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Introdução ao
Estudo do Pentateuco
A.V.GAZZI
Introdução ao
Estudo do Pentateuco
1º edição
Santo André - SP
Edição do Autor
2013
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Categoria: Teologia / Antigo Testamento / Pentateuco
Publicação do Autor.
Santo André, SP, Brasil – 2013.
Primeira Edição
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Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Edição
Corrigida e Revisada, Fiel ao Texto Original da Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil.
SUMÁRIO
Assunto
Pg.
Apresentação
Prefácio
09
11
INTRODUÇÃO
1. Conceito de Antigo Testamento
2. Classificação dos Livros do Antigo Testamento
3. Barreiras para o Estudo do Antigo Testamento
4. Instrumentos de Auxílio ao Estudo do Antigo
Testamento
13
13
16
19
I – Panorama Histórico do Pentateuco
1. Retrospecto da História de Israel no Período
Patriarcal (2000 a 1750 a.C.)
2. Os Hebreus no Egito (1750 a 1300 a.C.)
3. O Êxodo, a Peregrinação e a Conquista de Canaã
(1300 à 1200 a.C.)
25
II - Instituições Familiares, Civis, Militares e Religiosas
de Israel
1. Instituições Familiares
2. Instituições Civis e Militares
3. Instituições Religiosas
21
25
27
35
41
41
45
46
Assunto
Pg.
III - Introdução ao Pentateuco
1. Introdução
2. Septuaginta
3. Autor e Data
4. Unidade
5. Ambiente do Mundo Bíblico
6. Tema
63
63
63
67
88
89
91
IV - O Livro de Gênesis
1. Título
2. Fundo Histórico
3. Autoria
4. Data
5. Cronologias do Livro
6. Características Literárias
7. Estrutura Teológica
8. Contribuições Singulares do Livro
9. Propósito
10. Esboço
93
93
94
95
96
97
99
100
106
110
112
V - O Livro de Êxodo
1. Título
2. Fundo Histórico
3. Autoria
4. Data
5. Cronologias do Livro
6. Características Literárias
7. Estrutura Teológica
8. Contribuições Singulares do Livro
9. Propósito
10. Esboço
115
115
115
120
121
122
124
126
131
132
135
Assunto
Pg.
VI - O Livro de Levítico
1. Titulo
2. Fundo Historico
3. Autoria
4. Data
5. Características Literárias
6. Estrutura Teológica
7. Contribuições Singulares do Livro
8. Propósito
9. Esboço
139
139
139
141
142
142
143
146
156
159
VII - O Livro de Números
1. Título
2. Fundo Histórico
3. Autoria
4. Data
5. Cronologias do Livro
6. Características Literárias
7. Estrutura Teológica
8. Contribuições Singulares do Livro
9. Propósito
10. Esboço
161
161
162
164
164
165
166
168
178
184
192
VIII - O Livro de Deuteronômio
1. Titulo
2. Fundo Historico
3. Autoria
4. Data
5. Características Literárias
6. Estrutura Teológica
7. Contribuições Singulares do Livro
8. Propósito
9. Esboço
195
195
196
196
198
199
200
208
213
224
Anderson Vicente Gazzi
Apresentação:
Este projeto nasceu de um sonho de Deus em meu coração.
Entendo desta forma porque os objetivos dele vão muito além de
alcançar um status. Para quem conhece ou mesmo já teve algum contato
com a situação teológica no Brasil, tomando por base as congregações
que estão espalhadas em diversas denominações e em diversas
localidades, podemos constatar que o nível de conhecimento teológico
da Palavra de Deus é muito raso. Poderíamos salientar aqui diversos
fatores que contribuem para isso, no entanto, não é objetivo por
enquanto nesta apresentação.
O objetivo deste material é “tentar” fundamentar as bases
teológicas de questões fundamentais da fé cristã a novos convertidos,
servos de Deus em geral, professores de Escola Bíblica Dominical,
liderança, alunos de escolas teológicas e professores (a estes dois últimos
mais como material de apoio), a uma condição acessível e de maneira a
abrir pontos de discussões sobre este e mais assuntos.
Desta forma, nasceu este projeto, que visa proporcionar
educação teológica e material teológico ao alcance de todos e a um preço
acessível. Tendo em vista as dificuldades que a grande maioria de nós
tem de adquirir materiais teológicos que são muito caros se
considerarmos a realidade brasileira, este projeto nasce dispondo esses
materiais das seguintes formas:
•
•
•
Publicação de livros;
Publicação de e-books (uma nova forma de estudar no próprio
microcomputador a preços mais acessíveis);
Publicação do mesmo conteúdo do livro em apostilas (assim o
leitor não precisa comprar “todo” o livro e sim partes dele);
O material pode ser adquirido diretamente pelo site
www.clubedeautores.com.br onde haverá um campo de busca e nele
você pode digitar o nome do autor ou o nome do livro. A compra
poderá ser feita através de cartão de débito ou crédito e também através
de boleto bancário.
9
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Esperamos através desse ministério, proporcionar conhecimento
teológico a todos de uma forma barata e simples.
A Deus seja dada toda a Glória!
A.V.Gazzi
Setembro de 2013
10
Anderson Vicente Gazzi
Prefácio:
“Introdução ao Estudo do Pentateuco”? Bem, sei que para
muitos não é um tema atrativo e soa muito acadêmico. Para qualquer
iniciante no estudo das Sagradas Escrituras o Pentateuco parece um
pouco distante, arcaico e muitos teólogos liberais nem o consideram
com tanta seriedade ou o consideram como mito e outras tantas
definições. É importante àquele que está “chegando agora” compreender
que toda a base teológica neotestamentária (do Novo Testamento)
possui sua base veterotestamentária (no Antigo Testamento).
Se desconsiderarmos o Antigo Testamento, perdemos “as
bases” do Novo Testamento, pois o mesmo testifica sobre o que foi
falado (através dos profetas) anteriormente. A necessidade em se
aprender sobre o Antigo Testamento é primeiro porque conforme nos
diz as Escrituras em 2Tm.3.15-16: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e
útil para ensinar, convencer, corrigir e educar na justiça [...]”. Considerando que
Deus é o autor de todas as Escrituras (de Gênesis a Apocalipse) é
indiscutível a sua real necessidade de estudo. Segundo, o próprio Cristo
fez diversas citações do Antigo Testamento como podemos verificar
entre uma delas a passagem de Mt.4.1-11: “Examinem as Escrituras, pois
achais ter a vida eterna através delas, e elas testemunham sobre Mim.”. E para
finalizar, os apóstolos e toda a igreja primitiva se utilizava do Antigo
Testamento para pregar a Cristo e Este ressuscitado como vemos em
Atos 1: “Homens irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito
Santo predisse pela boca de Davi”; “Porque no livro dos Salmos está escrito: Fique
deserta a sua habitação, E não haja quem nela habite, Tome outro o seu bispado”.
Assim, temos que se considerarmos apenas o Novo Testamento
ou mesmo apenas parte do Antigo Testamento é ter uma “meia
verdade” ou uma “verdade incompleta”. Ambos os Testamentos (o
Antigo e o Novo) se completam e formam a verdade de Deus.
Agradeço a Deus por me permitir realizar este trabalho e a toda
a minha família e a igreja do Senhor Jesus (que posso considerar como
também minha família).
“Introdução ao Estudo do Pentateuco” é apenas um projeto dos
diversos que virão, ou até onde Deus assim permitir. Gostaria de deixar
11
Introdução ao Estudo do Pentateuco
como reflexão uma leitura que obtive como exemplo na Escola Bíblica
Dominical e tem falado comigo todos os dias desde a minha mocidade:
Provérbios 9.9.: “Dá instrução ao sábio, e ele se fará mais sábio; ensina o justo e
ele crescerá em entendimento”.
Que Deus transborde os vossos corações com a Sua Palavra e
que todos os dias venhamos a temer o Senhor, o Deus de Israel até a sua
vinda!
A.V.Gazzi
Setembro de 2013
12
Anderson Vicente Gazzi
INTRODUÇÃO
1. Conceito de Antigo Testamento:
a. Conceito e Definição:
O conceito de Teologia do Antigo Testamento está amarrado ao
conceito de “teologia”. Por definição, se entendermos “teologia” como
sendo “o estudo de Deus e de sua revelação ao homem”,
consequentemente a Teologia do Antigo Testamento será “o estudo de
Deus e de sua revelação ao homem no Antigo Testamento”. Entretanto,
o título “Antigo Testamento”, possuiu uma identidade especial, pois se
reconhece o “Antigo Testamento” como uma unidade na Escritura
Sagrada na qual os cristãos combinam e contrastam com o Novo
Testamento. Portanto, Teologia do Antigo Testamento “é o estudo de
Deus e de sua revelação ao povo eleito segundo os escritos desse mesmo
povo e que, por conseguinte, se difere da revelação de Deus por meio de
Cristo”.
Sabe-se, porém, que o Antigo Testamento é um conjunto de 39
livros no cânon cristão, escritos em épocas distintas por diferentes
hagiógrafos (escritores que escreveram sob inspiração divina). Quanto à
literatura, o Antigo Testamento possui diversificadas características
literárias que vão desde a prosa até ao gênero apocalíptico.
Consequentemente, uma Teologia do Antigo Testamento deve
contemplar todas essas extensões quer sejam temporais, culturais ou
literárias.
O propósito da Teologia Bíblica, segundo Ladd “é de expor a
teologia encontrada na Bíblia em seu próprio contexto histórico, com
seus principais termos, categorias e formas de pensamentos”. Isto posto,
uma teologia bíblica do Antigo Testamento deve considerar os graus de
desenvolvimento da revelação divina no Antigo Testamento e ser mais
descritiva do que prescritiva, isto é, descrever o conteúdo teológico do
Antigo Testamento e, não diretamente ocupar-se de sua aplicação,
atualização ou acomodação bíblica.
O encadeamento lógico dessas proposições leva-nos a seguinte
definição: “Teologia do Antigo Testamento é a disciplina da Teologia Bíblica que
13
Introdução ao Estudo do Pentateuco
estuda a pessoa, atributos, revelação de Deus, e sua aliança com o povo eleito
considerando a progressividade da revelação, os escritos e estilos literários do cânon
judaico do Antigo Testamento”.
Embora redundante, vale ressaltar que a Teologia do Antigo
Testamento difere-se do estudo denominado de Introdução ao Antigo
Testamento. Enquanto o primeiro se ocupa da teologia bíblica nos livros
antes do Novo Testamento, o segundo trata dos aspectos pertinentes ao
cânon, texto, data, autoria, composição, estrutura e comentário
descritivo de cada livro sem deter-se em sua teologia específica. As duas
disciplinas são igualmente necessárias para a compreensão das
Escrituras.
b. Definição e Conceito Segundo Alguns Teólogos:
O Dr. Asa Routh Crabtree define a Teologia do Antigo
Testamento como: “A Teologia do Velho Testamento é o estudo dos atributos de
Deus e o propósito das suas atividades na história e na vida do povo de Israel, de
acordo com a doutrina da revelação divina nos livros sagrados deste povo”.
R. K. Harrison, professor de Antigo Testamento do Wycliffe
College, define a disciplina nos seguintes termos: “A Teologia do Antigo
Testamento esforça-se para expor, do modo mais ordenado possível, as grandes
declarações da verdade divina que ocorrem nesses escritos. Tais afirmações podem
incluir revelação direta ou proposicional da parte de Deus a respeito da Sua natureza
e Seus propósitos, proclamações feita por profetas e outros de temas ou aspectos
específicos da Torá e do seu significado para os receptores”.
Segundo Paul Francis Porta, a Teologia Bíblica do Antigo
Testamento “enfatiza a importância teológica de diversos livros ao revelarem-se no
desenrolar gradual da mensagem redentora”.
Outros autores que tratam da Teologia do Antigo Testamento
preferem definir Teologia Bíblica em vez de considerar especificamente
o título, pois existem muitas controvérsias a respeito do tema. Ralph L.
Smith afirma que a literatura básica da disciplina nos últimos 50 anos
tem demonstrado pouca concordância quanto à natureza, tarefa e
metodologia dessa disciplina. De acordo com John McKenzie, na obra
“A Teologia do Antigo Testamento” a Teologia bíblica é a única
disciplina ou subdisciplina no campo da teologia que carece de princípio,
14
Anderson Vicente Gazzi
métodos e estrutura que recebam aceitação geral. Nem mesmo existe
uma definição geral de seu escopo. Concernente a definição, escopo e
metodologia, o teólogo Gerhard von Rad, afirma que a Teologia do
Antigo Testamento ainda é uma ciência jovem, uma das mais jovens
dentre as ciências bíblicas. (...) Predomina a característica de não ter
ainda havido um acordo perfeito quanto ao domínio que lhe é próprio.
Essa falta de consenso entre os teólogos a respeito do assunto têm
suscitado calorosas disputas. Um exemplo vislumbra-se no “Prefácio da
Quarta Edição” de von Rad onde ele justifica o seu método diacrônico
(método histórico-crítico) e responde ao teólogo W. Eichrodt e F.
Baumgärtel as críticas ao seu método. Consequentemente, a delimitação
e definição do tema conduzem a outra controvérsia não menos
importante: o método empregado para se chegar a uma Teologia do
Antigo Testamento.
c. Excurso sobre os Métodos de Teologia do Antigo
Testamento:
De acordo com o teólogo K.H. Harrison uma teologia do
Antigo Testamento para ser formulada com sucesso precisa considerar:
O significado que as palavras e os escritos tinham para aqueles
que os receberam originalmente;
Deve estar firmemente baseada numa tradição tão fiel ao texto
original quanto possível, considerando os problemas de transmissão
textual e o fato de algumas palavras hebraicas ainda terem significados
desconhecidos;
Manter o devido equilíbrio entre um método de investigação
histórico e objetivo e o conceito de uma revelação autorizada e definitiva
de Deus em forma escrita;
Por fim, o pensamento dos escritores do Antigo Testamento
não deve restringir-se aos interesses que dizem respeito à religião ou à
vida dos hebreus antigos. Deve considerar parte da revelação contínua
de Deus que chega ao seu ponto culminante na proclamação
neotestamentária da Sua graça redentora em Cristo.
Segundo o teólogo Kaiser Jr. a teologia do Antigo Testamento é
a disciplina mais exigente dos estudos do novo testamento, e que o
15
Introdução ao Estudo do Pentateuco
escopo dessa disciplina tem desencorajado a maioria dos estudiosos, até
mesmo aqueles que estão no fim das suas carreiras acadêmicas.
2. Classificação dos Livros do Antigo Testamento:
A. As Escritas Sagradas dos Judeus:
A Bíblia dos judeus era e ainda hoje é formada pelos livros do
Antigo Testamento. Ela é dividida em três partes: Lei, Profetas e
Escritos. Inclusive esta divisão foi citada pelo próprio Cristo: “...São estas
as palavras que vos disse estando ainda convosco: Convinha que se cumprisse tudo que
de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos”. Os Salmos aí
é a tradução da palavra “Escritos”.
B. O Arranjo dos Livros do Antigo Testamento Hebraico:
A organização dos livros do Antigo Testamento na literatura
hebraica é diferente da nossa, pois nela é feita inclusive a união de alguns
livros, que na nossa são separados. São eles: os doze profetas menores,
os dois livros de Samuel, os dois livros de Reis, os dois livros das
Crônicas, como também é feito a junção entre os livros de Neemias e
Esdras, chegando ao total de 24 livros e não 39, como acontece em
nossa tradução. É importante, porém esclarecer que, só é mudado o lado
estético, a organização, porém o conteúdo é o mesmo.
Vejamos na página seguinte:
16
Anderson Vicente Gazzi
DIVISÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO
JUDAICO
A Lei
Os Proféticos
Os Escritos
5 Livros
8 Livros
11 Livros
(A Torah)
(Os Neviym)
(Os Kethuvym)
1 - Gênesis
a. Profetas
a. Livros Poéticos
2 - Êxodo
Anteriores
1 - Salmos
3 - Levítico
1 - Josué
2 - Provérbios
4 - Números
2 - Juizes
3 - Jó
5 - Deuteronômio
3 - Samuel
4 - Reis
b. Cinco rolos
(Megiloth)
b. Profetas
1 - O Cântico dos Cânticos
Posteriores
2 - Rute
1 - Isaias
3 - Lamentações
2 - Jeremias
4 - Ester
3 - Ezequiel
5 - Eclesiastes
4 - Os doze
c - Livros Históricos
1 - Daniel
2 - Esdras - Neemias
3 - Crônicas
C. O Cânon ratificado pelo Senhor Jesus:
Jesus, durante todo o seu ministério, sempre fez questão de
demonstrar que as Escrituras tinham origem divina, e que tinha vindo a
este mundo exatamente para cumpri-las, por serem elas a verdade de
Deus. Este testemunho de Jesus e suas diversas manifestações de
reconhecimento da autoridade das Escrituras são plenamente suficientes
para que reconheçamos ser o Antigo Testamento, tal qual ele se
apresentava no meio do povo judeu, como sendo a Palavra de Deus
(Mt.15.6; Mc.7.13; Jo.10.35). Mas o que Jesus considerava como sendo as
Escrituras inspiradas? Quando Jesus acusou os escribas de serem
culpados da morte de todos os profetas que Deus enviara a Israel, desde
Abel até Zacarias (Lc.11.51), Ele, de certa forma, delimitou o que
17
Introdução ao Estudo do Pentateuco
considerava ser a extensão dos livros canônicos. O relato da morte de
Abel está no primeiro livro, Gênesis; o da morte de Zacarias, se acha em
2 Crônicas, que é o último livro das disposição da Bíblia hebraica (em
lugar do nosso Malaquias). Assim sendo, é como se Jesus tivesse dito: a
culpa de vocês está registrada em toda Bíblia, de Gênesis a Malaquias.
D. O Cânon judaico mencionado por Josefo:
Como já vimos no quadro, todos os nossos livros do Antigo
Testamento eram reconhecidos pelo povo judeu e considerados como
divinamente inspirados, inclusive pelo próprio historiador Flávio Josefo,
que apresenta uma divisão não de 24 livros, mas de 22; isto porque a
divisão mencionada por Josefo, é um costumeiro arranjo de livros feito
pelos judeus, para que haja uma perfeita associação entre os livros e cada
uma das letras do alfabeto hebraico, que também somam um total de 22.
Na divisão de 22 livros, adotada por Flávio Josefo, o livro de Rute está
junto com o de Juízes e o livro de Lamentações ao de Jeremias.
E. Quando o Cânon do Antigo Testamento se estabeleceu?
A formação do Cânon do Antigo Testamento foi algo gradual,
atingindo um espaço de mais de mil anos (1255 anos aproximadamente)
- de Moisés a Esdras. Isto vai desde o período em que Moisés esteve
entre os midianitas (quando, segundo a tradição judaica, teria escrito o
livro de Jó), por volta de 1.700 a.C., até Esdras (445 a.C.). Esdras não foi
o último escritor na formação do Cânon do Antigo Testamento; os
últimos foram Neemias e Malaquias, porém, de acordo com os escritos
históricos, foi ele que, na qualidade de escriba sacerdote, que reuniu os
rolos bíblicos, ficando assim o Cânon encerrado em seu tempo.
Os profetas e os homens de Deus que compuseram os livros do Antigo
Testamento, não tinham consciência de como suas contribuições se
enquadrariam a uma unidade global, formando assim o Antigo
Testamento.
18
Anderson Vicente Gazzi
F. O Proto-Cânon.
Apesar da tradição rabínica apontar Esdras como sendo o
organizador dos livros do Antigo Testamento, isto, por hipótese alguma,
significa dizer que somente a partir deste fato é que os livros passaram a
ser reconhecidos e obedecidos. Ao lermos a Bíblia, vemos que, desde o
início de seus escritos isto já vinha sendo observado. Assim, a expressão
“proto-cânon” dar-nos a idéia de que os livros do Antigo Testamento, já
possuíam a qualidade de Canônico antes mesmo de se formarem os
Cânones.
G. O Sínodo de Jâmnia ou Yavne:
Yavne, em Gaza, havia se tornado o principal centro de estudos
das Escrituras após a destruição do templo de Jerusalém, por volta do
ano 90 d.C. Nesta cidade, aconteceu por volta do ano 100 d.C., uma
reunião de rabinos judeus, que, inclusive, ficou conhecida como sendo o
“Concílio Judaico de Yavne”. Lá foi debatida a permanência ou não dos
livros de: Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Ester e Ezequiel no Cânon
Sagrado, porém, nada foi alterado, muito pelo contrário, esta reunião
apenas serviu para confirmar a relação dos livros que já eram adotados
pelos Judeus há muitos séculos.
3. Barreiras para o estudo do Antigo Testamento:
A. Problema Hermenêutico:
Acontece quando se interpreta uma passagem do “Antigo
Testamento” deslocando-a do seu contexto original e do seu sentido
histórico.
B. Problema Doutrinário:
Em decorrência do problema hermenêutico, surge o problema
doutrinário. Duas questões devem ser levantadas aqui:
19
Introdução ao Estudo do Pentateuco
I.
II.
O fato de que determinadas palavras, conceitos, dogmas,
costumes, práticas encontram-se escritos na Bíblia significa que
eles são ordinariamente “bíblicos”? (Por exemplo: Pitonisa de
Em-dor, Eliseu e as ursas do campo).
É salutar construir doutrinas alicerçadas em fatos isolados ou em
costumes do Antigo Testamento?
C. Problemas da Redução:
Alguns afirmam que, sendo o Novo Testamento o cumprimento
do Antigo, o estudo das escrituras judaicas é de pouco valor. Nesse caso,
o Antigo Testamento é reduzido ao Novo.
D. Problema da Dissociação:
Alguns têm dificuldades em associar o Deus do Antigo
Testamento (compreendido como um Deus guerreiro, vingativo, sádico)
ao Deus do Novo Testamento (compreendido como um Deus gracioso,
amoroso, conforme visto na pessoa e mensagem de Jesus Cristo).
Marcião, um dos pais apostólicos do Séc. II d.C. foi um dos ardorosos
defensores desta posição, criando uma lista de livros do Novo
Testamento que excluía qualquer relação com o Antigo Testamento.
E. Problema de Linguagem:
A linguagem oriental antiga, extremamente criativa e sem
abstrações, carece de uma interpretação adequada em virtude da
distância que nos separa desse mundo cheio de símbolos, números e
hipérboles. Muitos traços peculiares conhecidos como hebraísmos e
aramaísmos também merecem igual atenção.
F. O Conflito entre a Bíblia e as Ciências Naturais:
A tentativa de uso da Bíblia como um livro de orientação
científica tomando-se como base sua inspiração divina pode criar um
clima de desprezo pela Escritura Sagrada, colocando-a numa posição
20
Anderson Vicente Gazzi
constrangedora, na medida em que se lhe confere um papel para o qual
não foi destinada. (Por exemplo: Js.10.12-14 (limitação do autor humano
com relação ao conhecimento dos movimentos da terra em torno do
sol).
G. Problemas Morais:
Quando se lê a Bíblia como quem lê um livro de história
percebe-se uma série de incongruências entre os homens e Deus, e
determinadas posturas éticas. Abraão parece mentir para preservar sua
vida (Gn.12.10-12); Jacó rouba o direito de primogenitura do seu irmão
(Gn.27); Jefté mata sua filha em consequência de um juramento (Jz.11);
Davi é cruel e mentiroso (1Sm.27.7-11); ao contrário do que nos é
apresentado, Jó é rebelde e blasfemo (Jó.9.23); a guerra santa é uma
prática difícil de se aceitar nos dias atuais (Dt.20.12.16).
H. Problemas Teológicos:
O principal deles é a crença na Eleição de Israel. Como entender
a predileção de Deus por um povo em detrimento de outro.
4. Instrumentos de Auxílio ao Estudo do Antigo Testamento:
A. O Contexto:
Aqui se torna necessário dois níveis do aprendizado do domínio
cognitivo: o conhecimento e a compreensão da posição histórica do
autor, isto é, do seu contexto, ou seja, a sua situação histórica, política,
social, etc. Deve.se considerar que a Bíblia foi produzida num ambiente
bem diferente do nosso, refletindo maneiras e formas peculiares. Não se
pode simplesmente “lançar” um versículo, tirando-o da realidade em que
estava inserido para utilizá-lo nos dias atuais a título de contextualização
ou aplicação.
21
Introdução ao Estudo do Pentateuco
B. A Língua:
Esse instrumento tem relações com o contexto, mas merece um
estudo à parte. O linguajar oriental tinha características de ordem
antropológica e gramatical bem diferente da nossa. O uso de hebraísmos
era constante e o simbolismo dos números era significativo.
C. O Antigo Testamento tem um aspecto profundamente
humano:
Miguel de Cervantes disse: “A verdade é mais divina quanto mais
esconde o humano”; esse pensamento não vale para o Antigo Testamento.
Nele, Deus ama o ser humano como ele é com seus defeitos e paixões.
Poder-se-ia aqui relacionar muitos exemplos.
D. O Encontro da Palavra de Deus com a palavra do Homem:
No Antigo Testamento o homem treme diante da Palavra de
Deus, ao mesmo tempo em que torna nítida a sua marca humana.
Ambas cooperam no processo de revelação ou no “mostrar-se” divino.
E. A Moral do Antigo Testamento não é Perfeita:
A revelação definitiva nos chega através de Jesus Cristo. Ele
mesmo se viu obrigado a distinguir claramente as normas ensinadas às
gerações antigas e a nova moral, típica do cristão (Vide Sermão da
Montanha).
F. O Antigo Testamento como Fruto do Desenvolvimento de
Reflexão Teológica:
Não se identifica apenas uma forma do pensar teológico no
Antigo Testamento, formando uma unidade, mas diversas tendências
que se desenvolveram num período de 1200 anos de história,
aproximadamente (por exemplo: o conceito de monoteísmo absoluto –
reta final da reflexão em torno de Yahweh).
22
Anderson Vicente Gazzi
BIBLIOGRAFIA:
- LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. 2. ed., Rio de
Janeiro: JUERP, 1985, p.25.
- CRABTREE, A.R. Teologia do Velho Testamento. Rio de
Janeiro:JUERP, 1977,p.32
- HARRISON, R.K. Teologia do Antigo Testamento. In ELWELL,
Walter A. (ed.) Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São
Paulo: Vida Nova, 1990, V.III (N-Z), p. 458.
- PORTA, Paul Francis. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo:
EETAD, FAETAD, 1989, p.18.
- SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo Testamento: história, método e
mensagem. São Paulo:Vida Nova, 2001, p.67.
- McKENZIE, John. A Theology of the Old Testament, Garden City:
Doubleday, 1974, p.15 apud SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo
Testamento: história, método e mensagem. São Paulo:Vida Nova, 2001,
p.67.
- RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento: teologia das
tradições históricas de Israel. São Paulo: ASTE, 1986, p.11.
- RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento: teologia das
tradições históricas de Israel. São Paulo: ASTE, 1986, p.14-7.
- HARRISON, R.K. Teologia do Antigo Testamento. In ELWELL,
Walter A. (ed.) Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São
Paulo: Vida Nova, 1990, V.III (N-Z), p. 458.
- KAISER JR., Walter C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1984, p.vii.
- AFONSO, Caramuru. Introduão bíblica, VIDA.
- A Bíblia Através dos Séculos, CPAD;
- A origem da Bíblia, CPAD;
- H. E. Alexander; B. E. P. Introdução bíblica, CPAD.
23
Introdução ao Estudo do Pentateuco
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Anderson Vicente Gazzi
I – PANORAMA HISTÓRICO DO PENTATEUCO
1. Retrospecto da História de Israel no Período Patriarcal
(2000 à 1750 a.C.):
De acordo com a Bíblia, a história de Israel começa com a
migração dos patriarcas hebreus da Mesopotâmia para a Palestina. Essas
narrativas são encontradas no livro de Gênesis caps. 12 a 50. De acordo
com Bright, as narrativas do Gênesis são em preto e branco numa tela
simples, sem nenhuma perspectiva de profundidade. Esse livro nos pinta
certos indivíduos e suas famílias movimentando-se dentro de um
mundo, como se vivessem sozinhos nele. Os grandes impérios, mesmo o
pequeno povo de Canaã, se são mencionados, não passam de vozes que
se ouvem de fora do palco. Se os faraós do Egito têm uma modesta
parte nas narrativas, eles não são identificados pelos nomes; não
sabemos quem eram eles; tampouco, nenhum antepassado hebreu
mencionado no Gênesis foi revelado ainda em nenhuma inscrição
contemporânea. Em conseqüência de tudo isso se torna impossível dizer
em termos exatos quando Abraão, Isaque e Jacó realmente viveram;
tampouco podemos subestimar a evidência arqueológica. O testemunho
da Arqueologia é indireto. Ele tem dado ao quadro das origens de Israel
um sabor de probabilidade e tem fornecido o “background” ou pano-defundo para o entendimento desse quadro, mas não tem provado que as
histórias são verdadeiras em seus pormenores. Ao mesmo tempo não
apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga a tradição bíblica.
Segundo Bright, as origens de Israel não eram tão simples
fisicamente. Teologicamente eram todos descendentes de Abraão;
fisicamente eles provinham de outros troncos diferentes, clãs que
imigraram na Palestina no começo do segundo milênio antes de Cristo e
aí se misturaram e proliferaram com o passar do tempo. Muitos desses
clãs se estabeleceram onde puderam encontrar terra e se organizaram em
cidades-estado segundo o padrão feudal. A maior parte desses clãs veio
da Mesopotâmia, onde reinava um ambiente de confusão política
gerando a desintegração da cidade de Ur com dinastias rivais lutando
entre si. No Egito, sob os faraós do Médio Império (de Tebas a Menfis),
instalava-se uma época de prosperidade. Os faraós da 12ª dinastia
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Introdução ao Estudo do Pentateuco
empreenderam projetos ambiciosos, sistema de canais e de fortificações,
desenvolvendo-se ainda a Medicina e a Matemática. Os patriarcas
propriamente ditos seriam os chefes de clãs consideráveis.
A. Costumes e Características Patriarcais:
Muitos fatos mencionados no Gênesis são provados pelo
conhecimento da cultura de reinos na Mesopotâmia dessa época. Segue
abaixo algumas das diversas características desses clãs. Outras
características serão consideradas na unidade seguinte quando
estudaremos as instituições israelitas do tempo do Antigo Testamento.
O patriarca tinha influência decisiva na escolha de cônjuges para
seus filhos;
Os casais sem filhos adotavam um filho que os servia durante
toda a vida e seria o herdeiro. Mas se nascesse um filho natural,
o filho adotivo tinha que ceder seu direito de herdeiro;
Os contratos nupciais obrigavam a mulher estéril a providenciar
uma substituta para o seu marido
Se nascesse um filho dessa união ficava proibido o desprezo à
esposa escrava e ao seu filho;
A aparência desses patriarcas era semelhante à dos seminômades
do segundo milênio na Palestina; vestidos com roupas
multicoloridas, deslocando-se a pé com todos os seus pertences
e filhos em lombo de burro;
Habitavam em tendas.
B. A Religião dos Patriarcas:
A Bíblia considera Moisés como fundador da religião de Israel
(Êxodo 3). Apesar disso, a narrativa bíblica liga a religião javista com a
religião dos patriarcas (Êx.3.6-13; 6.3). O quadro que se tem dos
patriarcas é que eles adoravam a Deus sob vários nomes; esses nomes
estavam ligados a um feito de Deus no passado e em local especial. Os
descendentes dos patriarcas adorariam na memória do nome do
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Anderson Vicente Gazzi
patriarca, o Deus que esse patriarca legou, sob diversos nomes. A Bíblia
menciona alguns deles, a saber:
‘El Shaddai (Gn.17.1; 43.14) – “Deus Todo-Poderoso”.
‘El Elyon (Gn.14.18-24) – “Deus Altíssimo”.
‘El Olam (Gn.21.33) – “Deus Eterno”.
‘El Roy (Gn.16.13) – “Deus que me vê”.
Na narrativa do Gênesis, cada patriarca é representado adorando
ao seu Deus por livre e pessoal escolha e entregando-se, depois a este
seu Deus “O Deus de Abraão”, em Gn.28.13; 31.42-53; “O Temido de
Isaque” em Gn.31.42-53; “O Poderoso de Jacó” em Gn.49.24. O quadro
do Gênesis de uma relação pessoal entre o indivíduo e seu Deus
fundamentada por uma promessa e selada por uma aliança é da maior
autenticidade. A fé na promessa divina representa o elemento original da
fé dos antepassados seminômades de Israel.
2. Os Hebreus no Egito (1750-1300 a.C.):
A. Contexto Histórico:
Antes do conhecimento das circunstâncias que levaram os
descendentes dos patriarcas a se instalarem no Egito, é necessária uma
compreensão do contexto histórico dos impérios que cercavam a
Palestina. Por exemplo, no Egito, durante o Séc. XVIII a.C., o poder do
Médio Império estava sendo enfraquecido. Com as migrações dos povos
asiáticos para as bandas do sul da Palestina, as portas do delta egípcio
estavam sendo abertas para a dominação estrangeira. Nessa época, o
Egito sofreu a invasão dos soberanos estrangeiros chamados de hicsos
(chefes estrangeiros – 1720 a 1540 a.C.), os quais efetuaram sua
conquista em duas fases:
a. Entrincheiraram-se no Delta, consolidando posições (1720 a.C.);
b. Iniciaram o domínio político propriamente dito. Os hicsos
foram expulsos do Egito em 1540 a.C. pelo faraó nacionalista
Amósis. A presença dos hicsos no Egito representa um período
27
Introdução ao Estudo do Pentateuco
de franca abertura para a entrada de estrangeiros, inclusive
hebreus.
Outro importante império foi o da Babilônia. Durante essa
época encontrava-se ameaçado pela Assíria ao norte e Larsa ao sul.
Porém, com a ascensão do rei Hamurabi ao trono essa situação de
inferioridade se reverteu e a Babilônia resistiu a todas as ameaças,
vencendo os seus inimigos. Através de Hamurabi a Babilônia gozou um
grande florescimento cultural. Desse período temos uma riqueza de
textos: cópias de épicos antigos (por exemplo, narrativas babilônicas da
criação e do dilúvio), listas de palavras, dicionários, tratados de
matemática e de astronomia, etc. Contudo a mais importante de todas as
realizações de Hamurabi foi o seu famoso código de leis, publicado no
final de seu reinado.
B. Como os Hebreus foram para o Egito:
O período de 1750 a 1300 a.C. representa uma época na história
de Israel onde a Bíblia é a nossa única fonte. Os registros egípcios nunca
fizeram menção de uma presença de Israel. Uma explicação para isso é
que, ocorrendo essa passagem dos hebreus pelo Egito durante o período
dos soberanos hicsos, os egípcios teriam considerado essa época
vergonhosa demais para ser descrita. O fato é que a narrativa bíblica tem
o seu valor e, de acordo com o pensamento de Bright, exige uma fé a
priori: “uma tradição dessa espécie nenhum povo poderia inventar. Não
se trata de nenhum episódio épico e heróico da migração, mas da
recordação de uma servidão vergonhosa da qual somente o poder de
Deus poderia livrar”. Um argumento muito forte que reforça a
historicidade da passagem de Israel pelo Egito são os nomes egípcios
comumente encontrados entre os israelitas nessa época, por exemplo:
Moisés, Ofiní, Finéias, Merarí, etc.
Duas perguntas devem ser colocadas aqui:
1) O que levou os israelitas a se instalarem no Egito?
2) Sob que circunstâncias viveram?
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Anderson Vicente Gazzi
Primeiramente, todos os teólogos e estudiosos do Antigo
Testamento concordam em afirmar que os israelitas chegaram ao Egito
através das migrações dos seminômades que habitavam o sul da
Palestina. Nos tempos de fome e carestia esses iam buscar uma vida
melhor no Vale do Nilo, que era fértil e não dependia das chuvas. Esta
situação é pressuposta em algumas passagens do Gênesis (Gn.12.10;
20.1; 26.1; 42.1, 43.1, 46.1). Essa era uma situação repetida todos os anos
e muitos desses grupos seminômades fixaram residência no Egito. Ora,
na medida em que se compreende que o período de dominação hicsa foi
favorável à entrada de grupos estrangeiros no Egito, compreende-se
também que, a partir do momento em que os mesmos foram banidos e
expulsos, deu-se início uma política nacionalista xenofobista (aversão ou
medo aos estrangeiros) que inclui a perseguição às etnias estrangeiras
(Êx.1.9-10). A partir daí muitos desses grupos seminômades foram
convocados pelos egípcios para determinados serviços, sendo inclusive
recrutados contra a vontade como trabalhadores braçais, mão-de-obra
barata pra atividades na área da construção e olarias. De acordo com a
Bíblia (Êx.12.40), o período de permanência dos hebreus no Egito foi de
430 anos.
C. O Problema do Conflito de Datas do Êxodo:
No caso específico dos faraós da opressão e do êxodo temos um
problema histórico visto que dois grupos de historiadores e teólogos têm
discordado quanto à datação da escravidão israelita, em virtude de
interpretações diferentes para as evidências históricas e arqueológicas. As
discussões concentram-se entre os faraós da 18ª e 19ª dinastias. Vejamos,
primeiramente, um quadro histórico aproximado desses faraós:
Dinastias / Faraó
Hicsos dominam o Egito
Amósis
Amenófis I
18º Dinastia
Tutmósis I
Tutmósis II
Hatshepsut
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Período de Reinado
1720-1570 a.C.
1570-1546 a.C.
1546-1526 a.C.
1526-1512 a.C.
1512-1504 a.C.
1503-1483 a.C.
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Continuação...
Dinastias / Faraó
Tutmósis III
Amenófis II
Tutmósis IV
Amenófis III
Amenófis IIIV
18º Dinastia
(Akenaton)
Semenca
Tutankamon
Aí
Horembeb
Ramsés I
Set I
19º Dinastia
Ramsés II
Merneftá
Período de Reinado
1504-1450 a.C.
1450-1425 a.C.
1425-1417 a.C.
1417-1379 a.C.
1379-1362 a.C.
1364-1361 a.C.
1361-1352 a.C.
1352-1348 a.C.
1348-1320 a.C.
1320-1318 a.C.
1318-1304 a.C.
1304-1236 a.C.
1236-1223 a.C.
O primeiro grupo de teólogos e historiadores considera que os
faraós da opressão e do êxodo estão na 18ª dinastia. Partem do princípio
da literalidade de 1Reis 6.1 que informa que o êxodo aconteceu cerca de
480 anos antes da fundação do templo de Salomão, fato que ocorreu em
aproximadamente 966 a.C, o que colocaria a datação da saída de Israel
do Egito por volta de 1446 a.C., época de Amenófis II (1450-1425). Essa
articulação, estando correta, colocaria o nascimento de Moisés para o
período de transição entre Amenófis I (1546-1526) e Tutmósis I (1526 a
1512), visto que, de acordo com Êx.7.7, Moisés estava com 80 anos
pouco antes do êxodo. Moisés teria sido adotado pela filha de Tutmósis
I, Hatshepsut (1503-1483), a qual, por sua vez, teria se casado com seu
meio-irmão, Tutmósis II (1512-1504), bem mais jovem que sua meiairmã. Tendo morrido cedo em virtude de doença misteriosa, deixou
Tutmósis III (1504-1450) ainda menino como rei, estando o Egito nesse
momento regido ainda que não oficialmente por Hatshepsut. Tutmósis
III teria sido o mais ilustre e poderoso dos faraós da 18ª dinastia, tendo
realizado cerca de 16 campanhas militares na Palestina, consolidando o
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Anderson Vicente Gazzi
domínio egípcio nessa região. Hatshepsut, por sua vez, enquanto esteve
no poder, caracterizou-se por grande autoridade e tato político. Merrill
(2002, p.54) argumenta que o jovem Moisés teria sido uma ameaça para
Tutmósis III, visto que ele era “filho da filha de faraó” (Hb.11.24), o que
teria justificado a fuga de Moisés depois deste ter matado um egípcio. O
raciocínio aqui é que depois que os hicsos foram expulsos do Egito,
Amósis (1570-1546), o faraó mencionado em Êx.1.8 como o rei “que
não conhecera a José”, teria iniciado uma política de trabalhos forçados
(Êx.1.11-14) em olarias e na construção civil aos estrangeiros que ficaram
no país, aproveitados como mão de obra escrava, dentre eles,
descendentes da Jacó. Como se não bastasse essa política escravizante,
um dos faraós seguintes, Amenófis I (1546-1526) ou Tutmósis I (15261512), teria praticado um genocídio (Êx.1.15-16). Assim, pesquisadores
como Merrill (ibid, p.55.56) colocam Amenófis II (1450-1425) como o
faraó do êxodo, visto que duas de suas campanhas militares na Palestina
(Em 1450 e 1446) combinariam com uma possível perseguição a um
povo em fuga, tendo seu exército sido desmoralizado numa tentativa
frustrada de passagem pelo Mar dos Juncos.
O outro grupo de teólogos e historiadores defende que os faraós
da opressão e do êxodo estão situados na 19ª dinastia. Partem dos
princípios da interpretação simbólica de 1Rs.6.1 e da contribuição da
ciência histórica e arqueológica para elucidar essa discordância.
Primeiro, porque segundo alguns (BRIGHT, 1978, p.158), a
idéia de 480 anos seria simbólica, resultante da multiplicação de 40 vezes
12, harmonizando com 1Cr.6, texto que contaria cerca de 12 gerações no
período em discussão. Uma geração ideal abrangeria 40 anos. Mas tornase simbólica, porque uma geração durava de 20 a 25 anos, o que
colocaria a datação do êxodo para os meados do XIII Século antes de
Cristo, época dos faraós da 19ª dinastia.
Segundo, porque segundo alguns estudos (ALLEN, 1987,
p.376), no período da 19ª dinastia, a capital do Egito foi mudada de
Tebas, no “Alto-Egito”, para Mênfis, no “Baixo-Egito”, na época de Set
I (1318-1304), ocorrendo nesse período intensa atividade na área da
construção civil. Tendo residido no Alto Egito, os faraós da 18ª dinastia
teriam se preocupado pouco com a construção civil nessa região. Isso
coaduna com a localização geográfica da escravidão na região de Gosén,
31
Introdução ao Estudo do Pentateuco
bem próxima a Sucot, local de onde partiria o povo de Israel em fuga, e
Ramsés, uma das cidades reconstruídas pelos escravos hebreus. Aliás,
argumentam ainda que sendo o nome da cidade “Ramsés”, um nome de
um faraó da 19ª dinastia, por si só isso já seria um argumento decisivo. A
outra cidade, chamada “Pitom”, significa “Casa de Tom”, o deus-sol,
uma lembrança de Akenaton (Amenófis IV, 1379-1362).
Outros argumentos a favor dessa teoria (GLUECK, 1987,
p.387) defendem que os reinos famosos invadidos pelos israelitas na
época da conquista só teriam sido fundados depois do 13º século visto
que antes os moradores da Palestina viviam como nômades. Da mesma
forma, os reinos de Edom e Moabe, citados em Números 20 e 21.
Afirmam também, à luz da arqueologia, que cidades cananéias como
Láquis e Debir, mencionadas na conquista, teriam experimentado grande
destruição no Século XIII a.C. Nesse sentido, Set I (1318-1304) teria
sido o “faraó que não conhecera a José” (Êx.1.8), o faraó da opressão e
Ramsés II (1304-1236), o faraó do êxodo.
Ultimamente alguns pesquisadores têm discordado dessa
opinião (MERRILL, 2002). Argumentam que os nomes “Pitom” e
“Ramsés” aplicado às cidades construídas pelos hebreus podem ser, na
verdade, anacronismos. Ou seja, mais tarde, quando os relatos da
escravidão foram escritos, as cidades foram identificadas com os nomes
posteriormente conhecidos, e não com os seus nomes originais. Assim,
“Ramsés” seria o nome posterior para a cidade de Tanes. Um exemplo
simples para a compreensão dessa linha de raciocínio é que ao contar a
história do Brasil, nenhum historiador afirma que os descobridores
chegaram à “Ilha de Vera Cruz”, termo usado por Cabral na época da
descoberta. Ou ainda “Terra de Santa Cruz”, termo usado mais tarde
quando descobriram que a “ilha” era, na verdade, um continente. Mas os
historiadores usam o termo “Brasil”, termo do Século XVI, posterior,
portanto, aos termos anteriormente citados.
Um outro grande problema para a datação do êxodo no Século
XIII a.C., é que na tentativa de harmonização de Êx.2.15,23 e Êx.4.19
com a cronologia histórica, verifica-se que Moisés não teria retornado ao
Egito antes que aquele faraó que tentou tirar-lhe a vida estivesse morto,
o que colocaria uma dificuldade para situar os eventos no período de Set
I (1318-1304) e Ramsés II (1304-1236), dado o curto período de
32
Anderson Vicente Gazzi
governo de Set I e o longo período de Ramsés II, para que se justificasse
uma fuga de Moisés do Egito aos 40 anos de idade e o seu retorno aos
80.
Merril (2002, p.65) cita mudanças de perspectiva no exame dos
vestígios encontrados nos sítios arqueológicos palestinenses, após as
escavações feitas por Glueck. Outros arqueólogos têm chegado à
conclusão de que muitos dos achados remontam à Era do Bronze
Recente (1600-1200), ou era até mais antigos, o que comportaria as
conquistas dos que saíram do Egito numa época em torno de 1400 anos
antes de Cristo. O fato é que os dois lados têm argumentos plausíveis e
isso explica a divisão no meio histórico-teológico. Contudo, julgamos
mais razoáveis os argumentos a favor de uma datação para a opressão e
o êxodo para meados do Século XV a.C..
D. O Problema do Nome Hebreu.
De acordo com Martin Metzger, é por essa circunstância que os
israelitas foram chamados de “hebreus”. Isso quer dizer que o nome
hebreu não traz boas recordações, pois lembra o sofrimento, vergonha
da escravidão (Êx.1.11-14; 2.11-13). Essa reflexão nos remete
necessariamente para a origem do nome hebreu ‘ivri, que tem relação
direta com a raiz do verbo ‘avar (“atravessar”, “passar para o outro
lado”), uma referência aos ancestrais que vieram do outro lado do
Eufrates. O termo aparece 34 vezes no Antigo Testamento assim
distribuídas:
a. Narrações do êxodo no cenário egípcio:
• Êx.1.15,16,19,22 – história das parteiras desobedientes.
• Êx.2.6,7,11,13 – nascimento e atuação de Moisés.
• Êx.3.18; 5.3; 7.16; 9.1,13; 10.3 – Deus dos hebreus.
b. Leis – Êx.21.2; Dt.15.12; Jr.34.9,14.
c. Histórias de José – Gn.39.14,17; 40.15; 41.12; 43.32;
d. Narrações das lutas contra os filisteus – 1Sm.4.6,9; 13.3,19;
14.11,21; 29.3;
e. Outros (textos tardios) – Gn.14.13; Jn.1.9;
33
Introdução ao Estudo do Pentateuco
A análise dos textos acima mostrará que o termo “hebreu” tem
relação com uma situação social desfavorável e de submissão sem que
isso indique necessariamente uma pertinência ao povo israelita,
aparecendo geralmente na boca dos outros povos como forma de
depreciação. Mas também aparece como sinônimo de “israelitas”. Essa
ambigüidade deve-se à possibilidade de mistura das tradições no
andamento da história da formação do povo de Israel. Por exemplo, nas
narrações das lutas entre filisteus e israelitas (1Sm.13 e 14) os hebreus
fazem parte das tropas militares como uma terceira força e estão
presentes em ambos os lados. Hans Trein (Pg.21-22) assim comenta o
texto:
“Em 1Sm.13.3-7 Jônatas destruiu a guarnição dos filisteus. Saul fez
questão de que os hebreus soubessem disso. Os filisteus se reuniram para combater
contra Israel ; o povo de Israel se escondeu em covas e cavernas, nos penhascos e poços,
enquanto que alguns dos hebreus atravessaram o Jordão. Aqui os hebreus que
atravessaram o Jordão estão distintos dos israelitas que se esconderam nas cavernas e
nos penhascos. Em 1Sm.13.19-20, importa para os filisteus impedir que os hebreus
fabriquem espadas ou lanças; por isso todo o Israel tinha que ir aos filisteus, amolar
seus instrumentos de trabalho agrícola. Aqui hebreus e israelitas são a mesma coisa.
Em 1Sm.14.11-12 os filisteus alertam para os hebreus que estão saindo das tocas e
provocam Jônatas e seu escudeiro, para dar-lhes uma lição. Aqui mais uma vez
hebreus é idêntico a israelitas, o que também confere com os israelitas que tinham se
escondido nas cavernas em 1Sm.13.3-7. Em 1Sm.14.21-23 os hebreus que tinham
estado junto com os filisteus se ajuntaram aos israelitas que estavam com Saul e
Jônatas. Aqui hebreus está distinto de israelitas, e temporariamente até pelejaram
contra Israel. Não seriam esses hebreus os mesmos que em 1Sm.13.3-7 tinham
atravessado o Jordão (para ajudar os filisteus?) e que agora voltam, pois a batalha
tinha se definido vitoriosa para os israelitas? Não seriam esses também os mesmos
hebreus que Saul quis informar subversivamente, de que Jônatas tinha derrotado a
guarnição dos filisteus em Gibeá, com a segunda intenção de provocar neles, auxiliares
dos filisteus, uma deserção?”
Outra vertente no estudo da interpretação sobre a origem do
nome está relacionada com a história dos movimentos migratórios já
descritos no capítulo anterior. Segundo essa tese, o nome “hebreu”
(‘ivri), tem uma íntima relação com o termo aramaico (ap’ru), um termo
34
Anderson Vicente Gazzi
nada elogiável, atribuído por nativos da Palestina aos pastores
seminômades que estavam migrando para essa região cerca de 2000 a.C.,
tratados como “bandoleiros, ciganos ou ladrões ou algo parecido”. Um
estudo feito por Hans Alfred Trein mostra que esses grupos cresceram
favorecidos pelos conflitos entre os reinos cananeus que se dividiam a
favor e contra o domínio egípcio na Palestina antiga, explorada por uma
forte exigência tributária dos faraós. Cartas encontradas em Tell El
Amarna (1887 d.C) revelam o pedido de ajuda de príncipes cananeus ao
faraó Amenófis IV (1360 a.C) para que este enviasse tropas para expulsar
os (ap’ru), acusados de pilhagem na Palestina. Para Manfred Weippert
(1967) os dois termos são aparentados lingüisticamente, pois as línguas
semitas só distinguem entre “b” e “p”. Assim a pesquisa iguala os dois
grupos com um único grupo denominado em 1Sm.13 e 14.21 de hebreus
pelos filisteus. Parece que esse grupo que, antes servia aos filisteus, tinha
desertado para o lado dos israelitas. Mais tarde, em 1Sm.29, os filisteus
desconfiarão de Davi e do seu exército de mercenários (que se oferecem
para lutar pelos filisteus) temendo que eles também venham a desertar.
3. O Êxodo, a Peregrinação e a Conquista de Canaã (1300 a
1200 a.C.):
A. Contexto e Êxodo:
Baseados em descobertas arqueológicas e em relatos bíblicos do
livro do Êxodo, podemos situar com aproximação o contexto histórico
da opressão dos hebreus no Egito, cujas circunstâncias foram estudadas
no texto anterior. Nessa época, os egípcios dominavam boa parte do
mundo de então, incluindo a Palestina (Canaã), a qual era formada pela
aglomeração de cidades-estados, cada uma delas com o seu rei, pagando
ao Egito pesados tributos estipulados pelo faraó do momento. Embora a
Palestina fosse dividida politicamente, formava uma unidade cultural,
pois os povos que lá viviam possuíam língua, costumes e religião
semelhantes. No Egito livre, sem a presença do hicsos os hebreus
amarguravam uma situação de opressão, forçados ao trabalho nas olarias
e na construção das cidades de Pitom e Ramsés (Ávaris, antiga capital
dos hicsos), conforme relato de Êx.1.1-14. Os dados concretos de
35
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Êx.1.11 aliados às escavações arqueológicas permitem-nos concluir que
Ramsés II (1301-1234 a.C.) foi o faraó dessa época. O texto bíblico
ressalta nesse período duas importantes passagens:
Primeira, a de Moisés como libertador e posteriormente, como
legislador. Só a Bíblia tem informado sobre sua história até agora, e temse conhecido sobre a sua fina educação na corte egípcia, tendo sido um
hebreu salvo da mortandade infantil, nunca negando suas tradições
raciais (Êx.2.11-15). Com certeza, além da condução do povo na saída
do Egito pelo Mar (Mar dos Juncos – Yam Suf), o ponto alto dessa
história é a revelação de Deus a Moisés sob o nome de “Yahweh”, como
fundamento para a religião de Israel. A adoração de Yahweh pelos
antepassados israelitas pode ter sido assimilada por mediação dos
midianitas (Jetro - Êx.18.12) ou dos canitas (descendentes de Caim Gn.4.15). Mas, Gn.4.25 faz uma afirmação importante sobre Enosh,
descendente de Set, como o primeiro a invocar o nome do Senhor.
