década
de 50. Segundo Gurrieri (1982),
Prebisch inicia seu caminho cepalino orientado por sua idéia de desenvolvimento econômico, que manterá
sem grandes mudanças em todos os
seus trabalhos posteriores. Para Furtado (1985), foi no Brasil e no Chile
onde germinaram as idéias plantadas por Prebisch nesta fase.
Passado um mês de sua chegada
à CEPAL (Santiago do Chile), Prebisch distribui internamente um primeiro texto, escrito possivelmente
com material trazido por ele próprio
da Argentina, mas que logo é recolhido sem nenhuma explicação.
Continha este texto as idéias que
Prebisch já vinha desenvolvendo na
etapa anterior: desequilíbrio do balanço de pagamentos provocado
pelo baixo coeficiente de importações
dos Estados Unidos e a importância
e limitação da industrialização. Era,
na verdade, o primeiro esboço de um
trabalho que estava sendo preparado para a Conferência da CEPAL em
Havana (maio de 1949).
A versão definitiva, terminada às
vésperas da dita Conferência, é assim comentada por Celso Furtado:
“O novo texto de Prebisch não circulou para discussão (...) Tratava-se
de um texto mais longo, contendo
quadros e gráficos e o tom havia mudado. A linguagem agora era de um
manifesto que conclamava os países
latino-americanos a engajar-se na
industrialização. Nele evidenciavam-se gosto pela língua depurada
e qualidade de polemista” (FURTADO, 1985, p.60). Este texto, intitulado “O desenvolvimento econômico
da América Latina e alguns de seus
principais problemas”, é a gênese do
pensamento da CEPAL e a concretização do sistema de relações econômicas internacionais denominado Centro-Periferia. Seus três primeiros parágrafos são extremamente
marcantes e controvertidos. Para
Furtado, o ponto de partida do texto
era um “grito de guerra”, um ataque
direto à ordem internacional vigente e a seus ideólogos: “A realidade
está destruindo na América Latina
aquele pretérito esquema da divisão
internacional do trabalho que, de-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
pois de haver adquirido grande vigor no século XIX, seguia prevalecendo doutrinariamente até há bem
pouco tempo”(PREBISCH, 1949,
p.99).
O sistema Centro-Periferia seria
o conceito mais difundido do economista argentino, porém ainda era
um termo não consolidado, razão
pela qual, em alguns textos desta etapa, Prebisch evita empregá-lo ou faz
de forma cuidadosa. Entende-se por
centro, grosso modo, os países desenvolvidos produtores de bens manufaturados, e por periferia, os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, produtores de bens primários. A América Latina, pertencente à periferia da economia mundial, seria o pano de fundo das idéias de Prebisch sobre o desenvolvimento econômico e o comércio exterior. É claro que este primeiro trabalho de Prebisch na CEPAL é fruto de
sua experiência argentina, transladada para a órbita latino-americana pelas coincidências de certos problemas comuns. Entretanto, Prebisch reconhece, desde o início, a
diferença existente entre estes países, porém isto não invalidaria as
suas idéias gerais sobre a região.
Da explicação dada por Prebisch,
pode-se considerar que o centro e a
periferia eram o resultado histórico
da maneira como se propagou o progresso técnico na economia mundial, dando lugar às estruturas produtivas diferentes tanto no centro como
na periferia, além de funções também diferentes no sistema econômico mundial (FLOTO, 1989).
Para justificar a industrialização
da América Latina, que já vinha se
realizando desde a grande depressão dos anos 30, Prebisch questiona
a validade da divisão internacional
do trabalho. Segundo esta, o progresso técnico dos centros se distribuiria para a periferia pela baixa nos
preços dos produtos manufaturados
(em razão do aumento de sua produtividade). Desta maneira, os produtos primários da periferia, de menor produtividade, teriam um maior poder de compra, conforme evoluísse a técnica nos centros, não cabendo a industrialização da periferia do sistema.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Prebisch desmente este pressuposto da distribuição do progresso
técnico, afirmando que desde o final
do século XIX, os preços dos produtos primários vêm se deteriorando
em relação aos preços dos produtos
manufaturados dos centros. Ou seja,
por não terem sido repassados os
aumentos de produtividade na baixa dos preços, o progresso técnico
tem se concentrado nos centros.
Esta deterioração era explicada
pelo movimento cíclico da economia.
Na fase descendente do ciclo, a queda nos preços dos produtos primários era maior do que a sua elevação
na fase ascendente. Enquanto isto,
os preços dos produtos manufaturados produzidos nos centros resistiam à queda. A rigidez dos preços
manufaturados e a flexibilidade dos
preços primários tinham como razão o maior poder sindical dos trabalhadores dos centros, que elevavam os salários na fase ascendente
e mantinha-os na fase descendente.
A deterioração dos termos de intercâmbio e o próprio processo de industrialização (que necessitava de
importações) eram os motivos apontados por Prebisch que levavam os
países periféricos a desequilíbrios em
seus balanços de pagamentos. Creditava, contudo, a grande culpa do
desequilíbrio ao baixo coeficiente de
importações dos Estados Unidos.
Esta explicação para o desequilíbrio externo, datada de 1949, é mantida no texto de 1950; porém, em texto de 1951, Prebisch acrescenta um
novo fator causador do desequilíbrio:
a elasticidade-renda da demanda. Ou
seja, a medida que cresce a renda, diminui a demanda relativa por bens
primários e aumenta a demanda relativa por bens industriais.
Hans W. Singer, em 1950, também
advogou que a deterioração era causada pela elasticidade-renda da demanda, porém Prebisch creditava
esta deterioração tanto à elasticidade quanto ao ciclo econômico. Não
obstante, muitos tratam estas duas
teorias com um rótulo comum (“Tese
Prebisch-Singer”), ignorando o ciclo
econômico. Em sua extensa bibliografia, Prebisch nunca fez qualquer
referência a esta tese “PrebischSinger”.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Para atacar o desequilíbrio externo, Prebisch não via outro caminho
senão a industrialização da América Latina, através do processo de
substituição de importações. Observava, entretanto, que esta industrialização possuia limites: a pequena
escala de produção e a baixa poupança interna para inversões. Outra
medida preconizada para evitar ou
diminuir o desequilíbrio do balanço
de pagamentos era o desestímulo às
importações através do controle do
câmbio e outras medidas seletivas.
Criticava também as formas imitativas de consumo (bem supérfluos
importados) dos grupos de altas rendas, que prejudicava as inversões e
acentuava o desequilíbrio externo.
Foi a pequena escala das indústrias latino-americanas, em razão de
seus estreitos mercados nacionais,
o motivo que incentivou Prebisch a
defender a criação de um mercado
comum latino-americano desde o
seu primeiro trabalho na CEPAL.
Apesar do acento na industrialização, Prebisch não descartava a
importância da agricultura, tanto
para o mercado interno como para o
externo. Criticava a posse do solo e
o enriquecimento dos proprietários
de terras.
É forte também a preocupação de
Prebisch com o desemprego estrutural ou tecnológico. As exportações
já não eram suficientes para absorver o crescimento da população ativa e a desocupação resultante do
progresso técnico (principalmente
na agricultura). Cabia à industrialização esta tarefa. A introdução de
novas técnicas que aumentavam a
produtividade e, consequentemente,
eliminavam mão-de-obra, deveriam
ser implantadas à medida que houvesse capital disponível para absorver esta população em outras atividades.
Prebisch considerava o comércio
exterior um dos elementos propulsores do desenvolvimento econômico. A industrialização exigia novas
importações de bens de capital e
insumos que, para pagá-los, necessitava de exportações. Porém, devido à baixa capacidade para importar da periferia, a composição das
importações deveria ir sendo modi-
“
Prebisch era
a favor do multila-
teralismo, onde cada
país poderia comprar e
vender nos melhores
mercados...
”
ficada, substituindo as importações
supérfluas pelas essenciais ao desenvolvimento. Prebisch era a favor do
multilateralismo, onde cada país
poderia comprar e vender nos melhores mercados; no entanto, a falta
de divisas, e não uma questão doutrinária (como afirma), levou os países a praticarem o controle de câmbio e o comércio discriminatório. É
no texto de 1950 que Prebisch começa a defender medidas protecionistas para estimular a industrialização periférica, devido ao seu maior
custo de produção. Somente na Terceira etapa de seu pensamento,
Prebisch irá criticar o excesso de proteção.
Outro ponto de luta de Prebisch,
nesta fase e nas demais, é a cooperação internacional, tanto financeira
como técnica. A cooperação financeira deveria ser complementar ao
esforço interno dos países.
O reconhecimento da necessidade de um programa de desenvolvimento surge no texto de 1951, e se
intensifica em 1955. A técnica de
programação buscava ordenar e aumentar as inversões de capital, com
o fim de imprimir mais força e regularidade ao crescimento econômico.
Nesta programação, não estava implícito que o Estado deveria ocupar
o lugar da iniciativa privada, mas
atuar onde esta fosse débil.
Ao longo dos textos desta etapa,
Prebisch critica constantemente os
ensinamentos da teoria econômica
dominante. Apesar de concordar teoricamente sobre a validade da divisão internacional do trabalho, Prebisch diz que esta é contradita pelos
fatos. Considera falsa a premissa de
plena mobilidade dos fatores produtivos entre os países, e descarta o
sentido de universalidade da teoria
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
63
ortodoxa. Outro ponto de crítica, era
de que a teoria marginalista nunca
levou em consideração o tempo entre uma e outra situação de equilíbrio. Impunha-se um sério esforço de
revisão teórica, partindo de premissas mais próximas da realidade.
3. A terceira etapa: o mercado
comum latino-americano e a
insuficiência dinâmica do
sistema
A terceira etapa do pensamento
de Raúl Prebisch envolve o período
que vai do final da década de 50 até
o ano de 1963, quando este deixa a
CEPAL para assumir a Secretaria
Geral da UNCTAD.
Um dos destaques desta etapa é
o acolhimento de outras áreas do
conhecimento, além da econômica,
para explicar o processo de desenvolvimento econômico da América
Latina. Por influência reconhecida
de José Medina Echavarría, Prebisch
passa a englobar em suas idéias posições sociológicas, referentes, particularmente, a estrutura social.
A deterioração dos termos de intercâmbio passa a ser explicada
como consequência da elasticidaderenda da demanda e da densidade
tecnológica. Prebisch “esquece” a
explicação da deterioração através
do movimento cíclico da economia.
Em texto de 1959, depois de ensaiar durante toda a etapa anterior,
Prebisch propõe a criação de um
mercado comum latino-americano.
O objetivo principal do mercado comum era assegurar a industrialização racional dos países da América
Latina, principalmente em razão do
fim da etapa fácil de substituição das
importações. Com um mercado comum, a industrialização passaria a
contar com maiores mercados e ganhos de escala, bem como atenuaria a
vulnerabilidade externa. É a partir
desta fase que Prebisch passa a defender a exportação de produtos manufaturados. A criação da ALALC
(Associação Latino-Americana de
Livre Comércio), nascida em fevereiro de 1960, é o resultado da luta de
Prebisch em busca do mercado comum. Argumenta que o processo de
substituição de importações não prejudicava o comércio internacional,
64
pois substituía certos produtos para
poder importar outros requeridos
pelo desenvolvimento. Reconhecia a
necessidade da proteção, porém sem
exageros.
Prebisch (1961) considerava um
falso dilema a questão entre desenvolvimento econômico e estabilidade monetária, pois, segundo a ortodoxia, para se conseguir a estabilidade monetária dever-se-ia sacrificar o crescimento da economia. Prebisch discorda desta posição, afirmando que era possível conseguir
estabilidade com crescimento, dado
que a inflação da América Latina
não era causada por fenômenos monetários, mas sim por fatores estruturais (alto custo da substituição de
importações, aumento dos preços
dos produtos agrícolas e importados, etc.). Para ele, requeria-se investigações sociológicas, pois eram os
novos grupos que surgiam na política ou na economia que usavam a
inflação para modificar a distribuição de renda a seu favor. A estabilidade monetária não era condição
suficiente para o desenvolvimento
econômico. Junto com a estabilidade se fazia necessária uma política
de substituição de importações.
Nessa fase, Prebisch passa a dar
grande ênfase a acumulação e a distribuição. Diz que enquanto nos centros a acumulação de capital precedeu a sua distribuição, na América
Latina a acumulação e a distribuição da renda se requerem de forma
simultânea. É um erro a tese passada de primeiro crescer e depois distribuir. O então modelo distributivo
era apontado por Prebisch como um
dos obstáculos mais graves ao desenvolvimento econômico, gerador
de tensões sociais. As grandes disparidades de rendas dos países latino-americanos provieram, primeiro,
da concentração das terras, e depois
do excessivo protecionismo industrial, da restrição à concorrência, da
inflação e da intervenção do Estado
favorecendo determinados grupos.
A baixa poupança interna para inversões exigia ser complementada
com recursos externos.
Ainda em 1961, Prebisch defende de forma clara, pela primeira vez,
a reforma agrária. Esta era inadiável.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
Cabia ao Estado redistribuir a terra
e difundir a técnica e o capital. Aparece também, nesse texto, a sua primeira preocupação ecológica: a
aglutinação ou divisão de terras deveria levar em consideração as condições ecológicas da região.
Em 1963, Prebisch publica o principal texto desta etapa. Trata-se do
livro “Dinâmica do desenvolvimento latino-americano”, que lança o
conceito de insuficiência dinâmica.
Segundo Prebisch, o desenvolvimento econômico não viria de forma espontânea e sim de um esforço racional e deliberado, onde a acumulação de capital e a redistribuição da
renda não se dariam pelo livre jogo
do mercado, mas somente com uma
grande participação do Estado sobre a poupança, a terra e a iniciativa
individual, dando dinâmica ao sistema.
A insuficiência dinâmica da economia era a incapacidade do sistema de absorver o crescimento da
população ativa e a desocupação
provocada pelo progresso técnico.
Para Gurrieri (1982), insuficiência
dinâmica (ou suficiência dinâmica)
era um conceito operacional que permitia estimar o dinamismo econômico em relação com a absorção produtiva da força de trabalho. Em razão deste novo conceito, a preocupação com o desemprego estrutural
tornara-se uma constante no pensamento de Prebisch.
Para ele, a estrutura social da
América Latina colocava um grave
obstáculo ao progresso técnico e, por
consequência, ao desenvolvimento
econômico e social. Esta estrutura
entorpecia a mobilidade social (ou
seja, o surgimento de elementos dinâmicos) e privilegiava certos grupos na distribuição da renda. Este
privilégio distributivo, por sua vez,
não era canalizado para a acumulação de capital, mas para modelos
exagerados de consumo. O ponto de
partida para superar a então estrutura social era a educação.
Recomendava que se deveria
combinar a ação do Estado com a
iniciativa privada, pois a livre iniciativa e a competição eram essenciais para o progresso econômico, assim como o planejamento e a coopeRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ração internacional. Entretanto, dever-se-ia tomar cuidado com a iniciativa privada estrangeira, em razão
de sua superioridade técnica e econômica. Este era o início de sua preocupação com as empresas transnacionais.
Admitia ainda o fim da etapa fácil de substituição de importações.
Foi relativamente simples substituir
bens de consumo corrente e alguns
duradouros. Tratava-se agora de
substituir bens de capital e intermediários, de fabricação mais complexa, que exigia maiores mercados e
capitais.
Segundo o próprio Prebisch, esta
foi uma etapa crítica da política e das
idéias econômicas, “(...) em resposta
as mudanças que estavam ocorrendo no processo de desenvolvimento
e a minha melhor compreensão de
seus problemas” (PREBISCH, 1982,
p.1084). Confessa que “(...) não pôde
desentranhar naqueles anos, o significado real da inflação e do processo de distribuição da renda”
(Ibid., p.1086). Este “significado real”
só viria na quinta etapa.
4. A quarta etapa: comércio internacional, desequilíbrio
externo e desenvolvimento
econômico
Esta etapa é marcada pela passagem de Prebisch pela Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD), na
qualidade de seu Secretário Geral.
Cobre o período situado entre 1963 a
1969. É através da UNCTAD, que tem
sua sede em Genebra (Suíça), que as
idéias de Prebisch ultrapassam as
fronteiras da América Latina:
“A Quarta etapa, relacionada
com o meu trabalho na UNCTAD,
se orientou para os problemas da
cooperação internacional. Esta
nova responsabilidade resultou
muito pesada, porém, ao mesmo
tempo, muito estimulante. Não tinha tempo para as lucubrações teóricas, de modo que tive de recorrer as minhas idéias da época da
CEPAL. Apesar das grandes diferenças que separavam os países da
periferia mundial, havia muitos
denominadores comuns. Isto me
permitiu apresentar um conjunto
completo de recomendações de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
política econômica que constituíram o ponto de partida da discussão entre os governos membros.”
(PREBISCH, 1982, p.1086)
Nesta etapa na UNCTAD são
publicados dois informes, que foram
apresentados respectivamente nas
Conferências de Genebra (1964) e
Nova Delhi (1968). Pode-se ainda
classificar como sendo um trabalho
representativo desta fase o livro
“Transformação e desenvolvimento.
A grande tarefa da América Latina”,
relatório encomendado à Prebisch
pelo BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), publicado em
1970. Este texto é o seu escrito mais
importante como diretor do ILPES
(Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social – período 1970-72).
No primeiro informe, Prebisch
trata de formular uma nova política
comercial em prol do desenvolvimento econômico, que visava evitar
o seu estrangulamento externo. O
propósito imediato desta nova política comercial era corrigir o déficit
virtual do comércio. Dentro do tema
básico da conferência, as idéias iriam girar em torno do balanço de
pagamentos e seu desequilíbrio nos
países em desenvolvimento. A explicação para este desequilíbrio era a
já conhecida elasticidade-renda da
demanda. Prebisch enaltece o comércio multilateral e condena o bilateralismo.
Voltava a afirmar que a etapa
simples de substituição de importações havia-se esgotado, sendo necessários maiores mercados para substituir bens de maior complexidade.
A substituição deveria atingir o frete (através de uma frota marítima
própria) e os seguros, posto que estes dois elementos constituíam um
déficit virtual no balanço de pagamentos. No entanto, advertia que o
desenvolvimento econômico deveria
ser buscado tanto no mercado interno como no mercado externo. Estes
dois mercados não eram excludentes
entre si. Desta forma, a substituição
de importações deveria ser conjunta
com uma política de exportações industriais.
No segundo informe, Prebisch
propõe uma estratégia global de de-
senvolvimento, que significava estender à periferia a nova ordem do
comércio internacional, onde só os
países industrializados faziam parte. Nova ordem no sentido de uma
maior liberalização do comércio
mundial.
O objetivo da estratégia era resolver os problemas que impediam acelerar o ritmo de desenvolvimento
econômico e social. Os problemas
eram: desequilíbrio externo, déficit
de poupança e vulnerabilidade externa. As medidas para atacar o
desequilíbrio estavam no plano comercial e no plano da cooperação
financeira. A estratégia era global
porque abarcava medidas tanto nos
países periféricos como nos desenvolvidos.
Para Prebisch, desenvolvimento
é mudança e disciplina. Mudança
para facilitar o acesso a tecnologia e
disciplina para aproveitá-la com eficácia e distribuir seus frutos eqüitativamente.
Quanto ao relatório do BID, este
tinha a proposta de convencer da
necessidade e da possibilidade de
acelerar o desenvolvimento. Para
isso, era necessário transformações
de estruturas e de atitudes: estrutura agrária (posse do solo), estrutura
industrial (compartimentos fechados e proteção), estrutura do poder e
estrutura do Estado.
Segundo Prebisch, o relatório do
BID era voltado para a ação. Fundamentava suas observações sobre
uma sólida base de dados, que possibilitava afirmar, entre outras coisas, que os países latino-americanos
que não tiveram problemas de balanço de pagamentos foram os que menos adotaram a política substitutiva.
Ou seja, a substituição de importações se deu por medidas circunstanciais nos demais países, e não por
uma política deliberada.
Neste relatório, Prebisch escreve
sobre Marx e o socialismo. Seus comentários são muito pertinentes,
muito embora pudessem ter o motivo de pressionar uma maior cooperação por parte dos países desenvolvidos do ocidente. Atenta que o socialismo real foi um método de desenvolvimento e não a transformação de uma economia avançada.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
65
Também é neste texto que Prebisch
inicia a formulação de sua Teoria da
Transformação, onde os fatos poderiam levar o Estado a socializar as
grandes empresas. Prebisch critica
duramente o capitalismo, dizendo
que qualquer sistema que não corrigisse a insuficiência dinâmica e não
distribuísse eqüitativamente a sua
renda, teria perdido a justificativa de
se prolongar. Enxerga a necessidade da concorrência tanto no mundo
capitalista como no socialista.
O caráter multidisciplinar da
análise se acentua. Diz que o desenvolvimento não se defrontava apenas com problemas econômicos, mas
também com problemas políticos,
sociais e culturais. Assim, um sistema de idéias não poderia abarcar
somente o econômico, pois existiam
diferentes aspectos de uma mesma
realidade.
Quanto a insuficiência dinâmica
da economia, requeria-se um grande esforço de acumulação de capital, onde as inversões deveriam ser
maiores que o progresso técnico e o
crescimento da população, visando
absorver a população ativa. Era a
favor de uma política deliberada de
planejamento familiar, reconhecendo, contudo, a delicadeza do tema.
Prebisch apresenta um estudo do
CELADE (Centro Latino-Americano
de Demografia) que provava que
quanto menor o nível de renda, menor era a educação e maior era a natalidade.
O interesse pelo desemprego estrutural continua muito grande. O
próprio conceito de insuficiência
dinâmica da economia evidencia
este aspecto. Para Prebisch, o avanço da técnica possibilitaria ao homem dedicar-se menos tempo ao trabalho, abrindo espaço para outras
“
Prebisch se aproxima
do socialismo e seus
trabalhos passam a
conter uma forte ligação
com a estrutura
social.
66
”
atividades não-econômicas. No entanto, a tecnologia era ambivalente,
podendo servir para o bem ou para
o mal: tudo dependia da aptidão do
homem para endereçá-la da melhor
maneira.
