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Revista trimestral | n.º 73 Abril/Junho 2008 | e 3,00 (Isento de IVA)
Dossier
Uma via diferente
para toda a gente
Diário de um professor
Pascal Paulus
na Outurela
Sumário
Ficha Técnica
Directora
Maria Emília Brederode Santos
Editora
Teresa Fonseca
Produtor
Rui Seguro
Redacção
Elsa de Barros
Secretariado de redacção
Carla Delfino
Colaboradores permanentes
Carlos Batalha, Dora Santos, Teresa Gaspar
Colaboram neste número
Alexandra Marques, Ana Margarida Abrantes,
Bernard Charlot, Céu Gomes, Filomena Matos,
Helena Ferraz, Henriques Guimarães,
Manuel Gomes, Pascal Paulus, Paulo Martins,
Rosário Tavares, Rui Canário, Sandra Lameira
Destacável
Neva Cerantola, Teresa Parreira
Revisão
Ana Magalhães
Fotografia
Carlos Silva, António Dias
Ilustração e capa
Margarida Moreira
Projecto gráfico
Entusiasmo Media/White Rabbit
Paginação
Atelier Gráficos à Lapa
Rua S. Domingos à Lapa, n.º 6
1200-835 Lisboa
Impressão
Editorial do Ministério da Educação
Estrada de Mem Martins, nº 4 – S. Carlos
Apartado 113 – 2726-901 Mem Martins
Distribuição
CTT – Correios
Rua de São José, nº 10
1166-001 LISBOA
Tiragem
12 500
Periodicidade
Trimestral
Depósito legal
N.º 41105/90
ISSN
0871-6714
Propriedade
Direcção-Geral de Inovação
e de Desenvolvimento Curricular
Av. 24 de Julho, n.º 140
1399-025 Lisboa
Preço
e 3 (Isento de IVA)
Isento de registo ao abrigo do Decreto
Regulamentar 8/99 de 9/6 antigo 12º, n.º 1 al. b)
As opiniões expressas nesta publicação
são da responsabilidade dos autores e não
reflectem necessariamente a orientação
do Ministério da Educação.
Revista Noesis
Redacção
Av. 5 de Outubro n.º 107 – 8.º
1069-018 Lisboa
Telefone 217 811 600 ext - 2839
Fax 217 811 863
[email protected]
05 Editorial
Uma Via Diferente Para Toda a Gente
Maria Emília Brederode Santos
06 Notícias... entre nós
09 Notícias... além fronteiras
10 Diário de um professor
Pascal Paulus
Para este professor há que ter em conta
a diferença, criando estratégias
e materiais adaptados a cada aluno
e considerando o bilinguismo
como uma mais valia.
14 Lá fora
O Que Importa Saber em Ciências?
Resultados do PISA 2006
Teresa Gaspar
Este programa da OCDE, para a avaliação
das competências dos alunos, acaba agora o seu primeiro ciclo com
a publicação dos resultados do desempenho dos jovens em literacia científica.
16 Entrevista a Patrícia Joyce Fontes
Manuel Gomes
Foi escuteira, freira, madre superiora, pacifista, investigadora,
professora, jardineira, pedreira... Viveu nos Estados Unidos,
na Irlanda, em Portugal, onde se tornou uma referência da
Educação Ambiental.
Hoje habita no meio da floresta, de novo nos Estados Unidos.
22 Opinião
A infância: o direito à educação desde o nascimento
Alexandra Marques
A autora aposta numa educação pré-escolar com serviços
de qualidade, que garantam o sucesso das aprendizagens das crianças,
a igualdade de oportunidades e a capacitação das famílias
e das comunidades.
24 Dossier
A oferta de vias diferentes, umas mais académicas
e orientadas para o prosseguimento de estudos,
outras mais profissionalizantes e orientadas
para o mercado de trabalho, proporcionando mais
escola para mais pessoas, é o tema deste dossier.
0 05 Sumário
50 Reflexão e acção
Educação e Globalização: uma tentativa de colocar ordem no debate
Benard Charlot
A forma como a economia se reflecte na educação é o tema
deste artigo, que resulta de uma síntese da conferência proferida
por Benard Charlot, na Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade de Lisboa.
54 Meios e materiais
60 Visita de estudo
Viagem ao longo de um rio
Elsa de Barros
Uma viagem pelo curso de um rio, recriado no Fluviário de Mora,
dá a conhecer as espécies que habitam nos cursos de água ibéricos.
64 Campanha de sensibilização
De um acto social a doença crónica
Alcoólicos Anónimos
Os nossos jovens começam a beber cada vez mais novos. É fundamental
que a escola esteja mais atenta e actue, disponibilizando informação
e promovendo o debate, para que os jovens percebam como a bebida
se pode tornar um problema.
66 Com olhos de ver
A Banda Desenhada
Rosário Tavares
Uma prancha de banda desenhada de Dinis Conefrey é o ponto de partida para uma reflexão sobre uma
técnica narrativa que recorre à utilização simultânea de texto e de imagens desenhadas.
Destacável
Viagem às origens do cinema
Neva Cerantola e Teresa Parreira
Apresenta um conjunto de actividades para que alunos
dos 1.º e 2.º ciclos compreendam como se inventou o cinema
e as suas inesgotáveis possibilidades.
Editorial
Uma Via Diferente Para Toda a Gente
Recordo-me de uma imagem que caricaturava a escola da primeira metade do
século XX: aparecia como uma fábrica que transformava materiais diversos
em formas todas iguais, ilustrando a uniformidade senão como um objectivo
primordial da escolaridade, pelo menos como seu inevitável resultado.
É esta uma imagem completamente datada e ultrapassada. A escola, hoje, não
pretende seleccionar e sim elevar o nível de escolaridade de toda a população.
Por isso, esforça-se por encontrar respostas educativas diferentes para procuras
diferentes.
Depois de um currículo comum básico que atenda às necessidades de
desenvolvimento e de aprendizagem de todos os cidadãos – que constitua uma
espécie de “património de cidadania” – , a oferta de vias diferentes, umas mais
académicas e orientadas para o prosseguimento de estudos superiores, outras
mais profissionalizantes e orientadas para a entrada no mercado de trabalho
(mas com idêntico valor para a prossecução de estudos), permite proporcionar
mais escola para mais pessoas.
A adopção do princípio da Educação Permanente – a educação deve estar
disponível a todos ao longo de toda a vida – e as exigências crescentes da
economia de níveis mais elevados de escolaridade obrigam também a ofertas
que se diferenciem pela idade dos destinatários, sua relação com os contextos
de trabalho e forma como encaram o saber e o aprender.
A diversificação de vias de estudo, se permite atender melhor a públicos
específicos, comporta também o risco de reproduzir e reforçar as diferenças
sociais de partida. É um risco de que as escolas estão conscientes como se
pode verificar no dossier deste número da Noesis. Algumas formas de evitar ou
reduzir essas consequências iníquas consistem em:
1. Não introduzir as diferenças de vias demasiado cedo, como aliás é
recomendação da OCDE.
2. Manter as diversas vias numa mesma escola, se possível com actividades
comuns.
3. Assegurar a possibilidade de mudança de umas vias para outras e
de reingresso no sistema em qualquer momento.
Finalmente, para além da diferenciação de vias na escola, haverá sobretudo
que ensaiar a diferenciação pedagógica dentro da turma – individualizando o
ensino, proporcionando a todos os alunos intervenções atempadas e adequadas,
possibilitando-lhes gerirem autónoma e responsavelmente o seu percurso
educativo. Um exemplo notável de estratégias e instrumentos úteis para este fim
encontra-se no Diário do Professor.
Maria Emília Brederode Santos
0 07 Notícias... entre nós
Utilização de plataformas
de aprendizagem
Um novo espaço de informação e de partilha de recursos sobre
a utilização de plataformas de aprendizagem está disponível em
http://moodle.crie.min-edu.pt
Resultado da colaboração entre a Equipa Computadores, Redes e Inter­net na Escola (ECRIE) e o Centro de Competência da
Faculdade de Ciências de Lisboa, este espaço, essencialmente
vocacionado para a dinamização pedagógica, funciona como um
contributo para o apoio à utilização das plataformas de gestão de
aprendizagem, com especial relevo para o Moodle. ::
EB
A escola e os Media
Oficina de Comunicação é uma disciplina
de oferta da Escola Secundária Ferreira de
Castro, para o 3.º ciclo do ensino básico,
que tem como objectivo iniciar os alunos
no mundo dos meios de comunicação. Os
temas vão desde a Internet à globalização,
da rádio à televisão, da fotonovela à tele­
no­vela, da publicidade aos jornais e às
revistas.
No 7.º ano, dão-se alguns conceitos fun­
da­­mentais sobre comunicação e a sua
evo­­lução histórica. O tema principal é a
imprensa, trabalhando-se sobretudo com
jornais e revistas. Os alunos aprendem como
se fazem os jornais e criam o seu. Fazem
trabalhos de análise e de comparação de
jornais. No final fazem uma fotonovela.
No 8.º ano, o tema principal é a Oficina de
Rádio. Aqui, os alunos aprendem a tra­balhar
com programas de edição de som e realizam pequenos programas de
rádio, bem como noticiários. Aprendem as técnicas que lhes permitem
colaborar na Rádio Impacto, a rádio da escola.
O 9.º ano é o ano da televisão e do vídeo. Os jovens analisam grelhas de
programação dos diferentes canais e elaboram a programação do seu
canal de televisão ideal. Estudam a história da televisão e falam das suas
principais figuras e programas, discutem os reality shows, interpretam
e fazem anúncios televisivos. Os alunos aprendem técnicas de filmagem
em vídeo, bem como de edição e montagem. Num dos trabalhos, a tarefa
é realizar um pequeno telejornal, usando fundos virtuais. ::
Paulo Martins
Escola Secundária Ferreira de Castro
Concurso
Cineastas Digitais
O concurso Cineastas Digitais, a decorrer até 15 de
Junho, destina-se aos alunos do 3.º ciclo do ensino bási­co
e do ensino secundário das escolas públicas e privadas,
propondo como temas situações do dia-a-dia na escola
e iniciativas no âmbito das Ciências Experimentais.
Promovido pelo Centro de Competência Entre Mar e
Serra, este concurso visa que os alunos produzam,
em equipa, filmes em formato digital devidamente
enquadrados nos temas seleccionados.
Através do tema Vídeo Curtas na Escola pretende-se que
os alunos representem situações do dia-a-dia da escola,
nas quais participem. Podem ser situações informais
(como actividades dos clubes escolares, visitas de estu­
do, etc.) ou situações mais formais (como a abertura
do ano lectivo ou visitas de personalidades à escola).
Com o tema Ciências Experimentais procura-se que os
estudantes filmem e documentem iniciativas realizadas
no âmbito da Física, da Química, da Matemática, da
Geografia ou da Biologia, nomeadamente experiências
realizadas na sala de aula, workshops organizados nas
escolas ou outras actividades desenvolvidas na escola.
O concurso Cineastas Digitais tem como objectivo pro­
mo­ver a utilização das tecnologias da informação e
da comunicação (TIC) em contexto escolar, ao mesmo
tempo que visa desenvolver as capacidades de utilização
das ferramentas de manipulação e de tratamento de
vídeo digital como instrumentos fundamentais para esti­
mu­­lar a criatividade dos alunos. O trabalho de equipa
e a responsabilização individual na perspectiva de um
objectivo comum são outros dos propósitos do Centro
de Competência Entre Mar e Serra.
As equipas podem ter entre dois a quatros alunos,
que terão de se registar previamente através do site
http://cineastas.ccems.pt, com o apoio de um professor
orientador que os acompanhará durante todo o processo,
desde o registo à submissão das candidaturas, passando
pela produção do filme. ::
EB
Alargamento do Programa e.escola
a alunos dos 11.º e 12.º anos
e com necessidades educativas especiais
de carácter permanente
Os alunos dos 11.º e 12.º anos do ensino secundário vão poder,
durante este ano lectivo, aderir ao programa e.escola, que cria
ainda um regime especificamente dirigido a beneficiários da iniciativa
com necessidades educativas especiais de carácter permanente,
garantindo-lhes o acesso a computadores adaptados, sem quaisquer
encargos adicionais. ::
Percursos temáticos de aprendizagem
para desenvolvimento do novo programa
de Matemática
A Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) divulgou
dois possíveis percursos temáticos de aprendizagem para apoio aos professores no
desenvolvimento do novo programa de Matemática para o ensino básico.
Estes percursos, elaborados pelos autores do novo programa, são apresentados
esquematicamente, sob a forma de sequência de tópicos e subtópicos, dis­tri­buídos
por anos de escolaridade em cada ciclo, indicando as balizas temáticas do trabalho a
realizar.
Assim, cabe às escolas introduzir alterações nestes percursos ou conceber percursos
alternativos que melhor se adaptem às características dos alunos, aos recursos
existentes, às suas condições e ao contexto social e escolar, de acordo com as metas
estabelecidas no programa para cada ciclo.
O reajustamento do programa de Matemática para o ensino básico, já homo­lo­gado,
constitui uma das medidas do Plano de Acção para a Matemática, que visa melhorar os
resultados dos alunos nesta disciplina. ::
Para mais informações, consultar www.dgidc.min-edu.pt
EB
Lançamento do Portal
Software Livre nas Escolas
A Equipa Computadores, Redes e Internet nas Escolas (ECRIE) lançou o Portal
Software Livre nas Escolas, através do qual procura divulgar e apoiar as escolas na
utilização de software livre para os vários sistemas operativos.
O portal estará em constante actualização, pelo que todos os utilizadores terão a
possibilidade de enriquecer este projecto submetendo novas ferramentas, notícias e
hiperligações, podendo, também, participar no fórum.
Para enviar um documento, uma notícia, uma hiperligação ou participar no fórum, deve
primeiro registar-se como utilizador na página da ECRIE, em www.crie.min.edu.pt ::
EB
Banco com mais
de 2500 itens
de Matemática
O Banco de Itens, disponibilizado na
pági­na electrónica do Gabinete de Ava­
lia­ção Educacional (GAVE), contém mais
de 2500 questões de Matemática, disciplina seleccionada para o arranque da
fase experimental deste projecto.
Com itens que se distribuem desde o 1.º
ciclo ao ensino secundário, esta iniciativa visa proporcionar aos professores e
aos alunos uma ferramenta de apoio ao
ensino e à aprendizagem.
Disponibiliza-se, assim, aos professo­
res o acesso a uma área reservada
onde podem criar pastas personalizadas destinadas a trabalhos de casa ou
fichas de avaliação, entre outras funcionalidades.
O professor pode ainda sugerir itens da
sua autoria para posterior publicação
no Banco. Todos as sugestões serão
analisadas pelo GAVE, tendo os mesmos de cumprir as seguintes regras:
ser da autoria do professor que o sugere; o autor estar devidamente identificado; o conteúdo estar de acordo com
os programas em vigor; e o item estar
devidamente caracterizado, indicando
conteúdos e capacidades. Se aprovado,
será publicado com menção ao respectivo autor.
Os alunos, por sua vez, têm a possibilidade de testar os seus conhecimentos,
respondendo aos itens na página electrónica do GAVE.
O GAVE tem como objectivo não só
aumen­tar o número de itens de Matemática, como também alargar o Banco
de itens às restantes disciplinas com
pro­vas de aferição e exames. ::
Para mais informações, consultar
http://bi.gave.min-edu.pt
EB
0 09 Notícias... entre nós
Prémio Nacional
de Professores 2008
Conferência Internacional
sobre o Ensino da Matemática
O Ministério da Educação organizou, através da Direcção-Geral
de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), uma confe­
rência internacional sobre o ensino da Matemática, que decorreu
no Centro Cultural de Belém, nos dias 7 e 8 de Maio.
Com esta iniciativa pretendeu-se debater as questões actuais do
ensino da Matemática em Portugal e divulgar experiências em
curso com vista à melhoria das aprendizagens e da formação de
professores.
Os participantes abordaram – em conferências e painéis de dis­
cussão e apresentação de projectos e boas práticas – os seguin­
tes temas: o currículo de Matemática: tendências e práticas; pro­
jectos e boas práticas curriculares e de formação; materiais para
o ensino da Matemática; e formação contínua de professores.
A Conferência Internacional sobre o Ensino da Matemática con­
tou com a participação de professores de Matemática, de educa­
dores matemáticos e de matemáticos. ::
O Ministério da Educação promove a segunda edição
do Prémio Nacional de Professores, dirigido a todos
os edu­ca­dores de infância e professores dos ensinos
básico e secundário. O período de candidaturas, submetidas electronicamente através do Portal da Educação, termina no fim de Maio.
O objectivo do Prémio Nacional de Professores é
reconhecer e galardoar os docentes que contribuam
de forma excepcional para a qualidade do sistema de
ensino, quer no exercício da actividade docente, em
contacto directo com alunos, quer na defesa de boas
práticas com impac­to na valorização da escola.
Para além do Prémio Nacional de Professores, estão
previstos os seguintes Prémios de Mérito: Carreira,
Inte­gração, Inovação e Liderança.
Os candidatos à atribuição do Prémio Nacional de
Professores ou dos Prémios de Mérito são propostos
pelos estabelecimentos de ensino, pelas associações
profissionais de professores ou por um grupo cons­
tituído por um mínimo de 50 docentes. As propostas
de candidatura ao prémio devem apresentar professores em exercício efectivo de funções, sendo que
cada entidade pode propor apenas um docente. ::
Para mais informações, consultar www.min-edu.pt
EB
EB
Ano Europeu do Diálogo Intercultural em Portugal
Encontramo-nos no Ano Europeu do Diálogo Intercultural (AEDI).
Se visitar o site http://www.aedi2008.pt/ poderá ter acesso a informação sobre eventos,
projectos e materiais.
Neste site, as escolas têm a possibilidade de fazer eco dos seus projectos e de partilhar várias experiências que envolvam apenas uma turma, a escola inteira ou grupos de escolas.
Destacam-se, ainda, neste site, os dois seguintes projectos:
O Expresso das Nações, que tem como ideia base a constituição de um grupo de 120
jovens entre os 14 e os 17 anos, de diversas nacionalidades e origens culturais, que
durante seis dias vão visitar algumas cidades em Portugal de comboio e de veleiro. Esta
actividade conjuga a mobilidade e o intercâmbio cultural, uma vez que permitirá a cada
participante visitar Portugal ao mesmo tempo que “visita” a cultura
dos seus companheiros de viagem, através do diálogo intercultural.
Mais infor­mações: http://www.expressodasnações.com
Culturas da minha rua é uma iniciativa da Comissão Europeia que pretende desafiar os
europeus a fotografar a sua visão do diálogo intercultural e a partilhá-la com o mundo.
A competição termina a 30 de Junho de 2008 e as fotos podem ser submetidas através
do site: www.street-cultures.eu ::
RS
Notícias... além fronteiras
Compasito, Manual on Human Rights
Education for Children
De que competências vão precisar
os europeus nos próximos anos ?
O Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação
Profissional apresentou o estudo “Necessidades futuras
de competências na Europa: previsão a médio prazo”
onde se conclui que :
– as economias europeias vão continuar a desenvol­ver-se
sobretudo no sector dos serviços, perdendo empre­gos
nos sectores primário e secundário;
– em todos os níveis e sectores continuará a aumentar
a exigência de competências e qualificações, mesmo
nos chamados empregos pouco qualificados.
As previsões do CEDEFOP abrangem o período até 2015.
Revelam que a longa transição dos países europeus para
uma economia cada vez menos centrada sobre o sec­
tor primário e a indústria e cada vez mais voltada para
os serviços ainda não está concluída. Os novos estados
membros, nomeadamente, continuam em plena trans­
formação. Esta transição é, contudo, progressiva: os
sectores tradicionais ainda ocupam um grande número
de pessoas e continuarão a ocupar a médio prazo. Este
dado é uma constante, qualquer que seja o “cenário”
esco­lhido (“optimista” ou “pessimista”).
Os verdadeiros vectores de crescimento serão os
serviços. Um fenómeno que terá um impacto ainda mais
significativo do que a ascensão do sector dos serviços é a
necessidade crescente em competências e em qualifica­
ções de todos os níveis. A procura de saber­-fazer alta­
mente qualificado ainda não atingiu o seu nível máximo.
Mesmo os empregos de operários não qualificados vão
exigir competências cada vez maiores, enquan­to os ope­
rá­rios qualificados necessitarão cada vez mais de um
nível de formação médio.
As consequências sobre o emprego são importantes.
O recuo demográfico significa que vai ser necessário
subs­ti­tuir constantemente trabalhadores, mesmo em
sectores e profissões em declínio. Porém, dado que
serão requeridas cada vez mais competências, os novos
trabalhadores vão necessitar de qualificações mais ele­
va­das para fazer “o mesmo trabalho”. ::
Para mais informações ver:
www.cedefop.europa.eu
MEBS
Este “Manual de Educação para os Direitos Humanos” destina-se a professores e animadores de crianças dos sete aos 13 anos. Contém uma
parte teórica sobre os conceitos-chave dos direitos humanos e dos direitos da criança e sobre questões relacionadas (como democracia, cidadania, igualdade de género, ambiente, media, pobreza, violência…) e 42 acti­
vi­dades práticas que visam motivar as crianças para esta problemática,
desenvolver o seu espírito crítico, sentido de responsabilidade e de justiça
e a capacidade de agir para melhorarem a sua escola ou comunidade.
Estas actividades podem ser postas em prática em vários contextos educativos formais e não-formais.
Publicado pelo Conselho da Europa em Novembro de 2007, tem autoria de
Nancy Flowers, Maria Emília Brederode Santos, Jo Claeys, Rania Fazah
e Annette Schneider e coordenação de Zsuzsanna Szelényi. Segue-se ao
manual para jovens e adultos, intitulado Compass, que foi coordenado
pelo português e quadro do Conselho
da Europa Rui Gomes e traduzido
para português pela Humana
Global com o título
Farol. ::
MEBS
Conselho de Ministros da Educação da UE:
Conclusões e Recomendações
Reunido em Fevereiro de 2008, o Conselho de Ministros da Educação da
União­ Europeia apreciou o terceiro relatório relativo à execução do programa
de Educação e Formação 2010, intitulado “A aprendizagem ao longo da vida
para promover conhecimentos, criatividade e inovação”, e identificou três
áreas que requerem uma especial atenção: elevar os níveis de compe­tên­
cias, levar a cabo estratégias de aprendizagem ao longo da vida e fortalecer
o triângulo do conhecimento (educação, investigação e inovação).
As mensagens que enviou à reunião de 13 e 14 de Março do Conselho
acentuavam os seguintes temas :
– implementação de estratégias de aprendizagem ao longo da vida, inci­
tando os estados-membros a agirem no sentido de reduzirem os níveis
de iliteracia entre os jovens e as taxas de abandono precoce da escola;
melhorarem os níveis de prestação escolar dos migrantes; tornarem a
profissão docente mais atraente; captarem mais adultos para a educa­
ção e a formação;
– ênfase no papel crucial da educação e formação na promoção da criatividade e da inovação;
– acentuação da importância do diálogo intercultural e da promoção das
competências necessárias para tal diálogo em todos os indivíduos;
– reforço da mobilidade transnacional no ensino superior e seu alargamento à formação profissional. ::
MEBS
10 11 Diário de um professor
Diário de
Pascal Paulus
Ter em conta a diferença e considerar o bilinguismo como uma mais valia são dois
dos lemas sempre presentes no quotidiano de Pascal Paulus, professor na Escola
EB1 Amélia Vieira Luís, na Outurela. Defende uma intervenção educativa em que
aprendizagens com sentido façam com que as crianças aprendam mais e melhor.
Este professor, nascido e criado na Bélgica, vive e trabalha em Portugal desde 1986,
investindo na melhoria da escola pública.
Fotografias de Carlos Silva
Terça-feira 18 de Setembro de 2007
Novo ano, a mesma turma?
