On joue!? - Editora Paulistana

Transcrição

On joue!? - Editora Paulistana
Enje u é uma coleção do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos,
Literários e Tradutológicos em Francês da FFLCH-USP e, mais do que
uma “aposta” ou daquilo “que se pode ganhar ou perder em uma ação”, como
significa o termo em francês, trata-se de “pôr em jogo” – para debate e reflexão – questões referentes ao ensino do francês como língua estrangeira hoje
presentes nas pesquisas, experiências e trabalhos desenvolvidos pelos docentes
do Programa, por mestres e doutores nele formados ou em formação, e por
colegas de outros contextos e instituições.
Coleção criada e coordenada pelas
Profas. Dras. Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia e
Heloisa Albuquerque-Costa.
Conselho Editorial
Ana Clara Santos (Universidade do Algarve), Annie Coutelle (Consultora
FLE/FLS, Paris), Ceres Leite Prado (UFMG), Christianne Benatti Rochebois
(UFV), Cristina Nagle (Unicamp), Eliane Gouvêa Lousada (FFLCH-USP),
Estela Klett (Universidad de Buenos Aires), Josilene Pinheiro-Mariz (UFCG),
Maria da Glória Magalhães dos Reis (UnB), Maria del Carmen de la Torre
Aranda (UnB), Maria Eugênia Malheiros Poulet (Université Lumière Lyon
2), Maria Lúcia Jacob Dias de Barros (UFMG), Maria Thereza Fraga Rocco
(FE-USP), Mônica Ferreira Mayrink (FFLCH-USP), Neide Maia González
(FFLCH-USP), Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina (UFRJ), Rita JoverFaleiros (UNIFESP), Selma Alas Marins (UFRN), Tânia Reis Cunha (UFRJ),
Vera Lúcia Marinelli (FE-USP).
Este volume encontra-se disponível no site da editora Paulistana:
www.editorapaulistana.com.br
Volume 1
Ensino de Língua Francesa
em Contexto(s)
Organização
Cristina M. Casadei Pietraróia e Heloisa Albuquerque-Costa
Cristina M. Casadei Pietraróia, Heloisa Albuquerque-Costa,
Eliane Gouvêa Lousada, Adriana Zavaglia,
Maria del Carmen de la Torre Aranda, Alcinéia Emmerick de Almeida,
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, Sônia Regina Nóbrega de Oliveira
São Paulo
2013
Copyright © 2013
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia
Heloisa Albuquerque-Costa
Copyright © desta edição
Editora Paulistana
Editora responsável: Adélia M. Mariano Ferreira
Projeto gráfico: Priscila Pesce
Capa: Enrico e Gabriel Casadei Pietraróia
Preparação dos originais: Cristina Moerbeck Casadei Casadei Pietraróia e
Heloisa Albuquerque-Costa
Diagramação: Selma Consoli – MTb 28.829
Coleção Enjeu
coordenada por Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia e
Heloisa Albuquerque-Costa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S237
Pietraróia, Cristina Moerbeck Casadei, Org.; Albuquerque-Costa, Heloisa, Org. Ensino
de língua francesa em contexto(s). / Organização de Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia
e Heloisa Albuquerque-Costa. São Paulo: Paulistana; Capes, 2013. (Coleção Enjeu).
vol. 1; 137 p.
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCHUSP)
ISBN 978-85-99829-49-3
1. Linguística. 2. Língua Estrangeira. 3. Língua Francesa. 4. Ensino da Língua Francesa.
5. Aprendizagem da Língua Francesa. 6. Formação do Professor-Pesquisador-Aprendiz.
7. Avaliação de Aprendizagem. 8. Lexicografia. 9. Linguagem Lúdico-Teatral no Ensino
de Língua Francesa. 10. Expressão oral. 11. Intercultural. I. Título. II. Série. III. Pietraróia,
Cristina M. C., Organizadora. IV. Albuquerque-Costa, Heloisa, Organizadora.
CDU 811.133.1
CDD 440
Catalogação elaborada por Ruth Simão Paulino
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida por
qualquer processo eletrônico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia,
xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita da Editora.
Todos os direitos desta edição reservados à
Apoio
Editora Paulistana Ltda.
www.editorapaulistana.com.br
2013
Sumário
Apresentação.................................................................................................... 7
1. Um novo docente para as novas demandas de aprendizagem do francês?.... 11
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia
2. Autoavaliação e portfólio(s): instrumentos de reflexão metacognitiva do
processo de ensino-aprendizagem de francês língua estrangeira ..................... 31
Heloisa Albuquerque-Costa
3. O trabalho do professor universitário de FLE: aportes das ciências do
trabalho para a compreensão da atividade educacional.................................... 47
Eliane Gouvêa Lousada
4. A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue: um estudo de caso
e suas contribuições para o ensino e a prática da tradução em francês............. 59
Adriana Zavaglia
5. Aprendizagens mediadas do francês para públicos universitários................. 73
Maria del Carmen de la Torre Aranda
6. Aspectos da alteridade na aprendizagem do francês
língua-cultura estrangeira – imagens de si e do outro...................................... 97
Alcinéia Emmerick de Almeida
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
7. On joue!? O jogo e a atividade teatral como ferramenta pedagógica para
prática e aprendizagem de língua estrangeira................................................ 111
Amarílis Aurora Aparecida Valentim
8. O desenvolvimento da produção oral em língua francesa para
alunos de nível básico.................................................................................... 123
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira
Sobre os autores............................................................................................. 133
Apresentação
Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma
combinatória de experiências, de informações, de leituras,
de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma
biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem
de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e
reordenado de todas as maneiras possíveis. (Italo Calvino)
A reflexão sobre o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras
nos dias atuais está relacionada a um quadro complexo de vivências
e experiências originárias do cotidiano da sala de aula de professores
inseridos em diferentes contextos, de pesquisas realizadas na área, de
formações didático-pedagógicas, de seminários e congressos que buscam
dar conta dos principais desafios da prática docente. No que se refere
à língua-cultura francesa, o Programa de Pós-Graduação em Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP), único programa de pós-graduação no Brasil a formar
exclusivamente mestres e doutores em Letras com foco na pesquisa
linguística, literária, didática e de tradução em francês, tem lançado
um número cada vez maior de publicações com o objetivo de dar maior
visibilidade à pluralidade dos estudos nele desenvolvidos.
O livro Ensino de Língua francesa em contexto(s), primeiro volume da Coleção Enjeu, faz parte desse grupo de publicações. Os dois
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
capítulos que abrem o volume são de nossa autoria. O primeiro deles
retrata o cenário particular no qual está inserido o ensino da língua
francesa hoje em São Paulo, discutindo o papel do professor, seus estudos básicos e seu aperfeiçoamento no Brasil e na França e, sobretudo, a
capacidade de investir em sua própria formação, de se responsabilizar
por uma aprendizagem que não se encerra na universidade, mas que
se expande a diferentes momentos e áreas. É o conceito de professor-pesquisador-aprendiz em permanente formação que vem à tona.
O segundo capítulo, sobre autoavaliação e portfólios, discute o que
significa avaliar e como avaliar, além de analisar e propor instrumentos para que o aluno desenvolva sua capacidade de avaliação. Voltado
para a formação de professores, o capítulo problematiza situações de
avaliação, discute a pertinência dessa temática no atual contexto de
ensino-aprendizagem do francês, e aponta os processos metacognitivos
que devem ser desenvolvidos pelos aprendizes para que sua formação
faça sentido.
No terceiro capítulo do livro, Eliane Gouvêa Lousada, nossa colega
na área de didática e língua francesa, analisa o trabalho que fizemos
conjuntamente na disciplina Francês I, do ponto de vista da Ergonomia
e da Clínica da Atividade. Para tanto, apoia-se em conceitos teóricos
como o de trabalho – educacional, prescrito, real, realizado – e o de
artefato e instrumento, destacando a síntese de aula, objeto criado pelo
coletivo de trabalho, e seu papel no desenvolvimento profissional e na
evolução do próprio métier docente.
Concluindo a produção desse grupo de docentes do Programa, o
quarto capítulo traz um estudo de Adriana Zavaglia, colega da área
de tradução e lexicografia. A partir da análise do termo moyennant em
dicionários monolíngues e bilíngues, ela propõe um novo verbete para
o termo no contexto da lexicografia pedagógica, ou seja, apresentando
ao consulente suas combinatórias, definições, sinônimos e usos especializados, e contribuindo, assim, para uma compreensão e utilização
mais eficazes e produtivas desse termo.
Nos quatro capítulos seguintes, escritos por mestres e doutoras formadas no programa, reunimos experiências didáticas diversas, mas que
têm como ponto central o aprendiz de francês língua estrangeira (FLE).
Maria del Carmen de la Torre Aranda discute inicialmente o lugar
que as tecnologias da comunicação e da informação (TICs) conferem
Apresentação
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à sala de aula, salientando que não se trata de um simples toque de dinamismo e interatividade, mas sim de uma forma diferente de ensinar
e de aprender. Sua pesquisa analisou a arquitetura de duas formações
em FLE destinada a estudantes em mobilidade internacional a fim de
identificar modelos de mediação tecnológica e humana que possam ser
aplicados em outros contextos de formação voltados a públicos universitários com demandas específicas.
Em “Aspectos da alteridade na aprendizagem do francês língua-cultura estrangeira – imagens de si e do outro”, Alcinéia Emmerick de
Almeida analisa as representações que alunos de graduação da FFLCHUSP têm em relação à língua francesa, às culturas de expressão francesa
e à sua própria língua e cultura. Tal pesquisa, realizada em um curso para
estudantes de nível avançado e tendo como base a interculturalidade,
mostrou que esse conceito deve estar cada vez mais presente na sala de
aula de língua estrangeira.
Amarílis Aurora Aparecida Valentim traz, no sétimo capítulo
do livro, sua experiência docente nos cursos de francês da Escola de
Aplicação da USP e cursos extracurriculares da FFLCH. Neles, a autora recorreu à linguagem lúdico-teatral para o ensino-aprendizagem
da língua francesa e pôde confirmar os benefícios desse uso, a começar
pela enorme motivação e pelo grande prazer sentidos pelos alunos ao
participarem de jogos e serem atores na sala de aula.
“O desenvolvimento da produção oral em língua francesa para alunos de nível básico”, de autoria de Sônia Regina Nóbrega de Oliveira,
fecha este volume, retomando a questão da motivação e da participação
do aprendiz, agora na comunicação com o outro em sala de aula de língua estrangeira, um outro que muitas vezes intimida e assusta mas que
deve, necessariamente, ser considerado e compreendido nas interações.
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia
e Heloisa Albuquerque-Costa,
organizadoras do presente volume.
Um novo docente para as novas demandas de
aprendizagem do francês?
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia
A aquisição da incerteza é uma das maiores conquistas da
consciência, porque a aventura humana, desde seu começo,
sempre foi desconhecida. (Edgar Morin)
Brasil, São Paulo, primeiras décadas do século XXI. Pedidos diversos
de aulas de francês aparecem quase todos os dias em minha caixa de
mensagens ou são relatados por colegas e alunos de pós-graduação: um
psicólogo querendo orientações para aprender francês em autonomia a
fim de conferir as traduções de Piaget; um jovem que deseja fazer toda
a faculdade de Letras na França; um casal recém-formado em busca
de especialização acadêmica em Lyon; a esposa de um engenheiro que
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
vai trabalhar no Quebec; alunos que desejam expandir seu contato com
a língua francesa; estudantes desejosos de falar francês fora da sala de
aula; professores que se afastaram do ensino de francês e desejam agora
retomá-lo; candidatos a pós-graduação necessitando, com urgência,
compreender o francês acadêmico escrito; um casal que vai comemorar
o aniversário de casamento em Paris e que deseja aprender, em dez dias,
um pouco de francês para se comunicar na capital francesa; estudantes
politécnicos, candidatos a programas de intercâmbio internacional,
com ou sem bolsa; colegas químicos que acabaram de firmar um acordo
com uma universidade belga; alunos que desejam começar a dar aulas
de francês...
Escrever, portanto, um capítulo sobre as diferentes demandas hoje
presentes no ensino do francês como língua estrangeira em São Paulo
é abordar um cenário extremamente favorável, sobretudo se comparado
àquele dos anos 1980-90, em que o ensino do francês esteve em baixa.
Para analisar de que forma todas essas demandas são – ou podem
ser – atendidas, distinguimos alguns contextos de ensino. O primeiro
deles é o dos cursos de francês geral, ou seja, cursos que oferecem a
aprendizagem do idioma francês com enfoque nas quatro “tradicionais”1
competências de comunicação – compreensão e expressão orais e escritas –,
ministrados não apenas por escolas de idiomas, entre elas a Aliança
Francesa, como também pelas universidades (em suas faculdades de
Letras, por meio dos cursos de extensão, e cada vez mais nos centros
acadêmicos de diversas faculdades que se organizam e oferecem aulas
de vários idiomas) e por um número crescente de professores particulares que são procurados por aprendizes desejosos de um ensino mais
individualizado.2
Um segundo contexto que caracteriza o ensino do francês no Estado
de São Paulo é o escolar (Fundamental I e II, e Médio), tanto público
Usamos o adjetivo “tradicionais” entre aspas pois se sabe que, na aprendizagem de um
segundo idioma, as competências envolvidas e desenvolvidas são mais numerosas do que as
quatro citadas.
2
Desde 2006, a Associação dos Professores de Francês do Estado de São Paulo (APFESP),
respondendo a uma importante demanda de seus associados, realiza encontros semestrais entre professores particulares de francês, e o número de docentes inscritos tem aumentado a cada
encontro.
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Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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quanto privado. No caso das escolas privadas, a língua francesa figura
na grade curricular e exige, por parte do docente, a capacidade de promover a interdisciplinaridade, trabalhando com professores de outras
disciplinas e organizando projetos pedagógicos que deem visibilidade à
língua ensinada.3 No ensino público, o francês é ensinado, desde 1987,
sobretudo na rede estadual, nos Centros de Estudos de Línguas (CELs),
em aulas ministradas fora do horário regular, para alunos do Ensino
Fundamental a partir do 7º ano. Em 2011, a Secretaria Estadual de
Educação fornecia os seguintes dados:
Atualmente, a Secretaria mantém 99 CELs em todo
Estado, sendo 20 no município de São Paulo, 17 na Região
Metropolitana e 62 em cidades do interior. No total, são
atendidos mais de 58 mil alunos em cursos de espanhol,
italiano, francês, alemão, japonês e inglês (inserido na grade
dos CELs neste ano). Com exceção do curso de inglês,
que tem duração de um ano (divido em dois semestres com
120 horas de aula), os demais cursos têm duração de três anos,
divididos em seis semestres, totalizando 480h/aula.4
Algumas escolas da rede municipal de ensino também oferecem
cursos de idioma, mas em projetos específicos de cada unidade e, muitas
vezes, dependentes da orientação tomada pela direção da escola.
Finalmente, um terceiro contexto de ensino é aquele que denominamos específico, ou seja, que compreende cursos voltados a um
público com uma demanda bastante precisa. Entre eles, convém citar,
primeiramente, os cursos de Francês Instrumental, que surgiram nos
anos 1970 e são ministrados até hoje em programas de extensão universitária ou mesmo por professores particulares. Os alunos que se inscrevem
em um curso de Instrumental (hoje também chamado de “Leitura de
Textos em Francês”) buscam aprender a ler textos em francês em um
curto espaço de tempo. Tal aprendizagem lhes permitirá prestar um
exame de proficiência para o ingresso na pós-graduação ou, uma vez
Além do Lycée Pasteur em São Paulo, podemos citar algumas escolas particulares que mantêm a língua francesa em suas grades curriculares, como os colégios Santa Cruz e Madre Alix,
e as escolas internacionais Graded School e Saint-Francis.
4
<http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/cels-abrem-inscricoes-para-cursos-de-idiomas-em-2011>. Acesso em: abr. 2011.
3
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
já na pós, ler textos de suas bibliografias de pesquisa. Cabe frisar que a
pós-graduação no país vem aumentando e a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) estima que, em 2013,
há 6.029 cursos formando mais de 60 mil mestres e doutores.5
Em segundo lugar, dentro desse contexto específico, observamos,
desde o início dos anos 2000, uma importante procura por cursos FOS
(Français sur Objectif Spécifique) que atendem os universitários (graduandos e pós-graduandos) desejosos de fazer estudos na França e em outros
países de língua francesa. Oriundos de diversas habilitações (Engenharia,
Direito, Relações Internacionais, Medicina), esses estudantes buscam
um ensino de francês que, além da comunicação e da expressão orais
e escritas, ofereça-lhes uma formação específica dentro de sua área de
estudos. Muitos deles estão inscritos em um “duplo diploma” – caso da
Escola Politécnica da USP – pelo qual fazem parte da graduação no
Brasil e parte na França, concluindo sua formação com dois diplomas,
um deles internacional. No final de 2010, o governo federal dinamizou
esse tipo de formação ao criar o programa Ciência sem Fronteiras, que
prevê 100.000 bolsas de estudos no exterior para graduandos, alunos
de cursos profissionalizantes e pós-graduandos. Em 2011, o programa lançou mais um edital, para bolsas-sanduíche nos EUA, Canadá
e Alemanha destinados a doutorandos de várias áreas, sobretudo as
técnicas (computação, engenharia, tecnologias da informação). Nas
exigências do programa, relatadas num caderno especial do jornal Folha
de São Paulo, pode-se ler que
O estudante interessado em ter uma bolsa-sanduíche deve
estar matriculado em curso de pós-graduação no Brasil com
conceito 6 ou 7 da Capes. Além disso, é preciso ter fluência
no idioma do país para onde deseja ir e um projeto de
pesquisa que justifique o estágio no exterior. (Folha de São
Paulo, 29/01/2012, suplemento sobre a pós-graduação, p.
24, grifo nosso)
O governo federal prevê atender 24.600 alunos até 2014 com o
novo edital do programa. Além das iniciativas federais, tem-se cada
Dados obtidos no site da Capes (www.capes.gov.br), acessado em fevereiro de 2012.
5
Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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vez mais notícia de parcerias entre o Brasil e o exterior, como é o caso
da recente parceria estabelecida entre a Agence Nationale de la Recherche
francesa e a Fapesp para selecionar projetos de pesquisa elaborados por
pesquisadores de instituições paulistas em conjunto com acadêmicos
franceses dentro dos temas “Mudanças globais e ciências ambientais e
da terra” e “Microbiologia, imunologia e infectologia”.
Cada um dos três contextos mencionados exige um perfil docente
diferente. Para atuar no primeiro deles, de francês geral, o professor,
além de uma sólida bagagem linguística e comunicativa, deve ter conhecimento das estratégias de ensino-aprendizagem que contemplem as
quatro – ou mais – competências visadas, e deve conhecer a metodologia
com a qual é levado a trabalhar – caso esteja inserido em um ambiente
educativo –, ou deve ainda saber desenvolver sua própria metodologia,
escolher um método de ensino e preparar seu próprio material pedagógico quando assume aulas particulares. Tendo como objetivo levar
o aluno a se comunicar em francês, oralmente e por escrito, é muito
frequente, nesse tipo de curso, que o docente também saiba trabalhar
com recursos e suportes variados – escritos, orais e audiovisuais (jornais,
vídeos, músicas, curta-metragens, filmes etc.).
No segundo contexto, o escolar, cabe ao professor, além das competências citadas acima, a difícil tarefa de despertar e manter o interesse
pelo idioma por alunos bastante jovens e que, muitas vezes, desconhecem o valor e o objetivo desse aprendizado, fazendo-o “por obrigação”,
uma vez que as aulas fazem parte do currículo. Dessa forma, o docente
deve recorrer a atividades lúdicas e criativas a fim de suscitar o prazer
de se falar uma nova língua, com novos sons e novas representações de
mundo, e manter um bom intercâmbio com as demais disciplinas da
grade curricular, inserindo a língua estrangeira em outras áreas de estudo.
No terceiro contexto, o docente precisa conhecer metodologias
bastante específicas. No caso do francês instrumental, ele deve dominar as técnicas que priorizam o aprendizado da leitura em língua
estrangeira, e também ser capaz de escolher e preparar textos adequados aos interesses e nível de seu público-alvo. Muitos desses docentes
são chamados a elaborar exames de proficiência, o que lhes demanda
também competência na área da avaliação em língua estrangeira. No
caso do ensino FOS, voltado para aqueles que vão estudar ou trabalhar
no exterior, já se tem hoje uma bibliografia importante na área, como
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
as obras de Chantal Parpette e Jean-Marc Mangiante (2004, 2010,
2011), que apontam caminhos, como os de identificar primeiramente
a demanda feita, buscar material autêntico para atendê-la, equilibrar o
ensino do francês geral e do francês específico etc. No entanto, como
bem sabemos, cada curso de FOS é único e diferente dos demais, e os
caminhos deverão ser traçados, na prática, por cada docente na interação
com seus alunos.
Como se preparar para atuar?
Após essa apresentação sobre o ensino do francês em São Paulo, que
evidencia uma grande quantidade e variedade na demanda por cursos
– gerais ou específicos –, imediatamente vem à tona uma pergunta que
nos parece fundamental: como um docente pode dar conta de tantas
exigências, de tão diferentes formações, de públicos tão variados?
Se analisarmos o Quadro Europeu Comum de Referência para
as Línguas (Conselho Europeu, 2001), observaremos que também é
extensa a lista de competências que um aluno de língua estrangeira
deve hoje desenvolver, e que, portanto, o professor deve ser capaz de
promover. Essa lista (Les compétences de l’utilisateur/apprenant) inclui
competências gerais (cultura geral, conhecimentos de mundo, saberes
socioculturais, atitudes práticas e habilidades) e competências comunicativas de linguagem (linguísticas, sociolinguísticas, pragmáticas), com
uma grande ênfase na capacidade que todo aluno deve ter de saber-ser,
saber-aprender e saber avaliar sua aprendizagem, o que deu origem,
inclusive, ao Portfólio Europeu de Línguas, um roteiro de autoavaliação
para o aprendiz de língua estrangeira.
Os três saberes apontados para o aprendiz (saber-ser, saber-aprender,
saber se avaliar) parecem-nos ser a chave para responder à pergunta
anteriormente colocada: como pode um docente dar conta de tantas e
diversas solicitações? Não podemos nos esquecer de que uma grande
parte dos professores aprendeu a língua francesa na própria universidade que cursou, e dispôs de no máximo cinco anos para isso, ou seja,
dispôs de um tempo relativamente curto para aprender o idioma, suas
culturas e literaturas, e também para aprender a ensinar esse idioma....
É evidente que nenhuma formação pode dar conta de tantos aspectos,
Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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e o “aluno-futuro docente” deve estar cada vez mais ciente de que sua
formação universitária é uma formação inicial e que ele continuará
sendo, de alguma forma, um aprendiz, no sentido de que sempre haverá situações que exigirão dele um novo aprendizado. Portanto, cabe a
ele, após a universidade, assumir esse papel: o de um docente que dará
continuidade a sua formação, o de um profissional que sabe ser, sabe
aprender e sabe se avaliar.
A tarefa não é fácil. As próprias formações oferecidas aos professores
de francês língua estrangeira mudaram muito em dez anos. Em 2002,
entre os módulos oferecidos por instituições francesas, como o Centre
de Linguistique Appliquée (CLA), de Besançon, para a atualização desses
docentes, encontrávamos, por exemplo, os cursos:
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Linguistique française;
Rhétorique et argumentation;
Le français et les relations européennes;
La didactique actuelle du FLE;
Choisir et adapter des instruments pédagogiques à différents contextes;
Des jeux pour apprendre;
Le français comme langue seconde;
La société française contemporaine vue par la presse;
TICE ( Technologies de l ’Information et de la Communication pour
l’Enseignement);
Professionnalisation des professeurs à distance;
Utilisation pédagogique des média;
Français sur objectifs spécifiques;
Techniques d’animation en groupe pour enfants / adolescents / adultes;
Concevoir un programme de formation continue;
Concevoir et animer un centre de ressources audio-visuelles;
Concevoir et réaliser un reportage vidéo;
Politiques linguistiques européennes;
Apprentissage d’une langue non indo-européenne (le vietnamien);
Atelier théâtre;
Atelier gastronomie;
Approches notionnelles X fonctionnelles de la grammaire;
Rencontres avec la culture;
Rencontres avec l’informatique.
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Já em julho de 2011, os Stages pédagogiques intensifs d’été oferecidos
pelo Centre universitaire d’études françaises (CUEF) foram os seguintes:6
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Stage 1 - Didactique et pédagogie du FLE et FLS;
Stage 2 - Didactique du FOS et du français professionnel;
Stage 3 - Technologies numériques, multimédia et didactique du FLE;
Stage 4 - Formation de formateurs d’enseignants de FLE et FLS;
Stage 5 - Formation initiale à l’enseignement du FLE/FLS;
Stage 6 - Formation à l’enseignement du français aux enfants;
Stage 7 - Formation à l’enseignement du français aux élèves nouvellement arrivés.
A mesma instituição – reconhecida por sua atuação na formação
docente – oferece o Diplôme Supérieur d’Aptitude à l’Enseignement du
FLE (DSA),7 para a obtenção do qual o aluno segue aproximadamente
22 horas de aula por semana em cursos com os seguintes temas:
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Méthodologie de l’enseignement du français général et de spécialité;
Évaluation et certifications;
Phonétique française et correction phonétique;
Multimédia et enseignement du FLE;
Linguistique et grammaire;
Pédagogie de la littérature;
Techniques d’expression écrite et orale;
Initiation au jeu dramatique;
Vocabulaire et langue française;
Cours généraux (2 cours de 1h30 au choix);
Littérature française du XXe siècle;
Histoire de la France contemporaine;
Initiation à l’histoire de l’art;
Histoire du cinéma français;
Cultures et littératures francophones.
Disponível em: <http://cuef.u-grenoble3.fr/version-francaise/formations-et-inscription/
formations-a-l-enseignement/stages-intensifs-d-ete/stage-1-didactique-et-pedagogie-dufle-et-fls-79214.kjsp?RH=U3CUEFR_FOR>. Acesso em: jun. 2011.
7
Disponível em: <http://cuef.u-grenoble3.fr/version-francaise/formations-et-inscription/
formations-a-l-enseignement/stages-semestriels-dsa/diplome-superieur-d-aptitude-a-lenseignement-du-fle-dsa--79221.kjsp?RH=U3CUEFR_SEM&ONGLET=1>. Acesso em:
jan. 2012.
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Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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Além dos cursos, a preparação para o diploma prevê também um
estágio pedagógico, de 44 horas, e um estágio cultural, de 8 horas.
Vendo todos esses tópicos e temas é evidente perceber que nenhuma
formação pode abranger tudo, sobretudo porque há sempre mudanças.
O que em 2002 era chamado de “Encontro com a informática” (Rendezvous de l’informatique), hoje já seria tema para um mestrado... O que deve
então fazer um professor para se manter atualizado e dar continuidade
a sua formação inicial?
Philippe Perrenoud, em seu livro Dez Novas Competências para
Ensinar (2000), discute a formação do professor e enumera dez grupos
de competências a serem desenvolvidas pelo docente: 1) organizar e
dirigir situações de aprendizagem; 2) administrar a progressão das
aprendizagens; 3) conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam; 4) envolver os alunos em suas aprendizagens e em
seu trabalho; 5) trabalhar em equipe; 6) participar da administração
da escola; 7) informar e envolver os pais; 8) utilizar novas tecnologias;
9) enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; 10) administrar
a própria formação contínua.
Como esperamos já ter evidenciado, nosso objetivo neste capítulo
é insistir sobre o último desses itens, ou seja, a capacidade que um professor deve ter para administrar sua própria formação contínua, para
assumir a responsabilidade de uma aprendizagem que não se encerra
na universidade e, que, na verdade, nunca se encerra...
É evidente que a formação contínua pode – e deve – ser buscada
pelo professor em seu próprio meio de atuação, junto à escola em que
ensina ou às associações das quais participa, em conjunto com seus pares,
em cursos de atualização, especialização ou pós-graduação, participando
de grupos de estudos e pesquisa. Acreditamos que seja na interação com
outros docentes, e tendo sempre em vista os contextos e os alunos com
quem atua, que o professor assegurará uma melhor formação para si
mesmo, formação esta que deve também incluir a busca pelo conhecimento teórico, pela compreensão das teorias de ensino-aprendizagem
que fundamentam sua prática.
No entanto, além da situação ideal de formação contínua que acabamos de mencionar – a de poder contar com formações oferecidas
por instituições e de interagir com seus pares –, o professor de língua
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
estrangeira dispõe hoje de recursos que podem ajudá-lo a satisfazer sua
vontade de melhor conhecer e melhor agir, e de adquirir/construir novos
conhecimentos. Esses recursos estão disponíveis na Web e englobam
desde cursos a distância a pesquisa de palavras em sites de busca, passando
por portais educativos, chats e grupos de discussão, entre tantos outros.
Em 1998, José Saramago já afirmava que, “a partir de agora, a chave da
cultura não reside mais na experiência e no saber, mas na capacidade
de procurar a informação através dos múltiplos canais oferecidos pela
internet” (p. 26).
Essa capacidade de procurar a informação, mencionada pelo grande escritor português, não é, no entanto, algo simples: dada a grande
variedade de recursos existentes, o usuário deve ter uma postura extremamente autônoma e investigativa, que detalharemos a seguir.
A autonomia é considerada hoje uma capacidade fundamental para
a aprendizagem, em qualquer nível, em qualquer contexto. Referindose à autonomia do aluno a ser promovida pelo docente, o reconhecido
especialista Louis Porcher afirma:
Qualquer um que não saiba aprender não está em condições
de receber um ensino: este, por definição, nada lhe traz. É,
portanto, indispensável ensinar a aprender; essa é a fonte
de uma verdadeira democratização educativa, de uma
responsabilidade de si mesmo. (1999, p. 3)8
O autor prefere, aliás, falar em “autonomização” por ver na autonomia não um estado, mas um processo que envolve também o professor:
“ensinar é ajudar a aprender”.
Segundo Benice Siquierolli,
[...] para o professor, levar em consideração que não há
aprendizagem que não seja uma auto-aprendizagem, é
reconhecer que ele não é o único pivô da relação que leva ao
conhecimento, e também é aceitar que possam existir várias
hipóteses cognitivas no processo de ensino-aprendizagem
Tradução nossa. Texto original: “Quiconque ne sait pas apprendre n’est pas en mesure de
recevoir un enseignement: celui-ci, par définition, ne lui apporte rien. Il est, par conséquent,
indispensable d’enseigner à apprendre, telle est la source d’une véritable démocratisation
éducative, d’une responsabilité de soi”.
