uidados Paliativ s - Associação Brasileira de Cuidados Paliativos
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uidados Paliativ s - Associação Brasileira de Cuidados Paliativos
2009 Cuidados Paliativos uidados Paliativ s Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2009; 2 (3) rasileira de b a t s i v re uidados Paliativ s • Retidão, integridade e cuidado: como viver frente à morte • Narrativas em cuidados paliativos – um instrumento para lidar com a dor, o sofrimento e a morte • Cuidados paliativos na emergência • Prurido associado ao uso de opióides • O cuidador informal e o ordálio do paciente com câncer avançado de cabeça e pescoço R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 Cuidados Paliativos R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2009 Cuidados Paliativos SUMÁRIO - CONTENTS Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2009; 2 (3) ISSN 1984-087X REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS BRAZILIAN JOURNAL OF PALLIATIVE CARE ARTIGOS/RESEARCHS/REPORTS 05 Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte Upright, Whole and Careful: How to Live in the Face of Death William S. Breitbart 16 Narrativas em Cuidados Paliativos – um instrumento para lidar com a dor, o sofrimento e a morte Maria Auxiliadora Craice de Benedetto, Pablo González Blasco, Marcelo Levites e Thaís Raquel Pinheiro 21 Cuidados Paliativos na Emergência Palliative Care at the Emergency Room Paulina Basch 28 Prurido associado ao uso de opióides Samantha C. S. da Silva e Ricardo Caponero 31 O cuidador informal e o ordálio do paciente com câncer avançado de cabeça e pescoço Marcos Brasilino de Carvalho R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS BRAZILIAN PALLIATIVE CARE JOURNAL É uma publicação científica dirigida a médicos e profissionais de saúde, que atuam na área de dor e cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas. Tal publicação visa divulgar artigos científicos nacionais e internacionais, promovendo a troca de conhecimento científico entre os profissionais. Editora Chefe Ana Georgia Cavalcanti de Melo Editor Científico Ricardo Caponero Conselho Editorial Ana Georgia Cavalcanti de Melo Ricardo Caponero Wiliam Breitbart Assessoria Editorial Luciano Ricardo Rodrigues Produção Editorial e Arte Grecco Comunicação Total Rua Luigi Galvani, 200/ 11 andar 04575020 São Paulo/SP Tradução e revisão Juliana Ribeiro de Melo Periodicidade: Trimestral Tiragem: 10.000 exemplares Envio de artigos: revistabrasileira@ cuidadospaliativos.com.br Conselho Científico Eduardo Bruera Professor de Medicina F. T. McGraw Chair em Tratamento de Câncer Chefe do Departmento de Cuidados Paliativos e Reabilitação em Medicina M. D. Anderson Cancer CenterUniversidade do Texas, EUA William S. Breitbart, Professor de Psiquiatria Faculdade de Medicina Weill da Universidade de Cornell Chefe do Serviço de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Responsável pelo Serviço de Psiquiatria, Dor e Cuidados Paliativos Departamento de Neurologia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, NYC, EUA Cibele Andrucioli Mattos Pimenta Doutora em Enfermagem Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo José Marcio Neves Jorge Professor Associado da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Leo Pessini Professor Doutor em Bioética e Teologia Moral Superintendente União Social Camiliana Vice-Reitor do Centro Universitário São Camilo Auro Del Giglio Prof Livre- docente Doutor em Medicina - Hematologia, FMUSP Prof. Titular de Oncologia Universidade do ABC-SP Coordenador Oncologia Hospital Israelita Albert Einstein-SP Especialização em Medical Oncology and Medical Hematology. University Of Texas M D Anderson Cancer Center, UTMDACC, EUA Especialização . Baylor College Of Medicine, BAYLOR, EUA A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos (RBCP) é um veículo que tem como objetivo: publicar trabalhos relacionados as áreas de dor e cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas. Serão considerados para publicação os seguintes tipos de manuscritos: • Artigos Originais - artigos nos quais são informados os resultados obtidos, são descritos métodos, técnicas e processos, apresentando novas idéias. • Breves Comunicados - são comunicações originais importantes, curtas, redigidas com um único objetivo de assegurar os direitos autorais de uma pesquisa em andamento. • Relato de Casos - é a descrição detalhada e análise crítica de um caso típico ou atípico. O autor deve apresentar um problema em seus múltiplos aspectos, sua relevância e revisão bibliográfica sobre o tema. • Revisões e Mini-Revisões - uma revisão da literatura sobre um assunto específico, geralmente contendo análise crítica e síntese da literatura, que irá dar ao leitor uma cobertura geral de um assunto. • Opiniões - opinião qualificada sobre tema específico em dor e cuidados paliativos. • Notas e/ou Notícias - informações objetivas de interesse da comunidade médico-científica. • Debates - artigo teórico que se faz acompanhar de cartas críticas assinadas por autores de diferentes instituições, seguidas de resposta do autor do artigo principal. • Resumos de Teses - é a informação sucinta do trabalho realizado. Deve conter a natureza e os propósitos da pesquisa e comentário sobre a metodologia, resultados e conclusões mais importantes. Seu objetivo é informar aos pesquisadores de maneira objetiva qual é a natureza do trabalho, suas características básicas de realização e alcance científico afirmado. • Cartas ao Editor - crítica a artigo publicado em fascículo anterior da Revista. Os textos devem ser inéditos e destinar-se exclusivamente à (RBCP), não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico. A submissão do artigo à RBCP deve ser seguida de carta, assinada por todos os autores concordando com o envio e possível publicação do mesmo, no periódico. A publicação dos trabalhos dependerá da observância das normas da RBCP e do seu Conselho Editorial. Os manuscritos não aceitos serão devolvidos ao autor. Os trabalhos publicados passarão a ser propriedade da RBCP, sendo vedada tanto sua reprodução, mesmo que parcial, em outros periódicos, como sua tradução para publicação em outros idiomas, sem prévia autorização desta. Os trabalhos aceitos para publicação poderão ser modificados para se adequar ao estilo editorial-gráfico da Revista, sem que, nada de seu conteúdo técnico-científico seja alterado. No caso de o trabalho, incluir tabelas e ilustrações previamente publicadas por outros autores e em outros veículos, é dever do autor fornecer comprovante de autorização de reprodução, assinado pelos detentores do copyright dos mesmos. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos é uma publicação da YPÊ Editora e Publicações Ltda Alameda Lorena 1470 01424-001 São Paulo/SP Brasil R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s Os trabalhos devem ser enviados para: Revista Brasileira de Cuidados Paliativos YPÊ Editora e Publicações Ltda Alameda Lorena, 1470 01424-001 São Paulo/SP e-mail: [email protected] P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 Cuidados Paliativos Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte Upright, Whole and Careful: How to Live in the Face of Death William Breitbart M.D. Chefe do Serviço de Psiquiatria e Psiquiatra Responsável, Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Psiquiatra Responsável, Serviço de Dor e Cuidados Paliativos, Departamento de Neurologia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center Professor de Psiquiatria, Faculdade de Medicina Weill, Cornell University Introdução Eu sou médico, certificado em Clínica Médica e Psiquiatria Geral, mas também em uma especialidade da Psiquiatria, a Medicina Psicossomática, mais especificamente no ramo da Psico-oncologia. A Psico-oncologia é uma nova área, desenvolvida nos últimos 25-30 anos, que foca no cuidado psicossocial de pacientes de câncer e suas famílias. Eu sou médico e a minha missão é cuidar de pacientes com câncer e suas famílias, muitas vezes em detrimento aos cuidados pela minha própria família. Portanto, não foi de se admirar quando eu recebi uma ligação, alguns meses atrás, em uma manhã de sábado de um final de semana em que eu não tinha plantão ou supervisão de estagiários. Eu segui imediatamente ao hospital para ajudar um paciente em crise. Eu não sabia que estava prestes a ter uma experiência “transformadora”. O Caso da Transformação A ligação não era de um médico ou de uma enfermeira do hospital, mas sim de uma das minhas vizinhas, que mora embaixo de mim no mesmo prédio no Upper East Side de Manhattan. A melhor amiga dela era paciente do hospital do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, e estava em sofrimento psicológico extremo. Ela não me ligou para pedir que fosse ver a sua amiga no hospital, mas sim para me perguntar como ela poderia confortar e ajudar a amiga em seu atual estado de desespero. Depois de saber alguns detalhes do dilema de sua R e v i s t a B r a s i l e i r a d e amiga, rapidamente eu me ofereci para ir vê-la no hospital; não apenas como um ato de gentileza, mas também por um senso de responsabilidade como Chefe do Serviço Psiquiátrico do hospital. Segue um breve resumo dos detalhes do caso, anteriores ao meu encontro com a paciente: Uma mulher de 45 anos, mãe de três filhos de 8,9 e 11 anos. Passou os últimos 20 anos de sua vida trabalhando para se tornar uma jornalista e repórter política de sucesso, no jornal mais conhecido do mundo. Uma mulher de realizações, conquistas, e vontade. Uma mulher amada e que ama também. Apesar de morar em Washington D.C, perto dos políticos sobre quem ela fala em suas reportagens, quando soube do diagnóstico de câncer, ela rapidamente fez uso de seus contatos importantes para receber o seu tratamento de câncer no Memorial Sloan–Kettering Cancer Center em Nova York, com os “melhores” oncologistas e cirurgiões do país. Inicialmente, o momento mais marcante de sua experiência com o câncer, foi o diagnóstico incorreto. Acreditava-se que ela tinha câncer de ovário, e, apesar do choque e do medo, ela se adaptou à notícia e se ateve à esperança de um possível desdobramento positivo. Mas o diagnóstico estava errado, e o prognóstico mudou drasticamente e de repente, para pior. Em uma identificação intraoperatória ficou claro que não se tratava de câncer de ovário, mas sim de um caso raro de câncer de cólon com metástase (Síndrome de Meigs), que havia se espalhado para os ovários e a pelve. Dessa vez o prognóstico era duro. C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos A mudança nas expectativas foi dramática; outro tratamento, outra trajetória, outras perspectivas quanto ao tempo de sobrevivência. Da possível cura ou sobrevivência a longo prazo à preparação para a morte. O medo da morte tomou conta dela. Uma profunda tristeza pela vida encurtada, pelas crianças que ainda não tinham sido totalmente criadas, pela perda de todos aqueles que ela ama, e pela vida que ela estava vivendo de maneira tão plena. Ela estava desesperada e passando por um sofrimento terrível. Precisando de alguém que a desse orientação e conforto. Eu recebi uma ligação da melhor amiga dessa paciente, que percebeu a importância de ajudar a atenuar o medo da morte de sua amiga, mas não tinha ideia de como ajudar. Que palavras de conforto eu poderia usar, que caminho tomar em suas orientações. “Como eu ajudo a minha amiga a superar o medo da morte?” foi a pergunta que ela me fez. Foi uma pergunta familiar; uma pergunta com a qual eu tenho me deparado por duas décadas em minha carreira clínica e acadêmica. No meu caminho para o hospital, na expectativa do meu encontro com essa paciente, eu tive uma noção relativamente clara do que eu acreditava ser útil em nosso encontro. O meu senso de clareza sobre abordagens efetivas à pacientes com câncer avançado em estado de desespero e perturbação diante da morte veio de: milhares de experiências clínicas com pacientes em estado terminal; uma série de pesquisas clínicas sobre o desespero e o desejo de morrer perto dos momentos finais da vida, que o meu grupo conduziu na última década; um despertar para a importância da psicoterapia existencial, e a experiência do nosso grupo na condução de estudos de intervenção de uma nova psicoterapia que eu desenvolvi, a chamada Psicoterapia Centrada no Significado (Meaning-Centered Psychotherapy); e a minha redescoberta da filosofia existencial e das importantes lições passadas por textos antigos e sagrados. Na jornada até o leito dessa paciente, eu relembrei a jornada que percorri nas últimas décadas, o que me levou à noção de que eu era a pessoa certa para essa paciente nesse dia, e que as minhas ideias sobre uma abordagem psicoterapêutica ao problema de enfrentar a morte poderiam, possivelmente, ser úteis a ela e a pacientes como ela. Preocupações Existenciais Enfrentadas por Seres Humanos, Especialmente Por Aqueles Com Doença Clínica Através das obras de Viktor Frankl (1959/1992), Irvin Yalom (1980) e outros, eu passei a conceituali- zar, e então incorporar as preocupações existenciais universais enfrentadas por todos os seres humanos à minha abordagem terapêutica com pacientes de câncer. Como seres humanos (homo sapiens sapiens com sabedoria e capazes de pensamentos mais profundos), nós, em oposição a outros seres, tendemos a nos preocupar com três questões básicas: 1) De onde eu vim? 2) Por que estou aqui? 3) Para onde vou? (ex: o que há depois da morte)? São essas as principais questões que envolvem a experiência religiosa ou espiritual. Carl Sagan (2006) diria que a base espiritual humana é a busca pelo entendimento de nosso lugar no vasto mistério do universo. Na verdade, essa pode ser também, em sua essência, uma busca religiosa. A palavra “religião” vem do latim religio, cujas raízes são re (de novo) e ligare (ligar), essencialmente ela se refere a um esforço de reconectar ou religar. A tentativa dos seres humanos de ligar essas questões de onde viemos, por que estamos aqui, e para onde vamos, é essencialmente uma tarefa “religiosa”. A busca pela transcendência ou conexão com algo maior é também, em sua forma mais básica e simples, um esforço “religioso” (mesmo que seja teísta ou ateísta). A noção de “Simetria” também é levantada por essas três questões básicas, principalmente no sentido de que as questões “para onde vamos” (o que há depois da morte), e “de onde viemos” são, na verdade, similares, se não representam o mesmo lugar (ou estado, ou não-estado, ou nada). Esse conceito de “Simetria” atribuído inicialmente ao filósofo grego Epicuro, sugere que nós voltamos para o mesmo lugar de onde viemos. Para os indivíduos cujo sistema religioso de fé envolve os conceitos de uma alma imortal e vida após a morte, são fornecidas respostas confortantes a essas perguntas. Para os que não acreditam nesse sistema, o conceito de Simetria pode também ser confortante e abrandar alguns dos medos associados à ideia de ser relegado ao “esquecimento” após a morte. Epicuro não acreditava na imortalidade da alma após a morte, e sim que depois da morte não havia nada; nada a temer, nada de dor, punição, ou julgamento. No entanto, ele acreditava na Simetria, que o lugar para onde vamos é similar ao de onde viemos, sugerindo que a experiência da morte se assemelha à experiência “pré-nascimento”. Para muitos dos meus pacientes que têm medo da morte (especialmente da não-existência, da obliteração), existe certo conforto no fato de a experiência pré-nascimento não ter sido angustiante ou torturante, e de a experiência pós-morte poder ser tão inofensiva quanto. Recentemente, eu investiguei a etimologia da palavra “obliteração” frequententemente usada para descrever o estado em que entramos após a morte. Ela tem diversas B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s A jornada até o leito dessa paciente R e v i s t a d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 Cuidados Paliativos conotações negativas, entre elas “aniquilação” e “inexistência”. No entanto, eu encontrei uma variação mais reconfortante do sentido de “obliteração” relacionada ao conceito de esquecer e perdoar, como uma anistia. Eu passei a tentar pensar em “obliteração” como uma situação em que todos são perdoados e nada é lembrado; um estado de paz, sem passado, sem futuro, só o presente. Yalom (1980) e outros pensadores existencialistas descreveram quatro (ver Tabela 1) preocupações existenciais humanas principais: Morte, Liberdade, Isolamento e Ausência de Significado. A Inevitabilidade da Morte é um temor constante que se encontra logo abaixo da superfície de todos os seres humanos. A ansiedade causada pela morte se manifesta