Contudo, existem duas tradições que ligam Moisés tanto aos midianitas
(Êx.2.16ss; 18) quanto aos canitas (Jz.1.16 e 4.11), ambas fazendo
referencias ao sogro de Moisés, apesar de conservarem nomes diferentes
para a mesma pessoa (Jetro/Hobabe). Mais certo é pensar na
importância do evento da teofania do Sinai (Êx.3) para a revelação do
nome especial de Deus a Moisés, cuja raiz no hebraico é a do verbo
“ser”, “estar”, “haver” (hayah). A resposta do Senhor à pergunta de
Moisés “qual é seu nome?”, pode significar tanto “Eu sou o que estarei
com vocês”, quanto “eu sou o que sou e por isso, o que eu sou não é da
sua conta. Creia em mim e deixe o resto comigo!”. Esse sentido do
nome do Senhor evidencia-se através das narrativas que acompanham o
processo de saída, peregrinação e conquista de Canaã, as quais estão
adornadas com molduras sob a forma de epopéia, visto que nessas
condições, as tradições seriam mais fortemente assimiladas pelos que as
ouviam na compreensão de um Deus que agiu no passado do seu povo e
que continuará intervindo para salvar.
Segunda, a referente ao evento das pragas e o endurecimento do
coração “Lev” do faraó (Êx.8.32; 7.14). Alguns têm dado interpretações
baseadas em fenômenos da natureza para explicar as pragas. O certo
aqui é tentar compreender mais a atitude de faraó com relação a essas
pragas, uma vez que alguns textos dizem que “Yahweh endureceu o
36
Anderson Vicente Gazzi
coração de Faraó” (Êx.4.21; 7.3; 9.12; 10.1; 10.20; 10.27; 11.10;
14.4,8,17) e outros que “Faraó endureceu seu coração” (Êx.7.13,14,22;
8.15,19,28; 9.7,34,35). Em Êx.14.4 aparece o sentido teológico da
obstinação do “Lev” (coração) de acordo com a tradição sacerdotal.
Faraó não pode entender o sentido das pragas e não pode atuar a ponto
de correspondê-las. Yahweh é quem faz a história. A sua intervenção
chega até a capacidade de pensar e entender dos inimigos.
B. Peregrinação no Deserto:
O período no qual o povo hebreu viajou pelo deserto entre a
região do Sinai e a região média da Palestina tem duas importâncias
básicas:
1. É a época intermediária entre a história de Israel no Egito e
a conquista de Canaã.
2. Representa o período quando Israel recebeu a sua religião
característica, o Javismo, assumindo com ela a consciência
de um povo. Isso não quer dizer que o Javismo não tenha
evoluído com o passar dos séculos até ganhar a
caracterização
da
religião
pós-exílica
conhecida
posteriormente pelo nome de Judaísmo. Fato importante é
que os profetas fizeram alusões a esse período como o
momento e o local onde Israel aprendeu a amar ao Senhor
nos moldes de uma relação esposo-esposa (Jr.2.2; Os.2.14).
De acordo com os pesquisadores do Antigo Testamento, a
peregrinação dos hebreus pelo deserto ocorreu em três fases: A primeira
fase corresponde à viagem para a cadeia de montes do Sinai (Horebe).
Embora a localização do monte seja incerta é pensamento comum que
foi lá que Israel recebeu parte da lei de Moisés; a segunda fase
corresponde do período da saída do Sinai até a região sul da Palestina
conhecida pelo nome de Cades-Barnéia ou Qadesh, onde os israelitas
experimentaram uma derrota parcial para o rei de Arad, não podendo
assim entrar em Canaã pelo sul; a terceira fase vai da saída de Qadesh à
incursão feita pelo flanco oriental, incluindo a instalação na região da
37
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Transjordânia, região na qual morreu Moisés de acordo com a narrativa
bíblica (Dt.34).
C. A Conquista de Canaã:
O pensamento básico que a Bíblia nos apresenta sobre a entrada
dos israelitas na Palestina não é a conquista ou invasão feita por um
povo estrangeiro, mas o retorno de tribos que num passado distante, lá
viveram através dos seus antepassados patriarcas. Dt.26.1 apresenta o
pensamento que foi Yahweh quem deu a terra de Canaã a Israel. Martin
Metzger descreve essa “reconquista” seguindo duas etapas:
1. Instalação das tribos israelitas nas regiões montanhosas,
menos férteis, parcialmente habitadas e pouco guarnecidas
(Jz.1.19).
2. Com o crescimento do povo israelita no decorrer dos anos
nos territórios cananeus, houve também a conquista de
cidades fortificadas tais como Jericó, Hasor e Ai (Js.17.13).
38
Anderson Vicente Gazzi
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO I:
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
39
Introdução ao Estudo do Pentateuco
40
Anderson Vicente Gazzi
II – INSTITUIÇÕES FAMILIARES, CIVIS, MILITARES E
RELIGIOSAS DE ISRAEL
O estudo das estruturas do Antigo Testamento é de vital
importância para o estudo da disciplina. Determinados textos podem ser
resolvidos sem o intermédio da exegese, utilizando-se apenas o
conhecimento da cultura e das instituições desse tempo, quer sejam elas
sociais, familiares, religiosas ou políticas. Do conhecimento dessas
estruturas resulta um princípio hermenêutico: não se podem adotar
determinadas práticas antigas sob o pretexto de serem bíblicas pelo
simples fato de pertencerem ao texto bíblico, mas compreendê-las a
partir de um contexto local de caráter transitório. A seguir, as principais
instituições do tempo do Antigo Testamento.
1. Instituições Familiares:
A. Família:
A tribo formava a maior unidade sociológica em Israel, seguida
pelo clã e, posteriormente, pela família, a menor unidade sociológica. A
família israelita é do tipo patriarcal. Em torno do patriarca giram todas as
decisões da família, inclusive a escolha da esposa para um filho. Em
torno dele existe a submissão de irmãos mais novos, inclusive. Depois de
sua morte, assume a liderança o filho mais velho, o qual, sob a égide do
pai, dirigirá os destinos de toda a família, que preservará a memória do
patriarca (Gn.27.29). A expectativa em torno da família é uma prole, se
possível, bem numerosa (Gn.24.60; Sl.127.3-5). A autoridade da mãe
cresce de acordo com o número de filhos que ela tem; entretanto, se um
homem morrer sem deixar filhos, o seu nome poderá ser redimido pelo
seu irmão, o qual deverá casar-se com a viúva para suscitar-lhe
descendência, ou seja, os filhos que nascerem dessa união serão
considerados filhos do falecido. Quem se negasse a perpetuar o nome do
irmão estaria sendo infiel não apenas com as relações de família, mas,
sobretudo com o espírito de preservação da comunidade (Gn.38). Esta é
a lei do Levirato, conforme Dt.25.5-10.
41
Introdução ao Estudo do Pentateuco
B. Matrimônio:
No Oriente antigo, o matrimônio não era um assunto do direito
civil ou do direito religioso, mas era um assunto puramente particular
entre duas famílias, ou seja, entre o pai do noivo e o pai da noiva
(Gn.24.2-11; Jz.14.2-4; Dt.7.3). O amor ocorria “post factum”
(Gn.24.67). O pai do noivo pagava ao pai da noiva um dote por ela, a
qual passava a partir de então para a situação de propriedade da família
do noivo. Porém, existiam também os casos de amor espontâneo
(Gn.28.11,20; 1Sm.18.20-22), sobretudo entre camponeses e pastores,
onde os jovens se conheciam pelo trabalho diário (Rt.2.7-9; Gn.24.11-20;
1Sm.9.11). A idade para o casamento era para as moças, a partir de 13
anos (a partir da menarca), e para os rapazes, a partir dos 15 anos. A
poligamia era aceita e geralmente ocorria em casos de homens mais ricos
ou melhor situados financeiramente, uma vez que ter mais de uma
mulher significava poder pagar mais dotes e, com isso, aumentar o
patrimônio. Com relação ao divórcio, previsto na lei de Moisés, o direito
de repudiar o cônjuge pertencia ao homem (Dt.24.1).
C. A Mulher Israelita e os Filhos:
Como já foi colocada à situação da mulher com relação ao
marido, esta era de posse, mas isso não significava “escravidão”, uma vez
que as famílias tinham servos para tais serviços. À mulher cabia a tarefa
de lavar o rosto, as mãos e os pés do marido, além do respeito devido,
por conta da própria estrutura patriarcal vigente em todo o Oriente
antigo. Do ponto de vista bíblico, a situação da mulher perante o
homem no Antigo Testamento tem duas vertentes: a primeira, chamada
de “ideal”, está em Gênesis 2.18 (criação – mulher adjutora – ao lado do
homem); a segunda, chamada “de fato”, está em Gênesis 3.16 (queda –
mulher dominada – submissa ao homem). Da segunda, advém uma
postura teológica vista desde os tempos antigos e difundida no
rabinismo de que a mulher foi culpada por dar ouvidos à serpente e por
seduzir o homem à queda. Assim, é comum localizar no livro de
Provérbios textos que exaltam a mulher virtuosa, difícil de ser
encontrada. Outro fato importante é que o ensino religioso não podia
42
Anderson Vicente Gazzi
ser administrado às mulheres. Com relação à criança, no Antigo
Testamento, a mesma é vista como um dom de Deus (Gn.4.1; 16.3;
33.5), uma recompensa pela fidelidade a Deus (Sl.127.3-5; 128.1-3). A
educação dos filhos era feita no lar. Meninos e meninas eram educados
pela mãe até uma idade próxima dos doze anos, quando os meninos
viveriam sob a orientação paterna. Sabe-se, entretanto que as famílias
ricas podiam confiar seus filhos a um educador especial, conforme
2Rs.10.1-5; 1Cr.27.32; Is.49.23.
D. Herança:
No Antigo Testamento, o direito de herança consistia nos bens
móveis e imóveis do patriarca. Os herdeiros diretos eram os filhos
masculinos, sendo o mais velho o ganhador da maior parte dos bens,
conforme Dt.21.15-17. O pai não poderia transferir o direito do
primogênito para outro filho (às vezes ocorria – Gn.49.3 e 1Rs.1.13).
Caso não houvesse descendentes masculinos, a herança iria pra as filhas
(Nm.27.1-11) e, na ausência de uns e de outros, passaria para os irmãos
do falecido. Um deles se casaria com a viúva para suscitar descendência
ao irmão falecido. Essas leis faziam com que a propriedade privada
permanecesse sempre no clã.
E. Escravos:
Na Torah era proibida a escravidão no meio do povo hebreu
(Lv.25.42). Os únicos casos de servidão – radicalmente distinto de
qualquer modelo das culturas pagãs – eram de punições de criminosos
que deveriam restituir o roubo com serviço (Êx.22.3), e de pobreza,
quando as pessoas buscavam sustento trabalhando para outras,
(Lv.25.39; Ex.21.7). Deve-se salientar também que os hebreus escravos,
por motivo de crime ou pobreza, só podiam servir aos seus senhores por
seis anos, sendo compulsoriamente libertados. Mesmo no caso dos
pobres, a opção de se tornarem servos era deles, a fim de que não
morressem de fome. Na verdade, o princípio da escravidão entre
hebreus, nada mais era do que ser tratado exatamente como um
trabalhador livre, um empregado pago (Lv.25.39,40). A Bíblia distingue
43
Introdução ao Estudo do Pentateuco
entre escravo hebreu e escravo estrangeiro. O último podia ser escravo
durante toda a vida, mas o escravo hebreu devia, por exemplo, ser
libertado no ano sabático, ou seja, a cada sete anos (Lv.25.40). No que
concerne aos escravos vindos do mundo pagão, a lei permitia aos
hebreus que comprassem tais escravos (Lv.25.44), não para a servidão e
opressão, mas como um meio de livrá-los do terrível sofrimento imposto
pelas culturas pagãs de origem. Jó usou o argumento da criação para
referendar os direitos dos seus servos, (Jó.31.13-15). Que direitos são
esses? Os escravos tinham direito a um dia de descanso como qualquer
trabalhador comum, (Êx.20.10; 23.12); Havia salário para o escravo,
(Lv.25.40); Havia indenização por vexames provocados contra o escravo,
(Êx.21.8,10); Os escravos tinham direito de se casarem com filhos ou
filhas de seus senhores, tornando-se assim membros da família,
(Êx.21.9); Se fugissem de seus senhores não poderiam ser devolvidos
para os mesmos, (Dt.23.15,16). Isso era providencial porque os escravos
fugiam de senhores que lhes maltratavam, e isso fazia com que seus
donos perdessem o direito de seus serviços; A lei proibia todo e qualquer
maltrato a um escravo. Se um escravo concordasse em ser um professo
fiel ao Deus de Israel, ele tornava-se um membro da família, com
privilégios que a outro membro poderia ser negado, (Lv.22.10-13); O
ano sabático e o ano do jubileu eram datas de cada senhor dispensar os
trabalhos de seus escravos, a menos que tais escravos se recusassem a
deixar o serviço, sendo amados pelos seus senhores, se tornariam servos
para sempre, (Êx.21.2,5). Havia leis que protegiam os escravos a cada
possível circunstância degradante por parte dos senhores malvados,
estes, para os quais era previsto punição. Por estes motivos, o mercado
escravagista judaico não interessava aos mercadores de escravos,
havendo entre eles até mesmo um ditado que dizia “Quem comprar um
escravo judeu arranja um senhor para si mesmo.”
F. Morte:
Para o pensamento ocidental e para os gregos a morte é uma
separação entre o corpo e o espírito. Já os hebreus antigos não pensavam
dicotomicamente. Para eles a morte era uma perda de forças, uma
inanição, o fim de toda a vitalidade. O que sobra do homem depois é
44
Anderson Vicente Gazzi
uma sombra. O “Sheol” é o local conhecido como a “a terra de onde
não se volta”. Porém, acredita-se que Deus pode tirá-lo de lá.
Entretanto, não se sabe que lugar seria a alternativa. Na verdade, a idéia
de morte para o hebreu antigo era pavorosa, por conta da dimensão do
“momento presente” em que se encontravam. Agora, pode-se entender
também uma das dimensões da lei do Levirato. Um homem, ao morrer,
poderia sobreviver apenas no seu bom nome. Por isso, seu nome era
perpetuado pela participação do seu irmão. Onã se negou a contribuir
com esse processo de fidelidade à comunidade. Por isso, foi morto
(Gn.38.8-10). O israelita honrava os seus mortos. Eram feitas romarias
para os túmulos de antepassados célebrese, até hoje, esse costume existe.
Em contrapartida, não havia o costume do embalsamamento como no
Egito (Gn.50.26). O cadáver era envolto numa mortalha com perfume,
sendo geralmente enterrado no mesmo dia do falecimento.
2. Instituições Civis e Militares:
A. Organização Tribal:
Como já foi visto o sistema tribal não era uma particularidade
dos israelitas. Outros povos antigos utilizaram-no seguindo o modelo da
Anfictionia. A Tribo era a reunião de vários clãs, os quais, por sua vez,
representavam a reunião de várias famílias. Com o crescimento dos
israelitas dentro do território palestinense, as tribos foram ocupando
partes determinadas na região. Os grupos eram chefiados por um ancião
líder com evidência entre os clãs.
B. Organização Militar:
Nos tempos anteriores à Monarquia, Israel não possuía um
exército bem organizado. Os chefes das tribos convocavam e armavam
os homens pertencentes à tribo para determinadas batalhas. Nessa
época, outros povos habitantes da Palestina eram mais evoluídos
militarmente. Somente a partir do tempo dos reis é que se formou um
exército permanente com soldados profissionais. Apesar de 2Cr.26.11-15
pouca coisa se sabe sobre o tamanho dessa organização ou de
45
Introdução ao Estudo do Pentateuco
particularidades tais como quem era considerado obrigado ao serviço
militar. O exército era composto de Infantaria (atiradores de funda,
flechas e lanças) e, depois de Davi, também de cavalaria com carros de
batalha. A lei especificou a idade dos soldados, homens capazes a partir
de vinte anos eram elegíveis para o serviço militar (Nm.1.2,3,18,20,45;
26.2,3). As isenções foram dadas a várias classes de homens:
(a) aqueles que haviam construído uma casa nova e não tinha
dedicado nem gostado;
(b) aqueles que plantaram uma vinha e ainda não tinham
apreciado o seu fruto;
(c) e aqueles que estavam "comprometidos a uma mulher, e não
a havian possuido", os homens ficavam com uma mente dividida em
uma batalha;
(d) todos os que estavam "com medo e covardia" eram
dispensados como perigo para a moral do exército, "para que seus
irmãos não viessem a derreter o coração como o seu coração
"(Dt.20.5.9).
A isenção dos homens recém-casados era obrigatório de acordo
com Dt.24.5: "Quando um homem tomar uma mulher nova, ele não
deve sair no exército, nem ser acusado de qualquer negócio, ele deve ser
livre em casa um ano , e deve animar a sua esposa, com quem ele tem
tomado. Também isentos do serviço militar eram
os levitas
(Nm.1.48,49). A partir dessas isenções, um princípio geral aparece: a
família tem prioridade sobre a guerra. O jovem esposo não pode servir, a
nova casa tem que vir primeiro. O agricultor de novos ganhos de isenção
da mesma forma. Importantes como defesa, a continuidade da vida e da
reconstrução piedosa são mais importantes.
3. Instituições Religiosas:
A. Santuários:
Com a implantação das tribos na Palestina e a conquista de
determinadas regiões, alguns santuários que, antes eram usados pelos
46
Anderson Vicente Gazzi
cananeus, foram “convertidos” para a adoração de Yahweh. Geralmente,
esses santuários tinham uma história de origem relacionada com algum
evento patriarcal, onde Yahweh, no passado, se revelara de forma
especial (Gn.28.10-22). Enquanto não existia o templo em Jerusalém,
esses santuários serviram como locais para centralização do culto da liga
sacral, representada na Anfictionia. Pode-se dizer que, mesmo depois da
construção do templo de Jerusalém, eles continuaram a exercer o seu
papel no meio da comunidade. Os principais santuários são os seguintes:
a. Betel – “Casa de Deus”: Local situado entre Jerusalém e
Siquém, onde os israelitas introduziram o culto a Yahweh
(Gn.12.8 e 13.35). Desde a conquista de Canaã, os israelitas
transferiram o nome do santuário para a cidade. Depois da
divisão do reino de Israel, Betel ficou sendo o santuário nacional
do reino do Norte.
b. Dan – “Juiz”: Cidade situada próxima ao Rio Jordão, na região
Sul da Palestina. Recebeu esse nome por causa da tribo do
mesmo nome. Foi elevada à categoria de santuário nacional
juntamente com Betel pelo Rei Jeroboão I (1Rs.12.29;
2Rs.10.29; Am.8.14), numa tentativa de concorrência para com
o templo de Jerusalém.
c. Siló: Cidade de Efraim ao norte de Betel, onde a arca era
guardada num templo sob os cuidados da família sacerdotal de
Eli (1Sm.1.3, 9, 24). Em virtude da corrupção do ministério que
se dedicava à Arca, esse santuário foi destruído pelos filisteus.
De acordo com o profeta Jeremias, isso foi um castigo de Deus
(Jr.7.12.15).
B. Templo de Jerusalém:
O Templo de Jerusalém merece um estudo à parte. É
interessante notar que alguns defendem uma relação entre o Templo
com o Tabernáculo e com a Arca de Noé. A Arca, como local de
segurança e de encontro com Deus, prefigurando o culto; o
Tabernáculo, como um “templo” móvel, local de sacrifício no deserto,
enquanto Israel peregrinava rumo à terra prometida; o Templo, também
47
Introdução ao Estudo do Pentateuco
como local de paz e segurança, onde o povo buscava o “totalmente
outro” (Yahweh), numa relação de temor e mistério. Havia um
significado do Templo para o israelita. Ele era o local escolhido por
Yahweh para fazer habitar o Seu nome (2Cr.6.4.6; 7.16, 1Rs.8.27, 43.44)
e não como presença substancial de Yahweh, pois Yahweh não cabe
dentro do Templo, conforme 1Rs.8.27. Entretanto, a presença de
Yahweh através do Seu nome fazia com que Israel sentisse segurança
habitando em Jerusalém, criando assim uma espécie de crendice popular
em torno de uma cidade indestrutível. Esta crendice foi combatida pelo
profeta Jeremias (Jr.7.1.7), o qual tentou incutir uma religião que
envolvesse as pessoas numa relação de obediência com implicações
éticas. Houve basicamente três “templos”, conforme abaixo descritos:
a. O Templo de Salomão: Construído pelo Rei Salomão (950
a.C.) e destruído pelos babilônios em 586 a.C.
b. O Templo de Zorobabel: Trata-se da reconstrução do
primeiro templo sob a liderança do sumo sacerdote Zorobabel,
cerca de 18 anos após o retorno dos judeus do cativeiro (entre
520 e 515 a.C.). Esse templo tinha proporções mais modestas.
No ano 167 a.C., uma perseguição movida pelos sírios sob
Antíoco Epifânio IV, culminou com a humilhação desse
santuário com o sacrifício de uma porca e a colocação de uma
estátua de Júpiter, com a proibição ao culto judaico por quase
quatro anos.
c. O Templo de Herodes: Este templo está mais para o tempo
do Novo Testamento, dentro do período de dominação romana.
Em 19 a.C., Herodes, o Grande, deu início a ampliação do
Templo, que fazia parte de um projeto maior que visava a
urbanização de Jerusalém, transformando-a numa arquitetura
moderna. Essa reforma só foi concluída bem depois da morte
de Herodes, ou seja, em 64 d.C. Impressionante é o fato que 6
anos após a sua inauguração, foi destruído pelo general romano
Tito, cumprindo-se assim a palavra de Jesus: “Não ficará aqui
pedra sobre pedra que não seja derrubada!” (Mt.24.2b).
48
Anderson Vicente Gazzi
C. Sacerdócio:
O estudo das religiões comparadas mostra que o sacerdócio não
era uma exclusividade de Israel, mas fazia parte da religiosidade oriental
antiga. Nos povos que cercavam Israel, principalmente na Mesopotâmia
e no Egito, a função sacerdotal era exercida pelo rei, existindo uma
hierarquia clerical que lhe dava assistência. Entre os patriarcas não havia
esse sistema, pois o sacerdócio era familiar, não existindo templos nem
sacerdotes especializados, apesar das narrativas sobre Melquisedeque
(sacerdote estrangeiro) e os sacerdotes de Faraó. A partir da época de
Moisés essa situação muda com o estabelecimento do sacerdócio
Aarônico e, tempos depois, a tribo de Leví é eleita e consagrada para o
serviço sacerdotal. No período dos juízes, a instituição sacerdotal tem
vital importância para a comunidade, tendo sua estrutura abalada com a
corrupção no ministério que se dedicava à Arca e com o requerimento
de uma monarquia por parte do povo. A partir da Monarquia, o Rei
exercerá muitas funções sacerdotais (oferece sacrifícios, abençoa o
povo), mas não receberá por isso o título de sacerdote. Agora, a função
sacerdotal está bem organizada, principalmente por causa do Templo de
Jerusalém, centro do culto em Israel. Destacam-se duas ordens
sacerdotais: a de Abiatar, descendente de Elí, e a de Zadoque, de origem
desconhecida. Os descendentes deste último terão a primazia do
exercício do sacerdócio a partir da reforma do Rei Josias em 621 a.C.,
juntamente com os levitas. Nesse período a instituição sacerdotal gozou
de grande privilégio. Após a destruição do Templo e da Monarquia, os
sacerdotes passaram a exercer uma grande influencia sobre o povo, seja
na orientação da palavra (como o profeta-sacerdote Ezequiel), seja na
reorganização do culto, dos símbolos religiosos e da vida do povo,
principalmente no retorno do cativeiro babilônico. Com o
desaparecimento dos profetas, a sua autoridade aumenta. Que funções
eram da alçada do sacerdote? Em Israel, tinham basicamente duas:
a.
Serviço do Culto: O sacerdote era o homem do templo. Lá
recebia o povo, guardava a Arca, oferecia sacrifícios (tarefa
precípua). Uma vez por ano o Sumo sacerdote (e apenas
ele), no dia do Yom Kippur (Dia da Expiação), adentrava ao
49
Introdução ao Estudo do Pentateuco
lugar mais reservado do Templo, o “Santo dos Santos”, para
oferecer um sacrifício pelos pecados da Nação. Era também
responsável por consagrações e purificações. Em sua
plenitude, o sacerdote era mediador entre Deus e o povo.
b. Serviço da Palavra: Nos outros povos, o sacerdote exercia
a adivinhação e respondia aos fiéis em suas consultas. Em
Israel, a função era parecida uma vez que a prática da
adivinhação era condenada pelo Deuteronômio. Parece que
até a época de Davi ainda usavam o “Urim” e o “Tumim”,
dois componentes das vestes sacerdotais utilizados nos
“oráculos” sacerdotais. Ora, sabe-se que a Palavra de Deus
chegou aos israelitas adaptada às circunstâncias mais
variadas, por meio de profetas movidos pelo Espírito Santo,
existindo também a forma tradicional que relatava os fatos
históricos e a Torah (Lei, enquanto Preceito). Nas festas
religiosas havia o ambiente propício para os sacerdotes
trabalharem essa função, pois estavam ligadas a uma ação de
Deus no passado. Parece que os sacerdotes não cumpriram
fielmente essa tarefa, visto que receberam a dura crítica do
Profeta Oséias (cap.4). O Profeta Jeremias já anuncia o
tempo de um sacerdócio individual (31.34). No tempo do
Novo Testamento, as tarefas sacerdotais estavam restritas
ao Templo (Culto) e, com o aumento da autoridade dos
Escribas, a função de ensino estava cada vez mais ligada a
atividade dos Fariseus.
D. Sistema Sacrificial:
Em Israel são encontrados elementos do culto sacrificial
bastante parecidos com formas cananitas, por exemplo. Contudo, o
Antigo Testamento, difere mais na essência e no valor do ritual
sacrificial. Roland de Vaux (2003, p.489-491) menciona 4 elementos
importantes do sacrifício israelita, o que aponta para o caráter ético desse
culto. Primeiro, o DOM, ou seja, o reconhecimento de que Deus é
soberano e dono de todas as coisas, doador de tudo para seu fiel
(1Cr.29.14). O homem tributa a Deus através do sacrifício; Segundo, a
50
Anderson Vicente Gazzi
COMUNHÃO, ou seja, a busca de união com Deus, tipificando a
aliança através de uma refeição (Gn.26.28-30; 31.44-54; 1Co.10.18);
Terceiro, a EXPIAÇÃO, a necessidade de restauração da aliança
quebrada pelo ser humano pelo seu pecado, através dos ritos de sangue
(Lv.17.11). A expiação é uma lembrança de que por si só o ser humano
não tem condições de reentrar da presença de Deus. Sua culpa é
transferida para algo ou alguém que tenha condições de cobrir o seu
sangue com outro sangue; Quarto, o caráter de CONSAGRAÇÃO. Ao
oferecer um sacrifício do tipo holocausto, um israelita estava
simbolicamente “queimando totalmente” a si mesmo para o Senhor;
Poderíamos acrescentar ainda outros distintivos do culto sacrificial
israelita: Quinto, a SOCIALIZAÇÃO. As ofertas eram condizentes de
acordo com a situação social de cada um. Pobres e ricos ofertavam de
acordo com suas posses. Sexto, a HUMANIZAÇÃO. O sacerdote podia
oferecer sacrifícios por si mesmo, caso viesse a pecar, algo quase que
impensável em nossos dias em casos de quedas morais de líderes
religiosos. Sétimo, o CARÁTER ÉTICO, visto não só na seriedade dos
detalhes das ofertas, mas também na capacidade de reparação de erros
contra o próximo e na busca de uma vida pautada por princípios éticos,
a partir do sacrifício ofertado, o que implica, em última análise, num
princípio de justiça; Oitavo, o caráter TERAPÊUTICO desses
sacrifícios. O israelita ficava livre de sua culpa e isso implicava em sua
saúde integral.
Segue na sequência um quadro com os principais sacrifícios
praticados em Israel no Antigo Testamento:
SACRIFÍCIO
LOCALIZ.
NO AT
ELEMENTOS
Holocausto
‘olah
Lv.1; 6.8-13
Boi, cordeiro ou ave do sexo
masculino (rolinha ou
pombinho para
o pobre). Sem defeito.
Totalmente consumido.
Oferta
Pacífica
Zebah Shelamim
Lv.3; 7.1134
Qualquer animal sem defeito
do rebanho, acompanhado de
uma variedade de pães.
51
FINALIDADE
Ato voluntário de
adoração, completa
submissão e consagração
a Deus. Expiação de
Pecado por ignorância
em geral.
Ato voluntário de
adoração c/ações de
graças e comunhão
(era acompanhada de
uma refeição
comunitária).
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Oferta pelo
Pecado
Hatta’t
Oferta pela
Culpa ou
Sacrifício de
Reparação
‘asham
Lv.4.1-5,13;
6.24-30;
8.14-17;
16.3-22.
Novilho (sumo sacerdote e
congregação); Bode
(príncipe); Cabra (pessoas do
povo); Rolinha ou pombinho
(pobre); Décima parte de uma
efa de flor de farinha (muito
pobre)
Expiação obrigatória
para determinados
pecados por ignorância;
confissão de pecado;
purificação da mácula.
Lv.5.14 a
6.7; 7.1-6.
Carneiro ou cordeiro. Exigiase 20% de multa sobre o
valor do objeto maculado.
Expiação obrigatória
para pecados por
ignorância que exigissem
restituição; purificação de
máculas.
Flor de farinha, azeite de
oliva, incenso, bolos cozidos,
Ato voluntário de
assados ou fritos e sal; nada
adoração e de
Oferta de
de fermento nem mel;
Lv.2; 6.14reconhecimento da
Manjares
Geralmente acompanhava os
23;
bondade e da
Minhah
holocaustos e as ofertas
providência de Deus;
pacíficas, junto com uma
Ato de dedicação a Deus.
libação (ofertar vinho no altar,
bebendo dele).
Os Pães da Oblação – Segundo Lv.24.5.9 os pães da oblação (sacrifício) ou Lechem Happanim
(“pão da face ou da presença”) eram 12 bolos de flor de farinha dispostos em duas fileiras
sobre uma mesa que ficava diante do Santo dos Santos; eles eram renovados a cada shabbat.
Eram um penhor da aliança das 12 tribos com o Senhor. Esses pães eram comidos pelos
sacerdotes e não iam para o altar. Sobre cada fileira era colocado incenso para ser queimado.
As Ofertas de Incenso – Qetoret – A rigor, qualquer sacrifício queimado vira fumaça ou seja
Qetoret. Contudo existiam oferendas aromáticas, determinados tipos de pós que recebiam
brasas no chamado Altar dos Perfumes, diante do Santo dos Santos (Êx.30.34.38; Lv.10.1.2;
Nm.16.1.2; Jr.6.20;41.5). Eram também incorporados aos pães da oblação; Parece que a idéia
do incenso tem relação direta com a “fumaça que sobe”, um ato de submissão a Deus para que
ele possa aprovar, uma vez satisfeito; O apocalipse interpreta o incenso no altar como as
orações dos santos que sobem até o Senhor (Ap.5.8).
E. O Calendário e as Festas Religiosas:
Antes de entrarmos no assunto das festas religiosas devemos
trabalhar o calendário judeu no Antigo Testamento. De acordo com
Gn.1.14 Deus criou o sol e a lua para fazerem separação entre o dia e a
noite, além de serem sinais para marcar as épocas, os dias, os anos e as
festas, ou seja, a Bíblia possui uma visão simples e prática da criação dos
astros bem diferente da visão mítica dos povos da Mesopotâmia antiga.
Quanto ao dia, Roland de Vaux (2003, p.217-218) defende que nos
tempos mais antigos de Israel era contado de sol a sol, ou seja,
começando com a manhã e indo até a noite (Dt.28.66-67; 1Sm.30.12).
52
Anderson Vicente Gazzi
Entretanto, a partir do exílio babilônico, o calendário judaico sofreu
forte influência e começou a contar o dia a partir do por do sol
(Gn.1.5b,8b,13,19,23,31b; Ne.13.19; Et.4.16; Dn.8.14; Is.27.3). A semana
judaica não é de fácil averiguação. Alguns tentaram propor que nos
tempos mais antigos os patriarcas tinham, como os egípcios, 3 semanas
de 10 dias por causa de Gn.24.55, Êx.12.3, Lv.16.29, entre outros.
Provavelmente, por causa da mudança das fases lunares que ocorria
geralmente em 7 dias, a semana judaica seguiu esse padrão. No
calendário assírio-babilônico o 15º dia era o “shapattu”, um dia especial
que marcava o meio do mês. O interessante é que o termo muito se
assemelha ao termo hebraico “shabbat”. Aqui está à grande diferença
entre a semana judaica e as dos outros povos: o sétimo dia de uma
semana de 7 dias onde todos deviam parar para “respirar”. Já, o mês
israelita era lunar, ou seja, começava a partir da aparição do crescente da
lua nova e, passando pelas diversas fases da lua (a lua cheia acontecia por
volta do 15º dia do mês), alcançava a próxima lua nova 29 dias e 12
horas depois, o que fazia com que os meses tivessem 29 e 30 dias
alternadamente. Foram assimilados termos cananeus para designar os
meses (abib, etanim, bul) e esses nomes designavam geralmente ciclos
agrícolas. Bem depois do exílio foram atribuídos nomes babilônicos.
Quanto ao ano judeu, o seu início ocorria com a chegada do mês
primaveril da páscoa (mar/abr), de acordo com Êx.12.2; A atual festa de
“Rosh Hashaná”(set/out) não possui menção no Antigo Testamento e
até mesmo nos textos apócrifos pré-cristãos. Tornou-se mencionada na
Mishnah a partir do início do segundo século depois de Cristo.
Considerando-se a quantidade de dias num mês, o ano judeu era lunar e
chegavam a 354 dias, 11 a menos que o ano solar, que tinha 365 dias. É
provável que com o passar do tempo os judeus adaptaram seu ano lunar
ao ano solar, que era mais completo, para fazer com que suas principais
festas caíssem todos os anos sempre na mesma data.
As festas religiosas do calendário judaico possuíam alguns
objetivos: Coincidiam com a mudança das estações e celebravam a
colheita, lembrando assim as grandes bênçãos de Deus; Comemoravam
os grandes eventos da história israelita, as ocasiões em que Deus tinha
intervindo com poder para libertar seu povo. Devemos dividir as festas
53
Introdução ao Estudo do Pentateuco
em dois grupos: as mais antigas e as mais recentes. As festas antigas mais
significativas para os judeus são as seguintes:
a. A Páscoa (Pesach) e a festa dos Pães Ázimos (Matstsot):
Estas duas festividades incluíam elementos pastoris e agrícolas e
eram celebradas juntas para comemorar o feito de Yahweh no
passado ao liberar a décima praga contra o Egito, com a morte
dos primogênitos cujas casas não tinham em seus umbrais o
sangue do cordeiro pascal. Daí, o nome da festa, cujo termo
vem da raiz do verbo “Pasach” = (coxear, saltar, passar), uma
referência ao fato que a morte pulou as casas daqueles que
tinham celebrado a festa ordenada por Deus. Mas, também, e
com mais propriedade, pode ser uma referência à “passagem”
do Senhor (conforme Êx.12.12) pela terra do Egito, ferindo os
primogênitos da terra, cujas casas não tinham a mancha de
sangue do cordeiro pascal. Esse evento culminou com a saída
dos hebreus do Egito (Êx.12.1-20; 23.15). No final do 14º dia
(lua cheia) era imolado o cordeiro pascal e a partir do 15º dia se
comiam pães sem fermento durante uma semana (março/abril).
b. A Festa das Semanas (Shavuot) ou da Colheita: Conhecida
posteriormente pelo nome grego de Pentecostes, pois era
celebrada 50 dias (ou 7 semanas) após o início da Páscoa. Era
essencialmente uma celebração agrícola, na qual se oferecia a
Deus as primícias da colheita (Êx.23.16; Lv.23.15-21). No Novo
Testamento, existe um evento importante relacionado a esta
festa, ou seja, a descida do Espírito Santo sobre a Igreja de
Jerusalém no dia da festa, inaugurando assim o Seu ministério
no meio da Igreja (maio/junho).
c. A Festa das Tendas (Sucot): Festa outonal celebrada no fim
da colheita. Durante sete dias as pessoas saiam de suas casas
com o objetivo de viver em tendas feitas com ramos. Tratava-se
essencialmente de uma celebração agrícola de ação de graças,
mas ela servia também para recordar os dias de vida e
caminhada do povo pelo deserto, período em que o povo
morou em cabanas (Lv.23.43). Atualmente é uma das festas que
54
Anderson Vicente Gazzi
mais atrai turistas para Israel, conhecida também como Festa
dos Tabernáculos (Êx.23.16 e Lv.23.33-46) (setembro/outubro).
Já as festas mais recentes, aquelas celebradas a partir dos últimos
séculos do Antigo Testamento, são:
a. Dia de Ano Novo (Rosh-hashaná): Como já foi asseverada,
essa festa tornou-se mencionada na Mishnah a partir do início
do segundo século depois de Cristo. É anunciado pelo Shofar
(trompete feito de chifre de carneiro), um chamado ao
arrependimento; É celebrada primeiramente na sinagoga e
depois com uma refeição em casa. A cor branca é a que
predomina nas vestes dos celebrantes e nos panos utilizados
tanto na sinagoga quanto nas casas (set/out).
b. O Dia da Expiação (Yom Kippur): Surgiu com base em
Lv.16; 23.27.32, provavelmente a partir da época de Esdras e
Neemias. Era o dia no qual o sumo sacerdote entrava no local
mais reservado do templo, “o santo dos santos”, para realizar
um sacrifício pelos pecados da nação. Ocorre geralmente no 10º
dia após o Rosh-hashaná. A explicação mais provável é que no
Rosh-hashaná cada um pensa no que realizou durante o ano que
passou, mas nem sempre consegue lembrar tudo de uma só vez.
Por isso são dados mais dez dias para que todos possam assumir
consciência de culpa por algum mal cometido e que tenha sido
omitido. Atualmente é o dia mais sagrado para o judaísmo, mais
importante mesmo que o Shabbat, pois é conhecido por
“Shabbat
Shabbaton”
(comemora-se
no
mês
de
setembro/outubro).
c. Purim: Festa baseada no livro de Ester, uma comemoração pela
salvação do povo judeu que morava na Pérsia das mãos do
perverso Haman. Na sinagoga é feita a leitura completa do livro
de Ester, além de festividades populares regadas de bailes à
fantasia, troca de presentes, barulho com reco-recos e algumas
comidas típicas. É celebrada entre os meses de fevereiro e
março.
55
Introdução ao Estudo do Pentateuco
d. Festa das Luzes (Chanukah): Baseada em 1Macabeus 4.36-59
e mencionada no Novo Testamento em Jo.10.22 (festa de
dedicação), trata-se da comemoração da reconsagração do
Templo de Jerusalém, ocorrida após a vitória de Judas Macabeu
sobre os sírios por volta de 164 a.C. Sabemos que em 167 a.C.
Antíoco Epifânio profanou o templo com o sacrifício de uma
porca no altar sagrado e a colocação de uma estátua do deus
grego Zeus. Uma tradição conta que para poderem reinaugurar
o templo, os judeus precisavam de óleo sagrado para acender a
menorah. O óleo que tinham só duraria um dia e para arranjar
mais óleo sagrado demoraria ainda oito dias. Assim mesmo
agradeceram a Deus e acenderam a menorah, a qual continuou a
brilhar por oito dias, o que explica a comemoração da festa
durante oito dias. Celebrada nas casas através de velas que são
acesas na “chanuquiá” (candelabro de oito braços próprio da
Chanukah), geralmente no mês de dezembro.
•
Explicação sobre o Shabbat:
Uma pergunta que muitos fazem aqui é: Por que muitos
evangélicos não obedecem ao 4º mandamento da Lei de Deus? A
resposta para essa pergunta deve passar primeiramente por uma
compreensão sobre o mandamento da “guarda do sábado” ou
“shabbat”, começando por sua história. Trata-se de uma das instituições
mais antigas de Israel, tão antiga que é quase impossível, através da
Bíblia, estabelecer um marco histórico. Preserva-se o testemunho de
Êx.16.22-30 e 20.11 que aponta para o descanso sabático de Deus após a
criação, como paradigma para o resto da história. Muito se tentou
explicar o Shabbat como uma instituição israelita dependente de
antecedentes histórico-culturais quer sejam dos babilônios, quer sejam
dos cananeus. Até mesmo dos quenitas do deserto de Midian. Mas
nenhuma prova concreta foi achada. Pelo contrário, evidências
antagônicas surgiram. Por exemplo, textos babilônicos apontam como
nefastos o 7º, o 14º, o 21º e o 28º dias do mês, dias onde o rei não
deveria oferecer sacrifícios ou vestir roupas limpas, o sacerdote não
deveria pronunciar seus oráculos e o médico não deveria tocar no
56
Anderson Vicente Gazzi
doente. Seria um dia para não se fazer qualquer ação desejável.
Entretanto, o 15º dia do mês babilônico era o “shappatu”, dia de lua
cheia, um dia desejável, mas não um dia de descanso. Apesar de
possíveis semelhanças culturais, não podemos reduzir o shabbat israelita
ao calendário de outros povos. Cruesemann (1995, p.47-48) vê estreita
relação entre o shabbat e a mudança das fases da lua, visto que alguns
textos bíblicos fazem essa conexão (Is.1.13; 66.23; 2Rs.4.23; Os.2.11).
Contudo, alguns teólogos (DE VAUX, 2003, p.517) rejeitam a idéia da
derivação do shabbat das fases da lua que “são irreconciliáveis com as
semanas de sete dias plenos sobrepondo-se a meses lunares de 29 dias e
12 horas e uma fração”. Para estes o shabbat tem mais relação com o
costume quase universal de reservar dias para repouso, festas ou
negócios.
Mas, ”qual dia é mesmo o sábado”, pergunta Chady (1988, p.32).
Levando-se em consideração que o calendário judaico antigo se baseava
na mudança das fases da lua e não no movimento da terra em torno do
sol, então teremos um ano com meses variando de 28 a 29 dias, 12 horas
e uma fração (ou no máximo, 30 dias), isto, porque a lua não muda de
fase em exatos 7 dias. A necessidade de adaptação do calendário às
mudanças de fase lunar fez também oscilar o dia da semana em que seria
observado o shabbat, mas não o princípio que regia esses dias. Isso quer
dizer que todos os dias de nossa semana no calendário solar já devem ter
sido “sábado” no antigo calendário lunar judaico. Qual é literalmente o
dia de “sábado”, eis uma pergunta difícil de responder. Julgamos mais
importante e evidente no texto bíblico a localização do sentido do
shabbat. O Antigo Testamento apresenta algumas motivações:
a. A primeira é que o Shabbat é do (ou para o) Senhor
(Lv.23.3,38), um dia consagrado a Yahweh (Êx.31.15). Está no
Decálogo e, como os demais mandamentos, não foi revogado.
Afinal, mandamentos como “não matarás”, “não furtarás”, “não
adulterarás”, entre outros, não foram anulados por causa da
Graça de Jesus Cristo. São princípios eternos.
b. A segunda é que o próprio Senhor consagrou o Shabbat
(Êx.20.8), sendo ele mesmo ator daquilo que ordenou ao seu
57
Introdução ao Estudo do Pentateuco
povo, pois depois de ter trabalhado os 6 dias da criação,
descansou no sétimo.
c. A terceira é que o shabbat é um sinal da aliança firmada entre o
Senhor e o seu povo e sua observância é uma resposta do povo
à salvação, conforme Is.58.13-14. Convém lembrar aqui que o
conceito de salvação no Antigo Testamento está ligado à
libertação de uma situação aflitiva, quer seja material, moral e
também espiritual (Derrota nacional, exílio, fome, medo,
pobreza, enfermidade), conforme Smith (2001, p.161). A
salvação é um ato de amor misericordioso de Deus (Dt.7.7.8).
Espera-se do ser humano uma resposta a esse ato salvífico.
d. A quarta é o grande valor social que o shabbat possuiu no
Antigo Testamento (Dt.5.14.15), revelando a distinção de
tratamento que o israelita livre deveria dar aos seus servos e
servas, até mesmo aos animais que possuía, lembrando-se da
situação de escravidão no Egito, onde o hebreu trabalhou de
sem parar. É o direito de fazer “respirar” o servo e a serva. Aqui
reside o sentido etimológico do shabbat, ou seja, o substantivo
aparece com o artigo definido, traduzido, não como “sábado”,
mas “o sábado”, mais literalmente “a parada”. Portanto, estamos
falando de um “Yom hashabbatah”, “o dia da parada”, ou “o dia
do sábado” que, era o sétimo, numa semana de sete dias.
Cruesemann (ibid, p.50) interpreta esse mandamento à luz do
prólogo de Êxodo 20, o qual informa que Israel foi liberto da
terra de escravidão. Para ele existe uma espécie de “liberdadecomunicativa” nos mandamentos que se resume na idéia de que
“eu liberto na medida com que fui liberto”. Ao observar o
shabbat os israelitas estavam anunciando ao mundo que não
fariam aos outros aquilo que lhes fizeram no passado.
O shabbat entrou num período de afunilamento hermenêutico
na medida em que as tradições dos escribas e fariseus próximos da época
de Jesus se preocupavam com os detalhes das leis e com a produção de
novas interpretações (legislações) para elas. Por isso a Mishnah
desenvolvia o tema das 39 atividades que um judeu não podia realizar no
shabbat. Jesus levantou-se contra as estreitas interpretações do sábado
58
Anderson Vicente Gazzi
que tornavam o ser humano escravo da instituição. Proibia-se cuidar de
doentes, carregar um leito, colher espigas, andar certa distância (Jo.5.10;
Mc.3.2; Lc.13.14; Mt.12.12; At.1.12). Jesus proclamou a submissão do
shabbat ante a necessidade de amar ao próximo e de salvar vidas. O
shabbat foi feito por causa do homem e não o homem por causa do
shabbat. Podemos dizer que não é o homem quem guarda o shabbat,
mas o shabbat guarda o homem.
Podemos dizer que Jesus Cristo “re-significou” os
mandamentos. Ele desceu às instâncias mais profundas do coração do
ser humano e trabalhou suas motivações. Assim, quanto ao mandamento
“não matarás”, Jesus, no sermão da montanha, trabalhou as raízes do
ódio e da vingança, que também podem ser consideradas nessa “resignificação” como instrumentos de morte. Da mesma forma o fez com
o “não adulterarás”. Não é bastante apenas o ato físico em si. Basta ao
ser humano pensar em fazer, planejar, cobiçar, e já terá desagradado a
Deus. Quanto ao mandamento do Shabbat, já vimos acima à
interpretação de Jesus Cristo.
Mas, se ainda persiste a pergunta em torno da não obediência ao
4º mandamento da lei por parte dos evangélicos, então segue outro
argumento. O apóstolo Paulo, em Colossenses 2.16-17 (e ainda em
Rm.14.5-6; Gl.4.10-11) escreve para atacar heresias que se infiltraram na
igreja primitiva que ensinavam a justificação dos homens pela obediência
às obras da Lei judaica, incluindo a observação de ritos cerimoniais, tais
como o shabbat. Não apenas judeus convertidos, mas também gentios
deveriam observar os dias religiosos judaicos. De acordo com Pipa
(2000, p.103), o que Paulo anulou foi a “observância do sétimo dia, mas
não o princípio envolvido na lei do sábado”. Se, por um lado, o cristão
do Novo Testamento não é mais obrigado a observar os ritos
cerimonais, nem o sétimo dia do Antigo Testamento, por outro lado,
permanece o princípio de um dia para o Senhor.
Não obstante a acusação de que foi o imperador Constantino,
no século IV d.C., quem instituiu o domingo como dia de adoração
(LEWIS apud PIPA, 2000, p.113), percebe-se no Novo Testamento que
a Igreja foi migrando, por causa da morte e da ressurreição de Jesus
Cristo, o sentido teológico desse dia para o primeiro dia da semana,
conforme Jo.20.1,19,26. Em At.20.7 a Igreja se reuniu para a pregação e
59
Introdução ao Estudo do Pentateuco
para celebrar a Ceia do Senhor. Em 1Co.16.1,2 Paulo orienta para que o
recolhimento de ofertas seja feito no primeiro dia da semana. Da mesma
forma, em Ap.1.10, o apóstolo João recebe suas visões apocalípticas no
primeiro dia da semana, chamado “o dia do Senhor”. Já Hb.4.9-10
(contexto em 3.7 a 4.13) serve-se de um trocadilho entre duas palavras
gregas, uma significando o “descanso sabático” e outra o “descanso
eterno”, mostrando que a obra da salvação foi consumada plenamente
em Jesus Cristo e, como Deus descansou de suas obras criadas no
sétimo dia, resta um repouso, uma alegoria para a cidade eterna e futura
reservada para seu povo. Levando-se em consideração que a Epístola aos
Hebreus que “todas as práticas cerimoniais do Antigo Testamento foram
cumpridas em Cristo e que por isso estão revogadas” (PIPA, 2000,
p.124), da mesma forma que o Israel do antigo pacto tinha uma
promessa do descanso futuro juntamente com o seu dia de descanso, o
povo de Deus do Novo Testamento, a igreja, tem sua promessa de
descanso futuro com o seu dia de descanso, a saber, o primeiro dia da
semana.
Eis aqui o grande desafio para uma releitura do shabbat, a saber,
o desafio de atualizá-lo não a partir do legalismo tão presente em
algumas denominações evangélicas, mas a partir do mandamento divino
que nos orienta a sermos mordomos do tempo que o Senhor nos dá,
consagrando os dias para Ele e para a família; mordomos de uma nova
terapia, a de agradecer a Deus pelo tempo, a de poder curtir o tempo, a
de poder parar no tempo e ver o tempo passar e, sobretudo, usar esse
tempo para a adoração ao Criador de todas as coisas.
A questão, então, não é pelo porque da não obediência por parte
de evangélicos ao shabbat judaico. Reconhecemos dois extremos: de um
lado o legalismo fixista; do outro, o afrouxamento e falta de seriedade
para com o shabbat cristão. Em um mundo tão agitado como o nosso,
devemos pensar nisso.
60
Anderson Vicente Gazzi
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO II:
- ARENHOEVEL, Diego. Assim se Formou a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1986.
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ______. Bíblia Sagrada. Tradução: Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2000.
- BORN, A.Van Den (Org). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1977.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- BRUEGGEMAN, W. A imaginação profética, São Paulo: Paulinas, 1983.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- DEISSLER, Alfons. O anúncio do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1984.
- DE VAUX, Roland. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica,
2003.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRELOT, Pierre. Homem, quem és ? São Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- LAPPLE, Alfred. A Bíblia hoje. São Paulo: Paulinas, 1984.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PAPE, Dionísio. Justiça e esperança para hoje: a mensagem dos profetas menores. São
Paulo: ABU, 1983.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SELLIN, Ernst; FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento, v1,2. São Paulo:
Paulinas, 1980.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
61
Introdução ao Estudo do Pentateuco
62
Anderson Vicente Gazzi
III – INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO:
1. Introdução:
Os primeiros cinco Livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números e Deuteronômio), geralmente chamados de “a Lei” ou “o
Pentateuco”, integram a primeira e mais importante seção do Antigo
Testamento, tanto na Bíblia Judaica como na Cristã. A divisão tripartida
da Bíblia Hebraica em Lei, Profetas e Escritos (Salmos) pode ser encontrada
no Novo Testamento (Lc.24.44.: “E disse-lhes: São estas as palavras que vos
disse estando ainda convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava
escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos.”) e no Prólogo de Siraque
(c.180 a.C.). A distribuição dos livros do Antigo Testamento nas Bíblias
Cristãs, baseada na do Antigo Testamento Grego (a Septuaginta; c.150
a.C.)*, também concede ao Pentateuco esta primazia.
2. Septuaginta:
Como conseqüência dos setenta anos de cativeiro na Babilônia,
e em virtude da forte influência do aramaico, a língua hebraica
enfraqueceu-se. Todavia, fiéis à tradição de preservar os oráculos em sua
própria língua, os judeus não permitiam ainda que os livros sagrados
fossem vertidos para outro idioma. Alguns séculos mais tarde, porém,
essa atitude exclusivista e ortodoxa teria de dar lugar a um senso mais
prático e liberal. Com o estabelecimento do império de Alexandre o
Grande, a partir de 331 a.C., a língua grega popularizou-se a ponto de
tornar imprescindível que para ela se fizesse uma tradução das Sagradas
Escrituras.
A mais célebre versão das Escrituras do Antigo Testamento
hebreu e a mais antiga e a mais completa que se conhece, é a dos Setenta.
