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Doutrina Nacional
As Diretrizes do International Bar Association sobre Conflitos de Interesses na
Arbitragem Internacional
Maria Claudia de Assis Procopiak
Conselheira Adjunta na Secretaria da Corte Internacional de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, Paris.
SUMÁRIO: Introdução; Parte 1: A aparição das diretrizes do International Bar Association sobre conflitos
de interesses na arbitragem internacional; I – A elaboração das diretrizes do International Bar
Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; A) O processo de elaboração; B)
As fontes de inspiração; II – O conteúdo das diretrizes do International Bar Association sobre conflito
de interesses na arbitragem internacional; A) Relações entre o árbitro e um outro participante do
procedimento arbitral; B) Relações entre o árbitro e a matéria litigiosa; Parte 2: A aplicação das
diretrizes do International Bar Association sobre conflitos de interesses na arbitragem internacional; I
– Do ponto de vista da oportunidade; A) A utilidade das diretrizes do International Bar Association
sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional; B) A utilização das diretrizes do
International Bar Association sobre conflito de interesses na arbitragem internacional; II – Do ponto de
vista da eficácia; A) As regras gerais das diretrizes do International Bar Association sobre conflito de
interesses na arbitragem internacional; B) As listas de aplicação prática das diretrizes do International
Bar Association sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional; Conclusão.
INTRODUÇÃO
1. O que significa “conflito de interesses”? De uma forma bastante simplista,
poderíamos afirmar que um conflito de interesse existe quando alguém possui sentimentos
contraditórios em relação a uma decisão que deve tomar.
2. Um conflito de interesses pode existir nas mais diversas áreas. O direito
societário nos fornece exemplos como o do caso Enron, mundialmente conhecido, no qual
o escritório responsável pela auditoria da empresa era, ao mesmo tempo, o consultor
jurídico. Esse tipo de caso, extremamente mediatizado, atrai o interesse do público e
suscita o debate no meio jurídico.
3. No mundo da arbitragem internacional, a possibilidade de um conflito de
interesses é bastante presente, fazendo com que a situação dos árbitros seja delicada.
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Num procedimento arbitral, as situações que comportam um conflito de interesses
são aquelas nas quais existem dúvidas sobre a capacidade do árbitro em exercer sua
missão de forma imparcial e independente. Os árbitros podem ser advogados, professores
universitários, ou pessoas que exerçam qualquer outra profissão. São juízes privados,
escolhidos pelas partes e nomeados temporariamente.
4. As particularidades da arbitragem fornecem um terreno fértil para as suspeitas de
dependência ou parcialidade. Os árbitros não se encontram em posição de juízes de
forma permanente e exclusiva. Além disso, a forma de constituição de um Tribunal
Arbitral, isto é, por meio da escolha pelas partes ou por seus advogados, dos árbitros que
elas desejam para resolver suas diferenças, somado ao fato de que os árbitros são
remunerados pelas partes, podem ainda ser adicionadas à desconfiança que surge
instintivamente.
5. A realidade é que a arbitragem é um meio restrito, limitado. Ainda que a análise
jurídica nos conduza à conclusão de que todo mundo pode ser árbitro, a análise
sociológica nos leva a constatar que poucas pessoas são árbitros 1 . Poucos são os
grandes árbitros internacionais, de tal maneira que a crítica feita por alguns é a de que
eles são sempre os mesmos. Com todas essas especificidades, torna-se difícil abordar
claramente a questão da independência e da imparcialidade dos árbitros.
6. Independência e imparcialidade são as garantias essenciais de um processo
justo e equitável 2. Esses princípios encontram-se na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 e na Convenção Européia de Proteção dos Direitos Humanos e
Liberdades Fundamentais de 1950. Essa dupla exigência concerne toda instância que
dispõe de um poder de julgar, que exerce função jurisdicional 3. Ela é, portanto, inerente à
função do julgador.
7. A independência de um juiz, por exemplo, deve ser analisada em relação ao
exterior, em relação a outros poderes que não o Poder Judiciário, ou seja, os Poderes
Executivo e Legislativo, mas também todo outro poder de fato (como o da mídia ou dos
peritos, por exemplo) ou ainda, o poder das partes 4.
8. Já a imparcialidade é a ausência de pré-julgamento, de preferência, de idéia
pré-desenvolvida, exigência consubstancial à função jurisdicional responsável pela
resolução de diferenças com justiça e eqüidade. Essa exigência está ligada à organização
e ao funcionamento interno das jurisdições e às qualidades pessoais do julgador; ela é um
estado de espírito, uma virtude.
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9. Essas duas noções estão interligadas de tal maneira que é possível
questionar-se se uma existe sem a outra. É verdade que não se pode ser imparcial sendo
dependente. No entanto, o contrário é perfeitamente admissível. Um juiz que é
completamente independente pode se tornar parcial pelas mais diversas razões. De toda
forma, esses dois conceitos são tão interligados que suas análises são normalmente
associadas.
10. Se as exigências de independência e imparcialidade são as garantias de um
processo equitável, num processo arbitral não há de ser diferente. Assim, admite-se
universalmente que o árbitro também está sujeito às exigências de independência e
imparcialidade.
11. A imparcialidade de um árbitro “serait une disposition d’esprit, un état
psychologique par nature subjectif” 5, a inexistência de conhecimentos anteriores ou de
um pré-julgamento da parte do árbitro com relação à matéria litigiosa.
12. A independência, por sua vez, sendo uma situação “de droit ou de fait” 6, pode
ser apreciada objetivamente. Assim como em todas as missões jurisdicionais, a do árbitro
também implica que ele “ne soit pas lié à l’une des parties et n’ait aucun intérêt au sort de
la cause” 7. Dessa forma, a independência do árbitro se analisa em relação aos
participantes do procedimento, sejam as partes, os advogados, os demais árbitros, os
peritos ou as testemunhas.
14. Mesmo sendo possível diferenciar as definições teóricas de independência e
imparcialidade, para os fins do presente artigo uma distinção prática não se mostra
necessária ou útil. Que um árbitro não seja independente ou que ele não seja imparcial
não tem uma influência determinante na questão que pretendemos analisar. Conforme
afirma Xavier de Mello, “plutôt que les définitions, ce qui nous importe, c’est de savoir
pourquoi, quand ou comment ce risque peut naître et se réaliser” 8.
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16. O melhor modo de garantir a independência e a imparcialidade dos árbitros é o
de prevenir o mais cedo possível todo conflito de interesses, isto é, de revelar um conflito
que exista ou possa vir a existir 9.
Não se trata aqui de proibir as relações pessoais de um árbitro com outras pessoas.
Se um jurista não conhece ninguém ele jamais será nomeado árbitro. O que se espera é a
revelação de tais relações.
No entanto, a questão do dever de revelação tampouco é fácil de ser resolvida.
Existe unanimidade com relação à existência de tal dever, mas discordâncias existem
quanto ao objeto da revelação, ou seja, quanto à extensão dessa obrigação. E é
exatamente para afrontar essas dificuldades que o International Bar Association publicou,
em 22 de maio de 2004, suas Diretrizes sobre conflito de interesses na arbitragem
internacional. Um projeto que tem por objetivo criar verdadeiras linhas diretivas destinadas,
segundo seus criadores, a harmonizar a prática atual relativa à obrigação de revelação a
qual estão submetidos os árbitros internacionais.
17. A fim de analisar se essas diretrizes constituem ou não uma iniciativa útil, nossa
análise dar-se-á primeiro sobre a aparição desse texto, para em seguida examinarmos sua
possível aplicação.
PARTE 1:
A APARIÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE
CONFLITOS DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL
18. As Diretrizes do IBA 10 são um instrumento recente que visa a precisar a
questão do conflito de interesses na arbitragem internacional e que sobretudo pretende
dar respostas ao problema da revelação pelo árbitro dos fatos que podem afetar sua
independência e imparcialidade.
Para compreender essas Diretrizes e poder analisar seu conteúdo (II), é útil
examinar primeiramente o seu processo de redação (I).
I – A ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR
ASSOCIATION SOBRE CONFLITO DE INTERESSES NA ARBITRAGEM
INTERNACIONAL
19. Um bom exame da fase de elaboração das Diretrizes requer uma análise do seu
processo de elaboração (A), mas também das fontes de inspiração das idéias que elas
pretendem refletir (B).
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A) O processo de elaboração
20. Mesmo levando em consideração que as legislações nacionais e os
regulamentos de arbitragem contêm disposições sobre a questão da independência e da
imparcialidade dos árbitros, a ausência de uniformidade e as diferentes concepções,
sobretudo no que diz respeito à obrigação de revelação, mostram que existe a procura por
padrões que tragam transparência à questão.
21. A idéia da elaboração de diretrizes relativas ao conflito de interesses apareceu
em 2001, pela iniciativa de Arthur Marriot 11, que teve a idéia de formar um grupo de
trabalho constituído de advogados afiliados a grandes escritórios internacionais.
