27 e 28/06/2009
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27 e 28/06/2009
Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 27-28 06 2009 --------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 28 06 2009 Uma visão latino-americana da crise José Serra * Conhecida nos anos 80 como o continente das crises, hoje a América Latina está numa posição ímpar, que lembra em alguns aspectos sua situação durante a Grande Depressão. Da mesma forma que 80 anos atrás, e em contraste com episódios mais recentes, nossa região se encontra novamente na condição de vítima, não de causadora da crise econômica. Outra semelhança com os anos 30 é que a maioria das economias latino-americanas vai se recuperar mais rapidamente do que as economias centrais. Naqueles anos, quase todos os países da América Latina, exceto Chile e Cuba, superaram seu pico real do PIB pré-depressão bem antes dos Estados Unidos: a Colômbia em 1932, o Brasil em 1933, o México em 1934 e a Argentina em 1935. A explicação básica para o impacto relativamente menor dessa crise na América Latina e na Ásia pode ser encontrada num fato quase ignorado, mas essencial: o canal de contágio. O colapso financeiro das economias centrais se espalhou para os chamados países emergentes não por intermédio de suas causas primárias, mas dos seus efeitos. As mesmas causas - bolhas imobiliárias, pacotes securitizados de hipotecas subprime, desregulamentação financeira excessiva e níveis perigosos de alavancagem - produziram os mesmos resultados catastróficos nos Estados Unidos e onde quer que estivessem presentes, como no Reino Unido, na Irlanda, na Espanha e na Islândia. Em vez disso, na América Latina em geral, assim como na Ásia, o contágio veio dos subprodutos da crise, principalmente a retração brusca das finanças e do comércio. Não houve colapso de instituições financeiras importantes. As únicas exceções mais sérias foram as perdas em derivativos no México - US$ 4 bilhões no último trimestre de 2008 - e no Brasil - estimadas em US$ 25 bilhões. Houve, sim, uma acentuada redução na oferta de crédito às atividades produtivas, em decorrência da perda de linhas de crédito estrangeiras. Mas alguns dos aspectos dolorosos da retração econômica poderiam ter sido evitados, não fosse por erros de avaliação sobre a natureza da crise. Tais erros obstaculizaram políticas contracíclicas enérgicas e rápidas em economias que não estavam preparadas para a previsível piora das condições externas. Uma das lições do gerenciamento da crise na região foi lançar uma nova luz sobre uma questão antiga: tão indispensáveis quanto a correção das respostas políticas são sua clareza, intensidade e velocidade. O caso exemplar de políticas com as qualidades desejáveis foi o Chile, onde, a certa altura, o Banco Central cortou resolutamente a taxa de juro em impressionantes 250 pontos básicos. De um só golpe, e logo no início da crise. Agora mesmo, na terceira semana de junho, acabou de cortar de novo 50 pontos, reduzindo a taxa básica de juro a 0,75%. Além disso, graças à lucidez e à prudência na criação de um fundo contracíclico, Chile e Peru puderam socorrer suas economias declinantes com um robusto pacote de estímulo fiscal. Cabe notar que tanto o Chile como o Peru eram mais vulneráveis à crise internacional do que o Brasil, pois seus coeficientes de exportação em relação ao PIB são três a quatro vezes superiores ao coeficiente brasileiro, o que eleva o multiplicador negativo da retração do comércio mundial sobre a economia doméstica. O momento em que as autoridades nacionais deveriam ter enviado um sinal firme e inequívoco para o mercado foi na altura do pânico criado pela falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Nesse momento crucial, não havia mais qualquer justificativa para mirar a inflação, em vez da recessão, como o perigo mais claro e presente para a economia. Onde quer que as autoridades não conseguiram responder de forma adequada, a consequência foi a demora da recuperação econômica. O desempenho na gestão da crise tem sido confuso em alguns países. No Brasil, os primeiros sinais de recuperação puxada pelo consumo começam a aparecer. A recuperação é em grande parte resultado da expansão nos gastos correntes do governo federal com pessoal e de uma variedade de programas de assistência social, bem como das reduções de impostos sobre veículos automotores e eletrodomésticos. Isso provavelmente vai ajudar a estimular o consumo por algum tempo. No entanto, a sustentabilidade da atual taxa de crescimento das despesas, sem aumento adicional dos impostos, dependerá de uma vigorosa retomada do investimento produtivo e da expansão industrial. Coisas positivas poderiam ser ditas sobre as medidas de política econômica pósLehman Brothers no Brasil: redução da exigência de depósito compulsório dos bancos junto ao Banco Central (logo no início), garantias para depósitos bancários a prazo (embora um pouco tardias), aumento dos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem organizado com agilidade e substância operações para reestruturar empresas afetadas pela crise. Mesmo assim, não há como negar a evidência: no momento crítico, em setembrooutubro de 2008, a política monetária não deu aos empresários e aos mercados estímulo suficientemente forte e oportuno para evitar uma queda acentuada da produção industrial e do investimento. A taxa real de juros do Brasil, a mais alta do mundo, só começou a ser reduzida, e muito ligeiramente, três meses depois do 15 de setembro. A taxa real brasileira continua a ser a mais alta, levando a moeda nacional a uma excessiva e desnecessária revalorização desde janeiro deste ano, que pode retirar o Brasil do grupo de países que sairão com mais sucesso desta grande crise. Além disso, o investimento público em infraestrutura não atingiu massa crítica suficiente para compensar o investimento privado que despencou. Por trás de algumas características comuns, a América Latina apresenta uma grande diversidade de condições e de intensidade do impacto da crise, que nos alerta contra qualquer tentativa de simplificar a realidade. Algumas economias menores, principalmente na América Central e no Caribe, são dependentes do turismo ou de remessas de imigrantes e foram particularmente atingidas pela recessão. Outras, como as economias e países dolarizados que concentram uma alta proporção do seu comércio no espaço econômico da América do Norte, acompanham de perto as vicissitudes dos Estados Unidos e terão de esperar mudanças afortunadas na economia americana. Já os países que são principalmente exportadores de produtos derivados de recursos naturais têm tido a sorte de encontrar na China uma fonte sustentada de demanda. Estou falando da evolução dos acontecimentos no Brasil e na América do Sul, em vez dos problemas financeiros dos Estados Unidos e do mundo, porque quero salientar um fato central a respeito da gestão da crise. Independentemente de atribuir culpas pelas raízes primárias da crise - banqueiros, reguladores e policy makers americanos -, a responsabilidade última por aceitar passivamente ou neutralizar as repercussões dessa crise em outros países depende da adequação das respostas políticas nacionais. A qualidade das políticas nacionais faz a diferença. Isso me remete ao que devemos esperar das estratégias do governo dos Estados Unidos. A primeira conclusão a tirar da crise é a necessidade de preservar o espaço político nacional. Ou seja, os países devem ser livres para adotar políticas de desenvolvimento de acordo com suas próprias especificidades e interesses. No passado recente, o setor financeiro dos países desenvolvidos pressionou reiteradamente seus governos a impor aos países em desenvolvimento concessões prematuras e perigosas de liberalização financeira, que beneficiaram principalmente a mesma gente que provocou a atual crise. Demasiadas vezes, essa dimensão internacional da volúpia de Wall Street foi uma precondição para acordos de livre comércio. Até organizações internacionais e bancos oficiais participaram ativamente dessa tentativa insensata de promover um falso conceito de globalização. Não é de modo algum coincidência que os dois países que conseguiram resistir mais à pressão - China e Índia - são as duas economias menos afetadas pelo colapso. Além disso, devemos esperar que o governo dos Estados Unidos mantenha seu compromisso com um vigoroso pacote de estímulo fiscal pelo tempo necessário para consolidar a recuperação econômica, sem temores prematuros de volta da inflação. Cabe saudar a determinação do presidente Obama de dar prioridade central à criação de empregos e a reverter o aumento da desigualdade ao longo de décadas de fundamentalismo de mercado. Também louvo sua tentativa de vincular a recuperação econômica à prioridade urgente da luta contra o aquecimento global e pelo desenvolvimento de fontes limpas e renováveis de energia. Ao mesmo tempo, esperamos que o novo governo não adote medidas protecionistas, com dispositivos ao estilo "Buy American". Acima de tudo, desejamos que os Estados Unidos recuperem sua liderança perdida nas negociações comerciais multilaterais, abandonando sua atual dependência de enormes subsídios agrícolas. Finalmente, algumas palavras sobre o futuro papel do G-20. Esse grupo pode não expressar a fórmula ideal e definitiva para a gestão de um mundo globalizado. Não deve ser visto como um substituto para uma reforma do Conselho de Segurança nem como uma espécie de panaceia para resolver todos os problemas internacionais. É, no entanto, um arranjo prático e razoavelmente representativo para enfrentar desafios onde o tamanho e o peso dos países são importantes. Para realizar seu potencial, o G-20 tem de cumprir as ambiciosas promessas feitas em Londres sobre a regulamentação e a supervisão financeiras, especialmente quanto à adoção de uma total transparência e abertura dos mercados de derivativos e outros criados pela inovação financeira. O governo norte-americano está dando um exemplo, ao apresentar um plano abrangente para atualizar e revisar a regulamentação e a supervisão financeiras. Mas, como Geithner e Summers declararam num artigo em jornal, as ações nacionais terão pouco efeito se não forem acompanhadas por normas internacionais semelhantes. Por isso, prometeram que os Estados Unidos irão liderar o esforço para melhorar a regulação e a supervisão no mundo inteiro. É necessário um esforço renovado dos membros do G-20 para honrar seus compromissos de produzir uma significativa reforma do setor