Deriva este nome, figurado pelos algarismos romanos LXX, por haver
sido feita por setenta tradutores que a ela se entregaram no tempo de
Ptolomeu Filadelfo entre 285 e 247 a.C. Um sacerdote judaico de nome
Aristóbulo, residente em Alexandria, no reinado de Ptolomeu Filometor,
181-146 a.C. referido em 2 Macabeus 1.10 (apócrifo), e citado por
Clemente de Alexandria e por Euzébio, diz que, quando as partes
63
Introdução ao Estudo do Pentateuco
originais referentes à história dos hebreus haviam sido vertidas para o
grego, já os livros da Lei estavam traduzidos para esta língua sob a
direção de Demétrio Falero no reinado de Ptolomeu Filadelfo. A mesma
tradução, consideravelmente embelezada, se lê em uma carta escrita por
Aristeas a seu irmão, tida como espúria pelos modernos doutores. A
mesma história de Aristeas repete-a Josefo com ligeiras alterações, que
de certo a tinha diante dos olhos. Diz ele que Demétrios Falero,
bibliotecário de Ptolomeu Filadelfo, que reinou de 283-247 a.C. desejou
adicionar à sua biblioteca de 200.000 volumes um exemplar dos livros da
lei dos hebreus, traduzidos para a língua grega, a fim de serem mais bem
entendidos. O rei consentiu nisso e pediu a Eleazar, sumo sacerdote em
Jerusalém, que lhe mandasse setenta e dois intérpretes peritos, homens
de idade madura, seis de cada tribo, para fazerem a tradução. Estes
setenta e dois doutores chegaram a Alexandria levando consigo a lei,
escrita com letras de ouro em rolos de pergaminho. Foram gentilmente
recebidos e os aboletaram em uma solitária habitação na ilha de Faros,
situada no porto de Alexandria, onde transcreveram a lei e a
interpretaram em setenta e dois dias, Antig. 12.2, 1-13; cont. Apiom 2.4.
Estas antigas informações acerca da origem da versão grega
são muitas valiosas, se bem que não se possa depositar em seus
pormenores absoluta confiança, e bem assim quanto ao escopo da obra.
É admissível, não obstante, que a Versão dos Setenta teve sua origem no
Egito, que o Pentateuco foi traduzido para a língua grega no tempo de
Ptolomeu Filadelfo; que os demais livros foram gradualmente traduzidos
e a obra terminada no ano 150 a.C. Jesus, filho de Siraque, no ano 132
a.C. (Prólogo ao Ecclus), refere-se a uma versão grega da lei dos profetas
e de outros livros. É provável que a obra tenha sido revista no período
dos Macabeus. A versão é obra de muitos tradutores, como se vê pela
diferença de estilo e de método. Em várias partes existem notáveis
desigualdades e muitas incorporações. A tradução do Pentateuco, exceto
lugares poéticos, Gn.49; Dt.22 e 23, é a melhor parte da obra, e o todo
revela uma tradução fiel, se bem que não é literal. Os tradutores dos
Provérbios e de Jó mostram-se peritos no estilo, mas pouco proficientes
em hebraico, que em alguns lugares traduziram um pouco
arbitrariamente. Fizeram a tradução dos Provérbios sobre um texto
hebreu, muito diferente do atual texto massorético. O sentido geral dos
64
Anderson Vicente Gazzi
Salmos é muito bem reproduzido. O Eclesiastes está servilmente
traduzido. A tradução dos profetas é de caráter muito desigual; a de
Amós e Ezequiel é sofrível; a de Isaías deixa muito a desejar; a de
Jeremias parece ter sido feita sobre outro texto que não o massorético.
De todos os livros do Antigo Testamento, o de Daniel é o mais
pobremente traduzido, de modo que os antigos doutores, a começar por
Ireneu e Hipólito, substituíram-no pela versão de Teodócio.
Cristo e os seus apóstolos serviam-se freqüentemente da
Versão dos Setenta. Citando o Antigo Testamento, faziam-no
literalmente, ou de memória, sem alteração essencial; em outros casos,
cingia-se ao texto hebreu. Existem cerca de 350 citações do Antigo
Testamento, nos evangelhos, nas epístolas e nos Atos, e somente se
encontram umas 50 diferenças materiais da versão grega. O eunuco que
Filipe encontrou lendo as Escrituras servia-se do texto grego, At.8.30-33.
Fizeram-se três principais revisões dos Setenta: uma no ano 236
a.D. e duas outras, antes do ano 311. A de Orígenes na Palestina, a de
Luciano na Ásia Menor e em Constantinopla, e a de Hesíquios no Egito.
O manuscrito dos Setenta que existe no Vaticano considera-se o mais
perfeito, de acordo com o texto original; presume-se que seja a
reprodução do mesmo texto de que se serviu Orígenes e que aparece na
quinta coluna da sua Hexapla. A revisão de Luciano foi editada em parte
por Lagarde e por Oesterley. Luciano era presbítero de Antioquia e
morreu mártir em Nicomédia no ano 311, ou 312. Deu à luz o texto
revisto dos Setenta, baseado na comparação do texto grego comum, com
o texto hebreu, considerado bom, porém diferente do massorético.
Hesíquios era bispo no Egito e sofreu o martírio no ano 310 ou 311; o
seu trabalho perdeu-se. Existe, contudo, um códice, assinalado pela letra
Q, depositado na biblioteca do Vaticano contendo os profetas que lhe é
atribuído.
-
Outras versões gregas menores:
Depois da destruição de Jerusalém no ano 70, a versão dos
Setenta perdeu muito do seu valor entre os judeus, em parte em
conseqüência do modo por que os cristãos a usavam para fundamentar
as doutrinas de Cristo, e em parte, porque o seu estilo era falho de
65
Introdução ao Estudo do Pentateuco
elegância. Por causa disto, os judeus fizeram três versões dos livros
canônicos do Antigo Testamento, no segundo século:
(1) A tradução de Áqüila, natural do Ponto e prosélito do
judaísmo, viveu no tempo do imperador Adriano, e tentou fazer uma
versão literal das Escrituras hebraicas, com o fim de contrariar o
emprego que os cristãos faziam dos Setenta para fundamentar as suas
doutrinas. A tradução era tão servilmente liberal, que em muitos casos se
tornava obscura aos leitores que não conheciam bem o hebreu como o
grego.
(2) A revisão dos Setenta por Teodócio, judeu prosélito, natural
de Éfeso, segundo Ireneu, e segundo Euzébio, um ebionita que
acreditava na missão do Messias, mas não na divindade de Cristo. Viveu
no ano 160, porque dele faz menção Justino Mártir. Na revisão que fez
dos Setenta, serviu-se tanto da tradução elegante, porém, perifrástica
feita por Símaco, samaritano ebionita. Orígenes arranjou o texto hebreu
em quatro versões diferentes, em seis colunas paralelas para efeito de
estudo comparativo. Na primeira coluna vinha o texto hebreu; na
segunda, o texto hebreu em caracteres gregos; na terceira, a versão de
Áqüila; na quarta, a de Símaco; na quinta, a dos Setenta; e na sexta, a
revisão de Teodócio. Em virtude destas seis colunas tomou o nome de
Hexapla. Na coluna destinada ao texto dos Setenta, marcava com um
sinal palavras que não encontrava no texto hebreu. Emendava o texto
grego, suprindo as palavras do texto hebraico que lhe faltavam,
assinalando-as por um asterisco. Conservou a mesma grafia hebraica
para os nomes próprios.
Orígenes preparou uma edição de menor formato, contendo as
últimas quatro colunas, que se ficou chamando Tétrapla.
Estas duas obras foram depositadas na biblioteca fundada por
Panfilo, discípulo de Orígenes em Cesaréia. S. Jerônimo as consultou no
quarto século e ainda existiam no século sexto. Parece que
desapareceram, quando os maometanos invadiram a cidade em 639.
Alguns fragmentos da grande obra de Orígenes ainda se conservam nas
citações que dela fizeram os santos padres. A coluna dos Setenta foi dada
à luz por Panfilo e Euzébio, e vertida para o siríaco por Paulo, bispo de
66
Anderson Vicente Gazzi
Tela em 617-18. Orígenes adotou método infeliz, comparando o texto
dos Setenta com o texto hebreu do seu tempo. Uma vez que o
desideratum dos sábios é restaurar o texto grego como o deixaram as
mãos dos tradutores, porque esse texto iria lançar luz sobre o texto
hebreu por eles usado?
Ainda mais, os sinais e asteriscos que ele usou, foram muitas
vezes negligenciados pelos copistas e talvez mesmo os tivessem
empregado sem a devida cautela, de modo que os acréscimos feitos à
versão dos Setenta e às porções dela que não encontrou no texto hebreu,
nunca mais se puderam descobrir.
3. Autor e Data:
Embora não se afirme no próprio Pentateuco que este haja sido
escrito por Moisés em sua totalidade, outros livros do Antigo
Testamento citam-no como obra dele (Js.1.7-8; 23.6; 1Re.2.3; 2Re.14.6;
Ed.3.2; Ne.8.1; Dn.9.11-13). Certas partes muito importantes do
Pentateuco são atribuídas a ele (Êx.17.14; Dt.31.24-26). Os escritores do
Novo Testamento estão de pleno acordo com os do Antigo. Falam dos
cinco livros em geral como “a Lei de Moisés” (At.13.39; 15.5; Hb.10.28).
Para eles, “ler Moisés” equivale a ler o Pentateuco (2Co.3.15.: “E até hoje
quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles”). Finalmente, as
palavras do próprio Jesus dão testemunho de que Moisés é o autor:
(Jo.5.46.: “Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim
escreveu ele”; Mt.8.4; 19.8; Mc.7.10; Lc.16.31; 24.27).
Moisés, mais do que qualquer outro homem tinha preparo,
experiência e gênio que o capacitavam para escrever o Pentateuco.
Considerando-se que foi criado no palácio dos faraós, (At.7.22.: “foi
instruído em toda a ciência dos egípcios; e era poderoso em suas palavras e obras”) foi
testemunha ocular dos acontecimentos do êxodo e da peregrinação no
deserto. Mantinha a mais íntima comunhão com Deus e recebia
revelações especiais. Como hebreu Moisés tinha acesso às genealogias
bem como as tradições orais e escritas de seu povo, e durante os longos
anos da peregrinação de Israel, teve o tempo necessário para meditar e
escrever. E, sobretudo, possuía notáveis dons e gênio extraordinário, do
que dá testemunho de seu papel como líder, legislador e profeta.
67
Introdução ao Estudo do Pentateuco
•
Teoria documentária da Alta Crítica:
Há dois séculos, eruditos de tendência racionalista puseram em
dúvida a paternidade mosaica do Pentateuco. Criaram a Teoria
Documentária da Alta Crítica, segundo a qual os primeiros cinco livros
da Bíblia são uma compilação de documentos redigidos, em sua maior
parte, no período de Esdras (444 a.C.). No entender desses autores, o
documento mais antigo que se encontra no Pentateuco data do tempo de
Salomão. Julgam que o Deuteronômio é uma “fraude piedosa” escrita
pelos sacerdotes no reinado de Josias tendo em mira promover um
avivamento; que o Gênesis consiste apenas em lendas nacionais de
Israel.
Durante os séculos XVIII e XIX, nas universidades alemãs,
foram aplicados à Bíblia métodos de investigação e de análise que os
historiadores haviam desenvolvido para reconstruir o passado.
Procuraram descobrir a data de cada livro, seu autor, seu propósito e os
característicos do estilo e da linguagem. Perguntaram-se: Quais são as
fontes originais dos documentos bíblicos? São dignas de confiança? Qual
é o significado e o fundo histórico de cada um deles? A este movimento
deu-se o nome de Alta Crítica.
A Baixa Crítica, por outro lado, é a que se ocupa do estudo do
texto em si. Observa os manuscritos existentes para estabelecer qual o
texto mais aproximado do original. Suas investigações têm deixado
textos muito exatos e dignos de confiança.
A crítica bíblica, tanto a textual como a alta, pode lançar muita
luz sobre as Escrituras se aplicada com reverência e erudição. Os pais da
Igreja, os reformadores e os eruditos evangélicos têm realizado tais
estudos com grande benefício. Não obstante, os críticos alemães, sob a
influência do racionalismo daquele tempo, chegaram a conclusões, que
comprovadas, poderiam destruir toda a confiança na integridade das
Escrituras.
Os críticos alemães aproximaram-se do estudo da Bíblia com
certos pressupostos ou preconceitos: 1) Rejeitaram todo o elemento
milagroso. Isto é, para eles a Bíblia não é inspirada por Deus, porém um
livro a mais, um livro como outro qualquer. 2) Aceitaram a teoria ideada
pelo filósofo Hegel de que a religião dos hebreus tinha seguido um
68
Anderson Vicente Gazzi
processo evolutivo. Segundo esta teoria, no princípio Israel acreditava
em muitos espíritos, depois foi desenvolvendo a crença em um só Deus,
e mais tarde chegou à fase sacerdotal. Também o culto hebreu evoluiu
quanto aos seus sacrifícios, suas festas sagradas e seu sacerdócio.
Os críticos racionalistas desenvolveram a teoria de que o
Pentateuco não foi escrito por Moisés, mas é uma recompilação de
documentos redigidos, em sua maior parte, no século V a.C.. Jean Astruc
(1753), professor de medicina em Paris, iniciou esta teoria, notando que
se usava o nome “Eloim” (Deus) em algumas passagens do Gênesis, e
“Jeová” em outras. Para Astruc, isto era prova de que Moisés havia
usado dois documentos como fontes, cada um com sua maneira especial
de designar a Deus, para escrever o Gênesis. Mais tarde, os estudiosos
alemães descobriram o que lhes pareciam certas repetições, diferenças de
estilo e discordância nas narrativas. Chegaram à conclusão de que Moisés
não escreveu o Pentateuco; o escritor foi um redator desconhecido que
empregou várias fontes ao escrevê-lo.
Para fins do século XIX, Julius Wellhausen e Karl H. Graf
desenvolveram a “Hipótese Graf-Wellhausen”, que foi aceita como a
base fundamental da Alta Crítica. Usaram a teoria da evolução religiosa
de Israel como um dos meios para distinguir os supostos documentos
que constituiriam o Pentateuco. Também a utilizaram para datar esses
documentos. Por exemplo, se lhes parecia que determinado documento
tinha uma teologia mais abstrata do que outro, chegavam à conclusão de
que havia sido redigido em data posterior, já que a religião ia ficando
cada vez mais complicada. De modo que estabeleceram datas segundo a
medida de desenvolvimento religioso que eles imaginavam. Relegaram o
livro de Gênesis, em sua maior parte, a uma coleção de mitos cananeus,
adaptados pelos hebreus.
Wellhausen e Graf denominaram os supostos documentos da
seguinte maneira:
1) O “Jeovista” (J), que prefere o nome Jeová. Teria sido redigido
possivelmente no reinado de Salomão e considerado o mais
antigo.
69
Introdução ao Estudo do Pentateuco
2) O “Eloísta” (E) que designa a Deus com o nome comum de
Eloim. Teria sido escrito depois do primeiro documento, por
volta do século VIII a.C.
3) O Código Deuteronômico (D) compreenderia todo o livro de
Deuteronômio. Teria sido escrito no reinado de Josias pelos
sacerdotes que usaram esta fraude para promover um
despertamento religioso (2Rs.22.8).
4) O Código Sacerdotal (P) é o que coloca especial interesse na
organização do tabernáculo, do culto e dos sacrifícios. Poderia
ter adquirido corpo durante o cativeiro babilônico, e forneceu o
plano geral do Pentateuco.
Consideraram que os documentos, com exceção do “D”,
correm paralelamente através dos primeiros livros do Pentateuco. A obra
final teria sido redigida no século V a.C., provavelmente por Esdras. Esta
especulação de Wellhausen e Graf chama-se “A Teoria Documentada, J.
E. D. P.”.
Os eruditos conservadores rejeitam de plano a teoria
documentária J. E. D. P.. Dizem que os títulos de Deus não estão
distribuídos no Gênesis de maneira tal que se possa dividir o livro como
sustentam os da teoria documentária. Por exemplo, não se encontra o
nome de Jeová em dezessete capítulos, mas os críticos atribuem porções
de cada um desses capítulos ao documento “Jeovista”. Além do mais,
não deve causar-nos estranheza que Moisés tenha designado a Deus com
mais de um título. No Corão (livro sagrado dos mulçumanos), há algumas
passagens que empregam o título divino “Alá” e outros “Rabe”, e nem
por isso se atribui o Corão a vários autores.
E que dizer então quanto aos relatos duplicados e contraditórios
que os críticos supostamente encontram em Gênesis? Os conservadores
explicam que alguns são compilações, tais como as ordens de que os
animais entrem na arca (Gn.6.19 e 7.2); o primeiro era uma ordem geral e
o segundo dá um entalhe adicional. Os dois relatos da criação (Gn.1.12.4a. e 2.4b – 2.25) são suplementares. O primeiro apresenta a obra geral
da criação, e o segundo dá o enfoque do homem e seu ambiente.
Também, chamam a atenção certas diferenças de linguagem,
estilo e ponto de vista entre os diferentes documentos. Contudo, estes
70
Anderson Vicente Gazzi
juízos são muito subjetivos. Não nos deve estranhar que quando Moisés
escreveu as partes legais e cerimoniais tenha empregado um vocabulário
e estilo um tanto diferentes do que empregou nas partes históricas.
Ademais, Gordan Wenham, erudito contemporâneo, versado em Antigo
Testamento, diz que as diferenças de estilo, usadas para distinguir as
fontes do Pentateuco, já não têm significado à luz das antigas
convenções literárias. Diz outro erudito moderno, R. K. Harrison, que
inclusive certo defensor da Alta Crítica admite que “as diferenças são
poucas e podem ser classificadas como acidentais”.
Os arqueólogos descobriram muitíssimas evidências que
confirmam a historicidade de grande parte do livro do Gênesis e por isso
já não se pode denominá-lo “uma coleção de lendas cananéias adaptadas
pelos hebreus”. Mas, não encontraram prova alguma de supostos
documentos que tenham existido antes do Pentateuco.
Um autor evangélico ressalta quão absurdo são as conclusões da
Alta Crítica: exige que aceitemos como reais um número de documentos,
autores e recopiladores sem o mínimo indício de evidência externa.
“Não deixaram atrás de si marca nenhuma, nem na literatura, nem na
tradição hebraica, tão tenaz para com a lembrança de seus grandes
nomes”. De modo que o estudioso evangélico não deve crer que o
Pentateuco seja obra de um redator da época de Esdras. Parece que os
documentos J.E.D.P. existem somente na imaginação dos eruditos que
preferem aceitar as especulações dos racionalistas em vez de crer na
doutrina da inspiração divina.
Muitos estudiosos conservadores acham provável que Moisés,
ao escrever o livro do Gênesis, tenha empregado genealogias e tradições
escritas (Moisés menciona especificamente “o livro das gerações de Adão”, em
Gn.5.1). William Ross observa que o tom pessoal que encontramos na
oração de Abraão a favor de Sodoma, no relato do sacrifício de Isaque, e
nas palavras de José ao dar-se a conhecer a seus irmãos “é precisamente
o que esperaríamos, se o livro de Moisés fosse baseado em notas
biográficas anteriores”. Provavelmente, essas valiosas memórias foram
transmitidas de uma geração para outra desde os tempos muito remotos.
Não nos cause estranheza que Deus possa ter guiado Moisés a
incorporar tais documentos em seus escritos. Seriam igualmente
inspirados e autênticos.
71
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Também é notável haver alguns acréscimos e retoques
insignificantes de palavras arcaicas, feitas à obra original de Moisés
(Deuteronômio 34) foi escrito por outra pessoa (o Talmude, livro dos rabinos, o
atribui a Josué). Gênesis 36.31 indica que havia rei em Israel, algo que não
existia na época de Moisés. Em Gênesis 14.14 dá-se o nome “Dã” à
antiga cidade de “Laís”, nome que lhe foi dado depois da conquista.
Pode-se atribuir isto as notas esclarecedoras, ou a mudanças de nomes
geográficos arcaicos, introduzidos para tornar mais claro o relato.
Provavelmente foram agregados pelos copistas das Escrituras, ou por
algum personagem (como o profeta Samuel). Não obstante, estes retoques
não seriam de grande importância nem afetariam a integridade do texto.
Assim, pois, são contundentes tanto a evidência interna como a externa
de que Moisés escreveu o Pentateuco. Muitos trechos contêm frases,
nomes e costumes do Egito, indicativos de que o autor tinha
conhecimento pessoal de sua cultura e de sua geografia, algo que
dificilmente teria outro escritor em Canaã, vários séculos depois de
Moisés. Por exemplo, consideremos os nomes egípcios: Potifar (dom do
deus do sol, Ra), Zafnate-Paneá (Deus fala, ele vive), Asenate (pertencente à
deusa Neit) e On, antigo nome de Heliópolis (Gn.37.36; 41.45; 50).
Notemos, também, que o autor menciona até os vasos de madeira e os
de pedra que os egípcios usavam para guardar a água que tiravam do rio
Nilo. O célebre arqueólogo W. F. Albright diz que no Êxodo se
encontram em forma correta tantos detalhes arcaicos que seria
insustentável atribuí-los a invenções posteriores.
Também pelas referências feitas com relação a certos materiais
do tabernáculo, deduzimos que o autor conhecia a península do Sinai.
Por exemplo, as peles de texugos se referem segundo certos eruditos, às
peles de um animal da região do mar Vermelho; a “onicha”, usada como
ingrediente do incenso (Êx.30.34) era da concha de um caracol da
mesma região. Evidentemente, as passagens foram escritas por alguém
que conhecia a rota da peregrinação de Israel e não por um escritor no
cativeiro babilônico, ou na restauração, séculos depois.
Do mesmo modo, os conservadores mostram que o
Deuteronômio foi escrito no período de Moisés. O ponto de referência
do autor do livro é o de uma pessoa que ainda não entrou em Canaã. A
forma em que está escrito é a dos tratados entre os senhores e seus
72
Anderson Vicente Gazzi
vassalos do Oriente Médio no segundo milênio antes de Cristo. Por isso,
estranhamos que a Alta Crítica tenha dado como data destes livros
setecentos ou mil anos depois.
A arqueologia também confirma que muitos dos acontecimentos
do livro de Gênesis são realmente históricos. Por exemplo, os
pormenores da tomada de Sodoma, descrita no capítulo 14 do Gênesis,
coincidem com assombrosa exatidão com o que os arqueólogos
descobriram. (Nisto se incluem: os nomes dos quatro reis, o movimento dos povos, e
a rota que os invasores tomaram, chamada “caminho real”. Depois do ano 1200
a.C., a condição da região mudou radicalmente, e essa rota de caravanas deixou de ser
utilizada.) O arqueólogo Albright declarou que alguns dos detalhes do
capítulo 14 nos levam de volta à Idade do Bronze (período médio, entre
2100 e 1560 a.C.). Não é muito provável que um escritor que vivesse
séculos depois conhecesse tais detalhes.
Além do mais, nas ruínas de Mari (sobre o rio Eufrades) e de Nuzu
(sobre um afluente do rio Tigre) foram encontradas tábuas de argila da época
dos patriarcas. Nelas se descrevem leis e costumes, tais como as que
permitiam que o homem sem filhos desse sua herança a um escravo
(Gn.15.3), e uma mulher estéril entregasse sua criada a seu marido para
suscitar descendência (Gn.16.2). Do mesmo modo, as tábuas contêm
nomes equivalentes ou semelhantes aos de Abraão, Naor (Nacor),
Benjamim e muitos outros. Por isso, tais provas refutam a teoria da Alta
Crítica de que o livro do Gênesis é uma coletânea de mitos e lendas do
primeiro milênio antes de Cristo. A arqueologia demonstra cada vez mais
que o Pentateuco apresenta detalhes históricos exatos, e que foi escrito
na época de Moisés. Há razão ainda para duvidar de que o grande líder
do êxodo foi seu autor?
•
A sólida evidência da autoria mosaica do Pentateuco:
É comum nos círculos liberais ou neo-ortodoxos afirmar que
Moisés nada tem a ver com a composição do Pentateuco. A maior parte
dos críticos que sustentam essa versão acredita que os ditos livros de
Moisés foram escritos por diversos autores anônimos, tendo início no
século IX a.C. e terminando com a parte final, o “Código sacerdotal”,
por volta de 445 a.C. – a tempo de Esdras lê-lo em voz alta na Festa dos
73
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Tabernáculos (Ne.8). Outros especialistas, de modo especial os da escola
da crítica da forma, acham que só pequeníssima parte do Pentateuco foi
escrita até o tempo de Esdras, ainda que algumas partes tenham existido
antes sob a forma de tradição oral, durante séculos – talvez remontando
ao tempo do próprio Moisés. Tendo em vista o consenso entre os
especialistas não-evangélicos de que as vindicações da autoria mosaica
são todas especiosas, é bom que façamos uma revisão, pelo menos
breve, da evidência sólida e irresistível, tanto interna como externa, de
que o Pentateuco todo é obra autêntica de Moisés sob a inspiração do
Espírito Santo.
-
Testemunho bíblico da autoria mosaica:
O Pentateuco com freqüência se refere a Moisés como seu
autor, a começar por Êxodo 17.14: “Então, disse o SENHOR a Moisés:
Escreve isto para memória num livro e repete-o a Josué, porque eu hei de riscar
totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu”. Em Êxodo 24.4 lemos:
“Moisés escreveu todas as palavras do SENHOR...”. Lemos, ainda, no
versículo 7: “E tomou o livro da aliança e o leu ao povo...”. Outras referências
ao fato de Moisés ter escrito o Pentateuco encontram-se em Êxodo
34.27, Números 33.1,2 e Deuteronômio 31.9, das quais, na última temos:
“Esta lei, escreveu-a Moisés e a deu aos sacerdotes...”. Dois versículos adiante
encontramos uma exigência severa a respeito do futuro: “...quando todo o
Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher,
lerás esta lei diante de todo o Israel”. Essa norma sabidamente percorre
Êxodo, Levítico, Números e a maior parte de Deuteronômio (pelo menos
até o capítulo 30 inclusive).
Mais tarde, após a morte de Moisés, o Senhor deu estas
instruções a Josué, sucessor de Moisés: “Não cesses de falar deste livro da lei;
antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado a fazer segundo tudo quanto
nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js.1.8).
Negar a autoria de Moisés significa que todos os versículos acima citados
são infundados e indignos de aceitação. Josué 8.32-34 registra que a
congregação de Israel estava reunida fora da cidade de Siquém, no sopé
do monte Ebal e do monte Gerizim, quando Josué leu em voz alta a lei
de Moisés, escrita em tábuas de pedra, e os trechos de Levítico e de
74
Anderson Vicente Gazzi
Deuteronômio referentes às bênçãos e às maldições, como Moisés havia
feito anteriormente (Dt.27.28). Se a hipótese documentária estiver
correta, esse relato também deve ser rejeitado por se tratar de mera
invencionice. Outras referências do Antigo Testamento à autoridade
mosaica do Pentateuco são 1Rs.2.3; 2Rs.14.6; 21.8; Ed.6.18; Ne.13.1;
Dn.9.11-13 e Ml.4.4. Todos esses testemunhos também deveriam ser
totalmente rejeitados por se tratar de erros.
Cristo e os apóstolos igualmente deram testemunho inequívoco
de que Moisés foi autor da Toráh (Lei). Em João 5.46,57, Jesus disse:
“Porque, se de fato crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele
escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas
minhas palavras?”. Deverás! De maneira semelhante, em João 7.19 Jesus
disse: “Não vos deu Moisés a Lei? Contudo, ninguém dentre vós a observa...”. Se a
confirmação de Cristo de que Moisés foi de fato o autor do Pentateuco é
descartado – como de fato o faz a teoria da crítica moderna – segue-se
indubitavelmente a negação da autoridade do próprio Cristo. Pois, se o
Senhor estava enganado a respeito de uma verdade factual e histórica
desse tipo, poderia enganar-se também a respeito de princípios e
doutrinas que estivesse ensinando. Em Atos 3.22 Pedro diz a seus
compatriotas: “Disse, na verdade, Moisés: O Senhor Deus vos suscitará dentre
vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser”.
Afirmou Paulo em Romanos 10.5: “Ora, Moisés escreveu que o homem que
praticar a justiça decorrente da lei viverá, por ela”. Mas a teoria J.E.D.P., de
Wellhausen, e a crítica moderna racionalista negam que Moisés tenha
escrito quaisquer destas coisas. Isso significa que Cristo e os apóstolos
estavam totalmente enganados ao julgarem que Moisés as tenha escrito
de fato. Um erro dessa categoria, tratando-se de fatos históricos que
podem ser testados, levanta séria dúvida quanto a poderem os ensinos
teológicos que tratam de assuntos metafísicos fora de nossa capacidade
de comprovação, ser aceitos como dignos de confiança ou cheios de
autoridade. Assim vemos que a questão da autenticidade de Moisés
como escritor do Pentateuco é assunto da maior importância para o
cristão. A autoridade do próprio Cristo está em jogo nessa questão.
75
Introdução ao Estudo do Pentateuco
-
Evidência interna da composição mosaica:
Além dos testemunhos diretamente oriundos dos trechos do
Pentateuco mencionados acima, temos o testemunho de alusões fortuitas
a acontecimentos ou questões da época, a situações sociais ou políticas
ou a assuntos relacionados ao clima ou à geografia. Quando todos esses
fatores são pesados de modo imparcial e correto, chega-se à seguinte
conclusão: o autor desses livros e seus leitores devem ter vivido
originariamente no Egito. Além disso, esses fatores revelam que tiveram
pouco ou nenhum conhecimento direto da Palestina, dela sabendo
apenas por tradições orais, vindas de seus antepassados. Citamos as
seguintes evidências:
1. O clima e as condições atmosféricas mencionadas no Êxodo são
tipicamente egípcios, não palestinos (com referência a seqüência da
colheita, em relação a pratica da saraiva, em Êxodo 9.31,32).
2. As árvores e os animais a que se faz referência de Êxodo a
Deuteronômio são todos naturais do Egito ou da península do
Sinai, e nenhum deles é peculiar à Palestina. A árvore chamada
acácia é nativa do Egito e do Sinai, mas dificilmente se encontra
em Canaã, exceto ao redor do mar Morto. Essa árvore forneceu
madeira para grande parte do mobiliário do tabernáculo. As
peles com que o exterior do tabernáculo foi recoberto eram de
um animal chamado “tahâs”, ou dugongo, que é estranho à
palestina, mas encontrado nos mares adjacentes ao Egito e ao
monte Sinai. Quanto à lista de animais limpos e imundos que
encontramos em Levítico 11 e em Deuteronômio 14, alguns são
peculiares à península do Sinai, como o “dî’son”, ou ovelha
montes (Dt.14.5); o “ya’nah”, ou avestruz (Lv.11.16); e o “ot’o”,
ou antílope selvagem (Dt.14.5). É difícil imaginar como uma
lista desse tipo poderia ter sido feita nove séculos depois, após o
povo de Israel ter vivido todo esse tempo numa terra que não
tinha nenhum desses animais.
3. Mais conclusivas ainda são as referências geográficas que
anunciam perspectivas de uma pessoa não familiarizada com a
Palestina, mas boa conhecedora do Egito. a) Em Gênesis 13.10,
76
Anderson Vicente Gazzi
em que o autor deseja transmitir aos leitores como era verde o
vale do Jordão, ele o compara a uma localidade bem conhecida
da região oriental do delta do Nilo, perto de Mendes, entre
Busiris e Tânis. Declara ele que o vale do Jordão era “como a
terra do Egito, como quem vai para Zoar”. Nada poderia ser
mais evidente com base nessa referência casual que o fato de o
autor estar escrevendo para um grupo de pessoas não
familiarizadas com a aparência das regiões da Palestina, mas
pessoalmente familiarizadas com a aparência do baixo Egito. Tal
familiaridade só poderia crescer no próprio Egito, e isso se
enquadra muito bem numa datação mosaica para composição
do livro de Gênesis. b) A fundação de Quiriate-Arba (nome préisraelita de Hebrom, no sul de Judá), segundo Números 13.22,
ocorreu “sete anos antes de Zoa no Egito”. Isso implica com
toda a clareza que os leitores de Moisés estavam bem cientes da
data da fundação de Zoã, mas desconheciam quando foi que
Hebrom – que se tornaria uma das mais importantes cidades de
Israel após a conquista – havia sido fundada. c) Em Gênesis
33.18 há uma referência a “Salém, cidade de Siquém na terra de
Canaã”. Para um povo que havia vivido na palestina mais de
sete séculos a partir da conquista (de acordo com a data atribuída a
essa passagem pela escola de Wellhausen), parece-nos estranho ser
preciso dizer que uma cidade tão importante como Siquém
ficava “na terra de Canaã”. Todavia, seria perfeitamente cabível
um povo que ainda não se houvesse estabelecido ali – como era
o caso do povo conduzido por Moisés.
4. A atmosfera e a ambientação do deserto prevalecem por toda a
narrativa, desde Êxodo 16 até o fim de Deuteronômio (conquanto
haja algumas referências à agricultura, como previsões das condições da terra
que logo o povo haveria de conquistar). A importância atribuída a um
grande tabernáculo (tenda) como lugar central de culto e reunião
dificilmente teria pertinência a um público leitor que houvesse
vivido na Palestina mais de sete séculos, e só estivesse
familiarizado com o templo de Salomão ou com o de Zorobabel
como santuário central. A explicação de Wellhausen para isso,
que o tabernáculo era simplesmente extrapolação artificial do
77
Introdução ao Estudo do Pentateuco
templo, não se harmoniza aos fatos reais; o templo era muito
diferente em tamanho e no mobiliário em comparação ao
tabernáculo, descrito na “Toráh”. Todavia, nem mesmo essa
teoria de ficção histórica supre alguma explicação sobre por que
os contemporâneos de Esdras teriam estado tão interessados
num mero tabernáculo a ponto de a ele devotar tantos capítulos
em Êxodo (25-40) e a ele referir-se em quase três quartas partes
de Levítico e também com muita freqüência em Números e em
Deuteronômio. Não se consegue encontrar em toda a literatura
mundial outro exemplo de tamanha atenção dada a uma
estrutura que na verdade (segundo Wellhausen) jamais existiu, e
nunca exerceu influência sobre a geração para a qual aqueles
textos foram escritos.
5. Há grande evidência de natureza técnica e lingüista que se pode
reunir em apoio da existência de um contexto egípcio para todo
o texto da Toráh. Podem-se encontrar exemplos cheios de
minúcias a esse respeito. Basta que se diga que existe um
enorme número de nomes egípcios e de palavras tomadas de
empréstimo da língua egípcia que se encontram mais no
Pentateuco que em qualquer outra seção das Escrituras. Isso é o
que se poderia esperar de um autor que houvesse sido educado
no Egito e escrevesse para um povo nascido e vivido nesse
mesmo ambiente.
6. Se o Pentateuco tivesse sido escrito entre os séculos IX e V a.C.,
como crê e ensina aquela Escola Documentária, e extrapolasse
as práticas religiosas e as perspectivas políticas dos séculos V e
VI, indo até os tempos de Moisés (mediante uma mentira piedosa),
seria razoável esperar que esse documento espúrio, forjado
muito tempo depois de Jerusalém tornar-se capital do reino
israelita, ter-se-ia referido a Jerusalém por esse nome em muitas
ocasiões. É certo que teria incluído algumas profecias sobre as
futuras conquistas dessa cidade e de sua situação privilegiada
como localidade permanente do templo de Jeová. Entretanto,
um exame minucioso de todo o texto de Gênesis até
Deuteronômio leva-nos à espantosa conclusão de que o nome
de Jerusalém jamais é mencionado. É certo que o monte Moriá
78
Anderson Vicente Gazzi
aparece em Gênesis 22 como o local em que Abraão tentou
oferecer o filho, Isaque, em sacrifício, mas nenhuma idéia há ali
de que aquele seria o local do futuro templo.
Em Gênesis 14 há uma referência a Melquisedeque como
“rei de Salém” – não de “Jerusalém” –, tampouco temos algum
indício de que mais tarde essa cidade haveria de tornar-se a
capital política e religiosa da comunidade hebraica. Em
Deuteronômio 12.5-18 encontramos referências a um “lugar que
o SENHOR, vosso Deus, escolher de todas as vossas tribos, para ali pôr o
seu nome e sua habitação; e para lá ireis”. Tais referências, é verdade,
são tão genéricas que podem incluir cidades como Siló e
Gibeão, em que o tabernáculo foi guardado por longos períodos
antes da construção do templo de Salomão; entretanto, é justo
presumir que Deuteronômio 12.5 tenha a intenção de prever o
estabelecimento do templo de Jerusalém. No entanto, é quase
impossível explicar as razões por que essa obra de Moisés,
alegadamente espúria, escrita muito mais tarde do que se supõe,
deixe de mencionar Jerusalém pelo nome, embora houvesse o
máximo de incentivos para que esse nome ali constasse. Só a
suposição de que a Toráh foi autenticamente mosaica, ou pelo
menos composta muito antes da conquista de Jerusalém no ano
1000 a.C., pode-se explicar a ausência do nome dessa cidade.
7. Ao datar documentos literários, é da maior importância avaliar
os termos-chave aparentemente em uso na época em que o
autor executou seu trabalho. No caso de um livro religioso, os
títulos pelos quais Deus é caracteristicamente chamado
assumem grande importância. Durante o período entre 850-450
a.C., encontramos crescente realce atribuído ao título de
“YHWH seba’ôt” – IEOVAH Tsvaót – “O SENHOR dos
Exércitos”. Esse nome confere especial realce à onipotência do
Deus da aliança de Israel, e ocorre cerca de 67 vezes em Isaías
(final do séc. VIII a.C.), 83 vezes em Jeremias (final do séc. VII e
início do VI a.C.), treze vezes nos dois capítulos de Ageu (final do
séc. VI a.C.) e 51 vezes nos catorze capítulos de Zacarias (final do
séc. VI e início do V a.C.). Esses profetas cobrem quase todo o
tempo durante o qual o texto do Pentateuco esteve sendo
79
Introdução ao Estudo do Pentateuco
composto na forma dos manuscritos J, E, D e P. Entretanto, é
de se espantar que nem uma única vez o título “IEOVÁH dos
Exércitos” se encontre no Pentateuco todo. Da perspectiva da
ciência da literatura comparada, esse fato seria considerado o
mais forte tipo de evidência de que a Toráh teria sido composta
numa época em que o título “IEOVÁH dos Exércitos” não era
utilizado. Portanto, toda a Toráh, até mesmo o chamado
“Código Sacerdotal”, devem ter sido compostos antes do século
VIII a.C.. Caso essa dedução seja válida, toda a hipótese
documentária deve ser totalmente abandonada.
8. Se a parte do Pentateuco chamada “Código Sacerdotal” de fato
foi composta nos séculos VI e V a.C., seria de esperar que
algumas instituições caracteristicamente levíticas e certos valores
culturais do povo, introduzidos a partir dos dias de Davi, fossem
mencionados com alguma freqüência no Pentateuco. Dentre
estes estariam os corais, formados pelos cantores do templo, os
quais Davi organizou lançando 24 sortes (1Cr.25), e aos quais
tantas referências se fazem nos títulos dos Salmos. No entanto,
nenhum coral organizado por cantores levíticos é mencionado
uma única vez na Toráh.
A ordem dos escribas certamente teria sido mencionada,
pois o grande chefe deles, o próprio Esdras, estaria concluindo
grandes porções do Pentateuco a tempo de celebrar-se a Festa
dos Tabernáculos em 445 a.C. – segundo a hipótese de
Wellhausen. Entretanto, por alguma estranha razão, nenhuma
referência se percebe, de modo algum, à ordem dos escribas,
nem à função deles, e tampouco um indício profético de que um
dia haveria de existir um corpo de guardiões do texto sagrado.
A partir da época de Salomão passou a existir uma
importantíssima classe de serviçais no templo, conhecidos como
“netinins” (“os que foram dados”, isto é, dados para o serviço do Senhor
no templo). O número dos netinins (392) que se uniram aos 42 mil
que retornaram da Babilônia em 538 a.C. está incluído nas
estatísticas de Esdras 2.58 e de Neemias 7.60, ao lado da
contagem dos levitas e dos sacerdotes. No entanto, não existem
80
Anderson Vicente Gazzi
referências a eles ou previsão a respeito deles no “Documento
p”. Que estranho!
Desde o tempo de Davi, “o mavioso salmista de Israel”
(2Sm.23.1), fazia-se uso abundante de vários instrumentos
musicais (de corda, de sopro, de percussão – desses três tipos) em relação
ao culto público diante de Deus. É certo que a sansão de Moisés
para tão importante característica do culto levítico deveria
aparecer na Toráh, tivesse esta sido composta tardiamente, no
século X a.C., ou depois. É de surpreender, no entanto, que não
exista uma única referência a instrumentos para
acompanhamento musical no culto do tabernáculo. É impossível
harmonizar esse fato com a data de composição no século V
a.C.. Não resta a menor dúvida de que um corpo sacerdotal
profissional como esse, descrito pelos autores da Crítica
Documentária, teria tido a maior das motivações para incluir tais
instituições tão queridas entre as ordenações de “Moisés”.
9. O Pentateuco, especialmente Deuteronômio, contem várias
referências à futura conquista de Canaã pelos descendentes de
Abraão. O autor de Deuteronômio escreve cheio de confiança
em que as hostes hebraicas venceriam toda oposição dentro da
terra de Canaã, derrotariam todos os exércitos inimigos e
implodiriam todas as cidades que decidissem atacar. Isso se
reflete com clareza em todas as repetidas exortações para que
destruíssem todos os templos e santuários cananeus, e tudo se
reduzisse a pó (Dt.7.5; 12.2,3; Ex.23.24; 34.13).
Visto que todas as nações defendem seus relicários
sagrados com a máxima força de que são capazes, a presunção
de que Israel seria capaz de destruir todos os santuários pagãos
por toda a terra presume a supremacia militar do povo de
“IEOVÁH” após a invasão de Canaã. Em que outra
circunstância na carreira da nação hebréia poder-se-ia nutrir tão
grande confiança senão nos dias de Moisés e de Josué? Aqui,
outra vez, a evidência interna aponta com força para uma data
de composição nos dias de Moisés. Nada poderia estar mais fora
da realidade do que supor que Josias, em 621 a.C., quando Judá
era um pequenino estado vassalo sob domínio do Império
81
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Assírio, pudesse almejar destruir todos os altares idólatras,
demolir todos os altos e árvores veneradas e esmagar todas as
estruturas de templos, reduzindo-os a pó, de norte a sul, de leste
a oeste da Palestina. Como poderia a pequenina colônia que
lutava para sobreviver esperar eliminar todos os relicários
religiosos de Dã até Berseba?
A única conclusão que se pode tirar das ordens exaradas
no Pentateuco para que se destruíssem todos os traços da
idolatria é que estava na capacidade militar de Israel o poder de
fazer cumprir essas ordens por todo o país. Nada, porém, seria
menos cabível nos dias de Zacarias, de Esdras e de Neemias que
planejar e executar tão grande extirpação do culto idólatra em
toda a Palestina. A grande batalha deles era a sobrevivência, em
face das reiteradas más colheitas e grandes hostilidades por parte
das nações vizinhas. Nem o “Documento p” do tempo de
Esdras, nem o Deuteronômio dos dias de Josias poderiam
harmonizar-se com as passagens aqui mencionadas.
10. Deuteronômio 13.2-11 prescreve a pena de morte por
apedrejamento para qualquer idólatra ou falso profeta, fosse
irmão, esposa, filho. Os versículos de 12 a 17 prosseguem
dizendo que até mesmo uma cidade toda que se voltasse para a
idolatria deveria ter todos os seus moradores sentenciados à
morte. Todas as suas casas deveriam ser reduzidas a pó e cinza,
todas as propriedades condenadas a essa excomunhão. Isso não
é teoria visionária, mas ordem séria com procedimentos
investigadores nela embutidos, o que refletia um programa que
deveria ser posto em execução no Israel da época. No entanto,
quando examinamos o registro bíblico da situação espiritual de
Judá no século VII a.C. (ou, na verdade, no VIII, a partir do tempo de
Acaz), descobrimos que a adoração de ídolos era tolerada em
quase todos os recantos do reino – exceto durante a reforma
religiosa empreendida por Ezequias e por Josias. Isso teria
induzido à destruição de todas as cidades e vilas, incluindo-se
Jerusalém. Ninguém cria leis cuja implementação seja totalmente
impossível de ser executada, por causa das condições reinantes.
A única época em que tal legislação poderia ter sido posta em
82
Anderson Vicente Gazzi
vigor foi a dos dias de Moisés e de Josué – e possivelmente nos
dias de Davi. (Já nos dias de Salomão, o culto às relíquias nos “lugares
altos” estava sendo praticado)
-
Qualificações de Moisés como autor do Pentateuco:
Tendo em mente as referências bíblicas da educação acadêmica
de Moisés, torna-se logo patente que ele possuía as qualificações certas
para empreender uma obra do porte da Toráh.
1. Moisés recebeu excelente formação como príncipe criado na
corte do Egito (At.7.22), num país em que a cultura era superior
a de qualquer outra nação do Crescente Fértil. Até mesmo os
cabos dos espelhos e das escovas de dente eram adornados com
inscrições hieroglíficos, bem como as paredes de todos os
prédios da administração pública.
2. De seus ancestrais israelitas, Moisés deve ter recebido as leis
orais que eram obedecidas na Mesopotâmia, de onde Abraão
tinha vindo.
3. De sua mãe e parentes consangüíneos, Moisés deve ter recebido
conhecimento pleno da vida dos patriarcas, desde Adão até José;
e, com base nessa riqueza de tradição oral, ele teria recebido
todas as informações contidas no livro de Gênesis, por estar sob
a orientação do Espírito Santo ao redigir o texto inspirado da
Toráh.
4. Tendo residido por muitos anos no Egito e também na terra de
Midiã, no Sinai, Moisés teria adquirido conhecimento pessoal
sobre o clima, sobre as práticas agrícolas e sobre as
peculiaridades geográficas tanto egípcias como da península do
Sinai, o que se torna óbvio por todo o texto desses quatro livros
(Êxodo até Deuteronômio), que tratam do mundo do século XV
a.C., nas vizinhanças do mar Vermelho e do rio Nilo.
5. Sendo designado por Deus para ser o fundador de uma nova
nação, nação que deveria ser governada pela lei concedida pelo
Senhor, Moisés teria tido o máximo de incentivo para compor
sua obra monumental, incluindo-se Gênesis, com todos os
83
Introdução ao Estudo do Pentateuco
relatos integrais do trato gracioso de Deus para com os
ancestrais dos israelitas antes da migração da família de Jacó ao
Egito. E, visto que a jovem nação deveria ser governada
segundo as leis de Deus, em vez de por um déspota real, à
semelhança das nações pagãs circunvizinhas, Moisés recebeu a
responsabilidade de compor (sob inspiração e orientação de Deus)
uma lista cuidadosamente pormenorizada de todas as leis que
Deus havia concedido a fim de guiar seu povo pelo caminho da
justiça, da piedade e do culto. Ao longo do período de quarenta
anos de peregrinação no deserto, Moisés tinha tido o tempo e
oportunidade de que precisava para esboçar o sistema integral
das leis religiosas e civis que Deus lhe havia revelado, as quais
serviriam de constituição da nova comunidade teocrática.
Portanto, Moisés tinha todos os incentivos e todas as
qualificações para compor essa obra magnífica.
-
A falácia principal em que se baseia a hipótese
documentária:
A mais séria de todas as pressuposições falsas subjacentes à
hipótese documentária e à abordagem crítica da forma (a primeira presume
que nenhuma parte da Toráh teve forma escrita senão depois de meados do século IX
a.C., e a segunda afirma que todo o texto hebraico do Pentateuco só foi redigido
depois do exílio), é que os israelitas esperaram durante muitos séculos, após
a fundação de sua comunidade, até ver a Toráh na forma escrita. Tal
pressuposição desaparece diante de todas as descobertas arqueológicas
dos últimos oitenta anos, segundo as quais todos os vizinhos de Israel
conservaram registros escritos sobre sua história e religião desde antes
dos tempos de Moisés. Talvez as grandes quantidades de inscrições em
pedra, barro e papiro exumadas na Mesopotâmia e no Egito poderiam
ser questionadas como comprovante necessário do extenso uso da
escrita na própria Palestina – até a descoberta em 1887 dos tijolos de
barro de Tell el-Amarna, no Egito, que datam de cerca de 1420 a 1380
a.C. (época de Moisés e Josué). Esse arquivo contém centenas de tabuinhas
escritas em caracteres cuneiformes babilônicos (nessa época era a língua da
84
Anderson Vicente Gazzi
correspondência diplomática do Oriente Próximo). Eram comunicações à corte
egípcia por parte de oficiais e de reis palestinos. Muitas dessas cartas
contêm relatos de invasões e ataques dos Há-bi-ru e dos chamados Asgaz (a pronúncia desse logograma pode ter sido “habiru” também) contra as
cidades-estados de Canaã.
O próprio Wellhausen chegou à conclusão de que teria de
desprezar completamente essa evidência, após a publicação inicial desses
tijolos de Amarna, em 1890, mais ou menos. Ele se recusou a considerar
as implicações dos fatos descobertos e agora estabelecidos de que Canaã,
até mesmo antes da conquista israelita completar-se, possuía uma
civilização de elevado nível de instrução literária (ainda que escrevessem na
língua babilônica, em vez de em seu próprio idioma). Os proponentes
posteriores da hipótese documentária revelaram-se igualmente incapazes
de abertura no que concerne às implicações dessas descobertas.
O golpe mais cruel sobreveio, porém, quando decifraram as
inscrições alfabéticas de Serabit el-Khadim, na região das minas de
turquesa do Sinai, exploradas pelos egípcios durante o II milênio a.C..
Tais inscrições consistiam num novo jogo de símbolos alfabéticos,
parecidos com os hieróglifos egípcios, mas escritos num dialeto cananeu
muito parecido com o hebraico. Eles continham registros de quotas de
mineração e dedicatórias à deusa fenícia Baalat (ao que tudo indica,
equivalente da divindade egípcia Hathor). O estilo irregular da execução exclui
toda possibilidade de atribuir esses escritos a um grupo seleto de escribas
profissionais. Existe apenas uma conclusão possível a ser tirada dessas
inscrições (publicadas em “The proto-Sinaitic inscriptions and their decipherment”
– Cambridge, Harvard University, 1966). Já nos séculos XVII e XVI a.C., até
mesmo as pessoas das camadas sociais mais baixas da população
Cananéia, os escravos das minas que trabalhavam sob feitores egípcios,
sabiam ler e escrever em sua própria língua.
Uma terceira descoberta importante foi a biblioteca de tabuinhas
de barro que estava na região Síria ao norte de Ras es-Shamra, conhecida
em tempos antigos como Ugarite, onde havia muitas centenas de
tabuinhas escritas por volta de 1400 a.C., num dialeto cuneiforme
cananeu, muito parecido com o hebraico. Ao lado de cartas comerciais e
documentos do governo (alguns dos quais registrados em caracteres babilônicos
cuneiformes), esses tijolos continham muita literatura religiosa, relacionada
85
Introdução ao Estudo do Pentateuco
aos amores, às guerras e a aventuras empolgantes de várias divindades do
panteão cananeu, como El, Anate, Baal, Asserate, Mote e muitos outros,
composta em forma poética, à semelhança da poesia hebraica de
paralelismos, como as que se encontram no Pentateuco e nos Salmos de
Davi. Temos aqui novamente provas irrefutáveis de que os
conquistadores hebreus sob o comando de Josué, tendo emigrado de
uma cultura que atribuía grande valor às letras, no Egito, chegaram à
outra civilização que usava a escrita com incomum liberdade. Além
disso, a alta porcentagem de literatura religiosa encontrada tanto em Ras
Shamra como em Serabit el-Khadim nega veementemente a suposição
de que, de todos os povos do antigo Oriente Próximo, somente os
hebreus não se interessavam nem se esforçaram por dar forma escrita a
seus conceitos religiosos, senão mil anos mais tarde. Só a mais inalterável
modalidade de desvio mental por parte de estudiosos liberais pode
explicar como desprezam e evitam a grande massa de dados objetivos
que agora dão apoio à proposição de que Moisés poderia ter escrito e
com toda a probabilidade realmente escreveu os livros que lhe são
atribuídos.
Uma falácia mais absurda ainda acha-se sob a abordagem
moderna da teoria documentária, não só com respeito à autoria do
Pentateuco, mas também no que se refere à composição de Isaías 40-66
como obra autêntica do próprio Isaías, que viveu no século VIII a.C., e
com respeito à data do século VI para o livro de Daniel. Todas essas
teorias racionalistas que atribuem datação muito posterior e natureza
espúria a esses livros do Antigo Testamento repousam numa suposição
firmemente sustentada: a impossibilidade categórica da profecia bemsucedida de acontecimentos futuros. Toma-se por absolutamente certa a
inexistência da revelação divina autêntica nas Escrituras, de modo que
todas as profecias que pela aparência teriam sido cumpridas na verdade
foi resultado de mentira piedosa. Noutras palavras, as predições não
foram escritas senão depois de “cumpridas” – ou quando prestes a
cumprir-se. O resultado é uma falácia lógica conhecida como “petitio
principii”, ou “raciocínio em círculo”. Isso significa que a Bíblia dá
testemunho da existência de um Deus pessoal que opera milagres e
revelou seus propósitos para o futuro a profetas escolhidos para
orientação e o estímulo de seu povo. Mediante a abundância de
86
Anderson Vicente Gazzi
predições cumpridas, as Escrituras fornecem a mais impressionante
evidência dos fenômenos sobrenaturais, demonstradas por um Deus
pessoal que tem cuidado de seu povo o suficiente para revelar-se a ele, e
revelar sua vontade quanto à salvação. No entanto, o racionalista aborda
essa evidência toda com a mente completamente fechada, presumindo
que não existe o chamado sobrenatural, e que, portanto, não é possível
que se cumpram as profecias. Existindo esse tipo de desvio, é impossível
dar a devida atenção a qualquer evidência que diga respeito ao assunto
que estamos investigando.
