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Editorial
Seguindo o caminho delineado pelas publicações anteriores, o quarto número da revista online NICS
Reports (NR) traz uma seleção de quatro trabalhos publicados por pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de
Comunicação Sonora (NICS). São aqui apresentados três artigos e um capítulo de livro, previamente publicados.
Estes trabalhos abordam a ciência e a arte musical a partir de diferentes contextos e perspectivas, tais como: a
cognição musical, a síntese sonora, o significado musical, a psicoacústica e a emoção musical.
O primeiro artigo trata do processo e prática da "audiação notacional", uma importante estratégia utilizada
por músicos profissionais para o treinamento mental de uma obra musical, mesmo estando distantes de seu
instrumento. O artigo explica o conceito de audiação e detalha os estágios funcionais dessa prática, envolvendo: a
mem-ria sensorial, as mem-rias de curto e longo prazo, e mem-ria de trabalho.
O segundo artigo trata de um trabalho sobre síntese sonora granular e sua utilização em composição
musical contemporânea. Este também apresenta as principais características de notações musicais alternativas,
tais como as partituras gráficas, principalmente aquelas destinadas à música eletroacústica, a sua contribuição à
composição musical auxiliada por computador e a sua utilização em instalações audiovisuais.
O terceiro artigo aborda a temática do significado musical. Utilizando o raciocínio abdutivo, conforme
descrito por C. S. Peirce, o artigo argumenta que esta noção l-gica pode vir a complementar as teorias de cognição
musical que foram originalmente desenvolvidas sobre aspectos exclusivamente psicol-gicos.
Por fim, o quarto trabalho – originalmente publicado na forma de capítulo de livro – trata dos aspectos
perceptuais, cognitivos e afetivos da música. O trabalho explica como tais categorias são definidas, qual a distinção
entre seus aspectos fundamentais e os seus respectivos papéis no que tange o processo de criação, expressão e
apreciação musical.
Esperamos que os trabalhos apresentados no quarto número do NICS Reports (NR) sejam úteis para todos
aqueles que se interessam, pesquisam ou apenas desejam se aprofundar nos estudos interdisciplinares
envolvendo a ciência e a arte musical.
Campinas, julho de 2013
A Equipe Editorial
Índice
Em busca de um modelo de memria
aplicvel audiao notacional..................4
GranScore: a granular synthesis specialized graphic score to electroacoustic and
mixed music at multiple time scales..................16
Significado musical e infer%ncias lgicas a partir da perspectiva do pragmatismo
peirceano..................24
Percepo, Cognio e Afeto Musical..................38
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Em busca de um modelo de memória
aplicável à audiação notacional
Ronaldo da Silva
Instituto de Artes - UNICAMP
[email protected]
Ricardo Goldemberg
Instituto de Artes - UNICAMP
[email protected]
Marcelo Gimenes
NICS -UNICAMP
[email protected]
Resumo
A prática da audiação notacional por músicos profissionais tem-se mostrado uma atividade relevante no estudo da obra musical. Sob o ponto de
vista da cognição musical, esta competência é fruto da atividade de memória, que pode ser melhor compreendida por meio de seus estágios funcionais: memória sensorial, memórias de curto e longo prazo, e memória de
trabalho. Diante de pesquisas que estabelecem a capacidade da memória
de curto prazo (MCP) em reter de 5 a 9 elementos de informação, estudos
recentes sobre a memória de trabalho visual (MTV) têm sugerido que a
capacidade do armazenamento de memória não diz respeito apenas a um
número fixo de elementos a serem levados à MCP, mas que torna importante levar em conta a diversidade e profundidade de informações que estes elementos trazem. O presente artigo apresenta o conhecimento que se
tem a respeito da capacidade da memória de trabalho visual e avalia sua
aplicabilidade frente à prática da audiação notacional, gerando questões
que serão investigadas em um estudo de natureza empírica.
Palavras-chave: audiação notacional, percepção musical, cognição musical
Towards a Memory Model Applicable to Notational Audiation
Abstract:The practice of notational audiation by professional musicians is
an important activity in the study of music. From the viewpoint of music
cognition, specifically, this competence is the result of the activity of the
memory, which can be best understood through its functional stages: sensory memory, short and long-termmemory, and working memory. Con-
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sidering investigations that established the capacity of the short-term
memory (STM) to retain 5-9 pieces of information, recent studies on visual working memory (VWM) have suggested that the capacity of memory
storage is not just about a fixed number of elements but the diversity and
depth of the information contained in these elements. This paper presents
knowledge about the capacity of our visual working memory and assesses
its applicability to the practice of notational audiation, generating questions that will be investigated in an empirical study.
Keywords: notational audiation, music perception, music cognition
1. Introdução
As pesquisas musicais que abordam a questão da memória muitas vezes investigam aspectos relacionados com a performance (Lisboa, Chaffin,
& Begosh, 2010), a memorização musical (Aiello & Williamon, 2002) e o
processo de leitura à primeira vista com o uso do instrumento (Sloboda,
1984). Um aspecto menos discutido, objeto do presente artigo, diz respeito
à leitura mental de uma partitura em que, no entender de Sloboda (1984, p.
222), o objeto da percepção é visual e não auditivo.
Talvez a leitura mental da partitura sem fins de performance imediata
possa ser considerada por alguns estudantes de música como uma atividade
sem sentido diante da urgência de ouvi-la soar através do instrumento. Há,
pelo menos três razões que apontam em sentido contrário a essas afirmações: uma emerge de pesquisas em neurociência, outra da saúde ocupacional e a última baseia-se na prática do estudo do instrumento.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, Sacks (2007, p. 44) sugere
que “as imagens mentais deliberadas são claramente fundamentais para os
músicos profissionais”, afirmação esta sustentada a partir das considerações
efetuadas por Robert Zatorre e por Alvaro Pascual-Leone. O primeiro, depois de realizar estudos utilizando técnicas de neuroimagem, percebeu que
“imaginar música [...] estimula o córtex motor, e, inversamente, imaginar a
ação de tocar música estimula o córtex auditivo” (como citado em Sacks,
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2007, p. 42). Além disso, Pascual-Leone (como citado em Sacks, 2007, p.
43) sugere que:
[...] a prática mental por si só parece ser suficiente para promover a
modulação de circuitos neurais envolvidos nas primeiras etapas do
aprendizado de habilidades motoras. Essa modulação não só resulta em acentuada melhora na execução, mas também parece deixar o
indivíduo em vantagem para aprender a habilidade com menos prática física. A combinação da prática física e mental leva a um aperfeiçoamento da execução mais acentuado do que a prática física sozinha.
De acordo com o ponto de vista da neurociência, a imaginação musical
ativa as regiões cerebrais responsáveis por ações específicas e complementares à prática musical, sendo uma oportunidade de otimização do tempo
de estudo diante do instrumento.
No tocante à saúde ocupacional, para Bortz (2011, p. 6), “o treinamento mental, entre outros benefícios, mostra-se como uma ferramenta de economia de esforços, utilizado anteriormente por músicos brilhantes e por
atletas [...] ferramenta esta que poderia evitar sofrimentos futuros”. Os sofrimentos a que ela se refere são a distonia focal, um distúrbio neurológico
que se caracteriza por movimentos involuntários gerados pelo excesso de
atividade muscular e estresse devido à demanda e cobranças profissionais.
A terceira razão que justifica o estudo mental da obra musical relaciona-se às oportunidades limitadas que o músico tem de estar diante do seu
instrumento a fim de estudá-lo. Silva (2010) destaca o relato de uma percussionista sinfônica que estudava mentalmente as obras a fim de agilizar o
estudo; “não era sempre que eu podia estar na frente de um tímpano”, comenta a musicista. Por outro lado, o estudo mental contribuiria para a criação da interpretação pessoal ao passo que, caso o instrumentista vá diretamente ao instrumento e se depare com suas limitações técnicas, esta seria
prejudicada.
Feitas estas considerações iniciais acerca da prática da leitura mental da
partitura, procuramos localizar modelos teóricos que expliquem o seu fun-
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cionamento sob o ponto de vista de processos cognitivos. A rigor, estudos
experimentais sobre o funcionamento da memória visual no ato da leitura
mental de uma partitura são praticamente inexistentes. Vale destacar, contudo, que o objetivo principal deste artigo é levantar questões iniciais sobre
um modelo de memória aplicável a audiação notacional, preocupando-se
por esclarecer conceitos, revisar a bibliografia específica, e revelar possível
caminho de pesquisa.
