Brazilian journal 14-B.p65 - Brazilian Journal of Food Technology
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Brazilian journal 14-B.p65 - Brazilian Journal of Food Technology
Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca Improvement of the Yield in the Enzymatic Hydrolysis of Fibrous Cassava Waste for the Production of Ethanol AUTORES AUTHORS Magali LEONEL RESUMO Pesquisadora Doutora - Centro de Raízes Tropicais/UNESP Caixa Postal 237 - Botucatu-SP - Fone/Fax: (014) 8219050 Marney Pascoli CEREDA Professora Titular - Diretora Centro Raízes Tropicais/UNESP - Botucatu-SP Neste trabalho buscou-se a melhoria do rendimento de hidrólise enzimática para a produção de etanol a partir do resíduo sólido da extração da fécula de mandioca (farelo), por meio da avaliação da concentração de amido na suspensão inicial, do uso de enzimas complementares no processo de hidrólise enzimática do amido, e da lavagem com água, como método de recuperação dos açúcares retidos no resíduo fibroso. Os resultados obtidos demonstraram que o tratamento que combinou concentração de 6% de amido e enzimas complementares proporcionou o melhor rendimento na hidrólise (96,2%). Entretanto, no tratamento com concentração de 12% e enzimas complementares obteve-se um rendimento de 84,3%, sendo gerado um hidrolisado com 13ºBrix. Visto que o objetivo é a fermentação, este foi o melhor tratamento, pois não haveria necessidade de concentração do mosto para fermentação. A lavagem dos resíduos promoveu diluição acentuada do hidrolisado obtido em todos os tratamentos, inviabilizando este procedimento para a retirada dos açúcares retidos. Portanto, pode-se concluir que o uso das enzimas pectinase e celulase permitiu utilizar maior concentração de amido e facilitou a ação das amilases, proporcionando melhores rendimentos quando comparados com os tratamentos onde estas não foram utilizadas. SUMMARY This work aimed at improving the hydrolysis process for the production of alcohol from fibrous cassava waste. The initial starch concentration in the suspension, the use of complementary enzymes in the hydrolysis process, and the washing process for sugar recuperation were all evaluated. The results indicated the best yield in the hydrolysis process using 6% starch and complementary enzymes (96.2%). The treatment using 12% starch and complementary enzymes was the best with respect to alcohol production giving a yield of 84.3% and a hydrolyzate of 13ºBrix, it not being necessary to concentrate for fermentation. Washing to recuperate sugar is not viable due to the great dilution of the hydrolyzate. The use of complementary enzymes facilitated the action of amylase and gave a better process yield. PALAVRAS-CHAVE KEY WORDS Fermentação; Amido; Mandioca; Resíduo; Celulase; Pectinase / Fermentation; Starch; Cassava; Residue; Cellulase; Pectinase. Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 111 Recebido / Received: 06/07/1998. Aprovado / Approved: 05/07/1999. M. LEONEL M. P. CEREDA 1. INTRODUÇÃO No processo de extração da fécula de mandioca é gerado o farelo, resíduo fibroso que contém em média 75% de amido expresso em base seca. Em conseqüência da elevada capacidade de embebição, muitas vezes a quantidade gerada desse resíduo supera a quantidade de matéria-prima processada, sendo seu descarte um grande problema para os industriais. Nas unidades industriais menores, são produzidos cerca de 930kg de farelo com mais de 85% de umidade para