Volume 11. Relações sociais de género e raça
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Volume 11. Relações sociais de género e raça
R E L A Ç ÕE S S O C I AI S D E G É ER O E R A ÇA RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias VOLUME 1. ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMAOS E CIDADAIA VOLUME 2. COSUMOS, LAZERES, MODOS E ESTILOS DE VIDA VOLUME 3. DESEVOLVIMETOS E SUSTETABILIDADE VOLUME 4. EDUCAÇÃO, SABERES E CULTURAS VOLUME 5. GOVERAÇA DE TERRITÓRIOS E DE CIDADES ITERMEDIÁRIAS VOLUME 6. ISEGURAÇA, VIOLÊCIA E CRIME VOLUME 7. MERCADOS DE TRABALHO E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: MOBILIDADES E FLUXOS VOLUME 8. MORFOLOGIA SOCIAL E DIÂMICAS DAS CIDADES ITERMEDIÁRIAS VOLUME 9. MOVIMETOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO VOLUME 10. POLÍTICAS PÚBLICAS E DESIGUALDADES VOLUME 11. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉ%ERO E RAÇA VOLUME 12. SAÚDE, SISTEMAS DE SAÚDE E CORPO Página 2 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS FICHA TÉCNICA TÍTULO: Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias AUTORES: Vários COORDENADORES: Balsa, Casimiro Rodrigues, Luciene Cardoso, Antônio Dimas Soulet, Marc-Henry COMISSÃO DE LEITURA: Albuquerque, Cristina Balsa, Casimiro Boneti, Lindomar Cardoso, Antônio Dimas Diogo, Fernando França, Iara Soares de José, São José Macedo, Luiz António Maia, Rosemere Martins, Luci Helena Nofre, Jordi Olímpio, Marcos Paula, Andréa Rocha de Pires, Iva Rodrigues, Luciene Vaz, Domingos APOIO À EDIÇÃO: Vital, Clara Sampaio, Leonor ISBN: 978-989-20-4086-8 Lisboa, 2013 Página 3 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA ÍDICE ÍDICE ........................................................................................................................................................ 4 AÇÕES EXTESIOISTAS JUTO A COMUIDADES PERIFÉRICAS: o programa de extensão Comunidades FURG e a cidade de Rio Grande .......................................................................................... 5 Ricardo Henrique Ayres Alves Jean Tiago Baptista Treyce Ellen Silva Goulart Tony Boita POLÍTICAS PÚBLICAS O ATEDIMETO À MULHER O MUICÍPIO DE TOLEDO, BRASIL (2005 A 2012) ............................................................................................................................................ 18 Kátia Silveira Barros Crislaine Colla Lucir Reinaldo Alves IMPACTOS DA ISERÇÃO DE MULHERES EM OCUPAÇÕES COSIDERADAS MASCULIAS: frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG ........................................................................... 41 Maria da Luz Alves Ferreira VIOLÊCIA COTRA A MULHER: (des) encontros terminológicos e conceituais ................................. 65 Ângela Fernanda Santiago Pinheiro Sarah Jane Durães DESIGUALDADE SOCIAL E GÊERO O BRASIL: considerações sobre velhas e novas exclusões sociais ........................................................................................................................................................ 79 Ângela Fernanda Santiago Pinheiro Sarah Jane Durães “TRASGRESSÃO” DE GÉERO E OS LIMITES DA TOLERÂCIA: prostituição, violências e vulnerabilidade social ............................................................................................................................... 97 élson Ramalho Página 4 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS AÇÕES EXTESIOISTAS JUTO A COMUIDADES PERIFÉRICAS: o programa de extensão Comunidades FURG e a cidade de Rio Grande Ricardo Henrique Ayres Alves Universidade Federal do Rio Grande – FURG [email protected] Jean Tiago Baptista Universidade Federal do Rio Grande – FURG Treyce Ellen Silva Goulart Universidade Federal do Rio Grande – FURG Tony Boita Universidade Federal de Pelotas - Ufpel Resumo O programa de extensão universitária Comunidades + FURG (COMUF) é uma iniciativa extensionista na Universidade Federal do Rio Grande que visa atender as demandas de grupos periféricos da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. A cidade caracteriza-se por uma situação de grandes diferenças sociais. Este artigo trata dos seguintes programas: Quilombolas Somos nós, que prevê a pesquisa documental e oral e o auxílio ao coletivo de estudantes negros da FURG – Macanudos, além da criação de uma política de vagas para estudantes quilombolas na FURG. Os esforços dos extensionistas em conjunto com o interesse comunitário resultaram no autorreconhecimento e na fundação da comunidade quilombola dos Macanudos, na Quintinha; na realização da I Roda de Memórias Quilombolas; levantamento de fontes áudio visuais que comporão o Dossiê Nosso Patrimônio Quilombola e na criação de vagas específicas para membros das comunidades remanescentes de quilombos, de todo o Brasil. O projeto Kaingang's no Cassino, que também faz pesquisa documental e oral, e apoio aos estudantes indígenas na universidade, e tem realizado esforços a fim de garantir a venda de artesanato de indígenas da região de Iraí. Memória e Resistência LGBT, que trabalha junto ao grupo de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros bem como através da pesquisa documental e oral além de apoiar o Coletivo Camaleão. Palavras-chave: Extensão universitária, Comunidades periféricas, Rio Grande Página 5 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Introdução O Programa de Extensão em Defesa do Patrimônio Comunidades + FURG (COMUF), a partir do segundo semestre de 2010, tem atuado junto aos grupos comunitários da região sul do Estado do Rio Grande do Sul, tendo atuado prioritariamente nas áreas periféricas e distritos de Rio Grande (Taim, Povo Novo, Quinta, Ilha Lagunares de Rio Grande: Marinheiros, Torotama e Leonídio) além de municípios relacionados, como São José do Norte, Iraí, São Miguel das Missões, Mostardas, Olhos d’água e Povo Novo. O Programa – coordenado pelo Professor Doutor Jean Baptista, que leciona nos cursos de História da Universidade Federal do Rio Grande, a FURG – é elaborado a partir das demandas levantadas junto aos mais diversificados grupos moradores da área citada e é composto por acadêmicos provenientes ou que possuam noções de pertencimento junto às regiões nas quais são estabelecidos espaços de ações-pesquisasações. Nos anos de 2012 e 2013, as atividades extensionistas propostas e efetuadas foram e serão financiadas pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – por meio do Programa de Apoio à Extensão Universitária, o PROEXT. A cidade com quase 200 mil habitantes caracteriza-se por uma situação de significativas desigualdades sociais entre suas populações e enfrenta hoje um processo de crescimento rápido devido à construção de plataformas de petróleo em seu porto. Conforme recente artigo elaborado pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Flávio Tosi Feijó e a economista Danielle Trindade Madono, Desde meados de 2006 a cidade do Rio vem atraindo inúmeros investimentos devido à implantação do polo naval. Se, por um lado, esses investimentos estimulam a economia do sul do Estado, por outro lado, também trazem mudanças significativas na sua rotina causando alterações estruturais e sociais. A cidade do Rio Grande começa a apresentar gargalos na sua infraestrutura, uma vez que em função do aumento populacional ocasionado pela migração causada pelas oportunidades de emprego no polo naval, o município começa a exibir déficits em alguns serviços. Já se pode observar uma pressão de demanda por serviços habitacionais, o que acaba tornando a oferta de imóveis insuficiente, inflacionando assim o mercado imobiliário de Rio Grande. Pode se notar também uma precariedade no sistema de saúde e um tráfego urbano intenso, visto que, o número de veículos em circulação tem aumentado consideravelmente. Soma-se a isso a posição geográfica da cidade, que é delimitada lateralmente por águas, o que dificulta o crescimento da mesma em termos físicos. Conforme Mazui (2010), em vinte anos Rio Página 6 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Grande estará mudada. Como a cidade nasceu comprimida numa península da Lagoa dos Patos, só poderá crescer em direção a Pelotas e também no sentido sul. (Feijó & Madono, 2012: 2) Agregado aos pontos de análise citados pelos autores está o discurso sobre o investimento de cerca de 14 bilhões de reais destinados ao município. Entretanto, faz se necessário questionar em que sentido os investimentos trarão desenvolvimento e, se o promoverem, a quem de fato favorecerá este processo. O que se verifica até o momento é que o desenvolvimento econômico não resulta necessariamente em melhor distribuição de renda ou qualidade de vida para a população em geral. No que tange às populações distritais e periféricas, localizadas nas regiões em direção às quais, conforme apontado pelos autores, a cidade crescerá, essas estão ameaçadas em seus modos tradicionais de produzir saberes. Por essa razão, torna-se imperativo que as Universidades, executando o seu compromisso social, atentem para tais populações extremamente fragilizadas pelo crescimento econômico e demográfico sofridos pelo município desde 2006. O Programa COMUF, em defesa do Patrimônio Comunitário, tem manejado os conceitos de educação não formal, pesquisa-ação e comunidade. No que se refere à primeira categoria utilizada, podemos apontar os escritos da professora Maria Glória Gohn, que elucida as diferenças existentes entre educação formal, não formal e informal e suas especificidades. Podemos apreender que a prática da educação não formal da qual nos apropriamos possibilita uma inversão da postura tradicionalmente utilizada pelos pesquisadores. A extensão sob este viés aponta para a noção de que o educador é o “outro”, as comunidades com que interagimos cotidianamente e que são as detentoras de seus saberes. Gohn afirma que: O método nasce a partir da problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas. [...] O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto no campo do simbólico, das orientações e das representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. (Gohn, 2006: 31). Página 7 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Tal abordagem confere à atividade de pesquisa e extensão o caráter dinâmico de troca, estabelecimento de elos e relações de reciprocidade e confiança. Para tanto, é imprescindível que exista, também por parte dos membros comunitários atendidos, motivação e participação efetiva nas atividades dos projetos que compõem o Programa. A aplicação desta metodologia tem tornado possível o cumprimento e atualização das demandas apresentadas pelas distintas comunidades da região assim como a produção de conhecimento acadêmico baseado em uma metodologia não hierarquizada e participativa. Dessa forma, partimos da criação de um conhecimento universitário para o pluriversitário. (Santos, 2008: 67). Boaventura Souza dos Santos descreve as crises enfrentadas pela Universidade no final do século XX, as quais ocorreram inicialmente no âmbito dos questionamentos sobre o papel atribuído à Universidade cujos saberes, restritos e tradicionais, já não atendiam às necessidades estatais. Assim o Estado passa a recorrer a outras instituições produtoras de conhecimento, ocasionando a primeira crise, de hegemonia. Ao mesmo tempo, ocorria o processo de exigências sociais e políticas para que o espaço acadêmico deixasse de ser restrito e fosse democratizado, levando à segunda crise, de legitimidade. Por fim, durante a terceira crise, institucional, existiam as contradições entre a produção autônoma de conhecimentos e objetivos da instituição universitária em contraposição com a pressão crescente à submissão a critérios de produtividade empresarial ou de responsabilidade social. O momento descrito acima é caracterizado por Boaventura como o momento de produção de um conhecimento universitário, consensual e homogêneo que a “sociedade aplica ou não, uma alternativa que, por mais relevante socialmente, é irrelevante para o conhecimento produzido” (Sousa, 2008: 29). A desestabilização causada pelas crises citadas colaborou na emergência de um outro modelo de conhecimento pluriversitário, cuja produção “pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sistemas menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica” (Sousa, 2008: 29-30). O atual panorama aponta para a execução de atividades de extensão que se aproximem deste viés. Os pesquisadores extensionistas devem, portanto, estar atentos às questões do entorno; dispostos a colaborar na resolução dos problemas causadores da exclusão e discriminação, atendendo a grupos histórica e socialmente marginalizados. A dinâmica estabelecida por este olhar atento às demandas sociais propicia a aplicação da Página 8 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS metodologia de pesquisa-ação a qual consiste na definição e execução participativa nos projetos. No que se relaciona ao Programa Comunidades FURG, temos apropriado tais métodos, ampliando seu significado, ao promover nas regiões selecionadas espaços de ação, que envolve levantamento das demandas comunitárias. O segundo passo é a execução de pesquisas que apontem para a resolução dos problemas apontados pelas comunidades como urgências ligadas à proteção de seus patrimônios materiais e imateriais. A partir dos resultados obtidos – os quais são acompanhados e partilhados entre todos os agentes envolvidos na ação, sejam pesquisadores extensionistas ou comunidades – as demandas são atualizadas, ocasionando novas ações. Salientamos desta forma a atuação protagonista das comunidades nas atividades que lhes afetam e que esta postura está balizada em tratados nacionais e internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração oriunda da Conferência de Durban, em 2001, asseguram a consulta prévia assim como a garantia de promoção dos direitos das populações historicamente discriminadas. Os pressupostos expostos nos documentos elencados, entre outros, foram considerados na confecção da Carta das Missões, elaborada pelo Grupo de Trabalho formado a partir da Rede de Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em Museologia Social do Rio Grande do Sul – REPIM/RS. A partir das discussões promovidas por representantes de comunidades, entre eles, intelectuais, ativistas no campo da Museologia Social do Rio Grande do Sul, além de membros da equipe técnica do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram/MinC, foi elaborado o conceito de comunidade apropriado pelos membros do COMUF. Assim, o GT constituído estabeleceu que: A Rede de Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias do Rio Grande do Sul (REPIM-RS) entende por comunidades grupo ou grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social unidas por vínculos históricos relacionados a aspectos territoriais, étnicos, culturais e/ou de gênero, em especial quando movidas ou organizadas em prol da defesa e promoção do Direito à Memória e à História, assim como a outros tópicos dos Direitos Humanos e Culturais [...].(Carta das Missões, 2012) O conceito de comunidade construído a partir do II Encontro da REPIM/RS e aqui transcrito denota a existência de um sentimento de pertença dentro dos grupos formados o qual se desdobra na organização em prol da efetivação de políticas públicas Página 9 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA estatais assim como na defesa dos Direitos Humanos por meio do empoderamento dos membros comunitários engajados em uma luta comum. Comunidades indígenas: apoio à logística de vinda das famílias Kaigang para a venda de artesanato Anualmente, famílias Kaigang se deslocam da região de Iraí para a venda de artesanato no Cassino, 2º subdidstrito de Rio Grande. A partir do segundo semestre de 2010, o Programa COMUF estabeleceu contatos com as famílias provenientes de Iraí a fim de acompanhar o trajeto realizado anualmente por essas. Além disso, por meio de bolsistas remunerados e voluntários, foi realizada pesquisa junto à comunidade moradora do Cassino para verificar quais as noções apresentadas por estes grupos frente à presença dos indígenas em Rio Grande. Nas falas dos rio grandinos registradas é possível verificar o sentimento de aversão à vinda das famílias e a ideia de que “eles não são daqui”. Essa postura ocasiona o ambiente de tensão no qual os indígenas convivem durante sua estadia no Cassino. A fim de salvaguardar o deslocamento Jê anual em busca de subsistência no litoral, o Programa COMUF, em conjunto com os estudantes indígenas Kaigang acadêmicos da FURG, passaram a atuar no aporte logístico do deslocamento das famílias indígenas para a venda do artesanato durante o veraneio que garante tanto a sobrevivência física quanto a preservação de uma prática histórica fundamental para a manutenção de caros saberes indígenas. O mapeamento das condições de venda de artesanato e habitação vivenciadas pelas famílias resultou na intervenção junto à Prefeitura e ao Ministério Público, resultando na construção de casas em um acampamento de veraneio, localizado no Horto, próximo ao local de venda dos artigos artesanais. A Universidade Federal do Rio Grande, desde o ano de 2010 criou o Programa de Ações Inclusivas (PROAI) que, entre outros grupos, promoveu a entrada de estudantes indígenas na Instituição. A princípio foram criadas 5 vagas, das quais 2 foram ocupadas nos cursos de Medicina e Enfermagem, por estudantes indígenas aldeados egressos do ensino médio. No ano de 2012, foi realizado na cidade de Rio Grande, o Fórum Nacional de Educação Superior Indígena, 17 e 18 de maio de 2012, que contou com David Copenawa, Mauricio Yekuana, Augusto Kaingang, estudantes indígenas de distintas etnias e universidades do estado e a FURG para discutir o aperfeiçoamento do PROAI. A partir do ano de 2013, as vagas foram ampliadas para 10 Página 10 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS distribuídas entre os cursos de Ciências Biológicas - Licenciatura, Direito (Manhã), Educação Física, Engenharia Civil, Enfermagem, Geografia – Licenciatura, História – Licenciatura, Medicina, Pedagogia (Manhã) e Psicologia. Comunidades distritais e periféricas: famílias tradicionais negras e comunidades quilombolas O Brasil foi o último país a abolir, em 1888, a escravidão das populações negras transmigradas do continente africano. Desde a ocupação territorial, em 1532, até a abolição no século XIX, nosso país teve práticas escravistas (Maestri, 2001). Durante o período escravocrata foram transmigradas quantidades imensas de famílias, comunidades e tribos de origem africana para cá, o que, como apontam diversos autores especializados no tema, influenciou diretamente na formação étnica e cultural da população brasileira. O panorama existente no século XIX nos é apresentado por Walter Fraga na seguinte passagem: [...] o número de cativos foi sempre representativo no conjunto da população brasileira, sobretudo nas regiões que exportavam gêneros tropicais. No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas. Em algumas partes do país, o número de escravos chegou a superar o de pessoas livres. (Fraga, 2009: 45) Após a proibição do tráfico transcontinental, se intensifica o tráfico interprovincial. No Rio Grande do Sul da segunda metade do século XIX, encontramos municípios em que a população de trabalhadores negros escravizados superava ou quase se equiparava ao número de homens e mulheres livres. Por exemplo, no primeiro distrito de Piratini, em 1858, a população cativa era de 1317 enquanto que a de livres era de 1938, da mesma forma no primeiro distrito de Pelotas, havia 3977 livres e 2213 mulheres e homens cativos (Maestri, 2001). A abolição da escravatura, ocorrida em fins do século XIX foi motivada principalmente pelas mudanças sócio-econômicas pelas quais passava o Brasil. O país precisava modernizar-se e nesse momento o escravizado passa de produto a entrave para o desenvolvimento do país. O processo foi iniciado décadas antes, a partir da urbanização e consequente venda e envio de homens e mulheres negras para regiões Página 11 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA rurais, assim como foi intensificado com a política de massiva imigração de europeus os quais receberam porções de terra e passaram a cultivá-las enquanto colonos. Nesse sentido, quando em 1888 foi abolida a escravidão de forma oficial1, o número de cativos era pouco representativo. Com tal composição populacional e desumanas práticas de exploração seculares sobre as populações escravizadas, essas buscaram por diversos meios resistir ao sistema imposto. Revoltas, homicídios, destruição de propriedades e ferramentas de trabalho, suicídios e fugas eram formas de resistência. As fugas, individuais ou em massa, eram recorrentes e ocasionavam a criação de regiões geralmente de difícil acesso e que abrigavam os escravos fugidos. Esta é a definição clássica de quilombos, que remete ao famoso caso de Palmares e à figura de Zumbi. O conceito de quilombo referenciado acima se diversificou. Há historiadores como João José Reis que apontam a proximidade de alguns quilombos a regiões urbanizadas. O autor aponta para a existência de redes de comunicação e troca que garantiam tanto o abastecimento do quilombo quanto o recebimento de informações que possibilitavam a ciência de eminentes ataques promovidos pelas autoridades da época (Reis, 2009). Atualmente, presenciamos, enquanto pesquisadores, a existência de quilombos que remetem sua formação ao período escravocrata e que seguem reproduzindo práticas ancestrais e meios de organização distintos. No Brasil, o decreto 4.887/03 oficializa o conceito de quilombola enquanto, Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção 1 As leis abolicionistas promulgadas a partir da segunda metade do século XIX, oficialmente libertavam os escravizados pertencentes a determinadas categorias. Foi o caso da Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871 que concedia indenização aos senhores de escravos no valor de até 600$000 ou de usufruir de seus serviços até os 21 anos de idade. Outra lei abolicionista, de número 3270, conhecida como Lei dos Sexagenários, libertava homens e mulheres escravizados que chegassem a idade de 60 anos, pelos quais seus ex senhores eram indenizados. O caráter oficial de ambas as leis exemplificadas aponta para a manutenção dos privilégios aos senhores de escravos, que, no caso da Lei do Ventre Livre, estarem assegurados no direito de continuar explorando a mão de obra destes filhos de escravizadas até a maioridade invalidando o conteúdo expresso na lei. Sobre os Sexagenários, o que se apreende é que legisla a favor dos senhores, já que esses, além de ficarem isentos de quaisquer responsabilidades sobre a sobrevivência dos anciões ainda recebia indenizações e abonos de dívidas. Além disso, é relevante salientar que com a gradual libertação dos cativos, surge a figura dos criados, os quais eram em geral ex escravos que eram submetidos a práticas muito semelhantes às da escravidão. Elucida-se dessa forma que a oficialidade, de fato, camufla a realocação que o sistema escravocrata sofre a fim de preservas suas práticas de subjugação das populações negras no Brasil. Página 12 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. (Decreto 4887/03, art. 2º) Nesses termos, terras quilombolas são descritas como aquelas sobre as quais os remanescentes de quilombos se estabelecem a fim de promoverem suas práticas culturais e que são utilizadas para “reprodução física, social, econômica e cultural” (Decreto, 2003). O Brasil possui 1800 quilombos reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares, dentre esses, 80 atestados emitidos foram destinados ao Rio Grande do Sul. Na região em que está inserida a Universidade Federal do Rio Grande, a FURG, existem mapeadas 23 terras de quilombo. A partir de 2011, o programa COMUF passou a executar o projeto Quilombolas Somos Nós criado a fim de atender à demanda apresentada pela senhora Maria da Graça Amaral. A servidora aposentada da Universidade, durante muitos anos expôs que a sua família apresentava características específicas de uma comunidade quilombola, entretanto nenhum trabalho historiográfico extensionista havia sido realizado até então. A partir de uma ação de visita à senhora Maria Amaral, a mais idosa dentre as matriarcas da família, foram suscitadas diversas demandas de registro áudio visual, pesquisa histórica e reconhecimento da comunidade enquanto remanescente de quilombo. É importante salientar o caráter de reivindicação de direitos, presente nas questões apontadas pelos quilombolas. A partir desta visita ocorrida em abril de 2011, o grupo de extensão passou a visitar rotineiramente a família Amaral, moradores da Quintinha, na Vila da Quinta, 5º distrito de Rio Grande. Os relatos produzidos pelos familiares atentam para a vinda de Recife, Estado de Pernambuco, de uma mulher escravizada chamada Maria B’gala que aqui deu início à família dos Amaral, conhecida e reconhecida no município como Macanudos. A família, durante extenso período, habitou a região da Quitéria, zona rural da Vila da Quinta, que foi sendo ocupada gradativamente pela dita elite social da época. A partir de então se estabelecem tensões e movimentações imprecisas que foram intensificadas nos anos 1980 as quais levam à saída de suas terras. É nesse sentido que o Programa tem atuado junto às mulheres da família, as quais tomaram a frente do processo e tem acompanhado e promovido as ações de extensão junto ao restante dos familiares. Podemos apontar dois momentos cruciais para o andamento das atividades e envolvimento amplo de agentes, protagonistas comunitários: a Roda de Memórias Quilombolas e a Assembleia Geral Quilombola. Página 13 