Após cuidadosa ponderação e estudo da história do surgimento
da alta crítica moderna, segundo a prática dos adeptos da doutrina
documentária e da escola da crítica da forma, este autor está convicto de
que a razão básica para a recusa em aceitar a evidência arqueológica
objetiva, que parece hostil ante a teoria desses críticos, que desaprovam
o sobrenatural, encontra-se na mentalidade de autodefesa essencialmente
subjetiva. Assim é que se torna absolutamente essencial que os
documentaristas atribuam as predições do cativeiro babilônico e a
subseqüente restauração (como as que encontramos em Levítico 26 e em
Deuteronômio 28) a uma época em que tais acontecimentos já pertenciam
ao passado. Essa é a verdade filosófica para que se atribuam tais partes
(que estão incluídas no “Código dos Sacerdotes” ou “Escola Deuteronômica”) ao
século V a.C., ou mil anos depois da época em que as pessoas crêem
terem sido escritas. É que, obviamente, nenhum mortal pode predizer
com sucesso o que ainda jaz no futuro, ainda que a uns poucos anos.
Visto que um Moisés do século XV a.C. precisaria ter previsto o
que haveria de acontecer em 587 a.C. a fim de poder escrever uns
capítulos como esses, na verdade ele nunca poderia tê-los escrito. No
entanto, o Pentateuco afirma que Moisés apenas escreveu o que o Deus
Todo-Poderoso lhe revelou; ele não registrou o mero produto de sua
previsão profética. Daí não haver nenhuma dificuldade lógica em supor
que Moisés poderia ter previsto, sob inspiração divina, acontecimentos
que ainda estavam num futuro longínquo – ou que Isaías no início do
século VII poderia saber de antemão do cativeiro babilônico e do
subseqüente retorno a Judá, ou que Daniel poderia ter predito os
grandes acontecimentos da história ainda por ocorrerem entre seus
próprios dias (530 a.C.) e a vinda de Antíoco Epifânio em 170 a.C.. Em
87
Introdução ao Estudo do Pentateuco
todos esses casos a profecia foi proveniente de Deus, o Senhor da
história, e não de nenhum homem. Portanto, não existe razão lógica por
que Deus devesse ignorar o futuro que ele próprio faz acontecer.
Além de tudo, o horizonte profético de Daniel (Dn.9.24-27) na
verdade aprofunda-se e vai além do período dos macabeus, que lhe
atribuíram estudiosos racionalistas, pois a profecia aponta para 27 d.C.
como ano exato em que Cristo nasceu (Dn.9.25,26). O mesmo se deve
dizer a respeito da predição de Isaías 13.19,20, da total e permanente
desolação da Babilônia, que não aconteceu senão depois da conquista
maometana do século VII d.C. Não há esperança alguma em tentar
explicar o cumprimento de profecias como essas, tanto tempo depois,
mediante a alegação de que os livros que as contêm foram escritos
depois dos acontecimentos. Vemos, assim, que esse princípio orientador
subjacente à estrutura completa da hipótese documentária, de modo
algum pode manter-se em base objetiva e científica. Portanto, essa teoria
deve ser abandonada em todas as instituições de ensino superior nas
quais ainda é ensinada.
4. Unidade:
O Pentateuco é um documento composto de livros individuais,
mas também uma narrativa ininterrupta de uma história completa que
vai da criação até a morte de Moisés. Esses dois aspectos são
importantes.
Em primeiro lugar, cada um dos livros tem seu próprio interesse
e unidade. Gênesis revela sua estrutura literária repetindo dez vezes a
fórmula: “esta é a história” ou “estas são as gerações” a respeito do que segue.
Êxodo revela sua unidade de diversas maneiras. Por exemplo, a lei
promulgada nos capítulos 19 a 40 baseia-se na narrativa do êxodo de
Israel do Egito (capítulos 1 a 18; Ex.19.3-6). Sem a narrativa, a lei na o
tem fundamento histórico. Deus confirmou seu chamado a Moisés
conduzindo a nação para fora do Egito de volta ao Monte Horebe, à
montanha onde Moisés, no início, fora comissionado (Ex.3.1,12).
Levítico é um manual de liturgia para os sacerdotes. Números relata a
marcha de Israel do deserto desde o Sinai até Canaã. Assim como no
êxodo lembrado no memorial da Páscoa prefigura a salvação do novo
88
Anderson Vicente Gazzi
Israel através do sacrifício de Cristo, assim a história de Números
dramatiza a marcha espiritual de todos os filhos de Deus através do
deserto em seu caminho para a Terra Prometida, advertindo-os a não
perder a fé. Finalmente, Deuteronômio registra a exposição de Moisés da
lei que ele recebera no Monte Sinai.
Ao mesmo tempo, os cinco livros do Pentateuco estão ligados
entre si através de uma narrativa contínua. Êxodo continua a história
começada em Gênesis sobre os israelitas que foram para o Egito
(Gn.46.26-27; Ex.1.1). Moisés cumpre o juramento de José, feito em seu
leito de morte, de que levassem seus ossos embora do Egito (Gn.50.25;
Ex.13.19). Levíticos 1 a 9 explica os rituais do tabernáculo, como uma
espécie de suplemento das instruções para sua construção em Êx.25 a
40. Levítico também mostra como foi realizado o rito para a ordenação
de sacerdotes, delineado em Ex.29. Números compartilha muitas
conexões com Êxodo e Levítico; extensas porções de todos os três livros
ocorrem no deserto do Sinai e compartilham preocupações e
regulamentos cerimoniais semelhantes. Em seu primeiro discurso em
Deuteronômio, Moisés resume a história de Israel desde o Sinai até a
terra de Moabe, conforme registrado em Números. Em seu segundo
discurso, ele faz alusões freqüentes ao Êxodo, repetindo com pequenas
modificações os Dez Mandamentos e o modo de Israel corresponder a
eles (Ex.20; Dt.5).
5. Ambiente do mundo bíblico:
Não é de praxe detalhar a respeito dos povos do Pentateuco,
pois redigiríamos outro tratado dentro deste, contudo citaremos um
breve resumo para análise e pesquisa posterior. Quando Abraão chegou
à Palestina, esta já era uma ponte importante entre os centros culturais e
políticos daquela época. Ao norte achava-se o império hitita; ao
sudoeste, o Egito; ao oriente e ao sul, Babilônia; e ao nordeste o império
assírio. Ou seja, que os israelitas estavam localizados em um ponto
estratégico e não isolado geograficamente das grandes civilizações. Veja
na próxima página:
89
Introdução ao Estudo do Pentateuco
A maioria dos historiadores acha que a planície de Sinar, situada
entre os rios Eufrades e Tigre, foi o berço da primeira civilização
importante, chamada suméria. No ano 2800 a.C. os sumérios já haviam
edificado cidades florescentes e haviam organizado o governo em
cidades-estados; também haviam utilizado metais e tinham aperfeiçoado
um sistema de escrita chamada cuneiforme. Quase ao mesmo tempo
desenvolvia-se no Egito uma civilização brilhante. É provável que
quando Abraão se dirigiu para o Egito, tenha visto pirâmides que
contavam mais de 500 anos.
A região onde se desenvolveu a primeira civilização é chamada
“fértil crescente” (pela forma do território que abrange). Estende-se de forma
semicircular entre o Golfo Pérsico e o Mar Mediterrâneo, até ao sul da
Palestina. O território é regado constantemente por chuvas e rios
caudalosos, como o Eufrades, o Tigre, o Nilo e o Orontes, o que
possibilita uma agricultura produtiva. No interior desta região está o
eserto da Arábia, onde há escassas chuvas e pouca população. Ali, no
fértil crescente, surgiram os grandes impérios dos amorreus, dos
90
Anderson Vicente Gazzi
babilônios, dos assírios e dos persas. O mais importante para nós,
todavia, é que ali habitou o povo escolhido de Deus e ali nasceu o
Homem que seria o Salvador do mundo.
Toda a região compreendida entre os rios Eufrades e Tigre
chama-se Mesopotâmia (meso: entre; potamos: rio). No princípio
denominava-se “Caldéia” à planície de Sinar, desde a cidade de
Babilônia, ao sul, até o Golfo Pérsico; mas posteriormente o termo
“Caldéia” passou a designar toda a região da Mesopotâmia (a mesma área
chamava-se também Babilônia). Abrangia muito do território do atual Iraque,
e era provavelmente o local do jardim do Éden e da torre de Babel.
O território da Palestina é relativamente pequeno. Desde Dã até
Berseba, pontos extremos no norte e no sul, respectivamente, há uma
distância de apenas 250 quilômetros. O território tem desde o mar
Mediterrâneo até o mar Morto, 90 quilômetros de largura; e o lago de
Genesaré (mar da Galiléia) dista de aproximadamente 50 quilômetros do
mar Mediterrâneo. A área total de Canaã equivale, em tamanho, à sétima
parte do Uruguai ou a um terço do Panamá. Contudo, nesta porção, tão
pequena do globo terrestre, Deus revelou-se ao povo israelita, e ali o
Verbo eterno habitou entre os homens e realizou a redenção da raça
humana.
6. Tema:
O Pentateuco é uma mistura de história e lei. Ambas estão
intimamente relacionadas entre si: a história da narrativa explica as leis.
Por exemplo, a lei sobre a circuncisão é incluída na narrativa sobre a
aliança de Deus com Abraão e Sara (Gn.17.9-14) e a quebra do sábado
torna-se sujeita à pena capital na história sobre juntar gravetos no
sábado. (Nm.15.32-36). Mas, conforme observado acima, o principal
interesse do Pentateuco é a aliança de Deus com Abraão, Isaque e Jacó;
o livramento de seus descendentes do Egito por Deus e a obrigação
desses em guardar a lei de Deus a eles no deserto do Sinai.
O propósito de Deus em libertar Israel do Egito é de que os
israelitas o adorassem e viessem a ser uma nação santa para ele. Através
deles, sua bênção alcançaria todas as nações do mundo. De acordo com
Gálatas, essa graciosa promessa anunciada a Abraão é o mesmo
91
Introdução ao Estudo do Pentateuco
evangelho pregado por Jesus Cristo e realizado através da sua morte e
ressurreição (Gl.3.8,14). O poder permanente do Pentateuco não é um
mistério, mas a conseqüência de sua inspiração pelo Espírito de Deus.
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO III:
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
92
Anderson Vicente Gazzi
IV – O LIVRO DE GÊNESIS:
É apropriado o lugar que Gênesis ocupa como o primeiro livro
do Antigo Testamento, servindo de introdução básica à Bíblia inteira.
Gênesis registra com exatidão a criação, os começos da história
da humanidade e a origem do povo hebreu, bem como o concerto entre
Deus e os hebreus através de Abraão e os demais patriarcas. O Senhor
Jesus atestou no Novo Testamento a fidedignidade histórica de Gênesis
como Escritura divinamente inspirada (Mt.19.4-6; 24.37-39; Lc.11.51;
17.26-32; Jo.7.21-23; 8.56-58) e os apóstolos (Rm.4; 1Co.15.21,22,45-47;
2Co.11.3; Gl.3.8; 4.22-24,28; 1Tm.2.13,14; Hb.11.4-22; 2Pe.3.4-6;
Jd.7,11). Sua historicidade continua sendo confirmada pelas descobertas
arqueológicas modernas. Moisés foi notavelmente bem preparado, pela
sua educação (At.7.22) e por Deus, para escrever esse livro da Bíblia.
1. Título:
O título em português do livro é derivado do título adotado pela
versão grega do Antigo Testamento, a chamada Septuaginta – (genesis),
palavra encontrada em Gn.2.3, (biblos tês genesêos, “livro da geração”).
Os israelistas, por sua vez, usam como título a primeira palavra do livro,
(beresît, “no princípio”).
“Gênesis”, a despeito de não ser um título abrangente para a
totalidade do conteúdo do livro, serve razoavelmente bem ao propósito
do livro, pois este pretende ser um livro de origens. Primeiramente,
apresenta a origem do mundo; depois, a origem da raça humana e de seu
conflito com o mal; por último, embora muito importante, a origem da
linhagem eleita de Abraão, por meio da qual todas as nações do mundo
seriam finalmente abençoadas.
93
Introdução ao Estudo do Pentateuco
2. Fundo Histórico:
a. Data em que foi escrito: (cerca de 1443 a.C.)
Embora fosse possível Moisés escrever esse livro no exílio
de 40 anos em Midiã, é duvidoso que ele tivesse a
motivação humana ou a inspiração divina para compor essa
monumental obra literária. É mais provável que a tenha
escrito num período subseqüente à sua comissão divina
junto à sarça ardente que fez dele um profeta de Deus.
Gênesis foi provavelmente redigido durante a primeira parte
da peregrinação pelo deserto, enquanto Moisés procurava
instruir Israel sobre as verdades divinas fundamentais e o
programa da aliança de Deus para com a nação.
b. Extensão histórica de Gênesis: (2369 anos)
A história de Gênesis começa com a criação do Universo e
do homem e termina com a morte de José, o último dos
patriarcas de Israel.
O período de tempo está especificado na narrativa como de
2369 anos, aceitando-se o texto hebraico massorético.
c. Extensão geográfica de Gênesis:
O espaço geográfico do livro é desde o vale da
Mesopotâmia, conhecido como o “berço” da raça humana,
até o vale do Nilo, no Egito, o berço da raça hebraica.
Essa área, com uma configuração crescente, é chamada de
“Crescente Fértil”. Três continentes convergem para seu
centro, tornando-a de muitas maneiras o “centro da Terra”.
•
Cenário Religioso:
A religião, ou relacionamento pessoal com Deus, figura
proeminentemente em Gênesis. Antes do Dilúvio, o
94
Anderson Vicente Gazzi
monoteísmo prevalece quase universalmente. Os castigos
divinos, por ocasião do Dilúvio e da torre de Babel, foram
motivados pela insolência e rebelião do povo. Na época de
Abraão, a idolatria se tinha alastrado tanto na Caldéia como
no Egito. A idolatria motivou o posterior castigo divino ao
Egito.
O movimento religioso de Gênesis 1-11 retrata os
inevitáveis resultados do pecado no mundo, subjugando e
corrompendo tudo o que toca. Começando com a
independência e desejos egoístas, o pecado sai do coração e
da vontade e atinge o lar, a família, os descendentes e a
sociedade em geral. No Dilúvio, Deus teve de quase destruir
a raça humana a fim de salvá-la.
Na história de Abraão e de sua aliança com Deus, o
programa redentor divino é apresentado como a resposta do
Criador ao dilema do homem no pecado. De um mundo
emaranhado em idolatria (Js.24.2), Deus selecionou Abraão
como um homem de fé a fim de que fosse o recipiente de
sua graça e de suas alianças, por meio das quais seu
programa redentor seria executado.
3. Autoria:
Uma vez que o livro integra o Pentateuco unificado, não é
possível estabelecer sua autoria e data à parte da composição de todo o
Pentateuco. As evidências relacionadas ao Gênesis propriamente dito,
contudo, sugerem que, como o restante do Pentateuco, Moisés deu ao
livro a sua substância essencial e editores posteriores o suplementaram
tudo pela inspiração do Espírito Santo.
Seria arbitrário excluir Gênesis do testemunho do Novo
Testamento que afirma ser Moisés (século XV a.C.) o autor do
Pentateuco. Mais especificamente, nosso Senhor disse “pelo motivo de que
Moisés vos deu a circuncisão” (Jo.7.22; At.15.1), a qual é mencionada
somente em Gênesis 17. Não surpreende que o fundador da teocracia da
Israel tenha lançado este fundamento magistral da lei. A narrativa
histórica de Gênesis estabeleceu os fundamentos teológicos e éticos da
95
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Toráh: o relacionamento ímpar de Israel com Deus mediante a aliança
(Dt.9.5) e as suas leis singulares (a lei do sábado). Além do mais, desde
que os mitos da criação são básicos nas religiões pagãs, é natural que
Moisés tivesse incluído um relato da criação em oposição aos mitos
pagãos. Este relato constitui-se, ainda, em alicerce para a lei mediada por
Moisés.
O testemunho da própria Bíblia a favor da autoria mosaica é
apoiado por informações extrabíblicas. Os onze primeiros capítulos têm
paralelos e diferenças propositais com os mitos do Oriente Próximo
anteriores a época de Moisés e conhecidos por ele (os relatos da criação
mesopotâmicos tais como Enuma Elish e os relatos do dilúvio tais como
os encontrados na Epopéia de Atrahasis e na décima primeira tábua da
Epopéia de Gilgamesh). Os nomes e os costumes nas narrativas dos
patriarcas (capítulos 12 a 50) refletem acuradamente a era em que
viveram, sugerindo um autor antigo que dispunha de documentos
confiáveis. Os textos de Ebla (século XXIV a.C.) mencionam Ebrium,
que pode ser o mesmo Héber de Gn.10.21, e os textos de Mari (século
XVIII a.C.) atestam a existência de nomes como Abraão, Jacó e
amorreu. A prática de conceder um direito de primogenitura (isto é, de
privilégios adicionais para o filho mais velho, Gn.25.5-6, 32-34; 39.3-4;
43.33; 49.3) era difundida no antigo Oriente Próximo. A venda de uma
herança (Gn.25.29-34) é documentada em diferentes períodos nesta era.
A adoção de um escravo pelo seu senhor (Gn.15.1-3) é encontrada em
uma carta de Larsa, na antiga Babilônia, e a adoração de Efraim e
Manassés por seu avô (Gn.48.5) pode ser comparada com uma adoção
semelhante de um neto em Ugarit (século XIV a.C.). A adoção de uma
escrava como parte de um dote e a sua apresentação ao marido pela
mulher infértil (Gn.16.1-6; 30.1-3) são mencionadas nas leis de
Hamurabi (cerca de 1750 a.C.). Esses e outros fatos semelhantes
corroboram a confiabilidade histórica da narrativa de Gênesis.
4. Data:
Considerando as evidências bíblicas e extrabíblicas que
relacionam Gênesis e o seu conteúdo a Moisés e a sua era, podemos
concluir razoavelmente que o livro remonta ao século XV a.C..
96
Anderson Vicente Gazzi
Indubitavelmente, por exemplo, desde que Davi (cerca de 1000 a.C.)
compôs o relato da criação de Gn.1 em música (Sl.8), requer-se uma data
de composição no segundo milênio para Gn.1. Os leitores devem
observar, porém, que embora ocasionalmente apareçam no texto
palavras conhecidas somente a partir da metade do segundo milênio, a
gramática do Pentateuco foi ocasionalmente atualizada, assim como
alguns nomes de lugares (Gn.14.14). Também a lista de reis em
Gn.36.31-43 foi aparentemente acrescentada após a época de Saul.
5. Cronologias do Livro:
As datas foram baseadas no ano de 1445 a.C., como a data do
êxodo (John Garstang, Merece confiança o Antigo Testamento?
3ºed, Vida Nova, 1984] e 967 a.C. como a data do princípio da
construção do Templo (Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers os the
Hebrew Kings) mais ou menos um ano, e 430 anos de permanência no
Egito, desde a descida até o êxodo.
Nome
Adão
Sete
Enos
Cainã
Maalaleel
Jarede
Enoque
Matusalém
Lameque
Noé
Data do
nascimento
Ano
a.C.
Hom.
0
4173
130
4043
235
3938
325
3848
295
3778
460
3713
622
3551
687
3486
874
3299
1056
3117
Idade
quando
o filho
nasceu
130
105
90
70
65
162
65
187
182
500
Anos
vividos
após
Idade
ao
morrer
800
807
815
840
830
800
300
782
595
450
930
912
905
910
895
962
365
969
777
950
Data da
morte
Ano
a.C.
Hom.
930
3243
1042 3131
1140 3033
1235 2938
1290 2883
1422 2751
987
3186
1656 2517
1651 2522
2006 2167
As genealogias de Gênesis parecem ser as únicas dentre as
genealogias bíblicas em que cada elo é datado relacionando à pessoa a
idade de seu pai. A compilação é planejada dessa maneira a fim de
apresentar uma cronologia com base na leitura do texto de Gênesis.
97
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Admite-se que poucos eruditos modernos dariam a data do nascimento
de Adão em 4173 a.C.. As datas são assim apresentadas como ponto
inicial à interpretação do texto.
Nome
Grande
Dilúvio
Jafé
Sem
Cam
Arfaxade
Salá
Héber
Pelegue
Reú
Serugue
Naor
Terá
Harã
Naor
Abraão
Chamado
de Abraão
Isaque
Jacó
José
Descida
de Jacó ao
Egito
Moisés
Data do
nascimento
Ano
a.C.
Hom.
Idade
quando
o filho
nasceu
Anos
vividos
após
Idade
ao
morrer
Data da
morte
Ano
a.C.
Hom.
1656
2517
1558
2615
100
500
600
2158
2015
1658
1693
1723
1757
1787
1819
1849
1878
1948
2515
2480
2450
2416
2386
2354
2324
2295
2225
35
30
34
30
32
30
29
70
403
403
430
209
207
200
119
135
438
433
464
239
239
230
148
205
2096
2126
2187
1996
2026
2049
1997
2083
2077
2047
1986
2177
2147
2124
2176
2090
2008
2165
100
75
175
2183
1990
2083
2090
2108
2168
2259
2065
2005
1914
60
91
?
120
56
?
180
147
110
2288
2315
2369
1885
1858
1804
2298
1875
2648
1525
-
-
-
2768
1405
A aliança segue através de Judá, e não de José.
Os 430 anos “no Egito” foram considerados ou a partir de
Abraão recebendo a aliança pela primeira vez, ou a partir da aliança
98
Anderson Vicente Gazzi
sendo confirmada em 1875 a.C. (Gn.12.1-3; 15.13; 46.2-4; Êx.12.40;
At.7.6; Gl.3.17).
6. Características Literárias:
•
Forma:
Moisés certamente endossaria a idéia de que o meio é a
mensagem, pois Gênesis comunic tanto por meio de sua forma quanto
por meio de seu conteúdo.
No que diz respeito à forma, esse livro de origens contém os
“relatos” do trato de Deus com dez grupos ou entidades diferentes.
Esses relatos são marcados pelo uso da palavra hebraica toledôt (Gn.2.4;
5.1; 6.9; 10.1; 11.10; 11.27; 25.12; 36.1,9; 37.2). Cada uma dessas seções
relata o que aconteceu à(s) pessoa(s) mencionda(s), ou a seus
descendentes (isto é, o toledôt dos céus e da terra (Gn.2.4) descreve o
que finalmente aconteceu ao universo recém-criado; o toledôt de Tera
(Gn.11.27) trata particularmente de seu filho Abraão).
Os primeiros cinco toledôt formam o que é comumente
chamado de história primeva, que se estende da criação do universo à
chamada de Abraão (Gn.2.4-11.26), quando Yahweh definiu mais
claramente o foco de sua obra redentora (e restauradora de Sua
soberania), ao trazer à luz o povo de Sua aliança.
Os outros cinco toledôt tratam da história patriarcal, o
desenvolvimento histórico da aliança inicial entre Yahweh e Abraão por
intermédio das linhagens escolhidas de Isaque e Jacó (Gn.11.27-50.26).
Moisés, em ambas as divisões, usou o artifício literário de alistar
primeiro a linhagem ou genealogia do indivíduo ou grupo que fora, por
uma razão ou outra, deixado de lado no processo revelatório, restaurador
e redentor de Yahweh. Assim, a genealogia de Caim (Gn.4.17-24)
precede a de Sete (Gn.4.25,26); as linhagens de Jafé e Cão (Gn.10.1-8)
aparecem antes da de Sem (Gn.10.21,22); a genealogia de Ismael
(Gn.25.12-15) antecede a de Isaque (Gn.25.19), e a de Esaú (Gn.36.1-10)
precede a de Jacó (Gn.37.2). Este arranjo deliberado e harmonioso é
uma evidência notável de unidade de composição.
99
Introdução ao Estudo do Pentateuco
•
Estilo:
O livro de Gênesis é, primariamente, narrativa em prosa, com
passagens poéticas ocasionais, das quais a bênção de Jacó (Gn.49.2-27) é
a mais elaborada. A prosa exibe ritmo e paralelismo (como no relato da
criação, o questionamento e o juízo seguem-se em ordem inversa; ou na
estrutura espelhada do relato da torre de Babel, no capítulo 11, em que
encontramos narrativa, discurso, verso eixo, discurso, narrativa), e vários
exemplos de paranomásia (isto é, Caim é destinado a ser um “errante” –
“nad”, em hebraico) e acaba se estabelecendo na terra de Node (“nod”,
que significa “vagar, errar” em hebraico). Encontram-se ainda em
Gênesis diversos exemplos de etimologias populares (os “trocadilhos”
contidos nos nomes de pessoas, como Jacó e Perez).
Outra característica literária marcante é a predominância do
número sete e seus múltiplos. Os sete dias da criação, as sete gerações da
genealogia de Caim, os 70 descendentes dos filhos de Noé, a promessa
sétupla a Abraão, os sete anos de abundância e escassez no Egito e os 70
membros da família de Jacó ilustram amplamente este fato. O número
10 também parece ser importante, já que há dez toledôt e dez gerações
nas genealogias dos capítulos 5 e 11.
Todos estes detalhes de estilo refletem uma elaboração
cuidadosa, não o trabalho aleatório de composição a partir de fontes
diversas e contraditórias, conforme proposto pelos críticos documentais
e da forma.
7. Estrutura Teológica:
•
A pessoa e o caráter de Deus:
a. Deus é poderoso:
O poder e a majestade de Deus manifestam-se primeiramente
em Seu trabalho de criar, ordenar o universo e torná-lo habitável para o
homem (caps. 1 e 2). Seu poder também se evidencia nas forças
cataclísmicas que Ele reúne e desencadeia para julgar a humanidade
pecadora (caps. 6-8), na maneira simples, mas engenhosa, pela qual Ele
100
Anderson Vicente Gazzi
dispersa a geração pós-diluviana devido à desobediência à ordem divina
que se espalhassem e enchessem a terra (cap.11).
O poder de Deus é mais sutilmente demonstrado na capacitação
a Abraão e Sara para que, mediante a fé, gerassem a semente prometida
depois de ambos haver passado o estágio reprodutivo (caps. 18, 21).
Em contraste com isso, vê-se o poder devastador da ira de Deus
no juízo contra Sodoma e Gomorra (cap.19). As palavras de José para
seus irmãos em Gênesis 50.19-21 demonstram o ponto de vista mosaico
sobre o poder de Deus à luz da história da nação. O que o homem
pecador tenciona para o mal, Yahweh é mais do que capaz de suplantar
para Seus propósitos de bênção e bem-estar para o povo de Sua aliança.
b. Deus é justo:
A justiça de Yahweh reflete-se não tanto em declarações sobre
seu caráter quanto nos meios simples e diretos pelos quais Ele julga a
falta de conformidade do homem com o padrão de conduta prescrito
pelo Criador. Tal é o caso com Seu padrão de avaliar o relacionamento
do homem com Ele no jardim (Gn.2.16), no julgamento imediato contra
a rebelião do homem (Gn.3.8-19), em seu trato severo (mas paciente)
com o crime de Caim e as justificativas pessoais apresentadas por este
(Gn.4.1-16), no juízo do Dilúvio contra um mundo cuja inclinação e
ações estavam em flagrante violação de Seu caráter (Gn.6.1-7), na
destruição de Sodoma e Gomorra por sua depravação e seu estilo de
vida egoísta (Gn.19.1-29), assim como em juízos individuais contra
homens como Er e Onã (Gn.38.6-10).
c. Deus é gracioso:
A graça de Deus lança uma luz brilhante sobre algumas das
páginas mais sombrias da história humana. Quando Sua bondade original
foi desprezada no jardim do Éden em troca da independência que as
criaturas queriam Dele, foi Deus quem tomou a iniciativa de buscar o
homem (Gn.3.8,9), de prometer a vitória definitiva sobre a serpente pela
semente da mulher (Gn.3.15) e de remediar a nudez e a vergonha do
primeiro casal (Gn.3.21).
101
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Quando a corrupção engolfou a humanidade, Noé “... achou graça
aos olhos do Senhor”, e quando as águas do Dilúvio ameaçavam destruir os
sobreviventes, “Deus lembrou-se de Noé” (Gn.8.1).
A graça intensifica-se quando o pacto de Yahweh com a
humanidade se focaliza em Abraão e sua linhagem. Ló é preservado pela
graça (Gn.19.1-31), Isaque é poupado pela graça (Gn.22), Jacó é
escolhido por graça (Gn.25.19-23; Rm.9.11,12), assim como toda a
família patriarcal é libertada da corrupção e miscigenação em Canaã pela
provisão graciosa que Yahweh lhes faz de José como vice-regente do
Egito (Gn.37-50).
d. Deus é singular:
Há muito que se reconhece em Gênesis uma forte veia
polêmica. Israel, depois de 430 anos no Egito, com seu politeísmo
grosseiro, e a caminho para Canaã, com sua cosmogonia perversa e
religião imoral, precisava entender seu Deus corretamente para não cair
presa do animismo e da idolatria.
Assim, Gênesis 1 e 2 apresentam Yahweh como o Deus
transcendente que existia antes do universo e dele não dependia para
coisa alguma. Ele é senhor absoluto das forças do universo como o sol e
a lua, as águas caóticas do oceano primevo, sobre as fontes e cursos de
água, e mesmo sobre os grandes animais marinhos. Todos esses
elementos tinham alguma conotação mitológica entre os povos do
Oriente Médio antigo, particularmente entre os sumérios e os cananeus.
A narrativa do Dilúvio, que tem paralelos épicos sumérios de
Gilgamés e Atrahasis, estende o tom polêmico ao descrever não um deus
caprichoso e vingativo, que destrói a humanidade devido ao desconforto
e à falta de sono causados pelo barulho dos homens, mas Yahweh, um
Deus cujo caráter santo e propósitos benevolentes para com o homem
eram menosprezados e violados pela conduta pecaminosa da
humanidade. Além disso, revela um Deus cuja sabedoria permite ao
homem escapar ao juízo por meio de uma embarcação realmente capaz
de suportar as intempéries do Dilúvio, em contraste com outras versões
antigas do evento, que descrevem embarcações totalmente incapazes de
navegar e preservar a vida.
102
Anderson Vicente Gazzi
A singularidade de Yahweh aparece em cores ainda mais
brilhantes no fato de que Ele é um Deus que, apesar de transcendente e
todo-poderoso, busca um relacionamento com Suas criaturas e a elas Se
revela. Ele estabelece alianças (Gn.9.8-17; 15.9-21; 17.1-27) e garante seu
cumprimento ao prover e proteger milagrosamente a semente que havia
prometido (Gn.18.13-15; 22.15-18; 25.21).
•
A Administração dos Propósitos de Deus:
O plano de Deus na história inclui Seu decreto de permitir o
mal, Sua promessa e/ou ação de julgar o mal, o livramento do mal por
meio de uma semente escolhida e o decreto de abençoar os eleitos a
quem libertou. O livro de Gênesis é a sementeira de todas essas idéias
nas Escrituras, e elas encontram expressão genuína nesse livro em que as
grandes divisões da humanidade são estabelecidas de acordo com seu
relacionamento para com o Deus que Se auto-revela.
a. O decreto de permitir o mal:
É forçoso admitir que esse decreto seja uma inferência das
narrativas de Gênesis. No entanto, é preciso admitir que embora Deus
jamais aceite responsabilidade pela prática do mal, Ele implicitamente
afirma ser o autor da possibilidade do pecado pelo simples fato de ter
oferecido ao homem uma condição de obediência (Gn.2.8, 9, 15-17) pela
qual a santidade de que o homem era dotado como criatura pudesse ser
exercida e desenvolvida. A presença de um animal que se rebela contra
sua posição na Criação e permite tornar-se um agente de uma vontade
oposta à de Deus é indicação de que o mal espreitava a porta da perfeita
criação divina, mas não fora de Seu conhecimento ou autoridade (Gn.3).
Assim, um conflito se estabelece, o qual envolverá perenemente
a semente da mulher e a semente da serpente. Caim e Abel e, depois,
Caim e Sete são parte deste conflito, que se alarga e aprofunda a ponto
de incluir toda a humanidade em Gênesis 6. Depois do Dilúvio, o
conflito irrompe uma vez mais na linhagem da semente, originando a
maldição sobre os cananeus.
103
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Em última análise, este é um conflito entre a vontade rebelde
das criaturas e a vontade soberana do Criador, conforme evidenciado na
torre de babel, em que o orgulho humano procura suplantar as intenções
divinas para a humanidade na terra.
O fator de desapontamento, que Moisés sem dúvida queria que
seus leitores percebessem para levá-los a depender de Yahweh,
demonstra-se na maneira pela qual o mal se insinua na linhagem
escolhida, primeiro com o incidente de Agar, depois com as trapaças de
Jacó e a alienação de Esaú, e finalmente com os vários incidentes de
perversão moral, de desonestidade e de ódio dentro do clã de Jacó. Por
meio de todas essas circunstâncias, Yahweh apontava para Si mesmo
como a única esperança de vitória sobre o mal, pois os patriarcas, na
tarefa de dominar o mal, haviam sido tão falhos quanto Adão, Caim e
Noé (Gn.4.7).
b. A promessa/ação de julgar o pecado:
Esta linha do plano mestre de Deus encontra seu início no
chamado “proto-evangelho” de Gênesis 3.15. Exegeticamente falando,
todavia, pode-se argumentar que a própria criação, conforme descrita em
Gênesis 1, é um ato de juízo e redenção.
O triunfo prometido da semente da mulher é o tema central,
cujo cumprimento é sempre aguardado no desenvolvimento do livro e,
no entanto, jamais se realiza, mesmo quando as possibilidades de escolha
da semente se limitam a uma das famílias do clã de Jacó.
O juízo de Deus contra o pecado aparece em todo o livro, desde
as maldições pronunciadas no jardim do Éden até a disciplina criativa
importa por José a seus irmãos trapaceiros. Tal juízo, todavia, é sempre
temperado com a misericórdia restauradora de Yahweh, por meio da
qual Suas criaturas caídas encontram graça e esperança.
c. Libertação do juízo para os/pelos eleitos:
Vários incidentes em Gênesis ilustram esta parte do programa
divino na História. O nascimento de Sete (Gn.4.25) em substituição a
Abel aparece como o primeiro exemplo, resultando na preservação do
104
Anderson Vicente Gazzi
verdadeiro culto a Deus no contexto de uma civilização pagã
desenvolvida pelos descendentes de Caim (Gn.4.16-24).
O evento seguinte é a chamada de Noé do meio de uma geração
incuravelmente corrupta, para que fosse o agente da preservação da raça
humana do juízo universal do Dilúvio (Gn.6.8).
Quando a população da terra pós-diluviana se recusa a obedecer
aos mandamentos de Deus e é julgada com a divisão das línguas, a
chamada de Abraão (Gn.11.27-12.3) oferece uma nova fase no plano
redentor de Yahweh, que é desenvolvido por meio de Isaque e Jacó, cuja
descendência é salva da miscigenação corruptora com os cananeus
pagãos por meio do agente final de libertação em Gênesis, José (a quem
o próprio Faraó reconhece como um homem capacitado por Deus –
Gn.41.38).
Uma vez que o livro termina com o registro da morte de José e
de seu sepultamento no Egito, Moisés tencionava que seus leitores
percebessem que a saga da Semente da mulher ainda não acabara e que a
tarefa de libertar o mundo do mal seria passada a outros instrumentos,
até que a verdadeira Semente surgisse na História.
d. O decreto de abençoar os eleitos:
Gênesis começa com uma progressão do caos (Gn.1.2) à
bênção, à medida que toda a criação divina é pronunciada boa, e o
homem, como governante mediatório de Deus, é abençoado com
vitalidade e fertilidade com as quais deve encher a terra e desfrutar Deus
e Sua criação (Gn.1.28-31).
A partir da Queda, bênção e maldição coexistem, nunca
pacificamente, e o mal progride a ponto de quase eliminar a possibilidade
de bênção. A essa altura, Yahweh intervém graciosamente e seleciona
Noé como o canal pelo qual a bênção divina fluirá para uma humanidade
renovada (apesar de ainda corrupta).
Gradativamente, o decreto de abençoar vai adquirindo forma
mais definida. Sem é declarado herdeiro de um relacionamento especila
com Yahweh (Gn.9.26), e sua linhagem é escolhida para receber e
mediar a bênção. Essa linhagem passa por Éber a Terá, e deste a Abraão
(Gn.11.20-26). A essa altura, chega-se a um ponto culminante, e uma
105
Introdução ao Estudo do Pentateuco
promessa específica de bênção é anunciada (Gn.12.1-3); essa promessa é
depois ampliada como uma aliança de concessão real (Gn.15.9-21) e uma
aliança de suserania e vassalagem (Gn.17.1-27), que prendem a bênção
de Yahweh à semente de Abraão, primeiro como recipiente, e depois
como canal (Gn.12.3).
8. Contribuições Singulares do Livro:
a. A Soberania de Deus:
A afirmação inicial da Bíblia apresenta Deus como a “Causa
Primeira” soberana de todas as coisas. Sua existência é admitida como a
fundação incontestável de toda a verdade, não se fazendo necessário
apresentar provas dela, pois nesse particular ninguém teria autoridade
suficiente para julgar o assunto. Quem assim proceder declara-se tolo
(Sl.14). Como Criador soberano, ele não dá satisfação a ninguém, mas
exige respeito e obediência de todos os súditos. Ele nada revela acerca de
sua origem ou passado, mas simplesmente surge da eternidade misteriosa
para iniciar sua obra de criação. Como Criador, é chamado de “Elohim”
no capítulo 1, enfatizando sua grandeza ou plenitude, bem como
sugerindo a Trindade. Sua soberania é a grande tônica do livro.
b. Único registro autêntico do início:
Apesar de terem sido achados vários documentos antigos com
vagos relatos sobre a criação do homem, nenhum deles pode compararse, sequer remotamente, com o registro específico, simples e majestoso
de Gênesis 1 e 2. O primeiro legislador e historiador de Israel dá
instrução explícita com documentos disponíveis e inspiração referente à
origem de todas as coisas essenciais à vida. Sem esse registro, não
teríamos uma visão objetiva de como o mundo começou, de como as
várias formas de vida tiveram início, da origem verdadeira do homem, de
como o pecado entrou no mundo, de como as várias raças foram
formadas, e porque os idiomas foram diversificados.
106
Anderson Vicente Gazzi
c. A entrada do pecado:
Sem esse registro, seria difícil determinar a origem do pecado ou
do mal. Gênesis demonstra claramente que o Criador não criou o pecado
ou o mal. Ele surgiu de dentro do coração de Adão e Eva. Sua causa não
foi um ambiente ruim, nem a serpente ou o fruto da árvore. Essas não
foram às causas, mas a ocasião. A causa estava no uso egoísta da vontade
humana de rejeitar a vontade soberana de Deus, desobedecendo-lhe.
Ao entrar no mundo, o pecado começou a multiplicar-se
imediatamente. Isso é descrito em Gênesis 4-6. Do coração do primeiro
casal passou ao lar, aos filhos e depois a toda a sociedade. O resultado é
descrito em Gn.6.11,12: “a terra estava corrompida aos olhos de Deus e cheia de
violência” e “a humanidade havia corrompido a sua conduta”.
O pecado não ficou inativo nem permaneceu apenas como um
“defeito de menor importância”.
d. O livro dos grandes julgamentos sobrenaturais:
Do mesmo modo que Apocalipse no final da Bíblia, Gênesis
ressalta diversos julgamentos sobrenaturais:
(1º) A maldição como resultado da Queda;
(2º) O Dilúvio;
(3º) A confusão das línguas em Babel;
(4º) Fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra;
Cada um desses acontecimentos deu-se por causa de uma
rebelião conjunta contra a vontade de Deus, trazendo corrupção. Os
julgamentos retratam a intolerância de Deus para com o pecado e a
rebelião. Em cada julgamento, porém, vinha à oferta divina de
misericórdia e graça no caso de uma reação favorável. Deve-se notar que
o Senhor preserva a consequência ou “os destroços” de cada julgamento
com o fim de nos lembrar de que sua ira é contra o pecado, mesmo
nesta época de graça.
107
Introdução ao Estudo do Pentateuco
e. O proto-evangelho ou o “primeiro evangelho”:
A entrada do pecado trouxe julgamento, mas trouxe também a
promessa divina de redenção (Gn.3.15). Ele prometeu que o
“descendente” da mulher irira ferir a cabeça da serpente, e a serpente iria
ferir seu calcanhar (referindo-se a Cristo e ao Demônio, Jo.12.31,32;
Ap.12.9). É uma descrição resumida do Reino de Deus e do plano de
redenção. A morte de Cristo destruiu potencialmente Satanás e seu
reino, ao prover redenção aos descendentes de Adão e Eva. Essa
primeira promessa divina é o “João 3.16” do Antigo Testamento,
exortando à fé demonstrada pelo derramamento do sangue de animais.
f.
A Aliança Abraâmica:
A história de Abraão e sua aliança com Deus é a parte mais
importante de Gênesis. Os primeiros 11 capítulos retratam o “dilema do
homem” ou o progresso do pecado, e os outros 39 retratam o
“livramento de Deus” ou a promessa de salvação. É o fundamento de
todo o futuro programa divino para a humanidade. Deus prometeu a
Abraão que traria bênçãos pessoais, nacionais, territoriais e espirituais
por meio de sua descendência. A vida de Abraão é uma história de
dádiva da aliança. Numa série de seis encontros com o patriarca, Yahweh
(Deus da aliança):
(1º) Estabeleceu a aliança – Gn.12.1-3;
(2º) Confirmou-a – Gn.12.7;
(3º) Ampliou-a – Gn.13.14-17;
(4º) Ratificou-a num ritual – Gn.15.8-18;
(5º) Simbolizou-a – Gn.17.10;
(6º) Acrescentou seu juramento – Gn.22.16-18;
Garantida apenas por Deus, não podia ser anulada pelas falhas
de Abraão ou de sua descendência.
Apesar de parcialmente cumprida na história de Israel, e
cumprida espiritualmente na primeira vinda de Cristo, o cumprimento
108
Anderson Vicente Gazzi
absoluto de todos os seus elementos aguarda a segunda vinda do Senhor,
que é o “descendente” de Abraão (Gl.3.16).
g. Cristologia em Gênesis:
Esse livro dos princípios também antecipa a vinda de Cristo.
Mesmo veladas à mente secular, essas referências sutis alertam os
cristãos para aquele que cumprirá a promessa final. Essas referências
cristológicas aparecem na forma de profecias ou como tipos velados.
•
Profecias específicas:
(1) O “descendente” da mulher no protótipo do evangelho
(Gn.3.15). Um vindouro Filho de Eva (ou Maria) fatalmente
feriria a “serpente”, ou Satanás, e seria tamporariamente ferido
por ela (Gl.4.4).
(2) A “descendência” de Abraão na aliança abraâmica (Gn.12.3).
Um descendente de Abraão viria abençoar todas as nações com
a oferta da justificação pela fé (At.3.25; Gl.3.7-9).
(3) Um “Leão” da tribo de Judá seria levantado como o Soberano
do mundo (Gn.49.9-10; Ap.5.5).
•
Tipos velados:
Assim como as profecias foram designadas para a presciência do
Antigo Testamento, os tipos o são especialmente para a percepção
posterior do Novo Testamento, de maneira retrospectiva (1Co.10.6,11).
(1) Adão tipificou Cristo como o Cabeça da raça; um só ato
realizado por ele afetou toda a raça humana. Como em “Adão”
todos morreram, também “todos serão vivificados em Cristo”
(Rm.5.12; 1Co.15.21,22).
(2) Abel tipificou Cristo por seu “sacrifício superior” de sangue
(Gn.4.4; Hb.11.4).
109
Introdução ao Estudo do Pentateuco
(3) Melquisedeque tipificou Cristo como o Sumo Sacerdote
especialmente designado por Deus, sendo também um
Sacerdote-Rei (Gn.14.18-20; Hb.7.1).
(4) Isaque tipificou Cristo como o “Descendente” longamente
esperado, em sua submissão no altar do sacrifício e no
recebimento da noiva de um país distante (Gn.21; 22; 24). (Isso
aqui está inferido no Novo Testamento, e não afirmado
diretamente).
(5) José tipificou Cristo de muitas maneiras: resistiu ao mal, foi
traído pelos irmãos e amado pelo pai, sofreu pelos pecados de
outros, tomou uma esposa gentia quando estava no exílio, e
finalmente tornou-se soberano do mundo depois de redimir
seus irmãos (At.7.9-13).
9. Propósito:
Gênesis é verdadeiramente um livro de origens. Moisés tinha
como objetivo oferecer aos israelitas não apenas um conhecimento de
seu passado nacional, mas uma percepção de como esse passado se
conectava a história primeva da humanidade e até mesmo à origem do
universo. O propósito do livro é promover confiança em Yahweh, o
Deus da aliança, demonstrando como a nação devia ao Seu fiel amor sua
existência e preservação ao longo dos séculos como o veículo pelo qual o
conflito básico, iniciado no jardim do Éden, finalmente terminaria, e a
humanidade seria abençoada.
O elemento chave no desenvolvimento de Gênesis é a expressão
Toledot (hebraico para “gerações” ou “relato”), em torno da qual as
narrativas e seus temas teológicos são estruturados.
O registro da história primeva da humanidade indica como a
Criação caiu de uma posição de bênção e acabou sob maldição e juízo
divinos, estando em contínua necessidade de redenção do pecado.
A criação dos cosmos a partir do caos primevo revela Yahweh
como o soberano Deus Criador, cujos propósitos benevolentes para com
o homem incluem comunhão com Ele e governo sob Sua autoridade
(Gn.1.1-2.3).
110
Anderson Vicente Gazzi
Quando o homem rejeitou sua posição de ceriatura moralmente
dependente sob a autoridade de Deus, sofreu alienação do Criador e
trouxe a maldição divina sobre toda a Criação (Gn.2.4-3.24).
A história da civilização reflete uma crescente degeneração da
conduta humana no conflito entre as duas sementes. Tal degeneração
acabou por provocar um juízo divino de dimensões planetárias, no qual
apenas a graça de Deus preservou um remanescente (Gn.4.1-9.17).
O relato dos descendentes de Noé revela como a humanidade
uma vez mais abandonou uma posição de bênção pactual sob a
autoridade de Deus e colocou-se em uma condição de degradação,
rebeldia e maldição (Gn.9.18-11.26).
O registro da história patriarcal de Israel indica como Yahweh
selecionou uma linhagem dentre a humanidade e comprometeu-se com
ela em aliança com o propósito de trazer a luz, por meio dessa linhagem,
a redenção do pecado que prometera no jardim do Éden.
A narrativa dos descendentes de Terá descreve como o
estabelecimento da Semente prometida por Deus foi marcado por um
conflito com o mal, no qual Deus finalmente triunfou à medida que
Abraão aprendeu a confiar no deus das promessas (Gn.11.27-25.11).
A genealogia de Ismael apresenta o desenvolvimento da
promessa divina de que Abraão teria uma descendência inumerável
(Gn.25.12-18).
O relato dos descendentes de Isaque reflete o crescimento do
mal dentro da família escolhida à medida que o engano toma o lugar da
fé como sua característica principal (Gn.25.19-35.29).
A seguir, o relato dos descendentes de Esaú indica como ele foi
abençoado enquanto ainda estava em Canaã, e como seu clã cumpriu a
predição de Isaque ao conquistar a terra de Seir (Gn.36.1-43).
O relato dos descendentes de Jacó indica como a graça de
Yahweh preservou a família pactual da corrupção externa e da dissenção
interna por intermédio de José e de sua peregrinação para o Egito
(Gn.37.1-50.26).
Assim, o livro registra a história do homem desde o seu glorioso
princípio no Éden até a narrativa bem pouco elogiosa da família
escolhida, que deve enfrentar o conflito com o mal, mas que com mais
frequência é derrotada pelo mal do que o derrota. Moisés incorporou ao
111
Introdução ao Estudo do Pentateuco
seu livro tanto uma sensação de frustração quanto um sentimento de
esperança de que surja algo ou alguém capaz de enfrentar
adequadamente e, por fim, vencer o mal, sendo, desse modo, capaz de
cumprir as promessas da aliança.
Ele ofereceu também o contexto da necessidade de um meio de
regular a vida sob a promessa, um tema que será retomado em Êxodo e
Levítico.
10. Esboço:
I. O Princípio da História da Humanidade (1.1—11.26)
A. A Origem do Universo e da Vida (1.1—2.25)
1. Resumo de Toda a Criação (1.1—2.4)
2. Relato Detalhado da Criação de Adão e Eva (2.5-25)
B. A Origem do Pecado (3.1-24)
1. Tentação e Queda (3.1-6)
2. Conseqüências da Queda (3.7-24)
C. As Origens da Civilização (4.1—5.32)
1. Caim: Cultura Pagã (4.1-24)
2. Sete: Um Remanescente Justo (4.25,26)
3. Registro Genealógico dos Patriarcas Antediluvianos (5.1-32)
D. O Grande Dilúvio: O Julgamento Divino sobre a Civilização
Primitiva (6.1—8.19)
1. A Depravação Universal (6.1-8,11,12)
2. A Preparação Mediante Noé para a Salvação de um
Remanescente Justo (6.9-22)
3. As Instruções Finais e o Dilúvio (7.1—8.19)
E. O Novo Começo da Humanidade (8.20—11.26)
1. A Posteridade de Noé (8.20—10.32; destaque: Sem, 11.10-26)
2. A Torre de Babel (11.1-9)
3. Elos Genealógicos entre Sem e Abraão (11.10-26)
112
Anderson Vicente Gazzi
II. Os Começos do Povo Hebreu (11.27—50.26)
A. Abraão (11.27—25.18)
1. Os Progenitores de Abraão (11.27-32)
2. A Chamada de Abraão e Sua Viagem pela Fé (12.1—14.24)
3. O Concerto entre Deus e Abraão (15.1-21)
4. Agar e Ismael (16.1-16)
5. O Concerto de Abraão Ratificado Mediante Seu Nome e a
Circuncisão (17.1-27)
6. A Promessa a Abraão e a Tragédia de Ló (18.1—19.38)
7. Abraão e Abimeleque (20.1-18)
8. Abraão e Isaque, o Filho da Promessa (21.1—24.67)
9. A Posteridade de Abraão (25.1-18)
B. Isaque (25.19—28.9)
1. O Nascimento de Esaú e Jacó (25.19-26)
2. Esaú Vende a Sua Primogenitura (25.27-34)
3. Isaque, Rebeca e Abimeleque (26.1-17)
4. Disputa a Respeito de Poços, e a Mudança de Isaque para
Berseba (26.18-33)
5. A Bênção Patriarcal (26.34—28.9)
C. Jacó (28.10—37.2a)
1. O Sonho de Jacó e Sua Viagem (28.10-22)
2. Jacó com Labão em Harã (29.1—31.55)
3. A Reconciliação de Jacó e Esaú (32.1—33.17)
4. Jacó Volta à Terra Prometida (33.18—35.20)
5.A Posteridade de Jacó e Esaú (35.21—37.2a)
D. José (37.2b—50.26)
1. José e Seus Irmãos em Canaã (37.2b-36)
2. Judá e Tamar (38.1-30)
3. José, Suas Provas e Elevação no Egito (39.1—41.57)
4. José e Seus Irmãos no Egito (42.1—45.28)
5. A Mudança para o Egito, do Pai e Irmãos de José (46.1—
47.26)
6. Jacó: Suas Últimas Profecias, Últimos Dias e Morte (47.27—
50.14)
7. José: Final de Sua Vida e Sua Morte (50.15-26)
113
Introdução ao Estudo do Pentateuco
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO IV:
- HILL, Andrew E. e WALTON, J.H. Panorama do Antigo Testamento. Belo
Horizonte: Vida, 2000.
- WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001.
- GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos”. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
- DOCKERY, David S. Manual Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2001.
- DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
114
Anderson Vicente Gazzi
V – O LIVRO DE ÊXODO:
Êxodo dá continuuidade à narrativa iniciada em Gênesis. O livro
começa com a descrição do sofrimento dos descendentes de Jacó no
Egito, a saber: opressão, escravidão e infanticídio, e termina com a
presença, o poder e a glória de Deus manifestos no Tabernáculo, no
meio do seu povo já liberto e no deserto. O êxodo de Israel para fora do
Egito é declarado em todo o Antigo Testamento como a mais grandiosa
experiência de redenção do antigo concerto.
1. Título:
O título hebraico desse livro é (we’ellêh hassemôt) “estes são os
nomes de”, a frase de abertura do texto hebraico. Uma vez que a mesma
frase ocorre em Gênesis 46.8 em conexão com a lista da família de Jacó,
as palavras iniciais de Êxodo (o título hebraico) indicam que êxodo deve
ser visto como uma sequência, uma continuação da “saga” nacional
apresentada em Gênesis.
