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MARGEM DE ERRO 668 DIAS (NÃO SEQUENTES) DE CRÓNICAS NO JORNAL Joel G. Gomes MARGEM DE ERRO 668 DIAS (NÃO SEQUENTES) DE CRÓNICAS NO JORNAL O RIO Joel G. Gomes Á GUISA DE INTRO AUSTERIDADE PARA QUE TE QUERO ENERGIA DESPOSITIVA CHEGA DE REPRESENTATIVIDADE (?) O SEGREDO ESTÁ NO DELITO MARCHA CONTRA ENSINO EM ACRÓSTICO QUEM RI POR ÚLTIMO NEM SEMPRE RI MELHOR DOIS INCENTIVOS PARA A EDUCAÇÃO E CULTURA NO NOSSO PAÍS PORTUGAL NUCLEAR PROVA SUPERADA ANARQUIA ORGANIZADA ELE SÓ QUER O NOSSO BEM ASSIM, ATÉ EU GOSTO DE FUTEBOL UMA QUESTÃO DE TAMANHO O DESPRIMOR DA CORRUPÇÃO OIÇA, OU SAIA OU ARRANJE-ME UM LUGAR É BONITO O ALTRUÍSMO CASO FREEPORT ■ O EPISÓDIO FINAL AS RAZÕES INVOCADAS SE FOSSE EU, FAZIA ASSIM PROVA SUPERADA A INVEJA E A NÃO-POLÍTICA FÉRIAS INTERROMPIDAS PRA QUÊ? NINGUÉM SE DECIDE OS MÉDICOS NÃO GOSTAM DE MIM E EU NÃO GOSTO DELES DUAS PEQUENITAS IDEIAS QUE ATÉ PODEM AJUDAR EXPRESSÕES E REACÇÕES A ARRECADAÇÃO DA EUROPA QUASE UM QUARTOZINHO QUEM SE LIXA É... TRABALHAR ATÉ MAIS(,) NÃO DIA DA SURPRESA NACIONAL CATÓLICOS E MUÇULMANOS QUERO MAIS DESEMPREGO NÃO Á TRANSITO OJE QUANDO O TICO E O TECO SE ZANGAM O CAVALO ESTÁ LÁ FORA QUASE TRANSPARENTE ANO NOVO, DISCURSO DE SEMPRE CONTENÇÃO AI DOS POBRES PELA ETIQUETA MENOS ESTUDOS, MAIS EMPREGO O FENÓMENO BIZARRO AS REGRAS DA CONVERSÃO DE DEDO EM RISTE AUGUINHA PARTIDO A MEIO SEQUELAS & PREQUELAS ANTES DAS ELEIÇÕES | 1 ■ INÊS DE MEDEIROS MENDIGOS E RECIBOS PONTE SALAZAR DA CAMPANHA E DOUTRAS COISAS PURA E SIMPLES IMPLICÂNCIA A TROIKA E O DESEMPREGO CENAS DE CAFÉ O QUE (AINDA) NÃO SABEMOS O PORQUÊ DO EMPRÉSTIMO AOS BANCOS A OPÇÃO E A INDECISÃO O NOME DIZ TUDO NOTÍCIAS DE AGOSTO PRESUNÇÃO DE CULPABILIDADE MÉRITO E COPIANÇO BOM PORTUGUÊS QUINZE MINUTOS CRITÉRIO SEGURO CONFIANÇA ALUNOS RICOS, ALUNOS POBRES QUANTAS VEZES? UMA (ENGRAÇADA) IDA ÀS FINANÇAS SERVIÇO PÚBLICO COMPENSATÓRIO “VOLTO JÁ” CHAMEM A POLÍCIA A MODERNIDADE DOS NOVOS PECADOS SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS AO LADO DO POVO UM GOVERNO DE POUCOS AMIGOS MELHORES VIDAS O ÚLTIMO ÍDOLO DOCES 50% OPORTUNIDADES DESPERDIÇADAS O CASO MIGUEL RELVAS PORQUE SIM O GATO DE CRATO A SENHORA PITOSGA AGORA É MOUCA CONTRA O SAUDOSISMO FORA DE ÉPOCA PELOS DIREITOS DOS MINI-ANIMAIS Á GUISA DE INTRO Remonta aos inícios de 2010 o dia em que, após uma conversa telefónica com um amigo, decidi tentar a minha sorte e contactar alguns jornais e revistas a fim de apurar se estariam interessados em publicar textos meus. No blogue Protuberância ia publicando, com mais irregularidade do que regularidade, alguns crónicas humorísticas sobre temas da actualidade e não só. Incentivado pela sugestão desse meu amigo, logo compreendi que escrever para um jornal não seria o mesmo que escrever para mim. Sem mudar conteúdos ou estilo, apenas os aprimorando, teria, porém, de cumprir com uma maior periodicidade. Os dias de estar meses seguidos sem publicar nada teriam de acabar. Pelo menos era assim que eu gostaria que acontecesse sempre, o que nem sempre é o caso. O jornal O RIO, sediado na terra onde cresci, a Baixa da Banheira, foi um dos primeiros a aceitar a minha proposta. Ao longo destes dois anos, além de terem publicado os meus textos, deram-me uma óptima divulgação quando publiquei o meu primeiro romance em Março de 2012. O RIO é um jornal local, de divulgação internacional, muito graças à Internet. É composto por uma equipa pequena e outros colaboradores como eu. Ninguém está lá pelo dinheiro ou pela fama e sim pela vontade de contribuir para tornar o dia melhor. Alguns analisam a actualidade com rigor e seriedade; eu parvejo. Faz sempre falta alguém para parvejar e eu sou essa pessoa. Perguntam vocês: será isto uma evidente ausência de critérios jornalísticos ou não terão encontrado ninguém melhor? O mais certo é ter sido a última, por isso é melhor aproveitar enquanto posso. 0 AUSTERIDADE PARA QUE TE QUERO Perante a actual conjuntura dos mercados internacionais e a presente crise financeira que a todos afecta, é chegado o momento de todos unirmos esforços para fazer face a estas circunstâncias. Podia ter escrito isto há um ano atrás, ou há dez anos; ou daqui a quinze. Enquadrar-se-ia sempre. O mercado nunca está bom. A crise vai e vem numa semana. "O mundo mudou em três semanas." Não foi o que o Primeiro disse? Não, não foi "três semanas", foi "quinze dias", não, foi "uma semana". Nota: o mundo muito numa hora, desde que não se seja um peixe num aquário. Adiante. As medidas de austeridade vão fazer-se notar no IVA e no IRS. Tudo isto já a partir de... Interessa assim tanto? O IVA aumenta um por cento, o café passa para sessenta cêntimos. Não é preciso grandes contas. Quando passámos do escudo para o euro, o que era cinquenta escudos, passou para cinquenta cêntimos. Vá lá que o euro só vale o dobro do escudo. Na altura éramos maus a matemática. Agora já não. A nossa média a matemática agora é de dez. Se não se lembrarem de voltar a dar notas a sério, podemos viver felizes na ignorância. As restantes medidas notar-se-ão no fim do décimo terceiro mês, no cancelamento do alargamento do subsídio de desemprego por mais seis meses e o não-reforço da linha de crédito de apoio para criação de emprego por parte dos desempregados. Um dado curioso: estas medidas, exceptuando o décimo terceiro mês, vão poupar aos cofres do Estado 151 milhões de Euros. Os jogadores da Selecção ganham oitocentos euros por dia. Dinheiro esse que 1 vem da Federação Portuguesa de Futebol; que, por sua vez, recebe-o do Estado. Não todo, apenas a maior parte. Só estou a pensar alto. Nem a Assembleia da República escapa a isto. Os deputados deixam de transportar bagagem e passam a viajar COM a bagagem; em vez de receberem um prémio chorudo sempre que não se baldarem um mês seguido, recebem um email com um powerpoint fofinho que tem de ser reenviado a todos os deputados senão perdem o mandato. É peta minha, claro. Mas Jaime Gama anunciou que o Orçamento para 2010 da instituição a que preside baixou bastante comparativamente a 2009. O que não é nada mau. Para garantir que não aconteçam muitas derrapagens, apelou à coerência dos políticos e... Agora perdi-me. Ele quer que os políticos – essa classe habituada a gastar à lá gardére (curso de francês técnico na UNI) – poupem e diz-lhes para serem coerentes? Sem desprimor para a classe, é o mesmo que dizerem a um ladrão para não tornar a roubar e, logo de seguida, piscaremlhe o olho. O que Jaime Gama fez foi uma piscadela de olho verbal. Tenho medo de que estas medidas possam resultar. Toda a minha vida profissional foi passada em tempos de crise e conjuntura complexa; não creio que nos habituássemos se entrássemos agora na fase da fartazana. Creio que se o país entrasse em inegável desenvolvimento económico e financeiro (aquele que se verifica no dia a dia) seria o fim da nossa sociedade. Onde é que iríamos parar? Talvez a um outro universo onde está tudo bem e, de repente, tudo muda. Em três semanas. Não! Quinze dias. Perdão, uma semana. 2 ENERGIA DESPOSITIVA Há pouco ouvi o urro de um animal ferido de morte pedindo por ser abatido. Peguei na minha caçadeira, pronto a dar o golpe de misericórdia, quando reparei que não era um animal, e sim uma besta com uma vuvuzela. O combustível pode vender pouco, mas os senhores da gasolina não estão preocupados com isso, já que os portugueses são capazes das coisas mais imbecis para apoiar a selecção. Uns chamam orgulho nacional, eu prefiro chinfrineira. É giro, mas não tão giro como seria se todos os tocadores de vuvuzelas apanhassem lepra na boca. Senhores da Galp, eu sei que vocês gostam do vosso dinheirito mas, não dava para arranjarem outra coisa que não fizesse tanto barulho? Eu não gosto de futebol; quero estar em casa descansadinho, a ver um filme, ou a ler, não a escutar urros o dia todo. À vossa conta acabei de balear um vizinho meu e tenho a GNR a bater-me à porta neste momento. Eu vi o vosso anúncio e percebi que a ideia das vuvuzelas é apoiar a Selecção Portuguesa de Futubol. E percebe-se como. O Mundial vai ser na África do Sul e, se todos apitarmos as vuvuzelas ao mesmo tempo, talvez o som chegue até lá. É um som que deixa qualquer um bem disposto. Não há nada melhor. A não ser gangrena. Li que os jogadores seleccionados para o Mundial ganham 800 euros por dia. Como ainda não vi esta informação desmentida, vou tomá-la como válida. Por isso, vamos a contas. Temos, salvo erro, 23 jogadores seleccionados. Ao dia são 18400 euros. A não ser para aquelas pessoas que aderiram à campanha 3 da Toshiba, há muita gente que vai começar a torcer para que a campanha de Portugal em África acabe o quanto antes. (Raça do bófia que não pára! Já vai!) Esse pilim vem da Federação Portuguesa de Futebol que, segundo os seus Estatutos, recebe-o das quotas pagas por cada profissional ligado ao futebol e também de subsídios estatais. Não sei o valor das quotas nem o número de associados, mas duvido que gerem receita na ordem dos dezanove mil euros por dia. Não é o mesmo que comer sopa seis dias por semana para no Domingo ir comer fora. O dinheiro a sério deve vir do Estado, digo eu. As medidas de austeridade, nomeadamente as alterações ao IRS e ao subsídio de desemprego vão gerar uma poupança/receita de 485 milhões de euros. Pode não ter nada a ver, mas chega para uma campanha inteira. Lanço esta teoria disparatada porque somos governados por pessoas. Pessoas como eu, pessoas como o leitor, mais ricas, com mais poder mas, ainda assim, pessoas. Nós, humanos, somos imbecis. Fazemos campeonatos para ver quem consegue puxar um camião com os dentes, construímos estádios para moscas, gastamos dinheiro que não temos em coisas que não precisamos. Porém, não somos todos iguais. Ao contrário do senhor que eu baleei há pouco, eu não investi em vuvuzelas e também não acho que Portugal seja capaz de chegar às Meia-Finais. Se achasse, talvez estivesse a escrever este texto num portátil novinho em folha em vez de (Então? Mas isto entra-se assim na casa das 4 CHEGA DE REPRESENTATIVIDADE (?) Um dos temas mais falados no momento tem a ver com o número de deputados no Parlamento. Numa altura em que se fala de contenção de despesas, é animador ver os líderes da Nação preocupados em dar o exemplo. O PSD, considera a redução do número de deputados com "espírito de abertura". O objectivo do maior partido de apoio ao Governo é "alcançar uma relação de maior proximidade entre eleitos e eleitores" por via duma alteração dos círculos eleitorais, "tornando-os mais pequenos". Embora não perceba nada, deve ser giro, mas será bastante para convencer os restantes partidos? O CDS-PP, é contra a redução do número de deputados porque não passa duma ideia demagógica que pode prejudir a representatividade e a qualidade da democracia. "Há mais administradores de empresas públicas do que deputados" disse João Almeida, e "ganham mais do que os deputados". Segundo o Orçamento da Assembleia da República, a verba destinada ao vencimento dos deputados é de 12 milhões e 349 mil Euros – a dividir por 230 deputados dá meia dúzia de tostões. Menino João, não sabe que é feito ter inveja? O PCP também é contra, uma vez que isso pode levar a uma maior representação do PS e do PSD, além de diminuir a pluralidade. "A única redução de deputados que beneficiará o país" seria uma redução dos que "têm apoiado a política de direita", disse Bernardino Machado. Por outras palavras, a ideia não é má, mas só se for para os outros. 5 Algures no espectro político, o PS também se diz contra a ideia. "Não é sério num momento de crise estar a fazer uma discussão dessa natureza.", disse Francisco Assis. Nem mais. Os meninos ganham uma pipa de massa, têm tudo pago e a gente tem de andar a contar os tostões todos? É mesmo má vontade nossa. "Há uma diferença entre a rua e o Parlamento". É verdade. Nisso tenho de lhe dar razão. Na rua as pessoas são muito mais bem-educadas. Além de roubarem menos. "No dia em que desaparecer a diferença entre o Parlamento e a rua, o Parlamento deixa de ser necessário. E no dia em que o Parlamento deixar de ser necessário a democracia está em perigo", disse. Ui que medo! É o fantasma do Salazar que vem aí! Uuuu! Francisco Louçã, o líder do Bloco de Esquerda diz que o PS quer reduzir o número de deputados no Parlamento para se “ver livre da opinião dos portugueses”. Não é bem isso Francisco. Eles só querem reduzir o número de deputados que são contra as medidas do PS. Que são quais? Ora bem, o PSD está a favor do PS no que toca às medidas de austeridade, por isso não devem ser esses. O PCP, o CDS e o Bloco estão a favor em ser contra a redução do número de deputados. Também não devem ser. Quem é que sobra? O PPM? Eu acho simpático ver todos de mão dada, mas se calhar está na hora de apertarem também o cinto, não? Vão a pé para o trabalho, comem uma saladinha de alface e tomate ao almoço, não metem dinheiro ao bolso. Basicamente, é fazerem aquilo que pedem às pessoas para fazer. Senão, quando saírem à rua, vão ver o que vos espera. 6 O SEGREDO ESTÁ NO DELITO Somos bombardeados diariamente com notícias de assaltantes que são libertados, vítimas que pagam indemnizações, por aí fora. A insatisfação popular face à justiça portuguesa cresce sem parar. Por isso, foi com um certo regozijo que li que o Tribunal da Relação do Porto, decidiu agravar as penas do processo 'Douro Negro', relativo a um processo de falsificação de Vinho do Porto, e condenar os quinze arguidos por associação criminosa. Para essa gente que dizia não termos noção das coisas, eis a prova em como... estavam certas. Violações, roubos, fraude, lenocínio, etc., isso ainda vá. Agora, falsificarem Vinho, ainda por cima do Porto, isso é que não! Isso é que não! Em 2007, em Peso da Régua, o Tribunal da Primeira Instância condenara o mentor do processo, Pedro Marta, a seis anos de prisão (cinco pelo processo, mais um por um ter um nome esquisito) pela concepção dum esquema que passava pela produção e comercialização de Vinho do Porto. Apesar dos deslizes, há que reconhecer o empreendedorismo do senhor Marta. (Soa mal não soa? É tipo Senhora Pedro. Não combina.) O Tribunal da Relação do Porto duplicou-lhe a pena. Não estou contra as condenações – como apreciador de Vinho do Porto, até estou a favor – apenas gostaria que acontecessem mais vezes. Leio com frequência, e sei, de casos de assalto, em que são recolhidos vestígios, onde, inclusive, há registo vídeo do crime, e que resultam em nada além de apresentação periódica ou termo de identidade e residência. (Como o nome indica, a primeira penalização só se 7 cumpre uma vez. A pessoa apresenta-se e pronto, vai à sua vida. Ninguém se reapresenta. A não ser que passe algum tempo e se esqueçam uma da outra. Já me aconteceu. A segunda é mais puxada, pois obriga o meliante a memorizar uma morada (não a sua), além de não estipular o número de vezes que tem de ir lá.) O segredo é o flagrante delito. Se a polícia não vê, o juiz não pode condenar. No caso dum assalto, que é um crime rápido, a não ser que a polícia calhe a passar, é provável que não chegue a tempo de apanhar os criminosos em flagrante delito. No caso do Vinho do Porto, a coisa muda de figura. O Vinho do Porto, não se faz às três pancadas. Muito menos o fajuto. A malta tem de fazer a coisa nas calmas para não dar barraca. Por isso, sendo um processo longo, as hipóteses de flagrante delito são mais elevadas. Uma vez que os responsáveis pelo engodo foram presos, assumo o risco de dizer que isso aconteceu. Senão, como é que foram presos, condenados e recondenados? (Eu sei que não existe recondenados.) Se não existiu flagrante delito como é que estes dois Tribunais, estes dois Juízes (ou Colectivo de Juízes, não sei), se desenrascaram? Desejo saber, não por mera curiosidade, mas para apelar junto de vós, pessoas da justiça que condenam criminosos, que partilhem o vosso conhecimento com outros Tribunais. Talvez alguns sigam o exemplo. (Se foi por acaso, ou por engano, não digam. Deixem-me ficar na ignorância, pode ser?) 8 MARCHA CONTRA A 31 de Maio do corrente ano a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas (ANTP) iniciou uma marcha lenta. Pedia-se aos motoristas que circulassem a 40 km/h, dez quilómetros por hora abaixo da velocidade mínima legal. Assim que soube disto, fiquei numa pilha de nervos. Todos os dias torcia para que as reinvindicações fossem atendidas. Um protesto destes iria provocar imensos transtornos na estrada; sem falar das encomendas que chegariam atrasadas. No dia 2 de Junho a contestação terminou e eu percebi que me preocupei à toa. Em todas as reportagens que vi na televisão, todos os motoristas entrevistados estavam a leste. (Mesmo aqueles que estavam a norte e sul. Piada parva, eu sei.) A marcha lenta, tão apregoada pelos senhores da ANTP, não teve nenhuma adesão por aí além; o trânsito não sofreu grandes impedimentos e as encomendas chegaram aos seus destinos em tempo útil. Em suma, um fracasso. E porquê? Antes de mais, por que estavam a reinvindicar? Descida do preço do gasóleo, redução no preço das portagens e a alteração ao Código de Trabalho que proíbe mais de 40 horas semanais, além de estipular 11 horas de descanso após 8 horas de condução. Numa viagem que demore 15 horas, o motorista poderá fazer tudo de seguida, e regressar mais depressa a casa. Tudo isto equivale a mais lucro para a empresa; lucro esse que é repartido de forma justa por todos os trabalhadores. Agora que sabemos o quê, é lógico que o quem só pode ser os motoristas. Quem mais, senão quem anda na estrada, gostaria de trabalhar ainda mais horas seguidas, sem compensação financeira que valide o esforço? Como? Não são os motoristas? Então 9 quem...? Os patrões? A sério? Hum...Deixa ver. Bem, faz algum sentido. O patrão quer ganhar mais dinheiro (e não é para distribuir de forma justa por todos; isso era tanga minha), por isso, quer gastar menos em combustível e quer que os seus motoristas não tenham limite de horas de condução, elevando o número de entregas, assim como o risco de acidentes causados por fadiga. Não percebo. Por norma, quando se reinvindica é o reinvidicador que vai para a rua reinvindicar. Aqui, pelos vistos, não. (Diálogo entre patrões e sindicalistas) - Digam lá aos motoristas para protestarem a favor destas medidas que vão obrigá-los a trabalhar mais. - Porque é que não dizem vocês? - A gente tem vergonha. E eles gostam mais de vocês. Eles que andem devagar para as encomendas chegarem tarde, as pessoas reclamarem, mas nós não ficarmos mal vistos. 'Tá bem? - 'Tá bem, 'tá. Deve ter sido isto. E teria sido assim se os mandriões dos motoristas tivessem protestado contra os seus direitos. É muita má vontade, é o que é. Para dia 7 de Junho está marcada uma paralisação total. Espero que até lá mudem um pouco esse feitio. Não fica nada bem. 10 ENSINO EM ACRÓSTICO Eu não sou do tempo da palmatória – escapei a essa época. E, embora o meu tempo de escola primária tenha coincidido com a era da reguada, essas reguadas foram tão raras que não me causaram mossa. A minha professora dos meus quatro primeiros anos de ensino escolar nunca me chamou de burro, de inútil, estúpido ou badalhoco. Nunca me insultou gratuitamente. Bastantes vezes chamou-me de “palhacito”; algo inteiramente justificado já que não passava um dia em que não fizesse uma palhaçada qualquer. Na altura ainda não sabia o que queria ser quando fosse grande. Talvez fosse uma forma de dizer que quando eu chegasse à idade adulta teria como ocupação fazer rir os outros. Não havia, nem há, qualquer problema em chamar “palhaço” a uma criança que queira mesmo ser palhaço quando chegar a altura de escolher uma profissão. Quanto a chamar burro, inútil, estúpido e badalhoco, isso já acredito que possa trazer alguns problemas de desenvolvimento cognitivo para a criança. Uma professora como a minha era um emblema de disciplina. A sua autoridade provinha da sua postura, das suas acções e não das suas reacções. Nós não nos portávamos mal por causa de eventuais castigos, e sim porque não havia razão para tal. Ela sabia dar a volta e pôr-nos a trabalhar. Quando alguém fazia asneira era punido, sem que essa punição fosse algo degradante. Quando alguém não sabia certa parte da matéria, a sua ignorância não servia de motivo de chacota para todos os outros. Ninguém era humilhado por não saber tudo porque ninguém ali sabia tudo. Muitas vezes portei-me mal, e de vez em quando levei um puxão de orelhas. Uma vez ou outra levei uma reguada. As minhas orelhas continuam boas e com as minhas mãos escrevo 11 este texto e muitos outros antes e depois deste. Que me lembre nunca houve razão para chamar à escola nenhum encarregado de educação à escola porque a professora lhe batia e chamava nomes. Estávamos no fim daquele tempo em que os professores tinham mais autoridade do que os alunos, embora a minha professora não tivesse qualquer razão para temer isso. A autoridade docente não desapareceu por completo desde então; embora os tempos tenham mudado um pouco. Porventura os métodos que a minha professora usava na época, se aplicados nos dias de hoje poderiam parecer um pouco antiquados. De modo algum quero iniciar aqui uma discussão sobre esse tema. Mesmo nas suas premissas mais básicas seria demasiado complexo para ser discutido em tão pouco espaço. Recordo da minha mãe dizer que, no seu tempo, os professores tinham toda a autoridade; no meu tempo tinham alguma autoridade, nos dias de hoje não têm autoridade nenhuma. Assim transparece pela comunicação social. Registamos com frequência notícias de alunos que desrespeitam professores, de pais que batem em professores. Não ouvi ainda notícias de auxiliares da acção educativa (as “continas” no meu tempo) a baterem em professores. Pelo menos não no exercício das suas funções. Talvez alguns dos pais que agrediram professores sejam auxiliares da acção educativa noutra escola. O caso não tem um culpado óbvio. Infelizmente, aqui a culpa é como um peido dado em sessão solene. Todos olham para todos, mas ninguém admite nada. A culpa é dos pais, é das crianças, dos professores, da sociedade? A todos a sua quota, é o que eu defendo. Tenho de regressar novamente ao passado. A minha professora castigou-me, mas nunca me humilhou; chamou-me nomes, mas nunca me insultou; puniu-me fisicamente, mas nunca me marcou. As marcas da régua foram sempre passageiras, no dia seguinte já não havia nada. A memória física daquele evento era como a ferroada duma abelha. Sabemos que dói, por 12 isso não tornamos a ir lá – mas não sentimos medo só de pensar nisso. Eu acredito que os quatro primeiros anos de ensino são os mais cruciais. É através das bases adquiridas nesta fase que o resto do percurso escolar será determinado. Se rebaixadas a menos de nada, se humilhadas e castigadas de forma gratuita, as crianças não terão razão para aprender. Inevitavelmente, algumas poderão ser burras, inúteis, idiotas, estúpidas e badalhocas quando forem grandes, não por culpa ou decisão sua, apenas porque não tiveram o devido exemplo de quem deviam. As que não tiverem certo tipo de professoras, poderão aprender a desenvolver uma mente atenta e criativa e serem vozes críticas da sua sociedade. E isto não é apenas uma questão de sorte, é uma questão de assumir responsabilidades e de não esconder a verdade. Só assim, artigos como este não terão razão para serem escritos. 13 QUEM RI POR ÚLTIMO NEM SEMPRE RI MELHOR No século XVIII, Lavoisier disse que “Na Natureza, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma.” Com esta frase definiu a lei da conservação da matéria. Quase 300 anos depois, os donos duma revista semanal acharam um novo aproveitamento para essa frase. E continua a ter a ver com a conservação da matéria. Quase. O já famoso caso do furto dos gravadores tornou-se numa fonte de inspiração para um passatempo lançado pela Revista Sábado. Imitando as duas Comissões no Parlamento a quem o caso foi atribuído, os proprietários da revista decidiram, também eles, gozar com o assunto. Parecia mal, enquanto toda a gente gozava com o assunto, serem eles os únicos a tratá-lo de forma séria. O furto de dois gravadores pelo deputado socialista Ricardo Rodrigues deu azo a uma providência cautelar colocada pelo próprio Ricardo Rodrigues. O que é um pouco como alguém ir à Polícia queixar-se de que não lhe aceitaram as notas falsas num Banco. Os motivos invocados pelo deputado de que estava a ser vítima de “violência psicológica insuportável” por parte dos dois jornalistas chegaram para convencer os responsáveis do PS de que ele não fez nada de mal. Francisco Assis agiu como o pai que é chamado à escola por causa do mau comportamento do filho e não crê em nada do que os professores dizem. Para ele, o seu menino é o mais bonito de todos e não há nada que possam dizer que o convença do contrário. 14 A Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, a quem o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas entregou o caso, descartou-se do assunto e passou a batata quente para o pessoal da Comissão de Ética. Aparentemente, se for um cidadão comum a apropriar-se de propriedade alheia, trata-se dum caso de polícia. Se for um deputado envolvido em várias moscambilhas, trata-se dum acto irreflectido justificado por uma “violência psicológica insuportável”. Nesse caso, não é roubo, é apenas falta de educação. A Comissão de Ética, por sua vez, devolveu a pasta para a Comissão de Assuntos Constitucionais. Perante tudo isto, os responsáveis da Revista Sábado tomaram a única atitude possível nestas circunstâncias: lançar um passatempo cujo prémio são cem gravadores Olympus. Afinal, em que é que ficamos? Senhores da Sábado, que raio de jornalistas são esses que vêem uma cópia mal feita do Paulie dos Sopranos levantar-se, fanar os gravadores, e ficam impávidos? Vocês ficaram chateados ou não com o roubo dos gravadores? É que se ficaram expliquem que raio de estúpido plano de vingança vem a ser este? “Ai gamaram-nos dois gravadores? Então agora, só pra verem como elas são, vamos oferecer cem!” Porque é que isto me faz pensar em birras? Talvez porque é disso que se trata. Parecem os miúdos a quem tiram um brinquedo e depois não querem brincar com mais nenhum. Esta postura infantil por parte de representantes da nação e da sociedade deixam-me inquieto. Se tivermos de tomá-los como padrão de referência daqui em diante, não sei o que vai ser de nós. 15 DOIS INCENTIVOS PARA A EDUCAÇÃO E CULTURA NO NOSSO PAÍS Gosto de estar actualizado acerca dos assuntos que marcam o nosso Portugal. Como tal, sentia vergonha de admitir a minha ignorância em relação a certa matéria. O tópico era matéria de conversa em todo o lado e suscitava as mais variadas reacções. Alguns demonstravam desconfiança, outros acreditavam com convicção no que as imagens exibiam. A notícia chegou aos meus ouvidos, assim que ocorreu, mas só ontem, graças a um amigo que me fez chegar as imagens via email, é que eu pude avaliar a matéria propriamente dita. Desculpe? Se me refiro ao roubo dos gravadores dos jornalistas da Revista Sábado pelo deputado Ricardo Rodrigues? Claro que não. Seria completamente despropositado, face a matérias de maior importância para o país, eu perder tempo a falar desse assunto, apenas porque algo como a liberdade de expressão foi violado. Nada disso. A razão deste meu artigo tem apenas a ver com algo que interessa mais ao português comum: a stora Bruna. Sim senhor! Até eu tinha tido boa nota a Educação Musical com uma professora daquelas! Infelizmente, as duas professoras que tive não eram assim. A primeira queria ensinar sempre a mesma música – aquela que ninguém gostava – e a outra tinha por hábito esconder a letra L sempre que faúava. A professora decidiu expor-se e não vejo nada de mal nisso. A Playboy não é uma simples revista de gajas. Tem seios e rabos 16 em abundância sim, mas, não é um nu vulgar. É claro que para os homens (e mulheres) que não são esquisitos, serve perfeitamente. Contudo, se formos a ver bem, a nossa Playboy não é uma Playboy qualquer. Aliás, a nossa Playboy é a única no mundo que teve um gajo na capa. Apesar de ser uma figura cujo trabalho eu até aprecio, esperava reacções mais acesas por parte dos portugueses quando, em vez de uma menina de seios jeitosos e rabinho ao léu, apareceu um gajo na capa. Não se percebe. Voltando à minha professora de Educação Musical, a tal que escondia os Ls, não posso deixar de fazer uma comparação entre Ricardo Rodrigues e Bruna Real. O primeiro escondeu algo, a segunda expôs algo. São formas diferentes de estar na vida. Como não tenho por hábito esperar grandes exemplos, a nível de postura e integridade, por parte da classe política, não vou tecer mais comentários sobre o caso dos gravadores. (A não ser que me peçam por favor.) Considero a atitude da professora mais responsável. O Governo tenta melhorar as estatísticas do Ensino em Portugal reduzindo o grau de exigência aos alunos. Se mais professoras seguirem o exemplo da professora Bruna, creio que iremos assistir a um verdadeiro despertar de mentes. Ao que consta, a professora já não é professora, é funcionária no Arquivo Municipal de Mirandela. Pode já não melhorar as notas dos seus alunos mas, para compensar, o número de visitas ao Arquivo Municipal de Mirandela vai aumentar em larga escala. 17 PORTUGAL NUCLEAR No dia 26 de Abril de 1986, um reactor da central nuclear de Chernobyl explodiu, libertando uma enorme nuvem radioactiva por toda a Europa. Para quem não sabe, isto não é bem a mesma coisa que uma nuvem de cinzas. É pior. A Europa ficou toda aflita com uma nuvem de cinzas que não deixava os aviões voarem por causa da falta de visibilidade. No caso da nuvem radioactiva, esse problema não se colocava. A visibilidade era total e, em certos casos, as mutações causadas pela radiação até fizeram surgir mais um ou dois olhos em algumas pessoas. Em Portugal temos um histórico longo de derrapagens orçamentais e acidentes de trabalho. Seja por falta de supervisão, ou por aquilo que eu chamo o princípio de "um-pouco-de-cordae-fita-cola-e-tá-bom", somos prolíficos nessas matérias. Só para vocês verem, só entrei no Estação de Metro do Terreiro do Paço algumas semanas depois de ela estar em funcionamento. Depois da derrocada que houve durante a fase de construção, quis ter a certeza que era seguro utilizar aquele espaço antes de aventurar lá dentro. Os dois parágrafos anteriores, aparentemente sem relação, servem para contextualizar o tema deste artigo: a energia nuclear. Melhor dizendo, a instalação de uma central nuclear em Portugal. Trata-se dum tema recorrente, invocado à vez, ora pelo PS, ora pelo PSD. É quase sempre o que está na Oposição. Ou o que está no Governo. É um deles. Um deles quer, o outro não. Basicamente é isto. Agora quero eu, agora queres tu. Desta vez, a ideia partiu do líder do PSD, José Sócra-, perdão, Pedro Passos Coelho. O Pedrito dos Laranjas disse, num almoço 18 promovido pelo Forum para a Competitividade, que se devia lançar um "debate sério" acerca da opção pela energia nuclear em Portugal, de forma a reduzir "a dívida e a dependência energética nacional". São vários os pontos de análise destas declarações que convêm, passe a redundância, analisar. Primeiro que tudo, o timing. Porque é que, praticamente, todos os políticos escolhem almoços ou jantares para anunciar medidas capazes de melhorar o estado do País? Quando não é o próprio que está com os copos, são os convivas. Mesmo que alguém oiça a proposta, ninguém liga. Principalmente se estiver a acontecer um show de strip. "Precisamos de aumentar a receita pública." "Topa-me só a prateleira daquela! Aquilo é que não precisa de aumento! Eh eh!" De seguida vem a expressão "debate sério". Debate sério parece solene, parece eminente, e seria, noutro local, dito por outra pessoa. Num almoço promovido pelo Forum para a Competitividade, "debate sério" soa-me àquilo que se diz após uma longa competição de shots - lá está a competitividade quando os valores da amizade são expressos por língua entaramelada. "Vocês são uns porreiros! Vocês TODOS são uns porreiros! Aguiar! Aguiar! Anda cá! TU és um por-" "Anda lá, Pedro. Vamos." "Vamos nada! Eu 'tou bem! Eu 'tou bem! Ó Frasquilho! Vai ali e traz-me um frasquilho de pimenta. Eh! Eh! Eh pá! Deslargame!" "Pronto, pronto! Já larguei." "Agora a sério... É preciso fazermos um debate sério sobre a energia nuclear. CABUM! Mas primeiro tenho de ir mudar a água às azeitonas." Eu já fui a vários jantares onde fiz várias propostas capazes de melhorar o País. Sabia que eram todas boas e exequíveis só que, no dia seguinte, não me lembrava de nada. 19 No fim de contas, um jantar ou um almoço são como uma legislatura (ou como uma oposição): come-se e bebe-se à grande e quem paga é quem vem a seguir. Infelizmente, quem vem a seguir é sempre o mesmo. Redução da dívida e da despesa energética? Pois sim. Tenho medo da energia nuclear em Portugal. A sério que tenho. Dizem-me que hoje em dia é uma energia limpa, segura. O que aconteceu em tempos não tornará a acontecer tão facilmente. Sim, tudo isso é verdade. Só que é lá fora, onde eles já fazem isso bem. Cá dentro, não é bem assim. Nós temos o talento de remendar furos em camiões cisterna com chapa de alumínio e fita adesiva. Se todas as pessoas do mundo trabalhassem numa central nuclear, os portugueses seriam o Homer Simpson. E os alemães seriam o Burns. É uma visão que não gostaria nada de ver concretizada. 20 PROVA SUPERADA Em França, o canal de televisão W9 tornou-se o centro duma grande polémica. Tudo por causa dum reality show, de seu nome 'Dilemme'. Ainda não tive oportunidade de ver analisar o programa com o rigor que lhe é devido, mas do que vi arrisco dizer que é uma espécie de Big Brother um pouco mais promíscuo. Pelo menos, foi essa ideia com que eu fiquei. O meu francês, além de mau, é péssimo e aquilo que eu interpretei como cenas de malandrice podia não o ser de facto. Pelo que percebi, existem provas que os participantes devem ultrapassar e o prémio final são 300 mil Euros. Não é mau de todo, apesar de haver pessoas capazes de participar no programa, mesmo que o prémio fosse um bilhete de autocarro usado, desde que passasse na televisão. A polémica veio precisamente por causa de uma das provas, em que foi pedido a uma das participantes que se comportasse como um animal de estimação. E foi aí que a França – como é que hei de dizer? – estalou-lhe o verniz. Ophélie Kelly foi a protagonista do momento ao aceitar comer duma tigela de cão, ladrar e tomar banho de coleira ao pescoço. Os responsáveis pelos conteúdos dos programas de televisão em França dizem que “Um ser humano foi diminuído ao nível de um animal, recebendo um tratamento humilhante e degradante”. Eu discordo. Vejamos porquê. Se a tigela estiver bem lavada, comer a partir duma tigela de cão não é assim tão diferente de comer duma tigela para humanos. A gama de variedades de comida de cão disponível no mercado é imensa. Além do mais, se faz bem aos cães, não há de fazer assim tão mal aos humanos. 