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA A primeira atividade contou com a presença de membros das famílias tradicionais negras: os Amaral da Vila da Quinta e os Amaral do Arraial em Povo Novo, 3º Distrito de Rio Grande, além do coordenador do Programa, acadêmicos dos cursos de História e de Museologia Social, ativistas pesquisadoras do campo de museologia social e museus comunitários. O momento propiciou a troca de histórias de cada família assim como a rememoração de lembranças partilhadas durante a infância comum. Apreendemos que, por meio deste encontro, a identidade quilombola foi fortalecida e apontada como algo a ser valorizado pelos próprios quilombolas. A segunda ação foi executada a fim de garantir o passo primordial que dá início aos processos de titulações concedidas pela Fundação Palmares: o auto reconhecimento, em Assembleia Geral que conte com a totalidade ou maioria dos membros comunitários. Assim, em 22 de julho de 2012, fez-se o registro em ata da Assembleia na qual foi fundada oficialmente a Comunidade Quilombola dos Macanudos - primeiro quilombo auto declarado de Rio Grande/RS. Tais ações aliadas ao andamento da pesquisa documental e realização de entrevistas não diretivas, tornaram possível o levantamento de informações suficientes para justificar a solicitação de reconhecimento por parte da Fundação Cultural Palmares da comunidade quilombola dos Macanudos. Atualmente, estamos em processo de agendamento da visita da FCP à Rio Grande para que seja emitido o título. Dentre as demandas trazidas a tona pelo acompanhamento da comunidade quilombola dos Macanudos, foi reafirmada a necessidade apontada pelas comunidades quilombolas presentes no X Acampamento Regional de Cultura Afro que ocorre anualmente na região de São Lourenço/RS da criação de um processo diferenciado de entrada dos quilombolas no Ensino Superior. A partir de então o professor Jean Baptista e acadêmicos bolsistas passaram a percorrer determinadas comunidades da metade sul do Estado. As demandas levantadas nas visitas aliadas à pesquisa foram compiladas no Relatório “Geração de vagas específicas para candidatos provenientes de comunidades quilombolas” na FURG. A solicitação justifica-se uma vez que no ecossistema costeiro no qual a FURG está localizada existem 23 comunidades quilombolas reconhecidas pela FCP. Além disso, a iniciativa torna-se mais relevante na medida em que no Brasil ocorreu o avanço por meio da aprovação da lei 12.711/2012 que institui o sistema de cotas sociais com recorte racial nas Universidades Públicas. Entretanto, as comunidades tradicionais não foram contempladas em suas especificidades. O Relatório aponta para as lacunas de aprendizagem e falta de oportunidades de ensino condizentes com a Página 14 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS realidade rural e quilombola. Além disso, não podemos perder de vista as características herdadas do período escravocrata que ainda se fazem presentes tanto para a comunidade negra em geral, quanto para os remanescentes de quilombo. Sendo assim, faz-se necessária a geração de um processo específico de entrada para estas populações. Novamente, a Universidade atendendo aos tratados internacionais citados anteriormente promoveu a consulta prévia às seis comunidades quilombolas que se fizeram representar em encontro no Campus Universitário. Foi acordado entre as comunidades que as cinco vagas criadas pela FURG, seriam alocadas nos cursos de História Licenciatura, Medicina, Enfermagem, Direito e Psicologia. A avaliação, aprovação e defesa das vagas específicas junto aos Conselhos Universitários garantiram a criação das vagas específicas para estudantes egressos do ensino médio e provenientes de comunidades quilombolas. Comunidade LGBT No que diz respeito à atuação do grupo junto as questões LGBT podemos pensar na definição da sexualidade elaborada por Michel Foucault. O teórico pensa a mesma como um dispositivo, onde diversas relações de poder se estabelecem de forma complexa: as relações de poder se estabelecem em diferentes direções: o oprimido pode exercer poder em relação ao opressor e vice-versa. Na verdade, o próprio uso de palavras como opressor e oprimido já se situa em um campo de ambigüidades. Para Foucault, o fato de existir a repressão da sexualidade atesta a sua importância. “Para saber quem és, conheça teu sexo. O sexo sempre foi o núcleo onde se aloja, juntamente com o devir de nossa espécie, nossa “verdade” de sujeito humano.” (FOUCAULT, 2010: 229). Assim, em uma sociedade heteronormativa, os homossexuais se encontram a deriva, pois configuram um desvio. O trabalho do COMUF no eixo LGBT se desenvolveu a partir da vivência universitária. A constatação da existência de episódios de discriminação no campus da universidade pôde ser percebida através, por exemplo, de textos que pregam o preconceito em virtude da orientação sexual, escritos nas portas dos banheiros, tanto femininos quanto masculinos. Através do grupo, surgiu o debate da criação de uma disciplina de história da homofobia. Em maio de 2011 uma roda de conversa reuniu alunos, funcionários e professores de diversos cursos e setores da universidade, bem como de membros Página 15 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA externos à mesma. Este foi um momento de articulação muito importante para o movimento, onde pessoas que compartilhavam das mesmas lutas puderam colocar suas ideias para o grande grupo. No dia 28 de junho, Dia mundial do orgulho gay, foi realizada uma manifestação em conjunto com a comunidade universitária no Centro de Convivência, local de grande fluxo de pessoas no campus. O evento focou-se na confecção de uma bandeira com as cores do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, que junto de cartazes de denúncia da violência por discriminação sexual e de fotos de pessoas importantes para o meio LGBT ocupou o espaço acadêmico. Também se procedeu a recolha de assinaturas em favor de duas petições: o PLC 122, projeto de lei que criminaliza a homofobia, e a outra dirigida a reitoria da universidade solicitando posicionamentos e atenção á causa LGBT. A ação tomou grandes proporções, contando com o auxílio de diversos membros da comunidade acadêmica que inclusive, participaram da construção da bandeira. Obviamente, a ação não passou despercebida por aqueles que discriminam os LGBT. Chama a atenção o tempo que a bandeira permaneceu no centro de convivência: apenas um dia. Ela foi encontrada no lixo e mesmo tendo sido posta em seu lugar novamente, mais uma vez foi retirada e desapareceu. Este episódio chama a atenção para a existência do preconceito na universidade assim como as pichações anteriormente citadas, de forma a organização de um movimento começou a ser percebida. A partir daí, o COMUF pode contar com a parceria do Camaleão – Coletivo universitário de diversidade sexual e igualdade de gênero. Um dos momentos dessa parceria foi a participação do evento Geribanda, que ocorre anualmente na FURG. Foi desenvolvida uma instalação artística que evocava a metáfora do armário, assim como oficinas e espaços de debate e uma apresentação de teatro fórum. Neste evento participaram também os outros eixos do Programa. O COMUF apoiou o processo de adoção do nome social de travestis e transexuais e participou das discussões sobre a sua implementação junto à universidade, que já havia sido enviado pelo grupo de pesquisa sexualidade e Escola – GESE e a implementação da disciplina Gênero e sexualidade nos Espaços educativos (optativa) para todas as licenciaturas. Página 16 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Considerações Finais O Programa Comunidades FURG em Defesa do Patrimônio Comunitário tem, por meio da promoção do protagonismo, estabelecido espaços em que as comunidades se empoderam no processo de luta cotidiana em prol da efetivação dos direitos conquistados historicamente. Os membros comunitários durante um extenso período tiveram seus saberes explorados e considerados enquanto objetos de estudos na elaboração de um conhecimento hierarquizado, restrito e que permitia a alienação de noções de responsabilidade social. Hoje, por meio da conquista e retomada dos espaços de direito, quilombolas, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são os agentes principais na construção de um conhecimento multivocal, plural, heterogêneo, democrático e que não se circunscreve apenas no intramuros das Universidades. Pelo contrário, os saberes produzidos devem promover a formação de universitários engajados, conscientes de que fazem parte de uma comunidade, seja essa formada por laços de parentesco, vínculos históricos relacionados a aspectos territoriais, étnicos, culturais e/ou de gênero. Bibliografia FOUCAULT, Michel(2004). Não ao sexo rei in Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal. FRAGA, Walter; ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de (2009). Uma história da cultura afro-brasileira. São Paulo: Moderna. GOHN, Maria da Glória (2006). Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. In: Ensaio: aval. pol. públ. Educ., v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. MAESTRI, Mário (2001). O sobrado e o cativo: a arquitetura urbana no Brasil: o caso gaúcho. Passo Fundo: UPF. SANTOS, Boaventura de Sousa (2008). A universidade no século XXI. Para uma universidade nova. Coimbra: Edições Almedina. Página 17 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA POLÍTICAS PÚBLICAS O ATEDIMETO À MULHER O MUICÍPIO DE TOLEDO, BRASIL (2005 A 2012) Kátia Silveira Barros UNIOESTE/Campus Toledo. [email protected] Crislaine Colla UNIOESTE/Campus Toledo Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (GEPEC) Lucir Reinaldo Alves UNIOESTE/Campus Toledo Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (GEPEC) Resumo Devido à ascensão econômico-político-social que a figura feminina teve ao longo dos últimos anos no Brasil, diversas políticas públicas voltadas para a questão de gênero foram criadas em todo o país, e, para a organização dessas políticas, foram criados órgãos de apoio, tais como Secretarias e Delegacias da Mulher. No município de Toledo, no Estado do Paraná, houve a criação da Secretaria de Atendimento à Mulher (SAM), em 2005. O objetivo desse artigo é coletar e analisar os dados referentes à implantação dessa Secretaria, bem como sua influência sobre a Delegacia da Mulher, criada em 2010. Os procedimentos metodológicos se deram a partir de uma revisão de literatura, de coleta e análise de dados secundários, e realização de entrevistas. A análise dos resultados mostraram que os atendimentos e encaminhamentos da SAM tiveram um aumento ao longo dos anos analisados (2005 à 2012). Além disso, foi realizada uma entrevista com 55 mulheres de 20 à 60 anos, que demonstrou que essas mulheres consideram a violência um grande problema na sociedade, informam que conhecem a Lei Maria da Penha, porém não confiam totalmente na sua eficácia. Apenas 58% das mulheres conhecem a SAM, e 15% já a ela recorreram, sendo que o Programa de Casamento Coletivo foi o objetivo da procura para o maior número de usuárias entrevistadas. Foi possível perceber que há uma necessidade de maior divulgação da SAM e de seus programas além de um atendimento jurídico, psicológico, uma casa-abrigo quando de casos de violência e uma rede de encaminhamentos para tal política pública ser mais eficiente. Palavras-chave: Política pública, Questão de gênero, Violência contra a mulher, Secretaria de Atendimento à Mulher em Toledo-PR Página 18 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS 1. Introdução Esta pesquisa refere-se ao estudo das políticas públicas voltadas para a questão de gênero no Município de Toledo-PR. O Município em questão apresenta-se como um dos pioneiros nessa área, com a implantação da Secretaria de Atendimento à Mulher (SAM) em 2005. Além disso, em 2007 houve a reestruturação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e em 2010 a criação da Delegacia da Mulher. Assim, um estudo mais profundo acerca da SAM tornará possível a análise dos benefícios que essa Secretaria trouxe ao Município, sua influência sobre os demais órgãos, bem como as defasagens existentes. Dentre os serviços prestados pela SAM é possível destacar atendimentos, aconselhamentos e encaminhamentos, orientações jurídicas e propositura de ações judiciais, além de cursos de capacitação profissional, palestras e campanhas educativas, orientação e prevenção à saúde física e mental, que tem como objetivo a prevenção da violência e o auxílio à questão de gênero, garantindo assim que não haja discriminação das mulheres nos diversos âmbitos. Segundo Ammann (1997), a desigualdade de gêneros desde as épocas mais remotas é caracterizada pela dominação e exploração. Assim, desde o século XIX, Marx, em "O Capital", volume I, capítulo VIII, denunciava “[...] jornadas de trabalho mais longas, salários inferiores, padrões de sanidade intoleráveis, escravidão aberrante” (AMMANN, 1997, p. 85) para as mulheres e as crianças, mostrando a discriminação e a exploração sofridas por elas. Além disso, não era apenas na família e no trabalho que elas sofriam violência, pois nos sistemas educacionais, culturais, religiosos, jurídicos e morais também havia discriminação. Diferentemente desse tradicional modelo baseado na divisão entre a “mulher cuidadora” e o “homem provedor”, a igualdade de gêneros vem avançando dentro da agenda pública. De acordo com Abramo (2010), desde os anos 1970 as mulheres em geral passaram a participar do mercado de trabalho, sendo remuneradas, levantando assim a questão do equilíbrio entre trabalho, família e vida pessoal. Esse dilema inexistia anteriormente devido ao fato de que às mulheres era atribuída a responsabilidade do âmbito doméstico. E a situação é mais difícil quando se considera o fato de essa expressiva entrada das mulheres no mercado não ser acompanhada por um aumento da participação dos homens nas responsabilidades domésticas e familiares, mostrando assim que houve um aumento de obrigações para elas (Abramo, 2010). Página 19 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Dados mostram que pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, sofreu violência sexual ou alguma outra forma de abuso durante a vida por algum agressor, que geralmente é membro de sua própria família (Mozzambani et al., 2011). Apesar disso, a violência contra a mulher só é considerada na década de 1980, com a implantação de programas para suprir as necessidades advindas da violência doméstica e sexual. Mesmo assim, porém, apenas na década de 1990 foram criados serviços de atendimento a tais tipos de violência (Silva, 2003). Segundo Cortês e Rodrigues (2006), a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres foi conquistada a partir da Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, capítulo I), já que essa questão inexistia no ordenamento jurídico brasileiro. Para que esta legislação fosse implementada, seriam necessárias, porém, políticas públicas que tivessem recursos financeiros para tal objetivo. Dentre tais direitos adquiridos pelas mulheres ao longo do tempo, pode-se citar a conquista do direito de frequentar escolas e universidades, o direito de trabalhar de forma remunerada e em larga escala (fora do ambiente doméstico), direito a votar e a ser votada, direito à liberdade sexual e reprodutiva, podendo fazer uso dos avanços da ciência e da tecnologia, direito à separação conjugal e a se separar novamente, direito a um tratamento digno pela família, direito à igualdade de direitos e oportunidades e direito à sua diferença, sem desigualdade, sem hierarquia ou sem discriminação (Matos e Cortês, 2010). Apesar do crescimento da mulher no ambiente sócio-político e dos movimentos em prol de direitos iguais para ambos os sexos, a violência e a discriminação contra a mulher continuam como constantes nos dias atuais. Assim, cria-se a necessidade de um novo olhar sobre tal problema, com políticas públicas que visem priorizar a questão de gênero, através de delegacias e de secretarias de apoio à mulher. Além disso, segundo dados do IBGE (2000/2010), a população total do município de Toledo em 2000 era de 98.200 pessoas, com 49.651 mulheres, enquanto que, no ano de 2010, as mulheres somavam um total de 60.976 perante as 119.313 pessoas no município. É possível perceber o crescimento da população de Toledo nesse período, sendo que, em ambos os anos, as mulheres representam a maioria, com uma representação de 50,56% para 51,10% em 2000 e 2010, respectivamente, mostrando assim que houve um crescimento dessa representação, mesmo que mínimo quando se analisa a participação percentual, mas que quando se analisam os valores absolutos, percebe-se um aumento de aproximadamente 23% no total de mulheres. Página 20 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS O fato de tal crescimento considerável da população feminina, associado à necessidade de uma política pública que tenha como objetivo a proteção à mulher como gênero, levou à criação de um órgão municipal voltado para as mulheres. Assim, em 3 de janeiro de 2005, pelo prefeito Sr. José Carlos Schiavinato, foi criada a Secretaria de Atendimento à Mulher (SAM), com o desenvolvimento de ações tais como casamentos coletivos, campanhas educativas e palestras. O objetivo inicial dessa Secretaria foi implementar e promover a integração das políticas públicas, programas que atendam às diferentes necessidades referentes à mulher, buscando eliminar as discriminações, corrigindo as desigualdades históricas que têm prejudicado significativamente as mulheres e promovendo a igualdade de oportunidades (Ferrari, 2011a). Por isso, esse estudo tem a intenção de realizar uma avaliação acerca da SAM, se como política pública ela trouxe benefícios a população feminina de Toledo-PR, podendo isso ocorrer através de programas sociais que garantam serviços como o casamento coletivo ou até pelo amparo em casos de violência, de forma a assegurar os devidos encaminhamentos e orientações necessários. Para alcançar os objetivos, os procedimentos metodológicos se deram a partir de uma revisão de literatura sobre o tema, de coleta e análise de dados secundários, e realização de entrevistas. 2. Resultados e discussão Inaugurada no dia 25 de novembro de 2010, no município de Toledo, a Delegacia da Mulher tem como objetivo propiciar um espaço de atendimento exclusivo à mulher. É importante destacar que a criação de delegacias especializadas no atendimento à mulher é exigida na Lei Maria da Penha, como forma de facilitar e incentivar as denúncias realizadas pelas mulheres que sofrem violência. O artigo IV do capítulo I da Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340), de 7 de agosto de 2006, que DÁ ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR, consta que a “[...] implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher [...]”, faz parte das diretrizes de prevenção. Segundo dados fornecidos pelo delegado adjunto, Dr. Edgar Dias Santana, da 20º Subdivisão Policial de Toledo, no período de outubro de 2006 a agosto de 2012, foram realizados 1.006 procedimentos de violência doméstica, tanto nessa Subdivisão como na Delegacia da Mulher (Delegacia de Polícia Civil – 1º Distrito Policial de Página 21 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Toledo DPC). É importante considerar que esse número não representa todas as mulheres que procuraram a Delegacia com o intuito de denunciar, mas, sim, todas aquelas que autorizaram a continuidade do processo necessário. Se somado o total de mulheres que procuraram a Delegacia para denunciar, o número seria maior, segundo Santana (2012), porém, muitas delas denunciam apenas com o intuito de assustar o agressor e retiram a denúncia em seguida. Devido à criação da Lei Maria da Penha no ano de 2006, as denúncias passaram a ser feitas como violência doméstica. Antes dessa data, os boletins de ocorrência ou termos circunstanciados eram enquadrados como violência, sem especificação. Além disso, o fato de os dados passarem a ser informatizados a partir de 2009 possibilitou um maior controle dos inquéritos instaurados de violência contra a mulher (Santana, 2012). Assim, através da Tabela 1, é possível notar um aumento de procedimentos de violência doméstica com o passar dos anos no Município de Toledo-PR. Tabela 1 - Procedimentos de violência doméstica do Município de Toledo-PR de 2009 a 2012 AO 2009 2010 2011 2012¹ 54 117 200 148 PROCEDIMETOS Fonte: Delegacia de Polícia Civil de Toledo (2012) Nota: 1 Os dados do ano de 2012 são até o dia 3 de agosto É visível o aumento no número de procedimentos de violência contra a mulher. De 2009 a 2010 houve um aumento de 116% nos casos, aproximadamente, enquanto que, de 2010 a 2011, foi de 71%. Isso cria a hipótese de que, após a criação da Secretaria de Atendimento à Mulher e através das palestras, orientações e encaminhamentos realizados, ao longo dos anos, as mulheres passaram a denunciar em maior número os casos de violência. Assim, nesta primeira parte da pesquisa, pode-se perceber que, possivelmente, a SAM trouxe benefícios ao município de Toledo, através de seus programas e projetos contra a violência doméstica. Devido ao fato de a Lei Maria da Penha ter sido criada recentemente, houve uma dificuldade quanto à obtenção dos dados de interesse em todos os anos analisados. Assim, nos anos de 2006, 2007 e 2008 foram realizados 487 Procedimentos de Violência Doméstica, porém, sem dados exclusivos de cada ano, dificultando, assim, a análise desses anos em questão, principalmente no primeiro ano dessa Lei. É importante lembrar que os dados iriam ser colhidos na Delegacia da Mulher, porém o fato de ela ter sido criada apenas em 2010 dificultou o acesso aos dados referentes aos anos anteriores. Assim, a pesquisa foi realizada na própria 20º Subdivisão Página 22 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Policial de Toledo, com o delegado, pois, além de ali constarem todos os dados registrados na própria e na Delegacia da Mulher, também mantém arquivos de dados desde a criação da Lei Maria da Penha, facilitando a análise. Em relação ao atendimento realizado na Secretaria de Atendimento à Mulher, através de relatórios realizados mensalmente e anualmente, foi possível a análise da quantidade de mulheres atendidas desde a sua criação (2005). Esses relatórios são encaminhados mensalmente à Secretaria de Planejamento Estratégico da Prefeitura do Município de Toledo-PR, como forma de reconhecimento das atividades realizadas na SAM. Através da Tabela 2, é possível dividir tais atendimentos em Assistência Social, que, em geral, se resumem a atendimentos a mulheres que procuram a SAM por violência ou para algum aconselhamento, além de palestras e de eventos de orientação e em Atendimento Jurídico, realizado até o ano de 2010. Tabela 2 – Atendimentos da secretaria de atendimento à mulher no Município de Toledo-PR de 2005 à 2012 Descrição/Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012¹ Departamento Jurídico 2290 1161 1945 902 809 1382 ² ² Total de Atendimentos/ Encaminhamentos Departamento Assistência Social 3754 3808 2391 2056 4195 7109 3666 926 Total de Atendimentos/ Encaminhamentos Fonte: Secretaria de Atendimento à Mulher (2012) NOTA: 1 O ano de 2012 apresenta dados até o mês de agosto; 2 O Atendimento Jurídico passou a ser realizado na Assessoria Jurídica na Prefeitura do Município, sem atendimento às mulheres. Diante desses dados, é possível perceber que o ano de 2005 apresentou o maior número de atendimentos e de encaminhamentos do Departamento Jurídico. Isso se deve ao fato de que esse serviço teve início nesse mesmo ano, juntamente com a criação da Secretaria. Assim, foram abertos inúmeros processos jurídicos, dando-se sequência aos mesmos com o passar dos anos. Dentre os processos Jurídicos realizados pela SAM, têm-se processos de Divórcio, Separações, União Estável, Pensão Alimentícia, Investigação de Paternidade, Guarda e Adoção. Os anos 2008 e 2009 foram os anos com menor número de procedimentos jurídicos, sendo explicado pelo grande número de casos de 2007. Isso se deve ao fato de que havia um limite de processos por ano, não podendo aumentar esse número, considerando-se que o processo tinha continuidade ao longo dos anos, já que a maioria não conseguia ser finalizada no mesmo ano em que foram iniciados. Página 23 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Além disso, é notória a percepção de que, em todos os anos analisados, o Departamento de Assistência Social apresentou um maior número de mulheres que procuraram pela SAM em relação ao Departamento Jurídico. Assim, nem todas essas mulheres que procuraram pela SAM necessitavam de serviços jurídicos, podendo ter sido encaminhadas para outros órgãos, tais como Delegacia da Mulher, CREAS, CRAS, SAS, etc. O ano de 2010 apresentou o maior número de atendimentos do setor de Assistência Social. Isso se deve ao fato de que muitos dos Programas iniciaram nesse ano, com exceção dos casamentos coletivos, que já existiam. A comemoração do Dia Internacional da Mulher e a Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher tiveram início no ano em questão. Além disso, é importante destacar que foi no ano de 2010 que ocorreu a implantação da Delegacia da Mulher no município de Toledo, com o intuito de criar um ambiente melhor, incentivando as mulheres a denunciarem. Assim, quando foi apresentada às mulheres a Delegacia da Mulher, por ainda ser nova e muitas desconhecerem sua localização, elas procuravam pela SAM primeiramente em busca de informação. Esse é um fator que explica o aumento de atendimentos no Departamento de Assistência Social nesse ano. 2.1 Análise das entrevistas com as mulheres Foram realizadas entrevistas