Caso Clínico – Aparelho Cardiorrespiratório

Transcrição

Caso Clínico – Aparelho Cardiorrespiratório
CASO CLÍNICO DO BLOCO DE APARELHO
CARDIORRESPIRATÓRIO:
Descompensação: edema agudo de pulmão e choque cardiogênico
Identificação: Z.C., 68 anos, sexo feminino, branca, professora, casada, evangélica,
natural e moradora da periferia de Niterói, RJ, não apresenta plano de saúde privado.
Queixa Principal: “sinto muita falta de ar”
História da Doença Atual: Paciente relata dispnéia data aos esforços há muito tmepo,
porém nunca procurou ajuda médica. Há aproximadamente uma semana, ela iniciou
quadro de ortopnéia e dispnéia paroxística noturna. Hoje (dia 25/04/2016) apresentou
piora súbita, com forte dispneia mesmo em repouso e sensação iminente de morte.
Revisão de Sistemas:
Sistema respiratório: taquipneia
Sistema cardiovascular: taquicardia
Sistema urinário: nictúria
Membros inferiores: presença de edema bilateral (+++/++++)
História Patológica Pregressa: Paciente relata que é hipertensa há dez anos, tratada
com losartan (100mg) e espironolactona (50mg), com má adesão ao tratamento.
Amigdalectomia aos 15 anos. Alergia a penicilina. Nega doenças sexualmente
transmissíveis, traumas, diabetes, tuberculose e transfusões sanguínea.
História Fisiológica: Não se lembra dos marcos do desenvolvimento infantil. Defeca
regularmente, uma vez ao dia, sem alterações nas fezes. Urina sem alterações em sua
cor ou cheiro.
História Familiar: Relata que mãe faleceu em 1990, aos 60 anos, em um acidente
automobilístico. Pai faleceu aos 50 anos devido a um infarto agudo do miocárdio. Filha
única. Marido tem 72 anos, diabético. Eles têm quatro filhas, hígidas, e 8 netos, também
hígidos.
História Social: Nega tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Sedentária. Mora
em casa de alvenaria, com água e esgoto encanados, problemas com ratos no
peridomicílio. Tem três gatos, dois cachorros, dois papagaios e um galinheiro.
Sinais Vitais: FC = 140bpm, FR = 27irpm, PA = 80x60mmHg, temperatura axilar de
35,4ºC.
Exame Físico Geral: Estado geral ruim, fácies atípica, inconsciente, taquipneica,
anictérica, cianose geralizada, de intensidade moderada, central; anictérica, peso 97Kg;
altura 1,63m; IMC 36,51; cintura abdominal 90cm. Mucosas: hidratadas, hipocoradas
(++/++++). Turgência jugular presente.
Aparelho respiratório: Presença de estertores crepitantes bilaterais nas bases dos
pulmões.
Aparelho cardíaco: Ritmo cardíaco em três tempos, com presença de B3.
Presença de refluxo hepatojugular e de turgência jugular quando inclinada a 45º. Pulso
palpável nos quatro membros, simétrico, alternante.
Exames complementares:
Bioquímica:
Glicemia: 97 mg/dL (valor de referência: normal até 99 mg/dL).
Uréia: 30 mg/dL (valor de referência: 15 a 45 mg/dL).
Creatinina: 1,4 mg/dL (valor de referência para sexo masculino: 0,8 a
1,6 mg/dL).
Potássio: 4,4 mEq/L (valor de referência: 3,5 a 5,0 mEq/L.
Sódio: 140 mEq/L (valor de referência: 135 a 145 mg/dL).
Cálcio total: 9,0 mg/dL (valor de referência: 8,5 a 10,1 mg/dL).
Fósforo: 3,7 mg/dL (valor de referência para adultos: 2,5 a 4,9 mg/dL).
Albumina: 4,2 g/dL. (valor de referência:3,4 a 5,0 g/dL).
Lipidograma:
Colesterol total: 324mg/dl (valor de referência <200mg/dl)
LDL: 177mg/dl (valor de referência ideal <100mg/dl)
HDL: 23mg/dl (valor de referência >60mg/dl)
Gasometria arterial:
pH: 7.3 (valor de referência: 7,35-7,450
pCO2: 57mmHg (valor de referência: 35-45mmHg)
pO2: 75mmHg (valor de referência: 80-100mmHg)
Ecocardiograma com Doopler:
Fração de ejeção: 73% (valor de referência 50%-75%)
Volume diastólico final: 85ml/m² (valor de referência > 97ml/m²)
Hipertrofia ventricular esquerda
Eletrocardiograma:
Fibrilação atrial esquerda
Radiografia de Tórax: área cardíaca com aumento significativo, congestão pulmonar e
edema pulmonar bilateral.
Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal
LEIAM O ARTIGO ENVIADO (EM ANEXO)
Considerações complementares:
Com isso em mente, podemos analisar mais a fundo o que ocorreu com nossa
paciente, para que possamos formar um raciocínio clínico.
A primeira informação importante a se ressaltar é a idade da paciente. A fibrose
cardíaca é um processo esperado devido ao envelhecimento do miocárdio e, em
pacientes idosos, o agravo deste processo levará à diminuição da complacência do
miocárdio.
Além disso, é essencial ressaltar que a paciente é hipertensa há muito tempo,
com má adesão ao tratamento. O aumento da pressão arterial característico desta doença
é realizado às custas do coração, que responde fazendo hipertrofia e remodelamento das
câmaras cardíacas. A hipertrofia cardíaca, por sua vez, aumentará a pressão sobre a
microvasculatura coronariana, promovendo o aumento da resistência capilar e possível
hipóxia tecidual. Isso tudo alterará o relaxamento diastólico ativo e passivo do
miocárdio.