8
Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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além de suas própria hipóteses. [...] A autonomia é uma
conquista pessoal, uma conscientização. (2001, p. 94-95)
A autonomia de aprendizagem é a primeira das 13 estratégias sugeridas por Paul Cyr e descritas em seu livo Les stratégies d’apprentissage:
Estratégia 1: Assuma sua aprendizagem. Cada um tem o seu
jeito de aprender. Não se aprende sempre de um único modo.
É necessário que você encontre técnicas que funcionem bem
para você. (1998 p. 163)9
Para Henry Holec (1979), a autonomia significa igualmente a capacidade de se responsabilizar pela própria aprendizagem, concepção que,
para esse autor, inclui desde a determinação de objetivos até a avaliação,
passando pela definição de conteúdos, de seleção de métodos etc. Ou
seja, trabalhar em autonomia implica utilizar estratégias metacognitivas que consistem essencialmente, para o aluno, em refletir sobre sua
própria aprendizagem, compreender as condições que a favorecem, organizar e planejar suas atividades, se avaliar e se corrigir. São inúmeros
os autores que chamam a atenção para a importância das estratégias
metacognitivas, mas quais seriam elas? Servindo-me de uma série de
autores, resumo aqui as principais:
1. Antecipação e planejamento, ou seja, saber se impor objetivos a
curto, a médio e a longo prazo;
2. A autogestão, que significa compreender as condições que facilitam a aprendizagem e procurar sempre reuni-las;
3. A automonitoria, ou seja, verificar e corrigir sua performance
durante a tarefa executada;
4. A autoavaliação.
Independentemente do livro didático a ser utilizado, hoje, mais
do que nunca, o aluno de língua estrangeira precisa, para dar conta
do número cada vez maior de competências que deve dominar (falar,
compreender, escrever, ouvir, traduzir, interpretar, usar o computador
Tradução nossa. Texto original: “Stratégie 1. Prenez en main votre apprentissage. Tout le
monde n’apprend pas de la même manière. Il vous faut trouver les techniques qui fonctionnent
le mieux pour vous”.
9
22
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
etc.), estar atento a seus próprios processos de aprendizagem, e é nesse
ponto que o ensino tem ainda muito a avançar. J. Michael O’Malley e
colaboradores, citados por Paul Cyr, afirmam: “Os alunos que não têm
uma perspectiva metacognitiva são essencialmente aprendizes sem
objetivo e sem habilidade a rever seus progressos, suas realizações e a
orientação a dar a sua aprendizagem futura” (O’Malley et al., 1985, p.
99, apud Cyr, 1998, p. 42).10
Ser autônomo – aluno ou docente – na busca de recursos para sua
formação contínua significa ser capaz de estabelecer para si um “programa de formação”, ou seja, refletir sobre suas dificuldades e lacunas para,
em seguida, determinar seus próprios objetivos, selecionar métodos e
caminhos para atingi-los, e avaliar procedimentos e resultados.
Nessa perspectiva, as tecnologias da informação e da comunicação
(TIC) têm muito a oferecer e nos ajudam a levar o aluno a navegar, de
forma mais ou menos livre ou organizada, para descobrir e eleger os
sites e portais que mais lhe convêm, criando e alimentando sua própria
sitografia. É nesse contato íntimo com a língua estrangeira, contato
estimulado e balizado pelo professor, mas realizado de forma cada
vez mais autônoma e ativa pelo aluno, que acreditamos estar uma das
principais tendências do ensino das línguas estrangeiras.
Adotar uma posição investigativa em relação às novas tecnologias
– e, principalmente, a Web – é sair da posição de um mero navegador
ou surfista para assumir aquela de um pesquisador, que sabe definir
parâmetros e buscar a informação de que realmente precisa. Por que
uma atitude de pesquisador? Primeiramente porque, ao entrar em um
ambiente virtual e hipertextual, como é a internet, o navegador, que
continua a ser fundamentalmente um leitor, entra em um ambiente
marcado por características complexas (Lancien, 1998), tais como
a multicanalidade (são vários os canais de comunicação propostos), a
fragmentalização (inúmeros documentos – ou partes de documentos
– que podem, rapidamente, dar lugar a novos documentos e partes de
documentos), a multirreferencialidade (fontes de enunciação diversas), a
Tradução nossa. Texto original: “Les élèves sans approche métacognitive sont
essentiellement des apprenants sans but et sans habileté à revoir leurs progrès, leurs réalisations
et l’orientation à donner à leur apprentissage futur”.
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Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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descentralização do espaço (num mesmo documento, inúmeros pontos
de fixação são possíveis) e a interatividade (cada leitor estabelece um
percurso próprio e que raramente será o mesmo). Todos esses aspectos
intervêm nos comportamentos de leitura e de construção do sentido,
fazendo com que o navegador tenha um mundo de possibilidades diante
de si, mas também corra vários riscos.
O risco mais grave, a nosso ver, é o da própria perda dentro do
universo virtual e da não obtenção dos resultados esperados. Não sem
significação, alguns sites evocam esse problema em seus próprios títulos
– labyrinthe, funambule... Tal problema é gerado pelo fato de a grande
diversidade e heterogeneidade dos documentos apresentados exigir
muita atenção por parte do leitor, que deve ser capaz de localizar as
informações mais importantes dentro de um vasto campo multissensorial que muitas vezes desvia sua atenção para os elementos de mais
forte apelo, tais como as imagens, fixas ou em movimento. Podendo ser
percorridos em todas as direções, e buscando trazer o maior número de
informação possível, os sites têm hoje um desenho multifacetado, em
que diferentes elementos visuais se cotejam sem uma hierarquia clara.
Além dessa dificuldade de navegação visual em um único site, a falta de
objetividade pode também levar o navegador a pular de um site a outro
(fazer o que se chama de zapping), sem se fixar em nenhum deles, o
que prejudica muito a extração da macro-estrutura textual e a realização
das operações de conexão e de resgate, dificultando a memorização das
informações lidas e trazendo um risco importante de fragmentação e
de incoerência na integração dos conhecimentos.
Sem conseguir reter informações, devido a uma exposição rápida a
numerosos e variados textos, sobre assuntos diversos e com tipologias
diferenciadas, o navegador-leitor sofre um estresse, uma sobrecarga
cognitiva, ou seja, perde a capacidade de extrair de cada texto, de cada
site em que entra, suas principais informações. Deficiente nessa primeira
tarefa, ele também encontra dificuldades na etapa seguinte, ou seja, no
momento de organizar, estruturar e memorizar as informações obtidas.
Por sinal, é constante verificar nos leitores internautas a sensação de
“perda de tempo” ou de nada de interessante ter visto ou lido depois de
horas de navegação...
Portanto, para evitar esse tipo de comportamento, que gera grande
frustração e muitas vezes afasta o estudante e o professor da pesquisa
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
na internet, é preciso tomar vários cuidados nas diferentes fases de uma
busca.
O primeiro deles parte da própria ferramenta de busca, dos motores
de pesquisa. Ninguém faz uma pesquisa em um dicionário ou em uma
enciclopédia sem saber exatamente o que está buscando. Por que isso
deveria ser diferente na internet? E, na verdade, ao se perguntar “O que
busco?”, o navegador já está procedendo a um trabalho metacognitivo,
que é o de fornecer a informação principal de sua busca de forma sintética. Uma vez feita essa etapa, chamada de “interrogação prévia”, ou
de preparação e formulação da busca, o navegador deve atentar para
o suporte em que espera encontrar o documento desejado. Em nossas
pesquisas, constatamos que há uma atração muito grande para o título
da informação selecionada pelo site de busca e muito pouca atenção
para a fonte dessa informação. Além disso, poucos navegadores fazem
buscas avançadas ou selecionam o tipo de domínio mais pertinente para
uma determinada pesquisa. Um domínio institucional (.org, .edu, .gov,
scielo e outros) trará, sem sombra de dúvida, informações mais seguras
e comprovadas do que um domínio pessoal ou um blog.
Observamos também que a questão da disciplina na navegação é
praticamente ignorada. Tal disciplina implica calma e disposição para
fazer, entre outras ações, uma busca avançada e, nesta, proceder ao rolamento da barra lateral até o final do documento (tanto da tela inicial
de uma ferramenta de busca, quanto na leitura dos sites selecionados
pelo buscador). Esse rolamento permite a definição de uma série de
parâmetros, como idioma, país, domínio e a importante utilização dos
filtros. Além disso, na própria busca – simples ou avançada – alguns
recursos, como a utilização de aspas ou de asterisco, permitem-nos
afinar muito a pesquisa.
Uma vez realizada com sucesso a etapa de interrogação, a etapa
seguinte, chamada de seleção, ou de leitura dos resultados da busca,
também exige um comportamento atento, pois nessa fase o navegador
deve operar uma seleção de referências pertinentes dentro do conjunto
de respostas obtido. Alguns pesquisadores, como François Marie Blondel
(2001), afirmam que muitos usuários, sobretudo os iniciantes, utilizam poucas palavras em suas buscas e se contentam com os primeiros
resultados, sendo sua atenção, na maioria das vezes, atraída mais pela
disposição gráfica do que pelo conteúdo dos itens selecionados. Apenas
Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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10% dos internautas consultam a segunda página dos resultados obtidos
e apenas 5% vão além dela. Efetivamente, a apresentação dos sites em
uma busca se faz de forma decrescente de importância, mas a partir da
interpretação que é feita pelo procurador. Muitas vezes, uma busca mal
formulada pode ser reformulada a partir do exame dos próprios sites
fornecidos como resposta.
Feita a pesquisa e a seleção dos sites, chegamos a uma terceira
etapa, também merecedora de cuidado por parte dos internautas: a
própria consulta ou estudo do ou dos sites escolhidos. Não podemos nos
esquecer de que ver não é saber: a internet não dá acesso aos saberes,
não fornece nenhum conhecimento; ela apenas permite acessar uma
grande biblioteca, mas é preciso que os conteúdos acessados sejam
lidos, compreendidos, interiorizados e que se volte a pensar sobre eles
em outros momentos. Para isso, é preciso cuidar do armazenamento
da informação: diante da grande volatilidade dos sites, atualmente é
preciso saber guardar muito bem as informações obtidas, seja por meio
dos “preferidos” ou bookmarks, seja pela opção de “aspirar” ou “capturar”
um site (e isso por meio de “aspiradores”, como o httrack), processo que
permite não apenas navegar off-line em um dado site, mas, sobretudo,
arquivar seus conteúdos. Além disso, muitas rádios hoje oferecem os
podcasts, ou seja, o usuário inscreve-se para receber, quotidianamente, os
arquivos de programas e reportagens radiofônicas e pode armazená-los
em seu computador ou em seu ipod para ouvir quando tiver tempo ou,
no caso de um docente, para utilizar em sala de aula no momento que
julgar mais adequado.
Vemos, portanto, que uma atitude responsável e produtiva de utilização dos recursos disponibilizados pela rede exige disciplina, etapas,
recursos. Não que a simples navegação não seja interessante: quantos
sites não descobrimos num simples passeio pela internet? Mas não é
essa a intenção do trabalho aqui apresentado, e sim o fomento de uma
atitude autônoma e de pesquisa por parte, em particular, do professor
de língua estrangeira que busca sua própria formação continuada.
No caso específico das línguas estrangeiras, saber procurar uma
informação na Web pode se constituir um diferencial importantíssimo
na aprendizagem ou aperfeiçoamento do idioma. Um bom exemplo é a
riqueza do material que pode ser obtido sobre uma determinada palavra,
frase ou expressão em todos os seus possíveis empregos e contextos, e
26
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
isso por meio da busca avançada em um motor de pesquisa (Google ou
Yahoo), utilizando-se aspas e asteriscos. Outro exemplo, fundamental para
professores de línguas, é a possibilidade de localizar sites com textos sobre
assuntos específicos, que nem sempre fazem parte de seu cotidiano, mas
que podem ser de fundamental importância quando esse professor tem
alunos de uma área profissional específica (médicos, engenheiros etc).
Além dessas duas opções, que são verdadeiras fontes de estudo e
pesquisa, todo professor de língua estrangeira deveria ter a sua disposição portais dedicados a sua especialidade. No caso do Francês Língua
Estrangeira, é importante que o professor mantenha-se informado por
portais como o do CIEP – Centre International d’Etudes Pédagogiques
(www.ciep.fr), ou o portal da comunidade de professores de francês
(www.franc-parler.org), ou ainda, sites de sua entidade de classe (as
Federações Nacional e Internacional dos Professores de Francês – FIPF,
FBPF – e as associações estaduais, como a APFESP). Participar desses
portais é, sobretudo, manter-se atualizado como profissional, o que pode
também ser feito acessando regularmente o portal da revista Le français
dans le monde (www.fdlm.org) destinado aos professores de francês (língua
estrangeira e segunda) e entrando, com bastante frequência no portal
da TV5 Monde (www.tv5.fr), o qual, além de disponibilizar reportagens
jornalísticas, vídeos, curta-metragens, traillers de filmes e clipes de
música, e oferecer um dicionário on-line e aulas sobre a língua francesa
(Merci, professeur!), mantém um programa voltado tanto para aprendizes
(apprendre.tv) quanto para professores de francês (enseigner.tv). De fato,
os meios de comunicação (rádios e televisões) parecem-nos estar cada vez
mais abertos ao ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras. Assim,
além da já citada TV5, a RFI – Radio France Internationale (www.rfi.fr)
traz em sua rubrica “Langue Française” vários cursos e recursos para a
escuta e compreensão de textos em francês, enquanto o portal Radio
France (www.radiofrance.fr) prima em oferecer os dossiers multimédia (texto,
som e imagem) sobre assuntos importantes da atualidade francesa e
mundial. Nesse contexto, não podemos não mencionar o site da Agence
France Presse (www.afp.com), de onde partem todas as notícias, e os sites
de jornais, cada vez mais interativos e mais completos (www.lemonde.fr,
www.liberation.fr).
Se o professor deseja ver e ouvir conferências em francês, sobre
os mais variados temas, pode acessar o portal CERIMES – Centre
Cristina M. C. Pietraroia
´ , Um novo docente para as novas demandas...
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de ressources et d’information sur les multmédias pour l’enseignement
supérieur (www.cerimes.fr), que traz mais de 200 vídeos online para serem
assistidos ou arquivados. Se precisar buscar recursos didáticos, estudos
gramaticais, exercícios, ele tem a sua disposição o portal Le point du
FLE (www.lepointdufle.net) cujo objetivo é o de facilitar o acesso a numerosos recursos para o ensino-aprendizagem do francês. Se necessitar
obter informações sobre cinema, pode acessar os sites www.allocine.fr ou
www.ecrannoir.fr, se desejar ler e/ou escutar obras da literatura francesa,
pode acessar sites como o que disponibiliza audiolivros gratuitos (www.
litteratureaudio.com), ou de poesia francesa (www.poesie.webnet.fr) ou ainda
de revistas especializadas (www.lire.fr) e a seção de livros dos jornais
franceses (www.liberation.com/livres).
Finalmente, o professor de francês língua estrangeira pode – e
deve –, por meio da internet, expandir seu universo de referências ao
entrar em contato com sites de diversos países francófonos, partindo da
própria TV5 Monde, que disponibiliza jornais, filmes, curta-metragens
de vários países de língua francesa, para chegar a sites específicos, como
o da Radio Canada (www.radio-canada.ca) ou o da Radio Suisse Romande
(www.rsr.ch).
Não nos cabe aqui fazer uma listagem de sites, visto que qualquer
listagem corre o risco de perder sua validade assim que for publicada,
mas gostaríamos de sublinhar o quanto é imperativo que um professor
de língua estrangeira compreenda que grande parte de sua formação
contínua está em suas mãos e ao seu alcance, por meio de numerosos
recursos disponibilizados pela internet e que podem constituir uma
verdadeira “biblioteca didática”. Saber procurar a informação e, mais
do que isso, saber organizá-la e torná-la disponível, é proceder a percursos de leitura “vigilantes”, característica que, na verdade, distingue
os “surfistas” dos verdadeiros leitores/navegadores. Devemos aproveitar ao máximo o que o virtual nos traz e nos possibilita, ou seja,
o aprender a aprender, e a ter das informações e de suas fontes um
distanciamento crítico, sabendo buscá-las e selecioná-las com precisão
em função dos objetivos esperados. Cabe a nós mesmos – docentes,
alunos, docentes-alunos, alunos-docentes – desenvolver ao máximo
a própria noção de “competência”, que significa ser capaz de mobilizar saberes para agir com eficiência em uma dada situação. Para a
grande pedagoga portuguesa Isabel Alarcão (2002), ser um bom pro-
28
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
fissional na área da educação hoje é adotar uma postura reflexiva, é
adotar uma atitude permanente de questionamento, sustentada por uma
vontade de melhor conhecer e melhor agir, pela busca de referentes
teóricos de análise (seus saberes), e pelo domínio de metodologias e
tecnologias apropriadas.
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Autoavaliação e portfólio(s): instrumentos de reflexão
metacognitiva do processo de ensino-aprendizagem
de francês língua estrangeira
Heloisa Albuquerque-Costa
Um dos temas de reflexão e discussão mais complexo, amplo e recorrente em diferentes contextos educacionais está relacionado à concepção,
aos procedimentos, aos critérios, aos conteúdos e aos instrumentos de
avaliação escolhidos por professores em suas respectivas instituições
públicas e/ou privadas para avaliar, medir e certificar conhecimentos
adquiridos, competências desenvolvidas, capacidades e saberes dos
aprendizes em processo de ensino-aprendizagem.
A temática, presente no cotidiano do docente, reaparece constantemente em formações pedagógicas, estágios, seminários, em reuniões de
planejamento ou aperfeiçoamento, entre os responsáveis pela elaboração
de exames de final de curso, nos trabalhos acadêmicos propostos em
universidades ou mesmo em conversas informais entre os educadores.
32
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Diversas questões são debatidas, por exemplo: como elaborar uma
avaliação que corresponda efetivamente aos conteúdos trabalhados e
aos objetivos a serem atingidos? Quais instrumentos de avaliação escolher: testes, provas, exames, avaliações orais e/ou escritas, questões de
múltipla escolha, fichas de leitura, exercícios gramaticais, apresentação
de seminários, questionários de compreensão de textos? Como avaliar
competências e não somente os conteúdos das disciplinas adquiridos em
um determinado período? Quando avaliar? Quais notas ou conceitos
atribuir? E, finalmente: quais são as questões metodológicas que envolvem a concepção de avaliações em diferentes contextos institucionais?
A cada uma dessas questões poderíamos incluir outras devido à
complexidade e importância do tema; além disso, para cada uma das
indagações, poderíamos identificar as dificuldades e soluções encontradas pelos responsáveis institucionais, diretores, professores, incluindo
também os estudos e pesquisas realizados sobre o tema.
No entanto, é necessário abordar a temática a partir de situações
pedagógicas concretas, em seus contextos específicos, levando-se em
conta os aspectos institucionais, políticos, educacionais, culturais e sociais. No que se refere ao tema da avaliação no ensino-aprendizagem de
línguas estrangeiras, a produção científica na área é vasta e, no recorte
que faremos neste capítulo, nos apoiaremos nos estudos dos seguintes
pesquisadores: Denise Lussier (1992), Denise Lussier e Carolyn Turner
(1995), Louis Porcher (2004), Christine Tagliante (2005; 2006) e
Emmanuelle Huver e Claude Springer (2011).
Inicialmente é fundamental precisar que, ao definir e compreender
o que é avaliação, compreendemos também o sistema de ensino no qual
a avaliação está sendo proposta e desenvolvida, ou seja, o projeto pedagógico da instituição/escola/universidade/estabelecimento de ensino.
Ao analisar um instrumento de avaliação, professores são capazes de
identificar objetivos de aprendizagem, critérios que serão considerados
na correção, parâmetros de referência para medir o que foi produzido
pelo aluno e, sobretudo, identificar elementos de ordem metodológica
que serviram de base a sua elaboração.
A complexidade da temática exigiria um investimento importante
em termos de formação dos professores. Associado ao ritmo intenso de
trabalho, o professor/avaliador acaba concebendo instrumentos com os
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
33
quais está habituado a trabalhar ou que foram prescritos pela instituição. Além disso, não podemos deixar de mencionar as representações e
valores que o professor traz consigo em seu cotidiano profissional e que
se manifestam quando da elaboração de avaliações (Huver; Springer,
2011).
Do lado dos alunos, observamos também valores e representações
sobre avaliação (para muitos o termo frequentemente usado é prova).
As situações de avaliação no sistema escolar, de um modo geral, estão
relacionadas a momentos de tensão, na medida em que, para o aluno/
aprendiz, a realização da prova (ou exame) expõe o que ele “não sabe”,
“não aprendeu”, em vez de pontuar o que o aluno/aprendiz foi capaz
de realizar.
Do ponto de vista institucional, para as escolas, colégios e universidades, as avaliações são documentos concretos que atestam os conhecimentos do aluno/aprendiz para efeitos de classificação em diferentes
níveis, ou seja, em relação ao seu grupo-classe, em relação ao conjunto
da instituição e a referências mais amplas, principalmente quando estão
relacionadas à certificação (Lussier, 1992).
A avaliação concebida para verificar, controlar, pontuar, julgar e
classificar é conhecida como avaliação somativa. Os alunos são testados
pontualmente, ou seja, em momentos pré-determinados estabelecidos
pelo professor ou pela instituição, por meio de testes, exercícios específicos, exames e outros instrumentos, com o objetivo de verificar se os conteúdos desenvolvidos foram aprendidos. Essa avaliação é oficialmente
reconhecida pela instituição de ensino e o resultado obtido, apresentado
em forma de nota ou conceito, é a expressão do que o aluno/aprendiz
assimilou do que foi desenvolvido (Tagliante, 2005).
Uma outra concepção de avaliação se refere à avaliação formativa
(Lussier, 1992; Porcher, 2004) e à autoavaliação (Tagliante, 2005,
2006). Neste caso, o acompanhamento do aluno/aprendiz é realizado
de forma contínua, por meio de diversos instrumentos e modalidades
de avaliação sobre o que foi desenvolvido, aprendido e quais metas e
objetivos foram alcançados. Nessa avaliação professor e aluno/aprendiz
podem conjuntamente determinar quais procedimentos devem ser retomados e formulados para os períodos seguintes. Trata-se, portanto, de
uma concepção que regula o aprendizado do aluno de forma contínua,
34
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
num determinado espaço de tempo e permite, se necessário, redefinir
os objetivos traçados pelo professor para a etapa seguinte.
Essa concepção de avaliação enfatiza os objetivos a serem desenvolvidos e alcançados e horizontaliza a relação professor/aluno, tornando
o aluno/aprendiz capaz de “aprender a aprender”, a avaliar progressivamente seu aprendizado e desempenho durante o curso.
Explicar ao aprendiz a progressão de objetivos é colocá-lo
ao alcance do objetivo final. É mostrar-lhe como ele pode
construir sua aprendizagem, pela aquisição e pelo domínio
de cada um dos objetivos, do menor (linguístico) aos maiores
(comunicativos e acionais). (Tagliante, 2006, p. 33)1
É importante salientar que, apesar de os dois grandes grupos
de avaliações acima citados estarem presentes de forma variada nas
práticas cotidiana do professor em diferentes momentos do ensino-aprendizagem, tradicionalmente a avaliação somativa é a mais comum,
cumprindo sua função geral de emitir um julgamento sobre os resultados
do ensino-aprendizagem após uma sequência de atividades (Huver;
Springer, 2011).
As explicações mais recorrentes para esse fato estão relacionadas a
questões institucionais, exigências dos projetos pedagógicos, mas também a questões de outra natureza como, por exemplo, número elevado
de alunos por classe, ausência de tempo para a elaboração, aplicação e
correção de vários instrumentos, carga horária de trabalho do professor
incompatível com essa tarefa.
Neste capítulo, o que nos interessa discutir é a possibilidade de
realizar práticas de avaliação formativa em programas de ensino de
línguas estrangeiras, em particular do ensino do francês, ocorridas em
dois contextos diferentes.
As reflexões desenvolvidas a partir dessas experiências apontam para
princípios que podem orientar a formação de professores segundo uma
concepção de avaliação formativa. Isso significa levar em consideração
Tradução nossa. Texto original: “Expliquer à l’apprenant la progression des objectifs, c’est
mettre le but final à sa portée. C’est lui montrer comment il peut construire son apprentissage,
par l’acquisition et la maîtrise de chacun des objectifs, du plus petit (de type linguistique) aux
plus grands (de type communicatif et actionnel).”
1
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
35
os objetivos de aprendizagem e os meios/caminhos pelos quais eles
podem ser atingidos; a prática concreta em sala de aula de situações de
avaliação visando à tomada de consciência do aluno/aprendiz de seu
papel reflexivo, ativo e transformador; e, por último, o incentivo e desenvolvimento progressivo da autonomia do aluno/aprendiz, levando-o
a se apropriar e nomear as etapas de seu aprendizado.
De forma mais específica, trataremos da autoavaliação e do portfólio como instrumentos/procedimentos que favorecem a efetivação
de práticas de avaliação formativa, contínuas e positivas (pró-aluno).
Diante do que foi dito e para orientar a reflexão deste capítulo, formulamos algumas questões a serem discutidas, não tendo a pretensão
de esgotá-las, mas sim de trazer uma contribuição ao tratamento da
temática: qual a contribuição da autoavaliação e da elaboração de um
portfólio para o aluno/aprendiz de língua estrangeira? Por que essa discussão é pertinente no contexto de ensino-aprendizagem de línguas? De
que maneira o Portfólio Europeu de Línguas, apresentado pelo Quadro
Europeu Comum de Referência (QECR), pode ser utilizado em um
contexto não europeu? Quais são as contribuições desse documento
para a prática do professor e do aluno numa perspectiva de avaliação
formativa?
Para responder a essas perguntas, traremos aqui os resultados das
propostas que desenvolvemos em contextos de ensino-aprendizagem
do francês como língua estrangeira. A primeira foi realizada em uma
escola da rede privada de ensino fundamental (EF) e médio (EM) da
cidade de São Paulo para um grupo de 210 alunos entre 11 e 12 anos
que tem a língua francesa inserida na grade curricular como disciplina
obrigatória no EF 2; e a segunda experiência, realizada com alunos da
disciplina Aquisição/Aprendizagem do Francês Língua Estrangeira
do Curso de Letras-Francês/Português – Licenciatura (formação de
professores) da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.
Em nossas considerações finais, a partir da reflexão desenvolvida,
apontaremos algumas diretrizes que podem subsidiar novas práticas de
sala de aula que favoreçam a autoavaliação e a utilização do portfólio
como instrumentos de acompanhamento formativo do aluno de línguas
estrangeiras em diferentes contextos.
36
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Avaliação formativa
Um dos pressupostos fundamentais quando nos referimos à
avaliação formativa diz respeito às mudanças que devem ocorrer nas
instituições e na postura de professores e alunos no que se refere à implantação de práticas que favoreçam o acompanhamento contínuo dos
alunos.
Além do envolvimento e compromisso dos sujeitos do processo de
ensino-aprendizagem, para que a avaliação formativa seja realizada é
necessário um importante investimento na reflexão e formação contínua
dos professores para que tenham consciência das consequências que a
proposta acarreta, ou seja, a retomada de procedimentos e convicções que
se modificam, como, por exemplo, o tratamento do erro na aprendizagem. Esse aspecto muda significativamente à medida que o erro passa,
nessa concepção, a ser visto como um dos elementos sinalizadores do
processo de aprendizagem desenvolvido, indicando aspectos de retomada da aquisição de um determinado conteúdo que deverá ser revisto e
reforçado. Para o aluno a explicitação e constatação do não-saber passa
a ser um indicador de algo que deve ser trabalhado de uma outra forma
para que os objetivos sejam atingidos. Podemos dizer que há, tanto para
professores como alunos, um processo de ressignificação do tratamento do
erro, instaurando entre os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem
novas experiências de diálogo e feedback.
No contexto do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras após a
publicação, em 2001, pelo Conselho da Europa, do QECR, as questões
sobre avaliação em língua estrangeira são retomadas, principalmente,
em dois aspectos: o primeiro em relação à definição de um quadro de
referência de seis níveis de competências a serem desenvolvidas para o
aprendizado de línguas. Sem a intenção de ser prescritivo, esse documento apresenta a alunos/aprendizes e professores o que se espera em
cada um dos níveis em termos de objetivos a serem atingidos e competências linguageiras a serem desenvolvidas; o segundo aspecto refere-se
diretamente à avaliação, indicando modalidades que permitem avaliar:
[...] a competência linguageira geral (interação, produção,
recepção e mediação), em contextos específicos (pessoal,
público, educacional, profissional), por meio da realização de
tarefas comunicativas em situações caracterizadas por lugares,
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
37
organismos, atores, objetos, acontecimentos. (Tagliante,
2005, p. 36)2
Há, finalmente, a questão da certificação, entendida como um
momento de avaliação somativa no qual o aluno é avaliado para obter
um diploma, um certificado de conhecimentos adquiridos em língua
estrangeira.
Nos contextos educacionais que serão tratados neste capítulo trabalharemos com o conceito de avaliação formativa, desenvolvida por meio
de vários instrumentos, tarefas e ações comunicativas orais e escritas e
situações de autoavaliação, demandando da parte do aluno/aprendiz uma
participação ativa no seu processo de aprendizagem.
Não se trata de afirmar que o aluno/aprendiz é capaz de realizar
ou julgar sua performance comunicativa oral e escrita, mas sim de criar
o espaço para uma reflexão metacognitiva na qual o próprio sujeito
aprende a aprender, a rever e a nomear o que aprendeu, criando assim
novas representações sobre o que é avaliar e autoavaliar seu desempenho
em relação aos objetivos propostos e àqueles que serão elencados para o
próximo período de estudos.
Segundo Tagliante (2005, p. 29), “essa avaliação ao longo da formação,
essa avaliação formativa, será um apoio, uma ajuda. Ela não será mais uma
sanção, mas um instrumento útil para a construção da aprendizagem”.3
É nessa perspectiva que serão apresentadas, nas próximas seções
desse capítulo, as experiências desenvolvidas.