22. Em 2002 este grupo foi formado pelo comitê de arbitragem e de modos
alternativos de solução de conflitos do IBA (comitê D) sob a presidência de Otto de Witt
Wijnen (Holanda). O grupo de trabalho foi constituído por 18 membros: Henri Alvarez
(Canadá), John Beechey (Inglaterra), Jim Carter (Estados Unidos), Emmanuel Gaillard
(França), Emilio Gonzales de Castilla (México), Bernard Hanotiau (Bélgica), Michael
Hwang (Cingapura), Albert Jan Van Den Berg (Bélgica), Doug Jones (Austrália), Gabrielle
Kaufmann-Kohler (Suíça), Arthur Marriot (Inglaterra), Tore Wiwen-Nilsson (Suécia), Hilmar
Raeschke-Kessler (Alemanha), David W. Rivkin (Estados Unidos), Klaus Sachs
(Alemanha), Nathalie Voser – relator (Suíça), David Williams (Nova Zelândia) e Des
Williams (África do Sul) 12.
23. Cada membro do grupo de trabalho apresentou um relatório nacional. O objetivo
de tal relatório era o de demonstrar como a independência e a imparcialidade, assim como
o dever de revelação, são tratadas em cada país. Entre os pontos tratados encontram-se:
a definição de imparcialidade e independência, a aplicabilidade do artigo 12 da lei-modelo
da Uncitral, ou ainda os padrões utilizados para a revelação e se tal obrigação persiste
durante todo o procedimento arbitral. Além disso, foi requerido aos membros do grupo de
trabalho que apresentassem uma lista, enumerando situações de conflito de interesses
que deveriam ser solucionadas com a aplicação das Diretrizes. Instituições de arbitragem,
assim como outros advogados e juristas também apresentaram comentários 13.
24. Uma primeira versão foi apresentada na Conferência do IBA em Durban, na
África do Sul, em outubro de 2002, que deu origem a intenso debate. Uma segunda
versão foi apresentada na Conferência do IBA em São Francisco, nos Estados Unidos, em
setembro de 2003. Neste encontro foi decidido que esta segunda versão deveria ser
submetida à revisão perante um grupo de praticantes formado por Gerry Aksen (Estados
Unidos), Wolfgang Kuhn (Alemanha), Toby Landau (Inglaterra), Fali Nariman (Índia) et
Michael Schneider (Suíça).
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25. Em 2004, a versão final das Diretrizes foi concluída. Originalmente concebido
para a arbitragem comercial internacional, após debates e revisões, o grupo de trabalho
chegou à conclusão de que esse texto poderia ser aplicado em outros tipos de arbitragens,
como as arbitragens em matéria de investimentos. Decidiu-se então eliminar a palavra
“comercial” do título original.
26. Em maio de 2004, as Diretrizes sobre o conflito de interesses na arbitragem
internacional foram finalmente publicadas. Sua estrutura é dividida em duas partes: as
regras gerais e a aplicação prática dessas regras sob forma de listas não exaustivas.
27. O método de listas não é novidade. Poderíamos pensar, por exemplo, no
questionário detalhado proposto por Eugenio Minoli que deveria ser endereçado aos
árbitros antes da aceitação de suas missões 14. O que é realmente novo na abordagem da
questão é a classificação em três categorias: vermelho, laranja e verde (referência direta
aos faróis de sinalização).
28. A lista vermelha é uma enumeração dos casos que dão origem a fundadas
dúvidas quanto à imparcialidade e à independência dos árbitros. Essa categoria é
subdividida em duas, uma lista vermelha sujeita à renúncia e uma lista vermelha não
sujeita à renúncia. As situações que se encaixam na lista vermelha não sujeita à renúncia
não exigem revelação, já que o árbitro deve declinar sua designação, isto é, não deve
aceitar a missão de árbitro. Já para as situações que se encaixam na lista vermelha sujeita
à renúncia, a revelação é obrigatória e as partes devem declarar expressamente que
aceitam o árbitro.
29. A lista laranja contém situações que podem, no entendimento das partes, dar
origem a dúvidas justificáveis quanto à imparcialidade e à independência do árbitro.
Nesses casos a revelação é necessária e as partes têm um prazo de 30 dias para se
oporem à nomeação do árbitro. Se tal oposição não for levantada dentro desse prazo,
presume-se que as partes aceitam a nomeação do árbitro.
30. A lista verde, por sua vez, é uma enumeração de casos em que nem sequer
aparência de parcialidade ou dependência existe, assim, tampouco existe um conflito de
interesses. Dessa forma, para as situações previstas nesta lista, a revelação não é
necessária.
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31. Por meio das regras gerais e das listas, o grupo de trabalho estima refletir a
“best international practice,” 15 já que ele foi buscar os elementos que serviram de base
para as Diretrizes nas leis nacionais e na jurisprudência de diversos países.
B) As fontes de inspiração
32. Para refletir a melhor prática internacional, as Diretrizes foram inspiradas na
lei-modelo da Uncitral, nas leis nacionais, nos regulamentos de arbitragem e na
jurisprudência de diferentes países.
33. O princípio segundo o qual o árbitro deve ser e permanecer imparcial e
independente é internacionalmente aceito. Essas exigências aparecem nas legislações
nacionais normalmente como um motivo de recusação do árbitro 16 .
34. A lei modelo da Uncitral prevê, em seu artigo 12(2), que “um árbitro só pode ser
recusado se existirem circunstâncias que possam levantar fundadas dúvidas sobre a
imparcialidade ou independência” do árbitro. A lei-modelo serviu de base a diversas
legislações nacionais que, mesmo quando não a adotaram literalmente, ao menos nela se
inspiraram. É o caso, entre os países representados no grupo de trabalho, da Austrália, do
Canadá, da Alemanha, do México, da Holanda, da Nova Zelândia, e de Cingapura. Já a lei
brasileira além de ter sido inspirada na lei modelo da Uncitral, também sofreu influências
da Lei Espanhol de 1988, da Convenção de Nova Iorque de 1958 e da Convenção do
Panamá de 1975 sobre arbitragem comercial internacional 17.
35. A lei francesa não adotou a lei-modelo, mas não existem dúvidas quanto à
necessidade do árbitro ser independente e imparcial. Essa conclusão decorre
indiretamente dos arts. 1452 e 341 do novo Código de Processo Civil. O primeiro impõe o
dever de revelação e o segundo prevê as causas que podem justificar a recusação do
árbitro 18. De acordo com Thomas Clay:
“Une des particularités du droit français est précisément que la réglementation de
l’indépendance de l’arbitre ne se fasse qu’à travers l’obligation de révélation sans prévoir de
disposition spécifique sur les obligations d’indépendance et d’impartialité, comme si celles-ci
étaient entièrement dissoutes dans l’obligation de révélation.” 19
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Na Inglaterra (Arbitration Act 1996) e na Suécia (Arbitration Act 1999) as leis
nacionais se referem unicamente à imparcialidade, enquanto que na Suíça, a Lei Federal
de Direito Internacional Privado (LDIP) menciona apenas a independência. No entanto, a
exigência de imparcialidade subsiste, já que o Tribunal Federal suíço continua a se referir
a sua jurisprudência anterior, a qual exigia, por razões constitucionais, a imparcialidade do
tribunal arbitral. Enquanto que nos Estados Unidos o teste do “evident partiality” é o
adotado 20.
36. Assim como a lei suíça, o regulamento de arbitragem da CCI, em seu artigo
7(1), prevê que todos os árbitros devem ser e permanecer independentes. Mesmo se a
palavra imparcialidade não aparece no texto, seu objetivo principal é justamente a
prevenção contra a parcialidade. De acordo com Yves Derrains e Eric Schwartz, “while the
main purpose of Article 7(1) is to secure the appointement of impartial arbitrators, the
drafters of the ICC Rules have preferred to express the relevant requirement in terms of
independence because independence is a more objective notion” 21.
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37. De toda forma, mesmo se as diferentes legislações nacionais possuem nuances
com relação à exigência de independência e imparcialidade do árbitro, “il ne faut pas
conclure à l’existence d’une différence fondamentale du seul fait que les critères ne sont
pas énoncés dans les mêmes termes” 22.
38. A Regra Geral nº 1 das Diretrizes demonstra que o grupo de trabalho adotou o
posicionamento utilizado pelo artigo 12(2) da lei-modelo da Uncitral. Otto L. O. Witt
Wijnen, Nathalie Voser e Neomi Rao afirmam que o sentido do artigo 12(2) da lei-modelo
foi mantido nas Diretrizes porque uma nova definição de imparcialidade ou independência
poderia gerar confusões 23. Assim, adotou-se uma apreciação objetiva em conformidade
com a maioria dos sistemas utilizados como fonte de inspiração.
39. Sempre levando em consideração a uniformidade, o grupo de trabalho adotou,
na Regra Geral nº 2(b), a mesma expressão “justifiable doubts” contida no artigo 12(2) da
lei-modelo 24. A Regra Geral nº 2(c) explica que “justifiable doubts” significa que “um
terceiro informado concluiria que é verossímil que o árbitro possa ser influenciado por
fatores outros que o mérito do caso como apresentado pelas partes, quando da
elaboração de sua decisão” 25 . A Regra Geral nº 2(d) afirma por sua vez que “fundadas
dúvidas sobre a imparcialidade ou a independência do árbitro existem necessariamente se
há identidade entre o árbitro e uma das partes, e/ou se o árbitro é o representante legal de
uma entidade jurídica parte na arbitragem, ou se o árbitro tem um interesse econômico ou
pessoal significativo no resultado do litígio” 26 . Desta forma, vê-se que para a apreciação
da imparcialidade do árbitro, o teste do “tiers raisonnable” foi adotado.
40. O dever de revelação está consagrado em diversas leis e regulamentos de
arbitragem, sendo considerado “principe incontesté du droit de l’arbitrage international” 27,
a tal ponto que pode-se afirmar que ele “est devenu un usage international, au sens plein
de ce terme” 28.