quando as nossas tentativas de nos adaptarmos, ou de minimizar ou negar a morte falham, especialmente em momentos de perda, de morte de pessoas próximas, ou quando somos confrontados com limitações da vida, como quando recebemos o diagnóstico de uma doença que ameaça a vida, como o câncer. O pesadelo já foi definido como um sonho falho em que a ansiedade provocada pela morte se manifesta. A liberdade, ou o fato de termos liberdade para fazer o que bem entendermos de nossas vidas, de sermos autores de nossas próprias vidas, é outra fonte de preocupação existencial. O conceito de liberdade existencial sugere uma falta de estrutura externa, imposta ao curso e ao formato de nossas vidas (talvez com exceção de predisposições genéticas com as quais nascemos como altura, sexo, inteligência, doenças, etc.), e uma falta de base assustadora resultante da ideia de que somos os principais responsáveis por nossas vidas. Os conceitos de Responsabilidade, Arbítrio, e Culpa Existencial derivam dessa liberdade plena. A necessidade de responder pela vida ou “responsabilidade”, torna-se fundamental quando tomamos consciência de nossa liberdade existencial. É através do exercício de nosso livre arbítrio que criamos a vida que escolhemos viver, a pessoa que queremos ser. A culpa existencial surge quando somos desviados ou impedidos de exercer o arbítrio e a responsabilidade de fazer uso de nosso próprio potencial. O isolamento, ou solidão suprema é uma preocupação existencial de grande importância, principalmente quando pensamos em nossa morte. O isolamento existencial não se refere à solidão intra ou interpessoal, ou ao isolamento social, mas sim à noção de que teremos que enfrentar os principais desafios de nossa existência sozinhos (ex: nascimento, morte). Com sorte, teremos a companhia daqueles que nos amam, mas no fim, eles não poderão seguir a jornada até o final conosco. O isolamento R e v i s t a B r a s i l e i r a d e existencial é abrandado pelos nossos esforços como seres humanos de amar e sermos amados, de nos transcendermos, de nos conectarmos com o que é superior a nós. Os seres humanos reagem à questão existencial da ausência de significado através do arbítrio, da busca, e da criação de significado, para que possam suportar a vida. Na falta de um significado evidente atribuído à vida, nós buscamos significado em um mundo incerto. Essa busca por significado cria o nosso senso de valores; quando há um porquê, há um como. Frankl (1959/1992), cujo trabalho de grande influência na busca pelo significado será citada posteriormente, acreditava que são três os problemas existenciais inevitáveis na vida (a “tríade trágica”): sofrimento, morte, e culpa (culpa existencial que nunca acompanha nosso potencial). A Importância do Significado nos Cuidados ao Final da Vida O meu grupo de pesquisas conduziu uma série de estudos para investigar a importância do significado e do bem-estar nos cuidados da fase terminal (Breitbart, et al 2000; Nelson, et al, 2002; McClain, Rosenfeld, & Breitbart (2003). Demonstramos que o bem-estar espiritual, e, em particular, o significado, tem um papel fundamental, como agente atenuador, na proteção contra a depressão, a desesperança e o desejo de antecipar a morte em pacientes terminais de câncer. Além disso, constatamos que o desequilíbrio do bem-estar espiritual tem uma ligação significativa com o desespero no final da vida (definido por desesperança, desejo de antecipar a morte, e tendências suicidas), mesmo depois da verificação da influência da depressão. Em seguida, ao dividirmos o bem-estar espiritual em dois componentes, um medindo a noção de significado e o outro, a espiritualidade ligada à fé religiosa, constatamos que a falta de significado foi mais fortemente associada ao desespero ao final da vida (ex. a habilidade em manter uma noção de significado foi associada a níveis mais baixos de desesperança, desejo de antecipar a morte, e tendências suicidas). Essas descobertas são significativas diante do que sabemos sobre as consequências da depressão e da desesperança em pacientes com câncer. A depressão e a desesperança são associadas a taxas significativamente mais altas de suicídio, tendência suicida, desejo de antecipar a morte, e interesse no suicídio com assistência do médico (Breitbart & Rosenfeld 1999, Breitbart et al 2000). Nossas descobertas (Breitbart, et al 2000) demonstram que a desesperança é um indicador independente e sinérgico do desejo da morte, e que a influência que ela exerce no desejo de morte é tão poderosa (e independente) quanto C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos a da depressão. Tais dados, (que demonstram que a perda de significado e a desesperança, independentemente da depressão, levam ao desespero ao final da vida) são um forte indicativo de que intervenções não-farmacológicas e psicoterapêuticas precisam ser desenvolvidas para ajudar pacientes com desesperança e que não veem mais sentido no final da vida. Foi então que começamos a desenvolver uma série de intervenções, aplicando os conceitos de Viktor Frankl sobre a importância do significado para a existência humana. A importância do bem-estar espiritual e o papel do “significado”, principalmente na moderação da depressão, da desesperança e do desejo da morte em pacientes terminais de câncer e AIDS demonstrada pelo nosso grupo de pesquisa, nos levou a enxergar além do tratamento da depressão com antidepressivos nessa população, e a focar em novos esforços para desenvolver intervenções não-farmacológicas (psicoterapia), que possam abordar questões como desesperança, perda de significado e bem-estar espiritual em pacientes com câncer avançado no curso final da vida. Esse esforço levou a uma investigação e análise do trabalho de Viktor Frankl, e seus conceitos de logoterapia ou psicoterapia baseada no sentido (Frankl 1959, 1992). Apesar de a logoterapia de Frankl não ter sido desenvolvida para o tratamento de pacientes com câncer ou doenças graves, os seus conceitos de significado e espiritualidade têm claramente, em nossa opinião, aplicações no trabalho psicoterápico com pacientes de câncer avançado, já que muitos deles procuram orientação e ajuda para lidar com questões de como manter o sentido da vida, a esperança, entender o câncer e a morte iminente no contexto de suas vidas. A principal contribuição de Frankl para a psicologia humana foi a conscientização do componente espiritual da experiência humana, e da importância do sentido da vida (ou a vontade de encontrá-lo) como um instinto ou força propulsora da psicologia humana. Dentre os conceitos básicos de Frankl estão: 1) Sentido da vida – a vida tem um sentido e nunca deixa de tê-lo até o seu último minuto; o sentido pode sofrer alterações nesse contexto, mas nunca deixa de existir; 2) A vontade de encontrar um sentido – o desejo de encontrar um sentido para existência humana é um instinto elementar e uma motivação básica do comportamento humano; 3) Livre-arbítrio – nós temos a liberdade de encontrar um sentido para a existência e de escolher a atitude que tomaremos diante do sofrimento; 4) As três principais fontes de sentido na vida resultam da criatividade (trabalho, realizações, dedicação a causas), experiência (arte, natureza, amor, relacionamentos, papéis), e atitude – a atitude que tomamos diante do sofrimento e das questões existenciais; 5) O sentido existe dentro de um contexto histórico – portanto o legado (passado, presente e futuro) é um elemento-chave para manter, ou acentuar o sentido da vida. A nova intervenção que nós desenvolvemos e chamamos “Psicoterapia Centrada no Significado” é baseada nos conceitos descritos acima, e nos princípios da Logoterapia de Frankl, e foi concebida para ajudar pacientes com câncer avançado a manter, ou acentuar a noção de sentido, paz, e propósito em suas vidas, mesmo quando se aproximam de seu final (Greenstein e Breitbart, 2000; Breitbart 2002; Breitbart et.al., 2004). Inicialmente, nós conduzimos um experimento piloto randomizado, através de uma intervenção de oito semanas (sessões semanais de 1h30) de Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado (MGCP). As sessões foram baseadas nos conceitos de sentido elucidados por Viktor Frankl, com a utilização de um manual de tratamento altamente desenvolvido que incorpora uma mistura de didáticas, discussões e exercícios experimentais, que giram em torno de temas específicos relacionados ao sentido da vida e ao câncer avançado. Nossas descobertas (Breitbart, et al, under review a) sugerem que a Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado é uma intervenção altamente eficiente, que aumenta a noção de significado, bem-estar espiritual e esperança, ao mesmo tempo que diminui o desespero ao final da vida. No entanto, ficou bastante evidente para nós durante o teste clínico que, que o formato grupal para intervenções psicoterápicas em pacientes com câncer avançado, próximos ao final da vida, apresenta muitos desafios e limitações. A rigidez de horário necessária para conduzir sessões grupais com pacientes não-internados nessa população resultou em altas taxas de ausência e de baixas. Nós começamos a considerar o fato de que um formato breve, flexível e individual de Psicoterapia Centrada no Significado poderia ter vantagens sobre um formato grupal em uma população de pacientes com câncer avançado. Nós então modificamos a intervenção original e desenvolvemos um formato individual (Psicoterapia Individual Centrada no Significado – IMCP), que também recebeu um manual. Nós conduzimos um grande experimento piloto controlado e randomizado de IMCP com uma amostra de 104 pacientes com câncer avançado. Esse estudo demonstrou a viabilidade, a praticidade, aplicabilidade, aceitação e eficiência da intervenção IMCP, além dos efeitos poderosos do tratamento em B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s Psicoterapia Centrada no Significado em Pacientes com Câncer Avançado R e v i s t a d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 Cuidados Paliativos formato individual, que foram ainda maiores do que os demonstrados em nosso estudo de intervenção grupal (Breitbart, et al., under review, b). A Psicoterapia Individual Centrada no Significado consiste em uma intervenção de sete sessões (sessões de 1 hora por semana) que utiliza uma mistura de didáticas, discussões e exercícios experimentais, que giram em torno de temas específicos relacionados ao sentido da vida e ao câncer avançado. Os temas das sessões são idênticos àqueles da Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado, dentre eles: Sessão 1 – Conceitos e Fontes de Significado; Sessão 2 – Câncer e Significado; Sessão 3 – Fontes Históricas de Significado: Legado (passado, presente e futuro); Sessão 4 – Fontes Atitudinais de Significado: Deparando-se com Limitações da Vida; Sessão 5 – Fontes Criativas de Significado: Criatividade e Responsabilidade; Sessão 6 – Fontes Experienciais de Significado: Conectando-se com a Vida através da Beleza, do Amor, e do Humor; Sessão 7 – Conclusão: Reflexão e Esperanças para o Futuro. Como cada sessão foca em questões relacionadas ao sentido e ao propósito da vida diante de um câncer avançado e de um prognóstico limitado, elementos de apoio e a expressão de emoções são inevitáveis. No entanto, estes são limitados pelo foco em exercícios experimentais, didáticas e discussões relacionadas aos temas que focam no significado. Além do Significado: Integrando Conceitos de Arbítrio, Significado e Cuidados Eu adquiri bastante conhecimento terapêutico no cuidado de pacientes com câncer em fase terminal, através do meu trabalho de desenvolvimento e condução de testes clínicos com intervenções psicoterápicas centradas no significado, estruturadas e registradas em manual. No entanto, permaneceu comigo uma noção de que ainda havia muito mais a ser estudado, e muito conhecimento a ser adquirido para que fosse possível trabalhar de maneira mais efetiva com pacientes que lidam com a morte. Ainda havia muito a ser aprendido, e mais transformações eram necessárias em mim, e em minha abordagem com os pacientes. Então, comecei a voltar a minha atenção aos trabalhos de filósofos existencialistas, e a uma série de textos sagrados, que pudessem me levar mais a fundo nessa jornada. Nós que trabalhamos com medicina paliativa muitas vezes ignoramos os ensinamentos dos grandes livros e textos sagrados de nossas civilizações, o que nos prejudica muito. A sabedoria está em obras diversas como a Morte de Ivan Illich de Tolstói, O Livro de Jó, ou Ser e Tempo de Martin Heidegger. São cada vez mais comuns nas áreas de cuidados paliaR e v i s t a B r a s i l e i r a d e tivos e psico-oncologia, programas de treinamento que apresentam as obras aos estudantes, como uma forma de disseminar conhecimento sobre como cuidar de seres humanos. Ler e discutir A Morte de Ivan Illich tornou-se uma maneira bastante popular de passar ensinamentos a nossos colegas mais jovens sobre o processo da morte e o potencial de redenção e crescimento que temos, mesmo nos últimos momentos antes da morte. O Livro de Jó, no entanto, não é associado a uma fonte de ensinamentos que podem ser aplicados a intervenções clínicas na medicina paliativa por muitos de nós da área de cuidados paliativos. Acredito que isso aconteça por diversas razões: a) O livro de Jó é visto como um texto puramente religioso com poucas aplicações práticas; b) Talvez os ensinamentos do Livro de Jó sejam misteriosos, não muito claros, e sujeitos a interpretações diferentes, por muitas vezes divergentes; c) Apesar de não ser uma razão determinante, acredito também que muitos de nós não teve o cuidado de realmente ler o Livro de Jó, só sabemos o que ouvimos de outros sobre os ensinamentos que ele nos traz. A verdade é que nos últimos 23 anos venho trabalhando no cuidado de pacientes terminais, e já fiz centenas, senão milhares, de referências a Jó em discussões sobre o sofrimento, e ainda assim, eu nunca realmente tinha me permitido tirar um tempo para ler o texto, eu mesmo, de maneira completa, com a mente aberta. Ler o Livro de Jó não é uma tarefa fácil. Existem muitas versões, com diversos tamanhos e narrativas. Também não faltam controvérsias sobre qual é a versão exata, e comentários sobre as interpretações dos ensinamentos desse poema épico. Grandes pensadores, de Spinoza a Carl Jung, reagiram à história de Jó com diferentes pensamentos, compreensões e conclusões, no que diz respeito ao que ela revela sobre o relacionamento entre homem e Deus. A maioria dos debates focou na questão da coexistência de Deus com o diabo; e em se Deus é um Deus “pessoal”, envolvido nas questões dos seres humanos, que pune quem peca, recompensa aqueles que merecem, atende às preces, ou se é um Deus “natural” incognoscível, misterioso, cujas ações não podem ser compreendidas pelos seres humanos. Essas são questões fundamentalmente religiosas, mas que, no entanto, aparecem no cenário dos cuidados paliativos com bastante freqüência. “Por que isso aconteceu comigo?”, “O que eu fiz para merecer isso?”