Segurança Alimentar e Desenvolvimento

Transcrição

Segurança Alimentar e Desenvolvimento
Programa de Nutrição Humana (1994-2002)
Segurança Alimentar
e Desenvolvimento
ÍNDICE
Investindo em Soberania Alimentar e Desenvolvimento Sustentável
3
Uma Visão Panorâmica
4
Atividades de Aprendizagem e Apoio
8
O Desafio Central: Agricultura Sustentável em Pequena Escala
11
Microfinanciamento: Insumo Primordial
16
Alimentação, Nutrição e Saúde: Elementos Inseparáveis
20
Gênero: Tema Transversal
23
A Juventude: Futuro do Campo
26
Estratégias Complementares
29
Avaliação de Impactos Socioeconômicos
33
Sistematização de Experiências
35
Política Pública: Promessa de Transformação Duradoura
37
Editorial
Investindo em
Soberania Alimentar
e Desenvolvimento
Sustentável
D
e 1994 a 2002, o Programa de Nutrição Humana da Fundação Kellogg apoiou 85 projetos em 14 países com o propósito de demonstrar a viabilidade de pequenos agricultores produzirem alimentos para seu autoconsumo e para o mercado.
O Programa foi a resposta da Fundação ao aumento de desnutrição na região durante as
décadas de 1980 e 1990 entre as populações rurais mais vulneráveis. Ao longo desses anos,
a história tem demonstrado o valor do investimento. O Programa alavancou processos de empoderamento, aumentando o controle e a autonomia das populações rurais de baixa renda
nas suas decisões e ações de produção, consumo e geração de renda. Demonstrou o protagonismo de homens, mulheres e jovens na solução dos seus problemas. E validou um
conjunto de modelos de soberania alimentar e desenvolvimento rural sustentável, com
combinações diferenciadas de estratégias e recursos. Modelos que vêm se multiplicando e
transformando as práticas e políticas públicas nas regiões em que são implementados.
O objetivo desta publicação é fazer com que as informações e os aprendizados desses
projetos possam ser socializados entre os mais diversos públicos interessados – pequenos
agricultores, equipes de organizações não-governamentais, extensionistas, pesquisadores,
professores e estudantes – com a finalidade de propiciar intercâmbio e debate sobre a multiplicidade de abordagens para promover a soberania alimentar e o desenvolvimento rural
sustentável.
Para obter mais informações sobre os projetos de Nutrição Humana, basta acessar o site
www.wkkf-lac.org ou enviar um e-mail para [email protected].
3
Uma Visão Panorâmica
D
e 1994 a 2002, a Fundação Kellogg apoiou 85 projetos em 14 países da América Latina e Caribe, com um investimento total de 16,3 milhões de dólares (veja localização
dos projetos no mapa da página 6). Os projetos foram operados por 74 organizações distintas – ONGs e universidades com estreitas ligações com organizações de base (veja relação das
organizações na página 7). Encontravam-se nos mais diversos contextos agroecológicos,
desde as regiões áridas do norte do México, passando pelas montanhas dos Andes e pelos
trópicos do Nordeste do Brasil, até as áreas temperadas do Cone Sul. Envolviam ampla diversidade etnocultural: populações indígenas e comunidades de descendência africana da América Central e Caribe, populações de descendência européia no Sul do Brasil e na Argentina e
populações de herança mista em todo o continente.
O Programa surgiu com o objetivo de demonstrar a viabilidade da agricultura diversificada e sustentável em pequena escala, quando garantido o acesso ao mínimo de recursos
necessários – terra produtiva, água, capital financeiro, tecnologias e informações. Procurou
promover a agricultura em pequena escala como um setor vital das economias locais e
nacional, evitando, assim, a dependência de mercados distantes e a degradação dos
ecossistemas provocada pela agricultura industrializada e a produção monocultural.
Para participar do Programa, as famílias precisavam ter acesso a uma pequena área
de terra – pelo menos um quintal ou um lote pequeno – e o desejo de melhorar a sua
produção agrícola. A participação era sempre voluntária. A abordagem variou de projeto para projeto.
Muitos projetos chegavam às populações por meio de promotores comunitários que eram
treinados para levar informações e técnicas novas às famílias. Outros eram operacionalizados
por meio de organizações da sociedade civil.
4
Criou-se, assim, a oportunidade de alcançar a soberania alimentar, assegurando que as populações tenham condições para determinar as fontes e a natureza da sua alimentação e a agricultura
permaneça a serviço da população. Nesse contexto, os produtos alimentícios eram entendidos mais
como um recurso social do que como uma mercadoria econômica. A estratégia principal foi alavancar mudanças sistêmicas e políticas que apoiassem a agricultura sustentável em pequena escala.
Todos os projetos abordaram três eixos principais: o aumento e a diversificação de produção agrícola e de rendas rurais; a melhoria na alimentação, nutrição e saúde das famílias; e
o incremento no grau de autonomia e no leque de opções de produção e de consumo das famílias rurais. Também trataram de aumentar e integrar o acesso a recursos essenciais para uma
vida rural viável para populações de baixa renda: técnicas de produção em pequenos espaços, acesso a capital financeiro, insumos e informações essenciais, conhecimento local sobre
produção e consumo, e organização local autogestiva.
Incorporaram ainda valores e princípios comuns nas suas ações: a busca de técnicas agrícolas ecologicamente sustentáveis e de baixo custo; respeito por conhecimentos e práticas locais e diversidade cultural na produção e no consumo; promoção de participação, democracia, eqüidade e justiça social entre diversos setores da sociedade.
Diversas atividades de apoio e um conjunto de estratégias paralelas – entre elas, o estabelecimento de centros educativos, a estruturação de um programa de Mestrado em Desenvolvimento Comunitário Sustentável a distância e a constituição de uma rede regional para a soberania alimentar e o desenvolvimento sustentável – ajudaram a potencializar as iniciativas locais.
Uma avaliação independente de uma amostra aleatória de 21 projetos comprovou os resultados positivos do Programa. Demonstrou, entre outros fatores, o aumento na produção
de alimentos para autoconsumo, a melhoria na alimentação das famílias, especialmente entre
crianças, e um incremento na renda. Um exercício de sistematização em 17 projetos revelou
os fatores processuais por trás desses resultados. Destacou, em particular, a importância do
papel ativo de agricultores e a incorporação dos seus conhecimentos e práticas nas ações para
melhorar a soberania alimentar-nutricional no campo.
De 1994 a 2002,
a Fundação
Kellogg apoiou
85 projetos em
14 países da
América Latina
e Caribe.
Os projetos
foram operados
por 74
organizações
distintas
(ONGs e
universidades)
Uma Visão Panorâmica
Localização dos Projetos
de Nutrição Humana
6
Organizações responsáveis por operar
os projetos de nutrição humana
Argentina
Fundación Solidaridad
Bolívia
Centro de Estudios y Trabajo de la Mujer
Comisión Episcopal de Educación (CEE),
Conferencia Episcopal de Bolivia
Brasil
Associação de Agricultura Orgânica
Associação dos Pequenos Agricultores
do Município de Valente (APAEB)
Departamento de Estudos Socioeconômicos
Rurais/Associação RioSul
Instituto de Prevenção à Desnutrição
e à Excepcionalidade
Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA)
Colômbia
Asociación de Apoyo para el Desarrollo
Integral de la Comunidad – AVANZAR
Asociación Empresarial Productora y Comercializadora
de Frutas y Hortalizas del Sumapaz
República Dominicana
Acción Evangélica de Desarrollo, Inc.
Centro de Investigación y Mejoramiento
de la Producción Animal
Centro para el Desarrollo Agropecuario
y Forestal, Inc.
Fundación Dominicana de Desarrollo
Fundación Educadores Unidos del Cibao, Inc.
Junta de Regantes de Bajo Yaque del Sistema
de Riego Fernando Valerio/Programa para la
Agricultura Sostenible en Áreas Regables (PASAR)
Mujeres en Desarrollo Dominicana, Inc.
Equador
Fundación de la Mujer Campesina
El Salvador
Catholic Relief Services – United States Catholic
Conference Incorporated
Centro de Apoyo de Lactancia Materna
Corporación Fe y Trabajo
Fundación Salvadoreña de Apoyo Integral
Universidad de El Salvador
Universidad Luterana Salvadoreña
Guatemala
Altertec, Inc.
Asociación de Desarrollo Comunitario
Asociación La Asunción
Asociación para la Cooperación y Desarrollo
Integral de Comunidades Rurales
Fundación para el Desarrollo del Área Rural
Instituto de Nutrición de Centro
América y Panamá (INCAP)
Haiti
Centre de Santé Et Developpement
Intégré (CSDI)
Honduras
Centro Internacional de Información Sobre
Cultivos de Cobertura
México
Alternativas de Capacitación y Desarrollo
Comunitario, A.C.
Cidade
Mendoza
Cochabamba
La Paz
São Paulo
Valente
Curitiba
Fortaleza
Glória do Goitá
Santa Fé de Bogotá
Pq. Nacional de Sumapaz
Santo Domingo
Santiago
Santo Domingo
Santo Domingo
Santiago
Monte Cristi
Santo Domingo
Quito
La Laguna e Chirilagua
San Salvador
San Salvador
San Salvador
San Salvador
San Salvador
Cidade da Guatemala
Santa Cruz de Quiché
San Luis, Petén
San Cristóbal Totonicapán
Sololá
Cidade da Guatemala
Cerca-Carvajal
Tegucigalpa
Creel
Organizações responsáveis por operar
os projetos de nutrição humana
Cidade
Asociación Mexicana de Transformación
Rural y Urbana, A.C.
Centro de Capacitación Integral para
Promotores Comunitarios, A.C.
Centro de Investigación y de Estudios
Avanzados del Instituto Politécnico Nacional
Colegio de Michoacán
Colegio de Postgraduados
Desarrollo Comunitario de los Tuxtlas, A.C.
Desarrollo Rural de Ciudad Juárez, A.C.
ECOSOLAR, A.C.
Enlace Rural Regional, A.C.
Fundación de Apoyo Infantil (FAI) – Sonora, A.C.
Fundación de Apoyo Infantil (FAI) – Guanajuato, A.C.
Grupo para Promover la Educación y
el Desarrollo Sustentable, A.C. (GRUPEDSAC)
Instituto Tecnológico y de Estudios
Superiores de Monterrey
Luna Nueva, A.C.
Promoción Ecológica, A.C.
Raíces Costeñas A.C.
Sanut, A.C.
Servicios del Pueblo Mixe, A.C.
Sistema Municipal para el Desarrollo
Integral de la Familia
Unión de Esfuerzos para el Campo, A.C. (UDEC)/
Unión Regional de Apoyo Campesino, SSS (URAC)
Unión de Organizaciones de la Sierra Juárez
de Oaxaca, S.C. (UNOSJO)
Unidad Regional Universitaria de Zonas Áridas
(URUZA), Universidad Autónoma Chapingo
Universidad Autónoma de Tamaulipas
Universidad Autónoma de Yucatán
Nicarágua
Asociación para el Desarrollo Sostenible
Agropecuario, Forestal, y de Pesca El Modroño
Asociación para la Diversificación
y Desarrollo Agrícola Comunal
Empresa de Servicios Técnicos Agropecuarios
de Occidente (SETAGRO)
Fundación Augusto C. Sandino
Instituto Nicaragüense de Tecnologia Agropecuaria
Peru
Asociación Centro de Investigación y Aplicación
en el Desarrollo Económico y Social
Asociación Centro Promoción y Desarrollo Rural
Asociación No Gubernamental Rural Amazónica
Andina Choba Choba
Asociación Savia Andina Pukara
Asociación Wari-Ayacucho
Centro de Investigación, Capacitación,
Asesoría y Promoción
Centro de Investigación, Documentación,
Educación, Asesoría y Servicios
Centro de Promoción de la Mujer (CEPROM)
Instituto Democracia y Trabajo
Instituto Regional de Ecología Andina IRINEA
Promotora de Obras Sociales y de Instrucción Popular
Uruguai
Caritas Uruguaya
7
Puebla
Oaxaca
Mérida
Zamora
Montecillo
San Andrés Tuxtla
Cidade Juarez
Cidade do México
Cidade do México
Cidade Obregón
Guanajuato
Naucalpán
Monterrey
Tepoz tlán
San Pedro Muñoztla
San Pedro Tututepec
Cuautla
Oaxaca
Texcoco
Querétaro
Oaxaca
Texcoco
Cidade Vitória
Mérida
Manágua
Matagalpa
Chinandega
Manágua
Manágua
Trujillo
Piura
Tarapoto
Ayaviri
Ayacucho
Chiclayo
Lima
Huancayo
Huancayo
Huancayo
Lima
Montevidéu
Atividades de
Aprendizagem e Apoio
U
m total de 1,6 milhão de dólares foi investido em atividades de aprendizagem e apoio
desenhadas para fortalecer os projetos locais. Ao propiciar espaços de intercâmbio e
de aprendizagem, essas iniciativas acabaram sendo fundamentais para o êxito do Programa,
fortalecendo capacidades individuais e organizacionais.