41. O artigo 12(1) da lei-modelo da Uncitral dispõe que a pessoa indicada como
árbitro deve revelar toda circunstância de natureza a gerar fundadas dúvidas com relação
a sua imparcialidade ou independência. Dessa forma, a obrigação de revelação mostra-se
como um dever em separado, independente do dever de ser e permanecer imparcial e
independente.
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42. Na França, o artigo 1452 do novo Código de Processo Civil exige que o árbitro
que supõe se enquadrar em uma das hipóteses de recusação previstas pelo artigo 341 do
mesmo Código deve informar as partes. Não há dúvidas quanto ao fato de que tal
disposição de direito interno aplica-se também à arbitragem internacional. De toda forma,
a jurisprudência francesa 29 se mostra desligada da natureza legal desta obrigação, de tal
forma que os juízes impõem o respeito do dever de revelação a todos os árbitros
transformando-o assim em “une règle matérielle directement applicable dans toute
instance arbitrale internationale” 30.
43. As Diretrizes, por sua vez, afirmam que “se fatos e circunstâncias existem que
possam, na opinião das partes, dar origem a dúvidas quanto à imparcialidade e à
independência do árbitro, este deverá revelar tais fatos ou circunstâncias […]” 31. O grupo
de trabalho inspirou-se no artigo 7(2) do regulamento CCI que afirma que “antes da sua
nomeação ou confirmação, a pessoa proposta como árbitro devera assinar uma
declaração de independência e informar por escrito à Secretaria quaisquer fatos ou
circunstâncias cuja natureza possa levar ao questionamento da sua independência pelas
partes. […]” 32. Dessa forma, diferentemente do teste para apreciação da imparcialidade
do árbitro, o teste para a obrigação de revelação é um teste subjetivo, a saber duplamente
subjetivo, como salienta Thomas Clay, já que o árbitro deve revelar aquilo que ele acredita
que as partes acreditarão ser um motivo de recusação 33.
Cabe aqui salientar que as Diretrizes fazem uma distinção clara entre os fatos a
serem revelados (teste subjetivo) e as causas de recusação (teste objetivo). Para as
Diretrizes, um árbitro que revela certas circunstâncias é imparcial e independente, caso
contrário ele teria declinado sua nomeação (Regra Geral nº 3(b)). Dessa forma, fica claro
que a revelação é uma oportunidade para as partes avaliarem a posição do árbitro, mas
não significa de forma alguma a admissão pelo árbitro da existência de um conflito de
interesses.
44. Na procura pela “melhor prática internacional”, nota-se que o grupo de trabalho
adotou ou inspirou-se de princípios e regras internacionalmente admitidas. Após termos
encontrado as linhas diretrizes, resta-nos analisar o conteúdo destas Diretrizes propostas
pelo IBA.
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II – O CONTEÚDO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION
SOBRE CONFLITO DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL
45. Para um melhor exame do conteúdo das Diretrizes analisaremos as diferentes
situações que podem suscitar um conflito de interesses. Essas circunstâncias podem ser
divididas entre relações pessoais do árbitro (A) e possíveis pré-julgamentos do árbitro com
relação à matéria litigiosa (B).
A) Relações entre o árbitro e um outro participante do procedimento arbitral
46. Ao pensarmos em conflito de interesses a primeira idéia que nos vem em mente
são as relações que um árbitro pode ter com uma das partes. No entanto, ainda mais
grave é o caso do árbitro que se confunde com a parte, seja por ser seu representante
legal, seja por exercer um verdadeiro poder de controle sobre uma das partes, seja por ter
interesses financeiros substanciais com relação a uma das partes ou ao resultado do litígio
34.
A idéia central aqui é de que ninguém pode decidir um litígio de cujo resultado possa
tirar benefícios, seja por ser uma das partes, seja por possuir interesses financeiros que
estejam diretamente relacionados. Mesmo se discordamos da definição de “partes”
adotada pelas Diretrizes, nestes casos as relações são tão estreitas que devem
efetivamente aparecer na lista vermelha.
Todas essas hipóteses estão previstas na lista vermelha não sujeita à renúncia.
Nestes casos o árbitro não pode aceitar sua nomeação visto ser evidente a existência de
um conflito de interesses e ninguém pode ser seu próprio juiz. Nessas hipóteses o grupo
de trabalho considerou que a simples revelação não seria suficiente.
47. O interesse de um árbitro no resultado do litígio pode se manifestar de diversas
maneiras, nem sempre previsíveis. Um célebre caso francês é um bom exemplo. No caso
Raoul Duval, o presidente do Tribunal Arbitral, que foi contratado por uma das partes no
dia seguinte ao proferimento da sentença, não tinha revelado a existência de nenhuma
relação com esta parte durante todo o procedimento arbitral. Mesmo se a missão do
árbitro, e com ela o seu dever de independência e imparcialidade, termina com o
pronunciamento da sentença, a Cour d’appel de Paris anulou a sentença por entender que
tal situação demonstra que “il existait entre cet arbitre et l’une des parties des liens
d’intérêts tels que la connaissance de cette situation par l’autre partie n’aurait pu que
susciter chez elle un doute raisonnable sur l’indépendance d’esprit de cet arbitre, et à tout
le moins justifier une demande de récusation” 35. Pode-se concluir que, se o árbitro foi
contratado no dia seguinte do pronunciamento da sentença, negociações e conversações
anteriores existiram que permitiram sua contratação. Não foi por falta de revelação de tal
circunstância que a sentença foi anulada, mas pela existência de relações concretas entre
o árbitro e a parte, que suscitam dúvidas quanto a sua independência 36. O
comportamento esperado de um árbitro em tal situação seria o de não aceitar sua
nomeação. De qualquer maneira, a revelação de tais circunstâncias seria o mínimo
esperado.
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48. A lista vermelha sujeita à renúncia prevê situações nas quais o árbitro tem um
interesse, direto ou indireto, no litígio. Esse interesse pode concretizar-se por um interesse
financeiro do árbitro, de um membro de sua família, ou de um terceiro com o qual o próprio
árbitro ou um membro de sua família mantém relações próximas. Na mesma lista,
encontram-se as relações do árbitro com uma das partes ou com o advogado de uma das
partes. Outras hipóteses são os casos em que o árbitro trabalha habitualmente para uma
das partes ou para o advogado de uma das partes, faz parte do mesmo escritório que o
advogado de uma das partes, ou tem uma relação íntima com uma das partes. Em todas
essas situações, a revelação é necessária e o árbitro poderá ser nomeado unicamente
com o consentimento expresso das partes.
49. No caso AT&T Corporation and Lucent Technologies Inc. c. Saudi Cable
Company (SCC) 37, a Court of appeal inglesa negou a existência do risco de parcialidade
de um dos árbitros que era membro do conselho de administração de uma sociedade
concorrente de uma das partes. Essa sociedade teria sido eliminada de um procedimento
licitatório relacionado ao mercado de telecomunicações na Arábia Saudita, obtido pela
sociedade parte na arbitragem (AT&T). A arbitragem nasceu de um litígio entre esta
sociedade e o dono da obra saudita. Um fator agravante é que o árbitro não tinha revelado
suas ligações com a sociedade concorrente da empresa parte da arbitragem. A Court of
appeal entendeu que no momento em que o árbitro foi indicado, em razão da
confidencialidade e da impossibilidade de se comunicar com as partes, ele não tinha
conhecimentos suficientes sobre o litígio a ponto de julgar necessária a revelação de tal
fato. Essa decisão, mesmo se sujeita a críticas, serve para mostrar-nos que as soluções
não são sempre previsíveis e que uma mesma situação, que em aplicação das Diretrizes,
confirmaria a existência de um conflito de interesses, pode não ser considerada da mesma
forma por uma jurisdição estatal.
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50. Outra hipótese que se encaixaria na lista vermelha é a do caso L’Oréal, no qual
o árbitro único era o consultor financeiro de uma empresa do grupo L’Oréal no momento
da assinatura do compromisso, mas que não informou a outra parte desse fato 38. Em
convergência com as idéias que guiaram o grupo de trabalho na elaboração das Diretrizes,
a Cour d’appel de Paris anulou a sentença arbitral.
51. A jurisprudência francesa nos fornece um outro exemplo de relações de
parentesco entre o árbitro e o conselheiro de uma das partes. No caso Milan Presse, no
qual o árbitro era o padrasto do consultor de uma das partes, a Cour d’appel de Paris
decidiu que “l’absence de révelation par un arbitre de son mariage avec la mère du conseil
de l’une des parties ne permettait plus à l’autre partie d’avoir la certitude de son
indépendance et de son impartialité” 39.
Em todas essas hipóteses, a revelação é necessária e o árbitro só pode ser
nomeado com o consentimento das partes.
52. Com relação aos serviços prestados pelo árbitro a uma das partes nos três anos
que precedem à arbitragem; pelos serviços prestados pelo escritório ao qual pertence o
árbitro, sem sua participação; por certas relações entre o árbitro e um co-árbitro ou um
advogado; ou ainda, entre o árbitro e uma das partes ou outros participantes na
arbitragem, a revelação é necessária e as partes devem renunciar ao direito de contestar a
nomeação do árbitro (lista laranja). Essa renúncia não precisa ser necessariamente
expressa. Se nenhuma objeção for feita em 30 dias contados da revelação, presume-se
que as partes renunciaram a este direito.