Começou o novo ano lectivo. Reencontro os meus alunos,
agora no 2.º ano. Cresceram! Um rápido rastreio confirma
que a turma não é bem a mesma: passou de 20 a 18
alunos, três migraram – um para a Suíça, outro para
Coimbra e um migrou de turma. Doze crianças leram e
releram durante o Verão o nosso livro de textos que lhes
imprimi e ofereci no fim do ano lectivo. Cinco parecem
ter-se esquecido que alguma vez leram e escreveram. Há
um aluno novo que só sabe os nomes de algumas letras. São 12 raparigas e seis rapazes. Todos
falam português. Seis são bilingues e falam fluentemente crioulo, para três é mesmo a língua materna. As
crianças ciganas não falam romani. Os alunos brasileiros continuam a enriquecer o vocabulário e a sonoridade
do português na sala. O professor é o único que fala flamengo. Todos percebem algum inglês por causa dos
desenhos animados. Quem não fala crioulo consegue seguir uma conversa simples naquela língua.
Perante esta diversidade, pensei em aumentar o tempo de estudo autónomo. Propus aos alunos, na nossa
reunião semanal de conselho de cooperação, que o tempo depois do recreio da manhã seja sempre regulado pelo
plano individual de trabalho. As tardes podem ser de trabalho colectivo (apresentação de projectos individuais
ou colectivos, estudos que envolvem a turma toda) ou de estudo autónomo. Adaptei os ficheiros de Matemática
e de Língua Portuguesa de que disponho. As crianças sabem situar-se perante as “encomendas” do programa,
mediante uma codificação das competências a desenvolver, com recurso a cores, o que já era do conhecimento
de todos desde o ano passado (o aluno novo percebeu logo).
Tive algumas dificuldades para encaixar a proposta de trabalho no horário que sou obrigado a apresentar e
que divide o dia em seis períodos de 45 minutos. Explicitei no meu projecto curricular de turma que o trabalho
de estudo autónomo, sob a forma de ateliers de Língua Portuguesa ou de Matemática, abarca efectivamente
actividades destas duas áreas, correspondendo, assim, ao programa e às programações que nos exigem
semanalmente.
Quarta-feira 11 de Outubro de 2007
Ter em conta a diferença…
O que receava confirmou-se. Tenho seis alunos
que não se lembram de que já sabiam ler textos
simples. Combinei com a turma que, nos tempos
de estudo autónomo, estes alunos têm prioridade
para trabalhar comigo. Mesmo assim, são seis
situações diferentes. Para três, refiz um livro
de leitura, com textos deles e da turma. Para os
outros três, adaptei, com propostas novas, um
ficheiro de trabalho que tinha construído, no ano
passado, a partir dos textos dos alunos.
Ainda não consigo trabalhar com cada um deles
diariamente. Fico pelos quatro alunos por dia. Os restantes solicitam também o meu apoio e não quero
abrandar o trabalho no “canto de experiências”. Aí, cada experiência, realizada individualmente, precisa
de ser discutida a dois, aluno e professor, para que não se fique pela constatação do óbvio.
A espera da autorização para a saída a pé, para um trabalho centrado sobre a vida no bairro, atrasou o
projecto comum com este tema, pelo que as crianças avançaram com projectos individuais ou a pares.
Gostei muito da apresentação do projecto sobre as “Bratz”, heroínas duma série de desenho animado na
televisão. Foi uma maneira original de abordar aspectos do programa referentes ao corpo humano.
Quinta-feira 8 de Novembro de 2007
Tornear dificuldades…
A partir da discussão do orçamento do meu projecto curricular de turma com os colegas do conselho
executivo, foi possível adquirir materiais que permitem manter aberto, em permanência, o atelier de
pintura, durante os momentos de trabalho autónomo. A demonstração dos resultados na escrita e na
leitura que decorrem da utilização de três computadores, apesar de velhos, resultou no empréstimo de
uma impressora laser, que permite imprimir os escritos dos alunos a baixo custo. Entretanto, a turma
continua sem ligação à Internet. Dificulta a gestão das consultas para projectos tão variados como “As
árvores”, “As Winx”, “Como se fabrica o gelado?”, “A fórmula 1”… Passo grande parte do fim-de-semana
a fazer pesquisas e a juntar informações para propor consultas off-line aos interessados. Há dois anos
que esperamos o reestabelecimento dos pontos de acesso nas salas de aula.
É interessante constatar como os leitores e
escritores mais autónomos da sala começaram
a fazer pares com os outros quando eles vão
escrever no computador. As solicitações “como é
que se escreve...” diminuíram muito: recorre-se
às listas de palavras com dúvidas frequentes e
aos colegas. O resultado traduz-se em pequenos
cadernos A4 mais bem organizados e num salto
qualitativo nas apresentações. Consigo assim
maior disponibilidade para ajudar os poucos
da turma que ainda estão na fase de iniciação
à leitura e tenho também mais tempo para
ajudar todos com os seus projectos individuais.
12 13 Notícias
Sexta-feira 14 de Dezembro de 2007
Para além do Natal…
Esta semana foi particularmente difícil. Todos os anos se repete a mesma cena.
A comercialização da época de Natal e a multiplicação de ofertas de espectáculos
baratos destroem qualquer organização cooperativa de trabalho. E não há Cirque
du Soleil para os pobres. Há espectáculos sombrios.
Mas o esforço colectivo fez com que conseguíssemos terminar o tratamento da
informação que recolhemos durante as nossas duas idas ao bairro. Organizados
em pequenos grupos, tratámos 19 entrevistas a comerciantes e perto de 60
inquéritos a pais, mães e amigos. Em trabalho a pares, pesquisámos sobre as
pessoas que deram o nome às ruas do bairro e construímos uma maqueta com
uma proposta de bairro idealizado. Prometi juntar os textos todos em mais
um jornal especial da turma. A exposição será em Janeiro.
Sábado 12 de Janeiro de 2008
Mostrar o trabalho…
Esta semana fomos cantar as Janeiras a todos os comerciantes que entrevistámos em Outubro e Novembro.
Fizemos a letra da canção em que explicámos que vínhamos oferecer e não pedir: todos receberam um
exemplar do nosso jornal O bairro por dentro. Inaugurámos também a exposição, com fotografias, relatos e
a maqueta, no dia da reunião de pais. Fica mais uma semana aberta ao público, na sala polivalente da escola.
Tivemos pedidos de visitas guiadas. Em pequenos grupos e rotativamente, os meus alunos apresentam o
trabalho realizado. A ida à sala dos computadores serviu para todos verem o trabalho sobre o bairro na
“página” da turma.
O primeiro balanço está feito. No primeiro período todos
escreveram. Foram quase 300 textos no computador, em 62
dias úteis. Nada mau. Muitos textos de fantasia, com princesas
e príncipes que vivem em casas parecidas com as do bairro.
E outros tantos com relatos da vida no bairro. Gostei das
apresentações dos projectos. Nota-se que, quando apresentam
o que pesquisaram, os alunos estão mais soltos. Os assuntos
não são sempre os que eu escolheria, mas têm proporcionado
momentos de discussão em que muitos ficam atentos. Surgiram
temas novos e sessões de perguntas e respostas muito vivas.
Domingo 10 de Fevereiro de 2008
O bilinguismo enriquece…
Saiu o nosso primeiro e-livro colectivo! Fomos inventando a história
a partir de pinturas feitas no atelier. Combinámos logo que ia existir
uma versão na “página” da turma em várias línguas. As mães das
crianças bilingues e o professor bilingue trataram das traduções.
Os correspondentes da turma multicultural da Guiana Francesa
prometeram a tradução em francês. Estas traduções, como também
as nossas discussões acerca dos textos escritos, são bons pretextos
para trabalhar a língua portuguesa, materna para alguns, “adoptiva”
para outros. Lembro-me de uma conversa no Instituto de Linguística
Teórica e Computacional, com Maria Helena Mira Mateus e Dulce
Pereira, sobre o bilinguismo e as vantagens que há para todos em
Bloco de notas
estudar a língua (materna ou não) a partir dos
contributos dos bilingues presentes na turma.
Na sala, onde todos os dias surgem dezenas de
palavras, novas para alguns, conhecidas para
outros, em que os “uns” de hoje são os “outros”
do dia seguinte, tornou-se hábito, para quem
apresenta um trabalho, explicar o significado
de palavras que outros não conhecem.
Segunda-feira 18 de Fevereiro de 2008
O mundo abre-se para nós…
Diferenciação do trabalho
Objectivo
Trabalhar o currículo de forma diferenciada em função das
competências existentes e a desenvolver por cada um dos alunos.
Materiais de apoio*
Material publicado pelas editoras de manuais reorganizado,
agrupado e identificado por graus de dificuldade.
Ficheiros de treino para aspectos distintos do programa.
Plano individual de trabalho para os alunos planificarem
semanalmente as suas actividades.
Organização da sala
Espaço com armários e estantes de livre acesso com material
para o treino da Matemática e da Língua Portuguesa (zona
central da sala), espaço informático, biblioteca de turma (que
integra também os manuais escolares), espaço para experiências,
atelier de pintura.
A inauguração de uma loja FNAC no centro
comercial ao lado do bairro social ajudou
a abertura para o mundo. Por uma vez a
iniciativa privada abriu o gueto em que as
crianças vivem. Muitas mães e tias trabalham
agora no novo centro comercial. Levam mais
livros como prenda. Os alunos trazem-nos.
O momento “ler e mostrar” tornou-se mais
variado. Gostei muito de ver crescer a vontade
de ler o livro que se trouxe para mostrar aos
outros. Hoje atribuímos, no conselho de
cooperação, um cinturão azul para leitura
(significa “lê um livro em voz alta para a
turma”) a mais uma aluna. Vou reforçar a
leitura a pares durante os ateliers de língua
para encorajar outros.
Boa semana de apresentação de projectos:
“A história das camas”, “As flores” e um
projecto que tem as joaninhas como tema,
que nos levou até à agricultura biológica.
Entretanto mais uma carta da turma da
Guiana Francesa. Poderão ajudar-nos com as
observações da sombra deixada pelo sol, já que
vivem perto do Equador. O fim do segundo
período apresenta-se bem. ::
Condução do trabalho
Cruzamento semanal da produção apresentada por cada aluno,
com o currículo e os objectivos pessoais e do grupo, discutido a
pares, com o professor ou com o grupo todo, conforme as situações.
Planos semanais da turma, que incluem a previsão do tempo
disponível para trabalho individual, a par ou em pequenos grupos.
Avaliação
Do trabalho (produtos e processos): através da apresentação e da
discussão dos produtos realizados – é feita por todos e tem como
espelho as escolhas da turma.
Dos alunos individualmente (competências e saberes): com base
nos planos individuais de trabalho e nas fichas realizadas – é
realizada pelo professor no que se refere ao progresso escolar e
pelos alunos quando se trata das inter-ajudas.
* Muitos materiais de apoio (da
autoria de grupos de trabalho
em que participa) estão
disponíveis na página
do professor:
web.educom.pt/pr2022
Página da turma:
web.educom.pt/turmadopascal/00
14 15 Lá fora
O Que Importa Saber em Ciências?
Resultados do PISA 2006
Texto de Teresa Gaspar
Ilustração de Margarida Moreira
O primeiro ciclo do PISA (programa da OCDE para a avaliação das competências dos
alunos) acaba agora com a publicação dos resultados do desempenho dos jovens em
literacia científica, nos 57 países participantes1.
Em cada fase do PISA foram abordadas as três
áreas de literacia a avaliar (leitura, matemática
e ciências), sendo a leitura a área dominante
em 2000, a matemática em 2003 e as ciências
em 2006. Um novo ciclo de avaliação do
desempenho nas três grandes áreas de literacia
deverá prolongar-se de 2009 a 2015.
Muito se tem falado dos resultados dos alunos
portugueses sempre que interessa argumentar
com a falta de qualidade da educação no nosso
país. Situam-se, em geral, abaixo da média dos
países da OCDE e, desde 2000 até hoje, não
têm apresentado variação positiva assinalável,
ao contrário do verificado com o México e
com a Grécia, cujos resultados em matemática
melhoraram entre 2003 e 2006. Nos testes de
2006, centrados sobre a capacidade dos alunos
para compreenderem e resolverem proble­
mas científicos, os estudantes com melhor
desempenho foram os finlandeses, onde pelo
menos um em cada sete jovens atinge os dois
níveis superiores de competências em ciências,
em contraste com os resultados em Portugal,
Grécia, Itália, México, Espanha e Turquia, onde
a relação é de menos de um em vinte alunos.
Porém, pouco se tem referido a natureza dos
testes que são aplicados aos alunos de 15
anos2 e as competências que em cada área
de conhecimento se procuram avaliar, razão
pela qual nos parece interessante procurar dar
uma visão mais aprofundada das questões que
foram colocadas aos alunos no PISA 2006 no
domínio da ciência.
Literacia científica
A noção de literacia científica opera­cio­­na­lizada no estudo é definida em ter­
mos dos conhecimentos científicos e da capacidade de o indivíduo utilizar
esses conhecimentos para identificar ques­tões para as quais a ciência pode
dar resposta, para adqui­rir novos conhe­cimentos, explicar fenó­me­nos
científicos e retirar conclusões funda­men­tadas so­bre problemas de carácter
científico. Igual­mente, a compreensão das carac­te­rís­ticas próprias da ciência
como for­ma de investigação e conhecimento humano, a consciência do papel
da ciên­cia e da tec­no­logia na constituição do nosso meio material, intelectual
e cultural, bem como a vontade de se envolver enquanto cidadão consciente
em questões relacionadas com ciência e com o conhecimento científico, cons­­­
tituem elementos essenciais da defini­ção de literacia científica.
Assim, a avaliação da literacia científica é feita tendo por referência situações
da vida real nas áreas da saúde, recursos naturais, ambiente, desastres naturais
e das fronteiras da ciência e da tecnologia, para a compreensão das quais são
ne­ces­sários conhecimentos de física, de química, de biologia, das ciências da
terra e do espaço e de tecnologia, e face às quais se procura avaliar as com­
petências dos alunos no que se refere a identificar problemas científicos, expli­
car cientificamente os fenómenos e ela­borar conclusões baseadas em dados
científicos. Além disso, o PISA 2006 também procurou conhecer o interesse
dos jovens pelos problemas científicos e a sua motivação para se envolverem
na preservação dos recursos naturais e do ambiente.
Níveis de desempenho e as questões colocadas
Para avaliar o nível de desempenho dos alunos participantes, foi elaborada
uma escala com seis níveis, correspondendo o nível 1 a uma capacidade de
realização muito limitada e o nível 6 a alunos que identificam, explicam e
aplicam o conhecimento científico a uma gama complexa de situações da vida
real. A distribuição dos alunos participantes pelos níveis desta escala segue
uma curva normal, em que 94,8% dos jovens dos países da OCDE realizam
PISA 2006: Science Competencies for Tomorrow’s
World. Paris, OCDE, Dez. 2007.
2
O PISA avalia o desempenho de alunos com idades entre
os 15 anos e 3 meses e os 16 anos e 2 meses na altura
da realização dos testes e que tenham completado pelo
menos seis anos de escolaridade formal. Em Portugal, em
2006, abrangeu alunos nascidos entre 1 de Fevereiro de
1990 e 31 de Janeiro de 1991.
3
Para conhecimento dos temas e perguntas formulados
no PISA 2006, consultar o relatório citado, pp. 80-85;
89-99; 104-112.
1
Quadro I
Nível
Identificação de
de problemas científicos
COMPetências
ExplicaçãoUtilização
científica de
de dados
fenómenos
científicos
6
Chuvas Ácidas
Efeito de Estufa
5
Efeito de Estufa
4
Protector Solar
Exercício físico
Roupas
Protector Solar
Efeito de estufa
3
Chuvas Ácidas
Protector Solar
Grande Canyon
Exercício físico
Chuvas Ácidas
Mary Montagu
Efeito de estufa
2
Culturas Geneticamente
Modificadas
Grande Canyon
Chuvas Ácidas
1
Mary Montagu
Exercício Físico
Roupas
Fonte: PISA 2006: Science Competencies for Tomorrow’s World, Vol. 1, p. 45 (adaptado)
Quadro II
Sistemas
físicos
Chuvas Ácidas
Sistemas
vivos
Exercício físico
Mary Montagu
Sistemas da Terra e
do Espaço
Grande Canyon
Efeito de Estufa
Sistemas Tecnológicos
Roupas
Conhecimento
em ciências
COMPetências
Conhecimentos
Identificação de problemas científicos
Conhecimento
sobre ciências
Método
Cientifíco
ExplicaçãoUtilização
científica de
de dados
fenómenos
científicos
Chuvas Ácidas
Chuvas Ácidas
Protector Solar
Roupas
Culturas
Geneticamente
Modificadas
Grande Canyon
Explicações
cientificas
Protector Solar
Efeito de estufa
Interesse em ciências
Chuvas Ácidas
Culturas Geneticamente Modificadas
Valorização do método
cientifíco
Grande Canyon
Mary Montagu
Chuvas Ácidas
atitudes
tarefas pelo menos de nível 1 e apenas 1,3% o
fazem no nível 6 da escala do desempenho em
ciências.
Os oito temas científicos que foram escolhidos
são objecto de várias per­gun­tas3 com níveis de
dificuldade dife­rentes que combinam respostas
aber­tas e de escolha múltipla. A título de
exem­plo, veja-se o Quadro I onde se ilus­tra a
distribuição dos temas e res­pec­ti­vas questões
por cada uma das três com­petências avaliadas
e por nível de dificuldade.
Repare-se que o tema das Chuvas Ácidas integra
itens que se distribuem pelas três categorias de
competências, com graus de dificuldade que
variam entre o nível 2 e o 6, enquanto o tema do
Exercício Físico se concentra na competência
de explicação científica de fenómenos e as
suas perguntas distribuem-se entre o nível 1 e
o nível 4 de desempenho.
Interessante também é o modo como as várias
questões colocadas se cruzam com as diferentes
categorias de conhecimentos e de competên­
cias, como se pode ver no Quadro II.
Por último, o PISA 2006 revelou que existe
um grande interesse dos jovens pelas questões
ambientais e que a maior parte está consciente
dos problemas, por exemplo, do efeito de estufa
provocado pela emissão de gases. Porém, a
sua atitude é de pessimismo relativamente ao
futuro, pois uma larga maioria não acredita
que possa haver melhorias significativas
nos próximos vinte anos no que se refere
à poluição atmosférica ou à eliminação de
resíduos nucleares. ::
Fonte: PISA 2006: Science Competencies for Tomorrow’s World, Vol. 1, p. 46 (adaptado)
16 17 Entrevista Patrícia Joyce Fontes
Patrícia
Joyce Fontes
E quantas vidas tem
Patrícia Joyce Fontes?
Foi escuteira, freira, madre
superiora, pacifista, investigadora, professora, jardineira,
pedreira... Viveu nos Estados Unidos, na Irlanda, em Portugal...
e hoje habita no meio da floresta, de novo nos Estados Unidos.
Foi especialista em métodos de investigação quantitativos
antes de o ser em educação ambiental.
Entrevista de Manuel Gomes
Fotografias de António Dias
Quantas vidas tem um gato?
Qual é a sua relação com Portugal?
Eu acho que ser portuguesa, no sentido americano de ser
portuguesa, faz parte da minha identidade desde a mais
tenra idade. Quando faço a minha apresentação para uma
publicação, é normal começar por escrever, “Eu sou a sétima
dos 10 filhos de um casal açoriano”. A minha identidade
mais básica é esta. Eu nasci em 1936, a sétima filha de dois
açorianos. Crescemos completamente integrados na cultura
portuguesa. A consciência de ser português era muito forte
na família. Foi na escola, sítio onde havia grande diversidade,
que a minha mãe sentiu a necessidade de afirmar-nos como
bons alunos! Bem comportados! Limpinhos! Quer dizer,
eu cresci um pouco com a sensação de que ser portuguesa
era uma coisa boa, um motivo de orgulho, mas uma coisa
perigosa, pois tínhamos de ser melhores do que todos os
outros para ser aceites num círculo mais vasto.
A sua escolaridade e a dos seus irmãos foi muito
diferente da dos outros elementos da comunidade
açoriana?
Foi mais ou menos igual. Fomos sempre à escola com os
outros miúdos da mesma zona. Frequentámos uma escola
primária até ao 6.º ano, depois a Junior High School, mais
ou menos equivalente à escola preparatória, entre o 7.º e
o 9.º ano, e a seguir andámos todos na escola secundária
da vila. No final do 9.º ano, os alunos começaram a fazer
opções que os orientavam para a universidade, para uma
carreira no comércio ou, para os mais fracos, para um curso
chamado geral com a duração de 12 anos que permitia que
todos pudessem acabar a escola secundária, mas sem muita
profissionalização. Claro que, logo no início do 7.º ano,
tivemos alguma ideia de quem é que estudava bem, tentava
tirar notas altas, para conseguir ir para um curso superior.
A minha irmã mais velha foi uma das primeiras miúdas
portuguesas, açorianas, pelo menos na minha vila, que optou
por um curso universitário. Ela tem agora 85 anos, acabou
o curso em 1939, logo no início da guerra. Ela começou a
dar aulas nas escolas públicas – foi uma das primeiras
professoras portuguesas. Eu tinha alguma consciência dos
preconceitos sobre as crianças portuguesas. Lembro-me
muito bem, por exemplo, desta experiência: quando tinha
mais ou menos 13 anos, frequentava muito uma biblioteca
perto da minha casa e a bibliotecária ofereceu-me um
pequeno trabalho na biblioteca. Nós conversávamos muito
e um dia ela disse-me: “Vê lá, Patrícia, sabes que tiveste sorte
em frequentar aquela escola porque a directora acredita que
todos os alunos podem aprender, até os portugueses!”. Eu
fiquei com os cabelos em pé. Foi a primeira vez que percebi
que havia pessoas que não acreditavam em nós. Com que
bases? Não sei se tinham bases ou não, mas que havia um
sentimento de surpresa quando os alunos portugueses se
saíam muito bem na escola, lá isso havia.
Houve diferença na sua família entre os rapazes e as
raparigas quanto ao percurso escolar?
É difícil dizer. A minha mãe morreu quando eu tinha 12 anos
e a nossa vida tornou-se bem diferente porque uma irmã com
17 anos tomou conta de nós. O meu pai era um homem muito
doce, um homem muito bom, que tra­ba­lhava, trabalhava, e
chegava a casa com o dinheiro; entregava o dinheiro todo à
filha, como tinha feito com a mulher. Quando a minha mãe
ainda era viva, passou para as filhas a ideia de que uma mulher
tem de ser forte para sobreviver neste mundo. Acabámos por
ter seis mulhe­res fortes na família e – não vou dizer que os
meus irmãos são fracos, mas só um acabou um curso superior
– e são mais..., não sei, não têm a mesma ambição, não têm
a mesma força. Algo na família favoreceu muito a autonomia
das mulheres.
18 19 Entrevista Patrícia Joyce Fontes
Foi em Newport, com os estudantes
nas ruas de Paris e a guerra no
Vietname, que começei a ganhar
mais convicções nas minhas
perspectivas sobre o mundo.
A igreja nessa altura tinha grande
influência nos estudos?
A escola reforçou mais ou menos os
ensinamentos da religião – não os ritos
da religião, mas os mesmos valores,
através da poesia, das canções, das
festas... Na igreja, acho que se valorizava
o facto de estudar bem na escola.
Lembro-me muito bem, quando acabei
o curso secundário com as notas mais
altas, houve uma pequena cerimónia
e, no domingo seguinte, fui à missa e
ouvi o padre dizer no sermão “Estamos
muito orgulhosos de ter, pela primeira
vez, uma aluna portuguesa em primeiro
lugar!”
Conciliou sempre a escolaridade
com o escutismo?
Exactamente, exactamente. A entrada
para as escuteiras era aos 10 anos, eu
comecei já na escola preparatória e
continuei até ao 12.º ano. Para mim,
foi uma experiência muito importante.
Eu gostei do escutismo logo de início,
gostei das dramatizações, das leituras,
mas sobretudo da parte das saídas à
floresta, de passear, de cozinhar fora, de
fazer o fogo à noite e cantar à volta da
fogueira. Acho que o amor ao ambiente,
o amor à natureza, começou logo com
essas experiências.