cada tonelada de raiz processada. As fecularias brasileiras processam 200 a 600 toneladas de mandioca por dia (CEREDA, 1996b). Diante do elevado teor de amido e da considerável quantidade gerada, várias pesquisas estão sendo realizadas com o objetivo de melhor utilizar o farelo. Entre as linhas de pesquisa cita-se a obtenção de etanol (KUNHI et al., 1981, SRIKANTA et al., 1987, JALEEL et al., 1988, LEONEL, 1998). A produção de etanol a partir do farelo tem por objetivo a obtenção de álcool fino, que é o etanol que passou por uma nova retificação e possui maior valor agregado, sendo utilizado principalmente nas indústrias de bebidas, perfumaria e farmacêutica (LEONEL, CEREDA, 1996). Na obtenção de etanol a partir de amido há necessidade de hidrólise prévia para produzir os açúcares que serão fermentados. Vários são os problemas enfrentados no que se refere à viabilização do uso do farelo para a produção de etanol. A seleção da concentração ideal de sólidos aparece como uma das principais dificuldades, visto que uma elevada concentração de matéria seca apresenta problemas de transferência de calor e sacarificação desuniforme. Além disso, ao redor de 60 - 65 oC a suspensão é viscosa, o que exige agitação enérgica. Outra dificuldade apresentada deve-se à parte dos açúcares obtidos no processo de hidrólise que ficam retidos no resíduo fibroso levando à diminuição do rendimento (SRIKANTA et al., 1987). O uso de enzimas complementares no processo de hidrólise do farelo de mandioca é uma alternativa para melhoria do rendimento da hidrólise. KOBAYASHI et al. (1994) estudaram a ação de várias enzimas na sacarificação de polpa de beterraba e verificaram um aumento na porcentagem de hidrólise com a combinação de celulase e pectinase como auxiliares no processo enzima-enzima . Frente a estas dificuldades referidas, este trabalho teve por objetivos: a avaliação de duas concentrações de amido na suspensão inicial; a utilização de enzimas complementares no processo enzimático de hidrólise; e a lavagem do resíduo fibroso final como método de extração dos açúcares, visando desta forma a melhoria no rendimento de hidrólise do amido para obtenção de etanol a partir de farelo de mandioca. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O farelo de mandioca foi obtido da cultivar Branca de Santa Catarina, processada comercialmente para extração da fécula de mandioca pela Júpiter Alimentos S/A, fecularia com capacidade instalada de 200t de raízes/dia, situada em Conchal-SP. Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca O farelo utilizado como matéria-prima foi caracterizado quanto às suas características físico-químicas (AOAC, 1980, RICKARD, BEHN, 1987, SOMOGY, 1945). Para a hidrólise e sacarificação do amido foram utilizadas enzimas comerciais concedidas pela NOVO NORDISK S/A, Araucária-PR. Os produtos utilizados e as condições de uso estão apresentados na Tabela 1. TABELA 1. Condições de uso das enzimas. Enzimas Temperatura / Concentração pH Termamyl 120 L 0,5 kg/t amido 5,6 AMG 200 L 1,13 L/t amido 4,5 60oC / 24 horas 1% MS fibras 5,6 45oC / 1 hora 0,02% MS do substrato 5,6 45oC / 1 hora Celluclast 1.5 L Pectinex Ultra SP-L Tempo de reação 90 95oC / 1 hora (15) NOVO (1995) Compararam-se duas concentrações de substrato em água (500g p/p), que proporcionaram concentrações de 6 e 12% de amido e dois processos enzimáticos de hidrólise e sacarificação. No Tratamento 1, utilizaram-se a aa-amilase e a amiloglucosidase