com mulheres residentes no município de Toledo, de 20 a 60 anos, entre o dia 4/8/2012 e o dia 5/9/2012. A intenção inicial era que essas entrevistas fossem realizadas com usuárias da Secretaria de Atendimento à Mulher, de tal forma a se obter uma avaliação desta com mulheres que realmente conhecem, porém, isso não foi possível devido ao curto período. Assim, foram realizadas entrevistas com algumas mulheres que frequentaram a SAM, aproximadamente 10 mulheres, sendo que a maioria das entrevistadas foram mulheres aleatórias abordadas na rua. As entrevistas ocorreram no centro da cidade, devido ao movimento local, garantindo assim que as mulheres abordadas não pertencessem a um grupo específico. O objetivo dessa entrevista foi conhecer a opinião da população feminina de Toledo a respeito da violência doméstica, da Lei Maria da Penha e sua funcionalidade e o conhecimento que elas têm da SAM, podendo ter utilizado algum serviço ou apenas conhecendo alguém que tenha sido usuária, avaliando o atendimento recebido e os Página 24 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS devidos encaminhamentos, quando assim ocorreram. Por fim, a mulher pôde deixar sua sugestão de algum serviço ainda não disponi disponibilizado. Gráfico 1 - Idade das entrevistadas Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Com relação ao perfil das entrevistadas, é possível notar que, do total de 55 mulheres entrevistadas, 22 mulheres tinham entre 20 e 29 an anos, os, 14 (25%) entre 30 e 39, 12 (22%) entre 40 e 49 anos e 7 (13%) entre 50 e 60 anos. Assim, a grande maioria, 40% das entrevistadas estão na primeira faixa etária, conforme Gráfico 1. Quanto ao nível de escolaridade, o Gráfico 2 mostra que a maioria das mulheres m entrevistadas possuía ensino médio completo, com 18 mulheres (33%). Em seguida, tem-se se o ensino superior completo, com 13 mulheres (24%), o ensino superior incompleto com 8 mulheres (14%), o ensino fundamental incompleto com 6 mulheres (11%), o ensino ino fundamental completo com 5 mulheres (9%), o ensino médio incompleto com 4 mulheres (7%) %, e apenas 1 mulher (2%) sem escolaridade. Gráfico 2 – ível de escolaridade das entrevistadas Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Página 25 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA É possível notar ainda, no Gráfico 2, que, quando somado o ensino completo e incompleto de um mesmo nível, o menor número de entrevistadas se enquadra no ensino fundamental, mostrando assim um alto grau de escolaridade das mulheres, sendo que 21 delas chegaram ao ensino superior, já completado ou em curso. Segundo dados do IPARDES (2012), houve um crescimento considerável principalmente na educação superior em Toledo, que, em número de matrículas de mulheres, passou de 4.267 em 2000 para 6.363 em 2010, obtendo uma variação percentual de 49,12 %. Percebe-se Percebe assim que as mulheres têm buscado uma maior escolaridade. Já o nível de renda que teve o maior número de entrevistadas foi o de 1 a 3 salários mínimos (de R$ 622,00 à R$ 1.866,00), com aproximadamente 71% das entrevistadas (39 mulheres), seguido por 20% (11 mulheres) que recebem até 1 salário mínimo. Além disso, 5 mulheres (9%) recebem de 4 a 10 salários mínimos. Nenhuma entrevistada tem renda de 10 salários mínimos em diante, como é possível notar no Gráfico 3. É importante destacar que, quando comparado o rendimento médio feminino do ano de 2000 e o de 2010, houve um aumento percentual de aproximadamente 155% ao longo desses 10 anos. Em 2010, o rendimento era de R$ 1.016,20, podendo explicar assim o fato ato de a maior parte das entrevistadas se enquadrarem na faixa salarial de 1 a 3 salários mínimos (IPARDES, 2012). Gráfico 3 – ível de renda das entrevistadas Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Quando comparado ao rend rendimento imento médio masculino, que teve uma variação percentual de aproximadamente 161% entre os anos 2000 e 2010 (IPARDES, 2012), nota-se se que, apesar de o aumento ter sido maior para a população masculina, foi pequena a diferença percentual, mostrando assim a ev evolução olução do rendimento médio Página 26 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS feminino, significando que elas estão adquirindo seu espaço ao longo dos anos, considerando-se se que ainda são recentes os direitos adquiridos pelas mulheres. Gráfico 4 – Opinião das entrevistadas acerca da violência doméstica Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Mesmo assim, porém, apesar do aumento do rendimento médio feminino ao longo destes 10 anos, ainda continua menor que o rendimento masculino, mostrando assim a desigualdade existente entre ambos os sexos. Apesar do avanço das mulheres dentro do mercado de trabalho, elas continuam com renda média inferior à masculina. Assim, percebe-se se que não está sendo posto em prática o que consta na Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXX e CLT/1943, aart. rt. 5º), na qual ficou proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (C Cortês e Rodrigues, 2006). Com relação à violência doméstica, é possível perceber, conforme Gráfico 4, que a grande maioria das entrevistadas, 48 mulheres, ou seja 87% das entrevistadas, considera a violência um problema de toda a sociedade. Em contrapartida, 7 entrevistadas (13% das entrevistadas) possuem a visão de que a violência é um problema só de quem sofre. Isso remete ao fato de que existem algumas mulheres que conservam a opinião de que, em caso de brigas familiares e conjugais, não se deve fazer intromissão, mesmo que essa briga resulte em violência psicológica e até mesmo física. Não houve nenhuma huma mulher que considerou que a violência doméstica não seja um problema, mostrando assim que, para elas, sendo da sociedade ou da mulher que sofre violência, trata-se, se, sim, de um problema a ser solucionado. Em seguida foi questionado o conhecimento acerc acercaa da Lei Maria da Penha. Conforme o Gráfico 5, aproximadamente 76% das mulheres, ou seja, 42 entrevistadas se disseram conhecedoras da Lei. Uma mulher disse não conhecer e 12 mulheres ou seja Página 27 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA 22% das entrevistas já ouviram falar da Lei. É importante consid considerar erar que muitas das mulheres que se disseram conhecedoras da Lei sabiam apenas que ela protege a mulher, porém não sabiam quais as punições, quais os tipos de violência considerados na Lei, além de desconhecer quais os procedimentos corretos caso estejam eem m tal situação ou em que presenciem uma situação dessas. Gráfico 5 – Conhecimento da Lei Maria da Penha pelas entrevistadas Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Quanto a Lei Maria da Penha, as entrevistadas desconheciam qquais uais as ajudas que podem ter quando em situação de violência. Não sabiam, por exemplo, que elas contam com garantia policial quando necessário, nem que ela pode ser encaminhada para hospitais, postos de saúde ou IML quando feridas. Além disso, a mulher tem direito a transporte seu e de seus dependentes à um lugar seguro ou abrigo se houver risco de vida, e acompanhamento quando necessitar retirar os pertences do local da ocorrência. Esses itens eram desconhecidos pelas entrevistadas, que como já citado apenas apen sabiam quem existe uma Lei que protege a mulher. A questão seguinte tinha como pré pré-requisito requisito conhecer a Lei ou pelo menos ter ouvido falar dela. Das 55 entrevistadas, 54 se enquadravam nesse caso. Assim, quando foi feita a questão "Você acha que a Lei M Maria aria da Penha pode evitar ou diminuir a violência contra as mulheres?", exatamente a metade, ou seja, 27 entrevistadas responderam que sim, um pouco. Essas mulheres afirmaram que, quando a Lei é realmente aplicada, ela pode evitar ou diminuir a violência, mas não acreditam na eficácia dessa Lei. Aproximadamente 40% das mulheres acreditam que sim, a Lei pode evitar ou diminuir. Já 6 mulheres acreditam que não, questionando a importância da Lei, como é possível perceber no Gráfico 6. Página 28 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Gráfico 6 – Opinião das entrevistadas se a Lei Maria da Penha pode evitar ou diminuir a violência doméstica Fonte: Dados da Pesquisa (2012) É necessário que se considere que a maioria da população, quando questionada acerca da Lei, considera a lentidão do sistema judiciário brasileiro um grande problema, de tal maneira que é criada a impressão de ineficiência da Lei. Assim, as mulheres deixam de acreditar na Lei e na sua proteção, o que pode levar à não procura dos direitos quando necessário. Quanto ao conhecimento da SAM, conforme o Gráfico 7, 7 32 mulheres afirmaram conhecer, porém não em absoluto, já que desconhecem muitos dos serviços prestados, enquanto que 23 mulheres não conhecem, sendo um número preocupante, já que as entrevistadas foram mulheres e a Secretaria é voltada para a mulher, mostrando assim uma falha na divulgação da utilidade do órgão municipal. Gráfico 7 – Conhecimento da SAM no Município de Toledo Toledo-PR PR pelas entrevistadas Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Com relação à idade das mulheres que conhecem a SAM, é perceptível, no Gráfico 8,, que a maioria pertence à faixa etária de 20 a 29 anos, com um total de 15 entrevistadas, reforçando a ideia de que essa faixa etária se encontra mais informada informad Página 29 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA acerca dos seus direitos. Da faixa etária de 30 a 39, 8 mulheres, de 40 a 49, 7 mulheres e de 50 a 60, 2 mulheres afirmaram conhecer a SAM. Quanto à renda das mulheres que conhecem a SAM, é perceptível, no Gráfico 9, que as mulheres que têm o nível de rrenda enda de 0 a 3 salários mínimos são a maioria quando questionadas sobre o conhecimento da SAM, somando 18 mulheres. mulheres Gráfico 8 – Idade das mulheres que conhecem a SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Das 23 mulheres que conhecem a SAM, apenas 4 delas têm uma renda de 4 a 10 salários mínimos. Deve-se se lembrar que apenas 5 mulheres das 55 entrevistadas possuem essa renda, mostrando assim que apenas uma mulher desse grupo desconhece a SAM. Devido ao fato de não haver entrevis entrevistadas tadas nas demais classes de renda, não foi possível a análise correspondente. A questão seguinte trata da utilização da SAM pela mulher entrevistada: Você já procurou pela SAM em Toledo Toledo-PR? Gráfico 9 – ível de renda das mulhere mulheres que conhecem a SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Página 30 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Apenas 8 mulheres entrevistadas responderam que sim, enquanto que 47, ou seja, 85% das entrevistadas afirmaram que não procuraram, conforme o Gráfico 10. 1 É importante considerar que muitas das mulheres escondem o fato de procurarem a SAM, principalmente quando é relacionado à violência, por se tratar de um assunto delicado para elas, podendo levá-las las a ocultar o ocorrido. Através dos Gráficos 111, 12 e 13,, é possível ter uma ideia acerca do perfil p da mulher que utiliza algum serviço da SAM. Gráfico 10 – Entrevistadas que procuraram pela SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) No Gráfico 11,, é possível ver que de 20 a 29 anos houve 3 mulheres que procuraram pela ela SAM, de 30 a 39 anos houve 4 mulheres, de 50 a 60 houve 1 mulher, enquanto que, da faixa etária de 40 a 49 anos, nenhuma entrevistada informou que tenha procurado pela SAM. Gráfico 11 – Idade das mulheres que procuraram pela SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Página 31 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Quanto à escolaridade das mulheres que procuraram pela SAM, o Gráfico 12 mostra que não houve nenhuma entrevistada sem escolaridade, nem com as escolaridades ensino fundamental completo e superior incomplet incompleto, o, enquanto que todas as demais escolaridades sugeridas na entrevista tiveram duas entrevistadas que já haviam procurado pela SAM. Gráfico 12 - ível de escolaridade das entrevistadas que procuraram pela SAM Fonte: Dados da Pe Pesquisa (2012) Em relação à renda das mulheres que procuraram pela SAM, 5 delas têm até 1 salário mínimo, enquanto que 3 delas ganham de 1 a 3 salários mínimos. Através do Gráfico 13,, é possível perceber que nenhuma das entrevistadas com renda de 4 a 10 salários mínimos procuraram pela SAM. Como já comentado anteriormente, não houve entrevistadas com as rendas superiores sugeridas. Assim, percebe percebe-se se que a procura pela SAM foi maior nas classes mais inferiores. Gráfico 13 – ível de renda das entrevistadas que procuraram pela SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Página 32 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Isso se deve ao fato de que muitos dos programas oferecidos pela SAM exigem que a mulher tenha uma renda de até 2 salários mínimos, sendo um exemplo o casamento coletivo. A maioria dos programas oferecidos pela SAM se destinam a pessoas com rendas inferiores, proporcionando assim serviços a classe mais carente. Através do Gráfico ráfico 14 14,, é possível reconhecer as demandas das mulheres que procuraram pela SAM.. Dentre as 8 mulheres que procuraram, 2 delas ou seja 25% alegaram tê-lo lo feito em busca de apoio por terem sofrido violência doméstica, 3 (37%) procuraram pelo programa de Casamento Coletivo, 1 mulher (13%) procurou por algum outro programa ou projeto da SAM, 1 (13%) mulher para aconselhamento ou encaminhamento jurídico e 1 (13%) mulher devido a uma pesquisa em função de um trabalho de monografia. Dessas 8 mulheres, apenas uma afirmou que não foi solucionado o problema. Quanto à avaliação do atendimento ddaa SAM, 4 consideraram ótimo e 4 o consideraram bom, mostrando assim que houve a resolução ou a tentativa da solução do problema. Gráfico 14 – Motivo da procura da entrevistada pela SAM Fonte: Dados da Pesquisa (2012) É importante lembrar que, na entrevista, na questão analisada era possível optar por mais de uma resposta, sendo que houve uma mulher que procurou a SAM por mais de um motivo, enquanto que as demais buscaram apenas um serviço. Assim, fica justificado o fato to de a questão ter tido 9 motivos de procura, enquanto que na questão anterior, 8 das mulheres afirmaram ter procurado a SAM. A entrevistada que afirmou não ter tido seu problema solucionado procurou a SAM em função de casamento coletivo. A não solução ddo o problema ocorreu devido ao fato da mulher ter procurado esse serviço após ter ocorrido, sendo que ele acontece uma Página 33 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA vez por ano, no mês de maio, não havendo outra oportunidade de participar no ano procurado. Gráfico 15 – Encamin Encaminhamento hamento da entrevistada para algum outro órgão Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Em seguida foi questionado se, após a procura pela SAM, a mulher foi encaminhada para algum outro órgão de apoio. Através do Gráfico 15 1 é possível perceber que apenas as 2 usuárias da SAM foram encaminhadas, mostrando, assim, que as outras 5 tiveram seus problemas resolvidos na própria Secretaria, já que uma disse não ter solucionado o problema. Essas duas usuárias foram encaminhadas à Delegacia da Mulher, levando à conclusão clusão de que se tratava de casos de violência doméstica, sendo o encaminhamento à Delegacia o procedimento necessário à vitima de violência. Gráfico 16 – Entrevistada que conhece outra mulher que tenha procurado pela SAM Fonte: e: Dados da Pesquisa (2012) Na sequência, a entrevista passou a ser relacionada ao conhecimento da entrevistada de alguma outra mulher que tenha procurado pela SAM. Assim, 19 Página 34 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS entrevistadas, ou seja, 34% afirmaram que sim, enquanto que 35 (64%) negaram n conhecer, além de uma mulher que não soube responder, como mostra o Gráfico 16. 1 É importante considerar que, como citado anteriormente, essa resposta também pode ter sido camuflada pelo receio de afirmar que houve uma procura pela SAM. Gráfico 17 – Motivo da procura pela SAM da mulher conhecida Fonte: Dados da Pesquisa (2012) Conforme o Gráfico 117,, 16 mulheres (conhecidas) procuraram a SAM devido a alguma violência doméstica, 3 por casamento coletivo, 1 por ac aconselhamento onselhamento ou encaminhamento psicossocial e 1 por pesquisas na SAM. Semelhante ao que foi dito no Gráfico 14,, nessa questão também era possível escolher mais de um serviço, devido ao fato de que a entrevistada poderia conhecer mais de uma mulher que tenha tenh procurado pela SAM, ou até a mesma conhecida, porém, por mais de um motivo. Dessas 19 mulheres conhecidas, as entrevistadas afirmaram que 12 tiveram seus problemas solucionados e 10 delas foram encaminhadas para outros órgãos, sendo que a Delegacia da Mulher lher foi novamente o órgão com maior número de encaminhamentos, devido ao fato de a violência doméstica ter sido o motivo de maior procura pela SAM. Por fim, a última pergunta do questionário solicitava uma sugestão de serviço ainda não disponibilizado pel pelaa SAM que a entrevistada achasse necessário ao município. Dentre as entrevistadas, 16% não souberam responder, até porque alegaram desconhecer os serviços já existentes e a própria Secretaria. Dentre as sugestões citadas pelas entrevistadas está uma maior proteção e atenção à mulher, atendimento psicológico, atendimento jurídico, grupos de apoio e a criação de uma casa-abrigo, casa que chegou a ser criada no município no ano de 2009, mas foi destinada para outro programa social. Além disso, a preocupação com a eentrada ntrada no mercado de trabalho Página 35 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA pelas mulheres, a maior agilidade da Justiça em função de punir o agressor, uma maior divulgação da SAM e maior incentivo em procurarem a Secretaria foram outras sugestões obtidas, com menos ênfase que as citadas anteriormente, sendo que as primeiras se apresentaram em várias entrevistas, mostrando, assim, a importância daqueles serviços de acordo com a opinião das mulheres. Enfim os resultados apontam que a SAM trouxe benefícios às mulheres como política pública. Além do aumento de procedimentos da Delegacia, a demanda mostrada pela própria SAM com relação aos seus atendimentos mostraram que as mulheres tem se beneficiado dos serviços oferecidos. Quanto a valorização da mulher, é possível perceber que os programas se voltam para trazer mais cidadania a população, em especial as mulheres. Com relação a violência doméstica, problema este de grande dimensão, ainda há muito a se fazer aquém da orientação e encaminhamentos realizados, pois apesar de ser uma iniciativa da mulher que sofre violência, a SAM deve oferecer maior segurança às vítimas de forma a garantir que elas sejam estimuladas a procurar ajuda. Porém, apesar de haver muito a ser feito, é perceptível que a criação da SAM foi muito benéfica a população de Toledo, com seus programas sociais e preocupação para com a violência doméstica. Considerações finais O objetivo deste trabalho foi fazer uma análise acerca dos benefícios da implantação da SAM no município de Toledo, bem como sua efetividade como política pública voltada para as mulheres nesse município. É importante citar que, apesar de este trabalho ter destacado a SAM com relação à violência doméstica, por esse ser um assunto debatido e pelo fato de a própria política pública em questão ter essa preocupação, a Secretaria apresenta outras atividades e programas voltados para a questão de gênero. Ocorre, porém, que a preocupação maior da sociedade se volta para a violência, que atinge tantas mulheres, necessitando assim de um apoio de órgãos específicos. Além disso, as próprias sugestões das mulheres mostraram que a violência ainda é um problema de maior dimensão, levando, assim, à necessidade de investimentos em proteção e em conscientização voltadas a ela. Foi possível perceber que a questão jurídica, psicológica, o apoio e a proteção às mulheres foram algumas das maiores preocupações citadas pelas entrevistadas. Página 36 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Outro fator a ser considerado, de caráter preocupante, foi o fato de muitas das mulheres desconhecerem a SAM no município. Como citado anteriormente, algumas das que sabiam da existência da SAM, elas, porém, desconheciam os programas oferecidos. Apesar de ser uma Secretaria relativamente nova (foi criada em 2005), foi possível perceber a necessidade de uma maior divulgação de seus serviços e até mesmo de sua localização. É de extrema importância que as mulheres saibam que possuem um lugar de apoio, mesmo com a defasagem de alguns serviços. Isso possivelmente as estimulará a procurarem ajuda quando necessitarem. Por outro lado, os dados referentes à Delegacia e a própria Secretaria mostraram um aumento tanto de denúncias realizadas na primeira como de atendimentos pela segunda. O crescimento de inquéritos instaurados na Delegacia possibilitou a ideia de que a SAM, através de palestras e de orientações, conscientizou a população feminina, estimulando as mulheres a denunciar quando em situação de violência. Além disso, os dados da SAM mostram um aumento de mulheres atendidas, tanto na questão de assistência social em programas de valorização da mulher, como o casamento coletivo, encontros municipais de mulheres, dentre outros, como no departamento jurídico quando existia. Isso mostra que, apesar de muitas desconhecerem a SAM e seus serviços, esta vem ganhando espaço com o passar dos anos. Com relação ao atendimento jurídico, além das sugestões realizadas pelas próprias mulheres, é possível perceber, na própria SAM, a grande procura que existe por esses serviços, principalmente relacionados a divórcios e a alimentos (pensão alimentícia). Muitas das mulheres questionam a utilidade da SAM após a extinção desses serviços, pois esse programa de atendimento jurídico facilitava muito a agilidade dos processos quando necessário. Além disso, mesmo que não houvesse um atendimento completo, apenas uma orientação jurídica seria de grande ajuda, já que muitas das mulheres procuram a SAM para saber o que fazer após sofrerem violência, principalmente na questão financeira, de modo a não perder o direito aos bens. Assim, é perceptível que essa Secretaria tem uma importância social única para a população do município, como política pública para as mulheres, com orientações, encaminhamentos e programas voltados à questão de gênero. Como já citado anteriormente, torna-se difícil a mensuração quantitativa quando se trata de uma vida, pelo fato de que, se a SAM conseguiu “evitar” a morte ou a violência contra uma mulher, já foi válida sua criação, mesmo apresentando defasagem em alguns âmbitos. Assim, apesar de ainda haver falhas, é importante destacar os programas já oferecidos, Página 37 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA que veem ganhando espaço ao longo dos anos e que já garantiram melhorias na qualidade de vida a muitas mulheres que residem em Toledo, mostrando, assim, que a SAM trouxe benefícios de caráter diferenciado à sociedade e às mulheres especificamente. É, contudo, necessário que haja consciência, por parte do governo, da importância de maiores investimentos nessa Secretaria, principalmente na questão jurídica para realização de processos, até porque tal serviço mostrou sua funcionalidade durante os anos em que existiu. A instalação de uma casa-abrigo de apoio às mulheres que sofreram violência é um passo importante a ser dado, pois é notório que muitas dessas mulheres correm riscos de vida ao retornarem às suas casas após denúncia, garantindo assim segurança e incentivando-as a denunciar. Por fim, uma sugestão interessante para maior eficiência quanto aos serviços ofertados pela SAM seria uma rede em parceria com os demais órgãos relacionados. Assim, a mulher, ao procurar a SAM em caso de violência, seria encaminhada à Delegacia da Mulher, ao Instituto Médico Legal (IML) se necessário, ao atendimento psicológico e jurídico e, por fim, à casa-abrigo, evitando que, por alguma dificuldade, ela desistisse de denunciar e garantindo assim que todo o processo necessário fosse realizado e que ela ficasse em segurança. A SAM, porém, ainda engatinha em muitas questões e apresenta inúmeras falhas com relação aos seus objetivos iniciais, mostrando assim que ainda há muito que ser feito para melhorar o atendimento à mulher no município de Toledo, sem desconsiderar o que já foi feito até agora, garantindo assim que o ser feminino seja valorizado e tenha seus direitos respeitados. Bibliografia ABRAMO, L. (2010). Igualdade de gênero e raça no trabalho: avanços e desafios. 