limites e possibilidades hermenêuticas do princípio da igualdade no

Transcrição

limites e possibilidades hermenêuticas do princípio da igualdade no
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DOUTORADO EM DIREITO
MILTON LUCÍDIO LEÃO BARCELLOS
LIMITES E POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE NO DIREITO DE PATENTES BRASILEIRO
Porto Alegre
2010
1
MILTON LUCÍDIO LEÃO BARCELLOS
LIMITES E POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE NO DIREITO DE PATENTES BRASILEIRO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em Direito na área de concentração Eficácia e
Efetividade da Constituição e dos Direitos
Fundamentais no Direito Público e Direito Privado.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Aronne (PUCRS)
Co-orientador: Prof. Michael Meurer (Universidade de Boston)
Porto Alegre
2010
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B424l Barcellos, Milton Lucídio Leão
Limites e possibilidades hermenêuticas do princípio da
igualdade no direito de patentes brasileiro / Milton Lucídio
Leão Barcellos. – Porto Alegre, 2010.
184 f.
Tese (Doutorado) – Fac. de Direito, PUCRS
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Aronne
1. Direito. 2. Patentes. 3. Direitos Fundamentais.
4. Princípio da Igualdade. 5. Concorrência. I. Aronne,
Ricardo. II. Título.
CDDir 342.27
Bibliotecária Responsável: Salete Maria Sartori, CRB 10/1363
3
MILTON LUCÍDIO LEÃO BARCELLOS
LIMITES E POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE NO DIREITO DE PATENTES BRASILEIRO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Doutor em Direito na área de concentração Eficácia e
Efetividade da Constituição e dos Direitos
Fundamentais no Direito Público e Direito Privado.
Aprovado em 27 de Agosto de 2010.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Ricardo Aronne – PUCRS
____________________________________________________
Profa. Dra. Clarice Beatriz da Costa Sohngen – PUCRS/FADIR
____________________________________________________
Profa. Dra. Ângela Kretschmann – UNISINOS
____________________________________________________
Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCANRJ/UFRJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Gonzaga da Silva Adolfo – UNILASALLE/ULBRA
Porto Alegre
2010
4
A Deus, sempre Ele, em primeiro lugar.
Aos meus iluminados pais que criaram e educaram seis
filhos com amor e dedicação ímpares, elegendo a família
como raiz e razão de uma vida digna.
Aos meus avôs e avós Lucídio Scherer, Amyta Bier,
André Leão e Hilda Ferreira.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, mais uma vez e sempre, por Ele ter me ensinado as duas “Leis” mais
importantes: Amar-nos uns aos outros como Ele nos ama e fazer ao próximo o que
gostaríamos que o próximo fizesse para nós.
Aos meus pais Milton Leão Barcellos e Norma Scherer Barcellos por sempre
estimularem, acreditarem e dedicarem-se aos seus filhos.
Aos meus cinco irmãos André, Cláudia, César, Carla e Amita, em especial às
minhas três panteras, por me acolherem e me ensinarem tanto, mesmo sem
perceberem...
À minha tia Tetê, pelo carinho de mãe que sempre dedicou a todos nós.
À minha Prenda Camila Bono pela luz e amor que irradia.
Ao meu Orientador Ricardo Aronne pela criatividade e gênio jurídicos, assim
como pela paciência, incentivo, ética e companheirismo que foram fundamentais
para que a tese tivesse início, meio e fim.
Ao meu co-Orientador Michael Meurer por mostrar-me as deficiências do
sistema de patentes na realidade estadunidense.
À minha amiga e colega Patrícia Agra Araújo pelo apoio e substancial ajuda
na Universidade de Boston e na finalização da tese.
Ao meu amigo e sócio Gustavo Bahuschewskyj Correa, pois a realização do
curso de doutorado seria impossível sem o seu apoio.
À minha amiga e colega Helenara Braga Avancini pelas diversas conversas,
sempre enriquecedoras.
À minha amiga e colega Lívia Haygert Pithan pelo estímulo constante para a
docência.
À minha amiga e colega Daniele Maia Teixeira Coelho pelos fundamentais
momentos de OJF.
Ao meu Orientador no Mestrado Juarez Freitas com quem muito aprendi e
continuarei aprendendo sobre hermenêutica.
Ao Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCRS Ingo
Wolfgang Sarlet pela paciência, ensinamentos e compreensão com os percalços
deste eterno aluno.
Aos Professores e Colegas da PUCRS, Alexandre Curvelo, Betina Krause
Suecker, Carlos Alberto Molinaro, Cezar Saldanha, Daniel Machado da Rocha,
6
Daniela Lutzky, Eugênio Facchini Neto, Jorge Luis Nicolas Audy, Karine Demoliner,
Lisianne Sabedra, Luis Paulo Germano, Luis Renato Ferreira da Silva, Marli
Elizabeth Ritter dos Santos, Paulo Antônio Caliendo, Paulo Vinícius Sporleder de
Souza, Phillip Franca, Rafael Dresch, Regina Linden Ruaro, Renato J. Ritter Júnior,
Ricardo Aronne, Ricardo Lupion Garcia, Roque Bregalda, Simone Tassinari
Cardoso, Thadeu Weber, Vilmar Fontes, um especial agradecimento pelo
coleguismo, aprendizado e auxílio em seguir a linha questionadora e investigativa.
Aos Professores e Colegas da Universidade de Boston, na qual fui
extraordinariamente bem recebido e acolhido como Visiting Scholar durante o meu
estágio doutoral, Michael Meurer, Keith Hylton, Ben Depoorter, Lisa Geller, Kevin
Outterson, Carolina Rossini, John Wilbanks, Caroline Cavareli Rudaz, Xie Zhiyoung
Yu, Satomi Tanaka, Catherine Bubenzer-Paim, Andreas Bubenzer-Paim, Cyro
Goldstein Troper, Luis Eduardo Pulido, Manuela Matilde Consito, Mei Kaneda, Molly
Ann Torsen, Navrose Palekar, Rodrigo Bermeo, Volodymyr Yakubovskyy, Wesley
Khristopher, por ajudarem a enfrentar a adaptação inicial em Boston e contribuir
para a minha pesquisa.
Ao Professor Greg Vetter da Faculdade de Direito da Universidade de
Houston pelos ensinamentos e por ter me presenteado com livro fundamental à
pesquisa.
Às autoridades e colegas que efetivamente contribuíram muito com a
pesquisa de campo realizada no Brasil e nos EUA Patrícia Agra Araújo, Paulo
Furquim, Pamela Harbour, Armando Irizarry e Tara Isa Koslov.
A todos os meus colegas e ex-alunos do Curso de Especialização em Direito
da Propriedade Intelectual da PUCRS, assim como meus colegas e ex-alunos dos
cursos e palestras na área de propriedade intelectual ministrados na PUCRS,
UNISINOS, UFRGS, UNILASALLE, UNIRITTER, FSG, UPF, UNISC, AMF,
UCAM/RJ, UNIVATES, UCS, ULBRA, ABAPI, ASPI, NEDE/AJURIS, ESA-OAB/RS,
IARGS, o meu muito obrigado pelas contribuições e questionamentos instigantes
que enriqueceram e funcionaram como mola propulsora fundamental ao meu
avanço acadêmico.
Aos Colegas da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS
pelos sempre instigantes debates e união fraterna em prol da divulgação de
conhecimentos sobre este importante ramo do direito.
A todos os meus colegas da Leão Propriedade Intelectual pelo esforço em
compensar a minha ausência necessária à conclusão do curso e desta pesquisa.
A Caren Andrea Klinger, Patrícia Souza de Oliveira, Raquel da Silva Pereira e
Victor de Mello Rodrigues que, com carinho, dedicação e grande ajuda em suas
atuações na secretaria da Pós-Graduação em Direito da PUCRS muito contribuíram
para que o curso inteiro mantivesse sempre o êxito e qualidade que o identificam.
7
A Charlotte Gliksman (Assistant to the Associate Dean) e Peter O’Meara
(International Scholar Advisor) pelo auxílio e carinho essenciais na Universidade de
Boston.
À CAPES e à PUCRS pela concessão das bolsas que tornaram possíveis o
aperfeiçoamento acadêmico e a conclusão desta pesquisa.
À Faculdade de Direito da Universidade de Boston pela acolhida e aprovação
do projeto de pesquisa desenvolvido na qualidade de Visiting Scholar.
8
Mantenha-se simples, bom, puro, sério, livre de afetação, amigo
da justiça, temente aos deuses, gentil, apaixonado, vigoroso em
todas as suas atitudes. Lute para viver como a filosofia gostaria
que vivesse. Reverencie os deuses e ajude os homens. A vida é
curta.
Marco Aurélio
9
RESUMO
A presente tese objetiva demonstrar que o princípio da igualdade,
materialmente considerado, deve ser reconhecido na base do sistema de patentes
para que a funcionalidade deste sistema mantenha-se em sintonia com o interesse
social, desenvolvimento econômico e tecnológico do país. O princípio da igualdade,
partindo de uma premissa de tratamento diferente para tecnologias diferentes no
limite de suas diferenças, atua como otimizador do sistema de patentes em sintonia
com a sua vinculação funcionalizante e, concomitantemente, enquanto elemento
garantidor da livre concorrência. O estudo proposto demonstra que a hermenêutica
que parte da premissa reconhecedora do princípio da igualdade em muito contribui
para a otimização do sistema de patentes enquanto cumpridor de sua essência
funcional
vinculada
às
finalidades
constitucionais.
No entanto, o
esforço
hermenêutico que tem a isonomia como ponto de partida possui limitações que
dependem de alteração legislativa integradora.
Palavras-chave: Patentes. Direitos Fundamentais. Princípio da Igualdade.
Livre concorrência. Hermenêutica Jurídica.
10
ABSTRACT
The thesis intents to demonstrate that the equality principle should be
recognized as an essential principle in the patent system in order to allow these
system to sustain its functions accordingly with the social interest together with
economic and technological development of the country. The equality principle
based on a different treatment of different technologies according and limited to the
effective differences act as an optimization of the whole patent system, according to
its functional essence and also to guaranty the free competition at the same time.
The proposed study shows that the hermeneutics starting from the recognition of the
equality principle can really help to an effective optimization of the patent system to
fulfill its functional essence based on constitutional purposes. However, the
hermeneutic effort based on the equality as a starting point has limitations which
depend on integrating modifications of the law.
Keywords: Patents. Fundamental Rights. Equality Principle. Free competition.
Legal Hermeneutics.
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual
ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPIC/TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados ao Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAFC – Court of Appeals for the Federal Circuit
CC – Código Civil
CUP – Convenção da União de Paris
DOJ – Department of Justice
EPC – European Patent Convention
EPO – European Patent Office
FTC – Federal Trade Comission
LDC – Lei de Defesa da Concorrência
LPI – Lei da Propriedade Industrial
OMPI/WIPO – Organização Mundial da Propriedade Intelectual/World Intellectual
Property Organization
PCT – Patent Cooperation Treaty
SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SDE/MJ – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça
SEAE/MF – Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
USPTO – United States Patent and Trademark Office
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
2 O MERCADO E O SISTEMA DE PATENTES ...................................................... 20
3 IGUALDADE E ESTADO SOCIAL ........................................................................ 87
4 PROBLEMATIZANDO A IGUALDADE NO SISTEMA DE PATENTES ................ 95
5 LIMITES DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E ÓBICES DO SISTEMA. 129
6 IGUALDADE E LIVRE CONCORRÊNCIA COMO REFERÊNCIAS
HERMENÊUTICAS ORIENTADORAS E LIMITADORAS DO DIREITO DE
PATENTES............................................................................................................. 139
7 SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA ADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE PATENTES 150
8 CONCLUSÕES ................................................................................................... 157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 163
ANEXO A: Pesquisa de Campo CADE ............................................................ 176
ANEXO B: Pesquisa de Campo - FTC e DOJ .................................................. 184
13
1 INTRODUÇÃO
A base de desenvolvimento da presente tese parte da análise do princípio da
igualdade como um dos fundamentos constitucionais a serem relevados na busca
de adequação do sistema de patentes à realidade de desenvolvimento tecnológico
da sociedade, tendo uma atenção especial ao exame do princípio da livre
concorrência como norte hermenêutico a determinar limitações no exercício do
direito de patentes, com os objetivos de apontar as dissintonias e possíveis soluções
para um sistema brasileiro de patentes em consonância com a Carta Magna de
1988.
Com efeito, o presente estudo possui pontos de estrangulamento que, em
linhas gerais, necessitam a compreensão tópica dos princípios da igualdade e da
livre concorrência, de modo que se analisa o impacto desses dois princípios no
sistema de patentes sobre o enfoque do necessário reconhecimento de fator de
discrímen tomando por base a diversidade tecnológica.
Observa-se a estrutura do sistema de patentes como um todo, que parte da
premissa de que toda criação intelectual que preencha os requisitos de novidade,
atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva, da forma como os
mesmos são interpretados atualmente, não estando vedada por expressa
disposição legal, é elegível como direito subjetivo à obtenção de uma patente com
outorga de direitos iguais ao titular.
Frente a esse tratamento isonômico, há um reflexo direto quanto à
possibilidade de exercício abusivo do direito de patentes baseado na atual estrutura
do sistema de patentes, cuja prevenção e repressão pelo sistema jurídico enfrentam
dificuldades em virtude da essência e complexidade de tais direitos.
Examinando-se tais problemas sob o manto do princípio da igualdade, tem-se
que o sistema de patentes parte da premissa de que tratando-se de tecnologia
inovadora (em qualquer área) há a possibilidade legal de obtenção de uma patente
14
com o cumprimento de requisitos “engessados” aplicáveis a qualquer área
tecnológica. Ou seja, o tratamento conferido pelo sistema de patentes é formal e
materialmente o mesmo para qualquer tipo de tecnologia, mesmo que haja um
verdadeiro “buraco negro” de diferenças entre as tecnologias sob exame.
Necessário se faz enfrentar o princípio da igualdade, assim como analisar o
sistema de patentes, sob a perspectiva do princípio da igualdade material,
transpondo a sua aplicação para o tratamento desigual de tecnologias desiguais.
Ultrapassando-se as questões geradas pela aplicação do princípio da
igualdade em sua vertente material no direito de patentes (afastando ao máximo as
dissintonias atuais), passando-se para o momento do exercício do direito de
patentes no mercado, não há como analisar a necessária intersecção entre o direito
de patentes e o direito concorrencial sem uma clara individualização e
contextualização inicial de ambos, relacionados, através das quais se torna mais
didática a compreensão das situações fáticas que cada vez mais permeiam os
órgãos de defesa da concorrência e o Poder Judiciário.
Com efeito, a propriedade industrial, nela inserida as marcas, patentes,
desenhos industriais, indicações geográficas e repressão à concorrência desleal,
conforme estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96, art. 2.º)1,
possui o seu norte delimitado por dispositivo constitucional de eficácia imediata
prevendo os limites da legislação infraconstitucional vinculados ao cumprimento do
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (CF, art. 5.º,
1
Lei 9.279/96, Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II - concessão de registro de desenho
industrial; III - concessão de registro de marca; IV - repressão às falsas indicações geográficas; e V
- repressão à concorrência desleal.
15
2
inciso XXIX) .
Nesse sentido, cumpre lembrar que o direito de patentes vem adquirindo
destaque nos países em desenvolvimento, tendo em vista a valorização cada vez
maior do chamado “capital intelectual” em detrimento dos bens físicos, assim como
3
a cada vez maior relação essencial desses direitos com a evolução dos mercados .
Indo mais além, a necessidade de existência de um sistema de patentes está
vinculada à existência de concorrência, sendo o próprio atendimento do interesse
social em estimular a concorrência sadia um dos pilares fundamentais do sistema
de patentes.
É importante ressaltar que o presente trabalho também leva em consideração
que em um Estado de Direito, a propriedade industrial assume posição de destaque
e, devendo pautar-se, na medida do possível, pelo seu aspecto claramente
funcionalizante, com os balizamentos expressos pela preponderância harmônica
2
3
Constituição Federal de 1988: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIX - a
lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem
como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a
outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País.
A edição 964 da Revista Exame de 24/03/2010, p. 96-98, publicou reportagem sobre Nathan
Myhrvold (ex-braço direito de Bill Gates na Microsoft), fundador da Intellectual Ventures, empresa
cuja missão é declarada em seu site é a de “energizar e simplificar uma economia da invenção que
irá direcionar a inovação no mundo”. Um fator interessante é que já conta com um portfólio de
30.000 patentes, mas não produz sequer um produto decorrente das mesmas, ou seja, o objetivo é
realmente formar capital intelectual para negociação, o que demonstra uma dissintonia com a
tradicional forma de se enxergar o sistema de patentes no universo concorrencial. A própria
reportagem demonstra os prós e contras de um sistema de negócios focado apenas na negociação
(em larga escala) de direitos de patentes sem efetivamente desenvolver produtos/serviços a elas
relacionados: Se por um lado auxilia a recompensar financeiramente os pequenos inventores donos
de patentes que são usadas por grandes empresas, por outro lado pode vir a “sufocar as
inovações”. A Intellectual Ventures não possui risco de violação de patentes anteriores (pois não
coloca produtos/serviços no mercado), trabalhando apenas na acumulação e negociação de direitos
de patentes. Conta com nada mais nada menos que cinco bilhões de dólares disponíveis para
investimentos. Estes fatos atuais sinalizam algo muito importante e relacionado à presente tese:
tratar o sistema de patentes como o mesmo era tratado na sua constituição mais harmonizada a
partir do final do século XIX consiste em cometer um grande equívoco de base do sistema atual e
de interpretação do sistema quando atuante no ambiente concorrencial.
16
4
das teorias utilitarista e do plano social , encontrando seus desígnios na ordem
constitucional instituída.
De outro lado, a dinâmica da concorrência no mercado vem tornando
obrigatória uma maior regulação do Estado nas relações privadas e, no contexto dos
direitos da propriedade industrial e tendo em vista a restrição do objeto sob análise
neste trabalho, uma necessidade cada vez maior de interpretação dos limites do
direito concorrencial e do direito de patentes que aparentemente (e apenas
aparentemente) entram em conflito na sociedade atual.
Destaca-se que, na pesquisa realizada foi identificado que tem sido ignorado
um princípio de essencial importância para a solução de questões de base do
sistema de patentes, ou seja, o princípio da igualdade previsto no art. 5°, caput e
inciso I da Carta Magna de 1988.
Dentro do contexto do exercício dos direitos sobre patentes, no qual a
hermenêutica tem
muito
a contribuir, a presente
tese
analisa questões
contemporâneas como o excesso de proprietários, interpretação ampliativa de
reivindicações, insuficiência descritiva, troca de licenças entre concorrentes
dominantes no mercado e insegurança jurídica além daquela natural da essência do
próprio sistema de patentes.
Ainda, objetiva-se comprovar que as conclusões da Federal Trade Comission
5
– FTC e do Department of Justice – DoJ de que o direito sobre uma patente deve
4
5
Tais teorias, juntamente com as teorias da personalidade e do trabalho são analisadas por Willian
Fischer em sua obra “Theories of Intellectual Property”, Harvard, 2001, assim como são
transportadas para a realidade brasileira em análise feita na minha dissertação de mestrado
intitulada “As bases jurídicas da propriedade industrial e sua interpretação”, defendida em
07/04/2006, PUCRS, a qual conclui que o nosso sistema jurídico brasileiro atual de propriedade
industrial deve seguir o norte hermenêutico desenhado pela preponderância harmônica das teorias
utilitarista e do plano social em relação à menor incidência das teorias da personalidade e do
trabalho.
Tal qual SDE e o CADE no Brasil, o FTC e o DoJ são órgãos de defesa da concorrência norte
americanos. Diferentemente dos órgãos domésticos, que possuem competências distintas e
complementares (a SDE é responsável pela instrução, o CADE pelo julgamento dos processos de
defesa da concorrência), o FTC e o DoJ possuem competências concorrentes, sendo, para a
maioria dos setores, qualquer um dos órgãos responsável pelo seu julgamento.
17
ser visto como o direito sobre qualquer outra forma de propriedade são
6
equivocadas, apesar de bem intencionadas .
Frente a tais considerações, e, pois, buscando equacionar tal realidade,
busca-se interpretar o real significado e valor dos princípios constitucionais atinentes
ao direito de patentes (inclusive e principalmente o princípio da igualdade) e ao
direito concorrencial, adequando-os às diretrizes políticas fixadas pelo legislador
constituinte originário, bem como orientando sua aplicação e eficácia, de
conformidade com os vetores axiológicos consagrados, de modo a estabelecer
premissas hermenêuticas claras a serem relevadas quando do estudo da
intersecção desses princípios em relação ao direito de patentes.
Um dos efeitos não desejáveis da falta de aplicação do princípio da igualdade
na base do sistema de patentes é o efeito perverso gerado no ambiente
concorrencial, o qual será objeto de análise específica.
No desenvolvimento estrutural da presente tese, fundamental a abordagem
inicial do mercado e do sistema de patentes, traçando-se as premissas sobre os
comportamentos do mercado e como se desenvolve o sistema de patentes,
restando claro que a harmonização internacional trouxe vários benefícios, mas ao
mesmo tempo, imposições que engessam formatações e destoam muitas vezes das
premissas constitucionais.
Posteriormente, passa-se à análise da igualdade inserida em um Estado
Social, considerada em seu sentido material, verificando-se que este direito e
garantia fundamental passou e ainda passa por um reconhecimento integrador na
sociedade, na busca de correções de desigualdades.
6
A propriedade sobre uma patente era reconhecida como um direito absoluto, ou seja, o titular de
uma patente era legitimado a fazer uso da mesma da forma como bem entendesse, mesmo que
contra princípios concorrenciais explícitos. A equiparação do direito de patentes a qualquer outro
direito de propriedade nada mais foi que uma evolução sobre o antigo conceito de “intocabilidade”
da patente. Ou seja, não há tratamento especial para a patente (ver Antitrust Enforcement and
Intellectual Property Rights: Promoting Innovation and Competition, emitido pelo DOJ e FTC em abril
de 2007, p. 21). No entanto, tal assertiva, acaba por formar uma premissa equivocada, pois o direito
de patentes, apesar de similar aos outros direitos de propriedade, possui essência diversa e funções
que vão além da função social, voltando-se para a cláusula finalística do já citado inciso XXIX do art.
5º da Carta Magna de 1988.
18
No capítulo seguinte verifica-se que a utilização de fator de discrímen no
âmbito da propriedade industrial, de forma intuitiva, não é nova, pois já existe
discrímen com base nas diversas espécies de direitos de propriedade industrial;
mas a aplicação relacionada à incidência do princípio da igualdade com base nas
novas tecnologias (e diferenças tecnológicas) para as quais o sistema de patentes
não foi desenvolvido é original e necessária.
A seguir trata-se dos limites da Hermenêutica Constitucional e até onde o
7
sistema jurídico possibilita que uma interpretação sistemática do Direito venha a
servir de base para a solução de conflitos aparentes existentes no sistema e
orientados pelo princípio da igualdade, pela livre concorrência e pelo atendimento da
preponderância harmônica das teorias utilitarista e do plano social que refletem uma
característica funcional vinculada do sistema de patentes.
Continuando a análise, demonstra-se que a não aplicação do princípio da
igualdade na base do sistema de patentes gera resultados que, em parte, exigem
um esforço hermenêutico e, de outro lado, não são passíveis de solução através da
hermenêutica, demandando alterações legislativas para o seu cumprimento em
harmonia com o princípio da livre concorrência e com a própria cláusula finalística
condicional do artigo 5°, XXIX da Carta Magna de 1988.
Após demonstrar-se a problemática intersecção do princípio da igualdade
com o princípio da livre concorrência e com o atendimento da preponderância
harmônica das teorias utilitaristas e do plano social expressas pelo artigo 5°, XXIX
da Constituição Federal de 1988 como orientadores e limitadores do direito de
patentes, parte-se para as possíveis soluções para contribuir-se com uma desejável
readequação do sistema de patentes frente às novas tecnologias que surgiram e
que ainda irão surgir.
7
Nos termos propostos por Juarez Freitas em sua obra A Interpretação Sistemática do Direito. 4. ed.
rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2004.
19
As conclusões conduzem a um apanhado dos principais elementos
norteadores do trabalho, resumindo e apontando para cada uma das repercussões
que os limites e possibilidades hermenêuticas geram quando tomam por base a
aplicação do princípio da igualdade no sistema brasileiro de patentes, sem ignorarse o caráter e limitações internacionais que o orientam.
Um sistema de patentes orientado pela aplicação do princípio da igualdade,
com tratamento diferenciado para tecnologias diferentes, conduz a um essencial
repensar sistemático e integrador que resulta em um fortalecimento da própria
existência deste sistema de patentes, funcional e harmônico com a Constituição
Federal.
20
2 O MERCADO E O SISTEMA DE PATENTES
A propriedade intelectual se revestiu de uma proteção jurídica enquanto
pertença, para bem além do discurso social contemporâneo, em virtude do seu
imanente conteúdo econômico.
Ocorre que, paradoxalmente, esse valor transcende à respectiva imanência,
sendo atingido pelo mercado, que o virtualiza e reedifica.
Importa, assim, aproximar-se do sistema de patentes a partir dessa
intersecção do jurídico e o econômico para que o texto não se perca em abstrações
dogmáticas.
Algumas ponderações trazidas por Ana Frazão são relevantes para os
objetivos carreados pela presente tese, em especial a desmistificação de afirmações
ideológicas que adquiriram caráter de “verdades científicas”, estando entre essas
afirmações ideológicas com roupagem de “verdades científicas” os exemplos dados
pela autora da
mão invisível smithiana, o dogma de que o crescimento econômico é mais
importante do que a distribuição de riqueza, o valor absoluto da eficiência e
a idéia de que os indicadores econômicos refletem efetivamente o progresso
8
econômico, independentemente da qualidade de vida das pessoas .
Tais afirmações ideológicas, que há muito deveriam deixar de ser
consideradas como “verdades científicas”, acabam reverberando no estudo objeto
deste trabalho em diversas situações de análise da aplicação do princípio da
8
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e Propriedade – Função Social e Abuso de Poder
Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 217.
21
igualdade, assim como de intersecção do Direito de Patentes com o Direito
Concorrencial quando, por exemplo, no momento da aplicação de critérios de
razoabilidade na consideração de determinado uso (abuso) de patente quando
impactante no Direito Concorrencial, se tomando por base apenas aspectos de
repercussão econômica, assim como, na realidade estadunidense, a aplicação da
rule of reason na análise de casos envolvendo direito antitruste nos quais a per se
rule não se aplica.
É possível identificar diversas práticas no Direito de Patentes que podem ser,
de plano, consideradas ilegais (per se rules), mas ao mesmo tempo existem práticas
cada vez mais comuns, nas quais ou há dúvidas quanto a sua legalidade ou, ainda,
são consideradas legais através de análises limitadas de suas conseqüências.
O Direito de Concorrência é um direito regulador de mercado, sendo que as
relações concorrenciais ocorrem no espaço chamado mercado, sendo que o direito
de patentes existe como um estímulo de forma confluente à realização e busca do
espaço concorrencial no mercado.
E boa parte das dúvidas existentes na aplicação das limitações recíprocas e
harmônicas entre o Direito de Patentes e o Direito Concorrencial se deve à
equívocos hermenêuticos quanto às bases de tais direitos9, assim como acesso
limitado à dados empíricos, o que deve passar pela correta orientação do sistema
de patentes frente aos princípios da livre concorrência e igualdade.
9
Diversas análises partem de premissas equivocadas quanto à pergunta elementar: Por que existe
um direito de patentes e um direito concorrencial? A título de exemplo, não se pode concordar com
as afirmações contidas em trabalho de 2002 da OECD sobre Genetic Inventions, Intellectual Property
Rights and Licensing Practices, ao afirmar, na página 22, que “The essential principle of all forms of
IPR is to recognise and reward the work of inventors, designers and authors because society deems
that it benefits from the promotion of the useful and cultural arts”. Ocorre que esta visão simplista e
difundida aos quatro cantos acaba por literalmente reduzir os princípios mais amplos (e diversos) de
cada uma das espécies de direitos da propriedade intelectual, sendo que os direitos de propriedade
industrial apenas existem, são protegidos e passíveis de exercício pleno enquanto em sintonia com o
interesse social, desenvolvimento econômico e tecnológico do País. Portanto, cumpre analisar de
forma mais aprofundada tais direitos para compreender a sua dimensão, assim como a sua
vinculação como um dos instrumentos de realização dos direitos humanos.
22
O sistema de patentes, enquanto criação jurídica voltada para o cumprimento
de funções específicas, além de ser modulado externamente pelo Direito
Concorrencial e pelos direitos fundamentais, pode vir a ser internamente alterado,
restringido, expandido e até mesmo substituído por outro sistema que cumpra o
10
estabelecido no inciso XXIX do art. 5º da Constituição Federal de 1988 , sendo
fundamental ter em mente que a história das Constituições brasileiras demonstra
11
que soluções alternativas à concessão de privilégios temporários são possíveis .
Essa relevância e previsão constitucional não vêm dissociadas de um
contexto vinculativo imposto pelo art. 170 da Constituição Federal
12
e, a bem da
verdade, que precede e orienta o próprio Direito da Propriedade Industrial em
10
Basta uma simples leitura para se concluir que a Carta Política de 1988 não protege um sistema de
patentes, mas sim busca garantir “aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização” vinculado ao cumprimento das funções estabelecidas ao final do mesmo inciso. A
eleição de um sistema de patentes como forma de exteriorização dos desígnios constitucionais
decorre de opção legislativa infraconstitucional e, obviamente, em decorrência de uniformização
internacional. No mesmo sentido verifica-se o entendimento nos EUA, conforme descrito por
Rochelle Cooper Dreyfuss em Patents and Human Rights: Where is the Paradox? (Disponível em:
<http://ssrn.com/abstract=929498>), a qual afirma que There is no fundamental right to a particular
form of protection—to a patent on a specific product (no matter how ingenious) or to a patent that
covers specific uses (no matter how valuable). The legislature is free to use the tools of the patent
system (such as term, subject matter, scope, compulsory licenses, right to relief) to allocate excess
benefits (those not required to spur optimum production) in any way it sees fit. Human rights
concerns should certainly inform that decision, but the legislature could also choose to divert the
benefits of inventions to fulfill other social objectives. Tradução livre: Não existe direito fundamental
a uma forma particular de proteção – a uma patente para um produto específico (não importa o
quão genial) ou a uma patente que abranja usos específicos (não importa quão valiosos). A
legislação é livre para usar as ferramentas do sistema de patentes (como prazo, matéria
submetida, amplitude de proteção, licenças compulsórias, direito à exceções) para distribuir
benefícios em excesso (aqueles não necessários para estimular uma produção ótima) em qualquer
forma que seja adequada. Tópicos de Direitos Humanos devem certamente influenciar esta
decisão, mas a legislação pode também escolher distribuir os benefícios das invenções para
preencher outros objetivos sociais.
11
Importante ressaltar o fato de que as Constituições Federais brasileiras anteriores à de 1988,
tradicionalmente previam uma alternativa à concessão de patentes quando fosse interessante a
“vulgarização” daquela determinada tecnologia, sendo devido não mais um direito de excluir
terceiros para o inventor, mas sim uma justa recompensa.
12
Constituição Federal de 1988: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade
privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução
das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido
para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.
23
virtude da integração sistemática do direito e da própria cláusula finalística presente
no inciso XXIX do art. 5.º da Carta Magna de 1988, assim interpretada:
Os princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência não existem per se,
não bastam a si mesmos. Eles são instrumentais da promoção da dignidade
humana. A Constituição do Brasil, em sua totalidade, propõe a realização de
objetivos mais amplos do que, singelamente, o do livre mercado.
[...]
Por isso incide em grave erro, equívoco grosseiro, quem sustente que os
textos legais devem, sob pena de inconstitucionalidade, adequar-se em
termos absolutos às regras típicas do “mercado livre”.
Evidentemente não estamos afirmando que a Constituição do Brasil
postula um modelo de mercado desvinculado da livre-iniciativa e da livre
concorrência; bem ao contrário.13
14
Na expressão de Luciano Sotero Santiago , “[...], pode-se afirmar o seguinte:
para que a mão invisível do mercado funcione é preciso o auxílio da mão visível do
Estado”. Vislumbra-se uma inevitável necessidade de regulação do Estado no
mercado.
É necessária uma análise mais detida da existência do direito de patentes
como uma solução para a falha de mercado consistente na ausência de estímulo
para a inovação e melhoria dos meios de produção e produtos, sendo que o direito
de patentes existe como uma das formas de corrigir estas falhas, objetivando
atender o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Nesse sentido, Denis Borges Barbosa15, ao tratar dos limites do direito de
patente, entende que “O que caracteriza a patente como uma forma de uso social
da propriedade é o fato de que é um direito limitado por sua função: ele existe
enquanto socialmente útil”.
13
GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula A. CADE V. BACEN: Conflitos de competência entre
Autarquias e a função da Advocacia-Geral da União in Lei Antitruste – 10 anos de combate ao
abuso do poder econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
14
SANTIAGO, Luciano Sotero. O direito da concorrência e a regulação – Doutrina e
Jurisprudência. Salvador: Juspodium, 2008, p. 376.
15
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003, p. 472.
24
Seguindo a mesma linha, Barbosa
16
delimita a interpretação dos objetivos
constitucionais na concessão de patentes ao examinar o abuso por desvio
teleológico:
Abuso, além de excesso de poderes, é também desvio de finalidade. As
finalidades da patente têm, em nosso direito, um desenho constitucional.
Como já visto, a patente tem por fim imediato a retribuição do criador, e
como fim mediato o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País. Cada uma dessas finalidades implica em uma análise
de uso compatível com o direito, e a indicação do uso contrário ou além do
mesmo direito.
A primeira faceta do abuso de direitos de patentes é a natureza da
retribuição do criador. A carta não determina a recompensa monetária do
inventor, como, outrora, na União Soviética, mas assegura a ele uma
oportunidade exclusiva do uso de sua tecnologia para a produção
econômica, ou seja, uma restrição à concorrência. Assim, o regime de
patentes é uma exceção ao princípio de liberdade de mercado, determinada
pelo art. 173, § 4.º da Constituição, e radicada nos arts. 1.º, inciso IV e 170,
IV.
Toda exceção a um princípio fundamental da Constituição importa em
aplicação ponderada e restrita. Assim, a restrição resultante da patente se
sujeita a parâmetros de uso que não exceda o estritamente necessário para
sua finalidade imediata, qual seja, o estímulo eficaz, porém moderado e
razoável ao inventor. Tudo que restringir a concorrência mais além do
estritamente necessário para estimular a invenção, excede ao fim imediato
da patente – é abuso.
De outro lado, no mesmo plano constitucional, haveria, assim, um abuso
no uso da patente em desvio de finalidade, ou seja, contra ou em
afastamento do interesse social e o desenvolvimento econômico e social do
Brasil.
Com efeito, cumpre analisar mais detidamente as evoluções históricas que o
sistema de patentes sofreu enquanto inserido em um ambiente concorrencial.
Trazendo o olhar para o efetivo início de um sistema de incentivos à inovação,
afirma Nuno Pires de Carvalho
17
que
o Egito foi, pode-se dizer com uma certa liberdade histórica, o lugar onde
pela primeira vez o Estado promoveu de maneira organizada e continuada o
desenvolvimento tecnológico, seguindo mais adiante o mesmo autor
ressaltando que no antigo Egito pode não ter existido um sistema de
patentes de invenção para gerar a criação técnica, pois a idéia da
16
17
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à ..., p. 508.
CARVALHO, Nuno Pires de. A Estrutura dos Sistemas de Patentes e de Marcas – Passado,
presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 130-131.
25
apropriação individual do conhecimento não tinha surgido ainda, mas havia
já sistemas de promoção da invenção.
18
Há pouco o Brasil completou 200 anos da sua primeira Lei de Patentes ,
sendo que a Carta Magna de 1988 demonstrou acolhida à proteção aos inventos
industriais, desde que observados os nortes hermenêuticos relacionados à
vinculação do trinômio do interesse social, desenvolvimento econômico e
tecnológico do Brasil.
Já de acordo com Gama Cerqueira19, o Brasil foi o quarto país do mundo a
estabelecer a proteção dos direitos do inventor, sendo que o primeiro foi a Inglaterra
através do seu Statute of Monopolies (1623); em segundo lugar, mais de um século
depois, vieram os Estados Unidos com sua Constituição de 1787 que determinou a
competência ao Congresso para legislar sobre a proteção das invenções (primeira
lei norte-americana sobre patentes veio a ser promulgada em 1790); em 3.º lugar
veio a legislação francesa sobre privilégios de invenção de 1791; e em 4.º lugar se
fez presente o Brasil, ainda Colônia, com o Alvará do Príncipe Regente de 1809.
Como bem ressalta Gama Cerqueira20, a primeira lei brasileira relativa a
invenções promulgada após a nossa independência somente teve lugar em 1830, o
que colocaria o Brasil como a décima terceira nação a adotar legislação protetora
das invenções.
18
O Alvará do Príncipe Regente D. João VI de 1809 assim dispunha a respeito dos privilégios
introduzidos no Brasil: "O objetivo deste Alvará é o de promover a felicidade pública dos meus
vassalos, ficando estabelecido com esse desígnio princípios liberais para a prosperidade do Estado
do Brasil, especialmente necessários para fomentar a agricultura, animar o comércio, adiantar a
navegação e aumentar a povoação, fazendo-se mais extensa e análoga a grandeza do mesmo
Estado, e continua sendo muito conveniente que os inventores e produtores de alguma nova
máquina e de invenção de artes gozem do privilégio, além do direito que possam ter ao valor
pecuniário que seu serviço estabelece em favor da indústria e das artes. Ordeno que todas as
pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do
Comércio e que, reconhecendo a verdade do fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo
de 14 anos, ficando obrigados a publicá-lo para que no fim deste prazo toda a nação goze do fruto
desta invenção. Ordeno, outrossim, que se faça uma exata revisão dos que se acham atualmente
concedidos, fazendo-se públicos na forma acima determinada e revogando-se os que, por falsa
alegação ou sem bem fundadas razões, obtiverem semelhantes concessões".
19
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1982, p. 6.
20
CERQUEIRA, João da Gama. Op. Cit., p. 7.
26
A temporalidade (enquanto limitação ao interesse público e enquanto
necessária para gerar o incentivo) da proteção concedida às invenções e o interesse
público no sistema de “privilégios” existem desde o início do hoje denominado
sistema de patentes no Brasil, sendo certo que o seu aspecto funcional sofreu
evoluções com o passar das décadas, mas sem perder justamente esse caráter de
temporalidade e interesse público envolvidos no sistema.
A opção valorativa escolhida pelo País na sua migração para o Estado Social
no que tange às patentes foi de um balanceamento entre objetivos aparentemente
conflitantes, determinando, que o norte hermenêutico a ser seguido é o da
preponderância harmônica das teorias utilitarista e do plano social em relação à
21
menor incidência das teorias do trabalho e da personalidade .
Tal constatação constitucional no direito de patentes traz a conclusão de que
muito mais do que um direito estático, personalíssimo e absoluto, trata-se de um
direito em constante mudança, social e relativo sempre que confrontado com outros
direitos que o limitam e direcionam, já que o direito dos titulares de patentes existe e
é limitado para o cumprimento de finalidades constitucionalmente estabelecidas.
Na realidade brasileira constitucional relativa à proteção de invenções,
seguindo o norte traçado pelo art. 179, inciso 26, da Constituição do Império do
Brasil de 1824, na Constituição Federal brasileira de 1891, em seu art. 72, §§ 25 e
27, já havia menção à proteção de invenções, nos seguintes termos:
Art. 72, § 25 – Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos
quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido
pelo Congresso um prêmio razoável, quando haja conveniência de
vulgarizar o invento.
21
BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Propriedade Industrial & Constituição: Teorias
preponderantes e sua interpretação na realidade brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007.
27
Atualmente, o sistema de patentes deve atender premissas claras de
funcionalidade, existindo enquanto necessário, suficiente e nos limites para o
atendimento do interesse social, desenvolvimento econômico e tecnológico do País.
Quando tais premissas de funcionalidade deixam de ser atendidas, o sistema deve
ser readequado ou reinterpretado, observando-se os limites da hermenêutica frente
à eventuais necessidades de mudanças legislativas.
Tais premissas constitucionais do sistema de patentes devem ser observadas
pela legislação ordinária relevante (em especial a atual Lei 9.279/96), destacando-se
que a história demonstrou que o atual sistema de patentes foi criado e harmonizado
internacionalmente para tecnologias tradicionais existentes no final do século XIX e
início do século XX, com as preocupações comerciais e industriais específicas da
época.
Mesmo antes da Constituição Federal de 1988 eram claros os objetivos do
sistema de patentes enquanto efetivo instrumento no sentido de assegurar o
22
desenvolvimento nacional .
O atual sistema de patentes brasileiro (e internacional) estabelece requisitos
de patenteabilidade e prazos de proteção iguais para tecnologias diferentes, mas já
previa em sua história e tradição nacional e internacional, uma discriminação
positiva
estabelecendo
um
requisito
de
concedendo uma proteção temporal menor
24
patenteabilidade
diferenciado23
e
para os denominados modelos de
utilidade. Ou seja, já existe na história do sistema de patentes um tratamento
22
Arthur Carlos Bandeira, em discurso inaugural do III Seminário Nacional de Propriedade Industrial da
ABPI de 1983, o qual comemorava o centenário da Convenção da União de Paris para a Proteção
da Propriedade Industrial, ao tratar da propriedade industrial, afirmou que “[...] sua função principal é
assegurar o desenvolvimento de nossa própria comunidade, com suas fraquezas, talentos e
peculiaridades. A subsistência do sistema depende, assim, de um cuidadoso equilíbrio dos seus
benefícios e encargos. Um mecanismo justo e eficiente de caducidade de patentes e marcas, a
ampliação das áreas em que não se concede patente, e basicamente, a eficácia administrativa do
órgão encarregado de conceder privilégios e registros são as garantias de que este equilíbrio seja
mantido” (Anais do III Seminário Nacional de Propriedade Industrial da ABPI, Porto Alegre, 29 e
30 de agosto de 1983, p. 23).
23
Ao invés da “atividade inventiva” prevista como um dos requisitos de patenteabilidade das
invenções, para os modelos de utilidade (que seriam “invenções ou melhorias com menor grau de
inventividade”) o requisito de patenteabilidade é o “ato inventivo”.
24
Da mesma forma, quanto ao lapso temporal de exclusividade, o prazo legal da patente de modelo
de utilidade é de 15 anos ao invés de 20 anos previsto para as invenções.
28
diferenciado concedido às tecnologias diferenciadas com base no grau de
inventividade das tecnologias.
Em um comparativo entre a história do sistema de patentes brasileiro e do
sistema de patentes estadunidense, verifica-se que, em momentos históricos
diversos, os posicionamentos em defesa de um desenvolvimento nacional são
similares, mas em relação ao tratamento de tecnologias, nos EUA não há
discriminação positiva expressa na adoção de patentes de modelo de utilidade.
Neste ponto, vale uma retrospectiva histórica do direito estadunidense. Na
história do direito de patentes dos Estados Unidos, de acordo com a Lei de Patentes
25
26
estadunidense de 1790, novidade relativa , patentes de importação , inexistência
27
do requisito da não obviedade , constituíam algumas das características que
formavam o sistema de patentes estadunidense para atender a cláusula
constitucional focada em promover o progresso da ciência e das artes úteis.
Em trabalho de fôlego sobre a história do sistema de patentes desde 1787 até
1836, identificando a origem da cláusula constitucional relacionada à propriedade
intelectual,
28
Walterscheid ,
cogitando
diversas
hipóteses,
cumulativas
ou
alternativas, da origem, debate e inclusão dessa cláusula constitucional, esmiúça o
significado à época das palavras e termos que a compõe:
25
Se a invenção ou descoberta fosse nova apenas nos Estados Unidos já estava preenchido o
requisito da novidade relativa. Tal dispositivo de novidade relativa seguiu as normas originais
inglesas que também lidavam com a novidade relativa, de modo que tudo feito fora da Inglaterra
não feria o requisito da novidade relativa.
26
Tendo em vista a interpretação do requisito de novidade como sendo relativa, era possível e comum
as chamadas “patentes de importação”, nas quais empresários ou “descobridores” estadunidenses
viajavam, principalmente para a Europa, e copiavam invenções de lá, requerendo a sua proteção
interna nos Estados Unidos, por se tratarem de “descobertas” que preenchiam o requisito da
novidade relativa, não sendo conhecidas ou usadas nos Estados Unidos até o momento.
27
O rigor era baixo quanto à real contribuição da invenção ou descoberta em relação ao estado da
técnica existente, pois a concessão da patente pelo governo atendia aos requisitos de “suficiente
utilidade e importância” ao invés do requisito de não obviedade, o que acabava por permitir
patentes muito semelhantes e que não contribuíam verdadeiramente para o progresso tecnológico.
28
WALTERSCHEID, Edward C. To Promote the Progress of Useful Arts – American Patent Law
and Administration, 1787 – 1836. Littleton, Colorado: Rothman & Co., 1998, p. 50-51.
29
The use of the term “science” is straightforwardly by the fact that in the
latter part of the eighteenth century it was synonymous with “knowledge” and
“learning”.
[…]
The origin of the words “useful arts” meant basically helpful or valuable
trades. Thus to promote the progress of useful arts presupposed an intent to
29
advance or forward the course or procession of such trades .
Ou
seja,
o
sistema
foi
desenhado
para
desenvolver
o
conhecimento/aprendizado e o comércio útil ou de valor, sem possuir qualquer base
teórica voltada para o reconhecimento de direito natural embasado em teorias do
trabalho ou da personalidade, mas sim objetivos específicos de desenvolvimento
econômico interno.
Desde a sua primeira Lei de Patentes os Estados Unidos já estavam
preocupados com a obrigação do inventor não apenas revelar a sua invenção ou
descoberta, mas também em condicionar a concessão da patente ao requisito de
que a descrição fosse suficientemente clara e detalhada para que alguém
“habilitado na área”30 tivesse condições de fazer, construir ou usar a invenção, para
que o público, ao final, pudesse ter o total benefício da tecnologia quando do final do
31
prazo de vigência da patente, conforme Seção 2 do Patent Act de 1790 .
Tendo em vista os problemas evidentes da primeira Lei de Patentes dos
Estados Unidos, logo em 1793 já entrou em vigor o novo Patent Act, deixando o
sistema de patentes menos burocrático e com exame menos rigoroso, mas, ao
29
30
31
Tradução livre: O uso do termo “ciência” sofreu evolução tendo em vista o fato de que na parte final
do século dezoito era sinônimo de “conhecimento” e “aprendizado”. [...]. A origem das palavras “arte
útil” significava basicamente útil ou valioso para o comércio. Assim, promover o progresso das artes
úteis pressupunha uma intenção em avançar ou ir adiante ao curso ou processo de dito comércio.
Existem várias definições ou sinônimos usados comumente para a definição de “técnico no
assunto”, sendo que se pode resumir naquela pessoa com formação na área específica da
invenção e que tenha conhecimento ou atuação específicas na área tecnológica relacionada
diretamente à invenção.
Seção 2 do Patent Act de 1790: “[...] which specification shall be so particular, and said models so
exact, as not only to distinguish the invention or discovery from other things before known and used,
but also to enable a workman or other person skilled in the art or manufacture, whereof it is a
branch, or wherewith it may be nearest connected, to make, construct, or use the same, to the end
that the public may have the full benefit thereof, after the expiration of the patent term [...]”.
30
mesmo tempo, acabando por gerar um maior número de processos judiciais,
32
conforme acentua Matsuura :
Under the 1793 act, any disputes associated with the substance of patents
would be resolved in federal courts. That shift was altered with the next
substantial revision of U.S. patent law, in 1836, when the process was
revised to return to a more rigorous substantive review of applications.
One important consequence of a patent process that is more a registration
system than an examination and review system is that it tends to shift power
from the patent examiner to the courts.33
Outra crítica feita no sentido de que a ausência de análise de mérito do
pedido de patente sob a vigência do Patent Act de 1793 era prejudicial ao sistema
34
de patentes e sistema judicial como um todo foi destacada por Walterscheid ,
afirmando que ao invés de tirar das mãos do Presidente a tarefa de analisar e
conceder patentes através de simplesmente tornar o sistema sem exame de mérito,
o ideal seria evitar disputas judiciais caras através da criação de cargos de
examinadores de patentes que teriam a função e responsabilidade de realizar a
análise de mérito de cada pedido de patente.
O sistema de análise de mérito por um examinador habilitado35 foi instituído
apenas no Patent Act de 1836.
Walterscheid reporta-se ao gráfico elaborado da evolução anual do número
de patentes concedidas nos EUA no período de 1791 a 1840 demonstrando, entre
outros fatores, que a alteração do sistema sem exame de mérito para o sistema com
32
MATSUURA, Jeffrey H. Jefferson vs. The Patent Trolls – A Populist Vision of Intellectual Property
Rights. Estados Unidos: University of Virginia Press, 2008, p. 92.
33
Tradução livre: Sob o Ato de 1793, quaisquer disputas associadas a questões de patentes deveriam
ser resolvidas nas cortes federais. Esta mudança foi alterada com a próxima revisão substancial da
Lei de Patentes dos EUA em 1836, quando o processo foi revisado para voltar a ter uma revisão
mais rigorosa de mérito dos pedidos de patentes. Uma conseqüência importante de um processo
de patente mais caracterizado como um sistema de registro ao invés de um sistema de exame e
revisão é que tende a mudar o poder do examinador de patentes para os tribunais.
34
WALTERSCHEID, Edward C. Op. Cit., p. 212-213.
35
O que acaba com o problema de falta de tempo da Secretaria de Estado para analisar o mérito de
tantas patentes.
31
exame de mérito a partir de 1836
36
não resultou em alterações consideráveis no
37
número de patentes concedidas nos EUA .
Fato é que a base do sistema de patentes moderno estadunidense está
extremamente vinculada ao Patent Act de 1836, reconhecendo a necessidade de
um exame de mérito prévio à concessão das patentes, evitando-se assim que as
disputas no Judiciário sejam maiores do que já são atualmente.
