27 e 28/06/2009

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27 e 28/06/2009
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 27-28 06 2009
--------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 28 06 2009
Uma visão latino-americana da crise
José Serra *
Conhecida nos anos 80 como o continente das crises, hoje a América Latina está
numa posição ímpar, que lembra em alguns aspectos sua situação durante a
Grande Depressão. Da mesma forma que 80 anos atrás, e em contraste com
episódios mais recentes, nossa região se encontra novamente na condição de
vítima, não de causadora da crise econômica. Outra semelhança com os anos 30 é
que a maioria das economias latino-americanas vai se recuperar mais rapidamente
do que as economias centrais.
Naqueles anos, quase todos os países da América Latina, exceto Chile e Cuba,
superaram seu pico real do PIB pré-depressão bem antes dos Estados Unidos: a
Colômbia em 1932, o Brasil em 1933, o México em 1934 e a Argentina em 1935.
A explicação básica para o impacto relativamente menor dessa crise na América
Latina e na Ásia pode ser encontrada num fato quase ignorado, mas essencial: o
canal de contágio. O colapso financeiro das economias centrais se espalhou para os
chamados países emergentes não por intermédio de suas causas primárias, mas
dos seus efeitos. As mesmas causas - bolhas imobiliárias, pacotes securitizados de
hipotecas subprime, desregulamentação financeira excessiva e níveis perigosos de
alavancagem - produziram os mesmos resultados catastróficos nos Estados Unidos
e onde quer que estivessem presentes, como no Reino Unido, na Irlanda, na
Espanha e na Islândia.
Em vez disso, na América Latina em geral, assim como na Ásia, o contágio veio dos
subprodutos da crise, principalmente a retração brusca das finanças e do comércio.
Não houve colapso de instituições financeiras importantes. As únicas exceções mais
sérias foram as perdas em derivativos no México - US$ 4 bilhões no último
trimestre de 2008 - e no Brasil - estimadas em US$ 25 bilhões.
Houve, sim, uma acentuada redução na oferta de crédito às atividades produtivas,
em decorrência da perda de linhas de crédito estrangeiras. Mas alguns dos aspectos
dolorosos da retração econômica poderiam ter sido evitados, não fosse por erros de
avaliação sobre a natureza da crise. Tais erros obstaculizaram políticas
contracíclicas enérgicas e rápidas em economias que não estavam preparadas para
a previsível piora das condições externas.
Uma das lições do gerenciamento da crise na região foi lançar uma nova luz sobre
uma questão antiga: tão indispensáveis quanto a correção das respostas políticas
são sua clareza, intensidade e velocidade. O caso exemplar de políticas com as
qualidades desejáveis foi o Chile, onde, a certa altura, o Banco Central cortou
resolutamente a taxa de juro em impressionantes 250 pontos básicos. De um só
golpe, e logo no início da crise. Agora mesmo, na terceira semana de junho, acabou
de cortar de novo 50 pontos, reduzindo a taxa básica de juro a 0,75%.
Além disso, graças à lucidez e à prudência na criação de um fundo contracíclico,
Chile e Peru puderam socorrer suas economias declinantes com um robusto pacote
de estímulo fiscal. Cabe notar que tanto o Chile como o Peru eram mais vulneráveis
à crise internacional do que o Brasil, pois seus coeficientes de exportação em
relação ao PIB são três a quatro vezes superiores ao coeficiente brasileiro, o que
eleva o multiplicador negativo da retração do comércio mundial sobre a economia
doméstica.
O momento em que as autoridades nacionais deveriam ter enviado um sinal firme e
inequívoco para o mercado foi na altura do pânico criado pela falência do Lehman
Brothers, em 15 de setembro de 2008. Nesse momento crucial, não havia mais
qualquer justificativa para mirar a inflação, em vez da recessão, como o perigo
mais claro e presente para a economia. Onde quer que as autoridades não
conseguiram responder de forma adequada, a consequência foi a demora da
recuperação econômica.
O desempenho na gestão da crise tem sido confuso em alguns países. No Brasil, os
primeiros sinais de recuperação puxada pelo consumo começam a aparecer. A
recuperação é em grande parte resultado da expansão nos gastos correntes do
governo federal com pessoal e de uma variedade de programas de assistência
social, bem como das reduções de impostos sobre veículos automotores e
eletrodomésticos. Isso provavelmente vai ajudar a estimular o consumo por algum
tempo. No entanto, a sustentabilidade da atual taxa de crescimento das despesas,
sem aumento adicional dos impostos, dependerá de uma vigorosa retomada do
investimento produtivo e da expansão industrial.
Coisas positivas poderiam ser ditas sobre as medidas de política econômica pósLehman Brothers no Brasil: redução da exigência de depósito compulsório dos
bancos junto ao Banco Central (logo no início), garantias para depósitos bancários
a prazo (embora um pouco tardias), aumento dos empréstimos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem organizado com
agilidade e substância operações para reestruturar empresas afetadas pela crise.
Mesmo assim, não há como negar a evidência: no momento crítico, em setembrooutubro de 2008, a política monetária não deu aos empresários e aos mercados
estímulo suficientemente forte e oportuno para evitar uma queda acentuada da
produção industrial e do investimento. A taxa real de juros do Brasil, a mais alta do
mundo, só começou a ser reduzida, e muito ligeiramente, três meses depois do 15
de setembro. A taxa real brasileira continua a ser a mais alta, levando a moeda
nacional a uma excessiva e desnecessária revalorização desde janeiro deste ano,
que pode retirar o Brasil do grupo de países que sairão com mais sucesso desta
grande crise. Além disso, o investimento público em infraestrutura não atingiu
massa crítica suficiente para compensar o investimento privado que despencou.
Por trás de algumas características comuns, a América Latina apresenta uma
grande diversidade de condições e de intensidade do impacto da crise, que nos
alerta contra qualquer tentativa de simplificar a realidade. Algumas economias
menores, principalmente na América Central e no Caribe, são dependentes do
turismo ou de remessas de imigrantes e foram particularmente atingidas pela
recessão. Outras, como as economias e países dolarizados que concentram uma
alta proporção do seu comércio no espaço econômico da América do Norte,
acompanham de perto as vicissitudes dos Estados Unidos e terão de esperar
mudanças afortunadas na economia americana. Já os países que são
principalmente exportadores de produtos derivados de recursos naturais têm tido a
sorte de encontrar na China uma fonte sustentada de demanda.
Estou falando da evolução dos acontecimentos no Brasil e na América do Sul, em
vez dos problemas financeiros dos Estados Unidos e do mundo, porque quero
salientar um fato central a respeito da gestão da crise. Independentemente de
atribuir culpas pelas raízes primárias da crise - banqueiros, reguladores e policy
makers americanos -, a responsabilidade última por aceitar passivamente ou
neutralizar as repercussões dessa crise em outros países depende da adequação
das respostas políticas nacionais. A qualidade das políticas nacionais faz a
diferença.
Isso me remete ao que devemos esperar das estratégias do governo dos Estados
Unidos. A primeira conclusão a tirar da crise é a necessidade de preservar o espaço
político nacional. Ou seja, os países devem ser livres para adotar políticas de
desenvolvimento de acordo com suas próprias especificidades e interesses.
No passado recente, o setor financeiro dos países desenvolvidos pressionou
reiteradamente seus governos a impor aos países em desenvolvimento concessões
prematuras e perigosas de liberalização financeira, que beneficiaram principalmente
a mesma gente que provocou a atual crise. Demasiadas vezes, essa dimensão
internacional da volúpia de Wall Street foi uma precondição para acordos de livre
comércio. Até organizações internacionais e bancos oficiais participaram ativamente
dessa tentativa insensata de promover um falso conceito de globalização. Não é de
modo algum coincidência que os dois países que conseguiram resistir mais à
pressão - China e Índia - são as duas economias menos afetadas pelo colapso.
Além disso, devemos esperar que o governo dos Estados Unidos mantenha seu
compromisso com um vigoroso pacote de estímulo fiscal pelo tempo necessário
para consolidar a recuperação econômica, sem temores prematuros de volta da
inflação. Cabe saudar a determinação do presidente Obama de dar prioridade
central à criação de empregos e a reverter o aumento da desigualdade ao longo de
décadas de fundamentalismo de mercado. Também louvo sua tentativa de vincular
a recuperação econômica à prioridade urgente da luta contra o aquecimento global
e pelo desenvolvimento de fontes limpas e renováveis de energia.
Ao mesmo tempo, esperamos que o novo governo não adote medidas
protecionistas, com dispositivos ao estilo "Buy American". Acima de tudo,
desejamos que os Estados Unidos recuperem sua liderança perdida nas negociações
comerciais multilaterais, abandonando sua atual dependência de enormes subsídios
agrícolas.
Finalmente, algumas palavras sobre o futuro papel do G-20. Esse grupo pode não
expressar a fórmula ideal e definitiva para a gestão de um mundo globalizado. Não
deve ser visto como um substituto para uma reforma do Conselho de Segurança
nem como uma espécie de panaceia para resolver todos os problemas
internacionais. É, no entanto, um arranjo prático e razoavelmente representativo
para enfrentar desafios onde o tamanho e o peso dos países são importantes.
Para realizar seu potencial, o G-20 tem de cumprir as ambiciosas promessas feitas
em Londres sobre a regulamentação e a supervisão financeiras, especialmente
quanto à adoção de uma total transparência e abertura dos mercados de
derivativos e outros criados pela inovação financeira. O governo norte-americano
está dando um exemplo, ao apresentar um plano abrangente para atualizar e
revisar a regulamentação e a supervisão financeiras. Mas, como Geithner e
Summers declararam num artigo em jornal, as ações nacionais terão pouco efeito
se não forem acompanhadas por normas internacionais semelhantes. Por isso,
prometeram que os Estados Unidos irão liderar o esforço para melhorar a regulação
e a supervisão no mundo inteiro.
É necessário um esforço renovado dos membros do G-20 para honrar seus
compromissos de produzir uma significativa reforma do setor financeiro, que o
coloque a serviço da promoção da produção e do emprego, e não como um
poderoso foco de desestabilização da economia internacional e um fim em si
mesmo. Essa tarefa deve ter prioridade total, ou correremos o risco de perder a
oportunidade de mudança representada pela crise, permitindo que o esforço de
reforma esmoreça à medida que as pessoas relaxem e se deixem iludir por sinais
prematuros de uma recuperação superficial.