. Nós ouvimos essas perguntas com frequência, como clínicos de cuidados paliativos. Apesar de essas serem questões em sua maioria religiosas, relacionadas à relação dos indivíduos com Deus, elas são também, essencialmente, preocupações existenciais. Frequentemente, os pacientes C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 10 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos R e v i s t a buscam em nós clínicos um conforto, consolo, e até mesmo respostas. Recentemente, eu me propus a ler o Livro de Jó. Optei por lê-lo traduzido, com introdução de Stephen Mitchell (1992). Stephen Mitchel é um poeta e tradutor de textos sagrados nascido no Brooklin, cujo trabalho eu já conhecia e apreciava. Gosto, em particular, de suas traduções da poesia de Rainer Maria Rilke, e dos Salmos. Mitchel oferece não apenas uma tradução moderna e acessível, mas também um contexto histórico e referências que enriquecem a experiência da leitura. Definitivamente, esse foi o meu caso durante a leitura de sua tradução do Livro de Jó. Eu aprendi, por exemplo, que nós não sabemos realmente quem é o autor do Livro de Jó, quando e como ele/ela escreveu a obra, e nem para que público. Um dos maiores paradoxos dessa grande obra de arte judaica é que o herói é Gentio, como provavelmente o autor também foi. Algumas autoridades estimam que esse poema épico, que trata do problema do sofrimento de inocentes, tenha sido escrito entre os séculos XVII e X a.C. Apesar da incerteza sobre a origem judaica do autor e do herói de seu poema, a história de Jó é o grande tema judaico da era pós-Holocausto, o tema da vítima inocente. Alguns desses elementos com certeza me chamaram atenção, eu, como filho de sobreviventes do Holocausto. De fato, há uma grande quantidade de temas existenciais e espirituais com os quais podemos nos envolver ao ler o Livro de Jó. Eu, como clínico que cuida daqueles que sofrem durante o processo de morte, foquei realmente em dois temas, devido à sua relevância para o meu trabalho. Primeiramente, me chamou a atenção a conexão entre a experiência de sofrimento de Jó e a experiência de muitos pacientes que atendemos. Quando Jó é acometido pela doença em sua pele e ossos, a descrição da sua experiência me lembrou a experiência de um paciente que eu atendi com leucemia, que tinha recebido um transplante de medula óssea, e que sofria da doença do enxerto contra hospedeiro. Jó sentiu a sua medula óssea explodir de dor, sua pele estava rachada e flácida, e ele gritava de desespero, até mesmo implorando para que a morte acabasse com o seu sofrimento. “Foi exatamente por isso que eu passei, eu rezava para morrer, para que o meu sofrimento pudesse acabar” foi o que o meu paciente contou, quando discutíamos a experiência de Jó. Eu fiquei impressionado com a precisão da sua descrição de sofrimento. Em seguida, eu fiquei admirado com a repetição da questão de ser “Reto” e “Íntegro”, que me chamou a atenção como um conceito clínico e psicoterápico no atendimento àqueles que sofrem frente à morte. Os termos “Reto” e “Íntegro” aparecem logo no Prólogo do poema, quando Deus diz para o acusador (Satanás). “Você viu o meu servo Jó? Não há ninguém como ele na Terra: um homem reto e íntegro, que teme a Deus e evita o mal.” Nesse momento, os termos “reto” e “íntegro” são usados provavelmente para descrever Jó como um homem que se desvia do mal, um homem íntegro, bom e devoto, que teme a Deus. No decorrer da história de Jó, os conceitos de “Retidão” e “Integridade” aparecem diversas vezes, com significado e sabedoria ainda mais ricos e mais fortes. O próximo encontro com os conceitos de “Retidão” e “Integridade” vem logo depois que Jó fica sabendo que perdeu toda a sua riqueza material, e que todos os seus filhos foram mortos. Jó se levanta, rasga a sua túnica, raspa a cabeça, e se deita com o rosto na poeira, jogando terra em sua cabeça. E então ele diz: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei pra lá. O Senhor me deu, e o Senhor me tirou; bendito seja o nome do Senhor.” Algumas pessoas podem focar na aceitação da palavra de Deus por Jó, no entanto, o que me chamou a atenção foram os atos iniciais de Jó ao 1) Jogar-se ao chão, vindo de sua “retidão”, literalmente se entregando à poeira de onde ele veio (o húmus da humanidade); 2) Rasgar suas roupas, um simbolismo da desintegração ou ruptura da “integridade”, que era a sua identidade antes de perder tudo que ditava o sentido de sua vida. Nesse momento, as ações de Jó também podem ser relacionadas ao ato judaico Teshuva, ou arrependimento por um pecado cometido contra Deus. É interessante observar, que o termo Teshuva também significa “retornar”, o que sugere que as ações de Jó tinham o objetivo de levar Deus a restaurar o seu estado de “Retidão” e “Integridade” através do arrependimento. De fato, no final do Livro de Jó, Deus devolve toda a riqueza de Jó, e o dá um número ainda maior de filhos e netos, restaurando a sua identidade e seu relacionamento com o transcendente. Ele retoma o seu estado de “Retidão” e “Integridade” Eu fiquei muito interessado em saber como esses conceitos de “Retidão” e “Integridade” poderiam beneficiar o meu trabalho clínico com pacientes terminais. Eu vejo o conceito ser “Reto” e “Íntegro” como uma manifestação de “Arbítrio”. Quando alguém é “Reto”, é capaz de exercer seu arbítrio no mundo. Exercer o arbítrio, ou o livre-arbítrio, no caso de um paciente com doença terminal pode significar ter a “coragem de continuar a viver frente à morte”. Ter a coragem de ainda ter desejos e vontades na vida, apesar de sua finitude. Reavaliar as prioridades diante de um prognóstico limitado e decidir focar em certas prioridades (ex: passar mais tempo com a família, não fazer quimioterapia paliativa e focar B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 11 Cuidados Paliativos na dor e no controle de sintomas, fazer um testamento, ou continuar trabalhando até quando for possível). Quando os pacientes são forçados a ficar na cama por fadiga, ou dor incontrolável (Não Retos), sendo destituídos da capacidade de exercer seu livre-arbítrio, há um sofrimento evidente. O conceito de permanecer “Reto” pelo maior tempo possível frente ao processo terminal é, na minha opinião, um conceito importante em termos de planejamento de tratamento e objetivo no cuidado ao outro. O conceito de “Integridade” passou a ser para mim, a habilidade de um paciente de enfrentar uma doença com risco de morte “mantendo-se conectado a tudo que tem significado, valor e propósito em sua vida”, até mesmo durante o processo terminal. Manter-se conectado aos entes queridos e resistir ao “isolamento” que vem daqueles que querem “proteger” uns aos outros de medos e preocupações; relacionar-se e dividir esses medos e preocupações; e estar mais próximo é vital nesse momento. Ser “Íntegro” representa um esforço de “preservar a identidade” pelo maior tempo possível, apesar das perdas reais ou futuras, e da destruição causada pela doença progressiva. Recentemente, durante o tratamento de um senhor que estava lutando contra um mieloma avançado, nós discutimos os conceitos de “Retidão” e “Integridade” envolvidos nesse processo terminal, em nossas sessões de psicoterapia. Os conceitos chamaram bastante a sua atenção, e eu senti que eles estavam totalmente ligados aos seus anseios de como encontrar uma “maneira de viver, enquanto estava morrendo.” “Retidão” e “Integridade” pareceram ser conceitos úteis, apesar de eu sentir que algo estava faltando. Se eu usasse os conceitos de “Retidão” e “Integridade” como duas pernas de um banco, o banco pareceria um pouco instável, nãofinalizado. Parecia que faltava mais um princípio básico, mais uma perna do banco para torná-lo estável, completo, realmente útil. Foi quando eu descobri o “Cuidado”. Ser cuidadoso Martin Heidegger foi um filósofo existencialista alemão, um tanto polêmico, cuja obra mais conhecida é intitulada Ser e Tempo (Heidegger e Stambaugh, 1996). Heidegger se aprofundou em nosso conhecimento sobre a natureza (ou experiência) de “ser”, a “intencionalidade de ser” (o valor da consciência), a temporalidade de nossa existência, e outras questões existenciais importantes como “responsabilidade” e “angústia”. Heidegger também descreve o que ele chama de “Estrutura do Cuidado” do “ser” (Dasein), e “ser no mundo” é essencialmente “Cuidado”. Os conceitos de “Cuidado” e “estrutura R e v i s t a B r a s i l e i r a d e de cuidado” de Heidegger são reconhecidamente complexos. No entanto, eu passei a entender o “Cuidado” como um conceito duplo. Por um lado, “Cuidado” se refere ao nosso engajamento no mundo como seres ativos com as pessoas, causas e ideais com que nos importamos. Por outro lado, “Cuidado” também se refere ao “autocuidado”. O autocuidado é a compreensão de que precisamos nos preservar (tomando conta de nós mesmos), para que possamos ser capazes de cuidar dos outros e do mundo. Em nosso Grupo de Psicoterapia Centrada no Significado, nós conduzimos um exercício experimental sobre “Responsabilidade” em uma de nossas sessões. Durante o exercício pedimos que os membros do grupo respondam à seguinte questão de estímulo “Você é responsável por quem e pelo que?”. Como co-facilitador dessas sessões, me surpreendi diversas vezes com as respostas dos pacientes terminais de câncer participantes do grupo. Na maioria das vezes, os pacientes respondem “Primeiramente, sou responsável por mim mesmo. Se eu não cuidar de mim, não posso ser responsável por mais nada nem ninguém.” Por diversas vezes, eu fui surpreendido por essa resposta, já que a minha lista de respostas nunca incluiu “cuidar de mim mesmo”. Eu aprendi que não se tratava de egoísmo, mas sim de uma importante lição de que vida que aqueles com boa saúde frequentemente ignoram, mas que doenças graves, como o câncer, nos relembram de maneira intensa. A caminho do hospital para encontrar a paciente que estava em desespero, eu fiquei pensando nos conceitos de “Retidão” e “Integridade”, mas também em como incorporar essa terceira noção de “Cuidado” (incluindo a importância de cuidar de si mesmo). As palavras vieram para mim como uma Epifania. “Cuidadoso”. “Cheio de Cuidados”. “Com Cuidado”. Eu sorri para mim mesmo diante da possibilidade de poder dar a seguinte resposta a uma questão bastante profunda; “Doutor, como eu posso viver frente à morte?” A resposta, “Com bastante Cuidado”. Quando o táxi encostou na entrada principal do hospital, eu senti que eu talvez tivesse construído um banco estável de três pernas “Retidão, Integridade, e Cuidado”. Eu estava prestes a conferir se essa abordagem (veja tabela 2) abriria um caminho, e ofereceria uma opção ao desespero, para a paciente que me aguardava no 10o andar do hospital. No leito da paciente Um breve resumo do meu encontro com a paciente: Ela sorriu quando eu entrei no quarto, apesar do desespero, talvez porque previu que eu pudesse C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 12 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos ajudar a aliviar a perturbação pela qual ela estava passando de maneira tão intensa. “Você é exatamente como eu imaginei que um psiquiatra deveria ser!” ela disse alto. O marido dela tinha saído, e achamos melhor encontrar um quarto mais privativo e sossegado para conversar, do que conversar ao lado de sua cama no quarto que ela divida com outro paciente. “Eu estou angustiada!”. O stress era evidente em seu rosto, quando ela começou a chorar. Ela descreveu os eventos das últimas três semanas. Primeiramente, o diagnóstico de câncer no ovário, em seguida, um processo de levantamento de informações, na busca dos melhores médicos, e a adaptação à alteração em sua trajetória de vida e às tarefas que vinham a seguir. Tudo isso acreditando em um prognóstico favorável, e que a vida seria retomada em algum momento. Então, a notícia pós-cirurgia, apenas dois dias antes, de que se tratava de um câncer de cólon com metástase. Com isso, veio uma nova série de informações para entender e processar, e um novo prognóstico para incorporar. Rapidamente, eu deixei claro que essa angústia que ela estava sentindo era perfeitamente normal. Após qualquer diagnóstico de câncer, o indivíduo precisa passar por um processo de “assimilação” e “adaptação”; ouvir a notícia, digeri-la, acreditar que é realmente ele que tem esse câncer, e em seguida, adaptar-se a essa nova realidade através de uma superação cognitiva, emocional, ativa, e focada no significado. Eu expliquei que ela tinha acabado de passar por um processo de assimilação e adaptação, e que de repente, tinha sido forçada a passar por esse processo novamente, em outra situação. Ela tinha sido bem-sucedida da primeira vez, e eu acreditava que ela seria mais uma vez. E, de fato, eu mostrei que ela já tinha começado esse processo. Então veio uma torrente de emoções: medo da morte, raiva do diagnóstico errado, raiva da injustiça de ter a sua vida abreviada, uma tristeza profunda diante da perda da vida como ela a conhecia, de deixar seus filhos e seu marido; tudo insuportavelmente triste. Inicialmente ela falou de seu medo da morte e da ansiedade esmagadora que ele produzia. Em seguida, ficou claro através do meu questionamento que o medo não era a sua única reação emocional à morte. Havia raiva, tristeza, culpa. Nós falamos de suas crenças religiosas e examinamos o seu medo da morte. Na verdade, ela encontrava conforto em suas crenças religiosas, e tinha uma ideia da morte como uma experiência serena e não necessariamente desagradável. Não era a morte, de fato, que a desafiava. A impossibilidade que ela via de viver no período compreendido entre esse momento e a sua morte era que a dominava e assustava. “Doutor, como posso viver frente à morte?” Ela fez a pergunta que eu estava esperando que ela fizesse; a pergunta com a qual eu R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s vinha lidando e trabalhando por tanto tempo para encontrar a resposta. “Com cuidado, com muito cuidado” eu respondi. Em seguida, eu contei a ela sobre as minhas experiências com pacientes nos últimos 24 anos, e como eu tinha começado a desenvolver o que eu acreditava ser uma resposta útil a essa pergunta. Nós conversamos sobre o Livro de Jó, que ela havia lido quando era mais nova, e sobre as lições que eu havia aprendido com ele. Eu apresentei uma abordagem de como viver (ser) frente à morte com “Retidão, Integridade e Cuidado”. Eu expliquei cada conceito. “Retidão” significava o seguinte: Ela ainda estava viva, de pé sobre o chão, não estava morta. Ela precisava ter a coragem de dar prosseguimento à vida e exercer seu arbítrio; continuar a ter desejos, vontades, esperanças, necessidades, viver plenamente pelo maior tempo possível. “Integridade” significava que ela precisava se manter conectada a tudo aquilo que dava sentido à sua vida. Manter-se ligada a seus entes queridos, a suas filhas, seu marido, e até mesmo ao seu trabalho. “Cuidado” significava que ela precisava tomar conta de si mesma. O caminho que estava por vir seria difícil, com quimioterapia e outros tratamentos. Ela precisava ser boa com ela mesma, descansar, e dar um tempo ela. Além disso, ela precisava ter a coragem de, ainda assim, amar e cuidar das pessoas mais valiosas para ela, resistir ao impulso de se afastar pensando em quanto iria doer perdê-los quando a hora chegasse. Nós percorremos esses três conceitos, falando de como eles se relacionavam à vida dela. A sua máscara de desespero começou a desmoronar, e a pessoa por trás dela começou a ressurgir. Tudo nela parecia mais calmo. “Essa conversa ajudou muito, obrigada”, ela disse. Os planos para seus cuidados incluíam voltar para sua casa em outra cidade em alguns dias. Eu a indiquei para um colega respeitado perto de sua casa. Nós nos abraçamos e nos despedimos. Dois dias depois, eu recebi um cartão manuscrito de sua melhor amiga que tinha me contatado para pedir ajuda e conselhos naquele primeiro momento. A mensagem era muito emocionante. “Eu não sei exatamente o que você falou para a minha querida amiga no hospital, mas seja o que for, essa conversa a ajudou profundamente. Ela não está mais desesperada e agora sente que tem um caminho e uma direção a seguir. Eu gostaria de ter estado lá para ouvir o que vocês conversaram. Pelo que pareceu, acho que se eu estivesse lá, também teria aprendido muito com a discussão. Tudo que eu sei agora, é que devo reler o Livro de Jó” Reflexões sobre os Objetivos dos Cuidados Paliativos Psicossociais À medida que a disciplina de Medicina Paliativa P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 13 Cuidados Paliativos foi se desenvolvendo, tornou-se evidente que os conceitos envolvendo cuidados paliativos deveriam ser ampliados, para além do controle da dor e dos sintomas físicos, incluindo domínios psiquiátricos psicossociais, existenciais, e espirituais para oferecer cuidados adequados a pacientes terminais, culminando em uma aceitação pacífica da morte (Breitbart, et al. 1998). Oferecer mecanismos de controle da dor e dos sintomas continua sendo o objetivo maior de muitos profissionais da área de cuidados paliativos. Isso acontece, porque tais sintomas são, de fato, fontes de sofrimento, e esses profissionais têm as ferramentas e habilidades necessárias para administrar os sintomas com eficiência. Muito progresso já foi feito no diagnóstico e tratamento de distúrbios psiquiátricos em pacientes terminais, como delírio, ansiedade e depressão. No entanto, abordagens clínicas efetivas ao desespero existencial estão começando a ser desenvolvidas, testadas e disseminadas aos clínicos apenas agora. Talvez uma questão útil a ser feita fosse: “Quais deveriam ser os objetivos clínicos dos cuidados paliativos em seu sentido mais amplo?”