comerciais (PARK, PAPINI, 1970) e a concentração de 6% de amido. No Tratamento 2, foram utilizadas as mesmas enzimas de T1 e a concentração de 12% de amido (LEONEL, CEREDA, 1995). Já no Tratamento 3, utilizaram-se a pectinase e a celulase como enzimas complementares à T1 e a concentração de 6% de amido. No Tratamento 4, utilizaram-se as mesmas enzimas de T3 e a concentração de 12% (KOBAYASHI et al., 1994). Diante da constatação de que parte dos açúcares totais fica retida no resíduo final (SRIKANTA et al., 1987, LEONEL, CEREDA, 1995), analisou-se também a lavagem sucessiva do resíduo, após filtração, para obtenção do hidrolisado. Foram feitas três lavagens (L1, L2 e L3) com 200mL de água destilada, a 80°°C, em cada lavagem (VENTURINI FILHO ,1993). Após as lavagens, os resíduos da prensagem, bem como os hidrolisados obtidos antes e depois das lavagens foram caracterizados quanto à composição centesimal, a fim de se estabelecer o balanço de massa do processo. Os hidrolisados foram caracterizados quanto ao peso (g), teor de extrato (ºBrix) (densímetro digital Mettler-DA 3010), açúcares totais (g) (SOMOGY, 1945) e perfil de açúcares em HPLC, com coluna BIORAD (70°C, fluxo de 0,6 mL/min e água destilada e filtrada como fase móvel) (ALVAREZ, 1995, KANEKO et al., 1990). A comparação dos diferentes tratamentos submetidos a consecutivas lavagens foi realizada por meio de análise de variância multivariada considerando o procedimento de medidas repetidas complementado com a constr ução dos inter valos de confiança simultâneos (MORRISON, 1976). A Figura 1 mostra o fluxograma dos processos de hidrólise e sacarificação do amido nos diferentes tratamentos. 112 M. LEONEL M. P. CEREDA Suspensão farelo + água (6 e 12% de amido) ↓ ← α- amilase Aquecimento gradual até 45°C ↓ Celulase e Pectinase 1 hora com agitação ↓ Aquecimento gradual até 90°C ↓ Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca Para as demais variáveis analisadas observou-se que os resultados obtidos estão um pouco abaixo dos valores médios da caracterização de farelos que são: 85% umidade, 1,65% cinzas, 16,08% fibras, 0,85% proteínas e 0,94% açúcares redutores totais (BERTOLINE, 1995, CERED, 1996b). Entretanto, esta pequena variação pode ser devida ao cultivar utilizado, época de colheita e processamento. 1 hora com agitação ↓ Resfriamento a 60°C 3.2. Análises dos hidrolisados ↓ Ajuste de pH a 4,5 O teste estatístico multivariado, usado para comparação dos pesos médios obtidos, comprovou que os perfis médios dos pesos dos hidrolisados originários dos tratamentos estudados diferiram com os tratamentos (Tabela 3 e Figura 2). ↓ ← Amiloglucosidase 24 horas/60°C c/ agitação ↓ Filtração ↓ Resíduo final ↓ Hidrolisado (L0) Lavagens ↓ L1, L2 e L3 Tratamentos 3 e 4 FIGURA 1. Fluxograma dos processos de hidrólise-sacarificação. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Análises do farelo de mandioca Os resultados obtidos na caracterização do farelo estão apresentados na Tabela 2. O farelo apresentou um elevado teor de amido, valor este superior ao 62% encontrado por KUNHI et al. (1981), em farelo proveniente de indústrias de processamento de mandioca da Índia e ao 73,78% citado por CEREDA (1996a), como média dos teores encontrados em farelos de fecularias do sudeste brasileiro. Os teores de amido variam com a tecnologia empregada e valores elevados podem refletir ineficiência no processo de extração. TABELA 2. Valores médios da caracterização do