O G-20 deve manter sua palavra e cumprir o solene compromisso de assegurar
uma representação mais equilibrada na direção do FMI e do Banco Mundial, dando
mais voz e voto aos países em desenvolvimento. A reforma das instituições de
Bretton Woods será vista como um teste decisivo da sinceridade e equanimidade
das economias industriais avançadas, pois envolve uma redistribuição do poder e
da influência de países sobrerrepresentados, principalmente da Europa, em favor
de continentes inteiros como a Ásia, a América Latina e a África.
Em termos imediatos, é imperativo que o FMI receba efetivamente recursos
adicionais para apoiar aqueles que necessitam de ajuda especial. Isso vai além da
recém-criada Linha Flexível de Crédito (FCL), mecanismo cuja utilidade já foi
demonstrada pela concessão de linhas de crédito de US$ 47 bilhões para o México e
de US$ 10,5 bilhões para a Colômbia. É igualmente necessário que os países mais
vulneráveis, que hoje não se qualificam para a FCL, não fiquem sem assistência
adequada.
Gostaria de concluir esta parte deixando aqui uma sugestão prática sobre um tema
que é tido como essencial para uma nova ordem mundial. Não mais de 15 países,
considerando a União Europeia como uma entidade única, são responsáveis por
cerca de 80% de todas as emissões de gás que estão na origem do aquecimento
global. Todos eles são membros G-20. O G-20 se tornaria uma instância
indispensável da nova ordem internacional se fosse utilizado como fórum de
negociação de um compromisso bem-sucedido entre todas as principais economias
mundiais - que mereceria ser aprovado na próxima Conferência sobre as Alterações
Climáticas de Copenhague. Depois de ter servido como ponto de encontro de
perspectivas diferentes, mas convergentes, sobre o risco da crise financeira no
presente e no futuro imediato, por que não utilizar o G-20 contra a mais séria
ameaça para a civilização humana nos próximos anos?
Finalmente, farei um resumo breve sobre a nova dinâmica de crescimento da
economia mundial. A posição relativa dos mercados emergentes - vis-à-vis o
mercado mundial - deverá ser fortalecida nos próximos anos, em decorrência de
três diferenças: 1) nas taxas de crescimento econômico; 2) nos desequilíbrios de
conta corrente; e 3) nos níveis de endividamento público.
A recuperação econômica será liderada pelas economias emergentes, em particular
as economias da Ásia e da América Latina, que dispõem de considerável mercado
interno. Antes do colapso do Lehman, esses países apresentavam sólida expansão,
a despeito do crescimento declinante das economias maduras. O evento Lehman
representou uma inflexão, ao encolher a liquidez mundial e afetar profundamente
as economias emergentes. Quando as condições de liquidez se normalizarem no
mundo, todavia, deve ser retomada a diferenciação nas taxas de crescimento.
A expansão econômica mundial será moderada por algum tempo, mas as
diferenças no ritmo de crescimento dos países serão maiores do que antes. Claro,
as economias emergentes não podem ser descritas como um bloco: na América
Latina, há países com políticas econômicas insustentáveis, como é o caso da
Venezuela. Em países da Europa do Leste, os vínculos adversos entre as
desvalorizações cambiais e o setor bancário magnificaram a contração da liquidez
do choque LB, provocando forte queda da atividade econômica. Na Ásia, algumas
economias voltadas às exportações, como a Coreia, têm dificuldades para substituir
a demanda externa pela interna. Mas de maneira geral pode-se afirmar que o
crescimento das economias emergentes em 2009 e 2010 será superior à expansão
nas economias maduras.
A comparação entre ambos os grupos de economias mostra que a conta corrente
dos balanços de pagamentos esteve praticamente equilibrada (próxima a zero) até
1998. A partir daí, as economias emergentes foram ampliando superávits, que a
crise reduziu (de US$ 438 bilhões em 2007 para aproximadamente US$ 300 bilhões
em 2009, conforme estimativas do IIF), mas o desequilíbrio deve aumentar
novamente em 2010. O chamado arranjo informal Bretton Woods II não se dissipou
e as economias emergentes continuarão sendo credoras.
A ampla adoção de políticas fiscais contracíclicas levará ao aumento da relação
dívida/PIB no mundo inteiro, mas o impacto será mais dramático nas economias do
G-7. A dívida líquida dos EUA e do Reino Unido, por exemplo, crescerá para 70%
até o final de 2010, quase o dobro dos níveis pré-crise. Outras economias maduras
serão mais afetadas ainda. Consequentemente, a percepção de risco relativo dos
mercados deve se alterar em favor das economias emergentes, pelo menos
daquelas cujos governos saibam praticar políticas econômicas inteligentes.
Deve-se esperar, como disse antes, uma redistribuição do poder nas instituições
multilaterais como o FMI, além de uma certa apreciação real das moedas nacionais
nos mercados emergentes em relação aos países maduros e um aumento do
comércio entre economias emergentes. Em alguns casos, isso poderá levar a
acordos para o uso das moedas desses países no comércio entre si. Do mesmo
modo, deverá haver um aumento dos fluxos financeiros e de investimento entre
companhias de economias emergentes, dispensando a intermediação das
instituições financeiras das economias maduras.
Quais países, entre os emergentes, se sairão melhor e quais países, entre os de
economia madura, não se sairão tão mal? A resposta vai depender de
circunstâncias objetivas de sua atual inserção na economia internacional e,
sobretudo, da qualidade do aproveitamento das políticas econômicas nacionais
para, como já disse acima, promover o desenvolvimento, de acordo com suas
especificidades e seus interesses.
* Governador de São Paulo. Artigo baseado em palestra apresentada no dia
18/06 no Simpósio Foresight USA, em Washington
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O Estado de S.paulo 28 06 2009
''Brasil pode crescer até 5% em
2010''
Fernando Dantas
Para Jim O’Neill, o célebre economista-chefe do Goldman
Sachs que cunhou a expressão Brics, o Brasil pode crescer até 5% em 2010 e
está se saindo muito bem no enfrentamento da crise econômica global. Os Brics
são o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Foi em 2001, num
relatório do Goldman Sachs, que O?Neill criou a expressão, que ganhou vida
própria e levou os próprios Brics a se reunirem como grupo, pela primeira vez, em
Ecaterimburgo, na Rússia, no dia 16 de junho.
A crise econômica global, segundo o economista, vai antecipar de 2037 para 2027
a sua previsão de que os Brics ultrapassarão em PIB o G-7, as sete principais
nações desenvolvidas. A razão, para ele, é que existe um indiscutível descolamento
de grandes países emergentes em relação ao quadro sombrio das economias ricas,
o que acelerará a convergência. O descolamento, para O?Neill, é totalmente
evidente no caso de China e Índia, para os quais prevê crescimento simultâneo a
10% ao ano no início da próxima década.
O Brasil, para ele, é um caso intermediário, tendo sido muito afetado inicialmente,
mas demonstrando o que considera uma impressionante capacidade de reação.
O?Neill mostra-se um entusiasta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
e chega a atribuir a ele - num arroubo que talvez seja considerado injusto por
admiradores do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - o "ambiente de baixa
inflação introduzido no início da década". O economista também não mede palavras
para elogiar Barack Obama, presidente dos Estados Unidos.
Grande fã de futebol e ex-diretor do Manchester United, O?Neill arriscou também
palpites para a Copa do Mundo. A seguir, a entrevista, feita por telefone, na quintafeira, da sede do Goldman Sachs em Londres.
Como sr. vê o desempenho dos Brics na crise econômica global?
Com a exceção da Rússia, acho que foram excepcionalmente bem, particularmente
China e Índia. Eu tenho uma visão de que esta crise, na verdade, está se tornando
boa para a China, porque a forçou encarar um fato realmente importante: a sua
economia era dependente demais do crescimento via exportações, e era evidente
que em algum momento eles teriam que mudar esse modelo. Acredito que eles
fizeram isto, mais precisamente em novembro passado, quando lançaram seu
enorme pacote fiscal e monetário (de estímulo à demanda interna) em reação à
crise global. Eu fiquei muito, muito impressionado com a reação da política
econômica por parte da China. Então, para a China, e para o mundo, no qual a
China é tão importante, a crise foi de fato uma boa notícia.
E no caso da Índia?
Quando se pensa na história da Índia e no que se chamava no passado de taxas
indianas de crescimento, de 3%, o fato de que a Índia vai crescer perto de 6%
nesse ano, mesmo com o colapso do PIB mundial e, em particular, do PIB
americano, é excepcional. E isso é um sinal, por um lado, de quão positivas foram
as mudanças na Índia, e, em segundo lugar, é claro, do quão voltada para si
mesma é a economia indiana.
Então, houve de fato o chamado descolamento dos emergentes?
Sim, a ideia de que o descolamento nunca aconteceu está errada. Quem diz que
não houve descolamento, em minha opinião, não sabe do que está falando e não
olha as evidências, que são particularmente fortes no caso da China e na Índia.
Estamos prevendo para a China crescimento de 8% neste ano e de quase 11%
para o próximo. No caso da Índia, ligeiramente abaixo, de 6% em 2009 e 7% em
2010, mas já com a perspectiva de revisar para cima essa projeção. No caso do
Brasil e da Rússia, obviamente é diferente.
Qual a sua avaliação da situação do Brasil?
Nesse caso, a queda do preço das commodities foi um desdobramento
negativo, mas eu acho que, a cada semana que passa, a evidência é que o
está enfrentando a crise muito bem. A recessão no Brasil provavelmente será
superficial. Para o Brasil, não ter uma crise nesse momento é
impressionante.
muito
Brasil
muito
muito
E por que desta vez o País está se saindo bem?
Acho que o Brasil tem o mais forte arcabouço de política macroeconômica que eu,
que tenho 50 anos, já testemunhei em toda a minha vida. É muito impressionante
que o ambiente de baixa inflação que Lula introduziu no início desta década tenha
sobrevivido à crise. Isto, na verdade, permitiu que o Brasil reduzisse a taxa de
juros durante a crise. O Brasil jamais foi capaz de fazer isso em crises do passado.
Você conhece o Paulo Leme (brasileiro que é diretor de pesquisas de mercados
emergentes do Goldman Sachs)? Eu estou sempre apostando com o Paulo que o
crescimento no Brasil será mais forte e mais rápido do que ele pensa. Acho que no
próximo ano é possível que o Brasil chegue a 5% de crescimento.
Muitos economistas brasileiros criticam a expansão de gastos com Lula.
Qual a sua visão?