financeiro, que o coloque a serviço da promoção da produção e do emprego, e não como um poderoso foco de desestabilização da economia internacional e um fim em si mesmo. Essa tarefa deve ter prioridade total, ou correremos o risco de perder a oportunidade de mudança representada pela crise, permitindo que o esforço de reforma esmoreça à medida que as pessoas relaxem e se deixem iludir por sinais prematuros de uma recuperação superficial. O G-20 deve manter sua palavra e cumprir o solene compromisso de assegurar uma representação mais equilibrada na direção do FMI e do Banco Mundial, dando mais voz e voto aos países em desenvolvimento. A reforma das instituições de Bretton Woods será vista como um teste decisivo da sinceridade e equanimidade das economias industriais avançadas, pois envolve uma redistribuição do poder e da influência de países sobrerrepresentados, principalmente da Europa, em favor de continentes inteiros como a Ásia, a América Latina e a África. Em termos imediatos, é imperativo que o FMI receba efetivamente recursos adicionais para apoiar aqueles que necessitam de ajuda especial. Isso vai além da recém-criada Linha Flexível de Crédito (FCL), mecanismo cuja utilidade já foi demonstrada pela concessão de linhas de crédito de US$ 47 bilhões para o México e de US$ 10,5 bilhões para a Colômbia. É igualmente necessário que os países mais vulneráveis, que hoje não se qualificam para a FCL, não fiquem sem assistência adequada. Gostaria de concluir esta parte deixando aqui uma sugestão prática sobre um tema que é tido como essencial para uma nova ordem mundial. Não mais de 15 países, considerando a União Europeia como uma entidade única, são responsáveis por cerca de 80% de todas as emissões de gás que estão na origem do aquecimento global. Todos eles são membros G-20. O G-20 se tornaria uma instância indispensável da nova ordem internacional se fosse utilizado como fórum de negociação de um compromisso bem-sucedido entre todas as principais economias mundiais - que mereceria ser aprovado na próxima Conferência sobre as Alterações Climáticas de Copenhague. Depois de ter servido como ponto de encontro de perspectivas diferentes, mas convergentes, sobre o risco da crise financeira no presente e no futuro imediato, por que não utilizar o G-20 contra a mais séria ameaça para a civilização humana nos próximos anos? Finalmente, farei um resumo breve sobre a nova dinâmica de crescimento da economia mundial. A posição relativa dos mercados emergentes - vis-à-vis o mercado mundial - deverá ser fortalecida nos próximos anos, em decorrência de três diferenças: 1) nas taxas de crescimento econômico; 2) nos desequilíbrios de conta corrente; e 3) nos níveis de endividamento público. A recuperação econômica será liderada pelas economias emergentes, em particular as economias da Ásia e da América Latina, que dispõem de considerável mercado interno. Antes do colapso do Lehman, esses países apresentavam sólida expansão, a despeito do crescimento declinante das economias maduras. O evento Lehman representou uma inflexão, ao encolher a liquidez mundial e afetar profundamente as economias emergentes. Quando as condições de liquidez se normalizarem no mundo, todavia, deve ser retomada a diferenciação nas taxas de crescimento. A expansão econômica mundial será moderada por algum tempo, mas as diferenças no ritmo de crescimento dos países serão maiores do que antes. Claro, as economias emergentes não podem ser descritas como um bloco: na América Latina, há países com políticas econômicas insustentáveis, como é o caso da Venezuela. Em países da Europa do Leste, os vínculos adversos entre as desvalorizações cambiais e o setor bancário magnificaram a contração da liquidez do choque LB, provocando forte queda da atividade econômica. Na Ásia, algumas economias voltadas às exportações, como a Coreia, têm dificuldades para substituir a demanda externa pela interna. Mas de maneira geral pode-se afirmar que o crescimento das economias emergentes em 2009 e 2010 será superior à expansão nas economias maduras. A comparação entre ambos os grupos de economias mostra que a conta corrente dos balanços de pagamentos esteve praticamente equilibrada (próxima a zero) até 1998. A partir daí, as economias emergentes foram ampliando superávits, que a crise reduziu (de US$ 438 bilhões em 2007 para aproximadamente US$ 300 bilhões em 2009, conforme estimativas do IIF), mas o desequilíbrio deve aumentar novamente em 2010. O chamado arranjo informal Bretton Woods II não se dissipou e as economias emergentes continuarão sendo credoras. A ampla adoção de políticas fiscais contracíclicas levará ao aumento da relação dívida/PIB no mundo inteiro, mas o impacto será mais dramático nas economias do G-7. A dívida líquida dos EUA e do Reino Unido, por exemplo, crescerá para 70% até o final de 2010, quase o dobro dos níveis pré-crise. Outras economias maduras serão mais afetadas ainda. Consequentemente, a percepção de risco relativo dos mercados deve se alterar em favor das economias emergentes, pelo menos daquelas cujos governos saibam praticar políticas econômicas inteligentes. Deve-se esperar, como disse antes, uma redistribuição do poder nas instituições multilaterais como o FMI, além de uma certa apreciação real das moedas nacionais nos mercados emergentes em relação aos países maduros e um aumento do comércio entre economias emergentes. Em alguns casos, isso poderá levar a acordos para o uso das moedas desses países no comércio entre si. Do mesmo modo, deverá haver um aumento dos fluxos financeiros e de investimento entre companhias de economias emergentes, dispensando a intermediação das instituições financeiras das economias maduras. Quais países, entre os emergentes, se sairão melhor e quais países, entre os de economia madura, não se sairão tão mal? A resposta vai depender de circunstâncias objetivas de sua atual inserção na economia internacional e, sobretudo, da qualidade do aproveitamento das políticas econômicas nacionais para, como já disse acima, promover o desenvolvimento, de acordo com suas especificidades e seus interesses. * Governador de São Paulo. Artigo baseado em palestra apresentada no dia 18/06 no Simpósio Foresight USA, em Washington ---------------------------------------------- O Estado de S.paulo 28 06 2009 ''Brasil pode crescer até 5% em 2010'' Fernando Dantas Para Jim O’Neill, o célebre economista-chefe do Goldman Sachs que cunhou a expressão Brics, o Brasil pode crescer até 5% em 2010 e está se saindo muito bem no enfrentamento da crise econômica global. Os Brics são o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Foi em 2001, num relatório do Goldman Sachs, que O?Neill criou a expressão, que ganhou vida própria e levou os próprios Brics a se reunirem como grupo, pela primeira vez, em Ecaterimburgo, na Rússia, no dia 16 de junho. A crise econômica global, segundo o economista, vai antecipar de 2037 para 2027 a sua previsão de que os Brics ultrapassarão em PIB o G-7, as sete principais nações desenvolvidas. A razão, para ele, é que existe um indiscutível descolamento de grandes países emergentes em relação ao quadro sombrio das economias ricas, o que acelerará a convergência. O descolamento, para O?Neill, é totalmente evidente no caso de China e Índia, para os quais prevê crescimento simultâneo a 10% ao ano no início da próxima década. O Brasil, para ele, é um caso intermediário, tendo sido muito afetado inicialmente, mas demonstrando o que considera uma impressionante capacidade de reação. O?Neill mostra-se um entusiasta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chega a atribuir a ele - num arroubo que talvez seja considerado injusto por admiradores do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - o "ambiente de baixa inflação introduzido no início da década". O economista também não mede palavras para elogiar Barack Obama, presidente dos Estados Unidos. Grande fã de futebol e ex-diretor do Manchester United, O?Neill arriscou também palpites para a Copa do Mundo. A seguir, a entrevista, feita por telefone, na quintafeira, da sede do Goldman Sachs em Londres. Como sr. vê o desempenho dos Brics na crise econômica global? Com a exceção da Rússia, acho que foram excepcionalmente bem, particularmente China e Índia. Eu tenho uma visão de que esta crise, na verdade, está se tornando boa para a China, porque a forçou encarar um fato realmente importante: a sua economia era dependente demais do crescimento via exportações, e era evidente que em algum momento eles teriam que mudar esse modelo. Acredito que eles fizeram isto, mais precisamente em novembro passado, quando lançaram seu enorme pacote fiscal e monetário (de estímulo à demanda interna) em reação à crise global. Eu fiquei muito, muito impressionado com a reação da política econômica por parte da China. Então, para a China, e para o mundo, no qual a China é tão importante, a crise foi de fato uma boa notícia. E no caso da Índia? Quando se pensa na história da Índia e no que se chamava no passado de taxas indianas de crescimento, de 3%, o fato de que a Índia vai crescer perto de 6% nesse ano, mesmo com o colapso do PIB mundial e, em particular, do PIB americano, é excepcional. E isso é um sinal, por um lado, de quão positivas foram as mudanças na Índia, e, em segundo lugar, é claro, do quão voltada para si mesma é a economia indiana. Então, houve de fato o chamado descolamento dos emergentes? Sim, a ideia de que o descolamento nunca aconteceu está errada. Quem diz que não houve descolamento, em minha opinião, não sabe do que está falando e não olha as evidências, que são particularmente fortes no caso da China e na Índia. Estamos prevendo para a China crescimento de 8% neste ano e de quase 11% para o próximo. No caso da Índia, ligeiramente abaixo, de 6% em 2009 e 7% em 2010, mas já com a perspectiva de revisar para cima essa projeção. No caso do Brasil e da Rússia, obviamente é diferente. Qual a sua avaliação da situação do Brasil? Nesse caso, a queda do preço das commodities foi um desdobramento negativo, mas eu acho que, a cada semana que passa, a evidência é que o está enfrentando a crise muito bem. A recessão no Brasil provavelmente será superficial. Para o Brasil, não ter uma crise nesse momento é impressionante. muito Brasil muito muito E por que desta vez o País está se saindo bem? Acho que o Brasil tem o mais forte arcabouço de política macroeconômica que eu, que tenho 50 anos, já testemunhei em toda a minha vida. É muito impressionante que o ambiente de baixa