A necessidade do flagrante para aplicação da
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A necessidade do flagrante para aplicação da
A necessidade do flagrante para aplicação da Cassação do Direito de Dirigir Artigo 263, inciso I do Código de Trânsito Brasileiro Dr. Henrique Serafim Gomes – Advogado Especialista em Direito de Trânsito O legislador, na elaboração do Código de Trânsito Brasileiro, estabeleceu dois tipos de punição ao direito de dirigir, a SUSPENSÃO, prevista no art. 261, como a mais amena, e a CASSAÇÃO, prevista no art. 263, como a mais severa, as quais esclareceremos as diferenças em tópico específico. O legislador acompanhou a rigorosidade da pena também com a rigorosidade dos requisitos de aplicação, como demonstraremos a seguir. Para se acusar um motorista por uma multa de trânsito, basta que o agente de trânsito preencha o auto de infração, que estará amparado pelo Princípio da Legitimidade, cabendo ao acusado apresentar defesa que comprove sua inocência. No entanto, para aplicação da penalidade de suspensão, nos preceitos do art. 261 do CTB, é necessário ter anotado as pontuações no prontuário do acusado e respeitado o devido processo legal, não basta uma autoridade de trânsito alegar que o acusado tem excesso de pontos para iniciar uma acusação. É necessário demonstrar as pontuações e o enquadramento legal. Já no caso de cassação, previsto no art. 263, I do CTB, é necessário que o acusado conduza veículo durante o período de suspensão. A Resolução 182/05 do CONTRAN, em seu art. 19, § 3°, determinou o flagrante para tal acusação, em nenhuma regulamentação que trata de CASSAÇÃO foi prevista a simples anotação de pontuação no prontuário como fundamentação legal para abertura de procedimento administrativo. “Art.19. § 3º. Sendo o infrator flagrado conduzindo veículo, encerrado o prazo para a entrega da CNH, será instaurado processo administrativo de cassação do direito de dirigir, nos termos do inciso I do artigo 263 do CTB.” (Grifo nosso) Evidente, portanto, que o objetivo do Legislador e do CONTRAN, neste parágrafo, que regulamenta a forma de se imputar a responsabilidade de estar conduzindo um veículo, ser ao condutor E NÃO AO PROPRIETÁRIO. A palavra “flagrado” obriga haver a prova indiscutível do verdadeiro condutor, presença de corpo do infrator e da autoridade punitiva no exato momento da conduta ilegal, ou uma confissão do verdadeiro condutor em processo administrativo. Caso contrário, ou seja, não havendo o flagrante, confissão ou qualquer outra prova inequívoca de autoria, não há de se falar em cassação (art. 263, I do CTB). Melhor explicando, a legislação prevê a abertura de procedimento de cassação, SOMENTE COM A OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE. Tais argumentações encontram-se amparadas em diversos aspectos da legislação especializada, de trânsito, regulada pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, nas quais passarei a explicar ponto a ponto. DIFERENÇA ENTRE CONDUTOR, MOTORISTA E PROPRIETÁRIO Neste tópico utilizo textos extraídos do Código de Trânsito Brasileiro Interpretado por Geraldo Lemos Pinheiro, 2ª edição, Ed. Juarez de Oliveira. “O art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro deixa claro que as penalidades nele descritas serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, bem como a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionadas no Código. Infelizmente o legislador não cuidou de definir, no Anexo I, ou em qualquer outra passagem, o que entende por condutor, proprietário, embarcador e transportador” Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, Geraldo de Farias Lemos Pinheiro e Dorival Ribeiro, 2ª edição, pag. 467, Ed. Juarez de Oliveira. No entanto, é importante conceituar condutor, motorista, proprietário, embarcador e transportador, para que desta forma possamos relacionar os limites de suas responsabilidades atribuídas pela legislação. “Embora revogada, a Resolução n° 683/87, no seu art. 8°, II, definia como condutor “a pessoa que tem a seu cargo a movimentação e direção do veículo”, enquanto a Convenção de Viena, no art. 1 °, III, letra v, definiu condutor como “toda pessoa que conduza um veículo automotor ou de outro tipo (incluindo ciclos)...”” Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, Geraldo de Farias Lemos Pinheiro e Dorival Ribeiro, 2ª edição, pag, 467, Ed. Juarez de Oliveira. Desta forma, fica explícito que o condutor é a pessoa responsável pelos resultados causados devida a movimentação do veículo por força de seus atos, ao condutor não lhe é imputada nenhuma relação com a propriedade do veículo, nem quanto à manutenção do mesmo. Confirmado pelo §3° do art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro, que diz, “Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.” A Regulamentação Básica Unificada de Trânsito (RBUT) define motorista como “toda pessoa habilitada para dirigir um veículo por uma via”, no entanto, o mesmo só se tornará condutor se fizer uso de seu direito de dirigir um veículo. O Código Civil, em seu art. 1.228, tratou de definir proprietário como aquele que tem assegurado o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, para fins do Código de Trânsito Brasileiro, proprietário é a pessoa física ou jurídica em cujo nome está registrado o veículo automotor, perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, do seu domicílio ou residência (art. 120 do CTB). Vale destacar que o Código Civil responsabiliza o possuidor da coisa pelos danos causados a que der causa, “art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.”. Sendo assim, quando o proprietário transfere a posse do veículo a outro motorista, o novo condutor será responsável pelas infrações decorrentes dos atos praticados. “Como o legislador não cogitou de definir o que entende por embarcador e transportador, buscamos preliminarmente o auxílio dos dicionários jurídicos. Embarcador, segundo Maria Helena Diniz, é responsável pelo embarque das mercadorias a serem transportadas (Dicionário Jurídico, Saraiva, 1.998). Embarcador, como ensina Pedro Nunes, é aquele por cuja conta se fazem embarques de mercadorias (Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12ª ed., Freitas Bastos).” A preocupação do legislador, no caput do art. 257, teve em conta definir quem deva ser o responsável pela infração e o Diretor do DENATRAN, pelo Ofício Circular n° 28/99-CGIJF, de 9 de julho de 1.999, solicitou “rigorosa obediência ao determinado no art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, na aplicação da penalidade, tendo em vista que muitos motoristas estão à mercê de perder seus empregos pela contagem de pontos referentes à infrações pelos quais não são responsáveis. Lembrando que: - o motorista só responde pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo (art. 257, § 3°); e - as penalidades aplicadas em desobediência ao citado dispositivo, por questão de direito e justiça, deveriam ser consideradas nulas”. Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, Geraldo de Farias Lemos Pinheiro e Dorival Ribeiro, 2ª edição, pag. 467, Ed. Juarez de Oliveira. Desta forma, o procedimento administrativo de cassação (art. 263, I do CTB) somente aplica-se ao condutor, jamais ao proprietário pela simples fato do mesmo não ter realizado a indicação do verdadeiro condutor. OBJETIVO SOCIAL DO CTB O atual Código de Trânsito Brasileiro foi sancionado de forma a possibilitar uma considerável redução nos abusos cometidos pelos maus motoristas, porém, devemos sempre estar atentos para que, a Administração Pública venha cumprir e fazer cumprir a legislação de trânsito, sempre nos termos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, buscando sempre proporcionar um trânsito seguro e em condições dignas, tanto para o pedestre, quanto para condutores e passageiros. Considero que as penalidades previstas no CTB, em especial as que se referem ao documento de habilitação, devem ser aplicadas, e bem aplicadas, porém, sem exorbitâncias e desde que observado o devido processo legal, para que desta forma, atenda-se o objetivo principal desta lei, qual seja, o de fazer justiça nas coisas da