Tenho opiniões matizadas sobre isso. Acho que esta crítica é claramente verdadeira
no longo prazo. No entanto, penso que Lula e seu pessoal sentem que é necessário
aplicar políticas que ajudem toda a comunidade de brasileiros e isso requer que
eles demonstrem que muitas pessoas podem ser beneficiadas. Então, para eles,
cortar fortemente despesas do governo, como as pessoas frequentemente
mencionam, traria o risco de se ficar no modelo de Chicago (da Universidade de
Chicago, conhecida pelo liberalismo), que falhou de forma tão medíocre em países
como a Argentina. Então eu acho que a escolha de Lula deu maior credibilidade
social ao Brasil. Por outro lado, isso significa que, olhando para a frente, seja quem
for que substitua Lula vai ter, em algum momento, que lidar com esse problema,
porque ele existe. Entre os grandes desafios que o Brasil tem pela frente, reduzir o
tamanho do setor público talvez seja o maior.
Qual a sua projeção para o desempenho dos Brics nos próximos anos?
Quando vejo o que está acontecendo na China e na Índia em termos de política
econômica, acho possível que, nos primeiros cinco anos da próxima década, esses
países cresçam simultaneamente a uma média de 10% ao ano. Isso é uma taxa de
crescimento que a Índia nunca teve. Pode ser muito excitante. Quanto ao Brasil,
acho que uma taxa de 5% (ao longo de vários anos) é alcançável. Se tivéssemos
conversado dois anos atrás, eu seria mais cético, diria algo entre 3% e 4%. Eu
acho que muita gente subestima os sinais do desenvolvimento do grupo de renda
média no Brasil, formando uma grande classe média. É um desenvolvimento muito
positivo. Quanto mais eu penso no Brasil, mais impressionado eu fico. No caso da
Rússia, nossas projeções são muito cautelosas, de uma tendência de 3% a 4% nos
próximos anos.
Como isso afeta a previsão de que os Brics ultrapassarão em PIB o G-7?
A crise fez com que eu acreditasse que isso vai acontecer ainda mais rápido. Acho
que provavelmente vai ser nos próximos 20 ou 25 anos. Costumávamos prever
para 2037 e agora dizemos que será até 2027, dez anos antes.
E qual a sua visão sobre os efeitos da crise no mundo rico?
Acho que vai ser uma recuperação fraca no mundo desenvolvido. Os Estados
Unidos ainda têm esse problema do consumidor estar altamente alavancado, e o
consumidor representa um pedaço muito grande do PIB americano. Isso ainda tem
de diminuir, é algo que os Estados Unidos não podem evitar. E esse processo é o
que torna bem difícil que a economia americana se recupere muito fortemente.
E os outros países desenvolvidos?
Estou realmente bastante preocupado com a Europa e, particularmente, com a
Alemanha. Me surpreende muito que a política alemã permaneça tão presa no que
chamo de mentalidade conservadora. Eles têm de mudar a sua forma de pensar
para que se tornem menos dependentes da demanda externa, como os chineses
fizeram. E os alemães não fizeram. O que é surpreendente, o que é realmente
incrível na Europa, e no Japão também, é que, apesar de toda esta crise, ele não
mudam as políticas. É surpreendente e amedrontador. Não há, de fato, nenhum
ponto brilhante no mundo do G-7. Talvez com a leve exceção do Canadá.
E como o sr. vê o Reino Unido, o seu país?
Acho que, porque a política econômica pós-crise do Reino Unido foi tão agressiva, o
país pode mostrar sinais fortes de recuperação no próximo ano e surpreender muita
gente, crescendo mais rápido do que se prevê. Mas o Reino Unido também tem
desafios muito sérios em termos de políticas mais estruturais.
Como o sr. avalia o governo Obama até agora?
Eu sou um sócio pleno do fã-clube do Obama. Essa crise requeria uma reação de
política econômica agressiva por parte do governo e capacidade de comunicação
com o povo americano em tempos muito complexos, e penso que ele conseguiu.
Acho que, até agora, Obama tem sido exatamente aquilo de que os Estados Unidos
precisavam e que o mundo precisava. Me impressiona muito o seu estilo de diálogo
com muitos países estrangeiros, incluindo seu posicionamento diante da complexa
e frágil situação no Irã.
E as mudanças na regulação do sistema financeiro?
Não estou seguro de que seja o produto final. Temos mais um arcabouço do que o
provável produto final. O que me agrada neste arcabouço é que eles estão tentando
ser cuidadosos, enquanto na Alemanha e em boa parte da Europa o desejo é
apenas de regular mais pela vontade de regular mais. Não é a coisa certa de se
fazer, e acho que os Estados Unidos estão sendo mais cuidadosos com essa
questão.
Quais são as principais lições da crise?
Esta é a sétima crise que acompanho profissionalmente. A primeira foi a crise da
dívida latino-americana, em 1982. O que tenho a dizer é que algumas coisas boas
podem resultar de toda e qualquer crise. Nesta agora, acho que teremos como
consequência uma economia mundial mais equilibrada entre o consumo dos
Estados Unidos e a poupança da China. Aliás, essa foi a primeira "crise Facebook
(site de relacionamentos)". Eu quero dizer que a disseminação da informações fez
com que 6 bilhões de pessoas tivessem fortes opiniões sobre a crise, e eu penso
naquela grande frase, de que um pedaço de informação é mais perigoso do que
nenhuma. Foi de fato uma crise terrível, mas houve muito exagero. Muita gente
estava convencida de que seria como nos anos 30, o que é ridículo. Era fácil de se
prever que os países teriam a reação, em termos de política econômica, que eles
tiveram.
O que o sr. acha do fato de que a ideia dos Brics, criada pelo sr., tenha sido
assumida pelos próprios governos desses países, que formaram um grupo?
Algumas pessoas me perguntam se eu acho que eles teriam formado o grupo, se
eu não tivesse pensado na sigla. Não sei se o fariam, talvez não arrumassem uma
desculpa para isso. Na verdade, penso coisas contraditórias sobre o tema. Não acho
que seja um grupo para o qual faça sentido se reunir em bases permanentes. Qual
seria o objetivo? Mas todos os Brics deveriam ser parte de um G-7 ou G-8 mais
efetivo e ter mais poder de decisão em um FMI e um Banco Mundial reformados. E
até que isso aconteça, acho que faz bastante sentido que os Brics se reúnam entre
si, separadamente. É quase como uma teoria dos jogos geopolítica. Então, como
um desenvolvimento temporário, é perfeitamente sensato, mas não faz sentido
numa base permanente.
Outros países emergentes não deveriam ser incluídos nos Brics?
Há cerca de quatro anos, quando eu frequentemente era perguntado sobre isso,
dizia que, para ser considerado um Bric, o país teria que já representar 5% do PIB
mundial ou teria de se acreditar que, na próxima década, ele teria uma forte
chance de chegar a esses 5%. Acho que, fora dos quatro Brics, isto é muito, muito
difícil. Então, apesar de que há algumas coisas excitantes em relação à Indonésia,
Turquia, talvez até Nigéria e Irã, esses países não têm a menor chance de se tornar
tão grandes na próxima década.
Pessoalmente, como o sr. se sente como criador da expressão Brics?
Orgulhoso, mas também embaraçado.
Embaraçado?
Eu jamais sonhei que seria tudo isso; é embaraçoso. Sou apenas um cara qualquer
de Manchester que gosta de futebol.
Por falar em futebol, o sr. também tem previsões para a Copa do Mundo na
África do Sul?
Espanha ou Brasil, parece. Quem sabe a Inglaterra. E pode me cobrar depois estas
projeções.
Quem é: Jim O? Neill
É PhD pela Universidade de Surrey, Inglaterra
Começou no Bank of America em 1982
Em 2001, cunhou a sigla Bric para se referir aos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e
China
É autor do livro ?Building better global economic Brics? lançado em novembro de 2001
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ALBERT FISHLOW
Milagres acontecem
O milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha ajudará a dar a Obama o
período de experiência que ele merece
OS EUA venceram a Espanha na quarta pela Copa das Confederações. Foi um
verdadeiro milagre. Eventos como esse raramente ocorrem duas vezes seguidas.
Assim, é provável que o Brasil vença hoje, repetindo a vitória anterior sobre os
EUA. Há uma lição nisso. Todo mundo se preocupa com as questões importantes do
momento.
Há diversas delas: como melhor responder às circunstâncias políticas iranianas, que
se tornaram subitamente incertas; como administrar o problemático sistema
financeiro internacional; como garantir uma recuperação sustentável da Grande
Recessão; e há diversas outras que se poderia mencionar. Basta acompanhar as
notícias na internet. Há momentos em que simplesmente depositamos nossas
esperanças em um milagre, em lugar de empreender a difícil tarefa de procurar
soluções adequadas para problemas futuros quase inevitáveis.
As mudanças demográficas são uma dessas questões. A população mundial com
idade superior a 65 anos deve triplicar até 2050, o que a conduzirá a 17% do total.
Um recente relatório da União Europeia demonstra que o envelhecimento futuro
provavelmente custará 5% do PIB até 2060, e possivelmente ainda mais caso os
índices de crescimento não se recuperem. E essa é apenas a média. Alguns países,
aqueles que ainda não ajustaram seus sistemas de aposentadoria a uma redução
na fertilidade e a expectativas de vida mais longas, podem enfrentar consequências
muito mais graves.
Essa é uma questão bastante relevante para o Brasil. O aumento em sua população
com idade superior a 65 anos deve continuar, dobrando-a até 2050 e elevando sua
proporção a 18% do total de habitantes. Ao mesmo tempo, a despeito de duas
emendas constitucionais recentes e de alterações na legislação causadas por elas, a
porcentagem da receita dedicada às aposentadorias públicas já está em cerca de
12% do PIB. Ela vai continuar a se expandir, e o déficit, controlado no momento,
começará a crescer no futuro. Quanto mais longa a espera, maior precisará ser a
futura elevação dos tributos, ou a redução nos benefícios recebidos.
A mesma realidade infortunada se aplica aos EUA. Fomos capazes de ignorar por
bastante tempo o desequilíbrio em nosso sistema de previdência social,
condicionado a desembolsar apenas os valores contribuídos. Talvez, nesse caso,
exista uma desculpa legítima.
O foco agora é identificar maneiras de avançar em direção a um sistema universal
de saúde que ofereça uma alternativa pública competitiva de cobertura. Os custos
de saúde já excedem o total da poupança nacional, antes mesmo que os norteamericanos da geração "baby boom" (nascidos entre 1946 e 1964) comecem a se
aposentar. Os dispêndios representam proporção muito superior à média
internacional em termos de receita nacional, mesmo que as nossas estatísticas de
saúde sejam incapazes de acompanhar os ganhos realizados em outros lugares.