inflação que Lula introduziu no início desta década tenha sobrevivido à crise. Isto, na verdade, permitiu que o Brasil reduzisse a taxa de juros durante a crise. O Brasil jamais foi capaz de fazer isso em crises do passado. Você conhece o Paulo Leme (brasileiro que é diretor de pesquisas de mercados emergentes do Goldman Sachs)? Eu estou sempre apostando com o Paulo que o crescimento no Brasil será mais forte e mais rápido do que ele pensa. Acho que no próximo ano é possível que o Brasil chegue a 5% de crescimento. Muitos economistas brasileiros criticam a expansão de gastos com Lula. Qual a sua visão? Tenho opiniões matizadas sobre isso. Acho que esta crítica é claramente verdadeira no longo prazo. No entanto, penso que Lula e seu pessoal sentem que é necessário aplicar políticas que ajudem toda a comunidade de brasileiros e isso requer que eles demonstrem que muitas pessoas podem ser beneficiadas. Então, para eles, cortar fortemente despesas do governo, como as pessoas frequentemente mencionam, traria o risco de se ficar no modelo de Chicago (da Universidade de Chicago, conhecida pelo liberalismo), que falhou de forma tão medíocre em países como a Argentina. Então eu acho que a escolha de Lula deu maior credibilidade social ao Brasil. Por outro lado, isso significa que, olhando para a frente, seja quem for que substitua Lula vai ter, em algum momento, que lidar com esse problema, porque ele existe. Entre os grandes desafios que o Brasil tem pela frente, reduzir o tamanho do setor público talvez seja o maior. Qual a sua projeção para o desempenho dos Brics nos próximos anos? Quando vejo o que está acontecendo na China e na Índia em termos de política econômica, acho possível que, nos primeiros cinco anos da próxima década, esses países cresçam simultaneamente a uma média de 10% ao ano. Isso é uma taxa de crescimento que a Índia nunca teve. Pode ser muito excitante. Quanto ao Brasil, acho que uma taxa de 5% (ao longo de vários anos) é alcançável. Se tivéssemos conversado dois anos atrás, eu seria mais cético, diria algo entre 3% e 4%. Eu acho que muita gente subestima os sinais do desenvolvimento do grupo de renda média no Brasil, formando uma grande classe média. É um desenvolvimento muito positivo. Quanto mais eu penso no Brasil, mais impressionado eu fico. No caso da Rússia, nossas projeções são muito cautelosas, de uma tendência de 3% a 4% nos próximos anos. Como isso afeta a previsão de que os Brics ultrapassarão em PIB o G-7? A crise fez com que eu acreditasse que isso vai acontecer ainda mais rápido. Acho que provavelmente vai ser nos próximos 20 ou 25 anos. Costumávamos prever para 2037 e agora dizemos que será até 2027, dez anos antes. E qual a sua visão sobre os efeitos da crise no mundo rico? Acho que vai ser uma recuperação fraca no mundo desenvolvido. Os Estados Unidos ainda têm esse problema do consumidor estar altamente alavancado, e o consumidor representa um pedaço muito grande do PIB americano. Isso ainda tem de diminuir, é algo que os Estados Unidos não podem evitar. E esse processo é o que torna bem difícil que a economia americana se recupere muito fortemente. E os outros países desenvolvidos? Estou realmente bastante preocupado com a Europa e, particularmente, com a Alemanha. Me surpreende muito que a política alemã permaneça tão presa no que chamo de mentalidade conservadora. Eles têm de mudar a sua forma de pensar para que se tornem menos dependentes da demanda externa, como os chineses fizeram. E os alemães não fizeram. O que é surpreendente, o que é realmente incrível na Europa, e no Japão também, é que, apesar de toda esta crise, ele não mudam as políticas. É surpreendente e amedrontador. Não há, de fato, nenhum ponto brilhante no mundo do G-7. Talvez com a leve exceção do Canadá. E como o sr. vê o Reino Unido, o seu país? Acho que, porque a política econômica pós-crise do Reino Unido foi tão agressiva, o país pode mostrar sinais fortes de recuperação no próximo ano e surpreender muita gente, crescendo mais rápido do que se prevê. Mas o Reino Unido também tem desafios muito sérios em termos de políticas mais estruturais. Como o sr. avalia o governo Obama até agora? Eu sou um sócio pleno do fã-clube do Obama. Essa crise requeria uma reação de política econômica agressiva por parte do governo e capacidade de comunicação com o povo americano em tempos muito complexos, e penso que ele conseguiu. Acho que, até agora, Obama tem sido exatamente aquilo de que os Estados Unidos precisavam e que o mundo precisava. Me impressiona muito o seu estilo de diálogo com muitos países estrangeiros, incluindo seu posicionamento diante da complexa e frágil situação no Irã. E as mudanças na regulação do sistema financeiro? Não estou seguro de que seja o produto final. Temos mais um arcabouço do que o provável produto final. O que me agrada neste arcabouço é que eles estão tentando ser cuidadosos, enquanto na Alemanha e em boa parte da Europa o desejo é apenas de regular mais pela vontade de regular mais. Não é a coisa certa de se fazer, e acho que os Estados Unidos estão sendo mais cuidadosos com essa questão. Quais são as principais lições da crise? Esta é a sétima crise que acompanho profissionalmente. A primeira foi a crise da dívida latino-americana, em 1982. O que tenho a dizer é que algumas coisas boas podem resultar de toda e qualquer crise. Nesta agora, acho que teremos como consequência uma economia mundial mais equilibrada entre o consumo dos Estados Unidos e a poupança da China. Aliás, essa foi a primeira "crise Facebook (site de relacionamentos)". Eu quero dizer que a disseminação da informações fez com que 6 bilhões de pessoas tivessem fortes opiniões sobre a crise, e eu penso naquela grande frase, de que um pedaço de informação é mais perigoso do que nenhuma. Foi de fato uma crise terrível, mas houve muito exagero. Muita gente estava convencida de que seria como nos anos 30, o que é ridículo. Era fácil de se prever que os países teriam a reação, em termos de política econômica, que eles tiveram. O que o sr. acha do fato de que a ideia dos Brics, criada pelo sr., tenha sido assumida pelos próprios governos desses países, que formaram um grupo? Algumas pessoas me perguntam se eu acho que eles teriam formado o grupo, se eu não tivesse pensado na sigla. Não sei se o fariam, talvez não arrumassem uma desculpa para isso. Na verdade, penso coisas contraditórias sobre o tema. Não acho que seja um grupo para o qual faça sentido se reunir em bases permanentes. Qual seria o objetivo? Mas todos os Brics deveriam ser parte de um G-7 ou G-8 mais efetivo e ter mais poder de decisão em um FMI e um Banco Mundial reformados. E até que isso aconteça, acho que faz bastante sentido que os Brics se reúnam entre si, separadamente. É quase como uma teoria dos jogos geopolítica. Então, como um desenvolvimento temporário, é perfeitamente sensato, mas não faz sentido numa base permanente. Outros países emergentes não deveriam ser incluídos nos Brics? Há cerca de quatro anos, quando eu frequentemente era perguntado sobre isso, dizia que, para ser considerado um Bric, o país teria que já representar 5% do PIB mundial ou teria de se acreditar que, na próxima década, ele teria uma forte chance de chegar a esses 5%. Acho que, fora dos quatro Brics, isto é muito, muito difícil. Então, apesar de que há algumas coisas excitantes em relação à Indonésia, Turquia, talvez até Nigéria e Irã, esses países não têm a menor chance de se tornar tão grandes na próxima década. Pessoalmente, como o sr. se sente como criador da expressão Brics? Orgulhoso, mas também embaraçado. Embaraçado? Eu jamais sonhei que seria tudo isso; é embaraçoso. Sou apenas um cara qualquer de Manchester que gosta de futebol. Por falar em futebol, o sr. também tem previsões para a Copa do Mundo na África do Sul? Espanha ou Brasil, parece. Quem sabe a Inglaterra. E pode me cobrar depois estas projeções. Quem é: Jim O? Neill É PhD pela Universidade de Surrey, Inglaterra Começou no Bank of America em 1982 Em 2001, cunhou a sigla Bric para se referir aos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China É autor do livro ?Building better global economic Brics? lançado em novembro de 2001 -------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009 ALBERT FISHLOW Milagres acontecem O milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha ajudará a dar a Obama o período de experiência que ele merece OS EUA venceram a Espanha na quarta pela Copa das Confederações. Foi um verdadeiro milagre. Eventos como esse raramente ocorrem duas vezes seguidas. Assim, é provável que o Brasil vença hoje, repetindo a vitória anterior sobre os EUA. Há uma lição nisso. Todo mundo se preocupa com as questões importantes do momento. Há diversas delas: como melhor responder às circunstâncias políticas iranianas, que se tornaram subitamente incertas; como administrar o problemático sistema financeiro internacional; como garantir uma recuperação sustentável da Grande Recessão; e há diversas outras que se poderia mencionar. Basta acompanhar as notícias na internet. Há momentos em que simplesmente depositamos nossas esperanças em um milagre, em lugar de empreender a difícil tarefa de procurar soluções adequadas para problemas futuros quase inevitáveis. As mudanças demográficas são uma dessas questões. A população mundial com idade superior a 65 anos deve triplicar até 2050, o que a conduzirá a 17% do total. Um recente relatório da União Europeia demonstra que o envelhecimento futuro provavelmente custará 5% do PIB até 2060, e possivelmente ainda mais caso os índices de crescimento não se recuperem. E essa é apenas a média. Alguns países, aqueles que ainda não ajustaram seus sistemas de aposentadoria a uma redução na fertilidade e a expectativas de vida mais longas, podem enfrentar consequências muito mais graves. Essa é uma questão bastante relevante para o Brasil. O aumento em sua população com idade superior a 65 anos deve continuar, dobrando-a até 2050 e elevando sua proporção a 18% do total de habitantes. Ao mesmo tempo, a despeito de duas emendas constitucionais recentes e de alterações na legislação causadas por elas, a porcentagem da receita dedicada às aposentadorias públicas já está em cerca de 12% do PIB. Ela vai continuar a se expandir, e o déficit, controlado no momento, começará a crescer no futuro. Quanto mais longa a espera, maior precisará ser a futura elevação dos tributos, ou a redução nos benefícios recebidos. A mesma realidade infortunada se aplica aos EUA. Fomos capazes de ignorar por bastante tempo o desequilíbrio em nosso sistema de previdência social, condicionado a desembolsar apenas os valores contribuídos. Talvez, nesse caso, exista uma desculpa legítima. O foco agora é identificar maneiras de avançar em direção a um sistema universal de saúde que ofereça uma alternativa pública competitiva de cobertura. Os custos de saúde já excedem o total da poupança nacional, antes mesmo que os norteamericanos da geração "baby boom" (nascidos entre 1946 e 1964) comecem a se aposentar. Os dispêndios representam proporção muito superior à média internacional em termos de receita nacional, mesmo que as nossas estatísticas de saúde sejam incapazes de acompanhar os ganhos realizados em outros lugares. Não se pode fazer tudo, ou ao menos essa costumava ser a opinião dominante. O presidente Obama, tendo em mente a diversidade de sua base eleitoral, decidiu encarar uma gama muito mais ampla de questões sociais do que qualquer outro presidente recente. Ao mesmo tempo, em larga medida não vem ignorando os grandes problemas internacionais e econômicos que herdou. A situação é urgente. O público se torna impaciente quando não encontra resultados finais imediatos. Talvez o milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha ajude a conceder a Obama o período de experiência mais longo que ele merece. ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna. [email protected] ---------------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009 LUIZ GONZAGA BELLUZZO Lições de Alan Greenspan Sem os bancos e os negócios do dinheiro, o capitalismo estaria nos tempos do tílburi e da poupança sob o colchão EM ARTIGO publicado no "Wall Street Journal" de 19 deste mês, Alan Greenspan ensina: o risco sistêmico é quase exclusivamente um fenômeno das instituições financeiras. "A inadimplência de grandes instituições pode desmantelar o sistema financeiro e com ele o resto da economia, devido às múltiplas e intrincadas relações entre a finança e a atividade econômica." Greenspan diz que os riscos gerados por empresas não financeiras -independentemente de seu tamanho- ficam restritos aos seus credores, fornecedores e clientes. Raramente têm impacto mais amplo. Greenspan diz o óbvio ou o que deveria ser óbvio para qualquer cidadão razoavelmente informado sobre a natureza da moderna economia monetária e de crédito. Melhor dito: sobre as relações entre crédito, moeda e atividade econômica na economia capitalista contemporânea. Repito o que já disse nesta coluna: nessa economia com grande concentração de capital fixo e dominância dos bancos na pirâmide de intermediação financeira, a dinâmica de longo prazo está fundada na busca do aumento da produtividade social do trabalho, o que, por sua vez, impulsiona a competição feroz entre grandes empresas pela inovação tecnológica incorporada nas novas gerações de insumos e equipamentos. Essa dinâmica está amparada na capacidade dos bancos de emprestar (criar liquidez), diversificando o risco, um múltiplo dos depósitos à vista escriturados em seus registros. Os passivos bancários podem ser exigidos pelos depositantes sem pré-aviso e mobilizados por eles como meios de pagamento. Os bancos "criam" moeda. Todas as inovações financeiras são descendentes das técnicas de "alavancagem" e das tentativas de repartir o risco. Não fossem os bancos e os negócios do dinheiro, o capitalismo estaria resfolegando (se é que estaria) nos tempos do tílburi, do "capitão de indústria" e da poupança escondida, em notas graúdas ou miúdas, sob o colchão. A rede de pagamentos formada pelo sistema bancário é crucial para o funcionamento adequado dos mercados. Ela se constitui na infraestrutura que facilita o "clearing" e a liquidação de operações entre os protagonistas da economia monetária. Dificuldades nessas instituições, que formam o sistema de provimento de liquidez e de pagamentos, geram inevitavelmente dificuldades para o conjunto da economia. Por isso, a desregulamentação financeira, estimulada e celebrada por Greenspan, abriu as comportas para a "invasão" do risco sistêmico no coração do capitalismo. Na contramão das regras impostas nos anos 30, os bancos comerciais passaram a operar como supermercados financeiros, valendo-se da "securitização" de créditos, do envolvimento em posições nos mercados de capitais e em operações "fora do balanço" com derivativos. Os gestores de portfólios -bancos de investimento, seus fundos mútuos e de hedgena sofreguidão de bater os concorrentes, trataram de turbinar os resultados mediante a alavancagem financiada pelos bancos comerciais. Os filhotes da desregulamentação empenharam-se em espalhar o risco sistêmico. LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia). -----------------------------------------Jornal do Brasil 28 06 2009 A volatilidade da moeda americana Steve Hanke ECONOMISTA O curso do dólar americano nos últimos anos não tem sido nada estável. De novembro de 2002 até a metade de julho de 2008, a moeda americana perdeu 37% do seu valor em relação ao euro. Esse período de debilidade do dólar começou quando Ben S. Bernanke, então diretor e agora presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), convenceu Alan Greenspan, presidente na época, de que os EUA estavam enfrentando a deflação. Em consequência disso, o Fed pressionou o acelerador monetário. Em julho de 2003, a taxa de fundos do Fed tinha sido reduzida para 1%, e se manteve nesse valor por um ano. Esse índice de juros artificialmente baixo originou todos os ciclos de liquidez. O índice de juros artificialmente baixo encorajou os investidores a assumirem riscos indevidos, em busca de qualquer lucro disponível, por menor que fosse. Na luta para extrair o máximo de pequenos lucros, a palavra de ordem passou a ser "alavancar". A prática chamada carry trade – aplicação financeira que consiste em tomar dinheiro emprestado a uma taxa de juros menor em um país de moeda fraca e aplicá-lo em outro de moeda mais forte – também se popularizou. O montante de dívida resultante não teria outra opção a não ser entrar em colapso, e foi o que aconteceu. Da metade de julho de 2008 até o final de novembro do mesmo ano, o dólar mudou de rumo, subindo, em comparação ao euro, com 28% de apreciação. Foi durante esse período que as bolhas de títulos criada no início começaram a estourar. Consequentemente, a demanda por dólares decolou à medida que as carry trades foram liberadas e que investidores se dispersaram para se proteger da crise. Quando as coisas começaram a melhorar em dezembro de 2008, o dólar mudou de curso outra vez. De fato, no período de dezembro de 2008 a junho de 2009, a moeda americana desvalorizou em 11% em relação ao euro. O volátil dólar estava, entre outras coisas, em uma insana montanha russa de preços de commodities. A conexão entre o dólar e o preço das commodities existe porque a maioria das commodities são negociadas e cobradas em dólares. Na verdade, a fraca moeda americana foi responsável pelo aumento do preço das commodities durante a alta do mercado em julho de 2008. Petróleo Por exemplo, o petróleo bruto foi comercializado no mercado spot a US$ 19,84 por barril em 28 de dezembro de 2001. Ajustado de acordo com a oscilação do dólar, caso não houvesse nenhuma mudança nas bases do produto, o preço nominal do petróleo bruto em 11 de julho de 2008 deveria ter sido de US$ 81,45 por barril. Na realidade, nesta data o barril chegou a custar US$ 145,66. Logo, a desvalorização do dólar contribuiu para o aumento de 51% nos preços desde o final de 2001 até a metade de julho de 2008 e os aspectos positivos (mudanças no suprimento e na demanda) contribuíram para o aumento de 49% do preço de petróleo bruto. O dólar, que funciona como uma espécie de moeda mundial, tem dado margem a reclamações de produtores e consumidores de commodities visto que estes não gostam da instabilidade de preços decorrentes da volatilidade da moeda. Não é surpresa para ninguém que a Rússia e a China tenham sugerido criar uma nova moeda de reserva internacional. Moscou e Pequim sugeriram trocar a moeda americana por Direitos Especiais de Saque (SDR, em inglês) do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os SDR foram criados em 1969. Atualmente, consistem em uma métrica artificial de 0,6 dólares americanos, 0,4 euros, 18,4 ienes e 0,09 libras esterlinas. O valor desta moeda flutua juntamente com as taxas de câmbio. Hoje, um SDR equivale a U$S 1,54. Os SDR não são um pedido nem um meio tangível de troca. É apenas uma métrica de contabilidade que o FMI usa para equilibrar seus livros. Isso levou o economista brasileiro Alexandre Kafka, que atuou como diretor executivo do FMI por mais de três décadas, a lamentar o fato da "cesta de moeda" do FMI ter se tornado um problema. Até poucos meses atrás, parecia que a experiência de mais de 40 anos tinha fracassado. Será que fracassou mesmo? Embora os SDR estejam longe de assumir o posto de moeda de reserva mundial em detrimento do dólar, o universo parece conspirar para um polêmico debate acerca do futuro papel dos SDR na economia mundial. Talvez, muito em breve, se escreva um novo capítulo da longa saga dos SDR. Como precursor, a reunião do G20 realizada em Londres em abril de 2009 prometeu aumentar a alocação dos SDR do FMI em US$ 250 bilhões. Isso é um aumento de quase oito vezes em relação às ações atuais de US$ 32 bilhões. Além disso, a Rússia está mostrando as garras e a China está ganhando terreno no jogo do poder econômico. Ambos os países estão pressionando a economia em favor de um uso mais amplo dos SDR. E isso não é tudo. O atual diretor geral do FMI é Dominique Strauss-Kahn, socialista francês que defende arduamente a implementação dos SDR. Curiosamente, a última vez que os SDR foram tão valorizados foi no final da década de 70, quando o FMI tinha como diretor geral outro ilustre francês, Jacques de Larosière. A hegemonia do dólar nunca foi bem vista por Paris. Com a ajuda de Moscou e Pequim, é provável que os SDR se tornem o tópico favorito das negociações, se não for além disso. ----------------------------------------------------- ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS O Estado de S.paulo 28 06 2009 ''Ouvi falar do assunto na aula de geografia'' Geração pós-estabilidade não sabe o que é inflação Os tempos de inflação alta e descontrolada são uma vaga referência histórica para uma geração que cresceu com o Plano Real. "Sei que antigamente os preços variavam muito num mesmo dia", conta Juliana Rossi, que completou 15 anos em abril, a