Linhas de beleza - Mercedes-Benz

Transcrição

Linhas de beleza - Mercedes-Benz
belas-artes
texto sabine murmann
Linhas de
beleza
Os retratos de GREG LOURENS
confundem-se facilmente com fotografias
mas, após um olhar mais atento, revelam-se
extraordinários desenhos a lápis e carvão.
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L
inhas cuidadosamente desenhadas e posicionadas. Sem horizonte, elementos decorativos ou pontos de referência. Apenas linhas. Dificilmente
identificadas como tal. Os retratos de Greg Louren são compostos por milhares de linhas destas, todas dispostas com
uma precisão milimétrica.
Nascido em Joanesburgo em 1948, Lourens afirma que
é a arte que o ensina. “Quando coloco o lápis no papel, cada
linha tem de ser exacta. Para tal, tenho de estar completamente focado, concentrando-me primeiro naquela linha,
depois na outra e assim sucessivamente. Simultaneamente,
preciso de estar em harmonia comigo próprio.”
Este artista guia-se pela intuição, descobrindo os seus
modelos em qualquer lado. No meio da multidão, alguém
desperta a sua atenção, ele aborda espontaneamente essa
pessoa e encontra material para o seu próximo desenho. Uma
expressão facial numa fotografia pode servir de base para a
próxima escultura. Lourens trabalha instintivamente, sem
traçar planos, sem pensar muito. “Aprendi a confiar nos meus
instintos”, comenta.
A sua carreira tem sido pouco ortodoxa. Terminou a
formação em Arte com uma crise de identidade, a qual foi
agravada pelos problemas que a sua terra natal (África do
Sul) enfrentava, em reflexo de anos de colonialismo e de
Apartheid. Procurou respostas na Psicologia e na Filosofia,
acabando por tornar-se terapeuta. Em 1993, o violento massacre nos arredores da Cidade do Cabo marcou uma viragem
na sua vida. Lourens afirma que a arte é a sua forma de se
exprimir não só espiritual e emocionalmente, mas também
filosófica e politicamente.
Abertos, tolerantes e vibrantes. São os olhos que atraem,
as subtis expressões faciais. Seja uma Binta, um Homem com
>
< Esta impressionante
cabeça em bronze
intitula-se África
(42 cm de altura).
> A precisão milimétrica
deste Ubuntu atesta as
capacidades artísticas de
Lourens (lápis, 77 x 63 cm).
cajado ou um Ubuntu, nas suas obras não há espaço para
distracções nem para temas secundários. É por isso que os
retratos assinados por este sul-africano são constrangedores, tal é assombrosa a sua intensidade.
s desenhos de Lourens possuem um carisma difícil
de ignorar. Quando questionado acerca das suas referências, o desenhista aponta o americano recentemente
falecido Andrew Wyeth, cuja habilidade em reproduzir
paisagens, pessoas e cenários do quotidiano o influenciou
tremendamente. Sente-se ainda estimulado pelas capacidades de Paul Emsley, o pintor britânico que cresceu na
África do Sul e que reproduziu, há pouco tempo, um retrato assustadoramente realista de Nelson Mandela – an-
o
tigo chefe de Estado, defensor da liberdade e Prémio Nobel.
Greg Lourens adquiriu experiência no estrangeiro
quando fugiu ao Apartheid. A rica cultura inglesa fascinava-o, na componente artística e informal. Viveu também
em Boston, uma das mais antigas e prósperas cidades
americanas. Mas, durante esse curto período, perdeu as
vibrações da sua pátria, da natureza e dos espaços abertos
de África do Sul.
Com o passar do tempo, ampliou o seu repertório e
ferramentas, não se limitando ao lápis e recorrendo agora
também ao carvão, além de esculpir bronze. A dimensão
do seu trabalho aumentou. “É um pouco como renascer,
sinto que me libertei interiormente.” É assim que Greg
Lourens resume a forma como evoluiu.
ara ele, as suas esculturas também têm uma missão
enfática, chamando a atenção. O que nos dizem? A sua
mais recente colecção – uma manada de ngunis, uma antiga
raça de gado pastoreada na África do Sul – sugere que a
produção artística de Lourens resulta de um diálogo com as
tradições do seu país. O seu próprio método de trabalho pode
ser descrito como uma conversa, em que o artista intervém
mais com o coração do que com a cabeça. Tal como ele explica, deixa as suas obras “falarem”, seguindo a energia e as
forças que libertam. “O que surge é uma espécie de milagre.”
Lourens concluiu recentemente um retrato em grande
escala de um zimbabuano, Emmanuel. “Quando o conheci,
fiquei impressionado com a sua masculinidade e vulnerabilidade. Vejo uma nova África a brilhar nesta pessoa”, remata.
P
< Há uma empatia
entre o artista e os seus
modelos, como se percebe
em Mãe (bronze,
32 cm de altura).
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Greg Lourens
> Os olhares fixos nos trabalhos
de Lourens atraem a atenção.
Em cima: Homem com cajado
(carvão, 128 x 95 cm). À direita:
Binta (carvão, 110 x 80 cm).
Nascido e criado em Joanesburgo, Greg Lourens vive e
trabalha em Stellenbosch, perto da Cidade do Cabo. As suas
obras podem ser apreciadas na Galeria Dorp Straat nesta
bonita cidade vinícola, com atmosfera europeia. Lourens
inspira-se nos passeios que dá pelas montanhas na Província
do Cabo. Pouco depois do virar do milénio, passou um ano
na Irlanda, onde apurou as suas habilidades e mergulhou
na espiritualidade. A mulher e os seus quatro filhos são o
centro da sua vida. Está ansioso por retratar muitas pessoas,
mas não pondera a hipótese de fazer um auto-retrato.
wwww.greglourens.com
> Nguni faz parte
de uma manada
(bronze sobre mármore,
12 cm de altura).