. Os objetivos gerais da prática da medicina são: “Prolongar, Proteger e Preservar” a vida. Qual é a relevância desses objetivos para os cuidados paliativos? Prolongar a vida não é um objetivo clínico típico dos cuidados paliativos. Paradoxalmente, estudos recentes indicam que pacientes cuidados em atendimento domiciliar ou casas de repouso vivem mais que pacientes terminais cuidados em ambientes médicos usuais (Connor, et al., 2007). Proteger os pacientes dos danos causados pela doença parece ser um objetivo razoável dos cuidados paliativos. No entanto, discussões sobre os prognósticos, ou sobre a morte, são frequentemente evitadas, para “Proteger” pacientes de um sofrimento aparente. São raros os pacientes que podem ser prejudicados por tais discussões, devido a doenças psiquiátricas ou fragilidade emocional. A grande maioria dos pacientes é, na verdade, beneficiada ao ter a oportunidade de discutir as suas preocupações relacionadas à morte, e lidar com a realidade na qual eles se encontram. O que significa “Preservar” a vida? Preservar a vida, como objetivo dos cuidados paliativos, significa fazer o que for possível para que o paciente mantenha a essência do que ele é, o seu senso de identidade, de significado e dignidade, durante o último estágio de sua vida. Esse objetivo pode ser alcançado através do controle dos sintomas, dos cuidados na essência de seu significado, do estímulo do contato com entes queridos, e até mesmo do trabalho e de esforços criativos, com foco nas questões do encerramento da vida e de legado. Dessa maneira, o objetivo dos cuidados paliativos raramente é “Prolongar” a R e v i s t a B r a s i l e i r a d e vida, muitas vezes é “Proteger” a vida, mas sempre é “Preservar” a vida. A “Compaixão” é um elemento importante em todas as interações clínicas dos cuidados paliativos (ver Tabela 3), em particular aquelas que podem ajudar a Preservar a vida frente à morte. A compaixão pode ser definida pelas seguintes práticas: Hospitalidade, Presença, Atenção. A hospitalidade refere-se à natureza e ao teor da interação médico-paciente. Ela requer que o médico passe ao paciente a noção de que “temos uma relação, somos ambos seres humanos, enfrentando as mesmas preocupações existenciais e realidades da existência humana (ex: mortalidade). Esse conceito envolve a desconstrução da dinâmica hierárquica que frequentemente caracteriza a interação médicopaciente, criando o que Martin Buber chamou de uma interação “Eu-Você”. É importante notar que hospitalidade é a fonte do termo “hospital”. Presença se refere ao estado de espírito e ao foco do médico. Durante a interação médico-paciente, o paciente recebe nossa atenção total. Ficamos completamente absorvidos e conectados ao paciente e à sua história, sem nos distrairmos com outras preocupações pessoais (ex: o capítulo que eu ainda não escrevi que está atrasado). O título de Médico Responsável confirma a importância da atenção e da Presença nos cuidados a pacientes internados. Por fim, Atenção. Quando somos atenciosos, as palavras ditas pelos pacientes são realmente ouvidas, mas mais importante, o médico reage de uma maneira que indica que o paciente foi compreendido. A empatia é a essência da Atenção. Os Objetivos da Psicoterapia nos Cuidados Paliativos Está havendo uma revolução no que diz respeito à natureza e à abrangência dos objetivos clínicos de intervenções psicoterápicas e terapêuticas no cenário dos cuidados paliativos. A maioria dos psicoterapeutas e clínicos concordaria que, até pouco tempo, havia dois conceitos básicos universalmente aceitos como base da intervenção de aconselhamento com pacientes terminais: Apoio, e Não-Abandono. O aconselhamento de apoio é, em sua essência, aliar-se às defesas e estratégias de superação dos pacientes, apoiando-as ou reforçando-as. Dessa maneira, o paciente que está morrendo, e usando a negação como estratégia para superar a proximidade da morte, receberia apoio do terapeuta nessa sua escolha. Todos nós nos pegamos nos aliando a esperanças, mesmo irrealistas, externadas por pacientes e suas famílias no processo terminal. No entanto, clínicos experientes também criam possibilidades para que os pacientes possam discutir a morte e esse processo através de um questionamento leve. O Não-Abandono, ou Presença, C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 14 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos é o segundo princípio básico do aconselhamento de doentes terminais. O terapeuta se compromete a guiar e acompanhar o paciente ao longo do tratamento e do processo terminal. Há uma força na presença do terapeuta no acompanhamento do paciente nessa jornada muitas vezes solitária. A pergunta que muitos de nós nos têm feito nos últimos anos é “Será que podemos realizar algo mais ambicioso na psicoterapia com pacientes terminais?”. O objetivo “Mais Ambicioso” da psicoterapia com pacientes terminais é ajudá-los a atingir um senso de aceitação da vida vivida e assim, por fim, de aceitação da morte (ex: ser capaz de enfrentar a morte com um senso de paz e equanimidade). Muitos sugerem que esses objetivos não sejam atingíveis para todos, e talvez inapropriados para muitos. Eu diria que os esforços que envolvem o fechamento da vida são atingíveis e essenciais nessa fase da vida; Reconhecer ou aceitar a morte (ex: a finitude da vida) são impulsos para transformação; enfrentar a morte nos força a voltar para a trás e encarar a vida, a vida que vivemos. Quando examinamos a vida que vivemos e relutamos em aceitála, nos deparamos com muitos desafios e tarefas diante da morte (ver Tabela 4). Enfrentar a morte pode aprimorar o processo de busca por um senso de coerência, significado e encerramento da vida. Permite que percebamos que o último capítulo de Tabela 1 Preocupações Existenciais Enfrentadas por Pacientes com Doenças Graves Conclusão Eu sou médico, e a minha missão é cuidar de pacientes com câncer e suas famílias, muitas vezes em detrimento aos cuidados pela minha própria família. Durante o meu processo de busca por um meio de integrar os conceitos de Livre- Arbítrio, Significado e Cuidado em uma abordagem que tornasse melhor a experiência angustiante pela qual os pacientes que têm que enfrentar a morte passam, eu tive uma experiência transformadora que me levou a valorizar a importância de cuidar de mim e da minha família, e ao mesmo tempo ainda “Estar no Mundo”. As lições passadas por aqueles que estão morrendo servem para mostrar aos vivos o valor da vida. Talvez nós morramos, para que possamos valorizar a importância de viver. • Cuidado Lembrar de cuidar de si mesmo, de seus entes queridos, de seu legado. 1. Morte A inevitabilidade da morte Ansiedade causada pela morte, limitações da vida 2. Liberdade A Liberdade de Construir Nossas Vidas Como Desejamos Falta de base, responsabilidade, arbítrio, culpa existencial 3. Isolamento Ou Solidão Suprema Nós nascemos & morremos sozi nhos, transcendência, amor • Presença Dar ao outro atenção total; Ser totalmente presente para o outro, transcenden do as nossas próprias preocupações. Falta de um Sentido para a Vida Busca por um sentido, incerteza, valores, por que – como • Atenção Ouvir e reagir de uma maneira que faça com que o paciente saiba que se fez “entender”; empatia. 4. Ausência de Significado Tabela 2: Como viver (Ser) Frente à Morte R e v i s t a nossas vidas é a última oportunidade que temos de aproveitar o nosso potencial ao máximo, de deixar para trás um legado autêntico, de nos conectarmos com o que está além, de transcender a vida como a conhecemos. O objetivo é preservar a ideia de que ainda há vida a ser vivida, de que ainda há tempo pela frente, para que o indivíduo possa morrer com um senso de paz, equanimidade, e aceitação da vida que viveu. O paradoxo da dinâmica da fase terminal é que através da aceitação da vida que foi vivida, vem a aceitação da morte (ver Figura 1). • Retidão Percepção de que ainda se está vivo e de pé, não abaixo da terra. Conti nua-se a ter vontades, desejos, e a exercer o arbítrio e a coragem. • Integridade Permanecer conectado a tudo o que traz significado, valores e pro pósitos à vida: Relacionar-se e não Isolar-se. B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s Tabela 3: Objetivos dos Cuidados Paliativos: As Práticas da Compaixão • Hospitalidade Criação de um ambiente de comunidade e comunicação – reconhecer que compartilhamos a condição humana e que estamos conectados. Tabela 4 Objetivos Existenciais dos Cuidados a Pacientes Terminais: Crescimento e Realizações no Processo Terminal • • • • • • Noção de fechamento da vida Sensação de um significado coerente para a vida Deixar um legado Enfrentar a morte com paz e equanimidade Aceitação da morte Aceitação da vida vivida P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Retidão, Integridade e Cuidado: Como Viver Frente à Morte 2009 15 Cuidados Paliativos Figura 1 A Dinâmica da Fase Terminal Dinâmica da Referências Bibliográficas Breitbart, W., Rosenfeld, B., e Passik, S. Interest in physician assisted suicide among ambulatory HIV infected patients, Am J Psychiatry , 1996, 153:238-242. Breitbart, W., Chochinov, H. M., Passik, S. D. Psychiatric aspects of palliative care. Em: Doyle, D., Hanks, G. W., MacDonald, N., editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine, 2a Edição. Nova York: Oxford University Press, 1998; p216-247. Breitbart W, Rosenfeld B. Physician-assisted suicide: the influence of psychosocial issues. 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C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 16 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos NARRATIVAS EM CUIDADOS PALIATIVOS – um instrumento para lidar com a dor, o sofrimento e a morte Maria Auxiliadora Craice de Benedetto, MD Médica de Família e Coordenadora do Departamento de Humanidades da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (SOBRAMFA) Pablo González Blasco, MD, PhD Médico de Família e Diretor Científico da SOBRAMFA Marcelo Levites, MD Médico de Família e Diretor de Publicações da SOBRAMFA Thaís Raquel Pinheiro, MD Médica de Família e Diretora de Divulgação e Relações Públicas da SOBRAMFA Enviar correspondência para: Maria Auxiliadora Craice De Benedetto Rua Sílvia, 56, Bela Vista, São Paulo, SP, Brasil CEP: 01331-010 Fones/FAX: 11-3253 7251; 11-3285 3126 [email protected] ABSTRACT: Working as family physicians in an academic Palliative Care (PC) ambulatory showed us that the first encounters with terminal patients are usually frightening for medical students and juniors doctors. They demonstrated a great difficulty to deal with themes as pain, suffering, dying and death. Certainly, this is a consequence of the predominant model of practice and teaching of medicine, in which the emphasis is given to specialization, technology and scientific evidences and the patient is seen in a fragmented way. In order to prepare properly our trainees in such context, we provided orientation that went beyond the technical aspects. The students and residents were encouraged to spend time on reflection. The reading of literary works and scientific papers that introduce themes and various points of view concerned PC made part of their preparation. They are also introduced to the principles of Narrative Medicine, a method we have found to be of great value in PC. And so, many lessons were apprehended by all members of the team. RESUMO: A atuação em um ambulatório didático de Cuidados Paliativos (CP) demonstrou-nos que as primeiras consultas com pacientes terminais são geralmente assustadoras para estudantes de medicina e jovens médicos. Eles mostraram uma grande dificuldade em lidar com temas como dor, sofrimento e morte. Certamente isso se deve ao nosso modelo predominante de ensino e prática da medicina, no qual a ênfase é dada à especialização, tecnologia e às evidências científicas e o paciente é visto de forma fragmentada. Com o objetivo de prepará-los adequadamente em tal contexto, nossos estagiários receberam orientação que foi além dos aspectos técnicos. Eles foram especialmente encorajados a despender tempo com reflexão. A leitura de obras literárias e artigos científicos que introduzam a temas e a vários pontos de vista relacionados aos CP fez parte de sua preparação. Eles também foram introduzidos aos princípios da Medicina através de Narrativas (Narrative Medicine), uma metodologia que se mostrou de grande valia em CP. Assim, muitas lições foram aprendidas por todos os membros da equipe. Introdução R e v i s t a Como médicos da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (SOBRAMFA) temos tido a oportunidade de atuar em cenários didáticos destinados ao ensino e à prática de Cuidados Paliativos (CP). Essa atividade tem nos ensi- B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) NARRATIVAS EM CUIDADOS PALIATIVOS – um instrumento para lidar com a dor, o sofrimento e a morte 2009 17 Cuidados Paliativos nado importantes lições. Muitas dessas lições são decorrentes das incontáveis narrativas que emergem em CP, as quais representam histórias que vão muito além da nossa velha e conhecida história da doença atual (HDA). Várias pessoas usualmente estão envolvidas em tais narrativas – pacientes, médicos, familiares, residentes, estudantes de Medicina e demais profissionais da área de saúde. Cada uma dessas pessoas as vivencia de acordo com suas próprias perspectivas e interpretações. Comumente, uma mesma situação ou circunstância adquire diferentes significados para os diferentes indivíduos que a vivenciam e relatam em uma narrativa. Mesmo quando a morte é a única conclusão possível para uma história, esta pode ser escrita de diversas maneiras. Isto quer dizer que apesar de o final de uma história em CP ser inevitável, nós podemos mudar o seu curso. O teor das mudanças decorre da qualidade das relações médico-paciente e médico-familiares. Considerar o paciente o principal personagem é o que, certamente, promove toda a diferença. E a grande lição apreendida tem sido: “quando aparentemente não há nada a fazer, ainda podemos ouvir”. (1) Os primeiros contatos com pacientes terminais são geralmente assustadores para jovens médicos e estudantes de medicina. Os seguintes comentários ilustram seus sentimentos e apreensões no início de seu estágio em Cuidados Paliativos: “Penso que serei inútil aqui, já que não há nada mesmo a fazer.” “Durante a graduação nos ensinaram a lidar apenas com o sucesso e a aplicar evidências científicas e tecnológicas para resolver questões médicas. Assuntos referentes à dor, ao sofrimento e à morte são praticamente ignorados, como se não representassem elementos importantes na prática médica diária.” “Na escola médica, tive poucos contatos com a morte e quando isso se deu foi em circunstâncias quase artificiais, em que médicos que eu julgava mais experientes comandaram a cena. Mas tudo era feito com aquela mesma impassibilidade que nos tinham tentado transmitir como sendo a única atitude adequada em tais situações. Sentimentos pessoais não eram admitidos e eu sentia que alguma coisa estava faltando.” “Entro em pânico somente em pensar que terei de atender pacientes terminais. Penso que não saberei como me comportar.” “Não sei o que fazer se o paciente me perguntar: ‘eu vou morrer?’; ‘quando vou morrer, doutor?’