Para que universidade entrou após o ensino secundário?
Com 12 ou 13 anos de idade, comecei a pensar que queria ir para uma universidade
de outra cidade, desejava ir para fora. Um dia, tinha eu 15 anos, andava no 11.º
ano, quando entrei na biblioteca da escola secundária, onde havia folhetos de
várias universidades e peguei num da Universidade de Boston. Não sabia nada
sobre esta universidade, mal conhecia a cidade, mas fui lendo a informação e
vi que havia umas bolsas de estudo. Sem dizer rigorosamente nada a ninguém,
preenchi os formulários todos e enviei-os. Como as minhas notas nos testes de
aptidão e no curso secundário foram muito altas, ganhei uma bolsa. E assim fui
para a Universidade de Boston, para um curso de professora do ensino básico na
Faculdade de Educação. Foi um sonho realizado.
A seguir ao primeiro emprego há uma entrada na vida religiosa...
Eu acho que a minha vida teve vários ritmos, religiosos e não religiosos. Entrei
no convento aos 22 anos, depois de dois anos a dar aulas. Fiz aquele primeiro
período de seis meses de tentativa, após os quais entrei no noviciado, onde fiquei
18 meses a estudar, a rezar... mas, logo a seguir, e porque já tinha uma profissão,
passei a trabalhar num infantário, o que era bastante novo na altura. Depois de
ter trabalhado dois anos nesse infantário, fiz os primeiros votos temporários.
Houve uma eleição para segunda Madre Geral e acabei por ser eleita com 25 anos,
apenas três anos após ter entrado na congregação. Passei a Madre Superiora com
25 ou 26 anos de idade, o que era uma coisa quase impossível. Então, tive de fazer
votos finais por causa desta posição e, só um ano depois dos primeiros votos, fiz
estes votos finais. Mas logo começaram a aparecer fricções e dificuldades dentro
do grupo. Decidi que era impossível continuar naquela vida, pedi uma dispensa
dos votos e saí. Nessa altura, tinha 27 anos. O bispo pediu-me para pensar bem
na decisão e ofereceu-se para me financiar um ano de mestrado em Orientação
Escolar numa faculdade jesuíta. Eu fui fazer o mestrado, mas, no final de 1964/65,
fiz um concurso para bolsa de doutoramento em Psicologia da Educação. Ganhei e
decidi que era a altura de sair definitivamente.
O que fez depois dessa opção?
Fui trabalhar em Puerto Rico naquele
Verão, numa grande investigação. Fiquei
três meses a viver em San Juan de Puerto
Rico e voltei em Setembro para dar aulas
na Universidade de Rhode Island, onde
só permaneci um ano porque não gostei
muito da Universidade. Estava eu a dar
aulas e veio alguém de uma faculdade
católica, de Newport, para falar comigo
e recrutar-me para ir para lá. Queriam
uma pessoa que soubesse trabalhar
com computadores, uma psicóloga que
pudesse dar início a um departamento
de Psicologia. Decidi mudar-me. Fiquei
três anos e foram três anos importantes.
Tinha acabado o doutoramento em 1968
num contexto em que os estudantes
estavam nas ruas de Paris e a guerra
acontecia no Vietname. Vim para a vida
universitária no meio deste “fermento”
todo e aderi logo ao movimento contra
a guerra no Vietname. Newport era o
local de uma base naval enorme e havia
muitas manifestações contra a guerra
do Vietname. Na faculdade lutávamos
também por um regime mais liberal
para as alunas. Lembro-me muito bem
de que elas não podiam andar de calças.
Recordo-me de as alunas organizarem
uma série de conferências – convidaram,
entre outros, a feminista Germaine
Greer para falar da libertação da mulher
e o autor de Catch 22, Joseph Heller.
Cresci muito – foi aqui que comecei a
ganhar muito mais confiança em mim
própria e muito mais convicção nas
minhas perspectivas sobre o mundo.
Digo às vezes que tudo o que perdi
na minha adolescência, por causa da
morte da minha mãe e das dificuldades
financeiras da universidade, ganhei
nesta fase e comecei a viver a minha
ado­lescência com 30 anos, com dou­to­
ramento feito e já com liberdade. Come­
cei realmente a questionar e a tomar
posições mais comprometidas, comecei
a gostar da vida.
Quando e porquê saiu da Faculdade
de Newport?
A faculdade teve uma crise financeira,
no terceiro ano em que eu lá estive e
houve um mês em que não recebemos
os nossos salários. Uma vez estava
com um amigo meu que era professor
no curso de doutoramento e ele disse-me que precisava de uma pessoa com
a minha formação para trabalhar na
Irlanda. Ofereceu-me trabalho por
um ano e eu aceitei. Isto foi em 1972.
Fui visitar o Centro de Investigação
em Educação de Dublin, falei com o
director e comecei a tra­­balhar numa
inves­tigação sobre­ a utilização de
testes estan­dar­di­zados nas escolas.
Esta foi mais uma grande ruptura. Eu a
trabalhar na Europa, na Irlanda! Fui por
um ano, mas perto do final desse ano
convidaram-me a ficar mais um, e perto
do final do segundo ano ofereceram-me um contrato permanente. Acabei
por ficar até 1988, ou seja, 15 anos! No
ano lectivo 1987/88, o governo irlandês
queria reduzir o número de pessoas
nos magistérios e propuseram-me a
refor­ma, com uma boa pensão e um
dinheiro na mão. Achei que era uma
boa ideia, que havia muitos irlandeses
que precisavam de emprego e eu, nessa
altura, já tinha 52 anos. Decidi aceitar
essa reforma, pensando que voltava
aos Estados Unidos para ficar, mas não
fiquei.
20 21 Entrevista Patrícia Joyce Fontes
O projecto internacional
de Educação Ambiental estudou
dois impactos: o intergeracional e o
desenvolvimento de competências
para a acção.
Como veio para Portugal?
Em 1982 foi-me dado um ano de licença
sabática e decidi ir trabalhar para
Portugal. Cheguei em Janeiro de 1982
e fiquei até ao final daquele ano lectivo.
Para além do trabalho em psicologia,
tinha outro objectivo muito maior
que era acabar por aprender a língua
portuguesa e conhecer bem como era
viver em Portugal. Mais tarde, no ano
lectivo de 1987/88, quando o governo
irlandês decidiu reduzir o número de
faculdades de formação de professores,
eu aceitei a proposta de reforma e
fiquei na Irlanda mais um ano para
conhecer melhor o país, viajar um pou­
co, só depois fui para Portugal, mais
uma vez em férias, conhecer pessoas,
manter os meus contactos. Voltei aos
Estados Unidos e regressei mais tarde
a Portugal à procura de emprego. Foi
relativamente fácil graças aos contactos
que já tinha na Faculdade de Psicologia
do Porto e na Universidade do Minho.
Ofereceram-me, então, um contrato de
cinco anos no Centro de Formação de
Professores e Educadores (CEFOPE) da
Universidade do Minho como profes­
sora catedrática na área de Psicologia
de Educação – especificamente na
área de Metodologia de Investigação
em Educação. No CEFOPE, havia
uma equipa de investigadores que tinha integrado uma equipa internacional
(envolvendo a Dinamarca, Inglaterra, França e Portugal) numa candidatura à
Comissão Europeia, à Direcção Geral XII, para fazer uma investigação em Educação
Ambiental, utilizando o inglês como língua de comunicação. Dentro dessa equipa
não havia ninguém que dominasse a língua inglesa.
No CEFOPE tinham necessidade de uma pessoa com capacidade para dar aulas
de Metodologia de Investigação em Educação nos cursos de estudos superiores
especializados (CESES) e para coordenar a investigação com essas equipas
internacionais.
Esta entrevista decorre no meio de uma floresta, nos Estados Unidos, em
Rhode Island, Hopkinton. Já não está em Portugal, não está na Universidade
do Minho...
Sim, o contrato que assinei em 1993 foi até 1998 e depois, numa segunda fase, foi
até 2003, e o contrato não foi renovado naquela altura.
Mas continua a dar apoio em investigações/projectos e num mestrado?
Sim, é um mestrado em intervenção psico-social com crianças. Vou duas vezes por
ano a Portugal.
Está reformada, mas de uma forma activa! Qual é neste momento a sua
actividade? Passou da escola para a comunidade?
Eu queria ter alguma intervenção social nesta comunidade. Contactei a junta de
freguesia para saber quais os órgãos que tinham ligação com o ambiente. Conheci
então um pastor protestante muito activo que me explicou todos os projectos
em curso. Optei pelo Habitat – é pegar no martelo e construir casas! Introduziu-me num grupo de mulheres; um dia por semana vou com essas mulheres
construir casas para pessoas com necessidades financeiras... Também pensava,
na altura, fazer jardinagem orgânica; já estava a pensar nestas coisas quando
estava a planear a reforma, em Portugal. Queria aproveitar
sete hectares de floresta, um campo à volta da minha casa.
Como sabia pouco sobre jardinagem orgânica, inscrevi-me
num curso da Universidade de Rhode Island, na parte de
extensão cooperativa. As universidades distritais nos Estados
Unidos têm um mandato do governo federal para promover
a educação na agricultura. Promovem estes cursos, que são
muito frequentados. Todos os anos, este curso tem, mais ou
menos, 250 alunos; depois de acabar o curso, cada aluno tem
de fazer 50 horas, por ano, de trabalho de voluntariado.
Neste momento, está a fazer então um curso de
jardinagem orgânica na Universidade de Rhode Island.
E estou a trabalhar nas estufas, três horas por semana, para
fazer os trabalhos práticos. Estou a fazer um jardim modelo. Eu
vou ser chefe de uma equipa de quatro ou cinco pessoas, um de
nós vai estar no local para escutar as crianças das escolas que
vêm em visita de estudo. Também vendemos ou oferecemos as
plantas. Por exemplo, no ano passado este grupo contribuiu
com 14 toneladas de vegetais para os pobres. E temos um
jardim público, onde as pessoas podem ir aprender e onde sou
responsável pelos espinafres.
Como é que as actividades de hoje reflectem o seu
percurso, enquanto escuteira, religiosa e investigadora?
Está tudo ligado?
Sim, sim, está tudo ligado! Eu acho que não mudei muito a
minha identidade pessoal; tive a grande sorte de encontrar
diversas situações em que eu posso ser eu. Continuo a fazer
coisas que são fruto do trabalho anterior e ainda não perdi a
esperança de envolver as escolas nestas actividades. Estou a
pensar concorrer à junta de freguesia. Continuo ligada à igreja,
porque, para mim, o meu trabalho é altamente cumpridor do
evangelho, no sentido de fazer bem aos outros, de respeitar
a natureza. Na minha perspectiva, isto é um todo, continuo
ligada às escuteiras porque ainda tento procurar candidatas
para desenvolver projectos. Temos a questão dos nossos rios:
as escuteiras em Rhode Island têm um programa enorme de
canoagem, pelo que podemos fazer um trabalho conjunto.
Tive a grande sorte de ter encontrado, em Portugal, o projecto
de investigação que já referi. Foi este que juntou os meus
interesses pessoais com a minha vida profissional. Tentei, nesse
país diminuir a distância entre escola e comunidade. Defendo
a necessidade de criar uma verdadeira comunidade educativa,
pois a escola não pode ser educativa sem a comunidade. ::
A Educação Ambiental
na vida de Patrícia Joyce Fontes
Quando chegou a Portugal, o seu compromisso ambiental
era unicamente pessoal, não tinha qualquer formação
científica nesta área. Mesmo assim, agarrou com ambas as
mãos o projecto que lhe propuseram coordenar, pois este
tinha uma característica muito especial – ser a primeira
vez que a Comissão Europeia financiava uma investigação
nas Ciências Sociais sobre o ambiente. Envolveu-se de
tal modo no estudo e investigação nesta área, que hoje
se pode dizer que é uma das referências na Educação
Ambiental em Portugal. Participou na concepção e no
desenvolvimento de projectos em escolas do 1.º ciclo
e em jardins-de-infância, no sentido de desenvolver a
competência para a acção nas crianças e o impacto na
comunidade, a partir da interacção dos mais novos com os
adultos, naquilo que denomina “um processo de educação
intergeracional” – nos dois sentidos. Avançou para a
publicação em português do relatório com os resultados
do projecto. Não foi fácil, mas não desistiu. Bateu a várias
portas, estabeleceu inúmeros contactos e conseguiu
apoios para a tradução e edição, em 1998, de Crianças
como agentes de mudança ambiental, versão portuguesa
do relatório de 1996. Neste mesmo ano, foi convidada pela
equipa internacional para coordenar a candidatura a uma
segunda fase do projecto, que decorreu entre 1996 e 1998.
Ainda hoje lamenta o facto de não ter havido oportunidade
de publicar o relatório desta segunda fase. Ao longo destes
anos a viver em Portugal não se fechou na Universidade.
Pelo contrário, participou em actividades de associações de
desenvolvimento local, na procura da articulação entre as
escolas e as comunidades.
22 23 Opinião
O esforço que tem vindo
a ser desenvolvido para
a criação de uma rede
nacional de educação
pré-escolar e para a sua
expansão continua
a ser importante, mas
dever-se-á definir uma
estratégia que viabilize
serviços de qualidade
que garantam o sucesso
das aprendizagens das
crianças, a igualdade
de oportunidades e a
capacitação das famílias e
das comunidades.
A infância:
o direito à educação
desde o nascimento
Texto de Alexandra Marques
Fotografias de Carlos Silva
A filosofia que tem sustentado o desen­
vol­vimento educativo em Portugal,
depois­ de 1974, nomeadamente, o aces­
so à escola pública e à educação pré-esco­lar, tem sido apresentada pelos­
deci­sores políticos e pelo discurso
científico como uma estratégia para
atenuar as diferenças socioeconómicas
e culturais e também para promover a
coesão social e desenvolver as potencialidades das crianças.
Na Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar está consagrado o papel do jardim-de-infância na promoção do desenvol­
vimento pessoal e social da criança com
base em experiências de vida demo­
crática (numa perspectiva de educação
para a cidadania) e autores como Peter
Moss sugerem que “devemos começar a
tratar as crianças como parte do mundo
em toda a sua complexidade económica, política, social e cultural”.
Muitos são os estudos que têm vindo
a ser realizados e que resgatam a concepção de infância menos idealista
e mais próxima da sociedade actual.
Entre­ estes poderia destacar os contri­
butos de Manuel Jacinto Sarmento que
tem afirmado que a infância enquanto
categoria social é uma ideia moderna.
Paradoxalmente, refere Qvortrup (1999),
a sociedade leva a cabo um planeamento familiar que diminui drasticamente
a natalidade, que cada vez proporciona
menos tempo e espaços para a convivência familiar e que organiza a vida
das crianças de uma forma institucio­nal
cada vez mais alargada, poucas vezes­
colocando o seu interesse no centro das
decisões que toma e pouco espaço lhes
proporcionando para exercerem a sua
cidadania.
É este estado contraditório em que
a infância e as crianças hoje se movimentam que reclama um redobrar de
esforços. Como afirma Corsaro (1992),
“As crianças não são simplesmente contributos activos da sua própria socia­li­
zação, são, também, um contributo para
a produção e reprodução da cultura”.
A consciência da pluralidade da infância obriga a que sejam definidas novas
políticas e renovados serviços, pois a
criança conquistou o seu lugar tanto no
espaço público da sociedade como no
espaço privado da família.
É urgente tornar a educação e o cuidado
para a infância uma prioridade e o acesso universal uma realidade, como forma de garantir um direito, de garantir a
eliminação do risco de exclusão social
decorrente da situação de pobreza em
que vivem cerca de 15,6% das crianças
portuguesas (Starting Strong II, 2006).
Para poder analisar as respostas educativas e os serviços para a infância,
na actua­lidade, será necessário ter em
mente duas problemáticas que julgo
cruciais, a saber, a equidade e a aprendizagem ao longo da vida, assim como é
importante considerar que a modernidade encara a educação como espaço
de transformação social.
Considerando a rede nacional de educação pré-escolar existente e visando
compreender se esta se tem instituído
como uma medida de grande alcance
social e educativo, e também para que
possamos analisar se as mudanças
operadas no sistema são verdadeiras
forças motrizes para a modernização
e desenvolvimento social em Portugal,
será necessário considerar que os contextos educativos para crianças dos três
aos seis anos não garantem ainda condições de equidade e que os custos e
as vantagens do investimento educativo
não permitem diminuir as disparidades
entre diferentes grupos sociais nem
têm sido capazes de encontrar respostas adequadas às mudanças sociais, demográficas e económicas.
A educação pré-escolar não está asse­
gurada para todas as crianças desta
faixa etária, inclusive para crianças de
cinco anos que, no ano seguinte, ingressarão na escolaridade obrigatória,
sobretudo nas grandes zonas urbanas
onde a qua­lidade de vida das crianças e
suas famílias é ainda agravada pela falta
de redes de suporte.
Por outro lado, se considerarmos que o
sistema educativo português exclui os
serviços para crianças antes dos três
anos (desrespeitando o estabelecido na
Cons­ti­tuição Portuguesa e na Conven­
ção dos Direitos da Criança, ignorando
o que a investigação tem demonstrado
e a experiência comprova) e que se
desenvolve em vários ciclos de frágil ou
inexis­tente articulação, poderemos afirmar que a falta de equidade é real, não
só em factores de percurso mas também em factores de saída ... o risco será
ainda de maior alcance se se entender a
educação como um valor, numa lógica
de aprendizagem ao longo da vida.
A aposta numa filosofia da criança e da
infância mais holística, mas também
num paradigma educativo que consi­
dere toda a complexidade da sociedade
em mudança e vise um projecto colectivo de cidadania, implica uma redefi­
nição do papel de cada um dos actores
assente no planeamento estratégico e
na definição de políticas para a infância
e de protecção à família que augurem
a concretização do desenvolvimento
humano.
Os estudos mais recentes realizados
nas mais diversas áreas do saber fazem
emergir tendências, suscitam incertezas e denotam que é necessário um
maior investimento na organização e
diversificação de contextos educativos
para crianças dos zero aos seis anos,
suportados por uma visão de futuro
que aposte na qualidade, nas parcerias,
numa reno­vada concepção/imagem da
criança, dos jardins-de-infância, dos
pro­fissio­nais e igualmente permita
repen­sar e reformar a educação e o cuidado para a infância.1 ::
Consulte e participe na discussão pública da Rede
Europeia de Educação de Infância em
http://apei.nosapo.pt
1
24 25 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Uma via diferente
para toda a gente
Construir a diversidade, aumentando o leque de ofertas educativas
e formativas, a partir das escolas e dos alunos que existem, é, segundo Rui
Canário, a resposta aos problemas que a escola hoje enfrenta.
Através das histórias dos membros de uma família fictícia, é possível conhecer os
percursos educativos e formativos que as escolas hoje pretendem colocar ao dispor da
comunidade onde se inserem.
Fernanda Jogo e Abel Antunes, respectivamente presidente e assessor do conselho
executivo da Escola Secundária do Monte da Caparica, falam das várias ofertas educativas
de que a escola dispõe e da procura constante de respostas para uma população cada vez
mais diversificada.
Através da conjugação de interesses da Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca,
das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira,
nasceu o curso de Técnico de Manutenção de Aeronaves, o qual tem tido muita procura.
Na Escola Secundária Infante D. Henrique, no Porto, atrás de cada porta existe um novo
mundo, onde os alunos tanto podem construir um carro de hidrogénio como programar e
produzir peças de xadrez, tirando partido da forte tradição industrial da escola.
26 29
Questões e razões
Escolas: elogio da diversidade
Rui Canário
30 35
No terreno
Na Escola do Bairro
Dora Santos
36 39
Feito e dito
Respostas para todos...
Teresa Fonseca
40 41
Recursos
42 45
Na sala de aula
Quem corre por gosto não cansa ...
Teresa Fonseca
46 49
Repórter na escola
Atrás de cada porta um novo mundo
Elsa de Barros
26 27 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Questões e razões
A transformação da
escola elitista em escola
de massas fez com que a
instituição escolar passasse
de solução a problema. A
resposta a esse problema
implica construir a
diversidade, aumentando
a oferta educativa, a partir
das escolas e dos alunos
que existem. Para tal, é
fundamental reconhecer
o potencial criativo
dos professores e a sua
capacidade para criar
práticas novas.
Escolas: elogio da diversidade
Texto de Rui Canário
Ilustração de Margarida Moreira
No final da década de sessenta do século XX, dois autores, com formação, pertença
institucional e orientações ideológicas muito distintas, convergiram no diagnóstico
que fizeram à escola e que consistiu, basicamente, em constatar que a instituição
na qual, desde o início da modernidade, tinham sido depositadas tantas esperanças
estava em “crise” e tinha passado a fazer parte do problema. Esse diagnóstico teve
repercussões muito fortes, a nível mundial, no que respeita aos debates e às políticas
educativas. Refiro-me, por um lado, a Philippe Coombs (1968) que, num célebre
relatório sobre a “crise mundial da educação”, identificava a permanência de uma
matriz escolar obsoleta, face ao crescimento exponencial dos sistemas escolares.
Refiro-me, por outro lado, a Ivan Illich (1971) que, numa perspectiva mais radical,
defendia uma “sociedade sem escola”, associando a mudança de escala à origem de
manifestações de contraprodutividade por parte da instituição escolar (esta passa a
“criar problemas” que decorrem do seu próprio crescimento). Como é que a escola
passou de “solução” a “problema”?
> A “naturalização”
da forma escolar
Uma tipificação dos principais ele­men­
tos que caracterizam a organização esco­
lar e uma perspectiva diacrónica que
abarque a sua evolução nos dois últimos
séculos permitem-nos pôr em evidência
o carácter tendencialmente uni­forme
e estável das modalidades organizacio­
nais do trabalho escolar. Tam­bém
permitem verificar que o núcleo duro
desse tipo de organização (a tecnologia
da clas­se) se instituiu como algo que
não é con­cebível mudar radicalmente,
na medida em que se encara como
“natu­ral” aquilo que é uma construção
“social”. As nuances que distinguem
diferentes níveis de ensino, diferentes
espaços geográficos e diferentes perío­
dos históricos não tornam possível ocul­
tar a universalidade de uma solução
organizacional, claramente aparentada
com o modo taylorista de organização do
trabalho, mantendo, ao mesmo tempo,
modalidades de trabalho artesanal que
explicam o crescimento exponencial do
número de professores.
Um economista político, procedendo
à análise da transição das sociedades
industriais para as sociedades pós-indus­triais (Reich, 1993, 320) define
o currículo escolar como: “uma linha
de produção dividida ordeiramente em
dis­ciplinas, ensinadas em unidades de
tempo pré-estabelecidas, organizadas
em graus e controladas por testes estan­
dardizados, destinados a excluir as
peças defeituosas e a devolvê-las para
reelaboração”.
Baseando-se numa modalidade inédita
de relação social, entre um professor e
um grupo de alunos (a classe), a forma
A uniformização desarma a escola
para responder à crescente diversidade
e quantidade dos seus públicos.
escolar institui um espaço e um tempo
distintos das restantes actividades
sociais. A organização escolar, baseada
em processos de ensino simultâneo,
con­substancia-se na submissão de
todos a um conjunto de procedimentos
e regras impessoais, cuja realização
se constitui como a sua principal fina­
lidade, procurando eliminar tudo o
que seja do domínio do imprevisível.
São, precisamente, as exigências de
um “ensino simultâneo” que conduzem
à necessidade de construir uma “gra­
má­tica organizacional”, da qual fazem
parte a natureza e as modalidades de
divisão do trabalho dos professores,
que torne viável a imposição coerciva
de processos uniformes de ensino.
Esta uniformização, que se traduz
por um acréscimo da homogeneidade
interna, desarma a instituição escolar
para responder, de forma pertinente, à
crescente diversidade e quantidade dos
seus públicos. Ou seja, face a públi­cos
cada vez mais diferenciados, fenómeno
que emergiu com a trans­formação da
escola “elitista” em escola de “massas”,
e perante a invasão da escola pelos
pro­blemas sociais, as respostas têm
consistido, no essencial, em procurar
tentar reduzir a complexidade, buscando
novas formas de homogeneizar os grupos
escolares (currículos alternativos, criação
de grupos de nível, composição social
das turmas, dualização espacial da oferta
escolar, etc.). Esta tendencial redução
da complexidade interna da escola e
consequente aumento da entropia tem
o seu sinal mais expressivo no facto de
o “aluno médio” permanecer como o
referente principal do pensamento e da
acção pedagógicas.