Não se pode fazer tudo, ou ao menos essa costumava ser a opinião dominante. O
presidente Obama, tendo em mente a diversidade de sua base eleitoral, decidiu
encarar uma gama muito mais ampla de questões sociais do que qualquer outro
presidente recente. Ao mesmo tempo, em larga medida não vem ignorando os
grandes problemas internacionais e econômicos que herdou.
A situação é urgente. O público se torna impaciente quando não encontra
resultados finais imediatos. Talvez o milagre da vitória dos EUA sobre a Espanha
ajude a conceder a Obama o período de experiência mais longo que ele merece.
ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da
Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
[email protected]
---------------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Lições de Alan Greenspan
Sem os bancos e os negócios do
dinheiro, o capitalismo estaria
nos tempos do tílburi e da
poupança sob o colchão
EM ARTIGO publicado no "Wall Street Journal" de 19 deste mês, Alan Greenspan
ensina: o risco sistêmico é quase exclusivamente um fenômeno das instituições
financeiras. "A inadimplência de grandes instituições pode desmantelar o sistema
financeiro e com ele o resto da economia, devido às múltiplas e intrincadas relações
entre a finança e a atividade econômica." Greenspan diz que os riscos gerados por
empresas não financeiras -independentemente de seu tamanho- ficam restritos aos
seus credores, fornecedores e clientes. Raramente têm impacto mais amplo.
Greenspan diz o óbvio ou o que deveria ser óbvio para qualquer cidadão
razoavelmente informado sobre a natureza da moderna economia monetária e de
crédito. Melhor dito: sobre as relações entre crédito, moeda e atividade econômica
na economia capitalista contemporânea. Repito o que já disse nesta coluna: nessa
economia com grande concentração de capital fixo e dominância dos bancos na
pirâmide de intermediação financeira, a dinâmica de longo prazo está fundada na
busca do aumento da produtividade social do trabalho, o que, por sua vez,
impulsiona a competição feroz entre grandes empresas pela inovação tecnológica
incorporada nas novas gerações de insumos e equipamentos. Essa dinâmica está
amparada na capacidade dos bancos de emprestar (criar liquidez), diversificando o
risco, um múltiplo dos depósitos à vista escriturados em seus registros.
Os passivos bancários podem ser exigidos pelos depositantes sem pré-aviso e
mobilizados por eles como meios de pagamento. Os bancos "criam" moeda. Todas
as inovações financeiras são descendentes das técnicas de "alavancagem" e das
tentativas de repartir o risco.
Não fossem os bancos e os negócios do dinheiro, o capitalismo estaria resfolegando
(se é que estaria) nos tempos do tílburi, do "capitão de indústria" e da poupança
escondida, em notas graúdas ou miúdas, sob o colchão. A rede de pagamentos
formada pelo sistema bancário é crucial para o funcionamento adequado dos
mercados. Ela se constitui na infraestrutura que facilita o "clearing" e a liquidação
de operações entre os protagonistas da economia monetária. Dificuldades nessas
instituições, que formam o sistema de provimento de liquidez e de pagamentos,
geram inevitavelmente dificuldades para o conjunto da economia. Por isso, a
desregulamentação financeira, estimulada e celebrada por Greenspan, abriu as
comportas para a "invasão" do risco sistêmico no coração do capitalismo.
Na contramão das regras impostas nos anos 30, os bancos comerciais passaram a
operar como supermercados financeiros, valendo-se da "securitização" de créditos,
do envolvimento em posições nos mercados de capitais e em operações "fora do
balanço" com derivativos.
Os gestores de portfólios -bancos de investimento, seus fundos mútuos e de hedgena sofreguidão de bater os concorrentes, trataram de turbinar os resultados
mediante a alavancagem financiada pelos bancos comerciais. Os filhotes da
desregulamentação empenharam-se em espalhar o risco sistêmico.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da
Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
-----------------------------------------Jornal do Brasil 28 06 2009
A volatilidade da moeda americana
Steve Hanke
ECONOMISTA
O curso do dólar americano nos últimos anos não tem sido nada estável. De
novembro de 2002 até a metade de julho de 2008, a moeda americana perdeu
37% do seu valor em relação ao euro. Esse período de debilidade do dólar começou
quando Ben S. Bernanke, então diretor e agora presidente do Federal Reserve (Fed,
banco central americano), convenceu Alan Greenspan, presidente na época, de que
os EUA estavam enfrentando a deflação.
Em consequência disso, o Fed pressionou o acelerador monetário. Em julho de
2003, a taxa de fundos do Fed tinha sido reduzida para 1%, e se manteve nesse
valor por um ano. Esse índice de juros artificialmente baixo originou todos os ciclos
de liquidez. O índice de juros artificialmente baixo encorajou os investidores a
assumirem riscos indevidos, em busca de qualquer lucro disponível, por menor que
fosse. Na luta para extrair o máximo de pequenos lucros, a palavra de ordem
passou a ser "alavancar".
A prática chamada carry trade – aplicação financeira que consiste em tomar
dinheiro emprestado a uma taxa de juros menor em um país de moeda fraca e
aplicá-lo em outro de moeda mais forte – também se popularizou. O montante de
dívida resultante não teria outra opção a não ser entrar em colapso, e foi o que
aconteceu. Da metade de julho de 2008 até o final de novembro do mesmo ano, o
dólar mudou de rumo, subindo, em comparação ao euro, com 28% de apreciação.
Foi durante esse período que as bolhas de títulos criada no início começaram a
estourar. Consequentemente, a demanda por dólares decolou à medida que as
carry trades foram liberadas e que investidores se dispersaram para se proteger da
crise.
Quando as coisas começaram a melhorar em dezembro de 2008, o dólar mudou de
curso outra vez. De fato, no período de dezembro de 2008 a junho de 2009, a
moeda americana desvalorizou em 11% em relação ao euro. O volátil dólar estava,
entre outras coisas, em uma insana montanha russa de preços de commodities.
A conexão entre o dólar e o preço das commodities existe porque a maioria das
commodities são negociadas e cobradas em dólares. Na verdade, a fraca moeda
americana foi responsável pelo aumento do preço das commodities durante a alta
do mercado em julho de 2008.
Petróleo
Por exemplo, o petróleo bruto foi comercializado no mercado spot a US$ 19,84 por
barril em 28 de dezembro de 2001. Ajustado de acordo com a oscilação do dólar,
caso não houvesse nenhuma mudança nas bases do produto, o preço nominal do
petróleo bruto em 11 de julho de 2008 deveria ter sido de US$ 81,45 por barril. Na
realidade, nesta data o barril chegou a custar US$ 145,66. Logo, a desvalorização
do dólar contribuiu para o aumento de 51% nos preços desde o final de 2001 até a
metade de julho de 2008 e os aspectos positivos (mudanças no suprimento e na
demanda) contribuíram para o aumento de 49% do preço de petróleo bruto.
O dólar, que funciona como uma espécie de moeda mundial, tem dado margem a
reclamações de produtores e consumidores de commodities visto que estes não
gostam da instabilidade de preços decorrentes da volatilidade da moeda.
Não é surpresa para ninguém que a Rússia e a China tenham sugerido criar uma
nova moeda de reserva internacional. Moscou e Pequim sugeriram trocar a moeda
americana por Direitos Especiais de Saque (SDR, em inglês) do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Os SDR foram criados em 1969. Atualmente, consistem em uma métrica artificial
de 0,6 dólares americanos, 0,4 euros, 18,4 ienes e 0,09 libras esterlinas. O valor
desta moeda flutua juntamente com as taxas de câmbio. Hoje, um SDR equivale a
U$S 1,54. Os SDR não são um pedido nem um meio tangível de troca. É apenas
uma métrica de contabilidade que o FMI usa para equilibrar seus livros.
Isso levou o economista brasileiro Alexandre Kafka, que atuou como diretor
executivo do FMI por mais de três décadas, a lamentar o fato da "cesta de moeda"
do FMI ter se tornado um problema. Até poucos meses atrás, parecia que a
experiência de mais de 40 anos tinha fracassado. Será que fracassou mesmo?
Embora os SDR estejam longe de assumir o posto de moeda de reserva mundial
em detrimento do dólar, o universo parece conspirar para um polêmico debate
acerca do futuro papel dos SDR na economia mundial. Talvez, muito em breve, se
escreva um novo capítulo da longa saga dos SDR. Como precursor, a reunião do G20 realizada em Londres em abril de 2009 prometeu aumentar a alocação dos SDR
do FMI em US$ 250 bilhões. Isso é um aumento de quase oito vezes em relação às
ações atuais de US$ 32 bilhões. Além disso, a Rússia está mostrando as garras e a
China está ganhando terreno no jogo do poder econômico. Ambos os países estão
pressionando a economia em favor de um uso mais amplo dos SDR.
E isso não é tudo. O atual diretor geral do FMI é Dominique Strauss-Kahn, socialista
francês que defende arduamente a implementação dos SDR. Curiosamente, a
última vez que os SDR foram tão valorizados foi no final da década de 70, quando o
FMI tinha como diretor geral outro ilustre francês, Jacques de Larosière.
A hegemonia do dólar nunca foi bem vista por Paris. Com a ajuda de Moscou e
Pequim, é provável que os SDR se tornem o tópico favorito das negociações, se não
for além disso.
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ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
O Estado de S.paulo 28 06 2009
''Ouvi falar do assunto na aula de
geografia''
Geração pós-estabilidade não sabe o que é inflação
Os tempos de inflação alta e descontrolada são uma vaga referência histórica para
uma geração que cresceu com o Plano Real. "Sei que antigamente os preços
variavam muito num mesmo dia", conta Juliana Rossi, que completou 15 anos em
abril, a mesma idade que o real vai fazer em 1º de julho.
"O professor de geografia já falou um pouco sobre o assunto", recorda Beatriz
Camargo, também de 15 anos, que estuda com Juliana no primeiro ano do ensino
médio no Colégio Augusto Laranja, em São Paulo.
As meninas não viveram uma época em que o freezer horizontal era um item
presente em várias casas, por causa da necessidade de se estocar alimentos. "Você
tinha de fazer aquelas compras enormes porque no fim do mês o reajuste era de
até 80% nos preços", diz o professor da Faculdade de Informática de Administração
Paulista (Fiap), Marcos Crivelaro.
Outro motivo que levava essa corrida aos supermercados era o tabelamento de
preços, que por vezes causava desabastecimento do comércio. "O controle de
preços desarticulou a oferta e fez com que várias mercadorias fossem vendidas
com ágio. Nessa época eram comuns os açougues que trabalhavam de portas
fechadas", lembra o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP)
Heron do Carmo.