21 A seguir, vem o ladrar. Foi assim tão degradante para a imagem desta mulher imitar um cão? Acho que não. O volume de dignidade que esta mulher tinha foi-se a partir do momento em que pensou em participar neste programa. Por fim, tomar banho com uma coleira ao pescoço. Há duas alturas da nossa vida em que nos dão banho. Quando somos pequenos e quando estamos inválidos. Ter alguém que nos dê banho é um luxo. Admito que possa parecer constrangedor ao início, mas depois uma pessoa habitua-se. Além disso, aquela coleira até parecia ser bastante confortável. O meu medo não é este programa ser adaptado para a televisão portuguesa. Isso de certeza que vai acontecer, mais dia menos dia. O meu medo tem a ver com outras figuras da nossa sociedade adoptarem esta ideias das provas para nós recebermos o que é devido. Estou a pensar em alguém que vai ao Centro de Emprego pedir o Subsídio de Desemprego e tem de andar de boxers e com manjerico na cabeça a fazer de arara. Tem-se falado muito no congelamento de salários, do fim do décimo terceiro mês, redução de prémios e subsídios, etc. Agora, imaginem como será uma pessoa ter de fazer provas destas todos os meses? “Júlio, lamento imenso, mas este mês só lhe vou pagar metade do ordenado.” “Ó chefe, mas porquê?” “Porque a sua interpretação de dança sevilhana em camisa de forças ao som do “Eye of the Tiger” foi muito fraquinha. Vá mas é para casa treinar.” 22 ANARQUIA ORGANIZADA Há dias soube duma notícia sobre grupos anarquistas que apelavam na Internet para fazer um protesto organizado contra a Polícia. Fiquei sem saber como reagir. Por um lado, acho que é de louvar os anarquistas saberem utilizar a Internet; mas os fins... Cada vez mais assiste-se ao declínio de valores que em tempo foram apanágio da nossa Nação. Eu já nem falo dos políticos, ou da justiça ou da economia. Isso está tão mau que mais vale nem pensar. Mas os anarquistas! Os anarquistas eram o meu último reduto de confiança numa classe que não traía os seus valores. Que protestem contra os polícias tudo bem, mas que se organizem para fazer isso é que não. Um anarquista organizado é como ter alguém que sofre de Alzheimer como testemunha dum crime. Não funciona. Se combinarmos um jantar com anarquistas, não há um que chegue a horas (isto considerando apenas os que forem ao sítio certo). Aquilo é malta que é contra o sistema, contra as regras impostas e, atenção, organizadas. Entende-se que protestem contra a autoridade. Mas façam-no com decência. Combinem todos para as nove da noite e apareçam uns às oito, outros à meia-noite, outros dali a uma semana. Assim, ainda se papava. Mas não. A concentração estava marcada para o dia 2 de Junho, pelas dez da manhã, em frente ao Campus de Justiça, em Lisboa. É triste. Querem ouvir algo ainda mais triste? Os manifestantes compareceram à hora marcada. Voltemos atrás para perceber melhor o que se passou. O motivo do protesto – essa é outra, não só se organizam, como fundamentam os seus queixumes – tinha que ver com incidentes decorridos na madrugada de Domingo, dia 30 de Maio, no Bairro 23 Alto, entre cinco jovens e dois polícias. Ao que parece os cinco jovens estavam a causar distúrbios e alguém fez uma queixa anónima. Os polícias chegaram lá e foram recebidos à pedrada. Até aqui nada de anormal. Chegaram os reforços e os cinco delinquentes foram detidos e levados para a esquadra, de onde saíram em liberdade. Também aqui, nada a estranhar. O que é de lamentar é que a queixa anónima era parte do estratagema para atrair a polícia lá. É um total descrédito numa classe para a qual podíamos olhar e saber com o que é que contávamos. Supostamente os cinco deviam ter tido uma audiência com um juiz, logo no dia seguinte, só que o juiz não podia ou não quis ou tinha bué de cenas pra fazer e passou para o dia seguinte. Creio que foi este motivou os protestos por parte dos anarquistas. Esta falta de organização é uma forma descarada de copianço. Provavelmente, o que eles quiseram fazer foi mostrar aos polícias e pessoal do tribunal que, “Sim senhor, vocês podem fazer tudo à balda, mas nós sabemos organizar-nos, se quisermos”. E assim foi. No dia da audiência os anarcas estavam lá a manifestar-se a favor de cinco jovens que se auto-intitulam anarcas. Ainda por cima não temos como provar o que eles dizem. É uma tremenda falta de organização. O que me leva a crer que nem tudo está perdido no reino da anarquia. 24 RESPOSTA ANÓMICA Há dias soube da primeira opinião publicamente manifestada em relação a uma crónica humorística da minha autoria publicada neste jornal. A crónica em questão fazia referência a uma série de eventos que tinham sido levados a cabo por grupos ou simpatizantes anarquistas. O blogue ALHOS VEDROS AO PODER já me era familiar, não apenas de nome, mas também pelo “outwall” à entrada de Alhos Vedros. Visitei-o uma vez há uns anos atrás e nunca mais lá voltei. Não por concordar ou discordar das suas reivindicações, apenas porque prefiro blogues em que as vírgulas e outros sinais de pontuação são usados correctamente. Além disso, aquela panóplia de cores garridas e os pedaços de texto em destaque fazem-me mal aos olhos. Já me tinham dito que ler em transportes públicos pode causar um deslocamento da retina. Por recear que o mesmo, ou pior, pudesse acontecer se continuasse a ler aquele blogue, decidi não ler mais. No dia 4 de Julho voltei lá e com cautela (não fosse o texto estar escrito assim), lá fui eu ler o artigo. Opiniões à parte, tenho de dar algum valor ao que lá vem escrito. Por exemplo: O escriba quando se refere a Anarquia como sinônimo de desorganização poderia talvez se o soubesse o que duvido, estar a referir-se a Anomia que isso sim é sinónimo de caos e desordem que advem duma situação calamitosa a que o estado e os poderes levam uma população ou um País, como é o caso de Portugal que se encontra à beira da Anomia. Viram? Sem saber o que era a Anomia, acabei por escrever um artigo sobre esse fenómeno. Por acaso, estava convencido que Anomia fosse uma variante de Anemia, exclusiva de pessoas com 25 o tipo de sangue O. Agradeço ao blogue ALHOS VEDROS AO PODER por me ter esclarecido. Como este meu crítico aponta, e bem, além de não percerber nada de anarquia Anarquia, eu ainda tento fazer troça de algo que me é “manifestamente desconhecido”. (Eu tenho a mania de gozar com assuntos sobre os quais não sou formado academicamente. Também insisto em escrever sem utilizar cores berrantes ou sem destacar trechos de texto para dizer aos meus leitores “Eh pá! Esta parte aqui é IMPORTANTE! Leiam ISTO!”) Confesso que desconhecia a cláusula que diz ser proibido fazer humor seja com o que for se não formos mestres nessa matéria. Em relação à Anarquia, uma vez que não sou politólogo para dissertar sobre esse tema, o que eu fiz foi pegar na concepção que a sociedade em geral tem do mesmo e hiperbolizá-lo. É uma cena que se faz em humor. Fico a imaginar como se comportará este meu crítico num espectáculo de comédia. Há um tipo de hospital que nunca recebe reclamações: o hospital psiquiátrico. Não é que não recebam, mas eles têm um argumento que nunca falha: “Não liguem ao que ele diz. Vê-se logo que o tipo não bate bem.”Para mim, isto é uma simples piada. Para o meu crítico é matéria para um artigo sobre a minha ignorância em relação a hospitais psiquiátricos. Previsivelmente com vírgulas, mal, colocadas, e pedaços de texto em grande destaque. 26 ELE SÓ QUER O NOSSO BEM Um bom Primeiro-Ministro é como um bom pai. Podemos não compreender as suas decisões, achá-las desajustadas face à realidade, mas convém não esquecer que eles estão cá há mais tempo e querem sempre o nosso bem. Quantos de nós, quando crianças, fazíamos ouvidos moucos às admoestações dos nossos pais, para agora darmos por nós a repetir esses mesmos avisos? A cautela – administrada na forma de expressões como “Rita Patrícia, vê lá não caias!” ou “Não corras com a tesoura, Armando Rafael!” – é algo que passa de pais para filhos. Pensem nisto como sendo uma grande família. Cavaco Silva é o avô, Jaime Gama é o tio e padrinho, José Sócrates é o pai (por enquanto fica a faltar a mãe) e nós somos os filhos. Uns são legítimos, outros bastardos. Tal qual uma verdadeira família. Lembram-se quando nos diziam para não fazer algo e nós, levados da breca, íamos fazer precisamente isso? O que é que acontecia? Algumas vezes não acontecia nada e nós ficávamos convencidos de que a nossa imaturidade infantil era mais sábia do que toda a experiência de vida dos nossos pais. Na maior parte dos casos, porém, acontecia exactamente aquilo que nos tinham dito que ia acontecer ou pior. Quando assim era passávamos a olhar para os nossos pais com um misto de amor e terror. Amor porque nos tinham tentado poupar a esse infortúnio e terror porque tinham previsto o futuro. E ter um pai que prevê o futuro é algo que retira muito do gozo de ser criança. Um miúdo está sujeito a ser posto de castigo antes de ter feito a asneira. Outra característica dos pais é terem uma noção do apetite 27 do seu filho mais apurada do que a própria criança. Eu lembrome de ir a um restaurante e querer três bifes. A minha mãe achou que eu só queria dois. E estava quase certa. Acabei por comer um e meio. Os pais conhecem-nos melhor do que nós próprios. No caso dos nossos governantes, podemos fazer a mesma analogia. Nós somos como crianças, ávidas de comida e brinquedos e o Governo é o pai que sabe o melhor para nós. Assim se explica porque é o desemprego é cada vez maior em Portugal. Não tem nada a ver com crises internacionais ou com más políticas governativas. Pelo contrário, é tudo muito bem pensado e tem apenas a ver com o facto de nós, assim que temos algum, irmos logo a correr gastá-lo. Pensem em todas as famílias que estão endividadas por terem recorrido a crédito “fácil” e facilmente entenderão o que eu quero dizer. Esta semana José Sócrates visitou a AutoEuropa, em Palmela, e disse que o crescimento do desemprego “está a abrandar”. Alguns dizem que é um “efeito sazonal”, mas esquecem-se de mencionar o ar preocupado do Primeiro-Ministro ao comunicar isto ao país. José Sócrates não estava orgulhoso disto. Ele sabe que nós não estamos preparados para uma reviravolta dessa natureza. Habituados que estamos à precariedade e às crises conjunturais, o contacto com a prosperidade e o desenvolvimento seria um choque demasiado violento para muitos de nós. 28 ASSIM, ATÉ EU GOSTO DE FUTEBOL A melhor forma de dar remédios aos putos, comprimidos por exemplo, é misturá-los com leite ou sumo. Eles papam aquilo que é uma maravilha. Possivelmente com base nesta ideia, a actriz porno Bobbi Eden promete fazer sexo oral a todos os seus seguidores no Twitter caso a Holanda vença o Mundial. Se considerarmos que Bobbi tem cerca de vinte mil seguidores nessa rede social, aquilo é coisa para dar umas valentes caimbras. Felizmente, Bobbi não vai estar sozinha nessa árdua tarefa. Há duas colegas que estão dispostas a ajudá-la. Eu até nem gosto muito de futebol, mas admito que... Vistas as coisas, não é um desporto assim tão mau. Tem emoção, tem acção, tem intriga, jogadas arriscadas. E para além de tudo isto temos os jogos em si. No entanto, por ser alguém para quem o futebol não diz assim muito, esta proposta da Bobbi, por muito tentadora que seja, não se resume a isto. Não é a primeira vez que se fazem promessas do género em campeonatos mundiais. Natalya Sverikova, actriz porno da Bielorrússia, prometeu uma noite de sexo ao representante bielorruso no Campeonato de Xadrez de Países do Leste em 1999. Melodie Papamos, conhecida stripper franco-grega, prometeu uma lap-dance a Viktor Tessailikis se este conseguisse o primeiro lugar nas Jornadas da Filosofia em 1982. Exemplos não faltam, o que falta é o porquê? Porque é que Bobbi Eden fez esta proposta? Porque é holandesa e quer ver o seu país vencer parece ser a resposta mais sincera, mas será mesmo por isso? 29 À data do seu anúncio, Bobbi tinha cerca de vinte mil seguidores no Twitter. Neste momento deve ter, no mínimo, o triplo ou o quadruplo disso (e estou a fazer a coisa por baixo; salvo seja). Supondo que ela defina como limite máximo o número de fãs que tinha à data do anúncio. Vinte mil a dividir por três dá cerca de 6667 gajos por boca. Tudo bem que são actrizes porno e estão habituadas a estas coisas, mas dá-me ideia de que elas não estão assim tão convictas na vitória da Holanda. É como um pintas prometer à sua gaja que lhe compra um anel de noivado se nevar na Praia do Meco. Ou um tipo prometer que corta o pénis com uma Gillete se Portugal entrar numa rota de expansão e progresso. São situações tão impossíveis, ou improváveis de acontecer que podemos prometer o que seja que dificilmente teremos de cumprir essa promessa. Por outro lado, parece que a Holanda até tem uma boa equipa. No dia da grande Final, milhares de pessoas, espanhóis incluídos, vão seguir atentamente a final e rezar pela vitória da “laranja mecânica”. Durante o jogo em si, não me admiro que a Espanha marque uns quantos autogolos, só para que alguns jogadores garantam acesso a um prémio muito especial. Por tudo isto, não tenho dúvidas que o único apoio que Espanha terá nessa Final (não assumidamente, é certo) virá de Bobbi Eden e das suas duas amigas. 30 UMA QUESTÃO DE TAMANHO Há um certo mito urbano que defende que os homens possuidores de grandes carrões usam isso para disfarçar as suas parcas dimensões em termos de genitália. Eu não tenho carro, não tenho carta de condução sequer, por isso sou a pessoa indicada para contestar a veracidade deste mito. Com isto não pretendo dizer que sou a única capaz de fazer isto, porém, sou a única disponível no momento para fazê-lo de forma incontestável. (O que, evidentemente, não significa que não possa ser contestado por alguém com uma teoria melhor fundamentada do que aquela que de seguida vos apresentarei. Apenas peço que não o façam. Se for para elogiar, tudo bem. Se não, contenham-se.) A minha teoria de que este mito é falso verifica-se a partir do momento em que a sua autenticidade é comprovável. Parece contraditório. Não é. Conforme eu tentarei explicar. Um homem que sofra de défice estrutural na sua anatomia não tem interesse em divulgar esse infortúnio ao mundo. Sendo o carrão um emblema de algo a menos, manda a lógica que nenhum homem escolherá um carrão de livre vontade. Por outras palavras, se as pessoas mais abastadas tivessem de usar um chapéu verde e as menos abastadas um chapéu encarnado, é certo que todos os homens usariam um chapéu verde. É preciso também não esquecer o outro lado da questão, isto é, o inverso da teoria. Se todo o homem com um carrão está a tentar compensar algo, isso significa que, quanto mais pequeno for o carro, melhor servido o homem estará. Ora, isto também não se verifica. Se se verificasse, então todos os homens teriam 31 carritos. A desmistificação do mito não acaba aqui. É preciso considerar outras questões estruturais da pessoa, além das genitais, nomeadamente a altura. Há diferenças óbvias entre gigantes e minorcas no que concerne a escolha de um veículo. (Talvez devesse ter escolhido um termo menos depreciativo do que gigante, mas não me lembrei de nenhum.) O gigante terá preferência por um carrão, dada a sua altura. É difícil para um gigante conduzir um carro pequeno, uma vez que tem de levar os joelhos encostados aos ombros. O minorca, por outro lado, prefere um carrito. Apenas e só porque, se tiver um carrão, o mais certo é não chegar aos pedais. Uma vez passeei de carrão com um minorca e, apesar da experiência ter sido engraçada (toda a gente na rua pensava que o carro estava a andar sozinho), é fácil causar acidentes assim. Para os minorcas, carrões só com próteses. Ora, a altura da pessoa não define o seu tamanho genital. Existem gigantes com genitálias menores do que a de alguns minorcas; e o contrário também sucede. Logo, a escolha do carro não tem a ver com compensar e sim ajustar. Gigante ou minorca, não interessa. A escolha entre carrinhos e carrões não tem nada a ver com genitália, apenas com saldo. Quem tem dinheiro para um carrão, compra um carrão; quem não tem, compra um carrito. Seja com os joelhos nos ombros ou a provocar sustos nos transeuntes. 32 O DESPRIMOR DA CORRUPÇÃO Aprecio deveras a existência daquela barreira entre a realidade e a ficção. Detesto quando essa barreira é desrespeitada e certos assuntos, que mais parecem retirados duma telenovela, saltam para a ribalta. Uma magistrada dos submarinos tem relação com líder de entidade que fez peritagem de processo. E depois? Acham que é por aí que a coisa vai descambar? Querem ver que é que agora que vamos descobrir que a corrupção não teve nada a ver com o caso? Que tudo não passou duma história de amor? Para alguns isto deve parecer muito bonito – e aposto que vão passar a acompanhar o caso com mais atenção – mas esquecem-se do descrédito que isto causa às nossas instituições. A corrupção atravessa uma bela fase no nosso país, tem feito muito pela nossa imagem lá fora e não merecia ser tratada desta forma. A corrupção é boa para a economia. A pessoa corrompida recebe dinheiro para fazer algo pelo corruptor. Com o dinheiro que recebe pode ir às compras e isso ajuda ao desenvolvimento do comércio. Às vezes, a pessoa é corrompida para permitir que o corruptor faça algo. Nesta situação, além do corrompido continua a ter dinheiro para investir, aplica-se uma particular forma de acordo laboral que muitos patrões não desdenhariam: pagar para trabalhar. Imagino alguns patrões a lerem estas palavras e a pensarem, Ahhh, se fosse possível... É desmotivante o Caso dos Submarinos, depois de tanta polémica, de tanta notícia, de tanto relatório, acusação, etc., estar em risco de ser anulado devido a uma relação amorosa. Não 33 apenas pelas razões que já adiantei, mas por todas as mudanças que daqui virão. A comunicação social em Portugal divide-se em três focos: a que investiga e publica notícias relevantes, a que tenta fazer isso e não consegue e a que relata cenas da vida privada. Eu esperava que este caso tivesse o percurso habitual que todos os casos polémicos costumam ter. Manchetes em jornais de grande tiragem, artigos em revistas semanais de renome e, por fim, um decrescer do interesse jornalístico na matéria até esta não ser mais do que informação consultável via Internet. Aconteceu com o Caso Freeport, com o Caso Portucale, e com muitos outros. É lamentável, mas esta história vai passar para as revistas do social. Vamos passar a conhecer a vida da magistrada e do seu namorado. Vamos ver fotos da casa dele e dela. Descobrir que taras sexuais é que os movem. Se acreditam em Deus ou nos Signos do Zodíaco. Como ficaram comovidos com a morte duma figura pública que não lhes dizia absolutamente nada. Enfim, todos os fâit-divers que são expectáveis (e não “esperáveis”, como alguém disse) em publicações dessa estirpe. Este caso interessava-me enquanto era notícia, agora que é uma telenovela terei de arranjar outra coisa para ocupar o tempo. 34 OIÇA, OU SAIA OU ARRANJE-ME UM LUGAR Costuma-se dizer que quem não chora, não mama. Perdoem-me os mais sensíveis pela linguagem, mas os ditados populares são como são. Tentei ouvir o debate sobre o Estado da Nação enquanto este decorria. Infelizmente, a essa hora eu estava a trabalhar – ao contrário de muitos dos presentes no Parlamento; excepção feita ao pessoal do Bar e outros serviços – e só consegui escutar o rescaldo quando cheguei a casa. Já se sabe que nestas coisas de debates nunca se chega a um consenso. O Governo diz que está tudo bem, a Oposição diz que está tudo mal. Com mais ou menos surpresa, cada facção defende o seu ponto de vista. Não se espera nada de novo vindo daqui. Porém, como eu costumo dizer, a política é como a vida: quando menos esperamos, somos surpreendidos. E de que maneira!O que o Paulinho fez parece próprio de um bipolar, mas tem muito que se lhe diga. Por um lado, manda o chefe do Governo sair; por outro, pede a esse mesmo chefe que lhe arranje uma cunhazinha no executivo. Aliás, não pede só para ele. Pede para o amigo também. Ou conhecido. Ou pessoa de outra força política muito semelhante à sua. E à do Governo também. Isto não é para qualquer um. Imaginem isto acontecer noutros cenários sem ser na política. Numa reunião de accionistas, por exemplo. O CEO está reunido com os accionistas a apresentar os resultados do período anterior e o modo como as suas decisões levaram a empresa até àquele ponto. Tudo muito calmo, muito solene. Algumas perguntas de 35 vez em quando, nada de mais. De repente, entra o Paulinho por ali adentro e diz: “Não oiçam o que este senhor diz que é mentira! Devia ter era vergonha na cada! A mentir aos senhores accionistas desta maneira!” E depois aproxima-se do CEO e diz-lhe, “Oiça lá, não me arranja aqui um lugarzinho? A tirar cópias ou assim? Ah! E já agora, se pudesse ser, veja lá aí qualquer coisa para o meu vizinho. Você sabe quem ele é. Costuma ter aulas de tango consigo.” Fico contente por isto não acontecer no mundo empresarial, embora não deixe de lamentar por acontecer no mundo da política. Paulo Portas tem um sonho e por isso arriscou a sua sorte. Ele quer que o Primeiro-Ministro abandone o cargo e, ao mesmo tempo, lhe arranje um lugar no Governo. Um sonho estranho, é certo, mas não estamos aqui para julgar. Talvez o seu desejo se concretize. Coisas mais inesperadas já aconteceram. 36 É BONITO O ALTRUÍSMO Como sabem, eu não ligo ao futebol. Mas não é por isso que deixo de estar atento ao que se passa nesse universo; principalmente o que transcende para a vida do dia a dia de nós, comuns mortais. Sei que estamos na pré-época, sei que é nesta altura que os clubes apresentam e procuram novas aquisições. É uma época de oferta e procura; de negócios, em suma. O tema deste meu artigo – lamento a desilusão, mas vocês já deviam saber – não tem a ver com futebol, e sim negócios. Em particular, um que foi sugerido esta semana. Apesar dos eventos que antecederam esta proposta serem difíceis de equacionar, vou tentar fazer um pequeno resumo para que estejamos todos na mesma onda. Ora bem, primeiro havia um sucateiro que oferecia prendas, depois havia um gestor de um banco, que era amigo dum primeiro-ministro, que por sua vez talvez conhecesse um certo administrador. Água vai, água vem, essas pessoas, que falavam muito ao telemóvel, a tratarem dos seus negócios e tal, deram por si envolvidas num caso de polícia. Veio então alguém que pôs tudo em segredo de justiça; depois veio alguém que disse “Não senhor!” e atirou o segredo de justiça pela janela e ninguém sabia o que é que se podia dizer. Surgiu então um jornal que disse que ia publicar algumas das conversas que o tal administrador teve com certas pessoas. E ele, envergonhado, disse, “Não façam isso que eu tenho uma voz muito nhonhó ao telefone. Olhem que eu vos processo.” No dia seguinte, ao raiar do Sol, lá vinham as conversas publicadas. E o administrador pôs um processo ao jornal, dizendo que o jornal era mau, era feio. E depois veio um Tribunal que 37 disse “Tadinho do administrador. Só porque ele está envolvido em moscambilhas não é razão para o aborrecerem. Agora, para castigo, vão-lhe pagar 750 mil euros.” Entretanto, num bonito gesto de altruísmo, o administrador disse que está disposto a perdoar o jornal pela maldade que fez. Numa atitude digna de lhe conceder uma canonização, se o jornal não tiver dinheiro para lhe pagar, ele aceita ficar dono do jornal. Estava convencido de que estas histórias só aconteciam no Natal ou nos filmes. O Darth Vader, por exemplo, é mau o tempo todo, mas no fim fica bom. Neste caso, o administrador só não perdoa a dívida. Devo dizer que o compreendo perfeitamente. As chamadas telefónicas estão cada vez mais caras. 38 CASO FREEPORT ■ O EPISÓDIO FINAL Há séries que só começo a seguir quando estão quase a chegar ao fim, outras que só as descubro depois de terem passado na televisão. O Caso Freeport quase que foi uma dessas, felizmente tive um amigo que me emprestou a primeira temporada e eu consegui ainda apanhar os últimos episódios. Já aqui falei do Caso PT/TVI. Fazer uma comparação entre estas duas séries é algo inevitável. Há aspectos em comum e aspectos distintos. A principal diferença entre as duas séries está na vertente internacional. Enquanto que o Caso Freeport envolvia empresários ingleses, o Caso PT/TVI envolvia empresários espanhóis. Outra diferença: personagens por identificar. No Caso PT/TVI soubemos quem eram os jogadores todos; já no Caso Freeport ficámos sem saber quem era o Pinochio ou o Bernardo. (Bernardo deve ser nome de código, só pode.) Quanto aos aspectos em comum: ambas contam com a presença de José Sócrates e gira em torno de negócios obscuros entre responsáveis políticos e empresários. Era capaz de falar aqui da série toda, mas vou limitar a minha apreciação ao último episódio. Aos que ainda não viram os últimos episódios, atenção que poderão haver aqui spoilers. Foi bom? Foi. Mas podia ter sido melhor. A minha primeira crítica vai para a celeridade do processo. Passámos dezenas de episódios a acompanhar o julgamento, não havia meio da coisa ir para a frente e de repente... caso julgado e a série acaba. 39 É verdade que existe a hipótese de uma spin-off ser lançada dentro em breve e isso pode ter influenciado os produtores a tentar despachar a história à pressa. A série já começava a perder o seu fôlego e fazer mais episódios ou mesmo uma nova temporada só para responder a meia dúzia de questões seria um erro. Por outro lado, o modo como aceleraram o julgamento também não foi a melhor opção. No final do penúltimo episódio Mário Gomes Dias, magnífico no papel de Vice Procurador-Geral da República que está em situação ilegal, dá um prazo final aos investigadores do Caso Freeport para apresentarem as suas conclusões senão “vai tudo pró badagaio”. É assim lançado o último cliffhanger para uma das mais espectaculares séries portuguesas de sempre. O último episódio acompanha os investigadores na sua derradeira tentativa de apanhar o grande peixe, o ex-Ministro do Ambiente que entretanto conseguira chegar a Primeiro-Ministro. Em momento algum lhes passa pela cabeça que o Vice Procurador esteja metido na confusão. Lá por o seu patrão ter sido escolhido pelo homem que eles agora perseguem, não é razão para desconfiar das pessoas. Também se perdeu muito tempo com a cena das 27 perguntas que não chegaram a ser feitas, tempo que podia ter e devia ter sido gasto de forma mais produtiva. A melhor sequência: após saber que tinha sido absolvido, José Sócrates lança um vídeo a salientar a sua postura digna e a conservação do seu bom nome; por outras palavras, “Toma! Toma! Toma!” Memorável. 40 AS RAZÕES INVOCADAS O Bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, D. Carlos Azevedo, apelou aos políticos cristãos para que doassem vinte por cento do salário para um fundo social destinado aos pobres. Num bonito gesto de solidariedade, políticos da esquerda à direita foram solidários na recusa do apelo. E ainda dizem que a classe política não é capaz de se unir por valores mais altos! A deputada Teresa Venda justificou a sua posição com argumentos um bocado forçados “Não posso doar uma parte do meu ordenado como deputada porque já dou parte para ajudar uma família em concreto.” Dum ponto de vista superficial, quase que dá vontade de rir; do meu ponto de vista dá mesmo vontade de rir. Que se recusem a doar vinte por cento do seu salário é algo a que só aos próprios diz respeito. Não querem dar, não dão e ponto final. O problema começa quando se tentam justificar. A senhora deputada não quer doar parte do seu ordenado como deputada porque já dá uma parte para ajudar uma família em concreto. Qual família? Provavelmente a sua. O exemplo começa sempre em casa e se Teresa Venda não for boa para os seus, não será para os outros. Aliás, é por ser boa para os seus que se recusa a ser boa para os outros. A proposta de alteração de feriados apresentada pela deputada, que iria criar mais quatro dias de trabalho por ano e aumentar o Salário Mínimo Nacional, pretendia combater esse problema. De fora só ficariam aqueles pobres que nem têm dinheiro para trabalhar. (É bem feito! Não trabalham, também 41 não recebem.) “A Igreja quer mais um subsídio, mas a pobreza resolve-se com o atender às condições específicas de cada família, porque cada família é um caso.” Acho bem. Lá porque são pobres, isso não quer dizer que devam ser todos tratados da mesma maneira. Alguns pobres precisam de 109 euros por mês, outros de 111. São valores totalmente díspares que obrigam cada caso a ser devidamente analisado. Maria José Nogueira Pinto não recusou o apelo; entendeu-o como um estímulo à consciência social. Em termos práticos isso quer dizer o quê? “Eu não doo, mas estou consciente de que há pobrezinhos”? Restam aqueles que não se esquivam, mas atiram parte da batata quente para outros. CDS-PP e BE partilham da opinião que o apelo é feito, não só aos políticos, mas a todos os que têm dinheiro. Esta consonância de opiniões não significa, necessariamente, uma consonância de razões. É como uma conta de matemática. 3+1 pode dar 4, mas 2+2 também produz o mesmo resultado. Manuel Alegre disse que já desconta muito nos impostos e que “pagar impostos é necessário porque esse é o primeiro dever dos cidadãos”. Já que em Portugal quase que não há fuga aos impostos, nem desvio de fundos, nem branqueamento de capitais, fico mais descansado. Se em vez de usarem argumentos da treta tivessem dito logo isto, a coisa teria ficado resolvida. Deixava de haver matéria para este artigo, mas pronto. Eu fazia o sacrifício. 42 SE FOSSE EU, FAZIA ASSIM Nos dias que correm, quando alguém tem a sorte de arranjar trabalho faz tudo o que for preciso para manter o seu cargo e, eventualmente, atingir um posto mais elevado. É nesta fase que se mostra trabalho, nomeadamente através de reparos. A ideia é convencer as pessoas que mandam que o tipo que está no cargo mais elevado, não tem a pinta que tem este novo empregado. Eu penso nisto quando penso em Pedro Passos Coelho. O actual líder dos Laranjas não é apenas líder da Oposição, é candidato a um posto. É alguém que está na fase de dizer “Se fosse eu, fazia assim.” É verdade que tem apresentado boas propostas, só que isso até o Sócrates fazia. E antes do Sócrates, o Durão. Propostas boas fazem sempre quando não estão lá. Depois vem a metamorfose. A mais recente proposta de Pedro Passos Coelho foi apresentada durante um almoço-convívio feito pela Comissão Concelhia do PSD de Leiria. Entre brindes e fanecas, o líder dos laranjas propôs que o próximo Orçamento de Estado seja feito com base zero para obrigar "toda a gente a explicar o que quer fazer com o dinheiro que propõe vir a receber". Diz ele que estamos numa crise muito má, com pouco dinheiro e que é preciso os de cima darem o exemplo. (Eles dão o exemplo, só que não é um bom exemplo.) Analisemos a proposta. Primeiro ponto, pedir a ministros, secretários-gerais, gestores, etc., que justifiquem o dinheiro que querem gastar antes de o terem, apesar de parecer muito bonito a um leigo é um forte 43 sinal de desconhecimento político. O Orçamento de Estado é como um prato com a nossa comida preferida. Enchemos o máximo que der, mesmo sabendo que há muito que vai ficar lá. É claro esses restos não vão fora. Há muito “amigo” que os aproveita. (Ainda bem. Não há nada que eu vilipendie mais senão o desperdício. Tirando as ervilhas com ovos. Aquilo é acompanhamento com quê?) Depois, temos o timing. É já a segunda vez que eu escrevo um artigo sobre uma medida proposta pelo Pedro Passos Coelho durante um almoço. Sei de pessoas que não bebem entre refeições, mas é a primeira vez que oiço falar de alguém que não fala a não ser em refeições. Dir-me-ão que ele já apareceu a discursar sem ser durante uma refeição. Que provas têm de que ele não tinha nada na boca? Imaginem que ele tinha tomado um daqueles mini-iogurtes que ajudam ao trânsito intestinal e tinha deixado ficar um restinho e andava a fazer chap-chap com a língua enquanto falava. Ou que tinha acabado de almoçar e não tinha tido oportunidade de escovar bem os dentes e tinha um pedaço de bacalhau entre o molar e o incisivo (a ortodoncia não é a minha especialidade, como podem ver). Tecnicamente, isto são mini-refeições. Felizmente para ele, este pequeno deslize não será o seu fim. O povo ficará do seu lado, mas quem não é povo ficará de tocaia. Espera-se que o seu adversário directo não tarde muito a quinar. Até lá, Pedro Passos Coelho tem ainda muita proposta a fazer. Principalmente durante almoços. 44 PROVA SUPERADA Em França, o canal de televisão W9 tornou-se o centro duma grande polémica. Tudo por causa dum reality show, de seu nome 'Dilemme'. Ainda não tive oportunidade de ver analisar o programa com o rigor que lhe é devido, mas do que vi arrisco dizer que é uma espécie de Big Brother um pouco mais promíscuo. Pelo menos, foi essa ideia com que eu fiquei. O meu francês, além de mau, é péssimo e aquilo que eu interpretei como cenas de malandrice podia não o ser de facto. Pelo que percebi, existem provas que os participantes devem ultrapassar e o prémio final são 300 mil Euros. Não é mau de todo, apesar de haver pessoas capazes de participar no programa, mesmo que o prémio fosse um bilhete de autocarro usado, desde que passasse na televisão. A polémica veio precisamente por causa de uma das provas, em que foi pedido a uma das participantes que se comportasse como um animal de estimação. E foi aí que a França – como é que hei de dizer? – estalou-lhe o verniz. Ophélie Kelly foi a protagonista do momento ao aceitar comer duma tigela de cão, ladrar e tomar banho de coleira ao pescoço. Os responsáveis pelos conteúdos dos programas de televisão em França dizem que “Um ser humano foi diminuído ao nível de um animal, recebendo um tratamento humilhante e degradante”. Eu discordo. Vejamos porquê. Se a tigela estiver bem lavada, comer a partir duma tigela de cão não é assim tão diferente de comer duma tigela para humanos. A gama de variedades de comida de cão disponível no mercado é imensa. Além do mais, se faz bem aos cães, não há de fazer assim tão mal aos humanos. 45 A seguir, vem o ladrar. Foi assim tão degradante para a imagem desta mulher imitar um cão? Acho que não. O volume de dignidade que esta mulher tinha foi-se a partir do momento em que pensou em participar neste programa. Por fim, tomar banho com uma coleira ao pescoço. Há duas alturas da nossa vida em que nos dão banho. Quando somos pequenos e quando estamos inválidos. Ter alguém que nos dê banho é um luxo. Admito que possa parecer constrangedor ao início, mas depois uma pessoa habitua-se. Além disso, aquela coleira até parecia ser bastante confortável. O meu medo não é este programa ser adaptado para a televisão portuguesa. Isso de certeza que vai acontecer, mais dia menos dia. O meu medo tem a ver com outras figuras da nossa sociedade adoptarem esta ideias das provas para nós recebermos o que é devido. Estou a pensar em alguém que vai ao Centro de Emprego pedir o Subsídio de Desemprego e tem de andar de boxers e com manjerico na cabeça a fazer de arara. Tem-se falado muito no congelamento de salários, do fim do décimo terceiro mês, redução de prémios e subsídios, etc. Agora, imaginem como será uma pessoa ter de fazer provas destas todos os meses? “Júlio, lamento imenso, mas este mês só lhe vou pagar metade do ordenado.” “Ó chefe, mas porquê?” “Porque a sua interpretação de dança sevilhana em camisa de forças ao som do “Eye of the Tiger” foi muito fraquinha. Vá mas é para casa treinar.” 