53. A existência de relações íntimas entre dois árbitros pode também colocar em
dúvida suas independências e imparcialidades. No caso Jean Lion, a Cour d’appel de
Rouen viu, de forma correta, no fato de um dos árbitros ter uma relação de subordinação
com o presidente do Tribunal Arbitral, uma circunstância “objectivement susceptible de
l’inciter à adopter une position conforme aux intérêts du dirigeant de la société mère de la
filiale qui l’employait” 40.
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54. A designação sistemática de um árbitro, pela mesma parte ou pelo mesmo
advogado, pode também criar relações entre estes a ponto de criar dúvidas com relação à
imparcialidade e independência do árbitro 41. Não existe dúvida quanto ao fato de que
essas nomeações anteriores devem ser reveladas. No caso 14/2004 da Câmara de
Comércio de Estocolmo, o árbitro foi nomeado pela mesma parte em oito arbitragens nos
dois anos precedentes, sendo que destas, cinco ainda não tinham sido concluídas. O
árbitro não tinha revelado tais fatos às partes, e a instituição, corretamente, entendeu que
existiam fatos suficientes para questionar a independência do árbitro. Sua recusa,
demandada pela parte adversa, foi aceita 42.
55. As Diretrizes prevêem um limite de 3 anos entre duas nomeações de um
mesmo árbitro pelas mesmas partes. No entanto, fixar limites temporais parece-nos
bastante difícil e ao mesmo tempo perigoso. Poderíamos pensar em um árbitro nomeado
por uma mesma parte a cada três anos e, sentindo-se protegido pelo prazo escolhido pelo
IBA, não revela tais nomeações 43. Ou, ainda, poderíamos imaginar uma situação em que
duas ou três arbitragens sejam relacionadas e as partes resolvam nomear os mesmos
árbitros para evitar decisões contraditórias. Neste caso, parece-nos mais realista contar
tais nomeações como uma única nomeação do que como nomeações múltiplas.
De qualquer maneira, a melhor solução seria informar todas as vezes que um
árbitro fosse designado repetidamente pelo mesmo advogado ou pelas mesmas partes.
Esse tipo de precaução serve para proteger o próprio árbitro de uma demanda de
recusação ao mesmo tempo em que aumenta a eficácia do mecanismo arbitral, impedindo
uma contestação posterior da sentença.
56. As relações entre o árbitro e o advogado de uma das partes deve ser analisada
à parte. É notório que o mundo da arbitragem é um meio bastante restrito, e os árbitros
são, na maioria das vezes, advogados 44. Desta forma, forçoso é reconhecer uma certa
especificidade na posição dos árbitros que não deve ser comparada a dos juízes. De
acordo com a Supreme Court norte-americana no caso Commonwealth Coatings, “it is
often because they are men of affairs, not apart from but of the marketplace, that they are
effective in their adjudicatory function” 45. Assim Jean-François Poudret e Sébastien
Besson afirmam que mesmo se tudo o que se aplica nas relações entre árbitro e parte
deva ser aplicado mutatis mutandis às relações entre árbitro e advogado, algumas
reservas devem ser feitas. “Les rencontres étant fréquentes dans le ’cercle restreint’ de
l’arbitrage international, des liens peuvent se créer sans pour autant remettre en cause
l’indépendance et l’impartialité d’un confrère ou d’un collègue envers un autre” 46.
RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL
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57. De acordo com a lista verde das Diretrizes, se o escritório de advogados do
árbitro trabalhou para uma das partes no passado; se o árbitro e o advogado de uma das
partes ou um co-árbitro já fizeram parte de um mesmo Tribunal Arbitral; se o árbitro detém
um número negligenciável de ações no capital de uma das partes ou uma de suas filiais, a
revelação não é obrigatória.
58. Nota-se que as Diretrizes não fazem da nacionalidade comum ou do domicílio
em um mesmo país uma razão suficiente para gerar um conflito de interesses. Um
Tribunal Arbitral não deve ser composto de dois árbitros que têm a mesma nacionalidade
de uma das partes, ou de um árbitro único dessa mesma nacionalidade, no entanto, não
se deve supor que a simples existência de nacionalidade comum entre árbitro(s) e parte(s)
constitua por si só um conflito de interesses 47.
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RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL
59. Um conflito de interesses não se caracteriza simplesmente pelas relações entre
os participantes no procedimento arbitral e o árbitro. Certos pré-julgamentos do árbitro em
relação à causa a ser decidida podem igualmente criar dúvidas com relação a sua
imparcialidade. Aqui não são as relações com outras pessoas que criam problemas, mas
com a própria matéria litigiosa.
B) Relações entre o árbitro e a matéria litigiosa
60. O fato de o árbitro ter emitido consultas ou ter intervindo anteriormente em um
caso deveria, de acordo com as Diretrizes, impedi-lo de aceitar uma nomeação em um
litígio relativo ao mesmo caso. Essa hipótese está prevista na lista vermelha sujeita à
renúncia.
61. Outra hipótese, prevista na lista laranja, é a de um árbitro ter defendido
publicamente uma posição específica que concerne o caso submetido à arbitragem. Por
exemplo, pensemos nos árbitros designados de maneira sistemática em causas diferentes
pela mesma parte relacionados à mesma questão jurídica. Não é difícil imaginar que o
árbitro já tenha opiniões formadas e que não seja totalmente imparcial. É em casos como
esses que a revelação é indispensável. Cabe à parte decidir aceitar ou não o árbitro. É o
objetivo da revelação permitir às partes escolher os árbitros que julgarão seu litígio, com
amplo conhecimento de todas as circunstâncias a ele relacionadas.
62. As opiniões jurídicas, anteriormente expressas pelo árbitro, que não são
diretamente ligadas ao caso, estão previstas na lista verde das Diretrizes e, portanto, não
precisam ser reveladas. Tenhamos como exemplo um professor de direito com vários
anos de atividade acadêmica e uma vasta produção intelectual. Se considerarmos que ele
está obrigado a informar todos os trabalhos que já publicou ou mesmo opiniões expressas
em conferências, estaríamos agravando de forma exagerada a obrigação de informação
do árbitro 48.
63. O fato de as partes ou seus advogados escolherem um árbitro em razão de seu
posicionamento com relação à certa questão de direito não afeta sua independência.
Sabe-se que, na prática, os advogados, antes de nomear um árbitro, vão sempre que
possível consultar suas opiniões publicadas na matéria objeto do litígio.
Independentemente disso, conforme afirma Charles Jarrosson, “l’arbitre en question garde
toute sa liberté pour modifier éventuellement son opinion et s’il la maintient, ce n’est pas
par manque d’indépendance, mais par fidélité à la pensée qui est la sienne” 49.
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64. Considerando-se que muitas vezes os árbitros são nomeados pelas partes,
parece-nos lógico que o primeiro contato, no qual a parte pretende saber se o pretenso
árbitro encontra-se em capacidade de aceitar sua missão e se ele terá a disponibilidade
necessária, não cria uma situação de conflito. Mesmo se os primeiros contatos devem ser
os mais restritos possíveis, ao menos a natureza do litígio, i.e., qual a matéria envolvida no
caso, deve ser informada à pessoa desejada como árbitro, a fim de permitir-lhe avaliar
suas capacidades para tratar a questão. Seria mesmo irresponsável da parte de um árbitro
aceitar uma nomeação sem conhecer a natureza da causa. Todavia, “this type of
preliminary discussion involves the potential arbitrator as a listener only; he should not give
advice or express his views of the case” 50, ou seja, este primeiro contato com o árbitro
“deve necessariamente limitar-se a indagações sobre disponibilidade de tempo,
especialidade e eventuais impedimentos profissionais” 51. De toda maneira, este primeiro
contato com a causa não constitui nenhum pré-julgamento do árbitro sobre o fundo do
litígio, de maneira que esta hipótese está corretamente prevista na lista verde das
Diretrizes.
65. Uma decisão que lida diretamente com a questão das relações entre o árbitro e
a causa a julgar, que inclusive menciona as Diretrizes do IBA, é uma decisão da District
Court of The Hague, em uma demanda de recusação feita contra um dos árbitros no caso
República de Gana c/ Telekom Malaysia Berhad 52. Trata-se de uma arbitragem, em
matéria de investimentos, entre uma empresa de telecomunicações da Malásia (TMB) e a
República de Gana sob fundamento de um tratado bilateral de investimento. Durante as
audiências, o demandante referiu-se e fundamentou suas alegações em um outro caso,
RFCC c. Marrocos. Posteriormente às alegações do demandante, um dos árbitros
(Emmanuel Gaillard) revelou ter sido contatado por RFCC para entrar com uma ação
judicial visando à anulação da sentença no caso RFCC c. Marrocos. Em conseqüência
dessa revelação, TMB pediu a recusação de referido árbitro mas sua demanda foi
rejeitada pelo Secretário. Geral da Corte permanente de arbitragem, autoridade
competente segundo o regulamento Uncitral adotado na arbitragem. O demandante, em
seguida, deu entrada a uma demanda de recusação frente ao juiz de apoio da District
Court de Haia.