. ” R e v i s t a B r a s i l e i r a d e Cremos que tal comportamento seja uma decorrência do modelo predominante de ensino e prática da medicina em nosso meio. Atualmente a medicina é dominada por evidências científicas, avanços tecnológicos e especialização, um mundo em que o paciente é visto de forma fragmentada. (2) É certo que o atual modelo oferece inúmeras vantagens para o tratamento de determinadas condições e foi responsável pela abolição de grande parte do sofrimento advindo de enfermidades e traumatismos. Entretanto, médicos e pacientes não estão totalmente satisfeitos, pois sentem que algo está faltando. Alguns comentários ouvidos nos “corredores” ilustram o seu pensamento. É comum pacientes fazerem afirmações como essa: “Minha consulta durou poucos minutos e o médico foi logo se apressando em pedir exames e prescrever medicamentos, sem ao mesmo ter me olhado e ouvido adequadamente. Gostaria que ele me tivesse demonstrado maior atenção. Ele sequer olhou para mim.” Do outro lado do espectro, recentemente ouvi um colega queixar-se: “Estou perdendo a paixão pela prática da medicina. Não há espaço para o humanismo no atual modelo. Penso que a medicina deveria ser abordada como ciência e arte, uma disciplina em que os aspectos humanos deveriam ser tão apreciados quanto os científicos e tecnológicos.” Considerando-se esse contexto e a dificuldade inicial demonstrada por residentes e estudantes de medicina em lidar com as situações relacionadas a pacientes fora de possibilidades terapêuticas, ficou evidente que para se vencer esse desafio seria necessário uma boa preparação e encorajamento para se despender tempo com reflexão. Assim, em nossos ambulatórios didáticos de Cuidados Paliativos, além de receberem o ensinamento para o controle de principais sintomas, residentes e estudantes têm sido orientados à leitura e discussão de obras literárias e artigos científicos que propiciem um contato com temas que comumente consideram difíceis, tais como dor, sofrimento, morte, frustração, insegurança, sensação de incapacidade e assim por diante. Além disso, são introduzidos aos princípios da metodologia denominada Medicina através de Narrativas (Narrative Medicine), a qual demonstrou-se ser de grande valia em Cuidados Paliativos. Narrativas como i nstrumento terapêutico Uma orientação fundamental tem sido insistentemente repetida aos nossos estagiários C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 18 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos R e v i s t a antes das consultas em Cuidados Paliativos: “não importa quais sejam seus próprios sentimentos, olhem nos olhos de seus pacientes e simplesmente os ouçam, demonstrando atenção e interesse ao que quer que tenham necessidade de dizer, mesmo que os temas expostos aparentemente nada tenham a ver com suas histórias clínicas.” Esta é a pedra angular da Medicina através de Narrativas, metodologia que vem sendo construída nas últimas décadas graças à contribuição de vários autores. Alguns antropólogos referem-se aos indivíduos como contadores de histórias, pois o ato de contá-las está fortemente arraigado ao seu âmago. Através das histórias, nossos ancestrais criaram metáforas na tentativa de explicar o incompreensível e misterioso. As histórias mantêm viva a memória dos seres humanos, atribuindo sentido e significado a cada ato da vida. Sendo transmitidas de geração à geração, têm construído a identidade dos povos através dos séculos. Segundo Higino Marin Pedreño, a definição de ser humano é: bípede com mãos que conta histórias. Estas permitem que o caos se transforme em ordem. Através delas o ser humano, além de recordar, pode re-escrever sua vida. (3) Na atualidade, muitos autores médicos também consideram os pacientes como contadores de histórias. (4) Dessa forma, as narrativas que emergem do contato médico-paciente têm sido consideradas por seu potencial terapêutico e didático no ensino e prática da medicina. Michel Balint, na década de 50, revolucionou o método clínico enfatizando a necessidade da prática de uma medicina centrada na pessoa e não na doença. Estimulou o uso das narrativas como um instrumento terapêutico capaz de auxiliar médicos generalistas a lidar com os transtornos emocionais dos pacientes e com suas próprias questões emocionais nascidas em decorrência do relacionamento médico- paciente. (5) Rita Charon criou o termo Narrative Medicine e afirma que: “a boa prática da medicina requer competência em narrativa, o que significa a capacidade para reconhecer, assimilar, interpretar e atuar de acordo com as histórias e dificuldades dos pacientes. Competência em narrativa permite aos médicos alcançar os pacientes e atuar junto a eles na enfermidade, reconhecer sua própria jornada pessoal através da medicina, reconhecer suas obrigações junto a outros profissionais de saúde e introduzir a um discurso sobre saúde.” A leitura e discussão acerca de obras literárias e a escrita reflexiva complementam o método e auxiliam a clarificar situações difíceis. (6) Ouvir as histórias dos pacientes, mesmo aquelas que aparentemente nada têm a ver com suas histórias clínicas tem por si só um efeito paliativo ou terapêutico. (7) Permitir que os pacientes expressem seus sentimentos e dores também. (8) As narrativas dos pacientes mostram quais são suas reais necessidades. As narrativas dos pacientes são muito mais do que simples histórias em que os fatos são contados de forma linear. Nelas, os sentimentos que existem por trás dos fatos são muito mais importantes que os próprios fatos. As narrativas implicam em interpretação. Portanto, uma mesma história é contada e ouvida de forma diferente por diferentes pessoas. (9) Ao serem ouvidos com compaixão e empatia os pacientes terminais sentem que não mais estão sozinhos. Assim, suas histórias de caos – as típicas que emergem em Cuidados Paliativos – são transformadas em histórias de busca, nas quais a enfermidade se transforma em ensinamento a todos envolvidos com a situação – os próprios pacientes, familiares e profissionais de saúde. Histórias de busca são histórias de transcendência. Quando encontram um testemunho atencioso de seus sofrimentos, os pacientes em CP têm a oportunidade de organizar o caos que se instalou em suas vidas em decorrência da doença incurável e, assim, encontrar um significado que lhes permita aceitar a vida incondicionalmente. O sofrimento não deixa de existir, mas torna-se mais suportável. Dessa forma, muitas vezes, os pacientes conseguem fluir com maior suavidade de uma fase de revolta ou depressão, por exemplo, para uma condição de aceitação. (4) Esta é a abordagem em narrativas do professor de sociologia médica da Universidade de Calgary, Canadá, Arthur Frank, a qual tem inspirado os participantes de nossas atividades em CP e motivado a criação de muitas narrativas, as quais têm sido contadas, escritas, recontadas e reescritas por estudantes, pacientes, familiares, residentes e médicos. Os sentimentos, interpretações e pontos de vista de cada participante de uma história influenciam a forma como esta é apresentada. Quando profissionais de saúde ouvem seus pacientes com compaixão e empatia, eles participam da criação de um novo roteiro em que a presença de elementos de superação e transcendência demonstra que o curso da história foi mudado. B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s d e C u i d a d o s Avançando na prática A história de João (nome fictício), a qual é apresentada em seguida, foi muito marcante 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) NARRATIVAS EM CUIDADOS PALIATIVOS – um instrumento para lidar com a dor, o sofrimento e a morte 2009 19 Cuidados Paliativos para o grupo de residentes que o acompanhou em nosso ambulatório de CP. Ilustra a jornada de um paciente a partir de uma história de caos a uma história de busca, a qual se evidenciou nitidamente após algumas consultas. Tal transformação somente foi possível porque o paciente, ao ser ouvido e sentir-se compreendido, pôde perceber que ele não tinha necessidade de caminhar sozinho. Ele conseguiu, enfim, falar sobre sentimentos, dúvidas e medos, não apenas com a equipe mas também com sua esposa. Nossos residentes confessaram que, antes de terem participado da história de João, não acreditavam que pudessem auxiliar os pacientes em sua jornada do sofrimento rumo à transcendência. Após a leitura dos artigos recomendados inicialmente, especialmente o de Arthur Frank, um deles comentou: “talvez essa seja uma concepção um tanto teórica, apenas uma visão romântica de alguns autores. Não vejo como possa ser de utilidade nestas situações vividas no dia-a-dia.” No entanto, com o decorrer do tempo, após participarem da história de João e de tantas outras que enriqueceram sua prática clínica e estimularam a reflexão, eles mudaram seus pontos de vista. E compreenderam uma importante lição: quando não há aparentemente nada a fazer, ainda se pode ouvir. Esse aprendizado ficou totalmente evidente na história de João, a qual é relatada em seguida de acordo com a ótica dos residentes: “João chegou em uma cadeira de rodas empurrada por sua esposa, Maria (nome também fictício). Estava muito magro, pálido e abatido. Sua esposa também apresentava uma aparência de desânimo estampada em seu rosto, mas começou a falar porque seu marido se mantinha em silêncio. Ela nos entregou uma carta de encaminhamento informando que João era portador de um câncer avançado de esôfago, encontrava-se fora de possibilidades terapêutica e necessitava de Cuidados Paliativos. Ele estava sendo alimentado por uma sonda nasoenteral. Fitando-nos com um ar de cumplicidade e talvez com alguma esperança em receber ajuda, Maria nos relatou que seu marido não conseguia comer ou dormir. Apenas ficava tossindo o tempo todo. Quando conseguia balbuciar algo, era para queixar-se de dor. Todo seu corpo doía e ainda salivava continuamente. O que poderíamos fazer, nós, meros residentes de primeiro ano? Tivemos vontade de sair correndo. Fomos acometidos por uma profunda sensação de incapacidade. Estávamos diante de uma verdadeira história de caos. Mas alguém havia nos dito: “quando não há aparentemente R e v i s t a B r a s i l e i r a d e nada a fazer, ainda se pode ouvir.” Ouvir Maria e tentar compreender o significado oculto do discurso sem palavras de João seria um bom começo. Assim, após respirar profundamente, começamos a fazer isso. Maria nos contou sobre suas vidas e relacionamento com João. Estava muito cansada pois ainda tinha de cuidar de sua mãe, portadora de doença de Alzheimer. Estava fazendo o seu melhor, pois João havia sido um excelente companheiro. Já estavam juntos há oito anos. João havia dado apoio à Maria em uma difícil fase de sua vida. Desde então tinham usufruído uma boa vida juntos. Gostariam de ter tido filhos, mas Maria havia sido submetida a uma esterilização cirúrgica no primeiro casamento e tinha quarenta anos quando se casaram. Percebendo que, finalmente, alguém estava demonstrando interesse por ele, João murmurou algumas palavras durante o exame físico, para fazer as perguntas cuja resposta certamente já conhecia – ‘quando vou conseguir falar normalmente?’; ‘se eu conseguir engordar, poderei ser operado para a retirada do tumor?’. Quando conversamos com Maria, na ausência de João, ela nos disse que nenhum médico havia lhe falado claramente que ele não tinha chances de cura, mas ela tinha certeza de que ele havia percebido isso por si mesmo. Ainda assim, algumas vezes, ele ousava ter esperanças. Nosso paciente foi dispensado com uma prescrição de medicamentos para o controle dos principais sintomas e suas dúvidas do momento foram esclarecidas até o ponto permitido por seu grau de compreensão e preparo emocional evidenciado na ocasião. Quando partiram, pudemos perceber uma expressão de alívio nas faces de ambos. Na segunda consulta, João chegou andando, bem vestido e com uma aparência bem melhor. Os medicamentos prescritos para o controle da anorexia, caquexia, fadiga, dores, tosse e depressão haviam surtido algum efeito. Em decorrência desses aparentes bons resultados, ele voltou a ter esperanças de que pudesse ser submetido a um tratamento curativo. Mas naquele momento não seria justo enganá-lo e nós lhe afirmamos que não poderíamos afirmar por quanto tempo ele se manteria entre nós. Um única coisa poderíamos garantir: mesmo que a cura fosse impossível, nós estaríamos sempre ao seu lado para ajudá-lo a sentir-se o melhor possível. Na terceira consulta, a situação clínica era a mesma. Mas tivemos novidades. Maria afirmou estar grávida. Tinha certeza disso, apesar da esterilização anterior realizada há vinte anos atrás C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 20 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos e de o ginecologista ter afirmado que ela deveria estar apresentando sintomas do climatério e um provável mioma uterino. Não havia ainda feito os testes para diagnóstico, mas mantinha uma calma certeza acerca da gestação, a qual proporcionava grande alegria ao marido. Outras consultas ocorreram antes que Maria tivesse a chance de confirmar ou não sua gravidez e João permanecia estável, melhor do que podíamos prever. Pudemos perceber que uma semente de espiritualidade se desenvolvia nele, pois nos falava com entusiasmo acerca de um programa religioso de rádio, afirmando que as palavras do padre que o conduzia estavam lhe dando grande serenidade e aceitação. A cada consulta, o vínculo entre residentes, médicos, paciente e familiar se estreitava. Sentíamos que estávamos realmente fazendo a diferença. João e Maria se apresentavam bem diferentes em comparação à primeira vez em que os vimos. Isto porque estávamos simplesmente ouvindo-os. Esta era a coisa mais importante que estávamos fazendo. João nos falou muito sobre seu passado, seus sentimentos e suas necessidades. Certamente havia sido uma pessoa alegre e divertida. Então, quatro meses após o primeiro encontro, Maria compareceu no dia agendado para a consulta, sozinha. Ela estava chorando quando nos disse: “Doutores, ele se foi. Tive de levá-lo ao hospital pois estava tendo dificuldades para respirar.. Após quatro dias de internação, ele morreu. Então estava em paz. Mas antes disso, minha gravidez foi confirmada. Dessa forma, João partiu com a certeza de que uma parte dele ficaria comigo para sempre. Na manhã em que morreu, estava ouvindo o programa de rádio do padre que ele tanto apreciou no período final de sua vida. Após o programa, ele me olhou com carinho e disse que me amava. Então, tirou com suavidade a sonda nasoenteral, dizendo que não teria mais necessidade dela. Pediu-me para agradecer a todos vocês que o ajudaram ao longo desses dias difíceis, disse adeus e afirmou que, mesmo estando do ‘outro lado’ iria tomar conta de mim e de nosso filho.” Referências bibliográficas Muitas outras histórias similares a de João têm aflorado em nossos cenários de ensino e prática de CP. Fica fácil compreender que após tão profundas experiências estudantes e profissionais criam sua próprias histórias de caos e necessitam transcendê-las em histórias de busca. Assim, após a discussão de aspectos 1. De Benedetto MAC, Castro AG, Carvalho E, Sanogo R, Blasco PG. From Suffering to Transcendence – Narratives in Palliative Care. Canadian Family Physician 2007; 53:1277-9 2. McWhinney IR. A Textbook of Family Medicine. Oxford University Press, New York, 1997 3. Pedreño, HG. De Dominio Público. Ediciones Universidade de Navarra. SA, España, 1997 4. Frank AW. Just Listening: Narrative and Deep Illness. Fam Syst Health. 1998; 16: 197-212 5. Balint M. 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Canadian Family Physician 2008; 54: 1146-7 B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s Conclusão R e v i s t a técnicos relacionados à prática clínica, as nossas atividades em CP são usualmente fechadas com uma sessão de escrita reflexiva. (10) Nesta, os participantes têm a oportunidade de compartilhar experiências, sentimentos e dores, o que permite a clarificação de situações difíceis. Muitas vezes, textos literários que refletem a realidade ali vivida são utilizados para ilustrar temas emergentes na prática. Lições de vida são compartilhadas e dessa forma se transformam em um sólido aprendizado que passa a ser aplicável em situações similares e também em outros cenários de prática. A abordagem narrativa aplicada em CP tem demonstrado ser um excelente instrumento didático e terapêutico para estudantes, profissionais, pacientes e familiares. A Medicina através de Narrativas enriquece a prática clínica e é totalmente alinhada aos preceitos ensinados em Medicina de Família e CP. As narrativas permitem que os aspectos sutis do ser humano, os quais não são levados em conta pela abordagem puramente técnica, sejam também contemplados. Permitem uma integração harmoniosa dos vários elementos envolvidos na prática da medicina: médicos, pacientes, evidências científicas, prática centrada no paciente, tecnologia, etc.. E assim, fazendo o papel desse elemento integrador, as narrativas promovem a prática da Medicina de forma compreensiva e eficiente, ou seja, como Ciência e Arte. (11) d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) CUIDADOS PALIATIVOS NA EMERGÊNCIA Palliative Care at the Emergency Room 2009 21 Cuidados Paliativos CUIDADOS PALIATIVOS NA EMERGÊNCIA Palliative Care at the Emergency Room Paulina Basch - Especialista em Clínica Médica pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo -ISCMSP, Cuidados Paliativos pela Oxford University em associação com Pallium Latinoamerica Assistente da ISCMSP e membro da Equipe de Tratamento de Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Israelita Albert Einstein Resumo: Os pacientes em situação de cuidados paliativos no Brasil ainda são pouco acompanhados por equipes específicas para isso. Diante dessa realidade, surge a necessidade da abordagem de pacientes terminais e sem possibilidades terapêuticas curativas nos prontosocorros. O médico deve estar preparado para lidar com essas situações no serviço de emergência e saber proporcionar alívio adequado dos sintomas e sofrimento, que podem incluir dor, fadiga, náusea, dispnéia, constipação, suboclusão intestinal e outros, além de realizar uma abordagem inicial adequada ao paciente e familiares. Abstract: Seriously ill and dying patients are rarely evaluated and assisted by specific palliative care teams in Brazil. In these settings, there is an amount of patients that are evaluated in the emergency room, and physicians must deal with supportive therapies to manage pain, suffering, nausea, fatigue, dyspnea ,anxiety, constipation, and provide an adequate initial approach for the patient and