46 A INVEJA E A NÃO-POLÍTICA Fico feliz quando os meus amigos estão bem, assim como feliz quando pessoas que não prezo estão mal. Não quero isto dizer que desejo que lhes aconteça mal, apenas que não me importo quando isso acontece. Há também quem fique feliz com a felicidade de quem não conhece. Quanto a isso, nada tenho a dizer. Por outro lado, faz-me confusão alguém ficar feliz com a desgraça de pessoas que não conhece e que nunca lhe fizeram mal. De acordo com o ranking da felicidade, o Paquistão está doze lugares à frente de Portugal. Julgava que a razão principal para aquele país do Médio Oriente estar na posição em que estava tinha mais a ver com o facto de possuir armamento nuclear do que propriamente com a felicidade dos seus ocupantes. Uma semana depois de eu publicar este artigo, eis que somos brindados com notícias de cheias e mau tempo no Paquistão. Não sei quantos mortos, vários desalojados, muita destruição. Quero acreditar que é uma coincidência. Afinal de contas eles estão no Inverno. Mau tempo no Inverno nem chega a ser notícia já que é algo expectável. É como alguém cair do sétimo andar e morrer e fazer disso notícia de jornal. Notícia seria alguém saltar do sétimo andar, levantar-se, sacudir o pó da roupa e ir apanhar o autocarro. Tudo porque “o elevador estava avariado e pela janela era mais rápido”. É verdade que o relato da informação não se deve limitar àquilo que é inesperado. Não me refiro ao insólito ou ao incrível, e sim a qualquer acontecimento de que não se está à espera. Por 47 exemplo, qualquer caso envolvendo figuras públicas terminar com a absolvição dos réus ou com a sua prescrição. (Não tenho problemas se estes réus forem inocentes. No entanto, é curioso que as únicas pessoas já condenadas graças ao Processo Casa Pia, em processos paralelos, tenham sido monitores, auxiliares; enfim, “peixe miúdo”. E foram condenados em pouco tempo. Parece que a prova é algo que tem mais peso quanto menos dinheiro a pessoa tem.). Como cidadão, como leitor de jornal, aceito que exista um desequilíbrio entre aquilo que é notícia e aquilo que é acessório. O que não aceito é que a balança esteja a pender para o lado do acessório. É verdade que às vezes não há nada para noticiar. Não se passa nada no mundo ou no país que possa levar um repórter a pensar: “Esta sequência de eventos teve um resultado inesperado e merece ser noticiada.” José Sócrates envolver-se em mais um caso não é notícia. A não ser que seja algo como o Caso da Revista Gina. Isto não é informativo, mas é divertido. Não podem ser só notícias sérias. Precisamos de nos entreter. E o entretenimento de uns pode ser a infelicidade de outros. É por isso que não falamos do mau tempo no Paquistão nesta época do ano porque é notícia. Falamos porque temos inveja. É uma maneira camuflada de dizer: “Olhem pra eles, tão felizes que eles são! Tomem lá pra aprender!” 48 FÉRIAS INTERROMPIDAS PRA QUÊ? No início desta semana Cavaco Silva promulgou o diploma que altera a Lei das Uniões de facto. Em pleno mês de Agosto. Depois é assim que as coisas começam. Atenção, eu não li nenhuma Lei das Uniões de facto, nem sei sobre que pontos Cavaco Silva terá ficado mais reticente. É uma questão que, por enquanto, não me diz respeito. Mas há uma coisa que me chateia. Já o disse várias vezes, a propósito do Pedrito dos Laranjas, e sendo Cavaco uma espécie de Padrinho (não no sentido funesto do termo) ou de Tio (não no sentido “beto” do termo), faz sentido que tenha de o dizer novamente: atenção ao timing. Aníbal… Posso tratar-te por tu? Eu não votei em ti nas últimas presidenciais, é verdade, mas se tu és o Presidente de todos os portugueses, que diabo pá!, isso é quase como seres meu vizinho. E eu trato os meus vizinhos por tu. Acho que insultar alguém recorrendo a “você” reduz bastante a fúria das palavras. É claro que isso não irá acontecer connosco. Em momento algum abusarei da nossa relação. Agora que estamos mais à vontade, vou directo ao assunto. Tu sabes que estamos em pleno mês de Agosto, não sabes? Sabes que é nesta altura que os políticos deixam de fazer nenhum (no sentido em que vão de férias)? Sabes também que as pessoas não estão minimamente interessadas com outra coisa além de Fogos, Praia e Futebol, não sabes? Ninguém vai ligar ao que tu promulgaste. Sabes disso, não sabes? Então porque é que o fizeste? 49 Aposto que estiveste ontem acordado até às tantas, com a tua mulher a dizer-te “Anda pra cama, Aníbal.” E tu, em vez de ir, o que é que fizeste? Exacto, promulgaste. Pior! Promulgaste contrariado. O que já começa a ser hábito. Quando foi do Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo, disseste que eras contra mas aprovavas para a coisa não ficar a engonhar. Eu sei que não utilizaste o verbo engonhar em nenhuma declaração oficial. Porém, deixa-me imaginar que isso poderá ter acontecido em conversa privada. E não, não escutei nenhuma conversa. É uma suposição. Tudo bem que não adiras à totalidade das soluções normativas consagradas no diploma legal que promulgaste, mas poças! Tens de ter um bocadinho de bom senso. Sem dúvida que esta é uma matéria que merece atenção e tu tens o teu trabalho a fazer. Ninguém está a pôr isso em causa. A única coisa que eu peço, o que eu aconselho, melhor dizendo, é não tornares a interromper as férias. Sejam as tuas, para falar do Estatuto Político dos Açores; ou as nossas, para promulgar Leis com as quais não está totalmente de acordo. Estes são assuntos que podem esperar um dia ou dois, ou mesmo uma semana. Há outros em que, sim, tens de despir a farda de guia turístico e colocar o chapéu de presidente. Mesmo que depois não te sintas à vontade por não conhecer a pessoa, mesmo que fiques à porta. A não ser que calhe em Agosto. Nesse caso, podes ficar à vontade. 50 NINGUÉM SE DECIDE Há gente que não sabe o que quer. Pedem carne, dão-lhes carne, e afinal querem peixe. Aquele casal gay no Swahili que tanto lutou para que o seu casamento fosse reconhecido – lembram-se deles? - separou-se há umas semanas atrás. Queriam tanto, queriam tanto – um deles (ou ambos) chegou a estar preso – e assim que lhes disseram “Pronto, vão lá à vossa vidinha.” um deles descobriu que afinal quer é gajas. Se isto não é gozar, não sei o que é. Esta onda de “vira-casaquismo” está a alastrar de forma progressiva a tudo o que se possa imaginar. Das quais a mais a preocupante é, sem dúvida, o mundo do trabalho e do emprego. (Diferença principal entre uma coisa e outra, só para não perdermos muito tempo: emprego é o que nos arranjam, trabalho é aquilo que custa a manter). Antigamente ninguém queria ser empregado, queria tudo ser patrão. É claro que não haviam condições para serem todos patrões, por isso o que os empregados faziam era pôr algum dinheiro de parte e... Como? O que é isso de “pôr algum dinheiro de parte”? Bem, é mais ou menos isto: você tem um salário, certo? Subsídio? Não importa. Portanto, você recebe o subsídio, paga as suas continhas, compra a comidinha, medicamentos se for caso disso. Não é? Óptimo para si, mau para as farmácias. (Não seja forreta. Uma constipaçãozinha ou uma bronquite de vez em quando não custa nada e é um incentivo ao desenvolvimento do comercial local e legítimo da sua área de residência.) Como eu dizia, você recebe o dinheiro, gasta-o no que tem a gastar e depois aquilo que sobra... Ah! Não sobra nada? Mas vamos supor que sobra, pode ser? Óptimo. 51 Então, o que se passava era que os empregados punham algum de parte para depois investirem no seu próprio negócio. Certa vez disseram-me que o pior patrão é aquele que começa por baixo. Essencialmente porque conhece as manhas todas que o pessoal inventa para estar na ronha. Algumas dessas técnicas até foram patenteadas por ele nos seus dias de subordinado. São tão maus que quando vão para patrões de si mesmos até consigo ralham. Durante anos este era um cenário para quem podia, não para quem queria. Entretanto, vieram as empresas na hora (mentira que são 67 minutos) e foi uma explosão de empreendedorismo que foi uma coisa parva. Nessa altura até quem não queria ser empresário e patrão, podia sê-lo. Entretanto, o cenário mudou. Há quem diga que a culpa é do mercado, outros que é da falta de zelo ou de visão estratégica. O que seja. O que é certo é que começam a aparecer muitos patrões que querem ser empregados. São mais explorados e tal, recebem menos, mas não têm tantas chatices. Até na política nós somos indecisos. Recuemos aos anos 90. Sai Cavaco (PSD), entra Guterres (PS); sai Guterres (PS), entra Durão (PSD); sai Durão (PSD), entra Santana (Fanfarra); sai Santana (Fanfarra), entra Sócrates (PSD, PS perdão). É uma indecisão que enerva. 52 OS MÉDICOS NÃO GOSTAM DE MIM E EU NÃO GOSTO DELES Os médicos não gostam de mim. Olham-me de lado. Durante muito tempo não conseguia perceber porquê, até que um dia lá descobri. Quando uma pessoa nasce, regra geral, o médico ou a pessoa que ajuda no parto dá sempre uma palmada no rabinho do bebé. Dizem que faz bem. Mas a quem? Um gajo está ali muito bem, dentro da barriga da mãe, decide mudar de ares, e a primeira coisa que lhe fazem é dar-lhe porrada? Bela merda de hospitalidade! Eu sabia da palmada antes de sair e antes que o médico tivesse tempo de fazer fosse o que fosse, atirei-me de cabeça para o chão. Chorei que nem um desalmado, sofri um traumatismo craniano, mas mostrei-lhes quem é que mandava. Não tive praticamente sequelas desse pequeno incidente. É o passarinho! Piu! Piu! A minha vida tem sido igual a tantas outras. Normal e aborrecida, com intervalos de breve excitação. O médico que ajudou a trazer-me ao mundo, não achou graça nenhuma àquilo, ficou todo lixado comigo. É por isso que quando vou a uma consulta ou fazer um exame, sempre que passa um médico por mim, olha-me sempre de lado. Às vezes vão dois a conversar e quase que os oiço. “Foi aquele. Amandou-se de cabeça.” “Ah! Sacana!” É por isso que eles não gostam de mim. E eu também não 53 gosto deles. Quer dizer, não é bem dos médicos que eu não gosto, é mais daquele momento, aquele grande e longo momento, no Centro de Saúde, ou no Consultório, onde esperamos por eles. Eu não percebo nada de sintomas. Quando estou com excesso de muco, nunca sei se é gripe, se é constipação, ou se é resfriado. E como não sei vou ao médico. Não sei porquê, espero sempre que aconteça algo diferente durante a consulta. Mas não. “Ponha a língua de fora”, “Abra a boca”, “Diga 33” É sempre o mesmo discurso. Mais vale usarem um gravador. E por tudo isto, ou, apenas por isto, melhor dizendo, pago 25 euros. Eu sei que é caro, mas já disse que não percebo nada de sintomas. Por isso, quando preciso de ir ao médico, não escolho um Dr. Bayard qualquer. De qualquer modo, 25 euros para descobrir que estou constipado... Mais valia deixar que a doença desaparecesse por si mesma. Ou, caso ela se afeiçoasse a mim, aprender a conhecê-la. Podia nascer dali uma bonita relação de amizade. Mais do que isso não. Sou um homem comprometido e a minha namorada não gostaria que eu a traísse com uma doença. Um café de vez em quando, uma conversa aqui e ali. Nada de muito íntimo. É o gatinho! Miau! Qualquer dia vou ao médico quando estiver são que nem um pêro (Isto está mal. São é plural! Devia ser: são que nem uns pêros!) só para ver o que é que ele diz. Deve ser mais ou menos isto: “É impressão minha ou você está com o síndrome da saúde aguda? Olhe que isso é muito perigoso. Vou-lhe receitar uma pneumonia e uma bronquite. Assim que se começar a sentir mal, venha ter comigo, sim?” 54 DUAS PEQUENITAS IDEIAS QUE ATÉ PODEM AJUDAR Hoje trago-vos duas pequenas ideias que eu acho que merecem ser aproveitadas: A primeira é esta. Nos nossos Bilhetes de Identidade temos o nome, data de nascimento, nome do pai, nome da mãe, país de origem, estado civil, etc., etc. Não temos, e eu acho que fazia falta – não tanto como um Livro de Reclamações em Fátima para quando as orações não são atendidas, é verdade –, um espaço para o estado de espírito. A ideia seria podermos lidar melhor com as pessoas. Se soubermos o estado de espírito de alguém é mais fácil de lidar com essa pessoa. O único senão é que como o nosso estado de espírito está sempre a mudar – eu às vezes chego a ter dois estados de espírito diferentes na mesma hora – o pessoal tinha de estar a ir sempre ao registo fazer a actualização do Bilhete de Identidade. E com estas burocracias todas podemos imaginar o tempo que seria. Sei que isto é uma ideia estúpida, mas eu posso dizê-la. Posso dizer a ideia mais estúpida que me vier à cabeça. Posso. Tenho liberdade para isso. Vocês têm liberdade para isso. E isto leva-me à minha segunda ideia. Que é esta. A liberdade de expressão é uma coisa bonita, mas tem os seus limites. A classificação etária, por exemplo, às vezes é 55 ridícula. Nos Estados Unidos existe o Parental Advisory, que é uma etiqueta que se coloca em CDs e DVDs que contenham uma linguagem considerada ofensiva para mentes mais jovens. Faz sentido. E ajuda nas vendas. É a fórmula do fruto proibido. Os pais não querem que os filhos oiçam, logo os filhos vão comprar. A ideia é boa e não seria mal pensado trazermos isto para Portugal. Copiamos tantas ideias más, porque não copiar uma boa, para variar? Mas eu não estou a pensar na música, deixem a música em paz. Eu penso que o aviso de linguagem ofensiva, pessoal a dizer asneiras, portanto, deveria ser colocado em discursos políticos. Estou a pensar no Direito de Antena e intervenções do PrimeiroMinistro ou do Presidente da Republica ou de qualquer outro político. Em vez de "O espaço que se segue é da exclusiva responsabilidade das entidades intervenientes" seria "O programa que se segue poderá conter linguagem susceptível de ofender alguns dos nossos telespectadores." Num cantinho do ecrã um símbolo "Aviso de asneira". Faria mais sentido. E seria mais honesto. 56 EXPRESSÕES E REACÇÕES O Carlos é um amigo meu que se irrita muito facilmente. Qualquer coisinha, fica logo virado avesso. Não é bonito de se ver, mas tem a sua piada. Às vezes é engraçado olhar para ele quando está irritado. Quer dizer, eu gosto. Porque ele diz cenas que... Do género, o Carlos chega-se ao pé de mim uma vez e diz-me: “Eh pá! Hoje de manhã quando ia pó trabalho, um gajo meteu-se à minha frente, quase que o ia atropelando. Passei-me logo!” Há muita gente que diz isto: “Passei-me!” Isto é impossível! Ninguém se consegue passar. É impossível! Imaginem: eu vou na rua, vejo uma pessoa e passo por essa pessoa. Essa pessoa passa por mim. Mas eu nunca, nunca, passo por mim mesmo. Nem que seja um clone, irmão gémeo ou alguém que a gente conheça muito bem. Mesmo que eu me cruze com algum eu passado ou futuro, não sou eu. Faz-me alguma impressão, também, aquelas pessoas com aquela mania estúpida de não falarem às pessoas quando as vêem, só para depois poderem dizer: “Vi-te no outro dia.” Como se eu fosse o Homem Invisível e eles me tivessem apanhado na única altura em que eu deixei ver. Eu respondo-lhe sempre da mesma maneira: “Vai-te catar!” Não é simpático. Talvez não. São também estas pessoas que quando vêem alguém conhecido, fingem que não vêem, e depois vêm dizer: 57 "No outro dia passaste por mim. Porque é que não me falaste?" "Porque passei por ti. Se tivesse esbarrado em ti, teria reparado em ti. E aí já te falava." Mas pior que estas são aquelas que não nos deixam ir. Ficamos ali a responder às perguntas delas. Parece um interrogatório da PJ. Não as podemos levar a sério. Temos de lhes mostrar que temos pressa. Podemos tentar ser educados. “Olha, gostava imenso de continuar a conversar sobre o teu quisto. Tenho a certeza que há muitos tidbits interessantes que ainda não me contaste. Infelizmente, tenho um compromisso para o qual não me posso atrasar.” Às vezes, temos de mentir: “Vou ali, venho já.” E não voltamos. Mas quase sempre, temos de ser brutos: “Porra! Além de chato, cheiras mal como tudo!” E vamos embora. Tranquilos, sem olhar para trás. É deixálos ficar onde estão. Eles hão-de perceber o que aconteceu, mais tarde ou mais cedo. 58 A ARRECADAÇÃO DA EUROPA Portugal continua sem aprovar o seu Plano Estratégico Antiterrorista! Não o surpreendi? Já calculava. Ah! Nem sabe do que eu estou a falar? Eu explico. Segundo notícias lidas esta semana, em 2005, o Conselho Europeu aprovou a Estratégia Antiterrorista Europeia. Todos os países participantes definiram os seus protocolos sobre como enfrentar este perigo. Todos, excepto o nosso. E porquê? Vamos ver. Em 2001 começou a era Alcaeda. O 11 de Setembro não foi a sua estreia nos atentados mas foi, sem dúvida, o mais mediático. A esse seguiram-se o ataque na estação de comboios de Atocha, em Madrid, e o atentado no metro de Londres. Ambos em datas aleatórias mas que, por virtudes da numerologia, tinham sempre algo a ver com o 11 de Setembro. “Se somarmos os algarismos todos, menos o 2 o 0, da data do atentado de Atocha, ficamos com o número 9 que foi o mês em que aconteceu o 11 de Setembro. Se juntarmos depois o 2 ficamos com o 11 que foi o dia.” A partir daí, sempre que a Alcaeda perpetrava um atentado terrorista em território europeu muito português ficava a pensar, “Da próxima somos nós.” Quando o senhor José, então Durão, participou na Cimeira dos Açores e declarou o apoio de Portugal à intervenção americana no Iraque, ficaram todos em pânico porque iríamos ficar na mira dos terroristas. Portugal continuou tranquilo, o que não escusou algumas 59 pessoas de manifestarem as suas preocupações. Almeida Santos, por exemplo, lançou o seguinte aviso, acerca da construção do aeroporto na margem sul. "Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o norte do sul do país" Outras vozes lançaram outros avisos, quase todos a roçarem o ridículo no sentido em que, se formos a ver bem, ainda há muita gente no mundo que pensa que Portugal foi atacado no dia em que Espanha foi atacada. Se pessoas com acesso à Internet e alta tecnologia julga que Portugal é uma província de Espanha, não há razão para duvidar que pessoas que vivem em cavernas, e que lançam ameaças ao mundo através de cassetes áudio BASF Ferro, acreditem no mesmo. Por mais que a gente tente, a Alcaeda está-se nas tintas para a gente. Porque razão Portugal ainda não definiu a sua estratégia antiterrorista? Porque ninguém nos leva a sério. Eu sei o que está a pensar, caro leitor. “Então e a ETA? A ETA fica aqui mesmo ao lado e eles sabem que nós somos um país independente e podemnos atacar. Até já encontraram uma base nas Caldas da Rainha.” Como é que eu explico isto? Pois bem. Eu moro na minha casa, onde tenho os meus objectos pessoais todos. Nos tempos livres gosto de brincar com explosivos. Para isso não fazer bum e eu não ficar sem casa, arranjo um sítio para guardar isso. De preferência, longe da minha casa. Percebeu? O que encontraram nas Caldas da Rainha não foi uma base da ETA. Foi uma arrecadação. 60 QUASE UM QUARTOZINHO Eu acho que 23 por cento de IVA é um escândalo. De todas as medidas que podiam (e deviam) ter tomado, foram escolher a piorzinha de todas. Quase um quarto do que pagamos por um produto vai para os cofres do Estado. Mas isso tem algum jeito? Quase um quarto? Mas que raio de porção é essa? Ninguém vai a uma loja e pede quase um quarto de um quilo de batatas. Ninguém pede quase um quarto de água. Se querem parecer austeros, tomem atitudes austeras! Como é que os senhores do estrangeiro vão passar a olhar para nós? Certamente com alguma pena, alguma desconfiança, diria mesmo algum repúdio. Este “quase” um quarto é indigno, é sinal de preguiça. Pior do que isso, topa-se à distância que é para enganar otários. Não está em causa que o objectivo primário é extorquir mais um bocadinho quem já está paupérrimo de recursos; o que falta (no meu entender) é uma certa subtileza. Podemos fazer as coisas à bruta ou podemos fazê-las com alguma elegância e aqui optámos pela elegânciazinha bruta. Por toda a Europa têm-se propagado as medidas de austeridade; umas mais austeras do que outras. Não fomos dos mais austeros, é verdade, mas também não fomos dos mais desleixados. Há que ter em conta que a austeridade duma medida não se avalia só pela medida em si, mas pelo efeito que tem no país em que é implementada. Em certos países, as nossas medidas seriam uma lufada de ar fresco, noutros seriam um tiro na cabeça. O que coloca Portugal no ridículo é o facto de não nos mostrarmos com garra suficiente para fazermos um aumento do 61 IVA a sério. Eu preferia que não houvesse IVA, mas, não sendo isso possível, preferia que ele tivesse um valor mais baixo, tipo 10%. O 10 é um número bonito, tem qualquer coisa de mágico. Os 10 melhores, os 10 mais procurados, os 10 piores. Para o bem e para o mal, o 10 tem uma aura. Com o 25 sucederia o mesmo. Com algumas nuances. Além de ser também uma percentagem redonda, os responsáveis por essa medida podiam sempre invocar o 25 de Abril como justificação. “O país atravessa uma grave crise financeira, económica e social. Numa sociedade em constante mudança, é preciso que todos deiamos as mãos e honremos os valores de Abril. O Governo acredita que a forma mais justa de equilibrar as contas públicas e, ao mesmo tempo, fazer uma homenagem a um dos acontecimentos mais marcantes da História de Portugal, o 25 de Abril de 1974, é aumentarmos o IVA para 25 por cento.” Isto vai acontecer qualquer dia e eu não me importarei. Não me importarei porque já estou preparado para isso.Vai acontecer mais tarde ou mais cedo. Não faço ideia se as medidas de austeridade são suficientes ou não para resolver os problemas do país nem me interessa. Não é falta de interesse da minha parte. Eu gostaria que os problemas do país (a começar por sermos um país a sério) fossem resolvidos. A questão é que este dinheiro não resolve os nossos problemas, resolve os deles. Uma última nota, que tem pouco a ver com o tema, mas eu achei que ficava bem mencionar: Portugal não vende ouro desde 2006 e as nossas reservas valem 11,8 mil milhões de euros. O dinheiro que o Estado vai poupar com os três PEC é de 11,215 mil milhões de Euros. Nunca fui bom aluno a Matemática, mas parece-me que chegava para pagar qualquer coisinha. Infelizmente, quem toma conta do ouro quer antes tê-lo sossegadito no cofre e espreitar de vez em quando para ver se está tudo bem do que gastá-lo. Compreende-se porquê: o ouro é o único metal precioso que se reproduz em cativeiro. 62 QUEM SE LIXA É... A pior coisa que um homem infiel pode temer não é ser apanhado pela mulher, é ter a mulher e a amante a fazerem panelinha para o lixar bem lixado. Publicamente, podem fazer um grande escândalo, podem-se insultar, apontar defeitos. A mulher traída irá insultar a amante do marido, irá referirse a ela como profissional do sexo (actividade profissional devidamente registada após a passagem de Manuela Ferreira pelo Ministério das Finanças), irá assumir publicamente a vergonha, a desonra de que foi vítima. A amante irá salientar a falta de apoio que a mulher prestava ao seu cônjuge, irá apontar a distância emocional que o casal atravessava. “Não vistes, foi porque não quisestes”, dirá a amante num mau português. Estas duas seriam amigas, talvez primas. A traição semeará a discórdia entre elas. Pelo menos inicialmente. Após muito insulto, muita discussão, as duas encontrar-se-ão por acaso e conversarão de forma aberta e construtiva sobre essa situação. Admitirão os seus erros, reconhecerão razão em alguns dos argumentos utilizados pela outra. A mulher traída não admitirá a sua incapacidade a nível de gratificação sexual do marido, mas assumirá a sua distância emocional em relação ao mesmo. Em nome dos sentimentos que em tempos levaram à união do casal, tomará a decisão de pedir o divórcio. Baseando-se nas estatísticas (e bem), irá receber uma boa maquia à conta dessa acção legal. Por sua vez, com o amante agora livre das malhas do matrimónio, a amante assumirá com este uma relação mais séria sem, porém, assumi-la publicamente. As aparências manter-se-ão durante um tempo. 63 Aos poucos, marido e ex-amante, actual namorada (esposa não, porque não é sua intenção casar-se) começarão a ser vistos em restaurantes e parques pela cidade. Pessoas comentarão entre si as prendas oferecidas a ela, assim como o dinheiro gasto em roupas e jóias. De um momento para o outro, sem se aperceber bem como, o homem passará a suportar duas mulheres. Duas mulheres que não se suportavam, que mal se podiam ver à frente. Quando não houver mais nada a extorquir dele, a amante abandoná-lo-á e partirá, juntamente com a sua nova amiga, recém-autodescoberta-lésbica e ex-mulher do seu namorado, para uma nova vida. O ex-marido e futuro ex-namorado só se dará conta do que aconteceu quando for tarde demais. Antes disso, vão deixá-lo com os bolsos muito bem limpos. Mudando para um outro assunto completamente diferente. Após tantas e tantas discussões, PS e PSD chegaram a acordo em relação ao OE para 2011. 64 TRABALHAR ATÉ MAIS(,) NÃO Sou talvez o vigésimo quinto a dizer que temos de apertar o cinto quando tal se prova necessário e, nessa qualidade, venho hoje falar-vos de um tema que muita polémica tem gerado, nomeadamente em França. Cá ainda não se notou muito porque, citando Teixeira dos Santos numa das suas duas entrevistas ao Financial Times, “o povo português é um povo calmo” (isto é, “corno manso”). Deixem-me só fazer um pequeno à parte para vos contar uma cena muito gira. O Fernando, que parecia um pavão por ter dado duas seguidas ao Financial Times (duas entrevistas, entenda-se), caiu do pedestal para onde subira quando o mesmo jornal considerou-o o pior Ministro das Finanças entre dezanove países da União Europeia. Toma que é pra aprender! Eu não devia brincar com isto pois é certo e sabido que quando um Ministro das Finanças anda com má cara, quem se lixa somos nós. Basta pensar na Manuela Ferreira Leite e no próprio Cavaco Silva para perceber que não é bom sinal quando quem tem por função “ir-nos ao bolso” anda com cara de enterro. Em França, a idade de reforma vai passar dos 60 para os 62 anos. Como seria de esperar, manifestaram-se vária reacções a esta medida. Destaco aqui as três que eu considero mais relevantes. Notem que isto não significa que sejam de facto as mais relevantes. Terão de confiar no meu julgamento. O que, devo dizer, não joga muito a vosso favor se querem fazer boa figura junto de pessoas importantes. A primeira reacção veio da parte de quem trabalha e que não 65 vê com bom olhos ter de estar a trabalhar mais dois anos além do previsto; a segunda veio de quem trabalha, mas não tem espinha para se manifestar; finalmente, a terceira, veio de quem propôs e aprovou a medida que não entende porque razão é que as pessoas se queixam tanto quando se pede qualquer coisinha. A ideia partiu da Comissão Europeia que pretende que os estados membros estabeleçam a idade de reforma aos 70 até 2060. Recordo que a Comissão Europeia é presidida pelo senhor José Barroso, que em tempos veio atirar postas de pescada por Portugal ter ultrapassado o défice de não sei quantos por cento e blá blá blá, mais ou menos na altura em que era PrimeiroMinistro um senhor chamado Durão Barroso. O apelido é semelhante mas não têm nada a ver um com o outro. A finalidade de ter as pessoas a trabalhar mais tempo é evitar a ruptura dos sistemas de pensões e a sustentabilidade das finanças públicas. Eu creio que, em vez disso, seria melhor fazermos oposto, isto é, anteciparmos a idade da reforma. Ou melhor, para quem tem estas ideias brilhantes, cortava-se o mal pela raiz: não havia trabalho para eles. Não que se possa chamar trabalho ao que eles fazem. Puxando a perspectiva para o nosso Portugalzito, "Se nós aumentamos a longevidade por que não aumentar a idade da reforma, dado que somos mais activos. Hoje os 70 anos é o limite de trabalho activo na área pública e o direito à reforma é mais cedo, está nos 62,5 anos. Mas eu diria que aos 60 anos temos ainda muita capacidade e vontade de trabalhar. Isto merece uma reflexão", disse Ana Jorge, citada na rádio TSF. Faz-me confusão que quem recebe milhares de euros por mês, que tem tudo e mais alguma coisa pago pelo Estado e que se reforma ao fim de poucos anos de, perdoem-me o uso indevido do termo, “trabalho” (ou não, se arranjar um cargo qualquer numa empresa pública ou privada que tenha favorecido durante o seu mandato), seja tão insistente em ter os outros a trabalhar durante tantos anos. Dizem que o exemplo vem de cima, e é verdade. Mas, olhando para quem nos governa, lamento que assim seja. Queria 66 olhar com respeito para os nossos actuais, passados e, até ver, futuros governantes e representantes políticos. Só que é difícil. É difícil continuar a acreditar na ideia de “só mais um bocadinho, só mais um bocadinho e tudo vai ficar bem”. E vai. Mas podem ter a certeza de que não vai ser para nós. 67 DIA DA SURPRESA NACIONAL Com tanto que se tem falado da compra dos dois submarinos e da utilidade dos mesmos (eu acho que são perfeitos, por exemplo, para uma festa temática subaquática), foi com alguma admiração que constatei que muito pouco ou nenhum interesse foi dado ao Dia da Defesa Nacional. Pois bem, é hora de alguém homenagear tão útil efeméride. Antes de mais, alguma informação pessoal para vos situar. Eu não fui à Tropa, fui só à Inspecção. Quanto às razões que me mantiveram afastado do Serviço Militar (na altura) Obrigatório, vamos todos acreditar que eles consideraram que o meu potencial não seria totalmente aproveitado naquele contexto. Quem julga que a minha não-ida à Tropa é sinónimo de inexperiência, engana-se. Experiência neste campo é coisa que não me falta. E não me refiro às horas que passei a jogar Call Of Duty ou outros jogos de guerra (não sou tão idiota a ponto de proferir semelhante afirmação), mas à maratona de filmes de guerra que fiz na véspera do dia de ir à Inspecção. Na altura ainda não sabia o resultado que me esperava e achei que ver o Nascido Para Matar, o Platoon e o Desaparecido Em Combate seria uma boa forma de me preparar psicologicamente para o que poderia vir a ser a minha vida nos próximos tempos. Sobre o Dia da Defesa Nacional, uma iniciativa lançada pelo mesmo senhor que mandou comprar os dois submarinos, há que se-lhe tirar tirar o chapéu e dizer, “Sim, senhor! Que esplêndida ideia!” Eu concordo em absoluto com as pessoas que dizem que os militares são o espelho duma nação. Não concordo com tudo o 68 que essas pessoas dizem, nem discordo do que as outras dizem, mas sobre a importância dos militares para a imagem do país estou 100% de acordo. Durante alguns anos, entre a minha não-selecção e esta ideia do Paulinho, vivemos um tempo em que só ia à Tropa quem queria. É verdade que nesses anos poupou-se algum dinheiro na preparação de homens (que algum ministro achou que seria bem gasto em dois submarinos). Por outro lado, as nossas forças armadas estavam ao abandono e isso dava uma má imagem do País. Sem a cláusula da obrigatoriedade impunha-se uma nova solução. A mais fácil seria repor a dita cláusula; o que não era possível. A solução encontrada revela que temos políticos bastante engenhosos. Só é pena essa engenhosidade não ser posta ao serviço do País. O que é que o Paulinho fez? Basicamente, manteve o Serviço Militar Livre, mas criou o Dia da Defesa Nacional. O objectivo deste dia é facultar aos jovens em idade de ir à Tropa a experiência de um dia na vida de um militar. Um pouco como ganhar um fim de semana num hotel de luxo. A diferença é que, neste caso, as coisas não são grátis e aqui está a genialidade da coisa. A ida à Tropa é livre, mas a comparência ao Dia da Defesa Nacional é obrigatória. Quem faltar à convocatória está sujeito a uma coima que vais dos 249,40€ aos 1247€. Se fizermos as contas, rapidamente concluímos que aqueles que se baldam vão pagar a estadia aos que decidam ficar. A mensagem que isso inspira é inequívoca: estamos todos aqui para ajudarmos quem precisa. Se isso não é bom para imagem dum País, não sei o que possa ser. 69 CATÓLICOS E MUÇULMANOS O que distingue um católico dum muçulmano? Muita coisa. Primeira: os católicos adoram um sujeito que era filho dum homem invisível, os muçulmanos seguem um tipo que se achava feio demais para ser representado. Mais diferenças: os católicos podem consumir álcool, os muçulmanos são a favor da poligamia. Na prática, para os católicos a regra é "até que a morte vos separe", o sagrado matrimónio, Uma mulher; os muçulmanos têm direito a cinco. O que é estranho, porque os católicos é que têm a Santíssima Trindade. Deviam ter direito a três. Depois vem a parte do pecado. Quem se porta bem, vai para o Céu. Os muçulmanos têm 70 virgens à espera; duvido que os católicos tenham uma tasca no Céu. Aliás, esta é uma das razões que me leva a pensar que talvez o Céu não seja tão bom quanto querem fazer parecer. Ir para o Céu é mau. Digo eu. Olhem para Adão e Eva. Expulsos do Paraíso por causa duma maçã. Dizem que não fizeram de propósito. Será que não? Vejam o caso de Jesus. Jesus teve uma vida imaculada, ausente de pecados, resistiu à tentação. A sua pureza levou-o para o Céu. Esteve lá três dias e bazou. Foi dos poucos conhecidos que, indiscutivelmente, mereceu ir para o Céu e não ficou convencido com as condições que lhe eram oferecidas. Bom... ele ia viver com o pai. Ser filho de Deus também não deve ser fácil. Não há privacidade nenhuma. "Pai, importa-se de sair do meu quarto?" "Ó filho, sabes bem que não posso." 70 O Inferno, por outro lado, deve ser bom. Pensem naqueles que fizeram asneira, curtiram que nem uns doidos, roubaram, mataram, enganaram. Foram parar ao inferno. Quantos é que voltaram para dizer que aquilo não presta? E para os muçulmanos... 70 virgens? Uma já é difícil de convencer, quanto mais 70! Estão sempre à espera "da pessoa certa" São 70 vezes a ouvir aquela conversa do "Prometes que não me magoas?" ou "Gostas mesmo de mim?" 70 para um. São 70 prendas de aniversário. Imaginem como será no Dia dos Namorados. Faço ideia se houver restaurantes no Céu. "Era uma mesa para 70 e um." "Para 71 não tenho. Só 69. Há dois que ficam de fora." Outra questão nesta cena das 70 virgens. Ninguém fala de idade, peso, altura ou sexo e eu acho que são dados importantes. 70 virgens não significa 70 virgens mulheres. Um gajo pode chegar lá todo convencido e de repente... Porque isto de ir para o Céu, seja em que religião for, é um acto de compensação. Nós portamos-nos bem, porque estamos à espera de algo bom. Pensem numa criança que se porta bem o ano inteiro para receber uma certa prenda no Natal e chega ao dia e recebe uma porcaria qualquer. O pessoal, enquanto é vivo, não mata, não rouba, cumpre as regras, vai para o céu e tem: Opção A, 70 virgens; opção B, ficar sem sexo, sentado numa nuvem a ver quem se porta mal cá em baixo. Passamos a ser chibos. E a denúncia é considerada pecado. Isso não é o Céu, é o Inferno. 