Em síntese, com a criação de sistemas
escolares de massas, de acesso universal,
obrigatório e gratuito, por períodos de
tempo cada vez mais longos, a escola
passou a viver a heterogeneidade dos
públicos como uma patologia. A escola
é indiferente às diferenças dos alunos
e a uniformidade de tratamento erige-se como regra. O antídoto só pode ser
o de aceitar e incentivar a diversidade
interna a cada escola e aos sistemas
escolares. Essa diversidade, que diz res­
peito a todos os níveis de ensino, pode
assumir distintas dimensões.
> A diversidade
de percursos individuais
A aprendizagem corresponde a um
per­­curso singular que cada pessoa
cons­­­trói ao longo da sua vida e que
pode ser ilustrado, por exemplo, pela
autobiografia intelectual de Karl Popper
(2008), definindo-se como uma “busca
28 29 Dossier Uma via diferente para toda a gente
A relação entre a educação
e o mundo do trabalho tem de estar
presente em todos os patamares
do sistema educativo.
inacabada” que é obra do sujeito que aprende. A forma
escolar, tal como a conhecemos, baseia-se numa concepção
cumulativa do conhecimento que alimenta um sistema de
repetição de informações. O currículo escolar corresponderia
a um menu de informações, transmitidas aos alunos em doses
sequenciadas. A repetição é feita pelo professor (a redundância
é um requisito didáctico), mas também pelo aluno, como
meio de aprender e de provar que aprendeu (testes, exames,
repetências, etc.). Esta lógica de repetição de informações,
associada ao seu carácter estritamente pré-programado, traduzindo-se por um elevado grau de previsibilidade para o
professor, subestima e desvaloriza as aquisições, os interesses
e as experiências dos alunos, bem como as características
sócioculturais do seu contexto.
Esta forma de tratar os alunos confere ao saber um carácter de
exterioridade relativamente aos que são ensinados, a quem
não é reconhecido o estatuto de sujeito. O reconhecimento
de adquiridos é um princípio cuja validade atravessa
todos os níveis e situações de educação e de formação, e
não apenas uma solução para certificar públicos pouco
escolarizados. A possibilidade de permitir uma pluralidade
de caminhos e ritmos de aprendizagem implica que se
passe de uma concepção de pedagogia
agogia activa para uma
a
concepção de aprendizagem interactiva que se baseie no
reforço e na multiplicação da diversidade de oportunidades
de aprendizagem, oferecidas no ambiente escolar. Esta
perspectiva da construção de currículos “por medida”
não é contraditória com a definição de metas comuns a
serem alcançadas por todos. É possível partir de condições
iniciais diferentes para atingir situações finais idênticas ou
aproximadas. Esta diversidade, nomeadamente no ensino
básico, não pode ser confundida com a diversificação precoce, socialmente selectiva, totalmente contrária a qualquer
finalidade de equidade.
> A DIVERSIDADE DE OFERTAS EDUCATIVAS
O aumento da diversidade de ofertas educativas (cursos
diferentes para públicos diferentes), mas de valor idêntico
para o prosseguimento de estudos, constitui uma riqueza e
um aumento da diversidade interna a cada estabelecimento
de ensino e, simultaneamente, um acréscimo da diversidade
do sistema educativo, no seu conjunto. A criação de ofertas
diferenciadas, por parte de cada escola, cuja pertinência
é evidente a partir do fim do ensino básico, não significa
necessariamente a reprodução da clássica antinomia entre
ensino profissional e não profissional. A relação entre a
educação e o mundo do trabalho tem de estar presente em
todos os patamares do sistema educativo e, quer no ensino
secundário, quer no ensino superior, todas as ofertas
A abertura das escolas ao contexto local e a sua
articulação com actividades educativas não escolares
abrem caminho à sua progressiva transformação
em centros de educação permanente, fortemente
contextualizados.
educativas têm uma dimensão profissionalizante. Por outro lado, esta diversidade de
ofertas também pode estar presente no ensino básico quando a acção educativa toma
como destinatários públicos etariamente diferenciados (crianças, jovens, adultos).
Neste sentido, a articulação das escolas com a educação, formação e certificação de
públicos adultos pode constituir uma boa oportunidade de renovação.
Uma outra dimensão assumida pela diversidade consiste em fazer
evoluir as escolas (todas) para sistemas plurifuncionais de
recursos, abertos a uma utilização intensiva por parte de uma
pluralidade de públicos e de parceiros. A abertura das escolas
ao contexto local e a sua articulação com actividades educativas
não escolares abrem caminho à sua progressiva transformação
em centros de educação permanente, fortemente contextualizados,
propiciando a interacção de múltiplos tipos de aprendentes e de
múltiplas modalidades de aprendizagem.
> Como construir a diversidade?
A primeira condição consiste em estabelecer uma ruptura com estratégias
voluntaristas de mudança, conduzidas centralmente, de “cima” para “baixo”
como se houvesse “uma solução” que seria possível impor. A diversidade, por
definição, não se decreta, constrói-se, o que significa proceder de
forma indutiva, encarando cada escola como um colectivo capaz de
aprender e de encontrar respostas diferentes para problemas que,
tendo um carácter aberto, admitem uma infinidade de soluções.
Para isso é necessário, garantindo a coerência global do sistema,
combinar formas de regulação convergente (que reconduzem
a situações de equilíbrio) com formas de regulação divergente
que têm como fundamentos a criatividade e a inovação. Este
potencial de criatividade e de inovação existe na realidade educativa
portuguesa e está documentado em numerosas experiências e projectos
pedagógicos, estudados e avaliados, que apontam para a invenção de
novas formas, mais eficazes e eficientes, de pensar a organização escolar
e o trabalho dos seus principais actores (professores e alunos). Talvez a principal
limitação existente tenha sido,
até agora, a incapacidade para
aprender com esse património,
adoptando estratégias de mudan­
ça indutiva. Partindo das esco­las,
dos professores, dos alunos e das
famílias que existem, importa criar
mecanismos de apoio externo à autoregulação e à melhoria do desem­penho
de escolas e professores. Para serem
positivamente diferentes, cons­truindo
respostas educativas adequadas à
singularidade dos seus públicos e dos
seus contextos, as escolas precisam de
real autonomia e não de mais controlo.
A segunda condição é a de reconhecer
a importância decisiva dos professores,
promovendo situações de crescente valo­
rização objectiva e subjectiva da profissão
docente. Incentivar o poten­cial criativo
dos professores e das escolas implica
reconhecer a pertinência de infringir
regras estabelecidas, inventando práticas
novas. Só um saber que provenha do
interior do campo profissional pode ali­
mentar a construção de “respostas dife­
rentes para alunos diferentes”. Ino­var
sob tutela é um paradoxo e uma impos­
si­bilidade. ::
> Referências
­
ILLICH, Ivan (1971). Une société sans école.
Paris: Seuil.
POPPER, Karl (2008). Busca inacabada.
Autobiografia intelectual. Lisboa: Esfera do
Caos
REICH, Robert (1993). O trabalho das nações.
Lisboa: Quetzal.
COOMBS, Philippe (1968). La crise mondiale
de l’éducation. Analyse de systèmes. Paris : Puf
30 31 Dossier Uma via diferente para toda a gente
No terreno
Na escola do bairro
Hoje, a escola oferece múltiplas alternativas, de forma
a responder aos interesses dos diferentes públicos-alvo
( jovens e adultos). Através das histórias dos membros
de uma família fictícia, vamos conhecer os percursos
educativos e formativos que as escolas hoje pretendem
colocar ao dispor da comunidade onde se inserem.
Texto de Dora Santos
Fotografias de Carlos Silva e Henrique Bento
António Monteiro é um pai de família residente numa
pequena cidade portuguesa. Devido a dificuldades económicas, começou a trabalhar cedo, sem ter completado o nível
secundário de educação (12.º ano de escolaridade). Aos 20
anos casou e, pouco tempo depois, as suas preocupações
passaram a ser o bem-estar da sua nova família. Agora, com
54 anos, decidiu retomar os estudos.
Tal como António Monteiro, também a sua mulher, Alice,
está de volta à escola. Depois de ter trabalhado vários anos
numa pequena empresa, há dois anos ficou desempregada, o
que a obrigou a encarar a possibilidade de uma reconversão
profissional. Foi através da filha, Mariana, que soube que o
podia fazer na escola secundária do seu bairro. Mariana, por
seu turno, enfrenta, este ano, uma fase crítica da sua vida.
Está a terminar o 9.º ano e terá de fazer uma escolha tendo
em conta a profissão que um dia quer ter. O seu irmão mais
velho, Filipe, insiste para que Mariana se informe bem, de
modo a efectuar uma escolha realista e consciente. Se, no
seu tempo, soubesse o que sabe hoje, teria feito outra opção
e, de certo, terminado o 12.º ano mais cedo. Mas nada está
perdido e, este ano, está decidido a concluir o 12.º ano.
Alheio a tudo isto vive Bruno, o filho mais novo. Está no
início do 3.º ciclo e, para já, sonha vir a ser médico ou futebolista.... Ainda é cedo para pensar a sério no assunto. De
momento, agrada-lhe a escola do bairro, a sua escola, que
é também a escola do pai, da mãe, da irmã e do irmão. A
escola do bairro é, afinal, a escola de toda a família.
É através dos membros desta família fictícia que vamos
conhe­cer os diferentes percursos educativos e formativos
que podem hoje ser oferecidos por uma única escola.
Com a mudança do paradigma económico e social, também a escola mudou, adaptando-se às novas realidades e
exigências.­ Hoje, a escola oferece múltiplas alternativas, de
forma a responder aos interesses dos diferentes públicos-alvo ( jovens e adultos) e também às necessidades do mercado de trabalho. É por este motivo que cada vez é mais
freque­nte encontrarmos escolas, em particular escolas
secun­­dárias, que multiplicam as suas ofertas, colocando ao
dispor da população um leque diversificado de cursos.
Percursos flexíveis
Em Portugal, o ensino básico e obrigatório corresponde a
nove anos de escolaridade. Ninguém deve abandonar a escola sem obter pelo menos o 9.º ano. Esta obrigatoriedade
perdura até aos 15 anos. Todavia, nem todos os jovens completam o 9.º ano de escolaridade até essa idade. As estatísticas demonstram que existem jovens que atingem essa idade
sem que tenham concluído o 6.º ou o 9.º ano de escolaridade. São jovens marcados por múltiplas repetências, em
risco de abandono escolar.
Na turma do Bruno, foram sinalizados dois jovens nestas
circunstâncias. São mais velhos, sentem-se desintegrados
e apenas anseiam por um emprego. A escola, tal como a
conhecem, já pouco lhes diz, mas o mercado de trabalho
também não os aceita por não terem adquirido, até agora,
qualquer competência profissional. Necessitam de uma
qualificação profissional. Por essa razão, os psicólogos escolares aconselharam-nos a frequentar um Curso de Educação
e Formação, (CEF) também assegurado pela escola.
Mas o que são os CEF?
A sua principal vantagem reside no facto de permitirem
capitalizar, à entrada, tudo o que o jovem fez até esse momento. Assim, por exemplo, quem tenha mais de 15 anos e
o 8º ano incompleto não terá de regressar ao 7.º ano. Terá
uma formação que lhe facultará apenas o que lhe falta. Esta
formação assenta num modelo bastante flexível que concilia
a vertente escolar com outra profissionalizante, associada a
uma saída profissional, permitindo completar um percurso
de nível básico ou secundário.
De forma resumida, poder-se-á dizer que os CEF não são um
mas sim oito percursos, ou oito cursos distintos. Cada curso
corresponde a uma possibilidade (tipologia) de conclusão ou
complemento de um ciclo escolar com uma vertente profissionalizante, conforme demonstra o quadro que se segue.
32 33 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Percursos Habilitações de acesso
Duração mínima
formativos
(horas)
CEF
Certificação
Tipo 1*
Inferiores ao 6.º ano de escolaridade, 1125
6.º ano de escolaridade
com duas ou mais retenções
(Percurso com a d
Qualificação de nível 1
duração até dois anos)
Tipo 2*
Com o 6.º ano de escolaridade,
2109
9.º ano de escolaridade
7.º ou frequência do 8.º ano
(Percurso com a Qualificação de nível 2
duração de dois anos)
Com o 8.º ano de escolaridade
1200
9.º ano de escolaridade
Tipo 3*
ou frequência, sem aprovação, (Percurso com a Qualificação de nível 2
do 9.º ano de escolaridade
duração de um ano)
Titulares do 9.º ano de escolaridade,
1230
Certificado de
Tipo 4*
ou com frequência do nível secundário
(Percurso com a competências escolares
com uma ou mais retenções, sem o concluir
duração de um ano)
Qualificação de nível 2
Titulares de um curso de tipo 2 ou 3 ou de um
1020
Certificado de
Curso de
Formação qualificação inicial de nível 2 e o 9.º ano
(Percurso com a competências escolares
Complementar de escolaridade, um ano) que pretendam
duração de um ano)
prosseguir a sua formação
Tipo 5
Com o 10.º ano de um curso do ensino
2276
Ensino Secundário
secundário ou equivalente, ou frequência
(Percurso com a (12.º ano)
do 11.º ano, sem aproveitamento, ou titular
duração de dois anos)
Qualificação de nível 3
de percurso tipo 4, ou 10.º ano profissionalizante,
ou curso de qualificação inicial de nível 2
com curso de formação complementar
Com o 11.º ano de um curso do ensino
1380
Ensino Secundário
Tipo 6
secundário ou equivalente ou frequência
(Percurso com a (12.º ano)
do 12.º ano sem aproveitamento
duração de um ano)
Qualificação de nível 3
Titular do 12.º ano de um curso
1155
Qualificação de nível 3
Tipo 7
científico-humanístico ou equivalente
(Percurso com a
do nível secundário de educação que
duração de um ano)
pertença à mesma ou a área
de formação afim
* Também podem aceder a estes percursos os jovens com idade inferior a 15 anos, mediante autorização da Direcção Regional de Educação
E depois do 9.º ano?
Para a maioria dos jovens, como para Mariana, as dúvidas
surgiram no 9.º ano, na fase de escolha de um percurso de
nível secundário de educação. Grande parte das dúvidas
deve-se sobretudo a falta de informação.
Em Portugal, a maioria dos jovens que conclui o 9.º ano opta
por um curso científico-humanístico. Estes cursos destinam-se ao prosseguimento de estudos de nível superior, não con­
fe­rindo qualquer nível de qualificação profissional. Assim, os
que não desejam ou não conseguem ingressar no ensino supe­
rior, também não dispõem de qualquer qualificação que lhes
permita uma inserção facilitada no mercado de trabalho.
Inverter esta tendência é um dos objectivos da Iniciativa
Novas Oportunidades. Até 2010, espera-se que metade dos
jovens a frequentar o ensino secundário opte por cursos de
dupla certificação, nomeadamente, cursos que permitam
não só adquirir conhecimentos que possibilitam o ingresso
no ensino superior, mas também desenvolver competências
profissionais numa determinada área. De entre estes cursos,
vamos apresentar apenas aqueles que são hoje oferta de muitas escolas secundárias: os cursos tecnológicos e os cursos
profissionais. Não obstante a existência destas duas modalidades profissionalizantes, a grande aposta tem sido nos cursos profissionais, que passaram a ser também assegurados
pelas escolas públicas.
Até 2010, espera-se que metade
dos jovens a frequentar
o ensino secundário opte por
cursos de dupla certificação.
Ambos conferem dupla certificação, ou seja, o 12.º ano de
esco­laridade e uma qualificação profissional de nível 3.
Então­, se assim é, qual a diferença entre estas duas modalidades?
Sucintamente, pode dizer-se que os cursos tecnológicos
desenvolvem a componente profissional de uma forma
mais genérica. Os cursos profissionais são mais específicos,
dotando o jovem das competências inerentes a uma exacta­
saída profissional. Por esse motivo, existem apenas dez cur­
sos tecnológicos e mais de noventa profissionais. Quer na
modalidade dos cursos tecnológicos quer na dos cursos
profissionais, a formação implica a realização de uma prova
(Prova de Aptidão Tecnológica ou Prova de Aptidão Profissional) e a realização de um estágio.
Das três modalidades apresentadas, Mariana inclina-se para
os cursos profissionais, pois aprender através de um ensino
essencialmente prático parece-lhe muito mais aliciante. Agora­
há que encontrar um curso à sua medida. Para isso, basta
aceder à Internet. Em www.novasoportunidades.gov.pt pode
não só encontrar o curso que mais lhe agrada como também
34 35 Dossier Uma via diferente para toda a gente
A grande aposta tem sido nos cursos
profissionais, que passaram a ser também
assegurados pelas escolas públicas.
ficar a saber que escolas o asseguram. E afinal até descobre
que o curso que pretende também existe na sua escola! Ainda
através da Internet, em www.catalogo.anq.gov.pt, pode conhe­
cer melhor o perfil profissional do curso que escolheu.
Quando terminar o 12.º ano, decidirá se prefere ingressar no
mercado de trabalho ou prosseguir estudos que não terão de
ser forçosamente de nível superior. Se preferir, poderá optar
por um Curso de Especialização Tecnológica que lhe permitirá aprofundar os conhecimentos entretanto adquiridos
e obter uma qualificação profissional de nível 4.
Outras vias para o 12.º ano
Definido o percurso de Mariana, vamos agora conhecer a
história do seu irmão, o Filipe Monteiro, de 21 anos.
Filipe trabalha numa empresa de segurança há três anos,
mas quer mudar de vida. Aspira poder trabalhar no ramo
dos seguros mas, para isso, é-lhe exigido o 12.º ano. Filipe
não completou o 12.º ano (deixou por fazer Matemática dos
11.º e 12.º anos) e, portanto, para todos os efeitos, a sua habi­
li­tação escolar é apenas o 9.º ano.
Incentivado pelo pai, actualmente a frequentar o Sistema
Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de
competências (RVCC), decidiu, também ele, visitar o Centro
Novas Oportunidades da escola do seu bairro.
Analisado o seu perfil, aconselham-no a terminar o 12.º ano,
na escola secundária onde o Centro se insere, através das
vias de conclusão deste nível de ensino. Trata-se de uma
moda­lidade recente que possibilita aos adultos, maiores
de 18 anos, que tenham até seis disciplinas em falta, de um
plano de estudos já extinto, a sua conclusão através de exa­
mes ou de formação.
Uma vez que o Filipe não tem interesse em prosseguir
estu­dos de nível superior, pelo menos de imediato, a possi­
bi­lidade de substituir a Matemática dos dois anos (11.º e
12.º anos) por 100 horas de formação pareceu-lhe bastante
alician­te. Com o 12.º ano, tudo será mais fácil!
Se tivesse interesse em prosseguir os estudos, poderia optar
por exames a disciplinas dos actuais cursos científico-huma­
nísticos ou dos cursos profissionais.
Valorização dos percursos de vida
António Monteiro saiu da escola com o 10.º ano incompleto.
Na altura, gostava de estudar, mas os tempos eram outros e
o que ganhava era importante para a subsistência da família.
Os estudos acabaram por ficar para segundo plano. Depois,
veio o casamento, os filhos e nunca mais houve oportunidade de os retomar. Há cerca de cinco anos, ainda se matri­
culou na escola do bairro para frequentar, à noite, um curso
do ensino recorrente de nível secundário de educação, mas,
nessa altura, começou a trabalhar por turnos, também estes
à noite, e, mais uma vez, adiou os estudos.
Há uns meses, soube que poderia fazer o 12.º ano de escolaridade através do RVCC. Nem sequer tinha de se deslocar
A escola é hoje muito
diversificada, dando resposta a
tantas e tão distintas situações.
muito longe, pois a escola do bairro tinha um Centro Novas
Oportunidades.
Neste Centro, foi com grande surpresa que descobriu que
o processo RVCC se baseava na sua história de vida e que,
afinal, tudo o que aprendera ao longo da vida, em diferentes
contextos (escolar, familiar, profissional, social, etc.) tinha
importância e permitia-lhe agora reconhecer competências,
à luz de um referencial de competências-chave, para efeitos
de atribuição de um diploma escolar. Poderia ainda fazer
formação complementar para desenvolver as competências
necessárias.
Quando terminar o processo RVCC de nível secun­dário, pensa seguir um processo semelhante, mas profissional para ver
reconhecidas as competências que foi adquirindo nos seus
empregos. Afinal, sempre trabalhou como mecânico, mas
não tem qualquer certificado que ateste o que sabe fazer.
Reconversão profissional
Alice Monteiro ficou desempregada há dois anos, após ter
trabalhado, nos últimos 15, na indústria têxtil. A empresa
encerrou e Alice, que nunca tinha trabalhado noutro sítio,
não voltou a arranjar emprego. O que sabia fazer não era
valorizado noutros ramos ou sectores.
Tinha de efectuar uma reconversão profissional, em suma,
aprender a fazer algo diferente, mais ajustado às necessidades das empresas locais.
Incentivada por Mariana, foi ao Centro Novas Oportunidades
da escola do bairro. Percebeu, de imediato, que não lhe adiantava apenas concluir o 9.º ano. Isso seria importante, mas não
lhe da­ria a possibilidade de aprender outra profissão. O ideal
seria um curso “dois em um”. Ou seja, um curso simultaneamente escolar e profissional. Por essa razão, o Centro Novas
Oportunidades encaminhou-a para um Curso de Educação
e Formação de Adultos de Cabeleireira. Ia aprender a ser
cabeleireira, uma profissão que sempre achou interessante,
ao mesmo tempo que completava o 9.º ano de escolaridade.
Como os restantes membros da família, Alice também encontrava um rumo para a sua vida na escola do bairro. Não supunha que a escola hoje fosse tão diversificada e pudesse dar
resposta a tantas e tão distintas situações.
A escola onde andam o Bruno e a Mariana de 2.ª a 6.ª feira,
de manhã e de tarde, abre também nesse horário para Alice.
Permite que Filipe termine o secundário, através de exames,
e que António realize o seu processo de reconhecimento
de competências. A escola deste bairro, como a de muitos
outros­ bairros, é uma escola que pretende dar oportunidade
a todos (jovens e adultos), para que todos possam aumentar
a sua qualificação (escolar e profissional). ::
36 37 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Feito e dito
Respostas para todos…
Fernanda Jogo e Abel Antunes, respectivamente presidente e assessor do conselho
executivo da Escola Secundária do Monte da Caparica, falam das diversas ofertas
educativas de que a escola dispõe e da procura constante de respostas para uma
população cada vez mais diversificada. Jovens e seniores, todos têm
lugar nesta escola que oferece desde cursos PIEF a cursos de enriquecimento
cultural, passando por diversas modalidades
de cursos profissionalizantes.
Entrevista de Teresa Fonseca
Fotografias de Carlos Silva
E
sta escola é conhecida pela
diversidade de ofertas edu­cati­
vas de que dispõe. Quando e porque é
que a vossa escola sentiu necessidade
de diversificar as ofertas educativas?
F.J. – Eu penso que a escola começou a
diversificar as ofertas devido à grande
diversidade de alunos que a frequentam.
Os alunos assim o exigiam. Era preciso
dar resposta aos alunos, tendo em aten­
ção a zona onde o estabelecimento de
ensi­no está inserido. Sempre foi uma
estra­tégia da escola diversificar os per­
cursos.
Que ofertas é que a escola proporciona
para isso?