Autoavaliação do aprendizado em francês em uma escola da rede
privada da cidade de São Paulo
A primeira experiência de autoavaliação foi realizada em uma escola
de EF da rede privada da cidade de São Paulo, na disciplina de francês
da grade curricular para seis grupos do 7º ano, num total de 210 alunos.
Tradução nossa. Texto original: “[...] la compétence langagière générale (interaction,
production, réception, médiation), dans des domaines précis (personnel, public, éducationnel,
professionnel), en réalisant des tâches communicatives dans des situations caractérisées par
des lieux, des organismes, des acteurs, des objets, des événements”.
3
Tradução nossa. Texto original: “[...] cette évaluation en cours de formation, cette
évaluation formative, va être un appui, une aide. Elle ne sera plus une sanction, mais un outil
utile à la construction de l’apprentissage”.
2
38
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Apesar de a proposta pedagógica da escola incentivar a avaliação
formativa por meio da realização de diferentes instrumentos de avaliação, não é possível afirmar que em todas as disciplinas sejam aplicados
mais de dois instrumentos; não é mencionado no projeto pedagógico a
prática da autoavaliação como um procedimento que deve ser realizado
pelos professores.
As atividades descritas aqui dizem, portanto, respeito a uma prática
concreta de autoavaliação específica da área de francês.
Os procedimentos utilizados foram os seguintes:
•• durante o trimestre, os alunos tiveram mais de cinco momentos de avaliação, entendida, nesse contexto, pela realização de
atividades específicas de compreensão e/ou produção oral e/
ou escrita nas quais era exigido do aluno a mobilização de
conhecimentos e saberes adquiridos ao longo daquele período;
•• ao final do trimestre, a atividade de autoavaliação foi realizada
em uma aula de 50 minutos, por meio de uma ficha elaborada
pela professora, adaptada do método de ensino do francês língua estrangeira para adolescentes Junior, caderno de exercícios
(Butzbach et al., 1997);
•• os alunos deveriam identificar com cores o que consideravam
ter adquirido ou não, e o que deveriam melhorar para o próximo período:
COLORIE EN VERT = TRÊS BIEN
COLORIE EN JAUNE = MOINS BIEN
COLORIE EN ROUGE = POUR AMÉLIORER
1
2
Je suis les
orientations de mon
professeur.
J’imite ou
je reproduis
correctement
des sons
5
Je participe
aux cours.
3
4
Je pose des
questions.
Je sais conjuguer
les verbes être,
avoir, aller au
présent de l’indicatif
6
7
8
Je sais répondre
à une question
utilisant “ça”
dans la réponse
A l’écrit, je sais
quand utiliser
l’apostrophe.
Je comprends la
négation ne... pas
ne... pas de.
Figura 1: Primeira parte da Ficha pedagógica de autoavaliação do curso de francês (adaptação do
método Junior)
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
39
•• concomitante ao preenchimento da ficha em francês, os alunos
foram orientados a redigir, em português, no caderno, quais
pontos da ficha consideravam mais importantes e que mereceriam destaque e justificativa; o objetivo era levá-los a refletir
sobre o que haviam anotado;
•• após essa primeira etapa, cada aluno, em francês, utilizando
o futuro próximo, formulou os objetivos para o trimestre seguinte:
Figura 2: Segunda parte da Ficha pedagógica de autoavaliação do curso de francês (adaptação do
método Junior)
Como professora do grupo, observei a realização da atividade verificando aluno por aluno como estava o andamento do trabalho (ficha
e texto do caderno).
Ao final da aula, cada aluno atribuiu a si mesmo um conceito (de
A a E) que foi entregue e discutido com a professora para compor a
média final.
A atividade acima foi realizada ao final de cada um dos três períodos
do ano e, em termos de resultados, destacamos os seguintes pontos:
•• para a maioria dos alunos, a atividade causou estranhamento na
medida em que estavam acostumados a avaliar o aprendizado
por meio da nota e do boletim, o resultado final que institucionalmente é reconhecido e validado pela família;
40
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
•• os alunos de maneira geral tiveram dificuldades para formular
objetivos para o período seguinte completando a ficha Je décide
d’améliorer.... (Eu decido melhorar....). Na primeira pessoa e
no futuro próximo (Je vais...), o objetivo era levar o aluno a um
comprometimento com o que estava sendo escrito;
•• a desconstrução de representações sobre o que é avaliar e
quem avalia foi trabalhada, uma vez que houve uma efetiva
e ativa participação dos alunos no processo. O objetivo era o
de mostrar concretamente que o aluno é capaz de avaliar seu
aprendizado e que não é somente o professor que detém o
poder de avaliar e julgar;
•• o compromisso do professor em retomar o procedimento ao
final de cada trimestre deu credibilidade à proposta e criou um
hábito de autoavaliar (observar, refletir, nomear, analisar, alterar).
Os alunos reviram os objetivos formulados e avaliaram novamente se estes foram atingidos ou não no período seguinte;
•• a prática da autoavaliação mostrou ao aluno que é necessária
uma reflexão e que ele é o sujeito principal nesse momento,
sendo o professor um facilitador dessa tarefa;
•• a análise das autoavaliações realizadas permitiu ao professor
a reformulação de objetivos e um olhar mais próximo para o
aprendizado dos alunos.
Do processo realizado, podemos dizer que partilhamos da definição
de autoavaliação dada por Benigna Villas Boas (2009, p. 53):
Entende-se por autoavaliação o processo pelo qual o próprio
aluno analisa continuamente as atividades desenvolvidas e em
desenvolvimento e registra suas percepções e seus sentimentos. Esta análise leva em conta o que ele já aprendeu, o que
ainda não aprendeu, os aspectos facilitadores e os dificultadores do seu trabalho, tomando como referência os objetivos
da aprendizagem e os critérios de avaliação.
Enquanto processo contínuo, a prática da autoavalição permite o
desenvolvimento e/ou aprimoramento de práticas metacognitivas que
levem o aluno a rever seu percurso para estabelecer e formular objetivos
e metas, tornando-o corresponsável pelo processo de aprendizagem e
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
41
implicando-o nas diferentes situações de avaliação que ocorrem durante
sua formação escolar.
Um outro aspecto relevante nesse contexto se refere a uma exigência
da escola. Os professores devem redigir mensagens sobre o desempenho
e o processo de aprendizagem do aluno, mensagens que são enviadas
às famílias, tratando-se, portanto, de um documento oficial da escola.
O professor de cada disciplina emite um parecer avaliativo ao final do
período, mencionando aspectos cognitivos, atitudinais, de conteúdos e
competências adquiridos pelos alunos.
A título de exemplo, colocamos abaixo três mensagens, das 210
redigidas e enviadas aos alunos (final do 1º trimestre, abril de 2008),
com o objetivo de mostrar como essa responsabilidade está relacionada
ao que dissemos anteriormente.
Aluno 1 – Observei no início do ano uma dificuldade em anotar corretamente o que é
colocado na lousa e também confusões gramaticais de uso dos verbos estudados. Procure
rever o que você escreve e sempre me procure para conferir o que está registrado. Lembrese que o caderno é um instrumento de registro da matéria para que você possa estudar
corretamente. Além disso, é importante refletir sobre a forma como você estuda. Uma
sugestão: anote ao lado de cada exercício refeito ou verbo conjugado a sua dificuldade e
me procure em seguida para esclarecê-la. Crie esse hábito e os problemas serão resolvidos.
Conte comigo, mas faça a sua parte, certo?
Quadro 1: mensagem para o aluno 1
Aluno 2 – Sua produção escrita e oral é excelente no período. Houve empenho e qualidade
na realização das atividades propostas de gramática. Você realizou a melhor apresentação
da série, com pesquisa sobre o tema, reformulação das etapas do trabalho e produção final
de textos.
Quadro 2: mensagem para o aluno 2
Aluno 3 – Há aspectos dos conteúdos relativos ao passado composto em francês que
devem ser revisados. Você oscila entre resultados positivos e negativos. Reveja o que não foi
corretamente feito, anote suas dúvidas e procure esclarecê-las em aula. Você tem potencial
e já fez muitos progressos em francês. Posso contar com você?
Quadro 3: mensagem para o aluno 3
42
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Das mensagens, podemos destacar:
•• são diretamente dirigidas ao aluno;
•• são mensagens que não enfatizam somente o que não foi realizado, mas sim os aspectos positivos que o aluno desenvolveu
no período;
•• apontam objetivos a serem atingidos;
•• questões como “Posso contar com você?” buscam implicar o
aluno no seu processo de aprendizagem, transferindo para
ele a responsabilidade de rever vários aspectos: atitudinais
(maior participação), de estudo (novas maneiras de estudar), e
promover ações concretas como rever e fazer anotações no
caderno;
•• o aluno/aprendiz é levado a “aprender a aprender” por meio de
situações que favorecem o desenvolvimento de competências
metacognitivas.
Portfólio(s) de línguas para alunos do Curso de Letras Francês/Português
da Universidade de São Paulo
A segunda prática de avaliação formativa ocorreu em um contexto completamente diferente do primeiro. Foi realizada no curso
de Licenciatura em Letras Francês/Português, da FFLCH-USP, na
disciplina “Aquisição /Aprendizagem do Francês Língua Estrangeira”,
da qual sou a professora responsável.
Nesse contexto, foram considerados dois aspectos referentes ao
perfil do grupo:
•• alunos/futuros professores que se preparam para a atividade
docente e que devem refletir sobre o tema da avaliação como
prática de seu cotidiano profissional. Por exemplo: como e
quando avaliar? Quais instrumentos escolher? O que é e como
fazer uma autoavaliação?
•• alunos inscritos na disciplina que devem ao final do curso apresentar um trabalho que será avaliado. A proposta apresentada
e aceita no primeiro dia de aula foi a da apresentação de um
portfólio sobre o aprendizado na disciplina. Por se tratar de
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
43
uma nova prática para os alunos, foi necessário introduzir nas
aulas a reflexão sobre o que é um portfólio.
Das definições iniciais trazidas pelos alunos, o termo portfólio
estava associado a um conjunto de documentos ou fotos, dos melhores trabalhos/atividades realizados na universidade, enfim tudo o que
representasse o produto final de alguma atividade ou tarefa realizada.
Para Tagliante (2005), o Portfólio Europeu de Línguas, tal como é
apresentado no QECR, tem duas funções principais: uma informativa
e outra pedagógica. Como instrumento informativo é reconhecido
por autoridades oficiais de ensino e/ou ligadas ao mundo profissional,
e, também, por instituições de ensino como bulletin scolaire (boletim
escolar), indicando o nível de conhecimento em línguas do aprendiz.
A autora acrescenta ainda:
Os Portfólios são documentos, em forma de caderno de anotações, nos quais os usuários [aprendizes] podem registrar,
em qualquer idioma, todos os conhecimentos linguísticos e
culturais adquiridos. (Tagliante, 2005, p. 75)4
Outras nomenclaturas em francês que manteremos neste texto são
utilizadas para se referir a um portfólio de línguas: passeport linguistique,
biographie langagière, Map (em inglês) e Carte (em francês), portrait langagier, biographie linguistique, Europass, Fiche bilan, fiche d’autoévaluation.
Cada uma delas tem um significado atribuído em relação ao que se
espera do aluno/aprendiz em um determinado contexto.
O QECR define o portfólio de línguas como um instrumento que
tem por objetivo permitir aos aprendizes arquivar, classificar e destacar
aspectos dos percursos de aprendizagem realizados em diferentes línguas.
Seu objetivo principal é o de favorecer o reconhecimento e a validação
de conhecimentos e competências adquiridos, incentivando o registro
em várias línguas.
Tradução nossa. Texto original: “Les Portfolios sont des documents, qui se présentent
sous la forme de petits livrets, dans lesquels les utilisateurs peuvent consigner toutes leurs
connaissances linguistiques et culturelles, dans quelle langue que ce soit, qu’elles aient été
acquises dans le système scolaire ou en dehors.”
4
44
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Em sua função pedagógica, o portfólio permite ao aluno/aprendiz
acompanhar seu aprendizado e seus progressos em termos linguísticos,
socioculturais, comunicativos e discursivos, motivando-o a ampliar
seus conhecimentos também em termos interculturais. O registro de
atividades, tarefas e trabalhos realizados é o resultado de uma reflexão,
e não necessariamente a escolha das melhores produções. O portfólio
favorece a explicitação e a tomada de consciência de um percurso ou
de percursos realizados.
Ainda, segundo o documento, o portfólio tem o seguinte objetivo:
O portfólio permitiria aos aprendizes registrar o progresso
realizados em direção a uma competência plurilíngue por
meio de experiências de aprendizagem que eles tiveram em
um grande leque de línguas, progresso que, sem isso, ficaria
desconhecido e não validado. A ideia é que o portfólio
incentive os aprendizes a registrar e arquivar regularmente
sua autoavaliação para cada língua. (CECR, 2001, p. 22)5
Para os alunos de Letras Francês/Português – Licenciatura, a
elaboração do portfólio seguiu orientações mais livres, considerando
que se tratava de uma proposta que lhes permitiria a construção desse
instrumento pela primeira vez (cada um com seu portfólio ao final do
curso) e que, na qualidade de futuros professores, deveriam refletir com
uma certa distância e crítica, o que se daria ao longo do semestre no
contexto da disciplina e sob a supervisão do professor.
Outros aspectos que foram considerados sobre o portfólio: ser escrito em francês; valorizar a qualidade dos registros e não sua quantidade;
incluir registros reflexivos e não somente produtos finais de atividades
e tarefas da disciplina; experimentar a prática diária (ou semanal) de
registro no portfólio, colocando em destaque um ou mais elementos
que o próprio aluno julgasse pertinente (situações de aprendizagem
relevantes, recursos utilizados, entre outros) para manter a motivação e
Tradução nossa. Texto original: “Le portfolio permettrait aux apprenants d’apporter
la preuve de leur progrès vers une compétence plurilingue en enregistrant toutes sortes
d’expériences d’apprentissage qu’ils ont eues dans un grand éventail de langues, progrès
qui, sans cela, resterait méconnu et non certifié. L’idée est que le portfolio encouragera les
apprenants à faire régulièrement la mise à jour de leur auto-évaluation pour chaque langue et
à l’archiver”.
5
Heloisa Albuquerque-Costa, autoavaliação e portfólio(s)
45
a reflexão contínua, portanto mais formativa; ter formato livre (impresso
ou eletrônico).
Esse trabalho exigiu que o aluno/aprendiz/futuro professor fosse
criativo, mobilizasse competências diversas, estabelecesse critérios para
inclusão de documentos, exercitasse seu papel de ator e autor de seu
portfólio.
Para exemplificar como os alunos entenderam e construíram seus
portfólios colocamos abaixo as suas características:
•• Aluno 1 : relacionou a palavra portfólio a um journal personnel
(diário) e afirmou que o trabalho seria a melhor maneira de
fazer uma autoavaliação, por meio de uma reflexão interior:
“Mais do que registrar o conteúdo das aulas, é importante
expor a reflexão pessoal que o curso provocou em mim neste
semestre”.
•• Aluno 2: por meio da ilustração de um livro, na primeira página,
apresentou e deu um título a seu portfólio.
•• Aluno 3: registro do processo de ensino-aprendizagem e de
sua formação para tornar-se professor. Esse portfólio refletiu
seu compromisso e envolvimento como aluno da disciplina e
como futuro professor. Os registros continham vários textos referentes aos conteúdos trabalhados na aula e reflexões pessoais.
•• Aluno 4: elaborou um portfólio eletrônico, mantendo a ideia
de processo e registro contínuo dos conteúdos e das reflexões
pessoais.
Segundo Klenowski (2003, p. 116 apud Villas Boas, 2009, p. 56),
a realização de um portfólio se baseia em seis princípios:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
promove nova perspectiva de aprendizagem;
é um processo;
incorpora análises do desenvolvimento da aprendizagem;
requer autoavaliação;
encoraja a seleção e a reflexão do aluno sobre o seu trabalho;
considera os professores como facilitadores da aprendizagem.
46
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Considerações finais
As reflexões sobre a temática da avaliação e da autoavaliação tiveram
o objetivo de contribuir com a formação de professores no sentido de
desconstruir modelos adquiridos durante longos processos de escolarização e prática profissional.
Em diferentes contextos e situações de aprendizagem é necessário
que se estabeleça um modelo de avaliação mais formativo e pró-aluno,
ou seja, uma prática que valorize os progressos obtidos mais do que os
fracassos, levando o aluno/aprendiz a um trabalho de mudança de valores em direção ao desenvolvimento da autonomia e a uma tomada de
posição em relação a um pertencimento e apropriação de seu processo
de aprendizagem.
Referências
CONSEIL DE L’ EUROPE. Cadre européen commun de référence pour les langues:
apprendre, enseigner,évaluer. Paris: Didier, 2001.
LUSSIER, Denise. Evaluer les apprentissages dans une approche communicative. Paris:
Hachette, 1992.
HUVER, Emmanuelle; SPRINGER, Claude. L’évaluation en langues. Paris: Didier,
2011.
LUSSIER, Denise; TURNER, Carolyn. L’évaluation en didactique des langues.
Canada: Centre Educatif et Culturel Inc., 1995.
PORCHER, Louis. L’enseignement des langues étrangères. Paris: Hachette
Education, 2004.
TAGLIANTE, Christine. La classe de langue. Paris: CLE International, 2005.
______. L’évaluation et le Cadre européen commun. Paris: CLE International, 2006.
VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico.
São Paulo: Papirus, 2009.
O trabalho do professor universitário de FLE: aportes das
ciências do trabalho para a compreensão da
atividade educacional
Eliane Gouvêa Lousada
Como compreender o trabalho educacional? Em primeiro lugar,
parece-nos primordial fazer uma breve introdução à base teórica de
que nos servimos para compreender a atividade de ensino, começando
por esclarecer o que é a ergonomia ou, mais precisamente, a ergonomia
francófona, e algumas de suas correntes. Em seguida, procuraremos
apresentar a análise de um aspecto encontrado em uma situação de
trabalho docente, desse ponto de vista teórico.
Procurando em dicionários etimológicos, vemos que Ergon significa “trabalho” e nomos significa “lei, regra”. Segundo Antoine Laville
(2001), a preocupação dos efeitos do trabalho para a saúde existe desde
a Antiguidade e, ao longo dos anos, tem levado a pesquisas sobre a
adaptação das ferramentas, máquinas, instrumentos etc. ao homem.
48
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Tal é o objeto da ergonomia de língua inglesa. Na França, porém, do
objetivo inicial de adaptar o homem ao trabalho, surgiu uma corrente
preocupada em conhecer a atividade profissional em sua realidade,
procurando adaptar o trabalho ao homem. Ocorre, aí, uma mudança
radical nos rumos tomados por essa ciência, no mundo francófono, já
que a preocupação se volta para a análise das situações de trabalho e
de seus efeitos para o homem. Em outras palavras, tenta-se, a partir
de então, adaptar o trabalho ao homem (Laville, 2001). São duas
correntes, “herdeiras” dessa vertente da ergonomia, que servem de base
teórica para este capítulo: a Ergonomia da Atividade dos Profissionais
da Educação e a Clínica da atividade, como veremos a seguir.
Durante muito tempo, a atividade educacional não foi considerada
passível de ser objeto de análise nesse quadro teórico (Bronckart,
2004). Anna Rachel Machado (2007), investigando essa questão, aponta
para a definição marxista, segundo a qual o verdadeiro trabalho está
ligado à produção, ficando o trabalho intelectual fora dessa abordagem.
Mais recentemente, alguns grupos de pesquisa franceses começaram a
se interessar, entre outras atividades, pela atividade educacional. Um
exemplo é o grupo da Clínica da atividade, localizada no CNAM1 de
Paris e composto pelos pesquisadores Yves Clot, Livia Scheller, Jean
Luc Roger, Katia Kostulski etc. Outro exemplo é o do grupo ERGAPE
(Ergonomie de l’Activité des Professionnels de l’Éducation), representado
pelos pesquisadores Daniel Faïta, René Amigues, Frédéric Saujat, entre
outros, e associado à Universidade de Provence.
Alguns dos conceitos-chave para a ergonomia e para a ergonomia
da atividade são os de trabalho prescrito e trabalho realizado, propostos
por François Guérin e outros (2001). O trabalho prescrito pode ser entendido como a tarefa designada aos trabalhadores (Guérin et al., 2001).
No caso do trabalho educacional, isso pode ser visto, segundo Roland
Goigoux (2002), como o conjunto do que é definido pela instituição
escolar e que é proposto aos professores com o objetivo de ajudá-los a
conceber, organizar e realizar seu trabalho. Na perspectiva proposta por
esse autor, o trabalho prescrito poderia ser tanto os programas de ensino
e de instruções que definem as expectativas das instituições escolares em
Conservatoire National des Arts et Métiers, Chaire de Psychologie du Travail.
1
Eliane Gouvêa Lousada, O trabalho do professor universitário de FLE
49
relação aos professores (como no caso dos PCN,2 para o ensino de língua
materna no Brasil, ou do CECR3 para o ensino de línguas estrangeiras),
quanto a avaliação dos resultados obtidos pelos alunos, ou seja, do que
é esperado dos alunos no final do processo de ensino (por exemplo,
os resultados de exames como o Enem4 e o vestibular no Brasil, ou o
baccalauréat na França) e que acaba também influenciando o trabalho do
professor, passando pela avaliação do trabalho dos professores realizada
pelas instâncias de inspeção e concretizada pelas observações de aulas
(que acabam por definir o trabalho futuro do professor).
Por outro lado, o trabalho realizado é aquele que se desenrola na sala
de aula e que é a parte “visível” do trabalho de ensino. Dentro dessa linha
teórica, a distância existente entre ambos é inerente a qualquer situação
de trabalho e resulta do movimento natural de cada trabalhador de
adaptar as prescrições a sua situação de trabalho (Guérin et al., 2001).
Além desses conceitos-chave, Clot (1999, 2001) propõe um outro
conceito, o de atividade real ou real da atividade, que compreende tudo
o que poderia ser feito, todas as possibilidades, passíveis ou não de realização. O real da atividade engloba tanto o que foi realizado quanto
o que poderia ter sido e não foi. Segundo Clot (2001), a atividade não
pode ser reduzida ao realizado. Em outras palavras, “o querido, o possível
e o impossível fazem, tanto um como outro, parte do real do trabalho.
O realizado não tem o monopólio do real”5 (Clot, 2001, p. 38).
Seguindo o que diz Frédéric Saujat (2002, p. 24), é por essa razão
que “as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas, ou mesmo as
contra-atividades, devem ser admitidas na análise da atividade”. 6
Para chegar a esse conceito, Clot (1999) baseia-se na obra de
L. S. Vygotski (1994 [1925]), que sustenta que o homem está cheio, a
cada minuto, de possibilidades não realizadas. Nesse sentido, e ainda
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais, MEC, Brasil, 1998.
CECR: Cadre Européen Commun de Référence pour les langues. Strasbourg, Conseil de
l’Europe, 2001.
4
Enem: Exame Nacional do Ensino Médio, proposto pelo MEC.
5
Tradução nossa. Texto original: “Le voulu, le possible et l’impossible font tout autant partie
du réel du travail. L’activité réalisée n’a pas le monopole du réel”.
6
Tradução nossa. Texto original: “[…] les activités suspendues, contrariées ou empêchées,
voire les contre-activités doivent être admises dans l’analyse de l’activité”.
2
3
50
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
segundo Vygotski (1994 [1925]), o comportamento humano é o sistema
de reações que venceram, ou seja, as atividades que foram efetivamente
realizadas dentre um conjunto de possibilidades existentes.
Como já dissemos, a distância entre trabalho prescrito e realizado é
natural e provém da necessidade de adaptação das prescrições, de certa
maneira “impessoais” (Roger, 2007), já que, embora elaboradas para
um coletivo de trabalhadores, não dizem respeito à situação particular
de cada um deles. Podemos entender também essa distância pensando
que o trabalho prescrito não leva suficientemente em conta o comportamento humano: “[as] arbitragens7 [são] necessárias porque se trata
de humanos, exercendo em meios influenciados por múltiplas (micro)
variabilidades, dentre as quais, a sua própria […]”8 (Schwartz, 1996,
p. 148-149). As adaptações que os trabalhadores fazem das prescrições
aos seus contextos teriam o objetivo de aumentar sua eficácia no trabalho (Amigues, 2002). Dentro de uma abordagem ergonômica, essas
adaptações, que fazem com que o trabalho realizado seja diferente do
prescrito, não são vistas como “defeitos” do trabalhador que a formação
deveria sanar, mas, ao contrário, como maneiras de encontrar respostas
individuais e contextualizadas para as prescrições que são impessoais
(Amigues, 2002; Roger, 2007). Mais do que isso, essa diferença não
deve ser vista de maneira pejorativa, o que é comum nas instituições
escolares, mas como algo que favorece o desenvolvimento profissional
(Amigues, 2002).
É para dar conta da distância entre “trabalho prescrito” e “trabalho
realizado” que os ergonomistas propuseram a noção de “reconcepção”,
ou seja, a reelaboração das prescrições visando a encontrar um ponto
comum entre o que foi prescrito e o que pode ser realizado naquele
contexto de trabalho (Saujat, 2002). A reconcepção pode ser vista,
dessa forma, como o objeto do trabalho do professor: a redefinição das
prescrições iniciais pensando num dado contexto particular de ensino.
A discussão sobre a reelaboração das prescrições iniciais pelo professor
Entenda-se, aqui, “decisões” tomadas pelo professor/trabalhador.
Tradução nossa. Texto original: “[les] arbitrages [sont] rendus nécessaires parce qu’il s’agit
de vivants humains, exerçant dans des milieux affectés par de multiples (micro)-variabilités, au
nombre desquelles, la leur propre […].”
7
8
Eliane Gouvêa Lousada, O trabalho do professor universitário de FLE
51
nos leva a outra discussão de suma importância para nosso estudo e
para essa abordagem: o trabalho do professor.
Para Amigues (2004), a atividade do professor pode ser definida
como a criação, a organização de um meio de trabalho que seja favorável
à aprendizagem e ao desenvolvimento. Saujat (2004, p. 97) acrescenta
que “se o alvo da ação do professor é a aprendizagem dos alunos, atingir esse alvo não é algo direto nem imediato: passa pelos esforços dos
professores para ter uma ‘classe que funcione’”.9 Sendo assim, dentro
desse quadro teórico, a atividade do professor é vista como um processo constante de reconstrução dos meios de trabalho para cumprir ou
redefinir as obrigações prescritas, tendo sempre como objetivo “organizar a atividade dos alunos” (Saujat, 2002). Ao reconstruir, redefinir,
reelaborar as prescrições, o professor busca a eficácia, o que faz, muitas
vezes, sozinho, diante de sua sala de aula.
Partindo das concepções teóricas dos ergonomistas apresentadas
acima, Machado (2007) propõe o esquema a seguir, inspirado em outros
esquemas que procuram explicar o conceito de atividade e de atividade
de trabalho, com o intuito de ajudar na compreensão do que vem a ser
o trabalho educacional.
Contexto sócio-histórico particular
Sistema educacional
Sistema de ensino
Prof.
Sistema didático
Artefatos
instr.
Objeto
Construir um ambiente de trabalho
coletivo que possibilite a aprendizagem
de determinados conteúdos disciplinares
e o desenviolvimento de capacidades a
eles relacionados.
Outrem
Alunos, instâncias
prescritoras, avaliativas,
pais, colegas, coletivos de
trabalho, direção etc.
Figura 1. Esquema10 dos elementos constituintes do trabalho do professor em situação de sala de
aula (Machado, 2007)
Tradução nossa. Texto original: “Si la cible de l’action professorale est bien l’apprentissage
des élèves, l’atteinte de cette cible n’est jamais directe ni immédiate: elle passe par les efforts
des enseignants pour avoir une ‘classe qui tourne’”.
10
Segundo a autora, trata-se de um esquema provisório, que pode ser revisto e completado.
9
52
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
No esquema proposto por Machado (2007), vemos que a atividade
de trabalho educacional está inserida em um contexto amplo, que compreende o contexto sócio-histórico particular, o sistema educacional, o
sistema de ensino e assim por diante. Todas essas camadas representadas pelas instâncias prescritoras exercem influência sobre o trabalho
educacional. Dentro desse contexto, que vai do mais amplo ao mais
particular, vemos o triângulo que caracteriza a atividade e que tem, em
seus vértices: o professor, o objeto do trabalho do professor e para quem
a atividade de trabalho educacional é dirigida, ou seja, outrem. Em relação ao objeto do trabalho do professor, vemos, na continuidade do que
propôs Amigues (2004), que ele pode ser definido como a construção
de um ambiente de trabalho coletivo que possibilite a aprendizagem de
determinados conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de capacidades a ele relacionadas. Assim, a questão da organização do ambiente
de trabalho aparece como essencial para que haja aprendizagem. Além
disso, nessa perspectiva, a atividade de trabalho educacional não é apenas
dirigida aos alunos, mas também a instâncias prescritoras e avaliativas,
aos pais, aos colegas, à direção etc. Isso significa que o professor, durante
a execução de seu trabalho, dirige sua atividade não apenas aos alunos,
como também a outros destinatários que estão ausentes do momento
da interação em sala de aula, mas que a influenciam indiretamente.
Finalmente, temos o conceito de artefato, proposto por Pierre
Rabardel (1995) e que pode ser definido como algo, material ou simbólico, que se encontra disponível no coletivo de trabalho e que pode,
ou não, ser apropriado pelo sujeito. É precisamente a transformação
desse artefato em instrumento interiorizado que nos interessa, sendo
objeto da próxima seção.
Do artefato ao instrumento: um caso de gênese instrumental
Para iniciar essa discussão, parece-nos importante abordar primeiramente a questão do artefato e seu papel no desenvolvimento
humano. Segundo Rabardel (1995), os artefatos estão disponíveis no
ambiente e podem ser usados pelo homem para alcançar determinados
fins. Quando esse artefato é realmente apropriado pelo homem, ele se
torna um instrumento para seu agir sobre o mundo e sobre o outro.