2. A Audiação notacional
Quando se fala da leitura mental da partitura, sugere-se que a eficiência
dessa ação esteja condicionada ao nível de compreensão auditiva do conteúdo musical grafado. O pesquisador norte-americano Edwin Gordon, especialista em educação musical nas áreas de Psicologia e Pedagogia Musical,
desenvolveu um termo que carrega em si esse conceito: audiação notacional. Preocupado em desvendar os caminhos da aprendizagem musical,
Gordon (2000) estabelece um paralelo entre o processo de aprendizagem
da linguagem verbal com o aprendizado da música. Segundo ele, haveria
quatro vocabulários que emergem no desenvolvimento natural de uma
criança: de maneira geral, primeiro se ouve (audição), em seguida aprendese a falar, após desenvolve-se a leitura, e por fim a escrita. Como uma maneira ideal para que seja operada a aprendizagem musical, Gordon (2000)
também nomeia quatro vocabulários específicos: audiação, performance,
leitura e escrita musical.
De acordo com a teoria desenvolvida por Gordon, “a linguagem (de
maneira verbal) e a música (de maneira sonora) são resultados da necessidade de comunicação. A fala e a performance são a maneira de se comunicar. E o que se comunica? O que está no pensamento” (Silva, 2010, p. 30).
Dessa forma “a audiação é para a música o que o pensamento é para a linguagem” (Gordon, 1999, p. 42). O autor acrescenta:
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Se você é capaz de ouvir um som musical e de dar um significado
sintático ao que você vê na notação musical antes mesmo de você
tocá-la, antes que alguém a toque ou, antes mesmo de você escrevêla, então você está procedendo a audiação notacional. (Gordon,
1999, p. 42)
Dessa forma, o estudo mental da partitura implica no processo da audiação notacional, que por sua vez é a emanação do “pensamento musical
inteligente” do leitor (Goldemberg, 1995, p. 2), sendo que nesse caso os
elementos musicais presentes na mente de quem “audia” são acionados por
meio da percepção visual. Mas a percepção visual é apenas uma força catalizadora para despertar imagens sonoras que foram anteriormente armazenadas com o auxílio da percepção auditiva. A fim de compreender esse processo, é importante analisar brevemente alguns aspectos sobre o funcionamento da memória.
3. A memória
Segundo Baddeley, Eysenck et al (2010, p. 9), “a memória não é um órgão único como o coração ou o fígado, mas uma aliança de sistemas que
trabalham juntos, permitindo-nos aprender com o passado e predizer o
futuro”. Para Davidoff (2001, p. 205), o termo memória, num sentido amplo, diz respeito a vários “processos e estruturas envolvidos no armazenamento e recuperação de experiências”. De acordo com Sternberg (2008, p.
156), a realização desse processo abrange “mecanismos dinâmicos associados com armazenagem, retenção e acesso à informação sobre a experiência
passada”.
Do ponto de vista estrutural, o processamento da memória é realizado
por inúmeras partes do cérebro. Segundo Miller (1956, p. 22), a “região
medial temporal é importante por formar, organizar, consolidar e recuperar
a memória, áreas do córtex são importantes para o armazenamento a longo
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prazo de conhecimento sobre fatos e eventos e como esse conhecimento é
usado em situações cotidianas”.
3.1. Tipos de memória
Baddeley, Eysenck e Anderson (2010, p. 6) esclarecem que, para fins
de compreensão do processo funcional, a memória pode ser classificada em
diferentes tipos, como a memória sensorial, a memória de curto prazo e a
memória de longo prazo: “nós distinguimos entre tipos de memórias como
um meio de organizar e estruturar nosso conhecimento sobre a memória
humana”.
3.1.1 Memória sensorial
O ambiente externo pode gerar estímulos que ingressam à consciência
via percepção tátil, olfativa, gustativa, auditiva (ecóica) e visual (icônica).
Todas elas possuem esquemas particulares de funcionamento, especialmente com respeito às estruturas de captação desses estímulos. No entanto,
a brevidade da permanência das informações retidas por essas vias de acesso têm-se mostrado como característica comum a todas elas. Por exemplo,
segundo Snyder (2000), as informações presentes na memória ecóica podem se perder após 3 a 5 segundos.
3.1.2 Memória de curto prazo
A memória de curto prazo (MCP) é o segundo sistema da memória
em que as informações são temporariamente armazenadas (Kalat, 1999).
De acordo com Davidoff (2001), seria o centro da consciência. Snyder
(2000) refere-se a ela como uma memória imediata, mas menos permanente, pois se as informações não forem repetidas elas se perdem após alguns
segundos (média de 3 a 5 segundos).
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George A. Miller, psicólogo e pesquisador norte-americano, publicou
em 1956 na revista Psychology Review o artigo intitulado The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information em que, após revisar inúmeros trabalhos sobre as limitações da memória
humana em receber, processar e relembrar informações, conclui seus apontamentos sugerindo que a memória imediata (MCP) possui uma capacidade de armazenagem de informações de 7, mais ou menos dois elementos.
Isto significa que além da capacidade temporal da MCP, há uma limitação
do número de informação que ela pode processar. Sternberg (2008, p. 164)
explica que “uma informação pode ser algo simples, como um dígito, ou
algo mais complexo, como uma palavra”. Mesmo sendo sequencias de dígitos ou combinações de dígitos formando-se em palavras ou grupos numéricos, somente seria possível retê-los na MCP se somarem entre 5 a 9 itens ou
blocos de informação (chunk).
Conforme Miller (1956, p. 10) observou, “uma vez que a extensão da
memória apresenta um número fixo de blocos (chunks), podemos ampliar o
número de dígitos de informação que eles contêm simplesmente através da
construção de blocos cada vez maiores, cada bloco contendo mais informações do que antes”.
Este modelo teórico proposto por Miller (1956) tem sido aplicado à
compreensão da MCP diante da manifestação musical. Snyder (2000, p.
31) ressaltou a grande complexidade do sistema auditivo em identificar
fonemas, palavras, sentenças, melodias, ritmos e frases, mesmo sendo localizadas com frequências e tempos diferentes. Se não fosse essa capacidade
cognitiva de formar agrupamentos sonoros e estabelecer seus conjuntos de
limites, ouviríamos um som único, sendo a soma da paisagem sonora de um
determinado momento.
Os limites dos agrupamentos melódicos, segundo Snyder (2000, p.
37) “são estabelecidos pelas mudanças da distância das alturas relativas
(intervalo), direção do movimento, ou ambas, enquanto que os limites dos
agrupamentos rítmicos são estabelecidos pelas mudanças no intervalo de
tempo entre os eventos e os acentos”.
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Os blocos de informações armazenados pela MCP precisam continuamente ser reforçados na consciência, para que não caiam no “abismo insondável do esquecimento”, nas palavras de James (1931). Dessa forma, a
informação que não for perdida será conduzida à memória de longo prazo
(MLP).
3.1.3 Memória de longo prazo
A memória de longo prazo é indispensável no dia-a-dia das pessoas.
Nomes de ruas, compromissos, experiências vividas, conceitos, tudo o que
lembramos ou lembraremos um dia está ou estará inserida na MLP. Os
eventos que acontecem além de 3 a 5 segundos não podem ser relacionados
imediatamente, mas somente por meio de uma ação mental retrospectiva,
isto é, por meio da lembrança. Snyder (2000, p. 69) observa que “nossa
memória de longo prazo necessita ser inconsciente: se nela estivesse toda na
nossa consciência, não haveria espaço para o presente”.
No entanto, se as informações “arquivadas” na MLP não pudessem ser
recuperadas e trazidas de volta à consciência, seriam como as que foram
perdidas pela falta de reforço na MCP. Por isso, Sternberg (2008) compreende a memória de trabalho como um modelo integrador.