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O demandante alegou que o papel do árbitro, como advogado em um outro caso
que diz respeito à matéria semelhante, era incompatível com sua missão no procedimento
arbitral em que ele tinha o dever de ser independente e imparcial. O demandante invocou
a Regra Geral n° 2 das Diretrizes do IBA e afirmou que, de acordo com o teste do
“reasonable person”, ele entendia que o árbitro não tinha a imparcialidade necessária para
julgar o caso. O demandado por sua vez afirmou que a revelação feita por Emmanuel
Gaillard diz respeito a uma circunstância prevista no parágrafo 4.1.1 da lista verde das
Diretrizes que dispõe que o árbitro não precisa informar as partes das opiniões jurídicas
manifestadas anteriormente em questões não diretamente ligadas ao caso que lhe é
submetido, e que desta forma o árbitro não estava obrigado a revelar. Emmanuel Gaillard
pronunciou-se para dizer que “the fact that (he had) been asked to act as counsel for an
unrelated party in an unrelated matter does not, in (his) view, affect such impartiality and
independence in any way” 53.
A Disctrict Court de Haia entendeu que existiam dúvidas fundadas quanto à
imparcialidade do árbitro e impôs-lhe como condição para continuar como árbitro que ele
renunciasse seu papel de advogado no caso RFCC c/ Marrocos 54.
66. Essa decisão da jurisdição holandesa nos parece bastante surpreendente. Um
árbitro estaria assim impedido de ser, ao mesmo tempo, advogado em um caso que
envolva questões jurídicas similares. No entanto, como já mencionado, muitos árbitros
são, antes de tudo, advogados. Será que se deve impedi-los de exercerem suas
profissões enquanto estiver pendente um procedimento arbitral no qual eles são árbitros?
A questão é obviamente delicada; porém, a decisão da Corte de Haia parece-nos
excessiva. Não acreditamos que um árbitro extremamente experiente deixar-se-á
influenciar por outro dossiê para o qual ele trabalhe como advogado. Seria suficiente para
colocar em dúvida a imparcialidade do árbitro o fato de os dois casos estarem
relacionados a uma questão de expropriação e requererem a aplicação de um tratado
bilateral de proteção e promoção de investimentos?
Primeiro, temos que admitir que cada caso é um caso. Mesmo se uma questão de
direito é similar, as circunstâncias de fato de cada caso devem ser levadas em
consideração. Não podemos afirmar que, porque as dificuldades encontradas nos dois
procedimentos são comparáveis, elas resultariam em soluções idênticas.
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Em seguida, se aceitarmos que o simples fato de um árbitro ter tratado da mesma
questão litigiosa deva impedi-lo de ser árbitro, acabaríamos por destruir o mecanismo
arbitral. Mesmo se a comparação entre árbitros e juízes é infeliz na maioria das vezes,
nesse caso pegaremos os juízes como exemplo; se admitíssemos que um juiz, a partir do
momento em que já julgou determinada questão de direito, não possa mais rever esta
questão em outro processo, seria impossível termos um sistema judiciário eficaz. Quantos
juízes seriam necessários? Além disso, nada impede ao juiz de mudar de opinião se os
argumentos são convincentes.
67. O problema se coloca da mesma maneira na arbitragem, mas com um
agravante. Uma das vantagens da arbitragem é a possibilidade de escolher especialistas
na matéria para resolver o litígio. Se um litígio apenas é o suficiente para gerar a
parcialidade do árbitro, isto significa também o fim dos especialistas. Acreditamos, acima
de tudo, que os grandes árbitros, como no presente caso, têm a experiência e a
maturidade necessárias para separar seus posicionamentos enquanto árbitros e enquanto
advogados. Além disso, um advogado defende certo ponto de vista não porque ele
acredita que seja a verdade absoluta, mas porque determinada posição corresponde ao
interesse de seu cliente.
68. Assim, nosso exemplo de decisão judicial, em que as Diretrizes do IBA foram
invocadas pelas partes, não nos parece uma decisão a ser seguida. Porém, deve-se
acentuar que a decisão em si não faz qualquer alusão às Diretrizes, então não
acreditamos que os juízes holandeses tenham feito aplicação deste texto 55.
69. Em uma arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (Caso 148/2003)
uma situação análoga apresentou-se, mas neste caso o árbitro havia feito parte de um
outro Tribunal Arbitral em outra arbitragem por uma questão semelhante, o que, de acordo
com o demandante, significaria que o árbitro tinha pré-conhecimentos sobre a questão
litigiosa tratada na arbitragem. A instituição de arbitragem, corretamente, não viu nesse
fato uma razão suficiente para desqualificar o árbitro 56.
70. A partir dessa análise do conteúdo das Diretrizes, pode-se observar que de uma
maneira geral elas inspiram-se na jurisprudência existente, com algumas exceções. Mas a
principal contribuição dessas Diretrizes, a partir do que foi visto, é de trazer um pouco de
objetividade à questão da revelação. A jurisprudência analisada mostra-se hesitante. Nem
sempre sabemos se tal circunstância deve ou não ser revelada. Os mesmos fatos que por
certas jurisdições devem ser revelados, para outras não exigem revelação. As Diretrizes
servem, assim como um guia daquilo que deve ser revelado, de maneira a tentar combater
a insegurança atualmente existente. É muito difícil escapar da casuística, mas as
Diretrizes são a tentativa de imposição de critérios de conduta que devem ser seguidos
por todos os árbitros. São a tentativa de criação de um padrão de conduta próprio ao
árbitro internacional.
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PARTE 2:
A APLICAÇÃO DAS DIRETRIZES DO INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION SOBRE
CONFLITOS DE INTERESSES NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL
71. Para analisar se as Diretrizes serão aplicadas ou não na arbitragem
internacional, devemos analisar se elas são úteis, isto é, se elas trazem algo realmente
novo para a prática arbitral internacional (I), para em seguida analisar se elas são eficazes
para resolver as questões de conflito de interesses (II).
I – DO PONTO DE VISTA DA OPORTUNIDADE
72. Inicialmente, deve-se analisar se essas Diretrizes possuem uma razão de ser,
isto é, se elas são realmente necessárias e úteis tendo em vista os demais textos já
existentes (A). Em seguida, verificaremos de qual maneira uma aplicação prática destas
Diretrizes poderia ser considerada (B).
A) A utilidade das Diretrizes do International Bar Association sobre o conflito de
interesses na arbitragem internacional
73. Ao examinar a utilidade das Diretrizes, deve-se levar em consideração os
demais textos existentes. Se tudo o que as Diretrizes fazem é compilar soluções e
disposições existentes em outros instrumentos, não poderemos afirmar que elas são de
grande utilidade. Desta forma, um exame dos demais instrumentos tais como leis
nacionais, convenções internacionais, regulamentos de arbitragem e códigos de ética é
indispensável.
74. Quando quisermos mostrar quais foram as fontes de inspiração das Diretrizes,
poderemos observar de qual maneira as legislações nacionais tratam a questão da
imparcialidade e independência dos árbitros, mas também de que maneira o dever de
revelação está previsto em referidas leis. Assim, com relação às fontes formais, resta-nos
examinar algumas Convenções internacionais.
75. As Convenções internacionais, de uma maneira geral, não abordam diretamente
a questão, o que não quer dizer que elas não consideram que os árbitros devam ser
imparciais e independentes. Nas Convenções, a questão é quase sempre tratada entre as
causas de recusa de reconhecimento de sentença arbitral, sendo o caso da Convenção de
Nova Iorque sobre reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira de 1958
57,
da Convenção européia sobre arbitragem comercial internacional (Convenção de
Genebra de 1961) 58 e da Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial
internacional (Convenção do Panamá de 1975) 59. Isto significa que em todas essas
Convenções está previsto que a ausência de independência ou de imparcialidade de um
árbitro pode impedir o reconhecimento de uma sentença arbitral. Mas elas não vão mais
longe do que isso.
RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL
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76. As instituições de arbitragem possuem cada uma seu próprio regulamento e
esses regulamentos são também governados pelos princípios de independência e
imparcialidade dos árbitros, para assegurar que o árbitro escolhido pelas partes (ou pela
própria instituição) possa decidir a controvérsia de forma justa e imparcial.
77. O regulamento de arbitragem da CCI prevê em seu art. 7.1 que “todo árbitro
deverá ser e permanecer independente das partes envolvidas na arbitragem”. Esse artigo,
conforme mencionado anteriormente, serviu de inspiração para a Regra Geral nº 1 das
Diretrizes. O art. 7.2, por sua vez, prevê a exigência da declaração de independência, em
que o árbitro deve revelar todos os “fatos ou circunstâncias cuja natureza possa levar ao
questionamento da sua independência pelas partes”.
78. No que diz respeito ao ICSID, o art. 14(1) da Convenção de Washington relativa
à Solução de Controvérsias sobre Investimentos entre Estados e Nacionais de outros
Estados de 1965 dispõe que “as pessoas designadas para figurar nas listas devem gozar
de alta consideração moral, ter competência reconhecida em matéria jurídica, comercial,
industrial ou financeira, e oferecer todas as garantias de independência no exercício de
suas funções”. Uma declaração de independência também é prevista no art. 6(2) do
regulamento de arbitragem. Com as alterações sofridas por este regulamento
recentemente, a obrigação de revelação não está mais limitada ao início da arbitragem,
mas tornou-se uma obrigação contínua que subsiste durante todo o procedimento 60.
28
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Conforme já salientado anteriormente, quando da análise do regulamento CCI, o
fato de o regulamento ICSID abordar apenas a independência dos árbitros não significa
que os árbitros não devem ser também imparciais.