Eliane Gouvêa Lousada, O trabalho do professor universitário de FLE
53
É assim que podemos compreender como os artefatos “computador”,
“tratamento de texto” etc. modificaram a escrita, na medida em que
possibilitam realizar uma série de ações que não eram possíveis quando
a escrita dependia inteiramente da linearidade imposta pela folha de
papel e pelo lápis. Esse artefato modificou nossa própria maneira de
redigir, de tal forma que temos, muitas vezes, dificuldades ao escrever
em papel, pois não podemos usar certas funções dos computadores. Por
outro lado, podemos perceber que nem todas as funções disponibilizadas
pelos computadores são apropriadas pelos utilizadores. Isso acontece
pois, de acordo com o autor citado, podemos nos apropriar de apenas
algumas das funções do artefato, construindo esquemas de utilização e
transformando em instrumentos apenas algumas delas.
Dentro desse quadro teórico, quando falamos em gênese instrumental (Clot, 1999; Rabardel, 1995), referimo-nos à apropriação de um
artefato, no contexto de uma dada situação de trabalho, que o transforma
em verdadeiro instrumento para a ação sobre o mundo e sobre o outro,
no âmbito do exercício do métier. É a partir desses conceitos que nos
propomos a analisar o uso das sínteses de aula realizadas por alunos e
professores no curso de Francês I no DLM, FFLCH, USP, no primeiro
semestre de 2009.
Nessa disciplina ministrada por quatro docentes, fez-se uso das “sínteses de aula”11.Trata-se de textos que tiveram por objetivo auxiliar tanto
os alunos, oferecendo-lhes um registro da aula, quanto os professores
envolvidos, funcionando como uma verdadeira “memória” dessa mesma
aula. Do ponto de vista de sua execução, a síntese era, primeiramente,
escrita por um aluno e enviada ao professor, que a corrigia, ampliava e
sistematizava alguns conteúdos em esquemas e tabelas, para ser, finalmente, reenviada ao grupo como um todo. Tal síntese de aula organiza
a memória coletiva da classe, permitindo a passagem da dimensão individual à dimensão coletiva (Amigues, 2004). Nesse sentido, ela pode
ser vista como uma reconcepção do trabalho, pois é uma “resposta” a
Tais sínteses, trazidas para o curso por Cristina Pietraróia – uma das docentes do grupo –,
foram para mim, num primeiro momento, mais um artefato do que um verdadeiro instrumento
para a ação. Apenas um semestre mais tarde, posso dizer que me apropriei do artefato e o
considero um instrumento para a ação, no contexto de trabalho das aulas de francês do DLMUSP.
11
54
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
algumas das dificuldades do professor, entre elas, registrar o que foi feito
em aula, garantindo seu acesso aos alunos ausentes e contribuindo para a
homogeneidade do grupo; assegurar a continuidade de uma aula à outra,
tarefa complexa que se encontra no cerne das preocupações do professor;
corrigir as anotações dos alunos, assegurando-se de que o que foi dado
em aula tenha sido compreendido; aumentar a exposição – nem sempre
suficiente – dos alunos a textos em francês; transmitir sistematizações de
conteúdos para alunos que se encontram em formação também didática.
Analisando as sínteses de aula do ponto de vista do trabalho educacional, deparamo-nos com um verdadeiro caso de criação de um instrumento dentro de uma atividade profissional. Explicamo-nos: a síntese,
enquanto gênero textual, existe como artefato no coletivo de trabalho
formado pelos professores e no âmbito da atividade profissional de qualquer docente.12 Ela existe, por assim dizer, nas práticas sociais ligadas à
educação, à esfera escolar e é usada em várias situações escolares, com
os mais diversos fins e em várias matérias. O uso desse artefato, pelo
professor, na situação de trabalho aqui descrita, demonstra sua transformação para a ação coletiva naquele contexto de trabalho educacional.
O artefato transforma-se em instrumento a ser usado por si e para si,
permitindo a modificação do outro e de si mesmo. É o que se chama,
dentro do quadro teórico da clínica da atividade, de gênese instrumental.
Observando ainda esse caso de gênese instrumental pelo prisma
da ergonomia, podemos ver as sínteses de aula também como uma
necessidade de apreender, registrar e conservar o trabalho realizado.
As sínteses permitem guardar traços do que foi feito em sala de aula e
que sobreviveria apenas na memória dos que estavam presentes. Nesse
sentido, elas complementam e trazem o outro lado do trabalho prescrito:
o que, das auto-prescrições, foi efetivamente realizado? Nessa perspectiva, os planos/planejamentos de aula seriam vistos como o trabalho
auto-prescrito pelo professor, ou seja, sua reconcepção das prescrições
iniciais em função de seu contexto particular de trabalho. Assim, as sínteses fazem parte dos esforços dos professores para ter uma classe “que
Para melhor compreender o uso dos gêneros textuais enquanto instrumentos ou apenas
artefatos, ver Machado e Lousada (2010).
12
Eliane Gouvêa Lousada, O trabalho do professor universitário de FLE
55
funcione” (Saujat, 2004) e mostram também a atividade efetivamente
realizada, ou o “sistema de reações que venceram”, para citar Clot (1999).
Ao refletir sobre a necessidade de criação das sínteses de aula,
deparamo-nos também com a questão da eficácia que é visada pelo
professor ao realizar sua atividade de trabalho em determinado contexto. Como coloca Amigues (2002), em nome da eficácia, o professor
vai reelaborar as prescrições, não se limitando à simples execução do
prescrito. Para fazê-lo, o professor utiliza frequentemente outros artefatos que estão disponíveis em seu coletivo de trabalho, tais como os
livros didáticos, as fichas de avaliação, os gêneros textuais que circulam
na escola etc., procurando encontrar soluções eficazes que permitam
adaptar as prescrições iniciais. Segundo Clot (1999), a atribuição de um
novo uso a um artefato (material ou simbólico), o “desalojamento” de
um objeto por um novo, ou a subversão da função primeira do artefato
(das sínteses em geral para as sínteses de aula), é um caso de desenvolvimento psicológico real.
Ao falarmos em desenvolvimento, somos levados a pensar no desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo, mas somos também
levados a pensar na evolução do próprio métier de professor. É para essa
questão que se volta a próxima seção.
As sínteses de aula: gestos profissionais, desenvolvimento e evolução
do métier
A noção de gênero de atividade profissional foi proposta pelos
pesquisadores da Clínica da atividade (Clot, 1999; Faïta, 2004) na
continuidade da noção de gênero discursivo proposta por Mikhail
Bakhtin (1997). Sendo assim, podemos entender que, da mesma forma
que os gêneros discursivos funcionam como “modelos”, disponíveis
socialmente para a comunicação, os gêneros de atividade profissional
estariam disponíveis no coletivo de trabalho como modelos para o “agir”
profissional (Faïta, 2004). Nessa perspectiva, os gêneros de atividade
profissional, ou as regras do métier, seriam uma “caixa de ferramentas”
(Amigues, 2004), disponível no coletivo de trabalho e que poderia ser
utilizada pelos trabalhadores quando da execução de sua atividade.
56
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Como já mencionado anteriormente, as sínteses de aula já eram um
gesto profissional utilizado por alguns professores naquela situação de
trabalho. Citando Clot (1999), elas eram uma maneira de solucionar as
dificuldades, regras do métier características daquele meio profissional,
ou, ainda, o “estilo” de trabalho dos professores naquele contexto. Nesse
sentido, poderíamos ver as sínteses como um gesto profissional que faz
parte de um subgênero no interior do gênero maior de atividade do
professor. Por exemplo, poderíamos falar do gênero de atividade profissional específico do professor universitário, do professor de línguas
estrangeiras, do professor de ensino fundamental etc.
Naquele semestre, as sínteses de aula permitiram um trabalho
colaborativo entre os quatro professores e entre os alunos das quatro
turmas, já que elas foram armazenadas no blog criado para a disciplina
Francês I. Nessa perspectiva, elas contribuíram para lutar contra uma
das dificuldades do trabalho educacional, a solidão do métier, provocada
pelo fato de que cada professor exerce sua atividade em sua sala de aula
isoladamente, tendo poucos momentos de troca com seus colegas. Ao se
tornar um gesto profissional daquele coletivo de professores, as sínteses
de aula, enquanto instrumentos para a ação do docente, contribuíram
para revitalizar o gênero de atividade profissional (Clot, 1999).
Podemos concluir, ainda, que os novos professores chegam com
diferentes bagagens, diferentes gestos profissionais, adquiridos em outros
contextos, mas podem apropriar-se de um novo estilo, dos gestos característicos de um coletivo particular de trabalho. Ao se apropriar desse
artefato e transformá-lo em instrumento para sua prática profissional,
o novo professor toma as rédeas de seu desenvolvimento profissional.
Enquanto regras do métier, gestos profissionais de um dado coletivo
que são apropriados por outros, as sínteses de aula, transformadas em
instrumentos pelos alunos e pelos professores, antigos e novos, podem
contribuir para a própria evolução do métier de professor, já que elas
revitalizam o gênero de atividade. Isso é particularmente verdadeiro
sobretudo se pensarmos que, além dos novos professores, as sínteses de
aulas foram também apropriadas pelos estudantes de Letras que serão
professores e que estão aprendendo seu futuro métier.
Ao pensarmos nos professores que adotam as sínteses, transformando-as em instrumentos para sua ação, não podemos deixar de lembrar
Eliane Gouvêa Lousada, O trabalho do professor universitário de FLE
57
o que diz Clot (1999) sobre o desenvolvimento profissional: o coletivo
de trabalho é o único capaz de trazer transformações duráveis para as
situações de trabalho.
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
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A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue:
um estudo de caso e suas contribuições para o ensino e a
prática da tradução em francês
Adriana Zavaglia
Como demonstram vários trabalhos já realizados sobre o tema
(Rey, 2008; Duran; Xatara, 2006; Zavaglia, 2006; Borba, 2003;
Picoche, 1995; Biderman, 1993), a definição das palavras em obras
lexicográficas é uma das tarefas mais desafiadoras do lexicógrafo, uma
vez que ela funcionará, para o consulente, como a ponte entre o desconhecido – o significado da palavra consultada – e o conhecido – ou
seja, o entendimento de uma palavra que o consulente do dicionário
não conhece por intermédio de outras supostamente conhecidas por
ele. Essa capacidade recíproca descritiva das palavras foi apontada por
Josette Rey-Debove (1984, p. 62) como “um sistema sinonímico circular
no interior do léxico” e, dentre outros, por Roman Jakobson (1971),
que indica a tradução de um signo por outros signos como operação
60
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
fundamental de interpretação dos significados. Ao lado da definição, as
marcas de uso das palavras (a saber, a consignação dos níveis de língua,
dos regionalismos e do domínio de especialidade) também são fundamentais para o consulente dos dicionários, já que, após compreender
o que significam as palavras, ele necessita saber em quais situações
poderá utilizá-las. Complementa ainda esses dois aspectos a inserção
de contextos nos verbetes.
Ocorre que as técnicas lexicográficas de descrição semântica tendem a variar de acordo com a natureza da obra e com a categoria das
palavras que compõem o universo das entradas (a macroestrutura). No
caso de dicionários monolíngues de referência, em que são registradas
palavras de todos os tipos, até mesmo palavrões, e de volumes bilíngues
de língua geral, que pretendem dar conta de um pouco de cada tipo de
palavra, instaura-se um conflito entre os paradigmas básicos que giram
em torno do enunciado lexicográfico e a tipologia categorial das palavras
da macroestrutura. Em dicionários monolíngues, por exemplo, substantivos, verbos e adjetivos são em geral descritos de forma mais acurada e
completa do que conjunções, advérbios e preposições. Já os dicionários
bilíngues tendem a deixar de lado detalhes definitórios e de uso em prol
da correspondência direta das traduções. Tanto em um quanto em outro
caso, há implicações dessa problemática lexicográfica para o ensino de
língua (materna, segunda ou estrangeira) e para a tradução.
Ângela Zucchi (2010), numa retomada da história do ensino de línguas estrangeiras, na qual se insere o ensino do léxico, enumera diferentes
abordagens lexicais em sala de aula baseadas em distintos propósitos:
método gramática e tradução, método direto, método áudio-oral e visual,
abordagem comunicativa e abordagem lexical. Como diz a autora, “a
origem dos dicionários está relacionada com o aprendizado de línguas,
fato que leva alguns autores a considerar o dicionário naturalmente um
instrumento no ensino” (Zucchi, 2010, p. 52), e, mais adiante, acrescenta que “a primeira função dos dicionários era didática” (p. 58) e que
o seu caráter normativo só teria surgido posteriormente, culminando
em “repositórios do vocabulário linguístico de uma sociedade” (p. 60).
Segundo a especialista, no século XX, principalmente após os anos 50, o
caráter pedagógico dos dicionários ressurge com força com a lexicografia
pedagógica. É nessa vertente que se insere nosso trabalho, uma vez que
uma das funções de nossa abordagem diferencial é a de tornar-se um
Adriana Zavaglia, A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue
61
instrumental para o ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira,
seja em contexto de sala de aula, seja em contexto profissional, neste
caso para professores, em sua preparação de aulas, e para tradutores,
em sua prática.
Desse modo, uma vez que os dicionários são o instrumento de
base, ao lado das gramáticas, dos aprendizes e profissionais de línguas,
o presente capítulo se propõe a observar a descrição lexicográfica de
moyennant em dicionários monolíngues e bilíngues (francês-português
brasileiro) e a propor caminhos para uma descrição semântica diferencial da marca, partindo de uma análise inicial de sua ocorrência no
corpus Frantext1 em obras publicadas a partir de 1901. Para tanto, este
capítulo se subdividirá em três partes, permeadas pela problemática do
ensino-aprendizagem: a primeira apresentará considerações acerca da
descrição da marca em alguns dicionários; a segunda, uma análise inicial,
e a terceira, uma proposta de verbete bilíngue.
A descrição de moyennant em dicionários monolíngues e bilíngues
Para analisar moyennant em dicionários franceses monolíngues,
serão utilizadas as seguintes obras: o Petit Robert eletrônico (1997), o
Petit Larousse impresso (1997) e o Trésor de la Langue Française, disponível na internet (acesso em 2009), doravante denominados PR, PL e
TR, respectivamente.
O PR classifica morfologicamente moyennant como uma preposição,
sem dar-lhe, logo de início, a sua marca de uso. Observemos o verbete:
moyennant [tf] prép.
• 1361; de moyenner
Au moyen de, par le moyen de, à la condition de. avec, grâce (à). Moyennant un effort
intellectuel. prix (au prix de). Acquérir une chose moyennant un prix convenu. pour. Il
accepta de rendre ce service moyennant récompense. contre, échange (en échange de).
Loc. Moyennant finances: en payant. – MOYENNANT QUOI: en échange de quoi,
A consulta à base de dados da proprietária francesa Frantext foi feita durante estágio de
pós-doutoramento na Universidade de Paris VII, em 2009, sob a supervisão da professora e
linguista Sarah de Voguë (Fapesp, proc.: 2008/09418-0).
1
62
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
et par ext. grâce à quoi. “Il fallait d’abord obtenir un numéro d’ordre, moyennant quoi on
aurait un bon, moyennant quoi on aurait de l’essence” (Beauvoir).
Loc. conj. Littér. Moyennant que (et subj.): à condition que, pourvu que. “Moyennant
qu’on le baigne d’eau, le jardin garde sa fraîcheur d’oasis” (Colette).
Ao não inserir de imediato a marca de uso da entrada, o dicionário
diz ao seu consulente que o uso da preposição não é restrito a nenhum
domínio especializado do conhecimento, a nenhum nível de língua específico e a nenhuma distribuição geográfica particular. Há, em seguida,
uma indicação etimológica. A definição apresentada é sinonímica e
sua exemplificação, forjada (como acquérir une chose moyennant un prix
convenu). Como parte de locução, a exemplificação de moyennant passa
a ser autêntica e abonada. Nesse último caso, aparecem registradas a
especificidade do nível de língua e a mudança categorial da marca: de
simples preposição, moyennant que passa a ser descrita como locução
conjuntiva de uso literário. No entanto, nota-se no verbete que, na
maioria dos exemplos forjados, a preposição vem acompanhada à direita
de substantivos que remetem a domínios específicos do conhecimento,
como prix, récompense, finances, numéro d’ordre, bon.2
Bem mais simples que o anterior, o verbete de moyennant no PL
é mais direto:
MOYENNANT prép. (de moyenner, négocier). Au moyen de; à la condition de :
moyennant cette somme.
Após indicar a origem da marca (de moyenner, négocier), o PL apresenta a classificação morfológica (preposição), o verbo do qual deriva
Após consultar a internet com o auxílio do buscador Google (francês da França, palavra
de busca: moyennant), 1.880.000 páginas foram encontradas. Já nas cinco primeiras páginas, a
maioria dos colocados da direita de moyennant refere-se a um domínio específico do conhecimento, como contribution, indemnité, charges, dollars, euros, formes de protection complémentaires,
escompte, rémunération, versement, redevance, frais, droits de trafic, conditions, partage des revenus,
services transactionnels. Poucos casos relacionam-se a outros domínios, como analyse, câble,
quoi. Tais resultados, ainda que puramente especulativos, uma vez que não foram sistematizados, apontam para detalhes que deveriam ser levados em consideração na descrição semântica
da preposição em lexicografia.
2
Adriana Zavaglia, A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue
63
a preposição com um sinônimo, definição sinonímica e um exemplo
forjado que, à maneira daqueles apresentados pelo PR, aparece com
um substantivo pertencente a um domínio especializado (somme). Além
disso, não registra marcas de uso da preposição.
O verbete do TR é mais completo que os dois anteriores:
• MOYENNANT, loc. prép.;
MOYENNANT, loc. prép.; MOYENNANT QUE, loc. conj.
I.− Loc. prép. En fournissant ou en recevant en échange, en contrepartie de. Nul ne peut
être contraint de céder sa propriété, si ce n’est pour cause d’utilité publique, et moyennant
une juste et préalable indemnité (Code civil, 1804, art. 545, p. 101). Quand te vends-tu
au gouvernement moyennant une place de 1 500 francs par an? (Flaub., Corresp., 1844,
p. 157).
• Moyennant finance. En payant, en étant payé. Une pitoyable ganache [...] se prêtait,
moyennant finance, aux pires complaisances, aux plus sales compromissions (Gide, Feuillets
d’automne, 1949, p. 1104) :
M. Grenouville a consenti à l’épouser, à la condition qu’elle renoncerait à nous, et nous
avons consenti... − Moyennant finance?... dit la perspicace Josépha. − Oui, madame,
dix mille francs, et une rente à mon père, qui ne peut plus travailler... Balzac, Cous.
Bette, 1846, p. 347.
− Au fig. Au prix de. Il faut nécessairement avouer que, moyennant certaines conditions,
la matière inanimée est capable de s’organiser, de vivre, de sentir (Cabanis, Rapp. phys. et
mor., t. 2, 1808, p. 238). Leur ouvrage, moyennant un détour, revint en France, imprimé
de fait à Amsterdam chez les Elzévir, mais portant le nom seul d’un libraire de Mons
(Sainte-Beuve, Port-Royal, t. 4, 1859, p. 272). C’est avec une sombre fierté que nous apprenions ces actes de guerre individuellement accomplis, moyennant des risques immenses,
contre l’armée de l’occupant (De Gaulle, Mém. guerre, 1954, p. 227).
• Moyennant quoi (fam.). Je ne demande pour moi que la levée de mes arrêts, et de passer
à une autre armée; moyennant quoi je me dédis de tout ce que j’ai dit et écrit au général
Dedon (Courier, Lettres Fr. et Ital., 1807, p. 747).
II.− Loc. conj. Moyennant que + subj. À condition que, sous la réserve que. Tous les
résultats sensibles peuvent logiquement s’expliquer dans l’ancienne comme dans la nouvelle
théorie, moyennant que les doses correspondantes d’oxygène et d’hydrogène soient entre elles
dans la proportion voulue pour faire de l’eau (Cournot, Fond. connaiss., 1851, p. 487).
Vous m’accordez [...] que la vérité sera vérité pure aux mêmes conditions. C’est-à-dire,
moyennant qu’on la rende muette, aveugle, sourde (A. France, Puits Ste Claire, 1895, p. 210).
64
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
− Moyennant que + ind. (vx). Compte tenu que. Avec mille écus par an, je me trouve
assez riche, moyennant que ma plume me fait déjà un petit revenu (Sand, Corresp., t. 1,
1831, p. 183).
Prononc. et Orth. : [mwajεnɑ̃], [-je-]. Att. ds Ac. dep. 1718. Étymol. et Hist. 1. a)
1377 prép. “au moyen de” moiennant tel mouvement (Oresme, Ciel, éd. A. D. Menut,
114b, p. 440); 1668 moyennant quoi (La Fontaine, Fables, I, V, 26); b) 1827 moyennant
finance “contre de l’argent, en payant” (Delécluze, Journal, p. 444 [1690 moyennant dix
mille escus, Fur.]); 2. 1219 loc. conj. moyennant que “à condition que” (Cart. de Cysoing,
p. 104 ds Gdf Compl.). “Arch. ou littér.” ds Rob. Part. prés. de moyenner*. Fréq. abs.
e
e
littér. : 533. Fréq. rel. littér. : XIX s. : a) 906, b) 1 055; XX s. : a) 650, b) 536. Bbg.
Mounin (G.). Le Fonctionnement du lang. vu à travers un fait de synt. Trav. Ling.
Litt. Strasbourg. 1975, t. 13, p. 274.
O TR categoriza morfologicamente a palavra, apresentando, logo
de início, duas possibilidades: moyennant como, curiosamente, locução
prepositiva, apesar de constar apenas uma palavra, e moyennant que como
locução conjuntiva. Em seguida, divide as suas acepções de acordo com
as categorias e faz uso de outros tipos de definição além da sinonímica.
Ademais, apresenta o comportamento sintagmático de moyennant, com
suas diferentes especificidades. As marcas de uso restringem-se a familiar
e em desuso. As exemplificações são, em sua maioria, abonadas, tendo
sido extraídas, também em sua maioria, da literatura. Interessante notar
que, mesmo nessas exemplificações abonadas, os contextos colocam em
relevo a especificidade da preposição, como aquele extraído do Code civil.
Para observar a descrição de moyennant em dicionários bilíngues
na direção do francês para o português brasileiro, foram consultadas
as obras de Domingos de Azevedo (1998), Suzanne Burtin-Vinholes
(2003) e Paulo Rónai (1989).3 Este último não registra a marca como
entrada. Os verbetes dos dois outros dicionários são abaixo transcritos:
Azevedo (1998):
moyennant [muá-ié-nân], prep. Mediante, por meio de. || Moyennant que (com o
subj.) (loc. conj.), com a condição de.
Burtin-Vinholes (2003):
MOYENNANT (moiaénân) prep. Mediante, por meio de, com.
Note-se que o seu correspondente direto, mediante, aparece registrado no dicionário na
direção contrária, em cuja microestrutura consta moyennant: mediante prep. Moyennant.
3
Adriana Zavaglia, A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue
65
Nos verbetes acima, a descrição da marca como preposição é simples,
obedecendo às regras gerais de elaboração de verbetes bilíngues, ou seja,
sem definições ou contextualizações.4
Considerando as observações feitas anteriormente sobre os dicionários utilizados, principalmente no que se refere aos contextos da marca,
percebe-se que moyennant é tratado como uma preposição comum. Ao
mesmo tempo, suspeita-se, a partir das exemplificações das microestruturas analisadas, que a marca esteja ligada a domínios especializados
do conhecimento, consequência talvez do semantismo do verbo do
qual deriva, moyenner, que significa négocier. Desse modo, a descrição
semântica da marca do ponto de vista lexicográfico necessita ser, ao
que nos parece, complementada, ou até mesmo corrigida em alguns
casos, uma vez que o dicionário, seja ele monolíngue ou bilíngue, pode
comportar contradições ou incoerências, gerando confusões de uso na
compreensão e produção lexical por parte dos consulentes (aprendizes
ou profissionais de línguas).
Esboço analítico de moyennant para a sua descrição semântica
Contando com o suporte concordanciador do próprio Frantext,
obtivemos na busca desejada 536 ocorrências de moyennant em textos
que se estendem do século XX (1901) ao XXI (ano de 2006). Sem utilizar ainda ferramentas de análise de corpus mais refinadas, observamos
primeiramente os colocados à direita e à esquerda da marca, deixando
inicialmente de lado as locuções moyennant que e moyennant quoi. Nesse
momento de observação, não importaram as classificações categoriais
de moyennant, se preposição, conjunção ou advérbio. De imediato, as
ocorrências demonstraram que há uma tendência explícita de uso da
marca em contextos especializados, ligados à área financeira, seja em
textos literários ou pragmáticos (técnicos, científicos etc.), como em:
(1) En fin de compte, ma mère s’adressa à un “chetty ”, c’est-à-dire à un
usurier hindou, qui consentit à lui prêter cette somme moyennant une
Tais regras, no entanto, têm sido repensadas por lexicógrafos bilíngues, como notam Duran
e Xatara (2006).
4
66
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
hypothèque sur son traitement d’institutrice. (Frantext, fonte: Duras,
Marguerite. Cahiers de la guerre et autres textes, 2006, p. 37)
(2) Paris a pour rôle l’étude des problèmes d’aménagement, l’organisation
de services publics, la gestion éventuelle d’entreprises d’intérêt collectif, et peut, moyennant les recettes fiscales d’une taxe régionale
d’équipement, apporter son aide aux opérations des collectivités locales
ou même les prendre en charge. (Frantext, fonte: Belorgey, Gérard. Le
Gouvernement et l’administration de la France, 1967, p. 412, grifos nossos)
A primeira hipótese analítica que pode surgir dessas observações
iniciais é a de que moyennant colabora naturalmente, talvez por sua
própria etimologia, para dar à sequência textual o seu teor terminológico, sobrepondo-se a seus sinônimos contre, pour, au/par le moyen de. Ao
mesmo tempo, moyennant apresenta-se como um elo obrigatório entre
dois elementos que se ligam numa relação condicional. Nos contextos
acima, por exemplo, a concessão do empréstimo condicionou-se a uma
hipoteca (1) e o auxílio possível (ou os encargos) das operações das
coletividades condiciona-se às receitas fiscais de uma taxa regional (2).
Chamemos esses dois elementos da relação condicional instaurada
por moyennant de X e Y, em que X é empréstimo (1) ou auxílio (2) e Y
é hipoteca (1) e receita fiscal (2) nos exemplos citados. Para que X seja
validado na relação, ou seja, para que o empréstimo ou o auxílio se realize,
é necessário que Y seja antes levado em conta, ou seja, que a hipoteca
ou a receita fiscal aconteça. Desse modo, a condição estabelecida entre
X e Y implica uma relação primitiva, dada por moyennant, entre as propriedades semânticas às quais remetem X e Y. Essa relação é primitiva
porque independe do posicionamento de X e Y no enunciado, ou seja,
X e Y poderão aparecer à esquerda ou à direita de moyennant. Essa mobilidade de X e Y só é possível porque moyennant determina a direção
da relação, ou seja, a atualização das propriedades de X estará sempre e
primitivamente condicionada à atualização das propriedades de Y.
A relação anteriormente descrita aproxima moyennant de si, marca
de condição em francês amplamente estudada por Sarah De Voguë
(1999). Nesse texto, a autora propõe uma esquematização geral da condição baseada na teoria enunciativa formal de Antoine Culioli (1990),
tendo como ponto de partida a marca si. Segundo ela, a condição remonta à montagem de três operações:
Adriana Zavaglia, A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue
67
(A): varredura de uma classe de possíveis.
(B): especificação de Sitp por p.
(C): predicação existencial de q ao engajar um sujeito que
seleciona q e não q’ (De Voguë, 1999, p. 95)5
Como aplicação dessa esquematização geral, De Voguë6 apresenta
o seguinte quadro:
SUPOSIÇÕES
Atualizável
Atualizado a
confirmar
Atualizado no
exterior
Não atualizável
Tomado como
atualizável
EVENTUALIDADES
Loteria
Se acontecer,
aconteceu
Não necessário, mas
possível
Possível dentre
outros
Contingente
Supposé que
Dans la mesure
où
En admettant
que
A supposer que
En supposant
que, des fois que
Du moment que
Pour autant que
Moyennant que
Sous réserve que
Pourvu que
P
Au cas où
Que p
Quand
Dès lors que
Pour peu que
P?
Un coup que
A condition que
Dès l’instant que
É certo que, na análise da linguista, moyennant só foi contemplado
na locução moyennant que, que não é objeto de observação deste trabalho. No entanto, é possível enquadrar moyennant em suas considerações
acerca da condição, tanto com relação às operações quanto com o quadro
anterior. A operação (A) definida pela autora é fundamental: toda condição pressupõe uma varredura de uma classe de possíveis, ou Sitp. Em
seguida, há uma especificação dessa classe por p na operação (B) e uma
predicação existencial de q na operação (C). Se voltarmos ao exemplo (1)
Tradução nossa. Texto original: “(A): parcours d’une classe de possibles; (B): spécification
de Sitp par p; (C): prédication existentielle de q engageant un sujet qui sélectionne q plutôt
qu’autre-que-q.”
6
Quadro da autora enviado por e-mail, sem referências, em 9 de abril de 2008.
5
68
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
dado anteriormente de moyennant, teríamos: (A) <empréstimo possível
de alguém>, (B) <empréstimo possível do “chetty”>, (C) <o “chetty”
condiciona o empréstimo à hipoteca>. Desse modo, moyennant parece
marcar, à maneira de moyennant que, antes uma suposição que uma
eventualidade, já que configura uma condição a partir de uma hipótese
determinada, e não de um acaso fortuito.
Para complementar a análise, seria necessário acrescentar à
descrição de moyennant a relação primitiva entre as propriedades
semânticas às quais remetem X (ou q na metalinguagem de De Voguë)
e Y (ou p nas operações da autora), o que corrobora ainda mais o enquadramento da marca no grupo das suposições, ou seja, das hipóteses
determinadas.
Desta análise, destaca-se um outro aspecto de moyennant, além
do terminológico, que deve ser levado em consideração em sua
descrição semântica: a marca é, independentemente de sua classificação morfológica ou categorial, uma marca de condição. Assim,
descrevê-la semanticamente por sinônimos que não considerem esse
aspecto ou colocá-la em destaque como um instrumento (au/par le
moyen de, contre; por meio de, com) não parece ser condizente com a sua
natureza.