his family, addressing anxiety and psychosocial issues properly. Palavras-chave: Cuidados Paliativos, controle de sintomas, pronto-socorro, alívio do sofrimento, dor, dispnéia, sedação paliativa. Key words: Palliative Care, symptom control, emergency room, suffering control, pain, dyspnea, palliative sedation. Introdução Cuidados Paliativos são os cuidados oferecidos a pacientes cujas doenças apresentam escassas possibilidades de tratamento curativo, como neoplasias metastáticas, doenças crônicas em fase final (DPOC, ICC, Demências avançadas, Hepatopatias terminais), mas que, apesar da impossibilidade de tratamento curativo, podem receber uma imensa gama de cuidados, visando o controle de sintomas, cuidados com a família e abordagem da terminalidade. Isso engloba o conceito de “Dor Total”, que é definido como a abordagem das dores: física, emocional, financeira, social e espiritual. Como a grande maioria dos pacientes que enfrentam esse processo não é ainda acompanhada por uma equipe multiprofissional capacitada para isso, o número de pacientes e familiares que buscam os serviços de Emergência para controle de sintomas corresponde a cerca de 15% dos atenR e v i s t a B r a s i l e i r a d e dimentos prestados na sua totalidade. O médico emergencista deve, portanto, estar preparado para lidar com essas difíceis situações e saber proporcionar alívio da dor e de outros sintomas que causem sofrimento. Neste artigo de revisão abordaremos as principais situações vividas em um pronto socorro com pacientes com as patologias acima, que podem apresentar: dor, dispnéia, náuseas e vômitos, obstipação, alterações neurológicas, fraturas patológicas, sangramentos, distúrbio metabólicos, desidratação, debilidade intensa e estado agônico terminal, e como controlar os sintomas e aliviar o sofrimento. Abordagem inicial Em cada caso é necessária uma apurada anamnese e exame físico, possibilitando o diagnóstico correto para orientação do tratamento. C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 22 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos É necessário lembrar que em Cuidados Paliativos a unidade de cuidado é o paciente e a família, e uma relação médico-paciente deve ser bem estabelecida, mesmo que em poucos minutos. A conversa sobre o prognóstico reservado e a possibilidade de morte deve ocorrer, mesmo que o assunto esteja sendo abordado pela primeira vez, como vemos tantas vezes. O médico deve saber ouvir o paciente e a família, com contato visual e proximidade corporal adequados para o acolhimento. Deve também estar preparado para reações naturais que possam ocorrer, como negação, revolta e tristeza, sabendo que estas não lhe são direcionadas, mas reações humanas naturais frente a notícias difíceis, como a de morte próxima. As vias de administração de medicamentos também têm sua particularidade, priorizando-se a via oral (VO), seguida da subcutânea (SC), que é menos dolorosa, mais fácil de ser instalada e mais cômoda para o paciente que a via endovenosa (EV). Esta seria a terceira opção, sendo a última opção a via intramuscular (IM), por causar dor e desconforto, sensações que queremos evitar. As vias transdérmica (TD) e retal (VR) também podem ser utilizadas, se houver possibilidade e necessidade. As medicações que podem ser administradas por via SC são: morfina, fentanil, midazolam, tramadol, haloperidol, metoclorpramida, dimenidrato, escopolamina, dexametasona, ranitidina, furosemida, clodronato, calcitonina, levomepromazina, diclofenaco, soro fisiológico e solução glicofisiológica. pela escada para cada indivíduo com atenção aos detalhes Primeiro degrau: dor leve No primeiro degrau devem ser introduzidos analgésicos comuns como a dipirona, o paracetamol. Doses: Dipirona – 500mg a 2g, VO ou EV de 6/6h Paracetamol – 500mg a 1g, VO de 6/6h Segundo degrau: dor moderada Manter analgésicos comuns, associando opióides fracos , como o tramadol e a codeína. Doses: Codeína – 7,5 a 30mg, VO de 6/6h Tramadol: 50 a 100mg, VO, SC ou EV, de 6/6h Terceiro degrau: dor intensa É necessário o uso de opióides fortes, como morfina, metadona, oxicodona ou fentanil. Abordaremos mais o uso da morfina, que pode ser facilmente prescrita em um Serviço de Emergência, já que outros opióides podem não estar disponíveis e seu manejo é um pouco mais complexo. “Existe um consenso internacional sobre a morfina como opióide de eleição para o manejo da dor por câncer. Seu uso apropriado não somente dá resultados efetivos, como também é bastante seguro.” ( Twycross, 1993). analgesia deve ser preconizada: - pela boca (VO) - pelo relógio (de horário) Doses: Morfina 10mg VO 4/4h com dose de resgate de 5mg se necessário. Aumentar a dose conforme a utilização dos resgates. Morfina 2mg SC ou EV 4/4h, com resgates de 1mg se necessário. Pode-se realizar um bolus inicial de 5mg. Aumentar a dose conforme a utilização de resgates e controle da dor. A dor é o próprio modulador da dose de morfina, o que torna a possibilidade de intoxicação remota, já que é realizada uma titulação conforme a melhora da dor, individualizada, reavaliando-se o paciente com freqüência. A dose de morfina VO é três vezes a dose de morfina EV ou SC, devendo-se atentar a esse fato para realização de equivalência e mudança de via. Os principais efeitos adversos são: sedação, náusea, constipação, prurido, retenção urinária, mioclonias, hiperalgesia e depressão respiratória se em altas doses. Deve-se ter cuidado na administração em pacientes com insuficiência renal. Em caso de intoxicação, deve-se reduzir a dose, hidratar o paciente, controlar náuseas e outros sintomas ou em último caso trocar de B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s Dor A dor é uma experiência sensorial e emocional desprazerosa, associada a dano atual ou potencial de tecidos. É um fenômeno somatopsíquico, de natureza multidimensional. Enfocaremos o tratamento da dor aguda do ponto de vista farmacológico no capítulo. A caracterização da dor é de fundamental importância para seu tratamento, devendo-se considerar: localização, intensidade, qualidade, fatores de melhora ou piora, temporalidade, irradiação. A OMS estabelece uma “escada” da dor, pela qual 90% das dores podem ser controladas. Utiliza-se a escala numérica da dor, considerando-se: 1 a 3: dor leve; 4 a 6: dor moderada; 7 a 9: dor intensa e 10: dor insuportável. A R e v i s t a - - - d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) CUIDADOS PALIATIVOS NA EMERGÊNCIA Palliative Care at the Emergency Room 23 2009 Cuidados Paliativos opióide. Não abordaremos a troca de opióide neste artigo. É necessário prevenir alguns efeitos de antemão, como a obstipação. Ao prescrever opióides, se não houver contraindicações, prescrever um laxativo associado(senna, bisacodil, lactulose, etc...). Medicações adjuvantes São medicações que devem ser utilizadas para controle da dor em qualquer intensidade de dor, pois são complementares e auxiliam no mecanismo específico em cada caso, nos diferentes tipos de dor. Náusea e Vômitos Entre 40 e 70% dos pacientes com câncer avançado apresentam náuseas e vômitos, não havendo, entretanto, diretrizes absolutamente definidas para seu controle. O importante é realizar o diagnóstico correto de sua causa, para que o tratamento antiemético adequado seja instalado de acordo com sua fisiopatologia. Causas comuns de náuseas e vômitos em pacientes com câncer avançado: - Transtornos gastrointestinais: estase gástrica, suboclusão intestinal - Irritação faríngea: candidíase, dificuldade de expectoração - Drogas: opióides, antibióticos, AINE, digoxina - Metabólicas: hipercalcemia, insuficiência renal/uremia - Tóxicas: radio e quimioterapia, infecções, sínd. Paraneoplásicas - Metástases cerebrais - Inerente à doença: síndrome da anorexia-caquexia - Fatores psicossomáticos: medo, ansiedade Tratamento Inicialmente deve-se “corrigir o corrigível”, com suspensão de drogas emetogênicas ou redução de dose. Identifica-se então a causa provável e principal dos sintomas para introduzir o tratamento farmacológico adequado: Fármaco Grupo Dose inicial Dose máxima Indicações Efeitos adversos Gabapentina Anticonvulsivante 300mg 3600mg Dor neuropática Sonolência, náusea edema MMII Amitriptilina Antidepressivo tricíclico 25mg 150mg Dor neuropática Efeitos anticolinérgicos:boca seca, retenção urinária, constipação Carbamazepina Anticonvulsivante 100mg 1600mg Dor neuropática Retenção hídrica, hiponatremia, sonolência, tontura Dexametasona Corticoesteróide 4mg 20mg Compressão tumoral Hipernatremia, hiperglicemia Sertralina Antidepressivo ISRS 50mg 100mg Dor neuropática/ componente depressivo Náusea, vômitos, redução do apetite inicialmente Clonazepam Benzodiazepínico 0,5mg 4mg Dor com componente de ansiedade Hipotensão postural, sonolência excessiva Diclofenaco AINH 50mg 150mg Dor com componen- Insuficiência renal, te inflamatório dispepsia, sangramentos R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 24 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos a) Em casos de gastrite, estase gástrica ou obstrução intestinal funcional: pró-cinético como a metoclorpramida na dose de 10mg VO ou SC 6/6h, ou 40 a 100mg SC em 24h, em infusão contínua. b) Náusea por hipercalcemia, insuficiência renal ou altas doses de opióides: antiemético de ação principal na área postrema, sendo o haloperidol a medicação de escolha, na dose de 1 a 3mg SC em dose única noturna ou 5mg SC em 24h em infusão contínua. c) Náuseas e vômitos por provável suboclusão intestinal: dexametasona 4 a 20mg/dia, VO, SC ou EV; escopolamina 20mg SC 6/6h; dimenidrato 50 a 100mg VO ou EV 6/6h. d) Náuseas e vômitos por quimioterapia (QT), distensão intestinal, dano da mucosa por radioterapia (RT) e nos casos de insuficiência renal com alteração plaquetária: ondansentron 4mg EV 8/8h, por até 5 dias após a QT. e) Falha terapêutica com outros antieméticos: associação de dexametasona, outro antiemético, ou introdução de levomepromazina com dose inicial de 6,25mg SC 12/12h. Tem amplo espectro de ação antiemética, em pelo menos 4 dos receptores envolvidos. Pode causar sedação. OBS: não se deve prescrever uma droga pró-cinética (metoclorpramida – Plasil) associada com um anticolinérgico (escopolamina – Buscopam). A via final comum de ação dos pró-cinéticos é colinérgica, o que bloqueia seu efeito. A hipercalcemia ocorre em 10 a 20% de todas as doenças malignas, chegando a 50% no câncer de mama e mieloma múltiplo. É comum nos cânceres de pulmão, cabeça e pescoço, rim, colo de útero e em metástases ósseas. Geralmente ocorre em etapas avançadas da doença, com sobrevida de 20% em um ano. Os sintomas variam de intensidade, e incluem fadiga, anorexia, torpor, constipação, delirium, náuseas e vômitos, sonolência e coma. Para orientar o manejo da hipercalcemia em pacientes sem possibilidade terapêutica curativa, devemos pensar: “há uma justificativa para corrigir uma complicação potencialmente fatal em um paciente moribundo?” Se o paciente estiver consciente e participativo, com qualidade de vida prévia aceitável (do ponto de vista do paciente), perspectiva de tratamento paliativo prolongado ou alguma pendência de outra ordem a ser resolvida, há justificativa para tal. O tratamento é baseado na hidratação com SF0,9%, diuréticos de alça e bisfosfonados como o palmidronato, na dose de 30 a 90mg EV, com infusão de 20mg/h e concentração máxima de 60mg por 250ml de solução. Deve ser repetido em uma semana, e mantido por 3 a 4 semanas seguintes. A calcitonina tem efeito rápido e normaliza a calcemia em 2 horas. A dose preconizada é de 100UI em 24h, SC, com efeito por aproximadamente 3 dias. Desidratação intestinal É causa comum de procura ao Pronto Socorro, sendo freqüente em Cuidados Paliativos pelo uso de medicações, imobilidade prolongada, distúrbios metabólicos, desidratação e tumorações que podem causar oclusões e suboclusões. O manejo da suboclusão intestinal em CP é realizado de forma conservadora, com corticóides como a dexametasona de 4 a 20mg/dia SC, VO ou EV, escopolamina 20mg SC 6/6h. A intervenção cirúrgica é rara, devendo-se respeitar a autonomia do paciente e família para tal. Em casos de fecaloma, pode-se realizar tanto a quebra seguida de enema quanto um enema com óleo mineral inicialmente. Algumas drogas laxativas que podem ser prescritas são Senna, lactulose, docusato, óleo mineral, bisacodil. Seu uso diário diminui a possibilidade de constipação e suboclusão intestinal, já que a maioria dos pacientes em questão usa opióides diariamente. A desidratação terminal é definida como a alteração produzida pela depleção de sódio e água que ocorre nos últimos dias de vida do paciente, por desinteresse ou impossibilidade na ingestão. Acredita-se que a desidratação não origine mal estar nem sofrimento no paciente terminal; pelo contrário, pode ter benefícios pelo aumento de endorfinas endógenas circulantes por seu efeito analgésico e anestésico. Há sim desconforto na sensação de sede e boca seca ocasionada por medicamentos (opiáceos, anticolinérgicos, tricíclicos), que pode ser resolvida facilmente com administração de gelo picado em pequenos goles. A desidratação pode contribuir para agitação, delirium, aumento de efeitos adversos de opióides, constipação e alterações da pele. Contudo, a reidratação em pacientes terminais pode aumentar a quantidade de secreções faríngeas e pulmonares, produzindo estertores, tosse, dispnéia, aumento do risco de edema agudo de pulmão, edema de membros e ascite, aumento das secreções gástricas e digestivas, podendo causar náusea e vômitos. B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s Constipação R e v i s t a Hipercalcemia e suboclusão d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) CUIDADOS PALIATIVOS NA EMERGÊNCIA Palliative Care at the Emergency Room 2009 25 Cuidados Paliativos Deve, portanto, ser pesado seu risco-benefício dependendo do caso. A via prioritária para administração de fluídos é a via oral, podendo-se trazer conforto e alívio da sensação de sede e boca seca com uma medida bastante simples: pequenos goles de gelo picado, água gelada com limão espremido e cuidados com os lábios. A passagem de sonda nasogástrica ou nasoenteral não é defendida hoje em dia para garantir a hidratação de pacientes terminais, sendo considerada uma medida agressiva, desconfortável e que não garante benefícios. Seu uso deve ser restrito a pacientes com disfagia, fístulas e obstruções altas que impeçam a alimentação natural. A hidratação EV deve ser utilizada apenas nos casos em que esteja indicada uma reposição hídrica rápida, sem evidência de que aumente a qualidade de vida do paciente terminal. A hipodermóclise ou hidratação SC pode ser realizada, sendo bem tolerada e com poucos efeitos adversos secundários. Podem ser infundidos até 1500ml de solução salina fisiológica ou glicofisiológica, em infusão contínua de 20 a 120ml/h. Hemorragia A hemorragia é uma complicação comum dos pacientes terminais, e causa muita ansiedade para o paciente e família. Os principais locais de sangramento são: - aorta em tumores broncogênicos - artéria carótida em tumores de cabeça e pescoço, com aumento do risco se houve cirurgia ou RT prévios - sangramento de úlceras malignas por rotura arterial - hematêmese, melena e sangramento vaginal maciços O tratamento depende da gravidade da hemorragia e do prognóstico do paciente (grau de morbidade). A transfusão sanguínea pode ser considerada, bem como adrenalizações e compressões de sangramento em local visível. Em tumores de cabeça e pescoço, deve-se acomodar o paciente se possível com toalhas ou panos de cor escura, evitando ansiedades maiores. Em caso de morte iminente, havendo consenso entre paciente, família e equipe médica, deve-se considerar a sedação paliativa (será abordada a seguir). Síndrome da veia cava superior É a compressão extrínseca ou invasão da parede do vaso ou mesmo a própria trombose da veia R e v i s t a B r a s i l e i r a d e cava superior, geralmente causada por neoplasias avançadas de pulmão (75% dos casos) e linfomas (15 a 20% dos casos). Ocorre edema cervicofacial, turgência jugular, cefaléia e dispnéia. O tratamento deve ser realizado com Radioterapia e corticoterapia em altas doses (dexametasona 20mg ou metilprednisolona 60 a 80mg/dia), ou QT em neoplasia pulmonar de pequenas células. Em caso de doença muito avançada, utilizar apenas a corticoterapia associada a diuréticos de alça. Compressão Medular A compressão medular é uma urgência oncológica e neurológica, cujos diagnóstico e tratamento precoces podem evitar dano neurológico grave e irreversível. É caracterizada inicialmente por dor, evoluindo para alterações motoras e déficit de sensibilidade até paralisia e