3.1.4. Memória de trabalho
O termo memória de trabalho foi utilizado pela primeira vez por Richard Atkinson e Richard Shiffrin, em 1968, para sustentar o pressuposto da
existência de um sistema que visa à manutenção temporária e a manipulação da informação com a utilidade de auxiliar na execução de inúmeras
tarefas complexas (Baddeley et al., 2010). Snyder (2000, p. 48) estabelece a
comparação: “a memória de trabalho se distingue da memória de curto
prazo na medida em que ela constitui-se de processos de ativação de inúmeros níveis, incluindo o foco de consciência, não somente armazenagem
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de curto prazo”. Ele destaca, à seguir, que a memória de curto prazo é um
dos componentes da memória de trabalho.
3.2. Memória de trabalho visual (MTV) e a leitura mental da partitura
De acordo com pesquisas realizadas por George Alvarez (Universidade de Harvard), observou-se que a MCP, dentro da atuação da MTV não se
refere apenas ao tempo e à capacidade de armazenagem das informações
conforme sugerido por Luck e Vogel (1997). De acordo com Alvarez e
Cavanagh (2004, p. 109) “a variação no número de objetos que podem ser
armazenados contradiz com qualquer modelo de memória visual de curto
prazo que propõe que a capacidade é fixada apenas em termos de números
de objetos”.
As pesquisas de Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain
(2009), Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkleet al (2011),
entre outros, trazem à tona a complexidade dos estudos da atuação da memória de trabalho visual, do qual busca-se neste artigo a transposição para o
ato da leitura mental da partitura musical. Segundo esse modelo de compreensão, a capacidade da memória de trabalho visual no âmbito musical
deve ser levada em conta não apenas pelos números de blocos presentes
simultaneamente, mas diante da diversidade e profundidade de informações que estes trazem.
Diante disso, é importante investigar se os parâmetros primários, altura
e ritmo (Snyder, 2000) poderiam manter uma boa ‘resolução’ na MTV
quando são apresentados juntamente com certos parâmetros secundários,
por exemplo: timbre, dinâmica, andamento, articulação, letra. Em outras
palavras, os parâmetros secundários não interferem na formação desses
agrupamentos melódico-rítmicos, e estes não tem sua retenção diminuída,
no foco da consciência, caso apresentem muitos itens a serem considerados?
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3.3. Discussão e conclusões finais
Este artigo discute questões iniciais sobre a busca de um modelo aplicável ao desempenho da memória visual de trabalho na leitura de partitura
musical. Vê-se como uma possibilidade metodológica adaptar a abordagem
utilizadas por Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain (2009),
Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkle e Alvarez (2011) a um
estudo quase-experimental no campo da música, por meio de testes com
músicos profissionais a serem convidados a audiarem diante do aparecimento de excertos musicais em etapas e níveis diferentes.
Seguindo os modelos originais, pode-se tomar como uma opção de aplicação dos testes, a apresentação numa tela de computador de agrupamentos musicais que contenham apenas os dois parâmetros primários
nomeados por Snyder (2000): a altura e o ritmo. A apresentação de cada
agrupamento na tela do computador seguiria um espaço de tempo entre
preparo, estímulo e retenção da informação, finalizando com as respostas
de questões dentro do período limite de retenção da memória de curto
prazo (9s.). Aos poucos, os testes seriam aprofundados com a inclusão de
outros parâmetros secundários (Snyder, 2000), como dinâmica e articulação, a fim de se verificar se a capacidade/qualidade de retenção da memória
de trabalho visual diminuiria com o aumento de informações.
Tendo como norte tais considerações, uma pesquisa nesta direção poderá ampliar a compreensão sobre a capacidade e qualidade de retenção das
informações musicais durante o processo de audiação notacional em músicos profissionais e buscará uma nova perspectiva para o avanço dos estudos
nos campos da cognição e percepção musical.
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Sternberg, R. J. (2008). Psicologia cognitiva (R. C. Costa, Trans.). Porto
Alegre: Artmed.
GranScore: a granular synthesis specialized graphic score to electroacoustic
and mixed music at multiple time scales.
Fernando Falci de Souza
NICS & IA/UNICAMP – [email protected]
Adolfo Maia Jr.
NICS & IA/UNICAMP – [email protected]
Resumo: Apresentamos as principais características de partituras gráficas, principalmente as destinadas
a música eletroacústica, composição auxiliada por computador e instalações audiovisuais. Revisamos
brevemente os conceitos de partituras gráficas, síntese granular e apresentamos GranScore, um
software projetado especificamente para o domínio sonoro da síntese granular o qual pode ser utilizado
como uma ferramenta digital para composição de música eletroacústica e mista.
Palavras-chave: síntese granular. partitura gráfica. áudio-visual.
GranScore: a granular synthesis specialized graphic score to edit music at multiple time scales.
Abstract: We present the main characteristics of graphic scores mainly those ones for electroacoustic
music, computer aided music and audiovisual installations. We review briefly the concepts of Graphic
Scores, Granular Synthesis and present GranScore, a software specifically designed for the sound
domain of granular synthesis which can be useful for electroacoustic and mixed composition.
Keywords: granular synthesis. graphic score. audiovisual.
1. Graphic Scores
We are now in a very exciting age for both professional and dilettante musicians.
Due to the power of computers, the digital technology and the sophistication of software we
can simulate complex phenomena of nature, solve intricate mathematical problems and
perform creative tasks, which were unthinkable some years ago. This is also true for music
processing, composition and performance, and particularly for the subject we want to discuss
below, namely, graphic scores.
In a very broad sense Graphic Scores are instances of so called data sonification,
which is a mapping taking visual objects (from a visual data space) to sound objects, which,
in turn can be thought as elements of a sound data space. In principle, these mappings can be
completely arbitrary. Nevertheless good and useful mappings can be difficult to find,
depending on the nature of both visual and sound objects and the amount of them to be
mapped into one another. So a more deep analysis of the two collections of objects is, in
general, needed in order to get a suitable mapping as mentioned above.
The idea of Graphic Scores as tool for sound design and composition can be
tracked to Norman McLaren’s animations. McLaren created beautiful animations artfully
synchronized with suitable music/sound tracks. Today is very common we find “scrolling
scores” in Youtube, for example. Some of them are very impressive and skillfully worked and
can be very useful for music education.
In the same way we can mention the classic visualization of the electroacoustic
Ligeti’s work Artikulation and its visual score created by Rainer Wehinger (LIGETI, 1958). It
is commonly presented as an “aural score”, that is, a score created from the aural impressions
of Wehinger, but also in the sense that the listener can nearly “follow” the sound stream
synchronized with the visual score (film). Nevertheless, although these were important works
from the past, the more interesting with our present day technology, is the inverse process,
that is: how can we get sound information from a time sequence (stream) of visual objects?
Or, in other words, how we can create a dynamical and interactive score? This is what we
mean as sonification. This is not a recent concept. In fact, as early works in the area we can
mention Xenakis’s UPIC System in which a user can compose electroacoustic music just
drawing on a tablet coupled to a computer for processing (MARINO et all, 1993). These
drawings are linked to a waveforms library. With this system Xenakis composed his
electroacoustic piece Mycenae-Alpha (1978). In more recent times this work have inspired a
number of other sonification systems such as Iannix, Hyperscore, HighC, Music Sketcher
among others, which can be found in internet (THIEBAUT et all, 2008).
The idea of a graphic score can be advantageous for the modern composer since it
can provide an intuitive and fast way to experiment several possibilities outputs for music
composition. Of course when the sound space is limited to a convenient type of sounds,
suitable algorithms can be properly developed in order to get a best friendly visual interface.
In our case we restrict ourselves to so called granular sounds firstly proposed by the Dennis
Gabor in 1947. So, our system GranScore is more suitable to control granular streams with its
multiple two-dimensional parameter spaces. This work is a preliminary study of a graphic
score to the particular space of granular sounds, although the interface and algorithms
proposed here can be easily applied to more general set of sounds.
2. Granular Synthesis
Granular Synthesis is a digital technique of music composition whose physical
and mathematical foundations are inspired on the theory of the Acoustic Quantum proposed
by the Nobel Prize physicist Dennis Gabor (GABOR, 1946, 1947). This theory shows that
sounds of any complexity and duration can be decomposed into a set of sound units named
"grains of sounds" or "granular sounds," so that, theoretically, the original sound can be
obtained through a re-synthesis process. Gabor showed that, formally, any sound can be
represented mathematically as a set of “acoustic cells” with simple spectral content and length
of about 10 to 200ms (GABOR, 1946, 1947). The decomposition of original sound in terms
of sound grains has the same paradigm of the Fourier decomposition in to sine waves with
different frequencies, that is, basis of a Vector Space, in our case the Space of Sounds
accessible to the human ear. Gabor's theories have inspired composers to perform the reverse
process, that is, composing sounds, timbres and textures from the manipulation and
sequencing of a large amount of sound particles of very short duration (THOMSON, 2004;
ROADS, 1988). The Greek composer Iannis Xenakis was the first one to use the term
microsound to refer to musical works in which the composer controls the sound material in
microtime as, for example, in his work "Concrete PH". In this composition, Xenakis
reorganizes small slices of magnetic tape containing a recording (XENAKIS, 2001).