Acomodação das análises em um verbete bilíngue
Como a pesquisa sobre moyennant ainda é inicial, é cedo para responder a todas as questões que a problemática da descrição semântica
do léxico impõe. No entanto, a microestrutura da marca necessita contemplar parâmetros de uso e de frequência, como no verbete bilíngue
que apresentamos a seguir, o qual é uma adaptação do verbete do PR,
apoiado nos demais e dirigido a estudantes ou profissionais de língua,
sejam eles ligados ao ensino ou à tradução: 7
Este estudo integra um projeto maior de pesquisa, baseado em corpus paralelo, que
tem como intuito construir um dicionário bilíngue diferencial de marcas conhecidas como
gramaticais, contando ainda com fundamentos e expedientes da Teoria das Operações
Enunciativas de Antoine Culioli, da Lexicologia/Lexicografia e da Tradução (Projeto DIRE
– Dicionário Relacional bilíngue).
7
Adriana Zavaglia, A descrição semântica do léxico em lexicografia bilíngue
69
MOYENNANT [mwajenã] (1361; de moyenner, négocier).
MEDIANTE
Introduit une condition hypothétique pour qu’une supposition se
vérifie. // introduz uma condição hipotética para que uma suposição se
realize. 1. Fin. Introduit une condition recquise lors d’une négociation.
// Introduz uma condição requerida numa negociação : Cette autorisation
est accordée moyennant le paiement d’une taxe variable avec le tonnage du
bateau.(Frantext) // Esta autorização será concedida mediante pagamento
de taxa, variável segundo a tonelagem da embarcação. 2. Ext. au moyen
de, par le moyen de, à la condition de. 2.1. avec, grâce (à). Moyennant
un effort intellectuel.// Mediante um esforço intelectual. 2.2. prix (au prix
de). Acquérir une chose moyennant un prix convenu. // Adquirir uma
coisa mediante preço a combinar. 2.3. Pour. Il accepta de rendre ce service
moyennant récompense.// Ele aceitou fazer esse favor mediante recompensa.
contre, échange (en échange de). Loc. prép. 2.4. moyennant finance(s):
en payant.//mediante pagamento. – 2.5. moyennant quoi: en échange de
quoi, et par ext. grâce à quoi. // em troca de, e por ext. graças a isso que
2.6. Loc. conj. littér. Moyennant que (+ subj.): à condition que, pourvu
que. // com a condição de, desde que, contanto que.
Considerações finais
No verbete bilíngue apresentado, estão contempladas: a transcrição
fonética da entrada, sua etimologia, seu correspondente imediato, a definição lexicográfica elaborada a partir do esboço analítico apresentado
anteriormente e as suas particularidades, ou seja, a primeira acepção
se desenvolve em contexto especializado com rubrica da área, que é a
ocorrência mais frequente da marca, seguida de exemplos bilíngues.
Em seguida, com a rubrica “ext.”, que indica o seu emprego na língua
geral padrão, são apresentados sinônimos, marcas de uso e locuções,
com traduções.
Dentro dos princípios da lexicografia pedagógica, que, tal como
aparece definida no trabalho de Zucchi (2010, p. 61), o verbete acima
tem como objetivo auxiliar os aprendizes e profissionais de língua e
de tradução do ponto de vista receptivo, na compreensão do léxico, e
produtivo, na aplicação dessa compreensão à elaboração de um texto
coerente, já que o conteúdo do verbete proporcionaria ao consulente o
acesso a informações de ordem combinatória (co-textos à esquerda e
direita de moyennant), semântico-contextual (definições e sinônimos de
moyennant) e pragmática (uso especializado de moyennant). Desse modo,
70
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
à diferença dos verbetes consultados e apresentados anteriormente, este
parece, mesmo que na forma de esboço, dar ao seu usuário (profissionais
de língua ligados ao ensino ou à tradução) a possibilidade de conhecer
receptiva e produtivamente de maneira mais explícita a palavra pela
primeira definição e pelas variações semânticas possíveis, colocando
em relevo a sua especificidade terminológica.
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Linguística) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
Aprendizagens mediadas do francês
para públicos universitários
Maria del Carmen de la Torre Aranda
Graças ao intenso desenvolvimento das tecnologias digitais a partir
dos anos 90, ao potencial dos recursos e aos diversos tipos de comunicação que estes proporcionam, todo um leque de possibilidades novas
abriu-se à didática das línguas em matéria de criação de atividades
interativas, de comunicação com os estudantes e de gestão de cursos
a distância. Admite-se, hoje, que as Tecnologias de Informação e de
Comunicação (TIC) mudam nossa relação com as aprendizagens. Isso
significa dizer que as tecnologias conferem muito mais que um simples
toque de dinamismo e interatividade à aula de línguas: elas nos colocam
frente a formas diferentes de ensinar e de aprender. Diante desse quadro,
inúmeras pesquisas têm sido desenvolvidas no campo da Aprendizagem
de Línguas Apoiada por Computador (ALAC) com o objetivo de
experimentar novos modos de relacionar-se com as aprendizagens ins-
74
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
trumentadas, e de avaliar qualitativamente o papel da mediação humana
e o da mediação tecnológica em tais práticas didáticas.
Nestas páginas, apresento uma síntese dos resultados obtidos na pesquisa Apprentissages en ligne pour publics universitaires.
Médiations,Interactions,1 realizada com o concurso de uma bolsa de
estudos Erasmus Mundus e apresentada em junho de 2009 em Madrid
às universidades pertencentes ao Mestrado Europeu Engenharia de
Mídias para a Educação, EUROMIME: Universidade Técnica de Lisboa,
Portugal, Universidad Nacional de Educación a Distancia de Madrid,
Espanha, e Université de Poitiers, França, para obtenção do título de
mestre em Ciências da Educação. O estudo analisou a arquitetura de
duas formações em Francês Língua Estrangeira (FLE) para estudantes
em mobilidade internacional a fim de identificar modelos de mediação
tecnológica e humana que possam ser aplicados em outros contextos
de formação voltados a públicos universitários. Motivada por experiências anteriores de adoção dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVA) COL-Cursos Online/USP e Blackboard em um curso de FLE
para estudantes de Agricultura,2 a pesquisa aqui apresentada insere-se
em uma sequência lógica que visa a alcançar uma melhor compreensão
da prática didática instrumentada no ensino de línguas. Espera-se que
a análise dos modelos de mediação aqui compartilhados possa oferecer
novas pistas de exploração de recursos tecnológicos que levem a modos
diferentes de interação entre estudantes de línguas.
São apresentadas, a seguir, Favi e Filipé, duas formações em francês
língua estrangeira analisadas na pesquisa e, em um segundo momento,
a problemática que estruturou e guiou o estudo. A metodologia de
pesquisa e de coleta de dados é apresentada na segunda parte do texto,
antes de passarmos à síntese e discussão dos resultados. De natureza
exploratória e descritiva, o estudo teve por objetivo geral identificar o
Aprendizagens em linha para públicos universitários. Mediações, Interações (tradução nossa),
pesquisa orientada pelo professor Freiderikos Valetopoulos, Université de Poitiers, França, 2009.
2
Refiro-me ao trabalho realizado enquanto professora de francês para estudantes de
agricultura da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo
(USP), cujo relato está disponível no texto “Blackboard: Interaction extra-muros”, Maria del
Carmen de la Torre Aranda (2008). In: Le Français de spécialité. Enjeux culturels et linguistiques,
Olivier Bertrand, Isabelle Schaffner (Org.). Paris: Les éditions de l’École Polytechnique,
p. 257-264.
1
Maria del Carmen de la Torre Aranda, Aprendizagens mediadas do francês...
75
papel atribuído à mediação das tecnologias nos cursos estudados, as
interações que essa mediação proporciona e sua contribuição para o
desenvolvimento de competências comunicativas na língua-alvo. Foi
dada ênfase ao ponto de vista do professor e a suas representações sobre
os sistemas de aprendizagem a distância.
Os objetos de estudo: Favi e Filipé, francês para estudantes em mobilidade
A escolha de Favi (Français Académique Virtuel International) e de
Filipé (Filière Linguistique Préparatoire aux Études en France), como objetos de estudo, permitiu-me tratar de forma aprofundada a problemática
das formações específicas para públicos universitários em mobilidade
internacional. As duas formações, concebidas por universidades francesas
de recepção de estudantes em mobilidade, foram selecionadas como objeto de estudo pelas condições pedagógicas que reúnem: a aprendizagem
do francês está orientada para as necessidades dos estudantes, na sua área
de especialidade ou em área relacionada a esta; a aprendizagem ou uma
parte dela se realiza a distância e é viabilizada por uma ferramenta TIC;
o professor-tutor é igualmente o que desenvolve os conteúdos didáticos.
Favi é um projeto de pesquisa-ação inscrito no grupo Tâches et
dispositifs da Université Sorbonne Nouvelle Paris 3: duas de suas integrantes conceberam módulos de formação em FLE e os aplicaram em
Paris 9 – Université Paris-Dauphine, junto a estudantes de pós-graduação (Master 2, Doutorado e Pós-doutorado) em carreiras de Ciências
Humanas (Economia, Administração, Letras, Línguas, Artes...). A
formação visa ao aperfeiçoamento de competências necessárias para
a compreensão e a produção de textos científicos, orais e escritos, em
francês acadêmico, isto é, “a língua que devem utilizar os estudantes e
pesquisadores avançados não-francófonos que frequentam uma universidade francófona (francesa, mais precisamente)” (Cf. apresentação do
projeto no site AEM, Autoformation et Multimédia3).
Disponível em: <http://didatic.net/article.php3?id_article=219>. Acesso em: abr. 2008 e
maio 2010.
3
76
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
As atividades didáticas propostas contemplam a leitura e a redação
de textos científicos, a prise de notes,4 e a produção oral realizada em
cursos, seminários e colóquios. A relação entre linguagem acadêmica e
a área de especialidade é construída pelo próprio estudante, por meio
de seu trabalho individual de produção de textos para os cursos de
mestrado ou doutorado que frequenta. A formação compreende interações assíncronas através de um fórum hospedado no AVA canadense
WebCT, e sessões de chat (clavardage) síncronas através do programa de
comunicação instantânea MSN Messenger. Vinte estudantes de Paris
9 participaram efetivamente da formação durante a primavera de 2008,
período analisado por este estudo.
Filipé é uma formação aberta e a distância (FOAD), dirigida a
estudantes de ciências exatas, sobretudo de engenharia, em nível de
pós-graduação. Seu objetivo é oferecer uma formação linguística e intercultural com ênfase na área de conhecimento do estudante que lhe
possibilite, desde sua chegada à universidade de recepção, compreender a
linguagem dos cursos dispensados, sobretudo os cours magistraux tão característicos da universidade francesa. O projeto, apoiado pelo Ministério
da Educação francês, inscreve-se no âmbito da Université Numérique
Thématique5 UNIT – Université Numérique Ingénierie et Technologie – e
se beneficia de uma parceria entre vários estabelecimentos franceses
de ensino superior da área da engenharia.6 Com isso, Filipé conta com
uma ampla e diversificada equipe de elaboração de recursos didáticos,
composta por docentes da área de especialidade e professores de FLE,
o que lhes permite produzir módulos de aprendizagem bastante abastecidos de exercícios e com conteúdos diversificados.
Método de anotação resumida do discurso do professor, a prise de notes é um exercício
corriqueiro nos cours magistraux das universidades francesas.
5
As Universidades Digitais Temáticas (UNT) inscrevem-se na política de desenvolvimento
das aplicações das TIC apoiada pela SDTICE (Sous-direction des technologies de l’information
et de la communication pour l’éducation). As UNT têm por missão favorecer a valorização, a
produção e a difusão de recursos pedagógicos digitais produzidos por estabelecimentos de
ensino superior franceses. Disponível em <http://www.educnet.education.fr/superieur/unt>.
Acesso em: abr 2008.
6
Filipé reúne os seguintes estabelecimentos de ensino superior: Groupe des Écoles des Mines
(GEM), Instituts Nationaux Polytechniques (INP) de Grenoble et Toulouse, Institut National
des Sciences Appliquées de Lyon (INSA), Institut National des Sciences et Techniques
Nucléaires (INSTN), Universités de Technologie (UT) de Compiègne et de Troyes.
4
Maria del Carmen de la Torre Aranda, Aprendizagens mediadas do francês...
77
Os módulos de formação em Francês com Objetivos Específicos
(FOS) que compõem o programa têm por ponto de partida uma videoaula sobre um dado tema da engenharia (informática, cinemática,
probabilidade, p. ex.), seguida de uma série de exercícios interativos e
autocorretivos de compreensão e de reemprego dos conteúdos abordados
no vídeo. Além de explorar aspectos linguísticos, os módulos objetivam sensibilizar o estudante não-francófono para aspectos da cultura
acadêmica francesa sob uma perspectiva intercultural, contrastando
comportamentos adotados nesse contexto acadêmico com aqueles do
seu sistema de ensino de origem. Diferentemente de Favi, os módulos
Filipé visam a um público bastante amplo e uma ação internacional:
mais de 900 estudantes em formação FLE, de 2005 a 2008, em uma das
universidades francesas que compõem o consórcio, e outros 430 estudantes chineses e vietnamitas7 em tutorado local, entre 2006 e 2008. O
projeto busca também difundir seus módulos FLE na Índia, no Brasil,
no México e no Chile.
Problemática da formação a distância para públicos universitários
A abordagem sociocultural baseada na teoria histórico-cultural
de Vigotski oferece-nos o quadro teórico necessário para melhor
compreender o funcionamento das aprendizagens instrumentadas que
contemplam a interação entre estudantes e professor, pela importância
que confere ao contexto social e à mediação por um instrumento nos
processos de aprendizagem humana. Tendo por problemática os estudos em ciências cognitivas inspirados das teorias histórico-culturais
vigotskianas dos anos 30, a abordagem sociocultural é “um conjunto
de correntes de pensamento que sublinham a natureza mediada do
pensamento humano” (Zourou, 2007, p. 5; tradução nossa).
Vigotski via a aprendizagem como resultado de um processo de
construção social. Para o psicólogo, as atividades mediadas por um
instrumento, material, tal como um instrumento de trabalho, ou sim Universidade de Tecnologia Sino-Europeia da Universidade de Xangai (UTSEUS) e
Programa de Formação de Engenheiros de Excelência em Hanói, Da Nang e Cidade de Ho
Chi Minh.
7
78
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
bólico, como a linguagem ou qualquer outro meio de controle interno
de sua própria atividade, são tão responsáveis quanto as interações
sociais para o nosso desenvolvimento cognitivo (Vigotski, 1994). Os
instrumentos são, na sua teoria, artefatos socialmente construídos e
historicamente desenvolvidos, ideia que encerra a definição abordagem
sócio-histórica. A mediação através de um instrumento faz com que
uma operação que se realiza, de início, externamente (processo interpessoal), seja reconstruída e passe a se realizar internamente (processo
intrapessoal), antes de ganhar novamente o contexto social em que
acontece. Graças aos processos mediadores, sobretudo aqueles que
envolvem a linguagem (o mais importante dos instrumentos), é que
desenvolvemos nossa capacidade de expressar e de compartilhar com
outros membros do nosso grupo social a compreensão que temos das
coisas, das experiências comuns ao grupo.
Em uma releitura da teoria sócio-histórica, o psicólogo norte-americano Michael Cole cria o conceito de artefato para referir-se aos
instrumentos mediadores da aprendizagem, sendo ele um aspecto do
mundo material que se modificou durante a história de sua incorporação
à ação humana voltada para determinados objetivos (cf. De Pablos,
2006). Como em todas as áreas da educação em que se investigam os
usos das TIC, novas correntes de pesquisa surgidas no campo da ALAC,
como as anglo-saxãs Sociocultural SLA (Second Language Aquisition) e
NBLT (Network-Based Language Teaching), apropriam-se do termo para
referir-se ao computador e à internet, o artefato material dos nossos
dias. Apoiada na abordagem sociocultural, a didática de línguas distancia-se da concepção cognitivista piagetiana, que via o desenvolvimento
de competências em língua estrangeira como um processo cognitivo
desenvolvido no plano individual, e passa a examinar “a função mediadora dos instrumentos tecnológicos, bem como as propriedades de
organização e de reestruturação das funções mentais através dos artefatos
tecnológicos” (Zourou, 2007, p. 3-26; tradução nossa).
Com efeito, a participação do estudante nas atividades previstas
pela universidade francófona de recepção dependerá do seu domínio
dos processos mediadores em jogo que envolvam o uso da linguagem,
ou seja, sua capacidade de comunicar-se com o outro na língua estrangeira. Compreendemos, portanto, que uma formação específica para
públicos universitários em mobilidade internacional é aquela que visa
Maria del Carmen de la Torre Aranda, Aprendizagens mediadas do francês...
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a desenvolver as competências comunicativas exigidas pelo contexto-alvo para que cada estudante possa compartilhar com o grupo sua
compreensão das experiências em comum: participação ativa (interação
verbal oral) nas aulas, em seminários, congressos, estágios profissionais,
além das competências de expressão escrita requeridas para a produção
de textos científicos.
Este estudo partiu da constatação de que poucas formações em FLE
respondem aos objetivos de aprendizagem dos públicos universitários
através de programas elaborados sob medida a cada demanda, e menos
ainda que sejam mediados pelas TIC. Cabe lembrar que esta pesquisa
não buscou provar que se aprende melhor com as tecnologias; como dito
no início do capítulo: aprende-se de forma diferente com elas e, posto
que são recurso integrante dos processos de ensino e aprendizagem dos
nossos dias, queremos compreender como usá-las na prática didática de
línguas estrangeiras.
Levando em conta os pressupostos teóricos acima avançados,
desenhou-se, então, a seguinte pergunta de pesquisa: Como responder às
necessidades específicas dos públicos universitários através de uma formação
mediada pelas TIC? Com esse questionamento, buscou-se analisar as
diferentes aplicações das tecnologias mediadoras da aprendizagem e
sua relação com as necessidades de aprendizagem do estudante universitário que dizem respeito às interações verbais em língua estrangeira
no contexto-alvo.
Metodologia e instrumentos de pesquisa
A fim de reunir um corpus suscetível de responder aos questionamentos acima expostos, procedeu-se a uma metodologia de pesquisa
exploratória composta de três etapas: uma análise documental prévia
referente às duas formações, Favi e Filipé; um questionário por escrito;
e três entrevistas semiestruturadas. Por fim, a análise de conteúdos didáticos criados por estudantes e tutoras de Favi (segmentos de um fórum
de discussão online e de interações por chat) e de um dos módulos de
aprendizagem online de Filipé vieram completar os dados da pesquisa.
A análise documental prévia, realizada a partir de artigos publicados nos sites das duas formações, forneceu-me dados gerais relativos a
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
objetivos pedagógicos, público-alvo, e instrumentos tecnológicos empregados. Em seguida, um questionário foi submetido às duas equipes
por correio eletrônico buscando um detalhamento sobre a criação e o
desenvolvimento de cada projeto, sobre o contexto das formações (onde
e como são aplicados os cursos, perfil dos estudantes e diferentes níveis
linguísticos oferecidos) e o modelo didático adotado (abordagem comunicativa, cognitivista ou orientada para a ação). Um espaço de destaque
foi reservado no questionário aos processos de:
• mediação – aplicação dos recursos tecnológicos e papel do tutor
a distância;
• interação – síncronas ou assíncronas; um a um, um a vários,
vários a vários; iniciativas e implicação dos estudantes na prise
de parole;
• aprendizagem – critérios de avaliação da aprendizagem alcançada ao final do curso.
Com exceção da primeira entrevista, realizada a distância por Skype
com a equipe de Paris, as duas outras foram conduzidas em face a face
com as tutoras de Favi, em Paris, e com a responsável pedagógica de
Filipé, em Grenoble, entre janeiro e março de 2009. Com nítido objetivo narrativo, buscou-se através das entrevistas obter testemunhos
espontâneos das representações das professoras-tutoras (que também
desenvolvem conteúdos) sobre suas práticas; pedimos que nos falassem
sobre como se ensina e se aprende através dos recursos pedagógicos e
tecnológicos ali reunidos. Os dados foram tratados qualitativamente,
uma vez que apenas a abordagem qualitativa e interpretativa poderia
abrir caminho para “o sentido dado pelos atores às ações que empreenderam” (Erickson, 1986, apud Léssard-Hébert; Goyette; Boutin,
2005, p. 32; tradução nossa).
Resultados: síntese e interpretação
Dada a abordagem qualitativa retida para o estudo, os resultados
apresentados a seguir trazem uma interpretação pessoal (dentre tantas
outras possíveis) dos dados recolhidos. Para apresentá-los de forma
sintética, contraponho a descrição das formações com a análise dos
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dados a fim de responder aos objetivos específicos de pesquisa expostos
no início do capítulo.
Mediações, Interações: dinâmica do fórum de Favi
As atividades em torno do funcionamento da língua se desenrolam através do fórum Points linguistiques, hospedado no AVA WebCT.
Uma atividade publicada pelas tutoras abre um fio de discussão. Em
seguida, cada estudante vai postar suas respostas e comentários relativos
ao ponto linguístico discutido. O fórum se estabelece verdadeiramente
enquanto tal quando a discussão toma a dinâmica de argumentação
em acordo ou desacordo com determinada opinião avançada por um
dos colegas, até que o grupo chegue a um consenso final, geralmente
através da mediação da tutora. Cada nova discussão lançada no fórum
obedece ao mesmo ciclo.
Cinquenta e oito mensagens foram postadas em Points Linguistiques
durante a primavera de 2008, em torno de quatro atividades de conceitualização (em relação com as pesquisas de Lidia Fraczak, Université Blaise
Pascal, Clermont-Ferrand) sobre o uso dos determinantes em francês.
A estratégia é fazer com que o estudante tome consciência do funcionamento da língua através de suas próprias descobertas e conclusões,
como no exemplo a seguir. Propõe-se aos estudantes que classifiquem
os artigos empregados no texto de base em définis, indéfinis, partitifs ou
contractés, e que justifiquem suas escolhas no fórum de discussão:
Un point intéressant de l’article concerne les méthodes que l’auteur propose aux
enseignants, afin de les encourager à utiliser les technologies de l’information
et de la communication dans leurs échanges. La première méthode consiste
à dédramatiser le dispositif et à le rendre plus performant du point de vue
ergonomique. Une fois familiarisé avec ce dernier, les enseignants peuvent se
l’approprier et cesser de le voir comme une menace. C’est la raison pour laquelle
l’intégration de l’ordinateur présente un grand intérêt dans la préparation des
jeunes spécialistes en didactique des langues.
Os textos que servem de base para as atividades são trechos tirados
de teses e artigos de pesquisa, exemplos da língua escrita com que os
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
estudantes terão contato no mundo acadêmico, em situação de recepção
ou de produção, como explicam as tutoras de Favi:
[...] na rubrica “Points linguistiques”, quando quisemos tratar
o tema dos determinantes, precisávamos trabalhar em cima de
exemplos que os estudantes encontravam ou podiam encontrar no
seu quotidiano. No nosso caso, tratava-se de recursos fabricados.
Inspiramo-nos em trechos de teses nos quais erros haviam sido
identificados, para criar novos trechos contendo mais ocorrências do
ponto linguístico que queríamos tratar. (questionário endereçado
à equipe pedagógica de Paris, tradução nossa)
Cada nova mensagem postada aparece na página de discussão do
fórum organizada por ordem cronológica, o que obriga necessariamente
aquele que deseja participar da discussão a fazer uma (re)leitura atenta
das mensagens anteriormente publicadas. Essa especificidade do instrumento de mediação assíncrono pode, a meu ver, ser considerada como
uma contribuição positiva à aprendizagem a distância, se comparada
ao modelo unicamente presencial. Nas sessões presenciais, o estudante
raramente tem acesso à produção escrita dos outros colegas, a menos
que se trate de uma atividade em equipe ou de uma atividade em que a
troca de textos entre colegas foi prevista. Já no fórum publicado em meio
eletrônico, a visibilidade permanente das mensagens postadas permite
a cada colega ler as produções textuais de seus colegas e, no caso deste
fórum especificamente, interagir com os outros sobre suas propostas e
percepções do funcionamento da língua de aprendizagem.
Chat em Favi: do código escrito para a língua falada
Durante a primavera de 2008, 24 sessões de chat foram realizadas
pela equipe de Paris em torno dos temas práticas universitárias, comunicação acadêmica, e atividades de pesquisa. Para discutir um mesmo
tema, duas sessões semanais eram propostas, a fim de que os estudantes
tivessem a flexibilidade de participar do chat no dia e horário que melhor
lhes conviesse. O tema do dia (le sujet du jour, como dizem as tutoras)
é proposto três dias antes do encontro para que os estudantes tenham
tempo de refletir sobre o assunto, de prever intervenções e eventuais
questões que gostariam de discutir com os outros colegas. Durante
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uma hora de chat, são os estudantes que levam adiante a discussão: o
trabalho realizado por meio do MSN revela-se mais coletivo que aquele
desenvolvido no fórum de discussão.
Os dados aqui discutidos remetem a quatro dessas sessões de chat,
compreendidas entre 1º de março e 29 de maio de 2008: sujets de thèse
ou de mémoire (sessão 1), le français parlé ou écrit à l’université (sessão 3),
gérer le discours d’une communication scientifique (sessão 6), la construction
de références bibliographiques/ évaluation de la formation (sessão 12).
A comunicação através de mensagens instantâneas tem a particularidade de representar por escrito a língua falada. Nesse meio, escreve-se
como se estivéssemos diante do nosso interlocutor. Ou quase. Embora
o instrumento mediador da comunicação, MSN, convoque um uso
da língua baseado no código oral, as interações são construídas sobre
o código escrito. É esse aspecto híbrido da comunicação por chat que
interessa a Favi. Diferentemente das discussões que acontecem no
fórum, nesse chat não se pretende chegar a nenhuma conclusão sobre
qualquer assunto. O objetivo é desenvolver competências comunicativas
que sirvam a situações de produção oral no meio acadêmico, ao mesmo
tempo em que se pratica a expressão escrita. O resultado é um tipo de
discurso que a linguística define como escrita oralizada, um gênero de
escrita mais espontâneo, menos formal, que se aproxima, sob determinados aspectos, do discurso produzido na língua falada. Para as tutoras,
há também nessa mediação o fenômeno do oral escrito:
Eu diria que há dois fenômenos, a escrita oralizada e o oral
escrito. Na verdade, quando falamos em um colóquio, esse
discurso é dito geralmente a partir de um texto anteriormente
escrito... e um dos aspectos muito específicos do chat é o oral
escrito. Tentei aproveitar os dois fenômenos, praticamos o
oral escrito no chat... (Entrevista 1, tutoras de Favi; tradução
nossa)
[...] podemos dizer que as atividades do chat, contrariamente
às atividades do fórum, são destinadas a desenvolver a
espontaneidade do oral ao mesmo tempo em que mantêm o
valor do escrito. É o que foi definido no início da formação... o
objetivo é desenvolver a espontaneidade do oral, mas com um
registro formal apropriado ao contexto acadêmico. (Entrevista
2, tutoras de Favi; tradução nossa)
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Módulos interativos de Filipé
Os módulos de Filipé foram desenvolvidos para estudantes que já
atingiram o nível A2 ou B1 em língua francesa, segundo os descritores
propostos pelo Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas
(CECR8), um pré-requisito para que se possa tirar maior partido dos
conteúdos propostos. Por se tratar de uma formação específica para
estudantes de ciências exatas, sobretudo da engenharia, os conteúdos
correspondem a noções trabalhadas nos três primeiros anos de graduação
dessas carreiras, o que não deveria causar dificuldades de compreensão
para o estudante não francófono, devido à provável semelhança de currículos do ciclo básico da engenharia de diversos países, e à transparência
do vocabulário científico.
No momento em que esta pesquisa se desenvolvia, nove módulos
interativos estavam disponíveis no site de Filipé, em acesso livre para
qualquer visitante mediante registro pessoal. A videoaula em torno da
qual se estrutura cada módulo aparenta-se a um cours magistral, porém
em formato mais conciso e com um nível de língua oral adaptado ao
público-alvo.
Um recorte do módulo Informatique d’usage9 (Figura 1) dá-nos um
exemplo de como estão construídos os módulos. A interface reproduz
a apresentação característica das videoconferências: no canto esquerdo
superior da tela, a imagem do docente que ministra a aula, enquanto que
na parte central temos uma sucessão de slides que retomam o essencial
do seu discurso: enunciados, palavras-chave, ou uma representação
iconográfica do texto falado, facilitando, assim, a compreensão do áudio
através da duplicidade de canais, o oral e o escrito/visual. O índice das
diferentes partes que compõem a aula, na barra lateral esquerda, permite
ao estudante localizar-se no ambiente, e voltar sempre que o desejar a
determinado ponto do vídeo.
Adoto a sigla usada em francês, pela rápida associação que estabelece para os profissionais
e estudantes da área com o Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues (Conseil de
l’ Europe, 2001).
9
Também acessível pelo endereço <http://www.e-filipe.org/>.
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Figura 1. Módulo Informatique d’usage. Tela da videoaula.
À videoaula seguem-se os exercícios. Três séries são propostas, A,
B, e C, acompanhadas de uma lista bastante detalhada dos objetivos
que se pretende atingir a cada uma delas: objetivos gerais (atos de fala,
p.ex. faire une présentation orale, exprimer la quantité), objetivos específicos
(structurer une phrase en utilisant ‘c’est-à-dire’...), e noções gramaticais a
revisar. O nível de dificuldade do exercício está indicado por ícones
que reproduzem os sinais de um semáforo: verde para fácil, amarelo
para médio, e vermelho para difícil. A sequência de exercícios sugerida
obedece a uma progressão lógica no desenvolvimento de competências
linguísticas, como vemos no módulo Informatique d’usage:
• A – identificar os elementos de comunicação em um curso na
universidade, aprender o modo de se dirigir a um professor na
França e como interagir oralmente em um curso;
• B – compreender a organização de uma apresentação oral,
identificar as diferentes partes que a compõem, e encontrar as
palavras-chave para a prise de notes;
• C – como descrever um objeto dentro dos moldes do discurso
científico oral.
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Os exercícios, construídos com o programa de autoria Hot Potatoes,
assumem formatos diversos: vão dos simples oui/non ou vrai/faux (uma
minoria desse tipo), àqueles que propõem associações de enunciados tirados da videoaula, explorando a compreensão oral e a escrita. Há, ainda,
vários exercícios sobre o léxico de especialidade (significação, sinonímia,
nuances semânticas) e exercícios de gramática (uso de pronomes ou
preposições). No módulo, resta pouco espaço para a produção escrita:
alguns exercícios de resposta aberta são propostos (reconhecimento da
escrita pelo programa informático), porém são apenas alguns verbos,
palavras ou trechos de frases que o estudante é convidado a escrever.