5. A quinta etapa: uma teoria
da transformação – a síntese entre liberalismo e socialismo
Com a entrada de Prebisch na
“Revista de la CEPAL” em 1976, no
cargo de Diretor-Geral, inicia-se a
quinta etapa de seu pensamento, que
dura até sua morte em 1986. Diz que
longe de atribuições executivas depois de anos, pôde dedicar-se dentro da revista a melhorar a sua interpretação do capitalismo periférico:
“Para tal fim, revisei com grande
espirito crítico minhas idéias anteriores. Havia nelas alguns elementos válidos, porém distavam muito de constituir um sistema teórico. Cheguei a conclusão de que,
para começar a construir um sistema, era necessário levar a perspectiva mais além da mera teoria
econômica.”(PREBISCH, 1982,
p.1087)
Nesta última etapa, Prebisch elabora a sua “Teoria da Transformação” através de artigos publicados
na “Revista de la CEPAL”, no período de 1976 a 1980. Trata-se de uma
fase extremamente rica e de grande
produção, apesar de sua avançada
idade. Prebisch se aproxima do socialismo e seus trabalhos passam a
conter uma forte ligação com a estrutura social.
O ponto culminante deste período é o lançamento do livro “Capitalismo periférico. Crise e transformação” de 1981, que condensa e ordena as idéias publicadas nos artigos
anteriores. Para Gurrieri (1982), esta
quinta etapa marca o convencimento de Prebisch da impossibilidade de
alcançar no sistema vigente os objetivos do desenvolvimento, dedicando grande parte deste seu último livro a apresentar os argumentos que
justifiquem essa sua opinião.
O conceito dominante nessa etapa é o excedente econômico. Tratase de parte dos frutos da produtividade que não é transferida propor-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
cionalmente à força de trabalho e
nem resulta na baixa dos preços,
mas sim apropriada pelos proprietários dos meios produtivos.
Com o avanço do processo democrático, a força de trabalho adquire
poder político e sindical, passando
a aumentar a sua parcela do incremento da produtividade, em detrimento do excedente. Este poder de
apropriação não provém do jogo espontâneo da economia, mas das relações de poder oriundas da estrutura social.
Para restabelecer a dinâmica do
sistema, os proprietários dos meios
produtivos elevam os seus preços.
Esta inflação é classificada como
social, diferente da inflação passada, onde a oferta superava a demanda. Da seqüência de aumentos de
preços e reajustes das remunerações
para compensar as perdas, surge o
fenômeno da espiral inflacionária.
A inflação conduz o sistema a sua
crise. O Estado, então, usando de sua
força coercitiva, interrompe o processo democrático (e com isto o poder
político e sindical da força de trabalho), restabelecendo o excedente. Daí
a razão da ruptura entre o processo
democrático e o processo econômico: para continuar com este último,
dever-se-ia sacrificar o primeiro.
Para harmonizar a dinâmica do
sistema econômico com o regime democrático, Prebisch “esboça” uma
Teoria da Transformação. Seria uma
síntese entre socialismo e liberalismo. Socialismo, enquanto o Estado
regularia democraticamente a acumulação e a distribuição. Liberalismo, enquanto consagraria essencialmente a liberdade econômica do
que produzir e do que consumir. O
Estado deveria estabelecer uma disciplina de acumulação e distribuição, de forma compatível com a liberdade econômica no jogo de mercado. Mas por que transformar o sistema? Diz Prebisch que após longa
observação se convenceu de que as
grandes falhas do desenvolvimento
latino-americano careciam de solução dentro do sistema vigente, cabendo transformá-lo.
O ataque às teorias neoclássicas
se torna o motivo de muitos artigos.
Diz Prebisch que os neoclássicos,
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
por descartarem de seus raciocínios
os elementos importantes da realidade social, política e cultural, bem
como o desenvolvimento histórico
das coletividades, sistematizaram e
desenvolveram seus raciocínios no
vácuo, fora do tempo e do espaço.
Estas teorias estavam longe de explicar o desenvolvimento tanto da
periferia como dos centros. O sistema tendia para a crise e não ao equilíbrio dinâmico (como supõe a teoria neoclássica).
Confessa que se deixou seduzir,
em sua juventude, pelos raciocínios
neoclássicos e que lhe custou um
grande esforço intelectual para
superá-los. A renda não se distribui
pela produtividade marginal de
cada fator, e sim é resultado das relações de poder que emergem da estrutura da sociedade. As forças do
mercado não alocam da melhor forma os recursos produtivos, vide a
contaminação e deterioração do
meio-ambiente e a exploração irracional de seus recursos naturais
esgotáveis. O mercado também não
eleva espontaneamente a acumulação de capital. O mercado tem sua
importância, mas está longe de ser o
supremo regulador da economia:
não possui horizonte temporal e
nem horizonte social. Apenas através da transformação do sistema, o
mercado teria, além da eficácia econômica, a eficácia social e ecológica.
A moeda, por sua vez, não é neutra como afirmam os neoclássicos. É
um elemento decisivo na desigualdade social. A tese acerca da neutralidade da moeda radicava na renúncia em reconhecer a estrutura social
e suas mutações.
Afirma Prebisch que as idéias de
Milton Friedman não são novas, mas
sim uma divulgação inteligente do
pensamento marginalista do século
XIX. O próprio sistema de preços não
é privativo dos raciocínios neoclássicos, tendo existido durante longos
séculos de pré-capitalismo. A grande divulgação, até certo ponto deliberada, das idéias neoclássicas responde, em grande parte, ao jogo de
interesses. A propagação destas teorias não estão inspiradas em uma
genuína exaltação científica. Em
suma: os centros não estão preocuRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
pados em resolver os problemas da
periferia, mas apenas em participar
da apropriação de seu excedente,
através das empresas transnacionais, com sua reconhecida superioridade econômica e técnica. Os centros possuem ideologias que são favoráveis a seus interesses e não aos
da periferia: “Os grandes (centros)
nunca violam seus princípios econômicos, se não lhes servem bem,
simplesmente os trocam!” (PREBISCH, 1978, p.287). Para Prebisch,
aceitar tais ideologias é um retrocesso intelectual. As teorias do comércio e a divisão internacional do trabalho retardaram historicamente a
industrialização da periferia. Apesar de sua industrialização, a periferia não deixou de ser periferia.
Esta deveria buscar o seu próprio
caminho.
Após esta fase de elaboração da
Teoria da Transformação, levada a
cabo por artigos longos e profundos,
Prebisch escreve uma última série de
artigos relativamente curtos (de 1981
a 1986), onde se mostra preocupado
com a inflação e a dívida externa dos
países latino-americanos. Sugere
medidas conjunturais urgentes e outras estruturais baseadas em seus
conhecidos diagnósticos da periferia.
A primeira prioridade dos países em
desenvolvimento deveria ser o aumento do ritmo de crescimento, e não
o pagamento da dívida externa.
Nesta sua quinta etapa, Prebisch
não abandona o seu sistema centroperiferia. Reconhece que a polêmica
sobre a dependência nos anos 60,
enriqueceu este sistema. A contribuição mais importante, segundo Prebisch, foi a incorporação das relações de poder nesta análise. Para ele,
o sistema centro-periferia não tinha
o desígnio de se tornar uma teoria
própria, diferente do pensamento
dos centros, apenas requeria que os
fenômenos do capitalismo periférico se inserissem em uma teoria global do desenvolvimento capitalista.
Quanto a industrialização, diz
que a substituição de importações
não é estática, pois a diversificação
da demanda impõe substituir novos
produtos. Até o seu último texto
(1986), Prebisch continua acreditando na substituição de importações e
“
Os grandes
centros nunca violam
seus princípios
econômicos; se não
lhes servem bem,
simplesmente
os trocam!
”
nas exportações de manufaturas
como forma de superar o desequilíbrio externo. Continua também a sua
eterna persistência à cooperação econômica internacional, buscando novas formas de cooperação e convivência internacional, além de fórmulas
que assegurassem as vantagens do
intercâmbio recíproco entre centro e
periferia. Ou seja, Prebisch não renega nenhum de seus principais argumentos e pontos de luta do passado.
6. Conclusão: evolução e continuidade
A preocupação fundamental e
objetiva de Prebisch foi sempre o
desequilíbrio do balanço de pagamentos. Antes de suas etapas, Prebisch se defrontou com problemas
reais (Figura 1) de desequilíbrio externo na Argentina, seja como subsecretário da Fazenda (1930 a 1932),
seja como Diretor Geral do Banco
Central (1935 a 1943). Ao dar início
às etapas de seu pensamento, foi tentando compreender teoricamente os
motivos que levaram a economia Argentina, a princípio, e a latino-americana, posteriormente, ao desequilíbrio das contas externas. O ciclo econômico, a elasticidade-renda da demanda e o baixo coeficiente de importações dos Estados Unidos, foram
as principais respostas encontradas
por Prebisch para explicar o problema do balanço de pagamentos.
A deterioração dos termos de intercâmbio embora faça parte das respostas para o desequilíbrio externo,
tem sua explicação também no ciclo
econômico (fator conjuntural) e na
elasticidade-renda da demanda (fator estrutural).
Foi através do ciclo econômico
que Prebisch deslumbrou o sistema
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
67
de relações internacionais denominado centro-periferia, designando os
Estados Unidos como “centro cíclico” e os países latino-americanos
como “periferia” do sistema econômico mundial. Ou seja, o movimento cíclico da economia foi a origem
deste sistema centro-periferia.
Ao identificar os elementos que
compõem este sistema, os centros
industriais do capitalismo e os países periféricos de produção primária, e enxergando que o desequilíbrio
externo da periferia provinha de seu
tipo de atividade (a produção primária), Prebisch não teve dúvidas
em apontar a industrialização como
o principal caminho de solução. A
sua conclusão tinha como respaldo
empírico, o surto industrial que se
iniciou em razão da grande depressão dos anos 30. Portanto, a periferia do capitalismo mundial só alcançaria o seu desenvolvimento econômico com a industrialização através
da substituição de importações para
o mercado interno, sem desprezar,
contudo, as exportações primárias.
Posteriormente, no início dos anos
60, verificou que apenas a substituição de importações era insuficiente,
cabendo também incorporar ao processo industrializador as exportações de manufaturas.
O sistema centro-periferia seria a
base teórica dos raciocínios de
Prebisch sobre os problemas do desenvolvimento. Sobre esta base, buscaria os meios pelos quais poderia
atingir os seus objetivos. O primeiro
meio era a industrialização, já discutida no parágrafo anterior. O segundo meio era o comércio internacional. Buscando a criação de um mercado comum latino-americano (de
onde surgiria a ALALC) e lutando
pelo multilateralismo e melhores condições de troca no seio da UNCTAD,
Prebisch via a expansão do comércio mundial como um pré-requisito
essencial para o desenvolvimento
da periferia. O terceiro meio viria
com a sua Teoria da Transformação,
onde, pela transformação do sistema, se buscaria novas formas de acumulação e distribuição da renda.
Estes três meios foram os fundamentais dentro de seu pensamento,
porém não foram os únicos. A refor-
68
Figura 1 – Plano geral do pensamento de Raúl Prebisch.
Fonte: Os autores.
ma agrária, a política de cooperação
internacional (técnica e financeira)
e a planificação do desenvolvimento, eram também meios constantemente mencionados.
O objetivo final, contudo, de todas estas medidas (ou meios) era o
desenvolvimento. Portanto, o comércio internacional e a industrialização não eram um fim em si mesmo,
como colocam alguns estudiosos. O
comércio e a indústria eram, sim,
dois dos meios pelos quais se poderia chegar ao verdadeiro fim: o desenvolvimento econômico e social
da periferia, em geral, e da América
Latina, em particular.
Apesar dos demais meios, a industrialização foi a pedra angular da política de desenvolvimento preconizada por Prebisch e a CEPAL. Cabia à
indústria: modificar a estrutura produtiva da periferia, reduzir sua dependência externa, ampliar os benefícios
do progresso técnico e absorver a população desocupada. Nota-se, entretanto, que a análise industrial não era
independente da análise sobre o comércio; havia uma ligação entre comércio e indústria, entre maiores mercados e redução de custos (pelo aumento da escala de produção), visando a concorrência com os centros.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
Quanto ao conceito substituição
de importações, Prebisch diz que
nunca existiu um “modelo de substituição de importações” dentro da
CEPAL. Não admite a substituição
como um “modelo”, mas sim como
um “processo”. A CEPAL apenas
identificou este “processo de substituição” que se iniciou nos anos 30.
Já a forma da análise de Prebisch
adquire um grande significado dentro de seu pensamento por descortinar novos elementos que se mantinham encobertos pela estreita análise econômica. Por isto, esta análise
possui uma evolução em sentido
multidisciplinar no transcorrer das
etapas. Apesar de reconhecer a necessidade de outras formas de análise em texto de 1945, Prebisch, ao
longo de suas duas primeiras etapas,
trata os fenômenos por uma ótica
estritamente econômica, motivo posteriormente alegado por ele próprio
como o causador da não preocupação com a distribuição de renda:
acreditava que o desenvolvimento
por si mesmo traria a distribuição.
Quanto engano! Nas etapas seguintes, Prebisch passa cada vez mais a
englobar outras áreas do conhecimento para poder compreender melhor os problemas da periferia. A
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
sociologia seria a principal contribuição advinda da ótica multidisciplinar de Prebisch. Através dela
pôde enxergar a questão da distribuição de renda (terceira etapa) e
descobrir as relações de poder oriundas da estrutura social que determinavam tal distribuição (quinta etapa). A quinta etapa é o período de
maior ênfase sociológica: passa a
encarar o sistema capitalista nunca
como um “sistema econômico”, mas
simplesmente como um “sistema”,
posto que como “sistema” englobava o plano político, social, cultural e
econômico.
Sobre este aspecto, dizia em 1979,
no prefácio do livro de Otávio Rodrigues, que as idéias elaboradas pela
CEPAL não respondiam a um plano
preconcebido: “Foram surgindo com
o correr dos anos, à medida que íamos avançando no reconhecimento
do desenvolvimento latino-americano e de sua vinculação com os grandes centros industriais”(PREBISCH,
1979, p.07). Segundo Flechsig, “As
teorias da CEPAL, sob a influência
de Prebisch, constituíram o primeiro sistema relativamente independente e coerente de economia política na América Latina, não representando nenhuma recepção mecânica das doutrinas econômicas burguesas elaboradas para os países capitalistas desenvolvidos (...)” (FLECHSIG,
1991, p.95). Para Gurrieri (1982), o
sistema centro-periferia se tornou um
paradigma: um marco inicial para o
desenvolvimento de outras idéias,
fora e dentro da CEPAL.
Em 24 de abril de 1986, cinco dias
antes de sua morte, Prebisch participa, no México, do XXI período de
sessões da CEPAL. Em sua exposição, aponta para uma necessária renovação do pensamento da CEPAL
diante dos enormes problemas por
que passava a América Latina. Assinala que eram os centros que iriam definir a intensidade da política
substitutiva e insiste na reforma do
sistema monetário internacional.
Percebe-se, assim, que mesmo admitindo o esgotamento do processo de
substituição de importações já no
início dos anos 60, Prebisch continuava a acreditar em tal processo até
a sua última exposição pública.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
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Leia todos
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Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
69
MÉXICO E OS EFEITOS PERVERSOS DA
INTEGRAÇÃO: IMIGRAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO
DO ESPAÇO E CONCENTRAÇÃO DE RENDA1
Marcos Costa Lima2
Resumo
Este artigo pretende dar uma
idéia geral do que vem acontecendo
no México desde os anos oitenta,
tentando acentuar os efeitos perversos ocorridos a partir do processo
de integração regional. O trabalho
ilumina três aspectos específicos,
mas articulados, a saber: a imigração ocorrida, a fragmentação do espaço nacional e a crescente concentração de renda desde então.
Palavras-Chave: desenvolvimento
econômico; México; imigração; espaço; concentração de renda.
Abstract
The paper intends to give a general idea of what is happening in
Mexico since the eighties, trying to
stress the perverse effects of the regional integration process. It puts
some specific focus on three interrelated subjects: the immigration that
had happen, the internal space
fragmentation and the growing of
income concentration, since them.
Key words: Economic development;
Mexico; immigration; space; income
concentration.
Introdução
Os recentes acontecimentos eleitorais do México trazem de volta o
país para o cenário mundial. As incertezas decorrentes de uma vitória
contestada no judiciário e nas ruas
pelos partidários de López Obrador
evidenciam não apenas a fragilidade institucional do país, mas, sobretudo, uma profunda insatisfação da
população com o status quo.
A nossa intenção aqui é trazer à
reflexão alguns aspectos da realida-
70
de econômico-social e ambiental do
país, no sentido de melhor compreender os acontecimentos presentes.
Este artigo teve por inspiração
uma conferência, proferida pela
Profª Maria da Conceição Tavares e
organizado pela Cepal, em julho de
2000 na UFRJ, quando assinalou que
os intelectuais da América do Sul
não deveriam excluir o México de
suas preocupações, uma vez que o
que ali se desenrolava, principalmente os avanços do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, teriam efeitos substantivos para
o restante da América Latina.
O México, desde os princípios
dos anos 80, viveu uma crise econômica que freou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que resultara das políticas anteriores de Importação via Substituição de Importações (ISI), como de resto em toda a
América Latina. Os colapsos de 1982
e o de 1994 têm natureza diversa,
mas o elemento comum foi a excessiva dependência do financiamento
externo. Na primeira crise alguma
infra-estrutura foi realizada e certa
modernização ocorreu no setor industrial, apesar do descompasso
entre a envergadura de muitos projetos e a capacidade de gerar divisas
para pagar os empréstimos contraídos. Já na segunda crise, a entrada
de capital especulativo, do centro
para periferia, buscando o diferencial de juros que então se praticava
fez ampliar, no decorrer do processo, o déficit em conta corrente, o estoque da dívida em moeda estran-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
geira e estreitava-se a estrutura produtiva com desestimulo às atividades exportadoras3.
Para reativar a economia do País,
com a crise cambial de 1994 adotouse então uma política de corte neoliberal, baseada em políticas de ajuste estrutural recomendadas pelos organismos de Bretton-Woods: ajuste
fiscal drástico, geração de superávits
nas contas públicas, ampla abertura comercial, descompressão financeira e livre movimento de capitais,
uma intensa privatização das empresas estatais, a desregulamentação, a eliminação dos subsídios e
incentivos. Em 1994, em plena crise
e com a assinatura do Tratado de
Livre Comércio –NAFTA, o País passa a viver uma forte vinculação, comercial e em última instância, econômico – política, com os Estados
Unidos da América.
Como é de praxe na América latina, o ajuste estrutural se faz a partir
de programas de estabilização que
incluem desvalorização da moeda,
liberação de preços e austeridade fiscal. Por outro lado, práticas estruturais de redução do gasto público, eliminando subsídios e privatizando
ou eliminando programas sociais e
ativos públicos.
Para Lurdes Beneria (1992; p.94),
entre as estratégias principais que
os setores sociais de baixa renda
implementavam para enfrentar a crise, estavam: incorporar às atividades remuneradas mulheres , crianças e idosos; mudanças radicais no
orçamento doméstico; modificação
1
Este artigo é dedicado à economista Maria da Conceição Tavares
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPE.. Pós-Doutorado na Université
Paris XIII – Villetaneuse; Doutor em Ciências Sociais, Unicamp -São Paulo.
3
Cf. Belluzzo, 1995.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
dos hábitos de consumo e intensificação do trabalho doméstico. Em
estudo que realizou para a cidade
do México, 70% das habitações compravam menos comida, roupa e sapatos, do que antes das políticas de
ajuste. Os gastos diários de transporte, e refeições breves, se reduziram
ao mínimo. Aumentou sensivelmente as atividades do setor informal;
foram intensificadas as migrações
para o Norte do país. Não obstante
a queda no nível do padrão de bem
estar, a mortalidade infantil cai no
México, desde os anos 40, tendência
esta que se acelerou a partir dos anos
80 e, particularmente entre 1990-94,
com programas para evitar a morte
por diarréia.
Em 2004, dez anos após a crise, a
economia mexicana passou a apresentar o seu pior desempenho, considerando os últimos 50 anos. Nos
três primeiros anos do governo do
presidente Vicent Fox, que em 2000
pos fim a 71 anos de “reinado” do
Partido Revolucionário Institucional, o crescimento do Produto Interno Bruto não passou de 1,9% ao ano,
o que corresponde a 0,63% ao ano.
Os resultados de suas políticas econômicas monetaristas fizeram aumentar o desemprego e o crescimento do setor informal. O governo se
debateu com casos de corrupção e
em termos políticos, a ausência de
maioria no Congresso por parte do
partido do governo, amplia suas fragilidades. No conjunto, é um governo que não se pode intitular de vitorioso, longe disso.
2. Impactos do NAFTA sobre
o México
Com o advento do NAFTA4 falava-se que as imigrações freqüentes e
constantes para os Estados Unidos
se reduziriam. O contrário tem ocorrido, apesar de uma vigilância cada
vez maior na fronteira. Segundo cálculos estatísticos, a população de
imigrantes mexicanos não autorizada no território dos EUA duplicou
entre 1900 e 2000 e o maior crescimento deu-se justamente a partir de
1994, quando formaliza-se o Acordo. Na verdade, este processo devese não só à crise financeira do País
no período, mas também pela reesRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
truturação industrial que precedera
e seguira a aprovação do Tratado,
bem como à permanente instabilidade e impossibilidade do México de
criar postos de trabalho para os mais
de um milhão de novos ingressos no
mercado de trabalho a cada ano.
Outro elemento que deu força a este
processo de imigração foi o auge da
economia dos EUA a partir de meados dos anos 90, quando passou-se
a falar do estabelecimento de uma
“Nova Economia”, bem como às redes de imigração que vinculam os
dois países.
ou seja, passando de US$ 5 bilhões
para US$ 16 bilhões5.
O México está vivendo um processo contínuo de migração rural e
de urbanização. Em 1970, 41,3% da
população vivia em zonas rurais e
já em 1990 este número cai para
28,7% e atinge 25,4% em 2000. O
emprego agrícola vem despencando.6 Calcula-se que em 2000 havia
4,7 milhões de imigrantes mexicanos não autorizados nos EUA, vivendo em estados americanos como
Carolina do Norte, Kentucky, Minnesota e Arkansas, estados que tiveram
um incremento de mais de 1.000%
entre 1990 e 2.000 de população originária do México. Estima-se que
30% dos migrantes das zonas rurais
do México estavam vivendo nos
EUA em 2000, quando em 1994 representavam não mais que 19%.