Na véspera da implantação do Plano Real, em junho de 1994, a inflação medida
pelo IPCA estava ao redor de 50% ao mês, segundo cálculos de Crivelaro. No ano
seguinte à criação do plano, em 1995, a inflação mensal média foi de 1,7%. Em
maio deste ano, a variação foi de 0,47%.
Um dos principais efeitos do controle da inflação foi o surgimento de um consumo
mais consciente no País, por causa do estabelecimento de um referencial de preços,
na hora da compra. "O processo de compra, por conta da inflação acelerada, tinha
pouca racionalidade", afirma o economista da FGV Projetos, Fernando
Blumenschein. A estabilidade de preços trouxe também ganhos econômicos. "Os
restaurantes, na época da inflação, tinham de mudar o cardápio a cada 15 dias.
Isso envolve recurso, tempo e perda de recurso produtivo", explica.
O perfil dos investimentos também mudou nos últimos 15 anos. Ativos que eram
comprados para proteger o patrimônio , como imóveis, terras e carros, deram lugar
ao investimento produtivo. "As pessoas passaram a utilizar menos esses meios e se
preocuparam mais em investir", diz Blumesnchein.
Essas mudanças já foram assimiladas por boa parte da população, que vai poder
planejar seu futuro num cenário de inflação controlada. Graças à estabilidade
econômica, o Brasil começa a perceber a entrada de novos produtos financeiros.
"Vamos ver alguns modelos que já existem lá fora, como financiamento longo, por
causa da taxa de juros baixa", diz Crivelaro.
A melhor distribuição de renda, induzida pelo plano, também vai contribuir para
isso, diz o economista. Gradativamente, o acúmulo de poupança da população
permitirá que compras menores sejam feitas à vista. "Indiretamente, isso resolve
vários problemas porque faz com que a inadimplência caia e os juros diminuam",
explica.
Atualmente, tanto Juliana quanto Beatriz são um exemplo dessas mudanças em
relação à referência de preços. Juliana prefere comprar sempre à vista, para obter
desconto. Já Beatriz mostra que acompanha os preços no mercado. "No ano
passado, uma latinha de milho, por exemplo, custava R$ 0,49 e hoje sai por R$ 1",
observa.
-----------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009
Fed assume aposta arriscada de US$ 2 tri
Créditos de recebimento duvidoso devem aumentar com a compra de mais
US$ 1,25 trilhão em títulos hipotecários
Dinheiro é usado para financiar programas de ajuda a bancos e empresas e
tentar reanimar o mercado imobiliário, raiz da crise
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
Em intervenções sem precedentes para tentar reverter a atual recessão, o Federal
Reserve (o banco central dos EUA) dobrou em menos de um ano o volume de
créditos de recebimento altamente duvidoso despejados na economia norteamericana.
Boa parte do dinheiro foi injetado em empresas virtualmente falidas. Ou para que
outras companhias pudessem se financiar com o Fed garantindo 100% da rolagem
ou emissão de dívidas -já que elas não contam mais com a confiança de
investidores privados.
Nos últimos nove meses, a carteira de créditos a receber do Fed saltou de US$ 1,13
trilhão para US$ 2,03 trilhões (quase a metade do Produto Interno Bruto da China).
O valor voltará a crescer rapidamente agora. O Fed anunciou na semana passada
que comprará mais US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA e US$ 1,25
trilhão em papéis hipotecários. Somados, os dois valores representam cerca de
10% do PIB dos EUA.
O objetivo dessas ações é financiar programas de ajuda a bancos e empresas e
tentar reanimar o mercado imobiliário, que está na raiz da atual crise. Com mais
dinheiro circulando na economia, a tendência é que o custo do dinheiro caia (para
financiamentos, por exemplo), ajudando na recuperação.
Em muitos casos, o dinheiro do Fed foi dirigido a empresas que estariam hoje
quebradas se não tivessem sido estatizadas. Entre elas, a AIG (maior seguradora
do mundo) e o banco Bear Stearns, que praticamente quebrou no ano passado e
que foi comprado pelo JPMorgan Chase com a ajuda de dinheiro público.
O dinheiro também serviu para garantir emissões de dívidas de bancos com
problemas, como o Citigroup, e de empresas como a General Motors (ambos têm
hoje o governo dos EUA como maior acionista).
Nesta crise, e pela primeira vez em sua história, o banco central dos EUA está
garantindo diretamente a emissão de títulos de centenas de empresas e bancos no
país que, diante da desconfiança de investidores privados, não conseguem levantar
dinheiro no mercado.
Se essas companhias quebrarem ou não pagarem suas dívidas, o prejuízo direto
será assumido pelo Fed.
A aposta do banco central norte-americano é que a economia comece a se
recuperar até o final do ano, com o consumo aumentando e melhorando a saúde
das empresas -contribuindo para que estejam aptas a pagar os créditos recebidos.
A mesma aposta deve elevar a dívida pública dos EUA como proporção de seu PIB
dos atuais 44% para 65% até 2010, segundo projeções oficiais do Comitê de
Orçamento do Congresso.
Sinais contraditórios
Nas últimas semanas, persistem sinais extremamente contraditórios sobre o quadro
econômico nos EUA. O comportamento errático da Bolsa de Valores de Nova York
reflete quase que diariamente a alternância entre boas e más notícias.
Muitos veem a tendência geral de valorização (+3,6% em 30 dias no índice S&P
500) como "otimista demais".
"A recuperação do mercado veio antes da retomada da atividade. Não ficarei
surpreso em ver um pouco de ar saindo disso [em referência a uma possível nova
"bolha'], diz Jim Dunigan, do PNC Wealth Management.
Alguns analistas consideram que o mercado acionário ainda poderá ter muitos altos
e baixos antes de se firmar baseados na atividade econômica. Na crise da década
de 1930, foi ensaiada mais de meia dúzia de recuperações. Mas elas não vingaram
antes de 1933 (veja gráfico nesta página).
Segundo pesquisa da consultoria TrimTabs, as vendas de ações de empresas que
formam o índice S&P 500 somaram US$ 2,6 bilhões em junho. As compras, menos
de US$ 120 milhões, sinal de pessimismo.
Outra pesquisa feita entre executivos de grandes empresas revela que no segundo
trimestre o índice de confiança dos empresários subiu de 5 pontos negativos entre
janeiro e abril para 18,5 pontos positivos (abaixo de 50 pontos, as empresas
esperam contração).
"É mais visível que ninguém espera a continuidade da queda livre, mas também
ninguém acredita que vamos começar a crescer já", afirma Ivan Seidenberg,
presidente da Business Roundtable, que faz o levantamento.
--------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009
A sociedade como sacrifício
Marco Aurélio Nogueira
Basta passar os olhos pelo noticiário ou observar a vida cotidiana para notar que
algo desafina no plano das instituições. A insatisfação com elas é difusa. O malestar dentro delas, indisfarçável. Elas nos desagradam, aborrecem-nos ou não nos
inspiram confiança, seja na política (partidos, Casas legislativas), na educação
(escolas, universidades) e na segurança pública (polícia, presídios), seja na
economia (empresas, mercados) e na vida associativa primária, na família.
Precisamos de sociologia para discutir o ponto. Não dá para achar que as
instituições falham porque são defeituosas, mal dirigidas ou mal organizadas.
Nossa época está atravessada por três processos que se superpõem,
potencializando a globalização, a conectividade geral e o ritmo veloz que imperam
por toda parte. As sociedades modernas estão sendo gradativamente
reconfiguradas, antes de tudo, pela individualização: os indivíduos se "soltam" dos
grupos, que sobre eles exercem cada vez menos poder e controle. Soltando-se dos
grupos, soltam-se também das instituições. A individualidade tornou-se um valor
inestimável, tanto no sentido da privacidade quanto no sentido da "autonomia
moral", do pensar e decidir com a própria cabeça. E muitos desses indivíduos
individualizados se tornam individualistas, egoístas, indiferentes aos demais.
Individualização, individualidade e individualismo tornaram-se, assim, condições
estruturais. Combinados com os demais traços da época, explicam muitos dos
dilemas associativos atuais, que refletem um quadro de "dessolidarização". As
instituições não funcionam bem porque não conseguem incluir, congregar e
coordenar os indivíduos, que delas escapam ou a elas se tornam indiferentes. Os
indivíduos necessitam delas, mas são levados a viver como se seguissem uma
carreira-solo, alheios a vínculos e compromissos coletivos.
Nem sequer na dimensão privada da vida as coisas estão ajustadas. O alto índice
de divórcios, os crimes passionais hediondos e os novos formatos de família e
relacionamento revelam que certos equilíbrios foram perdidos, mas também
sugerem a presença de um maior desejo de liberdade. Conservadores e
tradicionalistas, com maior ou menor dose de ingenuidade, acreditam que tudo se
deve à degradação dos costumes, que se recuperariam caso a ordem e o rigor
moral voltassem a prevalecer no seio das famílias. Para eles, o desejo de liberdade
é subversivo e precisa ser contido.
Devemos pensar com cuidado. A vida coletiva não se esgotou, nem as pessoas e os
grupos andam às tontas pelo mundo. Todos sabem que uns precisam dos outros e
que todos precisam de limites e coordenação, mas a tendência prevalecente indica
que o poder das instâncias coletivas se reduziu. Ele continua a existir,
evidentemente, mas não porque o coletivo forneça direção e identidade a seus
integrantes ou aumente a potência deles como sujeitos, e sim porque lhes
possibilita reforçar demandas e posições.
Ao perderem o hábito de valorizar o coletivo, as pessoas tendem a se ver mais
como "vítimas" do que como beneficiárias da vida em sociedade. Elas estão, de
fato, sobrecarregadas de pressões e de problemas e não têm muito com quem
dividir isso. Nem sequer o trabalho e o emprego - esses trunfos categóricos do
gênero humano - conseguem hoje organizar as pessoas. É compreensível que
sintam o coletivo como um fardo, que se deve suportar com abnegação ou asco.
A vontade de ser livre e independente, de pensar com autonomia e criar as próprias
regras, introjetou-se na consciência social. Ganhou impulso com as transformações
que vêm atingindo as sociedades contemporâneas. Animada e embaralhada pela
possibilidade que se tem hoje de se fazer tudo, ou quase, acabou por dissolver a
percepção do social.
Mas a vida coletiva continua a existir e, nessa medida, continua a exigir que se
aceitem regras e se coopere. Isso implica ao menos duas coisas.