71 QUERO MAIS DESEMPREGO As políticas do Governo em relação ao desemprego não me agradam. Parecem-me claramente insuficientes para fazer face à presente conjuntura. Não pretendo aqui elaborar quaisquer argumentos e/ou teorias que possam solucionar este problema. Além de não ser isso que as pessoas esperam de mim, não estou propriamente interessado em ver o problema resolvido. Passo a explicar. Quando eu digo que não me agrada a política do Governo em relação ao desemprego, não é no sentido da taxa de desemprego estar muito elevada, e sim no sentido de não estar elevada o suficiente para nos possamos gabar disso. Não adianta acreditarmos que vamos conseguir acabar com o desemprego e arranjar trabalho para toda a gente. Enquanto ainda acreditávamos no Pai Natal e na Fada dos Dentes, podia ser que sim; agora não que já somos crescidinhos. Já é altura de nos comportarmos como tal. Tentamos camuflar as nossas falhas, manipular os números até que estes representem apenas aquilo que nós pretendemos e não aquilo que, de facto, representam. Em Portugal não somos capazes nem do oito, nem do oitenta, andamos lá pelo meio. A nossa taxa de desemprego não é a mais elevada da Europa. Não é a mais elevada da Zona Euro. Porra! Não é sequer a mais elevada da Península Ibérica! Isto é desmotivador. Nós merecíamos mais e melhor empenho da parte de quem nos governa. Merecíamos estar no top. À luz das políticas aplicadas por sucessivos Governos, está visto 72 que o objectivo é aumentar o desemprego. Apliquem-se! É assim tão difícil facilitar o despedimento? Não creio. No Brasil existe um clube de futebol que tem orgulho de ser o pior clube de futebol do mundo. E eu acho que é isso que nós precisamos para melhorar a nossa auto-estima. Podem dizer que isso deixa as pessoas tristes e deprimidas. Óptimo. Ainda bem. Nós precisamos de pessoas tristes e deprimidas. Principalmente se souberem cantar fado. Sempre ajudaria a aumentar as nossas exportações. Tem-se falado muito dos trabalhadores da Groundforce. Trezentos e tal trabalhadores em risco de despedimento é muito pouco. Trezentos mil seria um número mais aceitável. No entanto, continuaria aquém das nossas capacidades e daquilo que é desejável. Falam dos que podem ir para o olho da rua, mas estãose nas tintas para aqueles que vão continuar a ter de acordar cedo para ir trabalhar. O que eu vou dizer agora vai deixar muita gente chocada. Paciência. Não se pode falar destes assuntos de forma eufemística. Cá vai. As pessoas que trabalham só têm hipótese de andar o dia inteiro de pijama ao fim-de-semana. Os desempregados podem andar o dia todo. Até podem vir à rua assim se quiserem. Estar desempregado é uma alegria, deixa as pessoas bem-dispostas e com tempo para tanta coisa. Cortar os pulsos, tomar banho com uma torradeira, dormir a sesta numa linha férrea. Enfim, o tipo de coisa que uma pessoa faz quando não tem nada para fazer. 73 NÃO Á TRANSITO OJE A Cimeira da NATO vai começar hoje e eu estou contente por Portugal ter sido escolhido para albergar tal evento, embora não consiga perceber exactamente porquê. Os grandes jogadores do xadrez geopolítico internacional vão se reunir cá e, sim senhor, é muito bom, mas... O problema não está no catering. Nisso, nós somos bons. Podemos estar a semana antes ou a semana depois a descongelar sopa a cada refeição, mas enquanto os convidados cá estiverem é uma fartazana que só visto. “Mais vinho! Mais caviar! Eh! Cuidado que o gajo da TVI 'tá a filmar! Escondam as ostras, mostrem só os rissóis!” Lisboa vai ser uma cidade sitiada durante este fim-desemana. A Segunda Circular vai estar cortada, o Eixo Norte-Sul também, o IC qualquer coisa, a CRIL, a CREL, a DREL. (Por mais que tente não consigo esconder a minha ignorância em relação às nossas estradas. São demasiadas siglas.) Há voos com destino ao Aeroporto da Portela que foram cancelados; foi restabelecido o controlo nas fronteiras terrestres; veículos nas principais vias de acesso são revistados, assim como os seus condutores e ocupantes. A Cimeira vai decorrer durante este fim de semana, sabe-se há meses que Portugal ia ser o país escolhido. Quando é que se começou a fazer este controlo de segurança? Há uma semana atrás. “Senhor Primeiro-Ministro, tenho aqui o plano de segurança para o senhor Primeiro-Ministro ver.” “Plano do quê? Tem alguma coisa a ver com o Freeport?” “Não, senhor Primeiro-Ministro. É o plano de segurança para a Cimeira da NATO.” 74 “Cimeira da... Ó homem! Isso é só daqui a não sei quantos meses. Temos tempo.” “Tem a certeza, senhor Primeiro-Ministro?” “Tenho, tenho. Vá-se lá embora. Ah! Antes que me esqueça, adicionei-o no Facebook.” “Muito obrigado, senhor Primeiro-Ministro. Vou já confirmá-lo como amigo.” Desculpem lá. Entusiasmei-me com esta situação hipotética que, vistas bem as coisas, não está assim tão longe da realidade. Uma semana antes da Cimeira é que começam a vigiar fronteiras, a revistas veículos e a passar com o algodão a ver se tem pó? Eu não quero ser alarmista, mas... eles, os tais terroristas, já cá estão há muito tempo. Todavia, não estou muito preocupado com isso. Não aprovo o que o Bin Laden e trupe fazem, mas nunca fui directamente afectado por isso. Já conheci pessoas que os usam como desculpa para tudo. “Desculpa querida, estas notícias da Alquaeda...” “Não faz mal querido. Acontece a qualquer um.” Senhores de pele crestada e barba rala que rezam a Alá não me incomodam. Sejam terroristas ou não. Incomoda-me mais um outro grupo de terroristas, porventura mais nocivo. O seu objectivo é causar o terror junto das pessoas e deixá-las dóceis e desprovidas de vontade para que não contestem nada, aceitem tudo. Sejam aumento de impostos, sejam reduções salariais, o que for. São fáceis de identificar. Usam fato e gravata e vêm cá passar o fim de semana. 75 A EVOLUÇÃO NEGATIVA Não sou nenhum especialista em economia, excepto naquela que pratico ao nível dos recursos domésticos. Tenho amigos que são e, sempre que tenho uma dúvida sobre qualquer declaração feita pelo nosso Ministro das Finanças, sei que posso recorrer a eles para me esclarecer. Acontece que eu não gosto de andar a chatear as pessoas a toda a hora e a todo o instante. E, com tudo o que se passou com o Orçamento de Estado, todas aquelas discussões e impasses e propostas e contra-propostas, tive de tomar uma decisão. Passei a assistir a essas declarações sozinho. Sem telemóvel à mão para contactar alguém que me elucidasse acerca do que estava a ser dito. Sem alguém que soubesse dar sentido àquelas confusas palavras. Porque o problema está aí. Nas palavras. As palavras são confusas. Ou melhor, as palavras são simples, mas são combinadas de modo a que resultem em frases confusas. Frases confusas que poucos percebem. Critica-se muito este Governo e outros anteriores e posteriores sobre o estado da Educação no nosso país. Entende-se porquê. Se os portugueses fossem bons alunos a Português e a Matemática, não só entenderiam aqueles malabarismos de aritmética que o Teixeira dos Santos executa, como também reparariam nos graves atentados linguísticos que acontecem com frequência. Um desses atentados ocorreu tantas vezes que fiquei quase convencido de que não se tratava duma gralha. O senhor Ministro das Finanças acredita mesmo na exactidão dessa expressão, que é “A despesa evoluiu de forma negativa.” 76 Há um fenómeno curioso sobre as mentiras. Uma mentira dita por muitas pessoas, às tantas passa a ser uma verdade. É o poder da sugestão, ou da influência. Ou talvez seja instinto de sobrevivência básico. Sobre a expressão “A despesa evoluiu de forma negativa.” o erro salta à vista. Nada evolui de forma negativa. Falar de evolução é o mesmo que falar de progresso porque muda-se para algo melhor. Quando se muda para algo pior, ocorre um retrocesso, logo uma involução. Eu entendo o uso da expressão. A maioria dos portugueses não estará familiarizada com o terno “involução”. E aqui voltamos ao problema do Português na Escola. Há dias assisti a um debate com representantes dos cinco partidos com assento parlamentar e reparei que estes problemas de linguagem são comuns a mais deputados do PS e seus conterrâneos do PSD. O deputado do PS serviu-se da expressão “anátemas negativos” para sustentar um argumento, enquanto que o deputado do PSD (um senhor com dificuldade em distinguir EPAL da EPUL) hesitava na conjugação dos verbos pôr e colocar no Condicional. Começava por dizer “poria”, alterando logo para “poderia pôr”. Continuo a assistir aos debates do Orçamento. Já vou percebendo mais ou menos o que é que eles querem dizer sobre as matérias macro e micro-económicas. Apesar disso, a situação mudou um pouco. Agora são os meus amigos que me ligam para que eu lhes explique o que significa uma “involução positiva da receita”. 77 QUANDO O TICO E O TECO SE ZANGAM Ando preocupado com o Tico e o Teco da senhora Ministra da Saúde. Para quem não sabe do que eu estou a falar, Tico e Teco é uma forma querida de nos referirmos aos dois únicos neurónios que algumas pessoas possuem. Quando estão bem um com o outro, o que sai não é nada por aí além; quando estão zangados, aí é mesmo para esquecer. E porque é que eu ando preocupado com o Tico e o Teco da senhora? Aqui há dias, a senhora Ministra da Saúde disse o seguinte: 'Houve uma corrida às farmácias motivada pelas próprias que telefonaram para casa dos clientes dizendo que as comparticipações dos medicamentos iam ser alteradas, portanto era bom que fosse aviar para mais tempo' A Anita acha que isto é 'um comportamento pouco cívico' por parte das farmácias e chama a atenção para a cena das comparticipações. 'Quanto mais caro venderem, mais ganham', Comecemos pelo básico. As farmácias não se comportam. Quem se comporta são... aquela coisa, como se chama? Ah!... os seres vivos. As farmácias, quanto muito, comportam pessoas, mas não se comportam como pessoas; muito menos telefonam para elas. É uma ideia completamente disparatada. Um talho telefonar para o fornecedor, ainda vá que não vá, uma farmácia não. Depois o que é que temos? Temos uma falha gramatical - '(...) telefonaram para casa dos clientes (...), portanto era bom que fosse aviar para mais tempo' – que não vou dizer qual é, porque 78 não é obrigação da Ministra da Saúde conhecer conceitos básicos de gramática. Isso é competência da Ministra da Educação, como se pode ver por uma expressão dita na Abertura do Ano Lectivo 2010/2011: 'é preciso que comam coisas que lhes fazem bem'. Concordo. E é preciso que facem também os deveres. Continuemos. As farmácias telefonaram para casa dos clientes para eles irem fazer um avio grande. Há duas ideias a reter desta afirmação. (Eu não chamo ideia ao senhora disse porque, para ser ideia, era preciso que tivesse pensado antes de abrir a boca.) A primeira ideia é esta: onde é que um comerciante liga aos seus clientes e diz, por exemplo “Eh pá, a mini vai aumentar cinco cêntimos! Anda cá depressa!” Se estas pessoas existem, eu quero saber em que parte do mundo é que elas estão para ir lá. A segunda ideia a reter é: as comparticipações vão mudar. Mas em que sentido? Vão baixar? Não. Vão aumentar. O que significa que os medicamentos vão ficar mais caros para o utente. Não é à toa que os medicamentos vão deixar de ter preço marcado. É para que as pessoas não reparem com tanta facilidade no que pagavam antes e no que pagam agora. Se o Tico e o Teco da Anita estivessem bem, ela saberia que, quando se sabe que o preço de determinado produto vai aumentar, as pessoas vão comprar esse produto. É matemático. Pode não fazer falta na altura. Podem até nunca vir a utilizá-lo. Mas já o têm. E foi mais barato. Não me admira que as pessoas comprem mais medicamentos. Admira-me é que algumas ainda tenham dinheiro para os comprar. 79 À ESPERA DE Sempre que faço compras pela Internet gosto de receber as coisas a tempo e horas. Se no site diz que demora entre 48 horas e já passa das 49 horas, eu começo logo a ligar para lá a perguntar o que se passa. Não vá alguém se ter esquecido de colocar o selo na embalagem e esta ter ficado perdida numa estação dos CTT no Cabo Ruivo. É assim que se faz, senhores do Governo que organizou esta Cimeira da NATO. Quando se gasta dinheiro numa encomenda e a encomenda não chega, exigem-se explicações. E não digo declarações do género, “O Governo irá analisar o que aconteceu e proceder da forma que achar mais adequada.” O que aconteceu foi que o Governo Civil de Lisboa abriu concurso para a adquirir seis blindados para a Cimeira da NATO e o primeiro blindado só cá chegou um dia depois da Cimeira ter terminado. Ainda bem que nós não comemoramos o Dia de Acção de Graças. Arriscávamos um incidente internacional ao ter cá o Obama para jantar e o peru só estar pronto na semana seguinte. Eu sei como é. Às vezes, quando faço as minhas encomendas, estou ciente de que podem haver atrasos na entrega. Quando produtos que vêm de outros continentes é normal que isso aconteça. Por outro lado, as minhas encomendas nunca ultrapassam os 50 euros e raramente atingem esse valor. O Governo Civil de Lisboa disponibilizou mais de 1 milhão de euros em material que não chegou cá quando devia. O mínimo que se exige era o senhor Governador ir à varanda e dizer a quem passasse, “Olhe vizinha, então não é que gastei 5 milhões nuns blindados e os sacanas não me entregaram aquilo ainda?” E a vizinha depois ia contar a toda a gente, que é isso que as 80 vizinhas fazem. Aposto que os senhores dos blindados iam ficar com as orelhas a arder duma maneira que não tardariam a reconhecer o erro que haviam cometido. Apesar destes incidentes, o que me está a fazer espécie não é o atraso na entrega. São as contas. O Governo Civil de Lisboa disponibilizou 5 021 494,78 euros para a aquisição de material; desse dinheiro gastaram 1 080 000 euros na compra dos seis blindados que ainda não chegaram e mais 714,924 euros em outros materiais. O total de despesa apresentado foi de 1 722 924. Mas se fizermos as contas, verificamos que o que se gastou realmente foi 1 794 924. Houve 72 000 euros que alguém pôs e eu não sei quem foi. Mas há mais. Pelas contas oficiais, sobraram 2 704 000 euros; pelas minhas sobraram 3.226.570,78 euros. A diferença é de 522570,78. Ou eu não sei fazer contas (o que é possível), ou alguém anda a meter dinheiro ao bolso ou então é dos portes de envio. Se for daí é bom sinal. É sinal que mandaram vir os blindados de Júpiter. Fico contente. Embora preferisse que tivessem vindo de Plutão, planeta que regia o meu signo até pisar o risco e ter sido despromovido a calhau. 81 O CAVALO ESTÁ LÁ FORA Nas minhas aulas de Filosofia no 11º ano recordo-me de ter lido e (tentado) analisar um texto cujo título era “A vaca está lá fora”. O texto expunha um diálogo entre três personagens, abrigados em casa numa noite tempestuosa, que discutiam se a vaca que eles viam a pastar sempre que ocorria um relâmpago estava sempre lá ou apenas quando eles a viam. A que propósito é que eu trago isto à baila? Por nada. Continua-se a discutir o Orçamento de Estado. Após a surpresa totalmente inesperada de PS e PSD terem chegado a acordo, surge agora a surpresa ainda mais inesperada de o PSD não ir votar favoravelmente as propostas de alteração ao OE feitas pela restante oposição. À direita, o CDS apresentou as suas propostas relativas a corte e controlo da despesa; à esquerda, o BE criticou o PS e o PSD por terem miaúfa do sector financeiro, o PEV disse que o PSD era cegueta e o PCP serviu-se da expressão popular “tirar o cavalinho da chuva” para criticar o PSD. Por que razão é que os restantes partidos da oposição estão a criticar o PSD? Em teoria, faria mais sentido que um partido da oposição estivesse ao lado dos outros partidos da oposição ou, quando tal não fosse possível, contra o Governo. Eu só tenho 30 anos, mas percebi há muito que o PS e PSD só se opõem quando lhes interessa. E agora não lhes interessa. Não lhes interessa que a vida das pessoas vá piorar, desde que as suas regalias se mantenham ou melhorem. Podem invocar mil e uma razões – os mercados, a crise, o défice, a despesa, os gambozinos – para justificar as suas decisões, mas tudo se resume a uma palavra: mais. Querem mais e mais e mais. A oposição – partidos de esquerda apenas – vive na ilusão de 82 que tem força para travar isto. Assim como nós vivemos com a impressão de que o nosso contributo a cada quatro e cinco anos tem alguma relevância. Cada vez acredito menos que tenha. E é triste, pois gostava que tivesse tanto quanto é suposto ter. Não sinto que estejamos a eleger os nossos melhores representantes. Sinto como se estivesse a ver um concurso de talentos infantis em que ganha sempre o miúdo que canta mal ou o outro miúdo que começa a chorar a meio do acto. Ganham sempre não pelo seu talento, mas porque a mamã oferece uma tarte de maçã ao júri. O mesmo acontece com as eleições. Talvez o nosso voto conte mesmo, talvez não. Já não me interessa. Todos os anos é a mesma discussão sobre o OE e todos os anos o resultado é o mesmo. Agrada-me pensar que falta menos de um mês para o Inverno chegar. Gosto de pensar nas noites passadas no sofá, com o aquecedor ligado, vendo um bom filme ou lendo um bom livro, enquanto lá fora chove torrencialmente e as ruas ficam alagadas porque as sarjetas não são limpas. E às vezes até aproveito para observar o mundo lá fora e pensar se o país que vejo existe realmente ou apenas quando caem relâmpagos. 83 QUASE TRANSPARENTE A Cimeira da NATO já passou e correu tudo bem da nossa parte. Fomos bons anfitriões, cordiais, diplomáticos. É verdade que os blindados só chegaram dois dias depois da Cimeira ter terminado e de os convidados terem regressado a seus países, mas não podemos olhar apenas para o lado mau da questão. Eu sei que é tentador falar mal. Por vezes, eu próprio faço isso. Ignoro os aspectos positivos que possuímos e hiperbolizo tudo o que de negativo nós temos. E isso está errado. Nunca iremos para a frente como país, como povo, enquanto não nos abraçarmos as nossas qualidades e assumirmos os nossos defeitos. Sim, temos defeitos. Eu tenho defeitos. Você, leitor ou leitora, tem defeitos. É tempo de assumirmos isso. Dito isto é com grande orgulho que vos comunico, àqueles que ainda não o sabem, que Portugal subiu para a 32ª posição no ' ヘ ndice de Percepção de Corrupção', relatório publicado anualmente pela Transparência Internacional. Em 178 países nós estamos em 32º lugar! Não é bom? Em 2009 tivemos um percalço e descaímos para a 35ª posição, mas conseguimos dar a volta por cima. Somos dos países europeus mais corruptos. Embora não corruptos o suficiente para ter lugar no top dez. Na Europa Ocidental somos dos piores que estão na tabela. E porquê? O que é que nós temos ou fazemos que nos garante um lugar numa posição tão cobiçada como a 32ª? Os analistas dizem que são as nossas leis “herméticas”, um aparelho de Justiça que “não funciona” e resultados “nulos” no combate à corrupção. Vamos considerar cada uma destas razões isoladamente. Comecemos pelas leis “herméticas”. Dos vários significados 84 que a palavra “hermética” possui, destaco este: hermético 4 p. ext. Difícil de entender e/ou interpretar; obscuro, ininteligível A linguagem utilizada nas nossas leis não é compreensível por todos. E por uma razão muito importante. Se todos compreendessem o que dizem as Leis, não precisaríamos de advogados, nem de juízes, nem de nenhum profissional que vive à custa de interpretar legislação. Os números do desemprego crescem de dia para dia. Simplificar a linguagem legislativa iria apenas piorar uma má situação. Saltemos para a terceira razão: resultados “nulos” no combate à corrupção. Novamente, insiste-se em olhar apenas para o lado mau da questão e ignorar o lado bom. Resultados nulos é o mesmo que dizer que não aconteceu nada. E se nada aconteceu, porquê falar do assunto? Ninguém ganhou, ninguém perdeu. É como pensarmos em andar à porrada. Na nossa mente somos sempre os vencedores e é isso que importa. Por fim, temos o aparelho de Justiça “que não funciona”. Aqui vou ser alegórico. A Justiça é uma mulher. Qual é o aparelho que, ao deixar de funcionar, deixa uma mulher irritada? A minha proposta? Façam uma vaquinha e comprem pilhas. Acreditem em mim. Quando a senhora dona Justiça estiver satisfeita, ficaremos todos bem melhor. 85 ANO NOVO, DISCURSO DE SEMPRE Olá, meus queridos e minhas queridas. Quero começar bem este ano de 2011 e quero fazê-lo da melhor forma. Como? Através do discurso de Ano Novo do senhor ainda Presidente da República. (E muito provavelmente o próximo, mas isso é outro assunto.) Desculpem? Não estão interessados? Eu sei que é um assunto um pouco maçudo, mas não pode ser sempre pândega; há que haver alguma seriedade de vez em quando. Mais que não seja para fazer contraste. Eu prometo que vou ser meigo. Ora, vamos lá. No ano que agora terminou, Portugal foi confrontado com uma realidade que há muito se desenhava no horizonte. Começa logo ao ataque o Aníbal. Andava tudo com a cabeça no ar e de repente... tau! Eu não me importo de ser confrontado com uma realidade que tenha sido desenhada há pouco. Ser confrontado com uma realidade desenhada há muito, parece-me distracção a mais. Ninguém escutou os avisos, foi o que foi. “Olha a realidade! Eh pá! Olha a realidade que se desenha no horizonte! Vês? Levastes com a realidade no focinho que é por causa das tosses!” Não iludir a realidade é um sinal positivo e uma atitude responsável, pois representa o primeiro passo para mudar de rumo e corrigir a trajectória. Não iludir a realidade em que sentido? Não me parece que não escamotear os problemas que existem seja quanto baste para começar a resolvê-los. Transportando isto para o mundo do futebol, pensemos no pior guarda-redes do mundo. Sempre que 86 joga, é frango atrás de frango. No último jogo, entra para substituir o colega titular e tem de defender um pénalti. No mundo do futebol é possível este guarda-redes defender este pénalti. No mundo da política, pelo contrário, não se pode esperar que a solução de muitos dos problemas que nos afectam, venha de alguém que teve total ou parcial responsabilidade no surgimento dos mesmos. O regime republicano encontra-se plenamente consolidado ao fim de 100 anos de existência. Por outro lado, é em democracia que todos aspiramos viver e ninguém deseja o regresso aos tempos da ditadura. Agora vou dar algo que fazer aos historiadores que me possam estar a ler. A Primeira República teve início em 1910 e foi interrompida em 1926, com o Golpe Militar de 28 de Maio; ao todo são dezasseis anos. Seguem-se os quarenta e oito anos da Ditadura Militar e do Estado Novo. Depois, a partir de 1974 até ao ano passado, são trinta e seis anos. A conta é 16+48+36. E dá 100. Mas só dá 100 porque estamos a contar os anos da chamada ditadura. O que não faz muito sentido porque, se foi uma ditadura, se foi um regime diferente de um republicanismo democrático, porque é que...? Não sei se estão a ver onde é que eu quero chegar? Mais valia, se é para contabilizar regimes que não têm nada a ver, iniciar a contagem dos anos da República a partir de 1891. É verdade que nessa altura ainda estávamos em tempo de Monarquia, mas quem inclui anos de Ditadura em anos de Democracia, pode muito bem incluir anos de Monarquia. Fica à atenção dos nossos historiadores. Por hoje chega. Acreditem que ainda havia muito para esmifrar neste discurso do senhor Aníbal, mas o espaço não dá para mais. Deixo-vos com esta última frase e um xi-coração bem grande para todos aqueles que lavaram a cara antes de sair do Renault onde agora residem. 87 CONTENÇÃO QB Durão Barroso é da opinião que devemos ter alguma moderação sempre que falarmos da crise. Cavaco Silva considera essa uma opinião “muito sensata”, na medida em que “palavras de insulto” poderão levar ao aumento do desemprego. Hum... Não é por aí. É verdade que chamar nomes feios costuma ter consequências más, principalmente se for a um credor, mas não é por aí que o desemprego aumenta. Ou melhor, não é por não fazermos isso e por oscularmos os glúteos desses sujeitos que passamos a ter mais emprego. Quer dizer, em alguns casos até é. Não obstante alguma irrelevância destas declarações, elas não são inteiramente desprovidas de sentido. Por um lado, tal como disse há pouco, porque é falta de educação, por outro porque, alerta o senhor Aníbal, “há pessoas em Portugal que parecem não saber que os nossos credores são as companhias de seguros, os fundos de pensões, os fundos soberanos, os bancos internacionais e os cidadãos espalhados por esse mundo”. Ena, tantos! Eu não fazia ideia que tínhamos tanta gente à perna. Há umas semanas recebi uma notificação da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos. Devido a uma declaração não entregue, fui notificado para proceder à regularização da situação e ao pagamento de uma coima (caso não pudesse regularizar a situação) estimada em 125€. Este valor não era quanto eu devia, era quanto eles achavam que eu não declarei. Julgava que só tinha de me preocupar com estes senhores. Pelos vistos, não. É graças a esta experiência pessoal que sou capaz de apreciar as palavras de Durão Barroso e de Cavaco Silva por aquilo que realmente são. Sem a minha experiência da notificação estas declarações soar-me-iam a demagogia, a hipocrisia política; neste 88 caso, soam-me apenas a demagogia e a hipocrisia política. A diferença a ter em conta nestas duas situações tão díspares é o facto de eu não ser alheio às consequências que eles advertem. Já as vivi. Pode não parecer, mas conhecer na prática o que alguns só sabem em teoria, ajuda a manter uma certa perspectiva das coisas. A adesão de Cavaco Silva à contenção verbal não é novidade para ninguém. Recorde-se que há bem pouco tempo, o mesmo Cavaco apelou aos líderes políticos que agissem mais e falassem menos. É um tipo de padrão expectável de um Presidente que antes tão pouco falava e agora tão pouco diz. Não diz, por exemplo, que além de não se dever ofender credores, não se deve, não se devia, ofender quem é obrigado a contribuir para saldar essas dívidas. A verdade é inequívoca. Os políticos podem insultar os credores, mas quem paga a factura somos nós. Não julguem, porém, que Cavaco Silva está preocupado connosco. Pelo contrário. A verdade e que, quer saibamos porquê, quer não, haverá sempre facturas para pagar. O ideal é não sabermos do quê ou para quem. 89 AI DOS POBRES Antes de mais, dizer que não tenho nada contra os pobres. Nem contra as pessoas que começam frases com “dizer que”. Todavia, a proposta a ser lançada brevemente pela revista CAIS de tornar ilegal a pobreza, parece-me algo mal pensado. O propósito até pode ser nobre e digno de divulgação. O problema é que estamos em Portugal. Ainda que o Estado vá na cantiga de aceitar pagar coimas por não conseguir reduzir o número de pobres em Portugal, não é isso que vai resolver o problema da pobreza. Vai resolver o problema CÁ. Se o objectivo for reduzir o número de pobres em Portugal, basta enviá-los para o estrangeiro. Em pouco tempo passaríamos a ter zero pobres no nosso país. Colocar-se-ia então a questão: onde é que os nossos políticos iriam fazer as suas demonstrações de solidariedade? Junto dos cidadãos de classe média baixa? Só se fosse. Uma outra solução para reduzir o número de pobres no nosso país, sem que tenhamos de enviá-los para fora, é diminuir o comprimento da fenda que separa os ricos dos pobres. Para tal, não é preciso tirar dinheiro aos ricos para dar aos pobres, basta tornar oficial a noção de que quem tiver 1 euro por dia passa a pertencer a classe média baixa inferior. Já não é um cidadão pobre, é um cidadão com fluxo financeiro deficitário. As consequências do incumprimento desta proposta de projecto de lei, caso seja aprovado, implicam as já referidas coimas. O Estado português vai ter de pagar multas sempre que não consiga reduzir o número de pobres de ano para ano. Resultado: se o número de pobres aumenta, ou mesmo que se mantenha, de ano para ano, reduz o número de contribuintes que sustentam o pagamento das coimas. Logo, o Estado começa, ele 90 próprio, a entrar em dívida. A longo prazo ficará também o Estado na condição de pobre. E depois? Quem é que se vai chegar à frente depois? Isto de combater a pobreza é muito bonito mas, tal como tudo na vida, há dois lados nesta questão. Geralmente, tendemos a ver o lado da miséria, o lado do desespero. Esse aspecto vale a pena combater. Gosto de ter um tecto sobre a minha cabeça, gosto de ter um lar e sei que muitas pessoas que estão neste momento a dormir na rua porque as circunstâncias da vida a isso levaram não se importariam de estar no meu lugar. Porém, convém não esquecer o outro lado da pobreza. Vestir uns trapos e ir para a porta da Igreja pedir qualquer um faz. Há os pobres pobres e há os pobres de moral. São diferentes. Além disso, a erradicação da pobreza é um acto que traz mais malefícios do que benefícios. Assim como na natureza, todo o ser vivo tem um papel a cumprir, o mesmo se passa com os pobres na sociedade. A melhor definição de classes foi apresentada em 1996 pelo comediante George Carlin. É com ela que vos deixo. “As classes altas: ficam com o dinheiro todo, não pagam impostos. A classe média: paga os impostos, faz todo o trabalho. Os pobres estão lá... só para acagaçar o pessoal da classe média.” 91 PELA ETIQUETA Um comunicado publicado no site oficial da Direcção Geral de Saúde, dá conta que “a actividade gripal é moderada, mas revela tendência, conforme esperado para esta época do ano”. Ora, muito obrigado meus caros senhores. É disto que eu gosto nos médicos. São capazes de nos dizer que quando vem o friozinho, vem o ranhinho também. Duas perguntas, não para os médicos, mas para quem me lê, mesmo que não seja médico. A primeira é: a DGS terá uma quantidade assim tão grande de sites de fãs para que seja necessário especificar que este comunicado foi publicado no site oficial? E a segunda: escrever “ranhinho” é fofo ou javardo? A gripe pode ser muito perigosa, sem dúvida. Principalmente para quem anda à fresca. “A vacinação é o melhor método de prevenção”, diz o mesmo comunicado. Assim à primeira vista, os senhores da DGS fazem lembrar os avós. É possível que alguns deles também o sejam. “Agasalha-te que 'tá frio. Olha que constipas-te.” No entanto, os senhores da DGS, além dos avisos, são também pela regras de etiqueta, nomeadamente pelas regras de etiqueta respiratória. A minha preferida destas regras é aquela que diz que devemos tossir ou espirrar para um lenço descartável ou para o cotovelo. Pessoalmente, prefiro perder o amor aos 4 cêntimos que custa um lenço de papel do que manchar de muco a manga do casaco. Quando eu era pequeno levava nas orelhas por limpar o ranho à manga. Agora que sou adulto, vêm uns senhores que não conheço de lado dizer que assim é que é. No caso das senhoras, as consequências são ainda mais nefastas. Pensem num casal à antiga. Não vão de mão dada na rua. 92 Ele dá o braço e ela segura precisamente na zona-alvo. Haverá cenário mais romântico do que sentir na palma da mão o muco de alguém que se ama? Por acaso, esta ideia não me fascina muito, mas isso é porque não pertenço a um casal à antiga. Só por isso. Outra chamada de atenção que a DGS faz tem a ver com lavar as mãos com frequência. Se no caso desta DGS, esta recomendação tem que ver com questões de germes; no caso da antiga DGS, lavar as mãos era qualquer coisa como declarar-se “inserido no regime”. Ou qualquer coisa assim. Peço desculpa por este pequeno desvio. Foi pouco ético da minha parte. 93 MENOS ESTUDOS, MAIS EMPREGO Um país é como um restaurante que coloca um catrapázio com a ementa no meio do passeio: ambos tentam destacar algo que os distinga da concorrência. No caso dos restaurantes temos o mítico e digno “Á pipis”, no caso dos países funciona de maneira diferente, mas não muito diferente. Um bom exemplo português, divulgado no primeiro boletim trimestral do Observatório Europeu de Vagas Profissionais, é o facto de sermos o país da Europa que oferece mais trabalho a quem tem menos estudos. De acordo com os números divulgados, 59% das pessoas que conseguiram trabalho neste último trimestre de 2010 tinham uma escolaridade muito baixa. Para quem dizia que este Governo não tinha uma política de Educação bem definida, faziam melhor em terem ficado calados para não passar vergonha. Portugal, não só tem uma boa política de Educação, como garante emprego para quem, apesar das facilidades, não se conseguir safar. E não é preciso pensarmos muito para encontrarmos bons exemplos de facilidades. O mais recente é a transição do 8º para o 10º ano mediante a realização de um exame. Palpita-me que não tardará a aparecer o exame para se passar do 7º para a Licenciatura. Quem não conseguir fazer este exame, pode depois ir trabalhar para o campo ou para uma tasca ou para uma repartição de Finanças. Em suma, trabalhos que carecem de trabalhadores pouco qualificados. Ou, pelo menos, assim parece. Nesta altura vejo-me quase que obrigado a lançar uma questão. Porquê? (Não é esta a questão, embora também seja uma 94 questão.) Porque é que eu me vejo obrigado a lançar esta questão? (Também não é esta questão; contudo é uma questão a ser respondida.) Resposta: porque estou a escrever com um espelho à minha frente. Não é narcisismo. É mobília. Sobre a relevância da questão, que é o que interessa, a questão a ser lançada é a seguinte: esquecendo tudo o que eu escrevi nos parágrafos anteriores, todas as ironias, paródias, etc., este estatuto é bom ou mau para Portugal? A grande vantagem que os números nos oferecem é a possibilidade do reverso. Se considerarmos os 59% divulgados pelo relatório, é muito mau percebermos que da totalidade de pessoas que trabalha, mais de metade tem baixa escolaridade. Porém, se considerarmos os restantes 41%, podemos convencernos (ainda que não seja verdade) que apenas 41% do nosso pessoal qualificado não consegue arranjar trabalho. Se consultarmos os números da Itália e os da Grécia, respectivamente 43% e 37%, e os compararmos com os seus reversos, percebemos que 57% dos trabalhadores italianos qualificados e 63% dos trabalhadores gregos qualificados não consegue arranjar trabalho. Em suma, a resposta à questão de isto ser bom ou mau para Portugal está dependente da opinião de cada um. Os números dizem sempre aquilo que nós queremos que eles digam. Mesmo que seja um disparate autêntico. É tudo uma questão de interpretação. 95 O FENÓMENO BIZARRO Em tudo no reino animal existe um paralelo que se pode traçar com o Homem. Em quase tudo, digamos. Há certas coisas sobre as quais podemos afirmar que existe uma ligação, mas nada mais que isso. Outras vezes, acontece aquilo que se convencionou chamar o Fenómeno Bizarro. Para quem não sabe, Bizarro era uma personagem da DC Comics, uma espécie de versão – como o nome indica – bizarra do Super-Homem. Era grotesco, era desajeitado com os seus poderes e não possuía a mesma moralidade sonsinha do homem de aço. No fim de contas, Bizarro era o inverso de tudo aquilo que o Super-Homem era. O uso do nome Bizarro generalizou-se e passou a ser aplicado sempre que comparamos algo ou alguém ao seu quase inverso. Não se trata de um inverso total – no caso do SuperHomem seria uma mulher africana, gorda, sem poderes, sem cuecas por cima do pijama – apenas de uma versão equivalente. Uma das versões mais recentes deste fenómeno surgiu num estudo escocês, publicado em Novembro passado no Journal of Evolutionary Biology. Hã? Já estamos em Fevereiro? E depois? Por acaso sabiam do estudo? Se sabiam, porque é que não contaram? Agora calei-vos. O estudo foi coordenado por um cientista português, Miguel Barbosa, biólogo especializado em animais marinhos. Para quem achava que na Escócia só se estudava uísque e golfe, não é verdade, também se estudam outras coisas. O estudo incidiu sobre peixes tropicais de água doce que, depois de estudados, marcharam para a grelha que foi um instantinho. As conclusões foram muitas. Guppy com molho à espanhola não, mas com 96 molho de manteiga fica que é uma delícia. Sobre o estudo, concluiu-se que “as fêmeas que se reproduzem com vários machos enriquecem as espécies e tornam-nas mais adaptáveis às mudanças ambientais”. Que comparações se podem fazer entre estes peixes e a espécie humana? Para começar, as mulheres que se reproduzem – ou acasalam, é mais isso – com vários homens não enriquecem a espécie, mas podem enriquecer a sua conta bancária desde que não cometam nenhum descuido. Já no toca a ficarem mais adaptáveis mudanças ambientais, verifica-se o mesmo nas mulheres. Se o golpe der certo mudam-se para um país tropical, se a coisa descambar fogem para um país sem acordos de extradição. Um abraço deste que tanto vos quer. Desde que sejam asseadinhos. 