administração de trânsito. AS PENALIDADES DO CTB Preliminarmente, vale destacar, que o legislador aplicou o Princípio da Proporcionalidade em todo o CTB, trazendo ensinamentos do consagrado ordenamento jurídico o Código Penal, ademais, aplicou o princípio em toda sua essência, mantendo o equilíbrio da penalidade e da gravidade da pena, com os requisitos legais de aplicabilidade, ou seja, quanto mais grave a infração, mais grave a penalidade e mais rigorosos os requisitos para sua aplicação. Não podemos esquecer que estamos tratando de Direito Administrativo e Poder de Polícia, o que determina rigorosidade no cumprimento restrito da lei, sem qualquer desvio na aplicação ou interpretação, evitando assim, a tão temida injustiça e desrespeito aos princípios básicos que regem a Administração, entre eles a LEGALIDADE, MORALIDADE e a IMPESSOALIDADE, como afirma os ensinamentos doutrinários abaixo: “Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciado em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da validade da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.” (Hely Lopes Meirelles, 15ª ed., Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, pag.77 e 78) As penalidades aplicáveis pelas autoridades de trânsito estão estabelecidas no art. 256 do CTB, na qual, apresenta desta forma: “... as seguintes penalidades: I – advertência por escrito; II – multa; III – suspensão do direito de dirigir; IV – apreensão do veículo; V – cassação da CNH; VI – cassação da Permissão para Dirigir; VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.” Nota-se que as penalidades partem de uma aplicação de advertência, até a mais severa, que é a cassação do direito de dirigir, obedecendo a uma escala de rigorosidade. Esta mesma proposta nota-se no art. 258 do CTB, que determina que as infrações punidas com multa classificam-se, de acordo com sua gravidade, em quatro categorias, LEVE, MÉDIA, GRAVE e GRAVÍSSIMA, e o art. 259 do CTB, estabeleceu pontuações para cada categoria, iniciando com 3 para as leves e chegando a 7 para as gravíssimas. A Resolução 182/05 do CONTRAN, em seu art. 19, § 3°, determinou o flagrante para a acusação de CASSAÇÃO, entende-se que por ser considerado um indício a anotação de uma infração no prontuário, a abertura de procedimento para apuração dos fatos é cabível, mas o flagrante ou qualquer outra prova inequívoca sendo requisito essencial para condenar nos termos do art. 263, inciso I do CTB. “Art.19. § 3º. Sendo o infrator flagrado conduzindo veículo, encerrado o prazo para a entrega da CNH, será instaurado processo administrativo de cassação do direito de dirigir, nos termos do inciso I do artigo 263 do CTB.” (Grifo nosso) JURISPRUDENCIA – “O texto da lei não contém palavras sem importância nem prevê procedimentos desnecessários.” (Min. José Delgado – Ap. Cível Nº 1.0000.00.305977-1/000 – TJMG.) Se o Estado permitir que o DETRAN aplique o art. 263, inciso I do CTB, sem respeitar as determinações legais do flagrante, estará permitindo a quebra do Princípio da Legalidade e do Poder Vinculado e dando força ao Abuso de Poder. O princípio da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado. O seu poder administrativo restringe-se, neste caso, ao de praticar o ato, mas de praticar com todas as minúcias especificadas na lei. Omitindo-os ou diversificando-as na sua substância, nos motivos, na finalidade, no tempo, na forma ou no modo indicado, o ato é inválido, e assim pode ser reconhecido pela própria Administração ou pelo Judiciário. Nesse sentido é firme e remansosa a jurisprudência de nossos Tribunais, pautada pelos princípios expressos neste julgado do Supremo Tribunal: “A legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos estejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo” STF-RDA 42/227 e no mesmo sentido TJSP-RT 206/114, 254/247. Ademais, nosso Mestre do Direito Administrativo, Dr. Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, ensina: “A legalidade, como princípio de administração (Const. Rep., art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e delas não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso” (pag. 78, 15ª ed., Ed. RT). “Como todo ato administrativo, o ato de polícia subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração, sujeitando-se inclusive ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário” (pag. 109, 15ª ed., Ed. RT). Desta forma, condenar em processo administrativo de cassação com base nas multas anotadas no prontuário jamais se poderá aceitar. Não pode o DETRAN, através de seus agentes, aplicar o art. 263, inciso I do CTB, pela simples anotação de multas no prontuário do infrator, pois tal fato, a legislação somente permite a aplicação do art. 261 do CTB. DIFERENÇAS ENTRE OS ARTIGOS 261 E 263 do CTB Vou explicar rapidamente a diferença entre suspensão e cassação. Destaco que a penalidade de SUSPENSÃO, prevista no art. 261 do CTB e a penalidade de CASSAÇÃO, prevista no art. 263 do CTB, possuem como objetivo restringir o direito de dirigir do infrator por um determinado tempo. No entanto, a SUSPENSÃO inicia sua penalidade a partir de um mês e requer um curso de reciclagem para devolver o direito ao infrator, já a CASSAÇÃO é a perda do direito de dirigir, podendo o infrator, após 2 anos requerer sua reabilitação. É notório que a aplicação da CASSAÇÃO é muito mais rigorosa do que a de SUSPENSÃO, desta forma, o legislador, mantendo o princípio da proporcionalidade, fez exigências também mais rigorosas aos aplicadores da lei. Para a aplicação da SUSPENSÃO basta a anotação de multas no prontuário do PROPRIETÁRIO, no entanto, para a aplicação da CASSAÇÃO é exigida prova inequívoca por parte do DETRAN do CONDUTOR no ato da infração, ou seja, o “flagrante”. SUSPENSÃO - prevê a restrição no direito de dirigir de no mínimo 30 dias até no máximo 2 anos, com agravante em caso de reincidência, e após o cumprimento da penalidade o infrator participa de um curso de reciclagem e tem seu prontuário desbloqueado. O infrator será enquadrado neste artigo quando atingir 20, ou mais pontos em seu prontuário no período de 12 meses. Esta penalidade está totalmente fundamentada nas pontuações anotadas do prontuário, independente das razões das anotações, nas quais tiveram a oportunidade de serem discutidas individualmente. O objetivo da suspensão é penalizar o PROPRIETÁRIO, que por conduzir veículo de forma inadequada, ou, deixar de administrar seu veículo de acordo com os preceitos legais, sofrerá uma punição. Lembrando que multas como a do art. 233 do CTB (deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias), por exemplo, não penaliza o mal condutor e sim o proprietário que foi negligente com a documentação. Importante destacar o art. 257 § 7° do CTB, que prevê a oportunidade do proprietário indicar o condutor responsável pela infração, não o fazendo, será considerado responsável pela infração, sendo punido com a respectiva pontuação da multa, ou seja, o proprietário negligente, arcará com as pontuações das multas do condutor, pois sua responsabilidade é preservar por seu veículo e prontuário. Essas pontuações anotadas no prontuário, por não indicar o condutor, somam-se para gerar uma punição de SUSPENSÃO ao proprietário que foi negligente. Em suma, pontuações anotadas no prontuário do infrator somente justificam a penalidade de SUSPENSÃO, conforme prevê expressamente o art. 261 do CTB. “Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até no máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até no máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN. § 1°. Além dos casos previstos em outros artigos deste Código e excetuados aqueles especificados no art. 263, a suspensão do direito de dirigir será aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, prevista no art. 259.” A aplicação da penalidade é regulamentada pela Resolução 182 de 09/09/2005, em seu art. 16, incisos e alíneas, que novamente nota-se o princípio da proporcionalidade da pena agrava-se a pena, de acordo com a gravidade da infração. O parágrafo primeiro do art. 261 do CTB, diz: “...será aplicada sempre...”, ou seja, as pontuações sempre iram gerar a SUSPENSÃO, jamais