F.J. – Nós neste momento temos os
cur­sos científico-humanísticos na área
das ciências e das tecnologia, das ciên­
cias sócio-económicas, das línguas e
huma­nidades e das artes visuais. Estes
cursos, se calhar devido à ideia que as
pessoas têm do Monte da Caparica, não
têm muitos alunos. Relativamente ao
curso de artes visuais, temos pena que
os alunos não o procurem mais, porque
efectivamente os professores têm muita
qualidade e os alunos fazem trabalhos
muito interessantes. Inclusivamente,
este ano vamos comemorar os 25
anos da escola e os responsáveis pelos
materiais de divulgação são os alu­nos
deste curso – cartaz, folhetos e mar­ca­
dores de livros. É nossa intenção com
esta divulgação dar maior visibili­da­de à
escola, melhorando a sua imagem.
E além dos cursos científico-huma­nís­
ti­cos?
F.J. – Temos os cursos profissionais
e os cursos de educação e formação
(CEF). Fomos das primeiras escolas
a arrancar com cursos profissionais.
Rela­tivamente a esta oferta, temos os
cur­sos de gestão e programação de
sis­­temas informáticos, de técnico de
comér­cio e de análise laboratorial, este
último desde há quatro anos. Ainda pro­
pusemos outros cursos que não abriram
por falta de alunos.
A.A. – Temos os CEF ao nível dos 8.º, do
9.º, do 11.º e 12.º anos. Os cursos para
o 8.º ano destinam-se essencialmente
a alunos com várias repetências no 7.º
ano. Estes cursos são na área da elec­tri­
ci­dade e do comércio.
Quais os critérios para a escolha das
ofertas?
F.J. – O tipo de alunos, as suas carac­te­
rísticas e também os recursos humanos
da escola e as instalações.
Tiveram em conta a empregabilidade
na zona?
F.J. – Tivemos, os alunos em quaisquer
destes cursos vão ter estágios e estes
têm de ser assegurados por empresas,
quer aqui no Monte da Caparica, quer
no concelho de Almada. Por exem­plo,
na área dos técnicos comerciais, estes
cursos inicialmente eram funda­men­
tal­mente destinados a empresas de
con­ta­bilidade. Começou a verificar-se
que não havia saída profissional nesta
área, havendo dificuldade em colocar
os alunos em estágio e sendo muito
reduzidas as hipóteses de continuidade
de trabalho nas empresas. Então aí
virou-se mais para a parte comercial.
Com a abertura do Fórum Almada, mui­
tos dos nossos alunos fazem lá estágio.
Temos, assim, a garantia de estágios
para alguns alunos e uma percentagem
muito elevada destes conti­nuam a tra­ba­
lhar depois nas empresas.
Em relação aos recursos humanos,
recorrem à contratação de pro­fis­sio­
nais exteriores à escola para áreas de
espe­cialidade?
F.J. – Nós, neste momento, não temos
ninguém nessas circunstâncias. Tra­
ba­­lhamos com os professores que
temos, não há ninguém contratado e
também não há necessidade disso. Para
a formação que está a ser dada ao nível
dos cursos profissionais, nós temos,
por exemplo, na área da informática,
professores perfeitamente aptos. Na
área do técnico comercial também
temos professores com formação ade­
qua­da. Em relação ao técnico de análise
laboratorial química, o que nos levou
a propôr o curso foi não só o termos
pessoas qualificadas para dar essa
formação, como os laboratórios que
exis­tem estarem bem equipados. Ainda
há o facto de a escola ter sido escolhida
para receber o protótipo do pavilhão de
ciências e de tecnologia.
Mas o facto de não precisarem de fazer
contratações não invalida que possam
ter de estabelecer parcerias ou fazer
protocolos com entidades da zona...
F.J. – Nestes cursos profissionais ou
mes­mo nos CEF, como os alunos têm
o estágio, não há necessidade disso. No
Cen­tro das Novas Oportunidades ou
para o Reconhecimento, Validação e Cer­
ti­ficação de Competências (RVCC), aí
sim.
Os cursos profissionais têm respondido
às expectativas dos alunos?
A.A. – O de análise laboratorial funciona
há quatro anos.
Então já se pode falar de sucesso?
A.A. – Os primeiros alunos acabaram
o curso o ano passado. O número de
alunos que chegou ao 12.º ano foi mui­
to reduzido. Alguns conseguiram pros­
se­guir estudos no ensino superior e
outros ainda não concluíram o curso,
que estão a fazer por módulos.
38 39 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Nestes dois cursos que surgiram agora,
os alunos revelam interesse? Há uma
boa adesão ao curso?
F.J – A sensação que nós temos, ao fim
deste tempo, é que estes cursos são de um
nível de exigência muito elevado. Como
funcionam em termos modulares, é
difícil estruturar os próprios conteúdos
dos cursos, havendo um nível de exigên­
cia elevado para o tipo de alunos que
pro­curam os cursos
Em princípio, espera-se que o tipo de
alunos que procuram os cursos pro­
fis­sionais não sejam só alunos com
difi­culdades, isto é, sejam alunos de
diferentes níveis.
A.A. – Sim, é verdade. Apesar de a estru­
tura modular dos cursos causar alguns
problemas aos alunos em termos de
faltas. Mas, pensando num determinado
tipo de público para o qual os cursos
pro­fissionais não são resposta, é impor­
tan­te dar continuidade aos CEF, ao
nível do secundário, nomeadamente
os de tipo 4, que dão uma certificação
profissional no final do 10.º ano, o que,
para alunos com mais dificuldades,
pode ser a resposta. Nada impede que
estes alunos possam prosseguir por
mais dois anos – curso do tipo 5 – e fica­
rem com o 12.º ano.
Estes cursos são essencialmente pro­fis­
sio­nalizantes. Mas alguns dos alunos
que terminaram continuaram para o
ensino superior?
A.A. – Sim, foram poucos, mas aqueles
que realmente o fizeram foram os que,
à partida, tinham condições para fazer
um percurso “regular” e seguirem para
um curso superior.
Entre esses alunos estaria algum que
tivesse tido insucesso no percurso dito
“regular” e que tivesse sido recuperado
através desta via?
A.A. – Sim. Posso falar disso porque fui
director da turma que terminou o curso
de análise laboratorial o ano passado.
Uma das alunas já tinha estado no
percurso “regular”, tinha-o aban­do­na­
do e depois inscreveu-se neste curso
profissional e terminou. Neste momento
está em Setúbal num curso superior. É
um bom exemplo.
Com os CEF têm conseguido diminuir
o abandono e o insucesso escolar?
F.J. – Sim. Os alunos que têm frequen­
tado esses cursos acabaram o 9.º ano.
Alguns prosseguiram para o 10.º ano
e fizeram o Curso Tipo 4, o que repre­
senta mais uma qualificação a nível pro­
fis­sional.
Com toda esta diversificação de ofer­
tas, a nível organizacional existem difi­
cul­dades na elaboração dos horários,
na distribuição das turmas pelos espa­
ços e pelos professores, etc.?
F.J. – Há dificuldades, quer relativamente
a elaboração dos horários, quer à dis­tri­
buição, quer mesmo aos recursos finan­
ceiros porque são cursos que, em termos
de materiais, ficam caros, nomea­damente
o de electricidade. Como neste momento
estes cursos não são financiados, isso
coloca problemas à escola.
Agora podemos falar das ofertas para
adultos.
A.A. – Em termos de oferta para adul­tos, a
escola é Centro de Novas Opor­tunidades.
Temos, desde o início, a ofer­ta de RVCC
ao nível do básico. Desde meados do ano
passado, também temos para o ensino
secundário. A par­­tir deste ano, vamos
abrir cursos de educação e formação
para adultos (EFA), o que permite dar
uma resposta mais eficaz aos adultos
em processo RVCC. Também estamos a
pensar can­­didatarmo-nos a alguns cur­
sos na ver­ten­te de dupla certificação, a
vertente esco­lar e a vertente profissional.
Temos efectivamente alguns protocolos
já assi­na­dos com entidades da zona. A
escola res­ponderá na vertente escolar
e essas entidades, no complemento da
for­mação pro­fissional, em termos de
formação contínua.
Estas vias são muito procuradas?
F.J. – Sim. Houve uma grande procura
a nível nacional. Nesta escola também.
Tivemos dificuldade em dar resposta
a toda essa procura, pois as coisas
ainda não estavam implementadas
no terreno. Havia muitas dúvidas de
como é que o processo iria funcionar.
Penso que o processo agora já está
mais ou menos encaminhado e, desde
Dezembro, estamos a dar uma resposta
mais efectiva às pessoas.
Agora, temos uma nova situação, com
a legislação que saiu em relação às vias
de conclusão do secundário para quem
tem disciplinas em atraso. Começa a
haver resposta efectiva com esta oferta
específica para o ensino secundário.
Nem sempre o RVCC é a resposta ade­
qua­da. As pessoas que têm até seis
disciplinas em atraso podem concluir
o ensino secundário de várias formas:
através de exames em épocas específicas,
através de formação modular nessas
áreas, através dos cursos EFA ou, ainda,
com os cursos profissionais.
Através de formação modular? Quer
dizer que se faltam até seis disciplinas
se pode organizar formação por módu­
los para essas disciplinas?
A.A. – Pode ser. Depende das disciplinas
que os candidatos têm em atraso, que
podem ser substituídas por outras,
como prevê a legislação. Mesmo no
caso de optarem por exames, não é
obri­gatório, exceptuando o Português,
manter as ditas disciplinas
A organização dos horários para o
público adulto ainda é mais compli­
cada?
F.J. – Sim. Para responder a esta
população, temos de funcionar em
regi­­me nocturno e, com toda esta
diver­­sidade de oferta, temos neces­si­
da­de de funcionários auxiliares de
acção educativa. Temos colegas muito
motivados em relação ao RVCC e às
propostas de novos cursos de Formação
e Educação de Adultos, mas temos pro­
ble­mas com a falta de funcionários,
pois não lhes podemos dar horário noc­
tur­no uma vez que necessitamos deles
durante o dia.
E à noite, quantos adultos procuraram
a escola para realizarem o processo
RVCC?
A.A. – Ao nível do ensino secundário,
cerca de 900 pessoas, em 2007. Em ter­
mos de ensino básico, à volta de 500
pes­soas, das quais certificámos 300 no
ano passado. As metas este ano estão
outra vez elevadas: certificar, até final
de 2008, 183 adultos em termos do
secun­­dário e 300 em termos do básico.
Que tipo de pessoas procura a escola?
A.A. – São pessoas que moram na
zona de Almada, embora já haja outros
Centros Novas Oportunidades aqui na
zona, empregadas e desempregadas.
Temos o RVCC a funcionar de manhã, à
tarde e à noite.
E outras ofertas educativas?
F.J. – Nós temos os alunos da Uni­ver­
sidade Sénior de Almada que vêm à
escola ter algumas aulas. Há professores
que, na sua componente não lectiva, se
ofereceram para dar aulas de Dança, de
Inglês, de História de Arte. Há ainda
professores de outras escolas a dar
outras aulas, nomeadamente na área
de jardinagem. É de salientar uma par­
ceria entre alunos do 12.º ano, na Área
de Projecto, e um grupo de alunos da
Universidade Sénior de Alma­da. Trata-se de um outro tipo de população que
nós, actualmente, temos na escola e
estamos a tentar integrar. No início,
causou alguma estranheza, as pessoas
não estavam habituadas a ver aquele
tipo de população dentro da escola,
mas neste momento está perfeitamente
integrado. Também temos uma turma
do Programa Integrado de Educação
e Formação (PIEF), mas é ao nível do
6.º ano de escolaridade e ainda ensino
de português para estrangeiros. Estas
aulas são frequentadas por alunos imi­
gran­tes da nossa escola e pelos pais que
queiram.
Têm de ser familiares de alunos ou
podem ser outros estrangeiros?
F.J. – Não, temos estrangeiros que são
professores e alunos de pós-graduações
da Universidade Nova, aqui mesmo ao
lado, e que frequentam as nossas aulas
de Português.
Nesta escola, para além da diver­si­fi­
cação das ofertas educativas, existe
uma grande preocupação com os
per­cursos individuais dos alunos no
sentido do combate ao insucesso e
aban­dono.
F.J. – Sim. Existem aulas de apoio,
que funcionam essencialmente na com­
po­nente não lectiva dos professo­res,
estando previstas, nos seus horários,
horas para tirar dúvidas a alunos que,
espon­taneamente ou por indicação
do professor, o solicitem. Há ainda o
programa de tutorias que é uma estra­
tégia para o sucesso dos alunos. Neste
caso o aluno é encaminhado pelo direc­
tor de turma para uma bolsa de tutores,
em que o professor tutor o apoia nos
trabalhos de casa, na organização dos
cadernos diários orien­tando-o no estu­
do... É como se fosse o encarregado de
educação. Todas estas estratégias são no
sentido de cumprir o nosso sonho em
relação à escola: procurar dar respostas
educativas a uma população cada vez
mais diversificada. ::
40 41 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Recursos
Iniciativa Novas Oportunidades
Se ainda não conhece ou tem dúvidas sobre os objectivos,
metas e percursos da iniciativa Novas Oportunidades, entre
em www.novasoportunidades.gov.pt
Entrando por “Guia de Acesso”, obterá um motor de
pesquisa que reúne toda a oferta educativa e formativa
para jovens e para adultos da responsabilidade dos
Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade
Social, bem como os cursos de Hotelaria e Turismo, do
Turismo de Portugal. Ficará a saber que instituições
de formação existem na sua área de residência e que
modalidades de educação e/ou formação são asseguradas
por essas instituições. Os resultados das pesquisas
facultam-lhe ainda os contactos das mesmas. Desta forma,
poderá seleccionar o curso que melhor se ajusta aos seus
interesses e, posteriormente, contactar a instituição que o
ministra para obter mais informação (ex: requisitos para
Neste site, terá acesso a informação sistematizada sobre a
admissão, horários, regime de frequência, etc.).
iniciativa e a importância de se fazer do 12º ano o patamar
Se, o que pretende é efectuar o reconhecimento dos
mínimo de qualificação de todos os portugueses (jovens e
conhecimentos e das competências que adquiriu para
adultos).
efeitos de atribuição de uma certificação, terá de entrar
Em “Documentação de apoio” ficará a conhecer
em “Reconhecer Competências – RVCC”. Também aqui
documentos de referência da Iniciativa bem como
terá acesso a um motor de pesquisa que lhe facultará os
textos sobre as diferentes modalidades de educação
contactos dos Centros Novas Oportunidades mais próximos
e formação (cursos artístico-especializados, cursos
de si.
científico-humanísticos, cursos de aprendizagem, cursos
De referir ainda um espaço reservado às notícias, no qual
de educação e formação, cursos profissionais, cursos
obterá informação sobre alguns dos marcos da iniciativa
tecnológicos, cursos das Escolas de Hotelaria e Turismo,
(ex: balanços e assinatura de protocolos).
cursos de Educação e Formação de Adultos e cursos
Destaca-se ainda, no item “Contactos”, uma caixa de
do Ensino Recorrente) nela integradas. De destacar os
correio electrónico, através da qual poderá deixar a sua
protocolos estabelecidos com diferentes entidades.
questão relacionada com a Iniciativa, indicando em que
Para além desta informação, poderá obter, de forma
horário pretende ser contactado. Posteriormente, receberá
reduzida, uma apresentação das diferentes modalidades
uma chamada do contact center Novas Oportunidades. Se
de educação e formação que conferem dupla certificação
desejar, poderá contactar este serviço por telefone, através
(escolar e profissional). Aconselha-se igualmente a leitura
do número 707 24 2004. ::
das “perguntas frequentes”.
Dora Santos
Catálogo Nacional
de Qualificações
O Catálogo Nacional de
Qualificações (CNQ) é um
instrumento de gestão estratégica
Ponto de Informação Novas Oportunidades:
A Informação no Ponto!
Promovido pela Agência Nacional para a Qualificação (ANQ),
IP, o Ponto de Informação Novas Oportunidades - Centro de
Recursos em Conhecimento é um novo espaço de acesso à
informação no âmbito das ofertas educativas e formativas,
para jovens e adultos, integradas na Iniciativa Novas
Oportunidades, e de partilha de conhecimento nos domínios
da educação e formação, numa perspectiva de aprendizagem
ao longo da vida.
Neste novo espaço serão desenvolvidas, entre outras,
actividades que visam: o atendimento ao cidadão para
esclarecimento de dúvidas sobre as ofertas educativas e
formativas integradas na Iniciativa Novas Oportunidades; a
disponibilização de recursos especializados nos domínios
da educação e formação de jovens e adultos, bem como a
dinamização de iniciativas de debate e de divulgação de boas
práticas, metodologias e materiais técnico-pedagógicos
da responsabilidade da ANQ ou de entidades externas
que contribuam para a promoção das ofertas educativas e
formativas integradas na Iniciativa Novas Oportunidades.
O Ponto de Informação Novas Oportunidades – Centro de
Recursos em Conhecimento funciona de 2ª a 6ª feira, das
10h00 às 17h00 e está acessível, presencialmente ou a
distância, através dos contactos:
Av. 24 de Julho, nº 138 D – 1399-026 LISBOA
Tel. 213 943 700, Fax 213 943 799
URL: www.anq.gov.pt
e-mail: [email protected]
Pode inscrever-se presencialmente ou através do site da
ANQ. ::
Céu Gomes
Agência Nacional para a Qualificação
das qualificações de nível não
superior e pretende contribuir
para a qualidade da educação e
formação profissional, numa perspectiva de certificação escolar e
profissional e de aprendizagem ao longo da vida, tendo em conta
as necessidades presentes e futuras do mercado de trabalho.
Neste sentido, o CNQ integra referenciais de qualificação de dupla
certificação, que favorecem a comparabilidade das qualificações
a nível nacional e internacional, permitindo o reconhecimento das
aprendizagens independentemente das vias de acesso.
Todas as qualificações constantes no CNQ poderão obter-se por
via da formação ou por via de um processo de Reconhecimento,
Validação e Certificação de Competências (RVCC). Neste sentido, o
CNQ disponibiliza, para cada qualificação de dupla certificação um
perfil profissional, um referencial de formação e, muito em breve,
instrumentos para os processos de RVCC.
Os referenciais de formação do CNQ estão organizados numa
lógica modular, estruturados em unidades de formação de
curta duração (25 e 50 horas), as quais são certificadas de forma
autónoma e capitalizáveis para um, ou mais do que um, percurso
de qualificação. Desta forma, permite uma maior flexibilidade
no acesso à qualificação, numa lógica de aprendizagem ao longo
da vida e promove uma maior mobilidade intra e inter-áreas
de educação e formação, bem como uma maior mobilidade no
mercado de trabalho.
No quadro da actualização e evolução do CNQ, este contemplará
referenciais de qualificação únicos para toda a formação de
dupla certificação (inicial e contínua) e processos de RVCC. Estes
referenciais serão estruturados em função de resultados de
aprendizagem, de modo a garantir a necessária articulação com
as orientações europeias em matéria de educação e formação,
nomeadamente com a implementação do Quadro Europeu de
Qualificações e do Sistema Europeu de Créditos para a Educação e
Formação profissional. ::
Sandra Lameira
Agência Nacional para a Qualificação
42 43 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Na sala de aula
Quem corre por gosto não cansa…
Da conjugação de interesses da Escola Secundária Gago Coutinho,
das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e da Câmara Municipal
de Vila Franca de Xira, nasceu o curso de Técnico de Manutenção de Aeronaves.
A empresa assegura formação em contexto de trabalho. A escola dispõe de recursos
humanos e materiais, tirando ainda partido da proximidade da estação de
comboios de Alverca para captar alunos de outras paragens. A câmara aposta na
promoção da ponte entre a escola e o mercado de trabalho.
Texto de Teresa Fonseca
Fotografias de Carlos Silva
Fazer viagens de comboio, de vários
quilómetros, para frequentar um curso
da sua escolha é ter um projecto de vida.
É o caso de Fábio Conceição que é hoje
aluno do 10.º ano do curso profissional
de técnico de manutenção de aeronaves
da Escola Secundária Gago Coutinho,
em Alverca. Tudo começou quando,
ainda aluno do 9.º ano de uma escola
de Queluz, viu um anúncio publicitário
a este curso. Procurou, procurou e
descobriu: funcionava em Alverca. E
como o seu sonho, desde pequeno, era
o mundo dos aviões, matriculou-se e,
como quem corre por gosto não cansa,
vem todos os dias de Queluz para
Alverca. Não é caso único, outros alunos
vêm de Benavente, Santarém, Moita...
> A aula começa
Fábio Conceição e todos os seus colegas entram na sala para a aula de Práticas
Oficinais. Cada aluno sabe o que tem a fazer: dirige-se ao armário e retira as
ferramentas e materiais para dar continuidade ao trabalho já iniciado e que ficou
guardado, no seu cacifo, desde a aula anterior. É Fábio Henrique que explica a
organização da aula.
Manuel Oliveira, coordenador do curso, e a sua colega Ana Castro, professores da
disciplina de Práticas Oficinais, apoiam e incentivam os alunos para fazerem cada
vez melhor.
Estes futuros técnicos de manutenção de aeronaves movimentam-se na oficina
com uma maturidade como se já estivessem a fazer o seu primeiro estágio, para
o qual não falta muito, pois é já no final deste ano lectivo. Filipe e Jonatas, ao
mesmo tempo que treinam rotinas necessárias à construção de peças para aviões,
vão dando conta de qual a razão para estarem a fazer tantos furos naquelas peças
– que à partida podia parecer excessivo – e da importância disso para o seu
trabalho futuro.
UMA ESCOLHA ACERTADA
Entretanto Manuel Oliveira e Ana Castro explicam que,
­nesta disciplina, se trabalha por turnos, havendo poucos alu­
nos em cada aula. Isto, por um lado, para facilitar um maior
apoio a nível individual, respeitando os tempos
de cada um, e por outro, uma maior vigilân­cia
e constante alerta para o cumprimento ­ das
regras de segurança, fundamental em situa­
ções em que se trabalha com maquinaria.
Os alunos trabalham ao seu ritmo e, enquanto
uns continuam o objecto ainda não terminado,
outros fazem uma “viagem”, para consolidação
das aprendizagens, pelos três módulos já
acabados.
> Uma aula de balanço
Cabe a David Costa guiar os colegas nesta “viagem” pelo pri­
meiro módulo, fazendo o balanço de tudo o que aprenderam:
“Neste módulo conhecemos e experimentámos os ins­tru­
mentos de medida e todas as ferramentas e maquinaria
Com o passar dos anos, a mentalidade e as oportunidades para
as mulheres foram mudando. A mulher, que antes desejava
apenas um bom casamento e filhos, deseja agora uma profissão,
pois isto representa a sua autonomia e a possibilidade de se
realizar também noutras dimensões e, deste modo, ocupar o seu
lugar no mundo, além do lugar em casa
(já garantido).
Muitos dizem que a mulher perde
parte da sua feminilidade ao
optar por profissões que têm sido
preferencialmente escolhidas e
desempenhadas por homens. Não
concordo com esta afirmação.
Apesar de ainda ser uma profissão
onde existem poucas mulheres, ser
técnica de manutenção de aeronaves
apresenta-se, para mim, como um desafio e uma perspectiva
de futuro. Não sinto que tenha perdido a minha identidade.
Pelo contrário, tenho utilizado muitas das minhas qualidades
e características para a realização das actividades e tarefas
propostas e os resultados já começam a notar-se.
A cada dia que passa descubro mais uma coisa que me encanta.
Fico entusiasmada pois faço coisas de que não julgava ser capaz
e, acima de tudo, aprendo a acreditar que, muito provavelmente,
serei bem sucedida na minha escolha.
Débora Carneiro – nº8, 10º MA1
44 45 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Este é dos poucos cursos
profissionais que tem um
estágio logo no final do
primeiro ano.
existentes.” Ao mesmo tempo que
David ia orientando os trabalhos, os
outros alunos iam demonstrando como
se utilizavam os diferentes utensílios e
ferramentas.
Chega a vez de Débora Carneiro, única
rapariga do curso, descrever o percurso
pelo segundo módulo – Serralharia de
bancada: “Neste módulo planificámos e
construímos uma avioneta, aplicando o
que tínhamos aprendido no primeiro
módulo. Utilizámos uma placa de
alu­­mínio e, de acordo com a nossa
pla­­nificação, marcámos, traçámos, cor­
tá­mos, dobrámos... E, em seguida, mon­
támos esta miniatura de uma avioneta.”