farelo. Variáveis Analisando o efeito da lavagem dentro do tratamento observou-se que no Tratamento 1 a quantidade de hidrolisado obtido por drenagem (L0) não diferiu da quantidade obtida com as lavagens, já no Tratamento 2 o peso do hidrolisado inicial (L0) foi inferior ao das lavagens. Nos Tratamentos 3 e 4, a quantidade inicial (L0) foi superior à obtida nas lavagens subseqüentes (L1, L2 e L3). Estes resultados demonstraram que, fixada a concentração de amido, ou seja de sólidos na suspensão, os tratamentos com enzimas complementares (T3 e T4) apresentaram melhor rendimento em volume quando comparados com T1 e T2, gerando uma maior quantidade de hidrolisado inicial (L0), o que salienta o efeito das enzimas auxiliares na diminuição da viscosidade da pasta favorecendo a extração. TABELA 3. Teste estatístico multivariado aplicado para a comparação dos pesos médios expressos em gramas. Hipótese Resultados do teste estatístico (nível Os perfis médios θ = 0,98 (p< 0,01) tratamentos são semelhantes estudados não são Média % Matéria seca Amido Açúcares totais Cinzas Fibras Proteína pH *Acidez titulável 68,69 6,21 80,00 0,45 1,14 11,50 0,85 5,80 5,30 semelhantes Efeito da lavagem T1 F = 3,91 (p>0,05) L0=L1=L2=L3 dentro do T2 F = 33,15 (p< 0,01) L0< (L1=L2=L3) tratamento T3 F = 78,44 (p< 0,01) L0> (L1=L2=L3) T4 F = 21,28 (p< 0,05) L0> (L1=L2=L3) Efeito do L0 F = 140,06 (p< 0,01) T2<T1<T4<T1 tratamento na L1 F = 77,41 (p< 0,01) T2<T1< (T4=T3) L2 F = 25,72 (p< 0,01) T2<T1< (T4=T3) L3 F = 4,85 (p< 0,05) (T2=T1) < (T4=T3) lavagem * mL NaOH N/ 100 g produto. Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 Os perfis médios dos dos tratamentos Umidade % Inicial Farelo seco Conclusão descritivo) 113 Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca 350 300 250 200 T1 150 100 50 0 Quanto ao efeito do tratamento na lavagem, observouse que no hidrolisado inicial (L0) os tratamentos que empregaram enzimas complementares (T3 e T4) apresentaram um Brix mais elevado em relação àqueles que não receberam essas enzimas, nas concentrações de amido correspondentes. T2 15 T3 L0 L1 L2 L3 T1 T4 LAVAGENS ºBRIX PESO MÉDIO (g) M. LEONEL M. P. CEREDA Com relação ao efeito dos tratamentos nas lavagens, foi possível observar que a extração inicial (L0) foi mais eficiente nos tratamentos com menor quantidade de sólidos (T1 e T3). Entretanto, o uso de enzimas complementares mostrou-se favorável, visto que observou-se um aumento acentuado da quantidade de hidrolisado inicial nos tratamentos onde se utilizaram estas enzimas. Com relação ao teor de extrato (Brix), os resultados obtidos demonstraram que os perfis médios do Brix dos hidrolisados originários dos tratamentos estudados diferiram estatisticamente, mostrando que o Brix médio foi superior nos hidrolisados obtidos por drenagem (L0) para todos os tratamentos. Nos Tratamentos 1 e 3, ocorreu uma redução gradativa do Brix. Já no Tratamento 2, observou-se a ocorrência de maior retenção dos açúcares, não sendo observada diferença significativa entre os hidrolisados obtidos nas lavagens, L1 e L2 e entre L2 e L3, demonstrando desta forma a necessidade de uma maior quantidade de água para a extração dos açúcares retidos no resíduo, quando a concentração de sólidos iniciais foi mais elevada (Tabela 4 e Figura 3). TABELA 4. Teste estatístico multivariado aplicado paracomparação dos Brix médios. Hipótese Resultados do teste estatístico (nível descritivo) Conclusão Os perfis médios dos