Figura 1 Crescimento da População
nascida no México vivendo nos
EUA 1960-2002
Fonte: Análise do Instituto de Política de Migração
sobre os dados do censo de 2000 e: Campbell, Gibson
e Emily Lennon, Historical Census Statistics on the
Foreign-Born Population of the United States: 18501990 (Washington DC, US Census Bureau, 1999).
Em termos de comércio e de investimentos diretos externos (IDE),
os números excederam em muito as
projeções, com os investimentos provenientes dos EUA se ampliando
entre 1994 e 2001 em cerca de 220%,
Figura 2 – Migração das Zonas rurais do México para os Estados Unidos 1980-2002 Membros da Unidade Familiar – 1980=100
Fonte: Análise dos dados da pesquisa Nacional de
famílias rurais em 2002. Em: J.Edward Taylor e George
Dyer, Nafta, Trade and Migration, 2003.
Tabela 1 Investimento Direto Externo no México 1994-2001
Fonte: Secretaria de Economia. México
(a)– Janeiro-Setembro
4
Também se utilizará o homônimo em espanhol TLCAN.
5
Sandra Polaski et al, ,p.46. .In : AUDLEY, John (2004)
6
Papdemetriou et al, p.49. In: AUDLEY, John (2004). Todas as informações sobre imigração para
os EUA foram extraídas deste trabalho.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
71
A crise da moeda mexicana em
1994 coincidiu com o início do
NAFTA e os resultados desta crise
foram, segundos dados oficiais, uma
desvalorização cambial de mais de
50%, uma queda do PIB em 6,2% em
relação ao ano anterior e o aumento
do desemprego urbano total de 3,6%
em 1994 para 6,3% em 1995. Além
disso, ocorreu um grande movimento de trabalhadores para o setor informal. Os salários reais caíram substantivamente e os empregos formais
apresentaram queda acentuada.
Em termos de agricultura o NAFTA não impediu, muito ao contrário, a migração rural no México. Havia a esperança de que os investimentos realizados em frutas para exportação e vegetais de alto valor, trariam mais emprego às zonas rurais,
o que chegou a ocorrer apenas parcialmente, pois o emprego do setor
agropecuário como um todo teve
uma queda sistemática. O México
ampliou suas importações de grãos
dos EUA, sobretudo o milho, cultura tradicional no País, um produto
que absorve mão-de-obra intensiva
e que tem baixa produtividade vis-àvis dos EUA.
O México registrou um déficit comercial líquido em produtos agrícolas com os EUA desde que o TLCAN
entrou em vigor, à exceção de 1995,
quando da enorme desvalorização
do peso tornou a maioria dos produtos orçados em dólar muito caros
para os mexicanos. Este déficit se traduziu em perdas de postos de trabalho na agricultura. Em 1993 o México empregava 8,1 milhões de mexicanos na agricultura. Em fins de
2002 este número já batia as portas
dos 6,8 milhões, o que representou
uma perda de 1,3 milhão de postos
de trabalho. Hoje, grande parte das
famílias rurais depende da remessa
de familiares enviadas desde os
EUA. Em 2002, estas chegaram a
US$9.800 bilhões e US$ 12 bilhões
em 20037.
Com relação ao emprego urbano,
as crises de 1982 e a de 1994 acentuaram a redução dos trabalhos assalariados, com aumento de postos no
setor informal.
As plantas das montadoras – ou
maquilas agregaram em torno de
72
Figura 3 – Emprego mexicano na
Agricultura – 1993 -2002
Fonte: INEGI/STPS, Pesquisa Nacional de Emprego
Nota: a– não havia dados para 1994
800.000 postos de trabalho entre
1994 e 2001. Em 2003, já sofrendo
nova crise, 250.000 postos foram
perdidos. Atualmente as maquiladoras empregam 550.000 pessoas
(2004), produzindo praticamente
para a exportação ao grande vizinho
do Norte, quando o México passou
a ser o segundo exportador para os
EUA depois do Japão.
O setor informal da economia representou em 2004, 46% dos postos
de trabalho no México, fenômeno de
base estrutural que se espalha pela
América Latina.
Os salários reais de hoje são inferiores aos que eram pagos anteriormente ao Tratado e se encontram
abaixo do nível de 1980. Esta queda
está associada em grande medida ao
abandono pelo estado de políticas
sociais estruturadoras e às crises e
desvalorizações bruscas, tanto em
1982 quanto em 1994. Este padrão
atinge também os trabalhos mais
qualificados, conforme Sandra Polaski8, pois quer os trabalhadores com
título universitário, quer aqueles
com pós-graduação tiveram seus
salários em 2000 com valores inferiores àqueles de 1993.
Tudo isto apesar do aumento de
produtividade do trabalho desde
que o TLCAN entrou em vigor.
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio veio
aumentar a oferta de mão-de-obra
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
7
8
9
barata em termos mundiais e a competição na alocação das indústrias
maquiladoras, quando as empresas
transnacionais podem recorrer e fazer exigências adicionais, ampliando ainda mais o problema do emprego e dos baixos salários no México.
Todo este processo só poderia
acarretar desigualdade em termos de
renda, que aumentou no México após
o NAFTA, pois comparando com o
período anterior, os 10% das famílias de mais alta renda tiveram ampliados a sua fatia da renda nacional,
ao passo que os 90% perderam participação ou não experimentaram nenhuma mudança. A desigualdade
regional no interior do País acentuou-se, revertendo uma tendência de
longa data no sentido da convergência das rendas regionais.
Quanto aos impactos ambientais
acarretados após 1994, o estudo de
Scott Vaughan9 analisa as alterações
provocadas pelo incremento do valor de comércio agrícola entre o México e os EUA e seus efeitos em termos ambientais. As exportações de
trigo, por exemplo, dos EUA para o
México aumentaram 182% desde
1992, o que contribuiu por sua vez
para uma mudança de composição
de 80% na produção de variedade de
trigo na região produtora do produto
no México. Durante o último decênio
foram registrados aumentos do nitrogênio e outros produtos agro-químicos nas águas subterrâneas da região
de Sonora, bem como de outras regiões agrícolas comerciais.
As exportações de milho dos EUA
para o México aumentaram 240%
desde 1992 o que pode trazer risco
ambiental para as variedades tradicionais de milho mexicano. O milho
transgênico foi introduzido na região
de Oaxaca entre outras, apesar da
proibição imposta no México em
1998, já que o País conta com uma
variedade de mais de 40 tipos de
milho, risco ampliado que acarreta
a contaminação genética sobre as
variedades tradicionais.
Também tem sido ampliada a
importação de carne bovina e suína
In Sandra Polaski,p.22, op.cit.
Op.cit,p.25
Scott Vaughan et al. In: AUDLEY, John 2004).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
dos EUA para o México, quando a
produção mexicana de pecuária
pode satisfazer a demanda doméstica. Ora, as vantagens norte-americanas na agricultura são muitas,
desde uma legislação protecionista
(Bill-Farm), a maior capacidade tecnológica, os índices superiores de
produtividade, sem falar das taxas
de juros sem comparação àquelas
vigentes no México.
Do México para os EUA aumentaram substantivamente as exportações de vegetais e frutas frescas,
como já vimos anteriormente, ampliando no País o consumo de nitrogênio e anti-pragas. O problema maior
é que o México é um dos países mais
afetados pela falta de água do hemisfério ocidental e sua expansão da
exportação de vegetais e frutas frescas é a principal causa antropogênica da falta de água. Segundo Vaughan, calcula-se que a exportação de
tomates do México aos EUA representa uma transferência equivalente a 162 milhões de galões de água
doce aos EUA a cada ano, desde
1993 10 . Até o presente, nenhuma
medida preventiva ambiental, dentre aquelas incorporadas ao TLCAN
ou em acordos paralelos para o meio
ambiente foi adotada.
Este é um fenômeno que na literatura econômica é conhecido como
greenfield, ou seja, o México funciona para os EUA como uma região de
baixo nível de sindicalização e de
rarefeita legislação ambiental, ampliando o nível de acumulação das
grandes transnacionais que se beneficiam do status quo.
Para concluir este capítulo, fica
evidente que o TLCAN acelerou e
aprofundou significativamente as
transformações estruturais no México, sem que o processo viesse a acarretar incorporação dos trabalhadores e melhores condições de vida e
trabalho, reduzindo os salários e
degradando o meio ambiente.
3. A dinâmica do espaço Mexicano
A Cidade do México, capital dos
Estados Unidos Mexicanos é o principal centro industrial, demográfico,
administrativo e cultural do país.
Possui uma vasta rede de vias de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Figura 4 – Mapa do México.
Fonte: S.E.M.
comunicação. Sua indústria é altamente diversificada e desenvolvida.
Entre elas, destacam-se as metalúrgicas, montadoras de automóveis,
químicas, alimentícias, têxteis, petrolíferas e eletroeletrônicas. Hoje
considerada uma das maiores cidades mundiais do ponto de vista
populacional, com uma população
total de mais de 13 milhões de habitantes, ocupa cerca de 13% da população total mexicana, mas sua influência, sua dinâmica econômica
extrapola em muito esta sua superioridade populacional.
Entre os anos de 1930 e 1950 a
produção manufatureira da Cidade
do México correspondia a 30% do
total nacional. Seguiam os estados
de Veracruz e Nuevo Leon, com 10%
e 8 % respectivamente. A região
fronteiriça com os Estados Unidos,
sobretudo o Texas, passou a ter importância desde os fins dos anos 30.
Entre 1945 e 1950, os estados de
Nuevo Leon, Coahuilia, Chihuahua
e Tamaulipas perfaziam 20% da produção manufatureira do país. Outros estados, além dos assinalados,
como o estado do México, Puebla e
Jalisco também ganharam importância industrial nos 1950. Até o início
da década de 70, portanto, o eixo
econômico industrializado teve
como pólo a Zona Metopolitana do
Vale do México. Esta concentração
industrial entre 1945 e 1970 se ampliou, passando de 32,8% para
48,6% do total nacional. A partir da
Cidade do México, então, se estendia uma rede de cidades que seguia
em direção ao Norte do País, com
eixos secundários em Guadalajara11
e Monterrey12 e com os eixos terciá-
10
Vaughan, idem, p. 67
11
Guadalajara, cidade do centro-oeste do México, capital do estado de Jalisco, com 2.846.720 habitantes, situada próxima ao rio Grande de Santiago. O lago de Chapala, o maior do México, encontra-se
a 38 km ao sul. Guadalajara se estende sobre uma fértil região agrícola e é também um importante
centro comercial. Entre os principais produtos manufaturados, encontram-se têxteis e artigos de
couro.
12
Monterrey, cidade no nordeste do México, capital do Estado de Nuevo León, com 2.521.697
habitantes. É uma das maiores e mais importantes cidades do país, possui indústria pesada de ferro
e aço, além de cobre, chumbo e zinco, e processadora de prata. Fabrica produtos químicos, vidro,
materiais de construção, papel, cerveja, alimentos industrializados e têxteis.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
73
rios de Puebla (região central); Leon
(região nordeste, bem como as cidades portuárias de Veracruz ( golfo oriental) e Tampico (golfo nororiental).
Como afirma Martinez Yllescas
(2000: 83), esta conformação histórica e geográfica criou um “padrão”
piramidal de crescimento industrial
que se justapõe à configuração da
rede nacional de transporte:
(...) desde la consolidación de la red
ferrroviária nacional em 1910,
pasando por el impulso de las
carreteras y autopistas desde los
años treinta, hasta el início de la década de los setenta, la composición
de las principales 25 ciudades más
importantes del país se mantuvo,
sorpreendentemente inalterada.
A dinâmica da concentração regional mexicana resulta ainda dos
investimentos públicos em infra-estrutura urbana, que acompanhou
esta lógica acima apontada. Durante a etapa da política de substituição de importações no país, a alta
concentração da atividade econômica nas três principais cidades era
resultado das economias internas
de escala, aproveitando-se das vantagens de redução dos custos de
transporte e economias de aglomeração. Com o processo de abertura,
as diferenças foram ampliadas, porque as regiões com infrra-estrutura
deficientes, mão-de-obra de baixa
qualificação, não foram capazes de
se engatar ao novo modelo.
A Zona Metropolitana de la Ciudad de México (ZMCM) apresenta
indicadores de bem estar superiores
à média nacional, não obstante estes dados muitas vezes escondem a
situação de concentração de renda
e, na base da pirâmide social se encontram significativos setores que
vivem na pobreza, em condições de
insalubridade e que não têm acesso
aos cuidados médicos. Nestes “bolsões”, tão característicos e numerosos em toda a América latina, há forte incidência de enfermidades graves, que se somam aos efeitos da violência do sistema, que atinge, sobremaneira, os grupos de menor renda. Não é por menos, que em certos
países da região a violência por causas externas passou a ser tida como
o segundo fator de causa mortis entre
74
a população, logo em seguida das
doenças coronarianas (SAINT MARTIN, 1997).
Segundo Blanco e López (1995),
que analisaram a heterogeneidade
urbana e o desenvolvimento das desigualdades de condições de vida na
Cidade do México, a transição de
uma política social de bem estar para
uma política social de mercantilização e de neo – previdência, as áreas
rentáveis das instituições de bem
estar são privatizadas, redefinindose a relação público – privada nos
sistemas de proteção social e se descentralizam os problemas da federação aos estados, sem fortalecer-se
as capacidades técnicas, financeiras
e organizacionais para enfrentá-los,
gerando iniqüidades e acelerando a
exclusão de amplos setores da população. A política social passa a
assumir um papel residual e, as políticas de saúde, por sua vez, restringem a ação pública a modelos assistencialistas e seletivos que são instrumentalizados a partir de “pacotes” básicos de serviços de saúde, justificados desde uma perspectiva
tecnocrática de custo-benefício, onde
novos atores, como as agências financeiras internacionais, Banco Mundial, BID, assumem papel protagônico.
No estudo que realizaram sobre
a cidade do México, estabeleceram
uma tipologia de condições de vida
e classificaram esta cidade, territorialmente divida em 16 distritos, em
06 categorias: i) precária ( 3 distritos); Ruim ( 3 distritos); Regular ( 04
distritos) suficientes (03 distritos) e
satisfatória ( 03 distritos). Nesta classificação, o quadro de saúde também
se conforma segundo esta distribuição e apresenta diferenças tremendas nos índices de mortalidade infantil, que atinge diapasão entre 16/
1000 a 31 por mil nascidos vivos,
indicadores tão fortes quanto aqueles encontrados nas regiões mais
pobres do Nordeste do Brasil. Nestas zonas periféricas da grande cidade do México, portanto, se verificam processos de segregação sócioterritorial; identificam-se zonas cuja
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
13
população convive, majoritariamente, em condições muito precárias, em
áreas de exclusão.
A Tabela13 abaixo sintetiza indicadores dos principais estados mexicanos em termos i) populacionais
e de ii) realização econômica.
Tabela 1. Posição por ordem de importância de Estados Mexicanos
segundo População e PIB.
Fonte: INEGI: 2000.
A densidade populacional ao nível do país em 2000 era de 50 habitantes por km2. Sem dúvida no interior se observavam números bem
aquém desta média. Enquanto em
entidades como o Distrito Federal
encontram-se 5.643 habitantes por
km 2, no Estado do México são 611
habitantes por km2 e em Morelos, 313
habitantes por km2 , que embora com
índices distintos sejam bem mais povoadas, em situação oposta encontra-se Chihuahua, Sonora, Campeche
e Durango que têm aproximadamente 12 habitantes por km2, sendo um
caso extremo a Baja California Sur,
onde este indicador alcança apenas
seis pessoas por Km2.
Em 2000, o Produto Interno Bruto do México era de aproximadamente 574 445.1 milhões de dólares,
distribuídos da seguinte maneira:
setor agropecuário 4,3%: setor industrial 28%, onde as manufaturas
constituem 73% de seu valor, e o setor de serviços com 67,7% . Em termos regionais, o Distrito Federal,
mais os Estados do México, Nuevo
Leon, Jalisco e Vera Cruz, juntos,
perfaziam 54,2 % do PIB. De todo
modo, a economia das maquiladoras, ao Norte do País, embora em regiões pouco populosas, como a Baja
Califórnia, Chihuahua, Sonora e Sinaloa, têm relativamente, boa posição no PIB.
Em anexo incluímos tabela com os indicadores de população, estrutura etária e PIB de todos os
estados mexicanos.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
3. A Economia das Maquilas
Um dos aspectos polêmicos da
economia mexicana, as maquiladoras, situadas no passado apenas ao
Norte e hoje também no Yucatán, têm
merecido um substantivo número de
estudos, sejam mais gerais e macroeconômicos, sejam estudos pontuais,
tratando da questão de gênero e,
mesmo, de cunho fortemente antropológico. A polêmica que se trava em
torno das plataformas de exportação
é de seu baixo efeito na cadeia industrial do país, sua pequena contribuição com respeito ao aporte
tecnológico e à qualificação da mãode-obra. Leslie Sklair, por exemplo,
afirmava categoricamente que as
maquilas, na maioria dos casos, não
contribuíam para um genuíno desenvolvimento do país (SKLAIR,
1989). Esta indústrias exportavam
quase toda a sua produção para os
Estados Unidos e não buscavam
mais que 2% de seus insumos no interior do México. Do total da produção do país, os insumos para as
maquilas, em 1997 e 1997 não ultrapassaram 1,2 % (KOPINAK, 1997:2).
Figura 4 – Emprego nas Maquilas
do México.
Fonte: INEGI, Indicadores Mensais da Indústria das
maquiladoras.
Manuel Perlo Cohen (1987), ao se
perguntar sobre os efeitos da internacionalização da economia mundial numa economia periférica como
a mexicana, ressalta a explosiva urbanização durante os anos 70 que
tomou conta de estados como Veracruz e Tabasco (petróleo); turismo
(Cancun e Acapulco) e finalmente
sobre as montadoras na fronteira
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
com os Estados Unidos. O seu objetivo foi o de descobrir que tipos de
impacto regional e urbano estas
transformações tiveram para o conjunto do país. Estabeleceu-se um
padrão ou houve variantes? Estas
regiões desenvolveram elos mais fortes com a economia internacional?
O rápido crescimento urbano ficou
concentrado em algumas poucas cidades, enfraquecendo aquelas pequenas e médias? Cohen estabeleceu
algumas conclusões, a partir de estudos, sobretudo, em Sonora e Sinaloa. Em primeiro lugar, que o significado econômico das plantas montadoras variavam, ao longo dos anos
80, entre as cidades ao longo da
fronteira. Algumas delas como em
Nogales, tornaram-se altamente dependentes destas operações, em
mais de 20% do total da população
economicamente ativa. Sua dependência esteve relacionada ao seu tamanho. Cidades como Matamoros e
Ciudad Juarez, tinham economias
fortemente apoiadas nas montadoras, com a maioria de suas manufaturas a elas relacionadas. Um outro
grupo de cidades, como Nuevo
Laredo, Tijuana e Mexicali, eram
menos dependentes. Além da relação com o tamanho, a diversificação
econômica parecia ser um importante determinante do grau de importância que as maquilas poderiam ter.
Cidades com uma variada e forte tradição no setor serviços ou com base
agrícola ou industrial eram menos
dependentes das montadoras.
Com relação às migrações internas, as plantas maquiladoras contribuíam apenas marginalmente. As
mulheres compunham quase dois terços da mão-de-obra empregada nestas maquilas. Já em termos de integração das maquilas com o restante da
economia mexicana, é importante
sublinhar que até 1985 não era permitido a estas firmas vender no mercado mexicano, caracterizando-se
apenas como zonas de exportação, o
que foi alterado posteriormente. É
justamente neste ano que é criado o
Programa PITEX, que tinha como objetivo oferecer, às empresas mexicanas, muitas das vantagens que eram
14
exclusivas das maquiladoras.
Kopinak, que estudou as maquilas de Tijuana14 ( que tem mais destas plantas que em qualquer outra
cidade do México) , chamou a atenção para a sua especificidade enquanto centro exportador, porque
também possui indústria não maquiladora. São empresas pequenas
e médias e especialmente as micro,
com não mais que três a quatro empregados nos setores de medicina,
farmacêutica, vestuário, auto-peças
e reparos, que produzem sobretudo
para o mercado local. Estas empresas não maquiladoras demandam
insumos que são responsáveis por
grande parte das importações de
Tijuana, não obstante as exportações
serem, em geral, produzidas pelas
maquilas. Quase dois terços dos produtos importados pelo México estão
relacionados com a maquiladoras.
Com relação a origem e destino
dos bens comercializáveis , quase
98% das exportações mexicanas são
destinadas aos Estados Unidos e,
quase 83% todas as importações
mexicanas vêm dos EUA. A Ásia e
Borda do Pacífico se responsabilizam por 12,6% das importações do
país (KOPINAK, 1997:11).
Estudando o fenômeno das maquilas no Estado de Chihuahua,
Blancas e Díaz (1997) as enquadra
enquanto um caso particular, por
não serem empresas instaladas nas
cidades fronteiriças. Nos anos 80
estas indústrias tiveram um crescimento espetacular e, em 1990, o estado de Chihuahua contava com 56
maquilas dos mais diversos ramos
industriais, sobretudo de autopeças,
componentes elétrico-eletrônicos,
vestuário e manufaturas diversas.
Aí trabalhavam 17.879 mulheres,
72,6 % do total e 6.760 homens, ou
27,4%.
Estas empresas podem ser classificadas como modernas, apresentando novas formas de organização
do trabalho, de caráter flexível. O
capital pode dispor livremente da
força de trabalho. Tanto no posto
quanto no turno de trabalho. Também pode fechar ou abrir – temporária ou definitivamente – dependen-
As mais modernas maquilas foram instaladas em Jalisco e Yucatán.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
75
do dos vaivens do mercado internacional. A força de trabalho é oriunda da cidade, de povoações próximas e de comunidades rurais. É clara a tendência à flexibilização do
salário. Existe um amplo leque de
“bônus” ou pontuação, que premia
com transporte, assistência, os casos
de pontualidade, regularidade e ainda, por produtividade. Há inclusive
bônus contra a indigência. Estes bônus são alcançados pelos trabalhadores, dependendo do cumprimento de certas normas, de certos padrões considerados desejáveis..