Programa de Fortalecimento de Liderança (PFL)
Ao todo, 70 pessoas participaram das quatro turmas do Programa de Liderança administrado
pelo Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey (ITESM) no México, pelo Programa Acadêmico e Profissional para as Américas (LASPAU) da Universidade de Harvard nos Estados
Unidos e pelo Instituto Centro-Americano de Administração de Empresas (INCAE) na Costa Rica.
O objetivo do Programa era preparar líderes rurais com capacidade de pensar estrategicamente e com habilidade para mobilizar pessoas e recursos em prol da mudança social. Também
pretendeu criar uma rede regional de líderes que multiplicasse a capacidade de liderança entre
seus colegas por meio da replicação das metodologias de aprendizagem.
Cada turma teve duração de dez meses. Em um mês era feito um intensivo de participação em Monterrey, no México, e nos Estados Unidos. Nos outros nove meses, o curso
era a distância. O currículo presencial foi dividido em quatro grandes áreas: (1) identidade
e projeto pessoal: autoconhecimento e estratégia de crescimento pessoal; (2) estratégias
de aprendizagem contínua: análise de problemas, estratégias para formular e implementar
soluções; (3) transformação de idéias em ação: pensamento criativo e crítico, colaboração
e trabalho em equipe, tomada de decisões, negociação e administração de conflitos; (4) estratégias organizacionais: planejamento, implementação e avaliação, levantamento de fundos e administração financeira, desenvolvimento de recursos humanos e uso de informação
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e tecnologia. Também formulou-se um plano de ação para cada participante testar e aprimorar a sua aprendizagem.
As atividades a distância giraram em torno da implementação do plano de ação. Cada integrante também elaborou uma tese sobre seu papel de liderança no projeto e na comunidade. Os trabalhos foram apoiados por cursos de curta duração pela Internet e intercâmbio contínuo entre alunos e docentes. No final, as teses foram publicadas e compartilhadas com todos
os participantes. E podem ser consultadas no site da RedLayc: www.redlayc.net.
Grande parte desses líderes também participou do processo de sistematização e é membro da RedLayc. Alguns são diretores dos Centros de Aprendizagem e Intercâmbio de
Saberes (CAIS) e/ou de projetos de desenvolvimento rural. A proposta do Mestrado em
Desenvolvimento Comunitário Sustentável a distância (veja informações na página 30) nasceu, inclusive, da tese de uma participante do Programa de Fortalecimento de Liderança.
O êxito do programa pode ser observado pelos efeitos na vida e na trajetória de alguns
dos seus graduados:
“O PFL foi a melhor universidade para o meu crescimento pessoal. Permitiu-me obter mudanças
positivas tanto no meu comportamento quanto no meu estilo de liderança.”
Rodrigo Hernan Vivas Rosas, CIPASLA, Colômbia
“O PFL permitiu que eu tivesse uma visão mais ampla sobre o papel que posso ter como
líder na minha comunidade e nas demais comunidades onde trabalho.”
Angel Lendechy Grajales, Universidade Autônoma de Yucatán, México
“O PFL abriu as portas da América Latina e de alguns países da Europa para a troca de experiências com pessoas que também sonham e lutam por um mundo melhor. Diante de algumas
situações de trabalho, em que ficaria indeciso e teria medo de me arriscar, agora sou persuasivo comigo mesmo e com os demais para desenvolver atividades.”
Sidney Ivan Linares, Fé e Trabalho, El Salvador
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Atividades de
aprendizagem
e apoio
fortaleceram
capacidades
individuais e
organizacionais
Atividades de Aprendizagem e Apoio
As iniciativas de
aprendizagem
e apoio foram
fundamentais
para o êxito
do Programa
“O PFL permitiu que eu entendesse o que era liderança e as diferentes formas de praticá-la.
Enriqueceu-me muito trocar idéias e aprender com os meus companheiros.”
Margarita Barney, GRUPEDSAC, México
“Foi um bom tempo para aprender de forma mútua e para gerar novas idéias que nos fortaleceram em nossa atividade social.”
Dora Elia Garcia Dominguez, Comunidade em Desenvolvimento A.C., México
“O PFL fez com que víssemos que se não estamos bem com a nossa família e com nós mesmos não poderemos obter justiça social. Com esse aprendizado, consegui melhorar minhas relações familiares e de trabalho para colaborar de forma mais efetiva na minha missão social.”
Sonia Pardo, CETM, Bolívia
Encontros Regionais
Três grandes encontros (México 1999; El Salvador 2000; e República Dominicana
2002) reuniram integrantes de todos os projetos da região. Foram oportunidades únicas
de debater as abordagens do Programa, na teoria e na prática, de assistir a demonstrações de tecnologias inovadoras, de formar redes de contatos e de visitar experiências locais bem-sucedidas.
Há documentos de cada encontro com informações sobre os projetos apresentados, os
debates e as discussões de grupos (veja informações na Bibliografia).
Visitas de Intercâmbio
O Programa também facilitou o intercâmbio entre os projetos. Foram destinados recursos
para facilitar a troca de experiências, possibilitando a observação de abordagens variadas em
contextos diversos. As visitas permitiram a discussão aprofundada de soluções para problemas distintos, mas freqüentemente parecidos.
Paralelamente, foram organizadas visitas ao projeto do Grupo para Promover La Educación y El Desarrolllo Sustentable (GRUPEDSAC), no estado do México, uma associação civil que busca contribuir com a educação e o desenvolvimento sustentável. Houve
exposições práticas de todas as técnicas agroecológicas criadas durante o Programa e
formou-se uma equipe de educadores para ajudar os visitantes a pensarem estratégias
para a adoção e difusão de técnicas apropriadas às populações de baixa escolaridade
formal nos seus contextos.
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O Desafio Central:
Agricultura Sustentável
em Pequena Escala
É
possível que o pequeno agricultor – aquele com limitado acesso à terra – produza alimento e renda suficientes para satisfazer às necessidades nutricionais da sua família? Ele
pode assegurar sua soberania alimentar-nutricional até sob condições econômicas e ecológi-
cas desfavoráveis? A agricultura em pequena escala pode ser um meio de produção de alimentos para o abastecimento de mercados internos e o desenvolvimento socioeconômico nas
comunidades rurais da América Latina e Caribe? Foram essas as questões-chave que os projetos de nutrição humana se empenharam em responder em seus mais diversos contextos.
O Desafio Central: Agricultura Sustentável em Pequena Escala
Os projetos investiram pesado no desenvolvimento e difusão de práticas e tecnologias para
a agricultura intensiva em pequenos espaços. Tanto as práticas quanto as tecnologias precisavam ser de baixo custo e, de preferência, baseadas em conhecimentos e recursos locais. Além
disso, deveriam promover a agricultura sustentável. Isso implicava na conservação dos recursos
ambientais e na proteção da saúde da população, evitando o uso de agrotóxicos e rejeitando a
introdução de organismos geneticamente modificados enquanto as conseqüências para a saúde
humana e ambiental forem desconhecidas. São princípios baseados numa visão da agricultura
ecológica orientada ao uso de insumos orgânicos e da mão-de-obra intensiva.
Os esforços dos projetos resultaram no desenvolvimento de um conjunto de práticas e
tecnologias desenhadas para aumentar e diversificar a produção agrícola em pequena escala, sob diversas condições econômicas e ecológicas.
Em primeiro lugar, incentivou-se o uso de práticas agroecológicas, como a intercalação
de cultivos; o cultivo em curva de nível, para evitar erosão do solo nas ladeiras; a confecção
de adubo orgânico (transformando restos domiciliares e estrume por meio da ação da minhoca comum); estratégias mistas de criação de animais, como galinhas e coelhos; e o cultivo de
As Principais Ecotecnologias Utilizadas
• Casas baratas, frescas e resistentes a
terremotos e a outros desastres naturais,
construídas com adobe, um pequeno
bloco semelhante ao tijolo, constituído
de terra (90%) e cimento (10%) a um custo
de 180 dólares por metro quadrado.
• Sanitários secos para evitar
a contaminação do subsolo.
• Painéis de energia solar para gerar
eletricidade barata e facilmente disponível.
• Fogões de barro e areia que
• Bombas manuais a cabo para puxar
água de uma profundidade de menos
de 20 metros (alguns projetos
produzem bombas comercialmente
a um preço de 70 dólares).
•
economizam até 40% em lenha,
se comparados com fogões comuns.
Moldes metálicos para a formação
rápida e eficiente de blocos
de construção usados para fabricar
casas, cisternas e fogões.
• Cisternas de placas de cimento
• Estufas rústicas para o cultivo de
para armazenar água durante a época
de chuva (a um custo de 550-700 dólares
por uma cisterna de 12 mil litros.
Podem ser construídas para uso coletivo).
• Sistemas de irrigação por gotejamento.
hortaliças em qualquer época do ano.
• Defumadouros caseiros para a preservação
das carnes de frango, coelho e peixe
a um custo de até 100 dólares.
• Desidratadores solares caseiros de frutas
O custo é de 14 dólares para
uma área de 30 metros quadrados.
12
e vegetais para o consumo fora de
época a um custo de 50 a 150 dólares.
plantas com benefícios sinérgicos. Também se diversificou a produção e o consumo por meio
da introdução de novos cultivos e criações e o resgate de culturas tradicionais com alto valor
nutricional. E, por fim, desenvolveu-se um conjunto de ecotecnologias (veja texto na página
12) para tratar dos desafios de disponibilidade de água, fontes sustentáveis de energia, casas
ecológicas e processamento de alimentos para consumo fora de época. Houve todo um empenho para demonstrar o potencial produtivo de pequenos espaços, como os quintais das casas,
geralmente em desuso e freqüentemente desvalorizados.
As estratégias para a difusão dessas práticas e tecnologias se deram em dois níveis. Primeiro, houve intercâmbio e capacitação entre técnicos dos projetos, principalmente nas instalações do GRUPEDSAC, no México. Uma equipe pedagógica da associação compartilhava
técnicas de difusão entre populações de baixa escolaridade. Segundo, a difusão local se deu
por meio de demonstrações de resultados positivos e do intercâmbio de informações de um
agricultor para o outro.
Houve um esforço para que o agricultor de baixa renda passasse a se ver como protagonista no cenário econômico e fortalecesse a confiança na sua capacidade para mudança. Esses
foram os alicerces para a difusão e para a adoção de inovações desconhecidas.
Como a viabilidade econômica do pequeno agricultor pode depender tanto da auto-suficiência como da interação com mercados locais e regionais, procurou-se promover formas de
comercialização que agregassem valor aos produtos e o estabelecimento de pequenos agronegócios. Também se encorajou a venda direta.