Stockhausen also composed some works of granular nature, for instance, the piece "Kontact",
in which he uses analog pulse generators to create sound grains (TISSOT, 2008).
Although it is possible to compose in microtime using analog technology or even
acoustic instruments, granular synthesis is more idiomatic in the digital domain. Here we
highlight the contributions of Curtis Roads. From the 70's, Roads conducted many musical
experiments with granular synthesis creating a comprehensive taxonomy for classifying both
types of grains as well as how to organize them. In his famous book Microsound, Roads
presents the history and technique of granular synthesis resulting from his work and of other
researchers by the year 2000 (ROADS, 2001). Barry Truax is another major contributor in the
area, and has been a pioneer in experiments with granular synthesis in real time. Truax also
presents an extensive use of granular synthesis in the composition of soundscapes (TRUAX,
1988, 1990).
Granular Synthesis, being used either to obtain new sounds, to musical
compositions or soundscapes, presents often the same challenge. Since the basic materials of
composition are sound particles of very short duration, thousands of these particles are
necessary to compose a musical segment. Specifying values individually for each of the
particles is a tedious task and often human impracticable. To overcome this difficulty, it is
common in our digital age, to employ a mathematical or algorithmic model that realize an
abstraction of sound synthesis parameters, that is, a high-level model allowing the user
control the synthesis of a large number and variety of grains of sound through a small set of
macro parameters. In DiScipio’s models the control of sound synthesis is done via parameters
imported of Fractals Models, Dynamical Systems and Chaos Theory (DISCIPIO, 1990). Maia
and Miranda used Fuzzy and Markov Chains (MAIA, 2005). Graph Theory were proposed, as
a model of control, by Lombardo and Valle (VALLE, 2003) and Genetic Algorithms were
used in one of our systems named EVOGrain (SOUZA et all, 2009).
3. GranScore
In our current research we are looking for audiovisual correspondences that links
grains of sound to grains of image (SOUZA et all, 2013). In some cases, in which the
mapping from audio parameters to visual ones is very complex, the result leads to more
artistic manifestations in the field known as visual music. In the other hand, when there is
atomic correspondence between perceptive modalities, that is, for each grain of sound there is
one exclusive visual object that represents it, and reciprocally the mapping between the
parameters of each grain to its visual representation is a simple one-to-one mapping. In this
case, the audiovisual correspondence is more suitable to analysis and composition (SOUZA,
2013).
As a test case of the later, we have developed the applicative GranScore, a graphic
score that interacts with the GranularStreamer (SOUZA, 2009), a real-time granular synthesis
sound engine, allowing an off-time visual analysis of the grains created during a performance.
This interface is able as well to edit granular material and create new works from scratch. A
grain of sound produced by GranularStreamer has the following set of parameters: offset time,
waveform frequency, duration, amplitude, waveform offset, bi-dimensional spatial position. In
GranScore each grain of sound is represented by a visual object with the form of an ellipse
whose color corresponds to the waveform frequency, its size to duration and its transparency
to amplitude of the waveform. Of course, other geometric objects can be chosen and related to
another type of grains or even more complex waveforms. These visual objects are plotted in a
two-dimensional space with offset time variable as the x-axis and a customizable parameter as
y-axis. Any parameter from the grain, except offset time, can be configured to be the y-axis of
the score. In Fig.1 we can see the same segment of a piece, on the left the y-axis is frequency,
on the right it is duration.
Figure 1: Two screen shots of GranScore showing the same grains at two distinct bi-dimensional
parameters. Note the selection rectangle on the left hand screen shot with the chosen grains to be
modified.
The user interacts with the system using mainly the mouse in three modes. The
first one is a regular navigation function that scrolls the score right/left to displace time axis,
and up/down in order to focus a specific region of the y-axis parameter. The second function
of the mouse is the zoom tool that, although simple, is one the most powerful tool of the
GranScore. With zoom tool the user can visualize and consequently analyze and work sound
material from multiple time scales of sound, from the microsound layer up to the whole
composition at once. In Fig.2, at the right hand side, we present a cloud of grains, a high level
sound object, with a total duration one minute, while the other picture shows a detail from the
middle of the cloud that lasts 500ms.
Figure 2: The zoom tool is the most important feature of the GranScore allowing the user to
interact with sound material at multiple time scales.
The third function of the mouse is the select/edit tool. With this tool the user is
able to select some of the grains shown in the screen to perform modifications. It is possible
to drag subsets of grains anywhere in the screen to change their offset time, as well the value
of the parameter which is being plotted in the y-axis at the moment. The user can also use the
arrows of the keyboard to perform a finer, very precise, control of the modification.
Last but not least, at the keyboard the user also finds commands to copy and paste
grains, delete grains, save the score, reset view configuration and to play a selected part or
even the entire score (this last one requires the GranularStreamer). Therefore, GranScore has
potential to be a very useful and flexible tool for electroacoustic or mixed composition and, as
far as we know, it is an original graphic interface in its conception dedicated to Granular
Synthesis.
4. Conclusions and Future Work
GranScore is a graphic score specialized for the domain of granular synthesis,
since it is specialized to Granular Synthesis, it presents many advantages. The zoom tool in
combination with the select/edit tool allows the user to work the granular material with a high
level of plasticity. At one end the user has the precision of selecting a single grain to change
its parameters with precisions of tenths of milliseconds for duration or tenths of midicents
(that is, one semitone divided in 1000 parts) for waveform frequency. While at the macrotime
scale all the grains or any subset of them in the composition interface (window) can be
selected at once to have their parameters altered. The system brings also a solution for the
frequent problem of granular synthesis of sculpting a huge amount of grains without
specifying the parameters individually. The visual domain has its particular idiosyncratic
organization, which guides the user in an intuitive process of arranging the sound material.
As future developments we intend to improve the GranScore implementing some
musical features like, for instance, defining a kind of “serial” operators such as inverse,
retrograde and inverse-retrograde for any subsets of grains in a composition, “loop like”
playing continuously selected grains, real-time score for live performances and the splitting
sets of grains in distinct streams (driving taxonomies to channels or tracks) with different
geometrical shapes.
In a more general aspect we have conceived also a theoretical framework for a
general graphic interface we called RISO (Reading Interface for Sound Object). RISO can be
thought as a dynamical score for several sound objects, including the usual ones (notes, rests,
etc) as they appear in traditional computer score editors. RISO has two types of objects:
reading objects and sound objects. Sound objects, which visually can have several geometric
forms, are placed in a window (Sound Objects Space –SOS), which can be interpreted as a
graphic score, and are static (no motion) and are, initially, in the ground state (silence).
Reading objects, or simply, readers, are dynamical (moving) objects, which read (intercept)
the sound objects. In this case the “interaction” between the two objects excite the sound
objects to another state (excited state) and a sound is sent to the output.
RISO, in principle, is intended to be very flexible to play different sound objects or
sound files with multiple reader objects. This means the reader, or even many readers at same
time, makes its trajectory through all SOS and doing this they excite a number of sound
objects generating an output sound file which can be played in sequel, pretty the same as
software traditional scores. So, it is our next goal that all the achievements we have realized
in GranScore could be generalised to RISO project.
5. Acknowledgments
F. Falci thanks FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo) for a Dr. Sc. Scholarship. A. Maia also acknowledges CNPq for a research fellowship.
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Acessed in Mar, 23, 2013. Artikulation. Dur: 3m53s.
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Significado musical e inferências lógicas a partir da
perspectiva do pragmatismo peirceano1
Luis Felipe Oliveira2
Jônatas Manzolli4
Willem F.G. Haselager3
Maria E.Q. Gonzalez5
junho de 2013
1
Artigo publicado originalmente in: Cognição & Artes Musicais / Cognition &
Musical Arts, 3 (2008), 67-76.