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Página 40 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS IMPACTOS DA ISERÇÃO DE MULHERES EM OCUPAÇÕES COSIDERADAS MASCULIAS: frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG Maria da Luz Alves Ferreira Universidade Estadual de Montes Claros [email protected] Resumo Este texto foi construído a partir dos resultados da pesquisa “Ainda precisamos avançar? Os impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: as frentistas e as polícias femininas de Montes Claros – MG” e tem como objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões que são representadas como ocupações masculinas. O intuito é de verificar como as policiais femininas e as frentistas que trabalham nos postos de combustíveis da cidade representam e são representadas pelos colegas do sexo masculino quanto as suas atividades profissionais, bem como se no imaginário dos referidos trabalhadores – homens e mulheres – está havendo uma invasão do território masculino por parte das policiais femininas e frentistas. No que tange a perspectiva metodológica adotada, a intenção foi combinar as técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram conhecer as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Na parte quantitativa foi feito um levantamento do número trabalhadores que trabalham na Polícia Militar e nos postos de combustíveis. Os principais resultados a que se chegou foram que a cidade segue a mesma tendência do mercado de trabalho brasileiro, que conta hoje com uma maior participação das mulheres – mesmo com relação às profissões tidas como masculinas –, e mesmo que o aumento tenha sido considerável, ainda é inferior com relação aos homens. As mulheres, por sua vez, apresentam níveis de escolaridade superiores aos dos homens e o paradoxo que se estabelece é que, ainda assim, persistem diferenças importantes de remuneração: os homens recebem salários mais altos. Na mesma direção, a divisão de ocupações por gênero permanece e exerce notável influência sobre a renda e outros indicadores de qualidade de emprego de homens e mulheres. Embora com alguns avanços, ainda persiste no imaginário social de homens e mulheres que os mesmos ocupam lugares sociais determinados que seja definido desde o início da socialização de ambos e que isso interfere também no espaço de trabalho, já que tanto os homens, quanto as mulheres entrevistadas mencionaram que existem diferenças de gênero no espaço do trabalho. Palavras-chave: Trabalho feminino, Relações sociais de gênero, Ocupações masculinas, Segregação ocupacional por sexo Página 41 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Introdução Este texto foi construído a partir dos resultados da pesquisa “Ainda precisamos avançar? Os impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: as frentistas e as policiais femininas de Montes Claros – MG” e tem como objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões que são representadas como ocupações masculinas. O intuito é de verificar como as policiais femininas e as frentistas que trabalham nos postos de combustíveis da cidade, representam e são representadas pelos colegas do sexo oposto, quanto às suas atividades profissionais, bem como se, no imaginário dos referidos trabalhadores – homens e mulheres – está havendo uma invasão do território masculino (na Polícia Militar e nos postos de combustíveis) por parte das policiais femininas e frentistas. A perspectiva teórica utilizada Os estudos de gênero A partir do final dos anos 80, uma nova terminologia passou a ser utilizada nos estudos sobre a mulher: estudo de gênero. Suárez (2000) situou a categoria gênero entre os polos do essencialismo biológico e do construcionismo social, não optando pela defesa de um ou do outro. Para ela, a literatura em temática optou pela desconstrução do conceito de sexo (como diferença sexual), em favor da construção social do sexo. Assim, o biológico é o primeiro dado e serve para classificar os seres humanos como machos ou fêmeas. Já a construção social, a identidade do gênero masculino e do feminino dependerá de cada cultura. Então, ser homem ou ser mulher não se reduz apenas aos caracteres sexuais, mas, fundamentalmente, a uma série de atributos morais e comportamentais que são socialmente produzidos e compartilhados. As desigualdades de gênero no contexto do trabalho Foi, sobretudo a partir da década de 70, marco do crescimento da força de trabalho feminina, que a Sociologia do Trabalho incorporou em suas pesquisas a temática da divisão sexual do trabalho e a discussão sobre a divisão social do trabalho. Página 42 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS A partir de então, o trabalho deixa de ser um elemento sem sexo, para se transformar em uma categoria sexuada, ou, como define Souza-Lobo (1991), de dois sexos distintos. Até o presente momento, as discussões em torno da temática do trabalho feminino, apesar de destacarem a importância da variável sexo como elemento na divisão do trabalho, reforçavam o argumento da diferença biológica e naturalizante como fator determinante das relações de trabalho entre homens e mulheres e, consequentemente, afirmavam a inferioridade da mulher no mercado de trabalho (Bruschini, 1997). Nas últimas décadas, as análises em torno da divisão sexual do trabalho têm incorporado a dimensão do gênero. Esta incorporação apresenta um efeito desmistificador da divisão do trabalho, como uma questão meramente econômica, dividida entre os sexos – masculino e feminino – assumindo que é, além de tudo, uma dimensão simbólica e cultural que só poderá ser satisfatoriamente explicada a partir do uso da categoria gênero. Em relação ao mercado de trabalho, um aspecto importante é a mudança no conceito do trabalho que, antes dos anos 70, era entendido apenas como trabalho remunerado ou produtor de bens alocáveis ao mercado. Com a incorporação da atividade doméstica, também como categoria analítica, ocorreu a ampliação do debate sobre as várias interfaces do trabalho, ou seja, trabalho realizado para o mercado, trabalho realizado no espaço doméstico, trabalho de homens e trabalho de mulheres. As discussões na Sociologia do Trabalho passaram a ser feitas em torno de questões como a construção de identidades pelo trabalho, que configurou o trabalho feminino com menor valor real e simbólico em relação ao masculino e também a oposição masculino-feminino. A partir de então, o mercado de trabalho passou a retratar as discriminações sofridas pelas mulheres na esfera pública, incentivando, apesar de algumas mudanças, a persistência da diferença entre o trabalho de homens e mulheres. Com a inserção das trabalhadoras no mercado, a tendência verificada é a de segregar as mulheres em determinados setores industriais e em algumas ocupações específicas. Por exercerem, na maioria das vezes, funções definidas como menos qualificadas, as mulheres percebem um rendimento menor, sendo sempre mantidas, hierarquicamente, em posição inferior à dos homens e, geralmente, em condições precárias de trabalho. O que se verifica é que, embora as mulheres tenham ocupado determinados espaços importantes, em termos de rendimentos, isso não traduz em alteração. Pois, como Página 43 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA afirma Bruschini (1997), a tendência no Brasil é pela persistência das desigualdades salariais entre os sexos. Com relação à precariedade do trabalho feminino, um aspecto a ser destacado é que, com as mudanças no mundo do trabalho decorrentes da especialização flexível, as mulheres têm sido requisitadas (mais do que os homens) para executarem atividades que exigem habilidades naturalizadas (ligadas aos saberes femininos), como destreza manual, atenção a detalhes e paciência para realizar trabalhos repetitivos. Entretanto, essas habilidades não são consideradas como qualificação, fazendo com que as trabalhadoras continuem sendo submetidas a salários inferiores aos dos homens. Pesquisas mais recentes, sobre trabalho de mulheres enfatizam o substancial crescimento do ingresso da força de trabalho feminina nos postos de trabalho, mesmo que não caracterize mais uma alternância, devido à interrupção da carreira profissional da mulher, em função da maternidade e retorno após o crescimento dos filhos. Não tem havido, entretanto, mudanças na forma como as mulheres se inserem no mercado, muito menos transformações no sentido de promover a igualdade salarial entre as profissões masculinas e femininas. Verifica-se a presença massiva de mulheres em condições de trabalho precário, sem carteira assinada e com instabilidade no trabalho. Na verdade, o que se verifica é um paradoxo: por um lado, uma tendência inovadora, que é a conquista de melhores empregos pelas mulheres com maior escolaridade; por outro lado, a predominância dos guetos femininos, ou seja, “ocupações com elevada concentração de mulheres, bem como de desigualdades salariais entre os trabalhadores de ambos os sexos, mesmo nos bons empregos” (Bruschini e Lombarde, 2003: 323). Hirata (1998) defende a tese de que a baixa valorização do trabalho da mulher em relação ao trabalho do homem é relacionada a dois fatores interligados: a divisão sexual do trabalho e as relações sociais entre os gêneros. Sobre a divisão sexual do trabalho, a autora afirma que os homens, ao se representarem e serem representados como os principais executores de outras atividades produtoras de rendimentos, são dispensados do trabalho doméstico; já as mulheres, por desejarem e/ou necessitarem ingressar no mercado de trabalho, têm que fazer a articulação com o trabalho doméstico. Para Bruschini e Lombardi (2003), os fatores explicativos do aumento da contratação da mão-de-obra feminina são as mudanças ocorridas no país, sobretudo, depois dos anos 70, e que podem ser compreendidas pelas transformações de ordem demográfica, social e cultural, que afetaram não só as mulheres, mas o conjunto das famílias. Página 44 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS As autoras enumeram alguns fatores explicativos em relação à participação das mulheres no mercado de trabalho: 1. A queda da fecundidade, que reduziu o número de filhos por mulher, nas cidades mais desenvolvidas, liberando as mulheres para os postos de trabalho; 2. A expansão da escolaridade (especialmente de cursos superiores), que viabilizou o acesso das mulheres ao mercado de trabalho em novas ocupações; 3. As transformações culturais nos valores relativos ao papel social da mulher, impactado pela atuação do movimento feminista; 4. A alteração da constituição da identidade feminina voltada para o trabalho produtivo, resultante da atuação das mulheres nos espaços públicos. Para as autoras, o trabalho feminino é marcado por mudanças e persistências. Apontam como mudanças a alteração do perfil de trabalhadoras dos anos 1980, que era composto geralmente por jovens, solteiras e sem filhos, passando a ser integrado por mulheres mais velhas, casadas e com filhos. Portanto, a responsabilidade de cuidar dos filhos, tradicionalmente reconhecida como atividade feminina, não se constitui mais em empecilho para o ingresso das mulheres nos postos de trabalho. A maior participação pode ser explicada tanto pela necessidade de complementar a renda familiar como pela elevação da escolaridade, que qualifica as mulheres para competirem no mercado, embora persistam ainda piores condições para o trabalho feminino. Metodologia No que tange à perspectiva metodológica adotada, a intenção foi combinar as técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram conhecer as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Na parte quantitativa foi feito um levantamento do número de trabalhadores (homens e mulheres) que trabalham na Polícia Militar e nos postos de combustíveis de Montes Claros – MG. Na parte qualitativa, foram realizados quatro grupos focais com homens e mulheres que trabalham como frentistas e como policiais na referida cidade. O roteiro Página 45 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA para a realização dos grupos foi previamente elaborado e as questões versavam sobre aspectos relativos aos objetivos da pesquisa. O mercado de trabalho em Montes Claros-MG a partir da análise de ocupações “masculinas” preenchidas por mulheres As categorias utilizadas para analisar as dimensões de gênero dentro do mercado de trabalho e, sobretudo, as discrepâncias salariais e de condições de trabalho entre homens e mulheres foram operacionalizadas neste trabalho pela análise da situação de mulheres com ocupações consideradas masculinas. O universo empírico da pesquisa foi constituído por policiais militares e frentistas de postos de combustíveis da cidade de Montes Claros-MG. 2 No caso dos policiais, foram selecionadas casualmente pessoas do quadro efetivo da AISP 99 e no que respeita os frentistas, foi feito o levantamento de todos os postos e selecionados aqueles em que constam homens e mulheres trabalhando no atendimento ao público. Os dados ora apresentados e que recebem tratamento quantitativo, quando se trata de traçar o perfil dos entrevistados, foram coletados in loco, através de aplicação de questionário, em fase preliminar à realização da pesquisa qualitativa. Por não adotar, portanto, nenhuma espécie de amostragem probabilística, já que não se intenciona generalizações dos resultados obtidos, o critério de escolha dos sujeitos da pesquisa se deu de forma a proporcionar uma efetiva comparação em relação ao objetivo do estudo, qual seja averiguar as disparidades verificadas entre homens e mulheres no mercado de trabalho, especificamente com relação às mulheres que têm ocupações consideradas “masculinas”. 2 Não foram considerados os policiais nem os frentistas de todo o município de Montes Claros, mas apenas o que trabalham no perímetro urbano do município. Página 46 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS GRÁFICO 1 – Profissão dos entrevistados Profissão do entrevistado 33% 67% frentista policial FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 No gráfico 1 é apresentado o universo de pesquisa, sendo 67% dos entrevistados frentistas – homens e mulheres que atuam no atendimento dos postos de fornecimento de combustíveis – e 33% policiais militares, de ambos os sexos, que integram a Área Integrada de Segurança Publica (AISP) 98. É posto que houvesse um equilíbrio quanto à participação de homens e mulheres na pesquisa, independente do grupo referenciado. GRÁFICO 2 – Sexo dos entrevistados Sexo do entrevistado 47% homem 53% mulher FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 A participação da mulher no mercado de trabalho sofreu alterações consideráveis nos últimos tempos, sobretudo na década de 1970. Uma questão que merece relevo é que essa inserção não faz com que a mulheres deixem de desempenhar suas funções como mães, donas de casa e principais responsáveis pela administração do lar. Isso pode explicar, ao menos em parte, a complexidade da participação da mulher Página 47 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA no mercado do trabalho em comparação com os homens. O pressuposto de que o número de mulheres no mercado de trabalho tem aumentado é confirmado pelo efetivo policial, como demonstrado pelo gráfico 3. GRÁFICO 3 – Efetivo policial militar da região sudeste por gênero 2002 Efetivo policial militar da região sudeste por genêro (2002) 100.000 78.517 80.000 60.000 20.000 36.709 34271 40.000 6.802 2429 548 1.517 8.406 0 ES MG RJ Homens SP Mulheres Fonte: Adaptado de Musumeci e Soares, 2004. Quando se trata da construção de parâmetros que retratem as nuanças da desigualdade de gênero com relação ao mercado de trabalho, a variável educação é tida como parâmetro central para se estabelecer as possíveis relações. Na faixa de nível de escolaridade mais baixa não há nenhuma mulher. Todas, portanto, têm escolaridade superior nessa faixa e entre os homens, 10,5% têm ensino fundamental. No nível médio, é possível perceber que não existe grande discrepância entre homens e mulheres. Com ensino médio incompleto, homens e mulheres perfazem 10,5% e 11,8% respectivamente. Com médio completo, há 47% das mulheres e 57.9% dos homens. Quando se trata de ensino superior, 35% das mulheres encontram-se cursando algum curso e apenas cerca de 5% dos homens estão matriculados nesse nível. Com o curso superior completo, no entanto, não há nenhuma mulher avançando para pós-graduação, há 10,5% e 5,9% dos homens e mulheres como consta no gráfico 3. Página 48 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS GRÁFICO 4 – Escolaridade dos entrevistados Escolaridade Grau de instrução Especialização ou mais 8,3 2,8 Superior completo Superior incomp. 19,4 52,8 Médio completo Médio incompleto Série1 11,1 5,6 Fundamental 0 10 20 30 40 50 60 (%) FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Os dados do estudo apresentam a mesma tendência dos dados referentes a todo o país: a verificação de melhores condições das mulheres em relação aos homens em todos os indicadores educacionais. (IPEA, 2008). A questão a ser ressaltada nesse sentido é que a vantagem das mulheres na educação não se traduz em maior ocupação no mercado de trabalho, postos mais qualificados e maiores salários. As intensas disparidades, nesse sentido, evidenciam que o aumento do nível de escolaridade das mulheres não se reverteu em aumento de salários. Mesmo com 15 anos ou mais de escolaridade, os salários das mulheres representam apenas 61% dos salários dos homens (idem). Ao se comparar escolaridade sobre a ótica da divisão sexual, o que se percebe é uma maioria masculina em quase todos os segmentos, exceto no nível superior onde o percentual feminino chega a ser 6 vezes maior que o masculino. Página 49 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA GRÁFICO 5 – Escolaridade dos entrevistados Escolaridade Médio incompleto 11,8 Especialização ou mais 5,9 Superior completo 5,3 Superior incomp. 5,3 10,5 35,3 47,1 Médio completo Médio incompleto 10,5 Fundamental 10,5 0 10 20 30 Homen 40 50 57,9 60 70 Mulher FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Quanto ao estado civil, nota-se uma maioria de solteiros, representando 55% do universo de pesquisa. Apenas 3% declaram união estável e 42% são casados – o que mostra uma equivalência relativa entre solteiros e casados. GRÁFICO 6 – Estado civil dos entrevistados Estado Civil 3% 42% Solteiro(a) Casado (a) 55% União estável FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Na comparação feita entre sexo e estado civil dos entrevistados o que se apresenta é um número muito maior de mulheres solteiras, representando 70,6% das mulheres da amostra. Quanto aos homens, os casados são maioria apresentando 52,6% dos homens da amostra. Os homens que declararam ter união estável representam 5,3% do total de homens. Página 50 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Este gráfico representa uma variável dependente da apresentada acima, onde o grupo que declara ser casado aponta se o(a) companheiro (a) tem a mesma profissão. Destes, 44% não compartilham a mesma profissão com seus(uas) companheiros (as) e 14% tem a profissão em comum. GRÁFICO 7 – Profissão dos companheiros dos entrevistados Se casado, o companheiro tem a mesma profissão 14% 42% Sim Não Não se aplica 44% FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Em relação ao tempo de trabalho na profissão pesquisada – frentistas e policiais, a maioria declara ter entre 1 a 5 anos de atuação. É notado também que uma parcela representativa tem entre 5 ou mais anos de atuação na profissão atual, sendo 36,1%. GRÁFICO 9 – Tempo de Profissão dos entrevistados Tempo de profissão Mais de 10 anos 13,9 Mais de 5 a 10 anos 22,2 Mais de 1 a 5 anos 36,1 Menos de 1 ano 27,8 0 5 10 15 20 25 30 35 40 FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Quanto à ocupação anterior dos entrevistados, a categoria frentista apresenta uma maior variedade de profissões, enquanto nos policiais militares, o que se evidencia Página 51 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA é que 50% da amostra não exerceram outra ocupação, enquanto apenas 33% dos frentistas não declaram uma ocupação anterior. Uma variável considerada para o estudo de disparidade entre homens e mulheres é a ocupação de cargo de chefia. Nos casos analisados, nenhuma mulher, nem policial nem frentista está nessa condição, ao passo que 15% dos homens entrevistas exercem funções de chefia. Um contraponto que pode ser considerado em relação à ocupação de cargo de chefia é o trabalho doméstico remunerado. Essas ocupações geralmente possuem baixo valor social e são predominantemente de mulheres. Entre a população masculina ocupada, apenas 0,9% de homens exerciam trabalho doméstico remunerado em 2006 no Brasil. Em contrapartida, 16,5% de mulheres exerciam esse tipo de trabalho. Desta forma, é possível afirmar que o trabalho doméstico remunerado ainda se constitui como um espaço de atuação predominantemente de mulheres no Brasil. (IPEA, 2008). As mulheres, portanto, ainda são mais relacionadas ao trabalho doméstico e na produção para próprio consumo e trabalho não remunerado, enquanto os homens ocupam mais postos com carteira de trabalho assinada e de empregador. Dos profissionais entrevistados, apenas 8% declaram ocupar cargo de chefia. A grande maioria, 92% dos entrevistados, não exerce função de chefia. GRÁFICO 11 – Ocupação de cargo de chefia Ocupa cargo de chefia 8% Sim Não 92% FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 A mulher, ao longo da história, tem ocupado setores no mercado de trabalho que são definidos com sendo majoritariamente femininos, como saúde, principalmente a enfermagem e a educação, por exemplo. Essas ocupações estão relacionadas à dimensão do cotidiano doméstico das mulheres que cuidam dos filhos e administram a casa em Página 52 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS geral. Nesses casos, ou seja, nas áreas em que as mulheres são mais presentes, elas chegam a ter uma renda média 25% superior a dos homens. Por outro lado, em se tratando de áreas em que são maioria, os homens chegam a ganhar até 70% a mais do que as mulheres. (IBGE, 2006). Isso indica que a desigualdade de renda apresenta duas faces: elas são verificadas entre as carreiras e dentro das carreiras. Em ambientes profissionais com maioria de homens, as mulheres, via de regra, ocupam posições mais baixas e subordinadas; e, consequentemente, recebem salários inferiores. A média de renda dos homens é de R$ 1.463,15, enquanto que a das mulheres é R$ 1.078,76. É importante ressaltar que as rendas foram consideradas em conjunto, o que justifica um alto desvio padrão, já que a renda de policiais é, consideravelmente, superior à dos frentistas. Quadro 6 - Média de renda dos(as) policiais e frentistas por sexo Homem Mulher Renda Renda Renda Renda familiar pessoal familiar pessoal 1867,89 1463,15 2270,58 1078,76 1500 800 1600 700 1172,80 1335,93 1522,23 625,99 Mínimo 600 565 800 550 Máximo 5500 5500 6300 2100 Média Mediana Desvio Padrão Fonte: pesquisa de campo – abril de 2010. Considerando a amplitude da renda, nos extremos também temos a mesma tendência: o maior salário de homens, por exemplo, é o dobro do maior salário das mulheres. Assim, isso vem reforçar os argumentos de Bruschini e Lombarde (2007) que as mulheres ainda ganham menos do que os homens, mesmo exercendo as mesmas funções. Impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG Nesta seção serão apresentadas as visões dos colaboradores dos grupos focais sobre a inserção de mulheres em ocupações que, tradicionalmente, foram reconhecidas como o lugar de homens. Assim, o objetivo é de mostrar como homens e mulheres que trabalham nos postos de combustíveis e na Policia Militar na cidade de Montes Claros – Página 53 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA MG pensam e representam o fato de mulheres estarem se inserindo e exercendo atividades que até a alguns anos atrás eram espaços exercidos apenas por homens. As visões dos frentistas masculinos e femininos Quando questionados como se sentem trabalhando com homens ou mulheres na empresa, verifica-se; pelas respostas, que tanto os homens como as mulheres que exercem a função de frentistas nos postos de combustíveis, declararam se sentirem bem trabalhando ao lado de pessoas do sexo oposto ao seu. A maioria deles ou delas considerou que o local de trabalho é um ambiente harmônico e que não existe distinção entres homens e mulheres dentro do espaço do trabalho. Em relação à capacidade de homens e mulheres nos postos de combustíveis, as falas mostram que, em geral, os homens consideram que todos têm as mesmas capacidades, entretanto, alguns homens ressaltam as qualidades femininas das mulheres na medida em que consideram que as mulheres são mais frágeis, mais criativas, mas ao mesmo tempo, consideram que algumas atividades são pesadas para elas. As falas abaixo são bem elucidativas para se compreender esta questão. Tem as mesmas capacidades, só que e um pouco diferente devido ser mulher, para mim o trabalho é mais serio, a mulher é muito companheira (colaborador 12 – homem, frentista). Bem, acho que tem as mesmas capacidades, mas tem um toque feminino na empresa, sobre a limpeza o toque feminino é outra coisa. (colaborador 10 – homem, frentista). Tem sim, tem as mesmas capacidades, porém a mulher é mais delicada e o homem mais bruto, rústico. (colaborador 18 - homem frentista). Acho que não. Às vezes tem algum serviço bruto que não serve para mulher. (colaborador 21 - homem frentista). Não, acho que mulheres deveriam trabalhar menos. Isso não é serviço para mulheres. (colaborador 9 - homem frentista). Tem as mesmas capacidades, porém entra uma questão física e a mulher sente certa dificuldade para estar executando alguma atividade que exige certo esforço físico, no caso dos postos de combustível e mais complicado para mulher pelo fato de elas serem muito assediadas (colaborador 20 – homem, frentista). Página 54 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Já as mulheres consideram que não tem diferença entre os homens e mulheres em relação às capacidades. Para elas, homens e mulheres têm as mesmas capacidades, mas algumas também consideram que existem algumas atividades que as mulheres não fazem tão bem quanto os homens devido à própria constituição física da mulher que é diferente do homem. Sim, acho que capacidade a mulher tem como o homem também tem, mas a mulher não pega peso. Então tem que ter agilidade e atenção. (colaboradora 22 – mulher, frentista). Acho que tem coisas que a mulher não consegue fazer tão bem quanto os homens, por exemplo, a mulher não consegue trocar o óleo como o homem troca (colaboradora 8 mulher frentista). Quando questionados se o fato de ser homem ou mulher ajuda ou atrapalha no desempenho das funções nos postos de