mesma idade que o real vai fazer em 1º de julho. "O professor de geografia já falou um pouco sobre o assunto", recorda Beatriz Camargo, também de 15 anos, que estuda com Juliana no primeiro ano do ensino médio no Colégio Augusto Laranja, em São Paulo. As meninas não viveram uma época em que o freezer horizontal era um item presente em várias casas, por causa da necessidade de se estocar alimentos. "Você tinha de fazer aquelas compras enormes porque no fim do mês o reajuste era de até 80% nos preços", diz o professor da Faculdade de Informática de Administração Paulista (Fiap), Marcos Crivelaro. Outro motivo que levava essa corrida aos supermercados era o tabelamento de preços, que por vezes causava desabastecimento do comércio. "O controle de preços desarticulou a oferta e fez com que várias mercadorias fossem vendidas com ágio. Nessa época eram comuns os açougues que trabalhavam de portas fechadas", lembra o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Heron do Carmo. Na véspera da implantação do Plano Real, em junho de 1994, a inflação medida pelo IPCA estava ao redor de 50% ao mês, segundo cálculos de Crivelaro. No ano seguinte à criação do plano, em 1995, a inflação mensal média foi de 1,7%. Em maio deste ano, a variação foi de 0,47%. Um dos principais efeitos do controle da inflação foi o surgimento de um consumo mais consciente no País, por causa do estabelecimento de um referencial de preços, na hora da compra. "O processo de compra, por conta da inflação acelerada, tinha pouca racionalidade", afirma o economista da FGV Projetos, Fernando Blumenschein. A estabilidade de preços trouxe também ganhos econômicos. "Os restaurantes, na época da inflação, tinham de mudar o cardápio a cada 15 dias. Isso envolve recurso, tempo e perda de recurso produtivo", explica. O perfil dos investimentos também mudou nos últimos 15 anos. Ativos que eram comprados para proteger o patrimônio , como imóveis, terras e carros, deram lugar ao investimento produtivo. "As pessoas passaram a utilizar menos esses meios e se preocuparam mais em investir", diz Blumesnchein. Essas mudanças já foram assimiladas por boa parte da população, que vai poder planejar seu futuro num cenário de inflação controlada. Graças à estabilidade econômica, o Brasil começa a perceber a entrada de novos produtos financeiros. "Vamos ver alguns modelos que já existem lá fora, como financiamento longo, por causa da taxa de juros baixa", diz Crivelaro. A melhor distribuição de renda, induzida pelo plano, também vai contribuir para isso, diz o economista. Gradativamente, o acúmulo de poupança da população permitirá que compras menores sejam feitas à vista. "Indiretamente, isso resolve vários problemas porque faz com que a inadimplência caia e os juros diminuam", explica. Atualmente, tanto Juliana quanto Beatriz são um exemplo dessas mudanças em relação à referência de preços. Juliana prefere comprar sempre à vista, para obter desconto. Já Beatriz mostra que acompanha os preços no mercado. "No ano passado, uma latinha de milho, por exemplo, custava R$ 0,49 e hoje sai por R$ 1", observa. -----------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009 Fed assume aposta arriscada de US$ 2 tri Créditos de recebimento duvidoso devem aumentar com a compra de mais US$ 1,25 trilhão em títulos hipotecários Dinheiro é usado para financiar programas de ajuda a bancos e empresas e tentar reanimar o mercado imobiliário, raiz da crise FERNANDO CANZIAN DE NOVA YORK Em intervenções sem precedentes para tentar reverter a atual recessão, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) dobrou em menos de um ano o volume de créditos de recebimento altamente duvidoso despejados na economia norteamericana. Boa parte do dinheiro foi injetado em empresas virtualmente falidas. Ou para que outras companhias pudessem se financiar com o Fed garantindo 100% da rolagem ou emissão de dívidas -já que elas não contam mais com a confiança de investidores privados. Nos últimos nove meses, a carteira de créditos a receber do Fed saltou de US$ 1,13 trilhão para US$ 2,03 trilhões (quase a metade do Produto Interno Bruto da China). O valor voltará a crescer rapidamente agora. O Fed anunciou na semana passada que comprará mais US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA e US$ 1,25 trilhão em papéis hipotecários. Somados, os dois valores representam cerca de 10% do PIB dos EUA. O objetivo dessas ações é financiar programas de ajuda a bancos e empresas e tentar reanimar o mercado imobiliário, que está na raiz da atual crise. Com mais dinheiro circulando na economia, a tendência é que o custo do dinheiro caia (para financiamentos, por exemplo), ajudando na recuperação. Em muitos casos, o dinheiro do Fed foi dirigido a empresas que estariam hoje quebradas se não tivessem sido estatizadas. Entre elas, a AIG (maior seguradora do mundo) e o banco Bear Stearns, que praticamente quebrou no ano passado e que foi comprado pelo JPMorgan Chase com a ajuda de dinheiro público. O dinheiro também serviu para garantir emissões de dívidas de bancos com problemas, como o Citigroup, e de empresas como a General Motors (ambos têm hoje o governo dos EUA como maior acionista). Nesta crise, e pela primeira vez em sua história, o banco central dos EUA está garantindo diretamente a emissão de títulos de centenas de empresas e bancos no país que, diante da desconfiança de investidores privados, não conseguem levantar dinheiro no mercado. Se essas companhias quebrarem ou não pagarem suas dívidas, o prejuízo direto será assumido pelo Fed. A aposta do banco central norte-americano é que a economia comece a se recuperar até o final do ano, com o consumo aumentando e melhorando a saúde das empresas -contribuindo para que estejam aptas a pagar os créditos recebidos. A mesma aposta deve elevar a dívida pública dos EUA como proporção de seu PIB dos atuais 44% para 65% até 2010, segundo projeções oficiais do Comitê de Orçamento do Congresso. Sinais contraditórios Nas últimas semanas, persistem sinais extremamente contraditórios sobre o quadro econômico nos EUA. O comportamento errático da Bolsa de Valores de Nova York reflete quase que diariamente a alternância entre boas e más notícias. Muitos veem a tendência geral de valorização (+3,6% em 30 dias no índice S&P 500) como "otimista demais". "A recuperação do mercado veio antes da retomada da atividade. Não ficarei surpreso em ver um pouco de ar saindo disso [em referência a uma possível nova "bolha'], diz Jim Dunigan, do PNC Wealth Management. Alguns analistas consideram que o mercado acionário ainda poderá ter muitos altos e baixos antes de se firmar baseados na atividade econômica. Na crise da década de 1930, foi ensaiada mais de meia dúzia de recuperações. Mas elas não vingaram antes de 1933 (veja gráfico nesta página). Segundo pesquisa da consultoria TrimTabs, as vendas de ações de empresas que formam o índice S&P 500 somaram US$ 2,6 bilhões em junho. As compras, menos de US$ 120 milhões, sinal de pessimismo. Outra pesquisa feita entre executivos de grandes empresas revela que no segundo trimestre o índice de confiança dos empresários subiu de 5 pontos negativos entre janeiro e abril para 18,5 pontos positivos (abaixo de 50 pontos, as empresas esperam contração). "É mais visível que ninguém espera a continuidade da queda livre, mas também ninguém acredita que vamos começar a crescer já", afirma Ivan Seidenberg, presidente da Business Roundtable, que faz o levantamento. --------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009 A sociedade como sacrifício Marco Aurélio Nogueira Basta passar os olhos pelo noticiário ou observar a vida cotidiana para notar que algo desafina no plano das instituições. A insatisfação com elas é difusa. O malestar dentro delas, indisfarçável. Elas nos desagradam, aborrecem-nos ou não nos inspiram confiança, seja na política (partidos, Casas legislativas), na educação (escolas, universidades) e na segurança pública (polícia, presídios), seja na economia (empresas, mercados) e na vida associativa primária, na família. Precisamos de sociologia para discutir o ponto. Não dá para achar que as instituições falham porque são defeituosas, mal dirigidas ou mal organizadas. Nossa época está atravessada por três processos que se superpõem, potencializando a globalização, a conectividade geral e o ritmo veloz que imperam por toda parte. As sociedades modernas estão sendo gradativamente reconfiguradas, antes de tudo, pela individualização: os indivíduos se "soltam" dos grupos, que sobre eles exercem cada vez menos poder e controle. Soltando-se dos grupos, soltam-se também das instituições. A individualidade tornou-se um valor inestimável, tanto no sentido da privacidade quanto no sentido da "autonomia moral", do pensar e decidir com a própria cabeça. E muitos desses indivíduos individualizados se tornam individualistas, egoístas, indiferentes aos demais. Individualização, individualidade e individualismo tornaram-se, assim, condições estruturais. Combinados com os demais traços da época, explicam muitos dos dilemas associativos atuais, que refletem um quadro de "dessolidarização". As instituições não funcionam bem porque não conseguem incluir, congregar e coordenar os indivíduos, que delas escapam ou a elas se tornam indiferentes. Os indivíduos necessitam delas, mas são levados a viver como se seguissem uma carreira-solo, alheios a vínculos e compromissos coletivos. Nem sequer na dimensão privada da vida as coisas estão ajustadas. O alto índice de divórcios, os crimes passionais hediondos e os novos formatos de família e relacionamento revelam que certos equilíbrios foram perdidos, mas também sugerem a presença de um maior desejo de liberdade. Conservadores e tradicionalistas, com maior ou menor dose de ingenuidade, acreditam que tudo se deve à degradação dos costumes, que se recuperariam caso a ordem e o rigor moral voltassem a prevalecer no seio das famílias. Para eles, o desejo de liberdade é subversivo e precisa ser contido. Devemos pensar com cuidado. A vida coletiva não se esgotou, nem as pessoas e os grupos andam às tontas pelo mundo. Todos sabem que uns precisam dos outros e que todos precisam de limites e coordenação, mas a tendência prevalecente indica que o poder das instâncias coletivas se reduziu. Ele continua a existir, evidentemente, mas não porque o coletivo forneça direção e identidade a seus integrantes ou aumente a potência deles como sujeitos, e sim porque lhes possibilita reforçar demandas e posições. Ao perderem o hábito