tratamentos são semelhantes θ = 0,99 (p< 0,01) Os perfis médios dos tratamentos estudados não são semelhantes Efeito da lavagem dentro do tratamento T1 T2 F = 20,42(p>0,05) F = 35,26 (p< 0,01) T3 T4 F = 1169,58 (p< 0,01) F = 1323,61 (p< 0,05) Efeito do tratamento na lavagem L0 F = 1586,50(p< 0,01) T4> T2> T3> T1 L1 F = 194,17 (p< 0,01) T2> T4> T1> T3 L2 F = 270,45 (p< 0,01) T2> T4 >T1> T3 L3 F = 576,10 (p< 0,05) T2> T3> T4> T1 L0> (L1, L2, L3) L1=L2, L1≠L3, L2=L3 L0> (L1=L2) >L3 L0> (L3=L1) >L2 L0>L1> (L2=L3) Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 T2 T3 5 T4 0 T1: 6% amido e amilases; T2: 12% amido e amilases; T3: 6% amido e amilases , celulase e pectinase; T4: 12% amido e amilases, celulase e pectinase FIGURA 2. Pesos médios dos hidrolisados nos diferentes tratamentos e diversas lavagens. 10 L0 L1 L2 L3 LAVAGENS T1: 6% amido e amilases; T2: 12% amido e amilases; T3: 6% amido e amilases , celulase e pectinase; T4: 12% amido e amilases, celulase e pectinase FIGURA 3. Teores de extrato dos hidrolisados nos diferentes tratamentos e diversas lavagens. Nas lavagens subseqüentes, obser vou-se que no Tratamento 2 ocorreu uma extração pouco eficiente com as lavagens sucessivas, demonstrando que o aumento da concentração de amido levou a um aumento da dificuldade de extração. Pela análise estatística dos dados de açúcares totais concluiu-se que os perfis médios dos tratamentos estudados não são semelhantes. Com relação ao efeito das lavagens nos diferentes tratamentos observou-se que do total de açúcares obtidos, 28,7% no T1, 19,4% no T2, 66,84% no T3 e 57,0% no T4, foram extraídos com a lavagem. Nos tratamentos 3 e 4 praticamente todo o açúcar obtido foi retirado com as duas primeiras lavagens, demonstrando uma melhor eficiência das lavagens nos tratamentos com quatro enzimas (T3 e T4) e uma retenção de açúcares mais acentuada nos tratamentos onde não foram utilizadas estas enzimas (Tabela 5 e Figura 4). TABELA 5. Teste estatístico multivariado aplicado para a comparação dos açúcares totais médios expressos em gramas. Hipótese Resultados do teste estatístico (nível descritivo) Conclusão Os perfis médios dos tratamentos são semelhantes θ = 0,99 (p< 0,01) Os perfis médios dos tratamentos estudados não são semelhantes Efeito da lavagem dentro do tratamento T1 T2 T3 T4 F = 20,46 (p<0,05) F = 35,46 (p< 0,05) F = 1180,38 (p< 0,01) F = 1337,49 (p< 0,01) L1< (L0=L2=L3) (L0=L1) < (L2=L3) L0>L1> (L2=L3) L0> L1> L2> L3 Efeito do tratamento na lavagem L0 F = 1586,50 (p< 0,01) T1<T2<T3<T4 L1 F = 194,17 (p< 0,01) T1<T3<T4<T2 L2 F = 270,45 (p< 0,01) T3< (T1=T4) <T2 L3 F = 590,96 (p< 0,01) T3<T4<T1<T2 114 Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca 30 25 20 15 T1 10 obtiveram 96% de glicose em relação ao total de açúcares quando se utilizou o método enzima-enzima. WALISZWESKI et al. (1992) também obtiveram um hidrolisado a partir de farinha de mandioca com 90 - 93% de glicose, utilizando α-amilase e amiloglucosidase comerciais. T2 5 T3 0 L0 L1 L2 L3 LAVAGENS T1: 6% amido e amilases; T2: 12% amido e amilases; T3: 6% amido e amilases , celulase e pectinase; T4: 12% amido e amilases, celulase e pectinase FIGURA 4. Teores médios de açúcares totais nos hidrolisados nos diferentes tratamentos e diversas lavagens. A análise do efeito das lavagens sobre a extração da glicose demonstrou que nos Tratamentos 1 e 2 praticamente não ocorreu diferença na extração desse açúcar com o decorrer das lavagens, já nos