Débo­ra, à medida que ia explicando
todo o processo de construção da
avio­neta, ia também reflectindo sobre
o facto de ela ser a única rapariga do
cur­so e em como é importante a sua
fre­quência por parte de raparigas, aten­
den­do às características exigidas a um
pro­fissional desta área: “O facto de lidar­
mos com material de aeronaves, exige
um grande cuidado com o detalhe, com
o pormenor, o que é uma característica
das mulheres.”
Fábio Conceição dá conta de como
decor­reu e o que se aprendeu no ter­
ceiro módulo: “Em operações elemen­
ta­res preparámos a peça, pondo-a à
esquadria, marcámos e fizemos furos,
abrimos roscas e demos um acabamento,
limando e lixando a peça.” Ao mesmo
tempo, vai dizendo que continua muito
entusiasmado com a escolha do curso,
que vale a pena a viagem de ida e volta
Queluz – Alverca e que os resultados
têm sido bons.
A visita aos diferentes módulos, já tra­ba­
lha­dos, termina e é altura de darmos o
salto para aquilo que aí vem.
As aulas que se seguem
Os alunos estão prontos e ansiosos para
seguirem em frente, para abordarem os
módulos seguintes. Débora tem muita
expectativa relativamente ao quarto
módulo – Processos de ligação: “Penso
que é um trabalho interessante.”
Todos os alunos, sem excepção, con­
si­deram que o módulo Estruturas de
aeronaves – Aeronavegabilidade e Fuse­
la­gem é já um cheirinho para aque­les
módulos “a sério”, que terão ao longo
dos três do curso, sobre estruturas de
aeronaves e que vão desde as mais sim­
ples às mais sofisticadas.
Motivados, motivados estão os alunos
para, em Julho, iniciarem a primeira for­
ma­ção em contexto de trabalho. Este é
dos poucos cursos profissionais que tem
um estágio logo no final do primeiro
ano. Fábio afirma: “Os colegas do ano
pas­sado disseram que aprenderam bas­
tante e que tiveram oportunidade de
meter as mãos na massa.” Débora acres­
centa: “A minha irmã, que está no 11.º
ano do mesmo curso, gostou muito do
estágio que fez no final do 10.º ano. Ela
é também a única rapariga na turma.”
Pelo que diz a Débora, as raparigas
fazem falta no curso de técnico de manu­
ten­ção de aeronaves. E o mais curioso
é o facto de as duas que o frequentam
serem brasileiras.
SEMPRE A VOAR PARA O FuTuRO
O FUTURO
Os alunos afirmam que estão a frequentar um curso de
futuro, com entrada garantida nas Oficinas Gerais de
Material Aeronáutico (OGMA), parceiras na organização
e desenvolvimento do curso, para quem o terminar com
uma média igual ou superior a 14.
Em jeito de conclusão, Fábio fala sobre a sua evolução
ao longo deste ano lectivo, afirma que este curso lhe está
a permitir realizar o seu sonho de miúdo, pois desde
terminar este curso não será o
sempre gostou de aviões. t
fim da sua viagem pelos caminhos da aprendizagem, mas
será o início. Ele pensa prosseguir certamente estudos
superiores e quiçá fazer alguma especialização fora do
país. ::
Em Maio de 2006, as
Oficinas Gerais de Material
Aeronáutico (OGMA) apresentaram
um projecto para formar jovens na área da mecânica
de manutenção de aeronaves e também para certificar, reconhecer
e validar as competências de cerca de 300 trabalhadores. Este
projecto foi abraçado pela escola desde o primeiro momento, por ser
um desafio e uma grande oportunidade para promover o ensino da
Mecânica no âmbito de uma parceria que proporciona aos alunos, o
contacto com a realidade da oficina de mecânica de manutenção de
aeronaves, desde o primeiro ano de frequência.
O Curso Profissional de Técnico de Manutenção de Aeronaves foi
lançado no âmbito do Programa Novas Oportunidades, juntamente
com os primeiros Centros de Reconhecimento Validação e Certificação
de Competências na Escola Secundária Gago Coutinho. Esta iniciativa
teve uma forte cobertura mediática. O impacto dos media fez-se sentir
de imediato, pelos inúmeros telefonemas e mails enviados por pessoas
de diferentes idades e dos mais variados pontos do país à procura de
informações sobre o currículo do curso e as saídas profissionais.
Em Julho de 2006, os candidatos realizaram testes psicotécnicos,
uma vez que só se podia abrir duas turmas, para um total de 48
alunos. No entanto, a OGMA mostrou-se desde logo disponível para
envolver mais alunos em estágio, para além dos 30 inicialmente
previstos. No primeiro ano, houve apenas uma rapariga a frequentar
o curso. Empenhada e interessada considera que o curso lhe confere
uma formação sólida para trabalhar na área de manutenção de
aeronaves e que a mecânica é uma área bastante limpa e arrumada,
desmistificando a imagem daqueles que a vêem como: as mãos sujas
de óleo e todas as ferramentas espalhadas pela oficina. O fascínio por
este curso é tão grande, que conseguiu envolver a irmã mais nova, que
já está a frequentar o 10.º ano.
O protocolo assinado prevê, para além da leccionação de alguns dos
módulos da componente tecnológica por profissionais da OGMA, o
pagamento do subsídio de transporte e de alimentação, aos alunos
estagiários, pela empresa. No primeiro ano, a OGMA disponibilizou
vestuário, botas, óculos para cada um dos alunos das duas turmas e
mandou vir os manuais escolares dos Estados Unidos, o que obrigou
à leitura em inglês e à iniciação no vocabulário específico da futura
profissão de mecânico de aviões.
O empenho e interesse destes alunos por aprenderem tudo o que se
relaciona com a mecânica dos diferentes tipos de aviões evidenciam-se nos resultados escolares. O protocolo prevê ainda que os
melhores alunos possam ficar a trabalhar na OGMA. Ao longo dos
três anos do curso, os alunos têm formação em contexto de trabalho,
nos meses de Junho e Julho, nas instalações da empresa. Durante
o estágio, contactam com os vários tipos de motores de diferentes
aviões e são avaliados nas várias modalidades da cadeia de trabalho.
As oficinas da escola têm um motor de um C130, oferecido pela Força
Aérea, para que os alunos possam aprofundar os conhecimentos de
manutenção de aeronaves.
Com este curso profissional de nível III, professores e alunos ficaram
mais entusiasmados pelo ensino aprendizagem da mecânica. O
Departamento de Mecânica ganhou mais vitalidade e motivação para
concretizar mais projectos. Também a parceria tem resultado muito
bem, permitindo estabelecer uma forte ligação à empresa. O lema da
escola Sempre a voar para o futuro ganhou, assim, mais visibilidade
junto da comunidade educativa e uma projecção nacional.
Ana Simões
Presidente do conselho executivo
46 47 Dossier Uma via diferente para toda a gente
Repórter na escola
Atrás de cada porta
um novo mundo
Texto de Elsa de Barros
Fotografias de Carlos Silva
Na Escola Secundária Infante D. Henrique, no Porto, de cada vez que se abre a porta
de uma sala entra-se num novo mundo, onde os alunos tanto podem estar a construir
um carro a hidrogénio, como a restaurar mobiliário de madeira, a programar peças
de xadrez ou a fazer experiências científicas. A diversificação das ofertas formativas,
nesta escola com forte tradição industrial, funciona como uma mais valia,
tendo em vista o sucesso educativo dos jovens.
Abre-se a porta de uma aula da Escola
Secundária Infante D. Henrique, no
Porto. Lá dentro, é-nos dado ver um
ver­dadeiro laboratório científico em
ple­na laboração. Os alunos, de bata
bran­ca e de luvas, estão divididos em
gru­pos, aplicando-se na realização das
respectivas experiências. Na posse dos
guiões e do material necessário, pare­cem
saber perfeitamente o que têm­ a fazer,
interpelando a professora mais para dar
conta dos resultados das experiências
do que para colocar dúvidas.
Para estes alunos do Curso de Edu­ca­
ção e Formação de Operador de Siste­
mas Ambientais de tipo 3, o objectivo
consiste em avaliar parâ­me­tros de
qualidade da água, tais como o oxigénio
dissolvido, os cloretos, os sul­fitos e a
dureza. Para tal, cada grupo tem três
amostras, kits de medição de parâmetros
e fichas de observação e de registo.
Mário, de 18 anos, explica, com à vontade, o que o seu grupo está a fazer:
“Juntamos às amostras gotas de três soluções do kit da dureza para verificar se
mudam para a cor indicada na ficha. Se mudarem, a água é dura e mede-se em
miligramas de carbonato de cálcio por litro de solução. Se não mudarem, é porque
não é dura.”
Ana, de 17 anos, clarifica que o seu grupo pretende saber qual a quantidade de
oxigénio dissolvido na água, adicionando, para tal, gotas de algumas soluções do
respectivo kit nas provetas. “Formou-se um precipitado em flocos”, observa, para
concluir que “a amostra de água tem oxigénio dissolvido”.
Na porta ao lado, o cenário é totalmente diferente. Num ambiente ligeiramente
obscurecido, os alunos agrupam-se dois a dois em frente a um computador,
conversando, com um ar concentrado, sobre o que estão a fazer.
O desafio para estes alunos do 11.º ano do Curso Profissional de Gestão e
Programação de Sistemas Informáticos consiste em iniciar a aprendizagem da
linguagem orientada a objecto, útil para programar em ambiente gráfico e construir
páginas na Internet.
Bernardo, de 19 anos, explica que está a tentar colocar uma imagem do sol no
programa, que deverá mudar consoante a temperatura da Terra: se a temperatura
diminuir, fica a imagem do Inverno. Se estiver muito quente, pega fogo.
Ao seu lado, Ricardo, de 18 anos, e Nelson, com 19, concluíram rapidamente o
exercício proposto e decidiram colocar-se perante uma nova prova, adicionando
uma caixa a cada uma das situações, onde escreveram, respectivamente, “Que
calor” e “Que frio”.
Consoante o ritmo dos alunos, a professora de Informática, Nazaré Morais,
coloca-os perante novos desafios, o que considera determinante na disciplina que
lecciona. Nestas aulas, o papel do professor é “fornecer pistas”, cabendo aos alunos
corresponder ao desafio “por associação de ideias com outros programas que
conheçam, por intuição ou por tentativa e erro”.
“O fundamental é o caminho da descoberta”, defende esta professora. “Num
domínio em constante evolução, nunca conseguimos fornecer a informação toda.
O importante é dar treino e preparar os alunos para descobrirem, por si próprios,
outros programas, outras formas de chegarem às soluções”.
Para a própria professora, o caminho da descoberta também tem sido trilhado, ao
longo da sua vida profissional, com o intuito de se manter actualizada no campo da
informática. “Aquilo que estou a ensinar ninguém me ensinou”, afirma. O que tem
aprendido deve-se a diversas formações que tem realizado e, também, à formação
interpares que leva a cabo, diariamente, com os seus colegas: “Costumamos almoçar
juntos para trocarmos dicas”.
Não fazer de conta que se ensina: ensinar mesmo
A motivação dos professores para investirem na sua formação e actualizarem
os seus conhecimentos, aprendendo a trabalhar com novos equipamentos, é
fundamental para a qualidade e a diversidade das ofertas educativas e formativas
existentes na Escola Secundária D. Henrique.
Com forte tradição enquanto escola industrial, este estabelecimento de ensino
possui um corpo docente com formação em diversas áreas profissionais, com
experiência a nível teórico e prático, que tem realizado formação em função das
necessidades que foram surgindo.
“A escola já possuía oficinas, sendo apenas necessário reequipá-las e actua­lizá-las”, refere Isabel Costa, presidente do conselho executivo, acrescentando que, para
o efeito, é fundamental estar atento para apresentar candidaturas a projectos que
viabilizem o finan­cia­mento para a aquisição de novos equipamentos.
A aquisição de novos equipamentos,
curiosamente, acaba por funcionar
como um motor para a formação do
cor­po docente. “Quando se adquire um
novo equipamento para as áreas pro­fis­
sionais, as empresas dão formação aos
professores, na escola ou nas instalações
da empresa”, explica a presidente do
conselho executivo.
Quando a “prata da casa” não é sufi­
ciente para a leccionação dos novos
cur­sos profissionalizantes, o conselho
executivo recorre à contratação de escola
para assegurar os módulos de formação
necessários. “Não fazemos de conta que
ensinamos. Ensinamos mesmo”, justifica
Isabel Costa. “E, para tal, necessitamos
de profissionais com a formação e a
expe­­riência adequadas, seleccionados
de acordo com o seu perfil”.
A passagem destes profissionais pela
escola contribui para estreitar a ponte
entre o estabelecimento de ensino e
o mundo do trabalho, trazendo como
principal mais valia a experiência em
determinadas áreas e o conhecimento
do dia-a-dia nas empresas.
48 49 Dossier Uma via diferente para toda a gente
As parcerias que a escola estabelece com diversas empresas, nomeadamente com
a Effacec e a Adira, tem benefícios para ambas as partes. “As visitas dos alunos às
instalações das empresas, nos primeiros anos dos cursos, facilitam a aproximação
ao mundo do trabalho que, posteriormente, é reforçada com a realização de
formação em contexto de trabalho. Quanto às empresas, por vezes escolhem os
alunos que mais se destacaram nos estágios para integrarem os seus quadros, com
a certeza de que estes têm a formação necessária”, acrescenta esta professora.
Dar um passo de cada vez,
trilhando o caminho da diversificação das ofertas
A tradição e a dinâmica necessária à constante actualização da formação dos
professores e à modernização dos equipamentos e das instalações são determinantes
para a diversidade da oferta educativa e formativa existente na Escola Secundária
Infante D. Henrique. “Ao nível do 3.º ciclo, temos ensino regular e cursos de
educação e formação de nível 2 e 3. No nível secundário, existem cursos científico-humanísticos, tecnológicos e profissionais”, enumera Isabel Costa.
Os cursos tecnológicos vão terminar este ano com a saída dos alunos do 12.º
ano, sendo substituídos pelos cursos do ensino profissional, que tiveram início
nesta escola a partir do ano lectivo de 2004/2005. Quanto aos cursos de educação
e formação, destinados a alunos do ensino básico, principiaram no ano lectivo de
2002/2003.
A intenção da escola é não só dar continuidade aos cursos que actualmente
promove, como também aumentar o leque de ofertas, alargando-o a um público
mais diversificado. A candidatura aos cursos de educação e formação de adultos já
foi efectuada, tanto para os cursos que conferem certificação escolar como para os
que dão dupla certificação.
A candidatura aos cursos de especialização tecnológica e aos cursos de ensino
do português a estrangeiros também são outras das opções possíveis, depois de
experiências muito positivas nestes domínios, em anos anteriores. A existência de
um Centro Novas Oportunidades na escola era outra das metas a atingir, para dar
resposta à população adulta.
“Damos um passo de cada vez. O im­portante é irmos fazendo e con­solidando
aquilo que fizemos, para depois avan­çar­mos”, justifica Isabel Costa, que, de momen­
to, elege como prioridade o equipamento do laboratório para o Curso Profissional
de Processamento e Controlo da Qua­li­
dade Alimentar, essen­cial para a for­ma­
ção dos alunos que agora estão no 10.º
ano.
Por enquanto, ainda no primeiro ano
do curso, os alunos estão em frente ao
computador, tirando partido da pla­
taforma moodle para acederem à infor­
mação compilada pelo professor da
disciplina de Higiene e Segurança das
Indústrias Alimentares, Eleutério Silva.
Através desta plataforma, os estu­
dan­­tes têm, também, a possibilidade
de entregar trabalhos e relatórios, fun­
damentais para se prepararem para as
tarefas mais práticas que o cur­so lhes
vai exigir. “O trabalho de labo­ra­tó­rio
vai ser imprescindível para que os
alunos acompanhem os pro­ces­sos de
transformação dos pro­du­tos ali­men­
tares. A partir da uva, vão apren­der
a fazer vinho e, utilizando fruta, vão
fazer conservas, doces, geleias e sumos”,
clarifica este professor.
Casas inteligentes, carros de
hidrogénio e peças de xadrez…
Mas nesta escola há mais, muito mais.
Basta abrir as portas de outras aulas
para deparar com novos mundos, tão
diversos do mundo da porta ao lado.
Na oficina onde está a decorrer o curso
Profissional de Electrónica, Automação
e Comando, os alunos, sob a orientação
do professor José Fidalgo, estão a estu­
dar motores de corrente contínua e
motores trifásicos de corrente alter­
nada para poderem trabalhar com a
maquinaria existente.
O grande desafio, para estes alunos,
é o desenvolvimento de um projecto
original para apresentarem na Prova
de Aptidão Profissional. Gil, de 19
anos, está muito entusiasmado com a
invenção de um elevador ultra moder­
no, com sensores, botões de pressão,
autómatos e programa para funcionar
com memória.
Os seus colegas, Leonel e Ruben, de
19 anos, idealizaram uma casa “super
inteligente” com painel fotovoltaico
para armazenar a energia solar neces­
sária para ter água quente, aquecimento
e iluminação, sensores de movimento
para alertar contra furto, sensores de
som que permitam acender a luz com
um estalar de dedos e, ainda, com um
autómato programado para gerir a vida
doméstica.
Na sala ao lado, os alunos do cur­so
Profissional de Manutenção Elec­tro­me­
cânica estão de volta de um carrinho
movido a hidrogénio, com a preciosa
ajuda do professor Carlos Pimenta.
A intenção é aperfeiçoar o carro para
poderem participar num concurso
em França, sob o lema de percorrer o
máximo de quilómetros com o mínimo
de combustível.
Entusiasmados com a perspectiva
do concurso, estes alunos do 11.º ano
mar­caram um dia extra de aulas para
inves­tirem na melhoria do carro. Com
esse fim em vista, Miguel, de 17 anos,
está empenhado na construção de
um suporte para o travão, enquanto
Cláudio, de 18 anos, monta o pára-cho­
ques e Marco, com 21, faz um reforço
para a direcção.
Aberta a porta de outra sala, a programação de uma máquina para fazer peças
de xadrez, recorrendo à programação em Comando Numérico Computarizado
(CNC), é o objectivo dos alunos do Curso Profissional de Mecatrónica, que junta a
mecânica e a electrónica.
O professor António Granjo fornece o projecto das peças de xadrez em papel,
com as respectivas quotas e formas, para que os alunos programem e simulem a
sua execução em computador, antes de enviarem o programa para a máquina que
vai executar a peça.
Já com a peça executada pela máquina, os estudantes verificam os acabamentos
para se certificarem se está tudo bem ou se, pelo contrário, é necessário proceder
a alguma alteração. “O bispo está com um mau acabamento em cima”, constata
Cláudio, de 17 anos. “Temos de corrigir”.
Ao mesmo tempo, na porta ao lado decorre o Curso de Educação e Formação de
Acabamento de Madeiras e Mobiliário de nível 2, enquanto num outro laboratório
os alunos do 11.º G do Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologia
têm a disciplina de Biologia. E isto apenas para dar alguns exemplos. Porque a
diversidade das ofertas educativas e formativas é, de facto, uma realidade na Escola
Secundária Infante D. Henrique. ::
Valorização social das ofertas profissionalizantes
A diversidade das ofertas educativas e formativas é uma mais valia para a escola, no
entender de Isabel Costa. “A escola não é as paredes: é os alunos, os professores, os
funcionários e a comunidade educativa. E a diversidade torna a escola mais rica e mais
viva”.
Para os alunos, as vantagens da diversidade de ofertas também são de sublinhar,
no entender da presidente do conselho executivo: “Previne o abandono escolar, ao
oferecer aos alunos cursos virados para o saber fazer, em que há uma concretização
das aprendizagens. Aliciados pelas áreas de formação, os jovens obtêm sucesso e
prosseguem os estudos até ao 12.º ano”.
Para o país, “que necessita de jovens com qualificação profissional”, esta diversidade
também é positiva, ao permitir que os alunos que assim o desejem entrem no mundo
do trabalho com formação nas áreas necessárias. Isto sem excluir o prosseguimento de
estudos, para aqueles que o pretenderem.
“Já se constata uma mudança por parte das famílias que, ao verem os jovens interessados
e a estudar, valorizam estes cursos. As taxas de empregabilidade também funcionam
como uma forte motivação para o reconhecimento social destas formações”, conclui.
50 51 Reflexão e acção
A forma como a economia se reflecte na educação é o tema deste
artigo, que resulta de uma síntese da conferência proferida por Benard
Charlot, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa. O autor procede a uma reflexão sobre o
impacto do desenvolvimento da sociedade na escola, desde as décadas
de 60 e 70 até aos nossos dias. Num tempo de globalização, questiona
a perspectiva neoliberal, que aposta na concorrência, defendendo a
importância de um projecto de verdadeira formação para todos.
Texto deBenard Charlot
adaptado por Elsa de Barros
Ilustração de Margarida Moreira
Educação e Globalização:
uma tentativa de colocar ordem no debate
A
palavra globalização pas­sou a ser muito uti­li­zada nos discursos sobre
educação, às vezes de forma positiva, outras de modo negativo. No
entanto, para se poder compreender as relações entre educação e
globalização, é necessário distinguir quatro fenómenos, a seguir
enunciados e, posteriormente, analisados.
Primeiro fenómeno: O facto de a edu­cação ser pensada numa lógica económica,
nas décadas de 60 e 70, na época do Estado Desenvolvimentista, antes da
globalização.
Segundo fenómeno: As novas lógicas socioeconómicas que se impuseram na
década de 80, resultantes da crise motivada pelas mudanças ocorridas nas décadas
de 60 e 70. Essa “crise” que, na verdade, correspondeu a uma mudança estrutural
do capitalismo mundial, conduziu, por um lado, a novas lógicas económicas e
sociais e, por outro lado, a uma aceleração da integração económica internacional
designada como globalização.
As lógicas de qualidade, de eficácia e de territorialização, que também surgiram na
época de 80, não são filhas da globalização, mas sim irmãs ou primas. É verdade
que podem servir a globalização, contribuindo para melhorar um serviço público,
na medida em que, num sentido mais amplo, são lógicas de modernização.
Terceiro fenómeno: A própria globalização, integração entre as economias e,
consequentemente, entre as sociedades de diversos países.
Quarto fenómeno: O movimento que aceita a abertura mundial, sem por isso
concordar com a lógica neoliberal da globalização. Este pode ser considerado
como um movimento para a solidarização da espécie humana.
> As décadas de 60 e 70:
A educação pensada numa lógica económica
A maior mudança da escola na época contemporânea, ocorrida nas décadas de 60 e
70, é anterior à globalização e consiste em pensar a escola numa lógica económica e
social de desenvolvimento.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o Estado constituiu-se enquanto Estado
Educador, pensando a educação em termos de construção da nação, de paz social
e de inculcação de valores.
A partir dos anos 50 e, sobretudo, dos anos 60, o Estado Educador trans­formou-se
num Estado Desen­volvimentista. De forma clara em países como a França, o Japão,
a Coreia do Sul e o Brasil, entre outros, ou de forma disfarçada em países como os
Estados Unidos, o Estado assume o comando do crescimento económico e coloca
a educação ao serviço do desenvolvimento.
Essa política reúne um amplo consenso
social, na medida em que proporciona
condições para criar novos empregos
qualificados, satisfazendo as classes
médias e despertando esperanças nas
classes populares.
Do ponto de vista escolar, a ambição
consiste em cons­truir a escola básica,
de nove anos, que começa aos seis e
vai até aos 15 anos. Prolonga-se, então,
a escolaridade obrigatória e começa
a alargar-se a frequência do ensino
secun­­dário, dando origem a uma mas­si­
ficação da esco­la, com efeitos de repro­­
dução social, mas também de demo­
cratização.
Surgem novos problemas materiais e
financeiros, muito difíceis de ser supe­
ra­dos nos países do sul, a tal ponto que,
nos países pobres, ainda não foi atin­
gido o objectivo da escolaridade básica
para todos.