de valorizar o coletivo, as pessoas tendem a se ver mais como "vítimas" do que como beneficiárias da vida em sociedade. Elas estão, de fato, sobrecarregadas de pressões e de problemas e não têm muito com quem dividir isso. Nem sequer o trabalho e o emprego - esses trunfos categóricos do gênero humano - conseguem hoje organizar as pessoas. É compreensível que sintam o coletivo como um fardo, que se deve suportar com abnegação ou asco. A vontade de ser livre e independente, de pensar com autonomia e criar as próprias regras, introjetou-se na consciência social. Ganhou impulso com as transformações que vêm atingindo as sociedades contemporâneas. Animada e embaralhada pela possibilidade que se tem hoje de se fazer tudo, ou quase, acabou por dissolver a percepção do social. Mas a vida coletiva continua a existir e, nessa medida, continua a exigir que se aceitem regras e se coopere. Isso implica ao menos duas coisas. Numa dinâmica tradicional, ou estruturalmente autoritária, implica o sacrifício do indivíduo e de seus desejos, o silêncio e o bloqueio de sua mobilidade. O grupo prevalece unilateralmente sobre as pessoas, monitorando-as sem apelação. É um sacrifício imperceptível, mas nem por isso menos real, já que o indivíduo nem imagina a possibilidade de escapar à regra e sofre as limitações como um "fato natural". Numa dinâmica social moderna, diferenciada e democratizada, como a nossa, implica o sacrifício do individualismo, a capacidade de compreender o todo, assumir as próprias responsabilidades e contribuir para a organização justa do coletivo. Os indivíduos prevalecem sobre os grupos, porque podem fazer escolhas sem consultálos ou pedir licença. É um sacrifício complexo, consciente e responsável, que exige altas doses de reflexividade, espírito cooperativo e disposição para o diálogo, sob pena de projetar a comunidade para o caos ou a impotência. Aceitar a presença de minorias ideológicas ou corporativas, por exemplo, exige o sacrifício da vontade de potência das maiorias, silenciosas ou não, do mesmo modo que a liberdade de ação das minorias exige, da parte delas, o respeito às regras básicas de convivência e aos direitos dos indivíduos. O reconhecimento do direito de uns pressupõe o igual reconhecimento do direito de outros. Encontrar um ponto de equilíbrio entre essas dimensões - o coletivo e o individual, as regras e a liberdade - é um desafio permanente, que se mostra tanto mais complicado quanto mais as sociedades se diferenciam e se individualizam. Em sociedades desse tipo não se pode vencer categoricamente, com a marginalização dos dissidentes, e nenhuma conquista pode ser obtida na base da força ou da violência (física ou verbal). A argumentação persuasiva, a tolerância e a ação política inteligente são os únicos recursos dos sujeitos políticos. Nelas, a ordem silenciosa e o ruído caótico bloqueiam a democracia e funcionam como empecilhos igualmente perversos para a mudança. Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp. Email: [email protected] ------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009 O naufrágio político do senador Nos últimos oito anos, pesadas denúncias derrubaram três presidentes do Senado. Os dois primeiros, Antonio Carlos Magalhães (ACM) e Jader Barbalho, renunciaram ao mandato para não serem cassados e ter suspensos os direitos políticos em decorrência de processos contra eles no Conselho de Ética, por quebra de decoro. O terceiro, Renan Calheiros, renunciou apenas à presidência no bojo de um acordo que lhe permitiu manter a cadeira de senador. Foram três episódios não menos deploráveis do que os fatos que lhes deram origem. ACM saiu em maio de 2001 (para voltar em 2003) porque se comprovou que ordenara a violação do painel eletrônico de votações da Casa. Barbalho saiu cinco meses depois (também para voltar, mas dessa vez à Câmara) porque se comprovou que mentira aos seus pares sobre o seu envolvimento em desvios de verbas no Banco do Estado do Pará e porque barrou um requerimento que pedia ao Banco Central os relatórios elaborados sobre o assunto. E Calheiros precisou entregar os anéis para conservar os dedos porque se comprovou que usara laranjas para comprar um grupo de comunicação em Alagoas - descoberta que se seguiu à notícia de que um lobista de empreiteira pagava as suas contas relacionadas com uma ligação extraconjugal. Cada história é uma história. Mas a trajetória da queda é a mesma nos três casos. Simplificando, passa por duas etapas. A primeira é o esgarçamento da roupagem de inocência que os acusados envergam tão logo brotam as denúncias que os expõem. À medida que elas se robustecem, as costuras do traje se desfazem e a ruptura da aparência de moralidade ostentada pelos visados conduz ao ato derradeiro: a vaporização das condições políticas para a sua permanência no comando da instituição. É quando soa oca até aos aliados da véspera a teoria conspiratória a que invariavelmente se agarram, fantasiados de vítimas, como à proverbial tábua de salvação dos náufragos. É nessa estação que se encontra o senador José Sarney, a cada dia mais perto de não conseguir completar o seu terceiro mandato na presidência da Casa, para o qual foi eleito em fevereiro último. Contra ele não pesa nada tão definido ou contundente como um painel, um banco, um lobista. Mas o apadrinhamento do capo da burocracia do Senado, o ex-diretorgeral Agaciel Maia, que, em 14 anos de vastos poderes e em conluio com sabe-se lá quantos políticos, produziu uma profusão de escândalos. Na era Agaciel, proliferaram nomeações de parentes e apaniguados de Sarney - enquanto, a julgar por seus protestos de ignorância, ele pisava nos astros, distraído. O seu obstinado distanciamento da enxurrada de atos administrativos secretos trazidos à tona nas últimas semanas levou de roldão as credenciais éticas que pudesse ter para "limpar as lixeiras da Casa", conforme as palavras que escolheu para dizer o que não queria fazer. Daí ao desfalque de seu patrimônio político foi um passo, na repetição do velho script. "Tem de sair", discursou na quinta-feira o correligionário Pedro Simon, do PMDB gaúcho, o primeiro da fila de colegas com a mesma exigência, na gritante ausência de qualquer líder sarneysista em plenário e dele próprio. A gota d?água foi a revelação do Estado de que José Adriano Cordeiro Sarney, neto do presidente e filho de um deputado, é sócio de uma empresa que desde 2007 intermedeia empréstimos consignados para servidores do Senado, um negócio que movimenta cerca de R$ 144 milhões por ano na instituição. A resposta do clã foi invocar o respeitável currículo acadêmico do neto. Como se o ponto fosse esse e não o provável favorecimento na contratação da sua firma - ainda mais em um setor já sob investigação policial por corrupção e tráfico de influência, envolvendo o ex-diretor de Recursos Humanos da Casa João Carlos Zoghbi, vinculado a Agaciel Maia. Jogando a carta forjada do complô, Sarney tentou atribuir a divulgação do caso a "uma campanha midiática" para atingi-lo, presumivelmente em razão do seu "apoio ao presidente Lula e seu governo". O pedido de socorro não poderia ser mais eloquente. Mas Lula já baixou o tom de sua defesa do aliado. Não repete que ele não pode ser tratado "como se fosse uma pessoa comum". Agora se limita a dizer que Sarney "tem um compromisso de fazer apuração e ele diz que está fazendo". Para arrematar: "Só espero que haja apuração, só isso." ---------------------------------O Estado de S.Paulo 28 06 2009 ''Vamos fazer algumas aquisições este ano'' Fernando Nakagawa Planos ousados têm sido traçados no alto de um edifício circular no centro da capital federal. Do 21º andar da sede da Caixa Econômica Federal, a diretoria do banco se prepara para aquele que será o mais desafiante voo da instituição que sempre teve a imagem de banco social, que cuida da habitação e saneamento, áreas ignoradas pelos concorrentes privados. Agora, a situação mudou. A Caixa está em negociação para comprar outras instituições. Quer crescer para emprestar mais. É a recomendação do governo. E a presidente da instituição, a recifense Maria Fernanda Coelho, tem seguido o plano à risca. Mira o financiamento de veículos, o empréstimo consignado e as empresas de médio porte. "Daqui até o fim do ano vamos ter feito algumas aquisições." Diretores, porém, alertam que a cautela é uma marca de Maria Fernanda. Portanto, não será surpresa se negócios forem anunciados bem antes disso. Em entrevista ao Estado, ela defendeu a atuação mais forte dos bancos públicos e diz que os seguidos cortes de juros anunciados pela instituição já rendem frutos. Para Maria Fernanda, concorrentes privados começaram a reduzir os juros e os spreads bancários - diferença entre a taxa de captação paga pelos bancos e a cobrada dos clientes nos empréstimos - porque bancos como a Caixa e o Banco do Brasil despertaram a concorrência. A seguir, os principais trechos da entrevista. A Caixa é um dos principais instrumentos do governo para ajudar na ampliação do crédito. Mas há quem diga que a rápida expansão recente fez o banco chegar perto de um limite nos canais de distribuição de produtos. Há algo que possa impedir a continuidade do crescimento dos empréstimos nos próximos anos? Que impeça, diria que não. O que existe é a perspectiva de que podemos crescer não só de forma orgânica, mas também através de aquisições. Hoje, não vejo nenhum impedimento para o crescimento da Caixa, considerando a estrutura que temos. Agora, é fato que, com a criação da CaixaPar (subsidiária que poderá comprar participação em empresas), abriram-se novas oportunidades. A CaixaPar vai dar um outro patamar competitivo à instituição. Se os canais de distribuição de produtos não impedem o crescimento, por que adquirir outras instituições? Os canais podem ser otimizados. Eu posso ter a chance, por exemplo, de ter uma participação que me permita operar em alguns nichos em que somos ainda tímidos. Isso vai permitir um crescimento muito mais rápido do banco. Em que setores há mais espaço para essas prospecções? Veículos é um exemplo. No crédito à pessoa física, ainda temos espaço para crescer. Mesmo no crédito consignado, onde nós começamos, há espaço. Para as pessoas jurídicas, (há espaço) no segmento de médias empresas, onde podemos levar operações estruturais para esses clientes. Especialistas dizem que a grande lacuna da Caixa é não ter uma financeira. O mercado tem várias instituições independentes nesse segmento. Há chance de uma aquisição de financeira? A CaixaPar tem