incontinência de esfíncteres como conseqüência do dano neurológico completo. A história clínica, exame físico e exame de imagem (RNM) da coluna são imprescindíveis para o correto diagnóstico e instituição do tratamento. Este deve ser iniciado com dexametasona de 4 a 20 mg/dia, com manutenção de 4 a 8mg EV ou SC de 6/6h, além de analgesia com opióides conforme a escada de analgesia. A RT de urgência deve ser realizada, pois descomprime o tecido nervoso pela regressão tumoral, reduz o déficit neurológico e controla a dor. A cirurgia deve ser indicada apenas em casos de RT prévia, progressão da lesão em curso de RT, não confirmação histológica com piora clínica e instabilidade mecânica. A RT, QT ou hormonioterapia adjuvantes após a cirurgia estão indicadas. Dispnéia A dispnéia grave é um dos principais sintomas que apresenta o paciente com câncer avançado em etapa terminal, principalmente na última semana de vida. É multifatorial, podendo ser atribuída a neoplasia pulmonar, metástases pulmonares, derrame pleural, linfangite carcinomatosa, ascite de grande volume, infecções e congestão pulmonar. É acompanhada por intensa angústia e sensação de morte iminente, sensações estas compartilhadas com os familiares. Dependendo da causa pode ser aliviada por uma paracentese ou toracocentese no caso de derrame pleural; se o derrame pleural neoplásico não responde mais a repetidas toracocenteses, outra C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 26 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos estratégia terapêutica deve ser pensada. Em caso de hipersecreção de vias aéreas com roncos difusos à ausculta por acúmulo de secreções em vias aéreas altas (sororoca), pode-se introduzir um anticolínérgico como a escopolamina, na dose de 20mg SC de 6/6h, com aporte hídrico se possível apenas VO. A família deve ser orientada que esses ruídos são por acúmulo de secreção, e não algo que esteja causando grande sofrimento ao doente. A utilização de morfina e midazolam no controle da dispnéia mostrou-se superior a longo prazo em relação ao aporte de oxigênio com máscara, que apresenta alto grau de intolerância. A dose de morfina para controle da dispnéia é variável, podendo-se iniciar com 2 a 4mg SC de 4/4h. Se após 1 hora não houver resposta, pode-se realizar uma dose de resgate com metade da dose infundida anteriormente, reavaliando sempre até controle do sintoma. Após a obtenção da dose terapêutica, mantê-la de 4/4h, reavaliando-se com relação à possibilidade de efeitos adversos. Pode-se realizar também infusão contínua com 20 a 40mg SC em 24h ou conforme controle terapêutico. A associação com midazolam em doses baixas em casos de crise de dispnéia ou ataque de pânico respiratório é benéfica, iniciando-se com 5mg SC, podendo ser repetida em algumas horas se necessário (no mínimo 1 hora para aumento de dose e nova dose se controle adequado). A orientação ao paciente e família sobre as medicações utilizadas é imprescindível, explicando-se a intenção do controle da dispnéia, não de sedação. Sedação Paliativa É a administração de fármacos que reduzem o nível de consciência, com o consentimento do paciente ou responsável, com o objetivo de aliviar sintomas refratários e intoleráveis em pacientes com doença avançada e terminal. Há vários tipos de sedação utilizados, podendo ser classificados em: - intermitente: propicia momentos de consciência - contínua: mantém o paciente sedado até a morte - superficial: mantém a consciência - profunda: mantém o paciente inconsciente Para realizar a sedação, é necessário que todas as causas de sofrimento tenham sido tratadas, e, em casos de delirium potencialmente reversíveis, optar por sedação intermitente. Para sedação conR e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s tínua é necessário certificar-se de que a doença é irreversível e há iminência de morte. Como reconhecer um paciente na iminência de morte? Geralmente são pacientes que apresentam-se extremamente debilitados, com sonolência, desorientação, caquexia, pouca ou nenhuma ingesta oral de alimentos ou fluídos. É necessário deixar claro que a sedação paliativa difere absolutamente da eutanásia, uma vez que esta é uma ação médica realizada com intenção de provocar a morte, e a sedação paliativa um recurso final em etapa final de doença, com a intenção de aliviar um sofrimento refratário. A família deve ser orientada e concordar com o procedimento, e para isso a intenção deve ser exposta com sinceridade. A abordagem familiar em relação à morte próxima deve ser realizada, incentivadas expressões de sentimentos, sejam eles de tristeza, amor, culpa ou apenas de despedida. Ao perceber que o paciente terá uma morte não dolorosa e sem sofrimento aparente nas próximas horas ou dias, na maioria das vezes a família concorda com o procedimento e agradece pelo grande alívio proporcionado, apesar da tristeza sentida. As medicações utilizadas na sedação paliativa compreendem hoje em dia os benzodiazepínicos como o midazolam, e a levomepromazina, um antiemético com forte poder sedativo. A dose de midazolam preconizada é de 1 a 6mg/h, SC em infusão contínua, com dose inicial de 10mg SC em bolus. É necessário reavaliar após 30 minutos para controle da infusão, evitando depressão respiratória significativa ou inconsciência dependendo da intenção da sedação. A dose de levomepromazina é de 12,5 25mg/24h SC em infusão contínua. A antiga M1 composta por clorpromazina (amplictil), prometazina (fenergan) e petidina (dolantina) não é mais utilizada, pela baixa efetividade de controle de sintomas, devendo ser evitada. A sedação com midazolam tem a vantagem de poder ser revertida pela meia-vida curta da droga, podendo-se inclusive programar horários de suspensão da infusão para retomada da consciência. No caso de insuficiência renal a medida não costuma ser efetiva. Conclusão O número de pacientes efetivamente acompanhados por uma equipe multiprofissional de Cuidados Paliativos ainda é escasso, comparando-se com os atendimentos prestados a doentes terminais nos serviços de emergência. Portanto, é P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) CUIDADOS PALIATIVOS NA EMERGÊNCIA Palliative Care at the Emergency Room 2009 27 Cuidados Paliativos necessário que o médico do pronto socorro tenha noções de como propiciar alívio do sofrimento, controle de sintomas e uma possível morte digna aos pacientes. O final da vida não deve ser negligenciado em termos de importância, pois muito há a se fazer para propiciar uma boa morte. Que lhe seja dada a devida honra, mesmo no pronto socorro onde se atende emergências de pacientes com uma vida pela frente. A Humanidade agradece. Referências Bibliográficas 1. Back AL, Arnold RM. Dealing with conflict in caring for the Seriously. JAMA – march 16, 2005; vol 293, number 11 R e v i s t a B r a s i l e i r a d e 2. Twycross R G. 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World Health Organization – www.who.org C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 28 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos Prurido associado ao uso de opióides Samantha C. S. da Silva - Oncologista do Instituto de Cãncer de São Paulo Ricardo Caponero - Oncologista Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Brigadeiro e Hospital Edmundo Vasconcelos - SP Resumo: O prurido é um sintoma muito comum que pode estar associado a uma determinada condição dermatológica ou uma doença sistêmica. A causa pode ser multifatorial ou devido a um único distúrbio subjacente. O tratamento é muitas vezes ineficaz e, como tal, o prurido pode ser bastante debilitante em alguns pacientes. Embora o prurido induzido por opióides possa ser severo e, em alguns casos, mais debilitantes do que a dor que requer analgesia, ele não é uma contra-indicação para o tratamento com opióides. Mudança de opióides, o via de administração ou o uso de naloxona ou ondansetrona parecem ser as formas mais adequadas de manejo. Abstract: Pruritus is a very common symptom that may be associated with a specific dermatologic condition or a systemic disease. The cause can be multifactorial or due to a single underlying disorder. Treatment is often ineffective, and as such, pruritus may be quite debilitating in some patients. Although opioid induced pruritus may be severe, and in some cases, more debilitating than the pain requiring analgesia, it is not a contraindication for further opioid treatment. Change of opioid, site of administration or the use of naloxone or ondansetron appear to be the most suitable forms of management. Introdução A experiência prática mostra que o prurido é uma reação adversa bastante comum em pacientes que recebem opióides, particularmente por via endovenosa e intra-espinal. Entretanto, é muito provável que esse seja um evento sub-reportado por ser considerado de menor gravidade tanto por profissionais de saúde como pelos próprios pacientes. Usualmente localizado na face, pescoço e tórax superior, pode ser generalizado.1,2 Os dados publicados mostram uma incidência de prurido que varia em função da via de administração dos opióides. A freqüência de relatos de prurido é de 13% para os pacientes que recebem opióides por via endovenosa,3 de 20% a 80% para a via intratecal e de 20% a 93% para a via epidural.4 Fisiopatologia O mecanismo pelos quais os opióides causam prurido não está bem estabelecido. Muitas substâncias induzem prurido por causar uma liberação de histamina pelos mastócitos na pele. Embora os opióides causem a liberação de histamina nos mastócitos sistemicamente, esse não parece ser o mecanismo subjacente R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s ao efeito que ocorre cerca de três horas após a administração espinal ou epidural. O prurido também ocorre com o fentanil, o qual não causa a liberação de histamina dos mastócitos.2 A causa mais provável parece ser via um efeito central direto. Prurido decorrente da administração intratecal de opióide é provavelmente causado pela migração cefálica da droga através do líquido cefalorraquidiano que interage com o núcleo trigeminal localizado na medula superficial. O núcleo trigeminal descende pela medula cervical e conecta-se com a substância gelatinosa do corno dornal.5,6 A interação do opióide com a substância gelatinosa parece ser responsável pelo reflexo da “coceira”. Essa hipótese é respaldada pelo fato da substância gelatinosa ser uma área na medula espinal que é o sítio primário de ação dos opióides administrados por via intra-espinal e pelos antagonistas opióides como a naloxona revertem esse efeito. Tratamento Todos os dados a respeito do uso de antihistamínicos indicam que eles não são partiP a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) Prurido associado ao uso de opióides 2009 29 Cuidados Paliativos cularmente efetivos.7,8,9 A mudança para um opióide com menos propriedades de liberação de histamina (por exemplo: hidromorfona, oximorfona ou fentanil) ocasionalmente produz alívio, mas não resolve o prurido de forma considerável. A substituição da buprenorfina epidural (agonista parcial) em combinação com bupivacaína, para alívio de prurido severo e incontrolável, foi efetiva em um único relato de caso.10 Naltrexona Em adultos, uma dose de 6 mg de naltrexona, por via oral, diminui a coceira causada pelo uso de morfina epidural, sem afetar de forma significativa a analgesia. Entretanto, doses de 9 mg estão associadas com uma duração mais curta do efeito analgésico. 10 Metilnaltrexona A metilnaltrexona é o resultado da adição de um grupo metil a naltrexona, diminuindo sua afinidade lipídica e limitando sua passagem pela barreira hemato-encefálica, o que faz dela um antagonista opióide periférico, sem comprometer o controle da dor pelo sistema nervoso central. Utilizada no tratamento da obstipação induzida por opióides, foi utilizada na dose de 19,2 mg/Kg, por via oral, em um estudo com 10 pacientes, sendo demonstrada uma redução significativa do prurido.11 Naloxona Naloxona é uma forma segura e custo-efetiva de tratamento. Em um estudo pediátrico com 30 pacientes e 2 - 5 mcg/kg/hr de infusão contínua, 63% dos pacientes tiveram resolução completa do prurido e 37% tiveram alívio parcial. Em 23% dos casos, naloxona diminuiu a duração do efeito analgésico e aumento da dose do opióide foi necessária.3 Propofol O propofol tem sido utilizado em adultos em doses sub-hipnóticas, ou seja, 10 mg em bolo ou 0,3 mcg/Kg/min por infusão endovenosa. Acredita-se que sua ação se dê pela inibição de vias espinais dorsais e ventrais. De forma geral a taxa de sucesso no alívio do prurido tem sido relatada como sendo de até 80% no período de 3 a 6 horas após a administração de morfina epidural, com a vantagem adicional de reduzir a dor pósoperatória.4 R e v i s t a B r a s i l e i r a d e Ondansetrona A ondansetrona, um antagonista dos receptores 5-HT3, tem sido utilizada para tratar o prurido em pacientes com doenças colestáticas onde os níveis de opióides endógenos estão elevados. Há numerosos relatos de caso de sucesso com seu uso no tratamento do prurido induzido por opióides. Em quatro pacientes onde a administração peri-operatória de opióides causou prurido importante, a administração de 4mg de ondansetrona por via endovenosa, resolveu totalmente a coceira, em poucos minutos, em três destes pacientes, ao mesmo tempo que permitiu um alívio significativo no outro paciente.10 Outro estudo demonstrou que doses repetidas de ondansetrona reduzem em 33% a incidência de prurido após a administração de morfina subaracnóidea.12 Uma revisão de 15 estudos randomizados, duplo-cego com 1337 pacientes selecionados mostrou que os antagonistas 5-HT3 reduziram de forma significativa o prurido induzido por opióide [odds ratio (OR) 0.44 (95% intervalo de confiança, 95% CI, 0.29-0.68), p= 0.0002] quando comparados com placebo.13 Mirtazapina Mirtazapina é um novo antidepressivo que bloqueia seletivamente os receptors 5-HT2 e 5-HT3. Um estudo randomizado com 110 pacientes mostrou que o uso profilático de mirtazapina diminuiu a incidência de prurido após o uso de morfina intratecal comparado com o uso de placebo (75% vs 52%, respectivamente; P=0.0245).14 Gabapentina O uso de gabapentina como profilaxia de prurido induzido por anestesia espinhal foi avaliado em um estudo randomizado com 86 pacientes em programação de cirurgia ortopédica. O grupo que usou a pré-medicação apresentou menor incidência de prurido (77.5 vs 47.5, P= 0.01).15 Conclusão Prurido induzido por opióide é muitas vezes severo e mais debilitante que a dor. Entretanto, esse efeito colateral não é considerado contraindicação ao uso dessa classe de analgésicos. Mudança do tipo de opióide, mudança do sítio de administração e o uso de naloxona ou ondansetrona são formas adequadas de tratamento. O uso de mirtazapina C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 30 2009 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos 1. Peter V. 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Br J Anaesth. 2008 Sep;101(3):311-9. Epub 2008 Jul 7. 14. Sheen MJ, Ho ST, Lee CH, Tsung YC, Chang FL, Huang ST. Prophylactic mirtazapine reduces intrathecal morphine-induced pruritus. Br J Anaesth. 2008 Nov;101(5):711-5. Epub 2008 Aug 18. 15. Sheen MJ, Ho ST, Lee CH, Tsung YC, Chang FL. Preoperative gabapentin prevents intrathecal morphine-induced pruritus after orthopedic surgery. Anesth Analg. 