Embora os exercícios de Filipé explorem a riqueza do discurso oral
científico em seus aspectos linguísticos e discursivos, eles seguem um
modelo estruturalista apoiado principalmente em conceitos gramaticais
e no uso excessivo de metalinguagem. Um exercício, p.ex., que anuncia
no seu título Ne pas répéter, descreve no subtítulo a competência a ser
trabalhada: Vous serez capables de remplacer les noms compléments par des
pronoms compléments. Outro anuncia no título Comment annoncer ce qui
sera développé? e, em seguida, descreve a competência a ser desenvolvida com o enunciado Vous serez capables de repérer les verbes au futur et
d’indiquer la forme du verbe à l’infinitif. Ora, o estudante não especialista
de LE deve, sim, compreender que a forma verbal que está empregando
permite-lhe situar uma ação em um tempo futuro em relação ao momento de enunciação, mas raramente ele vai parar, durante uma situação de
comunicação, para associar o nome exato do tempo verbal ou da categoria gramatical ao uso que faz da língua: o que conta é o sentido que dá
a seu discurso. Pensando assim, a proposta (exercício B.1.6 – Enchaîner
les idées; Figura 2, abaixo) de associar palavras e expressões do discurso
ao sentido que dão no encadeamento dos enunciados (comparar, exemplificar, explicar...) parece-nos muito mais adequada ao objetivo principal
de aprendizagem do estudante inserido no contexto francófono que
deseja, sobretudo, fazer-se entender na língua estrangeira.
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Figura 2. Módulo Informatique d’usage. Exercício de associação.
Por essa razão concordamos com a posição da equipe de Grenoble,
que aconselha fortemente a aplicação dos módulos por um professor de
FLE no contexto de uma formação tutorada para públicos específicos:
O uso fortemente preconizado pela equipe Filipé é um uso[dos
módulos] em complemento de cursos FLE. Mas não em completa
autonomia. Que isso se faça com o apoio de um professor-tutor
formado e competente no uso das TIC, sensibilizado à formação
híbrida. (Entrevista com a responsável pedagógica no INP
de Grenoble, tradução nossa)
Ressalvados os comentários a respeito do uso da metalinguagem nos
módulos de Filipé, é certo que eles nos trazem um rico material linguístico e comunicativo que pode ser explorado como suporte didático em
uma formação tutorada a distância, dando margem a interações verbais
orais e escritas entre estudantes. Como não se dispôs para este estudo
de testemunhos sobre as interações promovidas a partir dos módulos
FLE, trataremos na próxima seção de concentrar-nos no produto das
interações realizadas no projeto Favi.
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Interações facilitadas pela mediação a distância
No intuito de responder aos objetivos expostos no início do capítulo
que dizem respeito às interações a distância, busquei identificar as estratégias de mediação que favoreçam a co-construção de competências
comunicativas em língua estrangeira pelos atores envolvidos (estudantes
e tutoras) no projeto Favi. Para tanto, foi analisado o comportamento de
nove estudantes que participaram tanto dos fóruns de discussão quanto
das sessões de chat, com o intuito de identificar suas contribuições para
a evolução das discussões. Foram observadas nítidas diferenças em sua
participação conforme as interações ocorrem na modalidade assíncrona
(fórum) ou na modalidade síncrona (chat), que dizem respeito:
1. à direção das interações: bidirecional X multidirecional;
2. à posição mediadora da tutora: central X periférica;
3. à contribuição dos estudantes ao debate: centrada em quatro
deles X mais uniforme entre os nove participantes;
4. ao comportamento comunicativo dos estudantes: mais
reservado X mais desenvolto.
A direção das interações e a mediação da tutora
De modo geral, as interações observadas no fórum são majoritariamente bidirecionais (comunicação um a um), entre o estudante e a
tutora. E ainda que alguns colegas iniciem seus posts com um Bonjour à
tout le monde!, ou que se refiram ao trabalho de outro colega, é à tutora
(C) que dirigem a palavra: Bonjour C, bonjour à tous...//Bonjour à tous,
C, j’ai relu mon activité et je ne sais pas quoi vous dire à propos du terme
nominatif... [...] je suis tout à fait d’accord avec les interventions de S et de
W...//. A dinâmica que se criou nesse fórum, segundo a tutora, lembra
a estrutura tradicional das interações em face a face numa sala de aula,
onde o modo de comunicação bidirecional pode instalar-se facilmente.
Na situação de aprendizagem mediada por computador, segundo a
tutora, a tendência é repetir o esquema estudante ↔ tutor, até mesmo
pela dificuldade de se estabelecerem relações entre pessoas que não se
conhecem fora do contexto digital:
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Repetimos a estrutura tradicional. Penso que a situação da sala
de aula, entre aspas, se reescreve, isto é, eles têm já essa tradição
de ‘on répond au prof ’, respondemos ao professor, então não
vamos procurar comunicar entre nós, mesmo porque eles não
necessariamente se conhecem. (Entrevista 2 com as tutoras de
Favi; tradução nossa)
Estamos mais propensos a encontrar outras respostas para a
configuração que se instalou nos fóruns de Favi. Em primeiro lugar,
esta não se justifica pela configuração da comunicação em sala de aula
que, principalmente em um curso de línguas, pode assumir diversos
formatos (trabalhos em duplas, grupos, revezamentos de colegas entre
grupos etc.), renováveis a cada encontro graças à mediação do professor.
Poderíamos, ainda, justificar a posição central da tutora nas interações pelo fato que ela assegura a mediação das discussões através de
feedbacks constantes de encorajamento ao debate até que se chegue a
uma conclusão sobre o ponto linguístico tratado (Qu’en dites-vous?/ Je
suis d’accord avec… mais un peu moins avec … Et vous?/ Qu’en pensez-vous?), uma atitude da mediação humana que, deve-se destacar, é
fundamental para o desenvolvimento do fórum. Preferimos, então,
crer que não era o primeiro objetivo do fórum criar interações entre
os participantes, pois, na verdade, a figura central das discussões é o
objeto linguístico.
Tanto é assim que, na modalidade síncrona, as interações se revelam multidirecionais (comunicação um a vários, ou vários a vários),
sobretudo entre estudantes. No chat, a mediação da tutora tem a função
de animar e regular o debate; sua posição nesse meio é nitidamente
periférica, deixando que os estudantes levem adiante a discussão. Com
efeito, os estudantes entram no chat de modo diferente daquele observado na modalidade assíncrona: cumprimentam-se no início de cada
sessão, dirigem-se uns aos outros na segunda pessoa do singular sem
que a tutora seja a interlocutora das interações. No desenrolar de uma
discussão, observamos frequentes esforços de intercompreensão entre
colegas, que se alternam entre solicitações e propostas de reformulação
dos enunciados ditos pelos outros.
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
A contribuição dos estudantes ao debate e seu comportamento
comunicativo
Da mesma forma que as interações são mais diversificadas na modalidade de comunicação síncrona, observamos que a contribuição dos
estudantes para a evolução dos debates aparece melhor distribuída entre
os nove participantes quando a mediação se dá por chat e não por fórum.
Uma análise detalhada do desenrolar da Atividade 4 (utilização
dos artigos indefinidos (un, une, des), definidos (le, la, les) ou ausência
de artigo (Ø)) permitiu-nos identificar a contribuição individual para o
debate no fórum, e também em que medida os estudantes chegavam a
compreender o funcionamento da língua através de suas próprias conclusões, como é o objetivo das atividades de conceitualização propostas.
Dezenove mensagens foram postadas para a realização dessa atividade,
sete delas postadas pela tutora. Nas doze mensagens de estudantes, analisamos duas categorias que poderiam trazer respostas a nossa indagação:
mensagens que relançam o debate, e mensagens de síntese que levam
o grupo a uma conclusão comum para a questão linguística proposta.
O debate em torno dos artigos definidos e indefinidos foi levado
principalmente por três ou quatro estudantes: A, J, W, e F. Primeiramente,
A leva suas respostas ao fórum e as justifica uma a uma no corpo da
mensagem. Em seguida, ela reage à solicitação da tutora (“…reprenons
les propositions de F et de B… êtes-vous d’accord avec mon raisonnement
ou avec les justifications que donnent B ou F ?”), argumenta em favor da
opinião de B e relança o debate no final do seu post, perguntando se há
uma regra que explique esse fenômeno linguístico. Por sua vez, J posta
uma longa mensagem retomando as opiniões dos colegas, questiona-os
em relação às respostas que ela havia imaginado, interroga a existência
de uma regra para o uso do artigo após substantivo (nom + de), acrescenta um exemplo da vida quotidiana para contrastar com o texto da
atividade e relança o debate. Finalmente, a mensagem de W sublinha a
contribuição dos colegas (“Après avoir lu les commentaires des collègues, dans
lesquels je relève quelques remarques pertinentes…”) e, de modo bastante
pragmático, “coloca o seu tijolo na obra”, como ele próprio diz, trazendo
suas opiniões pessoais sobre a questão. Essa parece ser a primeira das
mensagens que vai levar o grupo a uma conclusão final. Em seguida, a
tutora publica uma mensagem resumindo a questão linguística tratada.
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Seguem-se mensagens de J, agradecendo a tutora por sua explicação
exaustiva e clara, afirmando que essas atividades vão ajudá-la a “améliorer
mes connaissances grammaticales à propos de l’utilisation des articles”, e de
F, que contribui para fechar definitivamente a discussão: “en lisant votre
réponse adressée à A, j’ai remarqué que nous avons trouvé la solution pour
l’emploi correct de tous les articles.”.
Quando passamos à análise das interações no chat, observamos
que aqueles estudantes que pouco se manifestavam no fórum (H, S,
L) adotam uma atitude comunicativa mais participativa e desenvolta
nesse meio (sessão de chat n. 12), tomando até mesmo a iniciativa de
abrir o debate:
H – alors, pour aujourd’hui, le sujet est super intéressant et important
pour nous tous.
Tutrice [C] – oui, aujourd’hui nous parlerons de la construction des
références bibliographiques... bonjour F
H – comment chercher des références biblio concernant notre sujet de
mémoire ou de thèse?
F – bonjour C et aux autres
S – c’est justement à temps. J’ai presque fini la rédaction de mon mémoire...
maintenant il faut organiser la bibliographie
Tutrice – tout à fait H!
S – ah c’est chercher les références???
Tutrice – essayons tout de même de ne pas utiliser d’abréviations... alors
comment choisissez-vous vos références bibliographiques?
L – au début de la recherche, pour la construction de son sujet, ou à la fin
de rédaction pour organiser la bibliographie (comme dit S)??
H – pour moi, je commence à prendre une idée de mon sujet de recherche
par la recherche rapide des références sur internet, puis je commence à
consulter les centres de recherche ou les bibliotheques universitaires pour
trouver quelques références
J – j’ai une question à propos des références bibliographiques – est-ce
qu’on peut ajouter dans la bibliographie les ouvrages qu’on n’a pas cités
ou commentés dans notre mémoire?
Como no chat discute-se livremente um tema do universo acadêmico
sem que se pretenda chegar a uma conclusão, não se observa a catego-
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
ria síntese nas interações síncronas. No entanto, a atitude de relançar o
debate está tão presente nesse meio quanto a expressão de opinião, em
acordo ou desacordo com os demais (explicitada pelas expressões je pense
que, je crois que, à mon avis etc.). A migração para um comportamento
comunicativo mais aberto ao grupo de alguns dos estudantes em meio
síncrono deve explicar-se pela própria especificidade do meio. Ainda que
o uso do chat, habitualmente um meio de relacionamento social, tenha
sido adaptado a um contexto mais formal como o da universidade, ele
não deixa de ser um meio de comunicação informal. No chat, bate-se
papo. O suporte determina o gênero discursivo, permitindo interações
mais descontraídas, até mesmo sobre o clima e a temperatura... ou sobre
a neve. Eis um tipo de interação que lembra os primeiros minutos de
aquecimento da aula presencial, em que tomamos tempo para cumprimentar os colegas e comentar algum fato do cotidiano:
Tutrice – bonjour A, bonjour H.
A – bonjour à tout le monde
T – comment allez-vous aujourd’hui?
A – Très bien, merci! Avez-vous vu qu’il a neigé la nuit dernière?
T – tout à fait! La température est descendue d’un coup hier... mais c’est
tout de même dommage, la neige ne tient pas
P – Bonjour
A – C’était tellement beau... les grands flocons de neige!
As interações observadas no chat de Favi indicam uma forma de
comunicação empreendida pelos participantes que só tende a favorecer
a construção de competências comuns ao grupo, porque supõem ao
mesmo tempo uma dimensão socioafetiva e uma dimensão sociocognitiva das interações (Mangenot; Zourou, 2007). Estudos mostram a
importância da dimensão socioafetiva para as aprendizagens em línguas,
sobretudo aquelas realizadas a distância, porque abre caminho para a
constituição de uma comunidade online ligada pelos mesmos objetivos de
aprendizagem, além de contribuir para diminuir uma eventual inibição
dos adultos ao se expressarem diante dos colegas.
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Considerações finais
Por meio dos resultados apresentados, pudemos conhecer exemplos
de aplicações atuais das TIC em processos de ensino e aprendizagem
voltados para públicos universitários, e identificar as dinâmicas que
se podem criar através dos instrumentos de mediação. Vimos também que, embora as formações analisadas tenham integrado as TIC a
suas práticas pedagógicas, persiste uma tendência em associar certos
modelos do presencial às práticas instrumentadas: aprendizagem não
necessariamente centrada no estudante, foco na gramática e não no
uso da língua em contexto. Com base no acima discutido, teço a seguir
algumas conclusões com respeito à prática instrumentada no ensino e
aprendizagem do FLE para públicos universitários.
A permanência do texto escrito no fio da discussão é uma característica do fórum que interessa à aprendizagem de línguas na medida em
que incentiva a reflexão, a prática da produção escrita, a comunicação e
troca de ideias entre os colegas do grupo. O tempo de reação à leitura
de um comentário de outro colega não é imediato, o estudante se beneficia de um tempo mais elástico de reflexão do que teria no suporte
síncrono para elaborar o comentário que vai publicar no fórum, como
A, estudante que havia publicado uma resposta à atividade n. 3 do fórum
Points linguistiques, às 17h40 do dia 8 de abril, “sem olhar as respostas
dos outros”, e voltou ao fórum no mesmo dia, às 18h28, anunciando
“Maintenant j’ai lu votre discussion. Et je voudrais y participer”. Mangenot
observa a esse respeito que “o escrito do fórum equivale a um texto em
perpétuo caminho de enriquecimento” e, ainda, que ele permite “a partilha
da cognição” (2004, apud Mangenot; Zourou, 2007, p. 68).
O uso do chat para a prática da interação verbal a distância em uma
formação acadêmica parecia mais inovador em 2008 do que poderia
soar atualmente, dada a rapidez com que evoluem as tecnologias e suas
aplicações didáticas. Pode-se, hoje, conceber uma transposição dessa
prática a outros contextos de formação em francês para públicos universitários, tirando da experiência acima relatada o exemplo da mediação
humana que guia, regula as participações e cuida para proteger a face (a
imagem social) do estudante. Para os estudantes, a prática da conversação a distância apresenta grande vantagem para o desenvolvimento
de competências comunicativas: o estudante sente-se mais desenvolto
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
graças à informalidade do suporte e, além disso, supõe-se que, nesses
meios, todos devam falar. A dinâmica é diferente daquela da sala de aula
presencial, e mesmo com a instantaneidade da comunicação síncrona, todos acabam por tomar o tempo de ouvir o outro. Contudo, cabe lembrar
que no bate-papo desenvolve-se um tipo de “discurso interativo híbrido”
(Tancredi, 2006), que tem características da língua oral e da língua
escrita, mas que não é nem uma nem outra.
Uma vez identificados os objetivos de aprendizagem dos públicos
universitários, uma combinação de tecnologias de comunicação assíncrona e síncrona pode revelar-se como solução pertinente para a prática
didática do FLE. A multicanalidade que se ganha nessa combinação
pode oferecer maior diversidade para a aprendizagem e abertura à
expressão verbal porque atende aos diferentes estilos de aprendizagem
dos estudantes (Tancredi, 2006), proporcionando um equilíbrio nas
interações verbais orais e escritas dos estudantes.
O ideal dos mundos para a didática das línguas virá quando nós,
professores e desenvolvedores de conteúdos, soubermos atribuir ao uso
das tecnologias, ao mesmo tempo e na mesma formação, o papel que
lhes é atribuído separadamente em cada um dos projetos acima analisados: meio de partilha de conteúdos e atividades didáticas, meio de
comunicação e de interação verbal.
Referências
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Langues. Paris: Didier, 2001. Documento em formato eletrônico.
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Aspectos da alteridade na aprendizagem do francês
língua-cultura estrangeira –
imagens de si e do outro
Alcinéia Emmerick de Almeida
A didática das línguas tem assimilado as mudanças conjunturais
e estruturais que marcam o mundo contemporâneo – tecnologias da
informação e da comunicação, globalização, alto fluxo migratório, e,
aos poucos, dá-se conta de que o uso da língua como ferramenta de
comunicação funcional e pragmática, sem alusão à alteridade, é redutor
na medida em que ignora a diversificação, a heterogeneidade e a mobilidade dentro do tecido social essencialmene plural. O reconhecimento
de que há um vazio a ser preenchido nessa área abre caminho para que
o professor busque, na sua formação, ferramentas para agregar a sua
docência uma reflexão sobre esses novos conceitos, valores e noções,
junto ao papel formador, educador e também mediador de sua prática.
Como operacionalizar os conceitos que envolvem uma compreensão sociocultural que vai desde o ‘locus de enunciação’ do aprendiz
98
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
(em situação exolíngue), de onde ele se expressa, até o encontro com
a alteridade e as vozes do outro por meio do discurso dos métodos,
dos documentos autênticos apresentados em sala de aula em suportes
variados e do discurso do professor?
A problemática intercultural faz interface com o ensino das línguas estrangeiras no século XXI e envolve, principalmente, o aprender
a lidar com a ambiguidade, a alteridade, o desconhecido, o diferente e
os choques culturais que podem surgir desse encontro entre culturas
(Abdallah-Pretceille, 2005).
A fim de trabalhar com essas questões dentro do ensino do francês
como língua estrangeira no Brasil, foi oferecido aos alunos da graduação
em Letras – Francês da FFLCH-USP um curso livre de um semestre,
ministrado em 2006 (Noções e práticas interculturais na aprendizagem do
francês língua estrangeira). Para melhor delinear a proposta dos temas a
serem tratados, com o intuito de identificar até que ponto o componente
cultural da língua de aprendizagem já tinha sido apreendido e que tipos
de representações esses alunos tinham em relação à língua francesa, às
culturas de expressão francesa bem como a sua própria língua e cultura,
os interessados em participar do curso responderam a um questionário
de natureza qualitativa e de caráter exploratório adaptado de um modelo
proposto por Maddalena De Carlo (1998). Essa ferramenta revelou ser
uma preciosa fonte de análise dos estereótipos, preconceitos, atitudes,
valores e paradigmas dos participantes envolvidos nos seus próprios
processos de significação ligados à cultura local, ao mesmo tempo em que
eram convidados a refletir, interagir e experimentar novos mecanismos
de significação ligados à cultura do outro. Tal processo aponta para o
conceito de representação desenvolvido pela perspectiva dos Estudos
Culturais (Hall, 1997; Silva, 2000) como um sistema de significação
e, portanto, de atribuição e construção de sentidos, daí a noção de identidade enfatizar um constante processo de mudança.
O presente capítulo apresenta, portanto, o resultado das observações
feitas em relação às representações dos alunos e uma reflexão a partir
do que se pode depreender sobre sua relação e reação à alteridade no
processo de aprendizagem de uma língua – cultura estrangeira.
Para melhor organização da análise dos itens abordados no questionário, as respostas estão indicadas pela letra “R” e estão numeradas de
Alcinéia Emmerick de Almeida, Aspectos da alteridade na aprendizagem...
99
1 a 10 – cada número designando um participante. Da mesma forma,
as questões estão indicadas pela letra “Q” e foram numeradas de 1 a
15 – cada número designando uma pergunta formulada. Nenhuma
pergunta ou resposta será tratada na sua integralidade; optamos por
destacar apenas aquelas mais representativas, de acordo com o critério
escolhido para este estudo, a saber, as questões identitárias em interface
com a estereotipia cultural (para o corpus completo da pesquisa, ver
Almeida, 2008).
A análise das respostas e as reflexões a partir das mesmas permeia
a proposta que aborda as imagens de si e do outro dentro dos conjuntos temáticos dos países “França/Brasil”, das nacionalidades “francesa/
brasileira e das línguas francesa/portuguesa”.
Da França e do Brasil
As respostas às questões – A França é... (objetos, ideias, lugares, pessoas) (Q1) / Em relação à França eu gosto... (objetos, ideias,
lugares, pessoas) (Q4) / Em relação à França eu não gosto... (objetos,
ideias, lugares, pessoas) (Q7) – remetem sobretudo
a) ao aspecto civilizacional: país atraente pela sua cultura e história
(R1) / centro de difusão cultural (R4) / ideal revolucionário –
Liberdade, Igualdade, Fraternidade... (R7) / é Flaubert, o lugar
onde Joyce e Beckett se encontraram... (R5);
b) à beleza do país, seus monumentos, Paris, onde tudo é bem
cuidado, limpo e atraente – o paraíso na terra – com pessoas
bonitas, bem vestidas, que comem bem em lugares refinados: a
Torre Eiffel piscando, as boulangeries, o vinho e o queijo, qualidade
de vida (R2) / cheia de gente que se veste com roupas como a da
Zara, ou seja, lindas principalmente no inverno! (R3) / lugar de
gastronomia refinada, boas viniculturas, residência dos grandes da
moda mundial (R4) / é caminhar de Saint-Michel para Montparnasse às duas da manhã... (R5);
c) a aspectos políticos, de comportamento e à situação geográfica do país – por sua distância do Brasil: não gosto que seja
longe (R2,R3,R5) / não gosto da situação da segunda geração
100
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
de imigrantes, dos subsídios agrícolas europeus defendidos para
favorecer os agricultores franceses (R5) / não gosto dessa “cultura”
europeia de tomar pouco banho, apesar de poder ser apenas um
boato... higiene é fundamental! (R10) / não gosto do que vem
sendo feito (já há muito tempo) com as massas de imigrantes
(R6, R8).
A França tem uma imagem muito forte da sua cultura humanística e seus valores de erudição no ideário do aprendiz pesquisado, pois
quase todos mencionam o valor da sua cultura (9), sua literatura (5),
seus museus (5), sua história (3), além do cinema, teatro, arte, pintura
e autores (todos clássicos). A França inspira prazer, qualidade de vida,
elegância e glamour. Como ressalta Maria José Coracini:
Ao lado dessas imagens que provêm do desejo e do sonho,
encontram-se frequentemente outras imagens estereotipadas,
generalizantes, socialmente partilhadas como: é o país da
elegância, da alimentação refinada, do bom gosto, sempre
qualidades valorizadas no mundo atual e propagadas seja pela
imprensa brasileira seja pelos livros didáticos. (2003, p. 202)
Louis Porcher, em seu artigo L’enseignement de la civilisation en
questions (1982), chama a atenção para “os perigos da folclorização”,
pois os livros didáticos e o professor em sala de aula, ao selecionar na
cultura-alvo os traços mais espetaculares e mais estereotipados sem
se preocupar em saber se são efetivamente os mais representativos e
pertinentes, legitimam uma cultura reduzida e fracionada. Daí o fato
de muitos alunos acabarem por reproduzir a fala de outrem ou a idealização de ‘lugares’ e ‘sensações’ que dão a impressão de que só no lugar
do outro se cria o espaço para que ele se realize.
Se alguns idealizam porque nunca estiveram lá, outros demonstram
uma certa familiaridade com o local, saem do lugar-comum, deixam de
lado as imagens associadas ao desejo e ao sonho para compartilhar a
experiência que só quem vivenciou pode dizer que a França é “caminhar
de Saint-Michel para Montparnasse às duas da manhã”. Nessa frase não
estaria também representado o desejo de identificação com algo que
pertence ao outro e ao qual se teve acesso? Traduz-se aí a ideia de que
não se trata de alguém que só anseia concretizar o seu desejo (conhecer a
Alcinéia Emmerick de Almeida, Aspectos da alteridade na aprendizagem...
101
França), mas de que ele foi realizado e isso se traduz num diferencial de
identificação ‘natural’ com aquilo que é ‘natural’ do outro, e que a zona de
conforto de sua identidade cultural é expandida até onde o outro habita.
Em relação à questão do que não se gosta na França, as respostas
permitem entrever representações negativas em relação a questões de
imigração e de subsídios agrícolas que demonstram a atualização desses
respondentes com as questões de política externa francesa; em relação à
distância geográfica, cujo aspecto negativo só ressalta o desejo do outro, é
como se dissessem que, se a França fosse mais perto, estariam sempre lá,
dando a entender de que aqui onde estão não é onde gostariam de estar,
não é onde se realizam; em relação ao costume de “tomar pouco banho”,
a locução prepositiva “apesar de” tem a função de atenuar, de relativizar
um estereótipo cuja fonte propagadora o respondente desconhece.
As respostas dadas em relação às semelhanças (Q10) e às diferenças
(Q13) entre a França e o Brasil revelam
a) o Brasil como lugar da realidade, do presente, dos sistemas e
organizações que não funcionam, em oposição à França como
lugar do sonho, do futuro e onde tudo funciona: A França é
o Brasil amanhã. A França já chegou no futuro (R5) / A França
está no sonho, o Brasil na realidade... (R3) / A França valoriza
mais a cultura que o Brasil (R9).
O Brasil foi menos mencionado do que a França, apesar de que,
mesmo quando não explicitado, ele aparece como o que não é, o que não
tem, em relação ao outro. Assim, se “a França tem um sistema social que
funciona, instituições fortes e sólidas” (R2), é porque o Brasil não tem.
b) a valorização dos aspectos naturais do Brasil: a quantidade de
florestas, as belezas tropicais que ainda nos restam, a fauna e a flora
brasileiras (R10) / o clima interfere em várias diferenças (R6).
O não-dito (o que a França não tem) aparece aqui inversamente
ao que foi explicitado acima sobre a França. É como se, de tudo que o
Brasil não é, restasse ao menos o que a natureza generosamente lhe deu.
A dificuldade de encontrar semelhanças entre os dois países permite
entrever a distância que ocupam um do outro nas representações dos
102
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
alunos e de como o sonho e a realidade são difíceis de se aproximar. A
valorização e solidez das instituições, da cultura e o funcionamento do
sistema social revelam o desejo de um dia o Brasil ser tão desenvolvido
quanto a França, o que denota um certo sentimento de inferioridade
em relação a sua história política e cultural.
É claro que a mídia é responsável por grande parte da ‘superprodução’ das ‘credenciais’ de luxo, requinte, savoir-vivre e efervescência
cultural associadas à França, compartilhadas e veiculadas no mercado
interno e externo; nisso, o mundo tem conseguido se tornar uma ‘aldeia
global’, uma vez que encontramos cada vez menos países como exceção
do exercício da prática de merchandising cultural global.
A representação de que o bem-estar e a felicidade podem ser encontrados alhures e de que no país de origem isso é sempre mais difícil
não traz nenhuma novidade (Coracini, 2003). No entanto, algumas
respostas dão conta de uma voz mais crítica em relação a posturas
políticas do governo francês, por exemplo, em relação à situação dos
imigrantes e em relação a subsídios agrícolas.
O item a seguir diz respeito às questões e respostas sobre características de comportamento e identidade de ambas as nacionalidades.
Dos franceses e dos brasileiros
As respostas às questões – Ser francês é... (adjetivos, frases) (Q2) /
Comportamento: os franceses são... (máximo de 5 adjetivos)
(Q16) / Em relação aos franceses eu gosto... (atitudes, comportamentos,
características) (Q5) / Em relação aos franceses eu não gosto... (atitudes,
comportamentos, características) (Q8) – remetem
a) à oportunidade de acesso à cultura, à educação, ao fato (para
uns, fator sorte) de terem nascido na Europa.
Nesse item, as representações da identidade do francês vão da
aceitação do aspecto contingencial (“é nascer na França”- R4, R8),
cuja apreciação designa uma visão menos estereotipada em relação às
outras respostas dadas; passam pela marcação da diferença – dizer o que
o outro é significa dizer o que ele não é, demarcando a fronteira dessa
relação não-identitária (“Ser francês é não ser brasileiro.... é não comer
Alcinéia Emmerick de Almeida, Aspectos da alteridade na aprendizagem...
103
feijoada aos domingos religiosamente, não ver a Copa religiosamente,
não ter que aturar novela nem samba nem calor nem gente falando com
você na rua...”- R3) e revelam o conflito com sua etnia e com o lugar
que o outro ocupa (“dá inveja da sua pele branquinha e da sua sorte de
ter nascido na Europa”- R3). A ‘inveja’ da cor da pele e do lugar que o
francês ocupa geograficamente no mundo confirma a tese de Ernesto
Laclau (1990) de que toda identidade tem necessidade daquilo que lhe
falta, o que, segundo o autor, implica o reconhecimento radicalmente
perturbador de que é apenas por meio da relação com o outro, da relação
daquilo que não é com precisamente aquilo que falta que a identidade
pode ser construída.
Dentro da abordagem feita pelos Estudos Culturais em relação
ao conceito de identidade, a diferença e a identidade estão em estreita
dependência. Marisa Grigoletto (2001), em estudo realizado com alunos
de Letras-Inglês, dentro dessa mesma perspectiva, afirma que
[...] o contato com a nova língua e cultura causa o retorno do
olhar sobre si mesmo e sobre a sua cultura. Esse movimento
de retorno instaura o espaço da diferença, significando que a
própria representação de si é afetada pela comparação com o
outro (o estrangeiro ou a língua estrangeira). (Grigoletto,
2001, p. 138)
b) a aspectos positivos, tais como seu engajamento e espírito
de luta por seus direitos: – Gosto de como defendem sua língua
(R10) / Ser francês é saber lutar por seus direitos (R7), além de
serem gentis e desfrutarem do que há de melhor para ser consumido.