combustíveis, as falas mostram que os homens se dividem, há uns que acham que ajuda porque as mulheres são mais cuidadosas, têm mais jeito do que os homens para o exercício de determinadas atividades. Ajuda, mulher é mais jeitosa em certas coisas do que o homem. (colaborador 19 – homem, frentista). Esse depoimento mostra que ainda persiste no imaginário dos homens que as mulheres são mais preparadas do que os homens para o exercício de atividades que exigem cuidar de determinada coisa ou de alguém. Isso nos remete à teoria de Suarez (2000) quando ela considera que, desde a infância, mulheres e homens são socializados para determinados papéis sociais. Assim como considera também Aguiar (1996), a mulher é socializada para cumprir a função afetiva, de cuidar da casa, dos filhos e familiares. Já os homens são socializados para cumprir a função instrumental, ou seja, de prover a família de alimentos, vestuários enfim, de todas as necessidades familiares. É interessante destacar que mesmo com todas as mudanças no mundo do trabalho e consequentemente o ingresso de mulheres em postos de trabalho que antes eram preenchidos exclusivamente por homens, ainda persiste no imaginário dos homens lugar social diferenciado para homens e mulheres. As falas abaixo mostram como os homens pensam em relação ao exercício da função de frentista, ou seja, eles consideram que o fato de ser homem ajuda no exercício de suas atividades nos postos de combustíveis. Página 55 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Não, tanto como no físico como no mental, às vezes homem tem mais vantagem. (colaborador 17 – homem, frentista). Eu acho que ajuda, porque, por exemplo, sair daqui para abastecer, trocar óleo exige força. (colaborador 22 – homem, frentista). Ajuda, homem é melhor de serviço do que as mulheres. (colaborador 15 – homem, frentista). Já as mulheres pensam de forma totalmente contrária aos homens, elas avaliaram que não existe diferença se for homem ou mulher. Argumentam que se a pessoa tiver alguns atributos como ser esforçada e/ou persistente ela dá conta de exercer as mesmas atividades que as dos seus colegas. Igual, não vejo diferença entre homem e mulher, acho que os dois trabalham bem, é só ser esforçado ou esforçada. (colaboradora 3 - mulher, frentista). Igual, no serviço aqui na empresa é tranqüilo tanto para homem quanto para mulher (colaboradora 7 - mulher, frentista). Um dos objetivos da pesquisa ainda era saber se a pessoa (homem ou mulher) era tratada de forma diferente por causa do sexo. Pelas falas dos colaboradores nem os homens e nem as mulheres são tratados de forma diferente por causa do sexo. Tanto eles quanto elas consideram que, embora o atendimento da mulher seja diferente, inclusive pela “delicadeza” da mulher, a questão do sexo da pessoa não culmina num tratamento diferenciado por parte dos clientes. Não, com relação a clientes, há brincadeiras, mas não há problema algum. (colaborador 17 – homem, frentista). Não, cada um tem seu valor, é lógico que o atendimento de mulher é diferente, mas ambos são importantes. (colaboradora 23 - mulher, frentista). Apenas um colaborador do sexo masculino considerou que no exercício da profissão de frentista o homem trabalha melhor do que a mulher. Isso sugere que ele levou em conta a força física que tem que ser usada para o exercício deste tipo de atividade. Embora a literatura sobre trabalho e gênero considere que as mulheres têm Página 56 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS ingressado em atividades que antes eram apenas masculinas, o que se percebe é que, na prática, ainda existe uma segregação do trabalho feminino em relação ao trabalho masculino, ou seja, as mulheres ainda são a maioria em ocupações tidas como eminentemente femininas como recepcionistas, secretárias, enfermeiras etc. (Bruschini e Lombarde, 2003). Não, eu acho que nesta profissão o homem ainda faz um serviço melhor que a mulher. Tem coisas que e a mulher ainda não dá conta de fazer. Não são todas, mas eu vejo ainda uma grande diferença. (colaborador 14 – homem, frentista). Os policiais masculinos e femininos Os policiais masculinos relataram que se sentem bem trabalhando com as policiais femininas, eles argumentam que não existe uma grande diferença entre o trabalho de homens e de mulheres na polícia porque todas as pessoas quando vão ingressar passam por testes físicos que são determinantes para o ingresso na corporação. No momento da realização do grupo focal com os policiais masculinos pôde-se observar que estes nutrem um grande carinho por suas colegas mulheres, por isso todos os componentes do grupo relataram que sentem se bem exercendo atividades com as suas colegas. Apenas um policial considerou a força física como um aspecto que limita o desempenho da atividade feminina na Policia Militar, mas, no geral, as falas que predominam são aquelas em que os homens se sentem confortáveis trabalhando com mulheres como pode ser observado pelos depoimentos a seguir: Bom, a experiência de trabalhar com policiais femininas é a mesma coisa de estar com masculino, não vejo diferença nisso até mesmo porque o mesmo treinamento que eu recebo ela também recebe. (colaborador 25 - homem, policial). Na minha opinião antes existia um grande preconceito com a mulher na policia, hoje não existe este preconceito, o que existe são limitações ao trabalho feminino aqui, mas pelo fato da força física delas, é visto que as mulheres são imprescindíveis neste serviço. (colaborador 26 - homem, policial). Sinto-me como se estivesse trabalhando com parceiro do sexo masculino, até mesmo porque o treinamento é o mesmo. (colaborador 28 – homem, policial). Página 57 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA As policiais também relataram que se sentem bem trabalhando com colegas do sexo oposto uma vez que, para elas, existe uma relação de respeito e harmonia dentro da corporação. Também pela observação durante a realização dos grupos focais, pôde-se perceber que existe uma relação respeitosa entre homens e mulheres no ambiente da polícia. Sinto-me satisfeita uma vez que, meu ambiente de trabalho é harmônico não havendo distinção entre homens e mulheres. (colaboradora 32 - mulher, policial). Sinto-me bem já que sou respeitada e valorizada no meio policial. (colaboradora 31 mulher, policial). Embora as policiais relatassem que se sentiam bem dentro do ambiente policial e que existia uma relação harmoniosa com os seus colegas homens, uma policial relatou que existem ainda alguns momentos de machismo dentro da corporação como pode ser observado pelo depoimento abaixo: Me sinto bem, apesar de alguns momentos ainda machistas (colaboradora 31 mulher policial). Quando foram questionadas sobre as capacidades de homens e mulheres no ambiente policial, as policiais, em geral, consideraram que tanto homens como mulheres têm capacidade intelectual para o desempenho da função dentro da polícia. Mais uma vez os policiais argumentaram que a mulher é mais atenciosa para passar as informações para os colegas homens. De novo dá para identificar a representação da mulher como um ser carinhoso e atencioso retornando assim a concepção de lugar social diferenciado de homens e mulheres na sociedade como atesta Suarez (2000). Tem mulheres que desempenham trabalho melhor que homem, um exemplo disso é pelo fato da mulher quando está na rua e precisamos de informação de certo individuo, ela me passa todas as informações e as características necessárias que facilitam o nosso trabalho. (colaborador 26 - homem, policial). A mulher tem que estar preparada para entrar na polícia, para usar os equipamentos necessários, isso é válido não só para elas, mas também para os homens. (colaborador 30 - homem, policial). Página 58 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS As policiais femininas, mesmo considerando que todos têm a capacidade intelectual para exercerem as atividades dentro do cotidiano da polícia, ressaltam que dependendo do tipo de atividade a ser executada, às vezes, os homens têm mais capacidades para uma determinada tarefa do que as mulheres e o contrário também pode acontecer. Capacidade intelectual entre homens e mulheres é igual, mas considero a força física diferenciada, por isso para trabalhar da mesma forma irá depender do tipo de trabalho a ser realizado. (colaboradora 31 - mulher, policial). A tendência é todos trabalharem da mesma forma. E sim temos capacidades diferentes porque somos diferentes. (colaboradora 34 - mulher, policial). O serviço é o mesmo. Entretanto as capacidades são distintas. (colaboradora 33 mulher, policial). Direcionando a análise para a questão se o fato de ser homem ou mulher ajuda ou atrapalha no desempenho das funções dentro da corporação, os colaboradores do sexo masculino consideraram que não necessariamente atrapalha pelo fato da pessoa ser de um ou do outro sexo, mas por serem pessoas diferentes, isso influencia o exercício das atividades profissionais. Contudo, eles não consideram isso como um fator negativo, embora existam limitações físicas para as mulheres exercerem determinado tipo de atividades, eles viam isso como um elemento complementar, ou seja, pelo fato de homens e mulheres serem pessoas diferentes, eles se completam, inclusive no cotidiano da atividade profissional. Totalmente diferente no geral, e mesmo socialmente elas são diferentes. São diferentes homens e mulheres, porém um completa o outro. (colaborador 26 - homem, policial). Tem que existir mesmo essa diferença. Não é porque ela entrou neste serviço que ela vai mudar, seu estilo tem que existir. Mas mesmo a mulher sendo diferente o tratamento é igual. (colaborador 29 - homem, policial). Força física entre homens e mulheres é diferente, porém tecnicamente é a mesma coisa. (colaborador 30 - homem, policial). Página 59 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA As mulheres consideraram que o fato de ser mulher ajudava no exercício de suas atividades já que tem atividade que só a mulher pode realizar, como uma busca numa mulher, por exemplo. Só ajuda, tendo em vista que tem serviço que só uma policial feminina pode realizar como uma busca pessoal em mulheres. (colaboradora 27 - mulher, policial). Algumas argumentaram também que o fato de ser mulher, às vezes,dificulta o exercício de suas funções já que muitas vezes são vítimas de preconceito pelo fato da sua condição feminina. Uma possível explicação para esta situação pode ser encontrada na literatura corrente sobre a temática das relações sociais de gênero – discutido no referencial teórico deste relatório – que afirma que homens e mulheres são vistos a partir do lugar social definido previamente para ambos pela sociedade. Assim, embora as mulheres estejam ingressando em áreas que antes eram exclusivamente masculinas tais como: engenharia, medicina, policiais, frentistas, elas ainda são reconhecidas e vistas como pessoas cujo lugar social preferencial é o espaço da reprodução e quando estão inseridas no mercado de trabalho, em ocupações masculinas, como é o caso das policiais que colaboraram com os grupos focais, elas vivem esta tensão entre o lugar que estão e o lugar que a sociedade acha que elas deveriam estar. O fato de ser mulher dificulta às vezes na forma como o problema é resolvido. Em primeira instância somos vistas com preconceito. (colaborador 31 - mulher, policial). Sim, às vezes somos privadas ou inferiorizadas em determinadas situações. (colaboradora 33 - mulher, policial). Por fim, em relação à questão se a pessoa é tratada de forma diferente por causa do sexo, as falas demonstram que tanto os homens como as mulheres não veem problemas em conviver e trabalhar com pessoas de outro sexo. Os policiais masculinos consideraram que, no cotidiano do trabalho na Policia Militar, a relação com as colegas é pautada por respeito e cordialidade por parte dos colegas homens. Eles destacaram que pela especificidade das atividades desenvolvidas, na maioria das vezes, existem muitos casamentos entre policiais, o que de certa forma facilita a relação conjugal entre os policiais que são casados com colegas. Página 60 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS A relação e tão harmoniosa que a maioria das policiais femininas é casada com militares, algumas outras entram casadas e devido o marido não aceitar seu horário de trabalho se separa e acaba se envolvendo com um militar, devido ser da mesma área facilita o entendimento entre eles. (colaborador 26 - homem, policial). Outro aspecto destacado pelas mulheres no momento da realização dos grupos focais foi a situação de contradição que elas vivem, pois ao mesmo tempo em que são tratadas como mulheres,( inclusive uma colaboradora relatou que sempre foi respeitada e teve a preferência em relação aos homens, em ônibus com cadeiras para se sentar, por exemplo) são vistas como soldados como atesta o depoimento abaixo: Depende da ocasião. Em relação a preferências ex: cadeiras, passagem sempre me concedem a preferência. Mas como profissional sou vista como um soldado e pela minha capacidade de produção. (colaboradora 32 - mulher, policial). Um aspecto interessante, a partir dos depoimentos, é que embora as mulheres afirmassem que se sentiam bem trabalhando na Polícia Militar de Montes Claros, que são tratadas de forma respeitosa pelos colegas homens, elas também deixaram transparecer a partir das suas falas nos grupos focais que ainda existem no cotidiano da corporação alguns policiais de sexo masculino que ainda têm preconceito contra mulheres que exercem este tipo de ocupação, em relação ao ingresso e permanência de mulheres na Polícia Militar. Existem policiais que ainda pensam que não existe lugar para a mulher na instituição da policia militar. Eu particularmente, não me deparei com nenhum deles, diferente de alguns colegas. Mas este já é um comportamento em extinção. Os colegas mais novos e/ou mais abertos, esclarecidos reconhecem a importância do trabalho da mulher dentro da corporação. As empresas devem tratar seus empregados como pessoas diferentes que têm qualidades, capacidades diferentes, e isso deve ser explorado para o bem de todos. (colaboradora 36 - mulher, policial). O que se percebe no depoimento da colaboradora acima é bastante elucidativo para explicitar este contraste, que, mesmo que elas tentem o tempo todo passar a ideia de que o ambiente de trabalho é harmônico, que são respeitadas devido à capacidade que possuem para o exercício da profissão, em alguns depoimentos elas revelam que Página 61 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA ainda existe preconceito contra as mulheres que estão inseridas neste tipo de ocupação tradicionalmente reconhecida como atividade masculina. Em suma, pela realização dos grupos focais pode-se afirmar que os depoimentos corroboram as análises correntes dentro da literatura nacional e internacional, já que se observa um paradoxo. Por um lado, as mulheres estão conseguindo maior acesso no mercado de trabalho em consequência de uma maior escolaridade em relação aos homens, estão tendo acesso a ocupações tradicionalmente reconhecidas como masculinas (engenharia, arquitetura, medicina, polícia – civil ou militar –, construção civil, frentistas em postos de combustíveis, etc.). Por outro lado, embora estes avanços sejam importantes e tenham que ser considerados, a atividade feminina ainda é marcada por preconceito, salários mais baixos do que os dos homens que exercem as mesmas funções, e, sobretudo, pela segregação das mulheres por causa do imaginário social que reserva lugares diferenciados para homens e mulheres dentro da sociedade. (Bruschini e Lombardi, 2007). Considerações Finais Diante do exposto, cabe indagar: é possível falar em simetria de gênero no mercado de trabalho? Pelas argumentações apresentadas e pelos resultados da pesquisa, é notável que ainda há muito a ser conquistado. Mesmo que as desigualdades entre homens e mulheres já estejam minimizadas em muitas dimensões, em outras a diferença ainda é manifesta. No que concerne ao mercado de trabalho, mesmo que as mulheres possuam maior nível de escolaridade e qualificação, seus rendimentos ainda são, via de regra, inferiores aos dos homens nas mesmas condições de ocupação. Os dados da RAIS – Relação anual de informações sociais do ministério do Trabalho e Emprego (2008) – confirmam o panorama de desigualdade discutida teoricamente: em 2007 no Brasil, a proporção dos salários médios das mulheres, se comparados aos dos homens, ficou em 82,8%. Se tratarmos de profissionais que possuem nível superior, a diferença é mais significativa: os salários das mulheres correspondem a 56% dos salários dos homens. Em Montes Claros, no universo pesquisado, essa tendência também se verifica. Por fim, temos colocadas as seguintes questões: O mercado de trabalho brasileiro conta hoje com uma maior participação das mulheres – mesmo com relação às profissões tidas como masculinas -, e mesmo que o aumento tenha sido considerável, Página 62 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS ainda é inferior com relação aos homens. As mulheres, por sua vez, apresentam visivelmente níveis de escolaridade superiores aos dos homens e o paradoxo que se estabelece é que, ainda assim, persistem diferenças importantes de remuneração: os homens recebem salários mais altos do que as mulheres. Na mesma direção, a divisão de ocupações por gênero permanece e exerce notável influência sobre a renda e outros indicadores de qualidade de emprego de homens e mulheres. Assim sendo, qual deve ser a base de explicação para as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho? O pressuposto sustentado é que a divisão de ocupações, a participação e, principalmente a diferença de rendimento podem ser explicados mais pelas construções sociais e culturais, que impõem valores e lugares distintos ao trabalho de mulheres e homens do que por características técnicas ou de escolarização. Como discutido na contextualização teórica do presente texto, embora com alguns avanços, ainda persiste no imaginário social de homens e mulheres que os mesmos ocupam lugares sociais determinados que são definidos desde o início da socialização de ambos. Portanto, já no momento da socialização, as pessoas do sexo feminino são socializadas prioritariamente para o exercício de atividades reprodutivas e as pessoas do sexo masculino para atividades produtivas. Isso nos leva a concluir que, apesar dos avanços no mercado de trabalho, das mulheres estarem tendo acesso a atividades tradicionalmente tidas como masculinas – no caso desse texto as frentistas e policiais femininas – em relação às representações sociais, ainda há uma diferenciação entre homens e mulheres, fato que impacta a inserção das mulheres em ocupações tidas como masculinas. Seria, verdadeiramente, invasão de território se não fosse uma atitude feminina em sua essência, totalmente desprovida de cunho competitivo, consequência da incansável busca por conquistas interpretadas como materiais “aos olhos do machismo”. Bibliografia BRUSCHINI, Cristina.; LOMBARDI, Rosa M. Mulheres e homens no mercado de trabalho brasileiro: um retrato da década de 1990. In As novas fronteiras das desigualdades: homens e mulheres no mercado de trabalho. Margaret Maruani & Helena Hirata (Orgs). São Paulo: Editora SENAC, 2003. 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Página 64 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS VIOLÊCIA COTRA A MULHER: (des) encontros terminológicos e conceituais Ângela Fernanda Santiago Pinheiro Mestranda pelo PPGDS Universidade Estadual de Montes Claros / MG [email protected] Sarah Jane Durães Universidade Estadual de Montes Claros / MG [email protected] Resumo O fenômeno da violência contra a mulher é combatido através de ações de proporção mundial e a promulgação de legislações específicas que se pontuam como mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, tal como a Lei Maria da Penha no Brasil. Mesmo diante da complexidade da violência contra mulheres, a literatura referente a esta temática não apresenta uma distinção clara e precisa que contemple tipos de violências desta natureza. Acredita-se que a compreensão das especificidades da violência contra mulheres e a categorização de alguns tipos de violência favorece discussões teóricas e pode direcionar políticas públicas de combate à violência contra a mulher. O presente trabalho é de natureza bibliográfica, tendo em vista que serão utilizados materiais como livros, artigos, ensaios, resenhas etc., buscando realizar um levantamento teórico sobre a temática em pauta. Tem-se como objetivo identificar, categorizar e descrever alguns tipos de violências que se consolidam na perspectiva de gênero. Inicialmente abordaremos alguns (des)encontros terminológicos e conceituais entre sexo e gênero, a partir das relações de poder estabelecidas tendo como ponto de partida o contrato sexual e as origens do casamento monogâmico e do patriarcalismo. Palavras-chave: Violência, Mulheres, Terminologias Página 65 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Introdução As ações como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a promulgação de legislações específicas que se pontuam como mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, como a Lei Maria da Penha, representa um marco na desconstrução da violência contra a mulher. Este tipo de violência não escolhe raça, cor, idade, nacionalidade ou classe social. Além disto, ainda são alarmantes os índices de mulheres vítimas de violência em decorrência do seu sexo. Diante desta problemática, acreditamos que a compreensão das especificidades da violência contra a mulher e das categorias de tipos de violências semelhantes contribuem para clarear algumas discussões teóricas e direcionar políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Neste direcionamento, pretendemos identificar, categorizar e descrever alguns tipos de violências que se consolidam na perspectiva de gênero, portanto buscaremos discorrer sobre alguns tipos de violências. Inicialmente abordaremos algumas divergências e convergências de conceitos de sexo e gênero, das relações de poder estabelecidas tendo como ponto de partida o contrato sexual e as origens do casamento monogâmico e do patriarcalismo. 1. Sexo ou gênero: equívocos de um conceito Partimos do preâmbulo de que sexo e gênero são termos distintos que especificam contextos e realidades conceituais antagônicos. O primeiro representa uma variável de distinção entre masculino e feminino, já o outro é uma categoria analítica, como veremos. Com respeito ao sexo, Beauvoir (1991) contrasta sobre os aspectos biológicos como atributos distintivos da mulher. A partir deste preâmbulo, entende que “a mulher não poderia ser considerada apenas um organismo sexuado (...) a consciência que a mulher adquire de si mesma não é definida unicamente pela sexualidade. Ela reflete uma situação que depende da estrutura econômica da sociedade” (Beavoir, 1991: 72). Página 66 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Neste sentido, para se compreender o papel da mulher na sociedade é relevante de antemão delimitar sobre os aspectos econômicos que determinam em que conjuntura se constituiu histórica e socialmente, ademais dos aspectos biológicos. A este respeito, considera-se que perspectivas que destacam o papel das mulheres apenas no que diz respeito ao processo reprodutivo, as tornam prisioneiras da biologia, e consequentemente reforça a dependência com relação aos homens. Desta forma, “o feminismo radical considera que para liberar as mulheres é necessário derrotar o patriarcado. Isso só seria possível se as mulheres adquirissem controle sobre a reprodução” (Piscitelli, 2002: 11). Diante deste contexto, busca-se compreender como se construíram os papéis sociais atribuídos ao homem e a mulher no discurso que envolve as relações heterossexuais, especificamente, no contexto do patriarcalismo3. No que concerne, especificamente, à construção social e histórica das diferenças sexuais, Hartmann (1991: 7) pontua que “um sistema de sexo/gênero consiste num conjunto de elementos de tal modo articulados que permitem à sociedade transformar o sexo biológico em produto da atividade humana”. No direcionamento da perspectiva feminista, no discurso de Joan Scott (1995) a opção pelo gênero surge em contrapartida às distinções de sexo, com objetivo de rejeitar o determinismo biológico que este termo incitava. Desta forma esclarece que: A palavra indicava uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’. (Scott, 1995: 72). Assim, Scott (1995, p.75) apresenta a discussão de gênero como uma categoria de análise, de forma que o estudo sobre as mulheres não se dissocia da construção do sujeito masculino. Partindo deste pressuposto, Louro (1997: 9) apresenta que: “[...] enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou feminino”. Desta forma, a autora esclarece os processos de formação da feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos femininos e masculinos centralizam as discussões, ou seja, o conceito direciona para a ideia de relação. 