Importante notar que o sistema de concessão de patentes com exame prévio
dos requisitos de patenteabilidade atualmente tem que lidar com um volume
gigantesco e crescente de pedidos de patente, o que fez com que o USPTO tivesse,
em 2007, 8.913 funcionários para todos os setores, sendo que deste total, o
assombroso número de 5.477 examinadores de patentes, ou seja, em 2007, 61,45%
de todos os funcionários do United States Patent and Trademark Office – USPTO
38
eram Examinadores de Patentes, de acordo com dados do próprio USPTO .
Em que pese tais dados, constantes são as críticas ao USPTO quanto à
concessão de patentes “fracas”, ou seja, com má qualidade de exame e inválidas.
36
Ver a longa seção 7 do Patent Act de 1836 que afirma “[...] the Commissioner shall make, or cause
to be made, an examination of the alleged new invention or discovery; and if, on any such
examination, it shall not appear to the Commissioner that the same had been invented or discovered
by any other person in this country prior to the alleged invention or discovery thereof by the
applicant, or that it had been patented or described in any printed publication in this or any foreign
country, or had been in public use or on sale with the applicant's consent or allowance prior to the
application, if the Commissioner shall deem it to be sufficiently useful and important, it shall be his
duty to issue a patent therefore […]”. Tradução livre: O Comissário deve fazer, ou dar causa a
realizar, um exame da alegada nova invenção ou descoberta; e se, em qualquer dos exames, não
parecer ao Comissário que esta foi inventada ou descoberta por qualquer outra pessoa neste país
antes da alegada invenção ou descoberta feita pelo requerente, ou que tenha sido patenteada ou
descrita em qualquer publicação impressa neste ou em um país estrangeiro, ou tenha sido usada
publicamente ou em vendas com o consentimento do requerente ou com sua autorização anterior a
data do requerimento, se o Comissário entender ser suficientemente útil e importante, deve ser o
seu dever deferir a patente [...].
37
WALTERSCHEID, Edward C. Op. cit., p. 245-247. Por exemplo, em 1831 foram concedidas 573
patentes contra 752 e 702 patentes concedidas em 1835 e 1836, respectivamente. Incrível o
crescimento do número de patentes concedidas nos EUA se comparados os dados após mais de
170 anos depois, pois apenas em 2006 o USPTO concedeu 154.760 patentes, sendo que no
mesmo ano foram requeridas nada menos do que 390.815 patentes perante o USPTO. Em um
comparativo direto, cumpre destacar que no Japão, em 2006, foram concedidas 217.364 patentes
pelo JPO, sendo que no mesmo ano foram requeridas 514.047 patentes. Dados do World Patent
Report:
A
Statistical
Review
(2008).
Disponível
em:
<http://www.wipo.int/ipstats/en/statistics/patents/wipo_pub_931.html#tables>. Acesso em: 14 mar.
2009.
38
Dados do próprio USPTO. Disponíveis em: <www.uspto.gov>. Acesso em: 15 mar. 2009.
32
Após 1836 houve evoluções pontuais no sistema de patentes estadunidense,
tais como em 1839 com a introdução do período de graça e em 1842 com a
introdução das design patents (proteção apenas do aspecto visual via patente de
desenho industrial).
Em 1850 houve o destaque pela Suprema Corte dos Estados Unidos da
América de que além dos requisitos de novidade e utilidade (new and usefull) a
39
invenção também tinha que ser não óbvia (non-obvious) .
Já em 1870 houve a unificação da legislação em um único Patent Act,
destacando-se a introdução na legislação (já reconhecida pela jurisprudência) de
que na descrição do pedido de patente deve ser indicada “a melhor forma de
execução da patente conhecida pelo requerente na data do pedido” (best mode
requirement)40. No mesmo ano, em dezembro, o Juiz Clifford, da Suprema Corte dos
41
Estados Unidos, no julgamento do caso Seymour v. Osborbe , que:
Letters patent are not to be regarded as monopolies, created by the
executive authority at the expense and to the prejudice of all the community
except the persons therein named as patentees, but as public franchises
granted to the inventors of new and useful improvements for the purpose of
securing to them, as such inventors, for the limited term therein mentioned,
the exclusive right and liberty to make and use and vend to others to be used
their own inventions, as tending to promote the progress of science and the
useful arts, and as matter of compensation to the inventors for their labor,
toil, and expense in making the inventions, and reducing the same to
39
40
41
Ver caso da Suprema Corte dos EUA: Hotchkiss v. Greenwood 52 U.S. (11 How.) 248. Neste caso,
a novidade e utilidade da invenção baseavam-se na simples troca de material utilizado no produto,
de modo que a patente foi anulada pela Suprema Corte por ser óbvia para “um mecânico
normalmente versado na área”.
Ver Seção 26 do Patent Act de 1870: That before any inventor or discoverer shall receive a patent
for his invention or discovery, he shall make application therefor, in writing, to the commissioner, and
shall file in the patent office a written description of the same, and of the manner and process of
making, constructing, compounding, and using it, in such full, clear, concise, and exact terms as to
enable any person skilled in the art or science to which it appertains, or with which it is most nearly
connected, to make, construct, compound, and use the same; and in case of a machine, he shall
explain the principle thereof, and the best mode in which he has contemplated applying that principle
so as to distinguish it from other inventions; and he shall particularly point out and distinctly claim the
part, improvement, or combination which he claims as his invention or discovery; and said
specification and claim shall be signed by the inventor and attested by two witnesses.
Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Seymour v. Osborbe. Dezembro de 1870, 78 U.S.
516, 20 L.Ed. 33, 11 Wall. 516.
33
practice for the public benefit, as contemplated by the Constitution and
sanctioned by the laws of Congress.42
Em 1887 os Estados Unidos aderiram à Convenção da União de Paris para a
Proteção da Propriedade Industrial, obrigando-se a reconhecer e processar, sem
invalidar, um pedido de patente feito por um membro da denominada União de
Paris, garantindo a prioridade da data do depósito da patente no País de origem
dentro do prazo determinado na Convenção de Paris.
Uma data histórica na legislação estadunidense foi 1890 com a entrada em
vigor do Sherman Act estabelecendo normas de direito antitruste em suas 8 seções,
sendo que tais aspectos serão tratados no capítulo referente à evolução do direito
antitruste estadunidense.
Mas apenas no século XX que nos Estados Unidos se iniciou um
reconhecimento maior da importância da intersecção do direito de patentes com o
direito concorrencial, quando a interpretação do Sherman Act passou a claramente
enxergar o direito de patentes como um fator contributivo da extensão indevida de
43
monopólios econômicos. De acordo com Ladas :
In general the twentieth century has seen a dynamic interrelationship
between the patent system and the application of antitrust laws. Although the
first antitrust law, the Sherman Act, was enacted in 1890, the courts did not
start to give it teeth until Theodore Roosevelt’s administration (1901-1909). It
was not until the 1930's that the patent system started to come under attack,
being viewed as assisting in the maintenance of monopolies that were seen
as being at least a contributing factor to the economic misery of the thirties.
This skepticism about the patent system survived World War II and
42
Tradução livre: Cartas-Patente não devem ser consideradas como monopólios, criadas pela
autoridade executiva à custa e prejuízos de toda a comunidade com exceção das pessoas
nomeadas como titulares das patentes, mas sim como franquias públicas concedidas aos
inventores para melhoramentos novos e úteis com o objetivo de assegurar a estes, como
inventores, por um prazo limitado estabelecido, o direito exclusivo e a liberdade de fazer, usar e
vender para terceiros as suas próprias invenções, tendo em vista a tendência em promover o
progresso da ciência e das artes úteis, e como compensação aos inventores pelo seu trabalho,
suor e despesas em realizar as invenções e colocá-las em prática para o benefício público, como
contemplado na Constituição e sancionado pelas Leis do Congresso.
43
LADAS & PARRY. A brief history of the Patent Law of the United States. Disponível em:
<http://www.ladas.com/Patents/USPatentHistory.html>. Acesso em: 27 abr. 2009.
34
blossomed again in the depressed economic conditions of the 1970's, a
period of strong anti-trust enforcement.44
De uma forma indireta, desde o final do século XVIII já havia ponderações
45
com o sistema de patentes, pois, na descrição de Matsuura , Thomas Jefferson já
se preocupava com os possíveis efeitos nocivos do monopólio legal temporário:
Jefferson shared the growing public concern with regard to monopolies,
noting in a 1788 letter to James Madison that ‘monopolies are sacrifices of
the many to the few’. Yet, he also recognized, in a 1790 letter to Benjamin
Vaughan, that patents had ‘given a spring of invention beyond my
conception’. While he acknowledged that many of the patents were ‘trifling’,
he noted that ‘there are some of great consequence’. Thus, although
Jefferson was concerned about the use of monopolies to encourage
invention, he recognized that patents did provide incentives for inventive
work.46
As alterações começaram a ser mais freqüentes na Lei de Patentes
estadunidense a partir de 1952 que se caracterizou como um ano de profundas
modificações, tais como a imposição de um limite de dois anos para que o inventor
alterasse aumentando o espectro de proteção das reivindicações de sua patente
após a mesma ter sido concedida; a possibilidade legal de uma patente permanecer
válida após um processo de nulidade parcialmente procedente para algumas das
reivindicações da patente também foi introduzida em 1952 (antes disso, se parte da
44
Tradução livre: No geral, o século vinte tem representado um inter-relacionamento dinâmico entre o
sistema de patentes e a aplicação das leis antitrustes. Apesar da primeira lei antitruste, o Ato
Sherman, ter se estabelecido em 1890, as cortes ainda não tinham dado força até a Administração
de Theodore Roosevelt (1901-1909). Mas não foi antes do ano de 1930 que o sistema de patentes
começou a ser atacado, sendo visto como uma ajuda a manutenção de monopólios que eram
vistos pelo menos como um fator de contribuição para a miséria econômica dos anos trinta. Esse
ceticismo sobre o sistema de patentes sobreviveu até a Segunda Guerra Mundial e reapareceu na
depressão econômica dos anos de 1970, um período de forte aplicação de regulação antitruste.
45
MATSUURA, Jeffrey H. Jefferson vs. Op. Cit., p. 97.
46
Tradução livre: Jefferson compartilhou a crescente preocupação pública com relação aos
monopólios, destacando em uma carta datada de 1788 a James Madison que ‘monopólios são
sacrifícios de muitos para poucos’. Ainda, ele também reconheceu, em uma carta de 1790 a
Benjamin Vaughan, que patentes têm ‘conferido um impulso de invenção além da minha
concepção’. Enquanto ele se dava conta de que muitas das patentes eram ‘insignificantes’, ele
notou que ‘havia algumas grandes conseqüências’. Assim, apesar de Jefferson preocupar-se sobre
o uso dos monopólios para encorajar a invenção, ele reconheceu que patentes geravam incentivo
para o trabalho inventivo.
35
patente fosse invalidada, nada mais restaria válido); entre outras alterações no
47
sistema de patentes que são resumidas por Ladas e Parry .
Interessante notar que o sistema de patentes estadunidense passou por
algumas mutações procedimentais, de enforcement, abrangência e interpretação do
que seria considerado patenteável e, com base em teorias aplicáveis na análise
comparativa com o estado da técnica e da existência de violação (p.ex. teoria dos
equivalentes), o que seria considerado como violação parcial e por dependência.
Dentro desta seara pós-moderna, o direito de patentes estadunidense
promoveu algumas “respostas” que, nos dias atuais, estão sendo consideradas não
tão apropriadas quanto inicialmente eram julgadas. Já em 1999, William Fisher48
49
notou tais problemas que, em parte, hoje justificam o Patent Reform Act
em
trâmite no Congresso dos Estados Unidos da América e algumas tendências da
47
48
49
LADAS & PARRY. Op. Cit., trazem um histórico das principais alterações legislativas ocorridas em
1954 (Alteração na legislação de patentes de plantas), 1965 (presunção de validade da patente é
aplicada de forma independente em cada reivindicação da patente, 1966 (Suprema Corte
estabelece no caso Graham v. John Deere qual é o teste apropriado para decidir se uma
reivindicação ou mais da patente são óbvias ou não), 1971 (Suprema Corte ampliou o efeito da
decisão final de invalidade das patentes de inter partes para erga omnes, conforme decidido em
Blonder-Tongue v. University of Illinois), 1978 (Tratado de Cooperação em Patentes entra em vigor
nos EUA), 1980 (entra em vigor a cobrança de taxas oficiais de manutenção das patentes em vigor
após a sua concessão pelo USPTO, criada a possibilidade de reexame da patente, reforçando que
“qualquer coisa feita pelo homem abaixo do sol é suscetível de patenteabilidade, 1982 (criada a
CAFC, a arbitragem para discutir a existência de infração ou de validade da patente passou a ser
feita, EUA foram bem sucedidos porque conseguiram incluir na pauta da rodada do Uruguai do
GATT o tema da Propriedade Intelectual). 1988 (EUA implementam a extensão do prazo de
patentes caso haja atraso da FDA na aprovação do medicamento correspondente à patente
concedida, definição legal de que a patente não está sem efeito por alegado uso desviado da
mesma por motivo de recusa no licenciamento da mesma ou por acordos com concorrentes, a não
ser que o titular da patente tenha poder de mercado em determinada área relevante).
FISHER, William W. The Growth of Intellectual Property: A History of the Ownership of Ideas in
the United States. 1999. Disponível em: <http://cyber.law.harvard.edu/property99/history.html>.
Acesso em: 12 mar. 2009.
Iniciado com uma proposta de alterações no sistema de patentes em 2005, o Patent Reform Act propõe
diversas alterações substanciais relacionadas ao processo de obtenção e ao direito de patentes nos EUA.
Após algumas adaptações em seu trâmite, hoje representado pela proposta do Patent Reform Act of 2009,
algumas das propostas vem a se alinhavar com boa parte do sistema de patentes mundial, estando entre
elas: Alteração do sistema do First to invent para o First to file; possibilidade de terceiros interessados
apresentarem subsídios contra a concessão da patente no curso do processo administrativo e antes do
julgamento pelo Examinador de Patentes do USPTO e de forma a auxiliar o mesmo em sua análise; altera
questões relacionadas à indenização por violação de patente; entre outras questões propostas no documento
de 2009. Interessante notar que tais propostas vêm sendo amplamente debatidas desde 2005, mas, se por
um lado entende-se que como um todo o Patent Reform Act irá enfraquecer os direitos dos titulares de
patentes e tornar mais burocrático o processo administrativo de obtenção, por outro lado, além de se
alinhavar com a massiva maioria dos países, gera um procedimento administrativo mais justo (com maior
probabilidade de acerto) e um poder de enforcement mais equilibrado.
36
Suprema Corte dos EUA em tornar mais rigorosos os requisitos para a procedência
de liminares em processos judiciais de titulares de patentes:
This proliferation of the kinds of potentially patentable inventions has been
paralleled by expansion of the set of entitlements encompassed by a patent.
The doctrine that best exemplifies that expansion is the concept of
"equivalents." Ordinarily, the rights of a patent owner are defined, not by the
scope of his invention, but by the language of his "claims"; a rival's product
will infringe the patent if and only if it falls within the bounds of a valid claim.
In the nineteenth century, rivals would sometimes take advantage of this
principle. By constructing products that differed in minor respects from
patentees' claims, they sought to avoid liability. Toward the end of the
century, the courts developed the equitable doctrine of "equivalents" to
prevent such evasive maneuvers. Since that time, four developments have
transformed the doctrine into a powerful weapon in the hands of patentees.
First, the courts have abandoned the notion that an "equivalents" inquiry is
only appropriate when there is evidence that the defendant has deliberately
copied the plaintiff's invention or engaged in some other kind of fraud; now
the doctrine is available in every case. Second, the formulas used by the
courts to define the ambit of the doctrine have become more favorable to
patentees; now plaintiffs need only show that defendants' products are not
"substantially" different from the patent's claims. Third, the increasingly
common use of juries in patent cases has resulted in increasingly generous
(to patentees) interpretation of the doctrine. Finally, courts have held that the
doctrine of equivalents may be invoked by patentees even when the
defendant's product or activity only became possible as a result of new
technology -- in other words, even if the defendant's product or activity could
not have been foreseen at the time the patent was granted.
What about the manner in which the Patent Office and courts have
interpreted and applied the standard requirements of patentability -- novelty,
nonobviousness, utility, etc.? Here the dramatic shift in favor of patentees
has been more recent. Roughly speaking, the nineteenth century was
characterized by ever more generous interpretation of the statutory criteria.
Partly as a result, patents became important to many companies and
industries. Between the First and Second World Wars, however, the tide
turned. Angered by anticompetitive uses of patents by large companies, both
the Patent Office and the courts became substantially less willing to grant or
uphold questionable patents. Beginning in the 1950s, the Patent Office
became more generous, but the federal courts varied widely in their
willingness to go along. The creation in 1982 of the Court of Appeals for the
Federal Circuit eliminated these variations. Equally importantly, the new court
(as its advocates had foreseen) has been much more favorable to patentees
-- sharply lowering the bar of "nonobviousness" and encouraging
37
more generous damage awards.
50
Chamar a atenção que o sistema de patentes estadunidense vem passando
por transformações em sua história buscando sempre o atendimento da cláusula
constitucional que assevera como norte a ser cumprido “a promoção do progresso
da ciência e das artes úteis, garantindo, por um período limitado, aos autores e
51
inventores o direito de exclusividade aos seus respectivos escritos e descobertas” .
Fato é que essas transformações se originam de críticas envolvendo velhos
tratamentos de tecnologias modernas e demonstrações de falhas atuais no sistema
50
Tradução livre: Essa proliferação dos tipos de invenções potencialmente patenteáveis tem sido
paralelamente acompanhada pela expansão dos direitos sobre uma patente. A doutrina que melhor
exemplifica essa expansão é o conceito dos “equivalentes”. Normalmente, os direitos de um titular
de patente são definidos não pelo escopo da invenção, mas pela linguagem das “reivindicações”;
um produto rival irá infringir a patente se, e apenas se, enquadrar-se dentro das fronteiras de uma
reivindicação válida. No século XIX rivais tiravam vantagem algumas vezes desse princípio. Através
da construção de produtos que diferiam em pequenos aspectos em relação às reivindicações das
patentes protegidas, eles procuravam evitar violação. Mais adiante no final do século, as cortes
desenvolveram a doutrina dos “equivalentes” para prevenir tais manobras evasivas. Desde aquele
tempo, quatro desenvolvimentos transformaram a doutrina em uma poderosa arma nas mãos dos
titulares de patentes. Primeiro, as cortes abandonaram a noção de que uma análise de
“equivalentes” somente é apropriada quando há evidência de que o réu tenha deliberadamente
copiado a invenção do autor ou realizado algum outro tipo de fraude; agora a doutrina é disponível
em qualquer tipo de caso. Segundo, a fórmula utilizada pelas cortes para definir o âmbito da
doutrina passou a ser mais favorável aos titulares de patentes; agora os autores precisam apenas
mostrar que os produtos dos réus não são “substancialmente” diferentes das reivindicações da
patente. Terceiro, o aumento do uso de júris em casos de patentes resultou em um aumento
generoso (para os titulares de patentes) da interpretação da doutrina dos equivalentes. Finalmente,
cortes têm afirmado que a doutrina dos equivalentes pode ser invocada pelos titulares de patentes
mesmo que o produto do réu ou sua atividade não podiam ser constatados na época em que a
patente foi concedida.
E o que dizer da forma como o Escritório Oficial de Patentes e as cortes têm interpretado e aplicado
os requisitos de patenteabilidade – novidade, não obviedade, utilidade, etc.? Aqui está uma
mudança dramática em favor dos titulares de patentes que é mais recente. Falando de forma
grossa, o século XIX foi caracterizado por uma ainda mais generosa interpretação dos critérios
estatutários. Como um resultado parcial, patentes se tornaram importantes para muitas empresas e
indústrias. Entre a primeira e segunda Guerra Mundial, no entanto, a maré virou. Descontentes com
os usos anticompetitivos feitos por patentes de grandes empresas, tanto o Escritório de Patentes
quanto as cortes tornaram-se substancialmente com menor disposição para conceder ou sustentar
patentes questionáveis. Começando nos anos 50, o Escritório de Patentes se tornou mais
generoso, mas as cortes federais variavam muito na sua vontade em seguir o mesmo caminho. A
criação, em 1982 da Corte de Apelações do Circuito Federal eliminou essas variações. Igualmente
importante, a nova corte (como os seus advogados a anunciavam) começou a ser muito mais
favorável aos titulares de patentes – reduzindo o rigorismo no exame da “não obviedade” e
encorajando a concessão de indenizações ainda maiores por danos.
51
Section 8 of the United States Constitution: […] To promote the progress of science and useful arts,
by securing for limited times to authors and inventors the exclusive right to their respective writings
and discoveries.
38
52
de patentes da forma como é tratado pelos EUA , assim como o já destacado
Patent Reform Act em discussão desde 2005 nos EUA que propõe mudanças
significativas no sistema de patentes estadunidense.
Perante os Tribunais, igualmente o sistema vem sendo alterado após a onda
de supervalorização e excesso de credibilidade conferido às patentes concedidas
pelo USPTO. Nos casos anteriores ao caso Mercantile Exchange v. eBay, por
exemplo, a concessão de liminares dependia apenas da existência de prova de que
o autor da ação era o detentor da patente (possuía a Carta-Patente concedida pelo
USPTO) e prova de que o réu estava violando uma ou mais reivindicações da
patente. Verificam-se, portanto, diversas decisões recentes concedendo liminares53
54
e outras não as concedendo , tendo-se como um divisor de águas o chamado caso
55
eBay . Ou seja, atualmente nos EUA a obtenção de liminares preliminares ou
definitivas se tornou mais difícil, pois os requisitos são maiores do que aqueles
aplicados pela CAFC desde o início dos anos 80 até o julgamento da Suprema
Corte dos EUA no caso eBay mencionado.
52
Ver Jaffe & Lerner (2004) e Bessen & Meurer (2008).
Ver, exemplificativamente, alguns casos recentes de deferimento de injunctions: Global Traffic
Technologies Llc V. Tomar Electronics, Inc. (2009); Acumed Llc v. Stryker Corporation, Stryker
Sales Corporation, Stryker Orthopaedics, and Howmedica Osteonics Corporation; 3M v. Avery
Dennison (2006); TiVo Inc. v. Echostar Communications Corp. (2006); Rosco, Inc. v. Mirror Lite Co.
(2006).
54
Ver, igualmente, alguns casos exemplificativos de indeferimento de injunctions: Z4 Techs., Inc. v.
Microsoft corp. (2006); Paice LLC v. Toyota Motor Corp. (2006).
55
Mercantile Exchange v. eBay. O denominado caso eBay não envolve um pedido de injunção
preliminar, mas sim de injunção permanente. No entanto, trata-se de caso de alta relevância na
jurisprudência estadunidense porque traz questionamento a respeito da análise dos quatro fatores
relevantes para a concessão de liminares. Neste caso específico, cumpre analisar brevemente o
seu histórico, começando pelo indeferimento da liminar pela Corte Distrital, entendendo esta que: a)
não havia dano irreparável porque Mercantile Exchange tinha intenção de licenciar (inclusive para
eBay), não colocava produtos no mercado diretamente com esta patente e não havia requerido
uma liminar; b) a compensação financeira seria o remédio adequado, tendo em vista a prédisposição da Mercantile Exchange em licenciar a patente; c) o balanceamento dos danos para
cada parte favorecia mais à eBay (que teria maiores e injustificados danos com o eventual
deferimento da liminar); d) o interesse público não favorecia nenhuma das partes, pois tratava-se
de patente de método de negócios e o fato da autora Mercantile Exchange não usar a patente no
mercado, mas apenas buscar o licenciamento e a abstenção de uso contra terceiros.
Posteriormente, a Corte de Apelações do Circuito Federal (CAFC) reverteu a decisão aplicando a
regra geral de que as Cortes devem deferir injunções permanentes em casos de clara infração de
patente, a não ser que existam circunstâncias especiais, como no caso de defesa de saúde pública.
O caso foi parar na Suprema Corte dos Estados Unidos que determinou que o processo voltasse
para a origem para que a regra dos quatro requisitos fosse aplicada (dano irreparável; inadequação
dos demais remédios legais; balanceamento dos danos a serem suportados por autor e réu com o
deferimento ou não deferimento da liminar; e o interesse público envolvido).
53
39
O direito está em constante transformação em todas as sociedades, de modo
que engessar definições e leis gera estagnação legal não condizente com a
evolução social. Na área de patentes e direito concorrencial ocorre da mesma
forma, pois algumas tecnologias não patenteáveis há décadas atrás, passaram a ser
patenteáveis atualmente e poderão deixar de o ser no futuro, assim como
determinadas condutas no mercado concorrencial que eram permitidas no passado,
deixaram de o ser no presente. O que importa saber é qual fio condutor que deve
ser observado nessa evolução constante das formas de pensar, agir e reagir.
No Direito estadunidense não há dúvida de que o fio condutor é recapado por
uma teoria utilitarista, sendo que as atitudes presentes visam a maior eficiência
possível, admitindo-se “efeitos colaterais”, desde que o “saldo” seja positivo.
Neste sistema, diferentemente do europeu, não há a diferenciação entre
patentes de modelo de utilidade e de invenção, no entanto, o requisito para a
obtenção de uma patente de invenção é menos rigoroso que de uma patente de
56
modelo de utilidade .
No contexto dos EUA até onde pode ir o trabalho hermenêutico e a partir de
onde é necessária a alteração legislativa para adequação do sistema à realidade
atual? O Patent Reform Act é uma prova de que muitas alterações são necessárias,
assim como algumas delas, referentes ao tratamento diferenciado de tecnologias
57
diferentes com base no princípio da igualdade, ainda não são cogitadas .
Certamente, um sistema de patentes em um ambiente concorrencial diferente
do brasileiro deve ter as suas adaptações específicas, pois, de acordo com Luciano
56
Nos EUA o requisito brasileiro de “atividade inventiva” para a concessão de patente é denominado
de requisito da “não obviedade”.
57
Exemplificativamente, Adam Jaffe e Josh Lerner (Innovation and Its Discontents, 2004) já se
posicionaram destacando a problemática igualdade de prazo de proteção às patentes para todas as
áreas tecnológicas, mas concluem defendendo que um estabelecimento de prazos diferentes de
proteção irá gerar um outro problema de difícil solução referente às pressões legislativas
específicas de cada área tecnológica. Concluem que seria praticamente impossível estabelecer
prazos diferenciados de proteção de uma forma justa, evitando influências e pressões setoriais.
40
Benetti Timm
58
o mercado brasileiro não é, evidentemente, idêntico ao mercado
americano ou ao mercado europeu.
Em especial, uma análise do ambiente concorrencial brasileiro faz-se
importante para demonstrar as similaridades e diferenças frente ao sistema
estadunidense.
Interessante examinar o direito concorrencial brasileiro através de uma
provocação inicial exposta por Paula Forgioni
59
que estabelece algumas diferenças
entre as normas antitruste e aquelas de repressão à concorrência desleal:
É no bem jurídico diretamente tutelado pelos dois diplomas que
encontramos a diferença entre as normas antitruste e aquelas de repressão
à concorrência desleal. Nestas, o bem imediatamente tutelado refere-se ao
concorrente, ao passo que o direito antitruste atenta à concorrência, ao
mercado. Nas primeiras cuida-se da lisura do concorrente em seu interagir
com os outros agentes econômicos, enquanto nas segundas preocupa a
manutenção e condução da estrutura do mercado. Ademais, tenha-se em
mente, como bem ensina Machlup, que o prejuízo causado a um
concorrente ou aos concorrentes é bem diverso do prejuízo à concorrência.
Cuidados hermenêuticos devem ser tomados ao interpretar a afirmação
acima, pois se deve entender como “bem jurídico diretamente tutelado” não os
objetivos e fundamentos da Lei 9.279/96 (os quais estão vinculados às premissas
constitucionais anteriormente delineadas), mas sim que para atender esses
objetivos
voltados
à
coletividade
há
a
necessidade
de
regular
direitos
individualmente considerados no âmbito concorrencial, conforme destacado por
60
Ricardo Aronne :
58
TIMM, Luciano Benetti. Contrato internacional de transferência de tecnologia no Brasil. In: TIMM,
Luciano Benetti; PARANAGUÁ, Pedro (Org.). Propriedade intelectual, antitruste e
desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 95.
59
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 287.
60
ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 107.
41
A própria economia, no Estado Social, para além do decantado discurso de
eficiência, deve se abeberar dos direitos fundamentais para ganhar sentido
e resultar em um mercado includente que contribua na redução das
desigualdades. Jamais dará sentido aos direitos fundamentais, para
desnaturá-los ou monetarizá-los, com seu falso determinismo utilitarista. Ao
contrário.
Deve retirar deles o seu sentido; pois algo que fundamenta a si mesmo,
autobiografa-se fundamentalista. Para a economia, quando fechada em seu
sistema, o último fundamento (grund) afigurar-se-á abismo (abgrund) de um
não fundamento. Simplesmente por sua incapacidade de fundamentar. No
Estado Social e Democrático de Direito, não se tratará de uma opção de
eficiência o existencialismo humanista que lhe é inerente.
Ou seja, no sistema jurídico concorrencial brasileiro deve-se atentar para os
efeitos não desejáveis que opções eminentemente utilitaristas geram no
existencialismo humanista inerente aos valores estabelecidos pela Carta Política de
1988.
Tal entendimento deixa claro que as antigas concepções de Stuart Mill
61
sobre a liberdade há muito possuem suas bases alteradas, donde se infere que
liberdade sem regulação não gera o desenvolvimento no significado almejado pelo
Estado Democrático de Direito, havendo uma clara necessidade de regulação tanto
corretiva quanto preventiva.
Aliás, ressalte-se que a análise preventiva das condutas consideradas
anticoncorrenciais é relativamente recente, pois introduzida com a criação do CADE
através do Decreto-Lei 7666/45, além de outras inovações substanciais trazidas por
61
No seu “Ensaio sobre a liberdade” (obra original On Liberty, 1859, traduzida por Rita de Cássia
Gondim Neiva, [s.l.]: Escala, 2006, p. 132-133) John Stuart Mill afirma que “Mas agora é
reconhecido, embora somente após uma longa batalha, que tanto o barateamento quanto a boa
qualidade das mercadorias são mais eficazmente fornecidos deixando os produtores e vendedores
perfeitamente livres, sob o único controle de igual liberdade aos compradores para se abastecerem
em qualquer outro lugar. Essa é a assim chamada doutrina do livre comércio que repousa sobre
fundamentos diferentes, embora igualmente sólidos, do princípio da liberdade individual afirmado
nesse ensaio”.
42
62
este dispositivo legal de curta vigência .
Nesse sentido, ressaltando os atuais objetivos naturais do sistema
63
concorrencial brasileiro, destaca Valéria Guimarães de Lima e Silva
que:
Pela atual Constituição o Estado tem a incumbência de gerir o mercado,
alçado constitucionalmente à condição de patrimônio nacional (art. 219).
Isso indica que não somente os consumidores ou os agentes econômicos
são titulares do bem jurídico protegido pelo direito da concorrência, mas sim,
toda a coletividade, como atesta o parágrafo único do artigo 1° da Lei de
Defesa da Concorrência brasileira.
[...]
Uma vez que o mercado configura patrimônio nacional, a infração à ordem
econômica não precisa necessariamente se caracterizar pela conduta de um
agente contra outro agente, bastando para tanto que a consecução de uma
prática esteja voltada contra o próprio mercado.
Ultrapassando-se o aspecto atual constitucional/infraconstitucional do sentido
sistemático-valorativo do guarda-chuva concorrencial, fator de extrema relevância
para o Direito Concorrencial (e para o presente trabalho) é a definição de “mercado
relevante” para a aplicação ou não de determinadas disposições legais previstas na
Lei 8.884/94.
64
Na visão correta e atual de Paula Forgioni , a qual demonstra a
complexidade e as diferenças de posicionamentos internacionais, pode-se definir a
identificação do mercado relevante da seguinte forma:
62
De acordo com Valéria Guimarães de Lima e Silva. Direito Antitruste: Aspectos internacionais
(Juruá: 2007, p. 289 e seguintes), a curta vigência do Decreto-Lei 7666/45 e, mesmo após, com as
leis posteriores, não houve significativa evolução e casos no direito antitruste brasileiro no período
que vai de 1963 a 1990, foram iniciados no CADE apenas 337 procedimentos, dos quais resultaram
em apenas 117 processos administrativos e, em termos de condenação, apenas 16, das quais
todas foram suspensas pelo Poder Judiciário. Ou seja, a efetiva utilização do sistema antitruste
brasileiro passou a ter como marcos fundamentais a Constituição Federal de 1988 e a própria Lei
8.884/94 (que resolveu os conflitos anteriores existentes entre as Leis 4.137/62 e a 8.884/94).
63
SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. Direito Antitruste: Aspectos internacionais. Curitiba: Juruá,
2007, p. 305-306.
64
FORGIONI, Paula A. Op. Cit., p. 261.
43
Parece-nos que a tendência é a adoção de um mercado mais restrito para,
então, eventualmente mitigar a market share do agente com elementos que
geram sua contestabilidade.
Seguramente, o mercado relevante é construído em cada caso concreto.
Como vimos acima, não devemos ter a ilusão de que, nas situações reais,
existe um mercado relevante pronto para ser descoberto pelo intérprete; muito
ao contrário, cuida-se de uma operação lógica em que deve ser adotado um
procedimento peculiar que nos permite identificar as relações de concorrência
de que participa o agente econômico.
Em suma, podemos observar que cada autoridade antitruste costuma
desenvolver um método próprio de estudo e estabelecimento das fronteiras do
mercado relevante. Nos Estados Unidos, é ele recortado em torno do poder do
agente; quando se parte da constatação da sua capacidade de manter o novo
preço por um período razoável de tempo, no fundo, está-se medindo o poder
de mercado do agente, o quanto ele resiste às forças do mercado (=
concorrência). Os europeus, por sua vez, partem de uma técnica que tem em
vista, inicialmente, os eventuais substitutos do bem cogitado, o que desvincula
a delimitação do mercado relevante do poder de mercado, convergindo para a
relação concorrencial vista de uma maneira absolutamente instrumental. A
diferença entre os procedimentos, como vimos, é sutil, mas possui importância
prática. Tanto que vários autores, nos Estados Unidos, têm se manifestado
contra essa clássica forma de fixação do mercado relevante, pelas distorções
que pode apresentar.
Tal problemática de definição do mercado relevante é carregada para a
solução de aplicação concreta do disposto nos arts. 20 e 21 da Lei 8.884/9465,
fazendo com que, em especial na área de patentes, essa delimitação de mercado
relevante deva ser cuidadosamente analisada em cada caso concreto, pois o direito
65
Citam-se, exemplificativamente, algumas condutas reprimidas pela Lei 8.884/94: Art. 20. Constitui
infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não
sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista
no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;
XVI - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou
de tecnologia;
XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.
Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento
injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes,
considerar-se-á:
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo
dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade;
II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante de
alterações não substanciais;
III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos
comparáveis;
IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço de
bem ou serviço ou dos respectivos custos.
44
de excluir terceiros do uso de determinada tecnologia muitas vezes vai além do
próprio mercado de atuação do titular da patente.
Em recente caso julgado pela Suprema Corte dos EUA foram reafirmados os
objetivos do sistema antitruste estadunidense, em especial no que tange ao
mercado relevante, cumprindo reproduzir o seguinte trecho da decisão no caso
66
Verizon v. Trinko :
[…]
Finally, we do not believe that traditional antitrust principles justify adding
the present case to the few ex-isting exceptions from the proposition that
there is no duty to aid competitors. Antitrust analysis must always be attuned
to the particular structure and circumstances of the industry at issue. Part of
that attention to economic context is an awareness of the significance of
regulation.
[…]
One factor of particular importance is the existence of a regulatory structure
designed to deter and remedy anti-competitive harm. Where such a structure
exists, the additional benefit to competition provided by antitrust enforcement
will tend to be small, and it will be less plausible that the antitrust laws
contemplate such additional scrutiny.
[…]
Section 2 of the Sherman Act, by contrast, seeks merely to prevent unlawful monopolization. It would be a serious mistake to con-flate the two goals.
The Sherman Act is indeed the “Magna Carta of free enterprise,” United
States v. Topco Associates, Inc., 405 U. S. 596, 610 (1972), but it does not
give judges carte blanche to insist that a monopolist alter its way of doing
business whenever some other approach might yield greater competition.
We conclude that respondent’s complaint fails to state a claim under the
67
Sherman Act.
66
67
Suprema Corte dos Estados Unidos. VERIZON COMMUNICATIONS INC. v. LAW OFFICES OF
CURTIS V. TRINKO, LLP. 540 U. S. 398 (2004).
Tradução livre: […] Finalmente, nós não acreditamos que os princípios tradicionais do antitruste
justificam adicionar o presente caso às poucas exceções no sentido de que não há dever em ajudar
concorrentes. Análise antitruste deve sempre estar conectada à estrutura particular e circunstâncias
da indústria específica sob análise. Parte dessa atenção ao contexto econômico é um prêmio para
o significado da regulação. [...] Um fator de importância particular é a existência de uma estrutura
regulatória desenhada para impedir e remediar danos anticompetitivos. Quando esse tipo de
estrutura existe, o benefício adicional à concorrência proporcionado pela efetiva implementação do
antitruste tende a ser pequeno, e será menos plausível que as leis antitrustes contemplem esse tipo
de verificação adicional. [...] Seção 2 do Sherman Act, ao contrário, procura evitar simplesmente um
monopólio ilegal. Seria um grave erro agrupar os dois objetivos. O Sherman Act é realmente a
“Carta Magna da livre iniciativa” United States v. Topco Associates, Inc., 405 U. S. 596, 610 (1972),
mas não confere aos juízes uma carta branca para insistir que um monopolista altere o seu jeito de
fazer negócios sempre que modelos diversos possam gerar maior concorrência. Nós concluímos
que os argumentos do contestante não estabelecem uma reivindicação embasada no Sherman Act.
45
68
Em evento recente realizado no Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro ,
especialistas do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, do Instituto
Nacional da Propriedade Industrial – INPI, da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual – OMPI, do Poder Judiciário, de entidades internacionais e do setor
acadêmico trataram da instigante intersecção entre a propriedade intelectual e o
direito concorrencial.
No referido evento, no painel relacionado à Propriedade Intelectual,
concorrência, inovação e informação tecnológica, foi defendido pelo Professor Mário
Possas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que tanto a política de
concorrência
quanto
a
propriedade
intelectual possuem
objetivos
comuns
importantes que são de desenvolver um ambiente concorrencial e inovador.
Elena Kamilarova destacou no referido evento o uso abusivo do direito de
patentes no setor farmacêutico no que tange a acordos e ações judiciais abusivas
(sham litigation). As constatações da palestrante especialista na área estão
compiladas em um artigo de enorme fôlego empírico que demonstra a constatação
de um elevado número de casos que utiliza o sistema de patentes de forma
69
anticompetitiva, prejudicando a inovação na Europa .
Como a pesquisa desenvolvida por Kamilarova e dois colegas seus está
baseada em extenso número de casos identificados e analisados na área
farmacêutica que estaria sofrendo problemas no seu funcionamento enquanto
68
69
Seminário internacional sobre propriedade intelectual e política da concorrência, realizado
entre os dias 7 e 8 de junho de 2010, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/seminariopi2010/Programa.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2010.
KAMILAROVA, Helena; DOMANICO, Fabio; RIEDL, Alexander. Preliminary results of Commission
pharmaceutical sector inquiry raise competition concerns. Competition Policy Newsletter, N. 1,
2009, p. 29-31. Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/publications/cpn/2009_1_8.pdf>.
Acesso em: 22 mar. 2010.
46
70
focado na inovação , cumpre reproduzir alguns desses números que demonstram o
enorme cuidado e critérios a serem levados em consideração quando da análise do
uso abusivo do direito de patentes, violando a sua própria essência e,
consequentemente, gerando efeitos anticompetitivos:
Patent clusters
A strategy commonly applied by originator companies is to extend the
breadth and duration of patent protection by filing numerous patents for the
same molecule, forming so-called “patent clusters”. In some cases, individual
blockbuster medicines are protected by up to 1 300 patents and pending
patent applications in the EU, leading to uncertainty for generic companies
seeking to enter the market without infringing an originator company’s
patents or patent applications. In the period 2000 to 2007, originator
companies also engaged in nearly 700 cases of patent litigation with generic
companies in relation to the sample of products investigated. Generic
companies won 62% of all cases where a final judgment was taken but it
71
took on average 2.8 years for a final judgment to be reached by court.
Patent opposition procedures
The preliminary findings confirm that the opposition rate (i.e. the number of
oppositions filed per 100 granted patents) before the European Patent Office
(EPO) is consistently higher in the closest available proxy for the
pharmaceutical sector than it is in organic chemistry and in all sectors
(overall EPO average). Based on the sample investigated, generic
companies almost exclusively opposed secondary patents. They prevailed in
approximately 75% of final decisions rendered by the EPO (including the
Boards of Appeal) during 2000 to 2007, either by achieving the revocation of
the patent or by having its scope restricted. Even though generic companies
are very successful in opposing originator companies’ secondary patents,
approximately 80% of the final decisions took more than two years to obtain.
The duration of opposition procedures (including appeal procedures)
70
71
KAMILAROVA, Helena; DOMANICO, Fabio; RIEDL, Alexander. Op. Cit., p. 29. Trecho inicial do
artigo deixa muito claro o objetivo da pesquisa e suas razões: Given the importance of a wellfunctioning pharmaceutical sector, the Commission launched a sector inquiry into pharmaceuticals
on 15 January 2008. The inquiry was initiated in response to signs that competition in the
pharmaceutical market in the European Union may not be working well. This was indicated by a
decline in innovation measured by the decreasing number of novel medicines reaching the market
each year and by instances of delayed market entry of generic medicines. The inquiry sought to
examine whether certain practices of pharmaceutical companies may be among the reasons for the
generic delay and the decline in innovation.
Tradução livre: Agrupamento de patentes: Uma estratégia comumente utilizada por empresas que
desenvolvem tecnologias é a de estender a abrangência e a duração da proteção patentária
através de numerosos pedidos de patentes para a mesma molécula, formando os chamados
“agrupamentos de patentes”. Em alguns casos, remédios individuais campeões de vendas são
protegidos por até 1300 patentes concedidas e em trâmite na União Européia, levando a uma
incerteza para empresas de genéricos que pretendem entrar no mercado sem infringir patentes
concedidas ou em andamento de empresas titulares das mesmas. No período de 2000 a 2007,
empresas inovadoras se envolveram também em aproximadamente 700 casos judiciais de
patentes com empresas de genéricos em relação à amostra de produtos investigados. Empresas
de genéricos ganharam 62% de todos os casos nos quais houve um julgamento final proferido, mas
tomou aproximadamente 2.8 anos até que um julgamento final fosse proferido por um Tribunal.
47
considerably limits the generic companies’ ability to clarify the patent
situation of potential generic products in a timely manner.72
Patent settlements
The sector inquiry also found that, between 2000 and 2008, more than 200
patent settlement agreements were concluded between originator and
generic companies in the EU, with nearly half (48%) restricting the ability of
the generic company to market its medicine. 45 settlements contained — in
addition to the restriction — a value transfer from the originator company to
the generic company, with direct payments to generic companies alone
amounting to more than €200 million.73
Patent strategies
As regards competition between originator companies, the preliminary
findings of the sector inquiry show that originator companies engaged in socalled “defensive patent strategies”. Originator companies used patents
falling into this category primarily to block the development of new medicines
by their competitors and not to bring a new/improved medicine to the market.
The sector inquiry also found at least 1 100 instances across the EU of
overlaps between an originator company’s patents relating to a medicine in
the sample under investigation and the R&D programme and/or patents held
by another originator company for its medicines. These overlaps create
significant potential for originator companies to find their research activities
74
blocked, with detrimental effects on the innovation process.
Patent-related exchanges, disputes, litigation and oppositions
In many cases originator companies tried to settle potential disputes, for
instance through licensing. However, in approximately 20% of the cases
where a license was requested the patent holder refused to grant it. Between
2000 and 2007 originator companies engaged in litigation against other
originator companies in 66 cases concerning 18 different medicines in the
72
Tradução livre: Medidas de oposições às patentes: Os resultados iniciais confirmam que a taxa de
oposições (o número de oposições protocoladas por cada 100 patentes concedidas) perante o
Escritório Europeu de Patentes (EPO) é consistentemente maior do que a média mais próxima
disponível para o setor farmacêutico do que para a área de química orgânica e também em todos
os setores (média geral do EPO). Com base nos exemplos investigados, empresas de genéricos
quase que exclusivamente se opõe apenas a patentes secundárias. Elas tiveram êxito em 75% das
decisões finais tomadas pelo EPO (incluindo a Câmara de Recursos) durante 2000 e 2007, seja
através da revogação da patente ou através da restrição do seu escopo. Mesmo as empresas de
genéricos sendo bem sucedidas nas oposições às patentes secundárias de empresas inovadoras,
aproximadamente 80% das decisões finais levaram mais de dois anos para ser obtida. A duração
dos procedimentos de oposição (incluindo procedimentos de apelação) limita consideravelmente as
habilidades das empresas de genéricos em tornar clara a situação da patente para a produção de
genéricos tempestivamente.
73
Tradução livre: Acordos de Patentes: A pesquisa setorial também revelou que entre 2000 e 2008
ocorreram mais de 200 acordos de patentes entre empresas inovadoras e empresas de genéricos
na União Européia, com aproximadamente metade (48%) restringindo a possibilidade das
empresas de genéricos comercializarem seus medicamentos. 45 acordos envolviam – somando-se
a restrição – uma transferência de valores das empresas inovadoras para as empresas de
genéricos, com pagamentos diretos a empresas de genéricos chegando ao montante de EUR 200
milhões.
74
Tradução livre: Estratégias de Patentes: no que tange à concorrência entre empresas inovadoras,
os resultados preliminares do setor investigado No que tange à concorrência entre empresas
titulares, os resultados preliminares da pesquisa do setor demonstram que empresas titulares são
engajadas nas assim chamadas “estratégias defensivas de patentes”. Empresas titulares usam
patentes dessa categoria primeiramente para bloquear o desenvolvimento de novos remédios pelos
seus concorrentes e não para trazer um novo ou aperfeiçoado remédio para o mercado. A pesquisa
setorial também revelou pelo menos 1100 instâncias através da União Européia de sobreposições
entre titulares originais de patentes relacionadas a remédios na amostra sob pesquisa e o
programa de P&D e/ou patentes de titularidade de outros titulares originais para os seus remédios.
Essas sobreposições criam um potencial significativo para empresas titulares terem as suas
atividades de pesquisa bloqueadas, com efeitos negativos para o processo de inovação.
48
sample under investigation. In 64% of the cases, litigation was concluded by
means of a settlement agreement. The patent holders lost the majority (77%)
of cases where final judgments were given (13). The preliminary findings
also showed that, between 2000 and 2007, originator companies mainly
challenged each other’s secondary patents. The applicant originator
companies were very successful when challenging the patents of other
originator companies. During that period, they prevailed in approximately
89% of final decisions rendered by the EPO (including the Boards of
Appeal).75
Com efeito, a pesquisa acima aponta para algumas das diversas formas de
uso do sistema de patentes com finalidades anticompetitivas que vão além dos
limites do próprio direito de patentes (uso desviado ou abusivo do sistema), as
quais, quando alcançadas, geram efeitos nocivos justamente contrários à própria
essência que deve mover a pró-competitividade do sistema de patentes.
Trazendo tais questões para o âmbito do Direito Concorrencial brasileiro,
conforme
informado
no
evento
sobre
Propriedade
Intelectual
e
política
concorrencial, atualmente tais casos abusivos identificados e que estão sob a
análise da SDE correspondem apenas ao número de 10 casos, o que é ainda muito
pouco talvez não pela efetiva existência de situações fáticas que mereçam a análise
do SBDC, mas sim pela falta de identificação de tais situações por desconhecimento
de suas possíveis ilicitudes dentro do sistema jurídico brasileiro.
Nesse sentido, chama-se a atenção para a forma incisiva que Carla Eugênia
Caldas Barros
76
trata de uma das espécies de uso abusivo ou desviado do direito de
patentes:
75
Tradução livre: Trocas, disputas, litígio e oposições relacionadas às patentes: Em muitos casos,
empresas titulares tentam entrar em acordo em disputas potenciais, por exemplo através de
licenciamento. No entanto, em aproximadamente 20% dos casos em que uma licença é solicitada,
o titular da patente se recusa a concedê-la. Entre 2000 e 2007 empresas titulares entraram em
litígio com outras empresas titulares em 66 casos referentes a 18 remédios diferentes na amostra
sob investigação. Em 64% dos casos o litígio foi resolvido através de acordo judicial. Os titulares de
patentes perderam a maioria dos casos (77%) nos quais houve uma decisão final sem acordo (13).
Os resultados preliminares demonstram também que, entre 2000 e 2007, empresas titulares
desafiam-se umas às outras principalmente quanto às patentes secundárias. As empresas titulares
requerentes foram muito bem sucedidas ingressando contra patentes de outras empresas titulares.
Durante esse período, elas prevaleceram em aproximadamente 89% das decisões finais exaradas
pelo EPO (incluindo a Câmara Recursal).
49
Os dispositivos legais de patentes dependentes ressaltam a noção
analítica de propriedade, sem a noção de aproveitamento social. O país
precisa, cada vez mais se desenvolver, no entanto, tem legislação ordinária
contrária à Constituição e bastante limitativa quanto à concessão de
exploração por parte de titular de patente dependente. Tudo funciona como
se fosse um círculo vicioso, o dominante não autoriza a exploração da
dependente, já que não libera a sua patente de base. O titular da patente
dependente consegue o título de proprietário da patente, porém, o
impedimento de não exploração inicial vem macular o processo, caso o
objeto da patente dependente também seja aperfeiçoada por outrem. Não
se deve olvidar que essa legislação só atende aos interesses das grandes
corporações, que utilizam pesquisas e só contratam patentes entre si,
formando cartéis e praticando abuso de poder econômico.
A obrigação de licenciar patente em determinadas situações de abuso do
direito de patentes, além dos casos de dependência em patentes, está prevista na
Lei da Propriedade Industrial, na Lei de Defesa da Concorrência77 e diretamente
relacionada como formas de controle de práticas de concorrência desleal em
78
contratos de licença em TRIPS .