Exemplos de Projetos
Centro de Salud y Desarrollo Integral (CSDI), Cerca-Carvajal, Haiti
O Centro de Salud y Desarrollo Integral (CSDI) registrou melhorias nos estados nutricionais das populações rurais do município de Cerca-Carvajal, nordeste do Haiti, que podem ser
percebidas pelos depoimentos da população local e até pela avaliação antropométrica conduzida pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Os resultados positivos foram obtidos num ambiente econômico, ecológico e político extremamente desfavorável e apesar dos efeitos devastadores do ciclone George, em 1998.
O projeto do CSDI partiu da premissa de que a alta incidência de desnutrição devia-se
principalmente à falta de produção agrícola. Focalizou-se, então, em três temas inter-relacionados: produção agrícola, disponibilidade de água e
hábitos nutricionais. Para fortalecer a produção agrícola, promoveu-se práticas ecológicas para conservar os
solos e reduzir o nível de desflorestamento. Também
No mês passado, vieram
foram implantadas novas tecnologias para a moagem de
as pessoas que distribuem comida
grãos locais e criação de pequenos animais com o propela USAID e, por aqui, não a deram
pósito de aumentar a proteína animal e vegetal na dieta
a ninguém porque elas acharam
familiar. Uma vez resolvido o problema da água, por meio
as crianças no seu peso normal.
de instalações de fontes locais para a sua armazenagem
e distribuição, introduziu-se o cultivo de hortaliças e frutas para assegurar o consumo de micronutrientes essen-
Fonte: JOSEPH, Foblas, 2003. Centro de Salud y de
ciais. As mulheres envolvidas nas atividades perceberam
a importância de processar e conservar os produtos, re-
Iniciativa de Nutrición Humana. Cerca-Carvajal, Haiti.
Vernius Dorvil, Cerca-Carvajal, Haiti
Desarrollo Integral. Sistematización de la
13
O Desafio Central: Agricultura Sustentável em Pequena Escala
Os companheiros nesta
comunidade não vão mais
comprar o milho na loja.
Agora que aprendemos a guardar
o nosso milho por mais tempo
em silos metálicos, poderemos
nos dedicar a outras atividades,
como cultivar frutas ou semear
espécies que sirvam de fertilizante
para o solo.
Alberto Eufragio Lucas,
São André Solaga, Oaxaca, México
Fonte: ORTIZ, Neptalí M., 2003. Sistematización
de la Experiencia de Trabajo
de la Unidad de Riego UNOSJO. Oaxaca, México.
duzindo assim desperdícios durante a safra e gerando
renda adicional. O CSDI demonstrou nitidamente a importância da integração de conhecimentos de agricultura e de nutrição e de um enfoque sistêmico.
Comisión Episcopal de Educación (CEE),
Conferencia Episcopal de Bolivia, Jesus
de Machaqa, Bolívia
Durante séculos, a população indígena Aymara do altiplano boliviano sobreviveu com a produção de poucos
tubérculos e cereais (batata, cevada, quinua e kañawa) e
de carne e leite de ovelha, lhamas e alpacas. Sua dieta era
complementada com a troca em espécie de produtos de
distintos ecossistemas. Na década de 1980, a chegada do
mercado livre e monetarizado e, conseqüentemente, a
perda da vigência do escambo, contribuíram para o em-
pobrecimento da população e um aumento significativo
de taxas de desnutrição.
Para reverter essa situação, a Comisión Episcopal de
Educación (CEE) focalizou-se na produção, transformação e comercialização dos produtos
mais comuns das comunidades de Jesus de Machaqa, na Bolívia: leite e seus derivados, e
carne de porco. Começou fortalecendo a produção da matéria-prima, melhorando o rebanho
do gado e plantando alfafa e pasto para a alimentação dos animais. A produção de leite aumentou em até 80%.
Também passou a agregar valor aos produtos – particularmente com a produção de vários tipos de queijo – e a vendê-los e distribuí-los em mercados, empresas e entidades
locais. Esforços que foram fortalecidos pela participação ativa dos produtores, combinando
seu conhecimento local com práticas inovadoras, oferta de microfinanciamento e de assistência técnica. Várias ecotecnologias foram adotadas de outras regiões e adaptadas às condições locais. O projeto criou oito unidades produtivas familiares (UPFs) e uma granja
experimental na qual se centralizou a transformação e comercialização dos produtos. As estratégias foram efetivas no aumento da renda das famílias. Ao mesmo tempo, melhorou a
nutrição da comunidade por meio da produção de hortaliças em estufas, a revalorização do uso de cereais nativos, como quinua e kañawa, e a orientação sobre o preparo de
misturas vegetais com proteína para substituir o consumo de carne.
Ao longo dos três anos do projeto, vários ajustes foram feitos até chegar-se a um modelo
produtivo viável sob as difíceis condições do altiplano. O estilo participativo na discussão e solução de problemas transferiu aos próprios atores, que vivem e sentem os problemas da pobreza e da exclusão, a capacidade de tomar decisões. Em 2005, a prefeitura anunciou a criação de
um programa econômico regional para apoiar as atividades produtivas no nível familiar.
Os Resultados
Nos processos de sistematização dos projetos, observou-se, na maioria dos casos,
uma dinamização dos mercados locais, com ofertas maiores e mais diversificadas, redução
da dependência dos comerciantes e dos mercados externos, melhorias gerais na saúde dos
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agricultores e de sua família e, em alguns lugares,
reversão da degradação ambiental.
Percebeu-se ainda o fortalecimento de formas de
organização comunitária – associações de agricultores,
cooperativas, comitês específicos – que facilitavam o
intercâmbio de informações e de recursos, o uso coletivo de serviços e equipamentos e a luta por programas e políticas favoráveis à agricultura familiar. Em
geral, houve um aumento das opções e do grau de autonomia dos agricultores.
Nem todos, no entanto, conseguiram superar os
obstáculos em relação ao aumento e diversificação
da sua produção. Entre as possíveis explicações
para o fracasso estavam a falta de uma assistência
técnica adequada, de estratégias efetivas de difusão ou mesmo de confiança para arriscar-se e investir em novidades. Talvez, até as próprias condições
climáticas tenham dificultado o processo. De qualquer forma, as baixas taxas de adesão em alguns locais levaram à criação dos Centros de Aprendizagem
e Intercâmbio de Saberes (CAIS), cuja principal função era expandir a apropriação de novas práticas por
meio de capacitação por lideranças locais (veja informações nas páginas 29 e 30).
As transformações alcançadas na maioria dos projetos demonstram benefícios sociais e ambientais muito
além do retorno puramente econômico. Ilustram estratégias de desenvolvimento socioeconômico e de redução da pobreza rural sem incorrer nos altos custos sociais e ambientais da agricultura industrializada e monocultural em grande escala. Demonstrou-se a viabilidade e rentabilidade da
agricultura sustentável em pequena escala. Gerou-se modelos de produção e desenvolvimento sustentável com potencial multiplicador.
Lições Aprendidas
• Uma abordagem multissetorial – por meio da integração de conhecimentos de agricultura e
•
de nutrição – é fundamental para promover a soberania alimentar-nutricional.
A promoção da investigação participativa pelos próprios produtores no desenho e construção de novas tecnologias assegura sua adequação às condições locais.
• A introdução de novas técnicas e tecnologias agrícolas deve ser articulada com assistência
•
técnica, acesso a financiamento, estratégias de comercialização e fomento à organização local
para poder ter um impacto significativo no desenvolvimento da comunidade.
A mulher exerce um papel-chave na produção em pequenos espaços, no processamento
de alimentos e na tomada de decisões com reflexo positivo na nutrição familiar.
• A capacidade individual e coletiva para buscar e usar informações e recursos relevantes é
decisiva para o bom desempenho dos projetos.
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Microfinanciamento:
Insumo Primordial
D
epois de demonstrar o potencial de novas tecnologias para aumentar a produtividade
em pequenos espaços de terra, surgiu um novo desafio: como criar as condições econômicas para que os agricultores sem capital próprio pudessem adquiri-las? A resposta encontrada por alguns projetos foi a introdução, a partir de 1998, de fundos comunitários estabelecidos com capital inicial da Fundação Kellogg para oferecer microfinanciamento aos
agricultores. Amplamente reconhecido como mecanismo de desenvolvimento econômico e
redução de pobreza, o objetivo do microfinanciamento é permitir acesso a capital financeiro
e a serviços bancários aos setores historicamente excluídos. Para ser uma estratégia viável, os
empréstimos diferenciam-se dos fornecidos pelos bancos comerciais. Têm, entre outras coisas, taxas de juros mais baixas, prazos mais flexíveis, acesso desburocratizado e transparente
e flexibilidade na aplicação do capital. Oferecer essas vantagens e ainda gerar um fundo economicamente viável e auto-sustentável é um grande desafio.
Exemplos de Projetos
Ficha Técnica dos Fundos Comunitários
(valores médios de um grupo de 31 projetos)
2%
Taxa de juros
Prazo para pagamento
13 meses
Valores empréstimos individuais
US$ 150
Valores empréstimos coletivos
US$ 400
Taxa de pontualidade no pagamento
89,74%
US$ 85.173
Valor inicial do fundo
Aumento no valor inicial do capital
Nº de famílias beneficiadas
Fonte: Diaz-Cisneros, 2004.
16
217%
393
Fundación de Apoyo Infantil (FAI),
Sonora, México
Inicialmente concebido como projeto de microfinanciamento para mulheres, os bancos comunitários da Fundación de
Apoyo Infantil (FAI), em Sonora, no norte do México, tornaram-se impulsionadores de processos de desenvolvimento individual e comunitário muito mais amplos. Desde o início, o
projeto integrou uma perspectiva social, buscando fortalecer
a capacidade organizativa das mulheres e oferecer educação em saúde e em nutrição familiar. Muitas mulheres
foram incentivadas a retomar sua educação formal, reconhecendo o valor da alfabetização e da matemática para
poder avançar nas suas atividades econômicas. Além de
melhorar as finanças e a nutrição das famílias, o projeto
ainda aumentou a auto-estima, a confiança e o protagonismo das mulheres.
Até 2002 o projeto possuía 750 sócias em 35 grupos
comunitários. O seu êxito foi tamanho que, nesse mesmo
ano, ele se incorporou ao programa de microfinanciamento do governo federal, com potencial de promover
desenvolvimento econômico e social em grande escala.
Primeiro, dependia dos comerciantes
e dos políticos para comer,
vender nosso produto e até em quem votar.
Hoje, tenho minha própria conta bancária,
sou líder do grupo de poupança na minha
comunidade, explico nosso movimento
aos meus companheiros e companheiras.
Com a cooperativa ganhamos
independência para não entregar
nossa produção a um preço baixo.
Antonio Victor, Vale do Ribeira, Paraná, Brasil
Fonte: PERACI, Adoniram Sanches, 2002. Construyendo
Nuevos Caminos. Sistematización de la Experiencia de
Associação RioSul, Vale do Ribeira,
Paraná, Brasil
Nutrición Humana y Microfinanciamiento Rural de los
Agricultores y Agricultores Familiares del Valle del Ribeira.
Depois de trabalhar por sete anos em um projeto de
agricultura e nutrição humana, a Associação RioSul empenhou-se na criação de uma metodologia de microfinanciamento rural. Em 2001, fundou-se a Cooperativa de Crédito Cresol do RioSul com sistemas de financiamento e poupança acompanhados de capacitação e de assistência técnica. Em pouco tempo, a Cooperativa tornou-se auto-sustentável, alcançando uma taxa de
pagamento pontual dos empréstimos de 98,5%. Até 2002, havia 265 famílias associadas,
organizadas em 38 grupos comunitários em três municípios.