Os salários em geral são baixos,
51 % do total não ultrapassando o
Salário Mínimo. Os trabalhadores se
queixam, em geral, da repetição e
monotonia do trabalho, do esforço
visual, da permanência do corpo na
mesma posição por muitas horas.
Esta precariedade está relacionada
à uma rotatividade da mão-de-obra
que oscila entre os 11 e os 14%.
Um trabalho excelente sobre um
outro ângulo do problema é o da associação de grandes companhias mexicanas com o capital internacional.
Pozas (1997), analisa a emergência de
novas formas de relação entre o Grupo Monterey15 em suas alianças estratégicas com empresas internacionais.
O trabalho tenta responder a algumas perguntas fundamentais: –
Qual o modelo de globalização que
contribui, de forma mais efetiva, para
o desenvolvimento econômico do
país? – Qual deles tende a integrar
um maior número de fornecedores e
subcontratistas nacionais? – Quais
benefícios trazem para o país, em
termos de transferência tecnológica
e de capital, investimentos no território nacional e criação de empregos? – Qual é o custo social de associar-se com empresas estrangeiras
em termos de emprego, salários e
saída de capital?
Observando quatro tipos de estratégias distintas adotadas por estas
empresas mexicanas, a saber: 1. de
investimentos centrados no território
nacional; 2. de investimentos no exterior; 3. de investimentos mixtos e 4.
de transnacionalização, Pozas entende que estas alianças estratégicas são,
para o país, a porta de entrada de
capital internacional em suas três for-
76
mas: créditos de longo prazo; Investimentos Diretos Externos e investimentos em Bolsa. Ao mesmo tempo
são canais de exportação e subcontratação que vinculam o país com o
mercado internacional.
As conclusões a que se chega são:
a de que é importante conservar mecanismos de proteção à indústria
nacional; de que no longo prazo parece muito mais inteligente fortalecer as redes de associação internacional com a América latina, dada a
maior simetria entre estas empresas
e a comunidade de interesse frente
aos Estados Unidos, que têm escalas muito assimétricas às mexicanas; que o desenvolvimento de um
sistema de subcontratação latinoamericano melhoraria sensivelmente a capacidade de negociação da
região na economia mundial. Para
Pozas (op.cit:40), a única forma de
aproveitar cabalmente os benefícios
do processo de globalização do setor da grande empresa, no México, é
de garantir de maneira mais ampla
possível sua vinculação com empresas de menor tamanho, sob a forma
de provedores e subcontratista. Os
Programas de desenvolvimento de
pequenos e médios provedores para
a grande empresa, poderiam ser uma
alternativa às dificuldades para exportar experimentada por estas empresas. Pode-se apontar ainda a
internalização dos processos tecnológicos e a produção endógena que
redunde em patentes locais, com efeitos substantivos para a indústria e
para o país (COSTA LIMA, 2001a).
O professor da Unicamp, Wilson
Cano, no seu livro Soberania e Política Econômica na América Latina apresenta todo um consistente capítulo
sobre o México onde as projeções que
estabelece para o País não são nada
animadoras, a continuar o modelo
econômico vigente e a aprofundarse o TLCAN. Diz o economista:
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
(...) o país estará cada vez mais
atrelado à dinâmica de crescimento da economia norte-americana,
como um ‘departamento de produção no exterior’, em incessante
busca do trabalho barato. Isso não
só condiciona os determinantes
macroeconômicos principais, mas
também os da distribuição da renda e do emprego”.16
De forma semelhante, mais poética, nos fala o escritor uruguaio
Eduardo Galeano:
Nestas terras, o que assistimos não
é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude”.17
Referências
AUDLEY, John; POLASKI, Sandra;
PAPADEMETRIOU, Demetrius; VAUGHAN, Scott (2004), La promessa y la
realidad del TLCAN.Lecciones de México
para el hemisfério. México Publisher
Carnegie./Carnegie Endowment for
International Peace.
BELLINGERI, Marco (1999), “Yucatán
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15
Este grupo engloba as maiores empresas mexicanas: o grupo CEMEX, que dêem 46 plantas de
cimento; 499 plantas de concreto e 35 terminais marítimos em todo o mundo; o Grupo ALFA, de
aço, petroquímica e alimentos, que se associa sobre tudo para dentro; o Grupo VITRO, de vidro
plano, vidro para autos, fibra de vidro, cristal, vasos de plástico e utensílios domésticos, com mais
de 40 plantas em todo o mundo; FENSA e IMSA todos com perfis de empresas multinacionais
associadas a empresas de diversas nacionalidades.
16
Cano, Wilson; p.453.
17
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Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
77
UMA LEITURA DA ECONOMIA BAIANA PELA
ÓTICA DO PIB – 1975/2005
Gustavo Casseb Pessoti1
Resumo
Esse artigo tem como objetivo fazer uma análise do Produto Interno
Bruto da Bahia no período 1975-2005,
enfatizando os principais fatos econômicos que marcaram o período e,
por conseguinte a evolução do PIB.
Com base nesse critério os argumentos foram agrupados obedecendo a
seguinte periodização 1975-1986;
1986-1992; 1992-2000 e, 2000-2005.
Palavras-Chave: produto interno
bruto, política industrial, recessão
econômica, crescimento econômico,
transformações estruturais.
Abstract
That article aims at to do an
analysis of the Gross domestic product of Bahia in the period 19752005, emphasizing the main economical facts that you/they marked
the period and, consequently the
evolution of GDP. With base in that
scenery the arguments were contained obeying the following periods
1975-1986; 1986-1992; 1992-2000
and, 2000-2005.
Key Words: gross domestic product,
industrial politics, economical recession, economical growth, structural
transformations
Introdução
Este artigo tem por objetivo central fazer uma análise e periodização
da trajetória do PIB baiano ao longo
dos anos de 1975 e 2005, com destaque para o período mais recente, a
partir do ano de 2000, tomando
como base as contas regionais produzidas pela SEI em parceria com o
IBGE.
A periodização partiu da observação empírica das taxas de crescimento e dos índices do Produto In-
78
terno Bruto baiano com base em
1975, o que levou à identificação de
quatro períodos distintos: uma fase
inicial de intenso crescimento; uma
segunda, de crise e recessão; a terceira fase, quando a economia baiana volta a apresentar sinais de recuperação, ao longo da década de 1990;
e, finalmente a quarta fase em que a
economia baiana consolida o crescimento alicerçado no grande desempenho do setor industrial.
Buscou-se ainda, tendo em vista
o objetivo proposto, identificar os
principais fatores que determinaram
a trajetória de crescimento, estagnação e retração desse indicador do
crescimento econômico.
Nesse sentido, é salutar considerar o fato de que o PIB representa a
expressão monetária do conjunto de
todos os bens e serviços finais que
são gerados em uma determinada
economia em um determinado período de tempo. Embora a definição
acabe dando a esse indicador mais
importância do que ele realmente
mereça, duas considerações precisam ser feitas antes de iniciarmos a
análise proposta: primeiro, que embora possua uma grande definição,
a mensuração da atividade econômica expressada pelo PIB, apenas
sinaliza uma tendência de crescimento e/ou arrefecimento da economia em questão, no período considerado. Isto é, o indicador dado pelo
PIB mede apenas a geração das riquezas e não a sua distribuição. Essa
definição é muito importante, pois
quando falamos que, no período
compreendido entre os anos 2000 a
2005 há uma consolidação do crescimento econômico, em momento
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
1
nenhum queremos dizer que esse
modelo de crescimento esteja comprometido com o desenvolvimento
local ou com a maneira mais eficiente de distribuição do agregado
macroeconômico.
O segundo ponto a se considerar
e, complementar ao primeiro, é o fato
de que o PIB não consegue traduzir
a totalidade de relações econômicas
existentes entre os agentes produtivos. Sua expressão mede, segundo
critérios de pesquisa, a totalidade
produzida de bens e serviços finais
(retirado o consumo intermediário)
em um determinado período. No entanto o grau de abertura dos dados
em setores produtivos segue a mesma recomendação das Nações Unidas. Assim, não se pode esperar
maior poder analítico do PIB que não
o de verificar a tendência de comportamento ou ainda a mudança na
estrutura econômica (de um país, estado, região ou município) em um
determinado período de tempo.
Condicionantes da análise
A identificação e análise desses
fatores, que, em parte, explicam a
dinâmica da evolução da economia
baiana, exigem que se leve em conta
dois aspectos principais:
O primeiro deles é a situação
político-administrativa do Estado
da Bahia, a saber: um Estado subnacional e periférico inserido em uma
economia também periférica.
Estado subnacional é identificado com base em Sandroni (2005)
como aquele que não controla as
variáveis e políticas macroeconômicas. Nesse caso, está-se diante de
um poder político e administrativo
Mestrando em Análise Regional pela UNIFACS; Especialista em Planejamento e Gestão Governamental pela UNIFACS; Especialista em Planejamento Regional e Orçamento Público pela UFBA;
Economista graduado pela UFBA; Coordenador de Contas Regionais e Finanças Pública na Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI/SEPLAN.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
não-independente/autônomo, que
não formula e não define políticas
macroeconômicas e, portanto, tem
autonomia restrita e também restrito controle sobre os elementos determinantes da conjuntura econômica
— taxa de juros, preços, taxa de câmbio, base monetária etc. Sabe-se que
a política macroeconômica é fundamental na determinação do crescimento da economia e, portanto, do
ritmo da acumulação capitalista.
Quando se menciona “um estado
periférico” (SPINOLA, 2001), fala-se
do processo histórico, da formação
socioeconômica. A Bahia, como integrante da região Nordeste, teve uma
participação subordinada na divisão
nacional do trabalho ao longo da
constituição do capitalismo industrial-financeiro do Brasil. Essa região
exportava força de trabalho com baixa qualificação, gerava divisa — sendo o cacau uma importante fonte dessas divisas — e era mercado consumidor dos bens finais produzidos
pelas indústrias montadas na região
Sudeste, beneficiada com a política
de substituição de importações implementada pelo Governo Federal.
Entretanto, apesar de o Estado da
Bahia ter tido alguns benefícios no
processo anteriormente mencionado
e, por isso mesmo, ter-se constituído
no sexto PIB do Brasil, a maioria dos
seus indicadores sociais encontrase abaixo da média brasileira. Isso
faz com que as condições estruturais
da sustentabilidade da acumulação
capitalista sejam precárias, a exemplo do nível de escolarização da população em idade ativa (PIA), da distribuição de renda, da infra-estrutura econômica e da situação dos centros de pesquisas e outros.
Estar na periferia de um país periférico significa, para o processo de
crescimento econômico, poucos recursos de capital e trabalho para
uma acumulação sustentada. Essa
condição decorre, em parte, das necessidades básicas não-atendidas ao
longo da história, do nível de arrecadação estatal e da baixa geração
de poupança interna.
Quanto à organização políticoadministrativa do Estado da Bahia
é importante salientar que a escassez de recursos públicos, a impossiRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
bilidade de definição de políticas
macroeconômicas de curto, médio e
longo prazo e o sério quadro de carências sociais e econômicas resultam em conflitos e tensões permanentes e na necessidade de busca de
poupanças externas, no âmbito federal e internacionalmente.
O segundo aspecto é a divisão
regional do trabalho no Brasil e a
forma de participação da economia
do Estado da Bahia nesse processo,
ou seja, a forma como os fluxos econômicos, que atuam nos seus limites geográficos, se articulam com o
centro dinâmico do capitalismo brasileiro e com outros, no plano internacional.
Cabe salientar que a inserção da
economia baiana na divisão nacional do trabalho dá-se da seguinte
forma: a) o Estado da Bahia é um
centro de geração de divisas para o
país; b) é produtor de bens intermediários e matérias-primas para a indústria instalada no Sudeste do país;
c) é um grande mercado consumidor de produtos finais vindos das
regiões Sudeste e Sul do país; d) ainda é fornecedor de mão-de-obra, uma
vez que perde população, com os
processos migratórios.
Com essa compreensão da economia baiana, buscou-se a identificação dos principais fatores que explicam os movimentos e fluxos econômicos no espaço geográfico, político e administrativo do Estado da
Bahia, a seguir discriminados:
• Cenário macroeconômico nacional — portanto, as políticas macroeconômicas de curto prazo;
• Políticas macroeconômicas de
longo prazo, fiscal, regional, tributária e de emprego e renda;
• Processo de formação histórico,
social e econômico;
• Cenário internacional, ainda que
de forma mais indireta;
• Organização político-administrativa local, capacidade de investimento, de concessão de incentivos etc;
• Condições naturais, ambientais e
culturais e
• Fatores estruturais da competitividade, que são, em boa medida,
conseqüência imediata das políticas anteriormente citadas: nível
educacional/escolarização da
população em idade ativa, infraestrutura econômica — transportes, comunicação, energia; infraestrutura básica — esgoto, água e
saúde; controle ambiental; existência de centros de pesquisa etc.
Antecedentes históricos
A industrialização brasileira, iniciada no final da década de 1950 do
século passado com a implementação da indústria pesada, gerou algumas distorções regionais e setoriais. O modelo então implantado —
Substituição de Importações — e que
vigorou até a década de 1980, favoreceu principalmente os setores agregados ao complexo metal-mecânico
da região Centro-Sul do Brasil.
Na década de 1970 houve um esforço de política econômica para integrar as regiões brasileiras mediante a formação de complexos industriais, especialmente de produtores
de bens intermediários, na perspectiva de uma matriz produtiva brasileira articulada setorial e regionalmente. Nesse contexto, no Nordeste,
ocorreu um avanço da indústria de
bens intermediários em detrimento
do segmento produtor de bens de
consumo não-duráveis, tradicionalmente os de maior peso na indústria
de transformação regional, sobretudo os setores alimentício e têxtil. Essa
maior participação da indústria de
bens intermediários se deve à montagem do Complexo Petroquímico de
Camaçari, na Bahia, a que se associaram as políticas de industrialização regional e de substituição de
importações de petroquímicos do II
PND. Essas duas políticas econômicas foram fundamentais para a estratégia de crescimento do Estado da
Bahia, a partir de meados da década de 1970.
Nesse sentido, a análise apresentada nesse trabalho, da evolução
numérica do PIB da Bahia, foi pensada seguindo uma periodização
específica, com base nas taxas de
crescimento desse macro indicador.
Os gráficos e as tabelas mostram,
com clareza, que entre 1975 e 1986 o
PIB baiano cresceu aceleradamente,
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
79
seguindo-se uma fase de estagnação
(1986-1992) e, logo depois, uma retomada do crescimento econômico
(1992-2000). Por fim a partir do ano
de 2000 mostram a manutenção e
consolidação do crescimento da economia baiana, principalmente associado aos investimentos industriais
realizados.
Período 1 (1975–1986): transformações estruturais e crescimento acelerado
O período que vai de 1975 até
1986 tem como característica principal à transformação estrutural do
PIB da Bahia, que deixa de ter como
carro-chefe a agropecuária, passando a ser impulsionado pela indústria. Crescimentos acelerados (em
torno de 6,1% ao ano) foram à tônica
dessa época, marcada pela expansão do segmento industrial baiano,
que apresentou taxas de crescimento de aproximadamente 9%.
Esse processo teve origem em
meados dos anos 1950, embora, até
o início dos anos 1970, a estrutura
produtiva da economia baiana ainda estivesse fundada no setor primário-exportador, que se complementava com a economia de subsistência praticada em quase todas as
suas regiões. Durante décadas essa
dinâmica foi comandada pelo agrobusiness do cacau, que era o principal produto agrícola estadual e o seu
maior gerador de divisas.
Contudo, a renda gerada pela
cacauicultura foi em parte alocada
no próprio setor, aprofundando e
mantendo a monocultura do cacau,
sendo o restante canalizado para
consumo ou investimentos fora do
Estado, principalmente em imóveis.
Esse setor, por sua vez, devido às
suas características estruturais, era
incapaz de irradiar seu dinamismo
para a economia baiana como um
todo. A partir dos anos 1970, com o
avanço da industrialização, essa
estrutura produtiva começa a mudar
e perde sua feição agroexportadora.
Alguns fatores, a seguir comentados, podem ser apontados como
principais para o desenvolvimento
desse processo. Em primeiro lugar,
as políticas macroeconômicas adotadas no país a partir da década de
80
Figura 1 – Evolução do PIB da Bahia 1975-2005.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
Tabela 1 – Taxa Média de Crescimento dos Grandes Setores de Atividade
do PIB da Bahia 1975 – 2005.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais
Tabela 2 – Taxa Acumulada de Crescimento dos Grandes Setores de Atividade do PIB da Bahia 1975 – 2005.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
1930, que alteraram profundamente
a divisão nacional do trabalho no
Brasil. O principal projeto era o de
substituições de importações e é a
partir da sua implantação, juntamente com a do processo de desconcentração da economia — promovido pelo Governo Federal e incentivado pelos estados periféricos, dentre eles a Bahia, para reduzir desequilíbrios regionais — que, finalmente, nos anos 1970, a Bahia se insere na matriz industrial brasileira,
com a chamada “especialização regional”. Tal especialização levou o
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
Tabela 3 – Taxa de Crescimento do
PIB da Bahia – Por período – Acumulada e Média.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
Estado a voltar-se para uma industrialização centrada no setor químico, especialmente na petroquímica,
e na metalurgia.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ainda no âmbito de medidas macroeconômicas, é importante salientar os incentivos fiscais e financeiros criados pelo Governo Federal
para atrair investimentos para outras regiões brasileiras que não o
Centro-Sul. Entre esses se registra o
sistema de incentivos fiscais 34/18/
FINOR, que beneficiou o processo de
reestruturação da dinâmica econômica da região Nordeste, observando-se que tais incentivos foram, em
sua grande maioria, alocados no
Estado da Bahia. Isso se deu pela
proximidade da Bahia em relação ao
Centro–Sul, e pelo fato de a produção nacional não oferecer alguns
insumos básicos demandados pela
indústria de transformação do Sudeste. Entre os fatores sistêmicos da
competitividade, a Bahia contava
ainda com as vantagens de ser, à
época, a maior produtora de petróleo do país e de já possuir uma refinaria, a Landulfo Alves – Mataripe
(RLAM).
Em relação ao poder local, foi
montada uma explícita política industrial, setorial e regional. Além de
participar diretamente de alguns
empreendimentos, com estudos, investimentos e infra-estrutura, o Governo Estadual concedeu um amplo
conjunto de incentivos fiscais e financeiros, o que possibilitou ao capital
privado reduzir drasticamente o risco de sua participação no processo
produtivo e garantiu vantagens comparativas à Bahia em relação aos demais Estados do Nordeste.
Em decorrência das medidas acima descritas, vários projetos foram
implantados, destacando-se os localizados no Centro Industrial de
Aratu (CIA), nos Distritos Industriais do interior do Estado e no Complexo Petroquímico de Camaçari
(COPEC).
Essas alterações estruturais na
economia baiana incrementaram
fortemente seu produto interno. Em
termos de taxas de crescimento real
do PIB, a Bahia supera o Nordeste e
o Brasil ao longo da década de 1970.
No período entre 1975 e 1986, a indústria cresce acumuladamente
156,4%, a agricultura 30%, o comércio 117% e as comunicações 1.383%.
Esse crescimento fez com que a ecoRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Tabela 4 – Composição Setorial do PIB Baiano.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
nomia baiana aumentasse sua participação na economia nacional —
de menos de 4% em 1975 passa a
5,4% em 1985 — e contribuiu de forma positiva para a expansão do setor terciário da economia (em média
7,6% ao ano), particularmente na
RMS.
É importante destacar que a consolidação da indústria de transformação no processo de desenvolvimento econômico estadual, na primeira metade da década de 1980,
ocorreu num período de grande
recessão e crise da economia brasileira, da qual poucos Estados lograram escapar. A Bahia, exatamente
pelo avanço da sua indústria, estava entre estes últimos, ou seja, apresentou, malgrado a crise, crescimento do nível de atividade econômica.
Nos anos 1980, inicia-se uma
política de desvalorização cambial
que torna caros os produtos importados. Esses fatores macroeconômicos fizeram com que aumentasse a
demanda, por parte das indústrias
instaladas no Centro-Sul, pelos
petroquímicos produzidos na Bahia.
Apesar de a economia ter-se concentrado fortemente, principalmente na Região Metropolitana de Salvador (RMS), outras áreas do interior
do Estado também apresentaram
significativo crescimento no final da
década de 1970. Entre os destaques
tem-se: produção de feijão na região
de Irecê; expansão do pólo cafeeiro
na Chapada; extração de minérios
em determinadas áreas do Estado
(Caraíba Metais etc.); rápida ocupação do Vale do Iuiú (pecuária e algodão) e desenvolvimento de regiões
como o Extremo-Sul , com a extração
de madeira.
Período 2 – 1986 a 1992:
inflexão e crise
A partir da segunda metade dos
anos 1980, o vigoroso crescimento
ocorrido entre 1975 a 1985 sofre um
forte processo de inflexão. Entre 1986
e 1992, o ritmo de crescimento do PIB
cai de 6,5% ao ano para aproximadamente 0,1%.
Em dez anos, ou seja, de 1975 a
1986, o PIB baiano, sob o efeito do
Pólo Petroquímico de Camaçari, cresceu 92% acumuladamente. Entretanto, no período subsequente, entre 1986 e 1992, o crescimento acumulado foi de apenas 0,9%. Em que
pese à diferença quantitativa dos
anos entre os dois períodos, essa
comparação tem como único objetivo salientar que entre 1986 e 1992 a
economia baiana praticamente se estagnou.
O Gráfico 2, a seguir, evidencia
claramente esse processo. Entre 1986
e 1992, o cenário apresentado foi de
recessão, com variação negativa do
nível de atividade nos três últimos
anos desse período.