2
Curso de Música, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul – UFMS. Unidade VIII, Cidade Universitária, CEP 79070900, Campo Grande – MS, Brasil. E-mail: [email protected]
3
Artificial Intelligence / Cognitive Science, NICI (Nijmegen Institute for Cognition and Information), Radboud University Nijmegen, The Netherlands –
[email protected]
4
Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora e Departamento de Música,
Unicamp, Brasil – [email protected]
5
Departamento de Filosofia, Unesp, Brasil – [email protected]
Resumo
Este artigo relaciona o conceito de significado musical à noção de raciocínio
abdutivo, conforme descrito no pragmatismo de C.S. Peirce. Argumentamos que essa noção lógica pode complementar as teorias desenvolvidas sobre
aspectos exclusivamente psicológicos. Após introduzirmos a perspectiva formalista de Hanslick sobre o significado musical, apresentamos a teoria psicológica de Leonard Meyer sobre tal conceito. Posteriormente, descrevemos a
teoria da expectativa musical de David Huron, a qual traz dados experimentais e fatos biológicos à cena. Ainda que essas duas teorias deixem espaço
para o fenômeno da geração de hipóteses na escuta musical significativa, elas
não explicam como tal fenômeno ocorreria em termos biológicos, psicológicos
ou lógicos. Nesse sentido, passamos a considerar a natureza do raciocínio abdutivo e seu papel na aquisição de conhecimento. Finalmente, apresentamos
alguns exemplos que buscam ilustrar como a abdução pode complementar
logicamente o entendimento atual sobre significado musical.
Palavras-chave: abdução, significado musical, expectativa musical, estrutura musical, escuta musical.
Resumo do editor na publicação original: Neste artigo polêmico, o
conceito de significado musical é discutido à luz do pragmatismo de C.S.
Peirce. Os autores argumentam que as idéias de Peirce podem complementar as teorias desenvolvidas sobre aspectos exclusivamente psicológicos, como
aquelas propostas por Leonard Meyer e David Huron. Algumas idéias novas apresentadas aqui irão certamente fomentar o debate sobre significado
musical.
1
Introdução
No século XIX, quando a musicologia estava se tornando uma área estruturada, Edward Hanslick empenhou-se, contra intensas e veementes opiniões
contrárias, na tarefa de definir e explicar o belo musical em termos exclusivamente musicais. Ele buscou formular um novo ponto de apoio sobre o qual
se poderiam sustentar todas as outras questões em estética musical. Sua tese
negativa afirmava que a música não seria a imitação das emoções ou paixões;
sua tese positiva considerava que o conteúdo da música seria a sua própria
forma, suas próprias notas moldadas pela atividade do intelecto (Hanslick,
1986). A música deveria ser entendida em termos do desdobrar estrutural
das idéias musicais. Os acadêmicos da área musical deveriam se espelhar
nas práticas das ciências naturais e procurar pelos fatos que necessariamente
tomariam parte na descrição da percepção musical e romper com os apelos
das opiniões, ainda que irracionais, do senso-comum. Qualquer conotação
extra-musical deveria ser banida da classe dos significados musicais; estruturas musicais por si só seriam suficientes para o entendimento musical, e
qualquer apelo a relações de tais estruturas com conteúdos ou reações emocionais seria perigoso, para não dizer “patológico,” nas discussões estéticas.
Pode-se dizer que Hanslick jogou fora o bebê junto à água do banho, mas, ao
mesmo tempo, seu formalismo radical tem o seu valor por trazer efetivamente
a música, em seus próprios termos, dentro das discussões da estética musical.
Apesar da tentativa desse autor de formular uma análise filosófica baseada
apenas nos elementos formais, ele garantiu que o significado musical fosse
sustentado sobre a percepção, tornando possível se pensar em termos dos
processos dinâmicos da escuta dos desenvolvimentos fenomênicos da música,
com relação a expectativas e frustrações. Em suas próprias palavras:
O fator mais importante no processo psíquico que acompanha a
compreensão de uma peça musical e que causa prazer é, em geral, omitido. Esse prazer é a satisfação espiritual que o ouvinte
experimenta ao seguir e percorrer ininterruptamente as intenções
do compositor e ao descobrir-se ora corroborado, ora agradavelmente surpreso em suas suposições. Compreende-se que este ir
e vir da corrente intelectual, este contínuo dar e receber, ocorra
inconscientemente e de maneira velocíssima. Um prazer artístico pleno será oferecido somente por uma música que provoque
e satisfaça essa participação espiritual, que poderia ser chamada
muito propriamente de “reflexões da fantasia’.” Sem atividade
espiritual, não existe, geralmente, prazer estético. Esta forma de
atividade espiritual é própria da música, porque suas obras não se
apresentam imóveis e de chofre, mas vão surgindo sucessivamente
diante do ouvinte, e, portanto, exigem dele não uma contemplação que tolere delongas e interrupções, mas um acompanhamento
2
incansável, com uma atenção mais arguta. (Hanslick, 1986, p.
127, aspas do autor)
Não obstante, como Meyer (1956, p. 4) menciona, a consideração hanslickiana não consegue explicar “a maneira pela qual uma sucessão abstrata,
não-referencial de sons se torna significativa.”
2
A teoria de Meyer sobre significado musical
Significado e emoção não são propriedades mutuamente exclusivas na escuta
musical ou em qualquer experiência estética em geral. Ao contrário, as respostas emocionais que acompanham a apreciação musical foram consideradas
por Leonard Meyer como conseqüências diretas do processo de escuta estrutural. Nesse sentido, a chave para o entendimento de como uma sucessão de
tons se torna significativa e afetiva, sintetizando duas perspectivas estéticas
tradicionalmente opostas, seria encontrada na psicologia da escuta musical.
Os principais pressupostos da teoria de Meyer foram aqueles princípios
mentais oferecidos pela Psicologia da Gestalt (e.g. Koffka, 1935). Tais princípios são gerais o suficiente para serem relacionados a qualquer processo
mental que envolva percepção e cognição de qualidades formais e poderiam
ajudar na explicação de como tons individuais são agrupados em entidades
formais de alto-nível. A lei de prägnanz, um termo que pode ser entendido
como a ‘propriedade de ser conciso,’ a qual pode ser descrita como a tendência de um sistema (mental) de sempre buscar pelo processo ou forma
mais concisa, estável, regular, ordenada, econômica, simples possível (Kubovy, 2001) é a pedra angular da Psicologia da Gestalt. Tal lei pode ser
decomposta em princípios mais específicos como, por exemplo, os da boacontinuidade, do fechamento, da similaridade, da simetria, da proximidade,
das relações figura-fundo etc. Meyer empregou essas “leis mentais” para sustentar sua teoria do significado e afeto como resultantes da percepção da
forma em música. As leis da Gestalt poderiam ser entendidas em conexão
com as noções de hábitos e expectativas: para Meyer, expectativas seriam
conseqüentes da atuação habitual da mente em acordo com as leis descritas
na Psicologia da Gestalt.
A estrutura teórica de Meyer é composta de três instâncias distintas:
significado hipotético, significado evidente e significado determinado. Significado hipotético é a geração inconsciente de expectativas relacionadas a
e específicas de uma configuração de estímulos, que pode ser descrita por
relações probabilísticas entre antecedentes e conseqüentes. É a manifestação de um sistema de crenças e hábitos estéticos (fruto de aprendizagem e
culturalmente dependentes) que dirigem a experiência de escuta de ouvintes
culturalmente situados (cf. Aiken, 1951). Em acordo com essa visão, uma
peça de música pode ser significativa apenas quando o ouvinte é apto a esperar conseqüentes específicos a partir de antecedentes igualmente específicos
3
– isso parece estar proximamente relacionado ao que Hanslick quis dizer na
passagem citada acima, considerando apenas a diferença entre entender-se a
música enquanto manifestação cuja inteligibilidade é culturalmente dependente, como no caso de Meyer, ou universalmente atribuída, como no caso
de Hanslick.