Em 2002, o presidente da Cooperativa apresentou a sua proposta metodológica para o
então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e foi convidado para
participar como conselheiro no programa federal Fome Zero. Também em 2002, um gestor
17
Microfinanciamento: Insumo Primordial
Quando temos um problema,
nos organizamos e vamos procurar
ajuda. Já não ficamos caladas murmurando
os nossos problemas. Fomos aprendendo
isso com o tempo. No começo,
não era assim. Agora, até o presidente
da Câmara Municipal nos convida para
participar nas reuniões que convoca
ou pede para coordenarmos com ele
as ações em favor da comunidade.
Dona María, Sonora, México
Fonte: DOMINGUEZ, Dora Elia García, 2003.
Sistematización del Proyecto: Microeconomia Familiar y
Desarrollo Comunitario. Sonora, México.
do projeto assumiu a responsabilidade pelos programas
federais de crédito rural como diretor do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e transferiu a experiência do projeto ao programa governamental.
Os Resultados
Até 2001, 60% dos projetos de nutrição humana haviam introduzido um fundo comunitário, a maioria deles
com bons resultados econômicos e importantes impactos sociais. Num questionário aplicado aos gestores de
uma amostra aleatória de 31 projetos, em 2002, 90% disseram que o fundo havia sido “muito útil”. Segundo eles,
os empréstimos haviam sido efetivos para aumentar e diversificar a produção agrícola (26%), para gerar rendas adicionais por meio do estabelecimento de empreendimentos comerciais (16%), microempresas produtivas (13%)
ou outras fontes de trabalho (10%). Os empréstimos
foram utilizados também para homogeneizar renda e
consumo durante o ano, reduzindo, assim, a instabilidade financeira e a vulnerabilidade econômica das famílias. As taxas de pontualidade no pagamento foram altas (uma média de 90%)
e as de morosidade absoluta (quem nunca pagou) foram muito baixas, devido, em grande
parte, aos sistemas de confiança estabelecidos pelos comitês locais e a pressão para não se
aproveitar de um recurso coletivo. A grande maioria dos agricultores conseguiu inclusive economizar parte da sua renda, criando poupanças que capitalizaram o fundo comunitário.
Os efeitos estenderam-se muito além das famílias, dinamizando as economias locais
(com a circulação de maiores rendas, de novos produtos e serviços e a geração de empregos) e viabilizando o crescimento de fundos comunitários capazes de oferecer mais empréstimos e outros serviços além de conquistar mais sócios e atingir mais comunidades. Os fundos também tiveram impactos sociais indiretos importantes, como a diminuição do trabalho
infantil, o aumento no número de crianças nas escolas e a melhoria na auto-estima dos agricultores devido à maior autonomia no controle dos seus recursos. Observou-se também o fortalecimento de organizações e de lideranças locais, um aumento em ações coletivas e uma
maior confiança em dialogar com burocratas e líderes políticos.
Nem todos os fundos, no entanto, tiveram êxito. Alguns produtores foram impedidos de
saldar seus empréstimos em virtude de desastres naturais, como foi o caso de agricultores na
Nicarágua, após o Furacão Mitch. O rendimento de outros foi limitado por condições econômicas e ecológicas sumamente desfavoráveis – a extrema pobreza generalizada do Haiti e as
dificuldades de produção no altiplano andino, por exemplo. Em alguns locais, não se encontrou a fórmula adequada para gerar um fundo auto-sustentável.
Apesar da dificuldade metodológica de separar os efeitos do microfinanciamento dos de
outras estratégias de desenvolvimento dos projetos, não resta dúvida de que ele contribuiu
para a melhoria geral da soberania econômica e alimentar das famílias na maioria dos projetos. Os resultados comprovados da eficiência da operação e dos benefícios do microfinanciamento e os esforços para comunicá-los a burocratas e políticos fizeram com que, em alguns
locais, a proposta fosse incorporada às políticas públicas.
18
Até 2001, mais
da metade
dos projetos
de nutrição
humana havia
introduzido
com bons
resultados
um fundo
comunitário
Lições Aprendidas
• É imprescindível partir do conhecimento aprofundado sobre o âmbito socioeconômico e cul•
•
•
•
tural das comunidades e de suas famílias. Isso permite que o capital seja aplicado para fortalecer estratégias de sobrevivência de acordo com a lógica e as condições locais.
O potencial de êxito do microfinanciamento aumenta significativamente com a sua articulação com serviços de capacitação, assistência técnica, educação e saúde.
Superar a perspectiva meramente econômica da pobreza com a integração de funções
sociais e o reconhecimento do valor educativo do processo garante maior retorno no
investimento.
Utilizar formas de organização já existentes (e às vezes invisíveis ao primeiro olhar) facilita
a confiança inicial e dá maior sustentabilidade a longo prazo.
A participação dos sócios no desenho e monitoramento dos critérios e regulamentos e na
administração do fundo comunitário ajuda a assegurar uma operação democrática e apropriada às condições locais.
• A rotatividade dos membros do comitê administrativo ajuda a dividir responsabilidades e a
•
•
diminuir o autoritarismo e a corrupção.
A poupança desempenha um papel decisivo tanto na criação de novas opções para as famílias quanto para a sustentabilidade e o crescimento do fundo.
Fortes contrapartidas dos sócios – poupança, participação em reuniões administrativas e em
atividades de capacitação – são fundamentais para assegurar o compromisso e a apropriação do fundo por eles.
• O microfinanciamento pode abrir novas oportunidades para mulheres e jovens, que são freqüentemente excluídos do mercado de trabalho, das atividades produtivas e da tomada de
decisões econômicas.
19
Alimentação, Nutrição
e Saúde: Elementos
Inseparáveis
E
m matéria de nutrição, a região da América Latina e Caribe vem enfrentando uma das maiores crises de saúde pública de nossos tempos. Apesar dos avanços no combate à fome, a prevalência estimada de subnutrição permanece alta em algumas áreas geográficas e setores populacionais – especialmente entre crianças, mulheres e alguns grupos étnicos. Ao mesmo tempo, a
incidência de sobrepeso e de obesidade vem crescendo de maneira espantosa, inclusive entre
populações de baixa renda e em algumas áreas rurais. Os custos da desnutrição, no subpeso e
no sobrepeso, são altíssimos: altos níveis de morbidade e mortalidade, interrupção de desenvolvimen-
to físico, mental e emocional, a perda de capacidade produtiva e a sobrecarga dos serviços de saúde.
As causas são múltiplas e complexas e variam de acordo com o contexto. Nos domicílios refletem principalmente a dificuldade de assegurar fontes de água limpa e alimentos de qualidade em
quantidade suficiente para satisfazer às necessidades nutricionais de todos. No caso das crianças, o tempo que os adultos disponibilizam para a preparação de comidas e cuidados
No século 20, apesar de riqueza e
infantis podem ser decisivos. Mudanças econômicas vêm proestoques de comida sem precedentes
vocando impactos no estilo de vida e nos hábitos alimentano nível global, a desnutrição se espalhou
res. Entre elas, destacam-se a redução do cultivo de alimentalvez mais que em qualquer outro
tos para autoconsumo e o aumento da dependência de aliperíodo da história.
mentos vindos de fora; a mudança dos preços relativos entre
Overfed and Underfed. The Global Epidemic
alimentos locais frescos e alimentos industrializados; a
crescente acessibilidade a alimentos processados, gordurosos, açucarados e de baixa qualidade nutricional e a po-
of Malnutrition. Worldwatch Paper 150.
derosa propaganda por trás deles; e a adoção, em alguns
Worldwatch Institute. Washington D.C.
contextos, de formas de trabalho e lazer mais sedentárias.
Fonte: GARDNER, Gary, and BRIAN, Halweil, 2000.
20
A desnutrição – tanto num contexto de fome quanto de excesso de peso – foi concebida no Programa como
conseqüência da pobreza, e não como um problema de
insuficiência na produção de alimentos na região ou no
mundo. Os projetos combinaram ações para aumentar e
diversificar a quantidade e a qualidade de alimentos consumidos por meio de duas estratégias principais. A primeira buscava melhorar o acesso econômico familiar a
alimentos por meio do aumento da renda e/ou de alimentos produzidos. O estímulo para o uso de pequenas
áreas de terra e a promoção de hortas caseiras com o uso
de novas tecnologias foram ações-chave: ajudaram a estabilizar a produção e a diversificar os alimentos disponíveis. A segunda estratégia foi informar sobre a seleção,
o aproveitamento e a distribuição de alimentos dentro da
casa e sobre a relação entre alimentação, ambiente, nutrição e saúde. Os projetos orientavam sobre os danos
causados por alimentos altamente processados; abordavam a importância de alimentos frescos locais, inclusive os tradicionais com alto valor nutricional, como quinua, chaya, amaranth e nopal; ensinavam técnicas para aproveitar os alimentos produzidos e preservá-los para consumo fora de época;
alertavam sobre os riscos do uso de leite em pó para crianças pequenas e os múltiplos benefícios
da amamentação; e demonstraram a importância da água limpa e de boas condições de higiene
para evitar vermes e doenças transmissíveis. As informações foram socializadas em visitas domiciliares de promotoras de saúde, em palestras e encontros comunitários e por meio da sua integração em atividades e matérias escolares. A introdução de hortas nas escolas apresentou duplo benefício: ensinou, na prática, o seu valor e forneceu alimentos para a merenda escolar.
Exemplos de Projetos
Instituto de Nutrición de Centro América e Panamá (INCAP)/Projeto
Escuela Saludable, Nueva Concepción, Guatemala
As transformações observadas nas comunidades rurais do município de Nueva Concepción, no sudoeste da Guatemala, demonstram o papel estratégico do setor educacional na promoção da soberania alimentar-nutricional. O projeto capitalizou o potencial dos estudantes como
agentes de mudança nas suas casas e comunidades por meio da transmissão de novas atitudes a comportamentos adquiridos na escola. Depois que membros do INCAP e dos centros
de saúde locais capacitaram os professores em temas de nutrição e saúde, introduziu-se atividades e matérias curriculares para promover hábitos alimentares saudáveis, cultivar hortas
escolares e orientar sobre a importância de ambientes limpos. Observou-se, durante a sistematização do projeto, a transferência de informações para as famílias dos alunos: muitas delas
começaram a cultivar suas próprias hortas, a organizar o lixo da casa e a ferver a água que irá
beber. Notou-se também que a assistência e o rendimento na escola aumentaram, o que foi
atribuído em parte à melhora da alimentação escolar e a uma maior limpeza e organização dos
ambientes. Graças aos seus bons resultados, os módulos de Escola Saudável validados durante o projeto foram incorporados ao currículo da escola pública.
21
Alimentação, Nutrição e Saúde: Elementos Inseparáveis
SANUT, A.C., Yecapixtla, México
O propósito central do projeto do SANUT foi a diminuição da alta prevalência da
desnutrição infantil (em crianças de 0 a 5 anos) nas comunidades de Yecapixtla, no
estado de Morelos, no México. Seus bons resultados – a erradicação total da desnutrição infantil em três comunidades – comprovam a eficácia da estratégia, centrada em
mulheres e crianças. Como a saúde integral da mulher é condição essencial para intervir
na nutrição dos seus filhos, estratégias para fortalecer a auto-estima feminina foram integradas com orientações sobre saúde e nutrição em fóruns comunitários e por meio de
visitas domiciliares de promotoras de saúde. Depois de visitar o centro demonstrativo
do GRUPEDSAC (veja detalhes na página 10), as promotoras estabeleceram um Centro
de Segurança Alimentar, Vigilância Nutricional e Difusão de Ecotecnologias e incentivaram as mulheres a cultivar suas próprias hortas caseiras. Integrou-se um programa de vigilância nutricional para avaliar a eficácia das intervenções e identificar mulheres e crianças
que precisavam de atenção adicional.
Ao mesmo tempo, reconheceu-se o potencial das crianças para adquirir novos hábitos e
atitudes e transmiti-los às suas famílias. A introdução de hortas nas escolas públicas resultou
na integração de uma nova matéria escolar na disciplina de Tecnologia Aplicada, com ênfase
na integração de conhecimentos de produção agrícola e nutrição.