Portanto, ao ser um instrumento para a promoção do interesse social,
desenvolvimento econômico e tecnológico, o que implica a promoção de uma
concorrência sadia e não limitadora além do necessário para a sua própria
promoção em sentido lato, o sistema de patentes deve possuir mecanismos
limitadores e o seu uso vai além dos objetivos traçados pelo constituinte originário
quando limita, por exemplo, o exercício da livre concorrência.
76
BARROS, Carla Eugênia Caldas. Aperfeiçoamento e dependência em patentes. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004, p. 48.
77
Ambas já citadas no que tange ao licenciamento compulsório como forma de correção do abuso,
assim como a comunicação entre a LPI e a LDC já destacada ao longo do presente trabalho como
necessária e de relevância ímpar para que a livre concorrência e os fundamentos reais da
existência de um sistema de patentes sejam preservados e sempre vigiados.
78
Apesar do seu sentido restritivo, TRIPS prevê e recrimina claramente o uso abusivo do sistema de
propriedade intelectual ao estabelecer a nocividade de práticas que restrinjam a concorrência,
conforme disposto no artigo 40 do TRIPS: 1. Os Membros concordam que algumas práticas ou
condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que restringem a
concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de
tecnologia. 2. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas
legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir
um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência
no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma
compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar
tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que
50
79
Nesse sentido, leciona Denis Borges Barbosa :
Segundo o teor do texto internacional em análise, a lei nacional poderá,
sem ofensa a TRIPS, proibir quaisquer disposições inseridas em contratos
de licença ou similares que prevejam condições ou práticas de
licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso
dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a
concorrência no mercado relevante.
[...]
A lista do TRIPS é meramente exemplificativa, em face das muitas outras
cláusulas e práticas constatadas na prática do INPI e documentadas no
acórdão do Supremo Tribunal Federal publicado na RTJ 106/1057-1066.
Ainda na tentativa de demonstrar o pensamento dos autores relevantes
quanto à função social do contrato, se traz reflexões de Cláudia Lima Marques80:
O direito desenvolve, assim, uma teoria contratual “com função social”,
bem ao estilo daquelas descritas por Wiehweg, isto é, o direito deixa o ideal
positivista (e dedutivo) da ciência, reconhece a influência do social (costume,
moralidade, harmonia, tradição) e passa a assumir proposições ideológicas,
ao concentrar seus esforços na solução dos problemas. É um estilo de
pensamento cada vez mais tópico, que se orienta para o problema, criando
figuras jurídicas, conceitos e princípios mais abertos, mais funcionais,
delimitados sem tanto rigor lógico, como veremos no CDC, pois só
assumem significação em função do problema a resolver, são fórmulas
jurídicas de procura da solução do conflito, fórmulas que jamais perdem a
sua qualidade de tentativa. Esta parece ser a fase do direito atual, pois
superado o ceticismo quanto ao declínio do pensamento sistemático, a
infalível descodificação, evoluímos para considerar a realidade positiva
função do pensamento tópico e da re-etização do direito.
Especificamente,
práticas
contratuais,
negando
ou
restringindo
o
licenciamento ou absorção de tecnologia, passam por questões concorrenciais que
vão além do direito individualista do titular da(s) patente(s) e, passando pela função
impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivos, à luz das leis e regulamentos
pertinentes desse Membro.
79
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à ..., p. 1101-1102.
80
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das
relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 178-179.
51
instrumental do contrato, deve-se compreender a caracterização do direito de
81
contratar como um direito instrumental, como bem assevera Judith Martins-Costa :
Em relação à livre iniciativa econômica a liberdade de contratar é
instrumental, isto é, para assegurar o exercício de atividade econômica,
garantem-se os meios necessários àquele exercício. Como todo meio, a
liberdade de contratar não existe “em si”, mas “para algo”, isto é, está
permanentemente polarizada e conformada para os fins a que se destina.
Esses fins não são apenas concretizar a liberdade de iniciativa econômica,
mas, por igual, os princípios estruturantes do art. 1.º, as diretrizes ou
“normas objetivo” traçadas no art. 3.º e no art. 170, bem como nas
liberdades, garantias e direitos dos arts. 5.º e 7.º, todos da Constituição.
Indo além, outra importante contribuição para a definição do que se entende
por caráter instrumental do contrato para a compreensão de suas limitações na área
de patentes enquanto instrumento concorrencial, a qual é complementada pelos
82
princípios da boa-fé e do equilíbrio econômico, é dada por Teresa Negreiros :
Partimos da premissa de que a função social do contrato, quando
concebida como um princípio, antes de qualquer outro sentido e alcance que
se lhe possa atribuir, significa muito simplesmente que o contrato não deve
ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às partes
contratantes, impermeável às condicionantes sociais que o cercam e que
são por ele próprio afetadas.
Nesse sentido, coroando o caráter instrumental do contrato, que vai além do
83
indivíduo, encontra-se o posicionamento de Ruy Rosado de Aguiar Júnior :
Houve a completa alteração do eixo interpretativo do contrato. Em vez de
considerar-se a intenção das partes e a satisfação de seus interesses, o
contrato deve ser visto como um instrumento de convívio social e de
preservação dos interesses da coletividade, onde encontra a sua razão de
81
MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista
Direito GV, v.1, n.1, p. 45, mai. 2005.
82
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato – Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.
206.
83
AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Projeto do Novo Código Civil: as obrigações e os contratos. Revista
dos Tribunais, São Paulo, n. 775, p. 19-20, mai. 2000.
52
ser e de onde extrai sua força – pois o contrato pressupõe a ordem estatal
para lhe dar eficácia.
No Direito de Patentes, ao qual é ínsito o seu caráter de direito funcional, o
diálogo com o Direito Contratual em sua dimensão atual igualmente funcional é
importante para identificar os desvios ou abusos não dimensionados pelo sistema
84
jurídico e, para tanto, deve-se destacar as afirmações de Judith Martins-Costa , em
sintonia com os princípios constitucionais, quanto à previsão de que a “liberdade de
85
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”
trazendo duas diferentes vertentes hermenêuticas da funcionalidade que a liberdade
de contratar está diretamente vinculada:
Situada essa perspectiva podemos concluir que a autonomia privada (fonte
da liberdade de contratar), ressignificada, afastada da perspectiva atomista
e voluntarista, assenta-se no postulado (concomitantemente fático e
normativo) da socialidade, é dizer: que todo indivíduo é social e que o telos
da individuação só pode ser alcançado socialmente.
[...]
É de convir, no entanto, que, se a esse papel de “previsão de limite externo
negativo” se resumisse o princípio da função social do contrato, o art. 421
seria virtualmente inútil, uma vez que o exame de casos já decididos pela
jurisprudência demonstra que, ou as hipóteses já estão apanhadas pela
regra do art. 187 do Código Civil (consagradora da ilicitude de meios), ou
não se trata de caso de incidência do princípio da função social, mas
hipóteses de interpretação favorável ao aderente, integração segundo a boafé, ou casos já regulados em leis especiais, como o Código de Defesa do
Consumidor ou o Estatuto da Terra.
Tudo isso leva à convicção da necessidade de encontrar a voz própria e
específica ao art. 421. E esta voz própria está, segundo penso, no segundo
nível de compreensão semântica da expressão contida no art. 421.
86
Ou seja, na visão de Judith Martins-Costa , a limitação da liberdade de
contratar pela função social não expressa o real motivo para o qual inova o art. 421
do Código Civil de 2002, de modo que “a função social não opera apenas como um
limite externo, é também um elemento integrativo do campo de função da autonomia
privada no domínio da liberdade contratual”.
84
85
MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., p. 49-50.
Art. 421 do Código Civil de 2002.
53
Resta claro que a função emanada do art. 421 do CC não é simplesmente de
estabelecer que a liberdade de contratar está limitada pela função social, mas mais
importante ainda, esta liberdade deve nascer e persistir durante a relação negocial e
até mesmo após o seu término em razão da função social, possuindo eficácias
intersubjetivas e transubjetivas, sendo estas as mais desafiadoras em uma de suas
facetas relacionada à eficácia perante terceiros não determinados ou uma
coletividade, como, por exemplo, os contratos que são impactados pelo Direito da
Concorrência.
Em suas conclusões sobre a incidência da função social na liberdade de
contratar, Judith Martins-Costa87 afirma que:
Aqui está o verdadeiro salto qualitativo que encontro no art. 421: o
entender que a liberdade de cada um se exerce de forma ordenada ao bem
comum, expresso na função social do contrato, pressupondo internamente
conformado o direito de liberdade (de contratar) em campos de especial
relevância ao bem comum.
Em vista desta realidade contratual funcional, Pierre Régibeau e Katharine
Rockett
88
destacam a possibilidade de até mesmo “obrigar” o titular da patente a
firmar um contrato compulsoriamente, o que também é previsto em nossa Lei da
Propriedade Industrial 9.279/96, afirmando os autores que:
As we have just seen, compulsory licensing is most likely to be called for in
two types of situations: when the patent holder has significant market power
in both the upstream and downstream market and when another firm
develops an infringing innovation. However these two cases call for different
principles when it comes to setting the terms of the licensing contract.
In the infringing innovation case, the object of compulsory licensing is to
ensure that a socially useful innovation actually gets introduced, not to
increase competition downstream. This objective can be achieved by
choosing the royalty according to Baumol and Willig ‘s ECPR formula. This
formula sets the ‘access charge’ paid by the licensee is equal to the marginal
86
MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., p. 50.
Idem, p. 57-58.
88
RÉGIBEAU, Pierre ; ROCKETT, Katharine. The Relationship between Intellectual Property Law
and Competition Law: An Economic Approach. Universidade de Essex e CEPR, junho de 2004, p.
47.
87
54
cost of granting access (likely to be close to zero in the case of IPR) plus an
amount reflecting the profits lost by the licensor because of increased
competition downstream. In other words, the license contract would be such
that the original patent holder is made (at least) as well off as if it refused to
grant a license. License terms that are less favourable to the licensor would
amount to an ex post revision of the scope of the property right initially
granted. As we have discussed above, such revisions are undesirable as
89
they undermine the implicit ‘contract between society and innovators.
A preocupação com o desvirtuamento ou abuso do direito de patentes não só
no âmbito contratual90, mas igualmente frente aos comportamentos individuais, é
tema há muito estudado internacionalmente, sendo relevante trazer algumas noções
de direito comparado, em especial a forma tratada nos Estados Unidos da América.
A maior economia do planeta possui uma longa tradição em casos
envolvendo o direito concorrencial (ou antitruste como lá é freqüentemente
89
Tradução livre: Como vimos recentemente, licença compulsória é mais comumente utilizada em
dois tipos de situações: quando o titular da patente possui poder de Mercado significante em ambos
os mercados primário e secundário e quando outra empresa desenvolve uma inovação infratora.
No entanto, nesses dois casos são aplicados princípios diferentes quando chega o momento de
definir os termos do contrato de licença. No caso de infração à inovação, o objetivo da licença
compulsória é de garantir que uma inovação socialmente útil seja efetivamente introduzida no
mercado e não que haja aumento de competitividade no mercado secundário. O objetivo pode ser
atingido escolhendo-se o royalty de acordo com a fórmula ECPR de Baumol e Willig. Essa fórmula
estabelece que a ‘cobrança de acesso’ paga pelo licenciado é igual ao custo marginal de
concessão de acesso (tendente a ser próximo de zero nos casos de direitos de propriedade
intelectual) adicionado um valor referente ao lucro perdido pelo licenciante em decorrência do
aumento da concorrência no mercado secundário. Em outras palavras, o contrato de licença será
feito de tal forma que a empresa titular da patente se mantém (pelo menos) tão bem quanto estaria
se recusasse a concessão da licença. Termos de licenças que são menos favoráveis ao licenciante
irão gerar uma revisão posterior do escopo do direito de propriedade inicialmente concedido. Como
discutimos acima, esse tipo de revisões são indesejadas, pois prejudicam o implícito ‘contrato entre
a sociedade e os inovadores’.
90
No contexto contratual das patentes, inclui-se não apenas os contratos voluntários e seus abusos,
mas igualmente as negativas injustificadas de contratar e as contratações obrigatórias
denominadas de licenças compulsórias. Por isso, tão importante a compreensão do sistema
contratual brasileiro enquanto instrumental.
55
denominado), tendo no famoso Sherman Act de 1890
91
um divisor de águas entre o
antigo e moderno tratamento de casos antitruste nos EUA, tendo sido o mesmo
92
complementado posteriormente pelo Clayton Antitrust Act de 1914 .
O Sherman Act possui apenas duas seções
93
de relevância nas quais podem
ser enquadradas as condutas que, independentemente de seus efeitos no mercado,
são consideradas anticompetitivas e proibidas (per se rules), e aquelas condutas
que necessitam de uma análise mais profunda para a caracterização efetiva de uma
violação do direito antitruste (aplicação da rule of reason).
A doutrina estadunidense diverge quanto aos objetivos do Direito Antitruste.
De acordo com John Kirkwood e Robert Lande
94
o objetivo fundamental do Direito
Antitruste é a proteção dos consumidores contra atitudes anticompetitivas que
venham a lhes causar prejuízos a curto, médio e longo prazos, não havendo motivos
para se sustentar a corrente doutrinária que defende como objetivo fundamental a
promoção de uma eficiência econômica ou maior concorrência.
95
No entanto, o entendimento de Richard Posner
é no sentido de que o
objetivo principal do direito antitruste é o de promover o chamado “bem-estar
econômico” ou uma denominada “eficiência alocativa de mercado” e não a proteção
dos consumidores (a qual seria um “resultado” ou objetivo acessório da eficiência
econômica ou alocativa do mercado).
91
O Sherman Act é referência nacional e internacional na análise de casos antitruste, tendo em vista
que a simplicidade de suas disposições aplicáveis às condutas unilaterais, bilaterais/multilaterais,
horizontais e verticais permanece atual, possibilitando a adequação das interpretações dos
Tribunais com o passar das décadas.
92
Em virtude da generalidade do Sherman Act e a necessidade de previsões mais específicas, o
Clayton Act veio a solucionar as brechas não preenchidas, especificando condutas particulares
proibidas, três níveis para efetivo cumprimento das obrigações, exceções e remédios específicos
contra atitudes danosas à concorrência.
93
Section 1: Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of
trade or commerce among the several States, or with foreign nations, is declared to be illegal.
Section 2: Every person who shall monopolize, or attempt to monopolize, or combine or conspire
with any other person or persons, to monopolize any part of the trade or commerce among the
several States, or with foreign nations, shall be deemed guilty of a felony […].
94
KIRKWOOD, John; LANDE, Robert. The Fundamental Goal of Antitrust: Protecting Consumers, Not
Increasing Efficiency. Notre Dame, Indiana. Notre Dame Law Review, Vol. 84, 2008.
95
POSNER, Richard. Antitrust Law. 2. Edição. Chicago: The University of Chicago Press, 2001.
56
Com efeito, o posicionamento de Posner e da Escola de Chicago é até hoje
muito criticado como uma resposta imperfeita ou inacabada, pois apesar dos
méritos desta análise econômica do direito, não havendo quaisquer dúvidas que os
indicativos econômicos em muito contribuem para com o Direito, a simplificação
96
econômica não oferece resposta acabada. Afirma Paula Forgioni :
Assim, a busca por segurança e previsibilidade jurídica acaba por constituir
um perigoso incentivo para que o estudioso do antitruste caia na armadilha
da análise econômica do direito, que mostra, qual canto de sereia, fórmulas
aptas a resolver os casos concretos que se apresentam. Toda essa
argumentação é, entretanto, lançada por terra quando pensamos, a exemplo
de Sullivan, que antitruste não significa apenas eficiência alocativa. O direito
é fenômeno complexo que não pode ficar enclausurado nos limites da
economia.
Entende-se que os objetivos fundamentais do próprio direito concorrencial
estadunidense, nos dizeres de Keith Hylton97, perpassam por uma combinação e
diálogo entre os objetivos de maximizar a concorrência (dentro dos quais na maior
parte das vezes os interesses dos consumidores são protegidos) e de proteção do
consumidor.
Com efeito, em trabalho anterior ao citado acima, Robert Lande juntamente
com Neil Averitt, afirmam que98:
Consumer choice only is effective when two fundamental conditions are
present. There must be a range of consumer options made possible through
competition, and consumers must be able to choose effectively among these
options. The antitrust laws are intended to ensure that the marketplace
remains competitive, unimpaired by practices such as price fixing or
anticompetitive mergers. The consumer protection laws are then intended to
96
FORGIONI, Paula A. Op. Cit., p. 179.
Em aula assistida por este doutorando na disciplina Antitrust Law da Faculdade de Direito da
Universidade de Boston durante o programa de Visiting Scholar em 2009 como parte dos estudos
para a conclusão e aperfeiçoamento da presente tese, foi afirmado pelo Prof. Keith Hylton que os
objetivos do direito antitruste perpassam por uma composição entre a maximização da
concorrência e a maximização dos interesses sociais vistos enquanto atendimento dos interesses
do consumidor. Isso porque existem situações em que a atividade monopolística atende aos
interesses do consumidor.
98
LANDE, Robert H.; AVERITT, Neil W.. Consumer Sovereignty: A Unified Theory of Antitrust and
Consumer Protection Law. Chicago: ABA, Antitrust Law Journal, Vol. 65, p. 713, 1997.
97
57
ensure that consumers can choose effectively from among those options,
with their critical faculties unimpaired by such violations as deception or the
withholding of material information. Protection at both levels is needed to
99
ensure that a market economy can continue to operate effectively.
Interessante notar que a definição e cooperação entre o Direito Antitruste e a
proteção ao consumidor nos Estados Unidos está longe de ser estática, pois, como
afirma Pamela Jones Harbour100:
As a result of this diversity in antitrust and consumer protection
enforcement, we have multiple levels of government adopting both
complementary and conflicting statutes. Moreover, these statutes may be
enforced by variously motivated actors and agencies, applying rules of law
101
that may change over time, even without legislative intervention.
Por mais que se tenha a noção de que há a combinação de fatores para a
definição do sistema antitruste estadunidense, a influência da teoria econômica do
direito está impregnada de tal forma que a visão utilitarista com viés econômico
(mesmo aquela voltada para o cumprimento do bem estar social), acaba por
determinar os rumos do sistema antitruste. Tal constatação não expressa uma não
aceitação do sistema antitruste estadunidense, mas sim um sentimento de que o
mesmo é incompleto quando analisado à luz dos princípios de Direito Concorrencial,
constitucionalmente ponderados na realidade brasileira.
99
Tradução livre: A escolha do consumidor somente é efetiva quando duas condições fundamentais
estão presentes. Tem que haver uma gama de opções possíveis ao consumidor através da
concorrência, e consumidores devem ter a possibilidade efetiva de escolher entre uma dessas
opções. As leis antitruste são voltadas para que se assegure a continuidade de um mercado
competitivo, isento de práticas como fixação de preços ou fusões anticompetitivas. As leis de
proteção ao consumidor têm por objetivo assegurar que os consumidores possam escolher
efetivamente dentro dessas opções com as suas faculdades críticas intocadas por estas violações
ou por possuir informações materiais. Proteção em ambos os níveis é necessária para assegurar
que a economia de mercado possa continuar operando de forma efetiva.
100
HARBOUR, Pamela Jones. Cooperative Federalism in the Enforcement of Antitrust and
Consumer Protection Laws. Federal Trade Commission 90th Anniversary Symposium. 23 de
setembro de 2004, p. 5. Disponível em:
<http://www.ftc.gov/speeches/harbour/040923coopfed.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2009.
101
Tradução livre: Como resultado dessa diversidade entre a efetivação do antitruste e proteção ao
consumidor, nós temos níveis múltiplos de governos adotando tanto dispositivos complementares
quanto dispositivos que conflitam. Além disso, estes dispositivos podem ser efetivados por
58
Os
objetivos
finais
da
continuidade
da
presente
tese
reverberam
intensamente neste capítulo que trata do diálogo construtivo que o Direito de
Patentes faz com o Direito Concorrencial, sendo estimulante visualizar as inúmeras
hipóteses de intersecção que as duas áreas do Direito proporcionam na realidade
jurídica.
Desta forma, metodologicamente, será realizada a análise da intersecção
entre o direito de patentes e o direito antitruste brasileiro e estadunidense
identificando os comportamentos individuais de empresas submetidas ao controle
legal, assim como os comportamentos através de acordos com outras empresas,
estimulando o nosso repensar romântico:
Recebamo-lo então como a estrangeiro. Há mais coisas entre o céu e a
terra, Horácio, do que pode sonhar tua vã filosofia. Jurai de novo, assim
Deus vos ajude, por mais que eu me apresente sob um aspecto
102
extravagante [...].
A realidade brasileira de intersecção entre o Direito Concorrencial e o Direito
de Patentes é recente e não possui tradição e precedentes judiciais relevantes como
podemos encontrar na vasta bibliografia e precedentes estadunidenses. É uma
relação que se descortina e, muitas vezes, fica coberta por uma neblina que evita a
sua identificação.
Evidentemente que o direito concorrencial brasileiro não desconhece a
existência e possibilidades de interação com o direito de patentes, mas devido à
diversas pessoas e agências motivadas, aplicando regras de lei que podem mudar com o tempo,
mesmo sem intervenção legislativa.
102
SHAKESPEARE, William. Peça Hamlet, ato I, cena V. 26 de julho de 1602. Stationer’s Register.
59
falta ou insuficiência de conhecimento deste segundo, aliada à nossa recente
cultura aplicadora de um direito concorrencial regulador efetivo, a interação destes
dois ramos é ainda motivo de escassas bibliografias e decisões judiciais.
Se o sistema de patentes prevê um direito negativo de excluir terceiros de
utilizar determinada tecnologia por um determinado período de tempo é, antes de
legal, intuitivo dizer que o exercício de tal direito pode gerar uma necessidade de
diálogo com o Direito Concorrencial.
Indo mais além, é o próprio atendimento do interesse social em estimular a
concorrência sadia um dos pilares fundamentais do sistema de patentes, de modo
que se não houvesse concorrência seria totalmente desnecessária a existência de
um sistema de patentes.
Ora, já foi dito anteriormente que o direito de patentes, além de ser
eminentemente funcional, existe e é defensável enquanto atender à preponderância
harmônica das teorias utilitarista e do plano social103 dispostas no inciso XXIX do art.
5° da Carta Magna de 1988.
Esta relação entre o direito de patentes e o direito concorrencial é íntima,
estando inclusive prevista na Lei de Defesa da Concorrência e na Lei da
Propriedade Industrial que possibilitam a restrição dos direitos de patentes quando
estes forem usados além dos seus propósitos constitucionalmente delineados.
Na Lei da Propriedade Industrial verifica-se o sistema da licença compulsória,
implantado na Convenção de Paris – CUP através da Revisão de Haia de 1925,
substituindo a previsão original da CUP do chamado “trabalho obrigatório”, onde o
inventor era obrigado a trabalhar o seu invento em todos os países que obteve a
concessão da patente. Esta substituição, nos dizeres de Di Blasi, Garcia e
Mendes104, foi o resultado da busca de uma disposição mais flexível que atendesse
aos anseios nacionais de economia, mas que não desinteressasse o dono da
103
BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Op. Cit.
60
patente.
A utilização do instituto da licença compulsória, dentro de suas diversas
modalidades, está prevista nos arts. 68 a 74 da Lei n.º 9.279/96, sendo que Denis
Borges Barbosa
105
, com base no sistema legal vigente, divide a licença compulsória
em diversas modalidades abrangendo a licença por abuso de direitos, a licença por
abuso de poder econômico, a licença de dependência, a licença por interesse
público e a licença legal que o empregado, co-titular de patente, confere ex legis a
seu empregador, conforme o art. 91 § 2º da LPI/96.
É evidente que cada uma das modalidades de licença compulsória merece
uma análise profunda e detalhada, a qual não faz parte do objetivo do presente
trabalho, cumprindo apenas destacar a existência de diversas modalidades de
aplicação da licença compulsória resultando na restrição ao exercício particular do
direito de propriedade sobre patentes, buscando-se o balanceamento de interesses
da forma mais justa possível.
Para o presente estudo, as modalidades de licenças compulsórias mais
importantes são as três primeiras citadas acima.
No que tange ao abuso de direito, previsto no art. 68 caput e possuindo um
maior detalhamento de requisitos e possibilidades nos seus parágrafos seguintes,
deve-se ressaltar o mencionado por Marcus Elidius Michelli de Almeida
106
:
Quando, por exemplo, a patente deixa de ser usada, ou ainda, é adquirida
justamente para que ninguém possa dela se utilizar, poderá estar ocorrendo
um ato abusivo.
Melhor explicando, a concorrência desleal pode ser praticada tanto em
face de um ato de contrafação, como também pelo próprio detentor de uma
propriedade industrial que dela se utiliza (ou deixa de utilizar) de forma
abusiva.
104
DI BLASI, Clésio Gabriel; GARCIA, Mario Augusto Soerensen; MENDES, Paulo Parente Marques.
A propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 42.
105
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à..., p. 501.
106
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal. São Paulo:
Quartier Latin, 2004, p. 193-195.
61
Como já visto no capítulo próprio (1.1), a abusividade do direito pode se
dar tanto em razão de uma ação como de uma omissão. Assim, caso o
detentor de um direito de patente deixe de usá-la justamente para manter no
mercado outro produto, que muito embora seja de pior qualidade, lhe
concede maiores lucros, estará abusando do seu direito.
[...]
A patente é privilégio concedido pelo Estado, não é como comprar um
imóvel e ter sua propriedade. Obter uma patente e não utilizá-la, ou cobrar
altos valores para licenciá-la, serviria apenas para impedir a concorrência.
[...]
Ainda sobre o mesmo ponto, vale destacar que a não utilização de uma
patente, que implica em diminuição de custos para outros empresários,
tendo em vista tratar-se de bem que integra a produção final de outro
produto, prejudicará certamente o negócio deste último. Significa dizer que o
detentor da patente obriga a continuidade de uma atividade mais custosa
praticada por terceiro (independentemente de ser seu concorrente),
causando-lhe prejuízo, justamente por não oferecer um bem, sob o qual
detém um privilégio. A situação é de concorrência desleal não stricto sensu
mas de forma indireta, ou ainda, lato sensu.
Interessante notar que é possível, inclusive, caracterizar a modalidade de
licença compulsória por abuso de poder econômico como uma das modalidades da
licença compulsória por abuso de direito107.
Carla Eugênia Caldas Barros
108
, analisando a licença compulsória em
decorrência da recusa em licenciar voluntariamente, afirma:
Um exemplo é o caso do titular da patente que se recusa a convolar
licença voluntária, prejudicando, assim, o desenvolvimento e a atividade
econômica do país. A proposta de exploração existe, o licenciado revela-se
propenso a negociar preços e demais condições e o titular, terminante e
antecipadamente, se nega ao licenciamento. Isso pode caracterizar abuso
de direito econômico, legitimando a concessão de licença compulsória.
107
Dentro desta concepção, todo abuso de poder econômico utilizando uma patente como
instrumento deste abuso é antijurídico e, de certa forma, um abuso de direito. No entanto, nem
todo o abuso de direito é um abuso de poder econômico. Por exemplo, o titular de uma patente
que se recuse injustificadamente a licenciá-la e se recuse a produzir produto que incorpore a
tecnologia patenteada dentro do prazo legal, pode estar cometendo um abuso de direito sem
cometer um abuso de poder econômico. O poder econômico é uma constatação fática, ou se tem
ou não se tem. Em o possuindo, o direito apenas irá intervir quando o seu uso for feito de forma
abusiva. O art. 187 do Código Civil de 2002 define como ilícito o abuso de direito, estabelecendo
que: comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Mantém-se uma
tipificação geral, mas orientada, de modo que se possa reconhecer o abuso de direito como ilícito
cível. Nesse sentido ver Paula Forgioni, op. cit.
108
BARROS, Carla Eugênia Caldas. Manual de Direito da Propriedade Intelectual. Aracaju:
Evocati, 2007, p. 276.
62
A licença compulsória vem justamente reafirmar essa essência funcional do
direito
de
patentes
voltado para a
finalidade
de cumprimento de uma
preponderância harmônica das teorias utilitarista e do plano social, não sendo um
direito absoluto do titular da patente, mas sim um direito-dever de, por exemplo,
explorar direta ou indiretamente o objeto da patente, sob pena de licença
compulsória e, caso não seja a mesma suficiente, reconhecer a caducidade da
patente com a consequente extinção da mesma antes de findo o seu prazo de
vigência
109
.
É então a licença compulsória um dos instrumentos internacionalmente
aceitos para a correção de dissintonias entre os objetivos do sistema de patentes e
a sua utilização no mercado concorrencial110.
Tal
instrumento
corretivo
111
,
em
decorrência
de
alguns
problemas
instrumentais, de mercado e de falta de definição clara de dados empíricos, acaba
por não ser usado no ambiente concorrencial, apesar da sua força e previsão
internacional112.
109
Lei 9.279/96: Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer
os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder
econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.
§ 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória: I - a não exploração do objeto da patente no
território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de
uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando
será admitida a importação; ou II - a comercialização que não satisfizer às necessidades do
mercado.
§ 5º A licença compulsória de que trata o § 1º somente será requerida após decorridos 3 (três)
anos da concessão da patente.
Art. 80. Caducará a patente, de ofício ou a requerimento de qualquer pessoa com legítimo
interesse, se, decorridos 2 (dois) anos da concessão da primeira licença compulsória, esse prazo
não tiver sido suficiente para prevenir ou sanar o abuso ou desuso, salvo motivos justificáveis.
110
Como já destacado anteriormente, o sistema da licença compulsória (desde quando era, em outros
moldes, denominada como “trabalho obrigatório”) possui previsão na Convenção da União de Paris
desde 1925 e está inserida no TRIPS no art. 31 (outro uso sem autorização do titular).
111
Assim como o próprio sistema de patentes funciona, de certo modo, como corretivo das
dissintonias apresentadas no sistema concorrencial para a persecução dos objetivos
constitucionais. O que será tratado mais adiante quanto ao princípio da igualdade como base do
sistema de patentes, exemplificativamente, funciona com dois vieses, o primeiro sendo aquele em
que quem desenvolve tecnologia não pode ser tratado da mesma forma que aquele que não a
desenvolve, e o segundo consubstanciado no fato de que tecnologias diferentes devem ser tratadas
de forma diferente na medida de suas diferenças.
112
Veja-se que aqui não está se tratando da licença compulsória por interesse público de que trata a
Lei 9.279/96, largamente difundida na mídia quanto ao caso dos medicamentos para tratamento da
AIDS, mas sim das outras espécies de licença compulsória aplicáveis pelo Direito da Concorrência.
63
Em uma das poucas decisões envolvendo o licenciamento compulsório de
patentes no ambiente concorrencial, ainda verificam-se restrições instrumentais na
aplicação de tal medida (a qual realmente deve ser encarada como uma
113
excepcionalidade, mas nunca como um instrumento “para não ser usado”)
. Nesse
sentido, trecho da decisão do CADE de 1999:
[...]
16. O órgão público competente para apurar e reprimir práticas abusivas
do poder econômico é o CADE, nos termos da Lei n. 8.884/94. Uma vez,
pois, comprovada a prática de abuso de poder econômico decorrente de
patente, e se a gravidade da infração assim o exigir, a penalidade prevista
no art. 24, inciso IV, alínea ‘a’ deve ser imposta pelo CADE, através de
recomendação ao INPI para que conceda licença compulsória.
17. Por outro lado, de acordo com o art. 68 da Lei n° 9.279//96, tem o INPI
o poder-dever de impor a penalidade prevista no art. 68, porquanto a norma
legal expressa a vontade seu titular – no caso, a coletividade – e é no
sentido da satisfação dessa vontade – interesse público – que deve ser
dirigida a atividade do Órgão.
[...]
Essa dificuldade procedimental, além da questão processual de competência,
deve-se em muito às peculiaridades do sistema de patentes, incluindo-se a
dificuldade de delimitação dos limites da patente (ou grupo de patentes), o que influi
na definição também de mercado relevante a ser analisado para a configuração da
tipicidade do disposto no art. 24 da Lei 8.884/94.
Mas, a exemplo do que ocorre no sistema estadunidense, existem condutas
envolvendo patentes que são consideradas ilegais independentemente de uma
análise de mercado relevante, poder econômico e/ou razoabilidade que podem ser
enquadradas na qualidade de condutas abusivas (abuso do direito).
Exemplificativamente,
tais
condutas
verificadas
em
contratos
de
licenciamento/exploração de patentes podem ser: licença vinculada a outras
113
Em consulta ao CADE respondida em 1999 (Consulta nº 31/99, de 31/03/99, Consulente: Ministério
da Saúde. DOU de 11 de maio de 1999, 1. Seção), resta clara uma das questões procedimentais
que de certa forma tornam complexa a utilização da licença compulsória em âmbito concorrencial:
CADE recomenda, mas quem aplica o licenciamento compulsório é o INPI.
64
patentes sem relação com o objeto do próprio contrato; cobrança de royalties além
do prazo de vigência da patente; entre outras.
Por outro lado, na análise feita pela ABPI a respeito dos contratos de
licenciamento/transferência de tecnologia envolvendo patentes, fica claro o
entendimento da associação de que a regra da razão é a que deve ser aplicada em
todas as situações nas quais hajam evidências de uso de cláusulas contratuais
envolvendo direito de patentes que sejam anticompetitivas (destacando-se que a
presunção é sempre de que os contratos de licenciamento/transferência de
tecnologia são, em princípio, pró-competitivos. Nesse sentido são as conclusões da
ABPI114:
54. Em vista dos aspectos competitivos dos contratos de transferência de
tecnologia/licenciamento de direitos, bem como da prevalência da regra da
razão na análise de condutas empresariais, torna-se necessária a análise da
conduta específica e a realização de ponderações entre os efeitos
anticompetitivos e os possíveis benefícios ou eficiências identificadas,
incluindo a estruturação de mercado, o poder de mercado das partes
contratantes e a aferição do grau de concorrência no mercado relevante.
55. Mais importante ainda é constatar que essas práticas possuem
impacto pró-competitivo de forma que uma determinada cláusula possa ser
determinante para melhorar a qualidade de bens ou serviços, propiciar a
eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico e aumentar a
produtividade das empresas/competitividade do mercado.
56. Por essas razões, a análise dos contratos de transferência de
tecnologia e licenciamento de direitos deve ocorrer de maneira criteriosa,
minuciosa e extensiva de forma a alcançar também o “mercado de
inovação”, incentivando a disseminação do conhecimento.
Com objetividade, Nuno Pires de Carvalho115 demonstra os âmbitos
concorrenciais nos quais os direitos sobre patentes colocam os seus titulares:
114
ABPI. Diretrizes para Exame de Contratos de Transferência de Tecnologia e Licenciamento
de Direitos da Propriedade Intelectual sob uma Perspectiva do Direito Antitruste. Resolução
da ABPI nº 68. Disponível em:
<http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Português&secao=Resoluções%20da%20ABPI&c
odigo=3&resolucao=1>. Acesso em: 02 mar. 2009.
115
CARVALHO, Nuno Pires de. Entrevista publicada no CADE Informa, n. 23, fev. 2010. Disponível
em: <http://www.cade.gov.br/news/n023/entrevista.htm>. Acesso em: 22 mar. 2010.
65
[...] A patente tem o efeito de reduzir os custos de transação (em
comparação com aqueles dois sistemas rivais) através de uma melhor
quantificação e qualificação dos direitos. Ao descrever a invenção e ao
delimitar no tempo o período de proteção, a patente coloca a invenção
protegida em concorrência com: (a) outras invenções concorrentes
patenteadas; (b) tecnologia concorrente que está em domínio público; (c) a
prospecção do surgimento de invenções rivais; e (d) a ameaça da infração
dos direitos. Estas quatro possibilidades (muitas vezes existentes ao mesmo
tempo) pressionam o titular da patente e impedem a transformação de um
direito de propriedade numa situação de monopólio. Não se deve esquecer
que um dos princípios essenciais do sistema de patentes é o princípio da
alternatividade das invenções, pelo qual só se dá patentes para invenções
que são suscetíveis de ser alternadas por outras criações técnicas. Este
princípio foi formulado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos em
meados do século 19 e segue em pleno vigor. Portanto, mesmo quando a
patente é concedida para uma invenção que não tem concorrente no
mercado, a técnica concorrente poderá surgir a qualquer momento – basta
que o titular exagere na fixação de preços, a ponto de atrair o interesse de
ganho dos seus concorrentes. Logo estes terão desenvolvido técnicas
alternativas que possibilitarão que eles adquiram uma fatia de mercado. A
única exceção, o único caso em que a patente poderia tornar-se sinônimo
de barreira absoluta ao ingresso de concorrentes, é o caso das normas
técnicas. Quando estas forem impostas por autoridades governamentais, ou
quando, mesmo voluntárias, elas assumam uma faixa relevante do
mercado, a patente sobre a técnica-padrão poderia significar, sim, um
monopólio. É por isso que o regime de licenças obrigatórias se aplica quase
automaticamente às patentes que viram normas técnicas. Portanto, não há
conflito, não há paradoxo. A patente gera concorrência ou é sinônimo de
concorrência. Os países onde o sistema de patentes é mais usado (seja na
aquisição de direitos, seja no enforcement desses direitos) são aqueles
onde a respectiva indústria é mais agressiva e competitiva. [...]
Em que pese a atualidade e brilhantismo das declarações feitas na entrevista,
discorda-se da afirmação do trecho de que
mesmo quando a patente é concedida para uma invenção que não tem
concorrente no mercado, a técnica concorrente poderá surgir a qualquer
momento – basta que o titular exagere na fixação de preços, a ponto de
atrair o interesse de ganho dos seus concorrentes. Logo estes terão
desenvolvido técnicas alternativas que possibilitarão que eles adquiram uma
fatia de mercado.
Exemplificativamente, a tecnologia da turbina a jato
116
, em seu conceito
inventivo aplicado para a solução de um problema técnico, a qual foi suscetível de
patenteabilidade, ainda é única, em que pese ter gerado inegáveis avanços técnicos
116
Destaque-se que no conceito de turbina a jato estão incluídos diversos tipos de motores a jato, no
entanto, todos eles baseados na solução consistente em propulsão através de um jato expelido em
alta velocidade.
66
posteriores suscetíveis de patentes dependentes. O exagero na fixação de preços
pode ser um fator, mas não é o único. Portanto, pergunta-se: existe alguma técnica
concorrente com eficiência similar às turbinas a jato aplicável há anos na aviação
comercial? Não, o que existe são melhoramentos técnicos decorrentes da solução
técnica original. Desta forma, as técnicas alternativas surgidas no mercado podem
(e freqüentemente ocorre) estar em situação de dependência da técnica anterior,
podendo gerar uma clara barreira de entrada no mercado, cuja identificação muitas
vezes não é fácil.
Outro exemplo do cotidiano é o da caneta esferográfica (solução técnica
baseada na aplicação de uma esfera dosadora de vazão de tinta em um instrumento
de escrita) que foi criada por Laszlo Birô na década de 30, sendo que em 1944 Biro
vendeu a sua patente nos Estados Unidos para Eversharp-Faber e na Europa para
Marcel Bich. Se tal invenção ocorresse na atualidade e criasse um mercado
específico (o de canetas esferográficas
117
), certamente existiriam barreiras claras à
entrada no mercado, cabendo analisar se tais barreiras seriam ou não utilizadas em
violação ao direito concorrencial (pois a tecnologia de caneta esferográfica, por mais
que possua concorrência no mercado, cria um mercado próprio de maciça
prevalência, inexistindo, até hoje, tecnologia com
os mesmos benefícios
equiparáveis em níveis de competição materialmente considerada). Hoje a
tecnologia está em domínio público, mas se ainda estivesse em vigor certamente
criaria barreiras de entrada que teriam que ser analisadas dentro de um mercado
relevante cuidadosamente delimitado.
117
Utilizando-se uma visão de mercado relevante específico, desconsidera-se, para o exemplo dado,
o mercado mais amplo de canetas, ou, ainda mais amplo, de instrumentos de escrita manual.
Sobre a definição de mercado relevante, cumpre reproduzir ensinamentos de Paula Forgioni (Op.
Cit., p. 231), no sentido de que “O mercado relevante é aquele em que se travam as relações de
concorrência ou atua o agente econômico cujo comportamento está sendo analisado. Sem sua
delimitação, é impossível determinar a incidência de qualquer das hipóteses contidas nos incisos
do art. 20 da Lei 8.884/94”. Passa-se pela delimitação do mercado relevante geográfico e do
mercado relevante material. Paula Forgioni cita vários exemplos de definição de mercado relevante
material (ou de produto), cumprindo destacar que, se por um lado existem decisões que definem
como apenas um mercado para todos os aparelhos de barbear que necessitam de água para o
seu uso, incluindo-se os descartáveis, de duas lâminas e de lâminas em sistema, por outro lado, o
mercado de leite pasteurizado tipo C constitui mercado relevante distinto daquele do leite longa
vida (Op. Cit. P.248-249).
67
Outra afirmação extraída do trecho da entrevista de Nuno Pires de Carvalho
dotada de relativismo é a de que A patente tem o efeito de reduzir os custos de
transação (em comparação com aqueles dois sistemas rivais) através de uma
melhor quantificação e qualificação dos direitos. Quanto a esta afirmação, existem
áreas tecnológicas nas quais a redução dos custos de transação proporcionados
pelo sistema de patentes é totalmente questionável, como, por exemplo, as patentes
envolvendo programas de computador
O que a melhor interpretação
118
119
.
demonstra é que a relação existente entre o
Direito Concorrencial e o Direito de Patentes é contributiva ou complementar e não
contraditória, pois não há conflitos entre os dois sistemas legais quando
compreendidos os seus respectivos limites e finalidades.
Para incentivar um melhor desempenho econômico-social-tecnológico da livre
concorrência existe um sistema de “privilégios” temporários (patentes) vinculado à
sua funcionalidade. Quando há o uso desviado ou abusivo deste sistema existem
mecanismos legais aplicáveis tanto na Lei 9.279/96 quanto na Lei 8.884/94 para
manter o equilíbrio funcional do sistema como um todo em observância ao norte
valorativo funcional previsto na Carta Magna de 1988.
O sistema de patentes existente apresenta limitações, principalmente tendo
por base a sua estagnação histórica que ignora as especificidades tecnológicas e
utiliza requisitos de patenteabilidade iguais, delimitando material e temporalmente
direitos de forma igual, mesmo quando a essência tecnológica que gera o direito
subjetivo à patente é completamente diversa.
Relevante também, dentro das limitações de “transplante jurídico”, analisar
como a relação entre o direito de patentes e o direito concorrencial é vista em uma
análise de direito comparado, tomando por base a pesquisa feita no sistema
estadunidense.
118
119
Entre outros, ver os já citados Bessen & Meurer (2008) e Jaffe & Lerner (2004).
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
68
As relações entre o direito de patentes e o direito antitruste nos EUA possuem
a característica peculiar de um maior volume e de uma maior tradição de situações
de intersecção na área dos contratos, fusões, aquisições e demais operações
mercadológicas que envolvam patentes limitando a atuação, presente ou futura, de
concorrentes em relações verticais ou horizontais, assim como a existência de
comportamentos individuais indevidos.
Atualmente, em decorrência do aumento do número de patentes de diferentes
titulares e em função da cada vez maior complexidade e interatividade das
tecnologias desenvolvidas, as situações envolvendo a relação entre as patentes e o
direito concorrencial estão cada vez mais freqüentes e mais complexas, sendo que
vive-se hoje a chamada era da tragédia do anticommons.
Para que se entenda o que significa o anticommons na área de patentes,
essencial que se entenda a origem de tal termo e como era aplicado.
De acordo com Michael Heller
120
e o seu clássico exemplo dos motivos que
levaram os donos de quiosques, na época da queda do comunismo em várias
cidades do leste europeu, a não migrarem para as lojas e expandirem seus
negócios, deixando muitos espaços vagos e subutilizados, foi o excesso de
burocracia e a quantidade de permissões que os donos dos quiosques deveriam
obter para ocupar lojas e expandir os seus negócios, preferindo manter os pequenos
quiosques.
Fazendo uma analogia para o sistema de patentes, constata-se que a falha
de mercado existente consistia no fato de que os investimentos em tecnologia se
pulverizariam se não houvesse a criação de um “artifício” para corrigir essa falha e
impedir que a tecnologia facilmente fosse disseminada antes do investidor/criador
ter tempo para recuperar suas despesas e se beneficiar com a sua criação. A
resposta para isso, balanceando os interesses públicos e privados, foi a criação de
120
HELLER, Michael A. The Tragedy of the Anticommons: Property in the Transition from Marx to
Markets. Harvard: Harvard Law Review, v. 111, 1997, p. 621-688.
69
um sistema de “recompensas” temporárias, as quais, atualmente, funcionam através
de um sistema nacional e internacional de patentes.
Desta forma, a solução atual encontrada para resolver essa falha de mercado
e estimular a difusão de novas tecnologias (buscando-se dar efetividade ao sentido
material do princípio da livre concorrência), gerando desenvolvimento, é o sistema
de patentes, ou seja, a concessão de um título provisório de propriedade que
confere o direito de excluir terceiros de praticar aquela tecnologia protegida por um
período específico. Em resumo, para resolver o problema do commons (diversas
pessoas tendo o mesmo benefício de usar as tecnologias criadas sem que nenhuma
possa excluir a outra desse uso), criou-se o anticommons (direito de excluir terceiros
de usarem a tecnologia protegida pela patente).
No entanto, a história recente igualmente mostrou que o excesso de
proprietários de patentes pode gerar o efeito inverso ao pretendido com a criação do
sistema de patentes, ou seja, muitos proprietários geram dificuldades de transação
e limitam os investimentos em tecnologias que possuem muitas patentes, afastando
o interesse em ingressar e competir em mercados tecnológicos, ou seja, a tragédia
do anticommons.
Michael Heller121, em obra mais recente sobre os “cadeados” ou “impasses”
da economia que ficam “escondidos” com relação ao sistema de patentes,
demonstra que a tragédia do anticommons (que seria o problema de excesso de
proprietários na área de patentes) gera efeitos sérios e de grandes proporções:
Unfortunately, privatization can overshoot. Sometimes we create too many
separate owners of a single resource. Each one can block the others’ use. If
cooperation fails nobody can use the resource. Everybody loses. […]
Now imagine twenty or two hundred owners. If anyone blocks the others,
the resource is wasted. That’s gridlock writ large – a hidden tragedy of the
anticommons. I say “hidden” because underuse is often hard to spot. For
example, who can tell when dozens of patent owners are blocking a
promising line of drug research? Innovators don’t advertise the projects they
121
HELLER, Michael. The gridlock economy: How too much ownership wrecks markets, stops
innovation, and costs lives. Nova Iorque: Basic Books, 2008, p. 2.
70
abandon. Lifesaving cures may be lost, invisibly, in a tragedy of
anticommons.
Gridlock is a paradox. Private ownership usually increases wealth, but too
much ownership has the opposite effect: it wrecks markets, stops innovation,
and costs lives. Savvy companies such as IBM, Celera, and Bristol-Myers
Squibb already understand some of the hidden costs of gridlock. Rather than
waste time and money trying to assemble fragmented ownership rights that
might profit them and benefit us all, many of the world’s most powerful
business simply abandon corporate assets. They redirect investment toward
less challenging areas, and innovation quietly slips away.
But this debacle has a flip side. Assembling fragmented property is one of
the great entrepreneurial and political opportunities of our era. We can
reclaim the wealth lost in a tragedy of the anticommons. After you learn to
spot gridlock, you will become convinced, as I am, that the daunting costs it
imposes can be reduced or even reversed – not just in the business world
but in our political, social, and everyday lives. You will want those who made
the mess to clean it up. You may even find ways to profit from assembling
122
ownership. But it takes tools to unlock a grid.
De forma mais ampla, destacando todos os problemas atualmente criticados
no sistema de patentes, Michael Gollin123 traz as oito principais críticas sobre a
propriedade intelectual:
122
Tradução livre: Infelizmente, privatização pode ultrapassar seus benefícios. Algumas vezes nós
criamos proprietários separados em demasia para uma única fonte. Cada um pode bloquear o uso
dos outros. Se cooperação falhar ninguém poderá usar a fonte. Todo mundo perde. […].
Agora imagine vinte ou duzentos donos. Se qualquer um bloquear os outros, a fonte será
desperdiçada. Isso é um cadeado (impasse) largamente citado – uma tragédia do anticommons
escondida. Eu digo “escondida” porque a falta de uso é normalmente difícil de ser identificada. Por
exemplo, quem pode dizer que dúzias de proprietários de patentes estão bloqueando uma linha
promissora de pesquisa de drogas? Inovadores não anunciam os projetos que eles abandonam.
Curas que salvam vidas podem ser perdidas, invisivelmente, em uma tragédia do anticommons.
Cadeado (impasse) é um paradoxo. Propriedade privada normalmente aumenta o bem-estar, mas
muita propriedade possui o efeito inverso: complica os mercados, interrompe a inovação, e custam
vidas. Empresas experientes como IBM, Celera e Bristol-Myers Squibb já entenderam alguns dos
custos escondidos do cadeado (impasse). Ao invés de gastar tempo e dinheiro tentando compor
direitos de propriedades fragmentadas que poderiam gerar lucro e beneficiar todos nós, muitos dos
negócios mais poderosos mundialmente simplesmente abandonam propriedades corporativas.
Eles redirecionam seus investimentos em áreas menos desafiadoras e a inovação silenciosamente
escapa.
Mas esse desastre possui outro lado. Compor propriedade fragmentada é uma das maiores
oportunidades empresariais e políticas da nossa era. Nós podemos reivindicar o bem estar perdido
em uma tragédia do anticommons. Após você aprender a identificar o cadeado, você ficará
convencido, como eu sou, de que os custos impostos podem ser reduzidos ou até mesmo
revertidos – não apenas no mundo dos negócios, mas em nossas vidas políticas e sociais. Você
irá querer que aqueles que fizeram a bagunça a limpem. Você até mesmo pode achar formas de
lucrar com a composição de propriedades. Mas são necessárias ferramentas para destravar um
cadeado.