Tratamentos 3 e 4 a extração foi bastante acentuada com a drenagem, o que ressalta a eficiência do uso das enzimas auxiliares (Tabela 6 e Figura 5). TABELA 6. Teste estatístico multivariado aplicado para a comparação dos teores médios de glicoses expressos em gramas. Hipótese Resultados do teste estatístico (nível descritivo) Os perfis médios dos tratamentos são semelhantes θ = 0,99 (p< 0,01) Conclusão Os perfis médios dos tratamento estudados não são semelhantes Efeito da lavagem dentro do tratamento T1 T2 T3 T4 F F F F = 11,37 (p>0,05) = 17,90 (p> 0,05) = 405,86 (p< 0,01) = 350,74 (p< 0,05) (L0=L2=L3)> L1 L0=L1=L2=L3 L0>L1> (L2=L3) L0>L1>L2>L3 Efeito do tratamento na lavagem L0 F = 426,22 (p< 0,01) T4>T3> (T2=T1) L1 F = 38,77 (p< 0,01) (T2=T3=T4) > T1 L2 F = 234,65 (p< 0,01) T2>T4>T1>T3 L3 F = 84,42 (p< 0,01) T2>T1>T4>T3 25 T4 Observou-se também que 97% e 95% dos açúcares presentes nos hidrolisados iniciais (L0) foi glicose em T1 e T3, respectivamente. Nos tratamentos T2 e T4, a porcentagem de glicose nos hidrolisados iniciais foi 87% e 89%, respectivamente. A menor porcentagem encontrada nos hidrolisados dos Tratamentos 3 e 4 manteve-se nas lavagens subseqüentes. A maior concentração de glicose nos hidrolisados também foi observada por ABRAHAM et al. (1987), que estudando o perfil de açúcares em hidrolisados de mandioca, Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 GLICOSE (G) AÇÚCARES TOTAIS (g) M. LEONEL M. P. CEREDA 20 15 T1 10 T2 5 T3 0 L0 L1 L2 L3 T4 LAVAGENS T1: 6% amido e amilases; T2: 12% amido e amilases; T3: 6% amido e amilases , celulase e pectinase; T4: 12% amido e amilases, celulase e pectinase FIGURA 5. Teores médios de glicose nos hidrolisados nos diferentes tratamentos e diversas lavagens. Para os valores médios de maltose o teste estatístico demonstrou que os perfis médios dos tratamentos estudados diferiram estatisticamente. No Tratamento 3 não foi necessária a comparação das médias do efeito da lavagem dentro do tratamento porque toda a maltose foi retirada com a primeira lavagem do resíduo (Tabela 7 e Figura 6). Obser vou-se que no Tratamento 2, onde foi utilizada a maior concentração de amido e duas enzimas, o teor de maltose foi superior aos demais tratamentos demonstrando uma hidrólise mais eficiente nos tratamentos com menor concentração e uso de enzimas complementares, provavelmente devido à menor viscosidade do substrato. TABELA 7. Teste estatístico multivariado aplicado para a comparação dos teores médios de maltose expressos em gramas. Hipótese Resultados do teste estatístico (nível descritivo) Conclusão Os perfis médios dos tratamentos são semelhantes θ = 0,97 (p< 0,01) Os perfis médios dos tratamentos estudados não são semelhantes Efeito da lavagem dentro do tratamento T1 T2 T4 F = 9,94 (p>0,05) F = 6,29 (p> 0,05) F = 72,87 (p< 0,01) (L0=L1)<(L2=L3) L0=L1=L2=L3 L0< (L1=L2) >L3 Efeito do tratamento na lavagem L0 F = 53,89 (p< 0,01) T1<T4<T2 L1 F = 118,75 (p< 0,01) T1< (T2=T4) L2 F = 2,11 (p>0,05) T1=T2=T4 L3 F = 25,39 (p< 0,01) T4 < (T1=T2) 115 M. LEONEL M. P. CEREDA MALTOSE (g) 2 1,5 1 T1 T3 0 T4 L0 L1 L2 L3 LAV AGENS T1: 6% amido e amilases; T2: 12% amido e amilases; T3: 6% amido e amilases , celulase e pectinase; T4: 12% amido e amilases, celulase e pectinase FIGURA 6. Teores médios de maltose no hidrolisados nos diferentes tratamentos e diversas lavagens. 