Os Resultados
Nos projetos sistematizados, os próprios participantes observaram mudanças positivas
nos hábitos alimentares e no estado nutricional, redução de morbidade e aumento da disposição para trabalhar.
As melhorias devem-se, em grande parte, à maior autonomia das famílias nas decisões de produção e consumo e, especialmente, ao aumento de produção para consumo
próprio. A valorização do papel da mulher na produção de alimentos e na alimentação
da família, o apoio de promotoras comunitárias na organização de eventos e visitas domiciliares e a introdução de atividades relacionadas à nutrição nas escolas também contribuíram para o êxito dos projetos.
Lições Aprendidas
• Uma abordagem multissetorial – com a integração
Comecei a me inteirar
da produção de vegetais para
a nutrição. Mais para
a frente, aprendi que existem
formas de aproveitar esses alimentos,
de cozinhá-los melhor.
Francisca Escobedo, Sinanché, Yucatán, México
de conhecimentos de agricultura e nutrição – é essencial para alcançar a soberania alimentar-nutricional entre populações rurais.
• A integração de conhecimentos locais e científicos facilita
•
•
Fonte: LENDECHY, Angel, 2003. Sistematización del
proyecto “Rescate y Desarrollo de los Recursos
Naturalesdel Solar”. Una Experiencia
Inter-institucional. Yucatán, México.
22
•
a evolução de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis.
A presença de mulheres saudáveis e com auto-estima
elevada aumenta a probabilidade de que toda a família
tenha uma nutrição adequada.
A higiene ambiental e a água limpa são fundamentais para
possibilitar o bom uso biológico dos alimentos consumidos.
A escola pode exercer um papel-chave na assimilação
de estilos de vida saudáveis na comunidade por meio da
difusão de atitudes e comportamentos dos seus alunos.
Gênero: Tema Transversal
O
conceito “gênero”, entendido como categoria relacional que diz respeito aos papéis e relações entre
mulheres e homens construídos por processos sociais, foi
um tema transversal nos projetos. O Programa de Nutrição Humana partiu da premissa de que é desejável e factível a eqüidade de estados econômicos e sociais, inclusive nutricionais, entre os gêneros, por meio da divisão diferenciada, mas justa, de trabalhos e recursos.
Os projetos buscaram estratégias apropriadas a seus
contextos para o fortalecimento da auto-estima, principalmente das mulheres, o ajuste de relações e papéis e a
revalorização das contribuições femininas a fim de forta-
Diria que o machismo é muito
antigo. Não acho que combina
com a nossa época e tomara que
não volte a acontecer.
Medea Herrerías, 12 anos, promotora
infantil de nutrição alternativa,
Tepotzlán, México
Fonte: CASTRO, Susana, 2003. Sistematización de
un Modelo en Nutrición Alternativa. Primeras
Reflexiones. Tepotzlán, México: Luna Nueva.
lecer a soberania alimentar-nutricional. Alguns projetos focaram inicialmente as mulheres para fortalecer sua posição
e reverter a mentalidade e as práticas de discriminação; outros trabalharam com mulheres e
homens em conjunto. Adolescentes e até crianças também foram envolvidos para incidir na mentalidade e nas normas sociais sobre os papéis e as responsabilidades dos gêneros.
A contribuição da mulher é de particular importância para a soberania alimentar-nutricional da família dado o seu papel na divisão de trabalho, na produção de alimentos para autoconsumo, na seleção, preparação e distribuição da alimentação, nos cuidados com os filhos e
a higiene da casa. O seu estado nutricional também é importante para assegurar a saúde dos
filhos. O bebê de uma mulher desnutrida tem mais probabilidade de sofrer de desnutrição e
níveis mais elevados de morbidade e até de mortalidade. É possível que o filho de uma mu-
23
Gênero: Tema Transversal
lher desnutrida também seja mais vulnerável a sobrepeso e obesidade na vida adulta. É assim
que se dá a transmissão intergeracional biológica e social da desnutrição.
Exemplos de Projetos
Centro de Promoción de la Mujer (CEPROM), Huancayo, Peru
A equipe do Centro de Promoción de la Mujer se empenhou em influenciar normas locais num trabalho de reconstrução de papéis tradicionais dos gêneros nas populações indígenas wanka e quechua do Vale de Mantaro, na região andina peruana. Visando reduzir
os altos índices de desnutrição infantil e feminina na região, estimulou-se a diversificação
da dieta familiar, com a incorporação de fontes locais de proteína – grãos e cereais como
a quinua e o tarwi que haviam sido trocados pelo consumo habitual de arroz e trigo. Introduziu-se o uso de máquinas agroindustriais para substituir o processamento manual
dos grãos. Os produtos processados contribuíram muito para superar as deficiências nutricionais e a sua comercialização se converteu em renda
adicional.
As mulheres foram treinadas, junto com os homens,
Antes não sabia nem me
na operação e na manutenção das máquinas e encoraexpressar. Agora, posso
jadas a superar seu temor inicial da maquinaria em si e de
manipular máquinas e já não
deixo que me enganem.
Victoria Bendezù, Huanchar, Huancayo, Peru
Fonte: HILARES, German, 2003. Procesamiento de
Cereales y Granos Andinos. Nutrición y Alimentación
en Comunidades Campesinas del Valle del Mantaro.
Sistematização. Huancayo, Peru: CEPROM.
24
ocupar um espaço considerado tradicionalmente masculino. Logo confiaram na sua própria capacidade. Trabalhou-se em paralelo com os homens das comunidades para
superar sua resistência à participação das mulheres e para
incentivá-los a dedicar mais tempo ao trabalho doméstico. Os mais entusiasmados passaram, inclusive, a participar de festivais de cozinha típica, ajudando a superar o
preconceito.
Alcançou-se um sutil reequilíbrio da divisão de trabalho, potencializando a participação das mulheres
numa atividade econômica complementar. No processo, o trabalho e o tempo da mulher foram revalorizados, o que contribuiu para aumentar sua confiança de
arriscar-se em novas atividades.
Faz quase dois anos que sou
representante da minha comunidade
e estou muito contente por isso.
Para mim, tem sido muito bom porque
aprendi a dar valor a mim mesma.
Perdi o medo de falar no meio
de muitas pessoas.
Os Resultados
Evidenciou-se, em primeiro lugar, maior engajamento das mulheres em atividades econômicas, como produção e processamento de alimentos, comercialização de
produtos e formação de pequenos negócios. Tais ativida-
Juana Frias Verde, San Jose de la Laja,
Tequisquiapán, Querétaro, México
Fonte: RABASA, Manuel, 2001. Sistematización
de la Experiencia del Proyecto Tequisquiapán.
des foram fortalecidas por meio do acesso à capacitação
e assistência técnica e a serviços financeiros, como microfinanciamento e poupança – historicamente negados à
maioria das mulheres.
Querétaro, México.
As mulheres foram quem mais buscou colocar em prática as informações e orientações
para melhorar a nutrição da família, por meio da seleção e preparação de alimentos saudáveis
e dos cuidados com seus filhos. Pode-se concluir que as melhorias nutricionais observadas nas
avaliações dos projetos devem-se em grande parte à sua contribuição.
Observou-se ainda incremento na participação coletiva e sociopolítica delas tanto em seus
próprios comitês e clubes quanto em associações comunitárias. Nas sistematizações dos projetos foram apresentados testemunhos de mulheres que se sentiram mais valorizadas e poderosas nos seus papéis e relações na família e fora dela. São evidências do êxito das estratégias para fortalecer a auto-estima e a confiança da mulher que certamente terão impacto
positivo na saúde das futuras gerações.
A maior participação econômica, política e social das mulheres requereu mudanças de atitude e comportamento delas e dos homens. As mudanças nem sempre foram fáceis e não garantiram eqüidade perfeita entre os gêneros. Restam ainda muitos problemas e desequilíbrios.
O maior deles, talvez, seja a dupla jornada das mulheres – que trabalham dentro e fora de casa.
Os projetos contribuíram para mostrar o êxito de experiências para melhorar o bem-estar
da família por meio do ajuste das relações de gênero. Eles vêm pressionando modificações
em programas e políticas públicas com potencial de institucionalizar novas normas, como o
acesso de mulheres a serviços financeiros e técnicos, a promoção de serviços de saúde da mulher (inclusive planejamento familiar e serviços de pré-natal) e a correção de vieses e preconceitos nos currículos escolares.
Lições Aprendidas
• A decisão de trabalhar com a mulher ou com toda a população depende das condições lo•
•
cais e do estado atual das relações de gênero.
A família é o lugar mais lógico e adequado para trabalhar as relações de gênero.
O investimento na auto-estima, no protagonismo e na saúde integral da mulher aumenta a
probabilidade de melhor estado nutricional dos seus filhos.
• Integrar as questões de gênero no currículo escolar permite reorientar a socialização e a formulação de normas sociais desde cedo.
25
A Juventude:
Futuro do Campo
C
erca de 60% da população da América Latina e Caribe tem menos de 30 anos de idade.
Sem oportunidades de aprender, crescer e assumir responsabilidades, os jovens são vulneráveis a graves problemas sociais, como desemprego, crime e violência, dependência de
drogas, Aids e gravidez precoce. A problemática da juventude rural é ainda mais complicada
dado o baixo investimento do Estado em educação, trabalho e infra-estrutura. O forte atrativo dos centros urbanos promovido pela mídia popular e a desvalorização cultural da zona rural
assimilada pela própria população fazem com que haja lugares onde é raro um jovem que queira ficar trabalhando na agricultura ou mesmo num empreendimento rural.
O Programa de Nutrição Humana partiu da premissa de que, dadas as devidas oportunidades, os jovens têm energia e visão para construir um futuro melhor. Por isso, tratou de motivar sua criatividade e espírito empreendedor e de potencializar seu papel na difusão de inovações. Procurou dar o espaço necessário para que o jovem
Os adultos pensam que as crianças
não são capazes. E nós fazemos com
que eles percebam que podemos,
que a nossa opinião vale.
Joaquin Medina Labastida, Tepotzlan, México
Fonte: CASTRO, Susana, 2003. Sistematización de un
Modelo en Nutrición Alternativa. Primeras Reflexiones.
Tepotzlán, México: Luna Nueva.
26
pudesse se desenvolver e assumir as responsabilidades que
lhe cabem com entusiasmo.
Os projetos com foco na juventude trabalharam em uma
ou duas frentes inter-relacionadas. A primeira foi a promoção do protagonismo juvenil por meio de atividades de formação não formal que permitissem aos jovens experimentar, aprender, crescer, liderar e assumir responsabilidades nas
atividades dos projetos. Diversas estratégias asseguraram o
seu crescimento pessoal e o desenvolvimento de visão e valores sociais com uma perspectiva política.
A segunda frente foi a introdução de novos elementos no
currículo da educação formal: a promoção de hortas escolares, como fonte de alimentos saudáveis e de demonstração de técnicas alternativas, e a divulgação de conhecimentos nutricionais
com o intuito de iniciar a socialização de novos hábitos desde cedo e de aproveitar a influência
de crianças e jovens nas suas famílias e comunidades. Buscava-se, no final, criar propostas de
uma educação voltada ao contexto rural.
Exemplos de Projetos
Empresa de Servicios Técnicos Agropecuários del Occidente
(SETAGRO), Rancherías, Chinandega, Nicarágua
O protagonismo juvenil não foi concebido como estratégia central no projeto Pequeña Empresa
Comunitaria de Servicios Productivos. Seu objetivo era melhorar a renda e a nutrição da família por
meio da agricultura ecológica, oferecendo capacitação e insumos agrícolas a produtores adultos.