No que diz respeito à gentileza e boa educação, as representações
se mostram bem variadas, pois, dependendo das experiências pessoais,
do que é absorvido pela literatura, pelas experiências de outros, do marketing etc., podem ser vistas tanto como algo que o francês tem quanto
que não tem (item c).
Os estereótipos em relação ao modo de vida dos franceses são abundantes. Ora, “a vida confortável”, “os cafés”, o “perfume”, “ser chique”,
“ler muito” (R3, R6, R10) e todo o ambiente intelectual evocado não são
apenas imaginação, existem sim, mas não representam o status quo de
104
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
todos os franceses e, na maioria das vezes, são veiculados apenas como
parte do glamour das grandes cidades (principalmente Paris).
c) a aspectos negativos, tais como a xenofobia e atitude com os
imigrantes, serem mal-educados, esnobes, resmungões e mal-humorados.
Neste item, temos as representações negativas associadas aos franceses e enunciadas tanto de forma mais categórica – “xenófobo” (R10),
“complicado” (R5), “egocêntrico” (R9), “resmungão” (R1), “metido,
mal-educado” (R6), “ar esnobe” (R7), quanto de forma mais amenizada, abrandadas pelo adjetivo “aparente” (R7) e pelas expressões “ouvi
dizer”, “dizem que” (R10) que delegam o julgamento emitido a sua
procedência externa.
As respostas relacionadas às semelhanças (Q11) e às diferenças
(Q14) entre os franceses e os brasileiros revelaram
d) que ambas as nacionalidades gostam de aproveitar os bons
momentos que a vida proporciona;
e) que os aspectos culturais e identitários são os que mais distanciam os brasileiros dos franceses.
O enunciado (R5Q16) – “os brasileiros são desorganizados, alienados, desinteressados, imaturos, sonsos” – exemplifica bem o embate
mordaz entre a imagem positiva do outro (de forma implícita) e a
imagem negativa da própria identidade cultural, desviada para a terceira
pessoa do plural – os brasileiros, eles – talvez para escapar do fragmento
negativo do enunciado que lhe cabe sendo também brasileira. Somente
a hospitalidade aponta para o cume da autoimagem positiva, sem direito
a comparação – “a hospitalidade brasileira não tem comparação em
nenhum país do mundo” –, e o orgulho de ser brasileiro.
Quando os alunos comparam o brasileiro com o francês, deixam
entrever uma certa desvalorização e frustração pelo lugar e pelo tipo
de vida que vivem; acham que os franceses são privilegiados por terem
nascido num continente e num país mais evoluído, tendo acesso a bens
de consumo e culturais de melhor qualidade. As únicas respostas que
destoam são (Q5R9), ao valorizar um aspecto positivo motivado pelo
desejo bem menos altruísta de subjugar povos e nações – “Gosto da
Alcinéia Emmerick de Almeida, Aspectos da alteridade na aprendizagem...
105
vontade que eles têm de instruir, atitude que infelizmente foi utilizada
como pretexto para a colonização” – e (Q2R4), ao desmistificar o fator
emblemático de uma nacionalidade privilegiada e detentora de uma
civilização incomparável – “Na minha opinião, ser francês é somente
nascer na França. É uma nacionalidade como qualquer outra, um cidadão
francês está exposto a facilidades e dificuldades vivendo na França, assim
como em outros países do mundo; talvez ser francês seja disponibilizar
de melhores oportunidades de acesso à cultura”.
Em seguida, os aspectos linguísticos são levados em conta nas
questões e respostas dadas.
Da língua francesa e da língua portuguesa
As respostas às questões – A língua francesa é... (adjetivos) (Q3) /
Em relação à língua francesa eu gosto... (características, obras)
(Q6) / Em relação à língua francesa eu não gosto... (características,
obras) (Q9) remetem, sobretudo:
a) a sua beleza, elegância, sonoridade, utilidade nos estudos,
principalmente de humanidades, mas também ao fato de ser
difícil de falar, entender e escrever;
A imagem do aluno com relação à língua de aprendizagem mostra que o confronto “com outros modos de estruturar as significações
do mundo que se apresenta como múltiplo, polifônico e construído”
(Coracini, 2003, p. 155) não é tarefa fácil. “Falar ou escrever, ler ou
ouvir em qualquer língua significa produzir sentido e isso só se dá a
partir da história de cada um, das vozes (experiências, reflexões, outras
leituras, discussões, valores, crenças) que, pouco a pouco, vão constituindo e alterando a subjetividade” (Coracini, 2003, p. 134). Assim,
a língua do outro é “difícil de falar, complicada de entender” (Q3R3),
mas é “linda de ouvir e ler” (Q3R3), é “instigante” (Q3R6); “tem muitos
acentos” (Q9R10), é “complexa” (Q3R10), mas ai “de quem a trata mal
e escreve sem clareza” (Q9R5), além de ser difícil pensar “que haja algo
para não se gostar” (Q9R10 e Q9R3).
106
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
b) suas manifestações estéticas e literárias – Em relação à língua
francesa, eu gosto da poesia (R2) / Adoro estudar gramática, mas
aprecio demais a literatura, desde os clássicos do teatro até os poetas
contemporâneos como Jacques Prévert (R6).
Principalmente para o estudante de Letras, língua e literatura caminham juntas e, no que tange à língua francesa, é quase como se sua
literatura de prestígio internacional incontestável estendesse o mesmo
prestígio a seus leitores e estudiosos. Apreciar e vincular o gosto a uma
literatura tão renomada como a francesa é compartilhar desse prestígio
e ser associado a ele. Não se deve esquecer que, na história do Brasil e
de sua escolaridade, a língua francesa sempre foi sinônimo de acesso a
uma grande literatura.
As respostas às questões que tratam das semelhanças (Q12) e das
diferenças (Q15) entre as línguas francesa e portuguesa indicam
a) a sua proximidade devido ao latim e
b) as suas diferenças de sonoridade, ortografia e sintaxe.
A representação de uma língua portuguesa menos rígida na sua
estrutura do que o francês encontra-se enunciada em (Q15R5) – “o
português brasileiro é mais dinâmico e adaptável, isto é, se molda melhor diante de mudanças”, e em (Q15R10) – “embora algumas pessoas
falem que o português é uma das línguas mais difíceis, o francês não
fica atrás; há muitos acentos e muitos tempos verbais, muitas particularidades, o que dificulta o aprendizado”. O julgamento emitido em
relação à característica de ‘difícil’ do português pressupõe a procedência
de várias vozes externas – “algumas pessoas”, que evitam a emissão de
um juízo de valor pessoal sobre sua própria língua.
Sobre a língua francesa, os adjetivos positivos utilizados para
descrevê-la superam qualquer problema ou dificuldade de ordem ortográfica ou de pronúncia. O fato de ela ser difícil, mas “tão encantadora
que eu nunca pensei em desistir dela” (Q9R3) ou “tão linda de ouvir
que qualquer um se encanta quando você fala” (Q6R3), ou ainda “eu
não gosto de quem a trata mal e escreve sem clareza” (Q9R5), aponta
para uma percepção de língua que deve corresponder aos anseios e
expectativas dessas pessoas e, certamente, toca em atitudes incons-
Alcinéia Emmerick de Almeida, Aspectos da alteridade na aprendizagem...
107
cientes que expressam veneração e admiração pelo outro e pela língua
do outro. Mais uma vez, como nos outros tópicos abordados, a maior
parte das definições e relações da língua francesa com o português se
revestem de imagens estereotipadas (“bela, sonora, romântica, musical,
articulada” etc.) de busca de prazer, de realização de desejos, que talvez
escapem na relação com a língua materna.
Considerações finais
Em todos os itens apontados, fica evidente como as representações
podem aproximar-se mais (ou menos) de clichês e de estereótipos
culturais apreendidos em fontes diversas (livros didáticos, contato com
locutores franceses, experiência de imersão no país, literatura, cinema,
internet...) ao longo das experiências vivenciadas de forma profunda ou
superficial no encontro com a língua e a cultura estrangeiras. A visão
de mundo constitui-se de um conjunto de representações através das
quais uma comunidade nacional, um grupo social ou um indivíduo
apreendem a realidade que os cerca e interpretam-na em função de
suas preocupações interculturais (Auger, 2001).
Apesar das respostas curtas e pontuais, em sua maior parte, elas
constituíram um filtro por meio do qual muito pode ser revelado sobre
a visão de mundo e as representações que os aprendizes fazem da sua
cultura, da cultura-alvo e da relação que estabelecem com as mesmas.
A variação entre respostas que mostram desde uma percepção mais
crítica e acurada do ambiente cultural próprio e do outro, da própria
identidade e da do outro, a respostas que repetem clichês e estereótipos
encravados nos ‘aspectos típicos e naturais’ que caracterizam a própria
identidade e a do outro, deixaram entrever um aspecto desigual e desestabilizador.
Ora, a maior parte das considerações feitas pelos alunos – seus desejos, sonhos projetados em um ‘país das maravilhas’ ou ‘país-maravilha’
– não são praticamente os mesmos que os livros didáticos de FLE vêm
semeando anos a fio, independentemente da abordagem em voga?
Poucos alunos exercitaram um posicionamento mais reflexivo em
relação ao modo como apreendem as questões identitárias concernentes
ao seu próprio universo cultural e ao do outro. A percepção de uma
108
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
França mais próxima da realidade, mais plural, com suas idiossincrasias
e nem por isso menos atraente ficou restrita a poucas respostas. Estas
revelaram um olhar mais crítico de quem acompanha mais de perto os
acertos e os passos em falso de uma sociedade plural e heterogênea, seja
pelo fato de já terem estado no país, pela convivência com franceses,
ou por buscarem sempre informação sobre o que acontece ao seu redor
(ou todos esses fatores combinados).
Com a constituição de tal arcabouço representativo da percepção
que esses alunos têm de seu contato com a alteridade através do seu
processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, não é tarefa fácil
para o professor mediar essa relação complexa com a língua. O próprio
fato de querer e poder levar o aluno a uma reflexão sobre a heterogeneidade que constitui a língua – cultura local e a língua – cultura do outro
pode provocar nele, professor, deslocamentos (sem ‘desmoronamentos’,
de preferência) em sua maneira de pensar e agir no contato e encontro
com o outro – estrangeiro ou não. Numa abordagem que contempla os
estudos culturais e interculturais, vislumbra-se uma didática das línguas
estrangeiras desvinculada de uma visão triunfalista, hegemônica, unilateral e neutra, e mais crítica, reflexiva e próxima do mundo real das
línguas – culturas em contato.
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On joue!?
O jogo e a atividade teatral como ferramenta pedagógica
para prática e aprendizagem de língua estrangeira
Amarílis Aurora Aparecida Valentim
Estudar o papel da prática lúdico-improvisacional no ensino de
línguas é fruto de um interesse desabrochado desde o início de nossa
vivência com a língua estrangeira (LE). Inicialmente, observando práticas e experimentando a língua-alvo por meio das propostas de antigos
professores. Em seguida, refletindo sobre a prática docente em nossa
formação em Letras pela Universidade de São Paulo.
Outras experiências vieram ainda contribuir com a reflexão sobre
a prática docente, como, por exemplo, o período no qual atuamos junto ao Minicurso da Faculdade de Educação (FE-USP) e aos Cursos
Extracurriculares de Francês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH-USP), permitindo um olhar voltado ao ensino
112
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
da língua estrangeira como uma experiência motivadora, interativa e
significativa a seus participantes.
Em nossas atividades docentes passamos a desejar ensinar de forma a “dar voz ao aluno de modo que ele [pudesse] se constituir como
sujeito do discurso e, portanto, da aprendizagem” (Brasil, 1998, p. 15).
Buscamos “[...] um modo de ensinar a prática da estrutura pela prática
da comunicação” (Courtillon, 2003, p. 6; tradução nossa).
A maneira experienciada para atingir tais objetivos foi o contraponto
entre o real e o imaginário, entre o discurso em potencial e as situações
simuladas das improvisações teatrais, entre a seriedade do ensino e o caráter duplo do sério e “não-sério” da atividade lúdica como apontado por
Johan Huizinga (1990), almejando propiciar o fazer e o partilhar na LE.
O jogo, por ser “uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a experiência” (Spolin,
1978, p. 4; tradução nossa), auxilia no próprio processo de ensino-aprendizagem, o qual também passa pela vivência socioafetiva.
Diante de grupos relativamente numerosos, com um perfil muito
diferenciado entre os aprendizes e que apresentavam interesses e motivações distintos, era premente a formação de uma noção de grupo que,
nos termos morenianos, significa não uma simples junção de indivíduos
com objetivos pessoais, mas verdadeiros “encontros” (rencontres), a
reunião de aprendizes vivenciando a língua estrangeira em um ambiente
de cooperação, interação e crescimento pessoal e coletivo.
O jogo, ao mesmo tempo em que abre para esse contexto de
troca e experiência, de uso obrigatório da língua estrangeira, como dizem Jean-Marc Caré e Francis Debyser (1991), vai, no seu acontecer,
lançando as bases de sua própria realização.
Neste capítulo, apresentamos algumas reflexões no âmbito do uso
de jogos e improvisações para o ensino de FLE com base em nossa
pesquisa de mestrado (Valentim, 2008).
A linguagem lúdico-teatral e a educação: representações
Abordar a educação pelo teatro e/ou pelos jogos não é algo novo.
Cada época privilegiou um modo de ensinar segundo seus valores,
seu contexto social, sua maneira, portanto, de compreender o homem
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, On joue!?
113
e o mundo. E o olhar lúdico-teatral foi, desde a Grécia, um desses
modos.
Passando de “herói” a “vilão” e, vice-versa, o teatro e o jogo foram
no âmbito educacional relacionando-se ao longo dos tempos com outras áreas de conhecimento e contribuindo para o desenvolvimento de
habilidades, competências e virtudes na formação de atores-sociais ou,
em termos menos atuais, de cidadãos.
Entre as imagens e representações da prática lúdico-teatral na
educação forjadas no decorrer dos tempos tem-se, por exemplo:
• agente de formação moral, instrumento de moralização através
do entretenimento;
• meio de desenvolver habilidades importantes à capacidade
oratória (Quintiliano apud Aranha, 1996);
• um simples momento de lazer, de “relaxamento após trabalho
sério” (Courtney, 1980, p. 9);
• concepção lúdica voltada à educação infantil.
O uso da atividade lúdico-teatral, entretanto, não se restringiu nem
à transmissão de valores morais nem ao contexto infantil apenas. Ele
se fez presente em diversos momentos da história do ensino de língua
estrangeira, sendo as atividades inseridas também no contexto escolar
adulto e com o intuito de levar os aprendizes a um aperfeiçoamento
linguístico e/ou comunicativo. Essas iniciativas se concentraram mais
nitidamente no século XX, com abordagens como a: SGAV (StructuroGlobale-Audiovisuelle), a Comunicativa, a Sugestopedia e a PDL
(Psicodramaturgia Linguística), que permitiram mudanças significativas
na concepção de língua e ensino e abriram espaço para o lúdico e as
atividades teatrais.
Nos anos pós-segunda guerra mundial, com a necessidade de se
formar falantes experientes em LE, o objetivo central das metodologias passou a ser ensinar a língua para favorecer a comunicação. Esse
direcionamento implicava repensar o conteúdo e a forma de ensino, o
papel de professores e alunos e as relações em sala de aula.
As abordagens e reflexões que se seguiram a esse período foram
importantes para o trabalho com a linguagem lúdica e teatral em sala
de aula. Apesar disso, muitas das representações anteriormente apre-
114
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
sentadas continuaram e continuam a permear o imaginário de alunos
e professores, o que exige uma re-significação da relação teatro, jogo e
educação.
No ensino adulto, sobretudo, é importante reconstruir essa relação
de forma que ela se torne significativa e entendida como possível, uma
vez que para muitos ela é restrita ao contexto infantil ou a momentos
de diversão. Para que ela se torne claramente um meio de aprendizagem
eficaz e de interesse dos aprendizes adultos é fundamental uma vivência
lúdico-improvisacional efetiva. Propor um jogo ou uma atividade teatral
simplesmente não basta. Faz-se necessária a integração dos jogos e das
atividades teatrais à metodologia do professor, constituindo um projeto
sério e contínuo para que os alunos tenham um real contato com esse
tipo de proposta.
Em nossos trabalhos no ensino da língua francesa, percebemos a importância de se criar um ambiente favorável à introdução da linguagem
teatral em sala de aula, sendo imprescindível criar um percurso para essa
introdução. Vimos a necessidade de se construir um cenário lúdico em
que os indivíduos se sentissem motivados a aprender e a fazê-lo de uma
forma com a qual muitos não estavam acostumados, ou não se sentiam
à vontade devido a certa insegurança em se expor diante dos colegas,
provocada muitas vezes pelo medo da reprovação alheia.
Nesse contexto, é importante propiciar atividades que favoreçam
o sentimento de grupo, incentivem a participação e estimulem a autoconfiança.
Foi trilhando esse caminho de continuidade e de projeção das atividades em sequências temáticas com objetivos linguísticos e comunicativos claramente estabelecidos que pudemos, com os alunos, compreender
a dinâmica própria desse caminhar e vivenciar seus benefícios, alguns
dos quais apresentamos na sequência.
A perspectiva lúdico-teatral e o ensino de língua: por quê e como
No trabalho com a linguagem lúdica somos muitas vezes questionados do por quê fazê-lo e dos benefícios existentes para além do prazer
intrínseco ao ato de jogar, questões essas associadas, provavelmente, à
imagem histórica do lúdico como mera atividade de passatempo.
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, On joue!?
115
É certo que o lúdico traz consigo essa atmosfera de divertimento,
o que o faz ser considerado por muitos como uma atividade oposta ao
trabalho “sério” e, por consequência à vida adulta, o que está em certa
medida relacionado à própria etimologia das palavras iludere, ilusio, que
significa “ilusão”, e da palavra jogo, iocus, cujo significado seria “zombaria”
ou “gracejo”.
Esse caráter “não-sério”, que leva muitas vezes ao seu descrédito,
foi contestado por Huizinga (1990, p. 10), que o contrapõe a uma seriedade inerente ao próprio jogo, o qual, segundo o mesmo autor, dispõe
da capacidade de absorver por completo o jogador, ao mesmo tempo
em que o deixa livre para interromper a partida a qualquer momento e
iniciar uma outra ação, combinando, assim, a leveza do divertimento a
um certo rigor imposto pelas regras que o definem. “[O] jogo combina
as ideias de limite, de liberdade e de invenção”, ressaltando ainda que
tanto a capacidade como a necessidade de jogar fazem parte de nossa
identidade, sendo que “o jogo é uma função da vida” (Huizinga, 1990,
p. 11). Entre suas qualidades está também o fato de reforçar ou aperfeiçoar determinada capacidade física ou intelectual e é pelo caminho
do prazer ou da obstinação que torna fácil o que em princípio poderia
ser difícil ou extenuante.
Outra característica positiva e motivadora do jogo é que “toda
nova partida aparece como um princípio absoluto, nada está perdido e,
antes de recriminar-se ou lamentar-se, o jogador tem a possibilidade de
redobrar seus esforços” (Caillois, 1994, p. 18; tradução nossa).
Com isso, as barreiras encontradas no uso da língua podem, pela
prática, ser amenizadas sobretudo quando o aprendiz passa a ter uma
postura mais flexível diante delas, sabendo que ele pode sempre recomeçar e lançar mão de outras estratégias a fim de obter êxito.
O jogo se torna ferramenta favorável ao ensino-aprendizagem de
língua estrangeira na medida em que dá aos aprendizes as mesmas
oportunidades de atuação, sendo que cada qual trabalhará segundo
suas próprias habilidades, utilizando-se de elementos diversos e estabelecendo os elos que lhe parecem mais adequados à execução da tarefa.
Essas, entre outras características, fazem da combinação jogo-ensino-aprendizagem uma maneira muito rica de se trabalhar o processo de aquisição da língua estrangeira. E não apenas isso, significa
usufruir de uma intersecção existente entre o jogar e o aprender, pois “o
116
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
saber se constrói fazendo o conhecimento do outro, e a operação de tornar
próprio o conhecimento do outro só se pode fazer jogando [...] Não pode
haver construção do saber, se não se joga com o conhecimento. Ao falar de
jogo, não estou fazendo referência a um ato, nem a um produto, mas a
um processo” (Fernández, 1991, apud Silva, 2003, p. 29, grifo nosso).
Jean-Marc Caré e Francis Debyser (1991, p. 27) também ressaltam
os benefícios do jogo na aprendizagem; segundo os autores, “a língua
está no discurso dos jogos e sobre os jogos. Ajudar a aprendizagem é ir
do discurso ao discurso passando pela língua por atalhos eficazes. Eis
o que os jogos permitem”.
Se considerarmos ainda que o ensinar
[...] é colocar em contato sistemas linguísticos e as variáveis
da situação referentes à psicologia do indivíduo e a um
funcionamento social geral [e que], ao começarmos a aprender
uma língua, nós a adquirimos e a praticamos em um contexto
biológico, biográfico e históricoo. (Martinez, 1996, p. 8;
tradução nossa),
precisamos de práticas pedagógicas que considerem a totalidade do
aprendiz, que envolvam as suas habilidades cognitivas, motoras, que
evoquem sua realidade ao mesmo tempo em que propiciam abertura
para seus ideais, seus sonhos, sua imaginação e criatividade, papel que
os jogos e as atividades teatrais podem cumprir com excelência.
Do mesmo modo, se consideramos a aprendizagem como experiência
vivida pelo aluno com a LE, com os colegas e consigo mesmo, associada
à forma de organização interna dessas experiências, a abordagem lúdico-teatral é capaz de propiciar esses encontros e de favorecer esse ambiente
experimental e de troca de savoirs, de savoir-faire e de savoir-être.
Ao aluno é dada a oportunidade de vivenciar a LE, de ordenar e
estruturar seu conhecimento linguístico, social, cultural, de mundo e
afetivo e ao professor cabe mediar essa experiência.
O uso de jogos e atividades de improvisação “regrada” (com base
em regras pré-definidas) possibilita aos aprendizes o exercício de sua
autonomia na resolução do problema proposto. A cada um e a seu grupo
cabe percorrer o caminho que julgar mais pertinente para a realização
da tarefa, escolhendo, agindo, praticando. O professor apenas observa
atento, pronto para auxiliá-los quando necessário. O papel principal é
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, On joue!?
117
do aluno, que deve tomar suas decisões e fazer escolhas, respeitando,
porém, o acordo do grupo e as diretrizes estabelecidas.
Somos todos atores. Carregamos em nós diferentes papéis
“O mundo inteiro é como uma cena da qual todos nós somos atores. Cada um é ator de sua própria vida e encena diferentes papéis que
dependem das situações e de quem dá a réplica” (Shakespeare apud
Ancelin-Schutzenberge, 1992, p. 6; tradução nossa).
Para Jacob Levy Moreno (1975, 1983), todos temos conosco uma
série de papéis atuais, passados ou potenciais, que se reativam mediante
as situações.
Nesse sentido, também a comunicação humana passa pelos diferentes papéis assumidos (consciente ou inconscientemente). Por consequência, a comunicação não pode ser considerada independente das
situações e dos papéis implicados, assim como não pode ser um mero
cumprimento de um sistema de regras combinatórias e suas exceções.
Ela requer, ao contrário, escolhas condizentes às situações e aos papéis
vividos pelo sujeito e adequadas às intenções de comunicação, de onde
também a validade dos jogos e improvisações para o contexto de ensino de língua como espaço de experimentação e aprendizagem desses
diferentes registros.
Os jogos, desde a Grécia e a Roma Antigas, representam um treino às situações em que um dado papel venha a ocorrer (formação dos
futuros cidadãos, hoje dos atores sociais). Eles permitem a exploração,
a experimentação ou a mudança de um comportamento, além de levar
à reflexão individual ou coletiva a respeito dos comportamentos condicionados pelo papel escolhido.
A realização de um jeu de rôle (que traduzimos por jogo de papel)
proporcionaria ao aprendiz de LE exercitar-se em situações sociais ou
profissionais de forma a estar mais à vontade para concretizá-las fora
do contexto de jogo. É fazer a aprendizagem desses papéis socioprofissionais em local propício e privilegiado (a sala de aula), sem que haja
sanções reais ou prejuízos para além do âmbito escolar, de modo a ser
uma importante oportunidade para a aquisição de savoir-faire.
118
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
Para Anne Ancelin-Schutzenberger (1992, p. 52-53; tradução nossa),
a importância dos jogos de papéis está em poder propiciar “a passagem
de uma reação puramente intelectual [...] à situação vivida tal qual o
jogo de papel a realiza”, o que favorece o surgimento de uma distância
entre soluções meramente discursivas e a vivência entre o eu, o outro
e os imprevistos (emocionais inclusive) existentes nas interações reais.
Nessa perspectiva, no jogo, ocorre uma “participação afetivo-motora
ativa” dos jogadores.
No contexto de ensino de línguas, pode-se alcançar esse mesmo
benefício, garantindo ao aprendiz uma participação mais ativa e efetiva,
de forma a não restringir o conhecimento a saberes apenas racionais,
mas chegar a esse envolvimento do qual fala Ancelin-Schutzenberger
(1992) através da vivência com a língua estrangeira, passando por esse
“embate” natural mencionado pela autora entre o “eu-aluno”, os outros
e os imprevistos possíveis do ato comunicativo.
Como vantagem do uso dos jogos de papéis (e demais práticas
teatrais improvisacionais) como meio de animação pedagógica, tem-se
ainda que, ao se divertir, o aluno integra melhor os conhecimentos e
assimila melhor as informações. Ao representar pequenas cenas, situações simples, o aluno aprende em um “contexto que tem sentido global
[para ele]: as palavras estão associadas aos gestos, à situação, ao contexto,
às pessoas” (Ancelin-Schutzenberger, 1992, p. 58; tradução nossa).
Segundo Moreno (1975; 1983), o jogo permite “dar vida” ao ensino.
Por meio dele, as expressões “enlatadas”, “desvitalizadas”, as conservas
culturais, são “recolocadas em seu contexto total de expressão e comunicação, pessoal, inter-individual e sociocultural”. Com isso, o sujeito
integra de modo útil e ativo o novo conhecimento, além de ter o processo
de memorização favorecido, pois, no jogo são associadas “a memória
visual, motora, afetiva e social à memória escolar intelectual” ocorrendo
a mescla da função lúdica e da função de dados intelectuais e escolares.
O gosto pela matéria é despertado pela ação que o aprendiz realiza
em sala de aula, pelas decisões que é chamado a assumir frente a sua
aprendizagem, o que faz dele não um simples “aluno-passivo-espectador”, mas sim um “aluno-ativo-participante-ator”.
Pela vivência dos jogos e das improvisações os jogadores se beneficiam da criação “de sua própria realidade, [...] eles experimentam fazendo
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, On joue!?
119
uso de seu conhecimento de mundo e desenvolvem sua capacidade de
interagir com outras pessoas”, o que ajuda “os estudantes a encararem a
natureza imprevisível da linguagem” (Ladousse, 1987, apud Tabensky,
1997, p. 69; tradução nossa). E nesse sentido, os alunos centram-se no
processo e não no produto final.
Jogar não tem como objetivo, portanto, a montagem de um espetáculo. O jogo, antes de tudo, é uma “pedagogia do encorajamento (e não uma
pedagogia punitiva): os alunos são encorajados a se expressar, o que gera
um clima de relaxamento. A espontaneidade é solicitada e a concentração
se torna melhor porque a motivação é propiciada. [...] Os alunos têm a
sua disposição dados que são mais facilmente mobilizados a qualquer
momento” (Ancelin-Schutzenberger, 1992, p. 67; tradução nossa).
O jogo é também instrumento privilegiado para o autoconhecimento em grupo e em situação. Por ele, há a possibilidade
de ser o outro que não se compreende muito bem, de se conhecer
melhor, de se exercitar em diversos savoirs e savoir-faire e de ganhar
savoir-être, treinando-se à resolução de conflitos eventuais pela resolução de conflitos fictícios. Trata-se de uma “descoberta do real que se
faz através da simulação” (Ancelin-Schutzenberger, 1992, p. 55).
O “real” dos sentimentos, das situações futuras que por ora são incertas
ao aprendiz no que tange a sua performance linguística e seu domínio
da língua estrangeira.
Jogar e ser capaz de jogar consigo e com os outros envolve outras
competências que normalmente não são mobilizadas na sala de aula e
que não são correlatas com os “bons resultados” escolares. O benefício
desse ato está justamente nessa não correlação, pois muitos daqueles
alunos que se consideram fracos em gramática encontram seu espaço nas
atividades de criação e alcançam excelentes resultados. Eles se mostram
capazes de fazer uso da LE sem necessariamente estarem conscientes
das regras linguísticas que envolvem esse uso, mas conscientes, entretanto, das regras do jogo que permitem sua contextualização. Assim, o
jogo engendra necessidades que fazem com que não haja de um lado a
gramática e de outro o discurso, mas um se desenvolve a partir do outro.
A capacidade de envolvimento inerente ao jogar contribui ainda
para uma menor preocupação com o erro gramatical. Esse envolvimento
torna ainda mais proveitosa a experiência por colocar o aprendiz no foco
120
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
da ação, exigindo dele uma tomada de decisão que apenas a ele compete,
sem desconsiderar, entretanto, o fato de sua experiência individual se
associar a uma experiência coletiva, advinda da inter-relação proposta
pelo jogo, princípio básico da própria comunicação.
Enfim, compartilhamos com Spolin (1978) a valorização da experiência e da descoberta pessoal. Entendemos que aprender é mais do que
assimilar um determinado conhecimento ensinado. Aprender é elaborar
uma representação pessoal do conteúdo (objeto da aprendizagem), é fazê-lo
seu, interiorizá-lo, integrá-lo nos próprios esquemas de conhecimento
(Zabala, 2002).
O jogo é esse espaço! É o momento de uma liberdade pessoal que
nos coloca frente a frente com a “realidade”, permitindo-nos explorá-la.
Para concluir gostaríamos de dizer que “Além do clichê ‘jogar não é
trabalhar’, o jogo na classe de língua deve, pelo contrário, ser considerado
um trabalho produtivo e utilizado enquanto tal”1 (Decuré, 1994, p. 81).
Referências
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Secretaria de Educação, 1998.
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COURTNEY, Richjard. Jogo, Teatro e Pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1980.