Os tradutores gregos da Septuaginta escolheram o título
(exodos), “uma partida”, o que também se encaixa bem com o principal
incidente histórico do livro, a saída de Israel do Egito. O autor judeu
Fílon de Alexandria, as versões siríacas e as traduções latinas retiveram o
título, que, na maioria das versões modernas, foi preservado em sua
forma transliterada.
2. Fundo Histórico:
a. Data em que foi escrito: (cerca de 1440 a.C.)
Se Moisés escreveu Gênesis nessa data, deve tê-lo feito
durante a primeira parte de sua peregrinação com o povo
judeu pelo deserto de Cades-Barnéia.
115
Introdução ao Estudo do Pentateuco
b. Data do êxodo: (cerca de 1445 a.C.)
Além desta, outra data também é defendida pelos estudiosos do
Antigo Testamento: 1290 a.C.
Esta última data (1290 a.C.) é hipotética. Está baseada na
teoria de que Ramessés II (1292-1234 a.C.) construiu as
cidade-celeiros de Pitom e Ramessés no delta do Nilo.
Entretanto, esse ponto de vista está em desacordo com a
ocupação de Jericó e Canaã no final do século XV a.C.
A data anterior (1445 a.C.) é a preferida pelas seguintes
razões:
- 1Rs.6.1 situa o êxodo 480 anos antes de Salomão
começar a construir o templo, o que está fixado em 967
a.C.
- Jz.11.26 situa a conquista da Transjordânia 300 anos
antes da época de Jefté (que viveu por volta de 1100
a.C.).
- At.13.17-20 dá o período aproximado do êxodo a
Samuel como de 450 anos. Samuel morreu por volta de
1020 a.C.
- A data que o arqueólogo John Garstang deu para a
queda de Jericó é a melhor atestada, embora tenha sido
posta em dúvida por Kathleen Kenyon (por exemplo,
nenhum sepultamento em Jericó poderia ter um data
posterior a 1375 a.C.).
- Se aceitarmos 1290 a.C. como a data do êxodo,
seremos forçados a admitir a ocorrência desse evento
entre essa data e 1210 a.C., pois a tribulação e a
construção das cidades começaram antes de Moisés
nascer, 80 anos antes do êxodo. Todavia, isso é
impossível de ser historicamente demonstrado até
mesmo por aqueles que advogam aquela data. O nome
“Ramessés” deriva do deus-sol “Ra”, e é provável que
tenha sido usado muito antes do nascimento desse faraó
popular e forte.
116
Anderson Vicente Gazzi
c. A vida de Moisés: Três períodos de 40 anos.
Os primeiros 40 anos de sua vida, Moisés passou no lar de
seus pais e no palácio de faraó. Nascido em Gósen mais ou
menos em 1525 a.C., foi o segundo filho de Anrão e
Joquebede, da tribo de Levi. No lar paterno, Moisés recebeu
sua formação religiosa, e na corte do faraó adquiriu
conhecimento intelectual e político, além de treinamento
militar.
Os segundos 40 anos passou exilado em Midiã, fugindo de
faraó, meditando e trabalhando como pastor. Casou-se com
Zípora, filho de Jetro, o sacerdote, e nasceram-lhe dois
filhos, Gérson e Eliezer (Êx.18.34).
Os últimos 40 anos de sua vida os viveu no Egito e no
deserto, na condição de primeiro líder de Israel. Serviu ao
Senhor como profeta, sacerdote e rei, muito antes de esses
cargos serem estabelecidos entre os judeus. Ensinou a todos
como um profeta; como um sacerdote, intercedeu por eles
quando caíram na idolatria e, como líder, retirou-os da
servidão e os organizou como o povo da aliança de Deus.
d. Geografia do Egito:
O Egito antigo consistia
em duas partes: Baixo
Egito, com a larga região
do delta, e o Alto Egito,
com sua estreita faixa de
terra (mais ou menos 19
km de largura) ao longo do
rio Nilo, numa extensão de
quase 966 km para o sul.
Estava isolado de outros
países pelos desertos, mar e
cataratas da parte mais alta
do rio. Em razão do fato de
117
Introdução ao Estudo do Pentateuco
quase não chover naquela região, o Egito dependia
inteiramente do Nilo. Este recebia água de diversos rios e
lagos do interior da África. Em setembro, o Nilo
transbordava, irrigando e fertilizando o vale com os ricos
depósitos e águas aluviais, o que tornava o país o “celeiro”
do Oriente Médio. Sua posição isolada também contribuiu
para a tranqüilidade e o progresso pacífico da nação em
muitos períodos da História.
e. Política do Egito:
A geografia atingiu grandemente a política egípcia. Dividido
administrativamente em duas regiões, Norte e Sul, sua
capital teve de ser mudada várias vezes, funcionando ora em
Tebas (Nô-Amon), no Alto Egito, ao sul, ora em Mênfis
(Nofe ou Ramessés) ou Avaris, no delta do Baixo Egito. O
nome bíblico para o país dos faraós é “Mizraim”, que
significa “dois Egitos”.
Ptolomeu II Filadelfo (285 – 247 a.C.) designou Maneto,
um sacerdote-historiador da corte, para que escrevesse a
história do Egito como parte da atividade científico-literária
daquele monarca. Desse modo, tornou-se a fonte principal
de informação sobre o Egito antigo. Muitos outros
documentos e placas de várias paredes e sepulturas têm sido
usados por egiptólogos modernos para reconstruir a
história, mas todos admitem que as datas ainda não são
muito precisas, especialmente as mais antigas.
Os faraós do tempo de Moisés:
- Amósis I (1580-1558 a.C.) não somente continuou a
opressão dos combativos hicsos sobre o povo judeu,
mas até aumentou-a, provavelmente por causa da
formação estrangeira de Israel e seu crescimento
demográfico ameaçador.
- Tutmés I (1539-1514 a.C.) ordenou a matança dos
meninos na época em que Moisés nasceu.
118
Anderson Vicente Gazzi
- Hatshepsut, a rainha (1504-1482 a.C.), filha de Tutmés
I e esposa de Tutmés II (1520-1504 a.C.), usurpou o
trono depois da morte deste, e foi provavelmente a filha
de faraó que adotou Moisés em 1525.
- Foi de Tutmés III (1504-1450 a.C.) que Moisés fugiu
para o deserto de Midiã (apesar de Hatshepsut ainda
estar viva na época dessa fuga).
- Amenófis II (1450-1426 a.C.) foi o faraó com quem
Moisés se confrontou e a quem Deus mandou as pragas.
O faraó seguinte (Tutmés IV) não era seu herdeiro
natural, mas um filho nascido mais tarde, o que sugere
que o primogênito tenha morrido.
•
Cenário Religioso:
f.
As Religiões do Egito:
Os egípcios antigos eram muito religiosos. Adoravam uma
infinidade de divindades. Tinham deuses nacionais e locais,
além de fetiches relacionados a inúmeras manifestações da
natureza. Eis alguns de seus deuses principais: Ra e AmomRa, deuses do sol; Osíris, deus do Nilo, adorado como
Senhor da fertilidade ou da vida; Hórus, também um deus
do sol, representado por um falcão; Ptá, deus de Mênfis e
dos artistas. Os egípcios acreditavam que em cada ser ou
objeto da natureza habitava um espírito que tinha escolhido
aquela forma para expressar-se. Essa idéia levou-os à
adoração de animais como o gato, o touro, a vaca e o
crocodilo.
As divindades mais importantes tinham imensos templos.
Seus sacerdotes exerciam grande poder sobre o povo e os
políticos egípcios. A circuncisão era um de seus ritos mais
notáveis.
Todas as religiões praticadas no Egito defendiam a crença
na vida após a morte. Tal crença levou o povo egípcio a se
preocupar, como nenhum outro, com os preparativos para
119
Introdução ao Estudo do Pentateuco
o sepultamento. Os faraós, os governadores e as pessoas
ricas construíam grandes túmulos e monumentos com a
finalidade de preservar suas múmias. Também guardavam
ali seus bens materiais, os quais, na concepção deles, os
acompanhariam na vida futura.
g. A Religião de Israel no Egito:
José exerceu grande influência espiritual sobre Israel até
1804 a.C., data de sua morte. Liderou espiritualmente aquele
povo durante 51 anos. O isolamento em Gósen também
contribuiu para proteger os israelitas da idolatria do Egito.
Houve, porém, uma época em que os descendentes de Jacó
aderiram aos deuses egípcios, e a corrupção tomou conta de
quase todos eles. Moisés não registrou esse fato, mas
Ezequiel (Ez.20.6-10). Em razão da idolatria e da corrupção,
o Senhor resolveu derramar sobre eles sua ira. Só não fez
por fidelidade a sua aliança com os patriarcas. Todavia, isso
talvez explique a causa de Israel ter sido tão oprimido no
Egito, excluindo-se os motivos políticos. Deus usou a
opressão do faraó como instrumento para derramar sua ira
sobre a conduta idólatra dos israelitas.
O ataúde de José, entretanto, era para Israel um lembrete
contínuo da promessa de Deus de um dia tirá-los do Egito e
levá-los de volta a Canaã.
3. Autoria:
No Novo Testamento, Jesus chama Êxodo de “o livro de
Moisés” (Mc.12.26) e não há razões imperativas para a rejeição da autoria
mosaica do livro. (Para maiores detalhes ver o Capítulo 3 – Introdução
ao Pentateuco)
120
Anderson Vicente Gazzi
4. Data:
Assumindo a autoria mosaica de Êxodo, devemos datar o livro
após o acontecimento do êxodo (cerca de 1450-1440 a.C.) e antes da
morte de Moisés, próxima a 1406 a.C.. De acordo com a datação abaixo,
o nascimento de Moisés teria ocorrido durante o reinado de Tutmés I.
Hatsepsute, a rainha viúva de Tutmés II, usou títulos masculinos e até
mesmo uma barba quando reinou a partir de 1504-1483 a.C.. Talvez
fosse ela então o Faraó que já havia falecido quando Moisés retornou de
Midiã ao Egito.
Êxodo prossegue com o relato do cumprimento da promessa de
Deus a Abraão no sentido de abençoá-lo e dele fazer uma grande nação
(Gn.12.2). O livro começa com a descida de Israel ao Egito (Êx.1.1-7), o
que, em conexão com Gn.46.8-27, vincula o livro às narrativas de
Gênesis. A obra termina com Israel no Sinai onde o tabernáculo é
concluído. Os acontecimentos registrados no livro podem ser situados
no seu contexto histórico.
A ascensão de José ao poder (Êx.1.5) vincula-se melhor às
condições favoráveis para a família de Jacó criadas pelo domínio do
Egito pelos hicsos, que também eram semitas (cerca de 1700-1550 a.C.).
A referência em Êx.1.8 a um novo rei “que não conheceu José” referesem provavelmente, à expulsão dos hicsos pelo fundador da décima
oitava dinastia, Ahmose (1570-1546 a.C.). Datando o Êxodo em torno
de 1450-1440 a.C., o faraó da opressão provavelmente foi Tutmés I
(1526-1512 a.C.), enquanto o faraó do Êxodo teria sido Tutmés III
(1504-1450 a.C.) ou Amenotepe II (1450-1425 a.C.). Esta datação
permitiria uma possível identificação dos imigrantes israelitas com os
habiru, um grupo mencionado nas cartas de Tell el-Amarna
(correspondência entre o Egito e os seus vassalos siro-palestinos durante
o século XIV a.C.). Os habiru eram uma classe social ou ocupacional
comumente atestada em textos a partir de 2000 a.C.. Eles tornaram-se
párias políticos na Palestina (Gn.14.13).
A aliança do Sinai (Êx.19.1-20.21; 24) assemelha-se, tanto na
forma como no conteúdo, à forma dos tratados entre estados do
segundo milênio a.C., especialmente os tratados entre os estados hititas.
Esses tratados incluíam um preâmbulo (Êx.20.2), estipulações (Êx.20.3-
121
Introdução ao Estudo do Pentateuco
17), ratificação (Êx.24.1-11), além de bênçãos e maldições. Uma cópia do
tratado era muitas vezes guardada nos santuários de ambas as partes.
Igualmente a semelhança do conteúdo das leis casuísticas dos capítulos
21-23 em relação aos códigos do antigo Oriente Próximo
(particularmente o Código de Hamurábi da Babilônia, em torno de 1750
a.C.) tem sido frequentemente observada.
5. Cronologias do Livro:
Faraós do Egito relacionados com Israel:
A. Velho Império – Dinastias I – VI – cerca de 2850-2200 a.C.
1. Menés, primeiro rei do Egito (cerca de 2850 a.C.). Reinou
em Tebas no Alto Egito, segundo Maneto, o historiadorsacerdote egípcio, que escreveu em 280 a.C.
2. Zoser (cerca de 2700 a.C.), da
terceira dinastia, reinou em
Mênfis e ali construiu a
Pirâmide do Degrau, a
primeira de uma série de 60,
construídas de 2700 a 2200
a.C.
3. Quéfren (cerca de 2400 a.C.), da quarta dinastia, construiu a
maior das pirâmides (quase 152m de altura), e seu sucessor,
Khafre, construiu a Esfinge.
B. O Império Intermediário – Dinastias VII-XI – cerca de
2200-1900 a.C.
C. O Forte Médio Império – Dinastia XII – cerca de 1900-1750
a.C.
4. Amenemá I (cerca de 1900 a.C.) começou a décima segunda
dinastia em Tebas, mas reinou em Mênfis. Seu governo foi
marcado por um período de grande desenvolvimento
literário e comercial. A Síria e a Palestina estiveram
parcialmente sob o governo egípcio nessa época.
5. Senusert (cerca de 1894-1878 a.C.) e Senusert III (18781871 a.C.) reinavam quando José esteve no Egito. Um deles
122
Anderson Vicente Gazzi
fez do filho de Jacó primeiro-ministro e acolheu
prazerosamente esse patriarca e sua família, instalando-os
em Gósen. Construíram o primeiro vanal entre o Mar
Vermelho e o delta do Nilo.
D. O Segundo Império Intermediário – Dinastias XIII-XVII –
cerca de 1750-1570 a.C.
6. O governo dos hicsos nas dinastias XV-XVI (1720-1150
a.C.) era composto de reis pastores restrangeiros asiáticos.
Governaram em Avaris, cidade localizada no delta do Nilo.
Ali, estabeleceram um governo de força e introduziram no
Egito o cavalo e o carro de guerra.
E. O Novo Império – Dinastias XVIII-XX – cerca de 15701150 a.C.
7. Amósis I, da dinastia anterior (1580-1558 a.C.), governando
em Tebas, expulsou os hicsos. Embora a opressão a Israel
tenha provavelmente começado com o domínio hicso, os
novos faraós naturais do país a intensificaram, receosos
diante da presença de uma nação estrangeira no Egito.
8. Tutmés I (1539-1514 a.C.) alargou consideravelmente as
fronteiras egípcias. Talvez tenha sido ele quem mandou
matar todos os bebês masculinos de Israel, temendo o
crescimento do povo hebreu.
9. Rainha Hatshepsut (1504-1482 a.C.) era filha de Tutmés I,
Ela usurpou o trono e iniciou um governo forte quando seu
meio-irmão e marido, Tutmés II, morreu. Foi
evidentemente a filha do faraó que adotou Moisés.
10. Tutmés III (1504-1450 a.C.), embora não tivesse governado
até 1482, talvez tenha sido o faraó mais forte do Egito,
conquistador e construtor. Grandemente ressentido com a
usurpação da Hatshepsut, tentou apagar a memória desta.
Tendo derrotado os hititas em Megido em 1482 a.C.,
governou desde a quarta catarata, ao sul, até o Eufrades. Foi
provavelmente o faraó de quem Moisés fugiu em 1485,
apesar de a rainha Hatshepsut ainda viver naquela época.
11. Amenófis II (1450-1326 a.C.) ocupou o trono de seu pai
Tutmés III com a idade de 18 anos. Alcançou êxito em
123
Introdução ao Estudo do Pentateuco
todas as guerras que empreendeu. Reinava no Egito quando
o Senhor enviou as pragas e tirou de lá seu povo. O faraó
seguinte não foi seu herdeiro natural, mas um filho que lhe
nasceu mais tarde, o que sugere que seu primogênito tenha
morrido.
12. Ramessés II (1290-1224 a.C.), um dos faraós mais fortes
dentre os dez Ramessés que reinaram no Egito durante dois
séculos, venceu os hititas da Palestina. Muitos supõem que
tenha sido ele o faraó do êxodo.
F. O Império Decadente – Dinastias XXI-XXX – cerca de
1150-332 a.C.
13. Sesaque I (ou Sesonque – 945-924 a.C.) iniciou a dinastia
XXIII, que durou dois séculos. Foi o primeiro de diversos
governantes líbios, estabelecendo sua capital no delta leste.
Saqueou Jerusalém em 925 a.C.
14. Neco II (609-593 a.C.), da dinastia XXVI, foi o faraó que
matou o rei Josias em Megido por este lhe ter feito oposição
e apoiado a Assíria na batalha de Carquemis (2Cr.35.20-24).
Logo após esse episódio, Nabucodonosor despojou o Egito
de todas as suas possessões asiáticas.
15. Ptolomeu I (323 a.C.) iniciou a era ptolemaica no Egito. Era
um dos generais de Alexandre. Quando este imperador
dividiu o Império Grego entre seus principais auxiliares,
coube a Ptolomeu o Egito.
6. Características Literárias:
•
Forma:
Ao contrário de Gênesis, Êxodo não possui um arranjo literário
fácil de perceber. O livro contém três narrativas (caps. 1–18, 32–34 e
39.32 − 40.38) e duas seções legais (19.1 − 31.18 e 35.1 − 39.31),
caracterizando assim os interesses histórico e legal que deram a Israel sua
estrutura nacional básica.
A característica literária mais notável do livro é o uso da
estrutura dos tratados de suserania do segundo milênio na composição
124
Anderson Vicente Gazzi
da aliança de Yahweh com Israel. O bem–conhecido capítulo que
contém os Dez Mandamentos é estruturado como um tratado de
suserania, com um preâmbulo (20.2a), um prólogo histórico (20.2b), e as
estipulações pactuais (20.3-17), desenvolvidas no chamado Livro da Aliança.
Êxodo 25.16, 21 indica que outro elemento dos tratados de suserania
estava presente na ocasião, a provisão para a preservação do tratado.
Outra característica literária notável de Êxodo encontra-se no
relato das nove primeiras pragas, em que os seguintes elementos estão
presentes:
Pragas 1–3
Água feita
em sangue
[7.14-24]
Rãs cobrem a
terra do Egito
[8.1-15]
Piolhos
cobrem a terra
do Egito
[8.16-19]
Pragas 4–6
Pragas 7–9
Padrão narrativo
Enxames de Saraiva sobre a
Moisés aparece
moscas
colheita
perante Faraó junto ao
[8.20-32]
[9.13-35]
rio.
Peste nos
Gafanhotos
Moisés comparece
animais
cobrem a terra perante Faraó (na corte
[9.1-7]
[10.1-20]
real?)
Úlceras no
Trevas cobrem Gesto simbólico de
gado e no
a terra do Egito Moisés e Arão longe
povo
[10.21-29]
de Faraó
[9.8-12]
A questão de proporção merece ser observada, pois embora
Êxodo 12.41 afirme que o período de cativeiro egípcio havia durado 430
anos, os primeiros doze capítulos cobrem um período relativamente
curto anterior à libertação, e os capítulos 19 a 40 cobrem um período de
menos de um ano (19.1; 40.17). Isso demonstra que os eventos
relacionados à aliança e ao estabelecimento do tabernáculo são a
preocupação central do livro.
•
Estilo:
O livro de Êxodo consiste, meio a meio, de literatura narrativa e
literatura legal. A narrativa pertence ao gênero mais amplo conhecido
como tôrâ, instrução, merecendo assim a descrição feita por George
125
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Knight de “um ensaio teológico em forma de narrativa”. O mesmo
Knight chama Êxodo de “saga”, em contraste com “lenda” e “mito”,
pois o livro preserva “memórias históricas de acontecimentos que
detonaram as emoções do povo que os experimentou”.
A presença da narrativa da quebra da aliança nos capítulos 32 a
34 tem seu valor estilístico, porque, ao interromper a cadência ordenada
das leis e preceder a descrição metódica do tabernáculo e sua construção,
dramatiza a extrema necessidade que Israel tinha da presença santa e
santificadora de Yahweh em seu meio, para impedir que a horda de
escravos libertos do Egito deixasse de existir antes mesmo de constituirse em nação.
7. Estrutura Teológica:
•
A pessoa e o caráter de Deus:
Se Gênesis foi à sementeira para os conceitos que resumiam a
concretização dos propósitos de Deus na história humana, Êxodo
poderia ser retratado como o veio do qual se extraíram todas as pepitas
teológicas do Antigo Testamento no que diz respeito ao caráter de Deus
e ao Seu relacionamento com o povo escolhido. As constantes
referências dos profetas ao livro e seus eventos são prova suficiente
desta afirmação. No livro de Êxodo, alguns dos atributos e
manifestações mais marcantes de Deus são os seguintes:
a. Deus é soberano:
Exemplos desta afirmação são numerosos em Êxodo. O
crescimento numérico dos israelitas sob opressão (1.12), a sobrevivência
de Moisés e sua adoção pela filha de Faraó (2.10), bem como a flagrante
obstinação de Faraó, são exemplos que antecedem ao êxodo. Mais tarde,
o afogamento do mais poderoso exército da terra (15.1-10) e a provisão
sobrenatural para as necessidades do povo (15.22–16.18) revelam em
grande escala o poder e a autoridade de Yahweh. Também em uma
micro escala, Sua soberania se manifesta, com o diminuto maná que não
126
Anderson Vicente Gazzi
caía no Sábado (16.26, 27) e apodrecia quando deixado sem cozinhar do
sexto para o sétimo dia!
b. Deus é santo:
Isto se vê no fato de que o próprio solo em que Sua autorevelação acontece é declarado santo (3.5). A santidade de Deus é
demonstrada no caráter moral de Sua aliança e na separação e obediência
exigidas de Seu povo (19.6). A Lei oferecia uma expressão verbal da
santidade de Deus, ao passo que o tabernáculo oferecia uma expressão
visual da mesma, com o valor crescente dos materiais e a acessibilidade
decrescente à medida que se aproximava da sede da glória residente
(s̆eqînâ), o Santo dos Santos.
c. Deus é justo:
A santidade divina manifesta-se em justo juízo contra aqueles
que violam a expressão de Seu caráter e vontade, quer revelada
oralmente perante Faraó, quer gravada em placas de pedra. Mesmo
Moisés, em sua crença relutante, incorre na ira santa de Yahweh (4.14).
Os exércitos do Egito são afogados pela manifestação da ira de Yahweh
(15.8-12), e o povo da aliança é severamente disciplinado quando seu
comportamento viola as recém-outorgadas (deḇārîm), “Palavras” que
resumiam a vontade moral de Yahweh para o Seu povo (32.7-10, 25-35).
A justiça de Deus é, assim, relacionada a Seu zelo (20.4; 34.14).
O caráter santo de Deus e Sua reputação perante o mundo não podem
ser tratados levianamente.
d. Deus é apaziguável:
As idéias da justiça e da ira de Deus podem comunicar a
impressão de que não há esperança para o indivíduo ou grupo que deixe
de cumprir Seus padrões. O termo apaziguável aqui empregado
intencionalmente para indicar a interação da ira santa e da graça
misericordiosa de Yahweh.
127
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Mesmo Faraó, o gentio e idólatra, reconhece que o Deus irado
dos escravos hebreus pode ser abordado em busca de misericórdia (cf.
10.16, 17). No incidente famoso por sua obscuridade, Zípora,
intuitivamente, percebe que a ira de Yahweh contra Moisés devia-se à
desobediência em relação ao mandamento de circuncidar todo macho
israelita (cf. Êx 4.24-26 e Gn 17.12-14). Apaziguar a Deus naquela
situação específica era questão de praticar aquilo que fora por muito
tempo adiado por Moisés (possivelmente porque os midianitas não
costumavam circuncidar os seus filhos).
Quando Israel pecou gravemente em idolatria e imoralidade, o
furor da ira de Yahweh (32.9, 10) teria consumido toda a nação, a não
ser pela humilde intercessão de Moisés (32.11-14). Mais adiante, o livro
de Levítico apresentará em intrincados detalhes a maneira precisa pela
qual um israelita crente se aproximaria de Yahweh para obter
propiciação. Este ato de tornar Deus favorável nunca foi um simples
suborno em Israel; Deus impunha as condições e oferecia os meios;
Israel tinha apenas de responder em fé.
e. Deus é auto-existente:
A revelação concernente ao nome Yahweh (3.13-15) é o centro
de uma prolongada polêmica entre os estudiosos. O próprio sentido da
expressão (ʾehyeh ʾăšer ʾehyeh), eu sou o que sou, é debatido. A opinião
deste autor é que ali Deus não introduziu um nome novo, pelo menos
no que diz respeito ao sentido denotativo da palavra, pois o
tetragramaton já fora usado em Gênesis 4. A novidade estava no sentido
conotativo, pois Yahweh, o Deus que sempre era e seria, entrava na
História para demonstrar que “se lembrava” de Seus compromissos
passados. Cole afirma tal realidade ao dizer que “Israel não foi deixado,
como aconteceu a outras nações, especulando sobre os problemas
quanto à existência e natureza dos deuses. Seu Deus era um ‘Deus que
está presente’, ativo na História, e que se revelou em palavra e ação”. As
implicações possíveis dessa frase, ainda enigmática depois de 3.500 anos,
são a soberania de Yahweh em revelar-Se ao homem e a singularidade de
Yahweh como o Deus que realmente existe.
128
Anderson Vicente Gazzi
•
A administração dos propósitos de Deus:
O plano quádruplo de Yahweh para a História inclui Seu decreto
de permitir o mal, Sua promessa e/ou ação para julgar o mal, a libertação
do mal para os/pelos eleitos, e o decreto de abençoar os eleitos. Êxodo
oferece certa continuidade e certa diferença em relação à maneira em que
Gênesis tratou esses temas.
a. O decreto de permitir o mal:
Êxodo tem várias circunstâncias na qual Deus permite que o mal
tenha livre curso até que Seus propósitos sejam alcançados. O livro
começa com a família-que-virou-nação sendo oprimida, um mal que
Deus permite para finalmente fazê-los voltar a Ele como seu Deus
pactual, de acordo com a promessa feita a Abraão (Gn 17.7). Mesmo o
fardo adicional lançado sobre os trabalhadores israelitas devido à
obstinada oposição de Faraó ao pedido mosaico de “férias coletivas” foi
mais tarde interpretado pelo salmista como um meio divino de preparar
Seu povo para desfrutar a vida na Terra Prometida (Sl 105.37).
A atitude do coração de Faraó está intimamente ligada ao
decreto divino de permitir o mal. À presciência divina das negativas de
Faraó (3.19) não elimina o exercício da vontade pessoal do monarca ao
manter Israel sob cativeiro, antes a confirma em obstinada incredulidade
até que o Egito esteja maduro para o juízo e Israel pronto para o
livramento (Rm 1.28).
Na ocasião em que a Lei está sendo outorgada, Israel chafurda
no culto imoral que absorvera durante sua permanência no Egito (cap.
32; 1Co 10.7), mas mesmo este incidente é permitido por Deus para
purificar Israel e melhor prepará-lo para ser o Seu povo pactual.
b. A promessa e/ou ação de julgar o mal:
Esta é, verdadeiramente, a ênfase da primeira parte do livro. As
parteiras tementes a Deus, ao desobedecer Faraó e manter vivos os
meninos israelitas, agem em Seu lugar, e Ele abençoa sua fidelidade
(apesar de não aprovar seus métodos).
129
Introdução ao Estudo do Pentateuco
A chamada de Moisés é o ato inicial pelo qual a promessa
patriarcal de retorno a Canaã será cumprida (3.8-10; Gn 15.12-16). Seus
atos milagrosos servem não apenas como libertação para Israel, mas
também como juízo divino sobre o mal da idolatria egípcia, cujos ídolos
e deuses animísticos são humilhados perante o Deus de Israel durante as
pragas e nas águas do mar dos Juncos. Tais atos são o cumprimento, em
curto prazo, de promessas encontradas nos primeiros capítulos do livro
(3.8, 20-22; 6.1, 6-8).
Outro elemento dessa ação divina de julgar o mal, embora
indiretamente, é a promulgação do Código da Aliança, cuja primeira
parte se encontra em Êxodo. A vida sob a promessa seria assim regulada
e o mal julgado de acordo com o caráter de Yahweh, conforme
manifesto na Lei.
c. Libertação do juízo para os/pelos eleitos:
Moisés aparece no livro como o instrumento de Deus para a
libertação, preparado por Deus em toda ciência e conhecimento do
Egito, como também ensinado na escola da humildade nos áridos
sertões de Midiã e do Sinai.
Em certo sentido, Moisés não pertencia à linhagem
profeticamente designada para trazer a semente escolhida (Gn 49.10).
Sendo, contudo, um descendente de Abraão, estava qualificado para
continuar a missão mais genérica de trazer bênção a todas as famílias da
terra, o que de fato fez primariamente por seu papel como Legislador.
Êxodo lança a base teológica sobre a qual os conceitos de
salvação no Antigo Testamento foram desenvolvidos. O conceito básico
era a idéia de libertação (nāṣal, 3.8), que descreve o ato de retirar Israel
do Egito. Um termo menos freqüente é (gāʾal, 6.6; 15.13), traduzido por
diferentes formas do verbo “redimir” ou “remir”, que fala ao mesmo
tempo de pagamento e relacionamento. O Deus que se relaciona em
aliança, Yahweh, é Aquele que providenciou a redenção por meio do
cordeiro pascal. Esta redenção será mais tarde o padrão com o qual
Isaías descreverá a futura restauração de Israel em termos de um
segundo êxodo (Is 43.1).
130
Anderson Vicente Gazzi
d. O decreto de abençoar os eleitos:
Exemplos desta parte do propósito de Deus estão geralmente
ligados às revelações prévias de seu plano concernente a Israel,
primariamente às promessas de Gênesis 15.12-21. Assim, Êxodo 3.8, 20,
22 e 6.1, 6-8 referem-se a manifestações divinas anteriores e a promessas
pactuais de dar a Israel a terra de Canaã.
Em última análise, Êxodo contemplava a redenção definitiva,
constituída não apenas de libertação do Egito, mas do estabelecimento
na terra (15.17), e no exercício da soberania de Yahweh como rei (15.18).
Para experimentar plenamente tais bênçãos, Israel teria de honrar a
aliança feita no Sinai, tornando-se assim “propriedade peculiar” de
Yahweh entre as nações (19.5). Isto não era uma substituição da aliança
abraâmica, mas uma definição mais focalizada das condições sob as quais
essas bênçãos seriam desfrutadas pela semente de Abraão.
Êxodo 19 é importante também por apresentar a maneira pela
qual a segunda parte da bênção abraâmica seria cumprida. Obedecendo à
aliança, Israel se tornaria um “reino de sacerdotes”, sendo, desse modo,
o canal pelo qual a bênção da soberania restaurada de Deus se estenderia
a todas as nações.
8. Contribuições Singulares do Livro:
a. A origem da nação de Israel:
Esse livro apresenta o antigo registro da origem e organziação
de Israel. Descreve seu princípio infame em terra estranha soba pesada e
cruel servidão, o livramento divino de captores relutantes e a pronta
organização do povo com um conjunto de leis espirituais, sociais e civis
para o governo da comunidade.
b. Primeiros milagres da bíblia:
Com excessão dos julgamentos sobrenaturais de Gênesis, as
pragas do Egito são a primeira demonstração de milagres ou sinais
sobrenaturais executados por homens. Essas pragas e a derrota inflingida
131
Introdução ao Estudo do Pentateuco
pelo Senhor ao exército egípcio no mar Vermelho retratam o Deus de
Israel, javé, como um “Guerreiro”.
9. Propósito:
Êxodo é um livro de livramento e estabelecimento. Nessa porção das
Escrituras, a aliança estabelecida em Gênesis com os patriarcas, à medida
que Yahweh irrompe no tempo e no espaço a fim de libertar Israel do
cativeiro e estabelecê-lo como nação com uma regra de vida para a
existência em Canaã e com a presença de Deus em seu meio,
transforma-se na história de Israel.
O propósito do livro é promover obediência fiel a Yahweh, o
Deus da aliança, relatando Sua atividade no livramento de Israel do
cativeiro (caps. 1−18), oferecendo-lhe uma regra para a vida sob a
promessa (caps. 19−31) e fazendo-Se presente em seu meio (caps.
32−40).
O livro começa com Israel sob a opressão dos Faraós da 18ª
dinastia (cap. 1). Em meio a um pogrom (genocídio), nasce um bebê que
Deus protege da morte e coloca no próprio palácio de Faraó para fazer
dele o libertador de Seu povo (2.1-10). Ao buscar identificar-se com seu
povo, Moisés vê-se rejeitado por Israel e perseguido por Faraó; começa
assim seu período de treinamento em Midiã (2.16-22).
A certa altura de sua permanência em Midiã, Moisés foi até o
monte Sinai, onde Yahweh Se manifestou a ele como o Deus pactual que
estava prestes a intervir em favor de Seu povo sofrido e sofredor
(2.23−4.17).
Embora extremamente relutante a princípio, Moisés é
persuadido a voltar ao Egito como representante de Yahweh com uma
dupla missão: revelar a Israel a nova maneira pela qual Yahweh se
relacionaria com a nação, como “Eu sou o que sou”, o Deus que faz
aliança, e para exigir que Faraó liberte os israelitas.
Seu retorno ao Egito é marcado, conforme Yahweh predissera,
pela oposição de Faraó, uma vez que o propósito de Yahweh era
demonstrar-Se superior aos falsos deuses do Egito, educando assim
Israel no monoteísmo depois de quatrocentos anos de exposição ao
crasso politeísmo no Egito (5.1 − 11.10). Este objetivo foi alcançado por
132
Anderson Vicente Gazzi
uma série de calamidades que atingiram o Egito em um intervalo de
aproximadamente um ano, esfrangalhando a economia do império
egípcio e expondo a impotência dos deuses egípcios.
Embora algumas dessas pragas estejam presentes em certo ciclo
natural, os episódios do êxodo claramente extrapolam os fenômenos
naturais, não apenas devido a sua intensidade, mas também em virtude
de sua miraculosa cessação (8.30, 31), além do fato de que uma área do
Egito permaneceu livre de pragas, a terra de Gósem, onde os israelitas
tinham suas casas.
Faraó, a quem Deus levantara para resistir a Sua vontade e usar
para demonstrar Seu poder, voltou atrás em suas promessas várias vezes,
até ser confrontado com a décima praga – a morte dos primogênitos
(11.1−12.36). Enquanto os israelitas celebravam sua milagrosa
preservação por meio do sangue do cordeiro da Páscoa (12.1-13), a
morte espalhou seu sinistro manto por todo o Egito, fazendo com que
os egípcios “subornassem” os israelitas para que saíssem de sua terra
(12.33-36).
O cumprimento das promessas feitas a Abraão aconteceu depois
de quatro gerações “abraâmicas” (12.37-42). Ainda assim, as doze tribos
que saíram do Egito eram pouco mais do que uma turba, cujo número
poderia chegar a dois milhões (12.37), extremamente necessitada de
identidade nacional, religiosa e social.
Os primeiros dias fora do Egito trouxeram Israel a uma situação
impossível de resolver, com a cavalaria egípcia em seu encalço e o mar
dos Juncos (mar Vermelho? Grande Lago Amargo?) adiante deles. Ali, a
capacidade de Yahweh de livrar Seu povo foi colocada a uma prova
definitiva e demonstrou ser verdadeira (14.1-31). Sob a liderança de
Moisés, Israel marchou a pé pelo leito do mar enxuto, ao passo que os
egípcios foram tragados pelas águas turbulentas do mar. O primeiro hino
de louvor de Israel, em celebração de seu livramento, foi entoado a seu
Deus Guerreiro. (cap. 15).
Na rota previamente prometida até o Sinai, a falta de preparo de
Israel, bem como sua falta de vontade de crer em Yahweh, ficaram
evidentes em suas freqüentes murmurações em razão de temporárias
faltas de água e de alimento. Fielmente, Yahweh proveu água em Mara
(15.22-27), codornizes e maná no deserto de Sim (cap. 16), água em
133
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Massá (17.1-7), e vitória contra Amaleque (17.8-16). Uma provisão
especial surge com a pessoa e o conselho de Jetro, sogro de Moisés,
cujas palavras sábias moldaram o que viria a ser o sistema judicial de
Israel (cap. 18).
Assim, a preservação do relacionamento com Israel exigia que a
turba que saíra do Egito recebesse um código de leis que a ajudasse a
tornar-se nação. Isso significava legislação religiosa, ética e civil. A
legislação é apresentada em forma resumida nas Dez Palavras, ou Dez
Mandamentos (20.1-21), que se desdobram no Livro da Aliança, no qual
as implicações religiosas, éticas e civis das Dez Palavras são
desenvolvidas (20.22−23.33).
Esse “Livro da Aliança” regula vários relacionamentos sociais de
um modo que ressalta a santidade de Deus e a santidade da vida humana.
A nação concorda em obedecer aos regulamentos propostos, e a Aliança
é ratificada por meio de sacrifícios e da aspersão do sangue (24.1-11).
Os capítulos 25 a 31 contêm informações detalhadas sobre a
estrutura portátil que abrigaria o culto de Israel e seria a sede da gloriosa
presença de Yahweh entre Seu povo. Doações voluntárias seriam
solicitadas (25.1-9) e a capacitação divina seria oferecida aos artífices para
o intrincado trabalho (31.1-11). Ao final deste manual de especificações
arquitetônicas, Moisés recebeu os sinais visíveis da aliança, as duas
tábuas de pedra (31.18; a prática de guardar uma cópia do tratado de
suserania no templo da divindade nacional).
A despeito desse cenário de grandeza, no sopé da montanha, a
aliança recém-celebrada já fora quebrada por um povo acostumado a
deuses visíveis, e tão duro de coração que não acreditava em Yahweh,
apesar dos muitos milagres que presenciara (32.1-6). Idolatria e
imoralidade grosseiras provocam o caos no acampamento de Israel, em
reação ao qual Moisés intercede com Yahweh em favor do povo e da
própria reputação divina (32.7-14). No entanto, Moisés, quando
confrontado ele mesmo com a cena, arde com ira santa e, em
consonância com os atos da nação, quebra as tábuas da aliança (32.1519).
Depois de disciplinar os idólatras com a ajuda dos levitas (que
assim se recuperam do ato infame de seu ancestral em Siquém, Gn 34),
Moisés uma vez mais intercede por Israel, suplicando a Yahweh que Sua
134
Anderson Vicente Gazzi
presença não seja retirada do meio do povo (33.12, 13, 15, 16).
Graciosamente, Yahweh restaura a aliança e revela-Se a Moisés (34.1-9),
dando-lhe atestação pública de seu papel, ao fazer com que o rosto de
Moisés reflita algo da glória divina, como mediador em nome de Yahweh
(34.29-35; 2Co 3.7, 13).
Por fim, o cenário está pronto para a construção do tabernáculo.
Por meio de contribuições fiéis (35.1-19), da capacitação divina
(35.30−36.7) e da conformidade ao padrão divino dado a Moisés, o
tabernáculo foi completado no primeiro dia do mês de Abibe de 1445
a.C. A inspeção oficial de Moisés certificou que a construção e sua
mobília, bem como as vestes sacerdotais, estavam de acordo com as
especificações divinas, e a cerimônia de dedicação aconteceu (a
dedicação dos sacerdotes é descrita em Levítico 8 e 9).
O ponto culminante do livro é a descida da nuvem da glória de
Yahweh sobre o tabernáculo, que é, nesse momento, cheio da shekinah,
a glória residente de Yahweh (40.34, 35). A turba de escravos agora tem
um código de leis, um ministério sacerdotal para interceder perante Deus
e direção divina para a sua jornada em direção até a Terra Prometida
(40.36-38). As promessas feitas aos patriarcas foram preservadas e
acham-se a caminho de sua plena fruição.
10. Esboço:
I. Opressão dos Hebreus no Egito (1.1-11.10)
A. Sofrimentos dos Oprimidos (1.1-22)
B. Preparação do Libertador (2.1-4.31)
1. Nascimento de Moisés e Seus Primeiros 40 Anos (2.1-15a)
2. Exílio de Moisés e o Seu 2º Período de 40 Anos (2.15b - 25)
3. Chamada de Moisés e Seu Regresso ao Egito (3.1-4.31)
C. Luta com o Opressor (5.1-11.10)
1. A Petição: Deixa Meu Povo Ir (5.1-3)
2. A Resposta: Perseguição Tirânica de Faraó (5.4-21)
3. A Garantia: O Senhor Manifestará Seu Senhorio (5.22-7.13)
4. O Recurso: As Dez Pragas (7.14-11.10)
135
Introdução ao Estudo do Pentateuco
II. Livramento dos Hebreus do Egito (12.1-13.16). (Aqui
começa o 3o período de 40 anos da vida de Moisés; At 7.36)
A. Livramento na Páscoa: Redenção pelo Sangue (12.1-15.21)
B. Livramento no Mar Vermelho: Redenção pelo Poder (13.17-14.31)
C. Cânticos do Livramento: Louvor ao Redentor (15.1-21)
III. Ensinamento a Israel a Caminho do Monte Sinai (15.2219.2).
A. A Prova da Adversidade e o Cuidado Providente de Deus (15.2219.2)
1. A Primeira Prova: Águas Amargas em Mara (15.22-27)
2. A Prova da Fome: Provisão de Codornizes e Maná (16.1-36)
3. A Prova da Sede: Água em Refidim (17.1-7)
4. A Prova do Combate: A Luta com Amaleque (17.8-16)
B. O Conselho Sábio de Jetro (18.1-27)
IV. O Pacto de Deus com Israel no Monte Sinai (19.3-24.18)
A. Instruções Preparatórias a Moisés (19.3-24.18)
B. Os Dez Mandamentos: Diretrizes de Vida e Conduta sob o Concerto
(20.1-17)
C. Ordenanças Preventivas do Relacionamento Pactual (20.18-23.19)
D. Promessas Concernentes à Terra Prometida (23.20-33)
E. Ratificação do Concerto (24.1-18)
V. Normas de Adoração a Deus por Israel, no Monte Sinai
(25.1-40.38)
A. Instruções a Respeito do Tabernáculo (25.1-27.21)
B. Instruções a Respeito dos Sacerdotes (28.1-31.18)
C. O Pecado de Idolatria (32.1-34.35)
D. Implementação das Instruções Divinas (35.1-40.38)
136
Anderson Vicente Gazzi
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO V:
- HILL, Andrew E. e WALTON, J.H. Panorama do Antigo Testamento. Belo
Horizonte: Vida, 2000.
- WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001.
- GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos”. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
- DOCKERY, David S. Manual Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2001.
- DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
137
Introdução ao Estudo do Pentateuco
138
Anderson Vicente Gazzi
VI – O LIVRO DE LEVÍTICO:
Levítico está estreitamente ligado ao livro de Êxodo. Êxodo
registra como os israelitas foram libertos do Egito, receberam a Lei de
Deus e construíram o Tabernáculo segundo o modelo determinado por
Deus; termina quando o Santo vem habitar no Tabernáculo recémconstruído (Êx.40.34). Levítico contém as leis que Deus deu a Moisés
durante os dois meses entre o término do Tabernáculo (Êx.40.17) e a
partida de Israel do monte Sinai (Nm.10.11).
Levítico é o terceiro livro de Moisés. Mais de cinqüenta vezes, o
livro declara que seu conteúdo encerra as palavras da revelação que Deus
deu diretamente a Moisés para Israel, as quais, Moisés, a seguir, reduziu à
forma escrita.
1. Título:
O título do terceiro livro do Pentateuco é de certa forma,
equivocado, uma vez que o adjetivo grego (leuitikon), usado pelos
tradutores da Septuaginta como título para o livro, significa “aquilo que
diz respeito aos levitas”, que quase não são mencionados no livro. As
traduções latinas e das diversas línguas ocidentais preservaram o título
grego por meio de simples transliteração.
O título hebraico é (wayyiqra’, “e ele [Yahweh] chamou”), a
primeira palavra do Texto Massorético. O título em si não é descritivo,
mas oferece indícios de alto conteúdo revelacional do livro, no qual
Deus (Yahweh) fala diretamente a Moisés e/ou Arão nada menos do que
38 vezes.
2. Fundo Histórico:
a. Data em que foi escrito: (cerca de 1440 a.C.)
Moisés deve ter composto esse livro logo depois do êxodo,
durante os anos de peregrinação e relativa folga em CadesBarnéia. Embora grande parte de seu conteúdo tenha sido
recebida diretamente de Deus, sua organização na forma
139
Introdução ao Estudo do Pentateuco
que conhecemos deve ter tido lugar depois da revolta e do
castigo de 40 anos no deserto, vividos por “toda a geração
daqueles que lhe tinham desagradado com seu mau
procedimento” (Nm.32.12).
b. Período de tempo envolvido: (cerca de 30 dias)
Moisés evidentemente deu essa legislação logo depois de
levantado o tarbernáculo em 1 de abril de 1444 a.C. e antes
de o povo se pôr em marcha em 20 de maio (Êx.40.17;
Nm.10.11). Como os últimos 20 dias foram dedicados ao
censo (Nm.1.1), os acontecimentos de Levítico ocorreram
provavelmente nos 30 dias do mês de abril (abibe).
Durante esse tempo, os israelitas celebraram durante 7 dias
o primeiro aniversário da Páscoa e do êxodo (Nm.9.1-12).
Os que estavam imundospor terem tocado o cadáver de um
homem tiveram a permissão de celebrar a Páscoa um mês
mais tarde.
•
Cenário Religioso:
Recém-saídos do Egito idólatra, os aproximadamente 2,5
milhões de israelitas passaram o primeiro ano nas
montanhas desertas do Sinai. Os teólogos chamam esse ano
de “teológico”, pois nele o povo recebeu uma quantidade
enorme de verdades religiosas. Em vez de irem diretamente
para Canaã, foram levados pela coluna de fogo e pela
nuvem, rumo ao sul, para o Sinai. Antes de confrontarem o
inimigo, precisavam de uma comunhão especial com o
Senhor. Para que isso acontecesse, Deus proveu-lhes
comida, água, vestuário e saúde, a fim de afastá-los da
idolatria e ensinar-lhes os caminhos e o caráter do Deus
único e verdadeiro.
Havendo recebido a Lei e o tabernáculo, precisavam ser
instruídos quanto à adoração e culto no santuário e acerca
da maneira de ter uma vida de santidade. Levítico provê
140
Anderson Vicente Gazzi
essa instrução, especialmente para o ministério dos
sacerdotes. Esclarece a maneira adequada de expiação, ou
propiciação, pelo pecado e como deve ser feita a separação
para o culto.
•
Relação de Levítico com os outros Livros de Moisés:
Enquanto outros livros tratam mais de história, Levítico
refere-se quase somente a leis (com excessão dos capítulos
8-10). Sua legislação é primordialmente sobre ritos
religiosos. Trata da organização espiritual do povo, assim
como Êxodo e Números tratam da organização civil, social
e militar. Sua frase-chave é “Sejam santos porque Eu, o Senhor, o
Deus de vocês, sou santo” (Lv.19.2). A palavra “santo” significa
“reservado” para o Senhor.
Levítico é o centro do Pentateuco, não só quanto à ênfase,
mas também quanto à localização. Gênesis e Êxodo
retratam a ruína do homem e a conseqüente libertação de
toda forma de idolatria, servidão e morte. Números e
Deuteronômio preparam a nação para o culto e a conquista.
Levítico, porém, enfatiza a necessidade de adoração e
comunhão com o Senhor. Entre o perdão de Êxodo e o
poder de Números, faz-se necessária a pureza de Levítico.
Adoração e comunhão são apresentadas para preencher a
lacuna, de maneira que a redenção possa ser adequadamente
apresentada e o culto efetuado de maneira correta.
3. Autoria:
A conclusão de que Moisés escreveu Levítico procede do caráter
interno do próprio Levítico e do Pentateuco como um todo, além de
referências do Antigo e Novo Testamento que apontam Moisés como o
autor do Pentateuco. (Para maiores detalhes ver o Capítulo 3 –
Introdução ao Pentateuco)
141
Introdução ao Estudo do Pentateuco
4. Data:
Levítico relata do início ao fim, as palavras de Deus a Moisés e
ao seu irmão Arão, mas jamais informa quando e como essas palavras
foram escritas. A data exata em que Levítico foi escrito permanece um
tanto incerta, embora tenha ocorrido, sem dúvida, durante a
peregrinação no deserto antes da morte de Moisés (cerca de 1406 a.C.).
A maioria dos exegetas críticos situa a redação de Levítico na era pósexílica (em torno do século VI a.C.), muitos séculos depois de Moisés.
No entanto, essa opinião é improvável porque o conteúdo de Levítico
não se ajusta a este período tardio: o culto do segundo templo difere de
modo significativo do que é apresentado em Levítico. Além disso,
Levítico é pressuposto ou citado em livros mais antigos, tais como
Deuteronômio, Amós e, de forma mais evidente, Ezequiel. Outros
argumentos contra a origem de Levítico na época de Moisés também são
convincentes. O livro reflete os ideais de culto e santidade que eram
aceitos em Israel desde o tempo de Moisés até a queda de Jerusalém em
587/86 a.C.
5. Características Literárias:
•
Forma:
Levítico é quase que exclusivamente literatura legal. A não ser
pelos capítulos 8 a 10, o livro contém regulamentos sobre os aspectos
rituais da vida de Israel, não apenas aqueles imediatamente ligados ao
culto, mas também alguns que lidavam com situações do cotidiano e sua
influência sobre a participação do indivíduo ou de um grupo na adoração
a Yahweh. Levítico, assim como Êxodo, inclui tanto leis apodícticas (o
capítulo 19 é o principal exemplo) quanto casuísticas (o capítulo 13 é um
exemplo marcante deste tipo de legislação).
Archer oferece evidências arqueológicas da natureza e forma dos
códigos legais do segundo milênio a.C. na Fenícia e na Mesopotâmia, as
quais indicam a necessidade de aceitar uma autoria mosaica para
Levítico, em vez de postular fontes mais recentes como o código H (de
Holiness, “santidade”) e P (de Priestly, “sacerdotal”).
142
Anderson Vicente Gazzi
•
Estilo:
Um artifício literário interessante no livro de Levítico é a
descrição das diversas formas de sacrifício, seguida pela legislação
referente a sua execução, quando o mais esperado seria que a forma e a
função para cada tipo de oferta fossem dados em conjunto.
O uso de fórmulas introdutórias para seções específicas do livro
é outro traço literário marcante desse livro. Assim, nos capítulos 1 a 3, a
expressão (qorḇān, “oferta”) é predominante; nos capítulos 4 e 5 (até 6.7
na versão portuguesa), a expressão-chave é (wenislaḥ, “e ser-lhe-á
perdoado”). Nos capítulos 6 a 17 (a partir de 6.8 em português), a
fórmula mais usada é (zōʾṯ ṯôraṯ, “esta é a lei de”), e por fim nos capítulos
18 a 26, o indicador literário comum é a frase (ʾăn’ yhwh ʾĕlōheyḵā, “Eu sou
o Senhor teu Deus”).
A presença de tais fórmulas literárias em Levítico, de maneira
alguma, deve ser entendida como prova de diferentes fontes literárias ou
documentos não-mosaicos. Indica apenas que Moisés, embora sem
impor um padrão literário uniforme ao livro, certamente valeu-se dos
padrões literários mais apropriados para o propósito de cada seção. G. J.
Wenham observou bem que “é importante destacar a natureza
especulativa de todas as tentativas de descobrir fontes em Levítico”.
6. Estrutura Teológica:
•
A Pessoa e o Caráter de Deus:
Em contraste com Gênesis e Êxodo, em que as narrativas
produziam farto material dos quais se poderiam derivar traços
subjacentes do caráter divino ou de princípios divinos de ação, Levítico
tem um mínimo de narrativa e um máximo de legislação. Estes, no
entanto, oferecem percepções significativas da pessoa e do caráter de
Deus em Seu relacionamento com o povo e na provisão que faz para que
a comunhão pactual seja preservada.
143
Introdução ao Estudo do Pentateuco
a. Deus é santo:
O versículo-chave do livro é um mandamento límpido de
Yahweh. Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo (19.2).
Santidade significa separação de alguma coisa para um propósito ou uso.
No caso de Yahweh, significa Sua separação do mal em toda e qualquer
de suas formas. O objetivo dessa legislação, como também a razão da
narrativa chocante da morte de Abiú e Nadabe, no capítulo 10.
Assim, a comunhão desejada (ou melhor ordenada) por Yahweh
com Seu povo dependia da assimilação de Seu conceito de santidade
pelos israelitas. Esse conceito era radicalmente oposto ao uso do termo
(qōḏeš, “santidade”) pelos cananeus, para quem ser (qāḏôš, “santo”)
significava envolver-se com as formas mais degradantes de imoralidade,
como ser prostituto ou prostituta cultual.