79. O regulamento de arbitragem Uncitral precisa, em seu art. 6(4), que a
autoridade de nomeação, para escolher um árbitro, deve ter em mente “considerações
necessárias a garantir a nomeação de um árbitro independente e imparcial […]” 61. O
regulamento de arbitragem internacional da American Arbitration Association (AAA) em
seu art. 7 62, o regulamento da London Court of International Arbitral (LCIA) em seu art. 5
63,
assim como o regulamento da Câmara de Comércio de Estocolmo (CCE) em seu art.
17 64 prevêem também a necessidade de o árbitro ser imparcial e independente e exigem
a revelação antes da aceitação de sua missão.
80. Assim, podemos observar que os regulamentos de arbitragem, como as leis
nacionais, contentam-se em definir ou mencionar a independência, a imparcialidade e a
obrigação de revelação.
81. A lei francesa, por exemplo, de acordo com Philippe Fouchard, Emmanuel
Gaillard, et Berthold Goldman, “est d’ailleurs singulièrement elliptique sur les qualités
personnelles de l’arbitre, puisqu’il se borne à faire allusion, à deux reprises 65 à des
‘causes de récusation’, qu’il ne définit pas davantage” 66. A lei é bastante lacunosa e
genérica, mas não se trata de um caso isolado. Pelo contrário, de uma maneira geral as
disposições que encontramos nas legislações internas e regulamentos não são
satisfatórias. Todas afirmam que o árbitro deve ser independente e imparcial, mas é tudo.
Elas não nos dão nenhuma outra precisão.
82. No entanto, temos ainda que analisar se os códigos de ética existentes não
fazem já aquilo que as Diretrizes pretendem fazer. Inicialmente, temos que notar que os
Códigos de Ética não são muitos, e de uma forma geral, abordam a questão de maneira
similar. O Código de Ética elaborado pela American Arbitration Association e pela
American Bar Association (AAA/ABA) 67, por exemplo, prevê, em seu Canon I, as
exigências de independência e imparcialidade dos árbitros e, em seu Canon II, enumera
as situações que devem ser reveladas pelo árbitro. O código de ética impõe como uma
condição para a aceitação pelo árbitro de sua missão que não exista um conflito de
interesse enquanto que as Diretrizes prevêem uma obrigação ao árbitro de declinar sua
competência se um conflito de interesses existe. Mas, substancialmente, os dois
instrumentos são convergentes. No entanto, esses códigos se aplicam apenas a
arbitragens que a eles são submetidas, portanto, eles são de aplicação bastante parcial e
insuficiente.
RBAr Nº 16 – Out-Dez/2007 – DOUTRINA NACIONAL
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83. Enfim, falta ainda analisar o Código de Ética do International Bar Association de
1987 68. Neste caso, além do conteúdo, temos que analisar de qual maneira o Código de
Ética e as Diretrizes vão coexistir.
84. Do mesmo modo que o Código da AAA/ABA, o Código do IBA aplica-se apenas
às arbitragens que se submetem a ele e seu conteúdo, no que diz respeito a conflitos de
interesses, não difere muito dos outros instrumentos analisados. Em sua introdução, o
Código afirma que “os árbitros internacionais devem ser imparciais, independentes,
competentes, diligentes e discretos”. Da mesma forma, seu artigo primeiro dispões que “os
árbitros devem ser e permanecer isento de qualquer tomada de posição” 69 . Como um
todo, suas regras são bastante genéricas e no que diz respeito ao dever de revelação,
previsto no art. 4, muito menos precisas que as Diretrizes. De toda maneira, o Código de
Ética fica substituído pelas Diretrizes em tudo aquilo que elas tratam 70. Assim, a
coexistência desses dois instrumentos está assegurada.
85. Podemos concluir, assim, que não existe uma uniformização sobre a questão e
que o risco de insegurança jurídica é bastante presente. Mesmo se algumas disposições
existem, elas são tão vagas que, ao final, é o juiz que decide o que representa ou não um
conflito de interesses. A jurisprudência tem um papel bastante importante também.
Conforme pudemos verificar, as decisões de diferentes países não estão em harmonia.
Mesmo se o dever de independência e de imparcialidade está presente em todas as
legislações e regulamentos e é um princípio da arbitragem internacional, a concepção
deste dever muda de país para país, existindo divergências também dentro de um mesmo
país.
86. Mas o mais difícil consiste em determinar a amplitude da obrigação de
revelação 71. Não existe nenhuma dúvida quanto à sua existência; no entanto, podemos
nos interrogar sobre seu objeto. Para algumas jurisdições, existem circunstâncias que
devem, imperativamente, ser reveladas, enquanto que, para outras, a mesma
circunstância não dá origem ao dever de revelar. Podemos certamente encontrar casos
em que as mesmas circunstâncias estão reunidas e o árbitro que é independente em um
país não é necessariamente em outro. Esta situação de insegurança jurídica é inaceitável
para a arbitragem internacional. É o mecanismo como um todo que perde sua força.
30
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87. Assim, diretrizes como estas do IBA mostram-se muito importantes para trazer
um pouco de previsibilidade e uniformidade sobre esta questão tão delicada. As regras
gerais, como pudemos verificar, reorganizam, de uma certa maneira, os princípios já
existentes, sendo que o essencial de seu conteúdo se encontra nas legislações internas e
nos regulamentos de arbitragem. O que é realmente novo, e mais interessante, são as
listas, os casos concretos que elas descrevem e a maneira como elas nos dão os
contornos da obrigação de revelação. É verdade que elas não estão isentas de toda
crítica, como veremos mais adiante, mas, por enquanto, forçoso é reconhecer que elas
podem ser úteis, já que os textos existentes não são suficientes.
88. Depois de ter constatado a utilidade das Diretrizes, principalmente face às
deficiências dos textos existentes, nos resta apenas analisar se elas serão realmente
utilizadas e de que forma.
B) A utilização das Diretrizes do International Bar Association sobre conflito de
interesses na arbitragem internacional
89. A questão da utilização prática das Diretrizes não é de fácil análise. Conforme
afirma Legum, “published decisions on challenges to arbitrators are almost as rare as
unicorns” 72.
90. Evidentemente, as Diretrizes não têm força de lei, assim, nem os árbitros nem
os juízes são obrigados a aplicá-las 73. Assim, quando nos perguntamos de que forma as
Diretrizes serão utilizadas, três hipóteses se apresentam. Primeiro, elas podem ser
aplicadas pela vontade das partes. Em seguida, o próprio árbitro ou as instituições arbitrais
poderão aplicá-las de ofício. Por último, os juízes estatais, seja em face de uma demanda
de recusação de um árbitro, seja em face de uma demanda de reconhecimento, execução
ou anulação de uma sentença arbitral, poderiam nelas se inspirar.
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91. Para que a aplicação das Diretrizes se imponha aos árbitros e aos juízes,
poderíamos pensar na sua adoção pelos legisladores nas legislações internas, o que não
é fácil de imaginar, muito menos desejável. 74. Assim, a única maneira de impor a
aplicação dessas Diretrizes aos juízes e aos árbitros seria por acordo das partes, seja
diretamente, determinando que elas querem a aplicação das Diretrizes, seja indiretamente,
por intermédio da escolha de um regulamento de arbitragem que as tenha adotado 75.
92. Poderíamos pensar também em momentos distintos para essa escolha feita
pelas partes. Elas podem designar as Diretrizes como aplicáveis na própria convenção de
arbitragem 76, ou podem referir-se a elas no momento de uma demanda de recusação de
um árbitro ou em uma demanda de homologação, execução ou anulação de sentença
arbitral.
93. Além da possibilidade de as partes requererem a aplicação das Diretrizes,
podemos nos questionar se os próprios árbitros não têm o poder de aplicá-las, mesmo
sem o requerimento das partes.
A aplicação pelos árbitros de fontes informais do Direito é mais fácil que pelos
juízes, de tal maneira que Dominique Bureau afirma que “les sources informelles sont
appliquées par les arbitres sans que le relais de la volonté des parties n’apparaisse en ce
domaine indispensable” 77.
94. Conforme já ressaltamos, as leis nacionais e os regulamentos de arbitragem,
mesmo que contenham disposições sobre o dever de independência e imparcialidade, são
lacunosas, e os árbitros podem precisar recorrer a outros instrumentos. Assim, mesmo
sem o acordo das partes, os árbitros poderiam referir-se às Diretrizes para atestar suas
independências e imparcialidades, por exemplo. Mesmo um juiz confrontado a revisar a
imparcialidade e a independência de um árbitro poderia dar certa autoridade às Diretrizes.
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Ainda no que diz respeito à revelação, as Diretrizes contêm padrões gerais que
ajudariam os árbitros na difícil tarefa de saber o que deve ou não ser revelado. É verdade
que as hipóteses descritas nas listas não são exaustivas, mas já é um início. Diante da
ausência de outras instruções, elas podem ser bastante úteis.
95. As Diretrizes poderiam também ser utilizadas pelas instituições de arbitragem.
Sabemos que cada instituição tem suas próprias regras e práticas com relação à
recusação de árbitros; no entanto, as Diretrizes poderiam ser utilizadas para cobrir
possíveis lacunas.
Porém, é notório que as decisões das instituições de arbitragem são normalmente
confidenciais, principalmente no que diz respeito à recusação de árbitros. Mesmo que
autores como Van Vechten Veeder defendam a publicação dessas decisões, o que
segundo eles poderia ultrapassar dificuldades inerentes a instrumentos como as Diretrizes
do IBA 78, acreditamos que tornar pública uma decisão de recusação de árbitro não é a
melhor maneira de fomentar o debate ou solucionar a questão. Existe alguma
jurisprudência estatal sobre a questão e não é o fato dela ser pública que soluciona os
problemas existentes na falta de uniformização.