123
GOLLIN, Michael A. Driving innovation: intellectual property strategies for a dynamic world. Nova
Iorque: Cambridge University Press, 2008, p. 40.
71
Critics seek to restrict or even eliminate some types of intellectual property
protection, using eight different arguments based on concerns about
negative consequences. These arguments may be summarized as theories
based on restricted access to technology, increased cost, monopolization,
inappropriate investment incentives, competition, expense, institutional
requirements, and ethics.124
Como se não bastasse, na área de patentes, como descrito por Michael
Meurer e James Bessen125, ainda há o problema da falta de definição clara dos
limites de cada patente, fazendo com que haja hipóteses de insegurança quanto à
existência ou não de infração de determinada tecnologia, seja ela parcial ou por
equivalência.
Tais problemas de excesso de proprietários somados às dificuldades de
estabelecimento do estado da técnica e a definição de clara existência ou
inexistência de violação na área de patentes geram um efeito de desestímulo à
entrada ou desenvolvimento de determinados mercados já muito povoados pelas
empresas/criadores.
Mas qual seria a relação dessa problemática do anticommons com as
questões concorrenciais? Várias são as respostas, começando-se por se
transformar em mais uma barreira de entrada no mercado, dificultando a
concorrência e, ao final, desenvolvendo facilidades para domínio “legal” de
mercados.
Nas palavras de Michael Carrier126, com exceção das chamadas per se
rules
127
, todos os procedimentos antitruste envolvem uma análise dos efeitos pró-
competitivos e anticompetitivos que a conduta ou atividade gera no mercado, tendo
124
Tradução livre: Críticos procuram restringir ou até mesmo eliminar alguns tipos de proteções de
propriedade intelectual, usando oito argumentos diferentes baseados em preocupações com o
acesso restrito à tecnologia, aumento de custos, monopolização, incentivos inapropriados para
investimentos, concorrência, despesas, requisitos institucionais e ética.
125
MEURER, Michael; BESSEN, James. Op. Cit, p. 47.
126
CARRIER, Michael A. Resolving the patent-antitrust paradox through tripartite innovation. Nashville, TN:
Vanderbilt Law Review, May, 2003, p. 1049-1110.
127
Quando uma determinada atividade ou comportamento está diretamente enquadrada como possuindo um
efeito anticompetitivo por si só, independentemente da análise do contexto no qual tal comportamento se
insere.
72
que se ter cuidado com o natural efeito de que o direito de excluir terceiros contido
no sistema de patentes gera um permitido aumento de preço ou redução de saída.
Desta forma, cumpre analisar os comportamentos individuais e os
comportamentos ditos plurais envolvendo a interconexão dos direitos concorrenciais
e de patentes no mercado. Um exemplo seria a recusa em licenciar patente.
Na antiga forma de enxergar o direito de propriedade como um todo, a análise
da recusa em licenciar patente seria uma análise banal, na qual a observação
preponderante seria de que faz parte dos direitos do proprietário explorar ou não o
seu direito de propriedade.
Quando se passa a analisar o direito de propriedade como um direito
funcional, não absoluto e que gera direitos e obrigações ao seu titular, e quando o
direito de patentes é equiparado, para efeitos legais, a um direito de propriedade,
fica mais desafiadora a missão de verificar se determinada recusa em licenciar uma
patente é legítima ou está inserida na chamada doutrina do Patent Misuse.
O guia do DOJ e FTC de 2007
128
traz cinco questões relacionadas à recusa
em licenciar patente que são interessantes de ser analisadas separadamente, até
mesmo porque as conclusões do DOJ e FTC são fundadas em opiniões de diversos
painelistas que participaram na formação do guia através de audiências para oitiva
de suas experiências e opiniões
129
. Passa-se à análise das cinco questões
referentes à recusa unilateral em licenciar uma patente.
As patentes devem ser vistas como um direito especial de propriedade e
receber um tratamento especial da legislação antitruste? De acordo com o Guia
DOJ e FTC de 2007, a conclusão foi de que a legislação antitruste deve ser aplicada
no direito de patentes assim como o é em qualquer direito de propriedade, não
128
129
US Department of Justice e US Federal Trade Commission. Antitrust enforcement and Intellectual Property
Rights: Promoting Innovation and Competition. Abril de 2007.
Interessante notar que o referido guia do DOJ e FTC é baseado em experiências e conhecimentos de
diversos especialistas da área, tais como Steve Anderman, Ashish Arora, Roxane Busey, Carl Cargill,
Rebecca Dick, Ian Forrester, Jeffery Fromm, Jonathan Gleklen, Peter Grindley, Benjamin Klein, Josh Lerner,
Howard Morse, Carl Shapiro, Christopher Sprigman, James Venit, entre outros painelistas de renome que
integraram as diversas rodadas de pesquisa e consulta feitas pelo DOJ e FTC em 2002.
73
outorgando qualquer tratamento diferenciado em virtude da essência intangível da
130
Patente
.
O poder de mercado deve ser presumido quando há direito de patente? A
resposta do DOJ e FTC é de que a patente por si só não gera poder de mercado,
citando precedentes do próprio DOJ e FTC e da Suprema Corte dos EUA. Tal fato
decorre da constatação de que mesmo havendo uma patente sobre determinada
tecnologia, isso não impede que existam outras patentes sobre outras tecnologias
substitutas/paralelas no mercado que possam impedir o titular da patente de exercer
poder de mercado
131
.
Sendo constatada uma violação das normas de antitruste, existem remédios
para uma incondicional e unilateral recusa em licenciar a patente? Na visão do DOJ
e FTC, se uma recusa unilateral de licenciar patentes for considerada como uma
violação das normas de antitruste, um remédio apropriado seria o licenciamento
compulsório. O DOJ e FTC vão além salientando que alguns dos palestrantes que
participaram das audiências públicas prévias à elaboração do Guia de 2007
destacaram que as Cortes e Agências não estão devidamente equipadas para
determinar termos e condições apropriadas, de modo que o licenciamento
compulsório como solução seria complicado. Mas esse problema seria facilmente
solucionado se já houvesse licenciamento voluntário de tecnologia no mercado
relevante sob análise para fins de comparação132.
130
131
132
Importante referir que parte da doutrina antiga considerava o direito de patentes (e de propriedade
industrial como um todo) como sendo um direito intocável e imune às “provocações” externas,
consistindo-se em uma espécie do direito hermeticamente fechada e com regras próprias não
atingíveis por outros ramos do Direito. No entanto, ao mesmo tempo em que tal equiparação do
direito de patentes ao direito sobre qualquer outra propriedade física demonstrou uma evolução
contra a absolutização hermética do direito de patentes, verifica-se que tal equiparação carrega
problemas relacionados à essência intangível do Direito de patentes em relação à essência
tangível do direito de propriedade tangível. Para uma clara compreensão das diferenças entre tais
conceitos, ver Besse & Meurer (2008), em especial o tratamento dado à falta de clareza nos limites
(boundaries) da patente.
Interessante esse aspecto para desmistificar de vez o sentido errado com que a palavra monopólio
é utilizada para descrever o direito sobre uma patente. Evidentemente que o fato de ser titular de
uma ou mais patentes não possui relação direta com a existência de poder de mercado, no
entanto, tal afirmativa deve ser cautelosa, pois muitas vezes o poder de mercado é obtido através
de uma ou mais patentes. Portanto, fundamental o exame de cada fatia de mercado isoladamente,
identificando os principais players e as origens de seus market shares.
As limitações do FTC e DOJ para a realização de análises mais profundas quanto à legitimidade e
impactos no mercado e consumidor que a recusa em licenciar gera a curto, médio e longo prazo é
o calcanhar de Aquiles da intersecção do direito de patentes com o direito concorrencial, pois os
74
Qual seria o efeito em termos de incentivos à inovação se a recusa por
licenciar fosse reprimida? Nesta análise os palestrantes utilizados de fonte para as
conclusões do DOJ e FTC ficaram divididos entre os que defendem que a inovação
é reduzida pelo risco de uma licença compulsória com royalties muito abaixo dos
normalmente cobrados pelo monopólio (e que poderiam não ser suficientes para o
pagamento dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento), e entre aqueles que
afirmam não estarem convencidos de que a responsabilização pelas normas do
antitruste teria um efeito negativo na inovação
133
.
Quais seriam os efeitos competitivos na recusa em licenciar patentes? Neste
ponto, igualmente foi relevado o aspecto competitivo na estratégia negocial da
empresa em recusar-se a licenciar a patente. Isso porque, muitas recusas em
licenciar são apenas aparentes e fazem parte do “jogo” da negociação, além do fato
de que o valor da licença da patente para poucos licenciados é maior do que o valor
que seria aplicado para um número maior de licenciados, pois o mercado
secundário estaria disposto a investir mais e a pagar um valor maior pela licença se
houver pouca pulverização comercial. Ou seja, o titular da patente poderia ter
dificuldade em obter o máximo de retorno financeiro sobre a patente, caso não se
comprometesse com os licenciados em limitar e/ou recusar licenças de sua patente.
133
danos ao mercado e consumidor podem não ser aparentes e nem previsíveis caso não haja uma
mínima estrutura disponível para identificá-los e estabelecer condições em um licenciamento
compulsório que atenda aos limites da regra da razão estadunidense. Esse aspecto será analisado
com maior vagar, pois trata de ponto nevrálgico para a solução de inúmeros problemas que
dependem de qualificada investigação e estudo técnicos para mensurar os impactos possíveis no
mercado com eventual recusa unilateral em licenciar a(s) patente(s).
Conforme destacado acima, apenas uma clareza de informações técnicas submetida à análise em
cada caso é que poderá tornar viável uma previsão dos efeitos que o mercado e o consumidor
estariam sujeitos com o comportamento rebote do titular da(s) patente(s).
75
As conclusões do DOJ e FTC são no sentido de que as condições ou motivos para a
recusa em licenciar não podem ser imunes a uma análise do Direito Antitruste, mas
que essa intersecção em particular não representa uma parte significante a ser
134
analisada
.
São diversos os possíveis efeitos de uma recusa unilateral e injustificável de
licenciar uma patente. Um deles é o próprio estímulo positivo no mercado em gerar
tecnologias melhores ou paralelas, mantendo imaculados os objetivos harmônicos
do sistema de patentes e concorrencial. No entanto, existem situações em que a
recusa unilateral de licenciar a patente por quem detém posição dominante gera
efeitos anticompetitivos como, por exemplo, no caso do mercado não estar sendo
atendido em sua totalidade e restar claro que o não atendimento do mercado como
um todo faz parte da estratégia do titular da patente para aumento presente ou
futuro do preço com base na escassez. Ora, estipular o valor do produto é um direito
do titular da patente, mas este possui uma obrigação de, em explorando a patente,
atender todo o mercado em um prazo razoável ou, não possuindo condições ou
intenção de fazê-lo, possibilitar o licenciamento voluntário da patente para empresas
que tenham condições de explorar a mesma nos mercados não atendidos.
Caso recente e muito debatido em razão dos efeitos da decisão, é o da Image
Technical Services Inc. vs. Eastman Kodak Co.
licenciar
as
patentes
referentes
136
anticompetitivos. Paul Kirsch
134
as
partes
135
, onde a recusa unilateral em
dos
, analisando o caso Kodak
produtos
137
gerou
efeitos
frente ao caso CSU
138
,
Neste ponto, vale referir a posição da Corte Especializada de Apelações do Circuito Federal dos
EUA, que, apesar de apontar para a inexistência de imunidade no direito de patentes, demonstra
que as possibilidades de defesa contra o abuso de uma ou mais patentes pelo seu titular limita-se
às situações em que o violador da patente provar: “(1) that the asserted patent was obtained
through knowing and willful fraud within the meaning of Walker Process Equipment, Inc. v. Food
Machinery & Chemical Corp., 382 U.S. 172, 177 (1965), or (2) that the infringement suit was a mere
sham to cover what is actually no more than an attempt to interfere directly with the business
relationships of a competitor, Eastern R.R. Presidents Conference v. Noerr Motor Freight, Inc., 365
U.S. 127, 144 (1961)”, conforme verifica-se nos fundamentos da decisão de abril de 1999 referente
ao caso Glass Equipment Development Inc vs. Besten Inc. e Simonton Windows Company (961467,-1481).
135
125 F.3d 1195 – Corte de Apelações do Nono Circuito dos EUA confirmou a aplicação do Sherman
Act, reconhecendo como abusiva a conduta da Kodak em não licenciar as suas patentes.
136
KIRSCH, Paul F. Refusals to License IP – The Perspective of the Private Plaintiff. 1 mai. 2002,
Disponível em: <www.ftc.gov/opp/intellect/020501kirsch.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2009.
137
125 F.3d 1195 – Corte de Apelações do Nono Circuito dos EUA.
138
203 F.3d 1322 – Circuito Federal, 2000.
76
destacou que a decisão no caso da Kodak baseada em analise detalhada do
mercado relevante é melhor do que a decisão tomada no caso CSU, pois o que foi
decidido no caso Kodak não imuniza as patentes de violação concorrencial quando,
através de recusa em licenciar patentes, a empresa age de forma anticompetitiva.
Não há dúvidas de que a recusa em licenciar patente pode ser considerada
ilegal frente ao Direito Concorrencial, mas tais situações devem ser examinadas
caso a caso, cumprindo destacar, exemplificativamente, algumas circunstâncias em
que a recusa em licenciar patente representa um abuso injustificado a ser reprimido
e reequilibrado pelos princípios não apenas do direito concorrencial, mas igualmente
por aqueles atinentes ao norte constitucional traçado para o sistema de patentes:
Recusa em licenciar uma ou mais patentes quando já exista contrato de
licenciamento para terceiros e, mesmo assim, o mercado ainda não esteja sendo
totalmente atendido.
Recusa
em
licenciar
do
titular
de
patente
“mãe”
(casos
de
aperfeiçoamento/dependência entre patentes) quando a empresa que deseja
colocar um produto no mercado desenvolveu nova tecnologia consistente em
aperfeiçoamento tecnológico relevante em relação à patente “mãe”. Esta recusa em
licenciar pode ser expressa ou tácita, ou seja, após tentativa de negociação, verificase a inexistência de resposta ou a resposta com proposta absurda dissociada da
realidade fática do mercado relevante das tecnologias negociadas.
Os comportamentos individuais escorados em direitos de patentes que
maculam as regras de defesa da concorrência que passam pela exclusão indevida
de concorrentes do mercado através de práticas específicas139, inovações em
produtos140 e proibições de engenharia reversa141. Passam também por práticas de
139
Exemplo dessas práticas de exclusão analisadas sob a seção 2 do Sherman Act é o caso United
States of America v. Microsoft Co. (US Court of Appeals – District of Columbia – 253 F.3d 34 –
2001).
140
Também é exemplo o caso Microsoft Co (US Court of Appeals – District of Columbia – 253 F.3d 34
– 2001) e o caso California Computer Products v. IBM Co (US Court of Appeals – Ninth Circuit –
613 F.2d 727 - 1979), sendo que neste último não ficou comprovada (o que seria uma obrigação
da autora da ação) a exclusão não natural de competidores no mercado, falhando a autora em
provar conspiração ou monopolização ilegal.
77
litígio e processamento de patentes que se apresentam em forma de Sham
litigation
142
, obtenção de patentes através de fraude143 e a acumulação de
patentes144.
Há também os comportamentos expressos através de acordos horizontais
(cartéis, acordos para fixação de preços145, acordos judiciais sobre patentes146,
141
Ver Bowers v. Baystate Technologies Inc. (US Court of Appeals for the Federal Circuit – 320 F.3d
1317 – 2003), tratando de interessante e difundido caso de possibilidade de uso de engenharia
reversa para o desenvolvimento de novos produtos, desde que não ocorra violação de direitos de
propriedade intelectual.
142
Várias são as espécies de Sham Litigation conhecidas, sendo que na área de patentes se
apresentam através de ações judiciais baseadas em patentes que o próprio titular tem ciência de
que são inválidas, pressão no mercado concorrente atribuindo um direito maior para a patente do
que aquele que efetivamente foi concedido, os difundidos acordos entre empresas titulares de
patentes de medicamentos em ações de nulidade propostas por empresas de genéricos, entre
diversas outras condutas anticoncorrenciais que, através de uso abusivo ou desviado do sistema
de patentes, geram efeitos anticoncorrenciais.
143
Se utilizar de procedimentos ilegais perante o USPTO gera patentes viciadas e que podem ser
anuladas se comprovada a fraude na sua obtenção. Em Nobelpharma AB v. Implant Innovations
Inc. (US Court of Appeals for the Federal Circuit – 141 F.3d 1059 – 1998) ficou comprovado pelo
júri popular que houve fraude na obtenção da patente US 4,330,891, ressaltando-se que a patente
em questão não revelava a melhor forma de concretização da invenção (Best mode) e tal fato foi
propositalmente ignorado, sendo concedida a patente por fraude.
144
De acordo com a decisão em SCM Corp. v. Xerox Corp. (US Court of Appeals for the Second
Circuit – 645 F.2d 1195 – 1981) a acumulação de patentes feita pela Xerox, tornando seu produto
praticamente único, não violou as regras antitruste, não havendo provas de condutas
anticoncorrenciais por parte da Xerox pelo simples acúmulo e exploração de patentes.
145
Ver o tradicional caso da década de 1940 julgado pela Suprema Corte dos EUA envolvendo United
States v. Line Material Co (Suprema Corte – 333 US 287 – 1948), no qual três diferentes
abordagens são dadas, reconhecendo ou não a fixação abusiva de preços entre titulares de
patentes em acordos de licenças de patentes prevendo também a fixação de preços.
146
Novamente os melhores exemplos decorrem dos acordos indevidos firmados judicialmente nos
EUA e Europa envolvendo litígios de patentes entre empresas produtoras de medicamentos
protegidos por patentes e empresas produtoras de genéricos. Ver Louisiana Wholesale Drug Co. v.
Hoechst Marion Roussel Inc e Andrx Pharmaceuticals Inc (United States Court of Appeals for the
Sixth Circuit – 332 F.3d 896 – 2003) entre outras decisões relevantes.
78
acordos e licenças cruzadas envolvendo diversas patentes
147
, entre outras práticas)
e acordos verticais (cláusulas de exclusividade, restrições territoriais, restrições de
área de uso e restrições de revenda) envolvendo patentes, todos sujeitos a análise
antitruste, independentemente de estarem fundamentados em direitos individuais de
patentes, tendo em vista a real possibilidade de abuso ou uso desviado desses
direitos.
Luciano Benetti Timm
148
destaca algumas cláusulas específicas inseridas em
contratos de transferência de tecnologia que são consideradas anticoncorrenciais e
prejudicam o mercado:
As principais cláusulas problemáticas em relação aos seus efeitos
anticompetitivos são: cláusulas de licença reversa (Grant back), proibições
de utilização de tecnologia após a expiração do contrato (post expiry),
cláusulas proibindo o questionamento administrativo ou judicial a respeito da
validade do direito de propriedade intelectual (no challange), vendas
casadas (tying arrangements), proibição ou restrição à concorrência (noncompetition clauses), fixação de preços (price fixing), restrições de
quantidade (volume restrictions), restrições de utilização (Field of use
restrictions), licenças-pacote (package license), cláusulas de nãoconcorrência, restrições de exportação (export restrictions), licença cruzada
(cross licensing) e acordo de patentes (pooling patents).
Note-se que muitos dos comportamentos individuais, horizontais e verticais
representam um uso desviado do sistema de patentes, gerando a chamada doutrina
do Patent Misuse, conforme destacado por Gary Myers149 ao comentar o leading
case da Suprema Corte Morton Salt Co. v. G.S. Suppiger (314 US 488, 62 S.Ct.
402, 86 L.Ed. 363 – 1942):
147
Note-se que muitas vezes os acordos envolvendo diversas patentes são pró-competitivos (nos
EUA há a presunção de que são pró-competitivos), sendo que algumas restrições impostas em
acordos podem promover uma eficiência integrativa oriunda de, por exemplo, economia em escala,
integração de capacidades de pesquisa e desenvolvimento, produção e marketing em tais
circunstâncias que gerem benefícios ao mercado e ao consumidor em curto, médio e longo prazo.
A possibilidade de acordos envolvendo patentes é fundamental para minimizar os efeitos da
tragédia do anticommons, possibilitando a circulação e uso da propriedade de forma produtiva.
148
TIMM, Luciano Benetti. Op. Cit., p. 104.
149
MYERS, Gary. The intersection of antitrust and intellectual property – cases and materials. St.
Paul: Thomson West, 2007, p. 66.
79
The Supreme Court held that, as a Court of equity, it would not aid Morton
in protecting its patent when Morton was using that patent in a manner
contrary to the public policy. Id. At 490-92, 62 S.Ct. at 404-05. The Court
stated:
The grant to the inventor of the special privilege of a patent monopoly
carries out a public policy adopted by the Constitution and laws of the United
States, ‘to promote the progress of science and useful arts, by securing for
limited times to… inventors the exclusive right…’ to their ‘new and useful’
inventions. United States Constitution, Art. I, parag. 8, cl. 8, 35 USC parag.
31. But the public policy which includes inventions within the granted
monopoly excludes from it all that is not embraced in the invention. It equally
forbids the use of the patent to secure an exclusive right or limited monopoly
not granted by the Patent Office and which it is contrary to public policy to
grant. Id. 492, 62 S.Ct at 405. Thus, the Supreme Court endorsed ‘misuse of
patent’ as an equitable defense to a suit for infringement of that patent.150
151
A Corte Geral da União Européia recentemente confirmou
detalhada decisão da Comissão Européia
152
longa e
no sentido de condenar a empresa
farmacêutica AstraZeneca por abusar de seu direito sobre patentes (argumentos
indevidos que originaram Certificado de Proteção Suplementar de Patente
concedido irregularmente) e de envidar esforços de forma abusiva para atrasar as
autorizações legais de comercialização dos produtos genéricos do medicamento
com a marca Losec da AstraZeneca (o nome genérico do princípio ativo do
medicamento é Omeprazole):
Broadly speaking, this decision deals with two alleged abuses in connection
with Astra.s strategy in relation to its applications for so-called supplementary
protection certificates (hereinafter .SPC.) extending the protection for the
active substance omeprazole in its anti-ulcer medicine Losec; and Astra.s
150
Tradução livre: A Suprema Corte decidiu que, como uma Corte de equidade, não irá apoiar Morton
na proteção de sua patente quando Morton estiver usando esta patente em uma forma contrária à
política pública. Id. At 490-92, 62 S.Ct. at 404-05. A Corte sustentou que:
A concessão ao inventor de um privilégio especial de um monopólio de patente traz consigo uma
política pública adotada pela Constituição e leis dos Estados Unidos, ‘para promover o progresso
da ciência e das artes úteis, através da garantia por um prazo limitado [...] aos inventores direitos
exclusivos [...]’ para as suas ‘novas e úteis’ invenções. Constituição dos Estados Unidos, Art. I,
parágrafo 8, cl. 8, 35 USC parag. 31. Mas a política pública que inclui invenções com a concessão
de monopólios ao mesmo tempo exclui de proteção tudo que não for abrangido pela invenção.
Igualmente proíbe o uso da patente para garantir um direito exclusivo ou monopólio limitado não
concedido pelo Escritório de Patentes o qual seja contrário à política pública conceder. Id. 492, 62
S.Ct at 405. Assim, a Suprema Corte endossou o ‘uso desviado de patente’ como uma defesa
condizente para uma ação de violação dessa patente.
151
Apenas reduziu o valor total da indenização para EUR 52,250,000 ao invés dos EUR 60,000,000.
152
Decisão relacionada ao caso: COMP/A. 37.507/F3 – AstraZeneca. Íntegra da decisão disponível
em: <http://ec.europa.eu/competition/antitrust/cases/dec_docs/37507/37507_193_6.pdf>. Acesso
em: 07 out. 2010.
80
strategy in relation to a switch (mainly in 1998) from capsule to tablet
formulations of Losec.
[…]
It should be mentioned at the outset that the said two alleged abuses
respectively concern behaviour in relation to two distinct regulatory systems:
a) the patent system whereby extra protection is granted under Community
patent law in the form of SPCs for pharmaceutical products and b) the
procedures and conditions under Community and national pharmaceutical
law relating to the authorisation to market pharmaceutical products.
However, both abuses have the same objective of preventing or delaying
market entry of generic omeprazole based products.
[…]
HAS ADOPTED THIS DECISION:
Article 1
1. AstraZeneca AB and AstraZeneca Plc have infringed Article 82 of the
Treaty and Article 54 of the EEA Agreement by the pattern of misleading
representations before patent offices in Belgium, Denmark, Germany, the
Netherlands, Norway and the United Kingdom and before national courts in
Germany and Norway.
2. AstraZeneca AB and AstraZeneca Plc have infringed Article 82 of the
Treaty and Article 54 of the EEA Agreement by their requests for the
surrender of the market authorisations for Losec capsules in Denmark,
Norway and Sweden combined with their withdrawal from the market of
Losec capsules and launch of Losec MUPS tablets in those three countries.
Article 2
For the infringements referred to in Article 1, the following fines are
imposed:
(a) a fine of EUR 46,000,000 on AstraZeneca AB and AstraZeneca Plc,
jointly and severally liable,
(b) a fine of EUR 14,000,000 on AstraZeneca AB.
Article 3
This decision is addressed to AstraZeneca AB (S-151 85 Södertälje,
Sweden) and AstraZeneca Plc (15 Stanhope Gate, London W1K 1LN, the
United Kingdom).
This decision shall be enforceable pursuant to Article 256 of the Treaty.153
Esta decisão paradigmática da Corte Européia demonstra a extrema
dificuldade de se apurar, em procedimentos aparentemente lícitos, estratégias que
153
Tradução livre: Em termos gerais, esta decisão trata com dois alegados abusos conectados à estratégia da empresa Astra
em relação aos seus pedidos de Certificados de Proteção Suplementar (chamados SPC) estendendo a proteção do
princípio ativo omeprazole no seu medicamento anti-úlcera Losec; e também a estratégia da empresa Astra em relação à
troca (principalmente em 1998) de cápsulas para formulações em tabletes do Losec. […].
Deve-se mencionar que os ditos dois abusos respectivamente trazem atenção para dois diferentes sistemas regulatórios:
a) o sistema de patentes no qual proteção extra é concedida através da Lei de Patente Comunitária na forma de SPCs
para produtos farmacêuticos e b) os procedimentos e condições, de acordo com a legislação farmacêutica Comunitária e
nacional relacionada à autorização para comercializar produtos farmacêuticos. No entanto, ambos os abusos possuem o
mesmo objetivo de impedir ou atrasar a entrada no mercado dos produtos genéricos com base no omeprazole. […].
Adotou a seguinte decisão:
Artigo 1
1. AstraZeneca AB e AstraZeneca Plc infringiram o Artigo 82 do Tratado e o Artigo 54 do Acordo EEA através de atos de
artifícios perante os Escritórios de Patentes da Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Noruega e Reino Unido e perante
Cortes Nacionais na Alemanha e Noruega.
2. AstraZeneca AB e AstraZeneca Plc infringiram o Artigo 82 do Tratado e Artigo 54 do Acordo EEA através dos seus
pedidos formulados para a obtenção de das autorizações de comercialização do Losec em cápsulas na Dinamarca,
Noruega e Suécia combinado com a sua saída do mercado do Losec em cápsulas e lançamento do Losec MUPs em
tabletes nesses três países.
Artigo 2
Pelas infrações especificadas no artigo 1, as seguintes multas são impostas:
(a) Uma multa de EUR 46,000,000 na AstraZeneca AB e na AstraZeneca Plc, juntamente e severamente responsáveis,
(b) Uma multa de EUR 14,000,000 na AstraZeneca AB.
Artigo 3
Esta decisão é aplicada contra AstraZeneca AB (S-151 85 Södertälje, Suécia) e AstraZeneca Plc (15 Stanhope Gate,
Londres W1K 1LN, Reino Unido).
81
justamente abusam do sistema para obter ganhos práticos efetivos no mercado
(envolvendo a já denominada Sham Litigation).
Deve-se destacar que um dos maiores problemas em julgar as condutas
anticompetitivas expressas através do uso abusivo do sistema de patentes está
justamente na dificuldade de identificar tais condutas e, ao mesmo tempo, prever os
efeitos das mesmas em curto, médio e longo prazos, exigindo-se das autoridades
antitruste enorme esforço investigativo, assim como esforço em aprofundar os
dados empíricos disponíveis.
Dentro do interesse em esclarecer e comprovar a dificuldade encontrada
pelas autoridades e partes envolvidas em identificar comportamentos abusivos
anticoncorrenciais em casos envolvendo direito de patentes, foi conduzida pesquisa
embasada em entrevistas feitas com autoridades do FTC e DOJ, assim como do
CADE e SDE.
Deve-se destacar o profissionalismo e organização do Department of Justice
e da Federal Trade Commission dos Estados Unidos no que tange à capacidade de
compilação e organização de informações através de “guia” prático específico sobre
a intersecção dos direitos de propriedade intelectual com o direito antitruste
154
.
Muito além de um simples “guia”, em realidade o trabalho desenvolvido em
conjunto pelos integrantes do DOJ e FTC traz análises detalhadas de casos
específicos, é precedido de audiências públicas com participação da sociedade
como um todo e, em especial, experts no assunto da área acadêmica, pública e
privada.
Já na realidade brasileira, apesar da existência de julgados pelo CADE
envolvendo esta intersecção, não há um “guia” específico para lidar com tais casos,
como ocorre com o DOJ e FTC. Mas existem alguns trabalhos mais restritos
154
Esta decisão será exigível de acordo com o artigo 256 do Tratado.
U.S. Department of Justice and the Federal Trade Commission. Antitrust Enforcement and
Intellectual Property Rights: Promoting innovation and competition. Abril de 2007. Disponível em:
<www.ftc.gov/reports/index.shtm>. Acesso em: 09.02.2009.
82
desenvolvidos, como, por exemplo, a Resolução ABPI nº 68 de 21/10/2004,
denominada de Diretrizes para Exame de Contratos de Transferência de Tecnologia
e Licenciamento de Direitos da Propriedade Intelectual sob uma Perspectiva do
Direito Antitruste
155
.
No entanto, analisando-se o referido trabalho do DOJ e FTC, alguns dos
trabalhos desenvolvidos no Brasil e algumas decisões do Federal Circuit e da
própria Suprema Corte dos Estados Unidos, chega-se a questões que permanecem
em aberto e que geraram a necessidade de elaboração de um questionário e
entrevistas com autoridades do FTC, DOJ, CADE e SDE no sentido de buscar não
apenas uma comparação entre as duas percepções, mas, mais do que isso, tentar
preencher algumas lacunas que são importantes para o estudo desenvolvido.
No que tange ao FTC, as respostas obtidas tiveram como fonte de consulta
156
Armando Irizarry
157
, Tara Isa Koslov
158
e Pamela Jones Harbour
.
Os entrevistados em diversas oportunidades fizeram referência ao “guia” do
DOJ/FTC de abril de 2007 em suas respostas, mas destacaram alguns fatores e
casos que merecem ser frisados.
A função da FTC é proteger o consumidor e estimular a concorrência, ou seja,
há uma dualidade harmônica de objetivos.
Para o FTC, quando se analisa questões relacionadas à antitruste a conduta
é importante. Tal fato demonstra a profundidade da pesquisa que deve ser realizada
para a tipificação de condutas anticompetitivas.
As formas de investigação utilizadas pelo FTC são, basicamente a imprensa
(incluindo as próprias declarações públicas de CEOs das empresas), reclamações
155
Disponível em:
<http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Portugu%C3%AAs&secao=Resolu%
C3%A7%C3% B5es%20da%20A BPI&codigo=3&resolucao=1>. Acesso em: 09 fev. 2009.
156
Counsel for Intellectual Property – FTC – Bureau of Competition – Office of Policy and
Coordination.
157
Attorney Advisor of Commissioner Pamela Jones Harbour – FTC.
83
de outras empresas, facilitação de acesso da FTC ao público (recebem todas as
pessoas/denúncias, possuem um disque-denúncia);
Há o entendimento do FTC de que os objetivos dos sistemas de patentes e de
antitruste estão focados nos benefícios finais gerados aos consumidores, sendo que
os monopólios naturais não são atingidos pelas regras de antitruste;
Nas entrevistas evidenciou-se que o FTC possui problemas estruturais e de
recursos humanos para analisar casos mais complexos com tecnologias avançadas
e impactos incertos no mercado. Tal aspecto corrobora a inadequação do atual
sistema
de
patentes
quando
aplicado
para
a
proteção
de
tecnologias
essencialmente diversas daquelas para as quais este sistema foi desenhado,
conforme é defendido neste trabalho.
Para embasar as posições pessoais explanadas nas entrevistas foram citados
alguns casos contemplados no “guia” de 2007, tais como Verizon159, Kodak160,
CSU161 (ver guia FTC p. 21).
Igualmente foi conduzida pesquisa de campo junto a representantes das
autoridades
antitruste
brasileiras,
obtendo-se
resultados
interessantes
que
comprovam a hipótese da importância em reconhecer-se claramente o princípio da
igualdade enquanto voltado para o reconhecimento de tratamento diferenciado de
tecnologias diferentes, como base para o sistema de patentes, gerando efeitos no
ambiente concorrencial.
Paulo Furquim de Azevedo, Conselheiro do CADE na época da pesquisa de
campo162, em suas respostas ao questionário referente à pesquisa, afirma:
158
Commissioner – FTC.
Verizon Communications Inc. v. Law Offices of Curtis V. Trinko LLP, 540 US 398, 407 de 2004.
Nesse julgamento fica clara a posição de que o exercício de poder monopolístico naturalmente e
legalmente obtido no mercado, com prática de preços monopolísticos, não pode ser atingido pela
legislação antitruste estadunidense.
160
Já citado - 125 F.3d 1195 – Corte de Apelações do Nono Circuito dos EUA.
161
Já citado - 203 F.3d 1322 – Circuito Federal, 2000.
162
Íntegra das perguntas e respostas à pesquisa de campo disponível no Anexo A.
159
84
Não sei se compreendi a questão. Não me parece que direitos de patentes
sejam áreas em que a existência ou não de poder de mercado ou abuso de
poder de mercado é, comparativamente a todos os demais setores, de difícil
aferição. Sem dúvida esta é uma tarefa difícil, mas também o é para
mercado de produção de conteúdo midiático, de softwares, de serviços
especializados etc. Um item muito relevante nesta área é sham litigation.
Uma vez que não é evidente se o direito de propriedade foi infringido ou não,
empresas podem utilizar o sistema de proteção à propriedade intelectual
para impor custos a concorrentes, mesmo não tendo estes, de fato,
infringido tais direitos. Portanto, a dificuldade de se avaliar se houve ou não
violação de DPI é fonte de problemas concorrenciais.
No meu entender, não há, a princípio, incompatibilidade entre a proteção
de direito de propriedade intelectual e seu pleno exercício e a política de
defesa da concorrência.
De fato, resta sobriamente comprovado no decorrer desta tese que a
indefinição dos limites do direito de patentes decorrentes de vários fatores (entre
eles, o uso de técnicas de redação que ampliam a proteção sem suporte descritivo
suficiente e a interpretação não restritiva das patentes), funciona como instrumento
de abuso do direito de patentes, aliado, ainda, ao pouco conhecimento
especializado do assunto.
Outro fator análogo à indefinição sobre os limites do direito de patentes é a
complexidade das condutas que envolvem atos desviados da legalidade prevista
para o uso concorrencial lícito do sistema de patentes. Na fase de revisão final desta
tese, após evento realizado no Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, foi assinado
Acordo de cooperação técnica entre INPI, SDE e CADE163, cujo objeto
163
Acordo de cooperação técnica que entre si celebram o Instituto Nacional da Propriedade Industrial
– INPI, a União, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça – SDE
e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
85
demonstra o passo inicial para a evolução na identificação e análise de condutas
anticoncorrenciais perpetradas através de abusos na área de propriedade
intelectual:
Constitui objeto deste acordo a cooperação técnica entre os Partícipes,
quando solicitada e de acordo com sua conveniência e oportunidade:
I) Prestação de consultoria, referente à definição de rotinas, diretrizes e
normas de procedimento no tratamento conjunto de atos de concentração
ou condutas anticoncorrenciais que envolvam propriedade intelectual;
II) Realização de estudos sobre as relações e interfaces entre propriedade
intelectual e antitruste;
III) Realização e participação em eventos e seminários, inclusive
objetivando o treinamento de servidores;
IV) Disponibilização, em acervo compilado, dos estudos e análises dos
processos instaurados;
V) Troca de informação e de conhecimento técnico entre os respectivos
corpos técnicos; e
VI) Com base nas análises e nos estudos, elaboração de propostas
normativas, que conduzirão, no âmbito desse Acordo, medidas integradas
para a resolução dos casos.
Parágrafo Primeiro: Iniciada uma investigação, a SDE poderá oficiar ao
INPI solicitando o compartilhamento das informações técnicas relativas a
eventuais direitos de propriedade intelectual titularizados pelo agente(s)
econômico(s) investigado(s), por outro(s) agente(s) econômico(s) com
atuação no mercado relevante examinado.
Parágrafo Segundo: O INPI, quando, no exercício das suas atribuições,
verificar a existência de indícios de práticas restritivas à livre concorrência
relativas à propriedade intelectual, oficiará à SDE, dando conhecimento dos
fatos, e, querendo, poderá manifestar-se previamente sobre a sua área de
competência para fins do art. 30 e seguintes da Lei n.º 8.884/94.
Parágrafo Terceiro: Instaurado o processo administrativo para apuração
da existência de infração à ordem econômica, a SDE, após recebida(s)
defesa(s) do(s) Representado(s), enviará ao INPI, por ofício, cópias da
instauração do processo, da representação e da(s) defesa(s), para que o
Instituto, querendo, emita parecer sobre as matérias de sua especialização,
o qual deverá ser apresentado antes do encerramento da instrução
processual no âmbito da SDE.
Parágrafo Quarto: O INPI, tomando ciência da ocorrência de práticas que
possam configurar descumprimento a decisão do CADE, informará ao
Presidente do Conselho.
Parágrafo Quinto: As decisões do Plenário do CADE que possam
produzir efeitos nos direitos de propriedade intelectual deverão ser
encaminhadas ao INPI, acompanhadas dos Relatórios produzidos, para
conhecimento desta Agência e para as providências cabíveis.
Demonstra-se, desta forma, um reconhecimento da complexa relação
existente entre o mercado e o sistema de patentes, a demandar estudo específico e
compreensão clara das limitações recíprocas e harmônicas impostas pelo sistema
86
de patentes e o direito concorrencial, em prol do cumprimento do disposto no art. 5°,
XXIX da Carta Magna de 1988.
Na área do Direito Autoral igualmente há a problemática intersecção com o
164
direito concorrencial, afirmando Helenara Braga Avancini
em suas conclusões
que:
Na verdade, os princípios da ordem econômica só têm sentido se
analisados à luz dos direitos fundamentais, em especial, pelo princípio da
funcionalização da propriedade autoral, o que não constitui novidade para
academia e os juristas. O desafio é tornar esta evidência em efetividade,
pois o uso do Direito da Concorrência e do consumidor, para limitar o
excesso de titularidade, acaba por exercer a funcionalização do Direito
Autoral, concretizando os direitos fundamentais.
Some-se a estes fatores, a importância do reconhecimento e respeito ao
princípio da igualdade na base do sistema de patentes, de modo a adequadamente
proteger as criações intelectuais patenteáveis de acordo com as suas diferentes
essências tecnológicas e seus posteriores impactos no âmbito concorrencial.
164
AVANCINI, Helenara Braga. O direito autoral numa perspective dos direitos fundamentais: A
limitação do excesso de titularidade por meio do direito da concorrência e do consumidor. Tese de
Doutorado apresentada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto
Alegre, 2009.
87
3 IGUALDADE E ESTADO SOCIAL
Já dizia o romancista francês Honoré de Balzac, no século XIX, que A
igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra capaz de a tornar
um fato.
Não há dúvidas de que a noção de igualdade é abordada há mais tempo do
que as noções de concorrência e de patentes, sendo claro que o princípio da
igualdade material explorado por Aristóteles há mais de dois mil anos demonstra
claramente, até os dias de hoje, que tratar de forma igual os desiguais não
corresponde à busca ideal de justiça165.
O princípio da igualdade em nosso ordenamento jurídico está positivado,
essencialmente, no art. 5°, caput e inciso I, assegurando, em síntese, que todos os
homens e mulheres são iguais e devem ser tratados de forma materialmente (e não
apenas formalmente) igual166. Note-se que a manifestação do princípio da igualdade
não decorre apenas do art. 5., caput e inciso I da Carta Magna de 1988, mas
também da própria essência do art. 1., inciso III e artigo 3. e incisos da mesma
Carta167.
A análise do princípio da igualdade no ordenamento jurídico é de fundamental
importância para a compreensão de como tal princípio deve exercer a função de
“corretor” das dissonâncias existentes no tratamento formalmente igual que o
165
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003.
Constituição Federal de 1988: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
167
Constituição Federal de 1988: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Art. 3º Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
166
88
sistema de patentes confere às tecnologias
168
suscetíveis de patenteabilialidade na
atualidade.
169
De acordo com Jorg Neuner
, a igualdade de tratamento pode ser
essencialmente justificada e devida por três motivos: proteção do indivíduo,
proteção do grupo envolvido e no interesse da coletividade.
Quando o autor destaca a proteção do indivíduo, relaciona a mesma ao seu
objetivo de consideração à dignidade da pessoa humana, limitando um titular de
direito privado frente ao desenvolvimento de outro.
170
Nos dizeres de Patrícia Uliano Effting Zoch de Moura
“Pelo entendimento
de que os seres humanos, embora iguais quanto sua espécie, mostram-se desiguais
quanto aos aspectos sociais, surge a razão pela busca de igualá-los”.
De certa forma, consiste na aplicação do princípio da igualdade material,
consistente em reconhecer as desigualdades e, frente a elas, estabelecer
tratamentos proporcionalmente desiguais.
Examinando-se o princípio da igualdade material como uma das vertentes de
expressão da dignidade, cumpre analisar a questão mais ampla da dignidade,
destacada por Ricardo Aronne171, afirmando que “Qualquer noção de dignidade,
tendo em vista um patamar material e não meramente formal, deve ser apreendida
concreta (tópica) e intersubjetivamente, como traduz Ingo Sarlet, na mais
significativa obra dedicada ao tema, na literatura jurídica nacional”.
168
O termo “tecnologia” possui diversos significados, dependendo do contexto em que é empregado.
Adota-se o conceito de tecnologia expresso na Enciclopédia Wikipédia: A tecnologia é, de uma
forma geral, o encontro entre ciência e engenharia. Sendo um termo que inclui desde as
ferramentas e processos simples, tais como uma colher de madeira e a fermentação da uva, até as
ferramentas e processos mais complexos já criados pelo ser humano, tal como a Estação Espacial
Internacional
e
a
dessalinização
da
água
do
mar.
Disponível
em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnologia>. Acesso em: 10 set. 2010.
169
NEUNER, Jorg. O princípio da igualdade de tratamento no direito privado alemão. Direitos
Fundamentais & Justiça, n. 2, p. 85, Jan./Mar. 2008.
170
MOURA, Patrícia Uliano Effting Zoch de. A finalidade do princípio da igualdade – A nivelação
social – Interpretação dos atos de igualar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 38.
171
ARONNE, Ricardo. Op. Cit., p. 69.
89
Ou
seja,
fugindo-se
do
conceito
meramente
formal
de
igualdade,
obrigatoriamente deve-se analisar topicamente este princípio para que se possa
chegar à sua definição materialmente aceita.
Nos dizeres de Bolzan de Morais
172
, destacando o sentido hermenêutico
amplo e aberto da Constituição que permeia o princípio da igualdade material, “O
papel da Constituição não está terminado, mesmo que esteja passando por uma
reformulação profunda produto de uma realidade nova que impõe seja ordenada
levando-se em consideração o seu cunho aberto e universalizado”.
O problema prático da aplicação do princípio da igualdade material não está
na premissa de definição do que é a justiça, mas sim de como alcançá-la na
realidade individualizada (tópica), cumprindo destacar a relevância apontada por
Barzotto173 da análise do realismo174, pragmatismo175, caráter ético176, casuísmo177 e
tradicionalismo178 empregados pelos juristas romanos na tentativa deste autor em
demonstrar as afinidades eletivas entre a prudência aristotélica e a jurisprudentia
romana.
Em análise de Direito Comparado quanto aos limites possíveis de uma
universalidade de direitos humanos, Ângela
172
179
Kretschmann
,
traçando
um
MORAIS, José Luis Bolzan de. Direitos humanos “globais (universais)”. De todos, em todos os
lugares. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Centro
de Ciências Jurídicas – Unisinos. São Leopoldo, 2001, p. 69.
173
BARZOTTO, Luis Fernando. Prudência e jurisprudência. Anuário do Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Centro de Ciências Jurídicas – Unisinos, São
Leopoldo, 1999, p. 163-192.
174
Enquanto Aristóteles se concentra em conhecer a verdade prática através da prudência, sendo
esta contingente, mas não menos objetiva, os romanos buscam soluções fora das abstrações,
baseadas no exame paciente da realidade.
175
Apesar da jurisprudentia romana não almejar produzir uma teoria de justiça, trata de realizá-la nos
casos concretos, assim como a prudência aristotélica busca conhecer o bem do homem concreto
e da polis concreta, impondo-se como um objetivo par todos.
176
Assim como a prudência descreve uma premissa de homem prudente no sentido de excelência
moral, a jurisprudentia romana busca achar uma solução mais adequada, do ponto de vista moral,
para o caso prático.
177
Da mesma forma que a prudência advém da experiência para Aristóteles, negando a existência da
prudência nos jovens, para a jurisprudentia romana sem o contato demorado com as realidades da
vida, não há como descobrir o direito presente nos casos.
178
Atenção que deve ser dada aos mais velhos, pois a opinião deles a merece. Já a jurisprudentia
romana assevera que a experiência é garantia da solidez das decisões e que somente poderia ser
questionada com razões extraordinariamente fundadas.
179
KRETSCHEMANN, Ângela. Universalidade dos Direitos Humanos e Diálogo na Complexidade
de um Mundo Multicivilizacional. Curitiba: Juruá, 2008.
90
comparativo entre as culturas e desenvolvimentos humanos ocidental, hindu,
muçulmano e chinês, demonstra claramente que o respeito ao indivíduo
contextualmente considerado é essencial para traçar os parâmetros possíveis de
universalização de direitos humanos.
Em obra dedicada exclusivamente à análise do princípio da igualdade, Celso
Antônio Bandeira de Mello
positiva
de
180
necessidade
propõe a pergunta nodal que, também em sua forma
de
estabelecer
discriminações,
interessa
ao
desenvolvimento da presente tese: “Quando é vedado à lei estabelecer
discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal,
inerente à função legal de discriminar?”.
Indo além das importantes constatações Aristotélicas de tratamento desigual
aos desiguais e tratamento igual aos iguais, Celso Antônio Bandeira de Mello
181
,
afirmando que “ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas para
situações equivalentes”, conclui haver ofensa ao preceito constitucional da
isonomia/igualdade quando:
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação
de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal
modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator
‘tempo’ – que não descansa no objeto – como critério diferencial.
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de
adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a
disparidade de regimes outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato,
mas o estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo
dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
Conclui-se que o autor citado claramente defende que “não há como
desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores
182
desiguais”
, tomando por base para o tratamento desigual não apenas a pessoa,
mas também os fatos e situações que as desigualam.
180
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 13.
181
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit., p. 11 e 47.
182
Idem, p. 35.
91
Ou seja, a necessidade de igualar ou discriminar não decorre apenas da
análise das igualdades e desigualdades entre os seres humanos enquanto pessoas
naturais, mas sim das igualdades e desigualdades levando-se em consideração os
fatos,
situações
ou
pessoas
iguais
ou
desiguais.
Tratar
igualmente
ou
desigualmente iguais ou desiguais pressupõe uma análise mais profunda do que a
simples comparação interpessoal, pois caso assim não o seja, a própria
equiparação ou discriminação irá ferir o princípio da igualdade.
Procurando algumas respostas contributivas no Direito Comparado, verifica183
se que a Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford
estabelece que o
princípio da igualdade (equality) é um conceito complexo e altamente contestado,
donde divide a igualdade em 4 possíveis princípios (Igualdade Formal
185
Proporcional
183
, Igualdade Moral
186
187
e Presunção de Igualdade
184
, Igualdade
).
Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/equality/>. Acesso em: 23 abr. 2010.
When two persons have equal status in at least one normatively relevant respect, they must be treated equally with regard
to this respect. This is the generally accepted formal equality principle that Aristotle formulated in reference to Plato: "treat
like cases as like" (Aristotle, Nicomachean Ethics, V.3. 1131a10-b15; Politics, III.9.1280 a8-15, III. 12. 1282b18-23).
Tradução livre: Quando duas pessoas têm um mesmo status em pelo menos um aspecto normativo relevante, elas devem
ser tratadas igualmente no que tange a este aspecto. Esse é o genericamente aceito princípio da igualdade formal que
Aristóteles formulou em relação a Platão: “tratar da mesma forma casos que se apresentem da mesma forma”.
185
When factors speak for unequal treatment or distribution, because the persons are unequal in relevant respects, the
treatment or distribution proportional to these factors is just. Unequal claims to treatment or distribution must be considered
proportionally: that is the prerequisite for persons being considered equally. Tradução livre: Quando fatores determinam um
tratamento ou distribuição desigual porque as pessoas são desiguais em aspectos relevantes, o tratamento ou distribuição
proporcional desses fatores é justo. Reivindicações desiguais para tratamento ou distribuição devem ser consideradas
proporcionais: esse é o pré-requisito para as pessoas serem consideradas iguais.