Registam-se também novos problemas
pedagógicos no momento em que
ingressam na escola básica alunos pro­
ve­nientes de estratos socioeconómicos
desfavorecidos, embora tenha de se
ter cuidado no que diz respeito a este
assunto.
52 53 Reflexão e acção
Generalizou-se a ideia de que se abriu a escola para o povo
sem que se mudasse a escola. Mas, na verdade, muitas
coisas se alteraram na década de 70. A relação pedagógica
transformou-se significativamente: a forma como os alunos se
rela­cio­nam com os seus professores não tem nada a ver com
o que acontecia na década de 50. Os métodos de ensino e os
manuais escolares também se modificam aos poucos.
O que permanece igual é a chamada “forma escolar”, isto é,
o tempo e o espaço da escola, o modo de distribuição dos
alunos em turmas, de acordo com as idades, bem como os
processos básicos do acto de ensinar e de aprender.
No momento da história em que a escola passa a ser per­ce­
bida como forma de ascensão social, as questões do insuces­
so escolar, da desigualdade social em relação à escola e,
den­tro da escola, da igualdade de oportunidades impõem-se, logicamente, como temas principais de debate sobre
a instituição escolar. Não se fala da qualidade da escola –
questiona-se a justiça da escola.
Também é nessa época que se começa a produzir um
importante fenómeno: uma mudança de relação com o saber
e com a escola. Hoje em dia, por que motivo vão as crianças
à escola? Para “passar de ano” e “ter um bom emprego mais
tarde”. De certa forma, isso é realismo. Só que cada vez há
mais alunos que vão à escola apenas para passar de ano e que
nunca encontraram o saber como sentido, como actividade
intelectual, como prazer.
A ideia básica da teoria do capital humano, de que a educação
é um capi­tal que traz benefícios para a vida pro­fis­sional, não
é apenas uma ideia capitalista, é também a ideia pre­do­mi­nan­
te na mente dos jornalistas, dos políticos, quer de esquerda,
quer de direita, dos pais e dos próprios alunos.
Assim, cresce o diferencial entre o que a escola oferece e o
que os alunos e os pais esperam dela, o que aumenta as difi­
culdades dos professores.
Já naquela época se falava – e ainda hoje se fala – na “crise da
escola”. No entanto, se fosse uma “crise” já há muito tempo
que a doente estaria morta! Trata-se de outra coisa: a escola
contemporânea é permeada por contradições estruturais.
Enquanto a escola seleccionou os seus alunos, viveu numa
situação de relativa paz; quando se abriu a novos públicos,
recebeu também novas contradições sociais. Cada vez que
acontece uma demo­cratização numa parte da escola, essa
parte entra em “crise”. No entanto, é preferível a “crise”de
uma escola demo­cratizada à paz de uma escola elitista.
Cada vez que acontece uma
demo­cratização numa parte da escola,
essa parte entra em “crise”. No entanto,
é preferível a “crise”de uma escola
demo­cratizada à paz de uma escola
elitista.
Esta configuração socioescolar não foi uma consequência
da globalização – nasceu num momento de crescimento
económico, conduzido por um Estado Desenvolvimentista,
numa altura em que a educação e a escola também fo­ram
pensadas numa lógica de desenvolvimento.
Na década de 80, esse Estado foi substituído pelo Estado
Regulador, que também remete para lógicas económicas,
mas outras que não as dos anos 60 e 70. Entrou-se na época
da qualidade e da globalização.
> Da década de 80 para cá: Novas lógicas
económicas, sociais e educacionais
No final da década de 60, surgem indícios de uma crise, que
se torna evidente no final da década de 70. Esta crise conduz
a uma reestruturação do sistema capitalista internacional,
denominada por globalização, e ainda a novas lógicas socio­-e­co­nómicas.
Quais são essas novas lógicas? Em primeiro lugar, lógicas de
qualidade, de eficácia e de diversificação. Face à concorrência
dos mercados internos e internacionais, é preciso produzir
mer­cadorias e serviços cada vez mais atraentes pela sua
qualidade e pelo seu preço, utilizando máquinas e processos
cada vez mais eficazes e caros.
Em segundo lugar, essas lógicas levam a um recuo do
Estado. Este recua porque a concorrência entre empresas e
a procura de mercados mais amplos induzem fenómenos de
concentração económica e beneficiam multinacionais que
escapam ao poder dos estados nacionais.
O Estado recua, também, porque estas novas lógicas impõem
formas de descentralização e de territorialização. Com efeito,
toma-se consciência de que a melhoria da qualidade, da
eficácia e da produtividade, deter­minantes para a conquista
de novos mercados, requerem um empe­nha­men­to local,
por parte de quem participa directamente na produção dos
produtos.
Estas lógicas, implantadas pelas empresas, são adoptadas pelo
próprio Estado. Este não desiste do seu objectivo, que continua
a ser o desenvolvimento, mas renuncia à acção económica directa,
dedicando-se à regulamentação das normas fundamentais e à manutenção
dos equilíbrios sociais básicos: o Estado Regulador substitui o Estado
Desenvolvimentista.
Essa mudança do Estado não pode deixar de incidir sobre a escola.
Primeiro, as novas lógicas requerem trabalhadores e consumidores
mais qualificados, quer para produzirem mercadorias ou trabalharem
nos serviços, quer para os utilizarem. Com efeito, o auto-atendimento
nos bancos, o uso da Internet ou a compra de brinquedos para os filhos
exigem novos modos de raciocínio.
Como consequência, torna-se necessário ampliar a escolaridade obrigatória
da população até ao final do ensino secundário.
A escola depara-se, portanto, com um novo desafio. Apesar de ainda não ter
resolvido os problemas relativos à generalização do ensino básico, passa a ter de
receber jovens provenientes de um meio socioeconómico desfavorecido no nível
mais elitista do sistema escolar: o ensino secundário.
Segundo, a escola tem de ter em conta as novas lógicas na respectiva organização.
Passa a ser questionada sobre a sua qualidade e avaliada repetidamente. Deve
elaborar projectos, celebrar contratos, firmar parcerias, colaborar cada vez mais
com o meio local.
Estas novas lógicas têm um impacto no funcionamento tradicional da escola e
na identidade dos seus professores. Antigamente, o professor era um funcionário
público, cuja função era definida pelos textos oficiais. Bas­ta­va-lhe cumprir as
exigências desses textos, sobretudo quando havia uma inspecção. Se os pais
reclamassem, podia sempre invocar aqueles textos, argumentando que estava a
cumprir as suas obrigações e a fazer o seu trabalho.
Essa época acabou. Hoje, o professor é considerado um profissional. O seu trabalho
já não é, ou pelo menos não é apenas, cumprir tarefas pré-definidas, é também, e
antes de tudo o mais, resolver os problemas. Pode inovar, pedir conselhos, mobilizar
recursos locais, etc. – o fundamental é que encontre uma forma de resolver os
problemas da sua turma e prepare bem os seus alunos.
A questão que se coloca, neste momento, prende-se com a definição dessa
eficácia e dessa qualidade, determinando quais os problemas a resolver. Qual o
critério de qualidade? Ter boas notas? Passar de ano? Decorar conteúdos que
foram memorizados sem terem sido compreendidos? Entender a vida, o seu
relacionamento com os outros e consigo mesmo?
É esse o debate que se torna fundamental quando se reflecte sobre a qualidade
da escola, a melhoria do ensino, e a modernização da formação dos jovens e da
própria escola. Infelizmente, hoje em dia, o argumento da qualidade da escola serve,
sobretudo, para justificar a competição
entre os alunos, logo desde o ensino
básico e, por vezes, mesmo na educação
pré-escolar.
Simultaneamente, ao falar na qualidade
da escola, foi escamoteado o problema
da desigualdade social face à escola e
dentro da escola. Assim, as lógicas da
eficácia e da qualidade ocultam lógicas
neoliberais.
> A globalização
neoliberal e os seus efeitos
actuais e virtuais sobre a
escola
O neoliberalismo está a ter repercussões
na área da educação, através de diversos
fenómenos. Nos Estados Unidos, está a
ser desenvolvido um sistema de vouchers
(che­ques, passes ou vales). De acordo
com este sistema, alguns estados já não
finan­ciam a escola, optando por dar um
voucher aos pais para que paguem a
54 55 Reflexão e acção
escola que escolherem
para os filhos, seja pública
ou privada.
Também nos Estados Unidos, já
existem empresas de management das
escolas públicas. Estas empresas privadas
são contratadas pelos Estados para gerirem
as escolas públicas, com o objectivo de
aumentar a sua eficácia.
Em muitos outros países, desenvolvem-se
redes de escolas particulares. No Brasil,
a classe média escolhe escolas privadas
para os filhos. A credibilidade destas esco­
las está directamente relacionada com
os resultados dos alunos no vestibular, o
exame de acesso à universidade. Depois de
divulgados os resultados, vêem-se fai­xas
penduradas na entrada de certos prédios,
felicitando determinados alunos que
entraram na universidade, com a indicação
da escola onde estudaram. Tal significa que
existe no Brasil, como noutros países, um
verdadeiro mercado de educação.
Os cursos privados ministrados aos
jovens após o horário escolar também
proliferam em determinados países, como
o Japão ou a Coreia do Sul, assumindo tal
importância que quem não os frequenta
tem pouquíssimas hipóteses de ingressar
numa universidade.
Verifica-se igualmente a introdução de grandes multi­na­cio­nais nas
escolas. A coca-cola, por exemplo, paga para que as escolas
disponibilizem os seus refrigerantes. A Nestlé envia material
gratuito sobre alimentação equilibrada e a Colgate
inte­ressa-se pela higiene dentária. Este fenómeno
desencadeia discussões nas escolas para saber se
estas serão práticas aceitáveis.
É de salientar que, nestes casos, não se trata de glo­
ba­li­zação, mas de progressão do neoliberalismo,
mesmo que actual­mente constituam dois fenó­me­
nos estreitamente ligados.
Estão a desenvolver-se, igualmente, outros fenóme­
nos talvez mais perigosos por serem mais ambíguos,
que consistem em formas de hibridação entre lógicas de
serviço público e lógicas neoliberais.
Por exemplo, em França está a desenvolver-se uma concorrência
entre os estabelecimentos de ensino públi­co, que enviam os alunos
mais fracos para outras escolas para poderem receber os melhores. Nas escolas
da periferia, muitas vezes há uma turma que recebe os poucos filhos da classe
média que continuam a frequentar a escola.
A globalização é, antes de tudo o mais, um processo socio­económico. Todavia,
tem um impacto na cultura, através do encontro entre culturas e da divulgação
de novas formas de expressão. Destacam-se fenómenos como a miscigenação
entre os povos devido a fenómenos de migração acrescida, a divulgação mundial
de informações e imagens através da televisão e da Internet, a ampla difusão de
produtos culturais (filmes, novelas, séries, músicas), a generalização do uso do
inglês em detrimento de outras línguas.
As consequências culturais e até sociocognitivas desses fenó­menos ainda
são difíceis de serem avaliadas, mas não há dúvida de que constituem novos
desafios a serem enfren­tados pela escola.
Além destes fenómenos culturais, há a destacar que a globalização levanta a
questão de um possível processo de solidarização entre os membros da espécie
humana. Este é o ideal daqueles que aceitam a abertura das fronteiras, mas
recusam a forma neoliberal da globalização.
Entre estes enquadram-se os altermundialistas, que negam a globalização
neoliberal, argumentando que outro mundo é possível. Este movimento
defende a ideia da solidarização dos membros da espécie humana e destes
com o planeta Terra. Ao nível da educação, consideram que esta é “um direito
prioritário e inalienável para toda a vida”.
Essa ideia de direito fundamental, de direito antropológico do ser humano, é
que deve ser destacada. Não basta defender a escola como serviço público, já
que, hoje, privatizam-se os serviços públicos. No entanto, só uma escola pública
de qualidade pode garantir o direito de todos à educação.
Por o mundo ser hoje mais aberto, a
escola debate-se com novos desafios
culturais e educativos dos encontros
entre as culturas.
Assim, os altermundialistas defendem a escola pública
contra o neoliberalismo e a privatização, ao mesmo tempo
que exigem uma transformação profunda dessa escola, para
que passe a ser um lugar de sentido, de prazer de aprender,
de construção da igualdade social.
No seu entender, a escola deve valorizar a dignidade de cada
ser humano e a solidariedade entre os homens, respeitando
aquilo que pode ser denominado como homodiversidade
por comparação com a expressão biodiversidade.
Havendo diferenças, há também semelhanças entre o movi­
mento altermundialista e os programas das Nações Unidas, na
medida em que ambos esboçam um horizonte de solidariedade
e de respeito pelos direitos humanos fundamentais.
Estas lógicas, opondo-se à globalização neoliberal, têm em
comum a convicção de que o cenário da história humana,
de agora em diante, é o próprio mundo. Talvez seja este o
fulcro da questão no final do século XX, com numerosas e
profundas con­sequências no que diz respeito ao rumo que a
cultura e a educação hão-de tomar.
> Os altermundialistas e a Educação
para Todos: o desafio de uma solidarização
entre os membros da espécie humana
Quatro são os desafios que a escola tem de enfrentar devido
à evolução da sociedade contemporânea. Devido ao facto de
esta ter eleito como objectivo prioritário o desenvolvimento
económico e social, que requer um maior nível de formação
da população, a escola tem de resolver os problemas
oriundos da democratização escolar. Entre esses problemas,
há que destacar o da nova relação com o saber: há cada vez
mais alunos que vão à escola para passar de ano, sem que
encontrem na aprendizagem sentido nem prazer.
Na medida em que a sociedade contemporânea dá prioridade
às lógicas de qualidade e de eficácia, e escola deve procurar dar
resposta a novas exigências. Neste contexto, resta saber o que
significam as palavras “qualidade” e “eficácia” quando apli­cadas
à escola. Esse sentido pode ser muito diferente enquadrado
numa lógica do diploma e da concorrência ou, pelo contrário,
num projecto de verdadeira formação para todos.
Como a sociedade contemporânea está inserida num pro­
ces­so de globalização neoliberal, a educação tende a ser
considerada como uma mercadoria entre outras, num mer­
cado “livre”, onde prevalece a lei da oferta, da procura e da
concorrência. Em semelhante contexto, a escola pública é
alvo de numerosos ataques.
Por o mundo ser hoje mais aberto, a escola debate-se com
novos desafios culturais e educativos, decorrentes dos
encontros entre as culturas, da divulgação mundial de
informações e de imagens, bem como da ampla difusão de
produtos culturais em língua inglesa.
Nesse contexto, talvez o desafio seja ainda mais profundo:
a inter­de­pen­dên­­cia crescente entre os homens, gera­da pela
globalização, que se alar­ga ao ideal de solidarização entre
os seres humanos e entre estes e o pla­neta. Nesta lógica,
enquadra-se o movimento altermundialista, que pre­co­niza
uma nova dimensão da edu­cação, em que se combinem uma
sensibilidade universalista e o respeito à homodiversidade.
Como pode responder a estes desafios uma escola que man­
te­ve a forma escolar estabilizada desde o século XVII, uma
escola cujos conteúdos se sedimentaram no fim do século
XIX e no início do século XX?
O facto de o horizonte ser hoje o futuro da espécie humana
e do planeta Terra, num tempo de acelerada evolução das
novas tecnologias da informação e da comunicação, deveria
ter repercussões na redefinição dos conteúdos e das for­mas
de transmissão, de avaliação e de organização da escola.
Não é isso, porém, que está a acontecer. Pelo contrário, a
lógica neoliberal da concorrência tende a reduzir a edu­ca­
ção a uma mercadoria escolar a ser rentabilizada no mer­
ca­do dos empregos e das posições sociais, contribuindo
para que formas de aprendizagem mecânicas e superficiais,
desconectadas do sentido do saber e de uma verdadeira
actividade intelectual tendam a predominar.
Observa-se hoje uma contradição, por um lado, entre os
novos horizontes antro­pológicos e técnicos da educação e,
por outro lado, as suas formas efec­tivas. Atrás da contradição
social desenvolve-se uma contradição histó­ri­ca: a sociedade
globalizada trata o saber como um recur­so económico, mas
requer homens glo­ba­lizados, ins­truí­dos, responsáveis e
criativos. Talvez essa contradição seja um dos motores da
História do século que acaba de iniciar-se. ::
56 57 Meios e materiais
Princípios e Normas
para a Matemática
Escolar
National Council of Teachers of Mathematics
Edição portuguesa da Associação de Professores de Matemática, 2007
18 € (sócios) ou 27 € (não sócios)
Matemática com compreensão,
Matemática para todos:
um desafio à educação matemática
N
a continuidade das orientações e propostas
curriculares para o ensino da Matemática
que tem vindo a elaborar, o National Council
of Teachers of Mathematics publicou em
2000 os Principles and Standards for School Mathematics,
recentemente editados pela Associação de Professores de
Matemática, em tradução portuguesa1. É um documento
com grande preocupação de clareza, articulação e
consistência nas opções curriculares propostas que
constitui um instrumento útil, mesmo nos aspectos mais
práticos decorrentes dessas opções, ao nível da gestão e
prática de aula, do pré-escolar ao 12.º ano.
São apresentados seis “Princípios” com grande
destaque – Equidade, Currículo, Ensino, Aprendizagem,
Avaliação e Tecnologia – antecedendo as dez “Normas”
propostas e constituindo o seu enquadramento e
fundamentação. Estas normas descrevem os “conteúdos
e processos matemáticos” para a aprendizagem ao
longo da escolaridade e são apresentadas em dois
grupos, um dedicado a temas de conteúdo matemático
— Números e operações, Álgebra, Geometria, Medida e
Análise de dados e Probabilidades — outro, a processos
matemáticos: Resolução de problemas, Raciocínio e
demonstração, Comunicação, Conexões e Representação.
A ideia de uma Matemática para todos é uma ideia muito
valorizada e a que é dedicado por inteiro o primeiro
princípio, onde a renovação da Matemática escolar é
defendida, sustentando-se que não há contradição entre
excelência e equidade e que estes conceitos não são
incompatíveis em educação. Uma outra ideia forte que
sobressai é a importância do “aprender Matemática
com compreensão”, sendo objecto de grande atenção no
segundo princípio, mas permeando todo o documento
como ideia unificadora.
Sustenta-se que os alunos podem compreender
Matemática relevante no momento em que a aprendem,
e considerando-se que esta compreensão é facilitadora
da aprendizagem subsequente e do desenvolvimento da
autonomia dos alunos e da sua capacidade para enfrentar
novas situações. A capacidade de utilizar a Matemática
em contextos variados é associada à compreensão dos
conceitos, mas também ao conhecimento factual e ao
domínio de procedimentos, o que coloca ‘ombro a ombro’
estas três componentes na aprendizagem matemática,
defendendo-se que a sua “associação” as torna “meios
poderosos” para uso dos alunos.
Princípios e Normas apresenta um desafio muito
ambicioso, como também aí é dito, que “exige um
currículo matemático sólido”, “professores preparados e
competentes”, condições de trabalho em aula adequadas,
sem se perder de vista a ligação essencial entre equidade
e excelência. Ou, de outro modo, entre Matemática
para todos e Matemática com compreensão: “no século
vinte e um, deverá esperar-se que todos os alunos
compreendam e sejam capazes de aplicar os seus
conhecimentos de Matemática”. ::
(Texto abreviado e adaptado do prefácio à edição
portuguesa.)
Henrique Manuel Guimarães
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
1
Coordenação da tradução: Ana Leitão e Lourdes Cangueiro
Livros
Critérios de Qualidade para Escolas – EDS:
Guia para a melhoria da qualidade da Educação
para o Desenvolvimento Sustentável
Os estudantes e a leitura
Soren Breiting, Michela Mayer e Finn Mogensen
Gabinete de Estatística e Planeamento
do Ministério da Educação (GEPE), 2007
Austrian Federal Ministry of Education, Science and
Culture, 2006
Mário Lages (coord.)
O estudo, Os Estudantes e a Leitura do Centro de Estudos dos
Junto de uma escola rural havia uma floresta abandonada onde
Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade
poucas pessoas ousavam entrar, mas que causava nas crianças
Católica, surgiu na sequência da aprovação do Plano Nacional de
um grande fascínio e uma enorme vontade de a explorar.
Leitura. Pretende “fornecer indicações sobre o desenvolvimento
Com o apoio dos professores, a ajuda da comunidade e dos pais,
de apetências e capacidades de leitura dos estudantes
limparam-na, diversificaram as espécies vegetais autóctones e
portugueses dos ensinos básico e secundário” para melhor
colocaram “pedras artísticas” ao longo de um trilho.
conhecimento da formação dos hábitos de leitura, tendo em conta
Hoje, a floresta é usada como um lugar educativo. É um
nomeadamente os contextos familiar e escolar. Baseou-se em
prolongamento do espaço escolar e funciona como uma espécie
inquéritos sobre: “hábitos e práticas de leitura em tempo livre”,
de “jardim botânico” para observação permanente. A escola
“práticas de leitura na escola”, “representações sobre o papel da
usa-a para projectos específicos e cuida-a com regularidade. A
biblioteca na escola”, “frequência de livrarias e outros locais de
população local vem agora mais à escola e, durante os feriados,
venda de livros” e “factores facilitadores e inibidores da leitura”.
o parque florestal é amplamente utilizado.