3.3 Caracterização dos resíduos finais A análise dos resultados para os resíduos finais demonstrou não haver diferença significativa entre os tratamentos quanto ao teor de umidade inicial. Para os teores de matéria seca, cinzas e fibras todos os tratamentos diferiram entre si, sendo que nos tratamentos com duas enzimas os teores foram superiores aos tratamentos com quatro enzimas (Tabela 8). TABELA 8. Composição média dos resíduos finais obtidos nos diferentes tratamentos. Tratamentos T1 T2 T3 T4 DMS(5%) CV (%) Umid. inic.(%) 92,63 a 93,67 a 93,14 a 91,19 a 2,92 1,75 Mat. seca (g) 18,15 b 37,21 d 3,29 a 24,38 c 2,16 5,04 0,30 b 0,84 d 0,10 a 0,56 c 0,09 11,76 Cinzas (g) Analisando-se os teores de açúcares nos hidrolisados (Figura 4) e resíduos finais (Tabela 8), verificou-se que a porcentagem de açúcares retidos, em relação ao rendimento total, foi de 7,8% no Tratamento 1; 13,1% no T2; 1,0% no T3 e 12,9% no T4. T2 0,5 Variável Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca Fibras (g) 4,24 b 7,38 d 1,40 a 6,14 c 0,70 4,87 Amido (g) 9,46 b 22,58 c 1,14 a 9,92 b 1,48 8,19 Proteina (g) 0,20 a 0,51 b 0,16 a 0,75 c 0,09 12,66 Aç. totais (g) 1,70 b 5,74 c 0,35 a 7,39 d 0,39 5,44 Glicose (g) 1,47 b 4,88 c 0,33 a 6,05 d 0,39 6,48 Maltose (g) 0,10 a 0,42 b 0,01 a 0,82 c 0,16 27,29 Dextrinas (g) 0,13 a 0,43 b 0,01 a 0,57 c 0,13 25,35 Médias seguidas de uma mesma letra não diferem pelo teste de Tukey (p>0,05). Quanto ao teor de amido residual não houve diferença entre os Tratamentos 1 e 4, entretanto, no Tratamento 4 a concentração inicial de amido foi o dobro do Tratamento 1, portanto, a hidrólise da fécula foi mais eficiente no T4. Para os açúcares totais observou-se uma diminuição do teor de açúcares retidos no resíduo, do Tratamento 1 para o Tratamento 3, e um aumento do Tratamento 2 para o 4, o que demonstra que com aumento da concentração de amido o efeito das enzimas complementares foi inferior ao obser vado na mesma concentração de amido na suspensão inicial. Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 Com relação ao perfil de açúcares retidos no resíduo observou-se que as dextrinas ficaram retidas mesmo após as lavagens e que a glicose representou 84,67% do total de açúcares no Tratamento 1, 85,0% no T2, 94,3% no T3 e 84,0% no T4, demonstrando uma eficiência acentuada do processo de hidrólise no tratamento com menor concentração de amido e utilizando enzimas complementares. 3.4. Rendimento do processo A análise do balanço de massa dos diferentes tratamentos mostra que fixada a concentração de amido na suspensão inicial, a porcentagem de amido hidrolisado foi bastante superior nos tratamentos em que se utilizaram a celulase e a pectinase como enzimas complementares às amilases (T3 e T4). Outra observação importante é que nestes tratamentos uma elevada porcentagem das fibras presentes na suspensão inicial também foi hidrolisada, evidenciando a ação das enzimas complementares (Figura 7). Com relação ao rendimento em açúcares, verificouse que o melhor Tratamento foi o T3 (97%), onde se utilizaram a concentração de 6% de amido e enzimas complementares, entretanto, o Tratamento 4 apresentou um bom rendimento em relação ao teórico (86%), visto que foi utilizado o dobro da concentração de amido do Tratamento 3, o que é mais interessante pois o hidrolisado obtido pode ser fermentado diretamente sem necessidade de concentração. Além disso, os tanques teriam uma maior utilização. O melhor rendimento da hidrólise nos Tratamentos em que foram utilizadas celulase e pectinase foi também obtido por KOBAYASHI et