186
Since "treatment as an equal" is a shared moral standard in contemporary theory, present-day philosophical debates are
concerned with the kind of equal treatment normatively required when we mutually consider ourselves persons with equal
dignity. The principle of moral equality is too abstract and needs to be made concrete if we are to arrive at a clear moral
standard. Nevertheless, no conception of just equality can be deduced from the notion of moral equality. Rather, we find
competing philosophical conceptions of equal treatment serving as interpretations of moral equality. These need to be
assessed according to their degree of fidelity to the deeper ideal of moral equality (Kymlicka 1990, p. 44). With this we
finally switch the object of equality from treatment to the fair distribution of goods and ills or bads. Tradução livre: Sendo o
“tratamento com igualdade” um padrão moral compartilhado na teoria contemporânea, os debates filosóficos dos dias de
hoje estão preocupados com o tipo de tratamento igual requerido normativamente quando consideramos uns aos outros
com igual dignidade. O princípio da igualdade moral é muito abstrato e precisa ser transformado em concreto se queremos
chegar a um padrão moral claro. Não obstante, nenhuma concepção de igualdade justa pode ser deduzida da noção de
igualdade moral. Melhor, nós encontramos concepções filosóficas competitivas de tratamento igualitário servindo de
interpretação para igualdade moral. Elas precisam ser acessadas de acordo com os seus graus de fidelidade para com o
mais profundo ideal de igualdade moral (Kymlicka 1990, p. 44). Com isso nós finalmente trocamos o objeto da igualdade
de um tratamento para uma distribuição justa de produtos e doenças ou males.
187
The presumption of equality provides an elegant procedure for constructing a theory of distributive justice. The following
questions would have to be answered in order to arrive at a substantial and full principle of justice: What goods and
burdens are to be justly distributed (or should be distributed)? Which social goods comprise the object of distributive
justice? What are the spheres (of justice) into which these resources have to be grouped? Who are the recipients of
distribution? Who has a prima facie claim to a fair share? What are the commonly cited yet in reality unjustified exceptions
to equal distribution? Which inequalities are justified? Which approach, conception or theory of egalitarian distributive
justice is therefore the best? Tradução livre: A presunção de igualdade fornece um procedimento elegante para a
construção de uma teoria de justiça distributiva. As seguintes questões deverão ser respondidas para que se alcance um
completo e substancial princípio de justiça: Que produtos e encargos devem ser justamente distribuídos (ou se devem ser
distribuídos)? Quais produtos sociais compreendem o objeto da justiça distributiva? Quais são as esferas (de justiça)
dentro das quais esses recursos devem ser agrupados? Quem são os recebedores da distribuição? Quem possui o direito
de reivindicar claramente uma parte justa? O que são os ainda normalmente citados na realidade de exceções
injustificadas para distribuição igualitária? Quais desigualdades são justificadas? Qual abordagem, concepção ou teoria de
justiça distributiva igualitária é então a melhor?
184
92
Historicamente, quando o ideal de igualdade “nasceu” na Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América o contraste entre este ideal e a
realidade na época era enorme
188
.
Um dos símbolos na defesa do princípio da igualdade como forma de abolir a
discriminação racial nos EUA foi o Juiz da Suprema Corte dos EUA Thurgood
Marshall, acreditando e defendendo que a igualdade seria melhor alcançada através
de um movimento de integração da sociedade.
Para Catherine Bernard189, em artigo desenvolvido demonstrando quatro
perspectivas diferentes do princípio da igualdade, a compreensão do princípio da
igualdade na jurisprudência européia demonstra haver bases justificadas em visões
de uma igualdade utópica (slogan político de pouca efetividade prática), de uma
igualdade como objetivo social informativo, cuja aplicação seria como orientador de
uma não discriminação, mas sem possuir uma força legislativa maior e, por fim, de
uma igualdade vista como um princípio geral de Direito a limitar as atividades
legislativas.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789190 é um marco
histórico internacional paradigmático no início da compreensão do sentido material
do princípio da igualdade.
Vanessa Batista Oliveira Lima191 destaca que “A tese da igualdade jurídica
proposta desde a revolução francesa, vem sofrendo profundas alterações, passando
188
Por exemplo, no que tange ao direito de votar na época, apenas as pessoas do sexo masculino é
que detinham propriedade e direito de voto nos novos estados independentes. Tal fato demonstra
a aceitação de um ideal maior contra uma prática cultural normal, gerando um choque saudável
entre o ser e o dever ser assim considerados na época.
189
BERNARD, Catherine. The principle of equality in the community context: P, Grant, Kalanke
and Marschall: Four uneasy bedfellows? The Cambridge Law Journal (1998), 57:2:352-373
Cambridge: University Press.
190
Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum.
191
LIMA, Vanessa Batista Oliveira. Ações afirmativas como instrumentos de efetivação do
princípio da igualdade e do princípio da dignidade da pessoa humana. p. 09. Disponível em:
<http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic/v_encontro/acoesafirmativascomoinstrumen
tos.pdf>. Acesso em 23 abr. 2010.
93
de igualdade formal para real, de abstrata para concreta; mas sempre posta como
pilar dos sistemas jurídicos ocidentais”.
A mesma autora acrescenta “Parafraseando CANOTILHO, força (sic) é
reconhecer que o princípio da igualdade não proíbe, mas antes pressupõe, que a lei
estabeleça distinções de situações, desde que haja fundamento material e objetivo
192
para tal discriminação”
.
Em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado
quanto à aplicação do princípio da igualdade, reconhecendo justamente a
necessária aplicação do princípio em sua dimensão material ou substancial.
No julgamento da ADIN 2649/DF, a respeito da constitucionalidade da Lei
8899/94, ficou explicitado no voto da Relatora Cármen Lúcia que A Lei n. 8.899/94 é
parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na
sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações
sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade
da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles
sejam alcançados.
Analisando a aplicação do princípio da igualdade dentro de um contexto
concorrencial de igualdade de oportunidades à concorrentes em um mercado
competitivo, clara é a noção de que o desenvolvimento do princípio da igualdade
tem início paralelamente ao desenvolvimento do princípio da livre concorrência. As
noções de igualdade meramente formal e de que o mercado se auto-regulava sem a
necessidade de regulação estatal mínima foram cedendo lugar às noções cada vez
mais desenvolvidas de uma necessária igualdade material ou substancial, assim
como de uma regulação estatal constante para assegurar o cumprimento dos
princípios da igualdade e da livre concorrência.
Para que haja um mercado totalmente livre (sem regulação) forçoso seria
pressupor uma situação de igualdade material ou substancial absoluta. Como tal
192
LIMA, Vanessa Batista Oliveira. Op. Cit., p. 10.
94
pressuposto não existe, a busca de maiores correções em prol de uma igualdade
material contribui para uma maior possibilidade de afastamento do Estado na
regulação em um atendimento pós-moderno do princípio da livre concorrência.
193
Como adverte Paula Forgioni
, nesta correlação de atendimento dos
princípios da igualdade e da livre concorrência, deve-se ter atenção ao atual modelo
capitalista, pois:
Como veremos na terceira parte dessa linha de evolução das normas
disciplinadoras da concorrência que estamos traçando, o grande perigo
atual está em considerarmos, apenas, essa função restrita da
regulamentação antitruste, como se ainda estivéssemos no período inicial
do liberalismo econômico, desconsiderando seu processo de evolução, que
corre paralelo àquele das funções exercidas pelo moderno Estado
capitalista.
Não há dúvidas de que a aplicação efetiva da noção de igualdade em seu
sentido material reafirma o reconhecimento da livre concorrência aplicada em um
mercado cada vez menos regulado pelo Estado. Tal pode não ser constatado na
atualidade justamente porque o alcance de uma igualdade material através de um
efetivo tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades
represente tarefa árdua e quase utópica em um Estado Democrático de Direito
permeado
por
desigualdades
seculares
a
serem
corrigidas
gradativa
e
constantemente.
Assim, deve-se atentar para o fato de que o sistema de patentes possui
vinculação direta com um sistema eficaz e corretamente compreendido de livre
concorrência, da mesma forma que possui vinculação valorativa com uma base
axiológica focada em uma igualdade material ou substancial que acaba não sendo
observada em algumas situações que tem por base a aplicação de uma igualdade
meramente formal quando da ausência de tratamento desigual para tecnologias
desiguais na medida de suas desigualdades.
193
FORGIONI, Paula A. Op. Cit., p. 69.
95
4 PROBLEMATIZANDO A IGUALDADE NO SISTEMA DE PATENTES
Atingir a igualdade material no sistema de patentes é tarefa árdua quando se
parte do objeto da presente tese, na qual sustenta-se que o tratamento igual do
sistema de patentes conferido à tecnologias diferentes fere o princípio da igualdade.
Dentro deste contexto a análise passa pela questão aparentemente simples
de onde o sistema de patentes cumpre e onde descumpre o princípio da igualdade
material, sendo nítido o cumprimento deste princípio, por exemplo, no que tange ao
acesso de todos ao sistema de patentes194.
Outras análises da presente tese perpassam pelas espécies de direitos de
patentes em virtude da tecnologia protegida, de modo a demonstrar que boa parte
das novas tecnologias é protegida de forma materialmente desigual pelo sistema de
patentes, devendo haver um repensar sobre a igualdade meramente formal que o
sistema proporciona atualmente.
Interessante notar, como constatação empírica, que a própria legislação
infraconstitucional consubstanciada na Lei 9.279/96 já pressupõe e indica algumas
situações de tratamento desigual baseado nas diferenças existentes entre
tecnologias
195
.
Para gerar o direito subjetivo à patente, todas as tecnologias submetidas a um
pedido de patente devem atender requisitos de ordem formal e material. Dentre os
194
195
Deve-se notar que até mesmo neste ponto poderíamos argüir certa desigualdade material, pois o
acesso ao sistema de patentes e seus benefícios concretos depende de inúmeros fatores que
passam, essencialmente, pelo custo de utilização do sistema em nível nacional e internacional.
O sistema de patentes brasileiro trabalha com dois tipos diferentes de patentes: De invenção e de
modelo de utilidade. Abstraindo-se a discussão terminológica/conceitual do modelo de utilidade ser
efetivamente uma patente (no sentido internacional em que é tratado pela CUP, PCT e TRIPS),
trata-se de um tratamento desigual para tecnologias diferentes, pois estabelece requisitos
diferentes de patenteabilidade, assim como outorga prazos de proteção diferentes. Além dessa
questão, temos ainda outro exemplo na área da biotecnologia que, em certos casos, exige o
depósito de material biológico para a efetiva análise da suficiência descritiva e compreensão da
invenção, tratando desigualmente (no que tange aos requisitos necessários para a obtenção da
patente) tecnologias desiguais.
96
requisitos de ordem formal estão aqueles referidos no artigo 19 da Lei 9.279/96
196
e
dentre os requisitos de ordem material estão aqueles estabelecidos nos arts. 8°, 9°
e 24 da mesma Lei
197
.
Há situações de tratamento desigual das tecnologias sujeitas legalmente à
obtenção
de
patente,
exemplificativamente,
sendo
tecnologias
que
que
quanto
não
aos
impliquem
requisitos
a
formais,
necessidade
de
representação através de desenhos, obviamente são dispensadas de tal
apresentação. Claro que o tratamento desigual quanto aos requisitos formais não é
o objetivo desse trabalho, mas serve apenas para demonstrar que, até mesmo
formalmente, as diferenças já são legalmente identificadas. O importante para o
presente estudo é a análise de tratamento desigual de tecnologias quando da
verificação de seus requisitos materiais, ou seja, exemplificativamente, como já
ressaltado, a Lei 9.279/96 estabelece uma atividade inventiva em menor grau (ato
inventivo) e um prazo temporal de direito de excluir terceiros da exploração do
objeto da patente menor (15 anos ao invés de 20 anos).
Ou seja, a Lei 9.279/96 já reconhece e aplica o princípio da igualdade em sua
dimensão material ao tratar explicitamente de forma diferente tecnologias diferentes.
A problemática se insere quando um sistema harmonizado internacionalmente
há mais de um século atrás não foi concebido e harmonizado para tratar de
tecnologias não existentes naquela época198.
196
197
198
Art. 19. O pedido de patente, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I - requerimento; II relatório descritivo; III - reivindicações; IV - desenhos, se for o caso; V - resumo; e VI comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito.
Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial.
Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível
de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que
resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
Art. 24. O relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a possibilitar sua
realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução.
Para citar apenas alguns exemplos, biotecnologia, circuitos integrados, computadores, softwares,
entre outros não existiam no século XIX.
97
Com efeito, na época, o único tratamento desigual necessário em vista das
tecnologias existentes era quanto ao modelo de utilidade, cuja relação de menor
atividade inventiva x proteção proporcionalmente menor foi a solução adequada e
suficientemente encontrada. Portanto, nossas pré-compreensões sobre o sistema
de patentes acabam vinculando nossas compreensões do atual sistema, sendo
necessário ter consciência das pré-compreensões como elemento integrante da
199
compreensão
.
Meurer e Bessen
200
destacam que os benefícios da propriedade privada estão
diretamente relacionados às regras de aquisição e à clara determinação dos limites
ou abrangência de tal direito, concluindo que:
The benefits of private property derive from the promise of efficient, nonarbitrary enforcement. The details of the rules of acquisition and the
determinants of the scope of the rights affect this efficiency. Poorly designed
201
rules of acquisition, ownership, and scope can cause property to fail.
Se o direito de propriedade possui vícios em suas regras de aquisição ou
difícil delimitação dos seus limites, quando passam a existir propriedades em larga
escala e de diversas titularidades, tais problemas, que antes eram ignorados,
passam a assumir relevância.
É o que está ocorrendo na área de patentes, pois é muito mais simples
identificar e delimitar os direitos sobre uma patente na área mecânica ou elétrica do
que fazer o mesmo em uma patente envolvendo programas de computador
(entendida na forma de métodos ou etapas para a solução de um problema técnico
e não com base na proteção do programa ou código fonte em si). O sistema de
199
200
201
Ver GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer, com nova
revisão por Ênio Paulo Giachini e Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
2003.
MEURER, Michael J. ; BESSEN, James. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers
Put Innovation at Risk. Princeton: Princeton University Press, 2008, p. 45.
Tradução livre: Os benefícios da Propriedade privada derivam de uma promessa de eficiência, de
uma execução não arbitrária. Os detalhes das regras de aquisição e os fatores determinantes do
escopo dos direitos afetam essa eficiência. Regras de aquisição, de propriedade e de abrangência
mal desenhadas podem gerar o fracasso da propriedade.
98
patentes não foi criado para proteger esse tipo de tecnologia e a sua simples
adaptação acaba por tratar igualmente tecnologias diametralmente diversas.
Em que pese as disposições do Acordo TRIPS de vedar a discriminação da
proteção conferida pelas patentes com base na diversidade tecnológica
202
, os
países desenvolvidos já estabelecem discriminações, como, por exemplo, na área
farmacêutica, possibilitando prazo adicional de vigência de patentes com base no
atraso da aprovação do produto relacionado àquela patente pelos órgãos de
proteção da saúde pública. É, sem sobra de dúvidas, um tratamento diferenciado
com base nas peculiaridades de entrada no mercado dos produtos relacionados a
estas tecnologias.
Nesse sentido, cumpre reproduzir observações feitas no Livro de Referência
sobre TRIPS e Desenvolvimento203, no que tange especificamente à interpretação
do artigo 27.1 do Acordo TRIPS quanto à possibilidade de discriminação e sua
interpretação frente às disposições do TRIPS:
Neither the Paris Convention nor national laws contained a provision
comparable to Article 27.1. Hence, discrimination now banned was
permissible, such as establishing different terms of patent rights according to
the field of technology, as provided for under some domestic patent law. The
principle that patents shall be available, and patent rights enjoyable without
discrimination as to the place of invention had generally been accepted under
the European Patent Convention. However, in some countries, differential
treatment was granted to patents depending on the country of invention. That
was the case, for instance, under the Canadian regulation on compulsory
licences introduced in 1988 and in force until Bill C-91 was passed in
February 1993. The United States – the single country to maintain a ‘first-toinvention’ rule concerning entitlement to a patent - imposed a discriminatory
burden on foreign inventors under §104 of the U.S. Patents Act. Evidence of
inventive acts was restricted to the territory of the U.S., and foreign
applicants were not permitted to prove a date of invention which antedated
their U.S. filing date. This territorial limitation was later extended to Canada
and Mexico under the North American Free Trade Area Treaty.
Similarly, national laws could treat patents differently depending on the local
or imported origin of the product. Thus, Section 337 of the U.S. Tariff Act
accorded to imported products challenged as infringing U.S. patents
treatment less favourable than the treatment accorded to similarly challenged
202
203
TRIPS – Artigo 27.1: [...] as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis
sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de
os bens serem importados ou produzidos localmente.
Resource Book on TRIPs and Development, Part II: Substantive Obligations. 2.5 Patents. ICTSDUNCTAD. Capacity Building Project on IPRs and Sustainable Development, p. 29-35.
Disponível em: <http://www.iprsonline.org/unctadictsd/docs/RB2.5_Patents_2.5.2.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2010.
99
products of U.S. origin. This Section was found inconsistent with the GATT in
United States -- Section 337 of the Tariff Act of 1930.
It has been a common feature in patent laws (of developed and developing
countries) to provide for compulsory licences in cases of "non-working" (in
conformity with Article 5.A (4) of the Paris Convention), and to interpret that
“working” was only satisfied by local production (not by importation). Some
commentators have interpreted Article 27.1 as a ban to such differentiation
204
but, as discussed below, such interpretation is controversial.
[…]
The non-discrimination rule contained in Article 27.1 is intended to protect
right-holders against arbitrary policies that undermine their rights, when such
policies are adopted on grounds of the field of technology, the place of
invention or the origin (locally manufactured or imported) of the products.
The need to differentiate the rights according to the types of inventions
concerned has been extensively debated. Many have wondered why patent
rights of equal effect and duration should be granted to inventors who have
made different contributions, some of them significant and others less so.
Debates have largely focused on the duration of patent rights, since the rate
of obsolescence of technology and the periods necessary to recover R&D
investments significantly vary across sectors.
In fact, patent laws in many countries currently allow for a differentiation
based on the field of technology, as illustrated by the extension of protection
conferred to pharmaceutical patents in the U.S. and Europe in order to
compensate for the period required to obtain the marketing approval of a
204
Tradução livre: Nem a Convenção de Paris ou as leis nacionais continham previsão comparável ao Artigo
27.1. Então, discriminação agora banida era permissível, tais como o estabelecimento de prazos diferentes
de patentes de acordo com a área tecnológica, como era feito em algumas leis de patentes domésticas. O
princípio de que patentes devem ser acessíveis e que os direitos de patentes aproveitados sem
discriminação quanto ao local da invenção foi em geral aceito através da Convenção Européia de Patentes.
No entanto, em alguns países, tratamento diferenciado foi concedido para patentes dependendo do país da
invenção. Esse foi o caso, por exemplo, da regulação Canadense de licenças compulsórias introduzida em
1988 e em vigor até a Proposta C-91 passar em fevereiro de 1993. Os Estados Unidos – o único país a
manter a regra do ‘primeiro a inventar’ relacionada à titularidade de uma patente – impôs um limite
discriminatório através do parágrafo 104 do U.S. Patents Act. Evidência de atos inventivos era restrita ao
território dos EUA, e para requerentes estrangeiros não era lícito provar a sua data de invenção que era
anterior à data do pedido protocolado nos EUA. Essa limitação territorial foi posteriormente estendida ao
Canadá e ao México em decorrência de acordos do Tratado de Livre Comércio das Américas do Norte.
Similarmente, leis nacionais podiam tratar patentes de forma diferente dependendo do local ou origem de
importação do produto. Assim, a Seção 337 do U.S. Tariff Act concede para produtos importados que violem
patentes estadunidenses tratamento menos favorável do que o tratamento dado a produtos similares
violadores produzidos originariamente nos EUA. Esta Seção foi reconhecida como inconsistente com o
GATT nos Estados Unidos – Seção 337 do Tariff Act de 1930.
Tem sido uma questão comum nas leis de patentes (de países desenvolvidos e em desenvolvimento) prever
licenças compulsórias em casos de “não exploração” (de acordo com artigo 5.A (4) da Convenção de Paris),
e a interpretar que esta “exploração” apenas é satisfeita através de produção local (não por importação).
Alguns críticos interpretaram o artigo 27.1 como um banimento para esse tipo de diferenciação, mas,
conforme discutido abaixo, essa interpretação é controvertida.
100
205
new drug.
O problema da não aplicação adequada do princípio da igualdade na base do
sistema de patentes, abstraindo-se as disposições e interpretações possíveis do
Acordo TRIPS, gera repercussões que o esforço hermenêutico não consegue
resolver para a efetiva otimização do sistema de patentes enquanto engrenagem
funcional voltada para o atendimento da preponderância harmônica das teorias
utilitarista e do plano social.
Nuno Pires de Carvalho206 salienta que é antiga a tentativa de imposição
internacional do término de discriminação tecnológica (na época discutia-se que um
país não poderia, arbitrariamente, definir, de acordo com seus interesses, o que
seria suscetível de patenteabilidade ou não):
As regras do jogo introduzidas em 1883 e na sua essência mantidas
inalteradas já não funcionavam, portanto. Era preciso introduzir novas regras
que reduzissem o free riding dos novos grandes jogadores. [...] Esse projeto
de tratado, o qual propunha linguagem que está hoje incluída no artigo 27.1
do Acordo TRIPS, foi discutido na OMPI entre 1986 e 1990. A Conferência
Diplomática para adotar esse Tratado foi aberta em Haia, em junho de 1991,
e nunca se encerrou. Os principais oponentes à idéia de terminar com a
discriminação tecnológica no campo das patentes eram os países em
desenvolvimento. A idéia era usar o princípio do tratamento nacional da
Convenção de Paris a seu favor. Já que o Brasil e outros países entendiam
que não dispunham de capacidade técnica no desenvolvimento de
invenções em certos setores, ou que não tinham vantagem comparativa,
preferiam negar proteção aos seus próprios nacionais para, assim, poderem
negar proteção aos estrangeiros. Esse raciocínio era aplicado sobretudo nos
campos farmacêutico e químico.
Não restou aos principais jogadores senão mudar as regras do jogo. E
fizeram-no simplesmente introduzindo um novo trunfo. Antes, o grande
argumento para promover a proteção internacional das invenções através
205
206
Tradução livre: A regra da não discriminação contida no artigo 27.1 é voltada para proteger os titulares de
direitos contra políticas arbitrárias que minem seus direitos, quando esses tipos de políticas são adotadas
em termos de áreas tecnológicas, o local de invenção ou de origem (produzido localmente ou importado) dos
produtos.
A preocupação sobre a necessidade de diferenciar direitos de acordo com os tipos de invenções foi debatida
exaustivamente. Muitos consideraram por que direitos de patentes de efeitos e duração iguais devem ser
concedidos para invenções que tenham feito contribuições diferentes, algumas delas significantes e outras
nem tanto. Os debates foram focados largamente sobre a duração dos direitos sobre patentes, tendo em
vista a taxa de obsolência da tecnologia e os períodos necessários para recuperar investimentos em P&D
variam significativamente de setor para setor. De fato, leis de patentes em muitos países freqüentemente
permitem uma diferenciação com base na área tecnológica, como ilustrado através da extensão de proteção
conferida a patentes farmacêuticas nos EUA e Europa no sentido de compensar o período necessário para
obter a aprovação de comercialização de uma nova droga.
CARVALHO, Nuno Pires de. A Estrutura dos Sistemas ..., p. 404-405.
101
das patentes era a promessa de transferência de tecnologia. Foi dentro
desse espírito, aliás, que o Brasil havia pedido à Assembléia Geral das
Nações Unidas que examinasse o verdadeiro impacto da proteção das
patentes, como descrevi acima. Mas como esse argumento parecia não ter
convencido aqueles free riders, os Estados Unidos e as Comunidades
Européias mudaram o trunfo: a proteção internacional da propriedade
intelectual já não valia apenas para incentivar a transferência de tecnologia:
valia também, e sobretudo, para garantir o livre comércio.
Em obra específica sobre a aplicação do Acordo TRIPS, analisando o artigo
27, reafirmando que TRIPS não inovou em relação ao artigo 2 da CUP, devendo
prevalecer a mesma interpretação sobre o que era discriminação à época e o que é
nos dias atuais, Denis Borges Barbosa207 ressalta:
Desta feita, não se introduz, com a TRIPs, no tocante ao standard de não
discriminação, nenhum novo requisito, nenhuma nova feição à regra de não
discriminação da Convenção de Paris. Mais ainda, como esta é consagrada
por uma tradição de cento e dez anos de aplicação pacífica, aplica-se ao
entendimento do artigo 27 da TRIPs, na forma do artigo 30.2.b da
Convenção de Viena, a prática seguida desde 1884 na aplicação da
Convenção de Paris.
Resumindo: o que nunca foi considerado discriminatório pela Convenção
de Paris, não passará a sê-lo sob a TRIPs.
Fato é que o sistema de patentes deve funcionar como cumpridor do
interesse social e desenvolvimento econômico e tecnológico do País na exata
medida em que ele é necessário para cumprir esta função. Quando ele vai além ou
aquém de tais objetivos deparamo-nos com desvios que devem ser corrigidos.
Um dos desvios de base observados é justamente a desconsideração do
princípio da igualdade quando há o tratamento igualitário para tecnologias
diametralmente
diversas,
ocasionando
uma
proteção
inadequada
ao
constitucionalmente previsto. Ou seja, tecnologias que acabam detendo uma
207
BARBOSA, Denis Borges. Propriedade Intelectual – A aplicação do Acordo TRIPs. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 142-143.
102
proteção temporalmente ou qualitativamente maior do que sua própria essência
exige, inserida em um sistema que por natureza é extremamente inseguro
juridicamente.
Ora, o direito de patentes, dentre os direitos de propriedade, é o mais instável
e que apresenta maior insegurança jurídica para o seu titular e para aqueles que de
uma forma ou de outra estão envolvidos ou conectados à exploração de tal direito.
Começa-se pela dificuldade de definição do estado da técnica para aferição
da novidade e da atividade inventiva. Como tudo que foi tornado acessível ao
público, por descrição escrita ou oral, antes da data do protocolo do pedido de
patente, em nível mundial, independentemente da língua utilizada e do meio de
“publicação”, deve ser considerado como matéria relevante para a análise dos
requisitos da novidade e atividade inventiva, resta evidente que é impossível esgotar
a análise de forma 100% segura antes de protocolar o pedido de patente e, muitas
vezes, durante toda a vida da patente208.
Como a análise aprofundada da insegurança jurídica inerente ao sistema de
patentes não é objeto do presente estudo (mas serve como um dos fatores para
identificar a necessidade de uma correta compreensão do princípio da igualdade
como base do sistema), seguem algumas considerações sucintas sobre esta
inescapável insegurança jurídica.
- Prazo de 18 meses de sigilo do pedido de patente: antes de iniciar a
pesquisa, antes de ingressar com um pedido de patente, durante o processamento
do pedido de patente e antes de utilizar efetivamente a tecnologia objeto do pedido
de patente, a boa prática recomenda que seja realizada uma busca no estado da
técnica para identificar anterioridades relevantes que possam limitar ou inviabilizar
208
Lei 9.279/96: Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica. § 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo
tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita
ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts.
12, 16 e 17.
103
os direitos do titular do pedido de patente ou da patente concedida. No entanto,
como existe um prazo legal de sigilo de 18 meses contados do depósito do pedido
de patente (durante o qual não é possível conhecer o teor do pedido de patente),
qualquer busca de anterioridades, por mais extensa e criteriosamente realizada, não
irá identificar eventuais anterioridades relevantes existentes nos últimos 18
meses
209
. Tal fato, por si só, já torna o sistema inseguro e arriscado.
- Estado da técnica composto por tudo que foi acessível ao público no Brasil e
exterior: Não são apenas os documentos de patentes que são considerados como
estado da técnica. Qualquer palestra, artigo científico, texto, descrição ou qualquer
divulgação de conhecimento análogo, em qualquer língua e em qualquer país, pode
ser considerado como estado da técnica relevante para impedir a obtenção de uma
patente ou anular a concessão da mesma. É humanamente impossível esgotar a
pesquisa do estado da técnica antes, durante ou depois de ingressar com o pedido
de patente. Mais um fator que demonstra a total insegurança jurídica do sistema de
patentes.
- A nulidade da patente pode ser argüida durante todo o prazo de vigência da
mesma: Após o longo trâmite do pedido de patente, envolvendo as oportunidades
de intervenção de terceiros, as buscas realizadas pelo depositante e pelo
examinador do INPI, não sendo localizadas anterioridades impeditivas no estado da
técnica pesquisado e preenchendo os requisitos legais, a patente é finalmente
deferida e, posteriormente, expedida a Carta-Patente. No entanto, diferentemente
dos prazos prescricionais previstos no Código Civil, por se tratar de um direito de
propriedade atípico, de caráter excepcional e fortemente impulsionado pelo
interesse público, o prazo para ingressar com ação de nulidade de uma patente
perdura durante toda a sua vigência. Portanto, inicia na data da sua concessão e
apenas se encerra no último dia da sua vigência. E mais, os efeitos da declaração
de nulidade retroagem até a data do depósito do pedido de patente, como se esta
209
Além de estar previsto o sigilo na Lei 9.279/96, tal sigilo é norma internacionalmente aceita e
praticamente uniforme. Tal está previsto no artigo 30 da nossa LPI: Art. 30. O pedido de patente
será mantido em sigilo durante 18 (dezoito) meses contados da data de depósito ou da prioridade
mais antiga, quando houver, após o que será publicado, à exceção do caso previsto no art. 75.
104
patente nunca tivesse gerado quaisquer efeitos jurídicos
211
diferente
210
. E não poderia ser
.
- Durante o processamento, o pedido de patente pode sofrer alterações: Por
iniciativa do titular ou por exigências do examinador de patentes do INPI, o pedido
de patente pode ser alterado no curso do processo. No entanto, não há a previsão
de uma republicação do pedido, anteriormente à sua concessão, revelando as
alterações realizadas e oportunizando a manifestação. As dissonâncias dessa
ausência de republicação com os dispositivos previstos na Lei do Processo
Administrativo Federal (Lei 9784/99), assim como os limites das alterações possíveis
não são objeto do presente trabalho, sendo que o relevante é constatar a
possibilidade de alteração somada a esta ausência de republicação do pedido
alterado como mais um fator a contribuir para a insegurança jurídica atual do
sistema de patentes212.
- Interpretação dos limites da proteção conferida pela patente: Por mais que
haja expressa disposição legal prevendo os limites da proteção conferida pela
patente213, o próprio dispositivo legal remete a proteção à interpretação. E como o
ato de interpretar, por mais metodológico que possa ser, não é uma ciência exata, aí
está mais um elemento de insegurança jurídica do sistema de patentes.
Conclui-se que, um sistema inseguro por natureza que, além desta
insegurança jurídica, não utiliza adequadamente um fator de discrímen com base
210
Lei 9.279/96: Art. 48. A nulidade da patente produzirá efeitos a partir da data do depósito do
pedido. [...]. Art. 56. A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da
patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.
211
Compreendendo-se a racionalidade do sistema de patentes enquanto uma exceção funcional
vinculada, se qualquer um dos requisitos de patenteabilidade não foi devidamente preenchido,
importa em reconhecer vício de fundamento constitutivo de um direito que nunca poderia ter
pertencido ao titular da patente anulada. O rigor na análise dos requisitos de patenteabilidade e a
retroatividade dos efeitos da nulidade até a data do depósito do pedido de patente são exigências
decorrentes da própria essência do sistema de patentes. A segurança jurídica se estabelecerá
assim que houver a expiração do prazo de vigência da patente sem que, durante este prazo,
qualquer pessoa tenha argüido a nulidade deste título de propriedade limitado e provisório.
212
Lei 9.279/96: Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá
efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente
revelada no pedido. [...]. Art. 35. Por ocasião do exame técnico, será elaborado o relatório de
busca e parecer relativo a: I - patenteabilidade do pedido; II - adaptação do pedido à natureza
reivindicada; III - reformulação do pedido ou divisão; ou IV - exigências técnicas.
105
nas diferenças tecnológicas de cada criação intelectual elegível à obtenção de
patente, gera um fator a mais de insegurança jurídica desnecessário no sistema.
Tal fato é claramente verificado na área da tecnologia envolvendo programas
de computador, conforme destacado por Michael Meurer e James Bessen
214
:
We believe that, on average, software patents suffer notice problems more
acutely than patents drawn from most other areas of technology. There also
seem to be large numbers of obvious software patents, which aggravate
these notice problems. Taken together these factors probably explain why
software patents impose higher litigation costs than other types of patents.215
Os referidos autores citam diversos casos judiciais nos EUA em que resta
nítida a insegurança jurídica decorrente das patentes envolvendo software,
principalmente pela dificuldade em determinar os limites claros da tecnologia desta
área
216
.
De acordo com dados estatísticos da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual – OMPI o número de patentes em vigor (já concedidas e dentro do seu
217
prazo de validade) vem aumentando gradativamente, conforme abaixo descrito
213
:
Lei 9.279/96: Art. 41. A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor
das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos.
214
MEURER, Michael J. e BESSEN, James. Op. Cit., p. 194.
215
Tradução livre: Nós acreditamos que, na média, patentes de programas de computador sofrem de
problemas de informação consistente mais agudamente do que patentes da maior parte de outras
áreas tecnológicas. Também parece existir um grande número de patentes de programas de
computador óbvias, o que agrava esses problemas de informações consistentes. Tomados em
conjunto esses fatores provavelmente explicam por que patentes de programas de computador
geram maiores custos de litígio do que outros tipos de patentes.
216
Um dos exemplos citados é o do caso E-Data, no qual a interpretação das reivindicações de forma
mais ampla baseada na técnica de utilização de termos vagos como “material object” gera uma
maior insegurança jurídica e prejuízo para o sistema de patentes como um todo. Não há dúvidas
de que a interpretação de uma patente deve ser de forma restritiva e não ampliativa. Ver
Interactive Gift Express, Inc v. Compuserve Inc., 256 F.3d 1323 (disputa envolvendo a patente US
4,528,643) e no mesmo sentido de problemática interpretação dos limites da patente: Wang Lab.,
Inc. v. America Online, Inc. 197 F.3d 1377 (disputa referente à patente US 4,751,669) e também
Pinpoint Inc. v. Amazon.com Inc., 369 F.Supp. 2d 995 (disputa referente à patente US 5,758,257).
217
World Intellectual Property Indicators. Produzido pela World Intellectual Property Organization.
Edição de 2009, p. 41.
106
In 2007, the total number of patents in force across the world is estimated
to be around 6.3 million. The United States of America (1.8 million) and
Japan (1.2 million) are the countries in which most patents are in force.
Compared to the United States of America (US) or Japan, the number of
patents in force in China is low. However, in recent years there has been a
significant increase in the number of patents in force in China, reflecting the
increase in the number of patents issued by the patent office of China (see
A.23 and A.24).
Residents of Japan (around 1.7 million) and the US (around 1.2 million)
owned the majority of patents that were in force in 2007. Between 2005 and
2007, the number of patents in force owned by residents of China, the
Republic of Korea and Israel increased by 69.4%, 32.0% and 16.1%,
respectively, while the number of patents owned by residents of Ukraine and
Germany decreased by 16.1% and 14.1%, respectively. Some countries,
such as China and Mexico, rank higher in terms of patents in force by patent
office than by country of origin, reflecting the presence of a large number of
foreign applicants in their respective domestic
markets (see A.4).
For the patents in force by patent office indicator, the European Patent
Office is not reported because EPO issued patents are converted into a
bundle of national patents, which are validated and maintained at national
218
patent offices.
Tais dados demonstram o crescente número de patentes em vigor, assim
218
Tradução livre: Em 2007, o número total de patentes em vigor mundialmente era estimado em
aproximadamente 6.3 milhões. Os Estados Unidos da América (1.8 milhões) e Japão (1.2 milhões)
são os países nos quais a maioria das patentes está em vigor. Comparado com os Estados Unidos
da América (US) ou Japão, o número de patentes em vigor na China é baixo. No entanto, nos anos
recentes têm ocorrido um aumento significante de patentes em vigor na China, refletindo o
aumento do número de patentes concedidas pelo Escritório de Patentes da China (ver A.23 e
A.24).
Residentes do Japão (aproximadamente 1.7 milhões) e dos EUA (aproximadamente 1.2 milhões)
são titulares da maioria das patentes que estavam em vigor em 2007. Entre 2005 e 2007, o
número de patentes em vigor de titularidade de residentes da China, República da Coréia e Israel
aumentou em 69.4%, 32% e 16.1%, respectivamente, enquanto o número de patentes de
titularidade de residentes da Ucrânia e Alemanha diminuiu 16.1% e 14.1%, respectivamente.
Alguns países, como China e México, estão mais bem classificados em termos de patentes em
vigor por Escritório de Patentes do que por país de origem, refletindo a presença de um grande
número de requerentes estrangeiros nos seus respectivos mercados domésticos (ver A.4).
Para as patentes em vigor por indicativos de Escritórios de Patentes, o Escritório Europeu de
Patentes não é computado porque EPO concede patentes que são convertidas em uma série de
patentes nacionais, as quais são validadas e mantidas nos Escritórios Nacionais de Patentes.
107
como o crescente número de futuras patentes que irão ocupar seu espaço no
ambiente concorrencial, todas gozando de direitos iguais, mesmo tratando de
tecnologias completamente distintas. Enquanto no Brasil existiam, em 2006, 31.000
patentes em vigor, nos Estados Unidos existiam 1.800.000,00 patentes em vigor,
que produzem efeitos jurídicos no mercado.
Importante notar que a insegurança jurídica inerente ao sistema de patentes,
quando aplicada na área de programas de computador, assume dimensões ainda
maiores porque a utilização de termos mais abrangentes para a proteção da solução
técnica desenvolvida gera um impacto muito maior na análise dos limites da patente
quando do seu enforcement. Boa parte desse problema pode ser atribuído à
utilização de princípios, regras e critérios de proteção não desenvolvidos
especificamente com a observância das peculiaridades da tecnologia envolvendo
programas de computador.
De acordo com Beresford219, a primeira patente requerida na área de patentes
envolvendo programas de computador data de 1962 e objetivou proteger uma
melhoria no gerenciamento de memória do computador.
As discussões nacionais e internacionais sobre a possibilidade ou não de
proteção de patentes envolvendo softwares duram até hoje, apesar de já haver uma
uniformidade maior no sentido de que se a solução técnica é implementada por um
programa de computador, mas preenche os requisitos de patenteabilidade, não há
como negar a concessão da patente, pois não se estaria protegendo o código fonte
ou o programa de computador em si220.
219
220
BERESFORD, K. Patenting Software under the European Patent Convention. Londres: Sweet
& Maxwell, 2000, p. 4.
Lei 9.279/96: Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: [...] V - programas de
computador em si;
108
A Convenção Européia de Patentes (EPC) é no mesmo sentido de não
considerar como invenção o programa de computador
221
.
Nesse sentido, em manifestação há quase duas décadas atrás, o eterno e
saudoso incentivador e defensor dos direitos de propriedade intelectual, Pe. Bruno
Jorge Hammes222, demonstra que a proteção por patentes de tecnologias
envolvendo
programas
de
computador
era
possível,
mas
tratada
como
complementar à proteção por Direito Autoral:
Tendências e perspectivas. Pode dizer-se que a proteção autoral dos
programas de computador se tem mostrado como a forma mais adequada;
durante vinte anos atendeu o objetivo e previsivelmente o fará ainda durante
muito tempo. De maneira geral foi aceita e praticada. Mesmo quando as
peculiaridades dos programas insinuam que o Direito do Autor não é
adequado, a tendência é valer-se apenas complementarmente de outros
institutos jurídicos, como a patente de invenção, a concorrência desleal, a
forma contratual. [...] Há situações em que o direito de patentes pode ser
avocado complementarmente. Isto ocorre em invenções técnicas
relacionadas com programas, em que o programa faz parte de um complexo
técnico.
André Bertrand
223
igualmente demonstra a preocupação existente à época
quanto às falhas da adaptação da proteção do Direito Autoral aos programas de
computador, tendo em vista ser:
Uma arma útil dirigida contra as cópias fiéis realizadas por ‘piratas’, mas
que é um recurso insuficiente em se tratando de atingir um terceiro, um
concorrente, por exemplo, que se terá apropriado da lógica interna de um
programa sem copiar as instruções, para disso tirar proveito dentro de sua
própria empresa, realizando assim uma economia às custas do criador.
221
222
223
Artigo 52 da Convenção Européia de Patentes de 1970: (1) European patents shall be granted for
any inventions, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step and
are susceptible of industrial application. (2) The following in particular shall not be regarded as
inventions within the meaning of paragraph 1: (c) schemes, rules and methods for performing
mental acts, playing games or doing business, and programs for computers;
HAMMES, Bruno Jorge. “Software” e sua proteção jurídica. Estudos Jurídicos, São Leopoldo, v.
24, n. 63, p. 73, jan./abr. 1992.
BERTRAND, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 1996, p. 29.
109
Portanto, basicamente, o que ocorre atualmente em nível nacional e
internacional é a separação (dentro de uma mesma tecnologia) do que é protegido
por Direito Autoral (código-fonte, telas visuais, descritivos, ou seja, o programa em
si) e o que é protegido pelo sistema de patentes (processos ou sistemas que
envolvam um programa de computador enquanto um meio para a execução do
processo ou sistema, ou seja, não se protege o programa em si).
No entanto, as discussões sobre como proteger, através do sistema de
propriedade intelectual, as tecnologias compreendidas em um programa de
computador e aquelas implementadas por este, são historicamente relevantes, pois
houve um grande debate sobre a possibilidade de proteção exclusivamente pelo
Direito Autoral ou a criação de um sistema misto de proteção em virtude da natureza
224
sui generis dos programas de computador
Alexandre Dias Pereira
225
.
conclui, após análise história e conceitual da
criação intelectual expressa ou que contenha um programa de computador, que:
Mas, fará sentido atribuir direitos privativos sobre operações do
“pensamento” dos computadores? Qual o fundamento de reservar em
exclusivo a possibilidade de um computador ser comandado e operar de
determinado modo? Não se traduzirá isso num obstáculo à evolução dos
“cérebros cibernéticos”?
Ora, a nosso ver, a resposta está mesmo aqui. Os computadores são
máquinas e as máquinas são objectos de direitos, não sujeitos. Se nos
parece insustentável a atribuição de direitos privativos sobre operações
intelectuais do espírito humano, o mesmo já não cremos para as máquinas.
A máquina, enquanto coisa, pode ser objecto de direitos, quer ao nível da
sua fisionomia física, quer ao nível da sua composição intelectual.
Por outras palavras, a “inteligência” das máquinas, ao invés das pessoas
humanas, pode ser apropriada. O direito das patentes será, justamente, a
forma jurídica adequada a essa apropriação.
A natureza jurídica e a forma necessária de redação de uma patente
envolvendo programas de computador diferem das demais formas tradicionais de
criações intelectuais protegidas por Direito Autoral e por patentes. Fazendo coro às
224
Ver, entre outros: PEREIRA, Alexandre Dias. Patentes de Software. In: Associação Portuguesa
de Direito Intelectual, Coimbra, V. I, 2001, p. 385-429.
225
PEREIRA, Alexandre Dias. Op. Cit., p. 421.
110
críticas de adequação indevida dos programas de computador às atuais formas de
proteção das criações intelectuais, em especial no que tange à patenteabilidade,
Luiz Antônio Xavier dos Santos
226
aponta diversas questões técnicas relevantes:
Para uma invenção ser patenteável deve ter os seguintes requisitos:
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art.8 da LPI). Alias, os
requisitos de patenteabilidade na legislação brasileira segue o conceito
similar de patenteabilidade definido pelo art. 52(1) da Convenção Européia
de Patentes (EPC), já comentado anteriormente.
O conceito de aplicação industrial – conceito não usado na legislação
americana – significa que a invenção deve ser utilizada ou produzida em
qualquer tipo de indústria (art. 15 da LPI). A invenção deve conter
características técnicas e estar relacionada a um produto ou processo de
fabricação (art. 42 da LPI e item 15.1.3.2 do Ato Normativo – AN 127/97).
Maria Dal Poz e Sandra Brisolla (2004) relata que "a grande maioria dos
países hoje reconhece como patenteável um objeto que represente uma
‘contribuição técnica’, ou seja, uma aplicação industrial. Esta caracterização
é considerada demasiadamente restritiva pelos EUA, que defendem a
utilização do conceito de ‘requisito de utilidade’, ou ‘aplicação prática’"[31].
Portanto, o conceito de utilidade consiste num dos motivos pela qual uma
invenção relacionada ao software ser passível de patenteabilidade nos
Estados Unidos.
Um outro fator importante para analisarmos é a descrição da invenção. O
art. 24 da Lei n.9.279/96 estabelece que o relatório deverá descrever clara e
suficiente o objeto, de modo a possibilitar sua realização por técnico no
assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução. Sabe-se
que os programas de computador não são totalmente descritos (os códigosfonte, por exemplo, não são totalmente revelados). Inclusive, a Resolução
INPI n. 58/98 que estabeleceu normas e procedimentos relativos ao registro
de programas de computador, dispõe no art. 4(2) que a documentação
técnica é composta pela listagem integral, ou parcial, do programa-fonte.
Outro questionamento importante: será o programa de computador um
"objeto" que possibilite a sua realização por um técnico no assunto, como
previsto no art. 24 da LPI?
Sabe-se que os programas quando depositados são verdadeiras "caixas
pretas" e não são totalmente revelados. O depositante quase nunca revela o
código-fonte do programa, pois prefere guardá-lo como segredo industrial
para evitar a cópia e a pirataria. Os programas não são objetos e são
normalmente descritos em fluxogramas, fórmulas matemáticas e interfaces
gráficas.
Como um programa de computador, que não é um objeto, pode ser
reproduzido e realizado por um técnico no assunto e ser patenteável pelo
art. 24 da LPI?
Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, o objeto da patente descrito no
relatório descritivo não precisa ser total revelado. Basta ser suficientemente
descrito e compreeendido no setor da tecnologia a qual pretende a proteção
patentária.
Dal Poz e Brisolla (2004) relata ainda que a permissão para o
patenteamento pode ser obtida: "i) a partir de uma descrição baseada em
inquisição subjetiva, o que permite deixar encobertas muitas características
226
SANTOS, Luiz Antônio Xavier dos. A proteção jurídica do software com ênfase em patente –
Os conflitos, interesses e alternativas. Elaborado em 02/2007 e inserido no Jus Navigandi n. 1644
de 01.01.2008, p. 2. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10312&p=2>.
Acesso em: 23 fev. 2009.
111
do objeto a ser patenteado, ou, ii) no caso de explicitação objetiva sobre ele,
obrigando a revelação [....]. As leis nos EUA e de alguns países
desenvolvidos seguem a primeira disposição, enquanto países em
desenvolvimento perseguem a manutenção do padrão atual de descrição
objetiva"[32].
Portanto, a descrição do pedido baseado na inquisição subjetiva consiste
num outro motivo pela qual uma invenção relacionada ao software ser
passível de patenteabilidade nos Estados Unidos.
O programa de computador, além de não ser considerado invenção (art.
10, V da Lei n. 9.279/96), é uma concepção puramente abstrata (não
patenteável pelo art.10, II da Lei) e ainda um método matemático
(algoritimo) (não patenteável pelo art.10, I da Lei) e, se relacionado a um
computador, não irá "transformar-se" em um produto ou processo com
"características técnicas" que possa ser fabricado na indústria (não
suscetível de aplicação industrial e não patenteável pelo art. 8 da Lei).
O eng. Abrantes relata ainda que "a proteção patentária tem se
expandindo significativamente a nível internacional" e na nota final do artigo
explica que "nos Estados Unidos a decisão da Suprema Corte Diamond v.
Diehr de 1981 dá início a uma série de decisões ampliando cada vez mais a
possibilidade de patentes de software"[33].
Realmente é fato que o caso Diamond v. Diehr de 1981 dá início a uma
série de decisões ampliando cada vez mais a possibilidade de patentes de
software, mas somente nos Estados Unidos, Japão e EPO. Quanto ao
argumento que a proteção patentária "tem se expandindo significativamente
a nível internacional" não corresponde com a realidade. O Parlamento
Europeu rejeitou recentemente, em 2005, o patenteamento do software, e a
grande maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento também se
opõem ao patenteamento.
Mais adiante, de forma incisiva contrária à proteção de qualquer criação
intelectual que seja relacionada à programa de computador, salienta Luiz Antônio
Xavier dos Santos227:
O regime de proteção do programa de computador como patente de
invenção não é passível de privilegiabilidade, segundo o art. 10, inciso V, da
Lei n. 9.279/96.
O programa, quando relacionado a um computador, não altera
tecnicamente o funcionamento do computador. Segundo o professor Pedro
Resende, somente no desenho do chip, durante a etapa do projeto do
computador, é possível alterar a funcionalidade do computador. Exemplifica
que "da mesma forma que um disco não altera o funcionamento técnico de
um toca-disco".
O programa de computador é uma concepção puramente abstrata, um
método matemático e não é passível de aplicação industrial. Ele não é
patenteável também pelo art. 10, incisos I e II, e pelo art. 8 da LPI.
A maioria dos Escritórios de Patentes do mundo não consideram o
programa de computador patenteável como invenção. Os Escritórios do
USPTO, do JPO e do EPO, juntos, compreendem o Escritório Trilateral de
Patentes (Trilateral Patent Office). Não por acaso, os três Escritórios
concedem patentes para programas de computador-relacionado.
227
SANTOS, Luiz Antônio Xavier dos. Op. Cit., p. 3.
112
O USPTO e o JPO não seguem o Acordo TRIPs, pois não aplicam o
requisito "aplicação industrial". Pregam harmonizar o sistema de patentes,
mas os critérios de patenteabilidade previstos no TRIPs não são cumpridos
e harmonizados nos seus Escritórios de Patentes.
Após o start do patenteamento do programa de computador-relacionado,
os Estados Unidos e o Japão também consideram os programas de
computador patenteáveis como modelos de negócios.
Na legislação brasileira, os modelos de negócios são concepções
abstratas, métodos financeiros, comerciais etc. e igualmente não são
passíveis de aplicação industrial (não são patenteáveis pelo art. 10, incisos II
e III da LPI).
A lógica do sistema de patentes é privilegiar o verdadeiro inventor que
invente algo criativo e que tenha aplicação na indústria. O invento, depois de
um prazo determinado, é colocado em domínio público para que toda a
sociedade possa usufruir dos seus benefícios.
O aumento do escopo de uma invenção leva ao aumento do monopólio
privado e, em conseqüência, a diminuição do benefício público, prejudicando
o Brasil e os países em desenvolvimento de terem acesso público aos novos
conhecimentos e impedindo os pesquisadores e inventores de
desenvolverem suas próprias invenções.