Significados evidentes ocorrem quando o conseqüente se torna “atualizado
como um evento musical concreto,” atingindo um “novo estágio na significação” (Meyer, 1956, p. 37). Ele aparece quando a relação entre antecedente e
conseqüente é realmente percebida. Pode existir uma tensão conflitante entre
os dois significados, especialmente quando o conseqüente esperado é atrasado
ou deceptivo. Esse processo dinâmico de significação pode ser visualizado
em uma “cadeia de causalidade,” na qual que cada significado evidente se
torna hipotético no desdobrar dos eventos musicais, como
S 1 . . . . . . C 1 S 2 . . . . . . C 2 S3 . . . . . . ,
onde Sn significa um estímulo específico e Cn um conseqüente específico
(Meyer, 1956). O fato de que um conseqüente real poder ou não confirmar
um significado hipotético não altera a natureza e a operação do processo.1
Significados determinados, diz Meyer (1956, p. 38), “surgem das relações
existentes entre significados hipotéticos, evidentes e os posteriores estágios
do desenvolvimento musical.” Este tipo de significado tem o caráter distinto
de manifestar-se no “trabalho atemporal” da memória, quando relações entre
estímulos são compreendidas em suas totalidades.2 Ele acontece quando o
significado musical se torna objetificado, um processo que opera sobre um
objeto da consciência do ouvinte. Na perspectiva de Meyer, significados
determinados enquanto objetos da consciência decorrem da percepção de
anomalias estruturais ou quando respostas habituais não se adequarem a determinadas estruturas sonoras. Meyer (1956, p. 39) diz que “se o significado
for se tornar realmente objetificado, como uma regra ele o será quando forem encontradas dificuldades que impossibilitem o comportamento normal e
automático.”
Na perspectiva apresentada pela teoria meyeriana, o significado (ou a
significação) musical é um processo mental guiado pelas operações habituais
(gestálticas) da mente em acordo com as estruturas musicais, no processo
de escuta. Tal perspectiva é próxima daquele formalismo musical postulado por Hanslick; ou ela poderia ser entendida como uma perspectiva mais
abrangente, tornando tanto a estrutura musical quanto os hábitos de escuta
(frutos de aprendizado e culturalmente específicos) condições necessárias em
qualquer consideração sobre os significados da música. Meyer complementa
1
É importante lembrar que as dinâmicas entre significados hipotéticos e evidentes não
se manifestam apenas horizontalmente, mas também verticalmente, ou, como diz Meyer
(1956, p.38), entre os vários níveis arquitetônicos.
2
Lê-se “timeless work” no original. Meyer provavelmente quer se referir às operações
da memória não restritas pela temporalidade da percepção.
4
o formalismo de Hanslick com considerações dos domínios psicológico e cultural.
O mesmo processo, isto é, a ineficiência da ação habitual, molda tanto
os significados musicais quanto as reações afetivas à música. O autor justifica sua posição advogando que emoção e pensamento reflexivo não são duas
e distintas coisas, mas diferentes manifestações de uma mesma atividade
psicológica: “ambas dependem do mesmo processo perceptivo, os mesmos
hábitos estilísticos, os mesmos modelos de organização mental; e o mesmo
processo musical dá origem e molda os dois tipos de experiência” (Meyer,
1956, p. 40). Parece que uma ênfase em um ou outro aspecto na experiência
musical se deva a disposições e crenças relacionadas a experiência estética
(cf. Aiken, 1951) ou a treinamento musical formal. Quando a operação habitual desenvolve-se livremente, sem distúrbios, a escuta e a significação
musicais manifestam-se de uma maneira bastante inconsciente, seguindo e
antecipando as supostas intenções do compositor.
Está claro que significado e afeto derivam da tensão entre previsibilidade
e surpresa na escuta das estruturas musicais.3 E quando as estruturas são
estranhas o bastante as operações habituais da mente são perturbadas e
outros processos têm de surgir para que um conjunto de informações musicais
incompreendidas se tornem significativas e inteligíveis. Entre outras coisas, a
teoria de Meyer foi importante porque forneceu uma frutífera hipótese sobre
como a escuta musical opera e dá forma a estímulos sonoros a princípio
(musicalmente) desconexos, permitindo que significados e emoções tomem
lugar na experiência estético-musical.
3
A teoria da expectativa musical de David Huron
A perspectiva que Meyer iniciou foi estabelecida principalmente através do
discurso teórico e das evidências coletadas na análise musical. Distintamente,
David Huron (2006) desenvolve uma teoria da antecipação musical baseada
nas práticas da psicologia experimental e da análise estatística. Apesar de
suas abordagens bastante diferentes, ambas as teorias são similares e mesmo
complementares. Huron oferece uma consideração mais atualizada da expectativa musical, estabelecendo um vínculo mais forte entre a anatomia
3
Meyer descreve as relações entre surpresa e estruturas (im)previsíveis em termos de
normas e desvios dentro de um estilo musical, que só pode ser entendido em termos
de hábitos e disposições. Aiken (1947, p. 156, aspas do autor) disse que “falamos de
“tradições,” “estilos de arte,” “significados,” e assim por diante como se essas coisas tivessem
seu próprio tipo de realidade independente que estaria eternamente imbricada às obras
de arte. Mas tradições e significados são mantidos vivos apenas através das disposições
e hábitos que formam os contextos subjetivos de cada indivíduo. Obras de arte estética,
precisamos nos lembrar continuamente, existem apenas como objetos da percepção e do
sentimento. Não pode existir qualquer conteúdo estético além das respostas dos indivíduos
que lhes dão significado.”
5
Figura 1: Diagrama esquemático dos circuitos cerebrais envolvidos nas reações emocionais a eventos surpreendentes. O circuito rápido é responsável
pela valência sempre negativa logo após a percepção de um evento surpreendente. O circuito lento envolve avaliação contextual e pode resultar em
estados afetivos positivos, negativos ou neutros. A interação contrastiva entre os dois sistemas resulta, na maioria dos casos, nas sensações agradáveis
de surpresa. (In: Huron, 2006, p. 20)
cerebral e o domínio psicológico, assim como um entendimento biológico das
emoções musicalmente induzidas.
“Expectativas precisas são funções mentais adaptativas que permitem
aos organismos se prepararem para ações e percepções apropriadas” (Huron,
2006, p. 3). Antecipações ou expectativas estão presentes em todas as esferas
da experiência, e supõe-se que a geração de expectativas está relacionada ao
desenvolvimento do neocórtex humano (Barlow, 2001).
Emoções são a contraparte das expectativas, atuando como motivadores
para os objetivos e propósitos dos organismos (Frijda, 1987, 1986; Scherer &
Ekman, 1984). Huron (2006, p. 4) sintetiza tal visão afirmando que “emoções encorajam os organismos a buscarem comportamentos que são normalmente adaptativos e a evitar aqueles que são normalmente inadaptativos.”
A relação entre antecipação e estado emocional está no âmago da teoria de
Huron. Resumidamente, quando as expectativas falham em corresponder
6
com os eventos futuros e, conseqüentemente, a situação pode tornar-se potencialmente perigosa para o organismo, seu estado emocional passa a ser
caracterizado por uma sensação de valência negativa, que através de mecanismos associativos torna-se conectada àquela situação específica. De maneira
oposta, quando a previsão se mostra correta, existe um estado emocional
positivamente avaliado que age como uma espécie recompensa límbica pelo
sucesso preditivo do organismo. Anatomicamente, tem-se sugerido que dois
circuitos cerebrais que atuam concomitantemente estão relacionados à sensação de surpresa (cf. Fig. 1). Por um lado, o circuito rápido resulta em
estados emocionais sempre negativos, e prepara o organismo para a ação
imediata em uma situação imprevisível – ser surpreendido significa ter feito
as previsões erradas. Por outro lado, o circuito lento envolve áreas corticais responsáveis pelas avaliações contextualizadas, mas que requerem mais
tempo. A avaliação cortical pode resultar em uma valência contrastiva com
aquela decorrente do circuito rápido, por exemplo quando a análise de uma
situação revela que seus eventos apesar de surpreendentes não são potencialmente perigosos. O contraste entre a valência sempre negativa de um
circuito cerebral e a potencialmente positiva do outro reforça a positividade
de um estado emocional final. Então, emoções positivas, no que se refere à
antecipação, podem ser conseqüência de duas possibilidades: (i) quando a
expectativa é correta (recompensa límbica); (ii) quando a expectativa não é
correta mas a situação imprevista não é perigosa (valência contrastiva).