97 AS REGRAS DA CONVERSÃO Tenho andado tão ocupado com isto das presidenciais e do outro que mal tenho tido tempo de prestar atenção às notícias de facto importantes. O que vem aí não se trata duma notícia, no sentido em que já não é actual, mas não deixa de ser um momento bem bonito que partilhar convosco. Paulo Macedo, o ex-director-geral dos Impostos (vade retro!) e actual quadro do BCP (a moldura que ele tem à sua volta é linda, só é pena não ser penal), foi ao Tribunal Central de Instrução Criminal a pedido do colega e amigo, Armando Vara, testemunhar sobre o carácter irrepreensível do senhor Armando. Foi um momento que gerou algum riso junto daqueles que pensavam estar num julgamento a sério; mas depois passou e a coisa lá seguiu. O Paulinho do BCP disse que Vara nunca usou a sua influência para beneficiar Manuel Godinho. O que se lamenta. Com tanta prenda que o nosso rei da sucata andou a oferecer a políticos e dirigentes, o mínimo que faziam era oferecerem-lhe um vale de compras. Além do Paulinho, foram também chamados senhores da CGD para ouvir uma escuta. Como os tempos mudam. Antigamente, a malta juntava-se em casa uns dos outros para ouvir um disco; hoje em dia juntam-se num tribunal para ouvir escutas. Pode ser implicância minha, porém, não me parece que tenha a mesma magia. E o que tinha esta escuta de tão especial? Ao que parece – dizem, que eu não ouvi – o senhor Godinho 98 falava da capacidade miraculosa do senhor Vara de converter km em euros; neste caso 25 km em 250 mil euros. Sempre ouvi dizer que tempo é dinheiro, mas distância é a primeira vez. Onde é que se aprende a fazer uma conversão deste tipo? Na escola não deve ser. Pelo menos não em nenhuma igual àquelas onde eu andei. Uma última nota sobre Manuel Godinho. Parece que o Iron Man de Ovar anda com vontade de ir para casa. Diz que a prisão lhe anda a fazer mal. Faz a todos, meu caro. Mas é bom para quem se baldou ao exame. O amigo tem que idade? É aproveitar enquanto está aí que não paga nada. Custa à mesma, mas é grátis. Quanto às dores que o afligem, das duas uma. Ou Manuel Godinho tem excesso de ferro no sangue e faz reacção alérgica às grades, ou então vem do planeta Portugal e está numa cela cujas grades são feitas a partir de ferro extraído no seu planeta natal. 99 DE DEDO EM RISTE Estou a uma década da idade do dedo. Os homens com mais de quarenta anos que me estão a ler, sabem do que eu estou a falar. O famigerado dedo. Durante anos e anos, nós homens vivemos sob o jugo de profissionais de saúde que ditavam o nosso destino através da inserção digital numa área que nós preferíamos que permanecesse inviolável. Para quem já passou por esta experiência, esta notícia terá um gosto amargo; para aqueles que, como eu, estão ainda a uns anos desse evento, poderá ser uma boa nova. Um estudo britânico concluiu que homens que tenham o indicador maior que o anelar têm menos probabilidades de vir a sofrer de cancro da próstrata do que os outros. Vou dar uns segundos aos homens que me estão a ler para olharem para as mãos com atenção. Já viram? Não vale dobrar o médio, tem de ser com os dois esticados. E então? Quem estiver safo, ponha o dedo no ar. Não o do meio, o maior. Isto é para quê? Que uma pessoa contraia uma doença por graça divina ou porque não teve cuidado, por mim tudo bem. Que se safe por ter os dedos trocados parece-me injusto. Quando nascemos, contam-nos os dedos. Agora vão passar a medi-los. “Parabéns, dona Maria. Tem aqui um belo rapazinho. Comece a prepará-lo já, porque daqui a uns aninhos...” Há aqui algo de errado. A regra é ter o indicador menor do que o anelar. Quem não nasce com os dedos bem é que devia ser castigado para aprender. Mas não. Somos nós, os como deve de ser, que nos temos de vergar. Que é o que nos incomoda realmente. O cancro em si é chato, é mau, mas é quase um alívio comparado com o exame em si. 100 Estamos no século XXI, senhores! Não há uma máquina que faça esse exame sem que seja necessário um sujeito de luvas de borracha a mexer onde não deve? “Tenho um dedo que adivinha.” Já chega! Espero que daqui a uns anos, quando for a minha vez, já estejamos evoluídos ao ponto em que só precise de cuspir para dentro de um tubo e pronto. A máquina diz logo tudo.Até lá, temos que nos sujeitar. Aprecie-se, porém, os esforços que o Governo está a fazer por todos aqueles que irão um dia passar pelo dedo. Para quem não compreendia a relevância de algumas das medidas de austeridade anunciadas, julgo que verão essas dúvidas esclarecidas dentro em breve. Para as mulheres e para os homens que têm os dedos trocados, serão um esforço sem razão aparente. Para nós, candidatos a exame, será uma preparação. De tanto nos vergarmos pelo bem das contas públicas, quando formos ao exame, será com relativa facilidade que baixaremos as calças. 101 AUGUINHA No Centro Hospitalar de Gaia/Espinho a água engarrafada passou a ser substituída por água da torneira, vulgo el cano. A medida está a ser aplicada desde Junho e já significa uma poupança de 12 mil euros. Outras reduções e cortes na despesa, nomeadamente no consumo de papel, no uso das impressoras, na aquisição de jornais e na renegociação de contratos com empresas externas, levaram a uma redução de custos de cerca de 1,33 milhões de euros. Gostaram da notícia? Agora vem a parte má. Eu não resido na zona que serve o Centro Hospitalar de Gaia/Espinho, por isso acredito que nem seja um mar de rosas. No entanto, a ideia de poupar recursos é boa e deve ser estimulada, dentro dos limites do bom senso. Eu sempre bebi água da torneira e nunca morri. É verdade que, nos últimos meses, tenho passado por locais cujo água mal inspira o toque com segurança, quanto mais a ingestão. Seja como for, esta ideia da água parece-me de louvar. É uma ideia que ajuda o bolso e também o ambiente. Em teoria, seria uma ideia capaz de colher aprovação junto dos vários quadrantes da sociedade, certo? Bom, quase todos. Os senhores do Conselho de Administração da Assembleia da República recusaram a proposta de substituir as garrafas de água mineral por jarros com água da torneira. Porquê? Em primeiro lugar, por questões de higiene. Em segundo lugar, por não haver pessoal suficiente para encher, substituir, lavar e secar os jarros individuais. Em terceiro lugar, por haver contratos assinados com 102 empresas fornecedoras das máquinas dispensadoras de água. Analisemos cada uma destas razões separadamente. Questões de higiene? Mas vocês são deputados ou são ratos? 'Tão com medo de contrair o quê? Não sabem que a imunidade parlamentar vos protege de todos os vírus e bactérias conhecidas do homem? Não sejam mariquinhas pá! Não há pessoal para quê? Para lavar e encher o jarro do menino deputado? O menino deputado quando vai à casa de banho leva alguém para lhe limpar o rabinho ou fica ali com o produto a fazer compostagem? É de admirar como é que as comissões e plenários duram tanto tempo. Alguns devem fazer para dentro; outros nota-se naquilo que dizem. E por fim, contratos. Existem contratos assinados com empresas fornecedoras das máquinas dispensadoras de água. Mas não estávamos a falar de garrafas de água? De onde apareceram as máquinas dispensadoras de água? Meus lindos, um contrato não é eterno. Seja ele feito com a Luso, com a Penacova ou com a Vitalis. Reparem no número: 2535. Sabem o que é? Em euros, é quanto a Assembleia da República gasta por mês em garrafas de 33cl, a fazer as contas a 0,65€ a garrafa. Quase 2600€ que gasta à vossa pala. Mas calma! Não estou a dizer para começarem a beber refrigerantes. Não façam isso. Porque esses, além de serem mais caros, fazem pior à vossa saúde e depois quem é que gozava com a nossa cara? Costuma-se dizer, faz como eu digo, não faças como eu faço. Outra que também se costuma dizer é, nunca digas desta água nunca beberei. Os nossos deputados tendem mais para o segundo ditado. A minha sugestão para a Assembleia da República é a seguinte: compram uma garrafa por deputado, escrevem o nome de cada um no rótulo e distribuem-nas. Cada deputado passa a ter a sua garrafinha e quando acaba, em vez de deitar a garrafa fora e ir comprar outra, vai à casa de banho e enche. Pessoas mais sensíveis estarão com o dedo a tentar conter o vómito, mas 103 paciência. É o tipo de coisa que fazem aqueles que muitas vezes não têm água em casa, à conta das ideias que os deputados têm quando bebem água engarrafada. 104 PARTIDO A MEIO Olá. Bem-dispostos? Eu estou. Sabem porquê? Porque o Santana Lopes admite formar um novo partido. Quem é que fez “yupi”? Calma! Não comecem já com as vossas manifestações de alegria porque ainda não é certo que Santana vá mesmo para a frente com esta ideia. É melhor esperarem um pouco. O que ele disse foi “"Há tempos que admito e considero que é muito provável que apareçam outras realidades no centro-direita de Portugal. A ver vamos e eu estou num processo de pensamento sobre isso.” Portanto, ele ainda só está a pensar se avança ou não. Para dizer a verdade, é bem provável que ele avance. O Santana é homem para isso. Lembrem-se que ele já foi Secretário de Estado da Cultura do Governo de Cavaco Silva, Presidente do Sporting, Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Primeiro-Ministro de Portugal, comentador político e Mr. Camisa de Seda Molhada Lux 2001. É, portanto, um homem que não recusa um bom desafio. Por outro lado, é também provável que a criação deste novo partido fique a meio. O Santana é capaz de definir estatutos, é capaz até de elaborar um programa, mas quando for a altura de ir fazer o registo da patente, o mais certo é ele lembrar-se que tem o leite ao lume e ir-se embora. E é isto que eu gosto no Santana Lopes. Neste aspecto, Santana é um autêntico Seinfeld da política. Jerry Seinfeld, co-autor dessa mítica sitcom, recusou um balúrdio de dinheiro para fazer uma décima temporada. Apesar do graveto oferecido, ele recusou a oferta, dizendo que, “A melhor altura para parar é esta, enquanto estamos no topo. Continuar até o público se cansar de nós, seria um disparate.” Muitos políticos levam o seu mandato até ao fim, achando 105 que, ao fazer isso, estão a respeitar a vontade dos cidadãos que os elegeram. Um mandato político devia ser como um filme ou um livro: ao fim de dez minutos ou dez páginas, já sabemos se aquilo tem ou não interesse. No caso de um Governo, a coisa podia-se fazer até aos doze meses. Ao fim de doze meses se a história não nos interessasse, vinham outros. Ficção por ficção, ao menos que seja uma história interessante. Santana Lopes é dos poucos políticos que entende não ser o cumprimento mandatário aquilo que as eleitores procuram. Apesar de poderem escolhê-lo para determinado cargo, ele tem a consciência certa de quando deve sair. Pode não sair em grande, mas sai sempre a meio. E esse é um tipo de coerência que eu aprecio. 106 SEQUELAS & PREQUELAS O PEC 4 foi votado no Parlamento. Como não passou, adeusinho Sócrates, a gente vê-se por aí. Estimado leitor, calculo que esteja preocupado em saber o que impacto terá esta votação e a saída deste Governo. É para isso que cá estou. Para nós, contribuintes permanentes, o que foi recusado agora será implantado pelo próximo Governo, seja para não ofender os mercados, seja porque é preciso mostrar a Bruxelas que Portugal está determinado em avançar num esforço concreto. O próprio Miguel Relvas, secretário-geral do PSD, já disse que os impostos previstos e recusados no PEC 4, vão ser aplicados pelo PSD, caso este venha a ser Governo. Mas, acrescenta o Miguelito, de forma mais justa. Há semanas, Passos Coelhos consultou vários quadrantes da nossa sociedade para aferir de aspectos a ter em atenção quando estivesse no poder. Esses quadrantes incluiam apenas gestores e empresários de empresas de topo, por isso, sabemos todos onde estará essa tal aplicação justa. Enfim, tretas. Mas são tretas que divertem e sem as quais eu não estaria a escrever isto. Reparem, tecer cenários do que poderá acontecer é um exercício puramente especulativo. E eu assumo isso. Não faço como muitos comentadores, analistas e, pior, políticos. A política mexe com a vida das pessoas e não se pode resumir a olhar para números e antecipar cenários e elaborar decisões com base nisso. Os antigos olhavam para as tripas de um porco, hoje olha-se para dados estatísticos falseados e extrapola-se. A futurologia não devia entrar aqui, mas entra. Tenho muitas questões sobre este PEC 4. A primeira delas é: até que ponto vai continuar a saga? É que isto já parece o Sexta- 107 feira 13 (mas mais assustador): o primeiro foi bom, o segundo aguentou-se, o terceiro... e do quarto em diante foi um descambar. Para bem da saga e das pessoas nela envolvidas, pensem bem no que estão a fazer. A existência do quarto filme da saga Alien é negado por muitos dos fãs. Querem que aconteça o mesmo com o PEC 4? Não querem, pois não? Uma prequela também não serve. A última grande prequela que houve foi o Star Wars e, que eu saiba, o Governo não tem nenhum Jar Jar Binks para entreter as crianças. Mariano Gago? Não digam isso. O homem está lá no seu cantinho, quase que não se dá por ele. Estão a implicar com ele porquê? Há quem não considere a saga PEC uma saga de terror, mas sim uma saga de comédia. Não se sintam chocados e ofendidos com a atitude destas pessoas. O PEC pode ser considerado tanto uma saga de comédia, como uma saga de terror. Tudo depende do ponto de vista. Os mais ricos olham para o PEC como uma comédia, a classe média como um filme de terror, os mais pobres como um filme português dos anos 40, o Governo como um documentário e a oposição como um mau filme de ficção científico. Eu prefiro olhar para o PEC como uma mistura de vários géneros. Porque o PEC É uma comédia e É um filme de terror, só que é também um filme de fantasia e um musical. E esse é o grande problema desta saga. Não só lhe falta um enredo que convença, como também não assume duma vez por todas em que género cinematográfico se insere. Façam-me um favor. Quando forem lançar o PEC 5. O quê? Ninguém me contou. Fui ao IMDB ver a filmografia do Governo e estava lá em pre-produção. Escutem-me, mudem o nome do filme. PEC não. O pessoal já conhece. Não tentem fazer como o Saw, não conseguem. Assustar conseguem, só que o enredo já não convence ninguém. É apenas violência gratuita e isso é mau cinema. Em vez de PEC, porque não experimentam o IAB? O IAB, ou, na sua forma extensa, o Ir Ao Bolso, seria uma saga ainda mais assustadora. As situações causadoras de 108 incómodo e pânico seriam as mesmas, embora mais intensas, e o enredo seria mais realista. As pessoas sairiam da sala de cinema, temendo que algo assim lhes pudesse acontecer. E desejariam adormecer e acordar dentro da saga Pesadelo em Elm Street ou Halloween e serem rapidamente trucidados. Uma morte violenta e sangrenta, mas rápida seria quase uma benesse para quem se sente a morrer devagar dia a dia. 109 ANTES DAS ELEIÇÕES | 1 ■ INÊS DE MEDEIROS José Sócrates surpreendeu-me. A recusa do PEC 4 já era expectável, mas José Sócrates ter cumprido a sua promessa de sair, não. Pelo menos essa promessa ele cumpriu, há que reconhecer. No início do debate, quando ele saiu porta fora, apenas um “boa tarde” fugido aos jornalistas, fiquei à espera que ele regressasse, já com o PEC 4 votado e recusado, e dissesse “Vejam lá este aqui. Pensavam que já não me viam, não é? Ah! Ah! Ainda vão ter de gramar comigo mais uns tempos!” Não sou contra o afastamento de José Sócrates. Também não sou a favor da aproximação de Passos Coelho. É um bocado como mudar de Pepsi para Coca-Cola: são ambas bebidas gaseificadas com cafeína, de sabor a caramelo. O que me estorva é eu ter uma boa quantidade de matérias a abordar sobre a actual legislatura e, em vez de tratá-las com calma, sou obrigado a fazê-lo em modo “aviar frangos.” Isso chateia-me, mas que remédio tenho eu? E o primeiro frango, salvo seja, é: Inês de Medeiros. Na primeira e última vez que falei sobre a deputada Inês de Medeiros estavam em foco as suas viagens de Paris para Lisboa. O assunto gerou muitos comentários e alguma polémica. Sobre a vontade de Inês querer viver com a família, é perfeitamente natural e compreensível. O que não é compreensível é querer viver com a família, trabalhar em Portugal e sermos nós a pagar os custos de deslocação. Não sei em que ponto está esta situação, se continuamos a pagar e não sabemos, se é ela que paga, não sei. O que posso aqui (re)afirmar é o seguinte: o comum contribuinte, quando vai para o trabalho, seja de transporte próprio ou público, 110 paga a deslocação do seu bolso. Há quem gaste mais de dez por cento do seu vencimento em transportes; há quem ganhe dois mil euros ou mais por mês e tenha tudo pago. Detalhes para alguns, mas não para muitos. Regresso ao tema Inês de Medeiros a propósito de uma entrevista concedida ao Jornal de Notícias. Entre referências a uma versão portuguesa do Canal Odisseia e à resistência do cinema português, Inês de Medeiros opina sobre a sua actividade política e sobre a política em geral. Pela sua voz, percebemos que nós, povo, olhamos para a política como algo d' “Eles”. E de que outro modo poderia ser? É verdade que não se pode pôr tudo no mesmo saco, mas é tão difícil distinguir. Insiste-se na partilha de responsabilidade entre todos os elementos da sociedade, quando a nossa única responsabilidade é escolher quem vai continuar a fazer o mesmo ou pior. Que alternativas temos? É nosso dever e direito cívico escolher os nossos representantes. E os deveres dos nossos representantes quais são? Acredito que muitos políticos, e Inês Medeiros é um exemplo disso, têm ideias boas e promovem iniciativas úteis – no caso dela as alterações á Lei 4/2008 sobre o regime laboral e de segurança social dos profissionais do espectáculo e audiovisual dizem-me particular respeito – só que pecam quando não assumem as falhas da classe. Ovelhas negras existem em toda a parte. Não é vergonhoso admiti-lo, mas é escondê-lo. Nós não menosprezamos a instituição Parlamento, menosprezamos as pessoas que lá estão e que o tornam menosprezável. O que ninguém quer admitir é que o político não é mais do que um tuga aprumado. Eles fazem o que qualquer um de nós faz, apenas em escala maior. Podemos mesmo criticá-los? Podemos, porém, nunca esquecendo que eles são nossos representantes. Os políticos são tão bons quanto a sociedade que os elege. Concluam a partir daqui. 111 MENDIGOS E RECIBOS No sentido de resolver o problema do défice e, ao mesmo tempo, acabar com a pobreza, eis o meu contributo. Conto convosco para que isto chegue ao conhecimento das autoridades competentes. 1 – Todos os mendigos (mesmo os que residem em apartamentos de luxo) deverão ter um cartão de identificação que comprove o seu estatuto social. Os impressos terão desconto entre 1,50€ e 2,75€ (descontos para residentes em caixas de ar condicionado FNAC). Todos os mendigos de origem nãoportuguesa terão de pagar um acréscimo de 0,50€ sobre o valor do impresso, valor esse que poderá triplicar caso sejam mendigos ilegais. 2- Este documento comprovativo poderá variar de caso para caso, consoante o grau de pobreza da pessoa em causa, e será sujeito a um sistema de cotas mensal, cujo valor será definido em sede parlamentar. 3 – Todos os mendigos serão obrigados a ter o seu cartão de identificação sempre visível. Caso não esteja, poderão continuar a beneficiar da chamada “esmola”, a não ser que o cidadão benemérito peça um comprovativo de situação, seja para certificação do estatuto, para verificação da validade do documento ou para efeitos de IRS. 4 – Todos os mendigos que aderirem a esta medida deverão dirigir-se à repartição de Finanças da sua área de pedinchice e requisitar uma senha para poder emitir recibos electrónicos. 5 – Por cada esmola recebida, o Estado cobrará 10% sobre o valor total. 6 – Todos os mendigos que não cumprirem estas normas serão considerados ilegais e, como tal, proibidos de receber 112 qualquer tipo de esmola. Todos aqueles que, ainda que sem conhecimento, derem esmola a mendigos ilegais poderão ser considerados cúmplices de crime de burla. 7 – As penalizações relativas à violação das directrizes aqui propostas serão aplicadas conforme a legislação a ser aprovada na Assembleia da República. (Agora é esperar que ninguém leve isto a sério.) 113 PONTE SALAZAR Esta semana dei por mim a visitar o site Salazar, o Obreiro da Pátria. A razão da minha visita a esta site é facilmente explicável: cliquei num link para aceder a um site de bom cinema e em vez da Kate Frost ou da Lisa Ann, o que me apareceu foi o “Botas”. A minha visita a este site, apesar de acidental, não foi em vão. Serviu para relembrar a existência de uma petição para renomear a Ponte 25 de Abril para Ponte Salazar. Antes de desbaratarmos a questão, é preciso tomarmos em consideração os argumentos apresentados. O que é que os defensores desta petição defendem? Muito sucintamente, defendem quatro pontos que todos nós podemos apreciar, ainda que possamos não concordar com eles quando aplicados a este contexto. Vejamos o texto da petição: VAMOS REPÔR O NOME À PONTE SALAZAR Meus amigos, vai sendo tempo de dizermos! É urgente que as gerações não cresçam sobre a mentira; Se para si a verdade histórica é importante; Se o nome dos nossos maiores tem alguma importância histórica; Se a justiça é elemento importante e determinante; Se a verdade deve fazer parte de um Estado de Direito; Então, lute pela verdade! O primeiro aspecto que salta à vista é a existência de duas verdades: uma histórica e outra que talvez seja futurista. Sobre 114 um facto podem existir várias opiniões, mas a informação objectiva é apenas uma. Exemplo: Portugal faz parte da União Europeia. Existem várias opiniões quanto a esta matéria, mas a verdade é apenas uma. Esclareçam lá isso, está bem? O segundo aspecto a observar é este: Sidónio Pais foi ditador, Hintze Ribeiro queria ser ditador. E no entanto, temos toponímia e pontes (tínhamos) nomeadas por eles. Já escrevi sobre isto num artigo antigo: nós adoramos as pessoas da terra, nem que sejam o Hitler. É gente da terra, a malta gosta. Salazar ter uma ponte com o seu nome... pode ser. Mas na terra dele. É verdade que temos uma tendência para nos esquecermos de algumas figuras importantes da nossa história. E uma das razões pelas quais isso acontece é porque o passado é escamoteado e o ensino da História é sujeito ao crivo de quem está no poder. O ditado assim o afirma, “Dos fracos não reza a História.” A não ser quando têm algum amigo defensor no poder. Por fim, justiça. É verdade que nem tudo foi mau durante os anos do Estado Novo. Assim como nem tudo foi mau nos últimos anos da Monarquia ou bom nos 16 anos da I República. Qualquer regime está sujeito a falhas; o problema é quando está fechado em si mesmo. Uma democracia que funciona mal, seja com Rei ou Presidente, é sempre preferível a uma ditadura que funciona bem. As pessoas dizem que antigamente é que se estava bem, não havia nada destas poucas vergonhas. O “Ballett Rose”, para quem não sabe, não aconteceu a semana passada. O mal humano sempre existiu. Talvez não existisse tanto no tempo do senhor Oliveira Salazar e seu sucessor Marcelo porque o relato dos factos era condicionado. Quem diz que antigamente se vivia melhor, só pode ser porque conhecia pouco do mundo à sua volta. Hoje em dia, sabemos tudo. E só acreditamos que as coisas eram melhores naquela altura se formos ingénuos. Eram diferentes, ponto. Em resumo, não concordo com esta petição. Todavia, não é tanto pelos argumentos que acabei de refutar. É por um motivo bem mais simples. Este ano não se vai assinalar o dia 25 de Abril na Assembleia da República. Parece que a realização da habitual 115 sessão solene viola qualquer coisa na constituição, porque o Parlamento está dissolvido. Enfim, eles lá sabem. Para mim, a ponte sobre o Tejo deve continuar a ser Ponte 25 de Abril, mais que não seja para não corrermos o risco de a única referência à Revolução dos Cravos ser uma data no calendário. 116 A TROIKA PARA TOTÓS E pronto lá veio a Troika. Andava tudo preocupado, que ia ser muito difícil, que iam haver despedimentos em massa, e quem não era despedido tinha de trabalhar até aos 80 e afinal... Ah! Que alívio saber que não será necessário preocuparmos-nos tanto quanto supúnhamos. Na Educação, por exemplo, basta fazermos uma “aproximação das competências às necessidades do mercado e combater o abandono escolar precoce” e está feito. Na Saúde, só faz falta “reduzir custos os operacionais dos hospitais, os custos com os sistemas de benefícios de saúde da administração pública, o preço dos medicamentos” e pronto. Energia? É só “promover a concorrência, em particular nos sectores da energia e telecomunicações.” Dá muito trabalho? É capaz de dar. E por falar em Mercado de Trabalho, se “revermos o subsídio de desemprego, alterando os incentivos a ele inerentes e fizermos a reforma da legislação de protecção no emprego, promovendo a flexibilidade”, não teremos que nos preocupar com mais nada. A nossa Saúde estará no caminho certo, assim como a nossa Educação, a nossa Energia e o Mercado de Trabalho. E o Mercado de Arrendamento? Ah! Esse... Nada mais fácil. Basta “dinamizar o mercado, restringir o endividamento das famílias e promover a mobilidade dos recursos humanos.” Parece tão fácil, não é? Lendo tudo isto, quase que dá vontade de partir para outro país. E por falar em Transportes, se nós “revermos a estrutura tarifária, reduzirmos os custos operacionais e estabelecermos uns tectos de endividamento mais exigentes”, teremos a vida 117 facilitada em ir para um país onde não nos tentem enfiar o barrete a toda a hora e a todo o instante. Meus lindos, não sejam totós. O que acabaram de ler, não são as medidas inscritas no memorando da Troika, é a versão simplex do governo Sócrates desse mesmo documento. Procurem o original na net que está lá e vale a pena. Só para não serem apanhados de surpresa. Porque há diferenças. O que o governo entende por “aproximação das competências às necessidades do mercado e combater o abandono escolar precoce”, no original vem “reduzir os custos na área da educação, com o objectivo de poupar 195 milhões de euros através da racionalização da rede de escolas e da criação de agrupamentos de escolas; redução das necessidades de pessoal; centralização das aquisições; redução e racionalização das transferências para as escolas privadas em contrato de associação”. Isto é um exemplo, mas há mais. Não seja totó, nem preguiçoso. Informe-se. 118 DA CAMPANHA E DOUTRAS COISAS Existe uma pergunta que grassa pela cabeça de muitos portugueses: para quê uma campanha eleitoral? Eu sei que estamos em época de eleições, mas o que é que isso tem a ver? Não, não tem nada a ver com aquela história de ganharem sempre os mesmos. Passo a explicar. Numa qualquer campanha temos os vários partidos políticos a apresentarem os seus diferentes (ou não assim tão diferentes) programas eleitorais. Os portugueses fazem a sua escolha e o partido com mais votos (ou melhores condições) é convidado pelo Presidente da República a formar Governo. Duma forma simples (talvez simplista) é isto que acontece. Na prática, não há grandes diferenças entre ganhar o senhor licenciado ao Domingo e o senhor licenciado aos 37. O problema é aquele papelito que anda por aí a circular. Sejamos sinceros. O memorando da troika pode não ser um programa de Governo, mas anda lá perto. Imaginem que, em vez do memorando, a troika entregava-nos uma série de ingredientes – legumes, ovos, leite, carne, peixe, açúcar, etc. - e mandava-nos fazer um bolo de chocolate. Há várias maneiras de fazer um bolo de chocolate, mas são poucas as hipóteses de divergir do memorando. Tenho andado a pensar nisto e estou indeciso quanto à sua aplicação. Não recuso a necessidade de maior rigo e controlo do erário público, embora não me pareça que sejam os funcionários que levam canetas para casa ou aqueles que tiram fotocópias no serviço os grandes responsáveis. Até aceito que algumas das medidas sejam tomadas porque não há outra hipótese. O que me 119 incomoda é a falta de consequências. Eu aceitaria que o processo de despedimento individual fosse facilitado, se o Estado desse o exemplo e, a começar por si, acabasse com os falsos recibos verdes. Por exemplo. O PS, o PSD e o CDS ora divergem, ora convergem em relação às medidas previstas no memorando. Consoante os dividendos que daí possam tirar, a coisa é boa ou má e eu acho isso bonito. Acho bonito que José Sócrates antes gostasse de dançar com Passos Coelho e agora quase que não se podem ver. Paulo Portas, que em tempos fartou-se de dizer a José Sócrates para se demitir, é elogiado pelo próprio José Sócrates pela sua postura. Falta contexto aqui, eu sei. Azar. Também falta muito contexto na campanha e não é isso que os pára. A conivência entre estre trio faz-me sentir uma sardinha. Cada um discute que parte do meu corpo quer, mas todos querem ferrar o dente. Posso fazer a observação de outra maneira: o CDS já esteve coligado com o PS e com o PSD. Haverão assim tão grandes diferenças entre estes três partidos? É uma resposta que não é fácil. O Governo que nos calhar (ou já calhou, conforme o dia e a hora em que leia isto), concorde ou não com o acordo, terá que respeitá-lo. No fundo é um empréstimo como qualquer outro. Com a diferença que fomos apontados como fiadores sem termos tido voto na matéria. A verdade é esta. As eleições são uma mera formalidade. Uma nota final: Gabriela Canavilhas não aprovou as verbas destinadas ao FICA por estar em governo de gestão. Eis o que deviam ter dito a José Sócrates antes de ele ter chamado o FMI. E assim já se teria justificado a campanha. 120 PURA E SIMPLES IMPLICÂNCIA A pouco tempo do final da campanha para as Legislativas 2011, vale a pena olhar para o novato e troçar das suas propostas e das suas declarações. Pedrito, não é nada contra ti meu querido. Acredita que se o Louçã ou o Jerónimo ou o Paulinho ou o Zé fossem os estreantes, eu troçaria deles da mesma maneira que vou troçar de ti. E repara também como eu digo troçar e não gozar, prova de que embora faça uma crítica mordaz, ela é também inteligente ao invés de idiota. Pronto, a primeira lição foi grátes. Não vás directo ao assunto. Enrola. Queimas tempo. Vamos às declarações? 'Bora. “A esperança vai vencer o medo”, frase dita a 25 de Maio na Guarda. Diz-me uma coisa, Pedrito. Qual foi o partido que chumbou o PEC IV por ser exigente demais e que no dia seguinte afirmou que tinha vetado esse documento por ser exigente de menos? Isso também assusta as pessoas. Entre os que saem e os que querem entrar, só muda a cor adicional. O Governo quer “lançar o medo” porque não consegue fazer a “mudança”? E que mudança é essa, meu estimado líder dum partido que, tal como o partido do Governo, concordou com as medidas da troika? Mais uma vez, falho em ver essa tal mudança. Ainda no mesmo dia, e no mesmo local, Passos Coelho prometeu criar um site para tornar públicas todas as nomeações. Não terás querido dizer, criar um site para tornar todas as nomeações públicas? Ou, porventura, um site para todas as nomeações, mas só as públicas? É muito bonito quereres nomear as pessoas apenas com base no mérito e na competências, mas 121 lembra-te que precisas de pessoas para trabalhar. Se te orientares apenas por esses critérios, como é que vai ser a tua vida? Outra coisa. Quando puderes, sem pressa, explicas aos portugueses a diferença entre ser nomeado, indicado ou apontado para um cargo. Aqui vai uma dica para te poupar o trabalho. O Ricardo (nome fictício) é nomeado, o Troll é indicado e aquele é apontado. Antes de passar na Guarda, Passos Coelho esteve em Gouveia onde disse que não está “pensado” nenhum agravamento dos impostos sobre os combustíveis. O que me tranquiliza tanto como “não estão em causa os despedimentos.” Não. Atenção à frase: Há cafés para toda a gente? Sim. Os cafés não estão em causa. Agora troca os cafés por despedimentos. Vês? Mas a frase em concreto foi sobre os combustíveis e há algo nela que revela um descuido preocupante. No caso de não saberes, existe uma diferença entre dizer que não se vai fazer e não se pensou em fazer. Nota que, apesar de sabermos que é peta, a primeira dá-nos mais segurança porque é uma afirmação – não se vai fazer – enquanto que a segunda suscita algumas dúvidas. Quando alguém diz que ainda não pensou em fazer algo, isso significa que ou vai pensar em fazer ou vai fazer sem pensar. Em que é que ficamos? 122 A TROIKA E O DESEMPREGO Quando tudo parece mau, quando olhamos à nossa volta e nada do que vemos nos anima, é sempre bom receber mensagens tranquilizadoras de pessoas de séria referência. Estou a um mês de fazer parte das estatísticas do desemprego e, tendo em conta a actual situação do país e as dificuldades crescentes para conseguir trabalho (já nem digo emprego), teria todas as razões para entrar em pânico. Felizmente para o meu espírito, a ministra do Trabalho, Helena André, assegurou publicamente que o acordo com a troika aumenta a protecção aos trabalhadores. Posso ficar descansado. Vindo de quem vem. Ouvindo isto e olhando para o documento, a coisa até promete. O problema é que... Recuemos cento e dois anos. Enquanto não passava duma força clandestina, o Partido Republicano Português prometia Educação para todos, fossem ricos ou pobres. Chegados ao poder, tentaram dar início a esse projecto. Pode-se dizer que cometeram um retrocesso ao acabar com as escolas dos jesuítas, mas isso é outra história. O ponto a considerar aqui é a diferença entre aquilo que os republicanos intentavam fazer e aquilo que conseguiram realmente fazer. Como em tudo na vida, há que fazer a necessária separação entre aquilo que não se faz porque não se pode ou não se consegue fazer e aquilo que não se faz porque não se quer fazer. Graças à lei de 30 de Março de 1911, o ensino público passava a ser gratuito. No entanto, como saber ler ou escrever não mata a fome, muitas famílias continuavam a enviar os seus filhos trabalhar. Este cenário não é assim tão antigo. Quem não o viveu, 123 de certeza que conhece alguém que passou por isto. No fundo, o que eu pretendo dizer com isto é que, pode haver um fundo de verdade e de boas intenções no que diz a ministra Helena André. Só depende do ponto de vista. Do ponto de vista de alguém que pertence a um governo demissionário e que pretende salvaguardar o seu cargo, seja no Governo ou numa empresa associada, faz todo o sentido positivar as medidas da troika para que o PS seja reeleito. Do meu ponto de vista, como alguém que está prestes a ficar sem trabalho, só consigo ler aquela parte relativa à facilitação do despedimento individual. É a velha história do copo meio vazio ou meio cheio, com a diferença de muitos já não terem copo sequer. 