3 “Pode-se definir o patriarcado como um conjunto de relações sociais entre homens, com uma base material e que, embora hierárquico, cria ou estabelece laços de interdependência e solidariedade que permitem a estes estabelecer sua dominação sobre as mulheres. O princípio hierárquico funciona porque os melhor situados permitem àqueles situados abaixo exercer poder sobre quem está ainda mais embaixo, na escala. No patriarcado, o homem mais desfavoravelmente situado tem, não obstante, a possibilidade de exercer poder sobre uma ou mais mulheres” (Hartmann, 1991: 6). Página 67 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA A partir desta premissa do estudo analítico permite-se compreender a conjuntura histórica e social do que é ser homem e ser mulher. Entende-se, portanto, que, no prisma da discussão de gênero, os papéis sociais atribuídos são construídos no contexto social. Por conseguinte, Louro (1997: 10) apresenta que gênero é “fundamentalmente como uma construção social, portanto, histórica, supõe-se que esse conceito é plural, haveria conceitos de feminino e de masculino, social e historicamente diversos”. A compreensão das relações heterossexuais, a partir da polaridade, contribui para “fortalecer a posição conservadora, aceitando que, já que as mulheres não podem ser idênticas aos homens em todos os aspectos, elas não podem ser iguais a eles” (Louro, 1997: 14). Além disto, as concepções que destacam as diferenças dos papéis atribuídos a homens e mulheres numa perspectiva que não contempla a congruência presente na relação entre estes sujeitos, contribui para perpetuação da disparidade destes. Silveira Filho (2010: 8) compartilha desta ideia quando afirma que: “afasta-se, assim, através do uso de conceitos estanques, qualquer possibilidade de se encarar a questão com a complexidade que ela nos exige, percebendo que homens e mulheres influenciam continuamente na construção de suas identidades”. 2. Relações de poder e gênero Como vimos, não há como abordar as relações heterossexuais a não ser a partir da perspectiva do gênero como categoria analítica. Diante disto, partimos da compreensão das relações de poder estabelecidas na perspectiva de gênero. Bourdieu (2010: 50) expõe que a dominação masculina e a submissão feminina devem ser observadas pela lógica dos efeitos duradouros impostos socialmente, que “a ordem social exerce sobre as mulheres (e os homens), ou seja, às disposições espontaneamente harmonizadas com esta ordem que as impõe”. Além de que a concepção do “ser mulher”, como apresenta Bourdieu (2010: 82), é constituída no discurso da diferença, ou seja, na figura do masculino. Em consequência, “a dependência em relação aos outros (e não só os homens) tende a se tornar constitutiva de seu ser”. Também a masculinidade se constitui no processo de interação com a figura do feminino. A este respeito Beauvoir (1991: 78) discorre que a mulher é “para o homem Página 68 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS uma parceira sexual, uma reprodutora, um objeto erótico, um Outro através do qual ele se busca a si próprio”. Através de um diálogo com as teorias clássicas do contrato social, como Locke, Rosseau e Hobbes, Carole Pateman (1993) estabelece uma conexão do estudo do patriarcado e da teoria política para compreender as relações heterossexuais e como estas se organizam em torno dos papeis sexuais desempenhados. Ao abordar o termo “contrato sexual” a autora levanta questionamentos sobre a dominação dos homens sobre as mulheres, temática não contemplada pelos teóricos clássicos. Sobre a relação entre o contrato sexual e o patriarcado, Paterman (1993: 35) esclarece que, “no patriarcado moderno, a diferença entre os sexos, é apresentada como uma diferença essencialmente natural. O direito patriarcal dos homens e sobre as mulheres é apresentado como um reflexo da própria ordem da natureza”. Diante desta vertente, “o patriarcado é entendido, então, como um problema privado e familiar que pode ser resolvido se as leis e políticas públicas tratarem as mulheres como sendo exatamente iguais aos homens” (Pateman, 1993: 35). Por outro lado, quando teorias feministas comparam as mulheres a trabalhadores, por sua posição de subordinação, Pateman (1993: 192) entende que: “o contrato de casamento e a subordinação da esposa como um (tipo de) trabalhador não podem ser compreendidos na ausência do contrato sexual e da construção patriarcal dos ‘homens’ e das ‘mulheres’ e de esferas ‘privada’ e ‘pública”. O papel social da mulher, desempenhando a função de esposa, equipara-se a subordinação do trabalhador. Por conseguinte, o contrato de casamento deve ser analisado na perspectiva do contrato sexual e contextualizado à construção patriarcal. Já, nos anos 70 e meados dos anos 80, a crítica feminista buscou, a partir de grandes teorias, encontrar saídas para o estudo das desigualdades sexuais. A interlocução entre marxismo e feminismo, do ponto de vista teórico e político, destaca pontos de identificação quanto à transformação profunda das relações sociais, seja dos aspectos relacionados às desigualdades entre os sexos, quer entre classes (Scavone, 1991). Sobre o reconhecimento da questão feminina como questão feminista, Scavone (1996) aborda que Engels, em especial, e outros pioneiros marxistas, somente reconheciam a questão feminina, sendo já o suficiente para se tornarem interlocutores do feminismo. Página 69 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA No entanto, as duas teorias, tanto a feminista quanto a marxista, apresentam perspectivas de transformação profunda das relações sociais entre homens e mulheres. Sendo assim, pontua-se que o principal impasse do diálogo entre feminismo e marxismo está “na superação de um determinismo único e no reconhecimento da complexidade de uma realidade social multifacetada, cuja transformação passa pela reformulação das relações de poder em todos os níveis” (Scavone, 1991: 111). Deste modo, apesar de alguns impasses, o diálogo do marxismo e feminismo favorece a compreensão a respeito dos papéis sociais e desigualdades dos sexos. Nesta perspectiva, quanto às contribuições de Engels as teorias do movimento feminista, Scavone (1991: 111) afirma que as análises a partir origem da família “foram importantes instrumentos de denúncia política para o feminismo, ao mesmo tempo que contribuíram na busca de explicações das raízes das desigualdades entre os sexos”. Neste âmbito, Engels (s/d) apresenta as transformações e constituição do que entendemos hoje como família. Portanto, ressalta o casamento monogâmico como fator que exerce influência na formação do papel social desempenhado enquanto esposa submissa ao poder masculino. Para Engels (s/d: 64), a perda do direito materno representou a derrota do sexo feminino, tem em vista que “O homem tomou posse também da direção da casa, ao passo que a mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de reprodução”. A este respeito, Scavone (1991: 108) afirma que, mediante o Direito Materno “as mães gozavam de apreço e respeito que chegava até o domínio absoluto, [...] sugere que a existência de um período de poder das mulheres que elas perderam com a passagem para a monogamia”. Com a transição do casamento pré-monogâmico para o monogâmico, observa-se que em prol dos interesses capitalista e da propriedade privada vê se o usufruto do homem sobre sua esposa, tendo no seu direito de posse a garantia de tê-la como propriedade, não lhe sendo contestado nem mesmo o exercício da violência. Diante disto, Engels (s/d: 65) cita que: “Para assegurar a fidelidade da mulher e, a paternidade dos filhos, a mulher é entregue incondicionalmente ao poder do homem. Mesmo que ele a mate, não faz mais do que exercer um direito seu”. Sobre o ato de violência do esposo, também Saffioti (2001: 115) esclarece que “No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta Página 70 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio”. Esta compreensão entende o ato de violência exercido pelo marido como o direito de posse, a partir da relação estabelecida de dominação e submissão. Até mesmo o homicídio da esposa seria entendido então exercício de direito de propriedade particular. 3. De quais violências estamos falando? As relações de poder, em específico, são pontos cruciais para se compreender a problemática da violência contra mulheres. Nesta perspectiva, distinguem-se tipos de violência que descreveremos. Conforme definição do Diccionario Crítico del Feminismo (2002): São multiformas as violências exercidas sobre as mulheres por razão de seu sexo. Englobam todos os atores que, por médio da ameaça, a coação ou a força, as infligem na vida privada ou pública, sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos, com o fim de intimidar, castigar, humilhar ou afetar sua integridade física e sua subjetividade (Hirata; Laborie; Le Doaré; Senotier, 2002: 291). Desta forma, discorreremos sobre alguns tipos de violências, com o intento de descrever e identificar similitudes e diferenças entre estas. São elas: 1) violência contra mulheres ou violência de gênero 2) violência intrafamiliar ou violência doméstica; 2) violência física; 3) violência machista ou violência moral; 4) violência simbólica ou violência psicológica; 5) violência patrimonial, institucional e outras. 3.1 Violência contra mulheres ou violência de gênero Iniciamos as discussões a respeito das distinções entre os tipos de violência a partir da perspectiva de Debert e Gregori (2008) que situam sobre a noção do uso de deslocamentos semânticos de violência contra mulheres. Apesar de não ser a intenção principal destes autores, estes citam quatro expressões usadas para distinguir os tipos de violência, são elas: violência contra a mulher, violência conjugal, violência doméstica e violência familiar. Página 71 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Especificamente, sobre a terminologia violência de gênero, Debert e Gregori (2008: 167) julgam relevante distinguir o conceito de gênero no âmbito jurídico. Assim apresentam que: “O conceito de gênero, principalmente nos estudos que têm como referência o sistema de justiça, foi incisivo na crítica à vitimização, que compreendia as mulheres como vítimas passivas da dominação”. Já Saffioti (2001: 115) entende que a “violência de gênero é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos”. Neste sentido, Saffioti (2001) justifica a permanência em separado dos termos violência de gênero, violência contra mulheres, violência doméstica e violência intrafamiliar, principalmente, pela necessidade em definir os agentes da agressão e quais são as vítimas. Assim, a violência contra mulheres não só configura os homens adultos como agressores, mas “inclui mulheres em todas as idades, mas exclui homens em qualquer etapa” (Saffioti, 2001: 134). Para Falcke & Wagner (2011: 150) retomam sobre as distinções terminológicas a partir do entendimento de que esta discussão traz a tona: [...] o caráter unidirecional ou relacional da violência entre os cônjuges, pois as terminologias ‘violência de gênero’ ou ‘violência contra a mulher’, ao mesmo tempo que tem o mérito de destacar a preponderância dos casos de violência do homem direcionada à mulher, concomitantemente, acabam refletindo uma perspectiva unidirecional e dualista do fenômeno”. 3.2 Violência Intrafamiliar ou violência doméstica Os termos “familiar” e “doméstica” são consagrados pela Lei Maria da Penha e empregados atualmente em âmbito judicial. Apesar de alguns teórico apresentarem que a nomenclatura violência doméstica "não especifica o vetor da agressão, embora seja muito mais raro que mulheres agridam física e sexualmente homens do que o oposto" (Saffioti, 2001: 134). A este respeito, Debert e Gregori (2008: 170) alertam que o uso do termo doméstica reduz os problemas e compromete a compreensão no sentido de que: “à dimensão familiar (...) aparece como uma expressão englobadora das mazelas da sociedade brasileira e passa a ser confundida e usada como sinônimo da violência contra a mulher, da violência contra a criança ou ainda da violência contra o idoso”. Página 72 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Cada uma destas especificidades, mulher, criança ou idoso como vítima apresentam aspectos diferenciados no que se refere aos aspectos teóricos e práticos na compreensão da violência. Quanto à violência intrafamiliar, para Saffioti (2001: 135) este termo “apresenta grande sobreposição com a doméstica, restringe-se a pessoas ligadas por parentesco consanguíneo ou por afinidade”. 3.3 Violência física Em Mulheres invisíveis: violência conjugal e novas políticas de segurança, Soares (1999) traça um panorama sobre a problematização da violência contra mulheres. A autora contextualiza o movimento feminista americano que definiu a violência doméstica como um problema social e transformou-a em bandeira de luta, nos anos 70. Em contraponto, apresenta o modelo da violência doméstica que não reconhece a especificidade da violência de gênero. Conforme Soares (1999: 82), as discussões sobre violência contra mulheres, pouco a pouco, alteram os rumos do próprio movimento com a incorporação de profissionais como psicólogos (as), assistentes sociais, advogados (as), sociólogos (as), conselheiros (as) e voluntários (as). Ao longo da década de 80, passaram a incorporar novos e múltiplos agentes e vítimas. Além disto, com a relação entre vitimização infantil e futuro comportamento agressivo, as imagens de vítima e agressor acabam se misturando. Sendo assim, “ao contrário, na visão feminista, segundo a qual a violência é um exercício de poder e controle masculinos, a ideia de estresse tem pouco ou nenhum valor explicativo” (Soares, 1999: 92). Azevedo (1985) esclarece que, apesar de reconhecer as formas de violência familiar, concentra-se sobre a violência de natureza física, por entender que esta é a ponto do iceberg. Neste sentido, define violência física como: [...] no uso intencional da força física praticado por um homem contra sua esposa ou companheira com o propósito de 1) causar dor ou ofensa como um fim em si (violência expressiva); 2) empregar a dor, ofensa ou cerceamento físico como punição destinada a induzir a vítima a realizar determinado ato (violência instrumental); 3) combinar ambos os objetivos anteriores (Azevedo, 1985: 21). Página 73 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Especificamente a respeito da violência física, Biasoto (2003: 244) aborda que: “a agressão física surge para pôr fim aos sentimentos incômodos gerados por uma diferença de opiniões, de pontos de vistas, é uma maneira de encarar a angústia do conflito, apaziguar um tormento no relacionamento com o outro”. Para Bisoto (2003: 244), “a violência física usualmente ocorre em uma sequência de outras interações, não necessariamente apenas a ameaça física, mas trocas verbais violentas que afetam a todos”. 3.4 Violência machista ou violência moral Definida na Lei Maria da Penha nº 11304 / 2006, art. 7º, inciso V, como: “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”, a violência moral parte do pressuposto de concepção da mulher como objeto, coisificado e de propriedade do esposo. Diante da observação sobre os fatores que desencadeiam os atos de violência contra mulheres, e em comparação ao sistema capitalista, quando a mercadoria é tida como moeda de troca, e ao mesmo tempo garante o estatus social que representa poder para o possuidor, Lia Zanotta Machado em Feminismo em Movimento esclarece a respeito da representação das mulheres que estas podem ser alvo de violências já que são coisificadas. Assim cita que: Se a economia da mercadoria possibilita a objetivicação e reitificação de pessoas e objetos de tal forma que as mulheres também podem aparecer como objetos, objetos mercantis e objetos de violência; nas sociedades melanésias, a dominação masculina estabelecida em atos de bater nas mulheres se circunscreve a formas de agencialidade masculina que buscam a replicação do prestígio dos homens entre os homens pelo bater nas mulheres, sem que as relações de dominação sejam capazes de englobar todas as relações entre homens e mulheres (Machado, 2010: 89). Saffioti (1987: 78) refere-se às relações de dominação-exploração de gênero, desigualdade de gênero entendendo que “Se todos os membros da sociedade tivessem as mesmas oportunidades, partissem das mesmas condições no processo de luta pela vida, as leis deveriam ser iguais para todos”. Página 74 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Portanto, como são desiguais perante as discriminações patriarcais, “parece clara a necessidade de um Direito desigual no tratamento dos seres humanos socialmente desiguais” (Saffioti, 1987: 79). 3.5 Violência simbólica ou violência psicológica Discutir sobre violência simbólica no contexto da violência contra mulheres contribui para compreender a realidade obscura a qual mulheres agredidas por seus parceiros fazem jus. Bourdieu (2010: 7-8) resume o que apresenta como dominação masculina, como resultante de: [...] violência simbólica, violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. Desta forma, a teoria apresenta por Bourdieu (2010: 52) não desconsidera que “o poder simbólico não é exercido sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que se subordinam a ele porque o constroem como poder”. Pelo contrário, reconhece que há fatores das estruturas cognitivas construídos socialmente e, portanto, representam “inscritos duradouramente no corpo dos dominados sob forma de esquemas de percepção e de disposições (a de admirar, respeitar, amar etc) que o tornam sensível a certas manifestações simbólicas do poder” (Bourdieu, 2010: 53). Já a violência psicológica é definida na Lei Maria da Penha como: [...] a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Artigo 7º, inciso II). Página 75 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA 3.6 Violência patrimonial, institucional e outras A violência patrimonial aparece pela primeira vez no âmbito legislativo nomeado na Lei Maria da Penha nº 11304 / 2006, em seu artigo 7º, inciso IV, entendida como: [...] qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Sinalizamos que a apresentação da violência patrimonial tipificada e definida em uma legislação representa um marco quanto à compreensão da violência contra mulheres, no sentido de agregar um componente até então desprezado. Relações conjugais pautadas em prejuízos patrimoniais para as mulheres podem ser, a partir desta legislação, configuradas como formas de violência passível de punição assim como outras formas de violências descritas na legislação brasileira. Assim como a violência patrimonial, outras terminologias aparecem no contexto da violência contra mulheres, tais como a violência institucional, a violência conjugal, dentre outros. No entanto, opta-se por restringir, nesta pesquisa, às tipologias descritas. 4. Considerações Finais A clareza e entendimento das distinções terminológicas em torno das violências que tem a mulher como vítima e o homem / esposo (parceiro) como agressor justificase, sobretudo, por facilitar o posicionamento consciente diante das diversas abordagens teóricas que circundam esta problemática. Além disto, concordamos que os encontros e desencontros terminológicos e conceituais sobre a violência contra a mulher envolvem aspectos econômicos, históricos e sociais que também devem ser contemplados e abordados. Concluímos ressaltando que além dos tipos de violência outros podem ser apresentados e discutidos, o que abre possibilidades de outras pesquisas sequenciais. Portanto, as conceituações e levantamentos teóricos abordados não encerram o aprofundamento em torno desta temática. Página 76 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Bibliografia AZEVEDO, Maria Amélia (1985). Mulheres Espancadas: a violência denunciada. São Paulo: Cortez. BEAUVOIR, Simone (1991). O segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. BISOTO, L. G. dos A. P. (2003) De que vítima estamos falando? Situações de violência em relacionamentos conjugais. In. Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Summus editorial. BOURDIEU, Pierre (2010). A Dominação Masculina. Tradução de Helena Kuhner. 9.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. BORDO, Susan R. (1997). O corpo e a reprodução da feminidade: uma apropriação feminista de Foucault. IN. JAGGAR, Alison M., BORDO, Susan R. [editoras]; Género, corpo, conhecimento. Tradução de Brítta Lemos de Freitas. - Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos. 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Página 78 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS DESIGUALDADE SOCIAL E GÊERO O BRASIL: considerações sobre velhas e novas exclusões sociais Ângela Fernanda Santiago Pinheiro Mestranda pelo PPGDS Universidade Estadual de Montes Claros / MG [email protected] Sarah Jane Durães Universidade Estadual de Montes Claros / MG [email protected] Resumo Este artigo tem por objetivo analisar algumas desigualdades sociais vivenciadas pelas mulheres a partir da década de 1990, a partir de teorias em torno das desigualdades sociais e relacionadas às de gênero. Apresenta alguns dados estatísticos relacionados às desigualdades de gênero, inclusive a partir de índices sociais gerais e específicos - como, o Índice de Desenvolvimento Ajustado ao Gênero e a Medida de Participação segundo o Gênero -, para demonstrar diferentes condições vivenciadas entre os sexos masculino e feminino. Busca-se evidenciar que, em decorrência das desigualdades de gênero, diferentes políticas públicas têm sido propostas como estratégias que articulam o desenvolvimento à melhoria das condições sociais femininas. Estratégias essas que se caracterizam pela consolidação de políticas que buscam, por exemplo, uma maior representação política nas diferentes esferas de governo, em programas de capacitação para o trabalho, em cargos de chefia em diferentes setores produtivos ou em cursos universitários. Conclui-se que a condição de agente da mulher tem contribuído para a redução das disparidades de gênero em beneficio da liberdade e justiça social, ainda que se constate um incipiente avanço brasileiro em relação aos índices internacionais. Palavras-chave: Desigualdade, Gênero, Exclusão social Página 79 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Introdução Ainda que a análise que será apresentada neste artigo vá ao encontro de algumas teorias sobre o desenvolvimento, desigualdade e exclusão social, a centralidade da mesma dar-se-à em torno dessas perspectivas relacionadas às questões de gênero 4 , privilegiando mais especificamente algumas análises teóricas e empíricas acerca de condições sociais de mulheres. Tem-se por objetivos considerar o papel da mulher como agente ativa no processo de problematização de desigualdades sociais e algumas formas de mensurar mudanças sociais que corroboram para a redução ou extinção de desigualdades e da violência de gênero. Nesse sentido, será destacada a discussão sobre desenvolvimento como um processo que pode favorecer ou restringir escolhas e oportunidades da população e, no caso específico, de mulheres. Desenvolvimento, Desigualdade e Exclusão Social Não é nosso propósito apresentar aqui as principais correntes sociológicas, políticas e econômicas sobre o desenvolvimento5, no entanto, constatamos que, para o objetivo que propusemos, é impossível escapar de algumas polêmicas em torno delas. Desse modo, passamos a apresentar ao(a) leitor(a) algumas considerações que julgamos necessárias. A primeira refere-se ao fato de se identificar na literatura acadêmica a tendência a considerar que o desenvolvimento, como teoria política, sociológica e econômica, se originou nos Estados Unidos, especialmente a partir da política adotada por Harry Truman6, então presidente do país, no ano de 1949. Assim sendo, tem sido muito mais recorrente vincular o desenvolvimento como um processo resultante da Segunda Guerra Mundial e da política de Guerra Fria, liderada pelos EUA. Todavia, ao 4 O gênero ou relações sociais de gênero foi uma categoria adotada a partir de 1970 para garantir o status científico de análises realizadas sobre diferentes condições sociais vivenciadas pelas mulheres. Passados 40 anos, os estudos em torno da categoria gênero, ademais de ser considerada por alguns e algumas como sinônimo de mulher, tem abarcado análises acerca da construção de feminilidades e masculinidades, inclusive no que diz respeito às identidades homossexuais. 5 O(A) leitor(a) pode obter uma caracterização das principais teorias sobre desenvolvimento a partir do estado da arte realizado por Payne e Phillips (2012). 6 Em seu discurso de posse o então presidente propõe uma política de desenvolvimento que deveria chegar às regiões mais pobres do planeta e, ademais, menciona o compromisso norte-americano de concretizar tal processo (Payne; Phillips, 2012). Página 80 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS encontro do que evidenciam Payne e Phillips (2012), as bases para a análise contemporânea sobre o desenvolvimento podem ser identificadas em teorias clássicas como a de Adam Smith, Karl Marx e Max Weber.7 Ou seja, alguns fundamentos da economia e da política que subsidiaram, a partir de 1950, as propostas de desenvolvimento podem ser identificadas em momentos anteriores a este período. Assim sendo, ressaltamos a nossa segunda consideração que diz respeito à historicidade do conceito. Ou seja, tanto teórica como política e economicamente o desenvolvimento tem sido proposto e designado de diferentes maneiras. Como palavra tem sido usada em discursos políticos e econômicos, tem sido título de muitas organizações internacionais – como, por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD e o Banco Internacional para a Reconstrução do Desenvolvimento-BIRD –, e tem agregado adjetivações como econômico, social, sustentável... Tais evidências demonstram a fluidez do conceito e, ao mesmo tempo, a necessidade de reportar às diferentes teorias do desenvolvimento. O que há de consenso entre os teóricos é que, quando se trata de desenvolvimento, não se encontra uma definição universal (Turner, 2002; Rodrigues, 2009; Payne; Phillips, 2012). Também é necessário considerar que no período de 1960-1980 o pensamento hegemônico por parte de alguns governos e economistas, por exemplo, era o de considerar como sinônimos os termos desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Geralmente consideravam que através do crescimento econômico acelerado por consequência seriam obtidas melhores condições sociais para a população mais pobre. Todavia, a realidade apresentada desde a década de 1990 tem demonstrado que essa concepção do derrame foi um equívoco. Ou seja, o caminho para o desenvolvimento é complexo e as evidências demonstram que “sem desenvolvimento social paralelo, não haverá desenvolvimento econômico satisfatório” (Kliksberg, 2002: 34). Mediante constatação, análises recentes têm evitado essa relação, exceto quando aliada a outros fatores, ou seja, desenvolvimento econômico juntamente com melhoria de renda, saúde e educação, com influência na redução das diferentes condições sociais existentes entre ricos e pobres, mulheres e homens, negros e não-negros, e outros tantos segmentos sociais. 