Deve-se notar que a previsibilidade é, na consideração de Huron, principalmente uma questão de probabilidade, e como tal, a principal atividade
mental envolvida na geração de previsões é o raciocínio indutivo. Segundo
o autor, este é modo que a natureza encontrou para lidar economicamente
com eventos futuros, como se eles fossem similares àqueles encontrados no
passado; se uma estratégia funcionou bem em certas situações ela deverá
funcionar bem em outras situações semelhantes. Voltando à música, a experiência (passada) de escuta de um ouvinte é base para suas expectativas, e
ela pode ser descrita pela análise estatística do repertório desse ouvinte. Em
outras palavras, expectativas musicais refletem as propriedades estatísticas
do repertório de um ouvinte.
Huron (2006) propõe quarto tipos de expectativas: verídicas, esquemáticas, dinâmicas e conscientes. Cada uma é relacionada a um tipo específico
de memória e de situação musical. Expectativas verídicas são associadas a
situações de escuta específicas de determinadas obras musicais, ela é representada na memória episódica, a qual codifica um tipo de informação que
poderia ser chamada de autobiográfica. Expectativas esquemáticas refletem
padrões culturais gerais de estruturas e formas musicais; elas são codificadas
em memórias chamadas de esquemáticas e são apreendidas pela exposição a
um certo ambiente cultural. Expectativas dinâmicas envolvem informações
codificadas na memória de curto-prazo e são guiadas pelo desvelar das estruturas musicais, ito é, nas interações entre antecedentes e conseqüentes que
7
Meyer (1956) descreveu. Por fim, as expectativas conscientes são manifestações verbais e explícitas sobre o que pode acontecer, similar ao que Meyer
chamou de objetificação do significado. Os três primeiros tipos de expectativas, pré-verbais e inconscientes, são responsáveis pela maioria das situações
normais de escuta, quando não são necessários pensamentos deliberativos e
as expectativas são indutivamente manifestas.
Logicamente, Huron (2006) caracterizou a expectativa musical em termos indutivos e sugeriu que esses processos refletem um tipo de aquisição
biológica evolucionária, oferecendo um retrato detalhado dos vários tipos de
expectativas musicais em um dado ambiente cultural. Entretanto, quando
os esquemas que um ouvinte aprende indutiva e estatisticamente se mostram equivocados ou inapropriados, novos esquemas deverão ser gerados.
Mas, até onde pudemos verificar, nenhum dos autores mencionados até o
momento discutiu ou apontou como novos esquemas surgem ou que tipo de
raciocínio ou operação lógica poderia estar envolvida em tais casos.
4
Lógica da descoberta, pragmatismo e abdução
Para Charles S. Peirce, a principal atividade de qualquer sistema dotado de
mente é a produção de hábitos. Hábitos estáveis, por sua vez, constituem
crenças a partir das quais a realidade é apreendida. Desta perspectiva, um
sistema mental pode ser entendido como uma rede dinâmica de hábitos e
crenças pelas quais as novidades e anomalias são detectadas como eventos
surpreendentes. Como reforçado por Peirce, “(. . . ) a crença, enquanto dura,
é um hábito forte, e como tal, força o homem a nela acreditar até que algo
surpreendente quebre este hábito” (CP 5.524).4
Hábitos e crenças dão origem a expectativas que permitem a antecipação
de eventos futuros. Considerando que expectativas não são sempre bem
sucedidas, muitas vezes existem conflitos entre as expectativas derivadas de
hábitos bem estabelecidos e as dinâmicas dos eventos ambientais, produzindo
o efeito da surpresa.
Do ponto de vista da lógica de Peirce, existem dois tipos de surpresa:
ativa e passiva. Surpresas ativas ocorrem “quando o que se percebe é conflitante positivamente com as expectativas” (CP 8.315). Surpresas passivas
ocorrem “quando não se tendo expectativas positivas, mas apenas a ausência
de qualquer palpite sobre qualquer coisa fora do comum, algo bastante inesperado acontece” (CP 8.315). Nesse contexto, surpresas musicais irão sempre
ser ativas, porque, supostamente, os ouvintes já devem possuir expectativas
mesmo antes que qualquer nota seja ouvida.
Os estudos das emoções que estão normalmente conectadas com estes dois
tipos de surpresa fazem parte das investigações da psicologia, mas a análise
4
Referência aos Collected Papers serão designadas por CP seguido do volume e do
parágrafo.
8
da estrutura geral da surpresa pertence à área da lógica pragmática. De
acordo com a lógica do pragmatismo, situações surpreendentes requerem a
reformulação das crenças e a formação de novos hábitos. Dada a natureza das
crenças, entendidas como hábitos estáveis já assimilados, a mente procura
superar situações conflituosas pela criação de novos hábitos, os quais, então,
podem resultar em novas crenças caso se mostrem adequados. Conflitos irão
persistir até que a mente forme um novo conjunto de crenças, transformando
a situação surpreendente em uma “questão de fato.” Gonzalez & Haselager
(2005) consideram a análise do processo de geração de novas crenças como
uma das maiores contribuições de Peirce no estudo lógico da criatividade.
Peirce (CP 5.189) oferece uma descrição lógica do processo de raciocínio
criativo, que ele chamou de raciocínio abdutivo, entre outros nomes:
Um fato surpreendente, C, é observado.
Mas se H fosse verdadeiro, C poderia ser uma questão de fato.
Então, existe razão para se suspeitar que H é verdadeiro
Apesar de caracterizar-se como uma forma lógica de raciocínio, a abdução
é falível – ela não fornece certezas, como ocorre com o raciocínio dedutivo.
Contudo, como apontado por Peirce, a abdução é bastante útil para guiar
a mente quando esta se confronta com eventos surpreendentes ou fatos anômalos, auxiliando em libertá-la da dúvida. Nesse sentido, Peirce (CP 5.173)
sugere que a abdução é quase como um instinto:
Essa faculdade possui ao mesmo tempo a natureza geral do Instinto, assemelhando-se aos instintos dos animais, superando os
poderes gerais de nossa razão e por isso dirigindo-nos como se
estivéssemos em poder de fatos que estão inteiramente além dos
alcances de nossos sentidos. Ela assemelha-se ao instinto também
na sua pequena responsabilidade perante o erro; ainda que ela se
mostre equivocada mais freqüentemente do que certa, ainda assim a freqüência relativa com a qual ela está certa é, ao fim e ao
cabo, uma das coisas mais maravilhosas em nossa constituição.
Da abdução, Peirce considerou que “sua única justificativa é que por
sua sugestão a dedução pode extrair uma previsão a qual pode ser testada
pela indução, e que, se nós podemos aprender qualquer coisa ou realmente
entender fenômenos, é por meio da abdução que isto ocorre” (CP 5.171).
Neste sentido, o conhecimento (seja ele científico ou artístico) é construído
pela integração destes três tipos de raciocínio – dedução, indução e abdução
–, assumindo o papel primordial que a abdução exerce na elaboração de
hipóteses e na superação de situações incertas e conflitantes.
A partir deste pequeno sumário da visão peirceana sobre a natureza do
raciocínio abdutivo, é interessante considerar-se a possibilidade de existência
de um princípio lógico geral que sustente as suposições sobre as respostas
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emocionais e significativas que acompanham a escuta musical. Peirce entende
que a abdução está também envolvida em julgamentos perceptivos, os quais,
apesar de sua naturalidade e suas manifestações normalmente inconscientes,
são hipotéticos e não definitivos, são questões de hábitos e não de fatos
invariáveis.
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Abdução e significado musical
Apesar de seu formalismo, Hanslick percebeu que o conteúdo musical poderia ser instanciado apenas por formas da estrutura musical no domínio
da escuta. Meyer estabeleceu uma relação entre expectativas e significado
musical. Como vimos, ele distinguiu três tipos de significado: hipotético,
evidente e determinado. Rejeitando as idéias de que a música imitaria as
emoções e afetos através de seus sons e de que o conteúdo musical poderia
ser atribuído objetivamente somente à estrutura musical, Meyer argumentou
que o significado em música deveria ser visto na experiência fenomênica do
ouvinte. Tal experiência foi por ele descrita como as relações (inconscientes)
entre um objeto, algo para o qual este objeto aponta, e um observador.5 O
que é mais importante na teoria de Meyer é que ela postula o significado musical como uma espécie de confronto dialético entre hipóteses e suas possíveis
corroborações na estrutura musical, a partir de uma perspectiva fenomenológica. Isso é a relação dinâmica entre significados hipotéticos e evidentes. Já
os significados determinados têm outra natureza, sendo conseqüências de um
processo de objetificação que opera sobre a dinâmica da escuta transformada
em objeto da análise consciente. Assim, o significado hipotético é a base das
expectativas musicais, e, conseqüentemente, de qualquer experiência significativa em música.