Os fatores que explicam essa crise podem ser encadeados da seguinte forma:
• a crise da economia nacional nos
anos 1980 (a chamada década
perdida), capitaneada pela crise
fiscal e financeira do Estado brasileiro, levou à falência o modelo
anterior, no qual o Estado era o
motor da acumulação capitalista
e sob o qual se pautou o crescimento da economia baiana entre
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
81
de a Bahia possuir uma população rural muito grande (ainda
hoje a maior do país em termos
absolutos, e vivendo de forma precária no semi-árido) — para essa
região, atraída pelo Pólo. Esse processo fez de Salvador a terceira
mais populosa cidade do país,
com a uma das maiores taxa de
desemprego dentre as cidades estudadas pelos institutos de pesquisas brasileiros;
Figura 2 – Evolução do PIB da Bahia segundo taxa anual de crescimento –
1976-2005.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
1975 e 1986. O endividamento interno e externo do Estado inviabilizou os investimentos projetados
e a manutenção da acumulação
capitalista, na forma até então vigente;
ração da petroquímica. Dessa forma, a economia baiana permaneceu apenas como produtora de
bens intermediários e o Complexo Petroquímico não recebeu novos investimentos;
• a queda no ritmo de crescimento
da economia ocasionou altas taxas de inflação, índices crescentes de desemprego e elevação das
taxas de juros, o que desencadeou
a chamada “ciranda” financeira
e teve, portanto, efeitos negativos
diretos na demanda agregada da
economia brasileira, principalmente no consumo das famílias e
nos gastos do Governo;
• diminuiu o ritmo de crescimento
da produção da indústria química baiana, tendo esse segmento,
nos anos de 1988, 1990 e 1991,
apresentado taxas negativas, de
3,6%, 6,8% e 7,6%, respectivamente. Pelo elevado peso que a indústria química tem na estrutura do
segmento industrial baiano, os reflexos negativos sobre o PIB eram
inevitáveis;
• deu-se um redirecionamento da
economia brasileira para o mercado externo: incentivaram-se assim as exportações, que geravam
divisas, garantiam o fechamento
do balanço de pagamentos e mantinham o nível da atividade econômica.
• foi gerada, com a paralisação do
processo de investimentos, uma
economia duplamente concentrada na formação do PIB: na agricultura, o cacau, em crise, continuava ser o principal produto de
exportação. Na indústria, deu-se
uma elevada concentração em torno do gênero químico. Em termos
macroeconômicos, a geração espacial da renda concentrou-se na
RMS e no litoral, principalmente
na área de influência dos municípios de Ilhéus e Itabuna;
Os efeitos dessa crise para o Estado da Bahia foram altamente negativos, podendo-se destacar alguns
deles como os mais graves, como se
pode verificar a seguir:
• foram paralisados os investimentos previstos para o Pólo de Camaçari e, assim, não foram geradas
cadeias produtivas, a terceira ge-
82
• cresceu a taxa de desemprego na
RMS, conseqüência da forte migração — em parte derivada do fato
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
• finalmente, identifica-se um último efeito, que se manifestou em
meados dos anos 1980, decorrente da reestruturação produtiva
mundial: a crise nos produtos tradicionais de exportação da agricultura baiana. A partir desse período, registraram-se sucessivas
quedas nos preços internacionais
dessas commodities, resultantes
do crescimento da sua oferta mundial, com a entrada, no mercado,
de novos países produtores, com
menores custos médios e maiores
rendimentos por hectare. Dentre
os produtos baianos cujos preços
caíram, citam-se: o cacau, que também foi atingido pela grave doença conhecida como “vassoura de
bruxa”, e a mamona, o sisal, o
fumo, o café e o algodão. O forte
declínio do cacau, principal cultura agrícola do Estado na segunda metade dos anos 1980, ocorre
sem que outra lavoura a substitua de imediato.
Assiste-se assim a uma total
desestruturação do Estado da Bahia:
suas finanças desorganizam-se; seu
patrimônio público — estradas, escolas, hospitais etc. — passa por um
processo de desgaste; seu funcionalismo tem grandes perdas em termos
reais.
Os fatores sistêmicos da competitividade baiana seguem na mesma
direção da situação financeira do
setor público, acima mencionado. A
educação não apresenta grandes
avanços, a concentração da renda
aumenta, as estradas pioram de situação, o crescimento dos setores
serviços e comunicações é lento etc.
Apesar da crise nos dois principais setores da economia baiana (a
agricultura tradicional e a petroRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
química emergente), a política de
redirecionamento da economia brasileira para o setor externo traz novos vetores de crescimento econômico para o Estado e dá início a um
processo de diversificação agrícola
e interiorização da produção. Além
disso, a petroquímica, graças à política de desvalorização cambial adotada pelo Governo Federal, conseguiu colocar no mercado externo
parte da sua produção, diminuindo,
dessa forma, os efeitos da queda das
vendas para o mercado interno.
Assim, esse período, apesar de se
caracterizar como uma fase recessiva, é também aquele em que se verifica uma diversificação e interiorização da sua dinâmica, a saber: ocupação dos cerrados com a produção
de grãos, tendo na soja seu carrochefe; desenvolvimento de projetos
de irrigação, principalmente na Região de Juazeiro, com a produção de
frutas para exportação e o cultivo de
hortifruti — laranja no Litoral Norte, especiarias no Recôncavo Sul;
afirmação do papel e celulose no
Extremo-Sul; florescimento do turismo, na faixa litorânea, com destaque
para a região de Porto Seguro e o Litoral Norte; surgimento de novos
empreendimentos do Complexo
Agroindustrial, dinamizando e modernizando a produção agropecuária, dentre outros setores e processos com menor relevância. É importante salientar que esse processo só
começaria a ter impacto sobre o PIB
a partir dos anos 1990.
Em conclusão, esse período, diferentemente do anterior, é marcado por
uma redução da participação do PIB
baiano no nacional, em conseqüência de ter-se estagnado o ritmo de
crescimento da economia baiana (no
cotejo com o período anterior, 1975/
1985) e de se terem expandido fortemente outras áreas no Brasil, como o
Centro-Oeste, incentivadas pela produção pecuária e agroexportadora,
principalmente de grãos.
Período 3: anos 1990 — retomada do crescimento
Como dito anteriormente, a atual
configuração socioeconômica da
Bahia tem início a partir de meados
da década de 1970, com o fortaleciRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Figura 3 – Participação das Grandes Regiões no PIB do Brasil 1985-2003.
Fonte: IBGE/Departamento de Contas Nacionais do Brasil – CONAC.
mento do cinturão industrial da Região Metropolitana de Salvador
(RMS), particularmente com a entrada em operação do Pólo Petroquímico.
A expansão da economia baiana
alicerçada no desempenho industrial — principalmente com o incremento nas atividades da indústria
de transformação e da construção
civil, esta última grande geradora de
emprego e renda — acontece, principalmente no período do pós II PND
e prossegue até meados dos anos
1980, momento em que a crise que
vinha atingindo a economia brasileira começa a afetar o desempenho
baiano: registram-se, entre o final
dos anos 1980 e o começo de 1990,
taxas de crescimento mais modestas.
Apesar disso, a Bahia foi um dos
Estados de melhor desempenho econômico naquela que é considerada
a “década perdida” da economia
brasileira.
O período compreendido entre
1992 e 2000 — tem algumas características marcantes, como:
• crescimento econômico acompanhando a média nacional;
• consolidação e ampliação da indústria montada no primeiro período, ou seja, petroquímica e metalurgia;
• consolidação de setores que se beneficiaram com a política nacional de incentivo às exportações e
que tiveram vantagens comparativas no estado, a exemplo da sil-
vicultura, da produção de papel e
celulose, dos frutos e grãos;
• alcance, pela agricultura, de um
novo patamar de produção, com
base na política nacional de incentivo às exportações iniciada no
segundo período;
• esgotamento dos produtos tradicionais, a exemplo do fumo, que
chegam ao fundo do poço, e esboço de recuperação dos níveis de
produção de outros, graças às
políticas dos Governos Estadual
e Federal;
• surgimento de novos setores industriais, notadamente de bens finais, portadores de mudanças futuras na estrutura do Estado e promotores de sua inserção na divisão nacional do trabalho;
• maior preocupação com o turismo local, que passa a operar em
um patamar mais elevado, a partir de investimento do Governo Estadual e de programas nacionais
com parceiros internacionais, a
exemplo do PRODETUR.
O crescimento médio do PIB
baiano correspondeu a 3,1% a.a. ou,
em taxa acumulada, foi de 27,5%, no
período de 1992 a 2000. Os setores
agropecuário e industrial cresceram
no mesmo patamar: 3,1% e 2,9% respectivamente. Outros segmentos,
como o comércio e comunicação, foram de grande destaque nesse período, alcançando um crescimento acumulado de 28,3% e 255,7% respectivamente.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
83
Novo cenário nacional
A mudança na política econômica nacional, o Plano Real, a abertura do mercado brasileiro e a reestruturação do Governo Estadual fizeram a economia voltar a crescer.
Abriu-se um novo período de investimentos produtivos e a perspectiva
de outro ciclo sustentado de crescimento, agora menos concentrado.
Antes de tudo, verifica-se um forte crescimento do comércio e do consumo nos primeiros três anos do Plano Real, em função da estabilidade
econômica e das facilidades de financiamento. Esse processo beneficiou mais fortemente as classes menos favorecidas, que representam a
maioria da população baiana.
Em segundo lugar, ocorreu uma
reestruturação dos principais setores
do parque industrial baiano, que,
como se sabe, é ainda pouco diversificado e concentra-se em setores internacionalmente competitivos: química e petroquímica, mineração e
metalurgia, além de papel e celulose.
A partir de 1994, além da celulose, a
duplicação da RLAM e da Central de
Matérias-Primas do Pólo Petroquímico de Camaçari fizeram a produção voltar a crescer e, em conseqüência, cresceu também o PIB estadual,
como mostram as figuras a seguir.
Cabe também ressaltar o bom desempenho da indústria metalúrgica
e a consolidação dos investimentos
realizados na indústria de papel e
celulose no Sul do Estado, que resultaram em elevados crescimentos
desses segmentos no referido período, como mostra a figura 5.
Um outro importante fator a ser
destacado é que, somente em meados dos anos 1990, o processo de
diversificação da produção, ocorrido na agricultura baiana a partir de
fins dos anos 1980, como descrito
anteriormente, começa a influenciar
e determinar a formação do valor
agregado agrícola e, consequentemente, do PIB baiano. Como mostra
a Tabela 5, entre os anos de 1985 e
2000 dá-se uma profunda transformação na agricultura, com perda significativa da participação do cacau
na formação do valor bruto da produção, contribuindo com 36% em
1985, em 2000 o cacau tem um peso
84
Figura 4 – Taxa de Crescimento acumulada da Indústria Química e Indústria de Transformação – Bahia, 1991-2000.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
Figura 5 – Taxa de Crescimento Acumulada dos Segmentos Industriais de
Maior Ascensão na Bahia – 1991-2000.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
de apenas 6% no valor bruto da produção agrícola da Bahia.
É ainda nesse período que a crise
dos produtos agrícolas tradicionais,
como o cacau, sisal, fumo, café,
mamona, parece chegar ao pior resultado já registrado pelas pesquisas do IBGE, como pode ser observado na Figura 6.
No que diz respeito ao comércio
exterior, a competitividade da economia baiana fica evidente ao se verificar o significativo incremento do
valor das exportações baianas, da
ordem de quase 50% entre 1991 e
1998, apesar das dificuldades com
que se defrontaram as exportações
brasileiras no período. A conta de
comércio (exportação + importação)
cresce mais de 50%.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
Na esfera governamental, a Bahia
passou por um processo de reforma
do Estado desde 1991 e promoveu
um ajuste administrativo, fiscal e financeiro. Os primeiros resultados
foram o equilíbrio das finanças públicas estaduais — o que levou à recuperação do crédito público nacional e internacionalmente — e o fato
de o Estado passar a ter capacidade
de gerar poupança interna e externa, abrindo assim a possibilidade de
investimentos e de contar com programas de incentivos fiscais e financeiros.
Em conjunto, esses fatores viabilizaram múltiplos investimentos privados em novas áreas da atividade
econômica, a exemplo dos segmentos industriais de bens de consumo
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Tabela 5 – Participação dos Principais Produtos Agrícolas, segundo o Valor Bruto da Produção (Bahia: 1985-2000).
populares, automobilístico, cerâmico
e madeireiro/moveleiro, turismo etc.
Esse movimento tem contribuído para
a expansão e diversificação da economia, proporcionando uma maior
integração industrial, com a abertura de novos horizontes que indicam
um novo ciclo de crescimento.
Concluindo, é possível afirmarse que, do ponto de vista da geração
do PIB, esse período se constitui no
momento histórico em que foram
lançadas as bases para um novo ciclo de expansão do produto baiano
e para que se reestruture a composição desse indicador, sobretudo no
que concerne ao peso que aí têm a
agropecuária e a indústria.
Período 4 – 2000-2005: manutenção do crescimento e consolidação industrial
Fonte: SEI/IBGE.
Figura 6 – Taxa de Crescimento Acumulada das Principais Lavouras da
Bahia – 1991-2000.
Fonte: SEI/Coordenação de Contas Regionais.
Tabela 6 – Balança Comercial – Bahia (em U$ bilhões – FOB).
Fonte: PROMO – Centro Internacional de Negócios da Bahia.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A partir do ano 2000 começa a
ser observado mudanças na estrutura produtiva do Estado da Bahia
oriundas de dois fatores principais:
Primeiro pela austera política macroeconômica colocada em prática
pelo Governo Federal, priorizando
a proteção da moeda contra desvalorizações e, buscando uma meta
inflacionária extremamente baixa.
Utilizando-se do instrumental de
controle da taxa de juros, a política
econômica do Brasil priorizou o curto prazo, pondo fim definitivo no
projeto nacional desenvolvimentista. Esse fato tem grande relevância
para a análise da evolução do PIB,
pois como já mencionado a Bahia
como unidade da federação brasileira passou por grandes problemas
nos setores demandantes de recursos (atrelados ao crédito de longo
prazo, praticamente inexistente nesse período). Essa conjuntura prejudicou muito o desempenho do setor
de serviços baianos, que aos poucos
perdeu participação. Segundo, pela
política de atração de indústrias, que
se consolidou no Estado uma montadora de veículos e seus sistemistas,
grande geradora de valor agregado
e outras tantas indústrias calçadistas grande geradoras de emprego. O
empreendimento do Complexo Amazon que trouxe uma unidade da Ford
para a Bahia, gerou efeitos multiplicadores para a economia estadual.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
85
Como decorrência desse processo,
vários sistemistas, inclusive de outros países, vieram para a Bahia e
começaram a consolidar a indústria
automobilística no Estado. Em menos de cinco anos de operação, a
montadora baiana já bateu recordes
de produção, e antecipou etapas,
inicialmente previstas para 2006. A
despeito disso a “baianização” dos
veículos ainda é pequena tal qual o
montante de empregos diretos gerados vis a vis o montante dos investimentos, devido a grandes recursos
tecnológicos utilizada na produção.
A reformulação das atividades
industriais baianas, como parte de
um plano, da diversificação produtiva, alcançou maior impulso, a partir de 2001, com o lançamento de
uma política de atração de investimentos para estimular fluxos de produção e renda no Estado. Segundo
dados da Secretaria de Indústria e
Comércio e Mineração do Estado
(2005), foram realizados na Bahia no
período 1999-2005 cerca de R$ 30,7
bilhões em investimentos industriais, responsáveis por aproximadamente 135 mil empregos diretos.
Merece destaque o fato de que 80%
desses investimentos foram destinados à implantação de novas plantas
industriais no Estado, sendo, portanto, 20% outros destinados à
reativação de plantas já existentes.
Desta Forma vieram para a Bahia
entre 2000 e 2005, diversas indústrias de diversas áreas. Delas destacam-se, seja pelo valor do investimento, seja pela elevada geração de
emprego e valor agregado: a FORD e
seus sistemistas de produção, a
VERACEL CELULOSE, atualmente
maior produtora de celulose do mundo, a MONSANTO, com produção
de fertilizantes e diversas indústrias calçadistas, que são grandes geradoras de empregos. O destaque
desse último empreendimento deve
ser dado ao fato de ter permitido
uma “interiorização” pelo território
baiano.
O PIB da Bahia alcançou, nesse
período, uma taxa média de 3,8% de
crescimento, acumulando 20,3%.
Ainda em relação à taxa acumulada
os grandes destaques ficaram por
conta da indústria de transformação
86
Tabela 7 – Investimentos Industriais Realizados no Estado da Bahia no
período de 1999 a 2005.
Fonte: SICM.
(40,5%), agropecuária (31,4%) e, em
menor fôlego, o setor de serviços
(11,6%). Conforme já observado na
Tabela 4, toda a estrutura produtiva
foi modificada, passando o setor industrial a responder por mais de
50% do valor agregado total da economia baiana em 2005.
Caso ocorra a formação de cadeias produtivas, com base nesses investimentos, poder-se-á assistir a um
crescimento econômico distinto daquele ocorrido quando da implantação do Pólo Petroquímico nos anos
1970. Espera-se um processo menos
concentrado e, portanto, com impactos positivos sobre os níveis de emprego, renda e demanda, podendo
assim vir a alterar-se significativamente o setor do comércio e de serviços da RMS, e com impactos positivos para o interior do Estado.
Um outro aspecto que pode ser
observado com a implementação
dos novos arranjos produtivos é a
mudança no perfil industrial da
Bahia, que, chegou em 2001 a concentrar mais de 57% da estrutura de
sua indústria de transformação no
segmento químico. A geração do valor agregado de uma indústria automobilística, além dos investimentos
nas indústrias de papel e celulose e
alimentos têm contribuído para a
diminuição na participação dessa
estrutura, além de permitir à Bahia
aumentar sua participação na geração do valor agregado nacional. A
relação PIB-BA/PIB-BR passou de
4,1% em 1995 para aproximadamente 5,0%, em 2005.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
Esse aumento de participação
possibilita, sobretudo duas considerações especiais: a) primeiro, que a
Bahia apresentou no período um
crescimento médio do PIB superior
ao do Brasil (na média — 3,8% Bahia
e 2,2% Brasil — no acumulado,
20,3% Bahia e 11,4% Brasil), e b) que
os investimentos alocados no Estado proporcionaram uma elevação da
base produtiva e da geração de valor agregado. Tais investimentos,
além do se constituírem em impulso
à indústria de transformação, são
fundamentais para a competitividade — inclusive internacional —
do Estado.
Em relação a essa última observação, é importante destacar a evolução do comércio exterior da Bahia
nesse período. Somente em 2005, o
Estado da Bahia atingiu o recorde
de sua história econômica recente,
quando suas exportações somaram
aproximadamente U$ 6 bilhões expandindo-se 48% em relação a 2004.
A título de informação, apenas para
que se perceba a relevância do resultado estadual nesse mesmo período, as exportações brasileiras expandiram-se 23%.
Segundo os dados da Promo
Bahia, a participação de produtos de
média e alta tecnologia — que passaram a ser produzidos no Estado a
partir de 2001—, apresentou um incremento de aproximadamente 19%
no total das vendas externas realizadas entre 2004 e 2005. Em função
dessa diversificação da pauta de
exportações, ampliaram-se as relaRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ções comerciais do Estado com mercados não tradicionais, a exemplo
do México e Venezuela, dois dos
maiores compradores de automóveis
produzidos em Camaçari, além de
mercados em alta expansão como a
China, Índia, Tailândia, Nigéria,
Austrália e Israel.
É importante mencionar que, apesar da Bahia ter uma política de atração de indústrias ativa, criando vantagens econômicas comparativas
como já mencionado, é limitada a
participação no estabelecimento de
diretrizes da política macroeconômica, que são determinadas pelo
Governo Federal. A evolução do PIB
na Bahia dependeu, depende e vai
continuar a depender da situação
prevalecente na conjuntura nacional, sendo esse indicador muito sensível às mudanças na política de
Governo.
Em 2001 a economia baiana apresentou uma taxa de crescimento apenas satisfatória (aproximadamente
1,0%), pelas razões acima expostas,
como reflexo de uma conjuntura bastante conflituosa. Crise de energia,
desaceleração da economia norteamericana, crise na Argentina, ataques terroristas, desvalorização do
Real marcaram negativamente esse
período. Na Bahia houve ainda uma
intensa seca, que atingiu praticamente todos os estados da região Nordeste e prejudicou sensivelmente o
desempenho do setor agropecuário,
não se podendo esquecer da posição
de destaque que o mesmo tem na estrutura do PIB.
Nesse cenário, o governo brasileiro foi obrigado a agir, primeiro,
para tentar separar as imagens do
Brasil e da Argentina; em segundo
lugar, para manter a meta inflacionária, grande âncora do Plano Real
e condição obrigatória dos acordos
de ajuda monetária com o FMI. Esses compromissos praticamente congelaram a ação da política macroeconômica brasileira em 2001.
Para tentar equilibrar a economia
frente a tantos problemas, o Governo
foi obrigado a manter elevadas às taxas de juros internas. Na macroeconomia básica, um aumento na
taxa de juros, em que pese à diminuição da liquidez da economia com reRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Tabela 8 – Exportações Baianas, principais Segmentos: 2004/2005.
Fonte: Mdic/Secex, Dados Coletados em 11/01/2006.
Elaboração: Promo – Centro Internacional de Negócios da Bahia.
Tabela 9 – Balança Comercial da Bahia – 2000-2005.
Fonte: MDIC/SECEX.
dução na inflação, tem como reflexo
imediato uma retração nos investimentos produtivos, que, por sua vez,
diminuem a demanda agregada e
paralisam a atividade interna. Em um
cenário como esse, diminui a procura pelo crédito e a inadimplência aumenta. Sofrem os impactos dessa situação o comércio, que depende muito dos financiamentos de médio e longo prazo; a indústria, que é fomentada pelos investimentos produtivos e,
que, praticamente, em sua totalidade, utiliza insumos importados (comprados em dólar); e outros setores,
como os serviços, que, inevitavelmente, apresentaram diminuições nos indicadores de emprego e renda.
Em 2003, com a eleição do novo
presidente que ao longa de sua his-
tória política, tinha posições contrárias a política econômica que vigorava até então, com isso esperava-se
uma mudança nesse quadro de juros altos, para combater a inflação e
segurar o câmbio. Esperava-se, também o reinicio de um projeto nacional desenvolvimentista capaz de
induzir crescimento econômico para
todas as regiões do Brasil. Entretanto, o que se tem acompanhado é a
manutenção das “regras do jogo” em
que o mercado continua imperando
de forma absoluta e o cumprimento
das metas de inflação o único objeto
de política econômica. Nesse cenário fica difícil fazer qualquer prognóstico sobre o desempenho macroeconômico do país, que apresentou
crescimento da economia em 2004,
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
87
“
... enquanto
vigorar essa política
econômica, a agricultura
da região Nordeste vai
continuar a depender
das chuvas para
apre-sentar bons
resultados...