7 Ainda que os autores clássicos em pauta apresentem divergências substanciais entre si sobre as teorias econômicas e políticas, vale destacar a importância dos seus argumentos sobre a importância do trabalho (humano), o mecanismo do mercado capitalista e a relação deste com os interesses do Estado. Página 81 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Autores como Polanyi (2000), Rist (2002) e Bajoit (2006) têm oferecido um largo debate em torno do desenvolvimento e, sobretudo, da sua relação com as desigualdades sociais. Polanyi (2000), por exemplo, aborda que não é nato do ser humano ter o ganho como objetivo. Já Rist (2002) traça e demonstra que o processo pelo qual o desenvolvimento veio a tornar-se o paradigma dominante de medir as relações sociais resulta em expressão de interesses de certos segmentos. Bajoit (2006), por outro lado, considera desenvolvimento como uma integração e gestão das contradições. Como esses autores, Castel (1998) também tem contribuído de forma muito significativa com as teorias do desenvolvimento. Ele tem suscitado diferentes questionamentos no âmbito de desenvolvimento quando discute sobre a questão social como produto e expressão da contradição entre capital e trabalho. Segundo o autor em pauta, a partir da tomada de consciência das condições de existência das populações, desde a Revolução industrial, as pessoas são, ao mesmo tempo, os agentes e as vítimas do processo. Ainda que esses autores apresentem teorias diferenciadas - mediante argumentos oriundos da economia, da política e/ou sociologia, por exemplo -, pode-se ressaltar que existente uma convergência no sentido de considerar a desigualdade social como o ponto nevrálgico das políticas de desenvolvimento. Com base nesse argumento, não tem sido poucas as perguntas em torno do que corresponde à desigualdade social. Esclarecemos ao(a) leitor(a) que é possível identificar que algumas perguntas em torno da desigualdade social buscam esclarecer o seu conceito, os critérios de sua identificação e mensuração e, sobretudo, estratégias para a sua eliminação. Silva (2010: 113) define que “desigualdade social pressupõe a apropriação ou usurpação privada de bens, recursos e recompensas, implicando competição e luta”. A partir de tal conceito cabe-nos perguntar: quem usurpa, qual sujeito sofre esta ação e qual é o objeto usurpado. Essas perspectivas são amplamente discutidas por esse autor quando ele apresenta diferentes sujeitos que usurpam e são usurpados e, ao mesmo tempo, diferentes objetos. Ademais, o autor em pauta menciona que algumas pessoas têm evitado usar desigualdade e que passaram a usar o termo exclusão social. Aspecto que também pode ser confirmado em Castel (2000: 31), quando ele diz que no final do século XX houve uma substituição da luta contra a desigualdade por uma luta contra a exclusão. Página 82 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Ainda que consciente das controvérsias em torno de exclusão social8, os seus conceitos podem ser, pelo menos, agregados a partir de três perspectivas diferentes. A primeira, ao encontro dos argumentos durkheimianos, considerando a exclusão social “como perda do laço socio-moral”; a segunda, conforme Marx Weber, como “fechamento social ou usurpação de recursos por parte de determinado grupo estatutário frente aos demais”; e, por último, uma terceira perspectiva, a marxista, que considera a exclusão como a “desapropriação dos meios de produção e de demais recursos políticos e simbólicos, incluindo a participação em processos de decisão política” (Silva, 2010: 128). Desigualdade e exclusão social são aspectos amplamente reconhecidos tanto no cotidiano das pessoas como nas teorias e, concordamos com Silva (2010), que diante desta constatação é necessário articular desigualdade e exclusão social. Desse modo, a primeira consideração entre os dois termos é a de que a desigualdade tem prioridade de análise em relação à exclusão social. O segundo aspecto, diz respeito ao fato de que, “ainda que a exclusão social recrie e inclusive reforce certas formas de desigualdade, ela própria é, antes de nada, um produto, um corolário do próprio sistema de desigualdades sociais” (Silva, 2010: 128). Por último, “enquanto desigualdade seja um fenômeno socioeconômico, a exclusão seria mais sociocultural” (ibidem). Um dos aspectos que mais nos inquietam com relação às análises da desigualdade diz respeito ao fato de ela ser considerada, algumas vezes, como sinônimo de diferença. Ou, no mesmo escopo dessa análise, de a diferença ser considerada como antinomia da igualdade. Sobre isso argumentamos que existe um equívoco analítico já que a antinomia de desigualdade é a igualdade e de diferença é semelhança (Cury, 2002; Colling, 2004). Tal debate, inclusive, tem sido muito suscitado dentro do campo jurídico quando se trata de estratégias por parte do estado e/ou de instituições sociais que visam garantir direitos a grupos que historicamente têm sido tratados desigualmente, quer seja por motivos econômicos e/ou culturais. Como exemplo podese recorrer às polêmicas que giram em torno das cotas universitárias para estudantes negros e/ou oriundos de escola pública. Em síntese, a pergunta que tem sido muito 8 Silva (2010) apresenta uma revisão do conceito desde teorias clássicas a algumas mais contemporâneas e demonstra que, apesar de teorias sociológicas possuírem diferentes perspectivas paradigmáticas, elas buscam evidenciar empírica e teoricamente os sujeitos que tem sido incluídos e excluídos de uma determinada prática social. Vale conferir tais aspectos quando o autor reporta, especialmente, às teorias de Emile Durkheim e de Karl Marx. Página 83 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA recorrente consiste no fato de identificar se uma determinada estratégia de reconhecimento da diferença contraria ou não o direito de igualdade. Outro aspecto a considerar se refere ao fato de que, dependendo da prática social em análise, desigualdade, igualdade, exclusão e inclusão podem não ser necessariamente excludentes. Ou seja, ainda que uma pessoa não seja tratada como desigual economicamente, ela pode ser tratada por outro motivo – de sexo, raça/etnia ou geração, por exemplo – de forma desigual ou pode depara-se com uma prática social específica onde ele/ela pode estar propenso mais ou menos à determinada relação de exclusão social. Sobre isso, pode-se considera que uma pessoa, embora detentora de uma renda considerada alta em certo contexto, possa se sentir igualmente desprovida de laço social com aqueles que possuem a mesma condição. Se se considera essa pessoa não somente pela sua condição econômica, mas, também, pela sua condição de ser mulher, outras tantas relações de desigualdade e de exclusão podem ser identificadas e podem estar entre elas combinadas. Nesse contexto, como iremos evidenciar mais adiante, também é possível dizer que algumas mulheres possam viver uma relação de inserção excluída. Tais aspectos têm servido para orientar a busca de construção de índices que melhor retratem a realidade da população mundial. Ao encontro desse argumento, a Organização das Nações Unidas-ONU instituiu em 2010 o índice para avaliação da pobreza por meio do coeficiente GINI9. Segundo esse indicador, o Brasil registra o maior índice de desigualdade entre os países da América Latina. Além das dificuldades de acesso a uma renda maior, no caso da população pobre, dados constatam maior disparidade “quando avaliado o critério de gênero e etnia, em que as mulheres e a população afrodescendente e indígena estão em condições ainda mais desfavoráveis” (Comin, 2010). Quanto às exclusões sociais do Brasil, é possível comprovar nos dados censitários deste país que, desde 1990, ademais dos tradicionais tipos padecidos pelos analfabetos, imigrantes, mulheres, famílias numerosas e população negra, somam-se novas formas como a exclusão de jovens e de pessoas maiores de 40 anos no mercado de trabalho, ademais de formas de exclusão de preconceito e apartação social (Pochmann; Amorim, 2003). As novas exclusões sociais têm sido consideradas como 9 O GINI foi criado pelo economista italiano Corrado Gini e tem sido uma dos indicadores mais usados pela economia para identificar a dispersão da distribuição de renda, consumo, saúde ou qualquer outra espécie, mediante medida estatística de desigualdade entre as pessoas (cf. Gonzalez Abril et alli, 2010). Página 84 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS resultado de uma concepção de desenvolvimento que se encontra inserido no marco da globalização de mercados, modernização do Estado e descentralização. Nesse contexto, diante das novas organizações políticas e econômicas, as velhas e novas exclusões sociais têm gerado controvérsias sobre os conceitos e práticas de desenvolvimento adotados pelos governos. Comparando-se os dados de concentração de exclusão social brasileira entre os anos 2000 e 2002, Pochmann e Amorim (2003) evidenciaram que ela ficou maior de modo geral e mais especificamente nas regiões sudeste e nordeste. Entre os diferentes motivos atribuídos ao crescimento, consideramos que os mais significativos foram: o grau de segmentação regional do mercado de trabalho, o papel do mercado de trabalho no processo de geração e transformação da exclusão, a experiência dos trabalhadores no mercado de trabalho e de sua escolaridade, por exemplo. Desenvolvimento e Desigualdades de Gênero Ester Boserup 10 afirmou que na década de setenta a maioria dos projetos de desenvolvimento não somente desconsiderava as mulheres como também frequentemente as prejudicavam. Ela evidenciou que as mulheres não eram privilegiadas nas políticas de desenvolvimento e tampouco nas relativas à economia produtiva. Seus argumentos influenciaram sobremaneira as discussões que passaram a ocorrer desde então sobre a relação entre desenvolvimento e gênero. Sumariamente, Parpart (1995) evidenciou que as políticas de bem-estar, referentes ao período de 1950-70, os governos tentavam satisfazer a necessidades femininas a partir do pressuposto geral das condições de esposa e mãe. Quando nos anos 1970-85, as mulheres passaram a ser reconhecidas como geradoras (secundárias) de entrada no lar. A perspectiva do desenvolvimento, implantada na década de 1980, resultou de uma valorização econômica do trabalho de mulheres como fator produtivo, inclusive com ênfase nas atividades produtivas e comunitárias de mulheres. Praticamente somente a partir de 1990, inclusive na América do Sul, os governos começaram a fazer um planejamento específico com a perspectiva de mulher e/ou gênero. Entretanto, ainda que aparentemente neutros, os processos de desenvolvimento tendem a traduzir a supremacia masculina. 10 Em 1974, a autora em questão, publicou um estudo pioneiro que se propôs a analisar o papel das mulheres no desenvolvimento econômico. Página 85 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Em razão da mobilização e reivindicação das mulheres foram surgindo gradualmente programas específicos destinados a elas nas agências de desenvolvimento. Entre eles mencionamos que o programa denominado Mulheres para o Desenvolvimento (Women for Development) tem obtido sua legitimidade nos ciclos que fazem discussões sobre desenvolvimento, onde, segundo os especialistas, constatam que as mulheres têm estabelecido uma linha para as agências de desenvolvimento (Parpart, 1995: 227). Todavia, existe uma corrente que considera que existe uma necessidade de mudar o termo mulheres por gênero, assim como mulheres em desenvolvimento por gênero e Desenvolvimento. A substituição poderia medir, entre outros aspectos, a mudança de normas e ideologias de políticas, independente das identidades masculinas e femininas. Diante do exposto, nota-se que mensurar as desigualdades na perspectiva de gênero é algo que requer pluralidade de indicadores, já que as diferenças entre homens e mulheres aparecem, muitas vezes, de maneiras sutis e observadas tanto em países ricos como pobres, em diversas partes do mundo (Sen, 1993: 6). Como reconhecimento de que as desigualdades no nível de gênero caracterizam como um obstáculo para o desenvolvimento humano foi instituído em 1995 o Índice de Desenvolvimento Ajustado ao Gênero-IAG e a Medida de Participação segundo o Gênero-MPG. A partir destes, em 2010, criou-se o Índice de Desenvolvimento de Gênero-IDG que pretende possibilitar uma análise quantitativa das desigualdades ao nível do gênero. O IDG engloba três dimensões: do trabalho, da capacitação e da saúde reprodutiva11. O Informe Regional sobre Desarrollo Humano para América Latina y Caribe – 2010, elaborado pelo PNUD, atribui a perda do desenvolvimento humano às desigualdades existentes entre homens e mulheres nesses países. Quando se considerou para analisar as desigualdades entre eles, ademais dos aspectos e saúde, educação e salário, percebeu-se que as desigualdades se tornavam mais evidentes. Se se toma, por exemplo, a participação das mulheres nas decisões políticas, o acesso a oportunidades profissionais, a participação em decisões econômicas e o poder de decisão que tem 11 O IDG baseia-se em 5 indicadores relacionados com 3 dimensões e cujos valores variam entre 0 e 1. A dimensão do trabalho inclui o indicador da participação da força de trabalho; a dimensão da capacitação avalia os indicadores da realização educativa e da representação parlamentar e, finalmente, a dimensão da saúde reprodutiva, que remete para os indicadores da fertilidade adolescente e da mortalidade materna. Disponível em: http://pascal.iseg.utl.pt/~cesa/index.php/dicionario-da-cooperacao/Glossary1/I/%C3%8Dndice-de-Desigualdade-de-G%C3%A9nero-(IDG)-262/ Página 86 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS sobre os recursos econômicos, nestes casos a desigualdade entre homens e mulheres é ainda maior (PNUD, 2010: 27). Acreditamos que tal fato possa ser um dos motivos que induziu Sen (1993) a sugerir que o enfoque do bem-estar e da melhoria seria a estratégia melhor adotada na avaliação das desigualdades entre homens e mulheres. A abordagem das capacidades tem sido um aporte teórico recorrente para se mensurar as desigualdades agregando outras variáveis além da renda para compor o bem-estar e as possibilidades de acessar recursos, bens e serviços. Em outro momento, este autor acrescenta que: “na economia tradicional, o bem-estar de uma pessoa é avaliado pelo seu domínio sobre bens e serviços. Este pressuposto leva à focalização da variável renda, já que a renda determina o quanto cada pessoa pode consumir” (Sen, 2008: 14). Desenvolvimento Social, na perspectiva de análise das capacidades, contempla as liberdades de acesso aos bens e serviços, bem como entende que igualdade de renda não é suficiente para garantir igualdade de oportunidades, dada a diversidade existente entre os indivíduos. Entende ainda, que a limitação de recursos cerceia não só a liberdade de escolha para realização de funcionamentos, mas as perspectivas de futuro, os objetivos tidos como realizáveis e, inclusive, as preferências que os indivíduos alimentam. Neste sentido, desenvolvimento e liberdade estariam atrelados em um mesmo direcionamento, ou seja, há uma correlação entre a redução das desigualdades de gênero como um ponto significativo para o desenvolvimento social e liberdade de acesso a bens e serviços. Nesta conjuntura, quando remete à desigualdade de gênero, Barsted (2005: 2) apresenta que: O Programa de População das Nações Unidas – PNUD revelou a preocupação com a invisibilidade das mulheres e com a ausência de políticas voltadas para superar as históricas discriminações, e elaborou uma metodologia para medir tanto o desenvolvimento social dos países – Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, como para medir os progressos obtidos pelas mulheres – Índice de Desenvolvimento da Mulher – IDM, fundamental para a classificação dos países no cômputo do Desenvolvimento Humano. A autora destaca alguns aspectos relacionados às desigualdades das mulheres em relação aos homens quando são abordados os temas sobre a exclusão, violência e feminização da pobreza. Defende, portanto, que, além do PNUD, outros inúmeros Página 87 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA diagnósticos elaborados por organismos internacionais “apontam para a exclusão generalizada das mulheres, na grande maioria dos países, nas esferas de poder, para a banalização da violência contra as mulheres e para a feminilização da pobreza, entre outros fenômenos sociais” (Barsted, 2005: 2). Apesar de significativos avanços alcançados pelo Movimento Feminista, inclusive no Brasil, a realidade cotidiana das mulheres ainda é marcada: [...] por desigualdades salariais, uma divisão tradicional e desigual do trabalho doméstico, duplas e triplas jornadas de trabalho, violência doméstica, assédio sexual, estruturas rígidas e patriarcais que dificultam sua inserção nas instituições políticas e instâncias de poder, entre outras (Ogando, 2008: 99). (Des)igualdade e Gênero no Brasil Ainda que o último Censo demográfico realizado em 2010 demonstre que houve uma melhoria na distribuição de renda, as desigualdades sociais acometem tanto homens como mulheres e é mais significativa para o sexo feminino. Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2010) demonstram que o rendimento médio mensal dos homens com carteira assinada foi de R$1.392,00 enquanto a mulher recebe 30% menos, ou seja, com uma média de R$983,00. Esses valores fazem com que o Brasil se situe no 80ª lugar em um universo de 149 países, segundo os dados apresentados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. O IDG coloca o Brasil atrás de países da América do Sul como Chile, Peru, Argentina, México e Venezuela. Ademais de esses dados, deve-se agregar a essa compreensão aspectos que corroboram para a desigualdade entre homens e mulheres, tais como a dupla ou tripla jornada de trabalho, responsabilização pelas tarefas domésticas e cuidados com os filhos, e outros. No contexto brasileiro, em 2011, na população com 10 anos ou mais de idade as mulheres representavam 53,7%, no entanto, a população feminina ocupada era somente de 45% deste valor. Entre as ocupadas, a maioria (63,9%) tinha a idade entre 25 e 49 anos (IBGE, 2012). No mercado de trabalho formal a sua participação sempre foi restrita e desde 1985 permanece em torno de 1/3. Segundo análise da Fundação Carlos Chagas, ainda que de maneira lenta, vem crescendo os postos de trabalho femininos desde a década de 1990. Todavia, as análises da participação da mulher evidencia a Página 88 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS existência da inserção excluída (Posthuma, 1998). Este pode ser dito como consequência do fato de que o trabalho feminino sofrer vários tipos de exclusões: segregação horizontal, segregação vertical, trabalho em condições precárias, remuneração menor por hora trabalhada, pequena condição de crédito e baixa mobilidade ocupacional (Posthuma, 1998: 26-7). Em 2009, segundo o IBGE, na distribuição da população ocupada, por grupamentos de atividades, os homens representavam a maioria nos postos de trabalho, por exemplo, da construção (94,9%), comércio (58,8 e indústria (63,6%), ainda que tenha concentração das mulheres nas indústrias têxteis e de bebidas. Por sua vez, o contingente feminino era a maioria na administração pública (63,2%) e serviços domésticos (94,5%). É no setor de serviços que o sexo feminino está mais presente, principalmente nos postos de trabalho relacionados com a educação e saúde. Dito de outra maneira, existem áreas de trabalho ou setores que possuem características de feminização em oposição aqueles de masculinização. Sobre a presença de homens e mulheres na área de saúde pode-se tomar, como exemplo, o levantamento que realizamos no Hospital Universitário Clemente de Faria, localizado na cidade de Montes Claros/MG. A partir da análise da alocação por sexo nos postos de trabalho constatou-se que os setores que correspondiam à Odontologia, PABX, Pedagogia Hospitalar, Serviços Gerais e Pediatria eram majoritariamente ocupados por mulheres. Pode-se considerar, entre outros argumentos, que a formação de guetos sexuais profissionais se fundamenta tanto nos critérios de escolha da área por parte do(a) trabalhador(a) assim como na seleção/admissão e trajetória da carreira dentro de uma determinada instituição. Ou seja, a partir de dados estatísticos foi constatada a existência de uma divisão sexual do trabalho que (re)produzia desigualdades sociais vivenciadas por mulheres dentro e fora da instituição hospitalar (Durães; Jones; Silva, 2010). Quanto à diferenciação de docentes, por sexo, na escola brasileira, em 2011, na Educação Básica havia o total de 2.045.351 professores dos quais 1.650.123 eram mulheres, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (2012). Vale ressaltar, todavia, que as mulheres tendem a estar concentradas nas quatro primeiras séries da Educação Básica. Já no caso do ensino superior, segundo o censo do ano de 2011, o número total de docentes, por sexo, em exercício em todas as instituições brasileiras, era de 357.418, sendo que deste total Página 89 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA 196.383 eram do sexo masculino (INEP, 2011). Ou seja, o perfil docente do ensino superior, ao contrario da Educação Básica, é do sexo masculino. Segundo os dados do recenseamento de 2010 o número de mulheres na condição de chefe de família dobrou em relação ao ano de 2000. Segundo IBGE em 2000 eram 9,048 milhões de mulheres para então em 2010 o número se equivaler a 18,617 milhões. No ano de 2000, a maioria das mulheres era composta por pretas e pardas e 53% das chefes de família cobravam uma renda mensal de até três salários mínimos (em torno de 300 euros) enquanto os homens com esta mesma renda chegavam a 45%. Em outras palavras, as mulheres cobravam mensalmente menos que os homens. Os dados desse censo além de demonstrar que a concepção família vem mudando demonstram, ao mesmo tempo, uma perspectiva de autonomia econômica e psicológica das mulheres frente aos padrões sociais masculinos e hegemônicos. Quanto à escolaridade das mulheres, segundo o INEP, entre os períodos de 2001 e 2010 as matrículas no Ensino Superior público e privado foram majoritariamente femininas. No entanto, em 2001 eram 56,3% de mulheres matriculadas para então em 2010 a quantidade sofrer um ligeiro acréscimo se equivalendo à 57,0%. Ou seja, houve uma diminuição no número de matrículas femininas no período mencionado. Ademais, segundo o Censo de Ensino Superior desse instituto, “em 2010, [...] entre os concluintes, a participação é de 60,9%” (INEP, 2012). Todavia, segundo o mesmo relatório, as mulheres tendem a estar concentradas nas áreas de educação, humanidade e artes, e saúde e bem estar social, por exemplo. Entre os diferentes motivos para a ocorrência desse fato, consideramos que existe uma tendência ao reforço de vinculação entre os conhecimentos e habilidades que têm sido apropriados diferentemente por homens e mulheres com aqueles que são exigidos nas profissões. Com relação à representação política feminina nas instancia de governo, desde 1996, no Brasil se instaurou cotas femininas na gestão de participação das prefeituras municipais. Nesse ano as vagas para candidaturas de mulheres nos partidos deveriam ter, no mínimo, 20%, passando, em 1997 a um mínimo de mínimo de 30 %. Ainda que exista uma polêmica sobre a sua definição, esta porcentagem tem sido reconhecida como minimamente aceitável. Nas eleições celebradas em 2012 ocorreu um recorde de mulheres eleitas no Brasil. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral-TSE, nas eleições que ocorreram em 2008 das 1.670 que se candidataram 504 mulheres foram eleitas como prefeitas no primeiro turno. Nas eleições seguintes, no ano de 2012, das 2017 que se candidataram 655 Página 90 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS mulheres foram eleitas para o mesmo cargo no primeiro turno. Quanto aos homens, em 2008 foram candidatos 13.472 homens e eleitos 5.022 e, posteriormente, em 2012, 13.054 foram candidatos e 4.844 foram eleitos. Comparando-se os dados mencionados, observamos que o número de homens candidatos foi superior em torno de seis vezes mais o número de mulheres candidatas e os eleitos em torno de oito vezes mais. No entanto, deve-se ressaltar que embora o número de candidatas tenha praticamente se igualado nas duas eleições o número mulheres eleitas sofreu um ligeiro aumento. Todavia, consideramos que o aumento segue, ainda, muito reduzido entre as eleitas dado ao fato que a entre população brasileira de quase 191 milhões as mulheres equivalem a 97 milhões (IBGE, 2010). Para entender as diferenças de representação política temos que considerar a existência de domínio masculino nos partidos, de o processo brasileiro de eleição ser elitista e excludente, das condições desfavoráveis de competição para as mulheres e, sobretudo, da mentalidade patriarcal dos e das votantes. Superação das Desigualdades de Gênero De acordo com o que foi apresentado por Barsted (2005: 3) “de fato, apesar dos significativos avanços legislativos a partir de 1988, no que diz respeito às mulheres, ainda vigoram, com muita força, padrões, valores e atitudes discriminatórias”. Nesta perspectiva, Ogando (2008) propõe um projeto de transformação e emancipação no reconhecimento do fenômeno histórico de injustiças, e no papel tanto de homens quanto de mulheres, na perpetuação das desigualdades de gênero, seja na esfera privada ou pública/política. Cita que: Apesar de reconhecer os avanços dos movimentos de mulheres e feministas, inclusive no Brasil, a realidade cotidiana das mulheres pode, em grande medida, ser caracterizada como injusta: marcada por desigualdades salariais, divisão desigual e tradicional do trabalho doméstico, duplas e triplas jornadas de trabalho, violência doméstica, assédio sexual, estruturas rígidas e patriarcais que dificultam sua inserção nas instituições políticas e instâncias de poder, entre outras (Ogando, 2008: 99). Desta forma, reconhece-se o percurso histórico e social das desigualdades instauradas entre homens e mulheres nos cenários econômicos, sociais e políticos, tanto Página 91 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA no âmbito público quanto privado. Além disto, “a igualdade entre as pessoas pode ser definida em termos de aproveitamentos ou em termos de insuficiências com relação aos valores máximos que cada uma pode respectivamente realizar” (Sen, 2008: 149). Diante deste e de outros contextos de desigualdades, Sen (2000, 2008) questiona sobre o que seria desenvolvimento e correlaciona com o processo que denomina como liberdade. Para Sen (2000: 10), “desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”. Assim, “ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento” (Sen, 2000: 33). Introduz então a noção de sujeito agente no processo de conquista de liberdade de acesso a bens e serviços com o intuito de reduzir as desigualdades contestadas. Por conseguinte, Sen (2000: 33) esclarece que utiliza o termo agente em seu sentido mais antigo e aliado à liberdade e justiça social, como “alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo”. Apesar do reconhecimento das necessárias mudanças quanto ao bem-estar da mulher, aos poucos os objetivos evoluíram e se ampliaram para incorporar e enfatizar o papel ativo da condição de agente das mulheres. Neste sentido: Já não mais receptoras passivas de auxílio para melhorar seu bem-estar, as mulheres são vistas cada vez mais, tanto pelos homens como por elas próprias, como agentes ativos de mudança: promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida das mulheres e dos homens (Sen, 2000: 220-221). Não obstante, é relevante pontuar que a: [...] condição de agente das mulheres é um dos principais mediadores da mudança econômica e social, e sua determinação e suas consequências relacionam-se estreitamente a muitas das características centrais do processo de desenvolvimento (Sen, 2000: 235). Página 92 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Por fim, diante das desigualdades sociais e das variações intergrupais, entre homens e mulheres, classes sociais, e outros grupos, “ampliar as vidas limitadas das quais, queiram ou não, a maioria dos seres humanos são prisioneiros por força das circunstâncias, é o maior desafio do desenvolvimento humano no mundo contemporâneo” (Sen, 1993: 8). Finalizando... Diante das discussões aqui levantadas conclui-se que o Brasil é marcado por desigualdades sociais, políticas e econômicas. Os dados apresentados demonstram que o papel da mulher como agente de mudança tem sido importante para a redução destas desigualdades, não como sentido de igualdade exclusivamente entre homens e mulheres, mas pela redução de disparidades que favorecem a liberdade política e a justiça social. Seja resultado do incentivo do Governo e/ou de mobilização das mulheres, têm surgido alternativas para diminuição das desigualdades e da exclusão ao encontro de uma concepção de desenvolvimento que favoreça estilos de vida, práticas produtivas alternativas e a conservação de recursos naturais. No entanto, como também apresentado, faz-se necessário desmistificar a relação entre mulher e natureza e ampliar as políticas de gênero. Os problemas sociais que afetam as mulheres direta ou indiretamente afetam também os homens. As discussões em torno de políticas de desenvolvimento para as mulheres estão apenas iniciando e são ainda insuficientes dadas as suas necessidades. No caso do Brasil, as políticas de representação feminina se encontram em fase muito incipiente apesar das políticas governamentais estarem, sobretudo a partir da década de 1990, parcialmente planificadas com uma perspectiva de gênero – com cotas femininas e produção de estatística segregadas por sexo, por exemplo. Ainda que alguns (e algumas!) as considerem um grande avanço, não existem condições igualitárias para as mulheres, como apresentam os dados estatísticos. Ademais, tampouco é suficiente integrar as mulheres em políticas convencionais, se requere uma mudança cultural, o que significa um longo período, para que se introduzam políticas que realmente as favoreçam. Página 93 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Bibliografia BAJOIT, Guy (2006). Tudo muda: proposta teórica e análise de mudança sociocultural nas sociedades ocidentais contemporâneas. Ijuí: Ed. Unijuí. BARSTED, Leila Linhares. Gênero e Desigualdades. Rio de Janeiro, 2005. 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O trabalho sexual surge-lhes como uma forma de sobrevivência, mas, também, como um recurso essencial para a construção da sua identidade. Em Portugal, a relação entre pessoas transgénero e o exercício do trabalho sexual parece persistir numa invisibilidade científica dentro da área das ciências sociais pelo que se torna necessário aprofundar este conhecimento com vista a repensar a ação público-institucional e reclamar, acima de tudo, a defesa dos seus direitos humanos. Palavras-Chave: (Trans)Género, Vulnerabilidade social, Trabalho sexual 12 Este artigo resulta da comunicação apresentada em 25 de janeiro de 2013, pelo autor, no IV Colóquio Internacional Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias, organizado pela Secção Temática «Relações Sociais de Género e Raça». Página 97 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA O Género e a sua Transgressão Toda a sociedade parece estar estruturada em função do sexo e do género. Por isso, a categorização das pessoas em “masculinas” ou “femininas” trespassa a linguagem, as relações sociais, as instituições e os próprios debates académicos (Monro, 2005). Todavia, o conceito de género é profundamente distinto do de sexo porque põe em evidência expectativas de atribuição de papéis e atividades sociais, características psicológicas e posições sociais determinados pela genitália (Amâncio, 1993, 1994). Isto significa que é pelo género que os indivíduos constroem as posições que ocupam nas instituições da sociedade onde se inserem. Muito para além de ser, unicamente, um atributo dos indivíduos, ele é organizador de todo o campo social onde se movimentam (Amâncio, 2003). Internacionalmente, o conceito de género surgiu no seio do ativismo dos movimentos feministas das décadas de 60/70, cumprindo o objetivo político e conceptual de problematizar as desigualdades entre homens e mulheres, em várias dimensões da vida social, fora da esfera da biologia. O sexo biológico que, até então, era equiparado ao género social, começou a ser questionado e, consequentemente, impulsionada a distinção entre sexo e género para desenvolver explicações sobre a opressão das mulheres. Esta relação social de género é construída socialmente através de várias estratégias de poder e dominação, sejam elas, legais, familiares, educacionais, religiosas, psiquiátricas, legais ou outras (Bourdieu, 1999, Foucault, [1976] 1994). É a repetição reiterada dos seus atos e discursos, de forma permanente, ao longo da realidade histórico-social, que permite que o género seja “normalizado”, transformando os sujeitos sexuados numa construção binária, em masculinos ou femininos, produzindo uma ilusão “naturalizante”. Butler (1999) ao tentar “desnaturalizar” o género coloca a ênfase numa sociedade estruturada a partir de uma sexualidade heteronormativa. Para ela, uma sexualidade normativa consolida o género normativo, trazendo implicações na compreensão da fluidez do género. Para Butler, o género não pode ser entendido como uma entidade fixa e estável. Deve antes ser compreendido como instável, constituindo-se no tempo e no espaço, resultando num género performativo (Butler, 1999)13. Almeida (1995) acrescenta ainda 13 Visão esta também partilhada por Connell (1993, 1995), Giddens (2001) e Kimmel (2000). Página 98 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS que os conceitos de masculinidade e da feminilidade dependem do contexto cultural, existindo, por isso, uma pluralidade de formas na sua construção. O género mostra-se plástico e maleável. Ele é performativo, não é estático. Todavia, Connell (1993, 1995) e Almeida (1995) reforçam a existência, na sociedade, de uma masculinidade hegemónica, tradutora do que é suposto ser, ou não, homem, condicionador das suas atitudes, comportamentos e demarcações sociais. Esta masculinidade heteronormativa estabelece fronteiras entre identidades reconhecíveis e as que constituem o território dos “anormais” (Foulcault, [1974-1975] 2007). Dentro deste último território incluem-se as pessoas transgénero, cuja identidade ou a forma de exprimirem o género não está de acordo com as normas sociais tradicionais de homens e mulheres (Whittle, 2000). Destes “transgressores de género” fazem parte uma multiplicidade de pessoas: transexuais, intersexo, andróginas, cross-dressers/travestis, drag-queens/drag-kings, she-males ou outras (Figura 1). Assim, é apropriado dizer que a “comunidade transgénero” é ampla, diversa e significativa. Ao construírem e reconstruírem géneros, revelam que esta categoria não possui uma estrutura binária rígida, mas antes uma multiplicidade de possibilidades ou expressões. Por isso, acredita-se na inexistência de uma “comunidade” trans homogénea, mas em várias comunidades diversas, distintas e com especificidades próprias. Figura 1 Chapéu de Chuva Transgénero Retirado de http://www.scottishtrans.org/Transgender_Umbrella.aspx Página 99 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA Uma vez que o desenvolvimento do conceito de género nas ciências sociais esteve, na sua origem, sob influência da teoria feminista e dos women’s studies, a mulher tornou-se o centro das suas teorias e, por isso, das próprias políticas públicas. Desta forma, a análise e problematização das relações de poder e género sobre as pessoas transgénero não têm sido realizadas da mesma forma, e com a mesma intensidade, que na análise das mulheres. Embora algumas vertentes feministas tenham tentado problematizar as identidades transgénero (Raymond, 1979/1994), esta análise conduziu ao mesmo entendimento que a opressão de género das mulheres: resultado de um imposição de sociedade patriarcal. Estes feminismos hetero-androcêntricos, com uma valorização monolítica da mulher (em detrimento dos homens e dos transgéneros) e a localização da dominação unicamente nos homens, tem impossibilitado a conceptualização do poder e da dominação para além do binarismo de género, mascarando outros fenómenos de dominação. Por isso, a complexidade do conceito de género exige um conjunto de discursos pluridisciplinares com vista a resistir a visões essencialistas dos estudos sobre as mulheres, a partir de novos feminismos ou também considerado pós-feminismo queer (Butler, 1993, 1999; Haraway, 1991). Estas perspectivas contestam e desafiam os estudos de género, por considerarem que a concepção binária é considerada inadequada e insuficiente na explicação dos sistemas opressivos de determinados géneros e identidades (Nagoshi & Brzuzy, 2010: 433). A Vulnerabilidade Social das Pessoas Transgénero As pessoas cujas identidades não se enquadram nas concepções tradicionais de género e sexualidade são sistematicamente marginalizadas por via dos discursos, instituições e políticas que privilegiam identidades não-transgénero (Monro, 2005; Namaste, 2000). No fundo, trata-se de estratégias de funcionamento que subvertem a identidade e promovem a exclusão e a abjecção de corpos, sexualidades e comportamentos considerados como “desviantes”. Esta é uma forma invisível de violência normativa que pressupõe e reproduz as morfologias ideais do sexo, orientação sexual e identidade de género e suposições dominantes do que é ser “natural”. Butler (1993) atribui o conceito de corpos abjetos para se referir a «todo o tipo de corpos cujas vidas não são consideradas ‘vidas’ e cuja materialidade é entendida como ‘não importante’» (Prins & Meijer, 2002: 281). Para a autora, o não reconhecimento da existência legítima destes corpos torna-se eticamente inconcebível. Tal como refere “a Página 100 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS abjeção de certos tipos de corpos, sua inaceitabilidade por códigos de inteligibilidade, manifesta-se em políticas e na política, e viver com um tal corpo no mundo é viver nas regiões sombrias da ontologia” (2002: 277). As pessoas transgénero são, segundo Burgess (2009), o grupo mais negligenciado e incompreendido da sociedade, com dificuldade de acesso aos diferentes sistemas sociais. Esta opressão ocorre, desde logo, nos primeiros agentes socializadores. A incompreensão por parte da família e da escola, por considerar a expressão de género socialmente inapropriada e desviante, tende a forçar, e muitas vezes a punir fortemente, os géneros que não se encontram conforme as normas sociais, de forma a se adaptarem aos seus estereótipos. Perante atitudes reiteradas de não aceitação social, o sentimento de incompreensão da “diferença” que é vivido, desde cedo, pelas próprias pessoas transgénero, coloca-as em risco de vivenciarem sintomas de medo, ansiedade, depressão e, até mesmo, ideação suicida (Mallon, 2009). Em consequência da rejeição da família e amigos, da diminuição de oportunidades educacionais (resultantes do precoce abandono escolar), a idade adulta é experienciada por fortes limitações no acesso ao mercado de emprego, também por factores associados à intolerância e altos níveis de estigmatização por parte das entidades empregadoras (Loehr, 2007). Algumas pessoas transgénero confrontam-se, ainda, com insuficientes serviços médicos e sociais, que criam barreiras ao tratamento hormonal e cirúrgico. A alternativa, por vezes, é recorrer a tratamentos sem supervisão médica, através de autoingestão de hormonas e injeção de silicone, correndo graves riscos para a saúde física e mental (David, 2009). A ausência de programas e ações públicas com uma atenção diferenciada para estas pessoas, frequentemente é justificada pela irrelevância estatística deste segmento. No domínio cultural são raros os modelos positivos de identidades transgénero. E quando a visibilidade existe, normalmente, é conotada com atribuições pejorativas, relacionadas com a promiscuidade, a doença mental ou o crime (Mallon, 2009). Todos estes constrangimentos e fragilidades que, cumulativamente vão surgindo, favorecem e impulsionam a uma vivência em situações de exclusão económica (Monro, 2005), com processos de vulnerabilidade e isolamento, remetendo-as para uma situação de clandestinidade e marginalização social. Os seus espaços e territórios são, por isso, considerados frágeis, temporais, migratórios e hostis. Alguns incluem clubes, bares, espaços performativos ou contextos de trabalho sexual. Outros incluem espaços de tecnologia de informação como websites ou chat rooms (Mallon, 2009). A existência e Página 101 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA aceitabilidade social do seu género é reduzida a específicos espaços públicos e, por vezes, somente a períodos do dia (Namaste, 2006). Esta intolerância e discriminação verificada para com as pessoas transgénero em todos os sistemas (familiar, educacional, económico, institucional e cultural) são apontadas como razões do processo perpetuador da sua vivência na pobreza, com altos graus de violência e dificuldades de integração profissional (ONU, 2011; Stotzer, 2009). É neste entendimento que o comissário para os direitos humanos do conselho da Europa refere que têm sido ignoradas e negligenciadas as situações das pessoas transgénero, pois os problemas que enfrentam são graves e, muitas vezes específicos deste grupo particular. As pessoas transgénero experimentam um alto grau de discriminação, intolerância e até violência. São violados os direitos humanos básicos, incluindo o direito à vida, o direito à integridade física e ao direito à saúde (Hammarberg, 2009: 4). Pessoas Transgénero e o Trabalho Sexual: A Invisibilidade Científica no Contexto Português Neste contexto de vulnerabilidade económica e social, o trabalho sexual e áreas conexas (como o entretenimento) têm sido as poucas oportunidades de emprego permitidas, especialmente a mulheres transexuais, cross-dressers/travestis e she-males (Fernandéz, 2004; Kulick, 1998; Mallon, 2009). O trabalho sexual, além de ser uma forma de sobrevivência, acaba por ser o elemento gerador de recursos financeiros para a concretização do desejo de transformação corporal (Leichtentritt & Davidson-Arad, 2004). O trabalho sexual torna-se um elemento, pelo qual, constroem e conquistam o reconhecimento social da sua identidade (Kulick, 1998). Em Portugal, persiste um vazio na investigação das ciências sociais sobre as identidades transgénero (Saleiro, 2009; Pinto & Moleiro, 2012) assumindo, também, a condição de invisibilidade dentro do próprio movimento Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero (Nogueira & Oliveira, 2010). Embora se reconheça o desenvolvimento actual de alguns estudos 14 , a realidade da prostituição transgénero continua a ser praticamente desconhecida. 14 Sandra Saleiro, investigadora do CIES – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ISCTEIUL), encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento em Sociologia intitulada Transexualidade e Transgénero: Identidades e Expressão de Género. uno Pinto, investigador do CIS – Centro de Página 102 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS Umas das poucas abordagens realizadas (Bernardo; Campos; Machado; Diniz; Tavares; Vandolly; Júnior, 1998), numa amostra de 50 pessoas transgénero, retrata que parte desta população tinha como atividade laboral o trabalho sexual, com problemas associados à saúde, nomeadamente, ao nível do VIH/SIDA. Em 2011, o estudo preliminar do projecto PreVIH15, no qual participaram 1040 trabalhadores do sexo (853 do género feminino, 106 do género masculino e 80 transgéneros) revelou que, da totalidade das pessoas transgénero, 30 realizavam trabalho sexual de rua, 38 trabalho sexual indoor e 12 em ambos. Comprovou-se que 15,4% desta população tinha o seu estatuto serológico reportado como positivo. Muito embora este valor contraste com os valores mais baixos dos trabalhadores do sexo masculinos (4,8%) e femininos (6,6%), qualquer destes números é muito grave comparativamente aos dados dos restantes países da comunidade europeia, por apresentarem uma epidemia concentrada16 na população trabalhadora do sexo (Dias, Mendão, Cohen, Rego, Gama, Fernandes... Esteves, 2011), pelo que é proposto a elaboração de políticas de intervenção específica ao nível da prevenção da infeção do VIH/SIDA, apropriadas às diferenças encontradas entre géneros. Também o estudo etnográfico de Oliveira (2011) ao tentar conhecer o fenómeno social da prostituição de rua contemplou somente 4 pessoas transgénero, limitando um conhecimento mais aprofundado sobre estas pessoas. Contudo, a mesma afirma que o número de pessoas transgénero é expressivo entre os trabalhadores do sexo de rua e que estas são frequentemente marginalizadas, maltratadas e rejeitadas pela sociedade (2011: 193). O relatório de Monteiro, Policarpo e Silva (2009)17 que avalia a situação social no que diz respeito à discriminação em função da orientação sexual e identidade de género em Portugal, caracteriza a população trabalhadora do sexo trans como uma Investigação e Intervenção Social (ISCTE-IUL) e doutorando em Psicologia Social e das Organizações está a desenvolver o seu estudo intitulado Identidades Transgénero e Transexuais: Desenvolvimento de Processos Identitários e Expressão de Género Minoritárias. Jander ogueira, investigador do CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia (ISCTE-IUL), encontra-se a realizar um estudo comparativo entre Lisboa e Fortaleza subordinado ao tema (Des)Encontros (Trans)Geracionais: um estudo sobre a velhice travesti em Fortaleza e em Lisboa. 15 Estudo preliminar sobre os conhecimentos, atitudes e práticas relacionadas com VIH/SIDA nas populações de homens que têm sexo com homens e trabalhadores sexuais denominado Projeto PREVIH: Infeção VIH/SIDA nos grupos de Homens que têm Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais: Prevalência, Determinantes, Intervenções de Prevenção e Acesso aos Serviços de Saúde, desenvolvido pelo GAT – Grupo Português de Activistas sobre Tratamento VIH/Sida. 16 Este termo é utilizado quando há mais de 5% de pessoas a viverem com VIH/Sida dentro de uma população. 17 Relatório nacional que foi integrado na elaboração do Relatório Europeu (European Union Agency Fundamental Rights, 2009). Página 103 de 108 RELAÇÕES SOCIAIS DE GÉERO E RAÇA comunidade que sofre múltiplas discriminações, confrontando-se com diversas formas de violência, incluindo crimes de ódio (p. 10). Em Portugal, a evidência empírica (e gritante) e o caso mais mediático desta realidade, foi o de Gisberta Salce Júnior, uma prostituta transgénero, de 46 anos de idade, toxicodependente, sem-abrigo, seropositiva e imigrante brasileira. Em fevereiro de 2006, na região do Porto, o seu corpo foi encontrado já sem vida após três dias de tortura, espancamento, maus tratos e sevícias sexuais perpetrados por um grupo de 13 jovens. No último dia foi atirada a um poço, com mais de 15 metros de profundidade, pertencente a um prédio em obras (no qual costumava pernoitar) acabando por morrer afogada. Até hoje este crime de ódio ficou na memória coletiva de Portugal por ter “chocado o país” (Jornal Diário de otícias, 19 fevereiro de 2010) pela perda de uma vida e a situação de exclusão social extrema em que se encontrava. Mas dois anos depois ocorreu, desta vez em Lisboa, o assassinato de Luna, e seu posterior abandono num contentor do lixo18. Sabe-se que a violência sobre os trabalhadores sexuais é fortemente co-existente na prostituição de rua (Oliveira, 2011; Weitzer, 2009). Contudo, as pessoas transgéneros confrontam-se com situações de violência e discriminação ao combinarem uma identidade e actividade socialmente estigmatizada, com repercussões ao nível do forte isolamento e exclusão social. Muito embora a prostituição transgénero seja uma realidade presente em muitos territórios (maioritariamente urbanos) e nos media (e.g. classificados dos jornais diários e sites de internet) parece, no entanto, ser uma realidade que não é analisada de forma aprofundada nas ciências sociais. Desta população não sabemos quase nada. Desconhecemos quem são, as suas trajetórias de vida, sociabilidades, representações e vivência sobre a prática da prostituição, processos de exclusão a que estão sujeitas e necessidades apresentadas. Por isso, acredita-se que a produção de conhecimento sobre esta realidade torna-se indispensável não só como ferramenta para a compreensão das suas características, do seu modus vivendi, das actividades que realizam e das condições de vulnerabilidade social em que se encontram tantas outras “Gisbertas” e “Lunas”, 18 Dados recolhidos pelo projeto internacional Trans Respect Verus Transphobia Worldwild (TvT), mostram que, entre janeiro de 2008 e novembro de 2012, foram assassinadas, mundialmente, 1083 pessoas transgénero. Este é um projeto de investigação comparativa, conduzido pela Transgender Europe, que fornece uma visão geral dos direitos das pessoas transgénero em diferentes partes do mundo. Inserido nele encontra-se o projeto Trans Murder Monitoring (TMM) que visa monitorizar e coletar dados relativos aos homicídios contra as pessoas transgénero. Estes dados são, principalmente, de casos relatados e conhecidos. Na maioria dos países, os dados sobre assassinatos de pessoas transgénero não são sistematicamente produzidos e é impossível estimar o número de casos não notificados, pelo que se supõe que os números apresentados fiquem aquém da realidade. Página 104 de 108 AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES ITERMEDIÁRIAS talvez menos mediáticas, mas que correm riscos de, também elas, sofrerem consequências de uma sociedade transfóbica, como também para a necessidade de repensar a ação público-institucional, de se desenvolverem e/ou adequarem praxis verdadeiramente inclusivas e de se fomentarem processos de empowerment, cidadania e defesa dos direitos humanos de todas as pessoas transgénero. Bibliografia ALMEIDA, Miguel (1995). Senhores de si: Uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século. AMÂNCIO, Lígia (1993). “Género: Representações e identidades”. In: Sociologia, Problemas e Práticas, nº 14, pp. 127-140. AMÂNCIO, Lígia (1994). 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