Concluiu-se que nos 1.º e 2.ºciclos a maioria dos alunos lê e gosta
Esta actividade foi desenvolvida por uma escola de Educação
muito de ler: “…Ler é uma actividade bem cotada no quadro de
para o Desenvolvimento Sustentável e ilustra critérios de
actividades relevantes e agradáveis dos estudantes do 1º ciclo…”,
qualidade no domínio dos processos de ensino e aprendizagem.
embora “se observem fortes assimetrias no comportamento
Ser Escola EDS significa que toda a comunidade escolar se
de variáveis como o género – em que as raparigas, de modo
focaliza nesta dimensão para obter o desenvolvimento desejado:
significativo, lêem mais e gostam mais de ler do que os rapazes
usa o pensamento crítico para explorar e discutir, clarifica
– e o nível sócio-económico – em que os agregados familiares
valores, reflecte sobre a relevância educativa da acção e da
onde há maior grau de instrução da mãe e os filhos frequentam
participação e revê todas as disciplinas e metodologias de
o ensino privado se mostram mais interessados no mundo dos
ensino à luz da Educação para o Desenvolvimento Sustentável.
livros”. Resultados semelhantes se observam no 2.º ciclo. Já no
Este é um dos exemplos que ilustram critérios de qualidade
3.º ciclo “os números de não-leitura impressionam”, concluindo
propostos numa publicação produzida pela redes europeias
os autores que “… a escola é o local onde as crianças e os
COMENIUS III School Development through Environmental
adolescentes, particularmente as de famílias com menores
Education (SEDE) e Environment and School Initiatives
recursos (financeiros, académicos, simbólicos), poderão ter
(ENSI) e que constituem um guia para escolas e autoridades
contacto com os livros e com as pessoas (professores, colegas)
educativas interessadas nos benefícios de uma Educação para
que poderão constituir o estímulo para a aquisição ou aumento
o Desenvolvimento Sustentável. A versão portuguesa foi uma
do gosto e do prazer pela leitura que lhes poderá estar a faltar
tradução de Manuel Gomes, e está acessível em:
em sua casa”. Conclusões semelhantes se poderão aplicar ao
http://www.ensi.org/Database/media/downloads/193/QC_PT.pdf.::
secundário. ::
Filomena Matos
MEBS
58 59 Meios e materiais
Audiolivro
Governança Democrática das escolas
A ALEGRIA DE GOSTAR
Elisabeth Bäckman e Bernard Trafford
Jairo Aníbal Niño
Conselho Nacional de Educação, 2007
Changuito / Oriana Alves (narradores)
15,00 e
BOCA –Palavras que alimentam, Lda., 2006
O Conselho Nacional de Educação publicou recentemente a
versão portuguesa de um guião sobre governança democrática,
9,90 e (download), 14,40 e (CD)
Local de Compra: http://www.boca.pt
produzido pelo Conselho da Europa para apoiar as escolas a
A Alegria de Gostar é um audiolivro da nova editora BOCA -
promoverem a Educação para a Cidadania Democrática.
palavras que alimentam. Na voz de Changuito, “um dos mais
Mas o que levará os gestores escolares e os vários parceiros
talentosos recitadores de poesia em solo pátrio”, tomam vida
envolvidos em processos educativos a dedicar-se a esta
as deliciosas palavras de um menino apaixonado. O recreio, as
temática?
aulas, o cinema ou o quarto são alguns dos locais que servem
Segundo os autores, fá-lo-ão no seu próprio interesse. É que
de espaço para a narrativa das pequenas estórias onde são
uma escola que esteja estruturada e funcione democraticamente
evocados verdadeiros hinos do coração. Estórias como esta: “É
não só promove a educação para a cidadania democrática e
tão azul a tua sombra: É tão azul a tua sombra, / que te sigo passo
prepara os seus alunos para um desempenho responsável na
a passo, /sem nenhuma outra intenção,/que a de pôr a navegar
sociedade, como também se torna uma instituição mais feliz,
sobre a tua sombra azul,/os meus barquitos de papel”. Ou em
mais criativa e mais eficaz. O princípio em que se baseia esta
“Fazes-me um favor: - Fazes-me um favor? / - Que tipo de favor?/
obra é o de que a cidadania se aprende pelo seu exercício. Será,
- Guardas os meus aviõezinhos durante todo o recreio? / - Durante
portanto, pela progressiva criação de um ambiente favorável
todo o recreio? / - Sim, que tu és o meu céu”. De permeio com a
que se conseguirá preparar cidadãos adultos, democráticos
narração, existe uma base sonora, de Amélia Muge, onde se ouve
e participativos, enquanto simultaneamente se transforma a
o timbre de uma guitarra e de instrumentos de percussão, que
escolaridade num processo mais agradável e produtivo.
ajudam a ampliar os diferentes momentos da acção. Esta obra do
Este é o percurso que o guião propõe: um caminho gradual para
escritor colombiano Jairo Aníbal Niño, originalmente publicada
uma permanente vivência de democracia na acção, em todos os
em 1999, pode ser interessante os 1.º e 2.º ciclos do ensino
aspectos da vida escolar e a todos os níveis.
básico. Apresentamos três pequenas sugestões:
A viagem desenrola-se em quatro etapas e incide sobretudo
1. Em Formação Cívica: como ponto de partida/motivação para
em outras tantas dimensões essenciais de uma organização
um debate sobre o amor ou a sexualidade;
educativa: (i) o modo como é governada, sustentada e
2. Em Língua Portuguesa e Educação Visual e Tecnológica:
externamente considerada; (ii) o lugar que a educação para os
selecção de textos para criação de postais; criação de uma
valores ocupa nos currículos escolares; (iii) o funcionamento
banda desenhada e de glossários ilustrados;
interno da instituição e o modo como reage à sua conjuntura e
3. Numa perspectiva transdisciplinar: através da dramatização
como gere a competitividade e a autodeterminação; e, por fim, (iv)
de algumas das pequenas estórias, envolvendo as disciplinas
a disciplina dos alunos, em que se procura desfazer o frequente
de Língua Portuguesa, Educação Visual e Tecnológica,
equívoco de que a democracia escolar é incompatível com uma
Expressão Dramática e Educação Musical. ::
boa disciplina. ::
Carlos Batalha
Filomena Matos
Escola EB 2,3 de Vialonga
DVD
CD-Rom
Good bye Lenin!
Expressão e Educação Plástica
Wolfgang Becker
Manuel Porfírio e João Santos
Prisvideo, 2003
Direcção-Geral de Inovação
e Desenvolvimento Curricular, 2008
10,90 e
Good bye Lenin! aborda a queda do Muro de Berlim e a
Ver, descobrir, brincar com as formas e cores, desenhar,
unificação política da Alemanha através de um ângulo tão
pintar, recriar pinturas famosas, entrar no mundo das artes
inesperado quanto envolvente. Na Alemanha de Leste, uma
visuais desafiando a imaginação é a proposta deste CD-Rom,
militante socialista entra em coma poucos dias antes da
destinado preferencialmente a crianças do 1.º ciclo, mas
queda do Muro. Quando acorda, oito meses mais tarde, o filho,
também indicado até aos 12 anos.
consciente da dedicação política da mãe e do risco iminente
Num contexto em que os recursos de apoio à prática da
de um novo colapso ao mínimo transtorno emocional, decide
Expressão e Educação Plástica são escassos, esta aplicação
montar uma delirante encenação para a manter na ilusão de
pedagógica assume uma importância acrescida, como uma
que no país nada mudou: mais ainda, a RDA tornou-se um
ferramenta que permite identificar, relacionar e analisar
destino de exílio para os desencantados do capitalismo. Com
diferentes formas de expressão plástica. Trata-se de uma feliz
a ajuda de familiares, vizinhos e amigos, Alex faz renascer um
ligação entre experiências lúdico/expressivas e de produção
país que desapareceu demasiado depressa.
e conhecimento/informação sobre uma selecção apurada de
Good bye Lenin! é uma versão em directo da História, que Alex
obras e de artistas de referência na nossa cultura ocidental.
reescreve para proteger a mãe. O drama da relação mãe-
O menu inicial apresenta, seis áreas de trabalho: “A Forma
-filho aqui explorado é de resto uma receita universal, embora
das Coisas”, “Materiais e Técnicas”, “ Pessoas e Imagens”,
acrescido de um significado cultural específico, na tentativa
“Comunicar Visualmente”, “Galeria de Imagens” e “Recursos”.
de Alex de reescrever um momento decisivo da História. Neste
Cada uma destas áreas desdobra-se em temas que, por
sentido, o filme provoca o espectador, levando-o a pensar: e
sua vez, podem ser explorados num conjunto de actividades
se o muro não tivesse caído? E se ainda houvesse a República
interactivas, com vários níveis de aprofundamento adaptados
Democrática Alemã, o que seria hoje diferente?
ao desenvolvimento das crianças.
Good bye Lenin! é, um filme relevante para o contexto
De realçar, na área de “Materiais e Técnicas”, a inclusão de
pedagógico pela muita informação que transmite ou
um software livre de desenho e pintura (TuxPaint) que permite
sugere acerca da história mais recente da Alemanha e, por
às crianças executarem as suas próprias produções, acedendo
conseguinte, da Europa. O filme de Wolfgang Becker pode,
a um leque de soluções originais e diversificadas e imprimi-
pois, ser o motor de trabalhos de projecto interdisciplinares,
-las para prosseguimento com materiais concretos. Ainda, os
que explorem por um lado a corrente de revivalismo da RDA
“Recursos”, um precioso auxiliar com informação adicional
no cinema alemão recente e, por outro, as características
sobre artistas, conceitos e terminologias das Artes Visuais e
específicas do género narrativo do cinema. ::
com sítios de museus nacionais e internacionais.
Ana Margarida Abrantes
Universidade Católica Portuguesa / Edição Cine Clube de Viseu
Professores, educadores e animadores poderão ainda
encontrar num Guia Didáctico algumas sugestões de
exploração pedagógica e orientações de navegação. ::
Helena Ferraz
60 61 Visita de estudo Fluviário
Viagem ao longo de um rio
Da nascente até à foz – é o percurso de uma viagem pelo curso
de um rio, recriado no Fluviário de Mora, para dar
a conhecer as espécies que habitam nos cursos
de água ibéricos, enquanto se chama a atenção
para a necessidade de preservar estes ecossistemas.
Texto de Elsa de Barros
Fotografia de Carlos Silva
A realização de uma viagem ao longo do curso de um rio
tipicamente ibérico – da nascente à foz – é o grande desafio
lançado aos visitantes pelo Fluviário de Mora, inaugurado
há um ano, em pleno Alentejo.
Construído com o intuito de travar a desertificação do
concelho, criar empregos e atrair visitantes, o Fluviário de
Mora tem cumprido plenamente o objectivo, já contando,
em apenas um ano, com 210 mil visitas.
É o primeiro fluviário da Europa e o terceiro no mundo,
possuindo cerca de 600 exemplares de 72 espécies que habi­
tam nos aquários.
Contam-se entre estas algumas espécies de água doce já
desaparecidas dos nossos rios, como o esturjão, e outras a
necessitar de serem preservadas para que possam continuar
a existir, como o pequeno saramugo.
Contribuir para o estudo e para a preservação dos ecossistemas de água doce são duas das prioridades do Fluviário
de Mora, que dá particular destaque às vertentes educativas
e ambientais.
A intenção é que os milhares de alunos que, diariamente,
vão ao Fluviário, em visita guiada ou autónoma, cheguem ao
fim do percurso mais sensibilizados para a importância dos
equilíbrios ambientais, nomeadamente nos ecossistemas de
água doce.
Além das espécies que habitam nos rios ibéricos, também é possível descobrir alguns exemplares que vivem em
ambien­tes de água doce, embora noutros locais do mundo.
A Bacia do Amazonas e os grandes lagos africanos, Malawi
e Tanganyika, foram os cenários escolhidos para trazer de
longe os belos peixes coloridos que ocupam os aquários de
água quente.
As lontras, Mariza e Cristiano Ronaldo, são outros dos
grandes atractivos do Fluviário de Mora, cativando a atenção
dos visitantes com as suas tropelias.
A área exterior é outro dos pontos de passagem, com
pontes de madeira sobre o lago que serve de morada aos
cisnes.
As tecnologias também têm lugar de destaque neste espa­
ço, com a passagem de um filme sobre a necessidade de
preservar a água, no início da visita, e a interacção com diver­
sos módulos multimédia, no final, que chamam a atenção
para as diversas valências dos rios e dos mares.
Para marcação de visitas de estudo, as escolas interessadas devem contactar o Fluviário de Mora através do telefone
266 448 130 ou do e-mail [email protected]
Da nascente à foz de um rio
em cinco etapas
Depois de visionarem o filme sobre a necessidade de preservar
a água, para salva­guardar o futuro do planeta Terra, os alunos das turmas
dos 8.º e 9.º anos da Escola Secundária com 3.º Ciclo de Aljustrel que vêm
conhecer o fluviário aguardam ansio­samente pela passagem à área expositiva mais
importante do Fluviário, na qual vão poder acompanhar o percurso de um rio, da
nascente até à foz.
De seguida, visitam o Habitat das Lontras, detêm-se no lago exterior, contemplam as espécies exóticas nos aquários de água quente e, por fim, terminam na
exposição multimédia interactiva, onde “experimentam” as diferentes utilizações
da água enquanto recurso.
62 63 Visita de estudo Fluviário
02
01
03
A visita tem início na nascente do rio, a
lembrar uma nascente de montanha, que
desce em cascata para a ribeira.
1. Da nascente até à barragem
A visita tem início na nascente do rio,
a lembrar uma nascente de montanha,
que desce em cascata para a ribeira.
Na ribeira, estão os primeiros peixes e
outras­ espécies aquáticas que habitam
normalmente nos frescos e transpa­
rentes regatos de montanha.
Prosseguindo a viagem pelo rio, vislumbra-se, por entre as folhas flutuantes dos nenúfares e de outras plantas
aquáticas, peixes e invertebrados típicos destas águas calmas.
Na proximidade, avistam-se micro-habitats, povoados de insectos, répteis
e anfíbios coloridos que habitualmente
frequentam a orla ribeirinha.
Continuando a visita, depara-se com
as margens lamacentas e rochosas de
um grande afluente onde habitam as
tartarugas mediterrânicas.
Depois, observando o riacho, identificam-se espécies típicas da pesca des­por­
tiva, como a truta e o salmão, no seu
habitat natural.
2. Imagens que se animam...
De um lado, está a barragem e, do
outro, a cascata. Na barragem, nadam
peixes de maior porte, como os barbos e
os lúcios. Do outro lado, estão a tença e a
verdemã, vogando entre as rochas pelas
águas turbulentas e oxigenadas.
Seguidamente, nadam para montante
espécies migradoras, como o salmão,
a enguia, a lampreia e o sável. Mais à
frente, encontram-se a perca, a carpa e
o achigã.
No ar, sente-se a influência da proxi­
mi­dade do mar. Na zona de transição
do estuário, habitam os peixes de águas
salobras, como o fundulo e o muge.
Na costa, os olhos detêm-se sobre uma
praia de areia dourada, onde as raias
nadam junto ao fundo arenoso.
3. Contemplando as lontras
As lontras, Mariza e Cristiano Ronal­
do de seu nome, são, sem dúvida uma
das grandes atracções do Fluviário de
Mora. No maior dos habitats deste espa­
ço­, os visitantes detêm-se a apreciar as
brincadeiras e as rotinas destes simpá­
ticos animais, quer à superfície, quer
debaixo de água.
Junto aos dez aquários das espécies exóticas,
os alunos detêm-se a contemplar peixes
com formas curiosas e cores vistosas.
04
05
4. No lago exterior
com os cisnes
Os cisnes negros de bico vermelho,
muito ocupados a tentar fazer o ninho,
são outra das atracções da visita, devido
à falta de jeito que revelam para a tarefa,
fazendo e desfazendo o seu poiso, sem
que pareçam aprender com o processo
de tentativa e erro.
Já para chocar os ovos revelam mais
talento, revezando-se nesta missão, perio­
dicamente, o que permite ao outro cisne
ir alimentar-se ao lago, onde as carpas e
os pimpões abundam.
06
5. Nos aquários
das espécies exóticas
Junto aos dez aquários das espécies
exóticas, os alunos detêm-se a contemplar peixes com formas curiosas e cores
vistosas, reservando, no entanto, as
excla­mações de maior espanto para a
anaconda ou sucuri amarela de grande
porte.
Da Bacia Amazónica, podem ver-se
pacus negros, piranhas e a anaconda,
enquanto dos grandes lagos africanos,
Malawi e Tanganyika, vieram enguias-dinossauro, peixes-gatos e ciclídeos.
Outros dos nomes que fazem grande
sucesso, despertando o interesse dos
estu­dantes são as pirapitingas-pacu
negro, as pirararas, as tartarugas mata-mata, as aruanãs, os peixes-golfinho e
os peixes tromba de elefante.
6. Exposição multimédia
interactiva
Na exposição multimédia, os alunos
interagem com módulos interactivos
para sistematizarem os conhecimentos
acerca de temáticas como o ciclo da
água, a poluição, as actividades económicas como a pesca e a agricultura, a água
como fonte de energia e a engenharia,
entre outras.
Chegam ao final de um percurso pelo
rio, desejavelmente com mais conhecimentos e uma nova atitude perante a
necessidade de preservar o ambiente e,
neste caso em particular, os ecossistemas de água doce. ::
64 65 Campanha de sensibilização
De um acto social
a doença crónica
Texto de A.N.
(Alcoólicos Anónimos)
Os nossos jovens começam a beber cada vez mais novos, não só nas
saídas nocturnas, mas também nos encontros de amigos que ocorrem
durante o dia. É, então, fundamental que a escola esteja atenta a
este fenómeno e actue, disponibilizando informação e promovendo o
debate, para que os jovens percebam como a bebida se pode tornar um
problema.
Desde a antiguidade que o ser humano utiliza o álcool nos seus actos
sociais. Babilónios, chineses, gregos e romanos usavam o vinho, primeiro
em rituais religiosos, depois em eventos festivos. Mas também cedo o
homem se apercebeu de que a bebida alcoólica podia ter consequências
muito nefastas.
Até há cerca de quarenta anos, beber descontroladamente era um vício. A
Organização Mundial de Saúde veio clarificar esta questão e considerou
que o alcoolismo é uma doença: primária, crónica, progressiva e mortal.
Isto significa que uma vez alcoólico, alcoólico para toda a vida.
Mas afinal a que tipo de pessoas se adequa a designação de alcoólico? Em
termos simples, pode dizer-se que alcoólico é uma pessoa que perdeu o
controlo sobre a sua maneira de beber.
A questão que tem interessado milhões de seres humanos é saber por
que razão a maioria das pessoas que ingere bebidas alcoólicas não é
afectada e apenas uns quantos, de entre essa imensidão, acabam por ficar
dependentes. As respostas mais comuns entre os que ficaram “agarrados”
ao álcool é que ao beberem, resolviam dificuldades de carácter emocional:
ter coragem para enfrentar situações difíceis, controlar a ansiedade,
minimizar ou esquecer a dor, manifestar abertamente a alegria, perder
a timidez ou os medos de se relacionar com outros, ou simplesmente ir
na “onda”, como fazem muitos jovens. Depois, a habituação faz o resto.
Usando o álcool como bengala, de forma continuada numa infinidade
de situações, acaba-se frequentemente na dependência. Curioso mas
preocupante é que nenhum alcoólico consegue dizer em que dia da sua
vida transpôs essa linha invisível de transição entre o beber socialmente,
ocasional ou frequentemente, e o beber compulsivamente.
Sabe-se hoje que há pessoas com uma predisposição genética muito mais
acentuada do que outras para se tornarem dependentes alcoólicas. Talvez
seja uma das razões pelas quais alguns demoram imenso tempo a ficarem
dependentes, enquanto outros atingem esse estado em poucos anos.
É comum serem os familiares, amigos
ou colegas os primeiros a aperceberem-se do modo descontrolado de beber
do alcoólico e das consequências dos
seus consumos: faltas ao trabalho ou a
compromissos assumidos, acidentes,
variações repentinas do estado de
humor, conflitualidade inusitada, mentiras, manipulação, entre outros sinais.
Se confrontado, o visado vai negar que
tem um problema enquanto racionaliza
motivos (ou culpados) para este ou
aquele excesso, podendo esta atitude
durar muitos anos. A doença é tão desconcertante que, muitas vezes, quando o
alcoólico já perdeu o emprego ou oportunidades de carreira e até a família,
continua a alimentar a convicção de que
vai conseguir descobrir uma maneira de
beber que não lhe acarrete problemas.
Infelizmente, o mais comum é ter de
sofrer graves danos físicos, mentais, emocionais, morais e materiais até que reconheça que tem um problema e que não o
consegue resolver sem ajuda.
Chegado “ao fundo do poço”, como
se diz a propósito, que opções tem o
alcoólico?
Aqui referiremos apenas uma solução
que resulta para muitos alcoólicos e que
se encontra na comunidade mundial
dos Alcoólicos Anónimos – A.A. Esta
comunidade tem um Programa de Recuperação de Doze Passos que sugerem
e proporcionam aos alcoólicos uma
mudança interior. Esta solução tem
resultado para milhares e milhares de
alcoólicos ao longo dos últimos 74 anos.
Como os próprios membros dizem, há
uma suspensão diária da compulsão
desde que mantenham nas suas vidas
uma certa qualidade espiritual, sendo
assim possível evitar a primeira bebida.
Neste momento, a solução de A.A. resulta
para mais de dois milhões de alcoólicos
espalhados pelo mundo. Resultou para o
autor destas palavras. Com um percurso
activo de trinta anos, começou a beber
ainda estudante liceal e foi parado num
tratamento de desintoxicação no início
dos anos 90. Foi encaminhado pelo
12
seu médico para os A.A., caso quisesse
viver mais uns anos. Para as estatísticas,
pertenço àquela pequena percentagem
dos que se salvam.
Sabemos que os professores estão
atentos a este problema que cada vez
afecta mais os jovens. Um estudo
recente concluiu que quase metade
dos jovens portugueses com 13 anos já
consome álcool. Ninguém é demasiado
jovem (ou velho) para ter problemas
com o álcool. Pouco importa há quanto
tempo bebem ou o que bebem. O que
importa é como a bebida os afecta. ::
quESTõES PARA AJuDAR A PERCEBER
SE uM JOVEM TEM PROBLEMAS COM A BEBIDA
1 > Bebes porque tens problemas? Para descontrair?
2 > Bebes quando te irritas com os outros, com os teus amigos
ou com os teus pais?
3 > Preferes beber sozinho e não com outros?
4 > As tuas notas começaram a piorar? Fazes “asneiras” no teu trabalho?
5 > Já alguma vez tentaste parar de beber ou beber menos ­ e não conseguiste?
6 > Já começaste a beber de manhã, antes de ires para
a escola ou para o trabalho?
7 > Esvazias o copo de um só trago?
ez tiveste lapsos de memória
8 > Já alguma vez
por causa da tua maneira de beber?
es sobre a tua maneira de beber?
9 > Mentes
10 > Arranjas problemas quando bebes?
11 > Embebedas­te quando bebes,
mesmo quando não queres?
12 > Achas que impressionas os outros
por seres capaz de “aguentar” a bebida?
Se alguém responder sim a qualquer destas
questões, talvez seja altura de olhar seriamente
para os efeitos que a bebida tem sobre si
e recorrer a uma ajuda.
Para mais informação podem consultar
o site dos A.A. em:
http://www.aaportugal.org/
66 67 Com olhos de ver
A Banda
Desenhada
Organização de Rosário Tavares(Bedeteca de Lisboa)
Prancha de Banda desenhada de Dinis Conefrey
A Banda Desenhada (BD) é uma expressão artística (considerada a 9ª arte) que conta histórias utilizando uma técnica
narrativa enriquecida pela utilização simultânea do texto e das imagens desenhadas. Assim este relacionamento próximo
e coexistente completa-se e exige por parte do leitor uma envolvência especial na sua leitura e consumo, pois implica a
integração do espaço visual da imagem e do tempo narrativo do texto.
O recurso à imagem para se contarem histórias é uma técnica antiga que desde sempre acompanhou a humanidade,
sendo vários os exemplos nos quais os teóricos e estudiosos identificam intenções e analogias de técnicas sequenciais
narrativas que se assemelham à dinâmica das actuais BDs. São exemplificativas as pinturas narrativas egípcias com
leitura da escrita da esquerda para a direita ou os motivos decorativos das cerâmicas (vasos).
Contudo a Banda Desenhada moderna tem a sua origem na ilustração e na caricatura política dos séculos XVIII e XIX,
começando a ganhar forma a utilização simultânea de desenhos e de texto.
Desde aí e com diversas nuances, a BD tem vindo a criar e a recriar a sua própria linguagem.
Indevidamente, durante demasiado tempo, a BD foi considerada um parente pobre da ilustração e da literatura.
Felizmente, tem vindo paulatinamente a conquistar o seu merecido território, sendo hoje uma expressão artística
respeitada e detentora de uma especificidade que utiliza habilmente uma linguagem universal com forte poder
comunicativo.
Assim, a BD reúne várias condições para se tornar um instrumento de trabalho de diversas áreas curriculares, sendo
as mais evidentes as da Língua Portuguesa e da Educação Visual. No entanto, devido às suas potencialidades e diferentes
temáticas e géneros abrangidos, pode servir enquanto instrumento pedagógico para o desenvolvimento de projectos
interdisciplinares.
Basta usar a imaginação.
Sugestão de actividades:
1. Mostre a prancha de banda desenhada aos alunos e coloque-lhes as seguintes questões:
> As duas personagens estão a correr? Quais são os indícios que vos levam a essa conclusão?
> Identifiquem os ângulos de visão utilizados e tentem caracterizar como estes se inserem na acção da prancha
apresentada.
> A onomatopeia utilizada na prancha está associada a que som? Acham possível acrescentar mais algumas
onomatopeias nas restantes vinhetas?
2. Proponha aos alunos que:
> Contem por palavras deles o que é narrado nesta página.
> Dêem um título a esta Banda Desenhada e continuem a história realizando mais uma prancha.
> Tentem dar uma versão diferente desta história:
• recortando as vinhetas e dando-lhes outra ordem.
• substituindo as falas dos balões existentes e acrescentando outros balões (de pensamento, voz-off, etc).
Contactos: Bedeteca de Lisboa, Palácio do Contador – Môr, Rua Cidade de Lobito - Olivais-Sul, 1800-Lisboa ·Tel: 218 536 676
Autor Diniz Conefrey · Prancha Operários (pag.11) · Álbum Vida de preto · Editora Dinossauro(1995)
Não deixe de ler o próximo número!
tema do dossier:
t
“As tIC na Educação”
(n.º 74, 2008)
Se tiver sugestões de temas a abordar ou conhecer
práticas de escolas que considere importante divulgar,
envie-nos para o mail: revistanoesis@min­edu.pt
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