124 CENAS DE CAFÉ Uma coisa engraçada sobre as gorjetas é o facto de as únicas pessoas que têm direito a ela serem aquelas que nos servem café ou as que nos carregam as malas. Existem muitas profissões que deviam ter direito a receber gorjeta, mas, por razões desconhecidas, não é isso que acontece. Se estivermos num hospital, algures entre a vida e a morte, à espera duma transfusão quase impossível de obter porque o nosso tipo de sangue só existe numa em cada dez pessoas, nós não damos uma gorjeta se o médico nos salvar a vida; nem tão pouco agradecemos ao tipo que nos deu o sangue dele. Essa pessoa énos completamente desconhecida mas, mesmo que fosse conhecida, não teria mais importância que um empregado de mesa ou um taxista. Dito isto, já repararam na cara dos empregados quando vamos pagar o café e só temos uma nota de 50 euros? Um café custa em média 55 cêntimos. E nós só temos 50 euros. E depois? Qual é o problema? Eu acho que não é nenhum. Mas para eles não. Eles ficam sempre a olhar com uma cara que até parece que estamos a fazer alguma coisa de mal. Nós estamos a pagar! É isso que estamos a fazer! A pagar! Isso é errado? Há pessoas que pedem desculpa! Quando vão para pagar o café e não têm dinheiro certo, quase que se ajoelham. “Peço imensa desculpa. Só tenho esta nota. Não posso gastar mais que este dinheiro. Por favor, perdoe-me. É só hoje. Não volta a acontecer. Prometo. Por favor, não me flagele.” O que é isto?! Por acaso, pensam que estão a tirar dinheiro? Não estão! O dinheiro do troco é vosso! Vosso! Não é deles! 125 Outra situação que também acontece quando pedimos um café é a seguinte. Vamos supor que o café custa 50 cêntimos, só para o exemplo funcionar. O café vem, eu bebo o café, tranquilo da vida. Acabo de beber o café, tiro uma moeda de 50 cêntimos do bolso e coloco-a em cima do balcão. O que é que o empregado diz? “É pra pagar o café?” O que é que eu respondo? “Não. 'Tou só a pôr a moeda em contacto com o ar. É pra ver se ela cresce. 'Tou à espera que se transforme numa nota de 50 euros. Depois abano a moeda. “'Tá quase. Já faltou mais.” Há outros, mais inteligentes, que ainda perguntam: “É só pra pagar o café?” Eu não sei o que é que se passa lá nos bastidores, mas eu quando vou a algum estabelecimento comercial e dou dinheiro certo para pagar um produto, é porque não quero pagar mais nada além disso. 126 O QUE (AINDA) NÃO SABEMOS Por esta altura ainda pouco ou nada se sabe sobre o novo governo PSD/CDS-PP. Sabe-se que conseguiram ultrapassar a sua primeira contenda, que tinha que ver com a estrutura do executivo. Era uma questão delicada e que foi resolvida atempadamente, embora nem tudo tenha ficado explicado. Passos queria 10 ministros e Portas queria 12 ministérios. O primeiro elemento de clivagem é óbvio: depois do que se passou com os sobreiros, Portas quer dois ministérios sem ministros para assim não haver ninguém para acusar de qualquer eventual irregularidade. É uma medida sábia, mas que Passos não gostou. Outra coisa que já se sabe, o próximo ministro vai ser um independente, sem qualquer ligação partidária, que esteja a par do programa do PSD e que tenha representado o partido nas “negociações” com a troika (a assinatura era para ter sido feita com uma caneta Parker de ponta fina azul, mas este senhor conseguiu fazer prevalecer a sua opção de assinar com uma caneta Molin de cor preta) e que, para os que ainda não adivinharam, utilize a forma popular de pronunciar “pelos púbicos”. Ou então Vitor Bento. Sabe-se também que Passos vai continuar a apoiar Fernando Nobre. Tivemos a confirmação desse apoio ainda ontem, durante a visita dos representantes dos partidos com assento parlamentar ao Palácio de Belém, quando Passos Coelho disse, “É uma matéria do foro parlamentar, não cabe ao futuro Governo estar a envolver-se na escolha do presidente da AR.” 127 Aqueles que apontam a inexperiência de Passos Coelho como um forte handicap governamental, têm aqui um grande argumento. Uma coisa é cumprir promessas eleitorais, outra coisa é apoiar Fernando Nobre para presidente da Assembleia da República. Pode parecer, analisando as suas declarações de forma superficial, que Passos Coelho se está a descartar do apoio ao senhor da AMI; cabe a mim fazer a tão necessária análise mais aprofundada. É tão simples como isto: Passos Coelho é o presidente de qual partido? Qual foi o partido que conquistou mais votos e, em consequência, maior representatividade parlamentar? Quer isto dizer que Fernando Nobre vai mesmo ser eleito presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, capaz(?) de desempenhar funções de Presidente da República caso o senhor de Boliqueime dê um jeito às costas ao mudar a lâmpada da sua marquise? Esperemos que não. Esperemos que a inexperiência de Passos não ofusce a experiência dos demais deputados. E daí... até pode ser interessante ter o senhor Fernando Nobre a dirigir o hemiciclo. Relembrando o caso do protocolo com Valter Lemos, seria engraçado ver situação idêntica ou semelhante a acontecer em sentido inverso. “Não, senhor presidente. Primeiro tem de me dar a palavra e só depois é que me manda calar. Não é antes.” Agora que penso bem, ter Fernando Nobre como presidente da Assembleia da República é o primeiro passo para conseguir a tão discutida (sempre que há eleições) redução do número de deputados. Com Mota Amaral e Jaime Gama havia muitos deputados a dormir e o trabalho aparecia feito. Passos quer que a Assembleia seja presidida por alguém capaz de adormecer todo o parlamento e verificar se as coisas continuam a funcionar ou não. É uma medida arriscada, principalmente porque pode resultar. NR - Este artigo foi escrito na véspera do novo Governo ter sido anunciado. 128 O PORQUÊ DO EMPRÉSTIMO AOS BANCOS Quando se discutiu o último Orçamento de Estado, houve quem achasse suspeito os encontros que os presidentes dos principais bancos privados portugueses tiveram, à vez, com José Sócrates e Passos Coelho. Quando ainda não falava da vinda do FMI para Portugal, muitos questionaram as tomadas de posição dos senhores dos bancos de não terem capacidade de ajudar o Estado português, após terem anunciado um forte crescimento dos seus lucros. Quando se negociava o acordo com a troika e estes senhores foram beneficiados com 12 mil dos 78 mil milhões de euros de empréstimo, muitos questionaram a justiça de tal medida. Durante muito tempo, estas questões têm permanecido sem resposta. Até hoje. Consideremos, em primeiro lugar, o porquê do empréstimo aos bancos. A lógica dita que, para emprestarem dinheiro, os bancos precisam de o ter primeiro. Ora, como os lucros dos principais bancos portugueses cresceram muito no último ano, é mais que evidente a falta de capital financeiro de que dispõem. Portanto, como deixaram de ganhar alguns milhões para passar a ganhar muitos milhões, as troikas acharam que era preciso ajudar estas carentes entidades empresariais e resolveram dar-lhes alguns milhõezitos para se governarem. Atendido o problema da falta de dinheiro dos bancos portugueses, estes ficaram em condições de fazer empréstimos a quem pedisse. O problema é que o banco para fazer um 129 empréstimo precisa de ter garantias mínimas de retorno; caso contrário, não é um empréstimo, é uma oferta. Uma vez que se prevê o congelamento do salário mínimo, o aumento do IVA, o aumento do custo de vida, a facilitação do despedimento e o crescimento do desemprego, tenho algumas dúvidas que sobre muita gente com capacidade financeira de contrair um empréstimo. O que acontecerá a esse dinheiro então? Não existem dúvidas de quem vai pagar os juros do empréstimo feito pela troika, seja da parte que foi para o Estado, seja da parte que foi para os bancos: é o mesmo otário que vai pagar ainda mais juros caso consiga contrair um empréstimo bancário. Também não existem dúvidas quanto à injustiça desta medida, bem como à necessidade de aplicação da mesma. Segundo notícias publicadas esta semana, o Banco de Portugal emitiu uma nota de recomendação para que os bancos passassem a carregar os multibancos com menos dinheiro. Diz a nota que é para combater os constantes assaltos, mas não é só disso que se trata. Já estive muitas vezes na fila para levantar dinheiro no multibanco e ter no início da fila uma daquelas bestas que leva para lá uma repartição de pagamentos. Sou daqueles retrógados que acha que uma hora a pôr cartão, marcar código, fazer operação, verificar talão, verificar saldo, verificar movimentos de conta, trocar cartão, marcar código e repetir operação durante mais de uma hora é um bocadinho demasiado. Por vezes, passame pela cabeça a ideia de abandonar a fila e me dirigir ao balcão de atendimento que está vazio para efectuar aí o levantamento. Porém, antes de fazer isso, resolvo fazer uma trepanação e a ideia deixa de fazer sentido. Pagar para levantar dinheiro? Não me parece. Menos dinheiro nos multibancos significa que as caixas vão ficar vazias mais depressa. Significa também que haverá quem opte por fazer levantamentos mais avultados e outros por ter a carteira a criar bicho. Os primeiros serão fáceis de identificar, uma vez que terão um ar desconfiado de tudo e de todos; os 130 segundos, em maior número, correrão menos riscos de serem assaltados. Houve quem falasse que o empréstimo aos bancos era uma vergonhosa rapinagem quando, na verdade, era uma eficaz medida de combate ao crime. As pessoas andarão com (ainda) menos dinheiro no bolso e não haverá razão para serem assaltadas. Os bancos terão dinheiro ao seu dispor para investir nas empresas de que são accionistas e assim aumentar um pouco mais os seus lucros, de modo a que na eventualidade dum próximo empréstimo internacional estejam em condições de beneficiar de mais um pouco da caridade internacional. 131 A OPÇÃO E A INDECISÃO Como não militante ou simpatizante socialista possuo as valências necessárias para comentar a luta (renhida?) que decorre entre os dois candidatos principais, António José Seguro e Francisco Assis, ao cargo de secretário-geral do PS. Declaro aqui publicamente a minha não-militância e a minha não-simpatia, para que não me acusem de denegrir um candidato em relação ao outro. A minha intenção é denegrir os dois. Comecemos por Francisco Assis. Uma coisa que me irrita na política e nos políticos não é tanto o que eles fazem ou dizem, mas o que utilizam para justificar essas acções. Francisco Assis fez parte do governo que aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O diploma, de acordo com as partes interessadas, ficou incompleto, porque não abordou a questão da adopção. Enquanto governante, a opinião de Assis era a opinião do Governo, ou vice-versa; enquanto candidato, já pensa de maneira diferente. Diz ele que “Durante muito tempo tive dúvidas [sobre a adopção de crianças por casais do mesmo sexo], mas neste momento sou favorável, porque percebi que essas dúvidas se alicerçavam no mais puro preconceito.”Naturalmente que Assis tem todo o direito de mudar de opinião. A questão é... porque é que muda? Será uma mudança genuína ou será calculada? A causa gay, chamemos-lhe assim, era um dos galões do Bloco de Esquerda e o PS apoderou-se disso. Tirou ao Bloco uma das suas causas e fez aquilo que tinha poder para fazer. Não fez tudo. Preferiu deixar um pouco para mais tarde. A pergunta que eu faço é: se os skinheads estivessem em maior número na nossa sociedade, será que Francisco Assis estaria a dizer “Essa escória da estrangeirada, se fosse eu a mandar, era tudo corrido lá pra terra deles.” Até que ponto ele 132 expressa a sua opinião, até que ponto ele joga com simpatias alheias? Sobre António José Seguro, estou à espera que se decida, duma vez por todas, se a regionalização é uma prioridade ou não. Parece que, em algumas terras, ao almoço, é um compromisso inadiável; noutras, ao jantar, deixa de ser uma prioridade. Davame jeito saber em que é que ficamos. É fácil escrever um artigo tendo por base uma mudança de opinião de um político. Contudo, se o político for António José Seguro, corre-se o risco de ele mudar de opinião entretanto. Se a mudança ocorrer a meio do artigo é menos grave. Pode ser que, chegando ao fim, ele tenha retornado à opinião anterior. Ao contrário de Assis que assume as reinvidicações duma classe como sendo as suas, Seguro anda de terra em terra, como um verdadeiro arauto das suas exigências regionais. “Vocês aqui são contra ou favor da regionalização?”, dirá num discurso hipotético. E as pessoas, pensando que é uma pergunta de retórica, do género “Vocês estão aqui?”, respondem “Sim!”. Ou não, se forem contra. Seguro fica seguro da posição popular e opina em conformidade. 133 O NOME DIZ TUDO Embora seja uma cidade que aprecio muito e que conheço relativamente bem, não sou lisboeta. Como tal, apesar de não ficar alheio às mudanças que ocorrem na cidade, as mesmas não me deixam tão afectado como deixam aos seus residentes. Destas mudanças, aquelas que incomodam mais as pessoas não são aquelas inesperadas, são aquelas que, apesar de expectáveis, se acredita nunca virem a acontecer. No programa do governo, perdão, no memorando do Troika, a redução do número de freguesias era uma das medidas mais polémicas. Assim como praticamente tudo o resto no memorando, esta é mais uma que se sabia inevitável, embora houvesse a esperança de que não passasse do papel. Não foi o caso. A operação de junção, reformulação e eliminação já começou e Lisboa parece ter sido o concelho escolhido para os primeiros ensaios. De 53 passará ter 24 freguesias. Menos de metade. Será criada uma freguesia nova chamada Parque das Nações. Alguém quer adivinhar onde será? As doze freguesias da Baixa Lisboeta juntam-se na freguesia de Santa Maria Maior. E as marchas, senhores? E as marchas? A Mouraria e Alfama no mesmo desfile? Vai haver porrada na certa. Esta opção de agrupar freguesias e atribuir um novo nome, sem ter em conta as suas diferenças culturais e territoriais é insuficiente. Na minha opinião, faria mais sentido agrupar, não só a freguesia, mas também o nome. Por exemplo, no concelho da Moita, onde resido, mantinha-se a freguesia sede de concelho e juntavam-se as restantes. Passar-se-ia então a ter Sarilhos do Gaio-Rosário e Vale de Alhos da Banheira. No Barreiro, terra que me viu nascer, o mesmo princípio. Mantinha-se a sede de 134 concelho e agrupavam-se as restantes freguesias, ficando com Alto de Coina do Lavradio, Verderena de Santo André da Charneca de Palhais. Outra opção, em vez de nomes compostos, seria recorrer à junção. Recorrerei de novo aos concelhos da Moita e Barreiro para exemplificar. Na Moita teríamos as freguesias de Moita, Saráiorio e Valhoseira; no Barreiro, o Barreiro, Altoinadio e Versanecalhais. Com o tempo as pessoa habituar-se-iam e daqui a tempos estaríamos a ouvir frases do género, “Sou versanecalhaiense com muito gosto!” E o senhor Bento? Mora na Valhoseira desde pequeno e todos os dias vai trabalhar para Altoinadio. Seria um processo capaz de suscitar tumultos, mas que daria nomes bem mais interessantes do que aqueles que resultaram da reunião camarária em Lisboa. O PCP votou contra, o PSD e o CDS-PP abstiveram-se. Há quem diga que foi por discordarem da medida. Eu digo que foi por causa dos nomes. Morar em Santa Maria Maior é um pouco parvo, morar em Alfamaria já é um pouco menos. 135 NOTÍCIAS DE AGOSTO Agosto é e será sempre a época das notícias parvas. Vamos a elas. Comecemos por esta. Numa entrevista à revista da Ordem dos Advogados, D. José Policarpo afirmou que não existe impedimento teológico à ordenação das mulheres. Em audiência com o secretário de Estado do Vaticano, D. Policarpo esclareceu que, quando falou em ordenar as mulheres, referia-se a ordenálas por ordem alfabética e não por ordem de idade, como havia sido divulgado previamente. Já está a funcionar no Dubai o primeiro spa automóvel. Por apenas onze mil euros, Ferraris, Lamborghinis e outros calhambeques recebem uma lavagem em condições. O tempo para cada lavagem ronda uma semana e serve-se dos mais recentes avanços na área da nanotecnologia. O serviço vem ao encontro das necessidades de todos aqueles que se queixavam da sujidade ao nível subatómico. Prevê-se também para breve a abertura do primeiro salão de massagem para automóveis, em vez do tradicional bate-chapas. Um serviço que vem ao encontro de todos aqueles que consideram a existência de atrito prejudicial à durabilidade do veículo. Continuando a falar de gente pobre, uma garrafa de vinho branco de duzentos anos foi vendido por 85 453,50€, entrando assim para o livro do Guiness. Christian Vanneque pediu desculpa pelo nome e disse estar ansioso por abrir a garrafa. “O último que comprei, gastei só trinta mil euros e era uma zurrapa autêntica. A ver se este é melhor.” Ainda nas antiguidades, depois de ter sido mãe aos 66, a romena Adriana Iliescu quer repetir a proeza aos 72. Diz que se 136 sente “como uma jovem”. Nos seus projectos futuros inclui-se fumar um charro, ir a um concerto dos Bon Jovi ou pedir um crédito à habitação. Espaço agora para a justiça. Os guardas prisionais da cadeia de Sintra passaram a dormir nos carros porque a camarata não possui condições. Parte do telhado tem telhas de amianto, não existe ventilação no quarto e a casa de banho está completamente degradada. Já chegaram a aparecer pulgas na sala onde os guardas tomam as suas refeições, mas nem isso foi suficiente para se mandar fazer uma desinfestação. As minhas desculpas. Parece que peguei numa notícia de finais do século XIX por engano. Passemos à ciência. Um estudo publicado no Journal of Thoracic Oncology afirma que muitos fumadores de longa duração conseguem deixar de fumar com facilidade antes de lhes ser diagonosticado cancro do pulmão. Fica assim provado que o tabaco ajuda a prever o futuro. O estudo não quantifica quantos fumadores conseguem desistir depois de lhes ser diagonosticada essa doença. De acordo com um inquérito da construtora de pneus Goodyear sobre comportamentos impróprios ao volante, descobriu-se que 43% dos condutores portugueses falam ao telemóvel, 63% mexem no rádio, 45% ajustam a temperatura e 56% afirmam nunca teerem ingerido álcool antes de conduzir. Ainda de acordo com este estudo, descobriu-se que 57% dos condutores portugueses não possuem telemóvel, 37% não sabe mexer no rádio, 55% não sabe regular a temperatura e 44% está neste momento a beber enquanto conduz. Num outro estudo, cientistas descobriram que, nos últimos trinta mil anos, o cérebro encolheu cerca de 10%, passando de 1600 para 1359 centímetros cúbicos. Terminamos as notícias de hoje com os parabéns à menina Silly Season, que comemora a bonita idade de trinta mil anos, e algumas sugestões de leitura para aqueles que têm tempo para 137 isso. 1. NOVO ESTUDO PARA PONTE CASAL DO MARCOMOSCAVIDE 2. PORTUGAL PRECISA DE MAIS SUBMARINOS! 3. TUDO O QUE PRECISA SABER SOBRE TUDO 4. APRENDA A NÃO FICAR HISTÉRICO À TOA 5. EXERCÍCIOS PARA FAZER DEITADO NO SOFÁ 6. MIL E UMA DICAS PARA A BISCA LAMBIDA 7. CANTIGAS DE EMBALAR PRISIONEIROS NO CORREDOR DA MORTE 8. À VOLTA DO MUNDO EM PÉ COXINHO 9. DEUS PRECISA DE DINHEIRO 10. CARTOONS DE MAOMÉ QUE NÃO OFENDEM NINGUÉM 11. COMO ENRIQUECER URÂNIO NA SUA CAVE 12. O MEU ESCROTO É BONITO DE SE VER: MEMÓRIAS DE UM EXIBICIONISTA 13. ANFETAMINAS: FAÇA VOCÊ MESMO 14. PEIXE BOM PARA COMER CRU 15. DE BUCHAS E ANILHAS: UMA INTRODUÇÃO AO COMÉRCIO DE FERRAGENS 16. LEITURA PARA TANSOS 17. O QUE FOI FEITO DE MIM? : A HISTÓRIA DE UM MECÂNICO AUTOMÓVEL CONTADA NA SEGUNDA PESSOA 138 PRESUNÇÃO DE CULPABILIDADE A vida às vezes surpreende-nos. Tão habituados estamos a que a classe política não faça nada que ficamos sem reacção perante certas situações. Em Oliveira do Bairro um vereador resolveu suspender o seu mandato e pediu para ser constituído arguido. Foi isso mesmo que leu. Um autarca foi acusado de falta de transparência na atribuição de fundos e a autarquia resolveu não avançar com queixa criminal. E o que é que este senhor fez? Demonstrou o maior desrespeito pelo funcionamento das instituições e democráticas e pediu para ser ser julgado! Não se compreende esta atitude. E além de não se compreender não é aceitável. Quando um vereador é acusado de desviar fundos, a atitude correcta é negar. Eu sei que esta não é a opção mais certa do ponto de vista legal ou moral, mas é sem dúvida o melhor a fazer em termos sociais. Fomos tão habituados a falcatruas e a negociatas que é impossível prever o efeito que a idoneidade teria nas nossas psiques. Não me entendam mal. Eu não sou contra a condenação do peculato. Há, todavia, valores mais altos a serem respeitados. A começar pela difamação. Vamos supor que este vereador, acusado anonimamente de desviar fundos, vai a julgamento e é dado como inocente de todas as acusações. A sua inocência é demonstrada de forma tão efectiva que até o procurador acredita nele. Pensem na pessoa mais céptica que conheçam; até ela acreditará na inocência deste vereador. Isto é tudo muito bonito na ficção. Na realidade há outras 139 problemáticas a ter em consideração. O que é que resta aos populares para falarem na praça pública? Não vão, certamente, falar da inocência do senhor. Nós, povo, precisamos da suspeita, da calúnia. Queremos algo que sustente o acto de falar mal. Não que isto seja um elemento imprescindível, atenção. Este caso é localizado, mas temo que se possa alastrar ao país. E se isso acontecer, o que será de nós? O que será das Fátimas, dos Isaltinos, dos Avelinos, dos Valentins e de tantos outros exemplos menos conhecidos? Porque o problema não seria só ficarmos sem alvos para caluniar, seria ficarmos também sem bodes expiatórios. Podemos não assumi-lo, mas é impossível negarmos que a classe política sustenta as nossas próprias prevaricações. Fugimos aos impostos porque eles também o fazem, cometemos algumas infracções porque eles também o fazem. Criticamo-los publicamente por fazerem em grande escala aquilo que nós fazemos numa escala mais pequena. Quem é que nunca levou uma caneta da empresa para casa, por exemplo? Quem é que nunca tirou fotocópias no escritório de graça? A classe política serve para nos absolver a consciência desses irregularidades. É o que nos permite dizer, “Fiquei a dever 2€ no café, mas aquele lá outro lá não sei donde ficou a dever 2 milhões.” (Não referi nomes, nem lugares, para não ter chatices.) Se os políticos começam a ser honestos, estaremos à altura de seguirlhes o exemplo? 140 MÉRITO E COPIANÇO Depois dos juízes foi agora a vez dos pretendentes a advogados serem apanhados a copiar em exames. Este tipo de situação demonstra bem o estado do ensino em Portugal. Estamos a falar de pessoas com, pelo menos, quinze anos de estudos. Quinze anos! E ainda não aprenderam a copiar sem serem apanhados? Isto deixa-me seriamente preocupado. Como cidadão não me interessa saber se determinado juiz ou advogado cabularam para chegarem onde chegarão. Prefiro não saber. Prefiro acreditar que sabem o que estão ali a fazer, que chegaram ali por mérito próprio. Se foram apanhados em falta, castigue-se. Se não, aprove-se. Estenda-se isto a outras profissões. Quando vamos ao médico queremos acreditar que estamos a ser atendidos por alguém que trabalhou para chegar ali. Saber que o sujeito de branco que nos está a cobrar 60 € pela consulta desconhece a diferença entre a omoplata e a tíbia é coisa para nos deixar inquietos. Mas existe um outro aspecto que me inquieta ainda mais no caso da justiça e seus elementos. Em Portugal pode não existir – tanto quanto sei – a figura do precedente jurídico, mas isso não impede que seja aqui criado um precedente. Já foi a vez dos juízes e dos advogados; pelo andar da carruagem, a seguir será a vez dos réus. Todos nós somos inocentes, até prova em contrário, logo todos nós somos passíveis de sermos acusados. Como tal, é preciso estar à altura das expectativas. Como se sentiriam os advogados e o juiz se soubessem que o réu que está a ser julgado cabulou para chegar ali? Estou certo de que não iriam gostar. Para evitar esse tipo de constrangimentos, resolvi enunciar algumas dicas ao futuros candidatos a exame da 141 Ordem dos Réus. 1 – Não ser apanhado a copiar. Se for, dar uma carga de porrada ao examinador, habilitando-se assim à primeira acusação por agressão. 2 – Tentar desviar as atenções do examinador para outra situação. Uma bomba de pequena alcance colocada previamente num contentor de lixo fora da sala costuma chegar. 3 – Quando não souber uma resposta, aposte com o examinador em como ele também não sabe. Aposte também em como é capaz de fazer o exame sem copiar se ele abandonar a sala durante vinte minutos. Enfim, são dicas básicas, aplicáveis a qualquer exame. Espero que vos sirvam de alguma coisa. 142 BOM PORTUGUÊS Sou só eu que ando lixado com o “Bom Português”? Até há coisa de meses atrás, antes de se começarem a preocupar com o Acordo Ortográfico, era uma rubrica interessante. Não só dava a conhecer palavras pouco utilizadas da nossa língua, como denunciava erros comuns do dia a dia. Sendo o Português, tal como a Matemática, uma das disciplinas base da aprendizagem escolar – e também uma das mais maltratadas – qualquer programa que se prestasse à correcção da ortografia e da gramática seria bem vindo. Tudo estava bem... até descambar. De rubrica didáctica e curiosa, o “Bom Português” passou a manual do enfado. Eu percebo a necessidade de explicar às pessoas como é que o Acordo Ortográfico funciona. Não que isso as vá ensinar a escrever bem, mas enfim... Compreendo a intenção e apoio-a. Mas é preciso ir tanto ao pormenor? Posso não concordar com o Acordo Ortográfico, mas percebo as suas regras principais. Palavras com consoante muda (óptimo, director, Egipto) passam a ser escritas sem essa letra (ótimo, diretor, Egito). Para quem passou a sua infância e boa parte da sua juventude a ler banda desenhada brasileira, esta grafia não me incomoda nada. Outra regra: palavras como egípcio, factual ou opção escrevem-se tal como se dizem. Depois temos os acentos, que ora se colocam, ora se tiram. Com maior ou menor dificuldade, explicando bem a regra, basta um ou dois exemplos para a coisa encaixar. O que me irrita no “Bom Português”, contudo, é a insistência. Parece que querem dar todos os exemplos possíveis para cada regra. Aceito que é preciso insistir para que as regras peguem. O problema é quando as regras não fazem sentido. Quando as palavras têm dupla grafia, por exemplo. Aí todos acertam. Não 143 sabem se estão a responder bem ou mal porque ambas as respostas estão certas. O que é que se aprende com isto? Nada. Ou, pior, quando ninguém acerta e a jornalista vê-se forçada a perguntar “Tem a certeza? Veja lá bem...” Só falta dizer, “Vá, repita comigo.” Ditam as regras que a rubrica encerre com um cidadão a enunciar a forma correcta de escrever ou dizer certa palavra ou expressão. Graças às regras algo estranhas e contraditórias do Acordo Ortográfico, boa parte dos entrevistados adivinha à sorte; os restantes têm de ser ensinados até acertarem. O propósito continua a ser bom, apesar da parvoíce que o circunda, mas penso que não se deveria limitar ao Português. Seria bom, ainda para mais agora que temos um Matemático como Ministro da Educação, que o “Bom Português” ganhasse uma irmã sexy chamada “Matemática Boazuda”. Começaríamos pela base. “2+2=?” e depois iríamos para a tabuada. A criatividade não está apenas nas palavras, está também nos números. As estatísticas do sucesso escolar assim o demonstram. 144 QUINZE MINUTOS Quando tinha 15, 16 anos costumava gravar rábulas com amigos e colegas de escola. Cada um de nós fazia figura de parvo, fosse através do que dizia ou do que vestia para dar corpo aos personagens a que dávamos vida. Compreendo, por isso, o fascínio que os jovens de hoje em dia têm com a Internet e com o Youtube em particular. Tal como eu há quinze anos, também eles hoje fazem figura de parvo e gravam isso para a posteridade. O que distingue uma geração de outra, no entanto, é a partilha. Nós gravávamos para nós, para o grupo e amigos próximos do grupo; eles gravam para o mundo. Naquele tempo não havia Internet como há hoje. Eram tempos em que um download de 50 megas era coisa para levar seis meses ou mais. Mas só não ajuda a explicar a propagação do fenómeno. Podia não haver partilha online, mas partilha offline sempre houve. Quantos de nós é que não levavam o vídeo para a casa de amigos para gravar filmes do clube de vídeo? Quantos de nós não gravávamos vinis para cassete e depois fazíamos uma cópia num deck duplo? A partilha sempre existiu. A razão de ser é que mudou. O nosso processo era elaborado, baseava-se num guião e havia preparação, o dos jovens de hoje é espontâneo. Pegam numa câmara e vão, por assim dizer (ou mesmo literalmente), para a estrada. Nós procurávamos a diversão e tentávamos manter a coisa em privado. Não queríamos gente de fora a ver. Os jovens de hoje apenas procuram a fama temporária, mesmo que isso lhes custe a vida. Existem excepções, claro. Tal como no meu tempo, também hoje existem jovens que procuram gravar vídeos de humor de forma mais ou menos séria. Infelizmente, não são 145 esses que fazem manchete. Jovens a morrer enquanto executam façanhas para as quais não estão minimamente preparados sempre houve. Sempre haverá. O problema é que muitos dos jovens de hoje cometem esses actos motivados pela popularidade que a Internet gera. E eu não aprecio isso. Parece-me injusto acusar a Internet de ser responsável quando situações semelhantes sempre ocorreram. A busca pela fama faz parte do ser humano, o bom senso de cada um é que deve estabelecer uma linha. Uma vez contaram-me a história de um fotógrafo famoso que resolveu saltar dum prédio e fotografar a sua própria queda. Ele não sobreviveu, mas a foto ficou para a História como símbolo de determinação. No caso dele não era o risco que o motivava, era o registo dum momento único. Ele sabia que ia morrer e estava disposto a isso. A sua última fotografia é mundialmente famosa, mas daqui por uns anos quem se lembrará dos jovens que entopem o Youtube com vídeos que os deixaram marcados para a vida? 146 CRITÉRIO SEGURO Numa intervenção recente o secretário-geral do PS, António José Seguro, afirmou não aceitar a redução do número de freguesias no Interior do País com base no critério do número de habitantes. Acho bem. Vindo de quem vem, provavelmente terá dito o contrário ao jantar, mas concordo com as razões desta sua recusa. Extinguir freguesias, anexando rivalidades e ódios históricos só por causa dos números é um erro crasso. Qual é o mal de ter freguesias com 150 habitantes ou menos? Para mim, que andei a percorrer Portugal de lés a lés e vi como é que o País (não) funciona, não vejo qualquer problema nisso. Consideremos, por exemplo, a freguesia de Fajão na Pampilhosa da Serra. De acordo com os Censos de 2001, esta freguesia tem 295 habitantes. Será isso razão suficiente para anexá-la à freguesia do Macchio (146 habitantes) e à freguesia do Vidual (93 habitantes)? Se a iniciativa partir dos habitantes e todos estiverem de acordo que é o melhor a fazer, não tenho nada contra. Mas não obriguem as pessoas a isso. Principalmente com base no critério dos números. Se tiverem que utilizar algum critério, podem dizer que a redução do número de freguesias e concelhos é uma das contrapartidas do empréstimo que fizemos à troika. Podemos não concordar com isso, mas não podemos dizer que é uma desculpa não-existente. A certa altura utilizou-se o argumento “A estas pessoas já tiraram o professor, o médico. Não lhes deixem tirar o presidente da Junta.” Porque não? Em que medida é que perder um presidente da Junta é o mesmo que perder um médico ou um professor? Se alguém ficar doente ou analfabeto, não é um 147 presidente da Junta que vai ajudar. A não ser que seja médico ou professor. Sejamos honestos, praticamente todos nós somos a favor da união ou extinção de freguesias e concelhos. Quando apresentada a ideia, até somos capazes de dizer “Hum... Juntar freguesias com número reduzido de habitantes para poupar recursos? Não está mal pensado, não senhor.” No entanto, a conversa muda de figura assim que percebemos que a nossa freguesia, o nosso concelho, é um dos visados pela medida. “O quê? Nem pensar! Nunca na vida os habitantes de Boi Coxo se juntarão com esses atrasados mentais de Cabra Manca! E a identidade histórica destas pessoas? Alguém pensa nisso? António José Seguro pensa. Ele sabe que uma forma segura de conquistar apoios é apelar ao bairrismo de cada um. Tanto faz que seja no Interior ou no Litoral. As ideias são sempre todas boas... desde que sejam para os outros. 148 CONFIANÇA Quando se está afastado algum tempo é sempre difícil encontrar o tema certo para abordar num artigo de análise. Felizmente temos o Expresso, esse jornal grande, onde se encontra sempre qualquer coisa. No site do Expresso (são oito da manhã, está a chover como o caraças, ainda não saí de casa e não vou sair só para ir comprar o jornal) vinha hoje (dia 9 de Novembro) uma pequena... peça informativa sobre a relação de confiança que nós temos com as instituições conotadas com o Governo. O artigo, apesar de pequeno (tem apenas três parágrafos), possui uma complexidade de ideias tão bizarras que quase que parece que é sério. Tão sério que me atrevo a dizer que se isto fosse um estudo elaborado por algum instituto público, o mais certo era fechar portas depois. Como é só uma opinião, o máximo que conseguimos é colocar alguém a fazer transfusões de sangue sob a vigília de Leonor Beleza. Já lá vamos, calma. Diz então o sociólogo José Manuel Mendes que nós desconfiamos, ou temos pouca confiança nas instituições ligadas ao Governo. Excepção feita àquelas ligadas à protecção e socorro. Subscrevo mais ou menos. Basta pensar nas inundações que acontecem todos os anos assim que começa a chover, ou nos incêndios que arrasam o país, ou no quizz a que é preciso responder sempre que se chama uma ambulância para nos apercebermos que a nossa confiança nestas instituições é um bocado como dar dinheiro a um arrumador para que não nos risquem o carro. No entanto, apesar destas falhas, depositamos mais confiança nas instituições ligadas à protecção e ao socorro do que 149 nas outras. Porquê? O Instituto Português do Livro e da Biblioteca, o organismo que tutela as bibliotecas públicas, tem feito um bom trabalho. Talvez não tenha sido perfeito para todos, mas se nos lembrarmos como eram as bibliotecas há vinte, ou mesmo dez anos, e como são agora, a diferença é... colossal. O que é que nos faz confiar nesta gente? Diz José Manuel Mendes que em Portugal "não houve nenhum episódio que desconstruísse a confiança das pessoas" como aconteceu noutros países da Europa, com o sangue contaminado. A resposta de José Manuel Mendes é simples e elucidativa. O complemento que se segue à citação é que não sei se pertence ao próprio ou se foi alguém que não estava cá nos anos 80 que acrescentou. Caro José Manuel Mendes, ou outra pessoa que diz basearmos a nossa confiança nas instituições públicas de protecção e socorro no facto de, em Portugal, não ter havido nenhum caso de sangue contaminado, só vos digo isto: vão ao Google e pesquisem por “hemofílicos + Leonor Beleza”. Não se resolveu, apenas prescreveu. Como é tradição. E nem sempre as tradições são de confiança. 