a CASSAÇÃO, que possui seus requisitos próprios. CASSAÇÃO - prevê a restrição no direito de dirigir por 2 anos, o requerimento do infrator para sua reabilitação ao final da pena e, se concedida, a submissão a todos os exames necessários à habilitação. O infrator será enquadrado neste artigo quando conduzir veículo durante o período de suspensão, sendo comprovado, de acordo com a Resolução 182/05 do CONTRAN, em seu art. 19, § 3°, por flagrante. Esta penalidade somente pode ser fundamentada mediante flagrante, ou qualquer outra prova incontestável de condução de veículo pelo infrator. O objetivo da CASSAÇÃO é penalizar o CONDUTOR que desrespeitou a penalidade de SUSPENSÃO, esta é a razão da exigência do flagrante, a CASSAÇÃO não pode recair sobre o proprietário negligente, esta penalidade é exclusiva do condutor. Ao proprietário negligente imputa-se a SUSPENSÃO. Pelo grau de severidade da penalidade, a simples anotação de multas e pontuações no prontuário do infrator como fundamentação para abertura de Procedimento Administrativo de CASSAÇÃO, com certeza gera injustiça. O infrator pode se recusar a assinar a autorização de transferência da pontuação, exigência legal para indicar o condutor, o proprietário pode perder o prazo para indicar o condutor, por razões diversas que fogem ao seu controle, deixar de anexar à cópia da CNH do infrator, que é fato para recusa da indicação pelo órgão autuador, entre outras situações, para isso, foi criada a penalidade de SUSPENSÃO. Em suma, a condenação no Procedimento de CASSAÇÃO só pode ser imputada ao infrator que for flagrado conduzindo veículo durante o período de SUSPENSÃO, ou, o Estado apresente prova inequívoca do verdadeiro condutor, caso contrário, a pontuação e infrações somente ensejam a abertura de Procedimento de SUSPENSÃO. O DIREITO AO ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO A culpa não se presume. O Código de Trânsito faculta ao proprietário do veículo indicar o condutor da infração apontada na notificação que receber, dando-lhe o prazo de 15 dias para tanto. Não o fazendo, será responsável pela infração, conforme dispõe o § 7º do artigo 257 do CTB. No mesmo artigo, em seu § 1º, o CTB trata da responsabilidade solidária entre o proprietário do veículo e o condutor que cometer infração, “respondendo cada um de per si pela falta comum que lhes for atribuída”. Pois bem, o § 2º do mesmo artigo, define as responsabilidades do proprietário como vinculada a regularização e preenchimento de formalidades legais decorrentes do veículo, e o § 3º a responsabilidade do condutor, que assim dispõe: “§ 3º. Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.” Nota-se que o CTB trata de forma individual o proprietário do veículo e o condutor, deixando claro inclusive, a responsabilidade de cada um. Podendo, conforme o caso, ser a mesma pessoa ou não. Tal distinção é aplicada pelo DETRAN em toda sua administração, tanto que não é necessário se condutor habilitado para ser proprietário de veículo e nem tão pouco, ser proprietário de veículo para ser condutor habilitado. Há responsabilidades distintas. É notória a preocupação do legislador em punir de fato o infrator, sentimento este, também percebido no § 8º do artigo 257 do CTB, onde determina lavrar nova multa à pessoa jurídica que não denunciar o infrator. Não se imputa a culpa da infração à pessoa jurídica e sim, uma multa por não indicar o verdadeiro infrator, desta forma, pode-se aplicar uma multa ao proprietário que não indicar o condutor, mas não, imputarlhe a autoria da infração. Vejamos o que dispõe Francisco Guimarães do Nascimento, Ex-Diretor do Detran por 2 vezes e ExPresidente do CONTRAN, segue: “A omissão, quer deliberada, quer involuntária, do proprietário, na denúncia do eventual condutor de seu veículo, não importa na sua pontuação: não pode ser punido por isto. Em não havendo culpa presumida, é inviável pontuar-se o proprietário do veículo pela infração cometida por eventual condutor: é o proprietário, sim, responsável pelo ônus decorrente, mas, por presunção de que fosse o condutor no momento da