feito estudos, está fazendo prospecções. Não vou adiantar agora porque isso ainda é parte de um estudo que está sendo feito com muita segurança. A própria medida provisória (que criou a CaixaPar) assim o previu. Então, você precisa ter um processo de prospecção bastante efetivo. Mas posso dizer que daqui até o fim do ano vamos ter feito algumas aquisições. Em que fase das negociações o banco está atualmente? Estamos na etapa de consulta para verificar a assessoria que vamos precisar para o negócio. Com alguma frequência, são ouvidos rumores de que os Correios poderiam interromper a parceria do Banco Postal. A Caixa teria interesse na operação? Desconheço qualquer discussão entre os Correios e o Bradesco nesse tema. Mas tudo o que possibilitar o crescimento da rede é um negócio a ser prospectado pela Caixa. Se a gente tiver a possibilidade de mostrar o nosso modelo de negócio, de apresentar uma alternativa, sem dúvida. Essa é uma questão que sempre é ouvida na Caixa. O tema "rede" é, hoje, o principal problema do banco? Não diria que é problema, diria que, na realidade, é o grande diferencial. Qual é o grande diferencial de uma instituição como a Caixa? É o fato de ter uma grande rede, essa condição de acesso. Desde o agravamento da crise, a Caixa tem sido bastante agressiva para ofertar crédito e reduzir juros. Após essa atuação forte, foi possível ganhar mercado? Tanto esforço valeu a pena? Crescemos muito, de forma muita expressiva, na pessoa jurídica. Se compararmos o primeiro trimestre de 2009 com igual período de 2008, a carteira global de crédito cresceu 52%. Entre as empresas, houve aumento de 108%. Continuamos a crescer na micro e na pequena, mas passamos a contar também com médias e grandes. Em setembro de 2008, tínhamos 1,9% do mercado de crédito para empresas e no fim de maio chegamos a ter 3,2%. Entre essas grandes, está a Petrobrás. A companhia tomou R$ 2 bilhões, que venceram no fim de abril. O empréstimo foi renovado? Não comentamos operações individuais, sugiro perguntar à Petrobrás. Mas posso dizer que temos operado com grandes empresas. Interessante é que essa operação com a Petrobrás tornou clara para as demais grandes empresas que nós temos condição de operar nesse segmento. Isso de fato aconteceu e foi uma reação inesperada em relação à polêmica que foi criada por essa contratação. Se a Caixa opera com grandes clientes, não há risco de um grande financiamento desse porte deixar uma pequena empresa sem recurso disponível? Não, sob nenhuma hipótese. Temos condição de dobrar a carteira de crédito e sair de R$ 90 bilhões em empréstimos para R$ 180 bilhões. Não há disputa de recursos dentro da Caixa. O governo tem batido muito na tecla do spread bancário. Há uma dificuldade de avaliação do tema porque a divulgação dos dados não é muito bem vista entre os economistas. Como o banco, que é controlado pelo governo, poderia colaborar nesse tema? Essa questão tem avançado bastante. O Banco Central tem feito divulgações periódicas, mas você tem uma discussão hoje quanto à metodologia usada. Realmente acho que as instituições financeiras e o BC devem sentar para uniformizar as ferramentas e a metodologia. É a mesma coisa que aconteceu com as tarifas bancárias. Começou com uma ampla discussão, fazendo pesquisas e hoje temos o custo efetivo total, que mostra tudo o que o cliente vai pagar em uma operação de crédito. O dado divulgado pelo BC não é adequado para a comparação dos spreads? O que há é uma discussão sobre a metodologia de apuração. A divulgação desse dado foi uma etapa e, como toda etapa, precisa de aperfeiçoamento. E quanto aos spreads da Caixa? O governo pede que o banco reduza as margens para induzir a concorrência... Ele é menor que na concorrência, mas é difícil dizer precisamente qual é a diferença, dar um porcentual. Mas acho que está entre 20% e 30% menor nas operações para pessoas físicas. É difícil fazer esse cálculo porque depende do perfil da operação; são muitas variáveis. Mas há a convicção de que, em alguns produtos, o spread da Caixa pode chegar à metade do praticado na concorrência, como no crédito consignado. E esse movimento tem incentivado a concorrência? Já dá para perceber isso? Sim. Os concorrentes começaram a reduzir o juro, em alguns casos, além da oscilação da taxa Selic (taxa básica de juros). O que se observava anteriormente era que os concorrentes reduziam o juro com o mero repasse da Selic. Esse é o papel do banco público? Induzir movimentos na concorrência? Está na natureza do banco público prospectar novos mercados, nichos e espaços territoriais. De fato, o banco público chega primeiro onde as demais instituições não arriscariam chegar. É um componente da nossa atuação. Não é a toa que temos, por exemplo, os correspondentes lotéricos. E entre os bancos públicos há um processo de especialização. A Caixa, por exemplo, é especialista no financiamento habitacional e no saneamento. Então, o Banco do Brasil "atropelou" a Caixa ao estrear recentemente no mercado imobiliário? Não. Acho que é da natureza do negócio. Ganha o cliente, que vai ter mais opções e oferta no mercado. Qual é a demanda para o "Minha Casa, Minha Vida"? Hoje, já temos proposta para o financiamento de 80.830 unidades habitacionais no programa. São 472 projetos de empreendimento com valor de R$ 5,2 bilhões. Desse grupo, 159 propostas já entraram com a documentação completa no banco e 79 projetos já contrataram o financiamento da Caixa. Entre as pessoas físicas, já temos contratado o financiamento de 5.625 unidades ou R$ 375 milhões. Com isso, o programa já passou de R$ 1 bilhão. Não há risco de termos um gargalo quando as pessoas físicas forem financiar individualmente essas mais de 80 mil casas? Não há porque a Caixa já tem o processo todo montado. Temos feito uma média de 2.700 contratos de financiamento imobiliário por dia. O melhor exemplo da agilidade é o Feirão de Imóveis. O cidadão entra, entrega a documentação, o resultado sai na hora, ele assina o contrato e sai com as chaves. Não sei se hoje alguém no mundo faz essa liberação mais rápida que a Caixa. Há cinco anos, a resposta era outra. Como estão sendo distribuídos esses projetos habitacionais? Há um segmento que tem sido privilegiado pelos incorporadores? Dos projetos entregues, 6,2% das unidades estão no Norte do País. No Nordeste é onde temos mais propostas, com 35,4% das unidades. O Sudeste tem 32,3%, o Sul conta com 14,4% e o Centro Oeste, com 12,5%. Do ponto de vista da renda, 24% das unidades são destinadas às famílias com renda entre zero e três salários mínimos. Outra parcela de 38% é voltada aos que ganham entre três e seis salários e 38%, para renda entre seis e dez salários mínimos. A Caixa tem um longo trabalho de fazer com que os brasileiros com menor renda passem a ter conta bancária. Por que é tão difícil levar esses clientes ao banco? É uma diversidade de fatores, que são sociais e culturais. Quando começamos com o correspondente bancário Caixa Aqui, algumas pessoas achavam que simplesmente não poderiam ter conta. Tivemos de mostrar que isso era simples e que ele poderia ter acesso. Hoje, temos 7 milhões de contas nesse segmento. É um público que ainda não tem cultura de trabalhar com banco. Ele tem de aprender a confiar na instituição. Como a sra. imagina a Caixa daqui a cinco, dez anos? O mercado financeiro vai mudar bastante. Se você olhar para trás, de 2003 a 2008, a mudança foi muito significativa, de um impacto enorme. Hoje, temos o crédito consignado, que é uma grande revolução. O consignado tirou as pessoas das mãos dos agiotas e deu uma condição de cidadania com uma taxa de juros 10 vezes mais barata em uma instituição financeira. As micro e pequenas empresas estavam nas mãos das factorings, que praticamente não existem mais. Eram operações marginais ao sistema financeiro. Em cinco anos, vamos perceber uma mudança muito significativa porque teremos taxas de juros bem menores. Quem é: Maria Fernanda Coelho É presidente da Caixa Econômica Federal desde março de 2006, quando substituiu Jorge Mattoso Funcionária de carreira desde 1984, foi gerente de diversas agências no Recife Formada em jornalismo pela Universidade Católica de PE, tem especialização em finanças empresariais e em gestão pública pelo Ibmec ---------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009 ELIO GASPARI O Bolsa Ditadura tornou-se uma indústria O assalto à bolsa da Viúva conseguiu o que 21 anos de perseguições não conseguiram, avacalhou a velha esquerda SE ALGUÉM QUISESSE produzir um veneno capaz de desmoralizar a esquerda sexagenária brasileira dificilmente chegaria a algo parecido com o Bolsa Ditadura. Aquilo que em 2002 foi uma iniciativa destinada a reparar danos impostos durante 21 anos a cidadãos brasileiros transformou-se numa catedral de voracidade, privilégios e malandragens. O Bolsa Ditadura já custou R$ 2,5 bilhões à contabilidade da Viúva. Estima-se que essa conta chegue a R$ 4 bilhões no ano que vem. Em 1952, o governo alemão pagou o equivalente a R$ 11 bilhões (US$ 5,8 bilhões) ao Estado de Israel pelos crimes cometidos contra os judeus durante o nazismo. O Bolsa Ditadura gerou uma indústria voraz de atravessadores e advogados que embolsam até 30% do que conseguem para seus clientes. No braço financeiro do pensionato há bancos comprando créditos de anistiados. O repórter Felipe Recondo revelou que Elmo Sampaio, dono da Elmo Consultoria, morderá 10% da indenização que será paga a camponeses sexagenários, arruinados, presos e torturados pela tropa do Exército durante a repressão à Guerrilha do Araguaia. Como diria Lula, são 44 "pessoas comuns" que receberão pensões de R$ 930 mensais e compensações de até R$ 142 mil. Essa turma do andar de baixo conseguiu o benefício muitos anos depois da concessão de indenizações e pensões aos militantes do PC do B envolvidos com a guerrilha. O doutor Elmo remunera-se intermediando candidatos e advogados. Seu plantel de requerentes passa de 200. Ele integrou a Comissão da Anistia e dela obteve uma pensão de R$ 8.000 mensais, mais uma indenização superior a R$ 1 milhão, por conta de um emprego perdido na Petrobras. No primeiro grupo de milionários das reparações esteve outro petroleiro, que em 2004 chefiava o gabinete do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh na Câmara. O Bolsa Ditadura já habilitou mais de 160 milionários. É possível que o ataque ao erário brasileiro venha a custar mais caro que todos os programas de reparações de todos os povos europeus vitimados pelo comunismo em ditaduras