Israel, ao buscar os padrões divinos de santidade, teria de deixar
para trás a forma de ser (ḥōl, “comum” ou “profana”), ir além da forma
neutra de ser (ṭāhōr, “limpo”), para chegar à vida de identificação positiva
com a pureza, a vida (qeḏôs̆â, “santa”). Em muitos casos, a santidade era
relacionada ao status cerimonial na comunidade, e o indivíduo e, até
mesmo, toda a comunidade poderiam precisar progredir da forma de
vida mais baixa, (ṭāmēʾ, “impura”), para cima, em direção ao perdão e
aceitação de Yahweh.
b. Deus é imanente
O propósito de Deus, expresso nas palavras de Êxodo 25.8, era
viver entre o Seu povo. As instruções detalhadas concernentes ao lugar
de Sua manifestação, oferecidas em Êxodo, são seguidas de instruções
igualmente detalhadas sobre como preservar o privilégio de Sua
presença, encontradas em Levítico.
Outras nações do Oriente Médio antigo compartilhavam o
conceito de ter a divindade nacional habitando no meio do povo. Israel,
todavia, se destacava entre elas por desfrutar a presença de Yahweh por
meio de um culto puro – cerimonial e eticamente puro – de modo a
refletir o caráter santo de seu Deus.
144
Anderson Vicente Gazzi
Outro aspecto merece ser observado, pois além da presença
gloriosa manifestada acima da arca da aliança no Santo dos Santos, havia
uma presença geral, santificadora, que afetava e impunha exigências
sobre a religião de Israel (caps. 21–24), sobre os padrões de
comportamento sexual (caps. 18 e 20), e sobre as relações interpessoais
(caps. 19 e 25) dos israelitas.
c. Deus é gracioso
Em Levítico, nove vezes a frase (wenislaḥ lô, “e ser-lhe-á
perdoado) apresenta a maravilhosa realidade de que Deus havia
providenciado o perdão para algum tipo de deficiência (4.20, 26, 31, 35;
5.10, 13, 16, 18; 6.7). Isso aponta para o fato de que havia uma eficácia
espiritual nos sacrifícios que Yahweh graciosamente planejara e revelara
a Israel.
Uma vez que Seu propósito não era simplesmente libertar Israel
do caos e da desordem da escravidão corporal no Egito, mas também do
caos e da desordem de uma vida dominada pelo pecado, pela doença e
pela morte, o sistema sacrificial transmitido à nação por Moisés
englobava cada aspecto da vida e fazia provisão para impurezas morais e
cerimoniais por meio do princípio de expiação vicária (i.e., substitutiva).
O perdão de Yahweh sempre foi gratuito, mas nunca barato, já que
sempre envolveu a entrega de uma vida em lugar de outra, com o
benefício sendo apropriado mediante a fé.
O ponto culminante da graça de Yahweh na vida da nação
ocorria no chamado (“Dia da Expiação” - o tradicional yôm haḵkipp̄ ûrîm,
23.27), quando os pecados de todo o ano eram expiados e,
figurativamente, “despachados” para o deserto, removidos da vista da
congregação. O retorno do sumo sacerdote do Santo dos Santos
significava que Yahweh havia graciosamente estendido a Sua presença e
proteção sobre a nação por mais um ano.
•
A Administração dos propósitos de Deus:
Levítico não contém muitos elementos narrativos por meio dos
quais seja possível estabelecer como se dá a atividade de Deus na
145
Introdução ao Estudo do Pentateuco
História. O decreto de permitir o mal fica implícito nas descrições dos
sacrifícios e das deficiências espirituais que os motivavam, bem como
nas longas listas de alimentos e práticas proibidos, que revelam tanto a
alienação da criatura de seu Criador quanto à alienação entre criatura e
criatura.
O juízo contra o mal transparece no sistema de expiação vicária,
em que vida é preço de vida diante de um Deus santo e justo. O
incidente dramático de Nadabe e Abiú serve para indicar, de maneira
clara, a importância da absoluta fidelidade às estipulações da aliança,
mesmo àquelas que parecessem mais banais. O contexto sugere os
crimes de usurpação de autoridade, insubordinação à legislação pactual e
possível embriaguez, um contraste marcante com o ideal de santidade
exigido de quem se propunha a servir perante Yahweh. Encontra-se o
mesmo rigor nas maldições contra a desobediência pactual prometidas
em 26.14-39.
O livramento por meio da semente escolhida não recebe grande
ênfase em Levítico, em que apenas a restauração da nação, depois do
castigo pela desobediência (26.40-45), pode ser diretamente relacionada a
esta linha do plano mestre de Yahweh.
A bênção aos eleitos, por fim, transparece no desfrute da Terra
Prometida e da comunhão com Yahweh por meio da obediência pactual
(26.1-13). Israel possui a certeza, todavia, de que Deus jamais a
abandonaria, nem descartaria as promessas pactuais feitas a Abraão
(26.44, 45).
7. Contribuições Singulares do Livro:
a. Mensagem Direta do Senhor para Israel:
Levítico difere do resto do Pentateuco por ser quase todo ditado
pelo Senhor a Moisés em favor de Israel. Mais do que em qualquer outro
livro da Bíblia, o Senhor se identifica em Levítico pela frase: "Eu sou o
Senhor." Ao falar do tabernáculo há pouco determindado, a primeira
lição do Senhor para Israel foi sobre o tema: "Santidade". Desse modo,
Deus identificou-se constantemente como o Senhor da aliança, ou
"Yahweh".
146
Anderson Vicente Gazzi
b. Princípios Divinos de Santidade:
A palavra "santo" (qodesh) é usada em Levítico mais do que nos
outros livros bíblicos. Significa "reservado", mas neste livro é usada no
sentido de "reservado para o Senhor". Embora em Levítico o termo seja
utilizado mais para coisas e lugares, é também empregado para descrever
o Senhor (Lv.11.44ss) e, com certa frequência, o povo do Senhor é
instruído a "ser santo". É interessante notar que o Espírito Santo não é
mencionado, mas talvez isto sirva para marcar a obra objetiva de Cristo
nas ofertas como base da santidade. Essa santidade descrita não é um
estado de espírito quanto à devoção. Ela significa apenas ser separado
para Deus. Separado do que é profano. No capítulo 18, quando
admoesta o povo a separar-se da imoralidade dos cananeus, o Senhor
enfatiza pela primeira vez no livro a sua identidade (Lv.18.2-3). Por meio
daquele povo estava o Senhor fazendo notório o seu santo nome entre
as nações, e agora os descendentes de Abraão deviam santificar-se para
Deus.
c. Instrução do Senhor para Adoração e Comunhão:
A instrução do Senhor em Levítico não foi dada como um meio
de salvação, mas de aproximação de Deus. A redenção foi tipificada no
cordeiro da Páscoa, e não nas ofertas levíticas. Estas ensinam o povo de
Deus como adorar, dar graças e restaurar a comunhão interrompida pelo
pecado. Esse reencontro com o Senhor é apresentado como um
relacionamento de amor que envolve duas coisas em um sacrifício: a
oferta de um animal valioso e o derramamento de sangue. A primeira
trata da oferta do crente a Deus, e a segunda da dádiva de Deus em
expiação pelo pecado do homem. Como o amor sempre envolve a
doação de si próprio, a comunhão com o Criador precisa ser sacrificial.
O adorador não chega a Deus de mãos vazias, como o pecador em busca
da salvação. Ação de graças não pode ser compreendida ou oferecida
sem "doação".
147
Introdução ao Estudo do Pentateuco
d. Livro Bíblico de Derramamento de Sangue:
Levítico fala de sangue noventa e três vezes, um número bem
maior do que a palavra "santo". Geralmente não colocamos esses dois
termos lado a lado, pois a matança é repugnante, e não faz parte do
nosso atual conceito de devoção. Todavia, nos tempos bíblicos matar
um animal era coisa comum, tanto para uso doméstico como religioso.
Devemos levar em conta o fato de que, pela sua natureza, a religião
redentora tem de envolver "derramamento de sangue", porque "é o
sangue que fará expiação" pela alma (Lv.17.11). Deus introduziu esta
verdade no mundo pela primeira vez quano ele falou a Adão e Eva após
o pecado. Porém, é em Levítico que essa verdade aparece sistematizada,
e define os diversos significados das ofertas típicas. Para Israel, as ofertas
simbolizam verdades sobre adoração e comunhão. Para nós, tipificam
muitos aspectos da oferta de Cristo, quando ele se tornou o tipo de
todas as ofertas. Sem essas explicações de Levítico, os crentes do Novo
Testamento talvez não compreendessem o significado da morte de
Cristo na cruz. Cada crente deve, portanto, familiarizar-se mais e mais
com o valioso material de Levítico.
•
Sistema Sacrificial de Ofertas do Antigo Testamento:
I. Origem e História das Ofertas no Antigo Testamento:
a. Deus sacrificou animais para vestir Adão e Eva na ocasião
em que fez a sua aliança redentora (Gn.3.15-21).
b. A oferta de sangue de Abel foi aceita “pela fé” (Gn.4.4;
Hb.11.4).
c. Noé adorou a Deus com a oferta de animais limpos no
mundo após o Dilúvio (Gn.8.20).
d. Fazer ofertas era quse uma prática universal dos povos
antigos.
e. O Senhor apresentou um sistema de ofertas como parte
israelita da aliança.
II. Importância das Ofertas no Antigo Testamento:
a. Ofertas de sangue simbolizavam o princípio vicário de
expiação do pecado através da doação da vida.
148
Anderson Vicente Gazzi
b. Representavam
arrependimento,
fé,
adoração
e
agradecimento a Deus.
c. Constituiam religião em ação (Hb.11.4: “Pela fé Abel
ofereceu...”).
d. Reconheciam e confessavam o direito de Deus sobre a vida
e bens do homem.
e. Tipificavam vários aspectos da oferta “definitiva” de Cristo.
III. Significado das Ofertas Levíticas:
A Oferta
Símbolo para Israel
Tipo de Cristo
A Oferta Redentora (Êxodo 12.1-13)
Redenção do pecado e morte
A oferta de Cristo pelo pecado
Cordeiro da
através do sangue de um
Páscoa
como o Cordeiro de Deus (Jo.1.29)
cordeiro
Ofertas de Adoração (Levítico 1-3)
Ofertas
Cristo dedicou-se completamente a
Dedicação da vida a Deus
Queimadas
Deus (Hb.10.5-7)
O corpo e Cristo apresentado a
Oferta de
Consagração da produção a
Deus como uma vida perfeita
Cereais
Deus
(Hb.10.5)
Expressão de agradecimento a
Oferta de
A oferta e Cristo provê paz com
Deus por partilhar com Ele e
Paz
Deus (Ef.2.14)
com os outros
Ofertas de Restauração (Levítico 4-7)
A oferta de Cristo provê contínua
Oferta pelo
Restauração à comunhão pelo
renovação pela confissão (Hb.9.12,
Pecado
sangue substituto
26; 1Jo.1.9)
Restituição pelos danos do
A oferta de Cristo perante Deus
Oferta pelas
pecado contra Deus e o
compensa o dano do pecado
Culpas
próximo
(2Co.5.19)
Ofertas Cerimoniais de Purificação (Levítico 14; Números 19)
Purificação espiritual da
A oferta de Cristo purifica a
Duas Aves
contaminação de doenças
contaminação das doenças
físicas
(Hb.9.22)
Novilha
Purificação espiritual de
A oferta de Cristo purifica de
Vermelha
contaminação fortuita
contaminação fortuita (Hb.9.13,14)
149
Introdução ao Estudo do Pentateuco
e. Ame seu Vizinho; Ame seu Inimigo:
Levítico 19 costuma ser chamado de o “Sermão do Monte” do
Antigo Testamento. Podia facilmente ser considerado um texto de
autoria de Jesus, se bem que, de certa forma, nenhum texto bíblico está
fora dessa condição. Este livro apresenta o ponto alto do amor ao
próximo no Antigo Testamento, amor ordenado por Deus em termos
claros e concisos. Cada ordem é seguida por: “Eu sou o Senhor”. Jesus
considerou essa ordenança como o segundo grande mandamento da lei
de Deus (Mateus 22.39).
f.
O Grande Dia da Expiação de Israel – “Yom Kippur”:
O décimo dia do ano novo (10 de Zicri), dia em que ocorre o
ritual de “Yom Kippur”, foi considerado o mais santo do ano. Era
reservado para o lamento pessoal de quaisquer pecados não confessados
do ano anterior, realçado por uma cerimônia nacional que simbolizava
aquela confissão e a obra de Deus em remover aqueles pecados através
da oferta de dois bodes. A preparação para esse ritual exigia a oferta de
um novilho para a cerimônia da purificação do sumo sacerdote a fim de
que ele pudesse executar o santo dever de entrar na presença de Deus no
Santo dos Santos. Lançavam-se sortes, e um bode era escolhido para ser
sacrificado ao Senhor. Enviavam o outro para “Azazel” (ou destruição),
como “bode expiatório”. O bode sacrificado simbolizava os “meios de
expiação”, um substituto adequado, e o bode expiatório a “consequência
da expiação”, a remoção dos pecados. Somente nesse dia do ano o sumo
sacerdote entrava no Santo dos Santos, uma vez por ele mesmo e uma
pelo povo.
A palavra “expiação”, usada tão somente no Antigo Testamento,
significa literalmente “cobrir” (Kaphar), e aparece 52 vezes em Levítico.
O simbolismo dos dois bodes cumpriu-se com a morte de Cristo na
cruz: como “bode sacrificado”, Cristo com o seu sangue tornou-se
propiciação (satisfação) perante Deus pelos nossos pecados, abrindo-nos
o caminho até a presença dele. Como “bode expiatório”, ele se tornou
“Cordeiro de Deus”, tirando o pecado do mundo (Jo.1.29). Isaías 53
descreve a dupla missão. Até hoje os judeus observam com respeito essa
150
Anderson Vicente Gazzi
data (o Dia da Expiação) como o maior dia de “jejum” [Finkelstein,
Louis – Os Judeus: Sua História, Cultura e Religião, Vol.II, p.1783], e
empregam toda ênfase no afastamento das animosidades sociais para
renovar os laços de amizade. Tal atitude, é claro, enfatiza mais o
resultado da expiação do que o processo.
g. O Calendário Sagrado Israelita dos “Sábados”:
Desde que a saída do Egito simbolizou o nascimento de Israel
como nação, o mês daquele acontecimento (Nisã) tornou-se o primeiro
do ano sagrado. Nesse calendário o número sete sobressai de diversas
maneiras:
I. O sábado semanal – sétimo dia;
II. A festa da Páscoa e o Pão Asmo – sete dias de duração;
III. A festa do Pentecoste – sétima semana depois das Primícias;
IV. A festa das Trombetas, Expiação e Tabernáculos – sétimo mês
sagrado;
V. O Ano Sabático (de descanso) – sétimo ano;
VI. O Ano Sabático do Jubileu – sétima semana de (quinquagésimo)
anos antes do Jubileu.
Embora esses sábados tivessem objetivos físicos e sociais, o seu
propósito maior era dar ênfase ao relacionamento da aliança pelo
encontro com o Senhor da aliança, e reflexão sobre a lei e as promessas.
•
Calendário Hebraico das Festas Sagradas:
Observe os objetivos históricos das festas:
I. Político – Manter a nação unida por meio de convocações
regulares.
II. Social – Renovar amizades nas festas da colheita.
III. Religioso – Adorar o Deus da aliança e lembrar o
relacionamento com Ele baseado na aliança.
151
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Imagem Retirada da Bíblia de Estudo Pentecostal
Observe o cumprimento das festas típicas:
I. As festas da primavera foram cumpridas na morte e ressurreição
de Cristo e no nascimento da Igreja como as primícias do
Pentecoste.
II. As festas do outono ainda estão para ser cumpridas tipicamente
quando Israel reunir-se novamente no princípio de seu “novo
ano”; quando tiver o seu período de lamentação e purificação
espiritual; e quando começar o milênio das bênçãos.
152
Anderson Vicente Gazzi
h. Tipos de Cristo em Levítico:
Este livro sacerdotal obviamente prefigura Cristo na sua obra
como sumo sacerdote da nossa salvação. Do mesmo modo que
Melquisedeque tipificou a pessoa de Cristo, Arão tipificou a obra do
nosso Salvador, que é retratada em Levítico:
I. Função oficial de Arão: Oferecer ofertas pelo pecado e
interceder pelos pecadores. Do mesmo modo Cristo ofereceu-se
a si mesmo na cruz pelo pecado, e em seguida entrou na
presença de Deus para interceder pelo seu povo (Is.53.12).
II. Ofertas de Arão em três espécies:
- O cordeiro da Páscoa tipificou Cristo como substituto
para prover redenção ou livramento da morte.
- As cinco ofertas de adoração e reparação tipificaram a
oferta da própria vida e morte de Cristo para prover
comunhão perfeita com o Pai, bem como paz e alegria
entre o seu povo.
- Os dois bodes do Dia da Expiação retratam o assunto
“pecado” solucionado com perfeição por Cristo, que
pagou o preço do julgamento do pecado e removeu-o
para um lugar de destruição.
•
Festas Sagradas de Israel e o seu Significado:
O propósito divino nas festas de Israel era o de trazer o
elemento tempo para o círculo de adoração. Eram os “encontros” do
Senhor com Israel para comunhão, instrução e reflexão sobre o
relacionamento e as responsabilidades da aliança. Vem a seguir um
sumário das datas e funções específicas:
O Sábado Semanal – Observado em Lv.23.3 para introduzir as
festas anuais.
Objetivo: Dar descanso ao homem e animais e
prover um período especial para Israel lembrarse do Senhor que guarda a aliança.
153
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Ritual: Abster-se de todo o trabalho. Os
sacerdotes deviam fazer as ofertas diárias em
dobro e apresentar novos pães da proposição
no Tabernáculo.
Tipo: Tipificava os crentes descansando na obra
concluída de Cristo (Hb.4.1-10)
A Festa da Páscoa e a dos Pães Asmos – Dia 14, e de 15 a 22
de Abibe.
Objetivo: Lembrar o livramento da servidão e
morte no Egito e o fato de o Senhor tê-os
aceitado como seus “primogênitos”.
Ritual: Reunir todos os homens em frente ao
Tabernáculo. Com as casas sem fermento, um
cordeiro sem mácula seria sacrificado e comido
pela família.
Tipo: O cordeiro sacrificado tipificou a morte
vicária de Cristo pelo pecado; o pão asmo, sua
vida sem pecado, da qual os crentes se
alimentam, em reflexão.
Festa das Primícias – 16 de Abibe (segundo dia dos Pães
Asmos; originalmente no domingo).
Objetivo: Dedicar ao Senhor toda a colheita da
terra em que habitavam.
Ritual: Os molhos das primícias, selecionados
no décimo dia, eram movidos em oferecimento
ao Senhor no dia 16. (Mais tarde os grãos
passaram a ser também colhidos)
Tipos: As Primícias tipificavam a ressurreição
de Cristo como as primícias da ressurreição dos
crentes (1Co.15.20,23).
154
Anderson Vicente Gazzi
Festa do Pentecoste (semanas) – 6 de Abibe (domingo)
Objetivo: Agradecer a colheita da cevada,
dedicar a próxima colheita do trigo e lembrar o
livramento da escravidão do Egito.
Ritual: Reunir os homens em frente ao
Tabernáculo; apresentar ao Senhor dois pães
levedados (como alimento diário), e mostrar
liberalidade para com o pobre.
Tipo: Os dois pães tipificavam a dupla colheita
do Espírito, das primícias da igreja e mais tarde
de Israel (Tg.1.18; Ap.14.4)
Festa das Trombetas – 1 de Tishri (mais ou menos em
outubro)
Objetivo: Marcar o início do ano civil e alertar a
nação para o início do mês sagrado, com suas
importantes atividades.
Ritual: As trombetas soavam por muito mais
tempo e com som mais alto do que na outras
luas novas.
Tipo: A nova reunião de Israel antes do dia de
lamentação e regozijo milenário.
Dia da Expiação – 10 de Tishri (mais ou menos em outubro;
originalmente numa sexta-feira)
Objetivo: Expiar quaiquer pecados ainda não
expiados e simbolizar a eliminação divina
desses pecados, purificando assim a nação por
mais um ano.
Ritual: Chorar e afligir as suas almas; o sumo
sacerdote oferecia um novilho e dois bodes, um
bode para simbolizar a expiação e outro para
levar sobre si todas as iniquidades do povo.
Tipo: Tipificava Cristo, que expiou todos os
nossos pecados, pagando por eles e levando-os
sobre si (Hb.10.23-26).
155
Introdução ao Estudo do Pentateuco
VII. Festa dos Tabernáculos – 15 a 22 de Tishri (em outubro,
originalmente em duas quartas-feiras)
Objetivo: Comemorar a peregrinação de Israel
pelo deserto e o cuidado que Deus lhes
dispensou; regozijar-se com a colheita do ano
que passou, e cumprir os votos de ofertas
voluntárias e de agradecimento feitos durante o
ano.
Ritual: Habitar em tendas de ramos; cumprir os
votos do ano anterior; alegrar-se com os frutos
e o agitar de ramos; os sacerdotes apresentavam
ofertas especiais durante sete dias.
Tipo: Tipificava a alegria e a paz milenária de
Israel após a sua purificação (Zc.14).
8. Propósito:
Promover reverência nacional e individual a Yahweh em Sua
santidade apresentando as condições para que Israel se aproximasse
d’Ele e preservasse Sua presença santa entre o povo.
A ênfase maior do livro é a santidade de Yahweh e a
conseqüente exigência de santidade por parte de Seu povo. O significado
básico dessa santidade é a separação em um sentido físico, mas com
evidentes conotações morais e cultuais no livro.
Levítico é obviamente parte de um pacote revelador, iniciado em
Êxodo 20, em vista da relação de bênçãos e maldições encontradas no
capítulo 26. O livro prescreve as condições para que Israel desfrutasse a
presença e a bênção de Deus; várias passagens sugerem que a legislação
já contemplava a vida de Israel na Terra Prometida (particularmente, os
capítulos 25 e 26).
A primeira parte do livro revela a maneira escolhida por Deus
para que Israel se aproximasse Dele, o sistema sacrificial. Vida por vida é
o princípio subjacente em cada sacrifício, os consagratórios (capítulos 1 e
2), os voluntários (capítulo 3) e os expiatórios (capítulos 4.1 – 6.7).
Instruções específicas para a celebração de cada um desses sacrifícios
aparecem nos capítulos 6.8–7.38.
156
Anderson Vicente Gazzi
O sistema sacrificial é inaugurado nos capítulos 8 a 10, em que
Arão e seus filhos são consagrados por Moisés. Uma terrível tragédia
acontece e serve para revelar quão seriamente Yahweh lidava com a
questão da santidade e a separação do pecado (10.1-7).
A segunda parte do livro descreve a maneira pela qual Israel
experimentaria comunhão com Yahweh, ou seja, andando em santidade,
separados das antigas práticas abomináveis do Egito e das futuras
práticas abomináveis de Canaã, para onde Yahweh os levaria (19.27-31).
Israel deveria primeiramente separar-se de toda forma de
impureza. Esses regulamentos, a maior parte deles relacionada ao âmbito
físico, comunicavam a necessidade da nação viver de modo diferente de
seus futuros vizinhos (11.1–16.34).
Regulamentos sobre dieta e higiene revelavam o cuidado de
Yahweh pela saúde e bem-estar de Seu povo, ao mesmo tempo em que
retratavam o alto valor da vida e seu custo expresso em sacrifícios
substitutivos. A dramática necessidade de purificação era suprida pelo
Dia da Expiação, a cerimônia anual por meio da qual os pecados nãoidentificados da nação eram perdoados com base no sangue derramado
(16.1-34). Nesse dia crucial, fazia-se expiação pelo sumo sacerdote, pelo
tabernáculo, pelo altar e pelo povo, e um bode (designado pela palavra
Azazel [ʿăzāʾzēl], provavelmente derivada das palavras hebraicas para
“bode” [ēz] e “partir” [ʿāzal) levava simbolicamente os pecados da nação
para o deserto; essa complexa cerimônia permitia que Israel desfrutasse a
presença de Yahweh por mais um ano.
Não é de espantar, assim, que a descrição do Dia da Expiação
seja seguida por uma divisão menor dedicada à importância crucial do
sangue na vida de Israel (17.1-16).
Essa segunda parte continua com a aplicação desde o princípio
de santidade ou de separação até os relacionamentos interpessoais na
comunidade da aliança. A primeira área em que Israel deveria se
distinguir era a área sexual (18.1-30), o que em si não é surpreendente, à
luz da extrema corrupção do estilo de vida dos cananeus. Incesto (18.618) e perversão (18.19-23), em suas diversas formas, eram proibidos em
Israel.
O versículo chave do livro, 19.2, aparece em uma divisão do
livro em que o caráter santo de Yahweh é aplicado a uma variedade de
157
Introdução ao Estudo do Pentateuco
áreas da vida, tanto religiosas (19.3-8) quanto seculares (19.9-18).
Santidade era um assunto tão vital para Israel que, quando Israel
estivesse na Terra Prometida, a pena capital era a medida necessária para
garantir sua busca (capítulo 20).
Uma vez que, em grande parte, a vida de santidade de Israel
dependia da qualidade moral de seus sacerdotes, dois capítulos são
especialmente dedicados aos padrões para suas qualificações e conduta
(21.1–22.33).
A santidade também dependia, por parte de Israel, da lembrança
constante de sua relação pactual com Yahweh, e este era um dos
principais propósitos das santas convocações, as festas do calendário
religioso de Israel. Elas recordavam eventos passados e apontavam
profeticamente para a consumação das promessas pactuais de Israel no
escathon (capítulo 23).
A punição de um homem que havia blasfemado por amaldiçoar
a Yahweh oferece um segundo exemplo da natureza crucial da santidade,
ou conformidade aos padrões de Deus (24.10-23).
À medida que Yahweh antevê a entrada de Israel em Canaã e a
conquista da Terra Prometida, Ele descreve o tipo de comportamento
que será coerente com Seu caráter santo (25.1–27.34). Os princípios do
descanso sabático e do resgate (ou redenção) deveriam governar o uso e
a propriedade da terra e da vida humana, pois tanto a terra quanto a vida
pertencem a Yahweh (capítulo 25). A promessa das bênçãos da aliança e
a ameaça das maldições da aliança eram designadas a motivar Israel à
santidade (capítulo 26). A santidade de Yahweh era de tal ordem que
mesmo aquilo que fosse votado a Ele acima e além das exigências da
aliança não podia ser tratado levianamente (capítulo 27). Esse capítulo,
considerado por muitos uma porção deslocada da Escritura, realmente
oferece o ápice adequado a essa revelação do caráter santo de Yahweh.
Ele é digno de muito mais do que tudo que temos, e o que a Ele alguém
consagra, não deveria ser levianamente tomado de volta.
158
Anderson Vicente Gazzi
9. Esboço:
I. O Caminho para Deus: A Expiação (1.1-16.34)
A. Através dos Sacrifícios (1.1-7.38)
1. O Holocausto (1.1-17)
2. A Oferta de Manjares (2.1-16)
3. O Sacrifício Pacífico (3.1-17)
4. A Oferta pelo Pecado Não Intencional (4.1-5.13)
5. A Oferta pela Culpa (5.14-6.7)
6. O Holocausto Contínuo e as Ofertas dos Sacerdotes (6.8-23)
7. A Disposição da Vítima na Oferta pelo Pecado, na Oferta
pela Culpa, e no Sacrifício Pacífico (6.24-7.27)
8. A Oferta Alçada e o Resumo das Ofertas (7.28-38)
B. Através da Intercessão Sacerdotal (8.1-10.20)
C. Através das Leis da Purificação (11.1-15.33)
D. Através do Dia Anual da Expiação (16.1-34)
II. Requisito para o Andar Diante de Deus: a Santidade (17.127.34)
A. Santidade Através da Revelação do Sangue (17.1-16)
B. Santidade Através dos Padrões Morais (18.1-22.33)
C. Santidade Através da Adoração Normal (23.1-24.23)
D. Santidade Através das Leis da Reparação, da Obediência e da
Consagração (25.1-27.34)
159
Introdução ao Estudo do Pentateuco
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO VI:
- HILL, Andrew E. e WALTON, J.H. Panorama do Antigo Testamento. Belo
Horizonte: Vida, 2000.
- WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001.
- GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos”. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
- DOCKERY, David S. Manual Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2001.
- DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
160
Anderson Vicente Gazzi
VII – O LIVRO DE NÚMEROS:
Cronologicamente, Números é uma continuação da história
relatada no livro de Êxodo. Depois de uma estada de aproximadamente
um ano no monte Sinai – período durante o qual Deus estabeleceu seu
concerto com Israel, deu a Moisés a lei e o modelo do Tabernáculo e
instruiu-o a respeito do conteúdo de Levítico – os israelitas se
prepararam para continuar sua viagem à terra que Deus lhes prometera
como descendentes de Abraão, Isaque e Jacó. Pouco antes de partirem
do monte Sinai, no entanto, Deus mandou Moisés numerar todos os
homens de guerra (Nm.1.2,3). Dezenove dias depois, a nação partiu de
lá, numa curta viagem para Cades-Barnéia (Nm.10.11). Números registra
a grave rebelião de Israel em Cades, e seus trinta e nove anos
subseqüentes de julgamento no deserto, até quando Deus conduziu toda
uma nova geração de israelitas às planícies de Moabe, à beira do rio
Jordão, do lado oposto a Jericó e à terra prometida.
1. Título:
O título hebraico desse livro é (bemidbar, “no deserto de”), uma
alusão à localização da maior parte dos acontecientos nele registrados. O
título grego “Ariqmoi”, que sobrevive no título em português, enfatiza
os dois recenseamentos nele registrados (que estão longe de ser o
elemento mais importante do livro).
Embora tradicionalmente se pense que o livro descreve as
peregrinações de Israel durante os quase 40 anos que se seguiram ao
estabelecimento da aliança no Sinai, Números é praticamente omisso
quanto àquele período. É provável que apenas os incidentes relacionados
à Corá e o questionamento do sacerdócio aarônico pertençam ao
período do deserto. Em certo sentido, os 38 anos e meio que Israel
passou entre a incredulidade de Cades e as planícies de Moabe não são
considerados na história da revelação divina a Israel.
Números serve ao propósito de demonstrar como Deus age em
fidelidade para com a sua aliança, apesar da resistência obstinada do
povo escolhido. O decreto divino de conceder a terra de Canaã a Israel
161
Introdução ao Estudo do Pentateuco
será cumprido, ainda que seja (sob a ótica humana) retardado pela
incredulidade e infidelidade da própria nação.
De outro lado, Números indica-nos como Deus usou o deserto
para preparar uma geração disposta a confiar nele e cumprir a sua
vontade em plena dependência. O breve, mas eloqüente, discurso de
Josué e Calebe, em Nm.14.7-9, resume bem o conteúdo do livro. Deus
(Yahweh) agradou-se de um povo que não se agradou dele, e que, por
essa razão, perdeu o privilégio de ver cumprida a promessa em sua
geração.
2. Fundo Histórico:
a. Data em que foi escrito: (concluído em cerca de 1405 a.C.)
b. Período de Tempo Abrangido: (1444-1405 a.C.)
Números começa com a ordem dada pelo Senhor em 1º de
maio de 1444 a.C. (data estimada) para se fazer o
recenseamento do povo e termina com uma assembléia às
margens do Jordão, pouco antes da morte de Moisés. A data
de 14 de abril para a segunda Páscoa é dada retroativamente
a fim de explicar a data opcional para os que celebram a
Páscoa mais tarde (Nm.9).
A duração total dos acontecimentos de Números é de 38
anos e 9 meses, em quatro períodos:
- Recenseamento e preparo para a marcha (Nm.1 a 10): 20
dias.
- Jornada até Cades-Barnéia; missão de espionagem (Nm.11
a 14): 70 dias.
- Peregrinação no deserto em torno de Cades (Nm.15 a 20):
38 anos e 1 mês.
- Jornada em torno de Edom até as campinas de Moabe
(Nm.21 à 36): 5 meses.
162
Anderson Vicente Gazzi
•
Cenário Religioso:
Este livro trata de duas gerações de Israel: a primeira havia
saído do Egito, e a segunda estava para entrar em Canaã. A
primeira tinha visto grandes milagres realizados por Moisés
e recebera a Lei de maneira também miraculosa. Seus
componentes foram, entretanto, destruídos por causa da
desobediência e rebelião. A segunda geração cresceu
conhecendo a Lei e recebendo diariamente o maná, e estava
familiarizada com o fato de Deus ter destruído, por causa da
corrupção, todos os habitantes do lado leste do Jordão.
Quando a primeira geração pôs-se em marcha deixando o
Sinai, o humor do povo começou a piorar paulatinamente.
Surgiram queixas sobre o maná e a falta de gratidão pela
provisão de Deus. Até na própria família de Moisés o ciúme
e a disputa tiveram de ser julgados por Deus. Depois da
grande rebelião em Cades-Barnéia, a congregação e muitos
líderes continuaram em rebelião, até que toda a primeira
geração morreu. Até Moisés, considerado rebelde no fim do
período, foi negada a entrada em Canaã.
Os dois grandes pecados de toda a assembléia no deserto
ocorreram no Sinai e em Cades, ambos cometidos pela
primeira geração. O primeiro foi a idolatria, e o segundo, a
rebelião. Todos os dois ocorreram em agosto, em 1445 e
1444. Ambos precederam grandes dádivas de Deus: a Lei
mosaica e a terra de Canaã. Depois do primeiro e do
segundo pecados, manifestou-se a ira de Deus, bem como
sua resolução de destruí-los. Após cada pecado, Deus
demonstrou ira e misericórdia, perdoando-os sempre com
base em sua aliança com Abraão e manifestando sua
misericórdia para com eles.
Após o funeral de Arão, começou um novo período com
um novo sumo-sacerdote, Eleazar. À nova geração tinham
de serem ensinadas muitas das lições recebidas pela
primeira, como lições sobre murmuração, descrença e
163
Introdução ao Estudo do Pentateuco
idolatria. O novo período começava com o Senhor
mostrando-lhes grandes vitórias na Transjordânia.
Apesar de terem recebido a Lei e o sistema levítico, é
duvidoso que tenham guardado todos aqueles regulamentos
no deserto. A prova disso é o fato de que o requisito da
circuncisão só foi observado após a travessia do Jordão
(Js.5.5).
3. Autoria:
Junto com o restante do Pentateuco, Números tem sido
tradicionalmente atribuído a Moisés. Essa conclusão baseia-se no caráter
do Pentateuco como uma obra única e no claro testemunho tanto do
Antigo como do Novo Testamento, os quais atribuem esses livros a
Moisés. Isto é também fundamentado pela evidente antuguidade do
material contido no Pentateuco. O próprio livro de Números refere-se à
atividade de Moisés registrando eventos descritos no livro (Nm.33.2).
Que a maior parte do livro venha das mãos de Moisés não elimina a
possibilidade de atividade editorial posterior nem a probabilidade de
algumas porções tere sido adicionadas após a morte de Moisés (por
exemplo, Nm.12.3 e o obituário de Moisés em Dt.34).
4. Data:
A data da composição do livro pode situar-se no período após a
peregrinação no deserto (que se seguiu ao êxodo) e antes da morte de
Moisés, em torno de 1406 a.C.. O livro começa com os preparativos para
a marcha através do deserto, relata as experiências na jornada, descreve a
falta de fé que levou os israelitas da geração do êxodo a recusarem a
conquista da Terra Prometida, relata os quarenta anos de espera até que
uma geração inteira morresse, e termina com os preparativos para entrar
em Canaã. Em vista de seu conteúdo, Números foi, evidentemente,
escrito com uma admoestação para que a geração dos israelitas nascidos
no deserto perseverasse na fé e na obediência, as quais faltaram a seus
pais.
164
Anderson Vicente Gazzi
5. Cronologia do Livro:
- Cronologia das Jornadas de Israel no deserto:
Livro
Acontecimento
Instituição da Páscoa no Egito
Partida de Ramessés, Egito
Data a.C.
14 de abril de 1445 a.C.
15 de abril de 1445 a.C.
Êxodo
(11 meses
e meio)
Travessia do mar Vermelho
Chegada ao deserto de Sim
Chagada ao monte Sinai
Ano Teológico no Sinai
Término do tabernáculo e a
vinda da Glória
Legislação levítica dada do
tabernáculo pelo Senhor
Segunda celebração da Páscoa
no Sinai
Primeiro censo de Israel e
Ordem das tribos no
acampamento
Partida do monte Sinai
Chegada a Cades-Barnéia
depois de 21 paradas. Atraso
de 7 dias em Hazerote por
causa da lepra de Miriã
Rebelião em Cades-Barnéia e
promessa de morte para
aquela geração (38 anos de
peregrinação no deserto)
Reunião em Cades-Barnéia
Morte de Miriã
Desobediência de Moisés e
Arão
Morte de Arão no Monte Hor
18 de abril de 1445 a.C.
15 de maio de 1445 a.C.
01 de junho de 1445 a.C.
Referência
Êx.12.6
Êx.12.18;
Nm.33.3
Nm.33.8
Êx.16.1
Êx.19.1
01 de abril de 1444 a.C.
Êx.40.17
Levítico
(meio mês)
Números
(38 anos e
9 meses)
Caminhada do monte Hor em
direção ao rio Jordão.
Grandes vitórias sobre os
cananeus, amorreus, Basã e
midianitas
165
1 a 14 de abril de 1444
a.C.
14 de abril de 1444 a.C.
Nm.9.1
1 de maio de 1444 a.C.
Nm.1-3
20 de maio de 1444 a.C.
20 de junho de 1444 a.C.
Nm.10.11
Nm.12.15;
Dt.1.2
1 de agosto de 1444 a.C.
Nm.14
1 de abril de 1406 a.C.
Nm.20.113
1 de agosto de 1406 a.C.
Nm.33.38;
20.29
Nm.21.125.18
1 de setembro de 1406
a.C.
Lv.1.1
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Continuação...
Livro
Deuteronômio
(2 meses)
Josué
(meio mês)
Acontecimento
Moisés recebe o código
deuteronômico e dá
instruções ao povo sobre a
vida em Canaã.
Morte de Moisés no monte
Nebo; pranteado por 30 dias
Josué lidera Israel por meio
do Jordão
Páscoa comemorada em
Gilgal
Data a.C.
1 de fevereiro de 1405
a.C.
Referência
Dt.1.3
1 de março de 1405 a.C.
Dt.34.8
10 de abril de 1405 a.C.
Js.4.19
14 de abril de 1405 a.C.
Js.5.10
6. Características Literárias:
•
Forma:
Dos cinco livros de Moisés, Números é o mais difícil de analisar
e esboçar, devido à natureza extremamente variada de seu conteúdo e ao
arranjo aparentemente desconexo de seu material. Mesmo um
comentarista razoavelmente conservador sente-se justificado ao dizer
que, embora o material de Números seja “indispensável”, ele não vê
necessidade de afirmar a significância independente para o livro de
Números. Ronald Allen, definitivamente um conservador, só com
alguma relutância abre mão das aspas ao se referir ao livro de Números.
As questões de unidade e estilo parecem estar relacionadas
primariamente ao propósito do livro e à observação clara de seu
conteúdo. O livro foi obviamente escrito da perspectiva da segunda
geração de israelitas liberados do Egito, e para o benefício dessa geração,
que teria o privilégio de participar do cumprimento das promessas
relativas à terra, mas que acabara por demonstrar em Baal-Peor as
mesmas fraquezas da geração anterior. Números estimulava a fé e a
dependência em Yahweh como os meios de evitar outro desastre tipo
Cades-Barnéia, agora que Canaã jazia além do Jordão. Assim, o aspecto
formal de duas genealogias e o vasto espaço de 38 anos entre elas
oferece tanto um sentido de diferença quanto uma sensação de
continuidade entre as duas gerações.
166
Anderson Vicente Gazzi
A natureza aparentemente incoerente e a falta de ligação
imediata entre as diversas partes do conteúdo do livro não provam a
ausência de unidade. Muito da legislação contida em Números
provavelmente desenvolveu-se de acordo com as necessidades surgidas
nas peregrinações pelo deserto, oferecendo assim uma espécie de código
adicional que complementou a legislação contida em Êxodo e Levítico.
A estrutura, dentro da qual este material tão variado se aglutina,
é difícil de perceber quanto à unidade. Alguns comentaristas preferem
olhar o livro sob o ponto de vista geográfico; outros, como Smick e
Allen, preferem uma estrutura cronológica (1.1–25.18 e 26.1–36.13).
Embora seja atraente, esta posição não percebe que o material que
supostamente diz respeito à primeira geração foi, de fato, experimentado
pela segunda (20.1-13).
Uma proposta melhor seria a de incorporar as duas percepções
da estrutura, sem exigir que qualquer das duas tenha supremacia no
desenvolvimento do livro de Números. [O gráfico a seguir oferece uma
idéia da natureza híbrida da forma de Números, bem como seu papel no
conjunto que é o Pentateuco.]
Lei
História
Tratado
Código
sacerdotal
Tratado
Resumo
Os Dez Mandamentos
Êx.18 – Lv.27
Nm.1-10, 15,
18, 19, 26-36
Deuteronômio 1–31
Narrativas
Narrativas Passagem
épicas
épicas
de liderança
Abraão, Isaque,
Forma
Jacó, José,
Literária
Acontecimentos que
levaram à formação do
Moisés
A Busca da
Josué
povo de Israel
O herói real é
Terra
Yahweh
Prometida
Êx.32–34
Nm.10–14
Gênesis 1–11
Gn.12 Êx.18
Dt.32–34
Nm.16;17; 2025
História primeva
167
Introdução ao Estudo do Pentateuco
•
Estilo:
Números combina história e legislação de uma maneira única,
mas, ao utilizar tríades, obedece a um estilo que aparece em outros livros
do Pentateuco. Há três locais de revelação (Sinai, Cades e as planícies de
Moabe), três incidentes de murmuração, os seis oráculos de Balaão
(divididos em dois grupos de três) e a lista de paradas durante a
peregrinação de Israel pelo deserto (42 nomes dispostos em três grupos
distintos, 33.3-9; 33.10-36; 33.37-49).
Em certo sentido, Números segue um princípio estabelecido em
Gênesis, de que a história avança linearmente ao percorrer ciclos de
acontecimentos. Aqui, o silêncio quanto à vida da primeira geração no
deserto sugere a continuidade do seu fracasso, enquanto que a
informação concernente à segunda geração demonstra que, à parte da
graça de Yahweh, ela continuaria na mesma trajetória de incredulidade e
rebeldia.
À luz disso, a narrativa das profecias de Balaão ganha maior
importância, pois ele é o instrumento pelo qual Yahweh afirma que as
promessas feitas a Abraão seriam cumpridas, a despeito das falhas das
duas gerações do êxodo.
7. Estrutura Teológica:
•
A Pessoa e o Caráter de Deus:
a. Deus é imanente:
Números enfatiza, de muitas maneiras, a presença constante de
Deus entre Seu povo e com ele. A nuvem que cobria o tabernáculo
demonstrava que Yahweh não era um Deus distante e inacessível, mas
que permanecia entre o povo, mesmo em face de suas freqüentes falhas.
Balaão, vidente pagão e teólogo involuntário, afirmou que “o Senhor seu
Deus é com ele, no meio dele se ouve a aclamação dum rei” (23.21). Igualmente,
os cananeus reconhecem o fato (14.14), mas Israel constantemente
desprezava essa realidade tão preciosa. Vale também lembrar que essa
168
Anderson Vicente Gazzi
presença se manifestava em graça (Arca, Dia de Expiação), mas também
em ira e disciplina (11.25; 16.19, 42; 20.6).
b. Deus é poderoso:
Enquanto que em Gênesis o poder de Deus é visto em sua força
criativa e destrutiva, e em Êxodo é demonstrado por Sua soberana
intervenção nos fenômenos da natureza, em Números ele se encontra na
provisão sobrenatural para uma população enorme (11.4-6, 31-35; 20.113) e nos meios incomuns pelos quais Yahweh disciplina os pecados de
Seu povo. Todos eles estão relacionados a manifestações da ira divina
por intermédio de fenômenos raros como a abertura da terra, o florescer
da vara de Arão e a cura pelo olhar para uma serpente de bronze.
c. Deus demonstra ira:
Com esta expressão, quer-se dizer que Yahweh se levanta em ira
santa contra violações e violadores de Seus justos padrões morais e
pactuais (contra Arão e Miriã [12.9], contra a nação incrédula em Cades
[14.10-12], contra o violador do Sábado [15.32-35] e contra o próprio
Moisés [20.12,13]). Se tiver como essencial e secundário aplicam-se a
Yahweh, o Deus eterno podemos dizer que a ira divina é um atributo
“secundário”, a manifestação terrena de sua santidade ou verdade
ofendidas. Essa ira, embora “tardia” em sua manifestação, é tão segura
quanto às misericórdias e as promessas da aliança.
Uma das questões principais levantadas pelo livro de Números
gira em torno deste atributo. “Podemos nós, como nação, sobreviver à ira de
Yahweh, uma vez que tantos e tão grandes sucumbiram diante dela?”. Balaão traz
a resposta, às vezes crítica, às vezes cômica, mas correta na predição de
que a promessa patriarcal ainda era válida e ainda seria cumprida (23.20 e
24.9).
d. Deus é misericordioso:
A despeito dos repetidos fracassos da geração do Êxodo e das
falhas da geração do deserto às portas da Terra Prometida, Yahweh
169
Introdução ao Estudo do Pentateuco
repetidamente manifestou a Sua misericórdia, isto é, Sua aquiescência
para com a intercessão feita por Moisés (e Arão) para que Ele poupasse a
Israel à porção merecida da justa ira de Deus. Assim acontece no caso de
Miriã (12.9-15), com toda a nação em Cades (14.10-20), depois da
rebelião de Corá (16.41-50) e no episódio das serpentes, próximo a
Edom (21.4-8).
Mesmo a legislação outorgada depois que a aliança mosaica
havia recebido sua forma mais completa revela a misericórdia de
Yahweh. Com uma taxa de mortalidade de pelo menos quarenta adultos
por dia, a provisão da água purificadora (Nm.19) era crucial para a
continuidade da vida civil e religiosa, removendo a contaminação do
pecado representado pela morte.
e. Deus é fiel:
Talvez o mais notável atributo divino encontrado no livro de
Números é a fidelidade demonstrada por Yahweh para com o Seu povo
errante. Ele mantém Sua promessa incondicional aos patriarcas, a
despeito das sucessivas falhas do povo em se conformar às promessas
condicionais de bênção encontradas na aliança sinaítica.
Balaão, o adivinho pagão, é o agente involuntário na revelação
do compromisso divino de não apenas abençoar Israel de maneira geral,
mas de conceder-lhe todo o espectro das bênçãos prometidas a Abraão.
Dentro do tema da fidelidade de Yahweh, há um elemento de
polêmica contra falsos deuses no inclusio que é formado pela mensagem
de Balaque a Balaão (... porque eu sei que será abençoado aquele a quem tu
abençoares, e amaldiçoado aquele a quem tu amaldiçoares, 22.6) e pelo terceiro
oráculo de Balaão (Benditos os que te abençoarem, e malditos os que te
amaldiçoarem, 24.9). O servo de deuses falsos não pode amaldiçoar o povo
do Deus verdadeiro, e Ele repete a promessa divina a Abraão (Gn.12.3).
Na Sua fidelidade, Yahweh sobrepuja o poder de reis e nações para
estabelecer Israel segundo a promessa.
170
Anderson Vicente Gazzi
•
A Administração dos Propósitos de Deus:
O livro de Números oferece um exemplo fascinante do
desenvolvimento do propósito quádruplo de Deus de permitir a
existência do mal, de julgar o mal e triunfar sobre ele em favor da
semente escolhida, ou por meio dela, e de oferecer bênção aos eleitos e,
por intermédio deles, a toda humanidade.
a. O decreto de permitir o mal:
A cada nova geração, Yahweh confronta os homens com sua
inclinação congênita para o mal. Israel recebeu testes no deserto e,
lamentavelmente, fracassou na maioria deles. Cades-Barnéia foi o teste
crucial, por haver revelado o problema principal de Israel, sua
incredulidade e o conseqüente menosprezo a Deus (14.23). Baal-Peor foi
o outro lado desses parênteses de fracasso, revelando o resultado último
da incredulidade e do menosprezo a Deus, que são a idolatria e a
imoralidade mais grosseiras. Estes dois incidentes, como registrados por
Moisés, deveriam ter servido de advertência a gerações futuras, que
evidentemente não a levaram a sério.
b. A promessa ou a ação de julgar o mal:
Esta linha de ação divina é particularmente evidente em
Números. Cada um dos fracassos de Israel teve o seu necessário
julgamento que, embora não fosse necessariamente proporcional ao
pecado que o causara, revelava o zelo de Deus para com Sua santidade.
O simples fato de que a geração que haveria de entrar em Canaã foi
julgada com maior severidade (24 mil mortes em Baal-Peor contra
14.700 na rebelião de Corá, Nm.16.49) indicam que Deus não trata o
pecado levianamente e está determinado a puni-lo.
Números também indica que há uma relação entre a extensão da
ira de Deus e a intercessão de Seus servos. Isto não equivale a dizer que
a oração, por si só, altera as decisões divinas ou encurta a disciplina de
Yahweh; significa, igualmente, que soberania, misericórdia e santidade se
combinam no exercício da punição e nos meios pelos quais ela exaure
171
Introdução ao Estudo do Pentateuco
seu curso rapidamente na vida de alguns e se estende por 38 anos na vida
da grande maioria.
Números também indica que o perdão não significa isenção das
conseqüências do pecado, que são parte do juízo geral contra o pecado.
Dois exemplos marcantes desse princípio são a lepra temporária de Miriã
e a proibição de que Moisés entrasse em Canaã.
c. Libertação do mal para/pelos eleitos:
Esta linha da atividade divina não se apresenta explicitamente
em Números, embora possa ser inferida de dois incidentes específicos.
Depois do relatório dos espias em Cades, Josué e Calebe
destacaram-se como o remanescente fiel a quem Deus escolhe para
herdar a Sua bênção (14.26-38).
A outra ocorrência surge no quarto oráculo de Balaão (24.1519), em que foi profetizada a aparição de um indivíduo que exercerá
autoridade (24.17 usa as palavras estrela e cetro; 24.19 fala de um dominador)
e destruirá os inimigos de Israel. A associação com a bênção de Jacó e
com o sonho de José aponta para um conceito de Rei-ConquistadorSalvador que judeus e cristãos têm, por longos séculos, considerado
davídico-messiânico.
d. O decreto de abençoar os eleitos:
De uma perspectiva pactual, esta linha de atividade divina limitase mais aos oráculos de Balaão. Isso significa que Números, em suas
divisões, narrativas e legais, não acrescenta novas promessas ao estoque
já em poder de Israel. No entanto, tão gritantes haviam sido os fracassos
das gerações passada e presente que foi necessário reafirmar as
promessas passadas à medida que Canaã se aproximava.
Números 23.19, 20 é um começo digno, já que afirma o
compromisso imutável de Yahweh para com os recipientes de Sua
aliança. Em suma, Balaão promete crescimento numérico (23.10),
segurança (23.21-23), vitória (21.24), prosperidade (24.5-7), poder real
(isto é, de rei, 24.7b), conquista (24.8, 9) e a ascensão de um dominador
poderoso (24.17-19). Essas promessas constituem uma reafirmação
172
Anderson Vicente Gazzi
impressionante das promessas abraâmicas, que Deus anunciou
soberanamente, mediante um relutante profeta pagão, a um povo que
não a merecia. A fidelidade de Deus brilha em meio aos dias escuros do
deserto, iluminando os portais de Canaã.
•
Balaão, Profeta de Deus ou Advinho Pagão?
A figura mística e misteriosa de Balaão, pela participação nefasta
que teve na história de Israel apesar de parecer tão associado ao Deus da
aliança, tem intrigado crentes de todas as épocas. Este breve estudo
procurará definir o verdadeiro caráter de Balaão.
a. Sua origem e contexto religioso
Balaão era natural de Petor, na Mesopotâmia, localidade
próxima à cidade de Mari. Descobertas arqueológicas revelam que existia
na região um elaborado sistema profético, cujas atividades se
assemelhavam às do ganancioso vidente da narrativa de Números.
A História nos mostra que, na época de Moisés, havia bastante
contato entre a Mesopotâmia e o Egito (o reinado de Amenófis II), de
modo que não é de estranhar a aparente familiaridade de Balaão com o
nome e as atividades de Yahweh e Seu povo escolhido, Israel (confira a
atitude de uma mulher irreligiosa como Raabe em Js.2). O fato de Balaão
demonstrar conhecimento detalhado sobre Yahweh não aponta tanto
para sua ligação pessoal com Ele quanto para a soberana capacidade
divina de utilizar até mesmo a rebeldia humana para cumprir Sua
vontade. Quando Números é visto sob a ótica do exercício da soberania
divina, apesar da obstinada resistência humana, Balaão serve como o
exemplo por excelencia de tal princípio.