96. Enfim, poderíamos nos questionar se as Diretrizes poderiam ser aplicadas por
juízes. Diante do lacunismo das legislações nacionais, os juízes, confrontados a uma
situação em que devam analisar a independência ou a imparcialidade de um árbitro,
tomam decisões que nem sempre são as mais adequadas. Uma solução que faz maioria
nos diferentes sistemas jurídicos é o paralelo com as causas de recusação dos juízes. No
entanto, esta analogia entre os juízes e os árbitros nem sempre traduz a realidade. Além
do mais, paralelos entre juízes e árbitros devem ser evitados não apenas no que diz
respeito às causas de recusação. O simples fato de uma decisão judicial estar submetida
ao duplo grau de jurisdição faz com que um controle maior exista sobre os juízes. Desta
forma, ousamos dizer que a hipótese de um árbitro dependente ou parcial é mais grave do
que a de um juiz, tendo em vista que sua sentença não é submetida a nenhum controle
externo.
Como forma de auxílio aos juízes podemos dizer que as Diretrizes ocupariam um
espaço que hoje está vago. Além de elaborar um padrão próprio aos árbitros e abandonar
a infeliz aproximação com os juízes, elas podem servir como um guia aos juízes, como aos
árbitros, na determinação da extensão da obrigação de revelação.
É verdade que a aplicação pelos juízes de fontes informais pode, sem o acordo
expresso das partes, se mostrar bastante delicada 79. De toda forma, aqui estamos
falando mais de uma espécie de prise en considération pelos juízes dessas Diretrizes. Ou
seja, não se trata de tornar as Diretrizes aplicáveis pelos juízes sem o acordo das partes,
mas pode-se pensar que os juízes inspirem-se no espírito e na letra desse texto para
prolatar, com a vestimenta jurídica tradicional, uma decisão na qual as Diretrizes sejam
uma fonte de inspiração.
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97. Poderíamos assim transpôr às Diretrizes a observação feita por Philippe
Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman sobre o Código de Ética da IBA e
afirmar que “le simple fait que ce règlement existe amènera les parties, les arbitres et les
juges à en tenir compte, et l’appréciation des comportements et des responsabilités ne
pourra plus se faire comme auparavant, comme s’il n’existait pas” 80.
98. Resta agora analisar se a utilização dessas Diretrizes produzirá resultados na
prática internacional, i.e., se as Diretrizes serão efetivas e lograrão alcançar as finalidades
às quais elas se propõem.
II – DO PONTO DE VISTA DA EFICÁCIA
99. Para saber se as Diretrizes serão eficazes e atingirão o objetivo fixado,
devemos inicialmente analisar as regras gerais (A) e, em seguida, as listas que dão os
exemplos de aplicação prática dessas regras (B).
A) As regras gerais das Diretrizes do International Bar Association sobre conflito de
interesses na arbitragem internacional
100. O conteúdo dessas regras gerais não é novo. Conforme mencionado
anteriormente, o grupo de trabalho inspirou-se nas leis nacionais, nos regulamentos de
arbitragem e na jurisprudência para formular tais regras. Elas contêm princípios já
conhecidos no direito arbitral e que podemos encontrar em outros instrumentos.
101. No entanto, a maioria das leis e regulamentos não é muito clara, então, a
maior contribuição das Diretrizes, e mais especificamente das regras gerais, foi a de
esclarecer certas questões. Por exemplo, o fato de afirmar, sem sombra de dúvidas, que a
revelação é diferente das causas de recusação, isto é, que ela não é uma confissão de
parcialidade ou dependência da parte do árbitro. Pelo contrário, se o árbitro não se
estimasse em condições de total imparcialidade ele teria declinado sua competência e não
simplesmente revelado certas circunstâncias (regra geral 3 (b)).
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Dessa forma, de uma maneira geral, essas normas demonstram a prática arbitral
atual e não nos trazem grandes dificuldades, com uma exceção: a manutenção do árbitro
não neutro.
102. A regra geral n° 5, que define o campo de apli cação das Diretrizes, afirma que
“as presentes normas não se aplicam aos árbitros não neutros, os quais não estão
submetidos à obrigação de imparcialidade e independência, de acordo com alguns
regulamentos de arbitragem ou leis nacionais”.
Por que o grupo de trabalho não aproveitou a oportunidade para suprimir, de uma
vez por todas, o árbitro não neutro da prática internacional? Esta questão é bastante
inquietante, principalmente porque parece difícil encontrar resposta satisfatória.
103. O árbitro não neutro é uma prática de common law, especialmente
norte-americana, aplicada em arbitragens domésticas nas quais a independência do
árbitro não é exigida 81. Assim, de acordo com esta teoria, presume-se que os árbitros
nomeados pelas partes têm uma predileção pela posição defendida pela parte que os
nomeou.
Dentro desse mecanismo, a função dos advogados das partes não está bem clara,
já que os árbitros se transformam em representantes das partes e defendem suas causas
perante o terceiro árbitro, o único neutro, que profere sua decisão. Esse tipo de arbitragem
nos parece mais uma arbitragem com árbitro único do que um Tribunal Arbitral constituído
de três árbitros, a tal ponto que podemos nos perguntar qual a razão de ser de um tribunal
tripartite dentro desta tradição norte-americana.
104. No entanto, esta é uma prática quase isolada, de tal forma que podemos
afirmar que de acordo com a concepção romano-germânica da arbitragem, “and what is
now accepted as the international one”, o árbitro nomeado pelas partes não deve agir
como representante da parte que o nomeou 82.
105. Desta forma, fica difícil compreender por que o grupo de trabalho, que sempre
teve em seu espírito a vontade de refletir a “melhor prática internacional”, exclui os árbitros
não neutros de seu campo de aplicação. Otto de Witt Wijnen, Nathalie Voser e Neomi Rao
afirmam que o “working group has determined that the guidelines should reflect the best
international practice without reference to particular national practices” 83. No entanto,
fazendo referência a árbitros não neutros, o grupo de trabalho fez exatamente o contrário.
Esta prática não é nem majoritária – poderíamos mesmo dizer que ela nem é aceita na
arbitragem internacional – e muito menos a melhor, e o grupo de trabalho fez referências a
uma prática nacional bastante particular do sistema americano, que não tem razão de ser
na arbitragem internacional.
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106. Nossa dúvida se mostra ainda mais inquietante quando observamos que o
mesmo International Bar Association, quando da revisão do seu Código de Ética de 2004,
já tinha abandonado a tradição americana de presumir que os árbitros nomeados pelas
partes são árbitros não neutros. Por que ressuscitou-se esta idéia em um instrumento que
visa a fixar padrões de independência e imparcialidade para os árbitros internacionais?
107. A existência do árbitro-parte representa um grande inconveniente para o
mecanismo da arbitragem internacional e em nenhuma hipótese tal prática deveria ser
aceita. Todos os árbitros, mesmo aqueles nomeados pelas partes, estão sujeitos às
exigências de independência e imparcialidade. Todavia, podemos aproveitar o debate para
refletir sobre as reais dificuldades que existem ou podem existir na nomeação de árbitros
pelas partes 84.
108. As Diretrizes, em suas regras gerais, afirmam que “todo árbitro deve ser
imparcial e independente das partes”. Porém, é notório que a realidade nem sempre é
simples assim.
109. Em um mundo perfeito, poderíamos dizer que todos os árbitros adotam uma
postura de independência diante das partes que os nomeiam, já que eles sabem que não
foram nomeados para representar esta parte, mas para achar a melhor solução ao litígio.
Todavia, sabemos que o mundo não é perfeito e que os seres humanos nem sempre se
comportam como deveriam. Se é verdade que existem árbitros que conhecem bem o seu
papel em uma arbitragem e não fazem nenhuma diferenciação pelo fato de terem sido
nomeados pela parte, existem outros que não têm uma conduta exemplar. Diante deste
tipo de comportamento, tudo o que podemos esperar é que as Diretrizes sejam um
instrumento útil para combatê-lo.
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110. Conforme já mencionado, o conteúdo das normas gerais das Diretrizes não é
novidade, mas o que é realmente novo e interessante é o método de listas.
B) As listas de aplicação prática das Diretrizes do International Bar Association
sobre o conflito de interesses na arbitragem internacional
111. Se as normas gerais fixam a existência da obrigação de revelação, podemos
dizer que as listas nos mostram os contornos desta obrigação.
112. A crítica tradicional feita a este método é a de que toda lista é obrigatoriamente
lacunosa, isto é, é impossível prever tudo 85. O grupo de trabalho, que não ignorou essa
crítica, afirma que as listas são não exaustivas.
113. De uma forma geral, já reverenciamos a iniciativa da IBA de tentar esclarecer a
questão, bastante complicada, da aplicação prática do dever de revelação, mas ainda
existem nessas listas algumas hipóteses mal adaptadas e alguns esquecimentos.
114. A primeira questão que se apresenta é a presença, na lista vermelha, de uma
primeira parte que enuncia casos que não podem ser derrogados pelas partes. Conforme
afirma Thomas Clay, “il est permis de se demander si, dans l’arbitrage où les parties sont
souveraines, on peut leur interdire de déroger à certaines règles” 86. Um dos atrativos da
arbitragem é justamente o papel importante da autonomia da vontade, a liberdade que é
dada às partes na determinação das regras que governarão a disputa, inclusive a seleção
dos árbitros. A arbitragem é feita pelas partes e para as partes. Elas devem ser livres para
escolher seus árbitros e a função da revelação é justamente a de deixar as partes cientes
de certas situações para que elas decidam se aceitam ou não o árbitro.