Parece existir uma correlação entre estados emocionais e a eficiência das
expectativas geradas na escuta. Meyer estabeleceu uma correlação no domínio da psicologia, mas sua teoria não postulou efetivamente como tal correlação poderia ser. Foi Huron, que cinqüenta anos depois realizou uma
correspondência entre expectativas e emoções, no escopo de uma psicologia
mais próxima da biologia. Contudo, nem a psicologia nem as neurociências ainda não proveram os meios conceituais para se investigar a geração
de hipóteses que leva às expectativas (experiência significativa) que podem
resultar em afetos durante a apreciação musical (experiência emocional).
Logicamente, a teoria de Huron é construída sobre as bases da tradicional
forma inferencial dedução-indução, explicando como a escuta musical opera
na antecipação dos eventos vindouros. Contrariamente, a consideração de
Meyer sobre o significado musical não é lógica, mas psicologicamente elaborada, e também falha em explicar como hipóteses são geradas na percepção.
5
Em termos peirceanos teríamos signo, objeto e interpretante, respectivamente.
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Acreditamos que é justamente neste ponto que a lógica da descoberta,
na perspectiva do pragmatismo de Peirce, pode ser relevante. É plausível
sugerir uma relação de complementaridade entre as formulações psicológicas
de Meyer, e as evidências experimentais e evidentes de Huron, e a lógica da
descoberta de Peirce, oferecendo um modelo de como expectativas musicais
são construídas na escuta musical e resultam em estados emocionais. Em
resumo, nossa tese é de que o que Meyer chamou de significado hipotético, e
que é a base do processo de significação, não é nada além de uma instanciação
do que Peirce chamou de raciocínio abdutivo, o qual forma a base inferencial
dos processos de aquisição de conhecimento.
Significado musical, ou melhor, significação musical é uma forma particular de um processo geral de significação que é instanciado, primeira e
inicialmente por meio da abdução. Nossa perspectiva enfatiza a interação
entre abdução, indução e dedução, sugerindo que esses três tipos de raciocínio se manifestam nos processos de significação musical, que podem ser
pensados como processos emergentes, isto é, não redutíveis nem ao ouvinte
nem à obra, isoladamente. O significado evidente, discutido na teoria de
Meyer, nada mais é que um caso de processo indutivo de verificação de hipóteses, e o que ele chamou de significado determinado decorre principalmente
de raciocínios dedutivos. De qualquer forma, hipóteses precisam ser geradas
para tais tipos de significado possam emergir.
Sobre a base do argumento indutivo existe uma perspectiva probabilística
de entendimento que resultaria meramente da exposição de um sujeito a
obras de um repertório específico. Acreditamos que a indução e dedução
sozinhas não são suficientes para caracterizar a escuta musical porque a obra
não nos mostra, efetivamente, como devemos ouví-la, mesmo após várias
audições. Até mesmo para as operações cognitivas básicas de segmentação
de agrupamento de notas em uma simples melodia não existem regras que
poderiam ser instanciadas aprioristicamente ou apreendidas pela audição
reiterada, como se a obra fosse revelar seus segredos após várias seções de
escuta. Segmentação e agrupamento são questões de raciocínio hipotético
(e habitual), que é verificado indutivamente contra os eventos sonoros que
vão se manifestando na escuta musical. Em um ambiente musical muito
homogêneo a indução será muito mais presente do que a abdução, e em tais
casos a escuta pode mesmo estar sujeita a determinações probabilísticas ou
ser descrita por processos estatísticos. Entretanto, dentro de um ambiente
musical estilisticamente diversificado, hábitos de escuta terão de ser gerados
e adaptados mais regularmente. Um conjunto estável e invariante de hábitos
não seria adequado para que experiências significativas sejam possíveis sobre
repertórios diferentes estilisticamente – novos hábitos de escuta precisam ser
gerados a cada vez que um novo sistema ou estilo musical aparece.
Esta perspectiva pode ser relacionada a transformações de espaços conceituais (Boden, 1994). Um espaço conceitual é uma estrutura multidimensional
que contêm os princípios que constituem e unificam uma área de conheci11
mento. Boden entende o sistema tonal como um sistema gerativo que pode
ser descrito como um espaço conceitual. Experimentações feitas por compositores não apenas exploram as possibilidades de um sistema como esse,
mas ocasionalmente também transformam e expandem suas estruturas. A
transfiguração atonal do sistema tonal é um exemplo da transformação de
um espaço conceitual em música (Boden, 1994, p. 81). Gonzalez & Haselager
(2005) propuseram que a abdução pode ser tomada como a inferência lógica
que torna a expansão e a transformação do espaço conceitual possível.
Espaços conceituais não são apenas adequados para a descrição da ação
de um compositor, mas também para a ação habitual de um ouvinte. O
conjunto de hábitos que, de acordo com Peirce, constituem as crenças de uma
pessoa pode ser tomado como um espaço conceitual. Nesse sentido, hábitos
de escuta e crenças estéticas são elementos desse espaço músico-conceitual.
Na perspectiva dos ouvintes, seus espaços conceituais são alterados todas as
vezes que um novo hábito ou crença é criado em resposta a um novo tipo de
música ou estilo. Sendo assim, a escuta musical, pela perspectiva lógica do
pragmatismo, é um ato potencialmente criativo.
Imagine como a adição de uma obra como a Sagração da Primavera pode
alterar a experiência auditiva de um ouvinte, o seu espaço conceitual. Depois
de ouvir aos acordes da Dança dos Adolescentes, não se poderia mais ouvir
acordes repetidos, como aqueles do primeiro movimento da Terceira Sinfonia
de Beethoven da mesma forma – agora Beethoven passaria a ser lido à luz
de Stravinsky, ou melhor, ouvido ao som de Stravinsky. Podemos ilustrar
outra situação ainda mais radical: música eletroacústica. Para um ouvinte
familiarizado, por exemplo, com a música do sistema tonal e mesmo póstonal, como a do próprio Stravisnky, as obras dos primeiros compositores
da música eletrônica poderiam até mesmo deixar de serem categorizadas
como música. As mais extravagantes experiências concretas de Schaeffer e
seus colegas, ou mesmo as recentes paisagens sonoras poderiam ser ainda
mais perturbadoras. Não é difícil se encontrar opiniões (principalmente no
senso-comum) expressando a reluta em aceitar a música contemporânea como
música. Uma hipótese é que os ouvintes podem estar tentando entender tais
obras com os hábitos errados. A partir da referência oferecida pelos hábitos
tradicionais (normalmente tonais) de escuta, a música contemporânea não se
tornará inteligível. O ouvinte tem que criar novos hábitos (e possivelmente
novas crenças estéticas) para poder estabelecer relações significativas sobre
as estruturas sonoras de outra forma ininteligíveis. A expansão do espaço
conceitual do ouvinte pela abdução altera não apenas a forma pela qual
ele experiencia a nova música, mas também transforma a experiência de
obras que já lhe sejam muito familiares. Nesse sentido, o ato (criativo) de
ouvir música é sempre uma nova experiência, porque os hábitos de escuta e
as crenças estéticas estão permanentemente sendo alteradas pelo raciocínio
abdutivo.
Se o significado musical, assim como a experiência afetiva, emerge, então,
12
pela formulação de hipóteses sobre relações estruturais na escuta musical,
acreditamos que a consideração da lógica (da descoberta) peirceana pode
contribuir para a elucidação de como tal processo se dá. Lógica (semiótica)
e psicologia sem complementam na descrição de fenômenos cognitivos e perceptivos, oferecendo um retrato mais nítido das operações mentais envolvidas
na sempre criativa atividade de ouvir-se música afetiva e significativamente.
Referências
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Scherer, K. & P. Ekman (1984). Approaches to emotion. Hillsdale, NJ:
Erlbaum.
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S
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