O patenteamento do software contraria os princípios do sistema de
patentes que não aceita o patenteamento de uma invenção vulgar, abstrata
e sem aplicação industrial.
Deve-se discordar parcialmente deste posicionamento, pois em realidade,
uma criação intelectual relacionada a um programa de computador (e não o
programa de computador em si) é suscetível de preenchimento dos requisitos de
patenteabilidade e, assim sendo, elegível à obtenção de patente. Vários são os
exemplos reconhecidos e até mesmo citados pelo próprio autor acima, pois resultam
em efetiva solução técnica de um problema técnico que preenchem os requisitos de
patenteabilidade (PI9504218 - alocação de memória em um sistema de impressão;
PI9503180 - controle de marcha de um automóvel; PI9404321 - processamento de
imagem MPEG; PI9307625 - sistema de seleção de programas em TV; PI9306983 sistema de telecomunicações; PI9302550 - sistema de criptografia; PI9300395 controle de janelas gráficas; PI9203427 - controle de tarefas em sistema multimídia;
PI9107319 correio eletrônico; PI9105295 -
reconhecimento
de
caracteres;
113
228
PI8404687 - controle de elevadores; PI8402214 - impressão de dados)
.
Nesse sentido a própria Diretoria de Patentes do INPI em seu Manual de
Exame de 1991 assim entende:
Não pode uma invenção ser excluída de proteção legal, desde que
atendidos os requisitos convencionais de patenteabilidade, meramente pelo
fato de que para sua implementação utilizem programas de computador.
Assim, o programa de computador em si é excluído de proteção patentária,
todavia, se o programa controla a operação de um computador, mesmo
convencional, de modo a alterar tecnicamente o seu funcionamento, a
unidade resultante do programa e do computador combinados pode ser uma
invenção patenteável como método ou dispositivo.
Os problemas em proteger tecnologias implementadas através de software
como patentes estão relacionados à adequação de um sistema que inicialmente não
foi desenvolvido visando tais tecnologias.
229
Dan Burck e Mark Lemley
entendem que a melhor solução para a
problemática adaptação das novas tecnologias ao antigo sistema de patentes está
na correta interpretação dos tribunais dos casos envolvendo patentes:
Both innovation and patent Law unquestionably work differently in different
industries. The law can either take account of those differences or seek to
ignore them. Ignoring them would require major changes in existing law, and
would leave the law ill-equipped to deal with the fundamentally different ways
in which innovation works in different industries. Indeed, given the crisis of
confidence the system currently faces, it is not much an exaggeration to say
that the patent system must bend or break: a patent system that is not
flexible enough to account for these industry differences is unlikely to survive.
[…]
228
229
Disponível em www.inpi.gov.br. Acessado em 22/04.2009.
BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark A. The patent crisis and how the Courts can solve it. Chicago:
The University of Chicago Press, 2009, p. 167 e 169.
114
Courts are better suited than Congress to take account of these changes,
but to do so they will have to remain open to considering evidence of those
changes. Put another way, legal rules will have to evolve in the common law
230
tradition.
Veja-se que como descrito anteriormente na obra de Michael Meurer e James
Bessen231, há uma insegurança jurídica na delimitação dos limites das patentes
envolvendo softwares além da insegurança usualmente normal relacionada às
possibilidades de interpretação de uma patente em tecnologias mais tradicionais,
causando um claro problema ao tratar-se com igualdade tecnologias diametralmente
diferentes.
Tratar como direito de propriedade (o qual tradicionalmente possui seus
limites bem delineados) tecnologias envolvendo softwares que são definidas através
da redação e inúmeras possibilidades lingüísticas voltadas para a proteção futura da
patente, acaba gerando uma inadequação, cuja base dessa inadequação está no
tratamento não proporcional às desigualdades dessas tecnologias em relação às
demais.
Analisando empiricamente todos os processos judiciais envolvendo patentes
na área de software, métodos de negócio e biotecnologia nos EUA (com dados de
2002), Bessen e Meurer232 demonstraram que o percentual de processos judiciais
na área de patentes envolvendo software é absurdamente maior do que em outras
áreas tecnológicas, sendo que nesses processos judiciais que discutem patentes
envolvendo software é extremamente comum a discussão envolvendo a redação e
interpretação das patentes.
230
Tradução livre: Tanto inovação quanto o Direito de Patentes inquestionavelmente funcionam
diferentemente em diferentes indústrias. A lei pode ou levar em conta essas diferenças ou procurar
ignorá-las. Ignorando-as então irá demandar maiores mudanças na lei existente, e iria deixar a lei
mal equipada para lidar com as formas fundamentalmente diferentes nas quais a inovação
funciona em diferentes indústrias. De fato, tendo em vista a crise de confiança que o sistema
enfrenta correntemente, não é exagero dizer que o sistema de patentes deve se dobrar ou quebrar:
um sistema de patentes que não é suficientemente flexível para lidar com essas diferenças de
indústrias possui uma improvável chance de sobrevivência. [...]. Tribunais são mais bem
preparados do que o Congresso para lidar com essas mudanças, mas para isso eles terão que
permanecer abertos para considerar as evidências dessas mudanças. Colocando de outra forma,
regras legais terão que ser envolvidas dentro da tradição da common law.
231
Op. cit., p. 198-253.
232
MEURER, Michael J. ; BESSEN, James. Op. Cit., p. 191.
115
Não surpreendentemente, o maior índice de probabilidade de disputas
judiciais nos EUA está relacionado às patentes de métodos de negócio, as quais
são legais no sistema estadunidense, mas não suscetíveis de proteção na grande
maioria dos demais sistemas jurídicos (p.ex. Brasil e Europa não admitem a
concessão de patentes de métodos de negócios). Isso demonstra, mais uma vez,
que quanto mais abstrata a possibilidade de redação de um pedido de patente,
maiores são as possibilidades de indefinição jurídica da proteção e maiores as
chances de discussão de validade, abrangência e interpretação.
Como no sistema jurídico brasileiro, os métodos de negócio não são
considerados invenções por expressa disposição legal
233
, a problemática ora
abordada centra-se nas patentes envolvendo softwares.
Portanto, o atual sistema jurídico relacionado à proteção de tecnologias
envolvendo programas de computador apresenta dois problemas centrais: o
primeiro relacionado à própria adequação de um sistema de patentes que não foi
criado para a proteção desse tipo de tecnologia (tratamento igual para tecnologias
diversas) e o segundo no que tange à interpretação desse tipo de proteção jurídica
quanto aos seus limites (interpretação muitas vezes ampliativa para o futuro,
bloqueando e/ou introduzindo barreiras de difícil definição para a entrada e
estabelecimento no mercado concorrencial).
E, sob uma ótica da concorrência, destacando como os sistemas de proteção
e uso da tecnologia devem ser avaliados, ao examinar o valor social da patente,
Denis Borges Barbosa
234
afirma que:
Reichmann diz que deve-se examinar a cada momento se a proteção
mínima ou a proteção adequada ou a proteção razoável não atendem mais
eficazmente aos interesses da competição. O valor da patente, ou o valor do
software, deve ser avaliado não em função do atendimento das utilidades
233
Lei 9.279/96: Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: III - esquemas, planos,
princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de
fiscalização.
234
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à..., p. 637.
116
finais, mas, sim, em função da capacidade de aumento da competitividade
que a propriedade intelectual tem. O valor da patente, nesse universo em
que estamos, não é o atendimento ao doente africano. O valor da patente,
ou o valor comparativo dos vários sistemas da propriedade intelectual, é a
capacidade que a patente tem de propiciar maior competição no mercado.
Dentro dos pressupostos de que a mão do mercado a tudo apalpa e a tudo
acaricia e que dela resultam todas as benesses da humanidade, a patente, o
direito autoral, o MP3, todos esses novos, e sempre novos, sistemas de
proteção e de uso da tecnologia devem ser avaliados em sua capacidade de
aumentar a competição.
Portanto, atualmente existem dois problemas claros na proteção das soluções
técnicas envolvendo programas de computador: Um deles relacionado à sua base
protetora que desconsidera o princípio da igualdade material e outro deles que
desconsidera exatamente essas peculiaridades quando da interpretação da
proteção das patentes envolvendo softwares no mercado (indefinição dos limites da
proteção). No que tange às patentes de segundo uso, identifica-se também o
primeiro problema descrito quanto à desconsideração do princípio da igualdade
material com base em fator relacionado às peculiaridades de cada tecnologia.
Conforme já citado, um efeito imediato dos mencionados problemas na
aplicação do direito patentário é que ele pode vir a ser um inibidor da concorrência
na formação de barreiras à entrada ou mesmo sendo um aumento indevido nos
custos dos rivais.
Outra questão problemática no atual sistema de patentes é o tratamento dado
às patentes de segundo uso médico
235
236
235
236
(ou até mesmo de primeiro uso
ou terceiro
Um novo uso médico para um determinado produto/composto que já é usado como medicamento
para outra finalidade.
Um novo uso, como medicamento, de um produto/composto que já era conhecido, mas nunca foi
usado na área médica.
117
237
uso
médicos).
A definição de patente de segundo uso médico, dada pelo próprio INPI em
sua discussão pública sobre patenteabilidade de tais tecnologias, é a de que “A
invenção de segundo uso médico se baseia no relato de uma nova atividade
terapêutica de um composto químico já conhecido, visando à obtenção de um
medicamento com finalidade diferente daquela já empregada no estado da
238
técnica”
.
Ou seja, as invenções de segundo uso médico seriam aquelas que
desenvolveram uma nova finalidade para um composto químico já conhecido,
sendo, em tese, patenteável se preencher os requisitos de novidade, atividade
inventiva e suficiência descritiva239, pois o requisito da aplicação industrial, se
entendido em seu sentido amplo, é facilmente preenchido nessa área tecnológica.
Vários são os argumentos contrários à concessão de patentes para segundo
uso médico, sendo que um dos principais deles diz respeito à ausência de novidade,
aplicação industrial e atividade inventiva ou a existência de uma atividade inventiva
em menor grau (pois o composto ou princípio ativo já existia, sendo que a pesquisa
e aplicação para tratar uma patologia diversa estaria mais associado à
237
238
239
Um novo uso médico para um determinado produto/composto que já foi usado como medicamento
para uma finalidade, assim como, posteriormente, para outra finalidade e, finalmente, é pesquisada
e desenvolvida uma terceira finalidade médica para aquele produto/composto.
Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/discussoes-tecnicas/diretrizes-parao-exame-de-pedidos-de-patentes-na-area-de-segundo-uso-medico/>. Acesso em: 20 dez. 2009.
De acordo com as referidas diretrizes provisórias ainda em debate no INPI, seguem as definições
de novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva:
3. NOVIDADE: O segundo uso para ser considerado novo, deve ser substancialmente diferente do
uso já revelado no estado da técnica. O pedido de patente de segundo uso médico deve revelar a
aplicação de um produto farmacêutico já conhecido para tratar uma patologia e/ou um quadro
clínico distinto daquele para o qual este produto já era empregado no primeiro uso.
4. ATIVIDADE INVENTIVA: A invenção de segundo uso é dotada de atividade inventiva sempre
que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.
Entretanto, nesta área específica, alguns aspectos devem ser cuidadosamente observados para
aferição deste requisito: a) o mecanismo de ação; b) relação atividade terapêutica-estrutura
química; c) etiologia das doenças alvos.
5. SUFICIÊNCIA DESCRITIVA: Abordagem clínica? Descrição das fases de ensaios clínicos?
Testes experimentais in vivo associados aos testes in vitro?
118
descoberta do que invenção quanto ao requisito da atividade inventiva).
Para resolver esse problema de preenchimento ou não dos requisitos de
patenteabilidade (novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência
descritiva), a própria discussão pública avançada estabelecida pelo INPI já começa
a delinear considerações específicas para evitar que patentes de segundo uso
sejam concedidas sem critério técnico e exame claro dos seus requisitos de
patenteabilidade.
Além disso, analisando casos europeus, japoneses e chineses de concessão
de patentes de segundo uso, dentro do âmbito das discussões técnicas travadas no
240
INPI, Flávia Riso Rocha
, destaca que:
-Quando a reivindicação é referente a uma classe de compostos: analisar
cuidadosamente se há suporte para tal reivindicação abrangente.
-Novo uso deve ser substancialmente diferente do uso conhecido, não se
tratando apenas de nova forma de expressão, ou expressão de forma mais
genérica ou mais específico do uso conhecido.
-Novo uso não pode ser inferido diretamente pelo mecanismo de ação ou
ação farmacológica de uso conhecido. A invenção de uso de um composto
conhecido é considerada inventiva se o novo uso não pode ser derivado ou
esperado a partir de sua estrutura, composição, peso molecular,
propriedade físico-químicas conhecidas e uso já revelado para tal produto,
mas utiliza uma propriedade recentemente descoberta do produto e leva a
um efeito técnico inesperado ou vantajoso.
Por outro lado, e que também é destacado pela mesma autora no trabalho
acima citado241, a Argentina e a Índia são exemplos de países que não concedem
patentes de segundo uso, sendo que os argumentos para a não concessão dessas
patentes são os seguintes:
Escritório indiano
Indian Patent Act (2005)
240
Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/discussoes-tecnicas/diretrizes-parao-exame-de-pedidos-de-patentes-na-area-de-segundo-uso-medico/>. Acesso em: 20 dez. 2009.
241
Op. Cit.
119
Seccion 3(d) of the Patent Act (1970): the mere discovery of a new form of
a known substance which does not result in the enhancement of the known
efficacy of that substance or the mere discovery of any new property or new
use for a known substance or of the mere use of a known process, machine
or apparatus unless such known process results in a new product or employs
at least one new reactant.242
Escritório argentino
Patentes de segundo uso não são passíveis de proteção:
-Reivindicação do tipo: “uso do composto X (conhecido) para tratar a
doença Y”: é equivalente a método terapêutico.
-Reivindicação do tipo: “uso da substância X (conhecida) para fabricar um
medicamento para tratar a doença Y”: não possui novidade, pois o composto
já é conhecido para uso médico, bem como o processo de fabricação do
medicamento.
-Reivindicação do tipo “processo para fabricar medicamento para o
tratamento de uma doença e caracterizado por conter o composto X
(conhecido)”: não possui novidade, como já dito acima. A novidade do
processo de fabricação não é derivada do novo uso terapêutico, dado que a
composição já é conhecida.
Ou seja, volta-se aos fundamentos de interpretação para a definição se
patentes de segundo uso são passíveis ou não de preenchimento dos requisitos de
patenteabilidade.
Uma vez ultrapassados esses requisitos e considerando-os preenchidos,
deve-se atentar para o fato de que a proteção concedida pela patente de segundo
ou terceiro uso é tão abrangente quanto aquela concedida à qualquer outra patente,
ou seja, mesmo que o chamado “potencial inventivo” relacionado às patentes de
segundo uso seja menor do que aquele relacionado à outras criações intelectuais
elegíveis à proteção por patentes de invenção, o “privilégio” é concedido sem
qualquer diferença, o que demonstra, na prática, um tratamento igual à “potenciais
inventivos”
diversos,
contrariando
o
princípio
da
igualdade
materialmente
considerado.
Veja-se que a análise do fato das patentes de segundo uso atender à
preponderância harmônica das teorias utilitarista e do plano social, apesar de
242
Tradução livre: Patent Act Indiano (2005). Seção 3(d) do Patent Act (1970): a simples descoberta
de uma nova forma de uma substância conhecida a qual não resulte em reforço da conhecida
eficácia desta substância ou a mera descoberta de qualquer nova propriedade ou novo uso para
uma substância conhecida ou o mero uso de um processo conhecido, máquina ou aparelho a não
ser que este processo conhecido resulte em um novo produto ou empregue pelo menos um novo
reagente.
120
possuir relação direta, é diversa da análise de atendimento ao princípio da igualdade
material considerado sob a premissa da diversidade tecnológica.
Importante destacar algumas reflexões trazidas por Charlene Maria Coradini
de Ávila Plaza
243
:
Quando nos deparamos com os alcances práticos das reivindicações de
uso é importante refletirmos sobre três questões singulares. A primeira é
quanto à possibilidade jurídica de se formular uma reivindicação que
resultasse em uma patente direcionada para o uso e não para o produto ou
processo anterior, de forma a não confundir o público e o competidor pelo
novo título. A segunda questão se refere à eficácia dessa patente, porque
logicamente ao se conceder esse privilégio temos que ter a noção exata de
como ficaria a posição dos competidores que detém o privilégio anterior ou
usufruem a tecnologia em domínio público, e por fim, conciliar os interesses
sociais e a reivindicação de patentes de segundo uso na prática.
No Brasil, deve-se chamar a atenção para a enorme discussão travada entre
ANVISA e INPI quanto à possibilidade ou não de concessão de patentes de
244
segundo uso
. Nesse sentido, ressalta Eduardo Ribas De Biase Guimarães
245
:
A concessão de patentes que envolvem segundo uso médico - também
conhecido como “fórmula suíça” - não é a única modalidade de reivindicação
controversa no campo da propriedade intelectual de medicamentos. Ela será
destacada aqui por ter sido objeto de uma resolução oficial da Diretoria
Colegiada da Anvisa - situação que não ocorreu para nenhuma outra
modalidade de reivindicação - que gerou amplo debate. Cabe indicar os
argumentos de agentes de propriedade industrial, organizações de classe e
de membros da Anvisa sobre a questão.
243
PLAZA, Charlene Maria Coradini de Ávila. Proteção patentária e inovação nas indústrias
farmacêuticas: os mecanismos do evergreening e as alternativas do fair followers. Anais do XVII
Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro
de 2008.
244
INPI entende como suscetível de patenteabilidade, desde que preenchidos os requisitos legais e a
ANVISA entende como não suscetível de patenteabilidade. Em que pese a riqueza do debate e a
própria polêmica internacional sobre o tema, destaque-se que o papel legal da ANVISA nesta
discussão é totalmente deslocado, pois não lhe compete, legalmente, analisar requisitos de
patenteabilidade.
245
GUIMARÃES, Eduardo Ribas De Biase. Direito à saúde e propriedade intelectual de
medicamentos no Brasil. A anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde
Coletiva, Curso de Pós-graduação em Saúde Coletiva – área de concentração em Ciências
Humanas e Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2008, p. 51-53.
121
As patentes de segundo uso médico referem-se a uma patente de
medicamento cujo princípio ativo - ou seja, a substância existente na
composição que é responsável por seu efeito terapêutico - é uma molécula
antiga que apresenta inesperadamente um novo uso terapêutico. De acordo
com Correa (2006, 2007), apesar de serem admitidas em alguns países, sua
patenteabilidade não é expressamente requerida pelo TRIPS - que só obriga
a concessão de patentes sobre produtos e processos. Sendo uma prática
comum no campo farmacêutico, o autor aponta que estes pedidos são
inconsistentes com os requisitos de novidade - pois tanto o composto para
preparar o medicamento quanto o próprio medicamento já seriam
conhecidos - e de aplicação industrial - já que a novidade seria, nestes
casos, um efeito identificado sobre o corpo humano, e não o produto como
tal ou seu método de fabricação. Por fim, ele aponta que a patente de
segundo uso médico é substancialmente equivalente a um método de
tratamento terapêutico; algo que não é passível de apropriação privada na
maioria dos países. Outras percepções críticas destacam o fato de que
novos usos são simples descobertas relacionadas a um produto já
conhecido, isto é, seriam a mera revelação de uma característica já
existente no produto em questão.
O patenteamento de descobertas é universalmente vedado no sistema de
propriedade intelectual. Em contrapartida, alguns especialistas apontam que
os pedidos que envolvem a “fórmula suíça” não são descobertas aleatórias,
mas sim o resultado de pesquisas, análises e investimentos que, por isso,
representam passos inventivos patenteáveis.
Não há também um consenso internacional sobre a questão. Como o
TRIPS não exige a concessão destas patentes, os escritórios nacionais de
propriedade industrial vêm adotando diferentes abordagens. A Comunidade
Andina60, por exemplo, em resolução oficial, optou por recusar a patente de
segundo uso.61 Os Estados Unidos e a Europa, por sua vez, consideram-na
patenteável. É relevante lembrar que a polêmica jurídica sobre a matéria
vem de longa data. Ferrier (1994), ao analisar estes impasses jurídicos na
Europa, sobretudo na história do sistema de patentes francês, diz que a
segunda aplicação farmacêutica não foi considerada patenteável durante
muito tempo. Em 1960, quando o decreto n. 60.507 introduziu pela primeira
vez a proteção patentária de medicamentos na França por um título
específico (o da brevet spécial de médicament), encontrava-se claramente
expresso que somente a primeira aplicação poderia ser protegida; todas
aplicações ulteriores eram, desta forma, não patenteáveis. Este mesmo
princípio, o da limitação à primeira aplicação, também foi recuperado pela lei
de 2 de fevereiro de 1968 francesa, quando os medicamentos entraram
pela primeira vez no quadro geral da lei de patentes. Ao recuperar os
principais pareceres de juízes e advogados sobre a questão, a autora
destaca que não havia consenso sobre a possibilidade deste tipo de
reivindicação preencher os requisitos de novidade e atividade inventiva.
No cenário brasileiro, destaca-se o fato de que o patenteamento de novas
aplicações de um objeto já conhecido tem sido tradicionalmente aceito. Ao
mesmo tempo, há opiniões de especialistas apontando que a patente de uso
não seria possível na conjuntura jurídica brasileira vigente. Somando-se a
este quadro de indefinição, a atual Lei de Propriedade Industrial não contém
uma disposição específica que vede expressamente uma segunda aplicação
no domínio farmacêutico (Barbosa, 2004).
O INPI, dentro deste polêmico contexto, decidiu por aceitar este tipo de
reivindicação, conforme se vê nos trechos abaixo retirados das diretrizes
para o exame de pedidos de patente nas áreas de biotecnologia e
farmacêutica do órgão:
Existem dois tipos básicos de reivindicações: aquelas que se relacionam a
objetos (compostos, produtos aparelhos, dispositivos, etc.) e aquelas que se
relacionam a atividades (processos, usos, aplicações, métodos, etc.). [...]
2.39 Invenções de segundo uso
122
2.39.1 Invenções desta natureza podem ser de dois tipos: (i) um novo uso,
como medicamento, de um produto já conhecido com utilização fora do
campo médico (primeiro uso médico); (ii) um novo uso médico de um
produto já conhecido como medicamento (segundo uso médico) [...]
2.39.2.4 Reivindicações do tipo: i) Uso do produto X caracterizado por ser
na preparação de um medicamento para tratar a doença Y. j) Uso do
produto X caracterizado por ser na preparação de um medicamento para
tratar a doença Y, tratamento este que consiste em tal e tal. são as
conhecidas como de “fórmula suíça”, e são quase que exclusivamente
utilizadas em invenções de segundo uso médico. São privilegiáveis,
observando-se quanto as considerações contidas no item 2.23 acima.
Caso houvesse tratamento diferenciado para lidar com soluções técnicas
envolvendo o segundo uso médico (entre outras tecnologias) a polêmica da análise
dos requisitos de patenteabilidade e adequação da atual proteção a estas soluções
estaria solucionada.
Quando se analisa as patentes de segundo uso sob a ótica do Decreto n.
1355 de 30/12/1994 (Acordo TRIPS), verifica-se que as previsões do artigo 27.1246
de dito Acordo abrangem a proteção de patentes de segundo uso, desde que
preenchidos os elásticos requisitos de patenteabilidade estabelecidos em TRIPS
247
.
Isso porque no TRIPS, todas as tecnologias que preencham tais requisitos e
não estejam expressamente excepcionadas pelos demais dispositivos do referido
246
247
Artigo 27. Matéria Patenteável: 1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer
invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde
que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do
disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as
patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao
local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados
ou produzidos localmente.
Importante notar que, além do espaço hermenêutico aberto dos conceitos de atividade inventiva ou passo
inventivo e de aplicação industrial, TRIPS faz referência expressa, em nota de rodapé, que Para os fins
deste Artigo, os termos "passo inventivo" e "passível de aplicação industrial" podem ser caracterizados por
um Membro como sinônimos aos termos "não-óbvio" e "utilizável". Tais ressalvas vêm harmonizar TRIPS
com o tratamento dos requisitos de patenteabilidade estadunidenses e daqueles países que seguem
denominações desses requisitos de patenteabilidade de forma ainda mais elástica. O problema estabelecido
em TRIPS (e que interessa para a presente tese) é de que TODAS as soluções técnicas que se enquadrem
no artigo 27.1 (fora as exceções previstas neste mesmo Acordo) são passíveis de proteção por patente
sendo que estas patentes possuem prazo de vigência não inferior a 20 anos (artigo 33 do mesmo Acordo).
Ou seja, dentro de TRIPS, considerando-se os dispositivos aplicáveis à área de patentes, não há como
estabelecer fatores de tecnológico tanto com base no tipo de proteção quanto com base na extensão de
vigência da referida proteção.
123
Acordo, são passíveis de proteção por patentes com iguais direitos e obrigações
decorrentes
248
.
Nesse sentido, Maria Thereza Wolff e Paulo de Bessa Antunes
249
afirmam:
A importância da pesquisa sobre outros usos de moléculas conhecidas
cresce enormemente nesses dias, já que se tornou proibitivamente custosa
a busca de moléculas novas para invenções de medicamentos, desde as
suas pesquisas iniciais até a venda nas prateleiras das farmácias. Assim, os
novos efeitos terapêuticos passaram a ter importância vital nas pesquisas
tecnológicas e a proteção por patentes é absolutamente necessária como
incentivo para os testes clínicos e a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). É
relevante assinalar que no desenvolvimento de uma nova molécula existem
várias linhas de pesquisa, sendo uma principal e as demais secundárias. A
concessão de patentes para o segundo uso médico tem o grande mérito de
servir de estímulo para que as linhas secundárias sejam desenvolvidas e,
não raras vezes, as linhas secundárias se tornam as principais.
Estamos falando aqui de novas invenções e não de “descobertas”
aleatórias, já que com as invenções de medicamentos conhecidos para o
tratamento de outras doenças têm-se circunstâncias inteiramente diferentes
que terão que ser testadas. O novo uso, decorre de pesquisas, análises,
investimentos e não de um mero acaso, como aqueles que são contrários
ao patenteamento de segundo uso querem parecer. Na verdade, não pode
existir uma justificativa que discrimine o primeiro ou os demais usos já que
todos representam passos inventivos patenteáveis, muito embora a
substância química possa ser a mesma. Protege-se e remunera-se a
pesquisa como trabalho inventivo, não óbvio e com evidente utilidade
industrial.
Parece que um dos problemas do Acordo TRIPS é justamente a sua falta de
flexibilidade em possibilitar uma modulação temporal ou de extensão protetora
daquelas
soluções
técnicas
que
sejam
essencialmente
diversas
das
tradicionalmente e originariamente previstas como suscetíveis de proteção pelo
sistema de patentes.
248
249
Exemplificativamente, a interpretação do INPI argentino para não conceder patentes de segundo uso está
formalmente de acordo com TRIPS, pois ou reconhece a ausência de novidade ou reconhece tratar-se de
método terapêutico, não violando as disposições do referido Acordo (ao menos formalmente consideradas).
Ora, o maior problema de tais interpretações que geram ou a possibilidade de concessão de patentes de
segundo uso ou a sua simples não concessão está justamente no extremismo de tais opções,
desconsiderando soluções intermediárias baseadas na aplicação do princípio da igualdade. Soluções
técnicas focadas no segundo uso claramente possuem menor potencial inventivo em relação às soluções
técnicas de desenvolvimento de composto totalmente novo para curar a AIDS, por exemplo. Usar esse
mesmo composto, adaptado, para tratamento de câncer claramente economizou a etapa inventiva de
identificação do composto. Simplesmente dizer que a proteção também será proporcional ao que foi criado
como plus ao composto inicialmente desenvolvido e que haverá dependência entre as patentes não
estabelece fator suficiente para o cumprimento do princípio da igualdade materialmente considerado.
WOLFF, Maria Thereza; ANTUNES, Paulo de Bessa. Patentes de segundo uso médico. Revista
da ABPI, N. 74, p. 53, Jan./Fev. 2005.
124
Cumpre destacar que a terminologia usada ou o enquadramento usado no
tratamento de criações intelectuais aplicáveis na indústria que possuam uma carga
de inventividade e uma forma de expressão de solução técnica para um problema
técnico diferenciados, não é uniforme. Isso porque enquanto internacionalmente os
modelos de utilidade não são enquadrados como patentes
250
, no Brasil, através da
Lei 9.279/96, são claramente dispostos como uma espécie do gênero patentes
251
,
gerando, desde então, certa confusão quanto à terminologia empregada.
Fato é que as soluções técnicas que possuem “menor potencial inventivo” e
são aplicáveis no dia-a-dia da indústria, também denominadas de melhoramentos,
são usualmente chamadas de “pequenas patentes” ou “patentes menores”
internacionalmente.
Além do Brasil, inúmeros países prevêem proteção para essas criações
intelectuais expressas como soluções técnicas de menor potencial inventivo,
outorgando um prazo menor de proteção legal do que aquele concedido às patentes
de invenção.
Enquanto as patentes de invenção, por expressa disposição do Acordo TRIPS
não podem ter prazo de vigência inferior a 20 anos contados da data de depósito do
pedido de patente ou da primeira prioridade reivindicada, usualmente, os modelo de
utilidade (ou patentes de modelo de utilidade como denominadas pela Lei 9.279/96),
quando admitidos nos ordenamentos jurídicos nacionais, possuem prazo de
vigência igual ou inferior a 10 anos
250
252
.
Um dos exemplos claros disso é a própria Convenção da União de Paris que, em seu artigo 1, item
(2), não enquadra os modelos de utilidade como uma subespécie das patentes: A proteção da
propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os
desenhos ou modelos industriais, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de
procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.
251
Lei 9.279/96: Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial. Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso
prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição,
envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
252
Com exceção de Brasil, Honduras, Japão, Coréia do Sul e Malásia, que possuem previsão legal de
proteção dos modelos de utilidade por 15 anos, a grande maioria dos demais países que
concedem proteção aos modelos de utilidade (p. ex., Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica,
Bolívia, Chile, China, Colômbia, Dinamarca, Equador, Finlândia, França, Itália, França, Itália,
México, Peru, Rússia, África do Sul, Espanha, Turquia, Venezuela, Emirados Árabes, entre outros)
possuem prazos de proteção iguais ou menores do que 10 anos apenas.
125
Ou seja, em muitos países é prevista a proteção dessa espécie do gênero
maior da propriedade industrial (denominada de Gebrauchsmuster na Alemanha) e,
quando não é prevista com outra denominação, pode vir a “encaixar” dentro de
requisitos de patenteabilidade de invenções que acabam sendo mais elásticos
253
.
Interessante notar a proximidade dos conceitos de invenção e modelo de
utilidade, cumprindo reproduzir os ensinamentos de João da Gama Cerqueira
254
ao
analisar tais institutos ainda sob a égide do antigo Código da Propriedade Industrial:
25. Em princípio, considera-se como invenção não apenas a criação de um
produto inteiramente novo, até então inexistente ou desconhecido, o que,
aliás, é muito raro, mas também os produtos criados pela modificação de
produtos análogos ou similares, mas que possuam características próprias.
Não se conclua daí, entretanto, que as simples modificações de forma, de
dimensões ou de proporções de objetos ou produtos conhecidos constituam
sempre invenções. Em regra, tais modificações não constituem invenção.
Se assim não fosse, qualquer pessoa poderia tornar-se inventor e obter
patente, bastando para isso aumentar ou diminuir o tamanho de um objeto,
alterar suas proporções ou modificar-lhe a forma ou a ornamentação. Na
Alemanha, por exemplo, reconheceu-se que determinada modificação nas
dimensões e proporções de um bico de gás incandescente, baseada em
observações experimentais, permitindo obter potência de iluminação
sensivelmente superior com o mesmo consumo de gás, era suficiente para
caracterizar a invenção.
[...]
284. O objeto do direito sobre o modelo de utilidade e, portanto, da patente
respectiva, é o próprio modelo caracterizado pela sua forma ou estrutura,
pela disposição dos seus elementos ou por seus dispositivos. Ao contrário
do que se dá com as invenções, o objeto do direito, neste caso, não consiste
na idéia ou concepção do modelo, na idéia inventiva (n. 218 supra), mas,
como dissemos, no próprio modelo, concretamente considerado, e limitado
pela novidade de sua forma. Como vimos no n. 89 do 1. volume, a proteção
dos modelos de utilidade não se estende além da forma particular que os
caracteriza, ao passo que o objeto da patente de invenção não consiste na
forma em que a invenção se realiza, mas na idéia de invenção, em que a
forma não aparece senão como meio para aplicação das forças da natureza.
253
É o claro exemplo dos EUA, pois como os requisitos de patenteabilidade lá são mais elásticos
(non-obvious e useful ao invés de atividade inventiva e aplicação industrial) muitos modelos de
utilidade assim considerados em outros países são elegíveis a proteção como “Utility Patents” nos
EUA. Frise-se que nos EUA o termo “Utility Patent” é utilizado para definir a forma de proteção das
invenções e diferenciar do termo “Design Patent”, pois não há proteção nos EUA na forma de
“Utility Model”. Interessante notar que no Brasil os desenhos industriais não são considerados
como patentes e nos EUA o são (Design Patent), sendo que lá inclusive são submetidos a exame
de mérito antes da concessão da Design Patent, o que não ocorre aqui no Brasil em relação aos
registros de Desenhos Industriais. Com tais observações, conclui-se que é importante notar que
sob a denominação e requisitos das Utility Patents nos EUA, muitas vezes é possível a proteção lá
dos chamados Utility Models em outros países.
254
CERQUEIRA, João da Gama. Op. Cit., p. 56 e p. 379.
126
Tratando também dos modelos de utilidade, já considerados na realidade
atual, leciona Denis Borges Barbosa
255
que:
No direito brasileiro, como no da Argentina, Alemanha, Grécia, Itália,
Espanha, França e do Japão, por exemplo, a par das patentes de invenção
subsiste um tipo especial de proteção para os chamados modelos de
utilidade.
Restringidos, via de regra, a aperfeiçoamentos ou melhoramentos em
ferramentas, equipamentos ou peças, tais patentes menores protegem a
criatividade do operário, do engenheiro na linha de produção, do pequeno
inventor ou do artesão. Em tese, é a tutela dos aperfeiçoamentos resultando
na maior eficácia ou comodidade num aparato físico qualquer. No dizer da
Lei 9.279/96, modelo de utilidade é “o objeto de uso prático, ou parte deste,
suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição,
envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou
em sua fabricação”.
Como critério básico, as leis nacionais exigem a satisfação de menores
requisitos para conceder a patente, e garantem prazos menores, ou
condições mais restritas, de proteção. Na França, por exemplo, dispensa-se
o relatório de busca do estado da arte para a concessão dos certificados de
utilidade - com menor custo para o inventor.
No Brasil, grande parte das patentes de autores nacionais é classificável
como modelo de utilidade (ou MU). A noção de invento abriga claramente os
modelos de utilidade.
Mais adiante, na mesma obra, ao tratar das relações do modelo de utilidade
com o TRIPS, Denis Borges Barbosa256 afirma que:
Não há nenhuma razão para que o sistema de incentivo à invenção dos
países como o Brasil se restrinja às grandes e nobres patentes de invenção.
Parece razoável que, como parte de um programa temporário, se institua
um sistema oficial de retribuições às simples inovações, melhoramentos no
processo produtivo concreto, sem que se questione a atividade inventiva, ou
mesmo a novidade objetiva. Alternativamente, o programa poderia dar
suporte consultivo ou encarregar-se da promoção das atividades
incentivadoras a cargo da política interna de cada empresa.
Sendo notável a atual tendência do direito da propriedade intelectual de
reduzir as exigências relativas à originalidade ou criatividade, a proteção das
novas tecnologias passa a ser mais uma garantia do investimento feito do
que de criatividade. Graças a tal tendência - e sem menor consideração
pelos níveis mais restritos de inventividade dos países em desenvolvimento
- as regras do TRIPs não obrigam os países a instituírem qualquer sistema
255
256
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à ..., p. 567.
Op. Cit., p. 571-572.
127
de proteção aos inventos menores e melhoramentos, deixando tal decisão
ao critério nacional.
Desde a Revisão de Haia de 1925 da Convenção da União de Paris já é
prevista, em âmbito internacional, a proteção dos modelos de utilidade
257
.
Para concluir, cumpre reproduzir as ponderações de Barbosa258 a respeito da
problemática definição do requisito do ato inventivo como uma “atividade inventiva
em menor potencial” para a concessão de patentes de modelo de utilidade (ou
apenas modelos de utilidade):
Como visto, é elemento essencial do modelo de utilidade o “ato inventivo”.
Fica difícil, porém, de discernir a diferença entre a “decorrência evidente
ou óbvia do estado da arte”, própria das patentes de invenção, e a
“decorrência comum ou vulgar do estado da técnica”, própria dos modelos.
Será o parâmetro subjetivo o relevante? O técnico no assunto, juiz
necessário da atividade inventiva, seria substituído por um leigo no caso do
ato inventivo? Qual o tênue limite entre o invento que seja evidente ou óbvio
e aquele que seja comum ou vulgar? Pois que é neste inconsútil limite que
deverá existir o Modelo de Utilidade na sua nova versão.
Como se lê da proposta de Diretiva da Comunidade Européia sobre MU, o
ato inventivo seria o requisito de que, relativamente ao estado da técnica, o
invento não for muito evidente para um perito na matéria. Esta formulação
permite estabelecer que a proteção por modelo de utilidade requer uma
dado inventivo, e não só a novidade. No entanto, a gradação proposta na CE
a que corresponde a introdução da palavra «muito» indicaria que este dado
inventivo é inferior à da requerida para a patente.
Uma formulação deste tipo existe, aliás, em certas legislações nacionais
em matéria de modelo de utilidade. Trata-se de uma vantagem prática ou
técnica para a utilização ou o fabrico do produto ou do processo em causa,
ou de outra vantagem para o utilizador, como por exemplo, uma vantagem
educativa ou um valor em termos de entretenimento.
257
O texto original da CUP de 1883 (Decreto n. 9233 de 28 de junho de 1884), em seu artigo 2 não menciona os
modelos de utilidade, sendo os mesmos tratados apenas no artigo 1°, parágrafo 2 da Revisão de Haia de
1925 (Decreto n. 19056 de 31 de dezembro de 1929), conforme textos originais a seguir reproduzidos:
CUP de 1883, artigo 2: Os subditos ou cidadãos de cada um dos Estados contractantes gosarão, em todos
os outros Estados da União, no que fôr relativo aos privilégios de invenção, aos desenhos ou modelos
industriais, às marcas de fabrica ou de commercio e ao nome commercial ás vantagens que as leis
concedem actualmente ou vierem a conceder aos nacionaes. Terão, por conseqüência, a mesma protecção
que estes e o mesmo recurso legal contra todo prejuizo causado aos seus direitos, sob reserva do
cumprimento das formalidades e das condições impostas aos nacionaes pela legislação de cada Estado.
CUP de 1925 (Revisão de Haia), artigo 1, parágrafo 2: A proteção da propriedade industrial tem por objetivo
os privilégios de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos e modelos industriais, as marcas de fábrica
ou de comércio, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como
a repressão da concorrência desleal.
128
O que importa analisar é justamente a previsão de uma proteção diferenciada
baseada em um menor potencial inventivo expresso em criações intelectuais
específicas, ou seja, a existência de um fator de discrímen com base no potencial
inventivo.
Como o potencial inventivo é considerado menor nos modelos de utilidade, a
solução encontrada foi a de conferir um lapso temporal de proteção igualmente
menor, de modo a possibilitar proteção diferente para soluções técnicas diferentes.
Este é um exemplo de aplicação do princípio da igualdade em sua dimensão
material inerente historicamente à propriedade industrial, ou seja, há um fator de
discrímen que considera o grau de inventividade ou até mesmo uma mistura do grau
de inventividade com a área tecnológica para, em função disso, conceder um prazo
de proteção menor em relação àquele previsto para outras criações intelectuais que
se expressem como soluções com maior potencial inventivo para problemas
técnicos.
258
Op. Cit., p. 569-570.
129
5 LIMITES DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E ÓBICES DO
SISTEMA
Dentro
da
perspectiva
integradora, na qual
a
hermenêutica busca
compreender a melhor solução para cada situação fática, os dispositivos
constitucionais e infraconstitucionais traçam parâmetros para uma interpretação
sistemática integradora, eliminando os sempre aparentes conflitos.
A hermenêutica traz respostas adequadas a situações postas dentro do limite
de um mínimo de previsibilidade jurídica, não cabendo-lhe criar regras e princípios,
mas sim compreende-los e aplicá-los topicamente, destacando-se os ensinamentos
de Vicente de Paulo Barretto259:
O processo da hermenêutica constitucional, supõe, portanto, a
consideração de valores e condições sociais e políticas, que ditam suas
raízes num entendimento moral do corpo político. Não se confunde com o
jogo semântico ou com o entendimento da aplicação da lei como a simples
subsunção da norma positivada aos fatos sociais. Por essa razão, a
hermenêutica constitucional não pode ficar restrita aos processos
interpretativos característicos do entendimento do direito, como um sistema
dogmático a ser lido semanticamente. O processo hermenêutico pressupõe
mais do que uma simples, e sedutora, constatação e aceitação da existência
de normas. A hermenêutica constitucional contemporânea, precisamente
para atender a função de interpretar normas específicas, que se encontram
legitimadas pelo estado democrático de direito, realiza-se no processo
argumentativo, onde estão presentes os valores que antecedem a própria
construção da ordem constitucional. A hermenêutica constitucional
contemporânea vive situação semelhante àquela encontrada quando do
surgimento da interpretação protestante no corpo da tradição: não de trata
também, atualmente, da criação de novos métodos mecânicos, que
substituam os antigos, mas de uma nova concepção do objeto analisado, no
caso o fenômeno jurídico, através de sua leitura hermenêutica. Somente,
assim, poderá a interpretação jurídica integrar-se no quadro mais amplo da
hermenêutica contemporânea, como se encontra formulada e aceita no
campo das ciências humanas e sociais.
259
BARRETTO, Vicente de Paulo. Da interpretação à hermenêutica constitucional. In: CAMARGO, Maria
Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 18.
130
Buscando sempre examinar a hermenêutica dentro de um olhar realista do
ser, o qual é inegavelmente constituído por suas pré-compreensões, importante
260
ressaltar as palavras de Gadamer
:
A superação de todo preconceito, essa exigência global da Aufklärung, irá
mostrar-se ela própria como um preconceito cuja revisão liberará o caminho
para uma compreensão adequada da finitude, que domina não apenas o
nosso caráter humano mas também nossa consciência histórica.
Será verdade que achar-se imerso em tradições significa em primeiro
plano estar submetido a preconceitos e limitado em sua própria liberdade? O
certo não será, antes, que toda existência humana, mesmo a mais livre, está
limitada e condicionada de muitas maneiras? E se isso for correto então a
idéia de uma razão absoluta não representa nenhuma possibilidade para a
humanidade histórica. Para nós a razão somente existe como real e
histórica, isto significa simplesmente: a razão não é dona de si mesma, pois
está sempre referida ao lado no qual exerce sua ação.
Ou seja, há uma historicidade da pré-compreensão e da compreensão,
mas é a pré-compreensão que nos constitui, pois a verdade vai além do
método.
Uma das pré-compreensões que faz parte do sistema de patentes é aquela
relacionada à pressuposição de que o sistema de patentes em si, considerado em
sua essência, possui mais benefícios do que custos. Tal pré-compreensão é apenas
parcialmente verdadeira, como já demonstrado por diversos autores citados quanto
aos problemas apresentados pelo sistema de patentes em determinadas áreas
tecnológicas.
Para desconstruir algumas pré-compreensões, a mais importante das
compreensões é situar o sistema de patentes temporalmente e compreender que o
mesmo não sofreu adaptações substanciais em sua história evolutiva, de modo que
beira a um século uma certa estabilidade internacional quanto aos requisitos de
obtenção de uma patente, em que pese uma atual evolução tecnológica cada vez
261
mais acelerada, como destaca Marcos Wachowicz
260
261
:
GADAMER, Hans-Georg. Op. Cit., p. 367.
WACHOWICZ, Marcos. Reflexões sobre a revolução tecnológica e a tutela da propriedade
intelectual. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, p. 303.
131
O processo de assimilação social das novas tecnologias e o ordenamento
jurídico das alterações sociais produzem uma certa defasagem entre a
inovação tecnológica e a adaptação do Direito às novas situações sociais.
Esta questão é extremamente relevante e significativa diante da recente
Revolução Tecnológica da Informação, na qual a evolução sociotecnológica
adquiriu um ritmo exponencial, do qual o Direito se recente de certa lentidão
para modificações necessárias no ordenamento jurídico.
Contudo, as adequações e adaptações do ordenamento jurídico diante das
evoluções socioeconômicas são imprescindíveis e inevitáveis, ainda que
posteriores.
Evidentemente que antes do Acordo TRIPS havia uma maior liberdade
nacional para estabelecer matéria patenteável ou não, definir o que se considerava
invenção e o que não, entre outras liberdades existentes em um sistema que previa
apenas padrões mínimos recomendáveis de proteção à tecnologia sem imposição
de sanções ou repercussões internacionais.
Aquele sistema secular não impositivo e composto por normas prevendo
tecnologias mais tradicionais262 transformou-se em um sistema de obrigatória
observância, mais uniforme, com desconsideração à etapa evolutiva de cada país263
e sem a devida adequação às peculiaridades das diferentes novas tecnologias
criadas
264
.
Tais aspectos não escapam a um filtro constitucional preocupado com um
sistema harmônico e integrado que elimine, dentro das possibilidades do mundo dos
262
Convenção da União de Paris de 1883 (atualmente em vigor a Revisão de Estocolmo de 1967)
sem qualquer tipo de norma impositiva quanto à não discriminação positiva.
263
Por mais que se alegue na exposição de motivos em TRIPS haver uma atitude Reconhecendo
igualmente as necessidades especiais dos países de menor desenvolvimento relativo Membros no
que se refere à implementação interna de leis e regulamentos com a máxima flexibilidade, de
forma a habilitá-los a criar uma base tecnológica sólida e viável, fato é que TRIPS, enquanto
acordo em âmbito do comércio internacional como o é, privilegiou o poder de barganha e os
interesses específicos dos países com maiores condições de impor sua vontade. Tal fato, ressaltese, não gera a possibilidade de descumprimento deste Acordo, mas demonstra uma necessidade
de harmonização e leitura do mesmo em consonância com a Constituição Federal Brasileira de
1988.
264
Conforme já ressaltado anteriormente, TRIPS prevê em seu artigo 27.1 uma cláusula de não
discriminação com base na diferença de tecnologias, assim disposta: Artigo 27. Matéria
Patenteável. 1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de
produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova,
envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no
parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes
serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de
invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou
produzidos localmente.
132
fatos, a maior parte das dissintonias desintegradoras do sistema, sendo que as
relações estabelecidas entre o Direito Constitucional e o Direito Privado tratam-se
de encadeamentos necessários.
Em uma análise preliminar das relações entre o Direito Constitucional e o
Direito Privado, Paulo Bonavides
265
deixa clara a sua veia constitucionalista,
preocupada com a integração e harmonia do sistema jurídico:
Tanto os demais ramos do Direito Público como todo o Direito Privado se
acham em posição de inferioridade e sujeição – nunca de igualdade e
coordenação – em face do Direito Constitucional. É este que,
privilegiadamente, encabeça o ordenamento jurídico, traçando as regras
básicas do sistema normativo.
Tais afirmações demonstram que toda a legislação infraconstitucional deve
ser interpretada de acordo e observando a harmonia axiológica constitucional,
sendo que TRIPS, CUP e LPI, independentemente de cada uma de suas regras
dispor em maior ou menor grau sobre interesses públicos ou privados, devem ser
interpretadas de acordo e observando a Constituição Federal brasileira.
Nesse movimento integrador e que busca afastar as dissintonias existentes
no sistema, Ângela Kretschmann266 destaca:
O que deve ser compreendido, em meio a tanta divergência, é que o
sistema de proteção pode servir, e deve ter por escopo, justamente conciliar
os interesses conflitantes, desde que concentre normas adequadas à
proteção, sem exagerar no poder concedido ao seu autor ou titular. Na
verdade, um sistema adequado pode servir a interesses conflitantes, basta
estabelecer os benefícios de forma equilibrada. Para tanto, é necessário
respeitar as regras em matéria de concorrência, buscar alcançar o equilíbrio
entre os interesses do mercado interno e externo, considerando que a
globalização econômica tem imposto limites à própria ação política e social
do governo, no âmbito da Propriedade Intelectual.
265
266
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 33.
KRETSCHMANN, Ângela. Direitos Intelectuais e Dignidade Humana – Re(visitando) o Direito
Autoral na Era Digital. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 223.
133
Identificando-se a organização harmônica do sistema jurídico, dentro da
análise hermenêutica envolvendo a igualdade e o direito de propriedade,
267
importantes ensinamentos são destacados por Ricardo Aronne
:
Enquanto a garantia da propriedade privada é um princípio especial que
concretiza o princípio geral da liberdade, a função social da propriedade
privada é densificador do princípio da igualdade.
Igualdade e liberdade possuem um sentido refundido daquele que emergia
das constituições liberais. Concretizam o princípio da dignidade humana
como princípio fundamental que liga-se diretamente ao do Estado Social e
Democrático de Direito.
[...]
A cada interpretação normativa, todo o sistema está sendo interpretado,
importando em um processo de re-legitimação em concreto do Direito,
sempre que incida.
Isso ocorre, pois a cada vez que incide o Direito guarda um significado
diferente. Quando esse novo significado é deixado sem revelar, importa em
uma negativa de jurisdição, pois antinatural e inseguro seria que um direito
ao longo dos anos, em uma sociedade em constante mutação,
permanecesse intocavelmente igual.
A propriedade não se distancia das demais instituições neste ponto, sem
prejuízo dos diversos mitos econômicos em sentido que possa querer se
fazer contrário. O sentido que o sistema econômico possa querer às
titularidades de apropriação, passa pela mediação do sistema jurídico para
ganhar sentido, ou no mínimo cogência.