al. (1994), com polpa de beterraba utilizando as mesmas enzimas como auxiliares no processo enzimaenzima. Quanto às lavagens verificou-se que nos Tratamentos em que se adicionaram celulase e pectinase, observou-se melhor extração dos açúcares antes das lavagens (L0) (Figura 4), o que demonstra a eficiência destas enzimas como redutoras de viscosidade. Ocorreu, entretanto, em todos os tratamentos uma diluição elevada do hidrolisado, o que torna inviável este tipo de extração, pois seria necessária a concentração do hidrolisado para posterior fermentação ou uso de maior volume de tanques. 116 M. LEONEL M. P. CEREDA Melhoria do Rendimento de Hidrólise Enzimática para Produção de Etanol a Partir de Farelo de Mandioca SUSPENSÃO INICIAL FARELO + ÁGUA (500g p/p) 6% amido (T1 e T3) 12% amido (T2 e T4) Matéria seca inicial 37,5 g Matéria seca inicial 75,0 g 30 g amido 4,31 g fibras 0,17 g açúcares totais 60 g amido 8,62 g fibras 0,34 g açúcares totais PROCESSO DE HIDRÓLISE - SACARIFICAÇÃO Total Lavagens LO L1 L2 L3 HIDROLISADO RESÍDUO FINAL Matéria seca Matéria seca T1 20,21g T2 38,18g T3 34,16g T4 50,06g 7,55g 6,06g 4,26g 2,34g 8,07g 12,05g 10,33g 7,73g 21,26g 4,77g 1,33g 6,80g 29,61g 10,73g 5,90g 3,82g Total amido açúcares totais fibras T1 18,15g T2 37,21g T3 3,29 T4 24,38g 9,46g 1,70g 4,24g 22,58g 5,74g 7,38g 1,14g 0,35g 1,40g 9,92g 7,39g 6,14g FIGURA 7. Balanço de massa dos diferentes tratamentos. FIGURA 7. Balanço de massa dos diferentes tratamentos. SRIKANTA et al. (1987) observaram que a lavagem do resíduo com água na proporção 1:1 de solvente (água) proporcionou uma recuperação de 51,81%, entretanto, o hidrolisado ficou muito diluído para ser misturado ao hidrolisado inicial. proporcionaram melhor eficiência no processo de sacarificação para obtenção de álcool de farelo de mandioca; - a lavagem do resíduo não foi viável para a recuperação dos açúcares presos às fibras; - a produção teórica de etanol a partir do farelo para cada tonelada de mandioca processada seria de 45,9 litros. 3.5. Estimativa da produção de etanol Considerando-se que no processamento de uma tonelada de mandioca para a extração de fécula são gerados 930kg de farelo com 85% de umidade, a quantidade de matéria seca no resíduo é de 139,5kg (CEREDA, 1996b). De acordo com a composição do farelo (Tabela 2), 111,6kg de amido não são extraídos no processamento ficando retidos no farelo. Com base nestes dados e nos resultados obtidos no tratamento 4 (83,5% do amido hidrolisado e 12,9% dos açúcares obtidos retidos no resíduo) é possível inferir que para cada tonelada de raiz de mandioca processada teoricamente poderiam ser produzidos 45,9 litros de etanol a partir de 72kg de glicose (88,6% dos açúcares no hidrolisado). 4. CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos foi possível concluir que: - a concentração de 12% de amido na suspensão inicial juntamente com a adição das enzimas complementares Braz. J. Food Technol., 2(1,2):111-118, 1999 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAM, T.E., KRISHNASWAMY, C., RAMAKRISHNA, S.V. Effect of hydrolysis conditions of cassava on the oligosaccharide profile and alcohol fermentation. Starch Stärke, 39:237-240, 1987. ALVAREZ, H. Etude et contrôle de la liquefaction de la fécule de manioc par la aa- amilase BAN de Novo Nordisk: Otimization du procédé de production des cyclodextrines par la Cgtase Amano. Compiègene: UTC, 1995. 73p. 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