Não demorou muito, no entanto, para que os jovens das comunidades rurais do município
de Chinandega, no noroeste da Nicarágua, assumissem uma posição de liderança junto à Empresa de Servicios Técnicos Agropecuarios del Occidente (SETAGRO). Eles formaram uma junta diretiva que ajudou a dar direção à execução do projeto e funcionou ao mesmo tempo como comitê de microfinanciamento para jovens. Receberam capacitação em ecotecnologias e atuaram
como promotores (as) agrícolas nas suas comunidades. Alguns formaram uma Microempresa de
Serviços Ambientais, que ajudou a criar consciência ambiental na população local. Outros montaram seu próprio negócio para produzir hortaliças com sistemas de irrigação por gotejamento.
A experiência obtida durante o projeto ajudou os jovens a desenvolverem sua consciência de cidadania e a capacidade de mobilizar outras pessoas. Graças a isso, conseguiram a instalação de um projeto municipal de água potável e a aprovação de um programa de bolsas
de estudos para jovens rurais.
Ser viço de Tecnologia Alternativa (SERTA), Glória de Goitá,
Pernambuco, Brasil
O foco do Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA), como é o caso de muitas outras organizações não-governamentais da região, sempre foi a educação popular. Desde 2000, a entidade
oferece cursos para adolescentes formarem-se como agentes de desenvolvimento local (1.440 horas)
O Programa
de Nutrição
Humana
investiu
no espírito
empreendedor
do jovem
e no seu
potencial
na difusão
de inovações
A Juventude: Futuro do Campo
O protagonismo
juvenil virou
prioridade
em muitos
projetos
de nutrição
humana
e agentes de desenvolvimento da arte e cultura (720 horas). A idéia é direcionar o protagonismo
e a criatividade do jovem para o desenvolvimento local rural. Seus ex-alunos ocupam hoje postos
em Conselhos Tutelares e desenvolvem atividades como a gerência de uma rádio comunitária.
Ao longo do seu trabalho, no entanto, um dos problemas levantados pela equipe foi a falta
de conexão entre os conhecimentos transmitidos nas escolas da região e a realidade rural. O
abismo entre eles gerava a indiferença dos alunos aos assuntos locais, fortalecendo o desejo de
migrar para centros urbanos. Ciente do peso da experiência escolar na socialização de crianças
e adolescentes, o SERTA assumiu o desafio de criar uma nova proposta pedagógica rural e pressionar por sua aceitação na rede pública de ensino. Procurou integrar sua experiência em educação popular – conteúdo e metodologia – com as bases centrais da grade curricular pública.
Produto de muitos anos de experimentação e reflexão, a então chamada Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS) deu base para a definição de um
marco legal nacional de educação rural, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, em
2002. Foi a primeira vez na história do Brasil que o Estado reconheceu oficialmente o valor e
a necessidade de uma educação diferenciada no âmbito rural.
Os Resultados
O protagonismo juvenil virou prioridade em muitos projetos de nutrição humana. Os jovens
foram receptivos à oportunidade de criar fontes de trabalho e de geração de renda por meio de
novas técnicas e de acesso a empréstimos e a outros serviços. Apostaram no estabelecimento de pequenos negócios rurais e entenderam rapidamente o potencial de novas técnicas e tecnologias para conservar os recursos ambientais. Transformaram-se em promotores de agricultura
e nutrição/saúde em vários projetos e, posteriormente, nos Centros de Aprendizagem e Intercâmbio de Saberes (CAIS), visitando famílias e difundindo conhecimentos e práticas inovadoras.
O alto nível de engajamento em atividades produtivas e educativas demonstrou o desejo dos jovens de criar uma vida viável no campo e o êxito de estratégias para revalorizar a identidade rural.
Formaram-se grupos e comitês juvenis em várias instâncias para organizar diversos aspectos do seu trabalho, desde o acesso coletivo a fatores produtivos até a reivindicação de recursos públicos para o desenvolvimento local. Esses grupos desempenham, hoje, papéis-chave nos
Conjuntos Integrados de Projetos (CIPs) e na formação de diversas redes juvenis na região.
Os esforços de incidir na educação formal também deram resultados. Houve avanços na
implantação de propostas pedagógicas para o campo, como a incorporação de módulos da
Escola Saudável e da metodologia de alternância (Escola Família Agrícola), e a aprovação de
normas legais para uma educação rural diferenciada. No final, o que se testemunhou em diversos locais foi um investimento no futuro, na possibilidade de romper a transmissão intergeracional da pobreza por meio do trabalho com o jovem.
Lições Aprendidas
• A oportunidade e o espaço para experimentar e inovar são fortes atrativos para o jovem.
• Educação formal voltada à realidade rural faz a criança e o jovem criarem compromisso com
o campo.
As crianças e os jovens são educadores por natureza. Em geral, transmitem seus conhecimentos para as pessoas que os cercam.
Esforços contínuos para revalorizar a identidade rural podem reverter a forte influência do
viés urbano na mídia, na educação, e nas políticas de desenvolvimento.
•
•
28
Estratégias Complementares
E
nquanto os projetos locais foram as peças centrais do Programa, seus efeitos foram catalisados e espalhados por meio de um conjunto de estratégias paralelas.
Centros de Aprendizagem e Intercâmbio de Saberes (CAIS)
Desde 2002, foram criados 17 Centros de Aprendizagem e Intercâmbio de Saberes (CAIS) em oito
países da região, com um investimento inicial de 4,2 milhões de dólares. O objetivo do CAIS é aproveitar a enorme riqueza das experiências nos projetos de nutrição humana, assegurando a ampla
difusão e adoção de tecnologias inovadoras de produção, processamento, conservação e comercialização de alimentos. A idéia nasceu da percepção de que, sem o apoio técnico no local, a taxa de adoção de novas tecnologias entre agricultores tendia a ser mais baixa do que se esperava.
Os Centros funcionam por meio da demonstração, da capacitação e do intercâmbio. Visam
aumentar a adoção de tecnologias desenvolvidas a partir da recuperação de conhecimentos locais. Sua estratégia principal é a preparação técnica e pedagógica de jovens e adultos multiplicadores para difundir técnicas e tecnologias para locais cada vez mais distantes dos CAIS. A capacitação acontece por meio de
Queremos ser uma universidade
programas educacionais de curta e média duração conpara a vida, altamente competitiva
duzidos nos próprios Centros por uma equipe de técnipara a formação de homens e mulheres líderes
cos e educadores. Em geral, suas instalações incluem
áreas de demonstração de tecnologias sustentáveis, quintal com horta caseira e criação de pequenos animais, protótipo de casa rural, construída com materiais locais, fogão
econômico e cisterna para armazenagem de água, salas
em bem-estar rural, que compartilha
aprendizados para o desenvolvimento
de habilidades e competências.
German Hillares, CEPROM, Peru
29
Estratégias Complementares
de aula, dormitórios e instalações para hospedagem. Um CAIS no estado de Oaxaca, no México, conta, inclusive, com sua própria estação de rádio para facilitar a comunicação entre agricultores de 20 comunidades distantes. No CAIS operado pelo SERTA, em Pernambuco, no Brasil, montou-se um Centro de Documentação para centralizar os materiais produzidos pelos
projetos de nutrição humana e pelos CAIS.
Várias atividades estratégicas asseguram uma dinâmica de apoio mútuo entre os membros da Rede dos CAIS na região: encontros anuais para discutir metodologias pedagógicas e
investigativas e compartilhar inovações tecnológicas, visitas de intercâmbio, site constantemente atualizado com informações e novidades e criação de um banco de dados sobre as
tecnologias desenvolvidas. Essas atividades acabaram criando uma identidade coletiva e um
sentido de pertencer a um empreendimento regional com objetivos amplos de melhoria econômica e social no campo. O sentido é ainda potencializado pelo fato de que muitos diretores e integrantes das equipes dos CAIS foram graduados pelo Programa de Fortalecimento de
Líderes e pela participação de todos os Centros na Rede Latino-Americana e Caribe para Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável (RedLayc).
O CAIS é fundamental na estratégia de influenciar mudança nas políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável em cada sub-região. Ele demonstra a viabilidade e a rentabilidade da agricultura em pequena escala, promovendo intercâmbios com gestores para convencê-los a criar condições favoráveis para o desenvolvimento local sustentável. Entre inúmeros
exemplos de impacto, destacam-se o do estado do México e o do Peru. O governo do estado do México construiu centros modelados nos CAIS em oito municípios marginalizados. No
Peru, o Ministério da Agricultura capacita seus funcionários no CAIS para, posteriormente, disseminar as ecotecnologias e promover iniciativas para a agroindústria rural entre seus clientes.
Espera-se alcançar uma Rede de Centros auto-sustentados, dinamizadores de aprendizagem aplicável nas práticas cotidianas da população rural local. Por meio da venda
de produtos e serviços para outras organizações, do empreendimento de ecoturismo em
condições favoráveis e de convênios com organizações privadas/não-governamentais e
entidades governamentais busca-se a sustentabilidade financeira dos CAIS.
Mestrado em Desenvolvimento
Comunitário Sustentável (MDCS)
O principal motivo (para a criação
do MDCS) foi a necessidade
de oferecer às pessoas com as quais
trabalhamos, que vêm de setores
marginalizados, intervenções de maior
qualidade. É justamente essa população
que requer recursos humanos que, além
de comprometidos com a mudança
social, estejam capacitados.
Dora Elia Garcia Dominguez, autora da idéia do
Mestrado e graduada do PFL, em 2001, membro
do Conselho Consultivo do MDCS.
30
A proposta do Mestrado em Desenvolvimento Comunitário Sustentável (MDCS) partiu de uma integrante do
Programa de Fortalecimento de Liderança (PFL) e foi adotada posteriormente pela RedLayc. Seu objetivo é a profissionalização da prática social no nível comunitário por meio
da formação de profissionais com visão holística, crítica e
construtivista, aprimorando, assim, a qualidade das intervenções locais. Baseia-se no desejo de enriquecer a prática acadêmica com experiências e aprendizagens geradas
a partir dos projetos de nutrição humana.
O programa é realizado a distância e foi concebido principalmente para profissionais sem opção de se ausentar das
suas organizações durante períodos prolongados. Para fazer
parte dele não é preciso ter participado de um projeto de nu-
trição humana e há, inclusive, bolsas de estudo para aspirantes sem condições financeiras de arcar
com os seus custos.
Diferente de programas acadêmicos tradicionais, o MDCS promove uma metodologia participativa e ativa, na qual se aprende por meio da troca de saberes e experiências e da abordagem de ação reflexiva. Seu enfoque é multidisciplinar, buscando a integração de conhecimentos teóricos e metodológicos em prol do bem-estar social e econômico das pessoas e
da comunidade como um todo. O curso é mais prático do que acadêmico, sendo direcionado à solução de problemas concretos das comunidades.
A estrutura curricular de dois anos tem quatro módulos temáticos: Desenvolvimento Rural;
Produção Sustentável; Economia Social e Microfinanciamento; e Saúde/Nutrição Comunitária.
Além de adquirir conhecimento teórico e metodológico nesses temas, os mestrandos desenvolvem habilidades em investigação e diagnóstico social; elaboração e gestão de projetos comunitários; sistematização e avaliação de experiências; desenho de materiais educacionais; articulação de alianças estratégicas; e influência em políticas e práticas públicas.
O programa constitui-se de três momentos diferenciados de aprendizagem. O primeiro é
o estudo virtual em aulas formais, foros de discussão e tarefas individuais por meio da Internet. O segundo é a visita a projetos-modelo como estudos de caso. O terceiro é um projeto
comunitário individual, o fio condutor para a integração e assimilação prática dos aprendizados teóricos e metodológicos e a eventual tese do mestrando.
As visitas de campo oferecem oportunidades para intercâmbio e aprendizagem mútua entre
profissionais – os mestrandos e seus anfitriões. Os projetos beneficiam-se do exercício prévio
de sistematizar e “empacotar” suas experiências num programa didático e também de receber uma retroalimentação de profissionais de campo. A dinâmica também garante a difusão
e multiplicação de experiências na região. Grande número dos projetos visitados é nos CAIS
e aproveitam a sua infra-estrutura física e capacidade pedagógica.