Para os mais determinados, que consideram Balaão um “crente
que perdeu sua salvação”, vale observar que ele jamais é designado como
um (nābî ʾ, profeta), mas como um (qōsēm, “adivinho”), uma pessoa a
quem os israelitas deviam rejeitar totalmente (Dt.18.10). O fato de Deus
ter-se revelado a ele em sonhos não o torna um profeta legítimo, pois o
mesmo aconteceu a reis pagãos como Abimeleque (Gn.20.3) e
173
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Nabucodonozor (Dn.4), em relação aos quais não há, nem pode haver,
qualquer reivindicação profética.
b. Sua participação no drama de Números:
Balaque, rei de Moabe, apavorado com a ameaça israelita, busca
os serviços profissionais de Balaão. A obtenção de vantagens sobre
outras pessoas por intermédio da mágica era prática comum no Oriente
Médio antigo (confira a prática de despachos e trabalhos contra inimigos
nos cultos afro-brasileiros).
Balaão, embora advertido por Yahweh contra a atividade
proposta por Balaque, cede à ganância e insiste em ir. Yahweh o adverte
contra seus motivos nefastos, mas permite que Balaão acompanhe os
dignitários moabitas, pois em Sua soberania os usaria para revelar Seu
imutável desígnio quanto a Israel, naquela que é uma das profecias mais
abrangentes do Antigo Testamento.
O famoso incidente da mula é outro ingrediente (até
humorístico) desse drama de rebeldia versus soberania. Que a mula
tenha falado (sem possuir cordas vocais capazes disso) só é problema
para aqueles que descrêem do poder sobrenatural de Deus. O mais
notável é que Balaão tenha demorado tanto a perceber que a mula era
uma ilustração de sua própria obstinação contra a vontade revelada
daquele Deus em Quem não acreditava, mas a Quem respeitava.
É interessante notar que os temores que levaram Balaque a
convocar Balaão eram infundados, pois, como parentes distantes dos
israelitas, os moabitas nada tinham a temer (Gn.19.26-37; Dt.2.9). Reais
ou não, tais temores acabaram por unir Balaque (“devastador”) e Balaão
(“devorador”) contra Israel.
É impossível deixar de notar dois contrastes marcantes na
narrativa de Balaão. O primeiro é a diferença entre a atitude da geração
do Êxodo – que recuou diante de um inimigo já derrotado – e a dos
moabitas – que viam Israel como um inimigo invencível. O outro
contraste é aquele entre a tentativa humana de subverter aquilo que Deus
estabelecera séculos antes, sua aliança com Abraão, e a firmeza da
vontade do Deus que se comprometera unilateralmente (Gn.15.9-21) a
dar aquela terra a Israel.
174
Anderson Vicente Gazzi
A verdadeira natureza de Balaão surge, entretanto, depois de
suas três tentativas frustradas de amaldiçoar o povo. Privado da
recompensa prometida por Balaque, ele recorre aos estratagemas da
miscigenação sócio-religiosa para tentar roubar a Israel o privilégio do
cumprimento da aliança. Por tal perfídia, seu desejo expresso em
Números 23.10 não se cumpriu. Seu ato em Baal-Peor revela quão vago
e impessoal era seu conhecimento do Deus de Israel e o transforma no
modelo do falso profeta (2Pe.2.15; Jd.11; Ap.2.14).
c. Conteúdo e significado de seus oráculos:
Conforme já mencionado, os oráculos de Balaão servem ao
propósito de demonstrar à geração do deserto que Yahweh não abriria
mão de Suas promessas mesmo em face de 38 anos de rebeldia e
incredulidade. Assim, Balaão está intimamente ligado à aliança
abraâmica.
O quadro a seguir resume a ligação entre esses dois focos de
revelação no AT:
Oráculo Referência
1
2
3
4
5
6
•
Promessa
23.1-12
23.13-26
24.1-9
24.15-19
24.20
Crescimento Numérico
Segurança e vitória
Prosperidade e poder real
Dominador e príncipe
Ruína de Amaleque
Cativeiro para quenitas, assírios
24.21-24
e hebreus (cf. Eber)
Paralelo em
Gênesis
Gênesis 12.2
Gênesis 15.1, 14
Gênesis 17.6, 16
Gênesis 49.10
Gênesis 12.3
Gênesis 12.3
As Cidades de Refúgio: (Nm.35.5-34)
Entre muitos povos do oriente havia um costume de destacar
certos locais, geralmente de natureza cultual, como refúgios nos quais
criminosos poderiam buscar proteção, escapando assim à pena devida a
175
Introdução ao Estudo do Pentateuco
seus crimes. Em Israel, o tabernáculo não poderia ser utilizado com tais
propósitos (confira Êx.21.14 e o incidente em que Joabe se agarra ao
altar em busca de escape da condenação imposta por Salomão a pedido
de Davi, 1Rs.2.28-33).
As cidades de refúgio serviam a um duplo propósito: evitar que
o homicida não-intencional fosse morto pelo vingador de sangue (um
parente próximo do morto) e evitar que a terra ficasse cerimonialmente
poluída pelo derramamento de sangue (que seria agravado, caso não
houvesse meio de impedir a vingança indiscriminada).
Como era necessária a morte para expiar a morte, o homicida
culposo (havia várias instruções para determinar a culpabilidade de uma
morte) deveria se apresentar à cidade de refúgio mais próxima, ali ter seu
caso julgado pelos anciãos e, caso fosse constatada a natureza não dolosa
do homicídio, ali permanecer até a morte do sumo sacerdote, que seria
uma expiação simbólica para a vida do homicida.
O sistema das cidades de refúgio ilustra de maneira interessante
a obra de Cristo: em primeiro lugar, a cidade em si ilustra a proteção
oferecida contra as conseqüências do pecado; em segundo lugar, a morte
do sumo sacerdote aponta para a expiação definitiva obtida por
intermédio da morte de Jesus Cristo na cruz.
•
O Problema dos Grandes Números dos Censos:
Muitos comentaristas de Números reagem de maneira violenta
contra as estatísticas contidas nos livros. Wenham apresenta um bom
resumo dos problemas levantados, embora fique a dever boas soluções.
Segue-se a lista de problemas e respostas compatíveis com uma doutrina
evangélica da inerrância das Escrituras.
1. A simples sobrevivência de dois milhões de pessoas no Sinai por 40 anos seria
impossível. A provisão divina descrita no Pentateuco (se aceita pelo
intérprete) seria suficiente. De mais a mais, os israelitas não
trafegaram tão intensamente pelo deserto quanto poderia parecer.
Cades parece ter sido um acampamento permanente durante
bastante tempo.
176
Anderson Vicente Gazzi
2. Os totais parecem discrepantes quando comparados entre si. O número de
primogênitos (3.43) obrigaria cada família a ter 27 filhos (e talvez outras
tantas filhas), o que seria impossível. Se, todavia, o número mencionado
em 3.43 (22.273) referir-se apenas aos primogênitos nascidos entre
o Êxodo e a separação dos levitas (um espaço de 2 anos), os
números são muito coerentes.
3. Alguns textos sugerem que Israel não tinha gente suficiente para povoar Canaã.
Wenham cita Êxodo 23.29 e Juízes 18.16. Todavia, Êxodo 23 menciona
apenas que a terra ficaria desolada se os demais habitantes fossem
subitamente eliminados. As provas materiais trazidas pelos espias
sugeriam que Canaã tinha capacidade para sustentar grande
multidão e, ao que tudo indica, algum tempo se passaria antes que
os israelitas se adaptassem à vida de agricultores. Quaisquer dois
milhões de pessoas morreriam de fome em qualquer lugar sem
técnicas de agricultura. Além disso, o texto de Juízes 18.16 não fala
que os seiscentos eram a totalidade dos guerreiros de Dã.
Significativamente, Wenham não leva em conta Juízes 20.16, em
que a cidade de Gibeá tinha um batalhão de canhotos que constava
de setecentos homens.
4. Wenham sugere, por fim, um arredondamento dos números,
baseado no arredondamento das centenas, mas a natureza
especulativa de tal argumento é sua própria refutação. Outras
tentativas de emprestar significados simbólicos e até astrológicos
aos números esbarram na própria engenhosidade. Um argumento
final é que nenhuma das pretensas explicações consegue explicar
satisfatoriamente as estatísticas referentes aos levitas.
5. Conclusão – Este autor manteve uma luta íntima por muitos anos
com referência aos grandes números de Números e não pôde até
agora perceber qualquer outra solução a não ser aceitar literalmente
as estatísticas mosaicas. Quaisquer valores atribuídos à palavra
hebraica (ʾelep̄, “mil”), ou mesmo à modificação de sua vocalização,
são incapazes de produzir números coerentes. Até que evidência
realmente sólida seja apresentada, é exegética e teologicamente
sadio aceitar os números de Números literalmente.
177
Introdução ao Estudo do Pentateuco
8. Contribuições Singulares do Livro:
a. Censo Militar e Organização de Israel:
Levítico relata a organização de Israel para a adoração, Números
para o serviço e a guerra. Sob o comando de Deus, Moisés enumerou a
primeira e a segunda geração dos homens aptos para a guerra. Embora o
grande número de mais de 600.000 seja às vezes questionado pelos
críticos, está em harmonia com outros textos (Êx.12.37; 38.26) e outras
referências bíblicas quanto ao tamanho de Israel (Êx.1.9; Nm.22.11). Tal
como Moisés proclamou em Êxodo 15.3: “O Senhor é homem de guerra”,
em Números Ele é visto preparando-os para as batalhas. Ele manda que
o recenceamento seja feito, ensina-os a acampar e marchar, alimenta-os
com ração, disciplina-os para obedecer às autoridades delegadas e os
conduz à batalha. Mostra-lhes até mesmo como dividir o despojo
(Nm.31; 34-35). Números 1-20 registra a dolorosa experiência do
“campo de treinamento” e 21-36 as batalhas, os sucessos e as
reavaliações das futuras obrigações.
b. Voto de Nazireu para Serviço Especial:
Esse livro de culto fez uma concessão especial para que um leigo
pudesse participar do culto sagrado. O voto de nazireu era acessível a
qualquer pessoa, homem ou mulher, que desejasse oferecer esse culto
especial ao Senhor. Em vez de serem pagos, entretanto, requeria-se que
fizessem uma oferta especial, e não podiam participar de diversas
atividades normais: 1) comer ou tomar o fruto da videira; 2) fazer uso da
navalha; 3) aproximar-se de um cadáver. Esse rigor enfatizava o alto
privilégio de servir ao Senhor.
c. Rebelião de Israel e Peregrinações:
Um descontentamento tanto da parte dos leigos como dos
líderes precedeu a grande rebelião de Cades-Barnéia. O Senhor castigou
aos leigos por se queixarem da comida, e a Miriã e Arão por invejarem
Moisés. Depois do motim em Cades, outros líderes se rebelaram contra a
178
Anderson Vicente Gazzi
liderança de Moisés e foram castigados. O próprio Moisés rebelou-se por
um momento (Nm.20.12; 27.14), e por isso lhe foi negada a entrada em
Canaã. A segunda geração também aprendeu que a idolatria e a
imoralidade seriam castigadas. As muitas ocasiões de pecado e rebelião
demonstram que os descendentes de Abraão não eram um povo
escolhido por causa da sua retidão, mas somente pela misericórdia da
aliança do Senhor.
d. Grande Castigo do Senhor Devido à Rebelião:
Números registra muitos castigos do Senhor, especialmente pelo
pecado de rebelião. A revolta dos líderes levitas trouxe destruição
imediata das suas famílias. A murmuração do povo quanto ao seu
alimento trouxe uma grande praga. A rebelião em Cades trouxe castigo
para toda a geração, impedindo-lhes a entrada em Canaã. Embora
Moisés não participasse daquela rebelião, mais tarde recebeu o mesmo
castigo pela sua atitude rebelde e irritadiça ao tirar água da rocha. A
rebelião foi um pecado obstinado que trouxe um julgamento imediato e
severo da parte de Deus (Hb.10.26).
e. Diferenciação
Propositais:
entre
Pecados
Propositais
e
Não
Os pecados não propositais podiam ser expiados com diversas
ofertas, mas os propositais ou de rebeldia, não. Eles exigiam pagamento
imediato, muitas vezes a própria vida do transgressor. Pecados
propositais não eram necessariamente delitos viciosos, mas pecados
contra os quais tinham sido admoestados. O homem que apanhou lenha
no dia de sábado foi apedrejado, não porque fosse perverso, mas porque
a penalidade tinha sido fixada pelo Senhor (Êx.21.14; 35.2-3). A
penalidade de morte, entretanto, não os privava da vida eterna, apenas da
vida física. Moisés também recebeu esse castigo (Nm.27.14).
179
Introdução ao Estudo do Pentateuco
f.
O Profeta Balaão e a Sua “Jumenta Falante”:
Balaão foi um profeta independente da Mesopotâmia,
contratado pelo rei Balaque, de Moabe, para amaldiçoar a Israel. Do
mesmo modo que usou a “jumenta falante”, Deus usou esse profeta
perverso e pagão para informar Balaque e os moabitas de que era seu
plano abençoar a Israel a despeito dos seus inimigos.
I. Deus mostrou a sua onipotência sobre todos os supostos deuses
e o seu propósito irrevogável de abençoar ao seu povo. A
maldição dos inimigos transformou-se em bênção para Israel.
II. Deus projetou o seu contínuo amor por Israel apesar do
atrevimento do povo, não achando nele iniquidade que
revogasse a sua bênção (Nm.23.20-21).
III. De Israel viria uma “estrela”, ou rei, que governaria o Oriente
Médio. Foi essa uma das primeiras profecias específicas da vinda
do Messias, conhecida pelos magos do Oriente que seguiram a
estrela de Belém.
IV. Mais tarde Balaão perverteu a Israel por intermédio de idolatria e
adultério com as moabitas, razão pela qual foi morto (Nm.25;
31.8). O Novo Testamento admoesta contra o seu caminho,
erro e doutrina, que são o uso do cargo de profeta em proveito
pessoal e com a finalidade de seduzir o povo de Deus mediante
atrações lascivas (2Pe.2.15; Jd.11).
g. Rúben, Gade e a Meia Tribo de Manassés Instalados na
Transjordânia:
A motivação das duas tribos e meia de se fixarem à pequena
distância de Canaã é questionável. Moisés viu nisso um tipo de rebelião e
deserção, embora desse o seu consentimento depois que eles
concordaram em mandar tropas a Canaã. Todavia, o motivo por eles
apresentado era o de ser a Transjordânia “terra do gado; e os teus servos
têm gado” (Nm.32.4). Pareciam dirigidos pelo gado. Mais tarde, essas
tribos sofreram o ataque dos inimigos de Israel. Foram os primeiros a ser
levados cativos para a Assíria. Esse fato sugere, pelo menos, o perigo de
180
Anderson Vicente Gazzi
uma fixação por atrações de curto prazo, em vez de ater-se a
compromissos de longo prazo.
h. Tipos de Experiência Cristã em Números:
Os escritores do Novo Testamento tiraram dessa experiência de
Israel no deserto lições para os cristãos, chamando-as de “exemplos”.
Paulo usou esses exemplos como admoestação para que os crentes não
desagradassem ao Senhor com murmurações e o trocassem pelos ídolos
dos seus desejos. Na Epístola aos Hebreus, eles foram advertidos do
perigo de se tornarem endurecidos, deixando de corresponder ao amor
divino depois de tanto terem recebido dele. O autor declara que tal
atitude nega aos crentes o descanso e a satisfação de serviço real
(Hb.3.12 – 4.8).
•
Ordem das Tribos de Israel no Deserto (Nm.2):
181
Introdução ao Estudo do Pentateuco
•
Ordem das Tribos em Marcha (Nm.2; 10.11-28):
i.
Grande Invocação e Bênção de Israel:
A bênção do sumo sacerdote, entregue por Moisés a Arão,
invocou sobre Israel a tríplice bênção do Senhor: proteção, graça e paz.
Destinada aos que viviam em aliança com o Senhor da aliança, é também
para os crentes do Novo Testamento. Conclui com a saudação adotada
por Israel: “Paz” (Shalom).
•
População de Israel no Deserto (Nm.1 [censo de 1444];
Nm.26 [censo de 1405]):
Filhos de...
Lia
Raquel
Bila
Zilpa
TOTAL
Tribo
Rúben
Simeão
(Levi)
Judá
Issacar
Zebulom
Efraim
Manassés
Benjamim
Dã
Naftali
Gade
Aser
Censo de 1444
46.500
59.300
(8.580)
74.600
54.400
57.400
40.500
32.200
35.400
62.700
53.400
45.650
41.500
603.550
182
Censo de 1405
43.730
22.200
76.500
64.300
60.500
32.500
52.700
45.600
64.400
45.400
40.500
53.400
601.730
Anderson Vicente Gazzi
Notas:
1) As tribos de Simeão e Levi (tribo de Moisés) estavam muito
reduzidas no segundo cesno (24.000 morreram por ocasião da
praga conforme Nm.25.9).
2) Os primogênitos de Israel (22.273) também estavam muito
reduzidos. Num total de 612.130 homens adultos, isso
significaria que 27 filhos para cada família. Possibilidade: Muitos
primogênitos mortos por Faraó, e alguns podem ter sido mortos
pelo anjo da morte no Egito.
3) O censo de 612.130 homens adultos sugere uma população total
de, no mínimo 2,5 milhões.
•
Censo dos Levitas:
Levitas
Total de
Homens
Em Idade de
Serviço (30-50)
Gersonitas
7.500
2.630
Coatitas
8.300
2.750
6.200
3.200
22.000
8.580
(8.600)
Erro de copista
Meraritas
Total
j.
Deveres (Nm.3-4)
Levar a mobília do
tabernáculo
Levar as cobertas
externas
Levar a estrutura
Tipos de Cristo em Números:
I. Dinheiro da redenção (cinclo siclos) – Nm.3.40-51. A escassez
de levitas para substituir os primogênitos israelitas exigia a
compensação de cinco siclos por família. A lição histórica é que
Deus exigia pagamento total pela falta de levitas para executar o
serviço do primogênito reivindicado por Deus, e a lição para nós
é que Cristo pagou na íntegra a redenção e o serviço pelos
nossos pecados. A sua obra na cruz não foi apenas um
pagamento “simulado”, mas total.
183
Introdução ao Estudo do Pentateuco
II. Cinza da novilha vermelha (Nm.19). Historicamente, esse
sacrifício simboliza a nossa necessidade de purificação de
pecados acidentais; tipicamente, retrata a morte de Cristo,
incluindo também a purificação, mas exigindo confissão e
apropriação (1Jo.1.9).
III. A serpente de bronze sobre uma haste (Nm.21.9). Do mesmo
modo que Moisés exigiu do pecador que olhasse para o
instrumento do juízo de Deus, são os pecados hoje salvos ao
olhar para a cruz de Cristo e aceitar a obra vicária realizada por
ele (Jo.3.14).
IV. A florescida vara de Arão (Nm.17). O florescimento da vara de
Arão demonstrou que era ele o único sumo sacerdote ou
mediador de Israel; do mesmo modo a ressurreição de Cristo
demonstrou que é ele o único Mediador entre Deus e o homem
(1Tm.2.5). Observação: Aquele episódio teve por finalidade
acabar com todas as “murmurações” ou queixas (Nm.17.10).
9. Propósito:
Encorajar uma vida nacional organizada, ao demonstrar como a
incredulidade e a rebelião contra Yahweh trouxeram uma disciplina
divina severa que retardou o cumprimento da promessa na terra.
O livro de Números é uma obra histórica cujo tema principal é
o estabelecimento de Israel e a forma com que foi desnecessariamente
retardado em virtude de uma geração inteira, devido à disciplina divina
contra a descrença e a rebelião da nação. Ainda assim, a ênfase de seu
autor não está nas falhas da geração do êxodo, da qual ele registra apenas
alguns exemplos, mas na certeza do plano de Yahweh para Israel,
retardado, mas não destruído pela rebelião humana contra Ele.
Isto é demonstrado pela inclusão de dois censos no livro. O
mesmo número geral no Sinai e em Moabe sugere aos leitores que a
falha em atingir o alvo de estabelecer-se em Canaã não ocorreu devido à
falta de poder divino, ou à perda de força numérica, mas apenas à
incredulidade de Israel. Os 38 anos entre Cades-Barnéia foram
verdadeiramente um vácuo na história da salvação, uma vez que o
programa de Deus foi, por assim dizer, interrompido graças à
184
Anderson Vicente Gazzi
incredulidade humana. As inclusões das narrativas de Balaão, entretanto,
mostram que tal atraso não significava o fim das promessas. Deus não
voltará atrás, mesmo em face à persistente incredulidade humana, no que
Ele prometera sob juramento (Gn.22).
Esta incredulidade mostrou-se várias vezes na forma de
murmuração contra Yahweh, Seus caminhos e Seus líderes escolhidos. O
quadro abaixo resume estes acontecimentos:
11.1-3
11.4-6
12.1, 2
14.2-4
14.27-29
16.1-11
16.41
17.5, 10
Reclamações acerca das dificuldades na jornada
Reclamações acerca do maná
Arão e Miriã murmuram contra Moisés
O povo murmura contra Moisés e Arão em Cades
O povo murmura contra Yahweh
Corá e seus aliados murmuram contra Arão
O povo murmura contra Moisés e Arão devido à morte de
Corá e seus aliados
Nova murmuração contra Arão
A obstinada falta de fé na provisão e proteção de Yahweh
trouxe a disciplina pactual, o desencadeamento da ira divina contra a
rebelião humana. As passagens que se seguem contêm manifestações da
ira de Yahweh: Números 11.1, 10, 33; 12.9, 10; 14.11-20; 16.46, 47. A
demonstração mais surpreendente da ira divina, entretanto, foi à rotina
de morte entre Cades e Moabe. Pressupondo números literais para o
censo e que apenas os homens necessariamente teriam morrido
(seiscentas mil pessoas) no curso de 14.508, teria havido uma média de
quarenta enterros por dia! Não é de admirar que Moisés tenha escrito:
“Pois somos consumidos pela tua ira [...]. Quem conhece o poder da tua ira?”
(Sl.90.7, 11).
Parece melhor dividir o livro de Números em três partes:
Preparação no Sinai (1.1–10.10), Peregrinação no deserto (10.11–22.1), e
Preparação na Transjordânia (22.2–36.13).
A primeira parte contribui para o propósito, ao demonstrar que
Israel era militarmente capaz de atingir seu objetivo e tornar-se uma
185
Introdução ao Estudo do Pentateuco
verdadeira nação em termos de organização civil, com um
posicionamento peculiar para a batalha e para a paz (caps. 1 e 2). Isto
prossegue na contagem e designação de trabalho para os Levitas,
separados para o Senhor de entre as tribos de Israel (caps. 3 e 4). A
nação não era apenas militarmente capaz, ela estava ritualmente
preparada.
A seção seguinte aborda a necessidade de pureza da nação. As
leis no capítulo 5 falam acerca da separação daquilo que é impuro (5.1-4),
da restituição dos males cometidos (5.5-10) e da infidelidade conjugal
(5.11-31) e, assim, lida com questões fundamentais na vida de uma
comunidade (saúde pública, confiança e honestidade pública, como
também unidade familiar). O capítulo seguinte descreve os votos do
nazireado, uma provisão para aqueles que queriam dedicar-se ao Deus de
Israel de alguma forma especial. O capítulo 6 termina com a bem
conhecida bênção aarônica, que é uma forma apropriada de encerrar um
capítulo que descrevia aqueles que queriam se identificar inteiramente
com Yahweh, porque Seu próprio desejo é colocar Seu nome sobre os
israelitas.
Os capítulos 7–10.10 fornecem-nos as últimas referências
históricas ao Sinai, quando os príncipes de Israel consagram suas ofertas
voluntárias na dedicação do tabernáculo (Nm.7.1-89; Êx.40.17-33), as
lâmpadas são acesas dentro do Lugar Santo (Nm.8.1-4), os levitas são
consagrados para obra do Senhor (8.5-26) e a Páscoa é celebrada em dois
estágios (9.1-14). À medida que os israelitas se preparam para marchar, o
autor informa seus leitores que aquela jornada era uma questão da
liderança direta de Yahweh por meio de uma coluna de nuvem/fogo
(9.16-23). Isso ilustra a figura ideal que deveria ter prevalecido, e que
teria levado Israel até Canaã em apenas 10 dias de caminhada a partir do
Sinai. A referência das trombetas de prata é necessária para indicar que,
além do direcionamento divino, Israel não era apenas uma multidão
indisciplinada, mas também possuía uma organização humana que a
tornou uma nação.(10.1-10).
A segunda parte do livro mostra com que freqüência e quão
intensamente Israel foi reprovado nos testes dados por Deus no deserto
e, por meio de sua incredulidade e desobediência, desperdiçou a
concretização das promessas da aliança naquela geração.
186
Anderson Vicente Gazzi
Os capítulos 11 a 14 descrevem a atitude predominante de
desrespeito para com Deus causado pelo problema básico de Israel, a
incredulidade. Israel reclamou acerca das dificuldades da jornada pelo
deserto (11.1-3), trazendo um julgamento de fogo; eles murmuraram
devido à falta de carne (11.4-35), influenciados pela multidão semítica
que havia deixado o Egito com eles. O resultado foi uma dura lição sob a
forma de punição por seus próprios desejos, depois de desprezar a
provisão fiel de Deus. Talvez tenha sido nesse ponto que Moisés
implementou, com certa medida de incentivo divino, o sábio plano
criado por Jetro com respeito à organização do povo (Êx.18). A
aprovação divina aparece quando alguns dos designados para o cargo de
juiz começam a profetizar.
Miriã e Arão murmuram contra o papel de Moisés como líder
(12.1-16), trazendo sobre si ira e disciplina, direcionada contra Miriã,
uma vez que ela foi quem instigou a conspiração. Essa seção serve ao
propósito do livro, ao mostrar que a ingratidão e o desrespeito não se
limitavam ao povo comum, mas atingia até mesmo os líderes mais
proeminentes da nação.
Por fim, a nação rejeita o desafio de Yahweh de confiar Nele
para a conquista de Canaã (13.1–14.45). O relato dos espias deu à nação
uma oportunidade definitiva de confiar em Yahweh para o impossível;
também provou que a terra da promessa era tudo aquilo que as pessoas
esperavam, e mais ainda. Ainda assim, a nação rejeitou o relatório
minoritário da fé e rebelou-se contra Yahweh e Seus líderes escolhidos
(14.1-4, 10a). O Novo Testamento toma esse incidente como uma
exortação para os crentes da Nova Aliança, alertando-os para que não
endureçam seus corações em incredulidade, para não desperdiçar as
bênçãos e a recompensa divinas (Hb.3.15-19). Nem mesmo seu
arrependimento demorado e o desejo de seguir em frente poderiam leválos a Canaã; os amalequitas foram os primeiros a executar o juízo de
Yahweh (14.39-45). As areias do Sinai e do tempo os seguiriam.
O capítulo 15 apresenta exigências antigas para uma nova
situação (15.1-21), padronizando os sacrifícios ao contexto da Terra
Prometida. O exemplo do homem que violou o Sábado aponta para a
condição da geração do Êxodo, que havia pecado com os olhos bem
abertos; assim como uma violação deliberada da aliança deveria ser
187
Introdução ao Estudo do Pentateuco
punida com a morte (15.32-36), sua clara rebelião em Cades seria punida.
Israel precisava de lembretes de seus privilégios e responsabilidades, e a
nova lei das borlas nas roupas providenciou isso (15.37-41).
A próxima ameaça a uma vida ordeira perante Yahweh surgiu
com a rebelião de Corá. Essa foi uma tentativa de subverter a hierarquia,
com o pretexto de absoluta igualdade dentro do povo de Deus (16.3). O
juízo divino rapidamente atingiu Corá e seus associados, quando a terra
consumiu Corá e os líderes rubenitas associados com a revolta (16.2534), e o fogo do Senhor (vindo da arca?) matou 250 dos que se
intitularam “sacerdotes”, os quais começaram a contestar a Arão (16.35).
A revolta de Israel foi tão feroz contra Yahweh, que eles ignoraram o
perigo e dirigiram-se contra Moisés e Arão no dia seguinte. O resultado
foi a morte de 14.700 pessoas, no que foi a demonstração mais
surpreendente do desagrado de Yahweh para com aquela geração. A
incredulidade e o desrespeito para com Deus (16.30b) apenas levaram a
uma tragédia maior.
A necessidade de uma prova maior da hierarquia de Yahweh
para uma vida ordeira surgiu quando Arão foi vindicado diante das
outras tribos (17.1-13). Esse conflito, por sua vez, leva a instruções
detalhadas acerca do trabalho dos levitas (18.1-32). Portanto, o autor
vinculou seus temas religiosos a acontecimentos que representavam a
necessidade que Israel tinha de informação ou correção. O mesmo vale
para o capítulo 19, que contém a legislação acerca da purificação causada
pela morte, uma necessidade óbvia à luz da alta taxa de mortalidade
naqueles 38 anos.
A última seção, nessa segunda parte, lida com os últimos
acontecimentos da geração do Êxodo. Um ciclo completo completara-se
e a nação se encontrava novamente em Cades. Ali, Miriã morreu e foi
sepultada (20.1).
Ali, Israel mais uma vez cometeu um erro, com talvez o último
remanescente da geração do Êxodo, ao dar voz a sua amargura contra
Deus pela falta de água (20.2-5). Cedendo à ira e ao orgulho, Moisés (e
Arão, por associação) puxa para si mesmo a honra de suprir água da
rocha, incorrendo na disciplina de Yahweh (20.6-13).
A partir de Cades, Israel contornou o território de Edom, ao sul
do mar Morto e chegou ao monte Hor, onde Arão morreu e foi
188
Anderson Vicente Gazzi
sepultado (20.22-29). A condução de Eleazar ao sumo sacerdócio foi um
sinal de que a nova geração estava assumindo seu lugar.
Esta foi uma época de vitória, quando Israel derrotou Arade
(21.1-3), mas também de derrota, à medida que a nova geração provou
que era feita do mesmo material da anterior, pois murmurava contra suas
condições na época crítica de marchar junto às fronteiras de Edom, uma
região bastante inóspita. O ciclo de disciplina e libertação se desenrola
novamente, com a aparição de serpentes venenosas e a cura por meio da
intercessão e uma renovada oportunidade de confiar em Yahweh (21.48). Pode haver uma polêmica contra os rituais pagãos em que serpentes
são adoradas como símbolos de vida. O Senhor Jesus utilizou esse
acontecimento para ilustrar Sua morte substitutiva e a necessidade de
responder em fé a Sua oferta de salvação (Jo.3.14).
Depois desse acontecimento, a caminhada foi retomada, muito
provavelmente em um passo acelerado. A água foi providenciada, e o
povo, que aparentemente se arrependeu de verdade de sua murmuração
perto de Edom, cantava com alegria. Depois disso, veio a conquista dos
amorreus que viviam ao leste do Jordão, na terra que eles haviam
conquistado aos Moabitas (Jz.11.14-27). Siom de Hesbom e Ogue de
Basã foram derrotados e sua terra foi conquistada por Israel. As
promessas aos patriarcas estavam prestes a se tornar realidade.
A terceira parte do livro contribui para o propósito de Números
ao demonstrar como Yahweh permaneceu fiel a Suas promessas e como
o povo, até mesmo a nova geração, continuava ingrata e inclinada ao
pecado, mesmo depois de testemunhar a disciplina de Deus por 39 anos.
Esses últimos capítulos também fornecem informação acerca do
estabelecimento de Israel na terra, assim como um novo censo, a
provisão para a mudança de liderança, o ensaio para as leis de sacrifício e
acordos para a distribuição da terra ao leste do Jordão, a proteção para as
pessoas acusadas de homicídio não doloso, como também as situações
complexas de herança.
O ciclo de Balaão (22.2–24.25) contribui para o propósito de
confirmar o status de Israel perante Yahweh, a despeito do grande atraso
causado pela incredulidade da nação. Também serve como uma
polêmica contra os deuses das nações que Israel haveria de enfrentar na
batalha não muito depois que fossem conhecidos esses acontecimentos.
189
Introdução ao Estudo do Pentateuco
O profeta contratado, conhecido por sua eficácia como lançador
de maldições (22.6), é persuadido por essa divindade recém-chegada,
Yahweh, a concordar e ir com o mensageiro de Balaque, sob a condição
de apenas dizer aquilo que Yahweh lhe revelasse. Seu conflito emocional
é evidenciado no episódio do diálogo com a mula. O amor de Balaão
pelo “prêmio da injustiça” (2Pe.2.15) acabaria finalmente por levá-lo a
renunciar a seu conhecimento inicial com Yahweh e a se posicionar ao
lado dos inimigos de Israel (Nm.31.8, 16).
Suas profecias, alugadas pelo rei de Moabe, acabaram
reforçando as promessas de Yahweh a Abraão. Seus tópicos incluem o
crescimento numérico de Israel (23.10), segurança (23.21-23), vitória
(21.24), prosperidade (24.5-7), poder monárquico (24.7b), conquistas
(24.8, 9) e o surgimento de um poderoso governante (24.17-19). É
teologicamente sadio afirmar que Moisés recebeu o conteúdo dos
oráculos de Balaão por meio de inspiração, mas também é possível que
Balaão tenha sido capturado com os midianitas e passado a informação
para Moisés.
O contraste entre a glória e o triunfo prometidos por Balaão e a
cena trágica dos israelitas envolvidos com prostituição cultual no
capítulo 25 é impressionante. Esse incidente forma um inclusio sombrio
com a tragédia do bezerro de ouro em Êxodo 32. Embora a idolatria do
Egito tivesse sido deixada para trás, a praga de Canaã, o baalismo,
apresentou-se em toda a sua hediondez pela primeira vez, e a nação
sucumbiu a ele.
Os capítulos 26 a 30 lidam com questões relacionadas à vida na
terra. Um novo censo, realizado depois que a praga havia dizimado a
tribo de Simeão (Nm.25.14; 26.14; e 1.23), revela que o poderio militar
de Israel permanecera intacto ao longo de seus vários anos e
peregrinação, graças à misericórdia de Yahweh. Apesar disso, Nm.26.64
fala, em alto e bom som, acerca do poder da ira de Yahweh, uma vez que
nenhum dos 603.550 homens de guerra da geração do Êxodo estava
vivo quando o segundo censo foi realizado.
A questão do direito de herança para as mulheres (27.1-11) vem
naturalmente depois das orientações para a divisão da terra (26.52-65).
Depois disso, veio à orientação acerca da sucessão de Moisés (27.12-23);
Josué seria um líder civil e militar, com Eleazar como seu braço direito.
190
Anderson Vicente Gazzi
A vida espiritual deveria ser regulada na Terra Prometida, e as
ofertas sazonais, ou de acordo com o calendário, tinham um papel
importante nisso. Essa regulamentação complementa aquela de Levítico,
não apenas nas exigências de ofertas dedicatórias adicionais, mas na
inclusão das libações ou ofertas de bebida, algo que a geração do Êxodo
não poderia apresentar no deserto (28.1–29.40). Uma vez que os votos
estavam freqüentemente relacionados às ofertas, um capítulo acerca de
votos não está fora de lugar aqui (30.1-15). De forma interessante, a
igualdade garantida às mulheres no capítulo 27 é equilibrada pela
subordinação imposta pelo capítulo 30.
O capítulo 31 lida com a última campanha militar de Moisés, da
dedicação dos midianitas à destruição (mais provavelmente a parte desse
povo que vivia mais perto do caminho de Israel, uma vez que eles
reaparecem em grande número cerca de 250 anos depois em Juízes 6). O
incidente serve como um claro padrão a ser seguido depois da invasão;
uma guerra sem quartel e sem trégua contra as nações insidiosamente
idólatras era o único meio de proteger Israel do avanço trágico do
paganismo.
O capítulo 32 lida com o pedido de Rúben, Gade e metade de
Manassés para que possam se estabelecer na terra conquistada aos
amorreus (32.1-5). Moisés pressentiu o início de uma nova CadesBarnéia e repreendeu os líderes das duas tribos e meia (32.6-15). O
compromisso das tribos de ajudar a seus irmãos na conquista do lado
oeste (32.16-19) abriu a porta para o acordo e o estabelecimento deles
nessa porção de terra (32.20-42).
Os capítulos 33 a 36 olham para trás e para diante. No capítulo
33, o itinerário das viagens de Israel desde o Egito é apresentado;
acampados nas planícies de Moabe, Israel recebe a ordem de erradicar os
cananeus (ou sofrer seu fim inglório sob a disciplina de Yahweh). A
divisão justa da terra entre as tribos devia ser feita de acordo com a
proporção da população das tribos (Nm.33.53,54). Para auxiliar em um
empreendimento como esse, as fronteiras oficiais da Terra Prometida
são dadas em Nm.34.1-12, e os “homens que deverão distribuir a terra” são
relacionados pelas tribos (Nm.34.16-29).
Uma vida ordeira em Canaã exigia uma distribuição apropriada
da terra para os servos do povo, os levitas, e isto é abordado em
191
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Nm.35.1-5. O restante do capítulo lida com a questão crítica da vida
humana, seu valor e a necessidade de reprimir o derramamento de
sangue. As cidades de refúgio (Nm.35.6-28) e a legislação acerca da pena
capital (Nm.35.29-34) representam um primeiro passo rumo à solução.
O livro termina com uma observação feliz, mas aparentemente
irrelevante, à medida que a lei ordena que as herdeiras devessem casar-se
dentro de seus clãs para preservar a posse da terra com a família. Este
gesto de solidariedade e fidelidade serve como um reflexo menor da
fidelidade e solidariedade do próprio Yahweh para com o objeto de Sua
aliança. O livro encerra com Israel em Moabe, e Moisés é declarado o
ministro aprovado de Yahweh em favor de Israel.
10. Esboço:
I. Deus Prepara o Povo para Herdar a Terra (1.1-10.10)
A. Instruções para a Partida (1.1-4.49)
1. O Censo dos Soldados de Israel (1.1-54)
2. A Organização do Acampamento (2.1-34)
3. A Organização dos Levitas (3.1-4.49)
B. A Santificação do Povo (5.1-10.10)
II. O Povo Perde Sua Herança por Causa de Pecado e
Incredulidade (10.11-25.18)
A. Murmuração a Caminho de Cades-Barnéia (10.11-12.16)
B. Rebelião e Incredulidade em Cades-Barnéia (13.1-14.45)
C. Pecado e Rebelião no Deserto (15.1-19.22)
D. Desobediência a Caminho de Moabe (20.1-25.18)
III. Deus Prepara uma Nova Geração para Possuir a Terra
(26.1-36.13)
A. O Censo da Nova Geração (26.1-65)
B. A Instrução do Povo (27.1-30.16)
C. A Derrota dos Midianitas (31.1-54)
192
Anderson Vicente Gazzi
D. A Ocupação da Transjordânia (32.1-42)
E. O Relato da Viagem do Egito a Moabe (33.1-49)
F. Promessa da Vitória sobre Canaã (33.50-56)
G. A Preparação para Entrar na Terra e Dividi-la (34.1-36.13)
193
Introdução ao Estudo do Pentateuco
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO VII:
- HILL, Andrew E. e WALTON, J.H. Panorama do Antigo Testamento. Belo
Horizonte: Vida, 2000.
- WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001.
- GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos”. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
- DOCKERY, David S. Manual Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2001.
- DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia
- BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. V.1,2. São Paulo: ASTE, 1968.
- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
- PINTO, Carlos Oswaldo. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2006.
- LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
- BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Paulinas, 1981.
- CHARPENTIER, E. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1986.
- FOHRER, Georg. Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1982.
- GRUEN, Wolfgang. O tempo que se chama hoje: uma introdução ao Antigo
Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
- HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1975.
- MARTIN.ACHARD, Robert. Como ler o Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1970.
- METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
- PURY, Albert de (Org). O pentatêuco em questão. Petrópolis: Vozes, 1996.
- RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento: uma introdução. Santo André: Academia
Cristã, 2009.
- SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,
1994.
- SICRE, Jose Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1995.
194
Anderson Vicente Gazzi
VIII – O LIVRO DE DEUTERONÔMIO:
O livro consiste nas mensagens de despedida de Moisés, nas
quais ele sumariou e renovou o concerto entre Deus e Israel, para o bem
da nova geração de israelitas. Tinham chegado ao fim da peregrinação no
deserto e agora estavam prontos para entrarem na terra de Canaã. A
nova geração, na sua maior parte, não tinha lembrança pessoal da
primeira Páscoa, da travessia do Mar Vermelho, nem da outorga da lei
no monte Sinai. Careciam de uma narração inspirada do concerto de
Deus, da sua lei e da sua fidelidade, bem como uma renovada declaração
das bênçãos resultantes da obediência e das maldições da desobediência.
Enquanto o livro de Números registra as peregrinações no deserto, da
rebelde primeira geração de israelitas, abrangendo um período de trinta e
nove anos, Deuteronômio abrange um período de talvez somente um
mês, numa só localidade, nas planícies de Moabe, diretamente a leste de
Jericó e do rio Jordão.
1. Título:
O título hebraico deste livro é (‘ellêh haddebarîm – “estas são as
palavras”) e aponta para a revelação final recebida pelo grande legislador
de Israel quando a nação se aproximava de seu objetivo de entrar na
Terra Prometida. O título em português é uma transliteração do título
grego, dado pelos tradutores da Septuaginta, (deuteros nomos), que
significa “segunda lei”. O nome não é apropriado, pois derivou-se de
uma tradução errada de Dt.17.18, em que a expressão (misneh hattôrâ
hazzôt) deveria ter sido traduzida por “uma repetição desta lei”.
Apesar deste detalhe técnico, o título é em parte correto, pois se
Deuteronômio não é uma segunda lei em espécie, é ainda, em parte,
repetição, em parte, expansão, em parte, condensação e, em parte,
adaptação de legislação anterior tendo em vista uma nova “situação de
vida” na história da nação.
195
Introdução ao Estudo do Pentateuco
2. Fundo Histórico:
a. Data em que foi escrito: (cerca de 1405 a.C.)
Moisés especificou a data de 1 de fevereiro de 1405 a.C.
quando reuniu o povo para este conjunto final de
mensagens (Dt.1.3). Apesar de esse pronunciamento ter
sido feito provavelmente em diversas sessões, a expressão
“hoje” foi repetida mais de 60 vezes em todo o livro.
Como a morte de Moisés ocorreu 30 dias mais tarde, a
pronunciação e a escrita dessas mensagens estão muito
próximas uma da outra (Dt.34.8).
b. Circunstâncias:
Quanto à posição geográfica, Israel estava perto das
margens do Jordão, ansioso pela nova aventura em Canaã.
Tendo conquistado enorme área da Transjordânia quase
sem perdas humanas sob a direção do Senhor, estava
pronto para o desafio de Canaã.
Quanto à religião, o novo Israel era, de muitas maneiras,
diferente da primeira geração que saiu do Egito. Não tinha
conhecido a idolatria daquele país e estivera sob a liderança
de Moisés durante 40 anos no deserto. O povo conhecera o
poder e a vitória como resultados da confiança que
depositaram no Senhor qunado em batalha. Todavia, eram
ainda propensos à autojustificação e à idolatria, e havia
muitos problemas familiares e sociais aguardando por
solução. Tendo aprendido a guerrear, precisavam ser
lembrados da santidade da vida inocente e de como
deveriam viver em Canaã.
3. Autoria:
Pelo seu próprio testemunho (Dt.1.1,5; 31.22), Deuteronômio é
obra de Moisés. A autoria mosaica é afirmada muitas vezes em outros
196
Anderson Vicente Gazzi
lugares no Antigo Testamento (por exemplo em 2Rs.14.6), em antigas
fontes judaicas (por exemplo por Flávio Josefo) e no Novo Testamento.
Esta opinião era quase universalmente aceita até o surgimento do
criticismo racionalista nos tempos modernos (Para maiores detalhes ver
o Capítulo 3 – Introdução ao Pentateuco).
Os críticos observam corretamente que o último capítulo não
poderia ter sido escrito por Moisés. Existe um amplo consenso de que o
capítulo 34 é um adendo, talvez acrescentado por Josué. Dessa mesma
forma, o livro de Josué termina com a morte de Josué, registro feito
claramente pelo autor de Juízes à parte final de Josué (Jz.2.7-9;
Js.24.29,31). Semelhantemente, os primeiros versículos de Esdras foram
copiados e anexados ao último capítulo de Crônicas (Crônicas termina
no meio de uma frase). Essa maneira de vincular um livro subseqüente
ao precedente (ou variantes dessa prática) era comum na antiguidade e
tinha como propósito indicar uma sequência correta dos pergaminhos ou
tabuletas de cerâmica. É provável que Josué tenha adicionado a nota
sobre a morte de Moisés, sendo isto aceito por Israel. Isto também veio
a vincular o livro de Josué à grande produção de Moisés. Tais adições
obvias, contudo, não negam a autoria geral de Moisés.
De forma ainda mais controversa, algum críticos tem
argumentado que a linguagem de Dt.1.1,5 indica que o escritor do livro
necessariamente estava do lado ocidental do rio Jordão, ou seja, em
Canaã (a expressão hebraica aqui traduzida “este lado do Jordão” é
geralmente traduzida “o outro lado do Jordão” ou “dalém Jordão”). Tal
descrição, argumentam, solapa a credibilidade de Deuteronômio como
uma obra mosaica, uma vez que Moisés nunca atravessou o Jordão. O
argumento pressupõe que a expressão hebraica em questão precisa
sempre referir-se à região oriental do Jordão. É evidente, contudo, que o
sentido exato da expressão precisa ser determinado pelo contexto e que
ela pode referir-se tanto a Transjordânia (a região a leste do Jordão e mar
Morto, Dt.1.1-5; 3.8; 4.41,47,49) como Canaã (Dt.3.20,25; 11.30;
Js.9.1,10). Aqui, esta expressão evidentemente significa a região a leste do
Jordão, como as descrições geográficas indicam (Dt.1.1,5).
197
Introdução ao Estudo do Pentateuco
4. Data:
No século XIX, os críticos da Bíblia afirmavam que
Deuteronômio fora escrito em torno de 620 a.C., como parte da reforma
religiosa promovida pelo rei Josias, no qual ele insistiu que o culto fosse
centralizado em Jerusalém. A lei do santuário central (Dt.12) foi
considerada por esses críticos como a invenção de um escritor nos
tempos de Josias. Desde o começo no século XX, todavia, essa teoria
tem perdido apoio. Alguns têm atribuído a Deuteronômio uma data tão
antiga como a época de Samuel, enquanto outros lhe deram uma data tão
recente como o exílio. Muitos críticos ainda datam o livro no século VII
a.C., que é o período do rei Josias. Esses estudiosos também questionam
a unidade do livro. Se algumas partes parecem “antigas” (dos tempos de
Moisés), eles atribuem essas partes a alguma tradição de tempos remotos
que foi convenientemente preservada. Se outras partes parecem
“recentes” (durante ou depois dos tempos de Josias), elas são chamadas
de “redações posteriores” ou ali se encontram devido a alguma “edição
tardia”. Tais métodos elásticos, subjetivos e especulativos não poderiam
ser refutados de forma conclusiva senão com um manuscrito original do
próprio Moisés, que ninguém possui. Nenhuma evidência concreta
exclui a composição de Deuteronômio nos tempos de Moisés,
reconhecendo-se, dentro de limites razoáveis, que edições posteriores
tenham sido feitas por alguém como Josué, que adicionou o obituário de
Moisés ao livro, além de algumas atualizações posteriores da gramática
hebraica e de nomes de lugares.
O pano de fundo e o contexto histórico do livro refletem as
condições anteriores à conquista de Canaã sob Josué. Não há menção de
algum rei em Judá ou da cidade de Jerusalém, embora esta seja
mencionada mais de cem vezes pelo profeta Jeremias (que escreveu nos
dias do rei Josias). É pouco provável que um autor do século VI a.C.
deixasse de fazer alguma alusão, por mínima que fosse, à capital ou ao
seu templo. As doze tribos estão representadas como uma nação (e não,
como no período de Josias, dividas em reinos de Judá e Israel). As
cidades de refúgio da Transjordânia são citadas, enquanto que as situadas
em Canaã (as quais foram designadas mais tarde por Josué) não o são.
Os nomes babilônicos dos meses não são usados e não há
198
Anderson Vicente Gazzi
estrangeirismos persas no vocabulário, embora se possa esperar que
estes fossem encontrados em uma obra escrita num período dominado
por esses impérios. Moisés, Arão e Josué são mencionados, mas nenhum
outro personagem ou acontecimento de uma época posterior aparecem.
É pouco provável que um escritor de um período tardio, mesmo que
versado nas tradições do passado, pudesse evitar de forma tão completa
o uso de termos e a menção de pessoas ou eventos da sua própria época.
Talvez ainda mais significativa seja a conformidade geral da
estrutura de Deuteronômio à forma de tratado ou aliança característica
dos meados do segundo milênio a.C. (época aproximada de Moisés).
Encontramos as seguintes partes de um tratado de Deuteronômio: (a)
um preâmbulo identificando o mediador da aliança (Dt.1.1-5); (b) um
prólogo histórico recordando a história da aliança até então (Dt.1.64.40); (c) estipulações que esclarecem o modo de vida segundo a aliança
(Dt.4.44-11.32; 12-26); (d) uma declaração de sanções apresentando as
bênçãos pela obediência e as maldições pela desobediência à aliança
(Dt.27-30); e (e) uma disposição legal para a administração da aliança
após a morte do mediador inaugural (Dt.31-34). Dessa forma, percebe-se
no quinto livro do Pentateuco, o Deuteronômio, as principais partes em
que eram divididos os tratados de aliança nos tempos de Moisés.
Conclui-se, portanto, que Deuteronômio foi escrito por Moisés,
o legislador de Israel, antes de sua morte em 1406 a.C.
5. Características Literárias:
•
Forma:
Em nenhum outro livro do Pentateuco a forma literária é tão
significativa para a determinação da mensagem e a compreensão da
teologia quanto em Deuteronômio. O fato de o livro estar disposto
segundo os padrões dos tratados de suserania revela que uma das
preocupações do autor foi enfatizar o caráter e as ações de Deus, como
autoridade suprema, e as responsabilidades de Israel, como vassalo, bem
como as promessas que Yahweh se obrigava a cumprir a favor de Israel
caso o povo escolhido permanecesse fiel ao compromisso assumido no
Sinai, o qual Deuteronômio evocava e atualizava.
199
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Os dois quadros a seguir estabelecem uma comparação entre o
tratado de suserania típico do segundo milênio a.C.e Deuteronômio.
Tratados de suserania do
Deuteronômio
segundo milênio
Título (1.1)
Título
Preâmbulo Histórico (1.1-5)
Prólogo Histórico
Prólogo Histórico (1.6–4.43)
Estipulações da Aliança (4.44–26.19) Leis e Estipulações
Renovação da Aliança, Bênçãos e Colocação do Documento
Maldições (27.1–29.1)
Leitura do Documento
Resumo das Exigências da Aliança Invocação das Testemunhas
(29.2–30.20)
Bênçãos e Maldições
Provisão para a Transição (31.1–34.12) Sanções da Cerimônia de Votos
Em Deuteronômio, as estipulações da aliança foram divididas
em estipulações gerais (5.1–11.32) e específicas (12.1–26.19). As
provisões para a transição, que nos tratados seculares lidavam com a
continuidade da lealdade do vassalo para com o herdeiro do suserano,
descrevem a herança espiritual de Josué, os papéis de mediador da
aliança e de representante da nação, que até esse momento haviam
pertencido a Moisés (31.1-8). Em lugar das sanções da cerimônia dos
votos, Deuteronômio contém as bênçãos de Moisés sobre as doze tribos,
as quais foram consideradas proféticas e tinham a força legal de um
testamento (33.1-29). O livro termina com o obituário de Moisés, algo
necessário para dar validade ao testamento espiritual (34.1-12; Hb.9.16,
17).
6. Estrutura Teológica:
•
A Pessoa e o Caráter de Deus:
Eugene Merrill indicou que Deus utilizou, como principal
instrumento para Sua auto-revelação, Seus atos poderosos, eventos
históricos que a comunidade da fé pôde reconhecer como divinos. Ele
afirma: “Enquanto que no Antigo Testamento o ato fundamental de
Deus é a própria criação, aqui o assunto é menos cósmico; o foco de
200
Anderson Vicente Gazzi
Deuteronômio não são as preocupações universais de Deus, mas Seus
propósitos especiais para Seu povo”.
Essa concentração no relacionamento suserano-vassalo sem
dúvida contribuiu para que Deuteronômio se tornasse um favorito entre
o povo de Israel, o livro mais citado, tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento. O Senhor Jesus citou Deuteronômio para triunfar sobre
Satanás (Mt.4.1-11) e para defender Sua autoridade messiânica, ao definir
qual a parte mais importante da Lei (Mt.22.34-40).