Tradução nossa. Texto original: “Au-delà du cliché ‘jouer n’est pas travailler’, le jeu en classe
de langue doit au contraire être considéré comme un travail productif et utilisé tel quel”.
1
Amarílis Aurora Aparecida Valentim, On joue!?
121
DECURÉ, Nicole. Jouer? Est-ce bien raisonnable? Les jeux – Les Langues
Modernes, Paris, 1994.
FERNANDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica
clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. 2. ed. São
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SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1978.
TABENSKY, Alexis. Spontanéité et interaction: Le jeu de rôle dans l’enseignement
des langues étrangères. Paris: L’Harmattan, 1997.
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compartilhada: uma experiência em nível inicial de aprendizagem do francês –
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ZABALA, Antonio. Enfoque globalizador e pensamento complexo – uma proposta
para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
O desenvolvimento da produção oral em língua francesa
para alunos de nível básico
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira
Inegavelmente, ensinar, assim como aprender a língua francesa, é
uma atividade excepcional e ao mesmo tempo desafiadora. Excepcional,
pelo fato de resultar em uma nova contribuição para o indivíduo, às vezes
imperceptível de imediato, mas seguramente latente: a transformação
pessoal, mediante o convívio com o outro e a modificação da percepção de mundo, a partir da língua-cultura estrangeira. E desafiadora,
justamente por levar o indivíduo a perceber a existência da diversidade
e suas implicações nas situações interativas. No entanto, para alguns indivíduos, o desafio proposto pela diversidade pode ser introjetado como
um fator inibidor, impedindo sua interação com o grupo e repercutindo
no desenvolvimento de sua produção oral.
Constatamos, ao longo de nossos trabalhos com alunos de
nível básico de língua francesa, que aprender uma língua desperta o
indivíduo para o real, para si mesmo, para o seu próprio outro. Volta-o
para suas peculiaridades e exige dele transformações, algumas delas
conflituosas, mas também cria a oportunidade de transformar velhos e
incômodos procedimentos em hábitos novos. Mas, além disso, desperta
124
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
o indivíduo para a concretude, para a significância do outro, do outro
existente na própria língua materna e o leva a descobrir os intermináveis outros presentes em tudo e em todos, que se desvelam a cada
nova situação interativa, a cada novo olhar, a cada nova leitura de si
mesmo e dos outros. Segundo Marcos Pereira (1997, p. 42), “não há
como pensar a subjetividade sem pensar na ordem da coletividade, na
presença e convivência com outros sujeitos encarnados, que me afetam
e são afetados por mim”.
No contexto de nossa pesquisa de mestrado (Oliveira, 2008),
realizada com alunos da disciplina “Língua Francesa 2” da FFLCHUSP, observamos que, quando o aluno confrontava a diversidade sob
a sua perspectiva de existência com o outro e de realidade de mundo,
o que ele vislumbrava na diversidade, na maior parte das vezes, era um
elemento negativo e dissonante, em virtude das concepções que ele
aportava consigo para a sala de aula, acerca do ensino e aprendizagem
de uma língua estrangeira. E essa dissonância ficava muito evidente, à
luz da diversidade linguística, devido a sua convicção de que somente a
língua materna seria capaz de simbolizar, de forma autêntica e concreta,
o mundo. Na realidade, ao ser levado pela aprendizagem a confrontar a
outra língua-cultura, conforme afirma Christine Revuz (2006, p. 223),
“o que se estilhaça ao contato com a língua estrangeira no aprendiz é a
ilusão de que existe um único ponto de vista sobre as coisas”.
Frente a essa constatação, da existência de concepções diferentes
da sua de ver e de comunicar o real, deparávamo-nos com um aluno deixando de interagir e de se comunicar com o grupo-classe de
língua francesa, em defesa desse único ponto de vista sobre as coisas.
Pareceu-nos, naquele momento, que o processo de aprendizagem estava
fadado ao insucesso, em virtude do comportamento arredio desse aluno,
pois, de acordo com Marie-José Barbot e Geovanni Camatarri (1999,
p. 51), “é a dimensão interior, a subjetividade, que decide o sucesso do
processo de aprendizagem” (tradução nossa). Mas como poderíamos
fazê-lo participar das situações interativas de comunicação? Por que,
para ele, a diversidade era entendida como um obstáculo intransponível?
Como ensiná-lo a se comunicar em língua francesa, se ele se indispunha
a interagir? Foram essas indagações que nos estimularam a buscar uma
maneira para reverter tal situação tão inquietante.
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira, O desenvolvimento da produção oral...
125
Implicações da diversidade
Embora a sala de aula de língua estrangeira – no nosso caso, francesa – seja um meio social de convívio e aprendizagem, ela está distante
do fluxo de comunicação verbal da língua estudada. Isso exige que o
aluno construa um vínculo com esse espaço social a partir da situação
social vivenciada em classe, para que possa estruturar seus enunciados
no novo código linguístico.
No entanto, surpreendíamo-nos ao encontrar, nas primeiras aulas,
com nosso grupo de FLE, alguns alunos que, apesar de predispostos
a se comunicar, sentiam-se intimidados pela diversidade presente no
grupo-classe. Cogitávamos que talvez isso ocorresse pelas diferentes
expectativas e interesses dos participantes. Parecia-nos que as posturas e
comportamentos dos integrantes mais ativos da classe incitavam, nessa
minoria de intimidados, impressões e considerações equivocadas, acerca
do contexto experimentado em sala, justamente por ser diferente daquilo
que imaginavam que deveria ser a interlocução e o comportamento
dos participantes em uma classe de língua francesa. Segundo Mikhail
Bakhtin (2006, p. 117):
Através da palavra defino-me em relação ao outro, isto é,
em última análise, em relação à coletividade. A palavra é
uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela
se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se
sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor.
E, realmente, algumas aulas foram suficientes para que confirmássemos que a dificuldade experimentada estava na dificuldade de lidar
com o novo idioma. Conforme Paul Bogaards (1991, p. 124; tradução
nossa), “ver-se destituído, ainda que temporariamente, de seu poder
linguístico é, para a maioria dos aprendizes, algo inibidor”.
Sabemos que para a aprendizagem da língua estrangeira ocorrer
sem limitações, o aluno necessita mobilizar-se psico-física e cognitivamente. Essas três áreas precisam atuar sempre de forma integrada e
simultaneamente, pois a inatividade de uma delas poderá desencadear
um bloqueio diferente no processo de aprendizagem, afetando a aquisi-
126
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
ção da língua estudada. A esse respeito, Revuz (2006, p. 216-217, grifos
da autora) afirma que:
Objeto de conhecimento intelectual, a língua é também
objeto de uma prática. Essa prática é, ela própria, complexa.
Prática de expressão, mais ou menos criativa, ela solicita o
sujeito, seu modo de relacionar-se com os outros e com o
mundo; prática corporal, ela põe em jogo todo o aparelho
fonador. Sem dúvida, temos aí uma das pistas que permitem
compreender por que é tão difícil aprender uma língua
estrangeira. Com efeito, essa aprendizagem mobiliza, em uma
interação necessária, dimensões da pessoa que geralmente
não colaboram, nem mesmo convivem em harmonia. O
sujeito deve pôr a serviço da expressão de seu eu um vaivém
que requer muita flexibilidade psíquica entre um trabalho
de corpo sobre os ritmos, os sons, as curvas entoacionais,
e um trabalho de análise e de memorização das estruturas
linguísticas. É possível se levantar a hipótese de que muitos
dos insucessos podem ser analisados como uma incapacidade
de ligar essas três dimensões: afirmação do eu, trabalho do
corpo, dimensão cognitiva.
Acreditamos que, além da dificuldade para integrar as dimensões
psico-físico-cognitivas e desencadear a aprendizagem, a que nos parece
mais imediata é a do impacto ressentido pelo aluno quando se vê inserido
na realidade da língua estrangeira e é confrontado pela maneira diferente
que ela emprega para estruturar as significações de mundo. Essa diferença provoca no aluno um sentimento de insegurança e incerteza, justamente por tocar na complexa relação por ele estabelecida com sua
língua materna, que estrutura aquela que ele mantém consigo mesmo,
com os outros e com o próprio saber.
Com o tipo de aprendiz com que estávamos trabalhando, percebemos que seria preciso, num primeiro momento, fazer com que esse
aluno entendesse e aceitasse que a língua-cultura francesa inseria-o
numa realidade linguística que o distanciava da visão de realidade que
lhe era comunicada pela sua língua materna, pois, conforme Revuz
(2006, p. 223), “a língua estrangeira não recorta o real como faz a língua
materna. Essa construção que se impõe desde os primeiros momentos
da aprendizagem provoca com frequência surpresa e escândalo”. Num
segundo momento, devíamos fazer com que esse aluno assimilasse
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira, O desenvolvimento da produção oral...
127
essa diferença e se abrisse para participar da prática comunicativa, algo
que até então ele vivenciava a distância. Nessa perspectiva de atuação,
consideramos também, como parte integrante do processo de ensino,
a integração das dimensões psico-físico-cognitivas e criamos um tipo
de “clínica” para a expressão oral.
Desse modo, para que nossos objetivos fossem alcançados, esclarecemos para esse aluno com dificuldade comunicativa que a sala de aula
era um espaço de interação entre o real e o imaginário, intermediado por
valores e interesses diversos. Em meio a essa diversidade, que não era só
de ideias, mas também de atuação na vida social e de maneiras diferentes
de viver, ele estava imerso e, à medida que ele se comunicava, interagia
e aprendia com essa coletividade a língua francesa e, simultaneamente,
se modificava. Assim, procuramos estabelecer com ele um vínculo de
confiança, objetivando estimulá-lo a se relacionar, a não se afastar do
grupo, a trocar informações e a melhor conhecer os demais participantes.
Para tanto, fundamentamo-nos no interesse e, sobretudo, na necessidade
desse aluno em desenvolver a capacidade de se comunicar na língua
estudada. De acordo com Imídeo Nérici (1970), a necessidade é uma
mola que impulsiona o comportamento do indivíduo, e servimo-nos
dela para motivar esse aluno a transformar hábitos antigos em novas
possibilidades para avançar em sua aprendizagem.
Observamos, também, que ele conferia à língua-cultura estudada
e ao grupo-classe a responsabilidade pelas dificuldades que tinha em
interagir e em sua produtividade expressiva. A diversidade da sala de aula
era entendida por ele como excludente. Assim, subdividia o grupo-classe
em níveis diferentes de conhecimento de francês, de acordo com suas
impressões pessoais: os que sabiam muito, aqueles que sabiam pouco
e os que, como ele, acreditavam nada saber. Em vista disso, optava por
não participar e distanciava-se do grupo, comportamentos que, além de
repercutirem em seu ato comunicativo, também inibiam sua motivação e
autoestima, induzindo-o, às vezes, a pensar em desistir da aprendizagem.
Conforme Luiz Carlos Menezes (2006, p. 64), devemos levar os alunos a
Não segregar em níveis, mas valorizar as diferenças; não
domesticar para a obediência, mas emancipar para a
participação. Só que isso é mais fácil de prescrever do que de
128
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
praticar, já que a escola não é um oásis de cultura e de valores,
e sim parte da mesma complicada sociedade.
O confronto com a diversidade exige do aluno de língua estrangeira que ele aprenda a conjugar e harmonizar as diferenças de forma
construtiva, que não se exclua, tampouco fomente a exclusão. Para tanto,
o aluno precisa ser levado a perceber a necessidade de uma mudança
em sua maneira de pensar e agir, a fim de que a aprendizagem do novo
código linguístico seja, além de uma tarefa prazerosa e participativa,
a oportunidade de buscar autoconhecimento. Sem dúvida, isso
exige um esforço para romper barreiras, mas o resultado desse
duplo aprendizado é a satisfação de uma imensa transformação pessoal.
Nosso aluno precisava, primeiramente, começar a construir seu
conhecimento sobre a língua estudada e sobre si mesmo, participando
das situações de aprendizagem propostas, juntamente com os demais
integrantes da sala de aula de língua francesa para, depois, introduzir
em sua prática diária os novos hábitos de ação e reação que lhe propúnhamos, tanto dentro, quanto fora do contexto sociocultural da classe.
A esse respeito, Pierre Bange afirma que:
A perspectiva interacionista é necessariamente construtivista.
[...] A apropriação das línguas se faz por meio da comunicação.
É comunicando que se aprende a utilizar, pouco a pouco,
uma língua, isto é, um sistema linguístico e um conjunto de
convenções pragmáticas fundamentadas num sistema sóciocultural de representações e de saberes do mundo. (1992,
p. 52; tradução nossa)
Pudemos ver, efetivamente, que a interação, além de ser uma atividade prática de existência conjunta com o outro, também desempenha
uma função central no uso e na aprendizagem da língua, ou seja, na
recepção e produção de enunciados. Assim, observamos, muitas vezes, que a prática interativa ficava relegada a um segundo plano, em
virtude de o aluno priorizar a realização de atividades de recepção de
enunciados, em detrimento daquelas que eram estimuladas, ou das que
envolviam a produção e a interação. Consequentemente, isso atrasava o
desencadeamento do ato comunicativo na língua estudada.
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira, O desenvolvimento da produção oral...
129
Procuramos, então, levar o aluno a refletir sobre a necessidade de
interagir, para que pudesse, gradativamente, se apropriar do novo código
linguístico. Nesse sentido, vale ressaltar que o Cadre Européen Commun
de Référence (2001), em seu Capítulo 2, item 2.1.3, página 18, também
confere à interação um papel preponderante para o desempenho da
competência de comunicação, afirmando que “aprender a interagir
supõe-se mais importante do que aprender a receber e produzir enunciados” (tradução nossa).
O processo de ensino e aprendizagem implica uma ação-reação,
que pode ser vislumbrada no comprometimento, na participação e na
cooperação mútua entre todos os envolvidos nesse processo. Uma vez
desencadeada essa ação-reação, seu resultado é a interação, que não deve
ser percebida em classe como um aspecto pertinente somente ao aluno,
mas abrangente a todos. Assim, nas atividades propostas procuramos
instigar, constantemente, o aspecto interativo, mostrando a esse aluno,
através de nossa atuação, como fazê-lo. Objetivávamos com nossa ação
que o aluno tivesse um desenvolvimento pessoal e na língua francesa,
mas não isoladamente, e sim participando conosco e com o outro, cooperando mutuamente na construção da produção oral. As diversidades
foram empregadas de forma construtiva, a fim de promover o ensino, a
aprendizagem e a expressão oral. Acreditamos que uma sala de aula só
tem significância com um professor integrado ao grupo, que promove,
participa da interação e facilita o ensino e a aprendizagem.
Considerações finais
Nossa pesquisa deixou evidente que, nos primeiros contatos em sala
de aula com a língua francesa, a interação é vislumbrada, pelo aluno de
nível básico como sinônimo de confronto com o outro e consigo mesmo.
A sala de aula é para ele um espaço de segregação e intimidamento,
apesar de seu interesse e necessidade em aprender a língua e com ela
se comunicar.
As evidências dessa dificuldade em interagir, que repercutem
severamente no desenvolvimento da produção oral, são devidas às
convicções que esse aluno traz consigo a respeito do que vem a ser a
aprendizagem de uma língua estrangeira e ao fato de fundamentar-se
130
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
em suas impressões, na maioria das vezes inválidas, sobre o quanto este
ou aquele integrante do curso sabe mais sobre a língua estudada. Essas
considerações tornam vulnerável o seu emocional, fazendo com que se
sinta inseguro frente ao grupo-classe, o que o impede de (inter)agir e
desencadear a aprendizagem.
Frente a essa constatação, procuramos levar o aluno a aprender a
avaliar melhor a situação vivenciada em sala e a refletir sobre ela e sobre
sua atuação e a dos outros participantes, a fim de que formulasse novos
hábitos e padrões de comportamento para si, não tomando mais por
base impressões, mas fatos concretos.
As atividades propostas, para desenvolvimento da interação e da habilidade em trabalhar com a diversidade (cf. Oliveira, 2008), mostraram
que o aluno aprendeu o conceito de que ninguém se transforma sozinho
e passou a participar e cooperar com o outro e, obviamente consigo
mesmo, evitando a exclusão e o distanciamento durante as situações
de produção oral em sala. Esse desenvolvimento pessoal permitiu-lhe
que desencadeasse a aprendizagem da língua francesa mais facilmente
e começasse a pôr em prática o desenvolvimento da expressão oral.
Concluímos, assim, que não há como pensar em ensinar um aluno
a se comunicar em língua francesa se ele não se dispuser a participar
desse empreendimento, que envolve comprometimento e cooperação,
mas, também, a necessidade de integrar-se ao grupo e dele fazer parte,
interagir individual e convivialmente com todos os integrantes do curso e
abrir-se para participar das situações interativas de comunicação espontaneamente. Sem essa disposição, não é possível estabelecer um vínculo
de apoio e confiança mútua entre professor x aluno e aluno x aluno.
Desse modo, o sucesso da aprendizagem vai depender da disponibilidade do indivíduo para mudar hábitos antigos, perceber-se como
parte integrante do processo comunicativo, pôr em prática os conhecimentos prévios que possui e predispor-se a trabalhar, individual e
conjuntamente, rumo a um objetivo comum: a apropriação da língua
francesa. Essa apropriação se sedimentará com o intercâmbio social
inicialmente estabelecido em sala de aula. Nesse sentido, o primeiro
passo será introjetar, conscientemente, a necessidade de integrar-se
ao grupo para poder avançar na aprendizagem. O segundo, interagir
com o grupo por meio de uma ação cooperativa, mútua e convivial, a
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira, O desenvolvimento da produção oral...
131
fim de aprender e aplicar esses dois conceitos em todas as situações de
comunicação, dentro ou fora do âmbito da sala de aula.
Sem dúvida, no que se refere ao professor, ele precisará ter uma
flexibilidade e autorreflexão crítica constantes, para que se torne cada
vez mais perceptivo e receptivo em relação ao outro e ao grupo. Quanto
mais o professor conseguir perceber o outro-indivíduo-aluno, melhor e
mais forte será o seu relacionamento convivial com ele, melhor será o
entendimento que terá de seu aluno, de seu comportamento em sala de
aula, de suas dificuldades e expectativas quanto à aprendizagem, estabelecendo, mais rapidamente com ele, um vínculo estável de confiança.
Isso exige que ele saiba reestruturar e reavaliar sua ação-reação junto ao
grupo, refletir e mudar algumas vezes a sua abordagem, visando, cada vez
mais, a orientar melhor o aluno em suas dificuldades quanto à língua
aprendida, avançando juntos na proposta que têm em comum: ensinar
a comunicar e aprender a língua e a cultura francesa.
Referências
BAKHTIN, Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec,
2006.
BANGE, Pierre. A propos de la communication et de l’apprentissage de L2
(notamment dans ses formes institutionnelles). In: VÉRONIQUE, Daniel (Org.).
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Langues. Apprendre, enseigner, évaluer. Paris: Didier, 2001.
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NÉRICI, Imídeo Giuseppe. Metodologia do ensino superior. Rio de Janeiro: Fundo
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Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
MENEZES, Luís Carlos. Para os professores nada? Tudo! Revista Nova Escola, São
Paulo, v. 196, p. 20, out. 2006.
OLIVEIRA, Sônia Regina Nóbrega. Da dificuldade de produção oral à construção
do indivíduo-aprendiz-adulto em língua francesa. Dissertação (Mestrado) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PEREIRA, Marcos Villela. A estética da professoralidade – um estudo
interdisciplinar sobre a subjetividade do professor. 1997. Tese (Doutorado em
Educação) – São Paulo, PUC, 1997.
REVUZ, Christine. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco
do exílio. Tradução de Silvana Serrani-Infante. In: SIGNORINI I. Língua(gem) e
identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas: Mercado
de Letras, 2006. p. 213-230.
Sobre os autores
volume 1 – Coleção
Adriana Zavaglia é docente e pesquisadora da Área de Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP desde 2007.
Seu campo de interesse é a tradução e suas interfaces com a linguística
(enunciativa e de corpus), a lexicologia/lexicografia bilíngue e a terminologia/terminografia bilíngue. Possui graduação em Letras (Bacharelado
com Habilitação de Tradutor – Francês) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (1991) e mestrado e doutorado pela
mesma instituição (dissertação de mestrado: Vida e Obra de Freitas Valle
e Jacques d’Avray: o Mecenas e o Poeta sem História, 1994. Orientador:
Prof. Dr. Rogério Elpídio Chociay; tese de doutorado: Da invariância
da linguagem à variância das línguas: contribuição para a elaboração de uma
teoria enunciativa da tradução como um caso particular de paráfrase, 2002.
Orientadora: Profa. Dra. Letícia Marcondes Rezende). Realizou pós-doutorado em Estudos Tradutológicos pela Universidade de São Paulo
(Citrat/Fapesp, 2003-2006) e em Linguística – Teoria das Operações
Enunciativas pela Université de Paris VII (Fapesp, 2009). Publicou,
entre outros trabalhos, os livros Xeretando a linguagem em francês (em
coautoria com Cláudia Xatara e Maria Cristina P. Silva, São Paulo:
Disal, 2010) e Pequena introdução à Teoria das Operações Enunciativas
(São Paulo: Humanitas, 2010).
Alcinéia Emmerick de Almeida possui graduação em Letras
(Espanhol/Francês) pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado
(O ritual comunicativo na aprendizagem do francês língua estrangeira, 2002)
134
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
e doutorado (Por uma perspectiva intercultural no ensino-aprendizagem
do francês língua estrangeira, 2008) pela FFLCH-USP, ambos sob a
orientação da Profa. Dra. Cristina Casadei Pietraróia. Tem experiência
na área de Letras, com ênfase em francês língua estrangeira, atuando
principalmente com os seguintes temas: interações verbais e rituais comunicativos no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, e estudos
interculturais voltados para a didática das línguas e culturas. Publicou,
entre outros trabalhos, os artigos “A la recherche de pratiques pédagogiques réflexives dans l’enseignement des langues étrangères” (Dialogues
et Cultures, 2007) e “Os rituais comunicativos no ensino-aprendizagem
de uma língua estrangeira” (Horizontes de Linguística Aplicada, 2006).
Trabalha atualmente na Casa Civil do Governo do Estado de São
Paulo, na Unidade do Arquivo Público do Estado, dedicando-se à Ação
Educativa.
Amarílis Aurora Aparecida Valentim é professora de francês e de
português, atuando principalmente na área de metodologia de ensino
de francês língua estrangeira. Possui graduação em Letras (Português/
Francês, 2004) pela Universidade de São Paulo e mestrado no Programa
de Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês (A
vivência lúdico-improvisacional compartilhada: uma experiência em nível
inicial de aprendizagem do Francês – língua estrangeira, 2009. Orientadora:
Profa. Dra. Sabina Kundman) pela mesma instituição. Entre suas publicações, destacam-se os artigos “Improvisando e aprendendo a língua
estrangeira” (Anais do SETA, 2008) e “Análise Conversacional de entrevistas radiofônicas francesas” (em coautoria com Lúcia Zucchi e Daniela
Hirakawa, Letra Magna, 2007) e o capítulo “Práticas Teatrais no Ensino
de Língua Estrangeira: um caminho a trilhar” do livro Licenciaturas
em Debate: Ciência, Ensino e Aprendizagem (org. Cilento, Inociêncio e
Masson, São Paulo: Plêiade, 2009).
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia é docente e pesquisadora da
Área de Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
desde 1993. Atua nas áreas da leitura em língua estrangeira, do ensino-aprendizagem do francês língua estrangeira em diferentes contextos
e suportes, e da história do ensino do francês no Brasil, dedicando-se
Sobre os autores – volume 1
135
atualmente à pesquisa sobre os livros didáticos de francês no Brasil.
Foi presidente da Associação dos Professores de Francês do Estado
de São Paulo (APFESP, de 2001 a 2007), diretora (de 1999 a 2001) e
coordenadora de francês (de 1997 a 2008) do Centro de Línguas da
FFLCH-USP. Possui graduação em Letras (Bacharelado e Licenciatura
– Português/ Francês) pela FFLCH-USP (1986), mestrado em Sciences
du Langage pela Université Stendhal Grenoble 3, França (Autour de la
lecture: une étude critique de la méthode idéo-visuelle, 1990. Orientador:
Prof. Dr. Michel Dabène), e doutorado no Programa de Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês pela FFLCH-USP
(Léxico, leitura e construção do sentido em francês língua estrangeira, 1996.
Orientador: Prof. Dr. Patrick Dahlet). Publicou, entre outros trabalhos,
os livros Percursos de Leitura (São Paulo: Annablume, 1997) e Questões
de Leitura (São Paulo: Annablume, 2001).
Eliane Gouvêa Lousada é docente e pesquisadora da Área de Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP desde 2008.
Sua experiência profissional abrange o ensino de línguas por meio de
gêneros textuais, a formação inicial e continuada de professores e a
elaboração de material didático (francês, inglês e português) baseado
em gêneros textuais. Suas pesquisas concentram-se nas mesmas áreas
e também na análise de textos/discursos, sobretudo os que são produzidos em situações de trabalho educacional. Faz parte do grupo de
pesquisa ALTER (Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações), do
grupo LAF (Université de Genève) e é líder do grupo ALTER-AGE.
Realizou mestrado (As Interações de Formação: local de co-construção e de
constituição dialógica do sujeito, 1998. Orientadora: Profa. Dra. Maria
Cecília Camargo Magalhães) e doutorado (Entre o trabalho prescrito
e o realizado: um espaço para a emergência do trabalho real do professor,
2006. Orientadora: Profa. Dra. Anna Rachel Machado) pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, na área de Linguística Aplicada
e Estudos da Linguagem. Publicou, entre outros trabalhos, o livro O
professor e seu trabalho: a linguagem revelando práticas docentes (em coautoria com A. R. Machado e A. Ferreira, Campinas: Mercado de Letras,
2011) e a série de livros Resumo; Resenha; Planejar gêneros acadêmicos;
Trabalhos de pesquisa: diários de leitura para revisão bibliográfica (em co-
136
Ensino de L´ingua Francesa em Contexto(s)
autoria com Anna Rachel Machado e Lília Abreu Tardelli. São Paulo:
Parábola, 2004 e 2005).
Heloisa Albuquerque-Costa é docente e pesquisadora da Área de
Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da
USP desde 2008. Atua na área de Letras e de Línguas Estrangeiras
Modernas nos seguintes temas: formação de professores de francês,
ensino de língua francesa (presencial e a distância) e ensino de línguas
para objetivo universitário. Coordena o projeto “Discours universitaires
et préparation linguistique aux études en France” e o “Programa de
Licenciatura Internacional PLI-França”, além de integrar a comissão
elaboradora e executiva do projeto “Estudar em Francofonia/Étudier em
Francophonie”. Possui graduação, mestrado e doutorado pela FFLCHUSP. É autora do livro Reflexões sobre o ensino da literatura: da Poética
de Edouard Glissant às perpectivas de leituras rizomáticas (FFLCH-USP,
Série Produções Acadêmicas Premiadas, 2008) e organizadora, com
Mônica Mayrink, do livro Ensino e aprendizagem de línguas em ambientes
virtuais (São Paulo: Humanitas, 2013). Entre seus artigos destacam-se:
“Formation de professeurs de langues étrangères au Brésil: nouveaux
défis, nouveaux axes, nouvelles perspectives” (Synergies Brésil, 2009);
“Formation aux savoir-faire académiques” (Le Français dans le Monde.
Recherches et Applications, 2010); “Formation culturelle et linguistique
des étudiants brésiliens en mobilité universitaire en France: projet de
recherche de l’Université de São Paulo et de l’Université Lyon 2”, em
coautoria com Chantal Parpette (Synergies Brésil, 2013).
Maria del Carmen de la Torre Aranda é professora e pesquisadora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET),
área de Licenciatura em Língua Francesa e respectiva Literatura, da
Universidade de Brasília (UnB) desde 2011. Atua principalmente nas
áreas de ensino e aprendizagem do francês língua estrangeira para públicos universitários, formação de professores de línguas, ensino online e
aplicação de tecnologias digitais aos processos de ensino e aprendizagem.
É coordenadora do grupo de pesquisa “Tecnologias no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras” (TECLE) e da Área de Francês na UnB
Idiomas. Possui bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais pela
Sobre os autores – volume 1
137
Universidade Estadual de Campinas, Unicamp (1986), especialização
em Tradução Francês-Português pela FFLCH-USP, mestrado Erasmus
Mundus em Engenharia de Mídias para a Educação (EUROMIME
– Portugal, Espanha, França) (Apprentissages en ligne du français pour
publics universitaires. Médiations, Interactions, 2009. Orientador Prof.
Dr. Freiderikos Valetopoulos), e doutorado pelo Programa de Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos da FFLCH-USP (Interações
orais online no ensino do francês língua estrangeira: o projeto Cefradis,
2011. Orientadora: Profa. Dra. Cristina Casadei Pietraróia). Publicou,
entre outros trabalhos, o artigo “Blackboard: Interaction extra-muros”
(Dialogues et Cultures, v. 52, 2007) e participou do livro Le Français de
spécialité. Enjeux culturels et linguistiques (org. Bertrand e Schaffner,
Paris: Les éditions de l’Ecole Polytechnique, 2008).
Sônia Regina Nóbrega de Oliveira é professora de Francês Instrumental
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sua área de atuação e
pesquisa abrange as línguas estrangeiras modernas, seu ensino e aprendizagem, com foco na leitura e no francês língua estrangeira. Possui
graduação em Letras (Licenciatura Plena e Habilitação em Língua
e Literatura Portuguesa, 1984, e em Língua e Literatura Francesa,
2003; Bacharelado em Letras com Habilitação em Tradutor Francês/
Português, 2003) pela PUC/SP, e mestrado pelo Programa de Estudos
Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês da FFLCH-USP
(Da dificuldade de produção oral à construção do indivíduo-aprendiz-adulto
em língua francesa, 2008. Orientadora Profa. Dra. Cristina Casadei
Pietraróia). Entre suas produções, destacam-se as apresentações “O
Francês Instrumental de Leitura”, “Os Gêneros Textuais Escritos” e
“Expressão Oral e Afetividade Integradas ao Processo de Leitura em
francês língua estrangeira” (Seminário Internacional de Linguística da
Universidade Cruzeiro do Sul, SP, 2009 e 2011), e “Quando a Expressão
Oral é um Problema para o Aprendiz-Adulto” (55º Grupo de Estudos
Linguísticos-GEL, 2007, Franca-SP).

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