150 ALUNOS RICOS, ALUNOS POBRES Dizem que há alunos que recebem bolsas de estudo, apesar de os seus familiares terem rendimentos avultados através de sociedades. Dizem que é errado estes alunos que têm pais ricos receberem uma bolsa de estudo e os outros menos ricos não receberem nada. À partida, eu não acho que seja, mas vamos ver com calma. Em primeiro lugar, porque razão é que isto acontece? Porque é que alguns alunos, cujos pais têm participações em sociedades com grandes rendimentos, têm direito a uma bolsa de estudo, enquanto que outros, cujos pais quanto muito trabalham nessas empresas como empregados de bar, não? A resposta é: cruzamento de dados. Quando pedimos um subsídio à Segurança Social, um crédito ao banco, etc., cruzam-se dados para aferir dos nossos rendimentos, da nossa capacidade de retorno, se temos dívidas por pagar. Tudo é esmiúçado ao pormenor. Na Universidade, como estamos a brincar à realidade, o cálculo de atribuição de apoio deixa de fora os ganhos feitos através de sociedades. Que a Universidade é cara já se sabe. Sabendo isto, quem possui mais condições, do ponto de vista financeiro, para suportar todos os encargos relacionados com uma frequência universitária activa? Consideremos que o dinheiro da bolsa de estudo é exclusivamente para propinas, fotocópias, material de papelaria; tudo o resto (cerveja, vinho, batata frita, vinho e cerveja) tem de vir do bolso do próprio. Quem tem mais condições de assegurar essas despesas de um modo confortável e fiável? O aluno mais 151 pobre ou o aluno mais rico? Outro aspecto que convém não esquecer é o valor do dinheiro. Para qual dos dois é o dinheiro mais importante? Só conseguimos dar um valor às coisas depois de as perdermos. Dito isto, para se perder dinheiro é preciso primeiro ter dinheiro. O pobre não sabe o valor do dinheiro porque não o tem. O rico não sabe porque ainda não o perdeu, mas está mais perto. A quem é que o dinheiro faz mais falta do ponto de vista de crescimento pessoal? A Universidade é como a escola – deve preparar para a vida. A diferença é que a escola pode preparar para uma vida universitária, mas a Universidade, nem sempre, prepara para uma vida de trabalho. Num universo em que alunos ricos e pobres frequentam o ensino universitário, a vida pós-universitária difere drasticamente. O rico, dados o seu rendimento (académico) consegue facilmente emprego numa grande empresa – preferencialmente a empresa do papá –, enquanto que o pobre, por ter um rendimento menor tem de se contentar em tirar bicas. Apesar de tudo, mais facilmente apertava a mão ao segundo que só não foi mais longe porque não o deixaram, enquanto que o primeiro, se calhar, foi longe demais. 152 QUANTAS VEZES? Quantas vezes é que, na estação de Metro do Marquês de Pombal, na Linha Azul, é proferido o seguinte aviso: “Atenção ao intervalo entre o cais e o comboio”? Antes de responder a esta questão, importa analisar o aviso e as circunstâncias em que o mesmo é dito. Em primeiro lugar, a distância que vai do cais ao comboio nesta estação é igual a todas as outras. Não andei a medir, mas quer me parecer que a necessidade de um aviso de segurança só seria justificável se estivéssemos a falar de diferenças verificáveis a olho nu. Milímetros, parafraseando o outro, são pintelhos. Temos depois a questão das circunstâncias. O aviso é dito apenas numa estação e, dentro dessa estação, apenas na Linha Azul. Se não é possível identificar as razões por detrás disto, é possível apontar as consequências. Por norma, o aviso deveria ser feito em todas as situações – neste caso, em todas as estações – ou, em alternativa, na presença duma série de critérios, facilmente observáveis, que o justifiquem. A exclusividade deve ser, por isso, apenas aplicada quando há uma distinção inequívoca entre o caso ou casos em questão e todos os demais. Implantar uma diferença ou sugerir uma cautela numa estação, numa linha, em detrimento de todas as outras, é influenciar as pessoas a que só tomem cuidado naquele caso em especial e se desleixem nos restantes. Ainda por cima estamos a falar duma distância que para cair lá para dentro é preciso ser-se subnutrido ou, mais magro ainda, uma top-model. Pessoas normais não caem ali. Podem tropeçar, mas tropeçam mais vezes devido aos empurrões nas entradas e 153 saidas do que àquele espacinho entre o cais e o comboio. A solução? Dar o aviso em todas as estações e em todas as linhas. Ou não avisar em nenhuma e colocar autocolantes nas portas. O aviso para não forçar as portas é accionado pelo condutor da composição apenas quando este decide. Na maioria das vezes, o autocolante é aviso suficiente. Na estação do Marquês de Pombal, como se não bastasse avisar uma vez, avisam quatro, cinco e seis. O metro já vai na Pontinha e ainda estão avisar os passageiros que saíram e entraram no Marquês de Pombal para terem cuidado. A resposta à pergunta inicial, “Quantas vezes é que, na estação de Metro do Marquês de Pombal, na Linha Azul, é proferido o seguinte aviso: “Atenção ao intervalo entre o cais e o comboio”?” só pode ser, portanto: DEMASIADAS. 154 UMA (ENGRAÇADA) IDA ÀS FINANÇAS Gosto de ir às Finanças. Muita gente detesta ter de ir às Finanças, mas eu não. Eu gosto mesmo de ir lá. E gosto particularmente quando tenho de ir lá sem razão. Há alturas em que preciso ir lá, há outras em que vou lá só para dar um “olá” e depois vou à minha vida. Mas as alturas que eu gosto mesmo mesmo de ir é quando não deveria ter de ir. Nomeadamente, quando recebo a cartinha em casa com uma coima choruda para pagar. Já tenho recebido dessas cartinhas em casa – quem não recebeu? – e é com um grande sorriso que vou à Repartição mais próxima efectuar o pagamento. Poderia ir a um Multibanco, ou pagar via Internet, mas o estar à espera para dizer que se quer fazer o pagamento e depois esperar novamente para pagar de facto é outra alegria. Principalmente quando sou atendido por alguém carrancudo. Acredito que a minha boa-disposição ao sair dali terá contribuído para melhorar o estado de espírito de quem me atendeu. Sempre que recebo uma cartinha das Finanças em casa sou logo tomado duma grande ansiedade. A maior parte das vezes são cobranças justificadas – tipo não assinalar a alínea c) do número 17 do impresso 24, que refere o desejo de não ser cobrado indevidamente – e, por isso, sem surpresa. De vez em quando, a surpresa surge e sou intimado a pagar dívidas contraídas por pessoas com nomes parecidos ou iguais aos meus. Já vos aconteceu isto? É tão bom, não é? Ao menos não nos trocaram o nome todo, foi só uma parte. A bem da verdade, confesso que tal situação nunca me aconteceu. Com grande pena 155 minha. Só me leva a crer que a minha combinação de nomes e apelidos encontra poucos exemplares no nosso país. Imagino que seja uma situação povoada de momentos de grande comicidade. O senhor Arlindo Batata recebe uma notificação das Finanças para efectuar o pagamento duma coima de 300 euros. No dia seguinte outra notificação, desta vez relativa a uma coima de 413 euros. E por aí fora. Ao fim de cinco dias consecutivos de coimas, o senhor Arlindo Batata começa a achar que aquilo não é normal e resolve ir às Finanças. O senhor Batata vai para lá logo de manhã e, após esperar três horas na fila errada, lá tira a senha certa e consegue ser a terceira pessoa a ser atendida depois de almoço. O simpático funcionário limita-se a dizer que ali não podem fazer nada, apenas cobrar. Se o senhor Arlindo não pagar a dívida, o seu ordenado será penhorado. O senhor Arlindo Batata esclarece que as notificações foram enviadas para o contribuinte errado, um tal Arlindo Batata-Doce, mas esse esclarecimento cai em saco roto. Ou paga ou fica sem ordenado. O senhor Arlindo Batata decide então perguntar se as Finanças lhe irão providenciar trabalho, na medida em que ele está desempregado e não dispõe de ordenado para ser penhorado. As Finanças riem-se. 156 SERVIÇO PÚBLICO COMPENSATÓRIO A segunda semana deste mês de Janeiro começa com a notícia de indemnizações compensatórias no valor de 127 milhões de euros para as empresas CP, Metropolitano de Lisboa e Refer por serviços públicos prestados em 2011. Chama-me à atenção a palavra “compensatória”, sinónimo de retribuição, de equidade, de justiça. Estas empresas, além de cobrarem ao cidadão pelo serviço público que prestam, são indemnizadas pelo Estado como se esse serviço, esse, tantas vezes, mau serviço devesse ser desculpado em vez de punido. Leio esta notícia e vem-me à ideia a história fictícia, real em muitas casas, do marido que passa a vida a agredir a mulher e esta, em vez de se defender, defende-o, porque é ele que traz o dinheiro. O caso das empresas públicas de transporte é diferente. O Estado autoriza-as a operar em território nacional, autoriza-as a cobrar o valor que considerem adequado ao serviço que prestam. Mas isto, pelos vistos, não basta. É preciso ajudar mais e mais e mais. O problema é que o Estado são os utentes e os não utentes. Segundo dados da própria empresa, dados rigorosos portanto, o Metropolitano de Lisboa perdeu 11,5 milhões de euros em 2009 em passageiros que viajaram sem utilizar bilhete. Fazendo as contas aos 0,90 cêntimos que um bilhete custava então, ficamos com um número equiparado à população residente em Portugal continental. Será que é por estes passageiros ilegais que o Estado indemniza estas empresas? Interrogo-me como é que este cálculo é feito. Como é que se distingue o passageiro 157 autorizado do não autorizado sem ser pela fiscalização? E se o fiscal o identifica, porque não lhe cobra o dinheiro em falta? Será que os identificam só para as estatísticas e depois os mandam embora, sabendo que depois podem cobrar ao Estado com juros? Quem espera pelo comboio nas plataformas, há-de reparar que o senhor que anuncia a chegada do comboio refere-se às pessoas na estação como passageiros. Ora, o cidadão só passa a passageiro quando entra na carruagem; até lá é apenas utente. Ou talvez não. Quando o Estado decide indemnizar estas empresas pelo serviço público que prestam, podemos dizer que passageiros são todos, até mesmo aqueles para quem o comboio é algo que já passou. 158 “VOLTO JÁ” Há alguns milhares de anos, biliões para as pessoas sensatas, Deus criou o Universo e a Terra e todos os seres vivos em menos de uma semana. Hoje em dia, os seus fiéis andam às voltas por não haver dinheiro para manter as portas abertas. O fecho das igrejas durante a semana é o tipo de notícia que leva a população a um tipo de insurreição esperada, embora lamentável em pleno século XXI. Não me surpreende, apesar de tudo, que este Estado dito laico aceite obedecer à voz do povo que pede ajuda para esta instituição. Ignorando que esta instituição supostamente representa uma entidade que criou tudo e mais alguma, uma entidade omnisciente, omnipresente e omnipotente, consideremos apenas a parte terrena da matéria. A Igreja Católica é rica. Podre de rica. E não é em sonhos e coisas bonitas, é em ouro e outros materiais preciosos. Os portugueses que em casa passam fome, na rua pedem dinheiro, não para comprarem comida, mas para terem as igrejas abertas para irem lá rezar por dias melhores. O respeito pela fé alheia não me impede de atestar a idiotice de certas mentalidades. O patrão das igrejas, o senhor Papa, vive num palácio, tem uma cidade particular, desloca-se num carro construído apenas para ele, veste roupas de seda debruadas a ouro, sapatos italianos feitos em exclusivo para sua santidade e um ceptro cravado de jóias. Este tipo tem o desplante de pedir aos seus fiéis que não abracem as riquezas materiais e o Estado é que tem dar dinheiro para ele manter as portas abertas? Quando um negócio não vai bem, há que fechar lojas ou, então, procurar novas estratégias, novos públicos. Abrir as portas 159 somente quando há missas para realizar não é uma situação que justifique indignação. Católicos, tentem isto ver como um “volto já” prolongado. Um Centro de Saúde ou um hospital encerrado justificaria uma postura mais interventiva da população. Saírem para a rua pelo seu direito a cuidados de saúde, seria um gesto de inteligência cívica. Não é preciso perder-se muito tempo com isto. Para se ser operado, é preciso um hospital; para rezar, pode-se rezar em casa. A crise afecta a todos, a alguns porque não têm como evitar, a outros porque deixam. Como ateu desempregado, não quero que o Estado use o meu dinheiro para ajudar os representantes da salvação eterna, quero que me ajude aqui e agora. Fazia-me mais jeito. 160 CHAMEM A POLÍCIA O que fazer quando somos vítimas de um roubo? Para o cidadão comum, a resposta mais óbvia e legalmente exequível é: chamar a polícia. Esta hipótese só não se coloca quando o roubo tem a designação de taxa ou imposto. Mas, o que fazer quando, em vez de cidadãos comuns, os meliantes atacam a própria polícia? A quem é que a polícia pede auxílio? Os soldados do posto da GNR de Quarteira estão às voltas com o desaparecimento do cofre onde é guardado o dinheiro recolhido das multas. Perto de 1500€ sumiram sem deixar rasto. O meu conselho seria chamarem a polícia, mas talvez não seja grande ideia. O tenente-coronel Sequeira, porta-voz do Comando da GNR de Faro anunciou o início da realização de “diligências internas para tentar apurar o que aconteceu.” Aprecio a honestidade do tenente-coronel Sequeira. Não se compromete com um resultado concreto, apenas promete tentar. Se falhar, não o poderemos criticar; quanto muito, podemos dizer “Devias ter tentado um pouco mais.” As diligências internas são como uma espécie de inquérito, esse jargão mítico das declarações sem conteúdo. Na prática, dizer que se vão realizar “diligências internas para tentar apurar o que aconteceu” é o mesmo que dizer “Vamos perguntar ao pessoal da esquadra se viu alguma coisa. Se alguém disser que sim, óptimo; senão, depois logo se vê.” Piadas à parte, o tenente-coronel Sequeira possui uma qualidade que eu aprecio bastante num representante da autoridade: a ponderação. Não estou a brincar agora. O tenentecoronel Sequeira é um homem ponderado, um homem que 161 analisa a situação de forma rigorosa antes de proferir a sua opinião. No caso em concreto, um cofre desapareceu do posto da GNR. Para mim, que sou um cidadão comum, parece-me um roubo; para o tenente-coronel Sequeira pode não ter sido, pode ter sido qualquer outra coisa, não necessariamente um crime. “Estamos a tentar perceber se houve comportamento criminal,” disse o próprio e com razão. O desaparecimento do cofre pode não ter sido roubo, assalto, furto, levamento, gatunagem, pilhagem, saque ou pilharia: pode ter sido um truque de magia. Pode ter sido levado por extraterrestres. Pode ter sido uma brincadeira parva. Pode ter sido muita coisa. Considerando que se trata de um roubo, eu inclino-me a dizer que foi um roubo que aconteceu, mas talvez eu seja uma pessoa de perspectivas limitadas. 162 A MODERNIDADE DOS NOVOS PECADOS Eu sou alguém que acha que a Igreja Católica é uma instituição parada no tempo. Todavia, sou também alguém capaz de assumir um erro quando tal é necessário. Aqui há tempos li um artigo que dava conta duma tentativa de adaptação da Igreja Católica aos costumes do século XXI. É refrescante ver que, apesar de manter certas tradições, os responsáveis da Igreja Católica não fecham a porta a alguma inovação. Entre as várias medidas anunciadas está a renovação do catálogo de pecados do Vaticano. E é aqui que as coisas se complicam. Se é verdade que a expressão "catálogo" invoca uma certa imagem comercial e, como tal, moderna, também é verdade que alguns dos novos pecados são uma contradição em si mesmos. O que, agora que penso nisso, não é isso tão contraditório com muito do que a Igreja Católica tem feito ao longo dos séculos. Do novo catálogo de pecados fazem parte: Os atentados contra o ambiente. É de louvar tentarem ajudar o meio ambiente mas, por favor, não acendam velas à Nossa Senhora para reparar a camada de ozono. O consumo abusivo de drogas. Eu não vejo isto como um não firme ao uso de drogas, vejo mais como um "usem, mas não abusem". Podem pecar, mas só um bocadinho. As experiências com células estaminais. Retirar uma parte de um outro ser humano para criar outro é errado. Lembrem-se do Adão. A fecundação medicamente assistida. Esta concordo 163 plenamente. Se estiver a fecundar não quero ter nenhum médico a assistir. Há alturas em que aprecio a assistência dum médico: esta não é uma delas. Comportamentos que contribuam para aumentar o fosso entre ricos e pobres. Exemplo desse comportamento: ser dono duma cidade, ter um ceptro de ouro cheio de pedras preciosas e roupa de sede debruada a ouro e pedir aos fiéis pobres que não abracem os bens materiais. Passar demasiado tempo a ler jornais, ver televisão ou a navegar na Internet. Por outras palavras, é pecado estar sem fazer nada quando se pode estar a rezar. Por tudo isto, penso que é seguro dizer: bem vindos ao século XX! 164 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS Demorei, mas consegui finalmente perceber o que une e diferencia Pedro Passos Coelho de António José Seguro. O primeiro é Secretário-Geral do Governo Alemão, o segundo é o senhor que não diz nem não nem sim com uma violência que assusta. Mas isto já eu sabia. A minha descoberta, se assim se pode dizer, vai um pouco mais longe e tem que ver com o local onde o líder da oposição, o senhor Seguro, lança as suas farpas ao líder do Governo, o senhor Merkel, perdão, Coelho. Tal como Passos Coelho, António José Seguro escolhe fazer muitas das suas declarações durante almoços de convívio. As semelhanças acabam aqui. Na verdade, muitos políticos (e não só) escolhem fazer declarações durante almoços de convívio. Almoços ou jantares. Entenda-se aqui qualquer encontro que envolva vinho. Eu não faço ideia se Seguro bebe vinho ou qualquer outro bebida alcoólica, mas eu já estive em muito almoço e muito jantar de convívio e sei como é que as coisas se proporcionam. Recordo que, no tempo em que era um simples aspirante a líder da oposição, Passos Coelho aconselhou o regresso ao nuclear. Achar que em Portugal, cuja justiça atribuiu a queda da Ponte Hintze Ribeiro a causas naturais e não a má manutenção, há condições de ter uma central nuclear foi uma ideia idiota. A diferença é que Passos disse isto num almoço e no almoço seguinte, mesmo que não tenha repetido a ideia, pelo menos não a contradisse. Seguro, ao contrário do que o nome indica, não demonstra essa segurança. Ou melhor, tenta demonstrar diferentes tipos de segurança conforme a zona onde está. Se está 165 num almoço em Baião, a sua posição é sim; se está num jantar na Lousada, a sua posição é não. Estas mudanças de posição consoante o eleitorado com que se está não são nada de novo. Faz parte de ser político dizer e ser aquilo que o eleitorado quer. O problema é quando se tenta iludir as pessoas com isso. Eu acredito na liberdade de escolha, mas também acredito que há matérias cuja decisão não pode ser submetida a vontade popular. O caso da redução do número de freguesias é o grande exemplo disso. Todos concordam que tem de ser feito. Desde que não seja no seu concelho. Como líder (vá lá) da oposição, Seguro cumpre bem o seu papel de instigar a insurreição dos principais interessados em que as coisas fiquem exactamente como estão: os autarcas e os bairristas. Se perguntarmos a um presidente se está disposto a abandonar o cargo e a perder todas as regalias que tem, a resposta óbvia é "Não, porque isso coloca em causa a representatividade democrática." O argumento da representatividade democrática é recorrente e foi utilizado, recordo, por todos os partidos com assento parlamentar da última vez que se discutiu a redução do número de deputados. Todos concordavam que era necessário reduzir e/ou cortar com gastos supérfluos... nos outros partidos; fazer isso no seu partido poderia pôr em causa a representatividade democrática. Já disse e afirmo que, apesar de gostar muito da minha terra, entendo que certos tempos obrigam a certas medidas. Posso discordar, mas percebo que seja um mal necessário por decisões mal tomadas anteriormente. Lamento as circunstâncias que forçam certas posições, mas lamento mais ainda que essas posições sejam manipuladas para fins políticos. Eu acho que o que importa mais às pessoas é o nome da sua freguesia. Na prática, a junção de duas ou mais freguesias não acaba com o nome de nenhuma delas. Deixam de ser freguesias, passam a ser bairros. Quem vive lá sabe onde começa o seu bairro, a sua freguesia, e onde acaba. 166 Voltando ao Lord Abstenção Violentíssima e ao Marquês do Funaná, estes dois homens estão apenas separados pela posição que ocupam. O que Seguro é na oposição, a dizer uma coisa e o seu contrário, não é muito diferente daquilo que Passos era. A diferença, como já disse, era que Passos conseguia ser mais discreto e não se contradizer no próprio dia. Um político não diz aquilo que as pessoas precisam de ouvir, diz aquilo que as pessoas querem ouvir e isso obriga-os, por vezes, a darem ouvidos ao que elas dizem. Passos Coelho pode ter errado ao confiar na capacidade dos portugueses em gerir energia nuclear, mas Seguro também não está muito bem ao deixar que a decisão de "sim" ou "não" seja tomada por aqueles para quem o "sim" é a única resposta possível. Termino com uma ressalva. Considerando todos os aspectos bons e maus da junção de freguesias, há um bom que me salta à vista e que é a oportunidade que algumas pessoas têm de dar um nome diferente ao sítio onde vivem. Pensem nisso, habitantes de Angeja, Eucísia, Gebelim, Soeima, Anelhe, Palaçoulo, Duas Igrejas, Genísio, Guisande, Sanjurge, Gançaria, Tó, Trouxemil, Caveira, Carapelhos, Cuide de Vila Verde, Porto da Carne, Ramela, Irivo, Fojo Lobal e Urra, entre muitos outros. E quem achar que eu estou a troçar destas freguesias e dos seus habitantes, informo que sou residente na freguesia da Baixa da Banheira, concelho da Moita. Estou pronto para as vossas piadas. 167 AO LADO DO POVO Aqueles que achavam que Cavaco Silva não possuía legitimidade para representar a maioria dos portugueses devem estar agora à procura dum novo candidato ao cargo de representante sem legitimidade. Muito se tem falado das declarações de Cavaco Silva quanto às suas reformas e dos esclarecimentos relativos a essas mesmas reformas. (Acredito que alguém possa ter utilizado como desculpa qualquer coisa como "O que senhor Presidente da República quis dizer foi que se ainda estivesse vivo daqui a dez anos, a sua reforma de hoje não iria chegar para essas despesas".) O que ainda pouco ou nada se falou foi na verdade nas palavras de Cavaco Silva. Há razões para questionar a legitimidade de Cavaco Silva em se proclamar Provedor do Povo e depois dizer que cerca de dez mil euros por mês não lhe dão para as despesas? Não, não há. Nem sequer há falta de coerência entre uma posição e outra conforme passarei a demonstrar com três simples, mas bem fundamentados, exemplos. Segundo a lógica eleitoral, Cavaco Silva foi eleito pela maioria dos portugueses e a maioria dos portugueses, como todos sabemos, está insatisfeita com o seu vencimento, seja ele salário, pensão ou reforma. Ao dizer que a sua reforma não chega para as despesas, Cavaco Silva está apenas a colocar-se ao lado daqueles que representa. Mas há mais. Cavaco Silva não sabe comer de boca fechada. Consta que Paula Bobone terá dito uma vez que a maioria dos portugueses não se sabe comportar à mesa. Exemplo de mau comportamento à mesa: comer de boca aberta. Mais uma vez, Cavaco Silva está do lado daqueles que o elegeram. 168 Para terminar, ninguém pode negar que Cavaco Silva é uma pessoa segura do que diz. Nunca se engana e raramente tem dúvidas. É alguém que insiste no erro, apesar de nunca o admitir. Exactamente como faz um burro teimoso ou, se me permitem, como fizeram aqueles que o reelegeram. Por tudo isto, Cavaco Silva tem toda a legitimidade para nos continuar a representar. Infelizmente. 169 "SEMPRE EM FRENTE" Olá. Anda a acontecer tanta coisa no nosso país e no mundo que eu não podia continuar sem manifestar a minha opinião. Houve quem viesse ter comigo e me perguntasse o que é eu achava disto ou daquilo. E eu, muito prontamente, respondi: detesto que me peçam orientações. Ficaram a olhar para mim sem perceber do que é que eu estava a falar. Eu ignorei-os e continuei na minha. Detesto que me peçam orientações. (Sim, é a mesma frase de há pouco.) Se for em sentido figurado, tipo conselho, não tenho problema nenhum em dar. Desde que saiba, claro. O que me irrita é ter que dar orientações geográficas. Não é por não querer ajudar, é porque as pessoas nunca ficam contentes, genuinamente contentes, a não ser que se termine a explicação duma certa maneira. A pessoa que estava comigo acabou de sair. Ainda bem. De certeza que já vos aconteceu irem na rua, descansadinhos da vida, e, de repente, alguém parar o carro ou aproximar-se de vocês e perguntar como é que se vai para determinado sítio. Nunca vos aconteceu? Pois... Se calhar com outro penteado... Mas imaginem que acontece. Imaginem que alguém se aproxima de vocês e vos pergunta como que se vai para a Rua das Petingas ao Sol e que vocês sabem o caminho do sítio onde estão até à Rua das Petingas ao Sol. Só que vocês não se limitam a saber UM caminho, vocês sabem o melhor caminho de todos, o mais rápido, o mais agradável. E explicam; até usam gestos e slides e tudo o mais. Quando terminam, reparam que a pessoa que vos pediu orientação está a olhar para vocês com uma expressão de desprezo, como se vocês não a tivessem ajudado em nada. Pelo 170 contrário. É o tipo de expressão que se lança a alguém que nos chacinou a família. Nem vale a pena pensar num "obrigado". Muita gente não sabe disto, provavelmente porque nunca esteve numa situação destas, mas existe uma maneira muito simples de indicar o caminho a qualquer pessoa sem que essa pessoa fique mal encarada: sempre em frente. Experimentem. "Vira na primeira à direita, depois na segunda à esquerda, atravessa a estrada e entra numa rua transversal. Corta outra vez à direita e na terceira à esquerda. Anda dois quarteirões até ver um terreno de terra batida. Vira logo na primeira à direita e, depois, é sempre em frente." Tivesse este exemplo de orientação terminado com "Depois é logo na primeira à direita." e seriam ignorados e repudiados. O "sempre em frente." faz de vocês uns bons cidadãos, amigos de ajudar. O necessitado agradece e vai à sua vida. Não importa o que ele tenha de andar para chegar até onde precisa. As palavras "sempre em frente" dão-lhe alento e convencem-no que é possível. No fundo, é o que todos nós queremos: que nos indiquem o caminho. Mas, acima de tudo, queremos que não se limitem a dizer o que é preciso para chegar lá. Queremos que o façam de forma a que nos sintamos motivados a trilhá-lo. Terminem com um "sempre em frente". Se não vamos repudiar-vos. Ainda mais. 171 UM GOVERNO DE POUCOS AMIGOS Ao fim de sete meses de mandato é tempo de comparar o desempenho do Governo de Passos Coelho com os dois Governos de José Sócrates. Os números levantados, para o bem e para o mal, revelam verdades incómodas para o Governo PSD/CDS-PP. De acordo com o Diário da República, durante o período em questão, o executivo PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, nomeou 1110 pessoas para funções no sector público. Menos 568 pessoas do que no primeiro Governo de José Sócrates e menos 667 do que no segundo. Há uma clara diferença entre o que o Governo afirma e o que os outros dizem. Em primeiro lugar, quem faz uma afirmação aparenta possuir mais fundamento do que quem se limita a dizer. Habitualmente, essa diferença é para menos: o Governo gasta menos dinheiro que, o Governo faz menos pior que; no caso das nomeações sucede o oposto: o Diário da República diz que o Governo nomeou 1110 funcionários, o Governo afirma que que foram 1682. De onde aparecem estes 572 funcionários de diferença não se sabe ao certo. Dá ideia que o Governo foi para a rua e começou a nomear os primeiros que apareceram. À primeira vista, e estando nós em ambiente de austeridade, contenção, rigor, etc., esta deveria ser uma boa notícia. O Governo está a contratar menos, logo está a poupar mais. Por associação de ideias, quase que se pode propor a seguinte teoria: se o Governo tem menos a quem pagar, então poderá pagar mais a quem trabalha. Um leigo tenderia a ver esta questão considerando apenas os seus aspectos (aparentemente) positivos. 172 Todavia, este desempenho do Governo de Passos Coelho não se trata de nenhum melhoramento, antes pelo contrário. Passos Coelho nomeou menos 33,8% do que Sócrates. Quer isto dizer que Sócrates tinha mais amigos por onde escolher do que tem Passos Coelho. E recordando o feitio de Sócrates, isto diz muito do actual Primeiro-Ministro. O que se tenta passar para a comunicação social como um esforço de contenção é, na verdade, um sinal inequívoco de que Passos Coelho tem poucos amigos. 173 MELHORES VIDAS Foram notícia recente, pelas piores razões, um casal de irmãos que, incapazes de suportar mais as condições em que viviam, resolveu cometer suicídio atirando-se para a frente do comboio na estação de Paço de Arcos. Na semana que passou, este acto trágico gerou muitos comentários nas redes sociais e uma reacção imediata, embora previsível, da parte do Governo, que avançou com um plano de combate ao suicídio. Fernando Leal da Costa, secretário de Estado Adjunto e da Saúde, referiu que o suicidio é “um problema de saúde pública” e uma “realidade crescente” em Portugal que necessita de medidas prioritárias para o combater. Dito desta forma quase que dá ideia que esta história do suicídio é uma coisa recente. Quase que parece que as pessoas estão a viver no Paraíso e o suicídio é a única forma que lhes resta de trazer algum entusiasmo às suas vidas. É expectável, em alturas de crise, que ocorra um aumento exponencial de mortes por suicídio. O problema é que Portugal nunca esteve em outra situação que não fosse de crise ou de “temos de fazer só mais este esforço, só mais este sacrifício, para não entrarmos em crise”. O suicídio faz parte das nossas vidas, não porque assim o desejamos, mas porque o modo como temos sido, primeiro regidos, depois governados, assim o tem ditado. Tendo tudo isto em conta, há, contudo, uma questão para a qual não consigo encontrar resposta. Esta notícia da morte dos dois irmãos, esta notícia que tanto comentário recebeu esta semana no Facebook e que parece estar na primeira linha das razões mediáticas para avançar com uma série de medidas, data 174 de Setembro do ano passado. Por isso eu faço a pergunta: terá sido esta notícia a motivar este “plano de combate ao suicídio” ou servirá apenas de pretexto para dar trabalho, entenda-se dinheiro, guito, graveto, a mais um grupo de estudo? Não me entendam mal, se for para ajudar quem precisa, óptimo. O problema é: ajudar em quê? Há pessoas que não têm dinheiro, não têm família, não têm nada nas suas vidas que as convença a continuar. E pretende-se gastar dinheiro para convencer essas pessoas que continuar aqui é melhor? Mais parece a história do Dr. Kavorkian contada ao contrário. Há um gostinho especial em prolongar o sofrimento de quem vive na miséria, não tanto em acabar com ele. Eu não sou apologista do suicídio, mas oponho-me com veemência a moralidades falsas. Por muito nobre que seja a ideia de salvar vidas, ela parte de quem tem responsabilidade pelo estado a que as coisas chegaram. Estes e os outros antes e os outros e os outros. Não interessa onde começou, interessa é resolver. Existirão outras soluções que não esta, espero. Talvez quem parte para outro mundo o faça, não para sair de um sítio mau, mas talvez para ir para um sítio melhor. Recordo-me da primeira história que li sobre mundos paralelos, era ainda criança. Cada mundo, igualzinho ao nosso, excepto num pormenor. As variações eram infinitas e o infinito é matéria que dá pano para mangas. Num universo assim, cheio de possibilidades sem fim, haverá Portugais bem piores que este, Portugais que farão este parecer o Paraíso que os nossos governantes julgam que é. E para eles é mesmo. Mas nesse tal Universo de mundos infinitos, de possibilidades mil, haverão também Portugais melhores, ou um Portugal melhor, pelo menos um, em que nada disto acontece. 175 O ÚLTIMO ÍDOLO A tensão crescia na assistência à medida que se aproximava a hora em que se iniciaria o grande evento. O estádio estava cheio, quase que arrebentava pelas costuras, e as “ondas” propagavamse como pequenos tsunamis. No relvado, ao centro do estádio, estava um pequeno palco com dez metros quadrados. O palco, por enquanto, estava vazio. Duas adolescentes, entre tantas outras, estavam ali pela primeira vez e tudo aquilo lhes parecia maravilhoso. Tão maravilhoso como fazer amor ou fumar um charro. Se calhar até mais. Afinal de contas, fazer amor e fumar charros eram coisas corriqueiras, não momentos especiais que mereciam ser apreciados de forma solene, como aquele que ela e a amiga estavam a viver. Na verdade, elas não eram amigas; nem sequer se conheciam, mas naquele lugar, naquele momento, todos se conheciam. Todos eram amigos. Um grupo de técnicos entrou em campo transportando consigo várias peças de equipamento e caminhou até ao palco. A presença dos técnicos aumentou a euforia do público que gritou e assobiou como se os técnicos fossem os artistas principais. Sem dúvida que o seu desempenho profissional era digno de louvor, embora não de forma tão calorosa. Poder-se-ia imaginar que tipo de recepção estava reservada para o astro da noite. Os técnicos cumpriram o seu trabalho, abandonaram o palco e regressaram aos bastidores. A música voltou a tocar. Ou melhor, o público calou-se e voltou a reparar que havia música a tocar e todos voltaram a cantar. Quando a canção terminou, ouviu-se um feedback e o silêncio tomou conta do estádio. As luzes ficaram a meia força e 176 uma voz grave e solene anunciou o momento por que todos esperavam. “Senhoras e senhores, estreantes e repetentes, pedimos que desliguem todo e qualquer aparelho electrónico que tragam convosco. À excepção de pacemakers, bypasses e afins. Obrigado.” Todos na assistência procederam a fazer conforme indicado. A voz continuou. “É com grande prazer que anuncio o grande... Hermínio Mateus! A voz calou-se. As luzes no campo diminuíram mais um pouco de intensidade e apenas nas bancadas se conseguia ver algo. Então, as luzes à volta do pequeno palco acenderam-se e a multidão pôs-se de pé para aplaudir o homem que estava agora em campo, segurando um microfone. Hermínio Mateus era um homem idoso, com mais de setenta anos, de óculos grossos, elegantemente vestido e com ar severo. Sem oferecer sorrisos à multidão, o homem ajeitou os óculos e disse, “Vamos começar.” A multidão acalmou os ânimos e seguiu-se um breve instante em que todos pegaram nos seus cadernos e nas suas várias canetas para tomar nota da lição. Hermínio Mateus ditou o sumário e todos escreveram numa caligrafia o mais cuidada que conseguiam, sem correr o risco de deixar passar nada. Há muitos anos atrás, há três ou mais gerações, as turmas tinham apenas cem alunos. Hoje em dia, o único espaço suficientemente grande para albergar uma turma comum de vinte mil alunos era um estádio. O número de professores também diminuíra drasticamente. Em teoria, estavam três no activo; na prática, era só um pois os outros estavam de baixa há uma série de anos. Por isso é que eram sempre precisas várias canetas. Não se podiam arriscar a que uma delas falhasse. Afinal de contas, aquele era o último professor português e era importante não perder nada da matéria. 177 DOCES 50% Mais uma vez o país viveu momentos de grande tensão e conflito e eu, como de costume, não participei de maneira alguma. Em 1385 foi a Batalha de Aljubarrota, na qual não participei porque já tinha coisas combinadas. Nos anos 60 e 70 do século XX foi a Guerra Colonial (ou do Ultramar, conforme a perspectiva), na qual também não participei porque não tinha o passaporte em dia. Na passada terça-feira, dia 1 de Maio, foi a Guerra dos Descontos no Pingo Doce e eu, de novo, para minha vergonha, fiquei em casa. A fazer sabem o quê? A ver séries. Lamentável. Se pudesse até cuspia em mim. Quer dizer, não é bem se pudesse, é mais se quisesse. Repudio-me pelos meus actos, mas não cheguemos a extremos. Eu fiquei em casa porque, para dizer a verdade, não sabia que iria haver guerra nesse dia. Todavia, mesmo que soubesse do que iria acontecer, tenho algumas dúvidas de que participaria. Não se pode dizer que seja falta de coragem, porque eu já estive em Arronches, mas sim por falta de insensatez. Dinheiro, não posso dizer que tenha muito, mas também não me posso queixar. Por enquanto. O que me falta mais é mesmo insensatez. Eu, como pessoa sensata, pensei ‘São nove da manhã. Será que devia ir para o Pingo Doce mais próximo e ficar lá até às onze da noite para trazer um carrinho cheio de produtos que eu não vou ter tempo de consumir e que se vão deteriorar? Não. Vou antes ver o Finder.’ Há dias que deixam uma marca tão forte que, mesmo passados muitos anos, as pessoas conseguem lembrar-se onde estavam e o que faziam. Este 1 de Maio de 2012 será um desses dias. Uma boa percentagem estava no Pingo Doce, outra menor estava em casa ou a passear, e outra ainda menor estava a 178 participar nas manifestações contra o Governo organizadas pela CGTP e pela UGT. Com todo o respeito pelos movimentos sindicais, teriam tido mais adesão se uma parte dos seus associados não estivesse às compras no Pingo Doce e a outra parte a repôr prateleiras e a passar códigos de barras. Acrescente-se ainda que ambas as manifestações, apesar de realizadas em locais distintos e com lemas próprios, contaram com uma grande participação de jovens que reinvidicavam “trabalho com condições”. Sim senhor, mas para todos, não apenas para os jovens. O problema é que as condições de emprego dependem da educação e da formação que se tem. O tipo de formação que ensina uma pessoa a não gastar aquilo que não tem. Ou a não começar uma batalha campal porque alguém só com um pacote de leite tenta passar-lhe à frente na fila. Notas finais. Primeiro, o Pingo Doce já se defendeu de aqueles que o acusaram de cometer dumping. O dumping, para quem não sabe, consiste em vender um produto abaixo do preço de custo. Esta é a definição. Outra definição possível é “uma medida que produz grandes vantagens económicas para o cliente.” Foi mais ou menos isto que disse um responsável da cadeia embora, no entender dele, isso não constitua dumping. O princípio é quase o mesmo, a prática também, o resultado idem, mas são coisas totalmente diferentes. Segundo, o Pingo Doce já anunciou que durante este ano irá realizar mais iniciativas do género. Não é possível dizer ao certo quantas. Tudo depende do Vaticano autorizar o Estado laico português a não assinalar dois feriados religiosos conforme foi acordado. Ou são menos quatro feriados que no ano passado, ou são menos dois. Acho que serão menos dois. 179 OPORTUNIDADES DESPERDIÇADAS Sentia-me algo desorientado. A minha vida andava sem rumo, sem propósito. Julgava que era por estar desempregado, por não estar a receber qualquer apoio do Estado, por o meu extracto bancário ter muitos débitos e poucos créditos... Afinal, aquilo que me faltava era algo muito simples. E talvez por ser simples é que eu ainda não me havia apercebido disso. Obrigado, senhor Primeiro-Ministro, por me esclarecer que o meu problema (e talvez o de muitos outros resmungões como ou piores que eu) é eu não me ter apercebido da maravilhosa oportunidade que tenho em mãos. E maravilhosa é uma palavra, não só adequada, como também nada irónica. Estar desempregado, ter que escolher entre pagar contas, comprar comida, e não ter dinheiro para nem uma coisa nem outra, é de facto uma oportunidade inestimável. Só faltou – peço desculpa por apontar uma falha na sua mensagem; tenho a certeza que foi a pressão desses abutres dos media que o distraiu momentaneamente – dizer como. Como aproveitar estas oportunidades que a crise nos trouxe? Antes de passar às minhas sugestões, uma breve nota. O senhor Primeiro-Ministro Passos Coelho diz que está farto de crises artificiais. Estou com ele. Onde andam as boas crises naturais? Ou mesmo as crises divinas? Estamos tão perto do fim do mundo e não se vê uma era glaciar, uma chuva de meteoritos, nada. É tudo artificial. Sem graça. Vejam lá isso. Vamos então às sugestões, numa pequena secção a que eu chamei: 180 SUGESTÕES PARA APROVEITAR BOAS OPORTUNIDADES Está desempregado, tem contas para pagar, mal tem dinheiro para uma refeição diária. Parece o fim do mundo, não parece? Nada mais errado! 1 – Possui o peso ideal? Isto é, a sua massa corporal é a mais adequada à sua altura? Existem vários sites na Internet (pode visitar um Espaço Net municipal ou uma Biblioteca pública para aceder a esse tipo de serviço) onde basta colocar o seu peso e a sua altura e a traquitana diz logo se estão equilibrados. Se estiverem, lamento dizer, está em forma e esta oportunidade não lhe servirá para nada. Se, por outro lado, tiver uns quilinhos a mais, não ter dinheiro para uma refeição diária pode ser a oportunidade que há tanto esperava de ser tão esbelto como as estrelas da televisão que vê nas montras das lojas de electrodomésticos. 2 – No seu último trabalho alguma vez trouxe uma caneta ou um lápis para casa? Tirou fotocópias pessoais no escritório? Serviu-se de clips sem os pagar? Se utilizou algum recurso da empresa, ainda que mínimo, para fins pessoais, parabéns! Já é um mini-criminoso! Só lhe falta aproveitar esta oportunidade que o destino lhe deu e tornar-se um grande criminoso! Roubou um clip? Roube um carro blindado. São ambos de metal, não é? Tirou fotocópias pessoais? Assalte um banco. Fotocópias, papel; banco, notas, papel: é tudo a mesma coisa. 3 – No seu escritório chamavam-lhe “a pega”? Era verdade isso ou era só fama sem proveito? Se era verdade não preciso de lhe dizer o que fazer, não é? Se era só fama sem proveito, o meu conselho é que passe a corresponder às baixas expectativas que têm de si. Pode optar por ser uma prostituta ou uma acompanhante de luxo, tudo depende de si. Existem algumas diferenças entre uma profissão e outra no que concerne ao auferimento e à partilha dos ganhos. Em qualquer dos casos, pode ficar descansada que não precisa de declarar nada ao Estado. 181 Uma última nota, para que não vos passe nenhuma oportunidade ao lado: qualquer uma destas três opções é válida para homens e para mulheres. Uma mulher pode assaltar um banco tão bem como qualquer homem, assim como um homem pode vender o seu corpo a troco de dinheiro. Por falar em vender o corpo, lembrei-me de outra. Não tem dinheiro e tem dois rins? Para quê? Quantas vezes por dia é que evacua? Um saquinho não lhe chegava? Enfim, oportunidades não faltam. Só temos é de as procurar. 182 O CASO MIGUEL RELVAS O Caso Miguel Relvas tem dado muito que falar. Bom, antes de começar a falar do Caso Miguel Relvas, se calhar é eu melhor especificar a que Caso Miguel Relvas eu me refiro. É que já começam a ser alguns e não quero que a interpretação deste artigo seja afectada por eu estar a opinar acerca de um determinado Caso Miguel Relvas e vocês acharem que eu estou a opinar sobre outro qualquer Caso Miguel Relvas. (A resposta à pergunta que grassa nas vossas mentes é: sim, eu escrevi sempre Caso Miguel Relvas sem fazer copiar+colar. Em resposta a outra possível pergunta a resposta é também: sim, é possível que o parágrafo anterior seja o parágrafo onde mais vezes se escreveu Caso Miguel Relvas.) O Caso Miguel Relvas que será analisado neste artigo tem a ver com um alegado telefonema que o ministro supra-citado (sempre quis usar esta; nota: riscar “supra-citado” da lista de palavras caras a usar) fez para a jornalista Maria José Oliveira Público, ameaçando ela e o jornal Público de boicote da parte do governo caso fossem publicadas certas notícias. Mais disse que, além do boicote, iria divulgar informações da vida privada dessa jornalista. Peço perdão, estava tão embalado que nem me apercebi dum pequeno erro que cometi no parágrafo anterior – pequeno, porém perigoso se não observado e rectificado. Façam favor de voltar um pouco atrás e onde se lê “alegado telefonema” deve ler-se “telefonema”; onde se lê “ameaçando ela (...) jornalista” deve lerse “afirmando veemente o seu desagrado em relação à eventual publicação de certas informações que, ao invés de enunciarem a verdade, apenas iriam evidenciar a fragilidade das fontes de 183 informação do dito jornal, cuja leitura constitui boa parte dos momentos de lazer do senhor ministro”. Ou, como alguns dizem que disse, “Não faça isso senão fico triste consigo.” Em suma, Miguel Relvas assumiu o telefonema, mas negou quaisquer ameaças ou pressões. Embora eu não possua quaisquer provas que corroborem ou desmintam tais informações, tudo me leva a crer que, a ser verdade que Miguel Relvas ameaçou a jornalista, essa ameaça nunca se irá concretizar. Porque é que eu digo isto? Pela simples razão de que uma ameaça mais não é do que uma promessa cujo cumprimento poderá acarretar consequências graves para a pessoa em causa. Miguel Relvas limitou-se a fazer uma promessa e sabendo nós como funcionam os políticos e as suas promessas, esta jornalista (ou qualquer jornalista que possa vir a sofrer ameaças da parte de Miguel Relvas ou de qualquer outro político) não terá muito com que se preocupar. (Apesar da sustentabilidade do argumento utilizado no parágrafo anterior, temo que este poderá constituir a tal excepção que confirma a regra e que as ameaças alegadamente proferidas possam ser, de facto, levadas a cabo.) A atitude do ministro Miguel Relvas – que tutela, relembro, a pasta da Comunicação Social – suscitou reações da parte de vários órgãos, entre os quais o Sindicato dos Jornalistas, que enviou para os presidentes da Comissão Parlamentar para a Ética e do Conselho Regulador da ERC uma lista de dez perguntas que pretendem ver respondidas pelo ministro. Eu li essas dez perguntas e analisei-as com a atenção que elas merecem e o primeiro comentário que se me oferece dizer é: não eram precisas tantas perguntas. O segundo comentário é que quer me parecer que estamos a interpretar esta questão de forma errada. Estamos a partir do pressuposto de que Miguel Relvas terá ameaçado a jornalista – afirmado com veemência, quero dizer –, no sentido de atemorizála, quando a sua intenção poderá ter sido exactamente a oposta. Miguel Relvas tutela a pasta da Comunicação Social, como já foi 184 aqui referido, e, como qualquer outro membro do Governo, não está imune a uma remodelação. Ora, é certo e sabido que a função maior de um ministro quando tutela determinada área é demonstrar as suas capacidades perante as várias empresas do sector, nomeadamente através da troca de favores. Essa é a abordagem mais comum: o governante favorece determinada empresa e em troca, quando sai do Governo, torna-se CEO dessa empresa. Miguel Relvas, ao invés de ir por este caminho do favoritismo, optou por uma via menos ortodoxa. Ao ameaçar a jornalista do Público de boicote por parte do Governo demonstrou que consegue proteger as suas fontes de informação quando assim o deseja. E ao ameaçar publicar dados da vida privada da jornalista mostra que possui um acesso invejável a fontes privilegiadas. Parece uma ameaça, mas é também uma boa forma de mostrar curriculum. (Além de que uma pressão ou alegação de pressão por parte de um governante a um jornal não costuma fazer mal às vendas. Bem pelo contrário.) 185 PORQUE SIM No dia 28 de Maio de 1926 um grupo de militares, liderados pelo General Gomes da Costa, descontentes com o regabofe que estava a ser a Primeira República, decide pôr as coisas na ordem e dá início a uma Ditadura Militar. (Ao que parece, qualquer regime em que não sejam os militares a mandar é uma rambóia, logo carece de mão firme.) Oitenta e seis anos depois, o Tribunal Fiscal do Porto declara a ilegalidade da cobrança do IMI por erro formal. Em que medida, perguntam vocês, estão estes dois acontecimentos relacionados? Respondo eu: provavelmente nenhuma, mas fica sempre bem mostrar que se sabe de História. (A minha professora de História que leccionou estas matérias da I República ao 25 de Abril tinha um problema na fala que era a emissão excessiva de perdigotos. Como estava na fila da frente, tinha de lhe prestar atenção para me conseguir desviar dos projécteis quando necessário; à força dessa atenção, acabei por reter alguma coisa.) O Caso do IMI andava no Tribunal Fiscal do Porto há já vários anos. Um contribuinte, igual a qualquer um de nós, recebeu uma nota de liquidação com determinado valor a pagar. Manda a prática que, quando chamados a pagar o que seja pelas Finanças, primeira paga-se, só depois contesta-se. Este contribuinte, vá-se lá saber porquê, resolveu fazer ao contrário. E não é que se safou? Segundo a apreciação do Tribunal Fiscal do Porto, a nota de liquidação estipula o valor, mas não explica como é que esse valor foi atingido. Por interpretação minha (sublinho que é por interpretação minha para não julgarem que percebo alguma coisa de fiscalidade), a contestação do valor apurado pelo Estado deve 186 ser feita nos mesmos moldes. Ou seja, o contribuinte tem de saber que critérios o Estado aplicou e aplicá-los também até chegar a um resultado conclusivo. Em matéria criminal, tanto quanto sei, a figura da jurisprudência não existe no nosso país. A jurisprudência é uma espécie de modelo de decisão que se aplica sempre que se está perante um caso igual ou semelhante a um caso anterior. Exemplo: marido mata mulher porque esta traiu-o com o patrão. A decisão sobre este caso constitui a jurisprudência; a partir daí, todos os casos de mulheres mortas por maridos por traírem-nos com o patrão são julgados da mesma forma. (Na verdade, a jurisprudência é bem mais complexa do que isto. Estou apenas a dar uma explicação o mais primária possível. Possivelmente incorrecta em mais do que um aspecto. Se for estudante de Direito, não tome este exemplo como uma definição a memorizar.) Voltando ao artigo, dizia eu que, em casos de natureza criminal, a jurisprudência não se aplica; contudo, em casos de natureza fiscal, como é este, a decisão tomada pelo Tribunal Fiscal do Porto pode colocar “em causa a cobrança de imposto de cerca de sete milhões de imóveis em Portugal porque as notas de liquidação são todas iguais”. Entretanto, esta semana, o Governo lançou um Programa de Apoio à Economia Local, ao qual podem recorrer aquelas autarquias em situação de desequilíbrio financeiro estrutural (sem dinheiro para mandar um cego). As autarquias que recorrerem a este fundo terão de cobrar o IMI à taxa máxima de 0,5% durante os próximos 20 anos. Veio mesmo em boa hora esta decisão do Tribunal Fiscal do Porto e é um tiro no pé do facilitismo do ensino em Portugal. A partir de agora, para se cobrar IMI, vai ser preciso explicar aos portugueses como é que se obteve aquele valor. Tendo em conta que os documentos fiscais apresentam-se com um tipo de linguagem apropriado a causar confusão ao ponto de levar o contribuinte a julgar que tem uma multa a pagar quando, na verdade, é o Estado que lhe está em falta (já tem acontecido), 187 quero ver como é que vão descalçar essa bota. Talvez haja alguém, por estas alturas, a praguejar “Maldita a hora em que não mandei imprimir os anexos explicativos da apuração do valor a liquidar.” Desconfio que não. Geralmente quem está no poder tem tendência para basear muitas das suas decisões no argumento “Porque sim.” “Estado, porque me cobras este valor de IMI?” “Porque sim.” O problema é que esse argumento perde força à medida que vamos tomando consciência das coisas. Quando éramos crianças era o argumento que os pais utilizavam sempre que eram alvo de constestação nossa em relação a qualquer indicação sua. “Come a sopa.” “Não gosto de nabiças.” “Já disse para comeres a sopa.” “Porquê?” “Porque sim.” Adultos informados, contribuintes inconformados, ou simplesmente portugueses, a verdade é que acaba sempre por chegar o momento em que, instados a proceder de determinada forma porque sim, nós respondemos: “Porque sim, o tanas!” 188 O GATO DE CRATO No início desta semana, no decorrer dos trabalhos realizados na Comissão de Educação, o ministro Nuno Crato disse não fazer “puto” de quantos professores contratados ficarão sem colocação no próximo ano lectivo; acrescentando que “é fatela a malta ‘tar a dizer que vão ser bués” quando, segundo o próprio, “vão ser só uma beca”. Bom, para ser honesto, embora pudesse tê-lo feito, Nuno Crato não manifestou o seu desconhecimento em relação a esta matéria exactamente desta forma. Na verdade, quando questionado quanto aos receios de que esse número pudesse ascender às dezenas de milhar, Nuno Crato limitou-se a apelidar esses receios de fantasiosos. Mas serão mesmo? Em 2011, segundo dados do Ministério da Educação, ficaram por colocar 37 mil docentes; em 2010, ficaram perto de 30 mil; em 2009, cerca de 40 mil. (Note-se que estes são números referentes à primeira fase das colocações.) Ora, eu não sou Matemático, mas consigo perceber uma assim não tão ligeira semelhança entre estes três números: todos são dezenas de milhar. Eu quero, ou melhor, eu gostaria de acreditar que o trabalho desenvolvido por Nuno Crato e seus discípulos produzirá resultados miraculosos ao nível da colocação de professores, mas tenho as minhas dúvidas. Enquanto Matemático, Nuno Crato é tido como um investigador eficaz e eficiente: características que, enquanto ministro da Educação, poderá vir a ser o seu calcanhar de Aquiles. Ou seja, por muito bom que seja, Nuno Crato não consegue fazer uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo. 189 Sobre a possibilidade do número de professores não colocados ascender às dezenas de milhar – como tem acontecido nos últimos três anos – Nuno Crato disse que isso era uma fantasia. Porém, não há muito tempo, o mesmo Nuno Crato defendeu o aumento do número de alunos por turma. Torno a dizer que não sou Matemático, mas quer-me parecer que mais alunos por turma significará menos professores. Ou será que não? Com as reformas introduzidas no sistema de ensino nestes últimos anos, às vezes, é mais o tempo que o professor gasta a desempenhar tarefas burocráticas e administrativas do que a leccionar. Desconheço o que futuro nos reserva, mas arrisco dizer que podemos estar perante uma nova estrutura de aula: turmas grandes, mas com um professor diferente por dia. Ou turmas ainda maiores, com um professor por aluno. É claro que a atribuição de um professor por aluno teria de ser sustentada, em parte, pelo Encarregado de Educação do aluno; em caso de incumprimento das obrigações financeiras, a avaliação do aluno ficaria em suspenso até a situação ser normalizada. Tudo especulação, claro. Confesso que não faço ideia de como é que Nuno Crato vai conseguir atingir dois objectivos que se anulam. Tudo bem que ele, tal como eu, não é Físico ou Químico, mas ele há de saber tão bem como eu que o mesmo corpo não pode estar em dois estados ao mesmo tempo, a não ser em teoria. Faz-me lembrar o paradoxo do gato de Schrödinger: um enigma mental que consiste na colocação de um gato dentro de uma caixa selada, em que a vida ou morte do bicho depende do estado de uma partícula subatómica. Enquanto a caixa não for aberta, o gato está vivo e morto em simultâneo. Tanto quanto se sabe, Schrödinger nunca terá, de facto, colocado um gato numa caixa. Pelo menos não o terá divulgado publicamente. Se calhar porque, ao tentar realizar a experiência, apercebeu-se que era praticamente impossível concluí-la. Por mais investigações e estudos que fizesse, os resultados nunca 190 seriam absolutos: seriam apenas probabilidades. Pode ser que Nuno Crato pretenda replicar esta proposição de Schrödinger, aumentando a colocação de professores, ao mesmo tempo, que diminui a necessidade dos mesmos. Tenha ou não sucesso na sua experiência, uma coisa é certa: já se demarcou dos seus antecessores. Ao contrário destes, Nuno Crato não defendia uma política de ensino antes de estar no Governo e uma outra política de ensino, totalmente antagónica à primeira, depois de ser nomeado ministro da Educação. Nuno Crato cumpre essa obrigatoriedade política que é defender uma coisa e o seu contrário, esteja ele no Governo ou fora dele. Parecendo que não, é uma medida inovadora. No futuro, se o PSD voltar a ser oposição e Nuno Crato aceitar ir para deputado ninguém lhe vai poder dizer: “O senhor deputado Nuno Crato, agora diz uma coisa, mas quando esteve no Governo dizia exactamente o contrário.” Ninguém. 191 A SENHORA PITOSGA AGORA É MOUCA Antes do odor nauseabundo que emana do Caso Relva e seus derivados, já me sentia afectado pelo fedor que tresandava das alegadas escutas ao ex-Primeiro-Ministro José Sócrates. Em ambos os casos, e outros que não vêm agora a propósito, aquilo que me incomodava mais era a incerteza. Falava-se – e ainda se fala – muito, mas a verdade é que se sabe muito pouco. Nunca gostei de incertezas; bom ou mau, sempre gostei que me contassem tudo sem rodeios. Às vezes custa, mas mesmo quando custa podemos pôr uma pedra no assunto e seguir em frente. Depois de tanto tempo a bailar nos tribunais vai ser, finalmente!, terminada a ligação de José Sócrates ao Caso Face Oculta. As escutas que alegadamente implicavam o então Primeiro-Ministro em negócios de controlo da comunicação social vão ser destruídas por ordem de Noronha do Nascimento. Pelo que li em alguns jornais, a justificação para esta decisão teve que ver com o facto de quem investigava o caso não ter informado logo que José Sócrates podia estar envolvido assim que o seu nome surgiu. Parece-me uma justificação plausível, embora não seja, de longe, a mais plausível de todas. Eis outras hipóteses: - as escutas vão ser destruídas porque foram gravadas em k7 e já ninguém usa disso; - as escutas vão ser destruídas porque a descoberta do possível envolvimento de José Sócrates foi feita numa sexta-feira 13, o que pode dar azar; - as escutas vão ser destruídas porque a senhora que fazia as 192 transcrições apanhou uma tendinite e teve de pôr baixa; - as escutas vão ser destruídas porque já foram todas parar ao Youtube; - as escutas vão ser destruídas porque José Sócrates está em França e não lhe dá jeito vir a Portugal por coisinhas de cacaracá; - as escutas vão ser destruídas porque sim e não há mais discussão Brincadeiras à parte, fico contente que esta decisão tenha sido tomada. Não, não estou a brincar, estou a ser o mais lógico possível. Alguém acha que isto ia dar alguma coisa? Sejam honestos. Se as escutas fossem usadas e Sócrates fosse constituído arguido, das duas, uma: ou o caso prescrevia, ou era absolvido. Mais provas houve para condenar certos autarcas e ei-los à frente dos seus municípios. Assim, ao menos, não se gastou tempo nem dinheiro. Foi um julgamento célere – como a Troika quer que passem a ser todos –, tão célere que nem o chegou a ser. Sabemos (especulamos, isto é) o que teria acontecido se as escutas não fossem destruídas; mas o que teria acontecido se os investigadores tivessem informado os seus superiores de que o Primeiro-Ministro podia estar envolvido em moscambilhas? Penso que a situação seria mais ou menos esta: “Eh pá Tó, já ouvistes isto, pá?” “Hein! É o Socras! Granda bronca! Eh pá, temos de avisar o chefe!” “Tens razão. Vamos já fazer isso, não se vá dar o caso de esta descoberta importante não ser depois aproveitada porque não a denunciámos a tempo e horas.” (…) “Está lá? É o chefe? Olhe, passa-se isto assim e assim, de maneiras que o Primeiro anda metido na jogada.” “Isso é muito grave. Vou já informar o Procurador-Geral da República.” (…) “E por isso achei que era meu dever informar Vossa Excelência o mais depressa possível.” 193 “Fez muito bem, chefe. Fez muito bem. Vou já tomar as devidas providências.” (…) “Tou, Zé? Olha, ligou-me agora o coiso da PJ. Eu sei que deste a dica ao Aníbal para ele me nomear e tal, mas é que eu agora fico numa situação lixada...” “Se é por causa das escutas não te preocupes. O Cavaco não vai fazer nada. Ele também tem telhados de vidro.” “Então posso ficar descansado?” “Podemos todos ficar descansados.” Foi uma pouco especulação só para desanuviar. Voltemos ao mundo real, onde as coisas são menos… coisas. 194 CONTRA O SAUDOSISMO Talvez não o seja para todos, certamente sê-lo-á para a maioria, mas é certo o facto de que não estamos numa situação fácil. Aliás, não somos só nós. O mundo inteiro está a passar por grandes dificuldades. O problema é que sempre esteve. Na História da Humanidade nunca houve um período em que estivesse tudo bem para toda a gente. É impossível. Mesmo a nível interno, tal situação nunca se viveu. O que se viveu, o que se vive, é uma ilusão de que antes é que estávamos bem e para o ano vai ser pior. Não consigo prever o futuro, como tal não me é possível afirmar de antemão se para o ano vai ser pior ou não. Contudo, dizer que antes é que estávamos bem também não me parece certo. É verdade que, em algumas coisas, estávamos melhor do que estamos agora. Por outro lado, também estávamos piores noutras. Eu nasci fora do tempo da Ditadura, mas parece-me que uma Ditadura efectiva é pior que uma Democracia viciada. Antigamente não havia tanto desemprego e havia um telefone no prédio, agora todos têm telemóvel e no prédio inteiro há só uma pessoa que trabalha. Tudo muda, às vezes para melhor, outras vezes para pior. Na minha opinião é importante aprendermos com o passado, não apenas com os erros: também é preciso considerar as decisões boas que tomámos, para evitar que o mau se repita e assegurar que o bom torna a acontecer. Acredito nisto. Por outro lado, julgo que é contraproducente e errado que nos limitemos a contemplar o passado, esperando que venha daí a solução para todos os nossos males. O “choradinho” vende, como o comprovam as audiências de certos programas e as vendas de determinados jornais. No 195 entanto o “choradinho” não resolve nada, pelo contrário: limita-se a sublinhar uma situação já de si má. As emoções são como doenças sexualmente transmissíveis: se não forem contidas, propagam-se ad eternum. Isto funciona tanto para o bom, como para o mau. Pessimismo gera pessimismo e enquanto insistirmos em ceder ao lamento nunca sairemos da cepa torta. Não quero com isto dizer que basta acreditar que podemos estar bem para que isso se torne realidade. Sei que isso não é solução, mas é o princípio para que coisa possa começar a funcionar. O nosso grau de sucesso para a resolução de um problema é tão grande como a nossa predeterminação para o resolver. O psicólogo América Baptista afirma que “quando compreendemos algo, temos o problema resolvido, mas não é assim. Além de o compreendemos, temos de executar manobras de um modo repetido para não voltar a acontecer.” Sempre fomos um povo de saudade, de olhar para o horizonte à espera que viesse a salvação. Ainda hoje há quem, num dia de nevoeiro, fique a pensar que poderá ser dessa que aparece o D. Sebastião. Faz parte da nossa matriz genética, eu sei. Somos velhos do Restelo a olhar para ontem e quando olhamos para o futuro só vemos o resultado final. Não pensamos no que é preciso fazer para lá chegar. Por essa razão não gosto de invocar nomes, emblemas, siglas, ou o que seja para falar de tempos que foram melhores que este. Olho com descrença a referências vãs pois não sinto convicção de quem as faz; apenas noto a capacidade de reproduzir sons. É impossível mudar o passado, mas talvez possamos deixar de olhar para ele com saudade e passar a olhar para ele com atenção. Embora eu não consiga dizer se o futuro vai ser melhor que isto – poderá ser bem pior do que alguns julgam – precisamos de ter uma visão proactiva sobre as coisas. De outra forma, vamos continuar sempre na mesma senda. Não obstante o símbolo da saudade ter sido eleito património imaterial da humanidade não é aí que vamos encontrar ajuda. Podemos encontrar alívio, podemos encontrar 196 alguma boa música, mas não vamos encontrar uma saída. Dizem que é um motivo de orgulho, mas só quem ganha a vida à conta disso é que sai beneficiado da manutenção deste saudosismo. 197 FORA DE ÉPOCA Na Madeira não se comemora o 25 de Abril. Não porque os madeirenses julgam que não há razões para comemorar a data, mas porque não faz sentido assinalar efemérides antes de estas ocorrerem. Primeira piada. Segunda piada: As eleições na Madeira são livres e democráticas: as pessoas são livres de votarem no candidato Alberto João Jardim ou de ficarem em casa. E como estas há outras. Muitas outras. Não foi, todavia, com o propósito de troçar, denegrir, difamar, humilhar ou ofender as pessoas da Madeira que eu me propus escrever este artigo, e sim de compreender. Como continental estou familiarizado com um rol sem fim de piadas sobre a falta de legitimidade democrática na Madeira, mas, atrevo-me a perguntar: seremos assim tão diferentes? Olhando para os valores da abstenção em Portugal Continental, terão Passos Coelho, e outros ex-governantes, mais legitimidade do que Alberto João Jardim? Coloco estas perguntas como um mero cidadão curioso; não nutro por estes dois senhores e suas ideologias qualquer espécie de simpatia. Dia após dia, com a imposição de medidas cada vez mais austeras, aquele fosso que sempre separou uns de outros vai tornando-se cada vez mais profundo. Os casos de pressão à imprensa, censura, asfixia democrática, lobbying empresarial, corrupção activa e passiva, favorecimento ilícito, etc., acontecem tanto no continente como nas ilhas. Não podemos por isso julgar o que acontece lá quando não nos faltam telhados de vidro para reparar. 198 Não gosto de falar do 25 de Abril porque tudo aquilo que não seja enaltecer, tudo aquilo que cheire a leve mas é lido como fedendo a fascismo. No entanto, os mas são para se dizer, nem que seja só para ser chamado à atenção. Há semanas escrevi no meu blog sobre o saudosismo: afirmei então que continuarmos a olhar para o passado em busca de soluções não nos vai ajudar os problemas do presente. Com o 25 de abril passa-se mais ou menos o mesmo. Foi uma ideia boa e teria sido excelente se tivesse funcionado e durado, mas não foi isso que aconteceu. O 25 de abril que se assinala hoje em dia não é o 25 de abril que se fez em 74. Já foi, já não é. E não faz sentido continuarmos a chamar de calças aquilo que agora são calções. Continua a ser um feriado, mas perdeu a sua razão de ser. Sei que muitos irão ler este artigo sem prestar atenção e vão ler o parágrafo anterior como uma opinião a favor da extinção do feriado do 25 de Abril. No Facebook, no meu blogue, talvez em jornais e mesmo no meu email não deverão faltar mensagens construtivas e coloridas alusivas às minhas preferências sexuais e políticas. Mas tudo bem. Quero dizer, porém, que não sou a favor a extinção do feriado do 25 de Abril; aprecio esse feriado e o descanso que ele providencia, principalmente quando não calha ao fim de semana, apenas contesto a actual relevância dos seus seus conteúdos. Talvez Alberto João Jardim tenha uma bola de cristal e a razão pela qual o 25 de Abril não se celebra na Madeira seja porque ele sabia de antemão que a coisa não iria dar certo. Se calhar, estamos a pensar nisto de forma errada. Se calhar, o que faz falta não é revitalizar, restaurar, ressuscitar ou renovar. Se calhar, o que faz falta é um novo feriado em vez de um feriado antigo em que só os saudosistas acreditam e os oportunistas utilizam. Numa edição do programa Governo Sombra, emitido semanalmente pela TSF, Ricardo Araújo Pereira afirmou o seu desdém por dois sectores da nossa sociedade. A saber: o Povo e os Militares. Contudo, frisou, souberam juntar-se para fazer o 25 de Abril. Foi um daqueles casos, continuou Ricardo Araújo Pereira, 199 em que dois seres feios se uniram para dar à luz um ser bonito. O problema é que, quando nascem, todos os bebés são giros (mesmo quando não são, ninguém tem a coragem de dizer o contrário), mas depois crescem. Ganham vícios, respondem aos pais, emancipam-se, começam a andar com más companhias. Enfim, estragam-se. Por isso é que eu acho que está na altura de estes pais, ou outros, terem um novo filho. E se este filho puder evitar os erros do irmão mais velho, tanto melhor para todos. Pode ser que cresça para se tornar algo de que todos nos orgulhemos. (Tentem é não fazer esta revolução durante o mês de Agosto. Ter uma data história associada ao mês da silly season seria denegrir a importância da data à partida.) Última nota: Recentemente assinalaram-se os 36 anos de Autonomia Madeirense, efeméride curiosa considerando o seu défice de 6,3 mil M€ (123% do PIB da Madeira). 200 PELOS DIREITOS DOS MINI-ANIMAIS Somos tão constantemente bombardeados por notícias negativas e desanimadoras que quando algo bom acontece até estranhamos. Em certos casos, quando tão inusitada e inesperadamente positiva é a notícia menos esperança temos de que seja real. Não há dúvida de que o pessimismo reina entre nós, mal habituados que estamos a sorrisos do Destino. Pois bem, demorou, mas o Destino finalmente mostrou-nos o seu sorriso: a gonorreia, doença grave e sexualmente transmissível, que infecta milhões de pessoas todos os anos, já criou resistência a praticamente toda a medicação existente e dentro em breve passará a ser incurável. Isto, segundo informações da Organização Mundial de Saúde. Para todos aqueles que, como eu, achavam um escândalo o silêncio das associações de defesa dos direitos dos animais em relação a estes crimes, esta notícia abre caminho para uma nova etapa em que os pequenos também serão respeitados. E daí não sei: a OMS tem apelado junto de médicos e de governos para apostarem na investigação e na busca de novas curas. Esses bandidos corporativistas! Está na hora de lhes mostrar que basta! Esta situação tem de ter um fim e as associações de defesa dos direitos dos animais têm de se chegar à frente duma vez por todas! Onde é que está o PAN quando se precisa dele? Sabem entupir o Facebook e as outras redes sociais com fotos de cães e gatos aleijados, mas quando chega a altura de comer caracóis atiram-nos vivos para a água a ferver! E a mesma coisa com a lagosta! E com as ameijoas! E com o berbigão! E com sei lá mais o 201 quê! Há pessoas, vis e más, que quando adoecem, tomam xarope e comprimidos. Para quê? Para matar os bichinhos que estão dentro delas! Isto é público, mas ninguém fala disto! Eu tenho uma namorada que é farmacêutica, por isso conseguem imaginar as discussões que isto dá em casa. Só que eu sou firme nas minhas convicções e deixo a natureza agir por sua conta. Os mais fortes sobrevivem. E até agora estou aqui. Só porque não vêem as bactérias que vos infectam, não quer dizer que elas não tenham sentimentos! Em vez de matá-las com medicamentos, porque não experimentam brincar com elas? Há tantas brincadeiras giras que se podem fazer com bactérias! Não estou a dizer que os animais grandes não têm direito a ser defendidos. É claro que têm. A questão não é essa. A questão é o destaque que se dá aos grandes em deterimento dos mais pequenos. Os pequenos são sempre esquecidos e os muito pequenos ainda mais esquecidos são. Já diz o povo: "Quem se lixa é o mexilhão!". Mas será que é mesmo? Se formos a ver bem, o mexilhão, se for bem temperado e confeccionado, é degustado, é apreciado; já as bactérias, os vírus e todas essas miudezas são exterminadas sem dó nem piedade. Quando não são eliminadas por completo são usadas para matar parentes. Em certos laboratórios, perdão, em certos antros do mal, são feitas experiências atrozes nas quais cientistas - carniceiros! era encostá-los todos a uma parede e... desculpem, distraí-me utilizam um tipo de vírus para eliminar um outro tipo de vírus. Que diferença existe entre isso e as lutas de cães? Para mim, nenhuma. Enfim, talvez me esteja a preocupar demasiado com isto. 202
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