O livro é a fonte de exortações proféticas no Antigo
Testamento, o parâmetro pelo qual a sociedade de Israel era medida e, na
maioria das vezes, condenada. Acima de tudo, porém, Deuteronômio foi
fundamental para a geração que crescera no deserto e precisava pensar
corretamente a respeito de Yahweh, para obedecer-Lhe na hora crítica da
conquista e desfrutar as bênçãos divinas na Terra Prometida.
a. Yahweh está próximo:
Este conceito é apresentado quando Israel recebe a ordem de
obedecer aos decretos de Yahweh (cap.4). A proximidade de Deus é
relacionada tanto à oração quanto à obediência, de modo que Israel
pudesse entender que a presença de glória de Yahweh em seu
acampamento, ou melhor, agora na terra, tornava-O acessível em graça e
misericórdia apenas quando a obediência era o estilo de vida da nação.
A proximidade de Yahweh era entendida por intermédio das
teofanias, que “contribuíam para a Sua aura de majestade e poder e,
portanto, persuadiam o povo de Sua dignidade e autoridade”. Quase sem
exceção, essa manifestação se dava por meio de fogo e escuridão (1.33;
4.11, 12, 33, 36; 9.10, 15; 33.2). O fogo falava de poder e imanência, da
possibilidade de Yahweh ser conhecido, ainda que parcialmente. A
escuridão lembrava que Ele ainda era um Deus misterioso, que o homem
era incapaz de absorver e controlar.
b. Yahweh é singular:
O famoso dito hebreu: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é
o único Senhor”), o credo compacto de Israel (6.4), tem sido de há
201
Introdução ao Estudo do Pentateuco
muito objeto de grande debate. Alguns entendem o versículo como uma
afirmação da unidade de Deus (que Ele é um), enquanto outros falam de
sua unicidade (que Ele é um só). Os hebreus, entretanto, tinham mais em
vista a singularidade de Deus (isto é, que Ele não tinha igual); seu Deus
era um Deus único, sem igual, sem paralelo, que jamais poderia ser
igualado, comparado ou emulado. Esse versículo parece ter sido um
antídoto, ou melhor, uma vacina contra o sincretismo que infestava
Canaã. Não havia possibilidade de associação entre Yahweh e Baal;
Yahweh era singular e nenhuma confusão se deveria fazer entre Ele e os
falsos deuses das nações que circundavam Israel.
Sob outro ângulo, Deuteronômio 4.15-19 distingue Yahweh de
Sua criação. Em 10.14, Deus é designado como possuidor dos corpos
celestes adorados pelos vizinhos pagãos de Israel. Deuteronômio 12.4
proíbe a adaptação, a contextualização, por assim dizer, de Yahweh e Seu
culto às práticas corruptas e corruptoras dos cananeus (12.29-32). O
sincretismo na adoração levaria inevitavelmente à confusão com respeito
à natureza e caráter de Yahweh, e isto à corrupção moral, que acabaria
por trazer a disciplina prevista na aliança.
c. Yahweh é zeloso:
Este atributo divino manifesta-se mais claramente quando se
trata de repartir com qualquer outro deus seu lugar peculiar de devoção
no coração de Seu povo. O capítulo 4 indica que desde o principio
Yahweh admoestara Israel a não tratar levianamente Seu zelo por Sua
honra e reputação. A idolatria era zombaria contra Yahweh e exigia
castigo e correção. Sua muita bondade era equilibrada por um zelo que
não admitia competição pela lealdade de Seu povo (4.24; 5.9; 6.15; 13.210; 29.20). O ciúme de Yahweh é um subproduto direto de Sua
singularidade (4.35; 6.4), e Israel não podia se beneficiar de sua relação
peculiar com Yahweh enquanto negava a singularidade do Deus ao Qual
alegava estar relacionado em aliança.
202
Anderson Vicente Gazzi
d. Yahweh é amoroso:
O amor é um conceito crucial em Deuteronômio, como
também é o elemento que mantém a aliança em funcionamento. O amor
tem sua origem em Yahweh (4.37) e foi expresso em um ato volitivo
pelo qual Yahweh determinou relacionar-se a um povo e, sem qualquer
mérito da parte desse povo (7.7-11; 10.14-22), ativamente concretizar
aquilo que serviria para o seu bem último. Isso incluía tanto libertação
quanto disciplina (4.20 e 8.5), tanto promessa quanto preceito (7.11-16).
O amor de Yahweh por Israel é descrito como um
relacionamento entre pai e filho (1.31), bem à maneira em que eram
redigidos os tratados entre suseranos e vassalos no antigo Oriente Médio
(2Rs.16.7). Particularmente importante neste contexto era a palavra
hebraica ḥeseḏ (“amor leal”), um termo característico da aliança que
significa a fidedignidade pactual de Yahweh, o Deus que graciosamente
se comprometeu com o bem de Seus escolhidos (5.10; 7.9, 12; 33.8).
Este relacionamento exigia uma resposta volitiva que podia,
como tal, ser ordenada (6.5; 10.12; 11.1, 13), um amor que se expressava
em obediência aos mandamentos de Yahweh (6.1, 17; 7.11; 8.1) e
envolvia a pessoa como um todo (6.5) e toda a comunidade (29.17-18;
Hb.12.15). A mesma reação foi exigida pelo Senhor Jesus Cristo. “Se me
amardes, guardareis os meus mandamentos” (Jo.14.15).
e. Yahweh disciplina Seu povo:
O livro de Deuteronômio está repleto de referências à disciplina
divina. A própria experiência de Moisés, resultado de seu ato de
arrogância, é relatada diversas vezes como prova inquestionável de que
Israel não escaparia ileso caso se desviasse do caminho pactual que fora
apresentado à nação. Bênção (às vezes identificada como vida) e
maldição (ou morte) eram alternativas que Yahweh não apenas previu,
mas preordenou para Israel, prevendo cativeiro e exílio (caps.4 e 28),
mas também restauração (4.29-31).
É importante observar, mais uma vez, que essa disciplina não é
uma fúria caprichosa em operação, mas a conseqüência de um acordo
feito entre as duas partes de uma aliança. Os termos da disciplina
203
Introdução ao Estudo do Pentateuco
estavam relacionados às bênçãos propostas na aliança, as quais eram a
posse da terra e uma vida de fertilidade e produtividade ali. A
imutabilidade do caráter de Yahweh era a garantia de que ambas, bênção
e disciplina, aconteceriam, dependendo da resposta de Israel. Aquela
geração, como também cada geração subseqüente em Canaã, precisava
obedecer aos preceitos da aliança mosaica para desfrutar os benefícios
temporais da aliança abraâmica. Caso contrário, seu destino seria a
disciplina de Yahweh.
•
A Administração dos Propósitos de Deus:
Por não conter trechos significativos de narrativa histórica,
Deuteronômio não se presta muito à análise das quatro linhas de
intervenção divina na história, tendo em vista o cumprimento do plano
de restaurar a soberania mediada de Yahweh (Gn.1.16-28). Mesmo
assim, traços desses temas encontram-se no livro, ao lado de outros
aspectos mais proeminentes.
a. A permissão do pecado:
Embora haja referências esparsas sobre a presença do mal em
Israel e entre os habitantes de Canaã, a quem Israel desapossaria, é no
capítulo 4 que mais fortemente se percebe a realidade de que Yahweh
soberanamente decide permitir o mal (incredulidade e idolatria) e
determina a punição e a restauração de Seu povo escolhido.
b. A promessa ou ação de julgar o pecado:
Yahweh, ao fazer a promessa da posse da terra a Abraão
(Gn.15), afirmou que ainda não se enchera a medida da iniqüidade dos
moradores de Canaã. Mais de cinco séculos depois, em Deuteronômio 7
a hora do ajuste de contas chegou para os cananeus e seus vizinhos. O
juízo severo seria administrado pelos israelitas invasores sob a forma de
um (ḥerem, “anátema” ou “edito de aniquilamento”), a destruição
completa de algo ou alguém como um ato de adoração a Yahweh (7.2).
204
Anderson Vicente Gazzi
Um detalhe que precisa ser observado é que o plano divino
incluía um cronograma relativamente extenso (7.22, 23), que, conforme a
onisciência de Yahweh, antevia não apenas a resistência dos cananeus,
mas a própria incapacidade dos israelitas de confiar plenamente em
Yahweh para essa conquista.
c. O decreto de livramento para os/pelos eleitos:
Em Sua função de suserano e com o compromisso assumido de
fazer valer as promessas feitas aos patriarcas, Yahweh liga o livramento
para os eleitos com a sua atividade disciplinadora. A libertação é parte do
compromisso pactual para qualquer ocasião histórica em que Israel, por
ter rompido sua parte no acordo, venha a sofrer as disciplinas da aliança
e, reconhecendo seu erro, volte-se a Yahweh em arrependimento e fé.
Em Deuteronômio, Yahweh aparece como o Deus poderoso para salvar
e desejoso de assim fazer (4.34, 37; 5.15; 6.21,22; 7.19).
d. O decreto de abençoar os eleitos:
Deuteronômio apresenta Yahweh como o Deus Redentor (5.6;
6.21-23; 7.8; 8.14; 13.5-10), que abençoa Seu povo com a libertação, e
como o Deus Guerreiro (1.4, 30, 42; 2.15, 21, 22; 3.2, 3, 21, 22; 5.15; 7.1,
2; 9.3-5), que sai à frente de Seu povo e em benefício deste realiza
poderosos feitos, especialmente a conquista de Canaã (ainda fato futuro,
ao tempo em que o livro foi escrito).
A conquista da terra não era a única maneira pela qual Deus
abençoaria Seu povo. As conseqüências de uma vida obediente às
estipulações da aliança seriam fartura e fertilidade incomuns na Terra
Prometida (6.10-11; 7.13-15; 8.7-10; 11.14-15; 14.29; 15.4, 6; 28.3-6, 11,
12; 29.5-6), com abundância de chuvas, colheitas fartas, saúde e
vitalidade.
•
O código israelita de direitos humanos:
Enquanto os códigos legais nas nações circunvizinhas davam
pouco ou nenhum valor à santidade e à qualidade da vida, a legislação da
205
Introdução ao Estudo do Pentateuco
aliança, vinda do Autor da vida, garantia a Israel um lugar único entre as
nações, com um padrão que mesmo hoje é difícil verificar na prática.
O quadro a seguir resume a legislação israelita sobre a vida
humana.
1. A pessoa humana tinha valor altíssimo. O assassinato era um ataque
contra a vida e o autor da vida, merecendo, portanto, a pena capital
(19.1-13, especialmente 11-13).
2. Calúnia e perjúrio eram ofensas capitais, porque ameaçavam a
integridade de indivíduos e comunidades (19.15-21).
3. A condição de mulher era importante, e a mulher não devia ser
violada em sua personalidade e nos direitos que lhe cabiam no papel
social para ela estabelecido (21.10-17; 23.17; 21.25-29).
4. A dignidade humana não deveria ser perdida devido à pobreza (15.711), perda temporária da liberdade (15.12-15), seqüestro (24.7), ou
castigo corporal excessivo (25.1-3).
5. Todo israelita era merecedor de salários decentes (24.14-15),
julgamentos justos (16.18-20; 25.1), participação nas colheitas (23.24-25;
Lv 19.9-10), e posse da terra segundo seu clã (19.14; Lv.25.13-17).
6. O casamento devia ser protegido pela pureza pré-nupcial (22.13-21,
23-24) e pela fidelidade conjugal (21.10-17; 24.1-4). A instrução familiar
sobre Yahweh e a Lei (6.5-25) era a base da estabilidade nacional, que
tinha prioridade sobre laços familiares (21.18-21).
7. O meio-ambiente era propriedade de Yahweh e uma bênção a ser
administrada com respeito a terra (22.9; Lv.25.4-5, 23-24), às plantas
(20.19-20) e aos animais (22.6-7).
•
A continuidade da aliança:
Duas partes do livro dizem respeito à continuidade da aliança
entre Yahweh e Israel. Nos capítulos 27 a 30, freqüentemente chamados
de “A Aliança Palestiniana”, essa questão visa a participação do povo,
mas é atacada com a celebração de uma cerimônia de ratificação a ser
celebrada em Canaã (27.1-26; Js.8). Nessa cerimônia, as doze tribos
206
Anderson Vicente Gazzi
invocariam sobre si as maldições contidas no capítulo 28 (os itens
mencionados no capítulo 27 servem como amostra). Ali, Moisés define o
que Israel podia esperar em caso de desobediência à aliança, ratificada
nos capítulos 29 e 30, para que Israel entre em Canaã como povo
compromissado com Deus.
A última grande divisão do livro lida com a continuidade da
aliança do ponto de vista de liderança. Ali Yahweh faz provisão para a
continuidade da aliança sob uma nova liderança (31.1-29) e sob a bênção
do mediador original (31.30–33.29).
A bênção profética de Moisés resume a história futura da nação
ao afirmar que a inclinação natural de Israel para o mal o levaria a
quebrar a aliança e a perder suas bênçãos até que Yahweh o restaurasse a
uma glória sem par, depois de discipliná-lo com extremo rigor (31.30–
32.47).
A bênção de Moisés o relaciona a Jacó, que também abençoara
profeticamente as doze tribos em seu leito de morte. Essa divisão
termina com uma eulogia a Yahweh, o grande herói do livro de
Deuteronômio, por Sua condescendência em Se relacionar com Israel
(33.1-5) e por Seu caráter único, que garante o triunfo final de Israel
(33.26-29).
Uma comparação entre as bênçãos de Jacó e de Moisés
Ordem na
Ordem na Característica na
Ordem de
Característica
bênção de
bênção de
bênção de
nascimento
na bênção de Jacó
Jacó
Moisés
Moisés
Rúben
1
Impetuosidade
1
Fecundidade
Simeão
2
Violência
Aprovação
Levi
3
Violência
3
divina
Judá
4
Domínio
2
Ajuda divina
Dã
7
Juízo torcido
9
Vigor e fúria
Naftali
10
Eloqüência
10
Bênção de Deus
Gade
8
Estratégia e
8
Fartura e
207
Introdução ao Estudo do Pentateuco
coragem
Aser
9
Fartura
11
Issacar
Zebulom
José
Benjamim
6
5
11
12
Força e serviço
Comércio
Fecundidade
Valentia
7
6
5
4
coragem
Fartura e
segurança
Alegria
Saída para o mar
Fartura
Proteção divina
7. Contribuições Singulares do Livro:
a. Suplemento de Êxodo: Por que uma Segunda Lei?
Embora Deuteronômio suplemente todos os quatro livros
anteriores, ele elabora especialmente a Lei Sinaíta de Êxodo 20-23.
I. Deuteronômio 5.7-21 repete o Decágolo de Êxodo 20 quase
textualmente, apenas dando uma razão diferente para a guarda
do Sábado: o livramento da servidão.
II. Enfatiza o amor: amor de Deus por Israel (cinco vezes);
necessidade de o homem amar a Deus (doze vezes); necessidade
de Israel amar o estrangeiro (uma vez). “Amar” é visto como o
undécimo mandamento ou a motivação latente de todos os
mandamentos.
III. Esse livro realça o benefício pessoal de guardar os mandamentos
de Deus: “para que te vá bem” (Dt.4.40; 5.16). Os mandamentos,
na sua maioria, são dados com fundamento lógico, como se
estivessem apelando para o senso de retidão. Quando reafirma a
pena de morte para crimes capitais, acrescenta o motivo: “assim
eliminarás o mal no meio de ti”, frisando o efeito desaconselhável
dessas práticas (Dt.13.5; 17.7; 19.19; 22.21; etc.).
IV. É mais veemente e exortativo que Êxodo. Funciona mais como
um sermão de um pregador do que como a intimação de um
policial. Moisés se dirige aqui mais especialmente à consciência e
ao coração do que apenas ao intelecto.
208
Anderson Vicente Gazzi
V. Enfatiza a relação inevitável entre obediência e bênção, bem
como entre desobediência e maldição, o que não é mencionado
em Êxodo.
VI. Expressa uma forte preocupação pelos necessitados, órfãos,
viúvas e estrangeiros, apenas mencionados ligeiramente em
Êxodo, e inclui uma seção especial sobre direitos humanos
(Dt.23-25).
VII. Tem muito que dizer sobre vida familiar, o casamento, o
divórcio, novas núpcias e os direitos da mulher em geral.
VIII. Acentua as responsabilidades de vários líderes (Dt.16-18).
IX. Inclui muitas advertências acerca do perigo da prosperidade
(Dt.6.10ss; 8.10ss; 11.14ss).
X. Enfatiza que Deus escolhe a Israel em amor e a necessidade de
Israel escolher a Deus em amor (Dt.4.37; 7.7-8; 30.19-20).
b. "Shema" de Israel ou "Profissão de Fé":
(Dt.6.4-9) "Ouve, Israel, o Senhor o nosso Deus é o único Senhor",
seguido da ordem de amar a Deus e ensinar a sua palavra, é a doutrina
central da teologia hebraica. Apesar de a êmfase ser geralmente colocada
na unidade de Deus, Jesus confirmaou a ordem de amar a Deus
(Mt.22.37) e ao próximo. A palavra hebraica "um" (echad), entretanto,
significa uma unidade com possíveis divisões em vez de uma
singularidade absoluta (como a palavra "yakeed" expressaria). Em
Gn.2.24, homem e mulher tornam-se "uma só carne" (echad). A palavra
"um" (echad) insiste na unicidade ou unidade de Deus, mas admite uma
revelação posterior das três Pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - como
sendo Deus Únco.
Essa profissão de fé (Shema) tem sido a marca autêntica da
religião de Israel através da história, embora tenham deturpado a
importância de "um" (echad).
c. Livro Teológico Principal do Antigo Testamento:
Os elementos integrantes da teologia do Antigo Testamento são
encontrados, na sua maioria, em Deuteronômio. Contém 259 referências
209
Introdução ao Estudo do Pentateuco
aos quatro livros anteriores de Moisés e apresenta uma linda combinação
de amor, santidade e justiça de Deus. Adverte a Israel quanto ao
passado, presente e futuro, aludem às quatro alianças do Antigo
Testamento feitas com esta nação. Este livro trata de um maior número
de questões de relacionamento humano do que qualquer outro livro da
Bíblia.
d. O Livro do Antigo Testamento mais citado:
Deuteronômio é citado 356 vezes por posteriores escritores do
Antigo Testamento, e mais de 190 vezes no Novo Testamento. Foi um
dos livros favoritos de Jesus, pois ele o citou mais do que outro
qualquer. Ao refutar o diabo, por exemplo, Jesus enfrentou cada desafio
com uma citação de Deuteronômio, vencendo-o com o simples poder da
citação. O diabo, em Mateus 4.6, usou o Salmo 91, citando-o fora de
contexto.
e. Quatro Leis Espirituais de Israel:
(Dt.10.12-13) A resposta de Moisés para "Que o Senhor requer de
ti?" resume a lei e a essência da verdadeira religião em quatro pontos:
I. Temor e reverência ao Senhor teu Deus.
II. Andar em todos os seus caminhos e amá-lo.
III. Servir ao Senhor com todo o teu coração e toda a tua alma.
IV. Guardar os mandamentos do Senhor (os quais são "para o teu
bem").
Mais tarde Miquéias respondeu à mesma pergunta com um
resumo da mensagem dos profetas em Mq.6.8.
f.
Responsabilidade dos Líderes Públicos:
(Dt.16-17) Nesses dois capítulos, vêem-se três classes de líderes:
juízes, juízes-sacerdotes e reis. As suas principais responsabilidades eram
aplicar justiça sem parcialidade. Duas salvaguardas eram exigidas para
210
Anderson Vicente Gazzi
garantir o julgamento imparcial: 1) Deviam abster-se de receber suborno
de qualquer espécie, e 2) Procurar constantemente conselho na Palavra
de Deus.
g. "Lex Talionis" de Israel ou "Pena de Talião":
(Dt.19-21) Já expressa em Êx.21.23-24 e Lv.24.20, é aqui
repetida e declarada ser dissuasão fundamental para o crime em Israel
(Dt.19.20-21). É o princípio básico do sistema de justiça exposto em
Deuteronômio. Foi designado como um princípio humanitário de justiça
igual para todos, não como um legalista "castigo celestial" para o
infrator. Seu objetivo era restringir o castigo ao limite da ofensa, e jamais
deveria ser inflingido com malevolência ou vingança. A referência que
Jesus faz a essa lei em Mateus 5.38 tinha por finalidade corrigir o seu mal
uso de cobrar o "último ceitil" em disputas pessoais. Era um princípio
judicial dos tribunais e não certamente um princípio pessoal de
"desforra".
h. Guerra e Derramamento de Sangue Inocente:
(Dt.20-21) Israel foi designado o algoz de Deus contra a
corrupta sociedade de Canaã. Todavia, não devia agir como os gentios.
Os israelitas receberam instruções especiais para que não se tornassem
eles mesmos uma sociedade violenta. Para executar essa missão de
maneira adequada, dois princípios básicos foram enunciados nestes dois
capítulos:
I. Por ordem de Deus, tinham de matar o perverso como uma
responsabilidade solene, e não como opção.
II. Muito cuidado tinha de ser tomado para que dentro da
sociedade israelita nenhuma pessoa inocente fosse morta. Deus
responsabilizaria uma cidade inteira pelo derramamento de
sangue inocente. Deviam evitar qualquer violência.
211
Introdução ao Estudo do Pentateuco
i.
Aliança Palestínica com Israel:
(Dt.28-30) Israel seria hóspede de Deus na Palestina e foram-lhe
prometidas bênção ou maldição ilimitadas na base da obediência. Se a
nação desobedecesse, seria punida e finalmente espalhada "de uma até a
outra extremidade da terra" (Dt.28.64). Ali os israelitas não achariam
descanso; teriam "coração tremente, olhos mortiços e desmaio de alma"
(Dt.28.65). Depois da dispersão, "nos últimos dias", o Senhor os restauraria
e os ajuntaria de novo na terra (Dt.30.1-5), quando tornassem "ao Senhor"
e dessem ouvidos "à sua voz". A aliança pode ser resumida em três
pontos:
I. A terra de Canaã pertencia ao Senhor, que a prometera como
posse eterna aos filhos de Abraão.
II. A ocupação, entretanto, dependia da obediência à aliança do
Senhor.
III. Finalmente, o Senhor restauraria e ajuntaria a nação novamente
quando retornassem "ao Senhor" e a ele obedecessem.
j.
O Grande Perigo da Idolatria:
É quase incessante a admoestação de Moisés quanto à idolatria
(mais de trinta referências, como em Dt.4.16-19; 5.7-9; 6.14-15; 7.4-5;
8.19-20). O povo viera de uma terra de muita idolatria, retornara à
idolatria diversas vezes no deserto e estava prestes a invadir uma terra
cujo povo adorava grande número de ídolos. A terra de Canaã era muito
rica, mas perversa e corrupta na sua idolatria. A tendência do povo seria
adotar aquela idolatria, uma vez que as práticas idólatras parecia
enriquecer os cananeus. Os israelitas estavam prestes a enfrentar uma
batalha espiritual, além de uma batalha militar. Moisés trata aqui dos
vários ardis pelos quais o diabo poderia levá-los à idolatria.
k. Profecia Messiânica de Deuteronômio:
"Um profeta semelhante a Moisés" (Dt.18.18-19). A vinda de Cristo
como Profeta é mencionada pela primeira vez nessa passagem de
212
Anderson Vicente Gazzi
Deuteronômio. A missão de um profeta era transmitir as palavras de
Deus ao povo. Moisés foi um profeta poderoso em obras e palavras, em
milagres e palavras da Lei. Suas obras demonstravam que ele proferia as
verdadeiras palavras de Deus, como Elias o fez depois dele. Do mesmo
modo, os grandes milagres de Jesus demonstraram sua messianidade e a
verdade das suas palavras. Embora os milagres de Moisés, em sua
maioria, tenham sido obras de julgamento, os de Jesus foram obras de
misericórdia. Ao proferir essa profecia messiânica, Moisés salientou a
absoluta exatidão e convicção profética das palavras que o Messias iria
proferir (Dt.18.22).
8. Propósito:
Preparar Israel para desfrutar a prosperidade e permanência na
Terra Prometida pelo encorajamento do amor nacional a Yahweh por
meio da obediência à Sua vontade, conforme revelada na aliança.
O livro começa com um preâmbulo (1.1-5), o qual apresenta
Moisés como o mediador da aliança e as circunstâncias (históricas e
geográficas) em que essa mediação acontece.
Seguindo o padrão dos tratados de suserania, o prólogo
histórico (1.6–4.43) apresenta uma visão geral do relacionamento entre
Yahweh, o Suserano, e Israel, o vassalo. Isso é feito para o benefício da
nova geração, cuja experiência com os eventos importantes de Êxodo 12
a Números 25 não havia sido suficientemente profunda para oferecer
uma visão clara de quão admirável era o Deus de Israel e quanto a nação
devia a Ele.
Assim, a jornada do Sinai (Horebe) e o estabelecimento do
sistema jurídico de Israel são recontados em 1.6-18. O restante do
capítulo 1 é dedicado ao estrondoso fracasso da geração do Êxodo após
a missão dos doze espias (1.19-33). A incredulidade, primeiro (1.34-40), e
a independência presunçosa, depois (1.41-46), contra Yahweh liquidaram
Israel.
Assim como em Números, os 38 anos de peregrinação no
deserto são rapidamente mencionados (2.1-3). Os versículos seguintes
descrevem os eventos relacionados ao fim daquele período, quando
213
Introdução ao Estudo do Pentateuco
Israel se aproxima da região do mar Morto, onde as nações aparentadas
(Edom, Moabe e Amom) deveriam ser respeitadas (2.4-23).
As vitórias militares de Israel sobre os amorreus, nas quais a
geração do deserto certamente teve grande parte, são recapituladas em
2.24–3.11. A distribuição dos territórios amorreus às tribos da
Transjordânia (3.12-20) é um elemento importante no prólogo histórico
já que ele oferece uma garantia tangível de que as promessas certamente
se cumpririam para aquela geração. De outro lado, a proibição da entrada
de Canaã por Yahweh para alguém tão grande quanto Moisés (3.21-29) é
um forte argumento em favor da perseverança em obediência, à qual
Israel é exortado no capítulo 4.
A parte final do prólogo histórico é a exortação de Moisés (4.114) para a geração do deserto, à luz do poder assombroso da ira de Deus
que haviam experimentado em primeira mão em Bete-Peor (4.1-4).
Outras razões para a obediência são a proximidade de Yahweh e a
natureza justa das leis que Israel dEle recebera (4.8).
A maior ameaça à obediência seria a idolatria, tão dominante em
Canaã e tão corruptora em sua influência que levaria Israel a abandonar a
aliança e a sofrer sua disciplina (4.15-31). Israel é relembrado da
profundidade e amplitude de seus privilégios como incentivo final à
obediência (4.32-40).
Em vez de olhar 4.41-43 como um pedaço de legislação fora de
lugar, como faz a maioria dos comentaristas, é melhor ver essa passagem
como uma nota cronológica para indicar exatamente quando esses
discursos foram pronunciados. O segundo discurso, as estipulações da
aliança, dadas a Israel na época em que a terra a leste do Jordão foi
distribuída às duas tribos e meia.
Após uma nota introdutória (4.44-49), os capítulos 5 a 26
contêm as obrigações impostas a Israel em virtude de seu consentimento
em tornar-se vassalo de Yahweh. Essas são divididas normalmente em
estipulações gerais ou básicas (caps.5–11), sendo relacionadas à
necessidade de obediência a Yahweh e às estipulações específicas ou
detalhadas (caps.12–26), as quais se relacionavam à forma ou ao modo
da obediência. Em resumo, os capítulos 5–11 dizem a Israel o da
obediência a Yahweh, e os capítulos 12–26 dizem como.
214
Anderson Vicente Gazzi
A primeira parte dessa divisão contém a reiteração dos Dez
Mandamentos (5.1-21) e um anúncio histórico sobre o pedido da nação
para que Moisés agisse como mediador da aliança (5.22 e 33). O
requerimento fundamental é de que a nação corresponda à singularidade
de seu Deus com devoção singular a Yahweh (6.1-8), apegando-se a Ele
enquanto desfrutam a prosperidade (6.10-12), afastando-se de outros
deuses (6.13-19) e passando o conhecimento e temor de Yahweh às
futuras gerações (6.20-25).
O caráter de Deus e Sua escolha amorosa por Israel são
apresentados como as razões por que Israel deveria se abster de
associação política, social e religiosa com os habitantes de Canaã; na
verdade, eles deveriam ser banidos (7.1-10). A exortação à obediência
cuidadosa é levantada em 7.11, com a motivação das bênçãos da aliança
– fertilidade, produtividade, saúde, vitória e paz, desde que a pureza da
nação diante de Yahweh fosse mantida (7.11-16). A obediência de Israel
dependia da fé, e a fé fundamentava-se no registro histórico dos grandes
atos de salvação e julgamento do passado (7.17-26).
No capítulo 8, Israel é prevenido contra o pecado da
independência. Os 40 anos no deserto tinham como objetivo ensinar a
Israel como ser humilde e dependente do Senhor para sua própria
sobrevivência e também como reagir à disciplina paternal de Yahweh
(8.1-5). Esquecer os grandes milagres do deserto e presumir que pela sua
própria força eles haviam conquistado Canaã finalmente levariam à
amnésia espiritual, depois à idolatria e finalmente ao exílio da Terra
Prometida (8.6-19).
A história era importante porque oferecia, por si mesma, todas
as provas necessárias para preservar Israel, quando chegasse a Canaã, do
orgulho. A perversidade dos cananeus e a promessa aos patriarcas foram
as razões para a conquista (9.1-6); a tragédia das grandes traições no Sinai
(9.7-22) e em Cades-Barnéia (9.23-29), de outro lado, provia provas
suficientes da teimosia de Israel. A história, é verdade, também oferece
esperança no fato de que, apesar dessa infidelidade, Yahweh
graciosamente restaurou o status de Israel como Seu povo da aliança
apresentando uma nova versão de seu código de leis (10.1-6),
consagrando a tribo de Levi ao ministério (10.7-9) e considerando a
intercessão ampla e intensa de Moisés (10.10, 11).
215
Introdução ao Estudo do Pentateuco
A última parte das estipulações gerais começa reiterando as
exigências essenciais, Temas o Senhor teu Deus, […] andes em todos os Seus
caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua
alma, […] guardes os mandamentos do Senhor, e os seus estatutos (10.12-13),
dando razões por que Israel deveria fazê-lo: a escolha de Israel por
Yahweh apesar do contraste entre a grandeza deste e a insignificância
daquele é a primeira razão (10.14-15), seguida pelo caráter santo,
misericordioso e admirável de Yahweh (10.16-21) e pela Sua fidelidade às
promessas (10.22).
Os poderosos feitos do passado recente de Israel, tanto no Egito
quanto no deserto (11.1-7), são dados como motivação para a
observância cuidadosa das prescrições (que Moisés finalmente
apresentará) para conseguir novas bênçãos relacionadas à Terra
Prometida e não se deixar enredar pela idolatria e suas terríveis
conseqüências (11.8-17). Fica claro, quando vemos as instruções quanto
ao testemunho constante – seja oral, seja escrito, seja visual – da
natureza e significado dos mandamentos de Yahweh, que essa
obediência não viria facilmente (11.18-25). Israel precisaria de uma
educação ininterrupta através de suas gerações.
As estipulações gerais são concluídas com a seguinte escolha
diante de Israel: obediência que leva à vida e desobediência que leva à
morte. Essa escolha é tão séria que a nação foi instruída a transformá-la
em um recurso visual de proporções gigantescas em uma cerimônia de
renovação pactual no monte Ebal e no monte Gerizim (11.26-32).
As estipulações específicas (12.1–26.19) são relacionadas ao
propósito do livro por oferecer as diretrizes minuciosas pelas quais Israel
poderia garantir fidelidade individual e nacional que asseguraria
prosperidade e alegria na Terra Prometida. A primeira área da vida
pactual a ser tratada era a religiosa ou cultual. Assuntos relacionados à
adoração são compreendidos entre 12.11 e 16.17.
Antes que Israel pudesse adorar a Yahweh condignamente era
necessário remover o perigo do sincretismo destruindo os ídolos
cananeus e profanando seus (bāmôṯ), os lugares altos de culto (12.1-4). A
adoração prestada por Israel deveria centralizar-se no local designado
por Yahweh (12.5-7). A maneira imperfeita de adorar que prevalecera
nos 40 anos de peregrinação deveria dar lugar aos rituais completos
216
Anderson Vicente Gazzi
prescritos por Moisés (12.8-14). Já que a vida em Canaã seria
consideravelmente mais abastada que no deserto, Israel deveria ser
alertado de que essa nova abundância não deveria degenerar-se em
glutonaria irrestrita (e na idolatria em geral associada a ela). O sangue
continuaria a ser sagrado, derramado no chão, nunca ingerido, como
memorial do alto valor da vida aos olhos de Yahweh (12.15-25).
A limitação do sacrifício e da consagração a um lugar único
visava poupar Israel dos rituais horríveis praticados pelos cananeus e
suas terríveis conseqüências; associação ou mesmo curiosidade no
presente poderia significar enredar-se no futuro (12.26-31).
Tão grande era o fascínio da idolatria que mais um capítulo é
dedicado a alertar Israel contra ele. O fascínio da idolatria deveria ser
evitado e punido, vindo de fonte religiosa (13.1-5), ou mesmo familiar
(13.6-11). A pronta punição é o melhor freio para a idolatria. Mesmo
comunidades inteiras não deveriam ser poupadas em caso de idolatria, já
que seu pecado seria a fonte da ira de Yahweh (13.12-18).
Os capítulos 14 e 15 apresentam uma variedade de leis rituais e
sociais com vistas a representar a totalidade do código de leis contido em
Êxodo e Levítico. A santidade de Israel como povo de Deus deveria
preservá-lo das práticas cerimoniais dos cananeus como laceração ou
raspagem do alto da cabeça, associada aos rituais do luto (14.1-3). A
conexão dos três primeiros versículos com a lista de alimentos proibidos
poderia ser cultual, se bem que não se exclui a possibilidade de razões
fisiológicas. A lista de Deuteronômio (14.4-21) é mais representativa do
que exaustiva, e a razão por trás dessas restrições, mais uma vez, é a
posição privilegiada de Israel como nação santa de Deus.
O compromisso de Israel com Yahweh deveria ser demonstrado
em sua fidelidade em usar o dízimo para propósitos religiosos, tanto o
sustento do pessoal ligado ao culto quanto coisas necessárias à adoração
e à comunhão apropriadas (14.22-27). Particular atenção era dada aos
dízimos socialmente orientados, que deveriam beneficiar os levitas,
como também os menos favorecidos e os estrangeiros (14.28, 29).
O amor fiel a Yahweh deveria ser mostrado em generosidade
para com as pessoas carentes à luz da certeza das ricas provisões divinas
(15.1-18). Perdão das dívidas e empréstimos generosos deveriam ser a
marca de Israel sob a aliança mosaica (15.1-11)! Isto é seguido pelo
217
Introdução ao Estudo do Pentateuco
mandamento de libertar os escravos hebreus ao final do sexto ano de
serviço (15.12-18). As razões para esse procedimento eram gratidão a
Yahweh pelo livramento do Egito e fé que Ele abençoaria a obediência.
Uma última demonstração de gratidão e confiança seria a oferta de
animais primogênitos perfeitos a Yahweh (15.19-23).
A próxima parte encoraja fidelidade exigindo observância
cuidadosa às festas prescritas (16.1-17). Cada israelita do sexo masculino
deveria vir ao santuário central (ainda a ser indicado) a fim de celebrar as
festas da Páscoa (16.1-8), das Semanas (16.9-12) e das Cabanas (16.1317). Isso não significa que as outras festas tivessem sido abolidas, apenas
que estas três festas exigiam peregrinação ao local que Yahweh
escolheria (16.6).
Mudando do sagrado para o secular, se tal distinção pode ser
feita em Israel, Moisés encoraja amor fiel ao expor as leis que deveriam
controlar a vida civil de Israel (16.18–25.19).
Os juízes e seus deveres são tratados primeiro, em 16.18-20, já
que eles eram o primeiro modo de governo civil estabelecido sob a
aliança. Em seguida, Moisés trata com a idolatria e suas implicações civis
(16.21–17.7). Tanto o sincretismo (16.21) quanto a idolatria explícita são
igualmente abomináveis diante de Yahweh e dos juízes, e Israel, após
investigação apropriada e confirmação de duas testemunhas, deveria
fazer valer a pena de morte para a erradicação do mal (17.7). Juízes
deveriam trabalhar em estreita conexão com os sacerdotes e sob a
instrução destes, quando uma resolução clara não pudesse ser discernida
na esfera civil (17.8-13).
No programa de Yahweh para Israel havia provisão para a
monarquia. O critério para um rei fiel é que ele deveria ser israelita, não
deveria procurar poder militar, engrandecimento por meio de alianças
políticas, ou impostos excessivos, mas submissão à (tôrâ), a instrução de
Yahweh (17.14-20).
Já que os levitas e sacerdotes tinham papel tão crucial na vida de
Israel, é apropriado que as leis, concernentes ao sustento e à
oportunidade de trabalho no santuário central, apareçam junto às
instruções sobre o futuro rei (18.1-8).
A condenação de práticas abomináveis é apropriadamente
colocada entre o ministério dos levitas e sacerdotes e a dos profetas
218
Anderson Vicente Gazzi
(18.9-13). As práticas alistadas aqui, examinadas por ambos os tipos de
líderes, seriam evitadas em Israel. Moisés focaliza particularmente a
adivinhação, a tentativa de predizer ou controlar o futuro usando magia,
associada muitas vezes à profecia (18.14-22). A promessa de Yahweh era
de levantar um profeta que seria mediador, como Moisés (18.15, 17, 18),
e Sua prescrição era de que profetas que proclamassem a si mesmos
profetas ou profetas idólatras deveriam ser eliminados.
O conjunto seguinte de leis (19.1-21) trata de questões judiciais.
A legislação concernente às cidades de refúgio (19.1-13) lida, na verdade,
com a questão maior da santidade da vida e com a questão subordinada
da vingança do sangue. Israel deveria punir homicidas dolosos
(assassinos) e proteger os homicidas culposos (crimes não-intencionais).
Um versículo lida com a importante questão da propriedade da terra
(19.14). A apropriação fraudulenta de marcos de propriedade era um
crime contra o qual o próprio Yahweh tomaria medidas punitivas
(Pv.23.10, 11).
O parágrafo final desse conjunto (19.15-21) lida com o número
e o caráter de testemunhas. O perjúrio era crime punido com a famosa
lex talionis, a lei da retribuição (v.21), de modo que Israel deveria levá-lo a
sério.
Uma das características importantes da aliança era o
compromisso de Yahweh em lutar por Israel em suas guerras. O capítulo
20 oferece diretrizes para a guerra, que incluem o estímulo à fé pelo
(sumo) sacerdote e os critérios para identificar e excluir soldados com
potencial para causar problemas (20.1-9). O importante papel designado
aos sacerdotes aqui sugere uma vez mais que a conquista não foi um
mero conflito humano, mas a ação de Yahweh fazendo a guerra em
favor de Seu povo.
As nações que ficavam fora do perímetro de Canaã deveriam
receber condições de rendição (isto é, trabalhos forçados, 20.10, 11) e,
caso estas fossem recusadas, deveriam sofrer cerco e eliminação dos
homens (20.12-15). Em Canaã, todavia, cidades seriam consignadas ao
(ḥerem), o decreto divino de aniquilamento, de modo a não contaminar a
pureza de Israel com suas influências idólatras. Ao envolver-se em uma
guerra, Israel deveria agir com sabedoria, evitando a devastação completa
219
Introdução ao Estudo do Pentateuco
de regiões, cuidando das árvores frutíferas e usando apenas árvores nãofrutíferas para implementos bélicos (20.19, 20).
O último conjunto de preceitos (21.1–25.19) lida uma vez mais
com regras civis ou sociais. O assassinato era uma mancha no tecido da
vida social de Israel, e suas conseqüências malignas deveriam ser evitadas
por meio de um sacrifício simbólico por meio do qual a responsabilidade
(mas não a culpa) por um homicídio não resolvido fosse aceita pelos
anciãos de uma comunidade (21.1-9).
Os direitos da mulher capturada (21.10-14), os direitos do
primogênito em uma sociedade crescentemente complexa (21.15-17) e o
dever paterno de levar seu filho ao tribunal por sua conduta pecaminosa
(21.18-21) formam um código doméstico de conduta, bem alinhado com
as ênfases domésticas do discurso do (shema) no capítulo 6 (6.4ss).
Seguem-se diversas leis (22.1–25.19), que delineiam a base ética
para a conduta social de Israel. Os israelitas deveriam ser mutuamente
benevolentes (22.1-4), como também deveriam manter os sexos
distinguíveis por meio de vestes características (22.5). O respeito à vida
deveria ser demonstrado para com a mais ínfima criatura, até chegar ao
homem, a forma mais importante de vida (22.6-8). O princípio da
separação deveria se manter evidente na proibição de misturas em áreas
como agricultura (22.9,10) e vestuário (22.11, 12).
O casamento era altamente valorizado por Yahweh, e Israel
deveria refletir esse valor. Assim, tanto o sexo pré-conjugal quanto
acusações infundadas entre os cônjuges eram passíveis de punição
(22.13-21). O adultério era punido com morte tanto do homem quanto
da mulher (22.22), bem como a fornicação com uma mulher
comprometida no contexto da cidade (22.23,24), uma vez que sugeria o
chamado mútuo consentimento. No caso de um encontro sexual fora
dos limites da cidade, em que o estupro era a situação mais provável, a
mulher teria o benefício da dúvida (22.25-27). Relações sexuais com uma
jovem não comprometida eram passíveis de multa e, nesse caso, o
casamento era obrigatório (22.28, 29). Por fim, o incesto era claramente
proibido com base na santidade de Yahweh e na santidade de Israel, dela
derivada (22.30).
Os dois parágrafos seguintes lidam com pureza ou limpeza.
Certas pessoas ficavam permanentemente excluídas da participação na
220
Anderson Vicente Gazzi
assembléia, como os emasculados (por atos religiosos), os filhos de
prostitutas cultuais, os moabitas e os amonitas (23.1-6). Egípcios e
edomitas, todavia, teriam acesso à assembléia de Israel depois de três
gerações (23.8). Regras sanitárias de pureza durante a guerra santa foram
oferecidas não apenas para garantir um ambiente livre de doenças, mas
também para demonstrar, pela higiene e limpeza, o caráter santo de
Yahweh (23.9-14).
O último, e bem longo, conjunto de leis lida com o tópico maior
de harmonia social como um subproduto do amor leal a Yahweh
demonstrado pela obediência (23.15–25.19). Em 23.15-24, as leis lidam
com o asilo a escravos estrangeiros, a proibição da prostituição cultual
em Israel, a limitação dos juros cobrados a estrangeiros, o pronto
cumprimento dos votos e o respeito pela propriedade alheia no desfrute
da hospitalidade e generosidade de outros.
Leis concernentes ao casamento proíbem a promiscuidade
conjugal, como o divórcio e o novo casamento constantes (24.1-4), e
prescrevem um período de um ano para o ajuste conjugal, durante o qual
nenhum compromisso social adicional seria colocado sobre o novo
marido (24.5).
O respeito à vida e a garantia de condições decentes para o seu
desfrute são o tema que dá coesão ao próximo grupo de leis (24.6–
25.12). Apodícticas em natureza, elas protegem a propriedade individual
limitando a cobrança de juros e penhoras (24.6, 10-13), exortam ao
cuidado com a legislação relacionada à saúde (24.8, 9), condenam a
exploração do trabalhador (24.14, 15), garantem justiça igual a todos os
membros da sociedade (24.16-18) e propõem uma provisão generosa da
sociedade para com os necessitados (24.19-22). As leis casuísticas que se
seguem (25.4 é uma exceção) lidam com a dignidade da vida humana
(25.1-3), com o valor da vida humana e da linhagem individual (25.5-10),
e o cuidado para com a integridade pessoal e, talvez o “recato feminino”
(25.11, 12). Essa divisão termina com uma proibição clara da
desonestidade nos negócios (25.13-16) e com uma ordem nacional de
que Amaleque, que se tornara para Israel a epítome da traição, seja
destruído (25.17-19).
O capítulo 26 conclui o segundo discurso (as estipulações da
aliança) indicando duas cerimônias pelas quais os israelitas
221
Introdução ao Estudo do Pentateuco
reconheceriam publicamente sua dívida para com Yahweh (a oferta das
primícias, 26.1-11) e seu compromisso com Ele em fé (a apresentação
dos dízimos do terceiro ano, 26.12-15). A ordem de Yahweh a Israel era
a obediência integral de coração a Seus mandamentos em resposta ao
compromisso divino de ter Israel como Seu povo particular, com todos
os privilégios inerentes a essa condição (26.16-19).
O terceiro discurso de Moisés é a ratificação da aliança,
ocasionalmente chamado de aliança palestiniana, basicamente a aplicação
da aliança mosaica ao novo modo de vida da nação (27.1–30.20).
O capítulo 27 contém a ratificação da aliança, que é antecipada
na Transjordânia, mas descrita da perspectiva da conquista (efetivamente
concretizada em Josué 8). Israel deveria erigir um memorial de seu
compromisso para assim melhor obedecer às leis que Yahweh lhe dera
(27.1-4). Isto deveria ser seguido pela construção de um altar e pela
participação nacional em uma refeição de comunhão, celebrando a
aliança (27.5-8). As doze tribos deveriam depois participar de uma
proclamação de bênçãos e maldições representativas sobre os montes
Ebal e Gerizim (27.9-26; somente as maldições estão aqui alistadas).
No capítulo 28, Moisés, como o grande mediador, confronta
Israel com as opções da aliança: a obediência traria a bênção (28.1-14),
ou seja, fertilidade, produtividade, vitória em combate, respeito de outras
nações, ciclos agrícolas normais e plena prosperidade. A desobediência à
aliança, no entanto, traria disciplina divina e ruína nacional (28.15-68), ou
seja, esterilidade, doença, seca, derrota, caos social, zombaria de outras
nações, falta de sentido na vida e frustração pelo esforço inútil, pragas,
exílio, pobreza, canibalismo e expulsão da Terra Prometida.
Os capítulos 29 e 30 constituem a verdadeira renovação da
aliança antes da entrada em Canaã, uma vez que Israel precisaria entrar
na terra como nação pactual. Em 29.1-9, Moisés relembra a Israel as
misericórdias passadas de Yahweh, explicando a seguir o significado da
cerimônia da qual participariam (29.10-15), enfatiza a necessidade da
obediência individual e sua importância (29.16-22) e retrata as terríveis
conseqüências de uma negligência arrogante para com os preceitos
revelados na aliança de Yahweh (29.23-29). A onisciência de Yahweh lhe
permite traçar o curso da história de Israel e predizer a ruína e a
restauração depois da derrota e do exílio (30.1-10). Esses versículos
222
Anderson Vicente Gazzi
cobrem as páginas da história, passada e futura, da conquista de Canaã
ao estabelecimento do reino messiânico.
A divisão final do terceiro discurso é um encorajamento ao
povo, demonstrando que o que Yahweh havia exigido deles não estava
além de sua capacidade de alcançar ou perceber (30.11-14). Assim, a
escolha estava perante a nação: Yahweh era sua vida, por meio de amor
leal expresso em obediência; a apostasia significaria morte, destruição
prematura e expulsão da Terra Prometida. O discurso termina com uma
exortação vibrante − escolhe, pois, a vida (30.15-20).
A última divisão principal do livro trata da continuidade da
aliança e do testamento espiritual de Moisés para a nação (31.1–34.12).
Assim como o tratado secular suserano fazia provisões para a contínua
vassalagem a seu herdeiro real, Yahweh ordenou a Moisés que
conduzisse Josué ao papel de mediador, uma vez que a aliança teria de
ser renovada depois da conquista de Canaã (31.1-8, 23). Os sacerdotes e
levitas teriam a responsabilidade de ler a aliança perante a assembléia na
Festa das Cabanas, a cada sétimo ano (ano sabático), para manter sua
memória viva para toda geração (31.9-13).
A despeito de tais provisões, Moisés foi avisado por Yahweh de
que Israel, de fato, abandonaria sua lealdade (30.14-18) e que Yahweh
tomaria providências para que Israel ficasse sem desculpas. Essas
providências incluíam um cântico (31.19-22; 31.30–32.43) e a colocação
de uma cópia da aliança junto à arca do pacto, como testemunho contra
a obstinada desobediência de Israel (31.24-29).
Este cântico funcionaria como “parte do testemunho à renovação da
aliança; sempre que os israelitas o cantassem, dariam testemunho de sua compreensão
dos termos plenos e das implicações da aliança, bem como de sua concordância com os
mesmos”. A mensagem do cântico é basicamente idêntica à da divisão que
continha as bênçãos e as maldições pactuais:
A natureza inconstante de Israel o levará a quebrar a aliança e a
perder suas bênçãos até que Yahweh o restaure com maior glória após
discipliná-lo com profundo sofrimento.
O cântico contém uma invocação de testemunhas (32.1, 2), uma
declaração de louvor a Yahweh, a Rocha fiel (32.3, 4), a denúncia da
infidelidade de Israel (32.5, 6), a recapitulação dos primeiros dias de
Israel sob a proteção de Yahweh (32.7-14) e de seus últimos dias
223
Introdução ao Estudo do Pentateuco
alienado Dele (32.15-18) e a proclamação de maldições contra os infiéis
(32.19-35) e de bênçãos sobre os fiéis por meio do julgamento e da
restauração soberanos executados por Yahweh (32.36-43). O cântico foi
ensinado a Israel na presença dos dois mediadores − o que terminava
sua obra e o que estava prestes a começar a sua (32.44-47).
Depois de ser avisado de sua morte iminente (32.47-52), Moisés
pronuncia sua bênção profética sobre as tribos. Este é o seu testamento
espiritual, que estaria em vigor para Israel depois de sua morte, servindo
como um complemento para a bênção patriarcal de Jacó (Gn.49). A
introdução dessa bênção-testamento oferece louvor a Yahweh por Seu
compromisso com Seu povo como Rei, a despeito de Sua glória e
majestade anteriores (33.1-5); a seguir, Moisés pronuncia uma bênção
sobre cada tribo (33.6-25) e celebra o caráter peculiar de Yahweh, o
Deus que garante o triunfo final de Israel (33.26-29).
A nota fúnebre de Moisés, mais provavelmente escrita por
Josué, descreve sua visão de Canaã (34.1-4), sua morte, seu sepultamento
(34.5-8), sua sucessão por Josué (34.9) e sua singularidade como profeta
e mediador da aliança (34.10-12). Uma era se encerrava, e o dia do
cumprimento de antigas promessas estava raiando.
9. Esboço:
I. Primeiro Discurso de Moisés: Relato da História Recente
de Israel (1.6-4.43)
A. A Partida do Monte Sinai (1.6-18)
B. A Incredulidade em Cades-Barnéia (1.19-46)
C. As Jornadas no Deserto (2.1-15)
D. A Chegada às Planícies de Moabe (2.16-3.29)
E. A Exortação à Obediência (4.1-43)
II. Segundo Discurso de Moisés: Principais Deveres do
Concerto (4.44-26.19)
A. Os Dez Mandamentos (4.44-5.33)
B. O Monoteísmo e os Imperativos (6.1-25)
224
Anderson Vicente Gazzi
C. Mandamentos, Promessas e Advertências (7.1-11.32)
D. Mandamentos Concernentes à Adoração (12.1-32)
E. Mandamentos Concernentes aos Falsos Profetas (13.1-18)
F. Mandamentos Concernentes aos Alimentos, Dízimos e ao Ano
Sabático (14.1-15.23)
G. Mandamentos a Respeito das Festas Sagradas Anuais (16.1-17)
H. Mandamentos a Respeito das Autoridades (16.18-18.22)
I. Leis Civis e Sociais (19.1-26.19)
III. Terceiro Discurso de Moisés: Renovação e Ratificação do
Concerto (27.1-30.20)
A. Obrigações Solenes de Israel (27.1-26)
B. Promessas de Bênçãos por Obediência, e de Maldições por
Desobediência (28.1-68)
C. Confirmação do Concerto e Exortações Pertinentes (29.1-30.20)
IV. Os Atos Finais de Moisés e Sua Morte (31.1-34.12)
A. Moisés Dá Instruções a Israel e Designa Josué em Seu Lugar (31.129)
B. O Cântico de Moisés (31.30-32.47)
C. As Instruções de Deus a Moisés (32.48-52)
D. Moisés Abençoa as Tribos (33.1-29)
E. Morte e Sepultamento de Moisés, e Conclusão (34.1-12)
BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO VIII:
- HILL, Andrew E. e WALTON, J.H. Panorama do Antigo Testamento. Belo
Horizonte: Vida, 2000.
- WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001.
- GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos”. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
- DOCKERY, David S. Manual Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2001.
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- BÍBLIA – Estudo de Genebra. Tradução Revista e Atualizada no Brasil. São Paulo:
Cultura Cristã, 1998.
225
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- BÍBLIA – Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Escola Bíblica de Jerusalém, nova ed.
rev. São Paulo: Paulus, 1985.
- ELLISSEN, Stanley. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 2002.
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Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.
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Testamento. 11ª. Ed. São Paulo: Paulus, 1985.
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