”
muito mais pela insuficiência da demanda agregada de 2003 do que
pelo projeto colocado em prática.
Ou seja, enquanto vigorar essa
política econômica, a agricultura da
região Nordeste vai continuar a depender das chuvas para apresentar
bons resultados e as atividades que
dependem do crédito e do investimento de longo prazo vão continuar subordinadas ao “nervosismo do mercado” e à tradicional pouca vontade
da iniciativa privada brasileira.
Finalmente — e esperando-se ter
alcançado o objetivo proposto inicialmente, qual seja, mostrar os principais fatos que proporcionaram ou
limitaram o crescimento econômico
da Bahia entre 1975 e 2005 — poder-se-ia dizer que política industrial, crise e recessão, retomada do crescimento e nova configuração industrial são as expressões que, respectivamente, melhor caracterizam cada
um dos períodos aqui delimitados:
1975/1986, 1986/1992 e 1992/2000,
2000/2005.
Considerações finais
Como pode ser observado, a economia baiana passou por diferentes
ciclos de crescimento do PIB. No primeiro deles (1975-1986) a atividade
industrial, principalmente derivada
da indústria de transformação e da
construção civil foi a grande responsável pelo resultado do PIB com um
detalhe. Dentro da estratégia de desenvolvimento regional oriunda do
II PND houve a consolidação de um
Pólo Petroquímico, complementar às
indústrias instaladas no eixo SulSudeste do país. A forma como se
deu o processo de industrialização
do Estado da Bahia impulsionou
também o setor de serviços, atrain-
88
do milhares de trabalhadores para
a RMS. Tanto sim que, mesmo com a
pujança do crescimento industrial,
como se observou pelos números da
Tabela 4, o setor de serviços detinha
a predominância na geração de valor agregado.
Com o esgotamento do modelo de
substituição das importações e o fim
da estratégia de crescimento para
“dentro”, houve uma crise sem precedentes na história econômica recente do Brasil, resultando em um
período de estagnação econômica,
crise fiscal e financeira do Estado,
combinados com altas taxas de inflação. Mesmo que tardiamente, em
relação a outros Estados do Brasil,
essa situação desaqueceu a economia baiana altamente especializada
na produção de intermediários voltados para abastecimento das indústrias do Sudeste do país. Para piorar
houve o esgotamento de tradicionais
produtos agrícolas baianos (como o
cacau fortemente prejudicado pela
praga da vassoura de bruxa, e a quase que estagnação na produção de
fumo do Recôncavo). Com a diminuição da atividade industrial, aumentou o desemprego, concentrado
principalmente na RMS e praticamente cessaram os investimentos
para o Estado da Bahia. No período
1986-1992 a economia baiana cresceu apenas 0,1% em média.
O período 1992-2000 se caracteriza por uma maior diversificação
produtiva e interiorização da produção ao largo do território baiano (processo que começou no final da década de 1980 e início dos anos 1990 e
ganha impulso a partir de então).
Nesse período ocorreu, com maior
ênfase a ocupação dos cerrados com
a produção de grãos, tendo na soja
seu carro-chefe; desenvolvimento de
projetos de irrigação, principalmente na Região de Juazeiro, com a produção de frutas para exportação e o
cultivo de hortifruti — laranja no Litoral Norte, especiarias no Recôncavo Sul; afirmação do papel e celulose no Extremo-Sul; florescimento
do turismo, na faixa litorânea, com
destaque para a região de Porto Seguro e o Litoral Norte; surgimento
de novos empreendimentos do Complexo Agroindustrial, dinamizando
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
e modernizando a produção agropecuária, dentre outros setores e processos com menor relevância. A entrada em vigor do Plano Real (julho
1994) foi acompanhada por uma
ausência total de um plano nacional desenvolvimentista e uma “obsessão” excessiva pelo controle inflacionário, a custas da valorização
cambial e de elevadas taxas de juros
(fato que se intensificou muito a partir dos anos 2000). Essa situação fez
com que aumentasse a necessidade
da intervenção das políticas estaduais, capazes de dinamizar a economia e promover uma atenuação do
desemprego.
Não houve nesse período um setor líder na expansão do PIB. Como
se observou na Tabela 1, agropecuária, indústria e serviços cresceram
aproximadamente 3% em média ente
1992 e 2000, mesma tendência, em
que pese a tautologia, seguida pelo
PIB (3,1%). Apesar da conjuntura
nacional desfavorável o setor de serviços permanecia, até essa época,
como mais importante na geração de
valor agregado do PIB estadual
baiano.
A partir do ano 2000 iniciou-se
um novo paradigma: a busca por
“novas” industrias, principalmente, através de isenções fiscais. Apoiado nessa estratégia, houve um grande aporte de investimentos industriais diversificando a base produtiva
baiana. Vieram para a Bahia diversos segmentos industriais, seja por
razões fiscais, seja por estratégia industrial, ou ainda por vantagens
locacionais. O setor industrial mais
uma vez retomava a liderança na
geração do PIB com outro detalhe
importante. Diferente do período
1975-1986 em que o dinamismo industrial impulsionou o setor de serviços, principalmente, porque a indústria de transformação era nascente, e tal qual a construção civil que
se expandiu muito nesse período
promoveu uma grande geração de
emprego e renda desenvolvendo o
setor de serviços, no período 20002005, o crescimento do setor industrial “achatou” o de serviços. As explicações se respaldam tanto na conjuntura nacional, com a ausência de
políticas econômicas de desenvolviRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
mento e submissão total ao controle
inflacionário via taxa de juros como,
no campo estadual, pelo fato de que
o principal empreendimento “baiano” desse período (leia-se a indústria montadora de veículos) ser altamente intensivo em capital e pouco
gerador de empregos diretos.
Os primeiros resultados da SEI
apontam para 2006, uma manutenção no crescimento do PIB, ainda
que em taxas decrescentes. Ainda é
cedo para dizer quando esse “modelo de crescimento” vai se esgotar,
mas, o certo que é a Bahia, como periferia do capitalismo mundial certamente precisará de outro “coelho
na cartola”.
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setoriais. Salvador: SEI, 2002. p. 103110. (Série estudos e pesquisas, 58).
Seu artigo na RDE
Para que seu artigo seja publicado no próximo número da RDE (nº 15) o prazo
para entrega dos originais se encerra dia 31.01.2007, e deverá ser enviado em
CD ou disquete de acordo com as NORMAS DE EDITORAÇÃO publicadas na
página 104 deste número.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
89
DESENVOLVIMENTO LOCAL E
DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO: QUESTÕES
CONCEITUAIS
Areza Batista Gomes Barros 1
Norma Lúcia Oliveira da Silva2
Noelio Dantaslé Spinola3
Resumo
Este artigo trata da questão do
desenvolvimento sob a ótica da Economia Regional. Inicialmente promove uma revisão da evolução desta área de conhecimento e da sua
formação micro e macroeconômica,
destacando alguns aspectos pouco
considerados na literatura que versa sobre as raízes da teoria da localização industrial. Aborda as novas
contribuições relacionadas com o
desenvolvimento local e endógeno.
Palavras-chave: Economia Regional, Desenvolvimento Regional, Desenvolvimento Local, Economia Espacial.
Abstract
This article deals with the development issue under the Regional
Economy approach. Initially it is
made a review of the evolution of this
analysis approach, as well as its
macroeconomic and microeconomic
concepts, highlighting some aspects
that are less studied under the
literature concerned with the roots
of the industrial localization theory.
It approaches new contributions
related endogenous and local development.
primeira faz uma breve revisão histórica da evolução da “ciência regional” como queria Walter Isard
(1956,1971) fazendo o registro de
diversas contribuições que normalmente estão esquecidas nos compêndios acadêmicos. A análise desta
evolução histórica foi limitada pela
disponibilidade de espaço para publicação ficando de fora muito material de pesquisa que se imagina poder publicar posteriormente. A inserção do tema neste texto tem o propósito de provocar outros pesquisadores da história econômica e de estabelecer um debate acadêmico, prática que parece em extinção na vida
universitária.
Nesse sentido vale questionar se
tem razão Masahisa, Krugman e
Venables (2002, p.50) quando afirmam que a ciência regional nunca
assumiu realmente o papel que Isard
havia imaginado e que a ciência regional em momento algum conseguiu
sequer se integrar à economia urbana tradicional. 4 Não obstante tal
descrendenciamento, para Richardson (1975, p.16-20) a economia regional reflete as vantagens de uma abordagem interdisciplinar no estudo dos problemas locacionais e regionais. Muitos
desses problemas não poderiam ser com-
Key words: Regional Economics,
Regional Development, Local Development, Spatial Economy.
Introdução
Este artigo, além desta introdução e de uma conclusão, é composto
por duas partes que no entendimento dos autores se complementam. A
90
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
preendidos em função apenas da ciência
econômica. Richardson acredita que o
crescente interesse pela economia regional e as teorias locacionais devemse a motivações de natureza política.
Porém salienta a importância da investigação das conseqüências derivadas do onde as atividades econômicas se realizam. Segundo Richardson
existem três formas de analisar as
implicações econômicas da dimensão espacial. A primeira supõe que a
localização da população e dos demais recursos é fixa concebido o espaço como um atrito no fluxo de bens
entre dois pontos fixos (economia urbana); a segunda supõe trata o espaço como matriz para a localização das
atividades econômicas, supondo a
heterogeneidade espacial (localização empresarial); e a terceira concentra-se nas inter-relações entre as regiões e a economia nacional (economia
regional)5.
A segunda parte deste artigo trata de questões conceituais em torno
das idéias relacionadas com o desenvolvimento local e o desenvolvimento endógeno. Também buscando polemizar, o texto critica as imprecisões de linguagem e a verdadeira “babel” que se forma quando diferentes autores tratam do assunto.
1
Economista. Mestranda em Análise Regional pela Universidade Salvador (Unifacs)
2
Administradora de Empresas. Mestranda em Análise Regional pela Universidade Salvador (Unifacs)
3
Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona – Es. Professor titular do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador
(Unifacs)
4
Realmente existe muita indefinição conceitual, como se verá a seguir no uso indistinto de
categorias diferentes como desenvolvimento local e desenvolvimento endógeno.
5
A economia urbana fornece as bases econômicas para os estudos de desenvolvimento endógeno
enquanto a teoria da localização e a economia regional referem-se ao desenvolvimento local.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Raízes econômicas das teorias
da localização
As questões da concentração e da
aglomeração ocupam lugar central
nas teorias e nos modelos de localização industrial, que dominaram a
ciência econômica regional, no século passado. No âmbito da teoria
geral, tais questões se estabeleceram,
basicamente, ao considerar-se o
comportamento dos consumidores e
produtores, por um lado, e o do Estado por outro, enquanto que, no
campo da teoria econômica espacial
se determinaram a partir de considerações setoriais. Esta diferenciação é importante, porque, deixando
a parte conexões inevitáveis, ajuda
a entender a delimitação dos campos da micro e macroeconomia espaciais, como a Teoria da Localização Empresarial e a Economia Regional, respectivamente.
Para se chegar a um entendimento, desta natureza é preciso ter presente as sucessivas construções que,
passo a passo, foram sendo elaboradas pelos chamados teóricos da localização, as quais não são registradas detalhadamente nos compêndios de uso escolar e aparecem fragmentados nas obras de vários autores. É nesta análise evolutiva que a
observação da existência de uma
microeconomia setorial frente a uma
microeconomia do comportamento
adquire toda relevância, já que desde o princípio das análises locacionais todos os estudos se interessaram pela determinação de assentamentos ótimos para as produções
agrárias e industriais.
Segundo Ponsard (1958), a despeito do mérito precursor de Cantillon6 foi Von Thünen o fundador da
Economia Espacial com a sua obra
O Estado Isolado cuja teoria sobre a
formação e estruturação do espaço
agrícola constitui um paradigma da
modernização espacial. Posteriormente, ainda de acordo com Ponsard, os estudos da localização industrial agrícola foram substituídos
pelos relacionados com a localização industrial, a partir da passagem
da era da carruagem para a da estrada de ferro.
Seja qual for o motivo, a análise
locacional agrícola, segundo Arau
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
(1971)7, só volta em 1922 com a obra
de Brinkmann, seguidor das análises thunesianas, traduzida para o
inglês em 1935, e, posteriormente, em
1954, por Dunn no seu The Location
of Agricultural Production. As análises de caráter industrial assumiram
o campo dos estudos espaciais quando Weber delimitou o âmbito formal
desses estudos ao publicar em 1909
sua obra Urber den Standort der
Industrien, onde elabora um modelo
econômico espacial destituído de
toda a casuística indutivista, empregando uma metodologia eminentemente dedutiva. A contribuição de
Weber, não só delimita o âmbito específico da localização industrial
como provoca discussões posteriores que garantiriam a sua continuidade.
Estas discussões compreendiam,
em primeiro lugar, uma reflexão de
caráter geral que, segundo colocações de Schumpeter (1964) e outros,
formulava a questão de que a teoria
da localização constituía uma teoria particular da microeconomia
convencional ou se deveria compor
a microeconomia espacial, e, em segundo lugar, a intenção de defender
e ampliar o modelo weberiano. Na
realidade, ambos os questionamentos oferecem um tratamento conceitual comum, não apenas porque a
teoria de Weber foi estudada quase
que exclusivamente por teóricos da
localização, mas a convergência deriva do fato de que em ambos os casos o pretendido era a inter-relação
entre a incipiente teoria econômica
espacial e uma vigorosa microeconomia de base marginalista. É importante destacar que sendo considerada a teoria espacial deve-se ajustar à realidade as hipóteses básicas
do marco tradicional, e no caso da
microeconomia marginalista devese manter nas formulações conven-
cionais a contribuição weberiana,
como algo essencial aos estudos espaciais.
Em termos históricos, Predöhl
(1927 apud PONSARD, 1958 p. 42)
tenta reconsiderar os fundamentos da
análise locacional8. Contemporaneamente, Engleander, em 1926, tentaria tratar, sob condições espaciais, a
mobilidade dos bens, especificamente a da oferta e da procura, considerando a vinculação que os gastos de
transporte estabelecem entre necessidades e mercado. Hawttrey também em 1926, seguindo as idéias de
Engleander, aponta para a importância locacional dos centros comerciais e dos mercados bursáteis e
Ritschel, em seu trabalho publicado
em 1927, destaca a importância do
conceito de “circuito econômico” e
oferece um enfoque revelador por
suas perspectivas dinâmicas, ainda
que entendidas num sentido histórico (PONSARD, 1958).
Como é óbvio, cada um desses
estudos fornecia um degrau adicional num processo que tendia a conduzir diretamente ao estabelecimento da teoria econômica espacial. Não
obstante, todos estes intentos, padeciam de escassa formalização. Por
isto, segundo Arau (1971), Weigman, em 1926, se interessou na correção dessa deficiência – o que realizou de forma complexa e abstrata.
Ele pretendia assentar as bases para
uma teoria econômica espacial realista, destacando a necessidade de
se abandonar o contexto inerente à
concorrência perfeita e adotar um
enfoque competitivo de caráter restrito, levando em conta a imobilidade dos fatores que, por estarem num
espaço físico determinado, motivam
o aparecimento de inelasticidades
espaciais. Weigman destacou também, a necessidade de completar a
aplicabilidade do enfoque do equi-
6
Richard Cantillon (1680-1734) banqueiro francês de origem irlandesa foi redescoberto por W.S.
Jevons é o autor do Essay sur la nature du commerce em general escrito em torno de
1730.Segundo Schumpeter, Cantillon influenciou diversos economistas que inclusive plagiaram
sua obra, estando incluído entre estes o notável Adam Smith. Discute-se até hoje os seus méritos
como predecessor da ciência econômica e da economia espacial. (SCHUMPETER, 1964, p.313).
7
As citações a Arau não representam transcrições literais. Foram traduzidas do espanhol por Noelio
D. Spinola e incorporadas fragmentadamente e complementadas no texto de acordo com a
interpretação e informações adicionais agregadas pelo tradutor e autor deste artigo.
8
Isard em seu Location and Space-Economy apresenta uma interessante análise da concepção de
Predohl (1971, p.31).
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
91
“
Na década de 1950,
surgiram várias teses
importantes para a
teoria do desenvolvi-
mento regional e para os
sistemas de planejamento desenvolvidos
nos anos 1960...
”
líbrio walrasiano à base germânica
de gestalt. Em toda a sua contribuição, Weigman parte da consideração da economia como um todo,
pensando em torno das suas formas
básicas de unidades espaciais (região, mercado, marco competitivo).
Porém, se bem considere os problemas que poderão advir para a análise, com a inclusão de uma economia
aberta, tal fato não parecia preocupá-lo significativamente. No entanto é Ohlin, que em 1933 no seu Comércio inter-regional e internacional,
procura demonstrar que a teoria do
comércio internacional é somente uma
parte da teoria geral da localização. Estabelece, assim, um modelo de determinação dos preços no qual se define uma interdependência geral em
relação com a variação dos mesmos
numa multiplicidade de mercados
(ARAU, 1971).
As investigações tendentes a estabelecer os fundamentos da economia espacial são reforçadas, em
1929, pelos trabalhos de Hotelling e
seu modelo de economia de aglomeração e, em 1935, por Palander, o primeiro economista fora da Alemanha a
trabalhar nesta área do conhecimento.
A contribuição de Palander consistiu na tentativa de determinar um
sistema de equilíbrio para as análises espaciais (PONSARD, 1958).
Segundo Arau (1971) em 1948,
Lösch com a sua Teoria Econômica
Espacial, constrói uma teoria verdadeiramente geral do espaço econômico, ao considerar uma teoria da localização, uma teoria das regiões e uma
teoria de intercâmbio. Esta teoria elaborada por Lösch distingue-se radicalmente da abordagem weberiana,
92
na medida em que enfatiza a definição das áreas de mercado e toma
como motivo principal da localização, a maximização do lucro. Segundo Losch as regiões são espaços de
mercado rodeados por fronteiras
econômicas. Aparecem como uma
demarcação espacial originada do
jogo das forças econômicas. Para seu
estabelecimento, deve-se partir da
análise de fatores econômicos tais
como as forças de aglomeração e as
economias de escala.
Ao se tratar de região, não se pode
olvidar a importância de Boudeville
(1965) com os conceitos de região
homogênea, região polarizada e região de planejamento que tanto influenciaram o planejamento regional brasileiro nas décadas de 1960 e
1970.
Fechando a primeira metade do
século XX, merece referência a
Hoover com o seu The Location of
Economic Activity de 1948, onde busca aprofundar a abordagem das
questões da localização industrial,
com os conceitos das economias de
escala – associadas à eficiência técnica das empresas e as economias
urbanas decorrentes da disponibilidade de infra-estrutura9.
Por fim, há que se fazer dois registros especiais. Primeiro, ao geógrafo alemão Walter Christäller e a
sua Teoria da Localidade Central, que
representa uma das mais vigorosas
contribuições para o desenvolvimento da economia urbana, notadamente no que tange aos estudos
locacionais do comércio e dos serviços. Christaller está ausente de vários tratados de economia espacial,
inclusive daqueles que tratam da
história deste campo do saber, em
que pese a inter-relação com Lösch10.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
O segundo registro refere-se Isard,
cuja contribuição é significativa para
a macroeconomia do espaço e para
os métodos de análise regional, que
são utilizados até os tempos atuais11.
Na década de 1950, surgiram várias teses importantes para a teoria
do desenvolvimento regional e para
os sistemas de planejamento desenvolvidos nos anos 1960. Destacamse entre essas os conceitos: a deterioração dos termos de intercâmbio e
da industrialização como fator estratégico para ruptura do subdesenvolvimento de Raul Prebisch e da
Cepal12; de “pólo de crescimento”, de
François Perroux ; da “base de exportação” de Douglas North ; da
“causação circular acumulativa”,
de Gunnar Myrdal ; do big push de
Rosenstein Rodan e o tricking down
forces de Albert Hirschman . Todas
estas idéias-força foram incorporadas por Celso Furtado, em 1959, no
documento mais famoso do planejamento regional do Brasil intitulado
Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste que cria as
bases teóricas da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), também criada em 195913
(SPINOLA, 2003).
Segundo Krugman (1991) os esforços intelectuais na busca da produção de idéias que contribuam para
o desenvolvimento regional prosseguem a partir dos anos 1970, com os
economistas considerados evolucionistas e institucionalistas, representados por Becattini, Pyke, Sengenberger, Stoper, etc. Esses utilizam o
argumento das externalidades dinâmicas e redescobrem a teoria dos distritos industriais, desenvolvida originalmente por Marshall. Porém, distanciam-se dos autores antes citados
9
Sobre Hoover comenta Isard : In the way he is able to synthesize the various theoretical
contributions of his predecessors that are of practical value…Hoover writings are the best
(1956,p.30).
10
Quem estuda a história deve sempre estar atento para os vieses ideológicos e corporativos e as
posturas nacionalistas. É freqüente economistas excluírem geógrafos em suas citações e vice-versa.
Também franceses e ingleses possuem uma longa rivalidade intelectual ignorando mutuamente em
diversas situações.
11
É lamentável que, depois de tantos anos, as obras seminais de Isard não tenham sido traduzidas
para o português.
12
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
13
Em termos do planejamento regional a Bahia foi pioneira no Brasil com o Plano de Desenvolvimento da Bahia (Plandeb), elaborado por Rômulo de Almeida e equipe e concluído em 1958. A tese de
desenvolvimento de Rômulo era oposta a de Furtado em alguns aspectos básicos, porém esta é
outra história.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
uma vez que admitem o papel dos
agentes locais (“atores”, “protagonistas”) na organização dos fatores
e na coordenação do processo cumulativo.