Juarez Freitas
268
traz contribuições fundamentais à compreensão dos limites
e possibilidades de uma interpretação tópico-sistemática integradora do sistema:
Pelo exposto, urge não tratar o intérprete como reagente passivo ao
sistema posto, cuidando de prepará-lo para o árduo, penoso e nem sempre
bem-efetuado exercício de vigilância contínua quanto à proporcionalidade de
suas ponderações axiológicas. O intérprete sistematiza – embora não crie o
Direito (no sentido da produção legislativa) –, justamente ao não se render
ao pretenso absolutismo das prescrições normativas. Ao fazê-lo, traça
limites à própria missão do legislador, o qual não pode, em respeito ao
poder constituinte, engendrar antinomias que imponham riscos à
sobrevivência dos elementos fundantes do Direito Positivo.
Tal atitude sensata e racional – no sentido comunicativo do termo,
explicitado no capítulo anterior – em nada se confunde com a
discricionariedade pura advogada por muitos, tampouco com o arbítrio que
se arrima em argumentações falaciosas. A interpretação faz escolhas, sim,
elege soluções, mas nunca indiferentemente, pois embora não exista “a”
267
268
ARONNE, Ricardo. Op. Cit., p. 106-107.
FREITAS, Juarez. Op. Cit., p. 76-77.
134
interpretação correta, resta vinculada ao dever indeclinável de encontrar
soluções sistematicamente melhores, ao menos como serena pretensão.
É nesse caminho pretensioso – no sentido positivo da palavra – que busca-se
uma sintonia hermenêutica baseada na aplicação do princípio da igualdade como
base
teórica
harmônica
do
sistema
de
patentes
enquanto
consideração
constitucionalmente assegurada de um fator de discrímen embasado nas diferenças
naturais de cada tecnologia submetida à proteção pelo sistema de patentes.
Como destacado por Gonzaga Adolfo
269
, os desafios de uma sociedade em
constante mutação são muitos, mas todos eles passíveis de adaptação em prol de
uma sociedade mais justa e fraterna:
É claro, a realidade em torno do tema em discussão, nomeadamente no
que tem a ver com as fantásticas tecnologias que surgem e se aperfeiçoam
diuturnamente, é tão complexa e avassaladora que se teme, ao escrever, já
estar sendo superado por ela. Ou seja, é um tema, como a grande maioria
dos demais, que está “aberto” e em torno do qual as construções que serão
feitas oportunamente ditarão o rumo que será trilhado em uma sociedade
que, ao tempo que busca o conhecimento e a informação incessantemente,
possa ver nos autores e nas criações intelectuais a dimensão exata de um
mundo onde elas, a partir da liberdade de expressão, podem ser causa e
conseqüência da nova realidade de equilíbrio, liberdade e justiça social que
se pretende erguer.
Nesse aspecto, a hermenêutica constitucional auxilia o intérprete a analisar
topicamente cada área tecnológica dentro de suas especificidades e, após tais
especificidades consideradas, conhecendo-se a criação intelectual para a qual se
busca a proteção ou o exercício de direitos decorrentes desta proteção no sistema
de patentes, torna possível a análise das limitações impostas pelo princípio da livre
concorrência e por uma delimitação finalística do próprio sistema de patentes a uma
observância da preponderância harmônica das teorias utilitarista e do plano social.
269
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do
direito autoral na sociedade da informação. Tese de Doutorado na Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, 2006, p. 349.
135
No entanto, existem limites à atuação hermenêutica que exigem movimento
legislativo próprio para que haja adequação do sistema à realidade atual.
Como destacado anteriormente, o sistema de patentes não foi criado e
harmonizado internacionalmente para abranger tecnologias inovadoras como as que
hoje são albergadas pelo sistema, tais como patentes envolvendo programas de
computador, segundo uso médico, biotecnologia, entre outras. Ou seja, o sistema
posto trata de forma igual tecnologias diametralmente distintas, exigindo os mesmos
requisitos de patenteabilidade e outorgando o mesmo prazo de proteção, criando
um efeito danoso sob a ótica axiológica do sistema de patentes em seu caráter
funcional harmônico, cumprindo reproduzir ensinamentos do já citado autor Celso
Antônio Bandeira de Mello
270
quanto à importância da diferenciação inerente ao
princípio da igualdade:
Ora, o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as
situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como
desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores
desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais
que a diferenciação do regime legal esteja correlacionada com a diferença
que se tomou em conta.
Se a proteção concedida passa a ser considerada exacerbada através do
tempo e a representar uma dissintonia com a essência tecnológica do objeto de dita
proteção, a utilização da hermenêutica como instrumento corretivo das dissintonias
encontra óbices legais estruturais para uma correção integradora.
270
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit., p. 35.
136
Exemplificativamente, se a vida útil média de uma tecnologia envolvendo um
programa de computador for de 10 anos, a proteção de 20 anos por patentes,
legalmente prevista e que possibilita a existência de tecnologias dependentes
sujeitas a licença por dependência
271
, passa a ser exacerbada, mas sem que possa
ser solucionada através da hermenêutica para a reestabilização do excesso de
proteção.
A base de tal problema está na desconsideração do princípio da igualdade no
estabelecimento do prazo temporal de proteção.
Outro exemplo está diretamente relacionado ao nível de proteção de uma
patente. Caso este nível de proteção seja alto (interpretação ampliativa da proteção
concedida por uma patente
272
), maiores dificuldades existirão para que a
concorrência se estabeleça em níveis ideais, pois sendo alta a possibilidade de
infração de patentes de terceiros e difícil a criação de invenções paralelas, haverá
um real desestímulo à concorrência naquela área tecnológica específica.
Mais uma vez analisando a questão sob o ponto de vista econômico,
destacam Posner e Landes
273
:
The greater patent protection is, the smaller the benefit to competitors from
the information contained in the patent Grant because the less they can do
with it. They will face greater difficulty and higher costs in inventing around
the patent, a high probability of loosing a patent infringement suit, and
greater sanctions if they lose. Their marginal cost curve will be steeper or,
equivalently, the elasticity of supply lower, making the residual demand curve
less elastic and thus enabling the patentee to charge a higher price
271
Problema já identificado, entre outros autores, por Carla Eugênica Caldas Barros na obra citada
Aperfeiçoamento e dependência em patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
272
Tal interpretação ampliativa pode derivar, por exemplo, de uma aplicação ampliativa da doutrina
dos equivalentes ou da consideração e definição de violação substancial de reivindicações de
patentes. De uma forma ou de outra, há uma necessidade de equilíbrio entre proteção adequada e
não restrição da livre concorrência além do estritamente necessário para a funcionalização do
sistema de patentes.
273
POSNER, Richard A.; LANDES, William M. The economic structure of intellectual property
Law. Cambridge/MA: The Belknap Press of Harvard University Press, 2003, p. 299.
137
and capture a greater share of the post-invention market.
274
Portanto, o sistema impõe reais limitações para que uma hermenêutica
constitucional possa suficientemente auxiliar na solução, por exemplo, dos
275
chamados gridlocks destacados por Michael Heller
.
Dentro de uma visão sistemática, é claro que a hermenêutica possui um
espaço importante na correção de dissintonias no sistema de patentes,
principalmente quando auxilia na ponderação tópica dos direitos aparentemente
conflitantes quando há espaço não excludente de interpretação.
O espaço não excludente refere-se à possibilidade do esforço hermenêutico
efetivamente ser passível de solucionar o conflito aparente. Por exemplo, quando
define-se que o licenciamento compulsório de patentes por abuso de direito é
legalmente previsto, mas se estabelecem etapas processuais que impossibilitam,
uma vez seguidas, que o mesmo seja implementado, está-se diante de um espaço
excludente à possibilidade de que o esforço hermenêutico possa ser útil. Portanto,
torna-se um óbice do sistema à hermenêutica.
Nesse sentido, mesmo que se identifique a prática anticoncorrencial, o
remédio desproporcional pode ser tão prejudicial quanto a inércia, salientando
Ricardo Sichel276:
O ponto nevrálgico está em apurar o uso indevido de direitos
patentários, quando aplicados às relações de mercado. Exatamente a
274
Tradução livre: Quanto maior a proteção da patente, menor é o benefício aos concorrentes através
da informação contida na patente concedida porque menos eles podem fazer com a mesma. Eles
irão enfrentar grande dificuldade e maiores custos em inventar paralelamente à patente, uma maior
probabilidade de perder um caso judicial de violação de patente e ainda maiores penalidades se
eles perderem. A sua curva de custo marginal será espaçada ou, equivalentemente, menor será a
elasticidade de suprimento, fazendo com que haja uma curva de demanda residual menos elástica
e, assim, possibilitando ao titular da patente cobrar preços mais altos e obter uma maior fatia do
mercado pós-invenção.
275
HELLER, Michael. The gridlock economy: How too much ownership wrecks markets, stops
innovation, and costs lives. Nova Iorque/EUA: Editora Basic Books, 2008.
276
SICHEL, Ricardo. O direito europeu de patentes e outros estudos de propriedade industrial.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 110-111.
138
existência de condutas causadoras de deformação do mercado, sem o
conseqüente ganho de eficiência, é que deve ser combatida. Observo,
portanto, que o privilégio concedido a uma patente, como elemento
ensejador de desenvolvimento tecnológico deve ganhar guarida pelo Estado.
Entretanto, o uso de um direito legalmente obtido para a obtenção de lucros
indevidos, desabastecendo o mercado, deve merecer, por parte do Poder
Público, a devida resposta no sentido de se coibir abusos. Esse ponto ganha
especial relevo, quando observado que a Constituição Federal garante o
direito à propriedade temporária de uma patente. Esse direito está,
entretanto, condicionado ao interesse público e ao desenvolvimento
tecnológico do Brasil.
Para que o esforço hermenêutico seja produtivo não podem existir limitações
legais expressas quanto ao lapso temporal protetor mínimo e tipos de tecnologias
diversos obrigatoriamente recebendo tratamento igual, pois nestes casos os óbices
do sistema geram amarras que condicionam negativamente a análise posterior
quando do exercício do direito sobre determinada tecnologia no mercado
concorrencial, desvirtuando, muitas vezes de maneira imperceptível, o real
significado do sistema de patentes enquanto funcionalmente cumpridor do princípio
da livre concorrência.
139
6 IGUALDADE E LIVRE CONCORRÊNCIA COMO REFERÊNCIAS
HERMENÊUTICAS ORIENTADORAS E LIMITADORAS DO DIREITO
DE PATENTES
Se o sistema de patentes existe enquanto funcionalmente útil e com objetivos
claros277, a sua sintonia com o princípio da igualdade materialmente considerado e
com
a
livre
concorrência
é
essencial
para
que
não
sofra
de
uma
“desfuncionalização” que prejudique a sua própria essência e objetivos.
Ora, o próprio Tribunal Constitucional Alemão estabelece o caráter funcional
somado à sintonia da totalidade constitucional, conforme destacam Denis Barbosa,
Karin
Grau-Kuntz
e
279
“Patentanmeldung”
Ana
278
Beatriz
ao
comentar
acórdão
no
caso
:
A interpretação constitucional da propriedade intelectual deve ser feita:
a) levando-se em consideração o objetivo e a função da propriedade
(interpretação funcional)
b) levando-se em consideração a totalidade estrutural da Constituição.
Reconhecida a natureza do direito de propriedade e a proteção do art. 14
da Lei Fundamental aplica-se a mesma sistemática interpretativa usada para
a propriedade sobre bens materiais, ou seja, ponderação entre os efeitos do
interesse individual protegido e os interesses coletivos.
Assim como a concorrência é dinâmica e gera constantemente novos
desafios, adaptando-se com o passar do tempo, dessa mesma forma comportam-se
as criações intelectuais em constante evolução, igualmente gerando novos desafios
e constante adaptação com o decorrer dos anos.
277
Reiteram-se, nesse ponto, os argumentos já destacados a respeito da essência e finalidades do
sistema de patentes.
278
GRAU-KUNTZ, Karin; BARBOSA, Ana Beatriz; BARBOSA, Denis Borges. A propriedade
intelectual na Constituição dos Tribunais Constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
p. 58.
279
BverfG, 36, 281, de 15.01.1974.
140
Tais dinâmicas de mercado e de criatividade demandam reais desafios
hermenêuticos para que a harmonia com a essência e objetivos de um sistema de
proteção de criações intelectuais não acabe por ficar em dissonância evolutiva.
Desta forma, devem ser identificados os elementos balizadores que se
destinam a orientar o movimento hermenêutico no sentido de assegurar esta
harmonia entre essência/objetivos com os efetivos resultados almejados.
Roberto Jaguaribe e Otávio Brandelli
280
compartilham de preocupações
relacionadas ao desenvolvimento efetivo do país através da propriedade intelectual,
citando alguns aspectos de importante observação em uma “evolução” do sistema
de patentes:
Um sistema adequado de proteção de direitos de propriedade intelectual
pode ser instrumento de grande utilidade para o desenvolvimento. Mas ele
tem de estar adequadamente inserido no contexto do sistema nacional de
inovação e compatibilizado com os demais instrumentos. O grande surto de
globalização dos últimos trinta anos ampliou a atuação internacional das
grandes empresas e diversificou geograficamente a produção, o que gera
uma demanda de crescente homogeneização de regras. Não parece, assim,
haver espaço (e, possivelmente, interesse) para retroceder ao período de
plena flexibilidade que precedeu o Acordo TRIPS.
Não obstante, é fundamental evitar uma expansão inercial do sistema,
suscitada, sobretudo, pela força dos lobbies dos setores rentistas que mais
se beneficiam do sistema. É também importante evitar a ultrapassagem de
limites clássicos do alcance dos direitos de propriedade intelectual. Esses
limites referem-se sobretudo à preservação da distinção entre descoberta e
invenção e ao impedimento da apropriação exclusivista do conhecimento.
Nesse sentido, vislumbrando sempre o desenvolvimento, não há dúvidas de
que a concorrência é essencial para o desenvolvimento da sociedade. Nos dizeres
de João Marcelo de Lima Assafim281, ao tratar do panorama sobre as normas
antitruste:
280
JAGUARIBE, Roberto e BRANDELLI, Otávio. Propriedade intelectual: espaço para os países em
desenvolvimento. In VILLARES, Fábio (Org.). Propriedade Intelectual: tensões entre o capital e a
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 303.
281
ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil – Aspectos contratuais e
concorrenciais da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 271.
141
Além dos benefícios que a concorrência supõe para os consumidores, a
competitividade entre as empresas cria um clima propício para que a
economia do país desempenhe um papel cada vez mais relevante no
contexto da economia mundial.
Do ponto de vista econômico, o sistema de patentes apresenta diversas
falhas decorrentes de, entre outros fatores, diferenças de custos fixos relacionados
às criações intelectuais em diferentes áreas tecnológicas, conforme destacam
Posner e Landes282:
Whether a given degree of patent protection is socially desirable depends
on the patentee’s fixed costs, the inherent difficulty of inventing around the
patent (that is, holding constant the degree of patent protection), and the
extra profits that the patentee can expect to receive from greater protection.
The greater the fixed costs of research and development and the easier it is
to invent around the patent, the greater will be the degree of patent protection
required to create adequate incentives to invest in developing the invention in
first place. The patent system makes no effort, however, to match the degree
of patent protection to those variables. A patentee’s monopoly markup, which
of course is influenced by the degree of patent protection, beers no direct
relation to the fixed costs that he actually incurred in creating the patented
283
invention.
Em um aspecto econômico específico, identifica-se que o sistema de patentes
falha em estabelecer uma modulação proporcionalmente relacionada aos custos
fixos envolvidos na criação de invenções patenteáveis.
Idealmente, se analisado o princípio da igualdade como base para a
determinação do espectro de proteção de uma patente, até mesmo do ponto de
vista da justificação econômica do sistema, haveria uma modulação mais adequada,
282
283
POSNER, Richard A.; LANDES, William M. Op. Cit., p. 300.
Tradução livre: Mesmo um grau de proteção por patentes sendo socialmente desejável isso
depende dos custos fixos do titular da patente (o que significa manter um grau constante de
proteção da patente), e dos lucros extras que o titular da patente pode esperar receber através de
uma maior proteção. Quanto maiores os custos fixos de pesquisa e desenvolvimento e quanto
mais fácil for inventar ao redor da patente, maior será o grau de proteção patentária necessário
para criar os incentivos adequados para o investimento em desenvolver a invenção. Apesar disso,
o sistema de patente não faz nenhum esforço para alcançar o grau de proteção de acordo com
essas variáveis. A base do monopólio do titular da patente, o qual evidentemente é influenciado
142
pois a consideração do princípio da igualdade de acordo com cada tipo de
tecnologia a ser protegida auxilia a adequar uma proporção mais próxima do ideal
entre a tecnologia desenvolvida e a proteção concedida.
Portanto, exatamente as falhas existentes no sistema de patentes devem
servir de indicativo para que se conheça melhor o sistema enquanto um sistema
limitado intrinsecamente para a proteção de inovações tecnológicas cada vez mais
diversas, peculiares e desafiadoras.
E o imenso trabalho da hermenêutica é, frente a tão desafiadores problemas,
auxiliar a estabelecer uma compreensão o mais objetiva e desvinculada de précompreensões
284
possível, conforme destaca Mario Bunge
285
ao analisar a
epistemologia em sua dimensão de objetividade vs. subjetividade:
Com efeito, é propósito declarado da pesquisa científica produzir
representações do mundo que sejam objetivas (impessoais e publicamente
suscetíveis de teste). Esse o motivo por que o cientista as submete a
contínuas verificações e busca aperfeiçoá-las. Esse o motivo por que
quaisquer elementos subjetivos (quando identificados) sofrem eliminação. E
porque há a necessidade de manter a distinção entre objetividade e
subjetividade é que o semanticista deve empenhar-se em esclarecer essa
distinção.
Como homens políticos, carregam-se bagagens de formação, conhecimento,
vivência, que estão introjetadas no ser e que influenciam o poder decisório (no qual
destaque deve ser dado à tendência de absolutização presente e futura da forma
como o sistema de patentes é visto), sendo importante lembrar também as reflexões
de David Schnaid286 de que:
É inevitável a contaminação da compreensão do intérprete por sua
ideologia formada a partir de experiências e vivências, deturpada por
pelo grau de proteção da patente, não possui qualquer relação direta com os custos fixos que ele
despende em efetivamente criar uma invenção patenteável.
284
Aqui, o termo pré-compreensões é utilizado em seu sentido negativo, ou seja, no sentido de vícios
que todos carregam quanto ao sistema posto.
285
BUNGE, Mario. Tratado de Filosofia Básica – Volume 2. Semântica II: Interpretação e Verdade.
Tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny S. da Mota. São Paulo: Universidade de São Paulo,
1976, p. 211.
286
SCHNAID, David. Filosofia do direito e interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
235.
143
pré(prévios) conceitos e proto-idéias, determinadas por sua história
existencial (ek-sistere). Essa vivência ou experiência jurídica pode implicar a
presença de elementos irracionais e contingentes no processo decisional,
que não aparecem no pensamento doutrinário. Nossas atitudes estão
influenciadas pelas crenças que sustentamos, que, por sua vez, se foram
formando sem as provas da sua veracidade, e sim preconceitualmente, por
impulsos do temor, da esperança, dos desejos”.
Enquanto participa-se de determinada análise de lei, regra de conduta ou
comportamento, realiza-se, antes de mais nada, uma pré-análise com base na
história individual. O ser humano está naturalmente sujeito à crenças e préconceitos que influenciam a racionalidade para lidar com as situações concretas da
vida, de modo que a compreensão das pré-compreensões serve como balizamento
para que o princípio de participação, dentro da assimetria de formações individuais,
possa auxiliar na busca de decisões o mais universalizáveis possível em cada área
tecnológica específica.
O princípio da igualdade, localizado na própria base fundadora do sistema de
patentes, funciona como orientação hermenêutica basilar, diferenciadora e
indissociável de toda e qualquer tecnologia suscetível de proteção por patentes.
Significa dizer que, antes mesmo de uma consideração funcional do sistema de
patentes, deve-se respeito à diferença, pois a igualdade material pressupõe o
reconhecimento dessa diferença.
Consciente desta necessidade de reconhecer a igualdade como elemento
orientador da hermenêutica aplicada no direito de patentes, tendo por base o
tratamento diferenciado para tecnologias diferentes, são colocados em xeque os
requisitos
de
patenteabilidade,
os
quais,
apesar
de
universalizáveis
e
constitucionais, não foram historicamente desenvolvidos em respeito à igualdade
substancialmente considerada.
O requisito da novidade tem por base evitar que criações intelectuais idênticas
venham a ser objeto de proteção por patentes para titulares diferentes,
estabelecendo como base para o atendimento do requisito da novidade o primeiro a
depositar um pedido de patente que não possua revelação pública integral de seu
144
conteúdo anteriormente à data do protocolo do pedido de patente. A motivação é de
cunho relacionado ao balanceamento para atendimento ao princípio da livre
concorrência (no sentido de estímulo à inovação e, consequentemente, à
concorrência inovadora) através de uma restrição de proteção temporária que
alcance tão somente o estritamente necessário para atender ao interesse social,
desenvolvimento econômico e tecnológico do país.
Em sentido similar está o requisito da atividade inventiva, o qual, indo além do
requisito da novidade, pressupõe que o criador deva ter contribuído de maneira
relevante, em nível técnico, em relação a tudo que estava acessível ao público na
data do protocolo do pedido de patente ou que, tendo data de protocolo anterior ao
pedido, tenha sido publicada posteriormente àquele. Mais uma vez a motivação é de
cunho relacionado ao balanceamento descrito anteriormente, de modo que
represente uma contribuição técnica efetiva em relação ao estado da técnica e não
apenas pequenas diferenças não substanciais e que, justamente por não fazerem
parte do objetivo constitucional, não gozam da possibilidade de proteção pelo
sistema de patentes.
Do ponto de vista instrumental de somente conceder patente para as criações
intelectuais que descrevam e possibilitem, técnica e teoricamente, reproduzir a
invenção, o requisito da suficiência descritiva287 também possui uma relação direta
com a livre concorrência e com os desígnios funcionais do sistema de patentes,
287
Este requisito, juntamente com o requisito da atividade inventiva, são os mais relevantes do ponto de vista prático e
também teórico do sistema de patentes, pois o requisito da suficiência descritiva objetiva que um pedido de patente seja
praticamente um “manual completo” de como aquela tecnologia será colocada em prática. A burla intencional ou não
intencional de revelação integral deste “manual completo” gera vício que, caso não dependa apenas de pequenos e
simples esclarecimentos ou definição contextual de palavras, é insanável. Isso porque muitas vezes a omissão do
chamado “pulo do gato” em um pedido de patente é uma estratégia intencionalmente adotada pelo requerente para evitar
que, mesmo quando o concorrente tenha acesso ao documento de patente, tenha reais dificuldades (ou até mesmo
impossibilidade) de aprender e (teórica ou praticamente) reproduzir os ensinamentos contidos no pedido condizentes com
os efeitos descritos no mesmo. É requisito de fundamental importância orientado pela livre concorrência e pela
necessidade de desempenho funcional constitucional da patente. Outra possibilidade ardilosa de uso do sistema em
descumprimento do requisito da suficiência descritiva é o protocolo do pedido de patente requerendo a proteção de um
determinado efeito técnico sem efetivamente possuir um mínimo de embasamento científico para sustentar este efeito
técnico, ou seja, corre-se na frente na corrida inovadora deixando para “revelar” uma comprovação teórica do efeito
técnico descrito no curso do pedido de patente e pretendendo beneficiar-se da data de depósito correspondente a
momento em que ainda não dominava, teoricamente, o efeito técnico descrito desde o início. Frise-se que o inventor
individual e as empresas de boa-fé igualmente devem estar atentas ao cumprimento deste requisito, pois a descrição
suficiente do pedido de patente deve ser vista como elemento primordial juntamente com a novidade e a atividade
inventiva (ou ato inventivo no caso dos modelos de utilidade).
145
como segue.
Recentemente houve decisão da Court of Appeals for the Federal Circuit
(CAFC) dos EUA
288
reafirmando a importância do requisito de “written description”
ser suficiente quando consideradas tanto a redação original das reivindicações
quanto a redação das emendas, assim como separando o requisito em duas partes
diferentes (a descrição da própria invenção e a descrição de como fazer e usar a
invenção) de modo a estabelecer um rigor maior no que tange à efetiva identificação
se o inventor, na data em que protocolou o pedido de patente, literalmente foi capaz
de estabelecer uma sintonia entre o que foi descrito e o que foi reivindicado para
evitar-se a concessão de proteção maior do que aquela revelada inicialmente no
pedido de patente. A própria Corte de Apelações do Circuito Federal dos EUA já
havia determinado cinco anos atrás que
289
:
The 'written description' requirement implements the principle that a patent
must describe the technology that is sought to be patented; the requirement
serves both to satisfy the inventor's obligation to disclose the technologic
knowledge upon which the patent is based, and to demonstrate that the
patentee was in possession of the invention that is claimed.290
Ora, os requisitos acima elencados nada mais são do que parte do “acordo”
feito para que o sistema de patentes cumpra com os seus objetivos funcionais e, ao
contrário de restringir, gere uma maior concorrência com maior aproveitamento
possível para a sociedade.
Fato é que os objetivos funcionais constitucionais do sistema de patentes não
podem ser alcançados de forma ideal se não for observado em sua base fundadora
o princípio da igualdade (enquanto igualdade material e não apenas formal), pois o
288
Ariad Pharmaceuticals, Inc. v. Eli Lilly & Co. (US Court of Appeals for the Federal Circuit, 2010) (en
banc).
289
Capon v. Eshhar, 418 F.3d 1349, 1357, 76 USPQ2d 1078, 1084 (US Court of Appeals for the
Federal Circuit, 2005).
290
Tradução livre: O requisito do ‘relatório descritivo’ implementa o princípio de que a patente deve
descrever a tecnologia que busca ser patenteada; o requisito serve tanto para satisfazer a
obrigação do inventor em revelar a tecnologia conhecida sob a qual a patente se baseia, e para
demonstrar que o requerente dominava a invenção que é reivindicada.
146
tratamento apenas formalmente igual (mesma aplicação de requisitos, prazo de
proteção e interpretação) de tecnologias diferentes gera uma desfuncionalização do
sistema de patentes não desejável e de difícil e complexa correção pelo mercado
concorrencial.
O sistema de patentes já é complexo e inseguro por natureza, de modo que
constituí-lo e interpretá-lo ignorando o princípio da igualdade materialmente
considerado com base nas diferenças de cada tecnologia submetida à proteção
corresponde a uma atitude hermenêutica que confere ainda maior complexidade,
insegurança e desvio funcional ao sistema, gerando impacto significativo na própria
livre concorrência.
Vale lembrar, por oportuno, os ensinamentos de Habermas
291
quanto a uma
postura do Direito que não seja meramente formal:
O projeto de realização do direito, que se refere às condições de
funcionamento de nossa sociedade, portanto de uma sociedade que surgiu
em determinadas circunstâncias históricas, não pode ser meramente formal.
Todavia, divergindo do paradigma liberal e do Estado social, este paradigma
do direito não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma
determinada visão de vida boa ou de uma determinada opção política. Já
que ele é formal no sentido de que apenas formula as condições
necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem, enquanto
cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo
de solucioná-los.
Nessa busca pela realização do direito na área de patentes, deve-se atentar
para as diferenças de objetivos entre uma eficiência de mercado e uma eficiência na
busca contínua de justiça.
Nesse sentido, Rawls alerta para as diferenças entre o processo legislativo
ideal e o processo ideal de mercado, destacando que ambos são concebidos para
atingir objetivos diferentes, sendo que o processo ideal de mercado visa a eficiência
enquanto que o processo legislativo ideal visa a justiça. Além disso, o mercado ideal
147
é um processo perfeito quanto ao seu objetivo, sendo o legislativo ideal um
procedimento imperfeito. Desta forma, como leciona Rawls
292
a teoria econômica
não se adapta ao procedimento ideal, já que a aplicação da teoria econômica ao
processo constitucional apresenta claras limitações, mas ao mesmo tempo fornece
dados para, analisados em contexto mais amplo, auxiliar a conferir efetividade aos
direitos fundamentais.
Já foi apontado por Maria Vitoria Stout293 que, dentro de uma visão restritiva
da cláusula de não discriminação em razão das diferentes tecnologias, até mesmo
as disposições que prevêem um prazo maior de vigência das patentes
farmacêuticas em virtude do atraso dos órgãos de regulação em autorizar a entrada
dos produtos correspondentes no mercado foram consideradas como um tipo de
discriminação “compensativa”:
The amended template sets up an interesting dichotomy between
pharmaceutical and nonpharmaceutical patents in the area of patent term
extensions. The template now provides that while a party must adjust the
term of a nonpharmaceutical patent to compensate for unreasonable delays
that occur in granting the patent, a party has discretion to adjust the term of a
pharmaceutical product patent to compensate for unreasonable delays in
granting the patent. Whether this revision now discriminates against holders
of pharmaceutical patents in allowing a country to choose not to grant
automatic patent term extensions for unreasonable delays is an interesting
question outside the scope of this Article.
[…]
CAFTA Articles 15.9(6)(b) and 15.10(2), giving pharmaceutical patent
holders the unique ability to extend the term of their patents for delays in the
regulatory approval process and to halt any attempt to manufacture their
patented product under compulsory license, do not just dance around the line
set by TRIPS on impermissible discrimination. CAFTA boldly goes where no
United States free trade agreement has gone before it,86 and where no
United States free trade agreement will (likely) go after it.87 Because these
provisions touch on the ability to fight devastating health epidemics on a
global scale, the TRIPS dispute settlement system is an apt forum to
challenge them, and Article 27.1 offers the strongest argument to invalidate
291
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade. V. II [s.l.]: Tempo
Universitário, 1992 (original de 1959b), p. 190.
292
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 400.
293
STOUT, Maria Vitoria. Crossing the TRIPS nondiscrimination line: How CAFTA Pharmaceutical
patent provisions violate TRIPS article 27.1. Boston University Journal of Science and Technology
Law, v. 14, 25 abr. 2008, p. 199-200.
148
294
them.
E é nesse contexto que os princípios da igualdade e da livre concorrência
devem ser vistos como bases primeiras e harmônicas do sistema de patentes, pois
impossível pensar-se um sistema de patentes justo sem que seja considerado o
princípio da igualdade material em sua constituição e como foco direcionador
hermenêutico. De outro lado, essa igualdade considerada enquanto geradora de
fatores específicos de discrímen, além de orientar, limita o direito de patentes
justamente à essência tecnológica contida na criação intelectual sujeita à proteção
por patente, possibilitando uma melhor adequação no ambiente concorrencial.
Em respeito ao princípio da igualdade, tecnologias envolvendo programas de
computador, segundo uso médico, biotecnologia, nanotecnologia, entre outras
desafiadoras que existem e estão para ser criadas, não podem receber tratamento
igual tanto entre si quanto em relação às tecnologias tradicionais que formam a base
que justificou a existência do sistema de patentes e os seus requisitos
“engessados”.
A hermenêutica tem muito a contribuir tanto ao considerar o princípio da
igualdade como aplicável na base do sistema de patentes, reconhecendo as
diferenças tecnológicas e, a partir delas, compreendendo o sistema dentro de suas
orientações funcionais (interesse social, desenvolvimento econômico e tecnológico),
294
Tradução livre: O texto emendado estabelece uma dicotomia interessante entre patentes
farmacêuticas e não farmacêuticas no que tange à extensão do prazo de validade de patentes. O
texto agora provê que enquanto um interessado deve ajustar o prazo de uma patente não
farmacêutica para compensar atrasos não razoáveis que ocorrem no processo de concessão de
patente, outro interessado tem discricionariedade para ajustar o prazo de uma patente de produto
farmacêutico para compensar pelos atrasos não razoáveis na concessão de patentes. Se esta
revisão agora discrimina contra os titulares de patentes farmacêuticas ao permitir um país de
escolher não conceder prazos adicionais automáticos de patentes por atrasos não razoáveis é uma
interessante questão fora do escopo deste artigo.[...]
Artigos 15.9(6)(b) e 15.10(2) do CAFTA, concedendo aos titulares de patentes farmacêuticas a
habilidade única de estender o prazo de suas patentes por atrasos no processo de aprovação
regulatória e evitar qualquer tentativa de produção dos seus produtos patenteados através de
licenças compulsórias, não apenas dançam ao redor da linha estabelecida por TRIPS sobre
discriminação não permitida. CAFTA vai onde nenhum acordo de livre comércio dos Estados
Unidos jamais foi antes e onde nenhum acordo de livre comércio dos Estados Unidos irá
(provavelmente) depois disso. Porque essas previsões tocam na habilidade de lutar contra
epidemias devastadoras em uma escala global, o sistema de disputas do TRIPS é um fórum apto
a desafiá-los e o Artigo 27.1 oferece o argumento mais forte para invalidá-los.
149
quanto ao considerar este sistema sempre limitado por uma necessária atuação em
um ambiente em que o princípio da livre concorrência é a regra.
150
7 SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA ADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE
PATENTES
Inicia-se este capítulo destacando-se as conclusões de Dan Burk e Mark
Lemley295 de que vários pesquisadores já delimitaram possíveis soluções para a
atual problemática do sistema de patentes em diferentes indústrias, mas os desafios
continuarão por vir e o sistema de patentes deve seguir se adaptando às novas e
desafiadoras tecnologias:
Some exciting recent work has already been done in filling out the frame
work we have established. Chris Cotropia has identified a new policy lever in
the doctrine of equivalents, for example. Richard Gruner has suggested that
obviousness could serve as a policy lever in industries such as software and
business methods, in which a large majority of patents seems to consist of
taking existing ideas and applying them in a new context. And others have
suggested that the forseeability doctrine should be applied in different ways
in the biotechnology industry. Deciding which policy levers should and should
not be used will require further work by a lot of people.
Second, courts and scholars will have to pay attention to the characteristics
of the particular industries for which courts are setting rules. We don’t claim
any monopoly on knowledge about the proper patent law rules for any given
industry, and others can and have disagreed with the suggestions we have
made in this book. This disagreement is healthy; devoting serious scholarly
attention to the needs of particular industries will help better tailor the law to
those industries. Further, the scientific characteristics of industries and
particular technologies within each industry change over time, and the law
needs to adapt to those changes. The nature of the software industry as we
have describe it today looks very different than it did in the 1970s, and the
legal rules that made sense then seem rather archaic today. Some have
argued that biotechnology is undergoing similar evolution, reducing the
anticommons risks at the research stage but heightening concerns at the
downstream products stage. And surely it is true, as we suggested in chapter
11, that the biotechnology industry itself is not monolithic; the rules
appropriate for DNA patents may not be the same ones that fit monoclonal
antibody patents. Courts are better suited than Congress to take account of
these changes, but to do so they will have to remain open to considering
evidence of those changes. Put another way, legal rules will have to evolve in
the common law tradition.
Finally, the industries themselves will come and go over time. If we had
written this book 120 years ago, we would likely have focused significant
attention on the railroad industry, which faced significant patent issues that
previous industries had not had to deal with. Ninety years ago we would have
discussed the problematic issues that arose in the nascent airline industry.
Both industries still exist today, but their characteristics have changed. As
they have become more mature, the role of patents in both industries has
declined, to the point that it no longer make sense to tailor patent rules to
295
BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark A. Op. Cit., p. 169-170.
151
those industries. By contrast, software and biotechnology – two of the most
important industries in the modern economy and ones that occupy a
significant part of this book – were not even on the radar screen of the patent
system forty years ago. New industries – nanotechnology, perhaps, or
synthetic biology – will doubtless challenge the courts years to come.296
A diferença entre a base teórica do defendido por Dan Burk e Mark Lemley
comparado com o que se entende como aplicação do princípio da igualdade, é que
aqueles sustentam a possibilidade de adaptação protetora em cada tipo de
indústria, sendo que tais considerações devem ser tomadas sob um ponto de vista
296
Tradução livre: Alguns trabalhos recentes e excitantes já foram feitos em preencher a moldura que
nós estabelecemos. Chris Cotropia identificou um novo parâmetro político na doutrina dos
equivalentes, por exemplo. Richard Gruner sugeriu que a obviedade poderia servir como
parâmetro político em indústrias como as de softwares e métodos de negócio, nas quais a grande
maioria das patentes parece consistir em adotar idéias existentes e aplica-las em um contexto
diverso. Outros têm sugerido que a doutrina da previsibilidade deveria ser aplicada de forma
diferente na indústria biotecnológica. Decidir quais parâmetros políticos serão ou não usados irá
demandar muito trabalho adicional de muitas pessoas.
Em segundo lugar, cortes e estudiosos deverão estar atentos para as características das indústrias
em particular para as quais as cortes estão determinando regras. Nós não reivindicamos qualquer
monopólio sobre o conhecimento a respeito de regras apropriadas no direito de patentes para
qualquer indústria específica, e outros podem e já discordaram das sugestões feitas por nós neste
livro. Essa discordância é salutar; dedicar séria atenção de estudiosos para as necessidades de
indústrias em particular irá ajudar a melhor definir o direito para essas indústrias. Além disso, as
características científicas das indústrias e tecnologias específicas com cada indústria mudando de
tempos em tempos, o direito precisa se adaptar a essas mudanças. A natureza da indústria de
software que descrevemos dos dias de hoje é muito diferente daquela dos anos 1970, assim como
as regras legais que faziam sentido naquela época parecem arcaicas nos dias de hoje. Alguns
argumentaram que a biotecnologia está seguindo em uma evolução similar, reduzindo os riscos de
anticommons na fase de pesquisa, mas aumentando as preocupações no mercado secundário na
fase dos produtos. E certamente é verdade, como sugerimos no capítulo 11 que a indústria da
biotecnologia em si mesma não é monopolista; as regras apropriadas para patentes de DNA
podem não ser as mesmas para enquadrar patentes de anticorpos monoclonais. Cortes estão
mais bem equipadas que o Congresso para dar conta dessas mudanças, mas para fazerem isso
terão que permanecer abertas para analisar as evidências dessas mudanças. Colocado de outra
forma, regras legais terão que ser realizadas em uma tradição da common law.
Finalmente, as próprias indústrias irão ir e vir com o passar do tempo. Se tivéssemos escrito este
livro há 120 anos, nós provavelmente teríamos focado atenção significativa na indústria ferroviária,
a qual enfrentou questões significativas na área de patentes que indústrias anteriores não tiveram
que lidar. Noventa anos atrás nós teríamos discutido os aspectos problemáticos que foram
levantados na indústria aeronáutica nascente. Ambas as indústrias continuam existindo hoje em
dia, mas as suas características mudaram. Como ficaram mais maduras, o papel das patentes em
ambas as indústrias foi reduzido, ao ponto que não há mais sentido em ajustar as regras de
patentes para estas indústrias. Em contraste, software e biotecnologia – duas das mais
importantes indústrias da economia moderna e as quais ocuparam parte significante desse livro –
nem mesmo eram localizadas na tela do radar do sistema de patentes há quarenta anos. Novas
indústrias – nanotecnologia, talvez, ou biologia sintética – irão sem dúvida alguma desafiar as
cortes nos próximos anos.
152
eminentemente econômico dos efeitos gerados no mercado, de modo que de
acordo com a versatilidade das indústrias as
soluções deverão ocorrer em um
sistema da common law pelos tribunais e não através de mudanças legislativas.
Tais afirmações diferenciam-se das soluções possíveis dentro de uma
aplicação efetiva do princípio da igualdade, enquanto princípio de direito
fundamental, na base do sistema de patentes antes mesmo da consideração dos
efeitos que a diferenciação tecnológica (fator de discrímen) irá gerar no mercado.
Esclareça-se, apesar da modulação do fator de discrímen proposto ser auxiliada
pelos efeitos que gera no âmbito concorrencial, a necessidade de reconhecimento
das diferenças é inerente ao atual sistema de patentes, assim como o são os
requisitos de patenteabilidade referentes à novidade, atividade inventiva (ato
inventivo no caso dos modelos de utilidade), suficiência descritiva e aplicação
industrial.
Dentro dessa modulação possível do princípio da igualdade materialmente
considerado, auxiliada pelos princípios da livre concorrência e da funcionalidade ou
condicionalidade ao interesse social, desenvolvimento econômico e tecnológico do
país, é que as adaptações do sistema de patentes se tornam constitucionalmente
legítimas.
Destaque deve ser dado à recente publicação de Marshall Phelps e David
Kline
297
no sentido de que os direitos de propriedade intelectual devem estar em
constante adequação para efetivamente servirem aos seus propósitos essenciais:
Today’s renaissance boom in information age technology hás once again
strained our patent system. The PTO simply hasn’t had the resources to
respond to the three-fold increase in patent applications over the past 20
years. And as a result, patent quality has suffered in some areas and
litigation rates have risen. Hence, the need once again for reforms to help
patent system meet the challenges of today’s new technologies and new
industries.
Patent quality must improve. We must make it easier for small businesses
and independent inventors to obtain patents for their discoveries. We must
297
PHELPS, Marshall; KLINE, David. Burning the Ships – Intellectual property and the
transformation of Microsoft. Hoboken/New Jersey: John Wiley & Sons, 2009, p. 161-162.
153
take reasonable steps to reduce the flood of litigation. And we need to
harmonize our patent system with those of other countries. This last item is
perhaps the most important measure we could take in the short term, for it is
incredibly inefficient and expensive for applicants to conduct prior art
searches and obtain patents in each and every country separately.
But there are voices today – in some cases, very loud voices – for whom
reform is not enough. They argued that intellectual property is outmoded, a
tool used by monopolists to crush innovative young firms, and a barrier to
open innovation, knowledge sharing and economic growth. They cloak their
arguments in the rhetoric of “the common good”. But some of their misguided
proposals – such as they call to eliminate patent rights for software or to
abrogate IP rights in order to achieve greater interoperability – would, if
adopted, cut the heart out of the knowledge economy and lead to devastating
298
losses in jobs and living standards for millions worldwide.
Apesar de compreendida, mas refutando-se a afirmação do DOJ e FTC no
seu já citado Guideline de 2007 de que os direitos de propriedade intelectual devem
ser vistos como qualquer outro direito de propriedade para fins de análise de
comportamentos anticoncorrenciais, basta verificar o sem número de diferenças
possíveis de serem geradas no mercado em virtude das claras dissintonias
existentes entre os direitos de propriedade intelectual e o direito de propriedade
tradicional tangível, cumprindo reproduzir, mais uma vez, as palavras de Phelps e
Kline299:
A house, after all, is worth what it’s worth no matter who lives in it – and its
worth can be more or less determined through comparables. The worth of a
patent, on the other hand, depends upon who wants to use it, for what
298
Tradução livre: O boom renascentista na era da informação tecnológica mais uma vez restringiu o
nosso sistema de patentes. O PTO simplesmente não tem tido recursos para atender à triplicação
no número de pedidos de patente nos últimos 20 anos. E como resultado, a qualidade das
patentes tem sofrido em algumas áreas e o percentual de litígios tem aumentado. Assim, a
necessidade mais uma vez de reformas para ajudar o sistema de patentes a atingir os desafios
das novas tecnologias e novas indústrias.
A qualidade das patentes deve ser melhorada. Nós precisamos tornar mais fácil para que
pequenas empresas e inventores independentes obtenham patentes para as suas descobertas.
Temos que tomar passos razoáveis para reduzir o fluxo de processos judiciais. E nós precisamos
harmonizar o nosso sistema de patentes com aqueles de outros países. Este último item é talvez a
medida mais importante que nós podemos tomar em um curto prazo, por isso é incrivelmente
ineficiente e caro para os requerentes conduzir buscas prévias no estado da técnica e obter
patentes em cada um dos países separadamente.
Mas existem vozes hoje – em alguns casos, vozes muito altas – para as quais reforma não é
suficiente. Elas argumentam que a propriedade intelectual está desadaptada, uma ferramenta
usada por monopolistas para esmagar jovens empresas inovadoras, e uma barreira para a
inovação aberta, compartilhamento de conhecimento e de crescimento econômico. Eles focalizam
os seus argumentos na retórica do “bem comum”. Mas algumas de suas propostas desviadas –
como as que denominam de eliminação dos direitos de patentes para programas de computador
ou para a ab-rogação de direito de propriedade intelectual no sentido de adquirir maior
interoperabilidade – iriam, se adotadas, arrancar fora o coração da economia do conhecimento e
levar a perdas devastadoras de empregos e padrões de vida para milhões ao redor do mundo.
299
Op. Cit., p. 168.
154
commercial or other purpose, in what market (or litigation setting), and under
what set of economic and legal constraints.300
Mais adiante, em suas conclusões, os citados autores reconhecem
301
:
IP’s role will continue to evolve – indeed, must evolve – to meet the
demands of new technologies and changing economic realities, continuing
recalibrating IP’s careful balance between private incentive and public
interest. That is the only way intellectual property can continue, as it has for
past 200-plus years, to serve as a spur to innovation and economic progress
302
that benefits the whole of society.
Uma das possíveis soluções para os problemas enfrentados no sistema de
patentes é a interpretação restritiva das reivindicações que delimitam o escopo de
proteção das patentes.
Tal interpretação restritiva deve observar um fator de discrímen de cada
tecnologia específica para, compreendendo a tecnologia revelada (relatório
descritivo e desenhos, se for o caso) e a proteção requerida (reivindicações),
realizar uma interpretação restritiva adequada, evitando-se a generalização de
conceito interpretativo.
Exemplificativamente, tendo em vista a subjetividade da linguagem usada na
redação de patentes envolvendo programas de computador, a interpretação
restritiva deve ser ainda mais cuidadosa do que a interpretação restritiva realizada
em uma indústria da área mecânica tradicional, cuja linearidade de vocabulário e
limitações
de
compreensão
semântica
de
palavras
exige
menor
esforço
hermenêutico.
300
Tradução livre: Afinal, uma casa vale o que vale independentemente de quem vive nela – e o seu
valor pode ser mais ou menos determinado através de comparações. O valor de uma patente, por
outro lado, depende de quem quer usá-la, para qual finalidade (comercial ou outra), em que tipo de
mercado (ou definição de litígio), e sob que tipo de restrições jurídicas ou econômicas.
301
Op. Cit., p. 177.
302
Tradução livre: O papel da Propriedade Intelectual continuará a envolver – de fato, precisa envolver
– o atendimento das demandas das novas tecnologias e a mudança das realidades econômicas,
continuamente recalibrando cuidadosamente o balanço da propriedade intelectual entre o incentivo
155
Como já destacado e comprovado empiricamente, o problema de delimitação
de proteção é mais acentuado na área de patentes envolvendo softwares, de modo
que a interpretação restritiva deve estar atenta a esta peculiaridade para evitar
ampliação equivocada do escopo de proteção compreendido em determinada(s)
patente(s).
Através de uma interpretação restritiva além daquela prevista para tecnologias
mais tradicionais e de uma rigorosa análise baseada em suficiência descritiva e
atividade inventiva, boa parte dos problemas que geram a indefinição dos limites
das patentes envolvendo softwares estará solucionada.
No entanto, no que tange às patentes de segundo uso médico, a
hermenêutica encontra barreiras que necessitam de reformulação legislativa
igualmente possuindo como norte direcionador o princípio da igualdade na base do
sistema de patentes para compreender-se que, sendo patentes que envolvem
menor atividade inventiva (e se desigualam claramente por este motivo), deverá ser
atribuído menor prazo de proteção às mesmas a exemplo do que ocorre com as
patentes de modelo de utilidade. Para tanto, necessária alteração legislativa
integradora e precedida de maior pesquisa empírica para determinar, no âmbito
desse tipo específico de tecnologia, qual prazo corresponde a uma aplicação efetiva
do princípio da igualdade, mantendo-se o balanceamento funcional que siga
estimulando a pesquisa e desenvolvimento de novas invenções nesta área
tecnológica específica.
Quanto ao problemático excesso de proprietários (tragédia do anticommons) e
os reflexos que tal excesso pode gerar no mercado, igualmente o princípio da
igualdade deve ser visto como elemento norteador de base, pois os problemas
decorrentes do excesso de proprietários fazem aflorar questões jurídicas antes
submersas pela ausência de o que se pode denominar de “tráfego” de patentes
específico em cada área tecnológica.
privado e o interesse público. Esse é o único modo que a Propriedade intelectual poderá continuar
estimulando a inovação e progresso econômico que beneficia toda a sociedade.
156
Nestes casos em que determinada área tecnológica esteja com um tráfego de
patentes intenso e haja dificuldade expressa, clara e definida na obtenção de
licenças para exploração lícita da tecnologia, mais uma vez o fator de discrímen é
essencial para, dentro de um âmbito mercadológico específico, acolher-se uma
intensidade maior ou menor de interpretação dos requisitos para a utilização
compulsória de tecnologias.
Para tanto, essenciais são os investimentos em pesquisas empíricas
específicas, trabalho conjunto entre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
e INPI com investimento em treinamento contínuo de servidores focados justamente
na identificação das características específicas de cada mercado associadas ao uso
específico de determinadas tecnologias como instrumento de dominação além e em
desrespeito ao próprio fator de discrímen específico daquela área tecnológica,
gerando uma desfuncionalização a ser devidamente corrigida em casos específicos.
Estas soluções estão muito distantes de generalização de um procedimento
que impacte negativamente o sistema de patentes, pois é cediço que a essência
deste sistema de patentes é pró-competitiva, de modo que as soluções propostas
buscam apenas adequações principiológicas para que as desfuncionalizações
excepcionais possam ser corrigidas sem amarras absolutas que ignorem o princípio
da igualdade materialmente considerado e, por assim o fazer, evitem problemas de
difícil solução no ambiente concorrencial.
157
8 CONCLUSÕES
Verificou-se que um dos grandes problemas ainda existentes no sistema de
patentes é a sua hiper potencialização quando confrontado com outros princípios
constitucionais, sendo que se iniciou a pesquisa analisando-se essencialmente o
direito de patentes frente à livre concorrência, demonstrando que, o direito de
patentes enquanto criação jurídica voltada para um fim específico deve ser
considerado como tal e sempre vinculado à sua essência excepcional.
Observou-se, também, no mesmo capítulo sobre o mercado e o sistema de
patentes, que a história demonstra que este foi evoluindo e adaptando-se de forma
mais elástica até a harmonização internacional de padrões mínimos para a proteção
de patentes oriunda da Convenção da União de Paris, ainda considerando-se um
sistema desenvolvido com as pré-compreensões tecnológicas e de possibilidades
evolutivas daquela época.