que duraram quase meio século. Na Alemanha, por exemplo, um projeto de 2007 dava algo como R$ 700 mensais a quem passou mais de seis meses na cadeia e tinha renda baixa (repetindo, renda baixa). Na República Tcheca, o benefício dos ex-presos não pode passar de R$ 350 mensais. No Chile, o governo pagou indenizações de 3 milhões de pesos (R$ 11 mil) e concedeu pensões equivalentes a R$ 500 mensais. Durante 13 anos, entre 1994 e 2007, esse programa custou US$ 1,4 bilhão. No Brasil, em oito anos, o Bolsa Ditadura custará o dobro. O regime de Pinochet matou 2.279 pessoas e violou os direitos humanos de 35 mil. Somando-se os brasileiros cassados, demitidos do serviço público, indiciados ou denunciados à Justiça chega-se a um total de 20 mil pessoas. Já foram concedidas 12 mil Bolsas Ditadura e há uma fila de 7.000 requerentes. Os camponeses do Araguaia esperaram 35 anos pela compensação. Como Lula não é "uma pessoa comum", ficou preso 31 dias em 1979 e começou a receber sua Bolsa Ditadura oito anos depois. Desde 2003, o companheiro tem salário (R$ 11.239,24), casa, comida, avião e roupa lavada à custa da Viúva. Mesmo assim embolsa mensalmente cerca de R$ 5.000 da Bolsa Ditadura. (Se tivesse deixado o dinheiro no banco, rendendo a Bolsa Copom, seu saldo estaria em torno de R$ 1 milhão.) O cidadão que em 1968 perdeu a parte inferior da perna num atentado a bomba ao Consulado Americano recebe pelo INSS (por invalidez), R$ 571 mensais. Um terrorista que participou da operação ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 1.627. Um militante do PC do B que sobreviveu à guerrilha e jamais foi preso, conseguiu uma pensão de R$ 2.532. Um jovem camponês que passou três meses encarcerado, teve o pai assassinado pelo Exército e deixou a região com pouco mais que a roupa do corpo, receberá uma pensão de R$ 930. Nesses, e em muitos outros casos, Millôr Fernandes tem razão: "Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?" MADAME NATASHA Madame Natasha sabe que o ministro Gilmar Mendes não é "uma pessoa comum", muito menos "um juiz qualquer", mas julgou conveniente oferecer-lhe uma de suas bolsas de estudo para habituá-lo a falar um idioma de cada vez em seus textos. Outro dia o doutor escreveu um artigo referindo-se a um "turning point" e acrescentou: "a virada". The senhora acha que se ele tivesse falado só in portuguese conseguiria the mesmo resultado. O ministro já fez a mesma coisa em alemão. Falou em "projeto" e informou, entre parênteses: "Entwurf". Algo como dizer Volkswagen para acrescentar: "carro do povo". Madame Natasha tropeçou num "Bundesverfassungsgericht" e pensou que o teclado do ministro estava com algumas vogais travadas. Em português isso seria "Corte Federal Constitucional". --------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009 Empresas batem União e hoje são o maior caixa dos partidos Em 2008 empresários deram R$ 130 mi ao PT e PSDB -65% das receitas das duas siglas Balanços das siglas revelam aumento das doações após chegada do PT à Presidência; para tesoureiros, empresas sofrem "cerco da imprensa" RUBENS VALENTE CATIA SEABRA DA REPORTAGEM LOCAL A leitura dos balanços financeiros produzidos ao longo de 12 anos por dois dos principais partidos, o PT e o PSDB, revela que as empresas se converteram na principal fonte do caixa das siglas, ultrapassando o próprio Fundo Partidário. O levantamento feito pela Folha confirma a percepção de que o poder atrai recursos de empreiteiros que mantêm contratos públicos. Após o PT assumir a Presidência, em 2003, os diretórios estadual paulista e nacional da sigla se tornaram o destino preferencial das doações privadas, superando, ano a ano, arrecadações do seu mais direto adversário, o PSDB. As empresas despejaram, só no ano passado, R$ 130,2 milhões nas contas do PT e do PSDB -R$ 82 milhões desse total foram para os petistas. O valor inclui os diretórios nacionais e os estaduais de São Paulo. Isso representou 65% das receitas totais obtidas pelas duas siglas. A maioria dos recursos foi revertida para campanhas eleitorais, no sistema das doações ocultas, e a outra parte ficou no caixa partidário. O valor de 2008 é muitas vezes superior à normalidade dos outros anos, sem paralelo na história dos partidos. O levantamento feito pela Folha revelou que ao longo do período 1997-2002, o PT, por exemplo, havia recebido, ao todo, meros R$ 370 mil de empresas. No sentido contrário, os balanços partidários arrecadação de recursos entre os filiados. demonstram o fracasso da Recordista Nos registros públicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o empresário Rogério Ricco Bertoni, dono de uma empreiteira em São Paulo, é um entre os centenas de doadores individuais nas eleições de 2008. Teria doado R$ 100 mil para o comitê financeiro de vereador do PTB paulistano. Contudo, as contas do diretório estadual do PT paulista -que não estão abertas na internet- revelam que o empresário foi muito além: Ricco Bertoni foi o maior doador individual a um partido político no ano passado em todo o Estado, com R$ 1,35 milhão entregue, como pessoa física, ao caixa dos petistas. A empresa de Bertoni, a Logic Engenharia, doou mais R$ 900 mil para o mesmo partido. Bertoni, que foi procurado pela Folha ao longo de cinco dias, mas não deu retorno a um pedido de entrevistas, expressa um fenômeno que ganhou corpo nos últimos três anos, a doação direta ao caixa partidário. Desde 2002, o TSE adotou como norma divulgar ao final das eleições, pela internet, os nomes dos doadores. Os empresários passaram então a procurar o caixa das siglas, que só divulgam seus balanços no ano seguinte à eleição. Ramo de Bertoni, a construção civil foi a principal fonte de financiamento dos partidos no ano de 2008. Levantamento A Folha pesquisou 443 doações feitas por empresas aos partidos em 2008 -um recorte que compreende 97% do total dos recursos envolvidos. As empreiteiras foram responsáveis por 53% dos recursos, cerca de R$ 67 milhões do total de R$ 126 milhões pesquisados. Apesar da onda de doações empresariais sem precedentes, os partidos reclamam. Para o ex-deputado federal Márcio Fortes (RJ), tesoureiro da campanha do governador José Serra em 2002 e do diretório nacional do PSDB até 2008, está mais difícil captar recursos agora, "especialmente para quem está na oposição". Segundo o ex-tesoureiro estadual do PT paulista Danilo Camargo, a revelação sobre o mensalão em 2005 e a Operação Castelo de Areia, que investigou supostas doações eleitorais ilegais feitas pela empreiteira Camargo Corrêa -a empresa nega ter cometido irregularidade-, acabaram por dificultar a arrecadação para as campanhas eleitorais. Tanto o presidente do diretório regional do PT, Edson Edinho Silva, quanto Danilo e Márcio Fortes afirmaram que as empresas doam diretamente para os partidos para escapar da pressão dos candidatos. "Em vez de negociar no varejo, as empresas doam para o atacado", explicou Edinho. Doações ocultas Integrante do comitê financeiro de campanhas do PSDB, como as de Alckmin, o secretário-adjunto do Gestão do governo de São Paulo e tesoureiro do PSDB, Marcos Monteiro, apontou que muitos empresários optam por contribuir diretamente para partidos porque a divulgação dos doadores acontece depois da campanha. Além de temporariamente preservados dos holofotes, empresários não querem ser associados diretamente a uma candidatura, até para não sofrer represálias dos adversários. "Sabe-se que a empresa doou. Mas não quem é o beneficiário do dinheiro", diz Monteiro. "Não é da tradição brasileira as pessoas doarem. A contribuição privada é necessária. Em ano eleitoral, os partidos fazem esforço maior para arrecadar. Nos anos sem eleição, partidos não têm como sair pedindo doação, fica meio esquisito você estar procurando dinheiro", disse o vice-presidente executivo do diretório nacional do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. -----------------------------------Valor Econômico 26 06 2009 Obtuário: Morre o "rei do pop", que reinventou a indústria da música Agências Internacionais AP Michael Jackson: 750 milhões de discos vendidos em 40 anos de carreira Saiu de cena um dos cantores e compositores mais influentes da história do universo pop. Michael Jackson morreu ontem, aos 50 anos, vítima de parada cardíaca. Com mais de 750 milhões de discos vendidos em 40 anos de carreira, Jackson acumulou recordes superlativos. "Thriller", álbum de 1982, é o mais vendido da história, com aproximadamente 100 milhões de cópias. Por esse trabalho, ganhou 8 Grammy de uma única vez, 7 American Music Award, e esteve 37 semanas na primeira posição dos discos mais vendidos nos EUA. Outras 20 canções de seus dez discos também frequentaram o topo das paradas de sucesso. No auge, Jackson assinou um contrato de exclusividade com a Sony, que lhe rendeu US$ 1 bilhão. Com o descontrole das finanças, no entanto, chegou no ano 2000 com dívidas em US$ 24,5 milhões. Jackson começou na carreira ainda garoto, em 1969, como integrante do Jackson's Five, grupo formado por ele e seus irmãos. Lançou-se em carreira pela Motown e recebeu mais de U$ 300 milhões, desde os anos 80, apenas em direitos autorais pelas músicas que gravou com a unidade de música da Sony, segundo fontes com acesso direto aos negócios do músico citadas pelo "The New York Times". Ainda de acordo com o jornal, as receitas de shows e publicação de músicas - incluindo a criação de um negócio com a Sony que detém o catálogo dos Beatles - assim como as de merchandising, uso de imagem associado a alguns produtos e vídeos de música, somados, contribuíram com cerca de US$ 400 milhões adicionais. Afastado dos palcos após uma sucessão de escândalos, Jackson prometia uma temporada de shows neste ano. No mês passado, a programação foi adiada duas vezes, o que aumentou as especulações sobre a saúde do cantor. Polêmico e excêntrico, Jackson tornou-se um fenômeno midiático também por sua vida pessoal. Em 1993, foi acusado de abusar sexualmente de um menino de 13 anos, o que levou a polícia a invadir sua mansão na Califórnia, a "Terra do Nunca". A investigação foi arquivada por falta de provas. Em 1994, divulgou-se que o cantor chegou a um acordo com a família do menino por US$ 23 milhões. Pouco mais de dez anos depois, em 2005, o cantor foi julgado por uma segunda acusação de abuso sexual, que teria sido cometido em 2003. Jackson foi absolvido de todas as acusações. O cantor teve dois casamentos breves e deixa três filhos. ---------------------------------------------------------------