115. A Lei de Arbitragem brasileira prevê que o requerimento de recusa de um
árbitro deve ser feito na primeira oportunidade que a parte tiver para se manifestar nos
autos, sob pena de renúncia ao direito de fazê-lo posteriormente (LBA, art. 20).
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Em direito processual francês, o princípio da imparcialidade e da independência do
juiz é também suscetível de renúncia, a partir do momento que a parte tinha conhecimento
da situação e não argüiu a exceção em tempo útil 87. Dessa forma, a Corte de cassação
francesa, em uma importante decisão proferida pela Assembléia Plenária, declarou a
inadmissibilidade de um recurso sobre a base da violação do art. 6, § 1º, da Convenção
Européia de Direitos Humanos e especialmente da violação ao direito a um tribunal
independente e imparcial, pelo fato de o requerente/recorrente não ter requerido a
recusação do juiz com fundamento no art. 341 do novo Código de Processo Civil 88.
116. Num procedimento arbitral, a situação se apresenta da mesma forma.
Jean-François Poudret e Sébastien Besson afirmam que “la partie qui tarde à saisir le juge
perd non seulement le droit de demander la récusation au juge d’appui, mais également
celui de recourir contre la sentence en invoquant les motifs de récusation qu’elle s’est
abstenue de faire valoir immédiatement” 89.
117. Essa regra encontra-se inclusive reproduzida em regulamentos de arbitragens
e leis nacionais. O artigo 4 da lei-modelo da Uncitral, por exemplo, contém uma regra
denominada “renúncia ao direito de oposição”. Com relação a esta regra Fouchard afirma
que, “a party with knowledge of procedural irregularities in the arbitral procedure who does
not immediately react thereto is presumed to waive the right subsequently to rely thereon in
order to challenge the award with which it is dissatisfied” 90. Levando em consideração a
grande influência da lei-modelo em diversas legislações nacionais e regulamentos de
arbitragem, ousamos dizer que esta regra é de reconhecimento mundial.
118. Assim, a regra que dita que as situações previstas na lista vermelha não estão
sujeitas à renúncia não encontra ressonância na maioria das legislações internas. Ball
salienta que os relatórios nacionais mostram que “in all jurisdictions, parties that fail to
object to conflicts in a timely fashion may not raise objections at a later stage” 91. Neste
aspecto, as Diretrizes parecem ir bastante além de qualquer prática internacionalmente
admitida.
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119. Podemos inclusive questionarmos se, determinando que as Diretrizes não se
aplicam aos árbitros-parte, o grupo de trabalho não aceitou a possibilidade de as partes
renunciarem às exigências de independência e imparcialidade.
120. São dois princípios fundamentais da arbitragem que se encontram
confrontados: o da independência do árbitro e o da autonomia da vontade.
acreditamos que seja papel das Diretrizes decidir qual dentre eles deve prevalecer.
autonomia da vontade deve ser limitada, somente a lei pode nos dizer quais são
limites.
aqui
Não
Se a
seus
121. Desta forma, fica difícil imaginar de que maneira esta lista vermelha poderá ser
aplicada. Principalmente pelo fato de ela não estar em harmonia com as legislações
nacionais.
122. Outra hipótese que merece atenção é a presente na lista laranja, que prevê a
existência de relações entre árbitros e advogados. Estranho nos parece que a nomeação
de um árbitro que faz parte de um escritório de advogados que representa uma das partes,
mesmo sem sua participação, prevista no item 3.2.1, não está condicionada à aceitação
expressa das partes 92.
123. Uma outra questão é aquela das redes internacionais de escritórios de
advogados. Em uma decisão da Cour d’appel de Paris decidiu-se que a ausência de
revelação de fazer parte de uma mesma rede internacional não constitui um motivo de
anulação da sentença 93. De toda forma, exigir o acordo, mesmo se tácito, das partes
nestes caso não nos parece excessivo, de forma que tal hipótese deveria estar prevista na
lista laranja.
124. Ainda enquanto às relações entre árbitros e advogados, uma crítica
constantemente feita às Diretrizes é que eles são “fait par les avocats et pour des avocats”
94,
mas não devemos esquecer que a arbitragem é, antes de mais nada, feita para as
partes e que os árbitros não são, obrigatoriamente, advogados. No entanto, a esta crítica
respondeu-se que o texto das Diretrizes, propositalmente, não se adereça a árbitros que
não são advogados. Os membros do grupo de trabalho “ont été sélectionnés spécialément
pour aborder les problèmes des arbitres-avocats d’affaires, exerçant dans des cabinets
internationaux” 95. Assim, o texto do IBA não é, nem se propõe a ser, adaptado a todos os
tipos de árbitros. De toda forma, é possível fazer uma triagem nas disposições das
Diretrizes para saber o que se aplica a todos os árbitros – as disposições relativas às
relações pessoais entre árbitros e partes, por exemplo – e o que se aplica somente aos
árbitros/advogados.
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125. Podemos ainda ressaltar alguns esquecimentos das Diretrizes, como o caso
da relação de subordinação, decorrente normalmente de um contrato de trabalho,
conforme salientado por Thomas Clay 96. Referido autor se pergunta se esta hipótese não
deveria estar expressamente prevista em uma das listas, já que nos parece difícil imaginar
hipótese mais clara de dependência. Se tal hipótese deve aparecer em alguma lista, não
poderia ser em outra que não a lista vermelha.
126. Podemos notar ainda a ausência de uma outra hipótese, aquela em que um
árbitro e o advogado de uma das partes estão trabalhando juntos em outro caso. O item
4.4.2 das Diretrizes prevê a hipótese em que o árbitro e o advogado de uma das partes
trabalharam previamente juntos em outro caso e que tal hipótese não precisa ser revelada.
Mas se um árbitro e o advogado de uma das partes estão trabalhando simultaneamente
em outro caso, a revelação é indispensável.
CONCLUSÃO
127. A cláusula compromissória, assim como a própria sentença arbitral, sendo hoje
praticamente inatacável, a desqualificação de um árbitro é atualmente o meio utilizado
pelas partes para se oporem à arbitragem e tentar, através de todos os meios, retardar o
seu andamento. Assim, as partes não contestam mais a cláusula arbitral, já que tal
manobra está condenada ao fracasso, mas o árbitro. A posição do árbitro encontra-se
assim ameaçada e um recurso contra um árbitro – ou muitas vezes contra a sentença
invocando alguma irregularidade na designação do Tribunal Arbitral ou na imparcialidade
ou independência de seus membros – parece a melhor solução para uma parte
descontente com o resultado da arbitragem. Esta é, conforme observado por diversos
praticantes da arbitragem, uma das tendências que encontramos, infelizmente, em matéria
arbitral atualmente.
128. Assim, a jurisprudência tem-se confrontado cada vez mais com esse problema,
mas as soluções adotadas nem sempre são as mais adequadas. Como as leis internas
não fornecem as respostas, os juízes enfrentam a difícil tarefa de definir o conteúdo e o
regime das obrigações de independência e imparcialidade dos árbitros.
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129. As decisões mostram-se incertas, muitas vezes divergentes, não existe
nenhuma uniformidade, de maneira que torne difícil falar sobre um dever do árbitro de ser
imparcial e independente visto que, mesmo se as definições de tais termos são bastante
conhecidas, os meios de preservar a independência e a imparcialidade dos árbitros não o
são.
130. A forma mais eficaz de garantir a regularidade da constituição de um Tribunal
Arbitral é, sem dúvida nenhuma, a obrigação de revelação. No entanto, se a existência de
tal obrigação é largamente aceita, seu conteúdo ainda é um tanto misterioso. Ninguém
ousa afirmar com exatidão quais são as circunstâncias que devem ser reveladas e aquelas
que não devem. Nem mesmo a jurisprudência.
131. Dessa forma, as Diretrizes do IBA vêm trazer um pouco de objetividade a este
“auberge espagnole” 97. Tais Diretrizes chamam a atenção de juristas e praticantes sobre
esta questão bastante delicada que deve ser tratada com muita precaução.
132. “Tant vaut l’arbitre, tant vaut l’arbitrage” 98. Se a desconfiança contra os
árbitros ganha esta batalha, é o mecanismo da arbitragem que perde o seu valor.
133. As Diretrizes são, obviamente, apenas um ponto de partida e não resolvem
todas as dificuldades. Não se trata aqui de defender, cegamente, a aplicação desse texto,
até porque compreende-se a reticência encontrada atualmente no seio da doutrina, que
teme que sua utilização gere mais problemas ao invés de trazer soluções. Mas o fato é
que a iniciativa do IBA alimenta o debate sobre a questão da independência e da
imparcialidade dos árbitros internacionais, assim como a questão do conteúdo da
obrigação de revelação. Incentivar o debate sobre uma questão tão crucial só pode ser
positivo. As controvérsias doutrinárias sempre tiveram o papel de melhorar a regra de
direito e, de forma mais ampla, o estado do direito positivo. Só podemos esperar, para o
futuro da arbitragem internacional, que o mesmo aconteça através do debate surgido em
razão da iniciativa do International Bar Association.