Levando-se em conta as teorias
desenvolvidas nos anos 50 e as estratégias endógenas desenvolvidas
mais recentemente, o elemento relevante a se destacar é a inovação tecnológica. Esta se apresenta como
uma aprendizagem contínua e acumulativa das empresas para melhorar os produtos, os processos e a gestão funcionando como um incremento à produtividade e à competitividade. Antes de tudo, a tecnologia
deve ser observada não somente
como um objeto que se oferece ao
mercado, mas, também, como um
processo de aprendizagem social
que, em todo caso, é uma contribuição substancial aos processos de
Desenvolvimento Local que serão
examinados a seguir.
cas sociais dessas regiões16de desenvolvimento endógeno (a construção
social do mercado) Becattini observou
que o tipo de organização industrial dessas regiões, mistura de concorrência-emulação-cooperação no
seio de um sistema de pequenas e
médias empresas, fazia lembrar um
velho conceito: o “distrito industrial” de Alfred Marshall.
Ainda sobre esses distritos industriais italianos, geradores das estratégias de desenvolvimento local ou
endógeno, cabe destacar duas importantes colocações formuladas
por Becattini visto contribuírem de
forma esclarecedora para alguns
aspectos que serão tratados em seguida neste artigo.
Becattini afirma que:
O distrito industrial é uma entidade socioterritorial caracterizada
pela presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico e histórico. No distrito, ao invés do que
acontece noutros tipos de meios,
como por exemplo as cidade industriais, tende a criar-se uma
osmose perfeita entre a comunidade local e as empresas.
.........................................................
A sua característica mais marcante
é o seu sistema de valores e de pensamento relativamente homogêneo
– expressão de uma certa ética do
trabalho e da atividade, da família, da reciprocidade e da mudança – o qual, de alguma maneira,
condiciona os principais aspectos
da vida....Paralelamente a este sistema de valores, desenvolveu-se
um corpo de instituições e de regras destinadas a propagar esses
valores a todo o distrito, estimulando a sua adoção e transmissão
de geração em geração..... Em termos simples o distrito é um caso
concreto de divisão do trabalho
localizada, não diluída num mercado geral nem concentrada no seio
As novas denominações do
processo de desenvolvimento:
a estratégia do desenvolvimento local
A partir da década de 1970, quando se registra a crise do modelo
fordista de produção em massa; a
“descoberta” dos distritos industriais marshalianos na Terceira Itália14
por Arnaldo Bagnasco, Carlos Triglia e Sebastiano Brusco; e o trabalho seminal de Michael Piore e
Charles Sobel, com a proposta de um
novo paradigma tecnológico, o da
especialização flexível cuja forma
especial seria o distrito industrial15 ,
complementada por inúmeras outras
contribuições importantes de Becattini , Scott , Storper e Walker,
(BENKO, 1994 p.10) são lançadas as
bases do que viria a ser conhecido
como “desenvolvimento local”.
Segundo Benko (1994 p. 10):
Entre a industrialização clássica do
triângulo Milão-Turim-Gênova e o
subdesenvolvimento desesperadamente persistente do Mezogiorno,
emergiam cidades e vales que, baseando-se exclusivamente nas suas
energias, se integravam vitoriosamente ao mercado de trabalho
mundial, através de uma indústria
específica. Enquanto os primeiros
estudos insistiam nas característi-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
... a tecnologia deve
ser observada não
somente como um objeto
que se oferece ao
mercado, mas, também,
como um processo de
aprendizagem...
”
de uma ou várias empresas. O termo localização não significa aqui a
concentração acidental de vários
processos produtivos estabelecidos no mesmo local devido a atração de fatores próprios da região.
Pelo contrário, as empresas enraízam-se no território, e não é possível conceituar este fenômeno sem
ter em conta a sua evolução
histórica.(BECATTINI apud BENKO, 1994 p.20).
À parte os aspectos eminentemente históricos e culturais que respondem pela existência e sucesso dos
distritos industriais italianos, destaque-se, por fim, que as estratégias de
desenvolvimento local tiveram grande sucesso em outros países da Europa (a Espanha é o maior exemplo)
graças aos maciços investimentos a
fundo perdido efetuados pela União
Européia (UE) no bojo do Programa
Leader17. Nos Estados Unidos, também foram citados como exemplo o
aglomerado de indústrias do Vale do
Silício (SAXENIAN, 1980, BENKO,
1991 apud BENKO 1994).
É importante observar que desenvolvimento local, endógeno, autosustentável, integrado, comunitário
etc. constituem expressões que representam diferentes estratégias que,
por isto mesmo, comportam diferentes definições.18 Não se trata aqui de
14
A denominada Terceira Itália compreende a região polarizada por Bolonha e Firenze.O conceito de
distrito industrial foi forjado por Alfred Marshall em 1900.
15
Conceito forjado por Alfred Marshall em 1900.
16
Um aspecto extremamente importante que não é observado pelos países que buscam importar esse
modelo.
17
Nas décadas de 1990, principalmente, foram executados diversos programas de investimento na
Espanha e Portugal objetivando fomentar o desenvolvimento destes países e criar condições para a sua
integração no bloco econômico da União Européia. Parte desses investimentos foram realizados no
financiamento, a fundo perdido, de empreendimentos empresariais agrícolas, industriais e de turismo.
18
Neste artigo serão considerados apenas os aspectos relacionados com o desenvolvimento local e o
endógeno.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
93
“
... o aumento da
eficiência do sistema
de produção nas regiões,
não é uma condição
suficiente para que se
satisfaçam melhor as
necessidades
elementares da
população local...
”
uma simples questão de hermenêutica (aos olhos dos mais pragmáticos), mas de um problema metodológico19 que não só compromete o rigor científico exigido de quem trabalha com as ciências sociais como
distorce, confunde e dificulta, em termos universais, o sentido de políticas públicas adotadas sob o rótulo
dessas denominações.20
González (1998) considera muito importante diferenciar o desenvolvimento local, do que chama de
“localizado”. Para ele,
…el desarrollo localizado se trata
de un desarrollo económico y social, localizado en un espacio concreto dentro de una dinámica general cambiante. Es un proceso
general que afecta a todas las
estructuras productivas y sociales
y que se distribuye por todos los
territorios afectados por el mismo
(GONZALEZ, 1998, p.6).
No entendimento deste autor o
desenvolvimento local corresponde
ao que aqui no Brasil denominamos de endógeno. Ou seja: um processo diferente no sentido de que é
voluntário e combinado, ou pelo
menos conhecido, pelo conjunto de
uma coletividade concreta na que se
realiza um processo diferenciado
daquele que ocorre em seu entorno
próximo, mediante a introdução de
inovações que geram valor adicionado a suas atividades produtivas e
cotidianas (GONZALEZ, 1998, p.6).
Neste sentido quando o desenvolvimento de um determinado espaço
ocorre como conseqüência de fatores exógenos dever-se-ia denomi-
94
ná-lo simplesmente de desenvolvimento regional. Neste caso a expressão desenvolvimento local e endógeno seriam sinônimas.
O desenvolvimento endógeno
obedece a uma visão territorial (e não
funcional) dos processos de crescimento e mudança estrutural, que
parte de uma hipótese de que o território não é apenas um mero suporte
físico dos objetos, atividades e processos econômicos, mas também que
é um agente de transformação territorial, segundo Agnew & Ducan
(1989), Giddens (1991) e Albagli
(1999) apud Lastres e Cassiolato
(2000).
Por seu turno Barquero (2002)
considera que os processos de desenvolvimento endógeno ocorrem
graças à utilização produtiva do
potencial de desenvolvimento possibilitado quando as instituições e
mecanismos de regulação do território funcionam eficientemente. A
forma de organização da produção,
a estrutura familiar, a estrutura social e cultural e os códigos de conduta da população condicionam os
processos de desenvolvimento favorecendo ou limitando a dinâmica
econômica e, em definitivo, determinam o rumo específico do desenvolvimento das cidades e das regiões.
O desenvolvimento endógeno é
um processo que passa por diversas
fases, Baquero (1999) e Malé (2001),
identificam três dimensões importantes desse processo: a primeira de
caráter econômico, que permite aos
empresários e agentes econômicos
locais usar eficientemente os fatores
produtivos e alcançar os níveis de
produtividade que lhes permitem ser
competitivos nos mercados; a segunda, de cunho sociocultural, na qual
os atores econômicos e sociais se integram com as instituições locais formando um sistema denso de relações que incorporam os valores da
sociedade no processo de desenvolvimento local endógeno; e, a terceira
e última, de caráter político, que ins-
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
trumentaliza, mediante as iniciativas locais, permitindo criar um entorno local que estimule a produção
e favoreça o desenvolvimento.
É importante observar que o aumento da eficiência do sistema de
produção nas regiões, não é uma
condição suficiente para que se satisfaçam melhor as necessidades elementares da população local, inclusive observa-se que a degradação
das condições da vida de algumas
populações é conseqüência da introdução de técnicas mais avançadas
(FURTADO 1979).
Isto decorre da própria natureza
concentradora do sistema capitalista. Como Nurkse (1957) afirmava,
nos países pobres as próprias forças do mercado perpetuam a pobreza, dado que, para sair dela, são necessários investimentos para aumentar a produtividade. Nurkse admite que a dificuldade desta situação é fruto não somente da escassa
poupança dos pobres, mas, também,
pela falta de incentivo e benefícios
para a construção de indústrias de
alta produtividade, uma vez que o
mercado local existente é demasiado
pequeno. Complementando Nurkse
destacaríamos também a necessidade de substanciais investimentos na
educação básica e tecnológica, destinada fundamentalmente para as camadas mais pobres da população,
único caminho viável para a promoção da desconcentração da renda.
A inexistência de poupança local constitui realmente um entrave
para qualquer estratégia de desenvolvimento que se objetive. Este parece ser um fato pouco considerado
pelos adeptos do desenvolvimento
local. Vale lembrar que os exemplos
citados: distritos industriais marshalianos, Vale do Silício e experiência
espanhola, que geraram toda a euforia em torno do paradigma da especialização flexível e do desenvolvimento local, não possuem identificação com a realidade brasileira.
O que ocorreu no Vale do Silício foi
19
Aqui também se reflete a dificuldade dos economistas em lidar com o espaço e os desencontros
conceituais entre a economia regional e a urbana.
20
Entendemos que estas expressões representam estratégias de políticas públicas, não constituindo,
de per si, teorias. Estão, de modo geral, integradas à teoria do desenvolvimento econômico com
base keynesiana ou neo-schumpeteriana.
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um fenômeno que Hirschman (1958)
definiria como forward effects a partir da massa crítica de conhecimentos gerados pela vizinha Universidade Stanford e outras similares no
estado mais rico do país mais rico e
avançado tecnologicamente do mundo. Os distritos industriais italianos
constituem um fenômeno estruturalmente histórico (de uma região onde,
segundo vários estudiosos do assunto, a solidariedade é uma característica política formada ao longo de séculos, daí ser também conhecida
como Itália Vermelha pelo predomínio do partido comunista italiano na
administração comunal o que, aliás,
fez com que a região fosse excluída
dos benefícios do Plano Marshall
para a Europa) e, sobretudo, um produto da cultura mediterrânea, algo
peculiar, sui generis, e intransmissível.. Já o ocorrido na Espanha deveu-se principalmente ao estímulo
decorrente da injeção maciça de recursos não exigíveis pela União Européia através do Programa Leader.
Diante do exposto e segundo um
enfoque pessimista, porém realista,
existe uma ilusão desenvolvimentista que esquece o quadro econômico predominante, (que sempre foi e
continua sendo cada vez mais acentuado com o processo de globalização), baseado em trocas desiguais entre os países, estados ou regiões industrializados (ou primeiro
mundo) e os países, estados ou regiões periféricos e semiperiféricos (ditos emergentes ou subdesenvolvidos) (ARRIGHI, 1997) o que, segundo Walerstein (1998), é essencial
para a estabilidade da economia capitalista mundial.
Desta forma, pode-se identificar,
a nível internacional, os países do
Norte e os países do Sul; a nível nacional (Brasil), o Sudeste e o Nordeste;
e, a nível baiano, o Litoral e o Interior
sendo que, os primeiros estão sempre se apropriando de uma parcela
desproporcional dos benefícios da
divisão internacional do trabalho,
enquanto que os segundos colhem
apenas os benefícios que são necessários para conservá-los na relação
de troca desigual (ARRIGHI, 1997).
O termo periferia descreve uma
situação geral, mas que tem sentido
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estrito, decorrente do desenvolvimento desigual da economia capitalista. O argumento chave do desenvolvimento desigual, de acordo com
as teorias desenvolvidas por Myrdal
(1957) e Hirschman (1958) deve-se
ao fato de que as forças econômicas
de atração e repulsão atuam no espaço, de forma desequilibrada, através de um processo circular cumulativo. Uma vez que as forças de atração favoreçam uma região, em detrimento de outra, estabelece-se um
processo de concentração de fatores
de produção de bens no espaço – o
centro –, cujas relações de troca com
a região desfavorecida – a periferia
– reproduzem a dinâmica centroperiferia.
O fator escala da produção aglomerada, ao nível do território, é o fator
chave desta dinâmica, pois cria retornos crescentes localizados. Mesmo
que a teoria vislumbre uma eventual
reversão deste movimento de polarização espacial, favorecendo a atração de fatores e de produção de bens
nas regiões periféricas, nada indica
uma convergência inter-regional do
nível de desenvolvimento. Ao contrário, a dinâmica de reversão da polarização é geograficamente restrita a
localidades próximas ao centro, caracterizando o que Richardson (1975)
denominou de “dispersão concentrada”.
Conclusão
Diante do exposto, fica claro que,
se por um lado, existem aqueles que
defendem a inexistência de espaço
para o surgimento espontâneo dos
processos de desenvolvimento das
cidades, regiões e países periféricos,
outros sustentam que, em determinadas condições, seriam possíveis
formas específicas de desenvolvimento dependente, mesmo que não
seja generalizada para toda a periferia.
Para Schumpeter (1963), o desenvolvimento não é um fenômeno que
possa ser explicado economicamente. O processo de inovação assume,
em sua visão, um caráter dinâmico,
marcado pela reprodução de conhecimentos de indivíduos e agentes
coletivos. O conceito de sistema de
inovação emerge dessa percepção da
importância de elementos como a
interação e a cooperação de atores.
Como a economia é afetada pelas
mudanças do mundo que a rodeia,
as causas e a explicação do desenvolvimento devem ser buscadas,
também, fora dos estudos da teoria
econômica. Para Barquero (2002) um
dos pilares da política de desenvolvimento local são aquelas iniciativas que favorecem a difusão das inovações no tecido produtivo da localidade ou do território e a melhoria
de qualificação dos recursos humanos por meio da adequação da oferta de capacitação às necessidades
dos diferentes sistemas produtivos
locais.
A diferença entre aglomerações
produtivas (baseadas em externalidades marshalianas) e inovativas
(baseadas em externalidades schumpeterianas) é, principalmente, a capacidade de criação de um ambiente inovativo, caracterizado pelo
engajamento das pessoas de boa
qualificação nas causas de inovação
e design, as trocas entre fornecedores e usuários e seus efeitos de encadeamento, a presença de programas
de qualificação seja de pessoal, seja
das atividades técnicas e produtivas
e, principalmente, a cooperação entre os atores envolvidos, seja entre
firmas competidores ou entre usuários e produtores.
Assim, é relevante a formação de
centros regionais de atividade econômicas (ou aglomerações geográficas de empresas) para a ocorrência
de inovações (RESENDE, 2003). Essa
aglomeração geográfica estaria na
base de ganhos de produtividade na
atividade de pesquisa que visa inovações e que assegura crescentes
economias de escala (KRUGMAN,
1991), estimulando o investimento.
As aglomerações geográficas de atividades econômicas propiciam ganhos de produtividade, favorecem a
produção de pesquisas que, por seu
“
... desenvolvimento
não é um fenômeno que
possa ser explicado
economicamente...
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
”
95
“
Os programas em
execução foram
conceitualmente
influenciados pela
experiência aglomerativa
dos distritos industriais
italianos e do Vale
do Silício...
”
turno, podem ter êxito na geração de
inovações. Havendo maior produção de pesquisa, a probabilidade de
ocorrerem inovações aumenta. Por
fim, este modelo expressa a existência de um ciclo virtuoso de crescimento: cada inovação que ocorre em
determinada região estimula o aumento da renda nessa região. Conforme Krugman (1991), assumindo
retornos crescentes de escala o aumento da renda estimula o investimento que, segundo Porter (1990), se
expressa no incremento da aglomeração geográfica.
No Brasil, a partir da década de
1990, realizam-se programas de desenvolvimento local sob a liderança
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) com a ativa participação de
outros organismos de fomento regional federais e estaduais.21
Os programas em execução foram
conceitualmente influenciados pela
experiência aglomerativa dos distritos industriais italianos e do Vale do
Silício, na Califórnia, no âmbito do
paradigma da especialização flexível. No país é vasta e diversificada a
produção teórica sobre este assunto, sobretudo na área acadêmica,
onde se destaca a contribuição do
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/
UFRJ) que vem, há muitos anos, com
o apoio de organismos internacionais, desenvolvendo projetos de pesquisa na área da inovação. O IE/
UFRJ opera a Rede de Pesquisa em
Sistemas Produtivos e Inovativos
Locais (RedeSist) interdisciplinar,
96
com a participação de várias universidades e institutos de pesquisa do
Brasil e do exterior.
Um dos primeiros conceitos relacionados com aglomerações empresarias, surgidos no país, foi o de
cluster. Segundo define a RedeSist
este termo associa-se à tradição
anglo-americana e, genericamente,
refere-se a aglomerados de empresas, desenvolvendo atividades similares. Ao longo do tempo o conceito
ganhou nuances de interpretação
sendo bastante utilizado no país,
notadamente pelo apelo que representa para os nativos as expressões
na língua inglesa. Posteriormente
surgiu o conceito de arranjos produtivos locais, conhecidos pela sigla
APL, uma versão brasileira 22 . Em
2003 a RedeSist assim o definia: são
aglomerações territoriais de agentes
econômicos, políticos e sociais - com
foco em um conjunto específico de
atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a interação de empresas
- que podem ser desde produtoras de
bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos,
prestadoras de consultoria e serviços,
comercializadoras, clientes, entre
outros - e suas variadas formas de
representação e associação. Incluem
também diversas outras instituições
públicas e privadas voltadas para:
formação e capacitação de recursos
humanos, como escolas técnicas e
universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento. O argumento
básico do enfoque conceitual e analítico adotado pela RedeSist era que:
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
...onde houver produção de qualquer bem ou serviço haverá sempre um arranjo em torno da mesma23, envolvendo atividades e atores relacionados à aquisição de
matérias-primas, máquinas e demais insumos, além de outros. Tais
arranjos variarão desde aqueles
mais rudimentares àqueles mais
complexos e articulados (sistemas). A formação de arranjos e
sistemas produtivos locais encontra-se geralmente associada a trajetórias históricas de construção de
identidades e de formação de vínculos territoriais (regionais e locais), a partir de uma base social,
cultural, política e econômica comum. Sistemas são mais propícios a desenvolverem-se em ambientes favoráveis à interação, cooperação e confiança entre os atores.
A ação de políticas, tanto públicas como privadas, pode contribuir para fomentar e estimular (e
até mesmo destroçar)24 tais processos históricos de longo prazo.
(REDESIST, 2005).
Já em 2004, fruto da evolução dos
estudos, surge o conceito dos Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos
Locais (ASPILS). Segundo a RedeSist
constitui esta uma abordagem mais
adequada, pois nos ASPILs, geralmente verificam-se processos de geração, compartilhamento e socialização de conhecimentos, por parte de empresas, organizações e indivíduos.
Particularmente de conhecimentos tácitos, ou seja, aqueles que não estão
codificados, mas que estão implícitos e incorporados em indivíduos, organizações e até regiões. O conhecimento tácito apresenta forte especificidade local, decorrendo da proximidade territorial e/ou de identidades
culturais, sociais e empresariais, tornando-se elemento de vantagem competitiva de quem o detém (REDESIST,
2004). A partir desse momento os
APLS passam a ser considerados no
glosário da RedeSist apenas como casos fragmentados e que não apresentam
significativa articulação entre os atores.
O fato é que, como não existe uma
padronização de linguagem entre os
pesquisadores e instituições dedicadas ao assunto, os termos cluster,
APL e ASPILS, são usados como sinônimos.
Na tradição luso-brasileira de
solução dos problemas por decreto,
21
Os programa de fomento às micro, pequenas e médias empresas no Brasil datam da década de
1960 porém utilizando metodologias e enfoques diferentes.
22
Emocional e patrioticamente defendida em documento do BNDES [2004?].
23
Esta interpretação ajusta-se como uma luva aos projetos de fomento as APLs nas regiões menos
desenvolvidas do país. O grifo é nosso.
24
Uma marca típica da corrente neo-schumpeteriana que domina esta área.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ou seja, formalmente no papel, existe, muito entusiasmo em torno de
projetos desta natureza e sob este
escopo. A exemplo do que já ocorreu
com outros termos (pólo, por exemplo) estas são as “palavras totêmicas” da vez. E todos administradores de projetos, notadamente no setor público, correm atrás dos seus
clusters, apls, aspils, sem importarem-se muito com os fundamentos
teóricos da questão. Aspectos culturais, sociológicos, tecnológicos etc.
são ignorados e numa perspectiva
orwerliana reescreve-se a história ajustando a realidade à necessidade
midiática e política dos protagonistas, sem qualquer consideração pela
fragilidade, inadequação e até a
inexistência dos atores principais.
Porém, quando efetivamente existem25, os sistemas produtivos locais
têm se mostrado, com disposição
especial para introduzir e adotar
inovações e, sobretudo, adaptar as
tecnologias mediante pequenas mudanças e transformações que permitem às empresas melhorar sua posição competitiva nos mercados As
externalidades que surgem dos sistemas locais de empresas podem gerar rendimentos crescentes e resultar, assim, no crescimento da economia territorial. Além do mais, quando a tecnologia disponível permite
às empresas especializar-se em partes do processo produtivo, proporcionam vantagens competitivas às
empresas locais nos mercados nacionais e internacionais.
O principal condicionante territorial para o surgimento de sistemas
produtivos locais é a capacidade de
atração de atividades correlatas e
complementares, capazes de estabelecerem uma cadeia produtiva localizada, de tal forma que o poder de
indução intersetorial seja internalizado na aglomeração.