Analisando-se a igualdade em um Estado Social, demonstrou-se que desde
Aristóteles não se trata mais da igualdade em sua dimensão apenas formal, de
modo que o direito fundamental à igualdade pressupõe a sua necessária
consideração substancial ou material, de modo a possibilitar o tratamento desigual
na medida das desigualdades.
Na sequência, verificou-se que a aplicação do princípio da igualdade encontra
problemas quando se depara com o sistema de patentes, principalmente em
decorrência de requisitos de patenteabilidade “engessados” e ausência de
possibilidade de discriminação positiva quanto às escancaradas diferenças
tecnológicas existentes nas criações intelectuais suscetíveis de proteção por
patentes.
Apesar desses problemas apontados, verificou-se que, mesmo que apenas
instintivamente e de uma forma discriminatória tradicional específica, já existe a
aplicação do princípio da igualdade na base do sistema de patentes. Tal ocorre ao
158
considerarem-se as patentes de modelo de utilidade como um fator de discrímen
embasado na diversidade de potencial inventivo e essência tecnológica, gerando um
fator de discrímen que prevê um menor rigor do requisito de atividade inventiva (ato
inventivo) e uma proteção temporal menor (15 anos ao invés de 20 anos) do que
aquela prevista para todas as demais patentes.
Constatou-se, inclusive, que uma modulação do prazo de proteção de
patentes, assim como a forma de interpretação dos requisitos de patenteabilidade,
gera efeitos diretos no exercício dos direitos sobre patentes no mercado
concorrencial, na medida em que o excesso de proteção pode garantir ao detentor
da patente uma vantagem competitiva imprópria, excluindo ou prejudicando assim, a
dinâmica concorrencial.
Posteriormente, demonstrou-se até onde a hermenêutica resolve as
dissintonias e onde o esforço hermenêutico encontra barreiras expressas por
limitações legalmente impostas pelo próprio engessamento do sistema de patentes.
Verificou-se, exemplificativamente, que a hermenêutica resolve, através de
interpretação restritiva, alguns problemas relacionados aos limites do direito sobre
determinada patente delineados no documento de patente, evitando-se assim, o
desvirtuamento funcional do sistema de patentes neste aspecto. Destaque foi dado
ao fato de que a própria interpretação restritiva deve estar atenta justamente ao
fator de discrímen tecnológico para possibilitar o cumprimento do vetor axiológico
funcional do sistema de patentes.
Por outro lado, observou-se, exemplificativamente, que a hermenêutica não
pode resolver totalmente no que tange à determinação do prazo temporal uniforme
de proteção para todas as criações intelectuais que preencherem os requisitos
“engessados” de novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência
descritiva.
Frente a tais constatações, o estudo focou-se na aplicação do princípio da
igualdade e da livre concorrência como referências norteadoras e limitadoras do
159
sistema
de
patentes,
pretendendo-se,
desta
forma,
demonstrar
que
o
reconhecimento da igualdade material na base do sistema de patentes e,
consequentemente, a aplicação de fator de discrímen de acordo com a diversidade
tecnológica, além de ser constitucionalmente prevista (apesar de não aplicada),
corrige as dissintonias e gera efeitos pró-competitivos atendendo o princípio da livre
concorrência.
Tratando-se das soluções possíveis para os problemas postos, constataramse evidências que, a partir da observância do princípio da igualdade, podem ser
direcionadas a possíveis soluções através de hermenêutica e, quando esta
encontrar-se limitada pelo sistema, através de alteração legislativa integradora.
A hermenêutica serve de importante instrumento para, analisando-se as
patentes envolvendo programas de computador ou tecnologias complexas atuais ou
futuras, auxiliar na interpretação restritiva do direito existente na Carta-Patente,
focando-se no tratamento desigual a tecnologias desiguais a partir da percepção
dessas desigualdades.
Fator essencial para a compreensão constitucional de patentes envolvendo
tecnologias complexas é a interpretação restritiva baseada no princípio da
igualdade, resultando em fator de discrímen próprio à cada tecnologia específica.
Importa dizer que, em virtude das atuais técnicas de redação de patentes, as quais
por vezes prevêem proteção hoje para tecnologias que virão a existir e das quais o
próprio inventor ainda não dominava na data do pedido de patente, faz-se
necessária uma maior atenção para evitar que a ânsia protetora resulte em proteção
além
daquela
efetivamente
adequada
e
cumpridora
dos
requisitos
de
patenteabilidade considerados em sintonia com a tecnologia sob exame.
Além disso, conforme demonstrado identifica-se um número cada vez maior
de pesquisas empíricas revelando que o sistema de patentes anda falhando no
desempenho da sua funcionalidade ou que tal desempenho esteja desproporcional
em determinadas áreas tecnológicas. Tais pesquisas apontam e suportam a
conclusão de que há de se fazer uma necessária adequação do sistema de
160
patentes ao princípio da igualdade em sua dimensão material e constitucionalmente
expressa, tomando por base o respeito à diversidade tecnológica.
Apesar da importância da solução hermenêutica, libertando-se das amarras
das pré-compreensões impregnadas no sistema de patentes desde o início de sua
harmonização internacional, ela possui limitações impostas pelo próprio sistema de
patentes. Tais limitações ocorrem, exemplificativamente, quando uma tecnologia
necessita de um ciclo temporal menor do que vinte anos para cumprir os seus
objetivos constitucionais.
A antiga discussão sobre a possibilidade de concessão de prazos de vigência
de patentes diferentes para diferentes tecnologias é revigorada pela aplicação do
princípio da igualdade como elemento norteador de tal possível fator de discrímen.
Essa pretensão de diversidade de prazo de vigência, aparentemente utópica,
é a que se adequaria à aplicação do princípio da igualdade na base do sistema de
patentes quando a hermenêutica não for suficiente para afastar as dissintonias
aparentes. Isso porque um prazo de proteção elástico para uma tecnologia
problemática gera maiores possibilidades de exploração da patente em sentido
desfuncional, ou seja, que não atenda ao interesse social e desenvolvimento
econômico e tecnológico do país, criando ingerência além da necessária para o
atendimento do princípio da livre concorrência.
Um exemplo cristalino no qual a hermenêutica está limitada (pois são poucos
os problemas de interpretação de limites do direito), de modo a ser necessária uma
alteração legislativa no prazo de proteção da patente, é o das patentes de segundo
uso médico. Trata-se de patentes claramente definidas, via de regra, com menores
investimentos, cuja atividade inventiva ocorre em menor potencial em relação
àquela necessária para o desenvolvimento da molécula ou do primeiro uso e que,
paradoxalmente, possuem o mesmo prazo de vigência. Ultrapassando-se o
argumento que se limita em si mesmo de que a proteção é menor porque restrita ao
uso reivindicado, fato é que há claro tratamento temporal igual onde deveria haver
161
um tratamento temporal desigual em virtude da explícita desigualdade entre as
atividades inventivas.
Entende-se que uma patente de segundo uso, aplicando-se o fator de
discrímen, deveria possuir prazo temporal inferior à vinte anos, sendo que o prazo
ideal, apesar de possível a analogia com o prazo temporal concedido às patentes de
modelo de utilidade, ainda dependeria de uma pesquisa empírica mais aprofundada
para a sua mensuração o mais próxima possível do ideal. Desta forma, necessária
seria alteração do artigo 40 da Lei 9.279/96 para a inclusão de mais um discrímen
temporal.
Essa diferenciação temporal, reduzindo-se o prazo de acordo com a aplicação
do princípio da igualdade, gera efeitos benéficos diretos no ambiente concorrencial
porque retirará uma das principais barreiras explícitas de entrada no mercado pela
resolução temporal menor da proteção conferida, atendendo-se à livre concorrência.
Evidentemente que a aplicação do princípio da igualdade materialmente
considerado não resolve todos os problemas através de hermenêutica e adequação
de proteção à diversidade tecnológica, deixando ainda perguntas que devem ser
respondidas por estudos posteriores.
Mas, uma vertente na qual o princípio da igualdade também pode contribuir
enquanto determinante para a aplicação do fator de discrímen é no caso do
exercício do direito de patente(s) no mercado, pois o tratamento diferenciado de
tecnologias diferentes auxilia na identificação, prevenção e repressão de condutas
anticompetitivas, privilegiando uma concorrência constitucionalmente sadia em um
mercado povoado por um excesso de titulares e barreiras à entrada causadas
exatamente pelo exercício de um direito de patentes abusivo ou desajustado, muitas
vezes de difícil identificação.
Para tanto, uma vez identificado o abuso no ambiente concorrencial (sendo
esta identificação facilitada pela aplicação do princípio da igualdade na base do
sistema de patentes), a utilização da licença compulsória por abuso do direito, por
162
abuso do poder econômico e por aperfeiçoamento de patentes (dependência) deve
ser mais freqüente e processualmente mais acessível, privilegiando-se a
funcionalidade do sistema de patentes em prol da livre concorrência.
Esclarece-se, ainda, que tais fatores contribuem para a compreensão de quão
equivocado é o entendimento de que o direito sobre patentes, quando analisado o
seu efeito concorrencial frente a um exame antitruste, não deve ser considerado
como diverso de qualquer outro direito de propriedade. Ou seja, a premissa
inadequada impregna toda uma análise posterior de vícios hermenêuticos que não
ocorreriam se tal premissa não fosse adotada.
Tendo em vista tais considerações, em um Estado Social, conclui-se que o
direito de propriedade sobre patentes e o seu exercício devem estar alinhados aos
direitos fundamentais, em especial ao princípio da igualdade material, pois tal
princípio, quando reconhecido na base do sistema de patentes, desempenha
fundamental e inarredável papel otimizador de todo o sistema, possibilitando que a
vinculação constitucional funcional do direito de patentes seja desempenhada em
efetiva harmonia com a livre concorrência.
163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AARNIO, Aulis. Sobre la justificación de las decisiones jurídicas - La tesis de la
única respuesta correcta y el principio regulativo del razonamiento jurídico. Trad. de
Josep Aguiló Regla. Alicante: Biblioteca Virtual de Miguel de Cervantes, 2001.
ABPI. Diretrizes para Exame de Contratos de Transferência de Tecnologia e
Licenciamento de Direitos da Propriedade Intelectual sob uma Perspectiva do Direito
Antitruste. Resolução da ABPI nº 68. Disponível em:
<http://www.abpi.org.br/bibliotecas.asp?idiomas=Português&secao>. Acesso em: 02
mar. 2009.
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão
pública do direito autoral na sociedade da informação. Tese de Doutorado na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, 2006.
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; WACHOWICZ, Marcos (Coords.). Direito da
Propriedade Intelectual – estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes.
Curitiba: Juruá, 2006.
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva e MORAES, Rodrigo (Coords.). Propriedade
Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
AGUIAR JR. Ruy Rosado de. Projeto do Novo Código Civil: as obrigações e os
contratos. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 775, mai. 2000.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2005.
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal.
São Paulo: Quartier Latin, 2004.
ANDERMAN, Steven D. (Ed.). The interface between intellectual property rights
and competition policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
Antitrust Enforcement and Intellectual Property Rights: Promoting Innovation and
Competition, DOJ/FTC, abr. 2007.
164
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003.
ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001.
_______. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.
_______. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil –
Aspectos contratuais e concorrenciais da Propriedade Industrial. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.
AVANCINI, Helenara Braga. O direito autoral numa perspectiva dos direitos
fundamentais: A limitação do excesso de titularidade por meio do direito da
concorrência e do consumidor. Tese de Doutorado apresentada na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, 2009.
BANDEIRA, Arthur Carlos. Anais do III Seminário Nacional de Propriedade
Industrial da ABPI, Porto Alegre, 29 e 30 ago. 1983. Discurso inaugural.
BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. São
Paulo: Lumen Juris, 2003.
________. Propriedade Intelectual – A aplicação do Acordo TRIPs. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.
BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O sistema internacional de patentes. São
Paulo: Iob/Thomson, 2004.
________. Propriedade Industrial & Constituição – As teorias preponderantes e
sua interpretação na realidade brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
165
BARRETTO, Vicente de Paulo. Da interpretação à hermenêutica constitucional. In:
CAMARGO, Maria Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999.
BARROS, Carla Eugênia Caldas. Aperfeiçoamento e dependência em patentes.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
_______. Manual de Direito da Propriedade Intelectual. Aracaju: Evocati, 2007.
BARZOTTO, Luis Fernando. Prudência e jurisprudência. In: Anuário do Programa
de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Centro de Ciências
Jurídicas – UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
_______. Propriedade intelectual na era pós-OMC. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005.
BECKER, Lawrence. Deserving to Own Intellectual Property. Chicago-Kent Law
Review, n. 68, 1993.
BERESFORD, K. Patenting Software under the European Patent Convention.
Londres: Sweet & Maxwell, 2000.
BERNARD, Catherine. The principle of equality in the community context: P,
Grant, Kalanke and Marschall: Four uneasy bedfellows? Cambridge University
Press. The Cambridge Law Journal (1998), 57:2:352-373.
BERTRAND, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1996.
BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, bureaucrats,
and lawyers put innovators at risk. Princeton: Princeton University Press, 2008.
BOBBIO, N. Estudos sobre Hegel. Direito, sociedade civil, estado. São Paulo:
Brasiliense/UNESP, 1991.
166
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001.
BUNGE, Mario. Tratado de Filosofia Básica. Semântica II: Interpretação e
Verdade. Tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny S. da Mota. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1976. V. 2.
BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark A.. The patent crisis and how the Courts can
solve it. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. As relações entre direito, moral e
política sob as perspectivas procedimental-comunicativa e sistêmica: As visões
de Habermas e Luhmann in Direito e Política. Porto Alegre: Síntese, 2004.
CARVALHO, Nuno Pires de. A Estrutura dos Sistemas de Patentes e de Marcas
– Passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
_______. Entrevista publicada no CADE Informa, n. 23, fev. 2010. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/news/n023/entrevista.htm>. Acesso em: 22 mar. 2010.
CARRIER, Michael A. Resolving the patent-antitrust paradox through tripartite
innovation. Vanderbilt Law Review, May, 2003.
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.
CHINEN, Akira. Know-how e Propriedade Industrial. São Paulo: Oliveira Mendes,
1997.
CORIAT, Benjamin. The New Global Intellectual Property Rights Regime and Its
Imperial Dimension – Implications for “North-South” Relations. Artigo preparado
para o Seminário de 50 anos de aniversário do BNDS, Rio de Janeiro, Brasil, set.
2002.
COSTA, Judith Martins. A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.
167
DANNEMANN, SIEMSEN, BIGLER & IPANEMA MOREIRA. Comentários à lei da
propriedade industrial e correlatos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DI BLASI, Clésio Gabriel; GARCIA, Mario Augusto Soerensen; MENDES, Paulo
Parente Marques. A propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. A disciplina constitucional da propriedade
industrial. Revista de Direito Administrativo, n. 185, p. 19-25, jul./set. 1991.
DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito industrial: patentes. Rio de Janeiro:
Forense, 1980.
DREYFUSS, Rochelle Cooper. Patents and Human Rights: Where is the Paradox?
Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=929498>. Acesso em: 08.10.2009.
DWORKIN, Ronald. Foundations of Liberal Equality. Em Darwall, S. (Ed.) Equal
Freedom. Selected Tanner Lectures on Human Values. Ann Arbor: University of
Michigan Press, 1995.
FEDERAL Trade Commission. Generic drug entry prior to patent expiration: Na
FTC study. Washington: [s.e.], Jul. 2002.
FISHER, William. Theories of Intellectual Property. In: MUNZER, Stephen (Ed.).
New essays in the legal and Political Theory of Property. Cambridge University:
Press, 2001.
_______. The Growth of Intellectual Property: A History of the Ownership of Ideas
in the United States, 1999. Disponível em:
<http://cyber.law.harvard.edu/property99/history.html>. Acesso em: 04.05.2009.
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004a.
_______. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3.
ed. São Paulo: Malheiros, 2004b.
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.
168
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer,
com nova revisão por Ênio Paulo Giachini e Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
GENETIC Inventions, Intellectual Property Rights and Licensing Practices, OECD,
2002.
GNOCCHI, Alexandre. A propriedade industrial e o ideal Pan-Americano. São
Paulo: Internacional Propriedade Industrial, 1961.
GOLLIN, Michael A. Driving innovation: intellectual property strategies for a
dynamic world. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2008.
GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula A. CADE V. BACEN: Conflitos de
competência entre Autarquias e a função da Advocacia-Geral da União. In: Lei
Antitruste – 10 anos de combate ao abuso do poder econômico. Belo Horizonte:
Del Rey, 2005.
GRAU-KUNTZ, Karin; BARBOSA, Ana Beatriz; BARBOSA, Denis Borges. A
propriedade intelectual na Constituição dos Tribunais Constitucionais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009.
GUIMARÃES, Eduardo Ribas De Biase. Direito à saúde e propriedade intelectual
de medicamentos no Brasil: A anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária. Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva, Curso de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva – área de concentração em Ciências Humanas e Saúde do Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2008.
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade. V. II
[s.l.]: Tempo Universitário, 1992 (original de 1959b).
HAMMES, Bruno Jorge. Software e sua proteção jurídica. Estudos Jurídicos,
São Leopoldo, v. 24, n. 63, jan./abr., 1992.
_______. O direito da propriedade intelectual – subsídios para o ensino. 2. ed.
São Leopoldo: Unisinos, 1998.
169
HARBOUR, Pamela Jones. Cooperative Federalism in the Enforcement of
Antitrust and Consumer Protection Laws. Federal Trade Commission 90th
Anniversary Symposium, 23 set. 2004. Disponível em:
<http://www.ftc.gov/speeches/harbour/040923coopfed.pdf>. Acesso: 23 jun. 2009.
HART, H.L. A. The concept of law. 2. ed. Oxford: University Press, 1994.
HELLER, Michael A. The Tragedy of the Anticommons: Property in the Transition
from Marx to Markets. V. 111, Harvard Law Review, 1997.
HELLER, Michael. The gridlock economy: How too much ownership wrecks
markets, stops innovation, and costs lives. Nova Iorque: Basic Books, 2008.
HÖFFE, Otfried. Justiça política fundamentação de uma filosofia crítica do
direito e do Estado. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Martins Fortes, 2001.
HUGHES, Justin. The Philosophy of Intellectual Property. Georgetown University
Law Center and Georgetown Law Journal, 77 Geo. L.J. 287, december de 1988.
ICTSD-UNCTAD. Resource Book on TRIPs and Development, Part II: Substantive
Obligations. 2.5 Patents. In: Capacity Building Project on IPRs and Sustainable
Development. Disponível em:
<http://www.iprsonline.org/unctadictsd/docs/RB2.5_Patents_2.5.2.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2010.
JAFFE, Adam B. e LERNER, Josh. Innovation and its discontents – How our
broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about
it. Princeton: Princeton University Press, 2004.
JAGUARIBE, Roberto e BRANDELLI, Otávio. Propriedade intelectual: espaço
para os países em desenvolvimento. In VILLARES, Fábio (Org.). Propriedade
Intelectual: tensões entre o capital e a sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
KAMILAROVA, Helena; DOMANICO, Fabio; RIEDL, Alexander. Preliminary results
of Commission pharmaceutical sector inquiry raise competition concerns.
Competition Policy Newsletter, N. 1, 2009, p. 29-31. Disponível em:
<http://ec.europa.eu/competition/publications/cpn/2009_1_8.pdf>. Acesso em: 22
mar. 2010.
170
KIRSCH, Paul F. Refusals to License IP – The Perspective of the Private Plaintiff. 1
mai. 2002. Disponível em: <www.ftc.gov/opp/intellect/020501kirsch.pdf>. Acesso em:
02.03.2009.
KIRKWOOD, John e LANDE, Robert. The Fundamental Goal of Antitrust:
Protecting Consumers, Not Increasing Efficiency. Notre Dame Law Review, 2008. V.
84.
KRETSCHMANN, Ângela. Universalidade dos Direitos Humanos e Diálogo na
Complexidade de um Mundo Multicivilizacional. Curitiba: Juruá, 2008.
_________. Direitos Intelectuais e Dignidade Humana – Re(visitando) o Direito
Autoral na Era Digital. Florianópolis: Conceito, 2008.
LADAS & PARRY. A brief history of the Patent Law of the United States.
Disponível em: <http://www.ladas.com/Patents/USPatentHistory.html>. Acesso em:
27 abr. 2009.
LANDE, Robert H.; AVERITT, Neil W.. Consumer Sovereignty: A Unified Theory of
Antitrust and Consumer Protection Law. Antitrust Law Journal, V. 65, 1997.
LEHMAN, Bruce A. Intellectual Property and Compulsory Licensing:
Pharmaceuticals and the Developing World. Artigo apresentado na 12.ª Conferência
Anual sobre Direito e Política da Propriedade Intelectual Internacional, Abr. 2004,
Nova Iorque, Estados Unidos da América. Disponível em: <http://www.consor.com/
editor/docs>. Acesso em: jul. 2005.
LIMA, Vanessa Batista Oliveira. Ações afirmativas como instrumentos de
efetivação do princípio da igualdade e do princípio da dignidade da pessoa
humana. Disponível em:
<http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic/v_encontro/acoesafirmativasc
omoinstrumentos.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2010.
LOBATO, Monteiro. História das invenções. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1959.
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade – Função social e abuso
de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
171
MAJORAS, Deborah Platt. A government perspective on IP and antitrust Law
delivered at The IP grab: the struggle between intellectual property rights and
antitrust. American Antitrust Institute, Washington, DC. Texto e palestra
disponibilizados em 21 de junho de 2006.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O
novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos
contratos. Revista DireitoGV, v.1, n.1, mai. 2005.
MATSUURA, Jeffrey H. Jefferson vs. the patent trolls – A populist vision of
intellectual property rights. Virginia: University of Virginia Press, 2008.
MELLO, Celso Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São
Paulo: Malheiros, 2003.
MENELL, Peter. Intellectual property: general theories, Encyclopedia of Law &
Economics, 2000.
MEURER, Michael J. e BESSEN, James. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats,
and Lawyers Put Innovation at Risk. Princeton University Press: Princeton, New
Jersey, 2008.
MILL, John Stuart. Ensaio sobre a liberdade. Traduzida por Rita de Cássia Gondim
Neiva (obra original On Liberty, 1859). [s.l.]: Escala, 2006.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi
(ed.) 1956. Parte Especial. Tomo XVII.
MORAIS, José Luis Bolzan de. Direitos humanos “globais (universais)”. De todos,
em todos os lugares. In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito –
Mestrado e Doutorado – Centro de Ciências Jurídicas – Unisinos, São Leopoldo,
2001.
MOREIRA, Luiz (Org.). Com Habermas, contra Habermas: Direito, Discurso e
Democracia. São Paulo: Landy Editora, 2004.
172
MOURA, Patrícia Uliano Effting Zoch de. A finalidade do princípio da igualdade –
A nivelação social – Interpretação dos atos de igualar. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2005.
MYERS, Gary. The intersection of antitrust and intellectual property – cases and
materials. St. Paul, MN: Thomson West, 2007.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato – Novos Paradigmas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
NEUNER, Jorg. O princípio da igualdade de tratamento no direito privado alemão.
Direitos Fundamentais & Justiça, n. 2, Jan./Mar. 2008.
NOZICK, Robert. Anarchy, state and utopia. Totowa: NJ, Rowman and Littlefield,
1984.
PALMER, Tom G. Are patents and copyrights morally justified? The philosophy of
property rights and ideal objects. Harvard Journal of Law and Public Policy, v. 13,
n. 3, verão de 1990.
PEREIRA, Alexandre Dias. Patentes de Software. In: Associação Portuguesa de
Direito Intelectual. Coimbra: Livraria Almedina, 2001.
PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PHELPS, Marshall e KLINE, David. Burning the Ships – Intellectual property and
the transformation of Microsoft. Hoboken/New Jersey: John Wiley & Sons, 2009.
PIERANGELI, José Henrique. Crimes contra a propriedade industrial e crimes
de concorrência desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PLAZA, Charlene Maria Coradini de Ávila. Proteção patentária e inovação nas
indústrias farmacêuticas: os mecanismos do evergreening e as alternativas do fair
followers. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, Brasília–DF, nos dias
20, 21 e 22 de novembro de 2008.
173
POSNER, Richard. Antitrust Law. 2. ed. Chicago/IL/US: The University of Chicago
Press, 2001.
POSNER, Richard A. e LANDES, William M. The economic structure of
intellectual property law. Londres, The Belknap Press of Harvard University Press,
Cambridge, Massachussetts, and London, England, 2003.
PRONER, Carol. Propriedade Intelectual e Direitos Humanos - Sistema
Internacional de Patentes e Direito ao Desenvolvimento. Porto Alegre: SAFE, 2007.
PROVEDEL, Letícia. Propriedade intelectual e influência de mercado. Revista da
ABPI, São Paulo, n. 79, nov./dez. 2005.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
RÉGIBEAU, Pierre e ROCKETT, Katharine. The Relationship Between Intellectual
Property Law and Competition Law: An Economic Approach. Universidade de
Essex e CEPR, 2004.
Revista Exame, edição 964, março de 2010, p. 96-98.
ROCHA, João Carlos de Carvalho et al (Coord.). Lei Antitruste – 10 anos de
combate ao abuso de poder econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
ROSCH, Thomas. How pay-for-delay settlements make consumers and the
federal government pay more for much needed drugs. Prepared Statement of the
Federal Trade Commission before the Subcommittee on commerce, trade, and
consumer protection – Committee on energy and commerce – United States house
of representatives. Washington, DC: 31 de março de 2009.
SANTIAGO, Luciano Sotero. O direito da concorrência e a regulação – Doutrina e
Jurisprudência. Salvador: Juspodium, 2008.
SANTOS, Luiz Antônio Xavier dos. A proteção jurídica do software com ênfase
em patente – Os conflitos, interesses e alternativas. Elaborado em 02/2007 e
inserido no Jus Navigandi n. 1644 de 01.01.2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10312&p=2>. Acesso em 23 fev. 2009.
174
SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituição concretizada. Porto Alegre: Livraria dos
Advogados, 2000.
______. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003a.
______. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003b.
SHAKESPEARE, William. Peça Hamlet, ato I, cena V. 26 de julho de 1602.
Stationer’s Register.
SHAPIRO, Carl. Antitrust limits to patent settlements. University of California,
Berkeley - Economic Analysis & Policy Group, 2001.
SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. Direito Antitruste: Aspectos internacionais.
Juruá: Curitiba, 2007.
SICHEL, Ricardo. O direito europeu de patentes e outros estudos de
propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado da propriedade industrial – patentes e
seus sucedâneos. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1998.
STIGLITZ, Joseph E. Intellectual-property rights and wrongs. Disponível em:
<http://www.dailytimes.com.pk/default.asp?page=story_16-8-2005_pg5_12>. Acesso
em: 20 ago. 2007.
STOUT, Maria Vitoria. Crossing the TRIPS nondiscrimination line: How CAFTA
Pharmaceutical patent provisions violate TRIPS article 27.1. Boston University
Journal of Science and Technology Law, V. 14, p. 177-200, 25 abr. 2008.
TIMM, Luciano Benetti. Contrato internacional de transferência de tecnologia no
Brasil. In: TIMM, Luciano Benetti e PARANAGUÁ, Pedro (Org.). Propriedade
intelectual, antitruste e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
WACHOWICZ, Marcos. Reflexões sobre a revolução tecnológica e a tutela da
propriedade intelectual. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo
(Coord.). Propriedade Intelectual em Perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
175
WALDRON, Jeremy. From Authors to Copiers: Individual Rights and Social Values.
Intellectual Property, Chicago-Kent Law Review, p. 841-887, 1993.
WALTERSCHEID, Edward C. To promote the progresso f useful arts: American
patent Law and administration, 1787-1836. Littleton, Colorado: Fred B. Rothman &
Co., 1998.
WEBER, Thadeu. O Estado Ético. Revista da Faculdade de Direito da PUCRS,
Porto Alegre, ano XXIV, v. 25, 2002/1.
WINKLER, Andréas. Intellectual Property and Competition and Antitrust Law –
The European Perspective. Palestra ministrada no Congresso da Associação
Interamericana de Propriedade Industrial, XII Sessão de Trabalhos e Conselho
Administrativo. Punta del Este, hotel Conrad, 21 de novembro de 2005.
WOLFF, Maria Thereza; ANTUNES, Paulo de Bessa. Patentes de segundo uso
médico. Revista da ABPI, N. 74, Jan./Fev. 2005.
World Intellectual Property Organization. World Intellectual Property Indicators.
2009. Disponível em: <www.wipo.int>. Acesso em: 27.02.2009.
U.S. Department of Justice and the Federal Trade Commission. Antitrust
enforcement and intellectual property rights: promoting innovation and
competition. Washington, DC: Abril de 2007. Disponível em:
<www.usdoj.gov/atr/public/hearings/ip/222655.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2009.
VILLARES, Fábio (Org.). Propriedade Intelectual: tensões entre o capital e a
sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
176
ANEXO A: Pesquisa de Campo CADE
Questionário e Respostas: Paulo Furquim de Azevedo
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DOUTORADO EM DIREITO
Tese de Doutorado em curso - A INTERPRETAÇÃO DOS LIMITES DO DIREITO
DE PATENTES FRENTE À DINÂMICA CONCORRENCIAL DO MERCADO
Doutorando: Prof. Me. Milton Lucídio Leão Barcellos
Pesquisa de campo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar como o CADE
interpreta os conceitos, leis, efeitos econômicos e sociais, quando existem
comportamentos concorrenciais (ou anti-competitivos) envolvendo direitos sobre
patentes.
Metodologia da pesquisa: Envio de questionário pré-elaborado para conselheiros,
demais autoridades e advogados envolvidos em casos analisados pelo Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
Objetivos: Obter respostas que venham a contribuir para a definição do
posicionamento do sistema de defesa da concorrência brasileiro quando envolvidas
questões de patentes, no sentido de estabelecer um comparativo entre este e o
sistema estadunidense, pois a mesma pesquisa está sendo realizada no sistema
concorrencial estadunidense. Tais respostas igualmente servirão para identificar os
pontos de estrangulamento dos sistemas e o mapeamento de possíveis soluções no
sentido de confirmar ou não as hipóteses desenvolvidas na tese de doutorado em
curso.
Apresentação das respostas na tese: Apesar da intenção de deixar registrado o
agradecimento especial na própria tese, caso solicitado pelo entrevistado, será
assegurado total anonimato ao mesmo. Somente serão divulgados os nomes de
entrevistados que autorizarem a sua divulgação.
Questionário:
1) Dentro das funções legalmente estabelecidas, no seu entender, quais são as
principais funções desempenhadas pelo CADE atualmente?
O CADE desempenha três funções principais: controle preventivo (de estrutura de
mercado), controle repressivo (de condutas) e advocacia da concorrência. Todas
são relevantes e, cada uma ao seu modo, apresentam limites, os quais são
detalhados nas questões subseqüentes.
177
2) No seu entender, como o CADE tem se posicionado na formulação e
condução da política pública de defesa da concorrência quando envolvido
abuso do direito de propriedade (seja referente à propriedade tangível ou
intangível)?
Primeiramente, é necessário conceituar o que se entende por ‘abuso de direito
de propriedade’. A caracterização de um ilícito antitruste requer a observação de
duas condições: que o ato cause prejuízos à concorrência e que deste ato não
decorram benefícios que superem os custos decorrentes do arrefecimento da
concorrência. Portanto, exercer direito de propriedade legítimo, por exemplo
estabelecendo preços que gerem lucros extraordinários, por si só, não constitui
um ilícito. Para que este ocorra, é necessário caracterizar o prejuízo à
concorrência, o que pode ocorrer pela eliminação direta da concorrência, via
conduta concertada, ou via conduta unilateral exclusionária.
3) No seu entender, quais são as limitações ou problemas que o CADE enfrenta
no desempenho dessas funções?
O CADE enfrenta limitações relevantes no exercício de todas as suas três funções
principais. Em apertada síntese, o controle de estruturas é constrangido pelo
sistema de notificação a posteriori, o qual reduz a capacidade de enforcement de
medidas estruturais, uma vez que, em geral, a fusão é um fato consumado no
momento da notificação. No que se refere ao controle de condutas, as maiores
limitações decorrem da crescente judicialização da instrução de processos em
esfera administrativa, a qual é, em caso de condenação, sucedida por revisão pelo
judiciário. Isso leva a uma distância imensa entre o cometimento da infração e sua
efetiva punição, resultando em subpunição. No caso da advocacia da concorrência,
as opiniões do SBDC (o principal ator para o desempenho desta função é a SEAE e
não o CADE) são muitas vezes ignoradas sem qualquer ônus ao seu destinatário.
4) No seu entender, o que poderia ser implementado para melhorar o
desempenho dessas funções no CADE (tanto na prevenção quanto na
repressão)?
Controle de estruturas: notificação prévia
Controle de condutas: simplificação de procedimentos e redução do tempo de
instrução
Advocacia da concorrência: estabelecimento de parcerias com demais entidades,
em especial o Ministério Público Federal, com a finalidade de disseminação da
cultura da concorrência e maior efeito da vocalização em prol da concorrência.
5) Teve experiência de atuar em casos em que havia direito de patentes
envolvido direta ou indiretamente? Por exemplo: Casos envolvendo cláusulas
em contratos com prazo de vigência de exclusividade além da vigência da
patente (ou efeitos do contrato este sentido, ainda que indiretamente); casos
envolvendo domínio de mercado baseado, entre outros fatores, em licenças
cruzadas de patentes (cross-licensing); fusões envolvendo pool de patentes
sobre tecnologias dominantes no mercado; acordos envolvendo
monopolistas/oligopolistas em processos judiciais envolvendo patentes;
178
cláusulas de “grant-back” unilaterais e exclusivas (melhoramentos na
tecnologia feitos pelo licenciado que, por esta cláusula, pertencem ao
licenciante ou garantem ao licenciante a sua exploração exclusiva); aplicação
de licença compulsória, seja por recusa de licenciamento ou de fornecimento,
ou qualquer outra razão, entre outras situações. Em caso positivo, acha que o
entendimento e enfoque dado pelo SBDC e/ou judiciário foi acertado ou não?
Por quê? Entende que tenha faltado algum elemento na análise (seja pelo
SBDC, seja pelo judiciário)?
Sim. Fui relator do caso Gemplus e Axalto (que resultou na Gemalto), empresas
fabricantes de smart cards e detentoras de aproximadamente 50% das patentes. A
preocupação era o que o controle dos direitos de propriedade intelectual pudesse
ter efeito perverso no mercado de produção de smart cards, este mais concorrencial
do que o mercado de produção de inovação. O caso foi concluído por meio de
acordo (TDC), em que as requerentes se comprometeram a licenciar suas patentes
em bases não discriminatórias pelo período de 5 anos. Este período não foi
estendido para não criar incentivos adversos para a inovação futura. Como o caso
foi concluído com acordo, o judiciário não foi acionado.
6) No seu entender, os direitos sobre patentes devem ser tratados como
qualquer outra forma de possível exercício de poder de mercado ou devem
ser tratados de forma especial? Como?
Há, é claro, particularidades nos direitos sobre patentes, mas não a ponto de
exigir a constituição de uma categoria única na análise antitruste. Entendo que o
principal elemento – e que permite um agrupamento com outros tipos de direitos
– é o fato de eventual poder de mercado decorrer de uma política pública, parte
de uma política tecnológica ou industrial, sendo, portanto, legitimado pela mesma
sociedade que ampara a existência de uma política de defesa da concorrência.
7) No seu entender, cada mercado específico tecnológico deve ter um
tratamento diferenciado? Esse tratamento diferenciado também pode vir a ser
estipulado em virtude do percentual de tecnologia necessário e quem a
domina (ao invés de basear-se apenas no poder de mercado exercido
diretamente pelo proprietário da(s) patente(s)), ao invés de considerar a
participação de mercado da empresa?
A princípio, todos os mercados devem ter um tratamento diferenciado, o que
equivale a dizer que nenhum deve ter. A análise de um mercado é sempre feita
caso-a-caso, e as conclusões são caso-específicas. Há analogias possíveis (e.g.
mercados de inovação tecnológicas) que permitem a apropriação de
conhecimento e experiência obtidos em outros mercados, mas essa analogia
deve ser suficientemente fundamentada em cada caso.
8) No seu entender é possível que existam contratos com cláusulas envolvendo
direitos sobre patentes que “escondam” violações ao direito concorrencial por
se tratar de áreas de difícil aferição da existência ou não de poder de
mercado ou abuso de poder de mercado? Além de análise e levantamento
empírico mais qualificado ou profundo do mercado relevante, o que mais
179
poderia ser feito pelo sistema brasileiro de defesa da concorrência para que
tais cláusulas fossem mais facilmente identificadas e coibidas?
Não sei se compreendi a questão. Não me parece que direitos de patentes sejam
áreas em que a existência ou não de poder de mercado ou abuso de poder de
mercado é, comparativamente a todos os demais setores, de difícil aferição. Sem
dúvida esta é uma tarefa difícil, mas também o é para mercado de produção de
conteúdo midiático, de softwares, de serviços especializados etc. Um item muito
relevante nesta área é sham litigation. Uma vez que não é evidente se o direito de
propriedade foi infringido ou não, empresas podem utilizar o sistema de proteção à
propriedade intelectual para impor custos a concorrentes, mesmo não tendo estes,
de fato, infringido tais direitos. Portanto, a dificuldade de se avaliar se houve ou não
violação de DPI é fonte de problemas concorrenciais.
9) Pela sua experiência e conhecimento na área, que outras contribuições
poderia fornecer para a presente pesquisa de campo? Por exemplo, se a
SBDC tivesse maior número de especialistas em cada grupo de áreas
tecnológicas para identificar potenciais efeitos presentes e futuros gerados
por todos os tipos de exploração de patente(s) no mercado relevante, teria
melhores condições para prever danos futuros que os atos passados,
presentes e futuros sob análise do SBDC potencialmente poderão causar no
sistema concorrencial e, consequentemente, no atendimento ponderado das
cláusulas constitucionais que inserem os princípios da livre concorrência,
interesse social, função social da propriedade e defesa do consumidor.
No meu entender, não há, a princípio, incompatibilidade entre a proteção de direito
de propriedade intelectual e seu pleno exercício e a política de defesa da
concorrência. Essa proposição está, em parte, desenvolvida no PROCESSO
ADMINISTRATIVO nº 08012.000912/2000-73, do qual transcrevo a seguinte
passagem:
Embora [a SDE] tenha empreendido análise estatística para
identificar a observância da primeira condição necessária
[preços elevados], as análises subseqüentes da SDE
descartam de modo sumário a lesividade da conduta, mesmo
naqueles casos em que foi identificado aumento
desproporcional de preços. Argumento a seguir, que, de fato,
não há nos autos evidências de ocorrência do ilícito antitruste
por preços abusivos, considerando o plexo de fatos
necessários para se concluir pelo prejuízo à concorrência
decorrente da ação da empresa. Este caminho de análise,
mais simples e direto, torna desnecessário o procedimento
estatístico para identificação dos casos em que houve aumento
desproporcional de preços, a primeira condição necessária.
180
A questão central neste caso e em outros processos administrativos abertos
por ocasião da ‘CPI de Medicamentos’ é caracterizar qual é o conjunto de fatos que, uma vez
observados, permitem concluir pela ocorrência de um ilícito antitruste de preços abusivos,
conforme disposto na Lei 8.884/94.
Obviamente, o aumento desproporcional de preços e a existência de posição
dominante são parte desse conjunto de fatos, mas certamente são insuficientes para se
concluir pelo ilícito. Preços excessivamente baixos, em condições bastante restritivas, podem
configurar o ilícito de preços predatórios, como já é bastante disseminando na literatura de
defesa da concorrência303. Resta identificar qual é o conjunto de fatos suficiente para
configurar uma infração à concorrência por meio de preços excessivamente altos.
Primeiramente, deve-se reconhecer que, em condições de concorrência e na
ausência de outras falhas de mercado, a precificação que faz uma empresa, orientada para
obter o máximo lucro, é socialmente desejável. O maior lucro possível de uma empresa é
dado pela escolha ótima de tecnologia (composição de insumos) e pela escolha da quantidade
produzida que torna equivalente o custo marginal e sua receita marginal. Em outras
palavras, com o intuito de gerar o maior lucro possível para si, a empresa utiliza os insumos
do modo mais eficiente possível e expande sua produção até esgotar as possibilidades de
lucro. Havendo concorrência, sua receita marginal coincide com o preço de mercado, de tal
modo que a produção dessa empresa atinge o nível de maior bem estar social, ou seja, o
ponto em que o custo marginal equivale ao preço de mercado.
No caso de a empresa deter poder de mercado, sua relevância no mercado é
tal que uma variação de sua produção é capaz de afetar os preços. Como conseqüência, há
incentivos para que tal firma produza menos do que o socialmente desejável, auferindo
preços mais altos do que aqueles que seriam observados em condições de concorrência. O
preço de escolha da empresa poderia, portanto, ser considerado ‘excessivo’, no sentido de
que haveria, em uma análise estática, ganhos derivados de um constrangimento à estratégia
de precificação da firma.
Entretanto, o poder de mercado detido por uma empresa é, freqüentemente,
legítimo; muitas vezes protegido pela política pública, ou seja, por uma escolha da
303
A esse respeito, ver MOTTA, Mássimo. Competition Policy: Theory and Practice. New York:
Cambridge University Press, 2004, p. 412-422.
181
sociedade. Este é o caso de posições dominantes adquiridas no mercado, por meio da maior
eficiência, melhor qualidade dos produtos e inovação. Esta é também muitas vezes protegida
diretamente por patentes, que conferem ao inovador o status de detentor dos direitos
exclusivos de produção ou utilização de um determinado produto.
A realização do lucro decorrente de posições alcançadas pelo exercício
legítimo das regras de mercado é a base do incentivo para que firmas concorram em redução
de custos, aumento de qualidade e inovação. Impedir, por meio da política de defesa da
concorrência, a realização de tais ganhos – e.g. condenando, por si só, a prática de preços
elevados – seria contradizer o fundamento da mesma política. Esta proposição é convergente
com aquela constante em um dos principais compêndios de Organização Industrial, conforme
citação a seguir.
Certamente o governo não pode condenar uma firma por aumentar a
demanda por seu produto fornecendo informação aos consumidores,
por reduzir seus próprios custos investindo em P&D e em capital
físico, ou por acumular experiência. O problema é que a maioria das
decisões que tornam a firma saudável também melhoram sua posição
de mercado em relação aos ingressantes potenciais e efetivos .
(Tirole, 1988:323)
Não por outro motivo, o legislador foi cuidadoso ao adicionar o parágrafo 3º
do art. 20 da Lei 8.884/94, que afirma que “a conquista de mercado resultante de processo
natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores
não caracteriza o ilícito previsto no inciso II” (referente à dominação de mercados). O
mesmo legislador, entretanto, inclui, entre as condutas anticompetitivas, no Art. 21, inciso
XXIV, da mesma lei, a prática de “impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o
preço de bem ou serviço.”
Da argumentação anterior, decorre que ‘preços excessivos’, desde que fruto
da realização de lucro de posições dominantes legitimamente alcançadas, não
caracterizariam uma infração à defesa da concorrência. A aplicação do inciso XXIV do Art.
21 da Lei 8.884/94 deve ter seu alcance restrito ao uso de poder de mercado ilegítimo (e.g.
fruto de conduta concertada de preços) ou à precificação que diretamente cause prejuízos à
concorrência. No primeiro caso, ‘o preço excessivo’ é sintoma de alguma conduta
182
anticompetitiva que possibilite, de modo ilegítimo, a elevação de preços, e não diretamente a
conduta que deve ser coibida. Deve-se, portanto, observar se há no caso investigado
elementos que revelem a existência de uma prática que, por inibir a concorrência, possibilite
a realização de preços mais elevados. Este certamente não é o caso do legítimo exercício de
direito de propriedade intelectual ou da posição dominante conquistada dentro das regras de
mercado. É nesse mesmo sentido que afirmou o Prof. Rubens Nunes, em artigo simples e
lúcido sobre o tema, conforme citação a seguir:
Preços excessivos são aqueles que resultam de infrações à ordem
econômica, como a cartelização, ou da obtenção de monopólio por
meios espúrios, como a influência junto ao legislador, ou ao ente
regulador em setores regulados. No primeiro caso, a infração
caracterizada no artigo 21, XXIV sempre viria acompanhada de
condutas que dessem condições materiais para a imposição de
“preços excessivos”. O segundo caso está fora do escopo da defesa
da concorrência.304
O ‘preço excessivo’ pode também constituir parte de uma estratégia de
exclusão de concorrentes em etapas verticalmente relacionadas, em uma variação no
contínuo de uma estratégia de recusa de venda, também discriminada como um ilícito no
inciso XIII do Art. 21 da Lei 8.884/94. A relação entre as duas condutas está no fato de uma
recusa de venda ser conceitualmente equivalente a um preço infinito, e, portanto, impossível
de ser pago. Nesse sentido, ‘preço excessivo’, como uma infração à defesa da concorrência,
não seria aquele derivado da precificação de máximo lucro estático – em que custo marginal
iguala-se à receita marginal –, mas aquele que é essencialmente uma ação estratégica
voltada à redução da concorrência em moldes semelhantes à estratégia de recusa de venda.
Nesse caso, o ‘preço excessivo’, a exemplo de ‘recusa de venda’ e ‘preço predatório’,
resultaria em uma redução do lucro presente em troca do benefício privado derivado da
redução da concorrência no futuro.
No caso em pauta, não estão presentes os elementos fáticos para se concluir
pelo prejuízo à concorrência decorrente do aumento de preços. Não há qualquer evidência de
uso da estratégia de preços para excluir concorrentes ou de condutas ilícitas que pudessem
304
NUNES, Rubens. Lucro Arbitrário e Preço Excessivo. CADE-Informa, Nº 04, Mar. 2007.
183
macular de ilegitimidade a elevação de preços, não restando configurada a infração à
concorrência.
184
ANEXO B: Pesquisa de Campo - FTC e DOJ
Questionário
PUCRS
BOSTON UNIVERSITY
FACULDADE DE DIREITO
SCHOOL OF LAW
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
VISITING SCHOLAR PROGRAM
EM DIREITO
DOUTORADO EM DIREITO
___________________________________________________________________________
RESEARCH
Doctorate Thesis in course - A INTERPRETAÇÃO DOS LIMITES DO DIREITO
DE PATENTES FRENTE À DINÂMICA CONCORRENCIAL DO MERCADO (The
interpretation of the Patent Law Limits based on the Dinamics of the Market
Competition)
Doctorate Student/Researcher: Prof. Milton Lucídio Leão Barcellos
FTC Commissioners’ Research: This research aim to analysis how the FTC
Commissioners understand and act in the United States Competition System when
faced with competition behaviors involving Patent issues.
Research Methodology: Interviews with the FTC’ Commissioners and/or the answer
to the eight questions, regarding to their high experience and overview about the
intersection of the Competition Law and the Patent Law faced by DOJ and FTC.
Goals: Receive answers that will help to define the actual US Competition System
when it faces with patent related issues, in order to establish a comparative analysis
between the FTC/DOJ Authorities (US) practices and the SDE/CADE Authorities
(BR) practices, since the same research is been conducted in the Brazilian
Competition System. Those answers will also be useful to identify the struggle points
of the both systems and will help to map possible solutions in order to confirm or not
the hypothesis developed in the ongoing Doctorate Thesis.
Presentation of the answers and results in the Thesis: Although the intention of
this researcher is to individually identify the source of the answers with a special
thankful note to the Honorable Commissioners that toke their precious time to help
185
with this research, if any Commissioner request to not be identified or connected to
its answers this researcher will fully respect that and the name of the specific
Commissioner will not be mentioned in any part of the research results, information
or final Thesis, been related in all the citations just as an “DOJ/FTC source
interviewed”.
Questions:
1) Based on your experience and understanding, which are the main functions
and duties of the FTC nowadays?
2) Based on your experience and understanding, which are the limitations and/or
problems that the FTC is facing to develop those main functions and duties?
3) Based on your experience and understanding, what could be changed or
implemented in order to improve the development of those main functions and
duties? If applicable, please answered based in both areas: Prevention and
repression of anticompetitive behaviors.
4) Did you have already judge antitrust/competition cases involving directly or
indirectly patent rights? Such as cases involving patent licensing agreements
that the terms goes beyond the expiring term of the patents; market power or
attempt to reach market power involving cross-licensing patents; horizontal
and/or vertical agreements involving patent pools, patent misuse, exclusion of
competitors or other anticompetitive conducts using the patents as one of the
basis for this conducts; Anticompetitive patent settlements; Unilateral and
exclusive grant-back clauses; refusal to deal and compulsory license based
on the refuse to licensing and to supply the needs from the market; and other
possible situations that you may faced while analyzing antitrust cases
involving patent rights. Which were the main difficulties founded on this kind of
cases in order to establish a per se rule or a rule of reason analysis?
5) Based on your recent experience and understanding, and also based on the
fact that the US Antitrust Guidelines General Principles it was established
almost 14 years ago, is it your understanding that the Patent Rights should be
treated as any other form of property and also generally do not create market
power in the antitrust context? Or it should be treated in a different
perspective? If it should be treated in a different perspective, could you
explain briefly how?
6) Based on your experience and understanding, should each specific
technological market has a specific and/or different treatment by the Antitrust
Authorities? If yes, this specific and/or different treatment could be established
also based on the percentage of technology needed in the very specific
product/service instead of based only on the market power of the owner(s) of
the patent(s)?
7) Based on your recent experience and understanding is it possible that
contracts with clauses involving patent rights could be “hiding” violations of the
competition Law that do not reach to the attention of the Competition/Antitrust
Authorities since it would be difficult to identify the existence of market power
or even the abuse of this market power behind those clauses? Besides the
deeper and empirical analysis of each relevant market, what else could be
done by the DOJ/FTC in order to improve the analysis of cases dealing with
186
the intersection of the Patent Law and Competition Law and also to help that
such clauses could be better identified and repressed?
8) Based on your experience and understanding, which other contributions could
you give to this research?
Thank you very much for your time and cooperation. Your distinct participation it
will really help to improve and qualify my Thesis.