infração não pode ser apenado com pontuação. “Ninguém pode ser punido por ação ou omissão prevista como infração se não tiver cometido com consciência e vontade”, diz Bento de Faria, em seu “Código Penal Brasileiro Comentado” (art.15). Mais: sabido é que a culpa se caracteriza por imprudência, negligência ou imperícia. Qual a culpa, a ser apenada com pontuação, do proprietário que entrega seu veículo a alguém legalmente habilitado, e este, na direção do veículo, vem produzir um evento criminoso ou transgride regra de trânsito?” (Direito de Trânsito, Francisco Guimarães do Nascimento, pag. 74, Ed. Juarez de Oliveira) Importante destacar que o CTB definiu como infração, em seu artigo 163, entregar veículo a pessoa não habilitada ou impedida de exercer o direito de dirigir, deste modo, entregar veículo para pessoas habilitadas e sem qualquer impedimento para dirigir não caracteriza infração, desta forma, não há de se falar em punição. Confira-se a Constituição Federal, art. 5º: “XLVI – A lei regulará a individualização da pena”. “XXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. ANTIJURIDICIDADE – “Sendo o crime um fato típico e antijurídico, é necessário para a existência do ilícito penal que a conduta seja antijurídica, isto é, na denominação legal, ilícita. A ilicitude decorre da contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico.” (Código Penal Interpretado, 6ª ed., Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, Ed. Atlas, pag. 227, art. 23 CP). O artigo 257, § 7º do CTB, prevê a responsabilidade do proprietário nas multas de trânsito em que o Agente, ou os meios eletrônicos, utilizados para identificar o veículo, não foram capazes de apontar o condutor, e o proprietário não teve condições de efetuar a denúncia na forma prescrita em lei. No entanto, a abrangência da responsabilidade do proprietário está prevista no mesmo artigo 257, no § 2º, que esta vinculada a legalização do veículo e determina que os condutores do veículo sejam devidamente habilitados, “...habilitação legal e compatível de seus condutores, ...”, não há determinação legal para imputar a autoria das infrações decorrentes de atos praticados pelo condutor. O § 3º, do art. 257 do CTB, determina somente ao condutor a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo. Vale destacar, que o CTB faz exigências burocráticas ao proprietário para indicar o verdadeiro condutor, que, muitas vezes, não se pode cumprir por falta de vontade do próprio infrator, como exemplo, assinar a indicação ou anexar cópia de documento que identifique a assinatura. Não basta indicar o condutor infrator, é preciso que o mesmo esteja disposto a assumir o feito. Caso ele se recuse, qual a culpa do proprietário? Pelo CTB terá que arcar com o valor pecuniário e ter apontado em seu prontuário as pontuações relativas, mas não a responsabilidade dos atos praticados na direção do veículo, culpa exclusiva do condutor. NEXO CAUSAL - O art. 13 do Código Penal Brasileiro define crime com plena relação ao resultado. “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe der causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” FALTA DE ACUSAÇÃO - Desta forma, se não houve a identificação do condutor pelos meios utilizados pelo Estado ao aplicar a multa, lembrando que, há espaço exclusivo nos formulários utilizados pelos agentes para identificar o veículo, o condutor e o proprietário, não havendo o preenchimento com as informações do condutor, não há nem sequer sustentação para uma acusar nos preceitos do art. 263, i do CTB. O art. 280 do CTB determina as informações necessárias e possíveis para lavrar o auto de infração, e em seu inciso IV diz: “IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;”, ou seja, a não identificação do condutor não é pressuposto de ilegitimidade da multa, mas, essencial para imputação de autoria. No inciso VI do mesmo artigo, diz: “VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.”, se bastasse a fé pública dos agentes de trânsito para determinar a autoria, o legislador não teria tido a preocupação apresentada neste