Em outro nível encontram-se as
chamadas aglomerações produtivas informais, que são compostas, geralmente, por micros e pequenas empresas, cujo grau tecnológico é baixo em
relação à fronteira da indústria e cuja
capacidade de gestão é precária. A
força de trabalho possui baixa qualificação, sem sistema contínuo de
aprendizado. As dificuldades de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
verticalização intersetorial local podem resultar em sistemas produtivos
que são um aglomerado de empresas
mono-produto, com baixo nível de
troca intra-arranjo. Ou seja, a fonte
mais tangível de externalidades localizadas é comprometida pelo baixo desenvolvimento da cadeia local.
No entanto, é possível reproduzir
cadeias relativamente completas em
localidades periféricas, que se beneficiam de externalidades “perrouxianas”, desde que puxadas por um
centro industrial nacional ou regional de grande porte, capaz de adensar o espaço regional. O desenvolvimento da divisão intra-regional do
trabalho possibilita, neste caso, uma
especialização local em atividades
industriais tradicionais e a internalização substantiva da cadeia produtiva, inclusive os segmentos de
máquinas e equipamentos. Assim, o
poder de indução intersetorial é
potencializado e o mercado de trabalho é capaz de acumular, ao longo do
tempo, capacitações específicas, não
reproduzíveis em outras localidades.
De toda a discussão o fato irrefutável é que todos os esforços para
a promoção do desenvolvimento são
indispensáveis, sobretudo porque a
cada dia se agrava mais o quadro de
estagnação econômica e da deterioração das condições sociais de vastas regiões da periferia capitalista
nesse contexto de globalização. O
grande desafio consiste em pensar o
desenvolvimento levando em consideração abordagens realmente eficazes e ajustadas às nossas peculiaridades culturais.
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RICHARDSON, Harry W. Economia Regional Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO
MESTRADO
EM ANÁLISE
REGIONAL
1. Desenvolvimento Regional
2. Desenvolvimento Urbano
3. Turismo e Meio Ambiente
OBJETIVOS
1. Adequar a formação dos profissionais à demanda de um mercado de
trabalho em que é mais intensa a renovação do conhecimento científico
e tecnológico.
2. Desenvolver a capacidade do profissional para apropriar-se de novos
conhecimentos.
3. Desenvolver a capacidade destes profissionais para contribuir em uma
solução de problemas sócio-econômicos organizacionais locais, regionais e nacionais.
4. Formar e atualizar professores, capacitando-os para o desempenho qualificado do ensino de graduação e pós-graduação.
www.unifacs.br
[email protected]
Tel.: (71) 3273-8528
MESTRADO
RECOMENDADO
PELA CAPES
98
5. Formar uma massa crítica capaz de desenvolver trabalhos científicos
que contribuam para o desenvolvimento local, regional e nacional.
6. Desenvolver a integração Universidade/Empresa incentivando a realização da pesquisa aplicada.
7. Promover o aprimoramento do processo ensino/aprendizagem através
do incentivo à realização de pesquisas institucionais e o aperfeiçoamento do ensino de graduação.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ISABELLE STENGERS, A INVENÇÃO DAS CIÊNCIAS MODERNAS, SÃO
PAULO, EDITORA 34, 2002.
Fernando Pedrão
A autora tem um notável currículo como filósofa associada a literatura científica de ponta, dentre outros antecedentes, por ter partilhado com Ilya Prigogine dois livros famosos, A nova aliança (Unb, 1997) e
Entre o tempo e a eternidade (Companhia das Letras, 1992). É dona de um
pensamento instigante, que sobressai da continuidade das reflexões
sobre a ciência. Este livro é uma contribuição indiscutível a um debate
que esteve preso, por muito tempo,
ao prestígio de alguns pensadores
que fizeram escola, tais como Karl
Popper, Imre Lakatos e Paul Feyerabend. Reveste de grande valor para
todos que pensamos em termos das
inter-relações entre as ciências sociais e as ciências da natureza.
Um dos diversos modos possíveis de resumir este livro tão perspicaz e abrangente pode ser afirmar
que na polêmica atual da ciência não
há nada mais moderno que Galileu.
A autora reproduz o modo galileano
de trabalhar (GEYMONAT, 1997) na
construção temática do livro, que
parte de um mapeamento dos deslocamentos da atividade científica e de
traçar as contradições provindas de
práticas não científicas, para tirar o
gesso que encobre os muros de pedra da ciência, enquanto prática
qualificada e enquanto representação ideológica. Na realidade, há requisitos, que ela mesma invoca adiante, de que a singularidade da ciência está ligada a sua capacidade
de síntese e universalidade. O fato
de que Galileu tenha feito afirmações, que ser tomadas como metafísica, decorre de que ele tenha sido caRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
paz de alcançar universalidade com
observações derivadas de seu método. O essencial é que essa observação reflete algo essencial à ciência.
Em muitos aspectos, este é um livro que faltava, para recompor uma
visão de conjunto, exorcizadora dos
modismos e das tentativas de subordinar a ciência a projetos de poder.
Nessa perspectiva, vê-se que, mesmo homens como Bruno e Bacon,
que foram moldados e vítimas de
sua própria prática política, reaparecem iluminados pela independência interna de seu trabalho frente ao
Poder.
Não há como ter ilusões! O poder
persuasivo do poder organizado é
brutal e é sutil e permeia ideologicamente a ciência, através da atração
dos cientistas. A vertente antropológica saxônica e o controle burocrático das prioridades da ciência caminham na mesma direção. No entanto, a ciência está além dos reducionismos, porque não se restringe às
condições dos cientistas individuais, isto é, carrega algo próprio, que
faz com que o paradigma – no sentido que lhe foi dado por Thomas
Kuhn (1972) – esteja além das circunstâncias, porque carrega o peso
do acontecido (pp.63). A dita “ciência normal” será, dentre outras coisas, a ciência de um “período normal” que não foi abalado por rupturas reais no fluxo do pensamento
científico. Entendo que isso nos autoriza a pensar que a ciência posterior ao aparecimento da Física Quântica teria que prosseguir como “não
normal”, já que se vale de observações que rompem com os padrões de
ordem que sustentaram sua trajetória anterior.
Stengers detém-se longamente –
excessivamente a meu ver – em refazer o caminho da argumentação de
Popper e Lakatos, deixando ver as
implicações de irracionalidade de
uma teoria do conhecimento inspirada em justificar Einstein frente a
Poincaré, que ficou, por isso, exposta, frente a uma proposta de ciência
que se coloca antes ou acima dos
acidentes do trabalho científico.
Neopositivistas como Carnap e
Nagel não correriam esse risco! No
entanto, a questão que nos aflige não
se resume a nossa possibilidade de
decifrar os elementos de divergência que brotam das polêmicas entre
os cientistas. Lembraremos que
Heisenberg colocava a questão da
incerteza em relação com a problemática de uma compreensão de totalidade, depois explorada por
Bohm, em que o significado da parte
depende do significado do todo do
qual ela é parte.
Ao passar a enfrentar a tarefa de
construir e não só de criticar, segundo a própria Stengers (pp.75), descobre-se que há uma carência, que
se repete nas ciências sociais, de
afrontar o fundamento histórico da
questão científica. Se a ciência pode
tratar com fenômenos que não podem ser definidos como históricos,
ela própria é histórica.
Sem essa qualificação, surge uma
diferenciação entre o trabalho apodado de “normal” e o não normal, que
tem diversas feições, tal como entre
especialistas e generalistas, ou – diremos – entre criativos e repetidores.
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
99
Stengers volta-se para a Sociologia,
que será a ciência mais representativa desse embate, porque é a que melhor pode situar historicamente a
ciência.
A sociologia da ciência configura-se como o oposto inevitável da
concepção de tecnociência, que se
voltará para a mecânica da tarefa
científica. Diremos que a sociologia
da ciência é a garantia da historicidade da ciência. A noção de tecnociência projeta a imagem de uma ciência presa à norma, mais perto do
entendimento kantiano daquilo já
ocorrido que de uma faculdade criativa da razão. Stengers deixa passar
juízos ácidos da tecnociência, com
sua preferência indisfarçável por
uma ciência útil, mais atenta aos
projetos de poder que aos programas
de pesquisa. Stengers recupera a singularidade do trabalho científico, ao
mesmo tempo colocando-o como um
elemento de um coletivo: se Beethoven morresse jovem ninguém faria
suas sinfonias, mas se Einstein morresse jovem alguém trilharia seu caminho. No entanto, ela mesma matiza esse pensamento: se Carnot não
existisse, a termodinâmica não seria o que é.
Singularidade não é uniformidade. Stengers invoca a pluralidade de
línguas dos cientistas para definir o
problema de linguagem da ciência,
que desborda o reducionismo da
epistemologia, sempre em busca um
100
método científico acima de qualquer
ciência. As diversas ciências falam
diferentes linguagens, que, entretanto, se comunicam no plano de historicidade em que estão inseridas. Diremos que se encontra aí uma questão residual, perante a qual os instrumentos da teoria das ciências se
revelam insuficientes. Talvez simplesmente porque a percepção da
incerteza ainda não penetrou completamente na consciência social da
ciência. Parece-nos que será justamente da junção das ciências sociais com as ciências da natureza – tal
como ela é operada por Edgar Morin
– que pode haver um encaminhamento aceitável para tratar desse
problema. No mundo da incerteza a
ordem e a desordem são duas expressões de um ambiente carregado
daquela imprevisibilidade dos sistemas que se reproduzem longe do
equilíbrio.
Estamos aqui diante de outro
conflito da ciência, entre aquela razão que busca o bem e aquela outra
que regula os arranjos da vida social. A referência aos gregos é inevitável, bem como à distinção entre
Aristóteles e os sofistas. Nossa autora desloca-se para o campo da polêmica entre o que é racional e o que
é político, com uma referência ao trabalho de Bárbara Cassin (1999) com
sua revisão da crítica sofística do
logos, e situando historicamente a
racionalidade. Stengers encontra-se
Ano VIII • Nº 14 • Julho de 2006 • Salvador, BA
com a concepção de práxis como
composição dos diversos trabalhos,
que costura a ciência com o cotidiano. A singularidade da ciência encontra-se com a necessidade de recompor a relação entre sujeito e objeto com a concretização do ser social através da ficção matemática.
A observação sintética, final, destas notas é que a invenção das ciências modernas não quer dizer que
elas já foram inventadas, senão que
se trata de um processo de inventar
as ciências que se enriquece com as
dúvidas e contradições que surgem
no seio delas.
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MARICATO, E. (ORG). A CIDADE DO PENSAMENTO ÚNICO.
PETRÓPOLIS: VOZES, 2000, (11-73P.)
Lidia Santana1
O texto da filósofa Otília Arantes
compreende uma análise crítica dos
processos ideológicos que presidem
aos movimentos de globalização em
sua relação com o planejamento de
cidades, tema amplamente explorado pela produção acadêmica no Brasil desde os anos 90. A erudição e a
fluência argumentativa da autora
sustentam um discurso competente
que desfaz, de modo implacável, perspectivas construtivas que se possa ter
diante de um mundo subsumido ao
capital.
Dois eixos centrais se entrecruzam e se reforçam mutuamente no
texto de Arantes: o primeiro se relaciona à identidade de substância do
projeto moderno das vanguardas
arquitetônicas com a modernização
capitalista, daí a continuidade no
pós-modernismo com “o formalismo
do ciclo anterior”, em que os movimentos nesse plano resultariam de
“reviravoltas niveladoras” tributárias da hegemonia global; o segundo centra-se na “mercadorização”
da cidade através de “abordagens
culturalistas” e políticas de imagemaking assimiladas nos projetos urbanos, com a conseqüente transformação da cidade em “mercadoria
total” em que os variados encaminhamentos arquitetônicos e urbanísticos desde o modernismo não passariam de representações ideológicas das estratégias de dominação.
Partindo daí, a autora deslinda a
“estratégia fatal” em torno da construção de um “pensamento único
das cidades”, forjado pela simbiose
entre “o interesse econômico da cultura e as alegações culturais do comando econômico” (p.67). Nessa
direção, busca o “encadeamento objetivo” do chamado “culturalismo
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
empresarial” encarnado não apenas
na ideologia dos planos estratégicos
cuja matriz norte-americana teria se
generalizado, mas, também, assimilado nos movimentos do urbanismo
contemporâneo, e nos “Grandes
Projetos” realizados mundo afora
(p. 47-8).
O foco não se restringe, portanto,
aos enclaves das metrópoles periféricas, ou às cidades genéricas e sem
identidade dos EUA, as edge cities,
locais de reprodução de tipologias
urbanas e arquitetônicas que respondem às necessidades de comando da
economia global, e em que se opera
a negociação das condições materiais e simbólicas do capitalismo
avançado. Trata-se de uma generalização quanto às intervenções urbanas que envolvem cidades européias como Paris, Lisboa, Barcelona,
Londres e Berlim, e cidades dos Estados Unidos, especialmente Baltimore, tida como matriz da tournant
cultural do capitalismo avançado.
Segundo a autora, as políticas de
ocupação do território urbano sob a
globalização determinam de modo
generalizado a transfiguração do espaço em “cidade-negócio” capitaneada pelo “culturalsimo de mercado”,
ou seja, uma verdadeira “máquina de
produzir riquezas” conforme Molotch
e Logan (1976) precocemente diagnosticaram. Nesse processo, a adesão
da população em torno dos “famigerados” projetos de requalificação/
revitalização urbana, então associados aos processos de gentrificação,
expressaria o poder da “máquina ideológica” mediante expedientes do
tipo “consensos cívicos” ou “coalizões urbanas pró-crescimento”.
1
Arquitetos e urbanistas se incluiriam entre “o séqüito de coadjuvantes” dessas coalizões e desempenhariam papel de “operadores-chave”
da “máquina urbana de crescimento” no comando da criação da cidade-espetáculo; teóricos, como Fredric
Jameson e Jürgen Habermas, para
não falar dos catalães diretamente
envolvidos com o planejamento estratégico de cidades, restariam seduzidos, cada um a seu modo, ao espectro de uma esquerda naturalmente assimilada ao cultural turn.
A análise sobre a continuidade
entre modernismo e pós-modernismo no urbano mostra que a utopia
modernista se esfuma na racionalidade funcionalista da linha de montagem fordista, do mesmo modo que
as manifestações arquitetônicas no
pós-moderno se subsumem na “mercadorização integral” da cidade. A
diferença fundamental entre ambos
estaria na ingenuidade dos modernos ao se imaginarem desprendidos
da “dura verdade de sua funcionalidade sistêmica” de origem, enquanto os pós-modernistas não só legitimariam como invocariam a “cidadeempresa” (p.17). Em poucas palavras, poderia se dizer que de Corbusier a Koolhaas, nenhuma ruptura
maior, apenas “a mesma e paradoxal animação urbana”.
Ao relacionar produção arquitetônica e modernização capitalista,
opera a autora uma interpretação
unilateral das análises marxistas
que apresentam a substância do
pós-moderno como a conversão do
capital em totalidade, isto é, como a
realização do moderno, no sentido
oposto ao de ruptura ou mutação do
Arquiteta, MSC em Análise Regional (UNIFACS), doutoranda em arquitetura e urbanismo
(FAUFBA).
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sistema, como insinua o conceito de
‘sociedade pós-industrial’. A sobreposição linear desse pensamento ao
campo do saber ou à esfera cultural
tende a ver continuidade onde impera a diversidade, leva a produzir
uniformizações onde tudo se multiplica. Assim é que, os movimentos
arquitetônicos desde a segunda metade do século se reduzem, na dialética da autora, a uma condição estética homogeneizante, ou à mera representação ideológica da estrutura
econômica.
Sabe-se que o capital sempre foi
indiferente ao mundo concreto e
múltiplo dos valores de uso, e que se
participa desse mundo é na medida
de sua própria valorização. De acordo com Fredric Jameson (1992), no
nível econômico da globalização, a
produção de meios de consumo se
tornou um fenômeno cultural, o que
não significa que o capitalismo tenha se tornado “uma forma cultural
entre outras rivais”, como traduz
Arantes (p.47). Com percepção diversa à postulada pela autora acerca da
dinâmica da relação entre a dimensão econômica e cultural, Jameson
(ibid: 18) refere-se a uma “revolução
cultural na escala do próprio modo
de produção”, compreendendo que
a inter-relação do cultural com o econômico “não é uma via de mão única, mas uma contínua interação recíproca, um círculo de realimentação”.
Jameson (ibid: 31) percebe na ‘lógica cultural do capitalismo avançado’ mudanças substanciais na arquitetura pós-modernista, e releva
sua maior proximidade “entre todas
as artes” com o campo econômico
através da relação da obra com o
valor do solo. Nesses termos, os
grandes investimentos em equipamentos culturais ou em preservação
e restauração não se constituiriam
como afirma a autora, “uma dimensão associada à cultura na condição
de isca ou imagem publicitária”, mas,
os próprios equipamentos e edificações preservadas e restauradas constituiriam, simultaneamente, a dimensão cultural e econômica na estratégia de promoção da cidade.
Ao isolar a componente cultural
do campo das complexas relações de
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causas e efeitos que se estabelecem
entre os processos materiais e ideológicos2, “ao negar o caráter eficiente (e não apenas representativo) e
intelectivo (e não apenas ideológico
ou pulsional) do discurso arquitetônico (...) Otília nos lega um mundo
governado por forças intransponíveis do capital (...)”3. O mundo irremediavelmente obscuro do Urbanismo em fim de linha.
Segundo Maricato (2001:61), o
Planejamento Estratégico (PE) trouxe, ao mesmo tempo, “a perspectiva
de um novo papel político e econômico” para as cidades, diante do
“aumento do desemprego e das demandas sociais, da guerra fiscal e
da diminuição dos recursos públicos nacionais, decorrentes dos cenários internacionais”. Nessas condições, o crescimento da indústria do
turismo propiciado pelo aumento da
mobilidade, da renda e do tempo livre nas últimas décadas 4, tem se
mostrado uma alternativa recorrente nas políticas de desenvolvimento
de países e regiões periféricos na
busca de captação desses fluxos e
sua conversão em divisas e em novos postos de trabalho, diante da
escassez de opções.
O Planejamento Estratégico tem
se destacado como um das alternativas de planejamento urbano após
o descrédito do Plano Diretor centralizador e burocrático, sucedendo os
projetos urbanos concebidos e conduzidos pelo setor privado na década de 1980. Trata-se de um estilo de
planejamento que restabelece, assim,
a relevância do poder público no
desenvolvimento urbano em que,
segundo Borja (1996:98), “o processo participativo é prioritário” para
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sua concretização, que se dá mediante atuações públicas e privadas e
a mobilização e cooperação dos atores sociais urbanos.
Um posicionamento adverso à
formação de parcerias e ao estabelecimento de um ambiente dialógico
entre Estado, mercado e sociedade
civil como o explicitado pela autora,
se contrapõe não apenas aos pressupostos do PE, mas a qualquer projeto propositivo voltado para a promoção de oportunidades locais, neutralizando iniciativas por novas formas de governabilidade urbana a
partir das práticas sociais e espaciais 5.
A ênfase na “pró-colonização
urbano-cultural pelo reino da mercadoria” que norteia o discurso de
Arantes, pode ser vista como um alerta, e mesmo como a lógica que move
segmentos poderosos do capital,
mas, sua materialização não se reduz a uma homogeneidade ideológica nem à universalização de seus
mecanismos e resultados. A ausência desse foco deixa sem explicação
os movimentos mais recentes pelo
direito à cidade, e neutraliza a discussão da crise do sistema neoliberal
na atualidade 6, ao tempo em que
nega a possibilidade de projetos urbanos socialmente necessários, remetendo qualquer perspectiva emancipacionista para além do capital.
O texto de Arantes reporta-se à
positividade discursiva da crise da
análise urbana da década de 1960,
resumida de modo simplificado por
Maricato (ibid: 48), como sendo a
recusa de parte da esquerda intelectualizada em colaborar de modo
propositivo, por considerar a inevitabilidade da manutenção ou repro-
2
“Aos olhos do marxismo vulgar a superestrutura é uma conseqüência mecânica, causal, do desenvolvimento das forças produtivas. O método dialético não reconhece de fato relações desse tipo. A dialética
nega que possa existir em alguma parte do mundo relações de causa-efeito puramente unilaterais; nos
dados reais mais elementares reconhece complexas relações de causas e efeitos”. LUKÁCS (1984).
3
Comentários de GUERRA (2003) sobre o livro da autora intitulado “Urbanismo em fim de linha”,
publicado em 1999.
4
O aumento da renda coloca-se aí de um ponto de vista absoluto no caso dos países periféricos,
reduzindo-se crescentemente de um ponto de vista relacional-sincrônico com relação à renda das
classes e países dominantes.
5
Um exemplo disso seria a inviabilidade de implementação das Operações Urbanas Consorciadas como
previsto no Estatuto da Cidade.
6
Segundo Harvey (2003), a crise do neoliberalismo se coloca como resposta contraditória de suas
próprias sociedades, na tentativa de tornar a cidade cada vez mais livre das amarras políticas e do
capitalismo financeiro. Considera, ainda, que é no plano das relações sociais é nas cidades que as
transformações necessárias podem acontecer.
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dução do staus quo diante da “impossibilidade do planejamento democrático e igualitário”. Esse tema
que se reproduz sob diferentes enunciados, obriga a releitura da obra de
Henri Lefébvre e do conceito de hegemonia e das estruturas que lhe dão
sustentação, na perspectiva de sua
superação para que a emancipação
possa voltar a fazer parte da dinâmica histórica.
Mas, além disso, o texto clama por
uma maior afeição pela arquitetura
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que se torna aos olhos da autora,
apenas um instrumento bastardo de
reprodução da dominação.
Referências
BORJA, Jordi. As cidades e o planejamento estratégico: uma reflexão européia e Latino-Americana. In: FISCHER,
Tânia (org). Gestão contemporânea. Rio
de Janeiro: FGV, 1996.
GUERRA, Abílio. O véu e a mortalha.
2003. Disponível em www.vitruvius.
com.br, acesso em 31/05/2006.
HARVEY, David. The new imperialism.
Oxford: Oxford University Press, 2003.
JAMESON, Fredric. Postmodernism or the
Cultural Logic of Late Capitalism. London:
E & FN Spon, 1992.
LUKÁCS, Georg. Beitrage zur Geschichte der Aesthetik, 1954. Apud PATETA, Luciano. História de la arquitectura: antologia critica. Madrid: Hermann Blume, 1984. p. 26-27.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades.
Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
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