Numa dinâmica tradicional, ou estruturalmente autoritária, implica o sacrifício do
indivíduo e de seus desejos, o silêncio e o bloqueio de sua mobilidade. O grupo
prevalece unilateralmente sobre as pessoas, monitorando-as sem apelação. É um
sacrifício imperceptível, mas nem por isso menos real, já que o indivíduo nem
imagina a possibilidade de escapar à regra e sofre as limitações como um "fato
natural".
Numa dinâmica social moderna, diferenciada e democratizada, como a nossa,
implica o sacrifício do individualismo, a capacidade de compreender o todo, assumir
as próprias responsabilidades e contribuir para a organização justa do coletivo. Os
indivíduos prevalecem sobre os grupos, porque podem fazer escolhas sem consultálos ou pedir licença. É um sacrifício complexo, consciente e responsável, que exige
altas doses de reflexividade, espírito cooperativo e disposição para o diálogo, sob
pena de projetar a comunidade para o caos ou a impotência.
Aceitar a presença de minorias ideológicas ou corporativas, por exemplo, exige o
sacrifício da vontade de potência das maiorias, silenciosas ou não, do mesmo modo
que a liberdade de ação das minorias exige, da parte delas, o respeito às regras
básicas de convivência e aos direitos dos indivíduos. O reconhecimento do direito
de uns pressupõe o igual reconhecimento do direito de outros.
Encontrar um ponto de equilíbrio entre essas dimensões - o coletivo e o individual,
as regras e a liberdade - é um desafio permanente, que se mostra tanto mais
complicado quanto mais as sociedades se diferenciam e se individualizam. Em
sociedades desse tipo não se pode vencer categoricamente, com a marginalização
dos dissidentes, e nenhuma conquista pode ser obtida na base da força ou da
violência (física ou verbal). A argumentação persuasiva, a tolerância e a ação
política inteligente são os únicos recursos dos sujeitos políticos. Nelas, a ordem
silenciosa e o ruído caótico bloqueiam a democracia e funcionam como empecilhos
igualmente perversos para a mudança.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp. Email: [email protected]
------------------------------------O Estado de S.Paulo 27 06 2009
O naufrágio político do senador
Nos últimos oito anos, pesadas denúncias derrubaram três presidentes do Senado.
Os dois primeiros, Antonio Carlos Magalhães (ACM) e Jader Barbalho, renunciaram
ao mandato para não serem cassados e ter suspensos os direitos políticos em
decorrência de processos contra eles no Conselho de Ética, por quebra de decoro. O
terceiro, Renan Calheiros, renunciou apenas à presidência no bojo de um acordo
que lhe permitiu manter a cadeira de senador. Foram três episódios não menos
deploráveis do que os fatos que lhes deram origem. ACM saiu em maio de 2001
(para voltar em 2003) porque se comprovou que ordenara a violação do painel
eletrônico de votações da Casa. Barbalho saiu cinco meses depois (também para
voltar, mas dessa vez à Câmara) porque se comprovou que mentira aos seus pares
sobre o seu envolvimento em desvios de verbas no Banco do Estado do Pará e
porque barrou um requerimento que pedia ao Banco Central os relatórios
elaborados sobre o assunto. E Calheiros precisou entregar os anéis para conservar
os dedos porque se comprovou que usara laranjas para comprar um grupo de
comunicação em Alagoas - descoberta que se seguiu à notícia de que um lobista de
empreiteira pagava as suas contas relacionadas com uma ligação extraconjugal.
Cada história é uma história. Mas a trajetória da queda é a mesma nos três casos.
Simplificando, passa por duas etapas. A primeira é o esgarçamento da roupagem
de inocência que os acusados envergam tão logo brotam as denúncias que os
expõem. À medida que elas se robustecem, as costuras do traje se desfazem e a
ruptura da aparência de moralidade ostentada pelos visados conduz ao ato
derradeiro: a vaporização das condições políticas para a sua permanência no
comando da instituição. É quando soa oca até aos aliados da véspera a teoria
conspiratória a que invariavelmente se agarram, fantasiados de vítimas, como à
proverbial tábua de salvação dos náufragos. É nessa estação que se encontra o
senador José Sarney, a cada dia mais perto de não conseguir completar o seu
terceiro mandato na presidência da Casa, para o qual foi eleito em fevereiro último.
Contra ele não pesa nada tão definido ou contundente como um painel, um banco,
um lobista. Mas o apadrinhamento do capo da burocracia do Senado, o ex-diretorgeral Agaciel Maia, que, em 14 anos de vastos poderes e em conluio com sabe-se lá
quantos políticos, produziu uma profusão de escândalos. Na era Agaciel,
proliferaram nomeações de parentes e apaniguados de Sarney - enquanto, a julgar
por seus protestos de ignorância, ele pisava nos astros, distraído.
O seu obstinado distanciamento da enxurrada de atos administrativos secretos
trazidos à tona nas últimas semanas levou de roldão as credenciais éticas que
pudesse ter para "limpar as lixeiras da Casa", conforme as palavras que escolheu
para dizer o que não queria fazer. Daí ao desfalque de seu patrimônio político foi
um passo, na repetição do velho script. "Tem de sair", discursou na quinta-feira o
correligionário Pedro Simon, do PMDB gaúcho, o primeiro da fila de colegas com a
mesma exigência, na gritante ausência de qualquer líder sarneysista em plenário e dele próprio. A gota d?água foi a revelação do Estado de que José Adriano
Cordeiro Sarney, neto do presidente e filho de um deputado, é sócio de uma
empresa que desde 2007 intermedeia empréstimos consignados para servidores do
Senado, um negócio que movimenta cerca de R$ 144 milhões por ano na
instituição. A resposta do clã foi invocar o respeitável currículo acadêmico do neto.
Como se o ponto fosse esse e não o provável favorecimento na contratação da sua
firma - ainda mais em um setor já sob investigação policial por corrupção e tráfico
de influência, envolvendo o ex-diretor de Recursos Humanos da Casa João Carlos
Zoghbi, vinculado a Agaciel Maia.
Jogando a carta forjada do complô, Sarney tentou atribuir a divulgação do caso a
"uma campanha midiática" para atingi-lo, presumivelmente em razão do seu "apoio
ao presidente Lula e seu governo". O pedido de socorro não poderia ser mais
eloquente. Mas Lula já baixou o tom de sua defesa do aliado. Não repete que ele
não pode ser tratado "como se fosse uma pessoa comum". Agora se limita a dizer
que Sarney "tem um compromisso de fazer apuração e ele diz que está fazendo".
Para arrematar: "Só espero que haja apuração, só isso."
---------------------------------O Estado de S.Paulo 28 06 2009
''Vamos fazer algumas aquisições este
ano''
Fernando Nakagawa
Planos ousados têm sido traçados no alto de um edifício circular no centro da
capital federal. Do 21º andar da sede da Caixa Econômica Federal, a diretoria do
banco se prepara para aquele que será o mais desafiante voo da instituição que
sempre teve a imagem de banco social, que cuida da habitação e saneamento,
áreas ignoradas pelos concorrentes privados. Agora, a situação mudou.
A Caixa está em negociação para comprar outras instituições. Quer crescer para
emprestar mais. É a recomendação do governo. E a presidente da instituição, a
recifense Maria Fernanda Coelho, tem seguido o plano à risca. Mira o financiamento
de veículos, o empréstimo consignado e as empresas de médio porte. "Daqui até o
fim do ano vamos ter feito algumas aquisições."
Diretores, porém, alertam que a cautela é uma marca de Maria Fernanda. Portanto,
não será surpresa se negócios forem anunciados bem antes disso.
Em entrevista ao Estado, ela defendeu a atuação mais forte dos bancos públicos e
diz que os seguidos cortes de juros anunciados pela instituição já rendem frutos.
Para Maria Fernanda, concorrentes privados começaram a reduzir os juros e os
spreads bancários - diferença entre a taxa de captação paga pelos bancos e a
cobrada dos clientes nos empréstimos - porque bancos como a Caixa e o Banco do
Brasil despertaram a concorrência. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A Caixa é um dos principais instrumentos do governo para ajudar na
ampliação do crédito. Mas há quem diga que a rápida expansão recente fez
o banco chegar perto de um limite nos canais de distribuição de produtos.
Há algo que possa impedir a continuidade do crescimento dos empréstimos
nos próximos anos?
Que impeça, diria que não. O que existe é a perspectiva de que podemos crescer
não só de forma orgânica, mas também através de aquisições. Hoje, não vejo
nenhum impedimento para o crescimento da Caixa, considerando a estrutura que
temos. Agora, é fato que, com a criação da CaixaPar (subsidiária que poderá
comprar participação em empresas), abriram-se novas oportunidades. A CaixaPar
vai dar um outro patamar competitivo à instituição.
Se os canais de distribuição de produtos não impedem o crescimento, por
que adquirir outras instituições?
Os canais podem ser otimizados. Eu posso ter a chance, por exemplo, de ter uma
participação que me permita operar em alguns nichos em que somos ainda tímidos.
Isso vai permitir um crescimento muito mais rápido do banco.
Em que setores há mais espaço para essas prospecções?
Veículos é um exemplo. No crédito à pessoa física, ainda temos espaço para
crescer. Mesmo no crédito consignado, onde nós começamos, há espaço. Para as
pessoas jurídicas, (há espaço) no segmento de médias empresas, onde podemos
levar operações estruturais para esses clientes.
Especialistas dizem que a grande lacuna da Caixa é não ter uma financeira.
O mercado tem várias instituições independentes nesse segmento. Há
chance de uma aquisição de financeira?
A CaixaPar tem feito estudos, está fazendo prospecções. Não vou adiantar agora
porque isso ainda é parte de um estudo que está sendo feito com muita segurança.
A própria medida provisória (que criou a CaixaPar) assim o previu. Então, você
precisa ter um processo de prospecção bastante efetivo. Mas posso dizer que daqui
até o fim do ano vamos ter feito algumas aquisições.
Em que fase das negociações o banco está atualmente?
Estamos na etapa de consulta para verificar a assessoria que vamos precisar para o
negócio.
Com alguma frequência, são ouvidos rumores de que os Correios poderiam
interromper a parceria do Banco Postal. A Caixa teria interesse na
operação?
Desconheço qualquer discussão entre os Correios e o Bradesco nesse tema. Mas
tudo o que possibilitar o crescimento da rede é um negócio a ser prospectado pela
Caixa. Se a gente tiver a possibilidade de mostrar o nosso modelo de negócio, de
apresentar uma alternativa, sem dúvida.