inciso. “Dispõe o artigo 280, do CTB, em seu inciso VI, que do auto de infração constará a ‘assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração'. O texto da lei não contém palavras sem importância nem prevê procedimentos desnecessários. Se o dispositivo supracitado dispõe que a assinatura do infrator no auto valerá como notificação do cometimento da infração é porque tal notificação é necessária e anterior ao julgamento da consistência do auto e da aplicação da penalidade.” (Min. José Delgado – Ap. Cível Nº 1.0000.00.305977-1/000 – TJMG.) Se o proprietário não pode apontar, cabe responsabilizar o proprietário no valor pecuniário e até mesmo pontuações em seu prontuário, no entanto, não lhe cabe a responsabilidade pelo ato praticado que decorreu a infração, de culpa exclusiva do condutor. A penalidade de CASSAÇÃO é exclusiva do condutor, não se estende ao proprietário em caso de não indicação do verdadeiro infrator, tal negligencia imputa-lhe pontuações no prontuário e a possível aplicação da SUSPENSÃO. Como não há culpa presumida, não havendo prova de ser o proprietário o condutor do veículo, e ausência do flagrante, não cabe a aplicação do art. 263, inciso I do CTB. A penalidade ao proprietário, conforme prevê o art. 257, em seus §§ 2º, 3º e 7º do CTB não lhe imputam a culpa por ato do condutor, restando apenas à responsabilidade pecuniária e a pontuação. No entanto, para a aplicação do art. 263, inciso I, do CTB, não basta ter apontado em seu prontuário pontuações de infrações de trânsito, pois elas podem ser provenientes de outros condutores não identificados, é exigência legal o infrator conduzir veículo, desta forma, o flagrante neste delito torna-se fundamental para a fiel acusação. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE – Flagrante, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, “é uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a certeza visual do crime”. (Rodrigo Julio Capobianco, Decisões Favoráveis a Defesa, Penal e Processo Penal, 3ª ed., Editora Método, pag. 387) Neste sentido, determina o CONTRAN em Resolução nº 182 de 09/09/05, que regulamento o art. 263, inciso I do CTB, que dispõe sobre procedimento administrativo para imposição da penalidade de cassação da Carteira Nacional de Habilitação, prevê: “Art.19. § 3º. Sendo o infrator flagrado conduzindo veículo, encerrado o prazo para a entrega da CNH, será instaurado processo administrativo de cassação do direito de dirigir, nos termos do inciso I do artigo 263 do CTB.” Evidente o objetivo do CONTRAN, neste parágrafo, que regulamenta a forma de se imputar a responsabilidade de conduzir veículo ao condutor E NÃO AO PROPRIETÁRIO. A palavra “flagrado” obriga haver a presença de corpo do infrator e da autoridade punitiva no exato momento da conduta ilegal, sendo evidente o procedimento de obtenção da assinatura do infrator no auto de infração. Caso contrário, ou seja, não havendo o flagrante e o mesmo formalizado, não há de se falar em cassação (art. 263, I do CTB). JURISPRUDENCIA – “O texto da lei não contém palavras sem importância nem prevê procedimentos desnecessários.” (Min. José Delgado – Ap. Cível Nº 1.0000.00.305977-1/000 – TJMG.) Ou seja, as pontuações podem levar o proprietário a ser suspenso o seu direito de dirigir por não denunciar os condutores, mas, não pode lhe ser imputado a cassação, que prevê a prova de estar conduzindo veículo, flagrante, quando não houve a produção desta prova. O CTB busca de forma incansável punir os infratores, sempre respeitando a Constituição Federal e demais princípios que regem nossas legislações, não pode a Administração Pública distorcer as determinações do legislador. Não pode o proprietário ser punido por incapacidade do Estado na identificação do condutor no momento da infração, ou pela omissão do verdadeiro infrator em não assumir tempestivamente sua culpa, principalmente por não ter amparo legal. São Paulo, 28 de fevereiro de 2.013 Henrique Serafim Gomes Advogado Especialista em Direito de Trânsito www.gomesdelima.adv.br
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