O Mestrado é administrado pelo Programa Acadêmico para as Américas da Universidade de
Harvard (LASPAU) nos Estados Unidos e conduzido pela Universidade Nacional da Costa Rica. A
RedLayc é responsável pelo componente presencial – a aprendizagem durante as visitas de
campo. O corpo docente é composto de instrutores de ONGs e professores universitários com experiência prática. Os próprios mestrandos também atuam como docentes nas suas especializações.
O seu desempenho é rigorosamente avaliado por docentes e mestrandos a fim de ajustálo às aspirações e necessidades dos seus participantes. Para mais informações sobre o mestrado, consulte o site www.redlayc.net.
Conjuntos Integrados de Projetos para o Desenvolvimento Local (CIPs)
Vários projetos de nutrição humana desempenharam papéis-chave na consolidação dos
novos Conjuntos Integrados de Projetos para o Desenvolvimento Local (CIPs) em algumas
microrregiões do continente. Desde 1999, a Fundação Kellogg vem apoiando tais projetos
em aliança com jovens locais. O objetivo é provocar transformações políticas e sistêmicas favoráveis ao desenvolvimento local sustentável por meio da articulação dos esforços de projetos individuais em iniciativas integradas e multissetoriais.
Os benefícios da integração de projetos de nutrição humana com os CIPs são de mão dupla.
Os projetos trazem para os CIPs uma perspectiva fundamental sobre o desenvolvimento econômico e social por meio da atenção à produção sustentável de alimentos, à geração de renda
e ao consumo saudável. Em condições de extrema pobreza, nas quais a primeira preocupa-
31
Estratégias Complementares
ção é ter o que comer, também funcionam freqüentemente como porta de entrada para a
criação de estratégias mais amplas de desenvolvimento comunitário. Alguns projetos ainda
trouxeram experiência de desenvolvimento de alianças com jovens rurais, contribuição inestimável à articulação dos novos projetos com a juventude. Em alguns casos, os CIPs vinculamse estreitamente com um dos Centros de Aprendizagem e Intercâmbio de Saberes (CAIS). Ao
mesmo tempo, as organizações gestoras dos projetos de nutrição humana são fortalecidas e
suas aprendizagens são espalhadas para além do seu alcance geográfico inicial.
Para mais informações sobre os CIPs, consulte o site da Fundação Kellogg: www.wkkf-lac.org.
RedLayc: Uma Rede para Segurança Alimentar
e Desenvolvimento Sustentável
Criada em 2002, a RedLayc constitui um movimento permanente em prol da criação de
ambientes, políticas e práticas favoráveis à soberania alimentar-nutricional de populações vulneráveis. Surgiu a partir da crença de que uma massa crítica de atores com visões e objetivos
comuns tem mais possibilidade que qualquer projeto ou organização isolada de influir na opinião pública e nas decisões e ações políticas necessárias para promover mudanças sistêmicas
e estruturais. Surgiu também a partir da preocupação de socializar as informações e aprendizagens geradas pelos projetos e processos de avaliação e sistematização.
A Rede foi concebida como uma entidade aberta e democrática, fluida e ágil, capaz de
responder rapidamente às oportunidades estratégicas locais e regionais. É composta de redes
nacionais ou sub-regionais em cinco sub-regiões, cada uma mobilizada e coordenada por representantes locais que constituem o grupo de liderança da Rede, conhecido informalmente
como grupo dinamizador. O grupo reúne-se duas vezes por ano para planejar e avaliar o trabalho nas suas sub-regiões e no continente e para participar de fóruns de capacitação. Os membros da Rede também mantêm constante comunicação por
meio de listas eletrônicas e de uma página na Internet. Para
preparar-se para incidir em políticas e práticas públicas, a
Esperamos, por meio da RedLayc,
Rede criou um observatório dedicado a realizar análise concolocar na agenda pública dos países
juntural permanente para que seus membros possam anda região o tema da soberania e da segurança
tecipar o surgimento de novas oportunidades. Busca-se
alimentar das comunidades rurais de forma
espaços de participação democrática como os conselhos
que ele seja tratado como uma prioridade
municipais para criar políticas locais. Promove-se ainda
nacional e regional para superar a pobreza
oportunidades para enriquecer a compreensão entre seus
e a fome. Isso deve ser feito por meio
membros de processos de formulação e de implementa-
da modificação das políticas públicas
de forma concreta, transformando o fomento
à agricultura familiar em política de estado
em cada país, como acontece atualmente
no Brasil. A RedLayc quer ser uma rede com
forte presença latino-americana e caribenha
tanto por suas experiências de sucesso quanto
por sua capacidade de propor políticas
públicas e sociais na região.
Manuel Rabasa Guevara, coordenador da RedLayc
32
ção de políticas.
A Rede visa ser amplamente reconhecida e consultada como autoridade em assuntos de produção agrícola em
pequena escala, soberania alimentar-nutricional em populações vulneráveis, desenvolvimento rural sustentável e a
superação de pobreza na região.
Para obter mais informações sobre a RedLayc ou as
redes sub-regionais, basta comunicar-se com os membros
do grupo dinamizador por meio do seu coordenador Manuel Rabasa Guevara ([email protected]) ou pelo site da
RedLayc (www.redlayc.net).
Avaliação de Impactos
Socioeconômicos
U
ma avaliação independente de uma amostra aleatória de 21 projetos em dez países,
conduzida pelo Colégio de Posgraduados de Chapingo, no México, entre 2000 e 2001,
comprovou os resultados e impactos dos projetos de acordo com seus objetivos iniciais. Entrevistou-se 1.418 famílias em 219 comunidades, uma amostra de 10% a 15% da população
total de 9 mil famílias nos 21 projetos. Com 1.500 variáveis, gerou-se uma base de dados com
mais de 2 milhões de informações quantitativas. A base de dados completa encontra-se no
site da RedLayc (www.redlayc.net).
Tabela 1: Informação sobre os Perfis Socioeconômicos e o Consumo Alimentar das Famílias
Característica
Tamanho das famílias
Porcentagem da população-alvo < 21 anos
Anos de escolaridade, chefe da família
A média na amostra das famílias
5 membros
54%
5
Analfabetismo
18%
Acesso à terra
4,37 ha
Renda diária familiar per capita*
Característica
US$ 0,72
Porcentagem das famílias
Fonte da renda familiar inclui agropecuária
97%
Fonte da renda familiar inclui assalariado
63%
Fonte principal de alimentos: autoprodução**
12%
Fonte principal de alimentos: comprados**
68%
Consumo freqüente de alimentos industrializados/processados***
47%
* Valores imputados de mão-de-obra, terra e insumos.**Média de uma variedade de nove categorias de alimentos.***Média de vários tipos de comida industrializada e frita.
33
Avaliação de Impactos Socioeconômicos
O acesso aos resultados facilitou
a troca entre o PASAR
e as famílias da comunidade, permitindo
o crescimento de capacidades e da própria
gestão. As entidades, incluindo a população
da comunidade, qualificaram a
avaliação como muito frutífera.
Ana Silvia Taveras, PASAR,
República Dominicana
A avaliação coletou dados sobre os perfis socioeconômicos das famílias para caracterizar os contextos de operação (veja dados na Tabela 1), criou uma linha de base
que permitirá estudo longitudinal de impacto, gerou informações sobre estratégias exitosas e malsucedidas e
relatou o impacto socioeconômico percebido pelas famílias. Além de propor ajustes às linhas estratégicas dos projetos, apontou resultados e impactos obtidos e quem
são os beneficiados. As informações foram usadas pelas
próprias equipes dos projetos, atores comunitários, outras organizações envolvidas em desenvolvimento rural
e pelos responsáveis por políticas e práticas públicas em
ambientes rurais.
A realização da avaliação foi para os projetos uma oportunidade de aprendizagem,
tanto na sua condução (capacitou-se quase 300 pessoas locais para conduzir as entrevistas) quanto no conhecimento gerado em cada local. O valor da avaliação, como meio de
pensar estrategicamente e de questionar pressuposições, foi reconhecido pelas próprias
pessoas envolvidas nos projetos e nas comunidades.
Os Resultados
A avaliação demonstrou que a maioria das famílias tem percepções positivas acerca
dos benefícios dos projetos (veja Tabela 2). Destacou em especial o papel-chave do pequeno lote ou quintal no aumento da produção, um espaço freqüentemente não valorizado.
Uma meta-avaliação conduzida por consultores independentes (Myren e Felstehausen,
2002) enfatizou a criação de novas organizações comunitárias e o fortalecimento de organizações existentes como uma importante estratégia na obtenção dos resultados observados na avaliação. Os dados confirmaram que os projetos alcançaram seu objetivo
principal, promovendo espaços para a soberania do pequeno agricultor e demonstrando a sua viabilidade como elemento crítico no setor agrícola.
No final, foi publicado um documento de avaliação de
cada projeto, no qual se apresentam descrição de contexto, estratégias aplicadas e os resultados e impactos alPôde-se perceber um maior
cançados. Os documentos podem ser consultados no site
aprendizado por parte
da RedLayc: www.redlayc.net.
dos estudantes e técnicos encarregados
do levantamento das informações. Depois
Tabela 2: Percepções das Famílias
da avaliação, eles passaram a compreender
sobre os Impactos dos Projetos
melhor as percepções e as aspirações
69% disseram que aumentou a sua produção de alimentos
das pessoas da comunidade e dos sujeitos
69% obtiveram renda adicional gerada por atividades produtivas
do projeto. Eles compreenderam
financiadas por microfinanciamento oferecido pelo projeto
que quantificar os resultados
63% disseram que melhorou a nutrição de toda a família
era importante para enfrentar
48% disseram que melhorou especificamente a nutrição infantil
melhor os desafios.
(crianças menores de 5 anos de idade)
Nestor Calle, CEE, Bolívia
34
3% declararam que não tiveram nenhum benefício derivado do projeto
Sistematização
de Experiências
O
s dados quantitativos da avaliação foram enriquecidos por dados qualitativos gerados por
um processo de sistematização de experiências de
17 projetos em oito países, entre 2001 e 2003. Os projetos foram selecionados por sua diversidade de contextos e resultados. Primeiramente, foram capacitados
integrantes de oito projetos por consultores independentes, experientes em metodologias de sistematização.
Após iniciar a sistematização dos seus projetos, eles
se encarregaram de capacitar integrantes de mais
nove projetos e de facilitar os processos de sistematização nos projetos deles.
Sistematizar é recuperar nossa
experiência no projeto
e conversar sobre ela, analisá-la
para aproveitar suas lições positivas
e negativas. Não é só falar
o que temos realizado, mas
também como fizemos.
Nephtali Ortiz Medrano,
UNOSJO, México
Diferentemente de uma avaliação ou investigação
científica, a sistematização promove uma reflexão sistemática, crítica e coletiva sobre os
resultados e os processos de um projeto ou de uma experiência qualquer. Essa metodologia consiste em um conjunto de técnicas flexível às condições específicas de cada projeto. Incluem reuniões comunitárias de reflexão e análise; entrevistas e inquéritos; revisão
documental das experiências das organizações gestoras; processamento e análise de informações; elaboração de informes para devolução e discussão contínua. É uma metodologia altamente participativa, propiciando espaços seguros para a franca discussão de
opiniões e sentimentos pessoais diversos e às vezes até conflitantes. No fundo, são técnicas e hábitos a serem integrados na prática regular de reflexão, aprendizagem e reposicionamento dos projetos e das organizações.
35
Sistematização de Experiências
As experiêcias dos projetos
foram resgatadas com a avaliação
e a sistematização. Nos apropriamos
de metodologias que nos permitiram
escrever a nossa própria
história e transcender a outros
espaços em nossas regiões.