Essa é uma questão que sempre é ouvida na Caixa. O tema "rede" é, hoje,
o principal problema do banco?
Não diria que é problema, diria que, na realidade, é o grande diferencial. Qual é o
grande diferencial de uma instituição como a Caixa? É o fato de ter uma grande
rede, essa condição de acesso.
Desde o agravamento da crise, a Caixa tem sido bastante agressiva para
ofertar crédito e reduzir juros. Após essa atuação forte, foi possível ganhar
mercado? Tanto esforço valeu a pena?
Crescemos muito, de forma muita expressiva, na pessoa jurídica. Se compararmos
o primeiro trimestre de 2009 com igual período de 2008, a carteira global de
crédito cresceu 52%. Entre as empresas, houve aumento de 108%. Continuamos a
crescer na micro e na pequena, mas passamos a contar também com médias e
grandes. Em setembro de 2008, tínhamos 1,9% do mercado de crédito para
empresas e no fim de maio chegamos a ter 3,2%.
Entre essas grandes, está a Petrobrás. A companhia tomou R$ 2 bilhões,
que venceram no fim de abril. O empréstimo foi renovado?
Não comentamos operações individuais, sugiro perguntar à Petrobrás. Mas posso
dizer que temos operado com grandes empresas. Interessante é que essa operação
com a Petrobrás tornou clara para as demais grandes empresas que nós temos
condição de operar nesse segmento. Isso de fato aconteceu e foi uma reação
inesperada em relação à polêmica que foi criada por essa contratação.
Se a Caixa opera com grandes clientes, não há risco de um grande
financiamento desse porte deixar uma pequena empresa sem recurso
disponível?
Não, sob nenhuma hipótese. Temos condição de dobrar a carteira de crédito e sair
de R$ 90 bilhões em empréstimos para R$ 180 bilhões. Não há disputa de recursos
dentro da Caixa.
O governo tem batido muito na tecla do spread bancário. Há uma
dificuldade de avaliação do tema porque a divulgação dos dados não é
muito bem vista entre os economistas. Como o banco, que é controlado
pelo governo, poderia colaborar nesse tema?
Essa questão tem avançado bastante. O Banco Central tem feito divulgações
periódicas, mas você tem uma discussão hoje quanto à metodologia usada.
Realmente acho que as instituições financeiras e o BC devem sentar para
uniformizar as ferramentas e a metodologia. É a mesma coisa que aconteceu com
as tarifas bancárias. Começou com uma ampla discussão, fazendo pesquisas e hoje
temos o custo efetivo total, que mostra tudo o que o cliente vai pagar em uma
operação de crédito.
O dado divulgado pelo BC não é adequado para a comparação dos spreads?
O que há é uma discussão sobre a metodologia de apuração. A divulgação desse
dado foi uma etapa e, como toda etapa, precisa de aperfeiçoamento.
E quanto aos spreads da Caixa? O governo pede que o banco reduza as
margens para induzir a concorrência...
Ele é menor que na concorrência, mas é difícil dizer precisamente qual é a
diferença, dar um porcentual. Mas acho que está entre 20% e 30% menor nas
operações para pessoas físicas. É difícil fazer esse cálculo porque depende do perfil
da operação; são muitas variáveis. Mas há a convicção de que, em alguns
produtos, o spread da Caixa pode chegar à metade do praticado na concorrência,
como no crédito consignado.
E esse movimento tem incentivado a concorrência? Já dá para perceber
isso?
Sim. Os concorrentes começaram a reduzir o juro, em alguns casos, além da
oscilação da taxa Selic (taxa básica de juros). O que se observava anteriormente
era que os concorrentes reduziam o juro com o mero repasse da Selic.
Esse é o papel do banco público? Induzir movimentos na concorrência?
Está na natureza do banco público prospectar novos mercados, nichos e espaços
territoriais. De fato, o banco público chega primeiro onde as demais instituições não
arriscariam chegar. É um componente da nossa atuação. Não é a toa que temos,
por exemplo, os correspondentes lotéricos. E entre os bancos públicos há um
processo de especialização. A Caixa, por exemplo, é especialista no financiamento
habitacional e no saneamento.
Então, o Banco do Brasil "atropelou" a Caixa ao estrear recentemente no
mercado imobiliário?
Não. Acho que é da natureza do negócio. Ganha o cliente, que vai ter mais opções
e oferta no mercado.
Qual é a demanda para o "Minha Casa, Minha Vida"?
Hoje, já temos proposta para o financiamento de 80.830 unidades habitacionais no
programa. São 472 projetos de empreendimento com valor de R$ 5,2 bilhões.
Desse grupo, 159 propostas já entraram com a documentação completa no banco e
79 projetos já contrataram o financiamento da Caixa. Entre as pessoas físicas, já
temos contratado o financiamento de 5.625 unidades ou R$ 375 milhões. Com isso,
o programa já passou de R$ 1 bilhão.
Não há risco de termos um gargalo quando as pessoas físicas forem
financiar individualmente essas mais de 80 mil casas?
Não há porque a Caixa já tem o processo todo montado. Temos feito uma média de
2.700 contratos de financiamento imobiliário por dia. O melhor exemplo da
agilidade é o Feirão de Imóveis. O cidadão entra, entrega a documentação, o
resultado sai na hora, ele assina o contrato e sai com as chaves. Não sei se hoje
alguém no mundo faz essa liberação mais rápida que a Caixa. Há cinco anos, a
resposta era outra.
Como estão sendo distribuídos esses projetos habitacionais? Há um
segmento que tem sido privilegiado pelos incorporadores?
Dos projetos entregues, 6,2% das unidades estão no Norte do País. No Nordeste é
onde temos mais propostas, com 35,4% das unidades. O Sudeste tem 32,3%, o
Sul conta com 14,4% e o Centro Oeste, com 12,5%. Do ponto de vista da renda,
24% das unidades são destinadas às famílias com renda entre zero e três salários
mínimos. Outra parcela de 38% é voltada aos que ganham entre três e seis salários
e 38%, para renda entre seis e dez salários mínimos.
A Caixa tem um longo trabalho de fazer com que os brasileiros com menor
renda passem a ter conta bancária. Por que é tão difícil levar esses clientes
ao banco?
É uma diversidade de fatores, que são sociais e culturais. Quando começamos com
o correspondente bancário Caixa Aqui, algumas pessoas achavam que
simplesmente não poderiam ter conta. Tivemos de mostrar que isso era simples e
que ele poderia ter acesso. Hoje, temos 7 milhões de contas nesse segmento. É um
público que ainda não tem cultura de trabalhar com banco. Ele tem de aprender a
confiar na instituição.
Como a sra. imagina a Caixa daqui a cinco, dez anos?
O mercado financeiro vai mudar bastante. Se você olhar para trás, de 2003 a 2008,
a mudança foi muito significativa, de um impacto enorme. Hoje, temos o crédito
consignado, que é uma grande revolução. O consignado tirou as pessoas das mãos
dos agiotas e deu uma condição de cidadania com uma taxa de juros 10 vezes mais
barata em uma instituição financeira. As micro e pequenas empresas estavam nas
mãos das factorings, que praticamente não existem mais. Eram operações
marginais ao sistema financeiro. Em cinco anos, vamos perceber uma mudança
muito significativa porque teremos taxas de juros bem menores.
Quem é: Maria Fernanda Coelho
É presidente da Caixa Econômica Federal desde março de 2006, quando substituiu Jorge
Mattoso
Funcionária de carreira desde 1984, foi gerente de diversas agências no Recife
Formada em jornalismo pela Universidade Católica de PE, tem especialização em finanças
empresariais e em gestão pública pelo Ibmec
---------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009
ELIO GASPARI
O Bolsa Ditadura tornou-se uma indústria
O assalto à bolsa da Viúva conseguiu o que 21 anos de perseguições não
conseguiram, avacalhou a velha esquerda
SE ALGUÉM QUISESSE produzir um veneno capaz de desmoralizar a esquerda
sexagenária brasileira dificilmente chegaria a algo parecido com o Bolsa Ditadura.
Aquilo que em 2002 foi uma iniciativa destinada a reparar danos impostos durante
21 anos a cidadãos brasileiros transformou-se numa catedral de voracidade,
privilégios e malandragens. O Bolsa Ditadura já custou R$ 2,5 bilhões à
contabilidade da Viúva. Estima-se que essa conta chegue a R$ 4 bilhões no ano que
vem. Em 1952, o governo alemão pagou o equivalente a R$ 11 bilhões (US$ 5,8
bilhões) ao Estado de Israel pelos crimes cometidos contra os judeus durante o
nazismo.
O Bolsa Ditadura gerou uma indústria voraz de atravessadores e advogados que
embolsam até 30% do que conseguem para seus clientes. No braço financeiro do
pensionato há bancos comprando créditos de anistiados. O repórter Felipe Recondo
revelou que Elmo Sampaio, dono da Elmo Consultoria, morderá 10% da
indenização que será paga a camponeses sexagenários, arruinados, presos e
torturados pela tropa do Exército durante a repressão à Guerrilha do Araguaia.
Como diria Lula, são 44 "pessoas comuns" que receberão pensões de R$ 930
mensais e compensações de até R$ 142 mil. Essa turma do andar de baixo
conseguiu o benefício muitos anos depois da concessão de indenizações e pensões
aos militantes do PC do B envolvidos com a guerrilha.
O doutor Elmo remunera-se intermediando candidatos e advogados. Seu plantel de
requerentes passa de 200. Ele integrou a Comissão da Anistia e dela obteve uma
pensão de R$ 8.000 mensais, mais uma indenização superior a R$ 1 milhão, por
conta de um emprego perdido na Petrobras. No primeiro grupo de milionários das
reparações esteve outro petroleiro, que em 2004 chefiava o gabinete do advogado
Luiz Eduardo Greenhalgh na Câmara. O Bolsa Ditadura já habilitou mais de 160
milionários.
É possível que o ataque ao erário brasileiro venha a custar mais caro que todos os
programas de reparações de todos os povos europeus vitimados pelo comunismo
em ditaduras que duraram quase meio século. Na Alemanha, por exemplo, um
projeto de 2007 dava algo como R$ 700 mensais a quem passou mais de seis
meses na cadeia e tinha renda baixa (repetindo, renda baixa). Na República
Tcheca, o benefício dos ex-presos não pode passar de R$ 350 mensais.
