Jornal da Tarde - Cidade - Associação dos Alfaiates e Camiseiros

Transcrição

Jornal da Tarde - Cidade - Associação dos Alfaiates e Camiseiros
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16A -
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Cidade
jornal da tarde
terça-feira, 21 de março de 2006
Alfaiates lutam para recuperar o prestígio
Representante de uma profissão à beira da extinção, Valério Baptista assumiu a coordenação de um centro para formação de aprendizes na Capital, onde
ele e outros alfaiates irão ensinar aos mais jovens todos os truques e a arte do ofício. Para eles, roupas é que devem se ajustar ao cliente e não o contrário
José Patrício/AE
Para honrar a memória do pai, Valério decidiu coordenar um centro para formação de aprendizes
GILBERTO AMENDOLA
Em 1948, Luís Fávero reuniu
seus quatro filhos para indicar o
que cada um deveria seguir profissionalmente. Seu raciocínio foi simples e brilhante: “O futuro está nos
remédios, nas roupas e na comunicação”. Assim, o mais velho foi ser
farmacêutico; os meninos do meio
entraram para Companhia Telefônica Brasileira e o caçula, Valério
Baptista, virou aprendiz de alfaiate.
Fávero acertou tudo. Ou quase tudo.
O que ele não sabia é que, no século 21, seu caçula seria o representante de uma profissão à beira de
extinção. No Estado de São Paulo,
por exemplo, não existem mais do
que 1.500 alfaiates – com uma média de idade de 70 anos.
Mas, antes que virasse peça de
museu e tivesse o mesmo destino
dos dinossauros, Valério decidiu
honrar a memória do pai e agir. Ele
assumiu a coordenação de um centro de formação para aprendizes.
“Se a gente quer manter viva a nossa profissão, vamos ter que encontrar novos interessados”, disse.
A partir do mês que vem, alojados no segundo andar de um prédio da Avenida Ipiranga, no Centro
da Cidade, Valério e outros alfaiates irão ensinar os truques e a arte
do ofício. A inauguração desse projeto, batizado de “Sob Medida”,
aconteceu ontem de manhã.
Os sobreviventes da área aproveitaram o evento para lembrar
com saudade da década de 50, um
tempo áureo para os alfaiates. “As
pessoas usavam fraques e casacas.
Era uma época onde a elegância tinha sua importância”, contou Gildo Saglia, 78 anos.
A crise começou com a concorrência das fábricas de roupas prontas e com a impossibilidade de
acompanhar os baixos preços decorrentes da aprodução em massa.
Por isso, nos anos 80, as roupas sob
medida se transformariam em um
luxo para poucos. “Sai um pouco
mais caro mesmo. Afinal, trata-se
de uma peça única, feita para vestir uma única pessoa”, justifica Valério.
A classe se agarra na tradição para recuperar o prestígio. “Nessas lojas, o cliente é que tem que se adaptar à roupa. Com os alfaiates é a
roupa que precisa se adaptar”, afirmou Walter Zeferino Dias, 73 anos.
A importância do atendimento
individualizado também foi ressaltada entre os profissionais que estavam lá. “Existem três coisas que
um cidadão precisa manter durante toda sua vida: o médico, o barbeiro e o alfaiate”,
brincou José Silva,
71 anos. “Nós não
morremos, apenas
estávamos quietinhos. Com a escola, vamos começar
a reerguer nossa
classe”, comentou
o presidente do sindicato dos alfaiates
Alexandre Mirkai,
65 anos.
Esses simpáticos velhinhos estão dispostos a tudo para recuperar
o tempo perdido.
Ao perceberem
que o famoso estilista Ricardo Almeida estava entre os
convidados da
inauguração da escola, muitos torceram o nariz. “Ele
não é alfaiate, não
sei o que está fazendo aqui. Não entrevista ele não”, reclamou um septuagenário.
As aulas devem começar no início de abril. Cada peça do vestuário
terá um curso específico. Quem
quiser aprender a fazer calças ou
camisas deve pagar três mensalidades de R$ 350. O curso de paletó
ainda não tem um valor definido.
Os interessados devem ligar para o
número (11) 3313-0250.
Existem
três coisas
que um cidadão
precisa manter
durante toda
sua vida: o
médico, o barbeiro
e o alfaiate.”
“
JOSÉ DIAS, 71 anos, alfaiate
Fotos: José Patrício/AE
Máquina
de costura,
esquadro, fita
métrica e
tesoura:
instrumentos
de uma
profissão em
extinção