German Hilares, CEPROM, Peru
Dentro do Programa de Nutrição Humana, usou-se
a sistematização para facilitar a reconstrução e a ampliação da compreensão das experiências vividas e a
geração de novos conhecimentos coletivos sobre os
projetos. Como a avaliação, o processo visou à reorientação de estratégias a partir da discussão de avanços e
desafios e também teve o objetivo de divulgar aprendizagens, articular histórias e validar propostas que pudessem ser reproduzidas em outros locais. Os achados
têm sido de suma importância no esforço de influenciar
políticas públicas.
Benefícios e Resultados da Sistematização
Os benefícios do processo de sistematização foram múltiplos. Além de facilitar a construção de conhecimento e aprendizagem coletivos, permitiu ordenar percepções e conhecimentos dispersos surgidos durante a prática cotidiana; organizar e socializar informações e aprendizagens; reconhecer avanços e realizações; perceber a capacidade de proposição dos gestores
e atores dos projetos; reforçar a motivação; criar e reforçar a identidade coletiva no grupo; e
adquirir habilidades individuais e coletivas de organização, reflexão e análise.
Durante o processo de sistematização percebeu-se a importância do engajamento de
agricultores e de seus familiares na busca de melhores condições de vida no meio rural e
também a importância da ação coletiva para reforçar o potencial e o alcance das iniciativas individuais de mudança. Observou-se, no nível local, o fortalecimento de organizações de base. No nível regional, nasceu a RedLayc, rede de segurança alimentar e desenvolvimento rural sustentável (veja texto na página 32).
Para quem possa interessar, há um conjunto de estu-
A contribuição mais importante
do processo de sistematização
do Programa de Nutrição Humana
foi possibilitar, a todos que fizeram
parte dele, a compreensão
e a apropriação
das experiências. Construiu-se
um importante processo de recuperação
e reafirmação dos ideais
[do Programa], assim como
a identificação de valores e propósitos
comuns, que tornaram possível
a proposta de trabalhar em rede
como forma de provocar impacto
nas políticas públicas.
Manuel Llanos–Castillo,
Universidad del Valle, Cali, Colômbia
36
dos de casos rico em detalhes dos processos conduzidos
e dos resultados alcançados em diversos contextos na região. Produziu-se também um documento-guia da metodologia de sistematização (os documentos estão disponíveis no site da RedLayc, www.redlayc.net).
Com o objetivo de socializar os conhecimentos e divulgar novas propostas, também sistematizou-se a
experiência do Programa como um todo. O exercício demandou uma série de discussões, análises profundas e
trabalhos de síntese entre os 16 facilitadores treinados
para a reconstrução do marco teórico do Programa, a análise dos temas fundamentais trabalhados em todos os
projetos e a integração das lições aprendidas nos projetos sistematizados. O resultado está disponível num
documento intitulado “Rompiendo Barreras. Sistematización de la Iniciativa de Nutrición Humana. Un Ejercicio de Aprendizaje en un Conjunto de Proyectos Sociales en América Latina y el Caribe”, também disponível no
site www.redlayc.net.
Política Pública: Promessa
de Transformação Duradoura
A
transferência de experiências-piloto para o plano da política pública é a maneira mais
lógica de estender o alcance geográfico, populacional e temporal de estratégias validadas, tornando-as independentes de financiamento privado. Constitui, porém, um dos maiores desafios no campo social, dado o grande abismo em linguagem, motivos e até confiança
entre os atores da sociedade civil e os do mundo político.
Entendemos política pública de maneira bem ampla. Ela incorpora tanto a formulação
de políticas como a implementação e controle social de políticas e programas públicos. O
objetivo fundamental da opção de incidir em políticas e práticas públicas foi criar ambientes favoráveis à missão central do Programa: a soberania alimentar-nutricional, especialmente
das populações vulneráveis da região. Isso pode acontecer de várias formas: com a incorporação dos aprendizados de experiências exitosas na formulação de políticas globais, com
a inclusão de práticas validadas nos projetos-piloto em
programas governamentais e sua replicação para outros
locais, ou mesmo por meio da alocação de recursos públicos a experiências de sucesso gerenciadas por agentes não-governamentais.
Para favorecer sistemas de produção e comercialização
sustentáveis em pequena escala, são necessárias provisões
públicas, como infra-estrutura física (estradas, mercados e
eletrificação rurais), acesso à terra produtiva, à informação,
assistência técnica, água, transporte e segurança pública,
saúde e educação apropriadas para o meio rural, além de
investimento no desenvolvimento de tecnologias e insu-
Pretendemos ser agentes
multiplicadores de alternativas
para o campo. Queremos ser
levados em conta nas decisões
do governo, fator indispensável
no desenvolvimento sustentável.
Margarita Barney,
GRUPEDSAC, México
37
Política Pública: Promessa de Transformação Duradoura
O Programa
procurou
influenciar
políticas
e práticas
públicas
mos para agricultura sustentável em pequena escala e incentivos para a adoção de práticas de
conservação e o estabelecimento de microempresas rurais.
Para promover a saúde nutricional, considerou-se fundamental a existência de serviços públicos básicos, como saneamento básico e coleta de lixo; garantia de água limpa para consumo;
fácil acesso a serviços de saúde; promoção de saúde preventiva, inclusive em temas nutricionais, e sua incorporação em currículos escolares; o investimento em pesquisa e ações para a
superação da má nutrição; a regulação de processos de produção (inclusive o controle do uso
de organismos geneticamente modificados); a adequada rotulação de alimentos comercializados; e o controle sobre o conteúdo e a estratégia de propaganda permitidos na mídia.
O objetivo final era priorizar a soberania do pequeno agricultor na produção de alimentos
e na geração de renda em políticas nacionais e locais de desenvolvimento. Um grande desafio porque os projetos enfrentavam fortes barreiras estruturais impostas pelos modelos macroeconômicos do atual paradigma neoliberalista – mais especificamente a forte tendência à
liberalização do comércio local em mercados globalizados e a proteção mercantil exercida pelos
países industrializados. O impacto para os agricultores da região é a vulnerabilidade à demanda e preços flutuantes e, em geral, a queda dos preços dos seus produtos. Buscou-se, nesse
complexo cenário de concorrência desigual, comprovar o sucesso de modelos alternativos que
valorizassem a economia local.
O Programa procurou influenciar políticas e práticas públicas de várias formas. No nível local, cada
projeto desenvolveu sua própria estratégia. As informações sobre os resultados e os processos dos
projetos, geradas nas avaliações e nas sistematizações, foram comunicadas a atores políticos.
Os CAIS servem como vitrines de demonstração prática de um conjunto de técnicas
e tecnologias de produção sustentável em pequena escala. Os programas de liderança –
38
o Programa de Fortalecimento de Liderança (PFL) e o Mestrado em Desenvolvimento
Comunitário Sustentável (MDCS) – têm formado uma massa crítica de líderes com visão
política. E a RedLayc nasceu com o propósito de influenciar políticas públicas por meio da
ação coletiva. Desde o início, o Programa se preocupou em causar impacto em políticas
públicas e sua relevância tem crescido à medida que se tem experiências merecedoras
de difusão e ampliação.
Impactos em Políticas Públicas: Exemplos de Êxito
nos Projetos de Nutrição Humana
• O projeto da Universidad Autônoma Chapingo (URUZA), no estado de Durango, no México, foi reconhecido pelas Comissões de Desenvolvimento Rural e Agricultura da Câmera Federal de Deputados como projeto-modelo; suas abordagens são promovidas em programas
governamentais de desenvolvimento rural.
• Os centros de capacitação em ecotecnologias construídos pelo governo do estado do Mé-
•
xico seguindo o modelo do GRUPEDSAC recebem visitas de governadores e secretários
estaduais, prefeitos e funcionários municipais. Eles tratam de disseminar as técnicas nas
áreas sob a sua jurisdição.
A UNOSJO S.C. conseguiu a reprodução em todo o estado de Oaxaca, no México, por meio
dos governos estadual e federal, de um programa para a promoção de agricultura em curva
•
de nível para evitar erosão do solo.
Os técnicos do Instituto Agrário Dominicano, agência federal na República Dominicana, são
treinados pelo pessoal do PASAR em práticas de produção sustentável com insumos orgâ-
•
nicos e, depois, replicam o treinamento com outros agricultores.
As promotoras governamentais da Secretaria de Desarrollo Social e do Sistema Nacional para
el Desarrollo Integral de la Familia (DIF) recebem capacitação em técnicas de vigilância nu-
•
tricional das promotoras treinadas pelo SANUT, no estado de Morelos, no México.
A proposta pedagógica validada pela equipe do SERTA no estado de Pernambuco, no
Nordeste do Brasil, foi base para a definição do marco legal de uma educação rural diferenciada, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação em 2002.
• A rede pública de educação do município de Valente, no estado da Bahia, na região Nor-
•
•
•
deste do Brasil, introduziu novos elementos no currículo escolar para torná-lo mais
relevante à realidade rural com base nas experiências testadas na Escola Família Agrícola da APAEB.
O governo municipal de Huancayo, no Peru, financia a
capacitação de jovens marginalizados em ofícios rurais
no CAIS do CEPROM.
A equipe técnica UDEC-URAC, no estado de Querétaro, no México, realizou diagnósticos participativos
em 16 estados do México para formular um programa de serviços financeiros para mulheres por parte da
[…] a vida inteira da política
é um caos de propósitos e acidentes.
Não é um assunto de implementação racional
de supostas decisões através de
selecionadas estratégias […].
Secretaria de Desarrollo Social.
O CSDI foi convidado a operar o programa governamental de saúde em colaboração com a Secretaria Munici-
Room for Manoeuvre: An Exploration of Public Policy
pal de Saúde Pública no município de Cerca-Carvajal, no
nordeste do Haiti.
Londres: Heinemann Educational Books.
Fonte: CLAY, E.J., and SCHAFFER, B.B., eds., 1984.
in Agricultural and Rural Development.
39
Política Pública: Promessa de Transformação Duradoura
Sistematizações
dos projetos
enfatizaram
os esforços
realizados
para que as
organizações
comunitárias
se tornassem
entidades
com projeção
política
Os Resultados
Um dos principais destaques da meta-avaliação do Programa (Myren e Felstehausen,
2002) foi o fortalecimento de formas autogestivas de organização comunitária pelos
projetos. Apesar de não ser o único objetivo das organizações, a sua existência potencializou, sem dúvida, a capacidade local de incidir em processos políticos por meio da ação
coletiva. As sistematizações dos projetos enfatizaram os esforços realizados para que as
organizações comunitárias se tornassem entidades com projeção política. O processo de
politização se deu por meio de múltiplas estratégias envolvendo a construção de identidade, ideário e consciência políticos e da capacidade de análise e ação. Houve a preocupação de enriquecer a compreensão de processos políticos – às vezes caóticos e irracionais – e de promover a participação ativa em espaços democráticos. Isso resultou em
organizações locais capazes de executar ação estratégica para buscar aliados, mobilizar
ação coletiva, influenciar a opinião pública, comunicar informações e conhecimentos relevantes e negociar com autoridades em prol dos seus interesses.
A incorporação de novas matérias e propostas pedagógicas em currículos públicos escolares e a adoção por governos estaduais e federais de formas acessíveis de microfinanciamento são algumas das vitórias políticas dos projetos (veja texto na página 39).
Não é tarefa fácil transformar a mentalidade e o cenário político, principalmente quando
estão envolvidas populações historicamente marginalizadas. Apesar do tamanho do desafio,
no final, testemunhou-se o potencial da ação coletiva de influenciar em processos políticos e
dar prioridade a interesses e necessidades do meio rural. Trata-se de uma demonstração expressiva do poder dos sujeitos da sociedade civil nas incipientes democracias da região. Espera-se que, no futuro, com a maturação das organizações de base e a crescente influência da
RedLayc, tenhamos ainda mais impacto em políticas públicas.
40
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