No Chile, o governo pagou indenizações de 3 milhões de pesos (R$ 11 mil) e
concedeu pensões equivalentes a R$ 500 mensais. Durante 13 anos, entre 1994 e
2007, esse programa custou US$ 1,4 bilhão. No Brasil, em oito anos, o Bolsa
Ditadura custará o dobro. O regime de Pinochet matou 2.279 pessoas e violou os
direitos humanos de 35 mil. Somando-se os brasileiros cassados, demitidos do
serviço público, indiciados ou denunciados à Justiça chega-se a um total de 20 mil
pessoas. Já foram concedidas 12 mil Bolsas Ditadura e há uma fila de 7.000
requerentes.
Os camponeses do Araguaia esperaram 35 anos pela compensação. Como Lula não
é "uma pessoa comum", ficou preso 31 dias em 1979 e começou a receber sua
Bolsa Ditadura oito anos depois. Desde 2003, o companheiro tem salário (R$
11.239,24), casa, comida, avião e roupa lavada à custa da Viúva. Mesmo assim
embolsa mensalmente cerca de R$ 5.000 da Bolsa Ditadura. (Se tivesse deixado o
dinheiro no banco, rendendo a Bolsa Copom, seu saldo estaria em torno de R$ 1
milhão.)
O cidadão que em 1968 perdeu a parte inferior da perna num atentado a bomba ao
Consulado Americano recebe pelo INSS (por invalidez), R$ 571 mensais. Um
terrorista que participou da operação ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 1.627. Um
militante do PC do B que sobreviveu à guerrilha e jamais foi preso, conseguiu uma
pensão de R$ 2.532. Um jovem camponês que passou três meses encarcerado,
teve o pai assassinado pelo Exército e deixou a região com pouco mais que a roupa
do corpo, receberá uma pensão de R$ 930.
Nesses, e em muitos outros casos, Millôr Fernandes tem razão: "Quer dizer que
aquilo não era ideologia, era investimento?"
MADAME NATASHA
Madame Natasha sabe que o ministro Gilmar Mendes não é "uma pessoa comum",
muito menos "um juiz qualquer", mas julgou conveniente oferecer-lhe uma de suas
bolsas de estudo para habituá-lo a falar um idioma de cada vez em seus textos.
Outro dia o doutor escreveu um artigo referindo-se a um "turning point" e
acrescentou: "a virada". The senhora acha que se ele tivesse falado só in
portuguese conseguiria the mesmo resultado. O ministro já fez a mesma coisa em
alemão. Falou em "projeto" e informou, entre parênteses: "Entwurf". Algo como
dizer Volkswagen para acrescentar: "carro do povo". Madame Natasha tropeçou
num "Bundesverfassungsgericht" e pensou que o teclado do ministro estava com
algumas vogais travadas. Em português isso seria "Corte Federal Constitucional".
--------------------------------Folha de S.Paulo 28 06 2009
Empresas batem União e hoje são o
maior caixa dos partidos
Em 2008 empresários deram R$ 130 mi ao PT e PSDB -65% das receitas
das duas siglas
Balanços das siglas revelam aumento das doações após chegada do PT à
Presidência; para tesoureiros, empresas sofrem "cerco da imprensa"
RUBENS VALENTE
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A leitura dos balanços financeiros produzidos ao longo de 12 anos por dois dos
principais partidos, o PT e o PSDB, revela que as empresas se converteram na
principal fonte do caixa das siglas, ultrapassando o próprio Fundo Partidário.
O levantamento feito pela Folha confirma a percepção de que o poder atrai recursos
de empreiteiros que mantêm contratos públicos. Após o PT assumir a Presidência,
em 2003, os diretórios estadual paulista e nacional da sigla se tornaram o destino
preferencial das doações privadas, superando, ano a ano, arrecadações do seu mais
direto adversário, o PSDB.
As empresas despejaram, só no ano passado, R$ 130,2 milhões nas contas do PT e
do PSDB -R$ 82 milhões desse total foram para os petistas. O valor inclui os
diretórios nacionais e os estaduais de São Paulo. Isso representou 65% das receitas
totais obtidas pelas duas siglas. A maioria dos recursos foi revertida para
campanhas eleitorais, no sistema das doações ocultas, e a outra parte ficou no
caixa partidário.
O valor de 2008 é muitas vezes superior à normalidade dos outros anos, sem
paralelo na história dos partidos. O levantamento feito pela Folha revelou que ao
longo do período 1997-2002, o PT, por exemplo, havia recebido, ao todo, meros R$
370 mil de empresas.
No sentido contrário, os balanços partidários
arrecadação de recursos entre os filiados.
demonstram
o
fracasso
da
Recordista
Nos registros públicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o empresário Rogério
Ricco Bertoni, dono de uma empreiteira em São Paulo, é um entre os centenas de
doadores individuais nas eleições de 2008. Teria doado R$ 100 mil para o comitê
financeiro de vereador do PTB paulistano.
Contudo, as contas do diretório estadual do PT paulista -que não estão abertas na
internet- revelam que o empresário foi muito além: Ricco Bertoni foi o maior
doador individual a um partido político no ano passado em todo o Estado, com R$
1,35 milhão entregue, como pessoa física, ao caixa dos petistas.
A empresa de Bertoni, a Logic Engenharia, doou mais R$ 900 mil para o mesmo
partido.
Bertoni, que foi procurado pela Folha ao longo de cinco dias, mas não deu retorno a
um pedido de entrevistas, expressa um fenômeno que ganhou corpo nos últimos
três anos, a doação direta ao caixa partidário.
Desde 2002, o TSE adotou como norma divulgar ao final das eleições, pela internet,
os nomes dos doadores. Os empresários passaram então a procurar o caixa das
siglas, que só divulgam seus balanços no ano seguinte à eleição.
Ramo de Bertoni, a construção civil foi a principal fonte de financiamento dos
partidos no ano de 2008.
Levantamento
A Folha pesquisou 443 doações feitas por empresas aos partidos em 2008 -um
recorte que compreende 97% do total dos recursos envolvidos. As empreiteiras
foram responsáveis por 53% dos recursos, cerca de R$ 67 milhões do total de R$
126 milhões pesquisados.
Apesar da onda de doações empresariais sem precedentes, os partidos reclamam.
Para o ex-deputado federal Márcio Fortes (RJ), tesoureiro da campanha do
governador José Serra em 2002 e do diretório nacional do PSDB até 2008, está
mais difícil captar recursos agora, "especialmente para quem está na oposição".
Segundo o ex-tesoureiro estadual do PT paulista Danilo Camargo, a revelação sobre
o mensalão em 2005 e a Operação Castelo de Areia, que investigou supostas
doações eleitorais ilegais feitas pela empreiteira Camargo Corrêa -a empresa nega
ter cometido irregularidade-, acabaram por dificultar a arrecadação para as
campanhas eleitorais.
Tanto o presidente do diretório regional do PT, Edson Edinho Silva, quanto Danilo e
Márcio Fortes afirmaram que as empresas doam diretamente para os partidos para
escapar da pressão dos candidatos. "Em vez de negociar no varejo, as empresas
doam para o atacado", explicou Edinho.
Doações ocultas
Integrante do comitê financeiro de campanhas do PSDB, como as de Alckmin, o
secretário-adjunto do Gestão do governo de São Paulo e tesoureiro do PSDB,
Marcos Monteiro, apontou que muitos empresários optam por contribuir
diretamente para partidos porque a divulgação dos doadores acontece depois da
campanha.
Além de temporariamente preservados dos holofotes, empresários não querem ser
associados diretamente a uma candidatura, até para não sofrer represálias dos
adversários. "Sabe-se que a empresa doou. Mas não quem é o beneficiário do
dinheiro", diz Monteiro.
"Não é da tradição brasileira as pessoas doarem. A contribuição privada é
necessária. Em ano eleitoral, os partidos fazem esforço maior para arrecadar. Nos
anos sem eleição, partidos não têm como sair pedindo doação, fica meio esquisito
você estar procurando dinheiro", disse o vice-presidente executivo do diretório
nacional do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira.
-----------------------------------Valor Econômico 26 06 2009
Obtuário:
Morre o "rei do pop", que reinventou a indústria da
música
Agências Internacionais AP
Michael Jackson: 750 milhões de discos vendidos em 40 anos de carreira
Saiu de cena um dos cantores e compositores mais influentes da história do
universo pop. Michael Jackson morreu ontem, aos 50 anos, vítima de parada
cardíaca.
Com mais de 750 milhões de discos vendidos em 40 anos de carreira, Jackson
acumulou recordes superlativos. "Thriller", álbum de 1982, é o mais vendido da
história, com aproximadamente 100 milhões de cópias. Por esse trabalho, ganhou 8
Grammy de uma única vez, 7 American Music Award, e esteve 37 semanas na
primeira posição dos discos mais vendidos nos EUA. Outras 20 canções de seus dez
discos também frequentaram o topo das paradas de sucesso. No auge, Jackson
assinou um contrato de exclusividade com a Sony, que lhe rendeu US$ 1 bilhão.
Com o descontrole das finanças, no entanto, chegou no ano 2000 com dívidas em
US$ 24,5 milhões.
Jackson começou na carreira ainda garoto, em 1969, como integrante do Jackson's
Five, grupo formado por ele e seus irmãos. Lançou-se em carreira pela Motown e
recebeu mais de U$ 300 milhões, desde os anos 80, apenas em direitos autorais
pelas músicas que gravou com a unidade de música da Sony, segundo fontes com
acesso direto aos negócios do músico citadas pelo "The New York Times". Ainda de
acordo com o jornal, as receitas de shows e publicação de músicas - incluindo a
criação de um negócio com a Sony que detém o catálogo dos Beatles - assim como
as de merchandising, uso de imagem associado a alguns produtos e vídeos de
música, somados, contribuíram com cerca de US$ 400 milhões adicionais.
Afastado dos palcos após uma sucessão de escândalos, Jackson prometia uma
temporada de shows neste ano. No mês passado, a programação foi adiada duas
vezes, o que aumentou as especulações sobre a saúde do cantor.
Polêmico e excêntrico, Jackson tornou-se um fenômeno midiático também por sua
vida pessoal. Em 1993, foi acusado de abusar sexualmente de um menino de 13
anos, o que levou a polícia a invadir sua mansão na Califórnia, a "Terra do Nunca".
A investigação foi arquivada por falta de provas. Em 1994, divulgou-se que o cantor
chegou a um acordo com a família do menino por US$ 23 milhões.
Pouco mais de dez anos depois, em 2005, o cantor foi julgado por uma segunda
acusação de abuso sexual, que teria sido cometido em 2003. Jackson foi absolvido
de todas as acusações.
O cantor teve dois casamentos breves e deixa três filhos.
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