2008 Jun;106(6):1868-72. B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s e gabapentina parece promissor, mas o real benefício dessas duas drogas no manejo do prurido induzido por opióide necessita ser confirmado por outros estudos. Referências Bibliográficas: R e v i s t a d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 31 Cuidados Paliativos O cuidador informal e o ordálio do paciente com câncer avançado de cabeça e pescoço Marcos Brasilino de Carvalho Cirurgião de cabeça e pescoço Chefe do Serviço de Oncologia Grupo de Cuidados Paliativos Hospital Heliópolis- São Paulo O câncer de cabeça e pescoço continua tendo destaque nas estimativas de doenças em todo o mundo, mas assume um papel mais dramático nos países em desenvolvimento. Pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde, por falta de informação do paciente, de seus médicos ou dentistas, o predomínio de tumores em fases avançadas em que são diagnosticados fazem os resultados do tratamento bastante desapontadores. A partir do diagnóstico de carcinoma epidermóide em estádio avançado inicia-se o ordálio do paciente e de seus familiares do qual já se conhece antecipadamente o desfecho. Serão reféns de uma condição da qual a possibilidade de resgate é muito pequena ainda que paguem todos os custos material, social, físico e emocional exigidos. Os tumores de cabeça e pescoço, originando-se preponderantemente do epitélio de revestimento das vias aerodigestivas superiores, comprometem precocemente a qualidade de vida por envolverem duas funções vitais estratégicas: a respiração e a alimentação. Considerando que são quase todos tabagistas e etilistas crônicos, o tumor irá agravar co-morbidades já presentes anteriormente ao diagnóstico, principalmente as pneumopatias e a desnutrição. A insuficiência respiratória acabará por justificar a realização de uma traqueostomia e a presença de lesões ulceradas na cavidade oral ou faringe obrigará a passagem de uma sonda nasoenteral ou a indicação de gastrostomia para garantir o aporte adequado de alimentos e retardar a instalação de um quadro de caquexia. A seqüência de dias piores aguarda o paciente e seu cuidador. O primeiro carrega a culpa de não ter dado ouvidos às recomendações de que parasse de fumar ou beber e de não ter R e v i s t a B r a s i l e i r a d e procurado por um médico logo que começaram os sintomas. O cuidador suporta o temor de que aconteça algo que ele não saiba o que seja e como agir além do silêncio que ecoa da pergunta: _ por que comigo? Por que comigo? A dor e pavor da morte noturna afastam o sono e o paciente convive com cochilos durante o dia. O cuidador também não dorme porque o paciente está acordado e com dor. O paciente não se alimenta porque uma ferida fixou-lhe a língua, ou oblitera a garganta, ou porque a comida vaza-lhe pelo pescoço; e o paciente não se alimenta porque não é justo gozar de um prazer que não pode ser compartilhado. O paciente não sabe o que será do dia de amanhã e o cuidador também não. E eles estão sós, não ficou ninguém a quem perguntar. Os outros familiares e amigos não mais aparecem. Até os médicos disseram que tudo o que podia ser feito já foi feito e agora não resta mais nada. Esta é uma sinopse de uma história antiga que se repete ao longo dos anos com o mesmo enredo, mesmas personagens, mudando apenas os atores e variando muito pouco o cenário. O especialista em cirurgia de cabeça e pescoço escolheu um jeito difícil de ganhar a vida e deve merecer um olhar de carinhosa admiração. Ele não desvia o olhar e não prende a respiração onde muito poucos valentes e vaidosos nem se aventuram a imaginar. Vejo às vezes, emocionado, moços e moças tão jovens, de coração aberto enfrentando sozinhos situações críticas de sofrimento sem que tenham recebido nenhum alerta, nenhum preparo psicológico ou técnico e sem ter com quem compartilhar dúvidas e sentimentos. Sem C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 32 2009 Cuidados Paliativos R e v i s t a querer, entraram acompanhados pela porta certa, mas acabaram no baile da solidão onde dançam sem pares, pacientes, cuidadores e médicos. O especialista deve ser especialista em todas as fases das doenças. É fácil ser especialista de câncer em estádios iniciais. Entretanto, para que ele não seja obrigado a fugir quando o tratamento curativo não for mais possível, os serviços formadores devem estar seguros que seus egressos estejam equipados com os recursos que um paciente incurável espera que eles possam dar. Estes recursos, paradoxalmente são muito singelos e de domínio quase ime- diato de quem se propõe a oferecer cuidados paliativos quando não houver mais opções de tratamento curativo. E ter disposição interior (não é necessária nenhuma habilidade especial) para cuidar paliativamente é um exercício que dignifica o ser humano que presta e o que recebe, sendo certamente um teste inquestionável para todas as vocações. O paciente apenas quer que o médico tenha algum tempo para ouvi-lo e dar alívio e solução no que for possível. Nesta fase da doença, nenhum paciente ou cuidador fará ao médico perguntas ou exigências difíceis ou constrangedoras: eles deixaram de acreditar em milagres. B r a s i l e i r a P a l i a t i v o s d e C u i d a d o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 2009 33 Cuidados Paliativos ONICIT* (cloridrato de palonosetrona). INDICAÇÕES: prevenção de náuseas e vômitos na fase aguda associados a ciclos iniciais e de repetição contra o câncer sob quimioterapia moderada e altamente emetogênica, e na fase tardia sob quimioterapia moderadamente emetogênica. CONTRA-INDICAÇÕES: hipersensibilidade à droga ou a qualquer um dos componentes. PRECAUÇÕES E ADVERTÊNCIAS: hipersensibilidade se prévia reação a outros antagonistas seletivos do receptor 5-HT3. Cautela se houver presença ou risco de prolongamento de intervalos de condução cardíaca, particularmente QTc (hipocalemia ou hipomagnesemia, uso de diuréticos com risco de anormalidades eletrolíticas, síndrome QT congênita, uso de antiarrítmicos ou outros medicamentos resultando em prolongamento de QT e terapia com alta dose cumulativa de antraciclina). Gravidez e lactação: não há estudos adequados e bem-controlados em gestantes, portanto, avaliar risco/benefício. Avaliar risco/ benefício em lactantes considerando potencial de tumorigenicidade em estudos de carcinogenicidade em ratos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: baixo potencial. REAÇÕES ADVERSAS: Reações semelhantes em freqüência e gravidade à ondansetrona e à dolasetrona. Reações não-freqüentes: Cardiovasculares: taquicardia não-sustentada, bradicardia, hipotensão, hipertensão, isquemia miocárdica, extra-sístoles, taquicardia sinusal, arritmia sinusal, extra-sístoles supraventriculares e prolongamento de QT. Dermatológicas: dermatite alérgica, erupções cutâneas. Audição e Visão: cinetose, tinido, irritação ocular e ambliopia. Sistema Gastrintestinal: diarréia, dispepsia, dor abdominal, boca seca, soluços e flatulência, constipação. Gerais: fraqueza; fadiga, febre, calorões, síndrome gripal. Fígado: aumentos transitórios assintomáticos de AST e/ou ALT e bilirrubina. Metabólicas: hipercalemia, flutuações eletrolíticas, hiperglicemia, acidose metabólica, glicosúria, diminuição do apetite, anorexia. Músculo-esqueléticas: artralgia. Sistema Nervoso: tonturas, sonolência, insônia, hipersonia, parestesia, cefaléia. Psiquiátricas: ansiedade, euforia. Sistema Urinário: retenção urinária. Vasculares: descoloração venosa, distensão venosa. POSOLOGIA: Adultos: 0,25 mg, dose única, 30 minutos antes da quimioterapia (lavar acesso venoso antes e após a dose). Não é recomendado repetir a dose dentro de sete dias. Não é necessário ajustar a dose em pacientes geriátricos ou com alteração de função renal ou hepática. MS 1.6614.0007. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. Recorra à bula do produto para maiores informações. Distribuição exclusiva à classe médica. Distribuição exclusiva à classe médica. (MB-ONI1-3) R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) 34 2009 Cuidados Paliativos Contra-indicado em pacientes com hipersensibilidade à fentanila ou aos adesivos do sistema terapêutico. Interações Medicamentosas: Depressores do SNC e bebidas alcoólicas. Referências Bibliográficas: 1) Sathyan G, Guo C, Sivakumar K, Gidwani S, Gupta S. Evaluation of the bioequivalence of two transdermal fentanyl systems following single and repeat applications. Curr Med Res Opin. 2005; 21(12):1961-8. INFOC Nº 213827. 2) Bula. 3) Southam MA. Transdermal fentanyl therapy: system design, pharmacokinetics and efficacy. Anti-CancerDrugs. 1995; 6(Suppl 3):29-34. INFOC Nº109885. Durogesic® D-TRANS® (fentanil transdérmico) – Forma farmacêutica e apresentações: Embalagens com 5 adesivos de 2,1 mg, 4,2 mg, 8,4 mg ou 16,8 mg de fentanila, correspondentes, respectivamente, à liberação de 12*, 25, 50 e 100 mcg/hora de fentanila por via transdérmica. (*Observação: a dose real de fentanila liberada nesta apresentação é de 12,5 mcg/h. A opção por informar a liberação de fentanila/hora deste adesivo como 12 mcg/h [e não 12,5 mcg/h] tem como objetivo evitar erros no ajuste da dose [um incremento equivocado de 125 mcg/h ao invés de 12,5 mcg/h]. Esta conduta será adotada também na rotulagem do medicamento.). Uso adulto e pediátrico. Indicações e posologia: Dor crônica e dor de difícil manejo que necessite de analgesia com opióides, que não pode ser tratada com combinações de paracetamol-opióides, analgésicos nãoesteróides ou com opióides de curta duração. A dose deve ser individualizada, de acordo com a condição do paciente e o uso prévio de opióides. O adesivo de Durogesic® D-TRANS® deve ser aplicado em pele não-irritada e não-irradiada: uma superfície plana do dorso, dos braços ou nas costas, e substituído a cada 72 horas. Em crianças, o local preferido é a parte superior das costas. A área seca e sem pêlos (cortados e não raspados) deve ser limpa apenas com água. Em pacientes virgens de opióides, a dose mais baixa de Durogesic® D-TRANS® deve ser usada como dose inicial e não deve exceder 25 mcg/h. Posteriormente, a dose deve ser aumentada ou diminuída se necessário, em incrementos de 12 mcg/h ou 25 mcg/h, dependendo da resposta e da necessidade de analgesia adicional. Em pacientes que já usam opióides, deve-se converter a dose prévia de analgésicos necessária em 24 h à dose oral equianalgésica de morfina (tabela detalhada de conversão disponível na bula integral). Durogesic® D-TRANS® deve ser administrado apenas em pacientes pediátricos tolerantes a opióides que já estejam recebendo o equivalente a pelo menos 45 mg de morfina oral ao dia. Após a aplicação da dose inicial, o tratamento analgésico anterior deve ser descontinuado gradativamente, até que o efeito analgésico eficaz com Durogesic® D-TRANS® seja obtido. Em razão do aumento gradual da concentração plasmática de fentanila, a avaliação do efeito analgésico de Durogesic® D-TRANS® só é possível após 24 h de uso do adesivo, e o ajuste de dose, após 3 dias. O adesivo de 12 mcg/h que equivale a cerca de 45 mg de morfina oral/dia é particularmente útil para a titulação em doses menores. A titulação deve ser feita com aumentos de 12 mcg/h ou 25 mcg/h de Durogesic® D-TRANS® – 45 mg/dia de morfina oral equivalem a aproximadamente 12 mcg/h de Durogesic® D-TRANS® e 90 mg/dia de morfina oral equivalem aproximadamente a 25 mcg/h de Durogesic® D-TRANS®. Para doses superiores a 100 mcg/h, pode ser usado mais de um adesivo. Os pacientes podem necessitar doses suplementares periódicas de um analgésico de curta duração para dores “intercorrentes”. Quando a dose de Durogesic® for superior a 300mcg/h, alguns pacientes podem necessitar métodos adicionais ou alternativos de administração de opióides. Contra-indicações: doses excedendo 25 mcg/h para iniciar a terapia opióide, já que é necessário individualizar a dose pela titulação para alcançar os efeitos analgésicos desejados. Hipersensibilidade à fentanila ou aos adesivos do sistema terapêutico. Dor branda, intermitente, aguda ou pós-operatória. Não deve ser utilizado em crianças com menos de 2 anos de idade. Precauções e advertências: Não é possível assegurar a intercambialidade do adesivo de Durogesic® D-TRANS® para outros tipos de adesivos para cada paciente. Portanto, os pacientes não devem trocar o adesivo de Durogesic® D-TRANS® para outro tipo de adesivo sem orientação médica específi ca.Os adesivos de Durogesic® D-TRANS® não devem ser cortados. Caso o adesivo descole logo após a aplicação, descarte-o e aplique novo adesivo em local diferente. Se o adesivo descolar após certo tempo de uso, mas antes de 3 dias (72 horas de uso), descarte-o adequadamente (dobre duas vezes o adesivo usado com a face adesiva para dentro e descarte-o em segurança) e aplique novo adesivo em local diferente do anterior. Informe seu médico sobre o descolamento e não substitua por novo adesivo até 3 dias (72 horas) após a troca. Pacientes com reações adversas graves devem ser monitorizados durante 24 horas após a remoção do adesivo, pois as concentrações séricas de fentanila baixam progressivamente e caem a aproximadamente 50% cerca de 17 h (entre 13-22 h) mais tarde. Durogesic® D-TRANS® deve ser mantido fora do alcance das crianças antes e após o uso. Cautela em casos de: Hipoventilação, Doença Pulmonar Crônica, Doenças Cardíacas, Hepáticas e Renais, Aumento da pressão intracraniana, Febre. Evitar calor direto no local de aplicação do adesivo. Gravidez e lactação: Não existem dados adequados com o uso de Durogesic® D-TRANS® em gestantes. O risco potencial para seres humanos é desconhecido. A síndrome de abstinência em neonatos foi relatada em neonatos de mães com uso crônico de Durogesic® fentanil transdérmico durante a gravidez. Durogesic® D-TRANS® não deve ser usado durante a gravidez exceto se claramente necessário. Não é recomendado seu uso durante o parto, pois a fentanila atravessa a placenta. A fentanila é excretada no leite humano e pode causar sedação/hipoventilação no neonato. Portanto, Durogesic® D-TRANS® não é recomendado para uso em lactantes. Durogesic® D-TRANS® pode prejudicar a habilidade mental e/ou física necessária para a execução de tarefas potencialmente perigosas como dirigir um carro ou operar máquinas. Tolerância e dependência física e psicológica podem aparecer após administração repetida de opióides. Toxicomania iatrogênica pósadministração de opióides é rara. Poderá ocorrer abuso com fentanil de maneira similar a outros agonistas opióides. O abuso ou o uso incorreto intencional de Durogesic® fentanil transdérmico pode resultar em superdose e/ou morte. Pacientes com alto risco de abuso aos opióides podem ainda ser adequadamente tratados com formulações de liberação modificada de opiódes, entretanto estes pacientes necessitarão ser monitorados quanto aos sinais de uso incorreto, abuso e adição. Pacientes idosos devem ser cuidadosamente observados quanto aos sinais de toxicidade da fentanila e a dose deve ser reduzida se necessário. Pacientes com disfunção hepática e renal devem ser observados cuidadosamente quanto aos sinais de toxicidade da fentanila e a dose deve ser reduzida, se necessário. Interações medicamentosas: O uso concomitante de outros depressores do SNC, incluindo opióides, sedativos, hipnóticos, anestésicos gerais, fenotiazinas, tranquilizantes, relaxantes musculares, anti-histamínicos sedativos e bebidas alcoólicas, pode produzir efeitos depressores aditivos. A fentanila, um fármaco de alta depuração, é rápida e extensivamente metabolizada, principalmente pelo CYP3A4. O uso concomitante de fentanila transdérmica com inibidores potentes do CYP3A4, tais como o ritonavir, pode resultar em aumento das concentrações plasmáticas de fentanila, que poderia elevar ou prolongar tanto os efeitos terapêuticos como os adversos, e pode causar uma depressão respiratória séria. Quando uma terapêutica combinada for necessária, a dose de um ou de ambos os agentes deve ser reduzida em no mínimo 50% (anticolinérgicos ou outros medicamentos com atividade anticolinérgica, antidiarréicos e antiperistálticos, anti-hipertensivos, diuréticos ou medicamentos produtores de hipotensão, inibidores da MAO, bloqueadores neuromusculares). Reações adversas: hipoventilação, náusea, vômitos, constipação, o, sonolência, dor de cabeça, tontura, prurido, sudorese, confusão, lentidão de batimentos cardíacos, alucinações, euforia, distúrbios urinários e vermelhidão no local de aplicação. o. Eventos adversos muito comuns relatados em estudos clínicos em crianças foram febre, vômito e náusea. Superdose: A manifestação da superdose mais grave é a hipoventilação. o. Manejo da hipoventilação: remoção do adesivo de Durogesic® D-TRANS® e estímulo físico/verbal do paciente. Pode seguir-se pela administração de um antagonista opióidee específico como a naloxona. Observar intervalo entre doses endovenosas do antagonista: possibilidade de re-narcotização; a administração repetida ou em infusão contínua da naloxona pode ser necessária. Se o estado clínico do paciente exigir pode ser necessário intubação orotraqueal com respiração assistida ou controlada e administração de oxigênio. Observar temperatura corporal e equilíbrio hidroeletrolítico. Se ocorrer hipotensão grave ou prolongada, a possibilidade de hipovolemia deve ser considerada. Venda sob prescrição controlada em receituário especial (formulário A), com retenção da receita. A persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado. Janssen-Cilag Farmacêutica. Reg. MS -1.1236.0027. Informações adicionais para prescrição: vide bula completa. INFOC 0800.7013017 - www.janssencilag.com.br. Cód: 500002312. Material destinado exclusivamente à classe médica. R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 0 9 ; 2 ( 3 ) NOVA FORMA FARMACÊUTICA ALÍVIO SUSTENTADO NAS DORES INTENSAS.1-3 Agora, Durogesic® D-Trans® tem novo adesivo e nova apresentação: 12 mcg/hora. Apresentações: Ap 1 12 mcg/hora 25 2 mcg/hora 50 5 mcg/hora 100 10 mcg/hora