Outro ponto importante a ressaltar é a obesidade e a dislipidemia da paciente. O
aumento do colesterol e do LDL séricos podem gerar esteatose cardíaca e
arteriosclerose na microvasculatura do coração, o que também são causas possíveis para
a redução da complacência cardíaca.
Reparem bem que a constatação destes processos patológicos somados ao
quadro da paciente poderiam nos levar a pensar que existe alguma disfunção na função
contrátil do ventrículo esquerdo. Porém, o fato da fração de ejeção da paciente estar
normal (73%) nos faz descartar esta possibilidade. Portanto, o possível diagnóstico
etiológico da paciente poderia residir na diástole ventricular, o que foi confirmado pelo
baixo volume diastólico final da paciente (85ml/m²), o que caracteriza a ICFEN.
Agora vamos pensar. O ventrículo esquerdo dela não está se enchendo como
deveria. Dessa forma, parte do sangue que deveria ter entrado no ventrículo ficará
acumulado no átrio esquerdo e, por consequência, na circulação pulmonar, o que gerará
um quadro de hipertensão pulmonar (quadro típico de qualquer insuficiência cardíaca
esquerda). Assim, situações que cursam com o aumento fisiológico do retorno venoso
poderão agravar o quadro dispneico, uma vez que será bombeado mais sangue para a
circulação pulmonar a partir do ventrículo direito.
Reparem em um último detalhe. O aumento crônico da pressão pulmonar
significa maior pós-carga para o ventrículo direito, o que, a longo prazo, gerará um
quadro de hipertrofia e remodelamento ventricular direitos patológicos, propiciando um
ambiente para a posterior gênese de uma insuficiência cardíaca direita, que
provavelmente ocorreu em nossa paciente, uma vez que os sintomas e sinais clássicos
desta doença já se apresentavam: edema de membros inferiores, turgência jugular e
presença do refluxo hepatojugular.
Questões:
1) A análise do eletrocardiograma demonstrou presença de fibrilação atrial
esquerda na paciente. Este quadro provavelmente tem íntima relação com a
piora súbita do quadro da paciente. EXPLIQUE o porquê dessa relação,
destacando a importância da sístole atrial esquerda para pacientes portadores
de ICFEN e DIGA uma razão fisiológica em que a sístole atrial esquerda é
de grande importância.
R: A ICFEN é resultado de uma deficiência na capacidade de relaxamento do
ventrículo esquerdo durante a diástole o que pode ter grande impacto no
valor do VDF. Dessa forma, a sístole atrial torna-se um importante
mecanismo de defesa, pois, através deste processo, ocorre o aumento da
pressão intra-atrial e, por consequência, maior fluxo sanguíneo do átrio
esquerdo para seu respectivo ventrículo, aumentando o VDF.
Fibrilação atrial significa a presença de movimentos contráteis
descoordenados no átrio esquerdo, totalmente ineficientes. Este processo
impediu que a sístole atrial ocorresse e, por consequência, houve redução
brusca do VDF e acúmulo de sangue retrogradamente na circulação
pulmonar, o que pode ter agravado o edema pulmonar da paciente,
aumentando o quadro dispneico dela. Além disso, edema pulmonar significa
diminuição da hematose e redução da quantidade de oxigênio plasmático, o
que gerará hipóxia tecidual e dano a tecidos mais dependentes de oxigênio,
como o nervoso. Isso poderia explicar inconsciência da paciente.
A sístole atrial é essencial em situações que exigem aumento do débito
cardíaco, como durante a realização de exercício físico
2) Pacientes com ICFEN apresentam alterações em seu ciclo cardíaco, com a
curva pressão-volume diastólica desviada para a esquerda. Com isso em
mente, DESENHE o possível ciclo cardíaco do paciente com ICFEN,
DESTACANDO as alterações do volume diastólico final e na pressão
diastólica final. Além disso, EXPLIQUE como as alterações nas pressões
intraventriculares colaboram para a fisiopatologia em questão.
R: O aumento da pressão diastólica intraventricular no momento da abertura
da valva mitral (ponto d’) implica numa maior dificuldade para a passagem
do sangue do átrio para o ventrículo. Além disso, o aumento da pressão
diastólica final (ponto a’) promoverá o fechamento precoce da valva mitral
antes que o ventrículo estivesse devidamente cheio, o que reduz o VDF. A
redução do VDF associada à fração de ejeção normal reduz o volume de
reserva cardíaco, o que pode ser danoso em situações que exigem maior
debito cardíaco.
3) PESQUISE como é feito o teste para se detectar refluxo hepatojugular e
RELACIONE este evento ao quadro apresentado pela paciente. Além disso,
DEFINA E EXPLIQUE a fisiopatologia da dispneia paroxística noturna e da
ortopneia.
R: O exame para se detectar refluxo hepatojugular é feito pressionando a
superfície hepática com a palma da mão e obervando-se, após compressão
firme contínua, se há enchimento e turgência da veia jugular externa direita.
O fígado é um órgão com uma grande reserva sanguínea e, quando o
comprimimos, aumentamos o retorno venoso. Em casos de pacientes com
algum grau de insuficiência cardíaca direita, o aumento do retorno venoso
não é acompanhado do proporcional aumento do débito cardíaco direito.
Dessa forma, ocorrerá aumento da pressão na circulação venosa sistêmica.
Como as veias jugulares são avalvulares e apresentam moderada
complacência, o aumento da pressão venosa gerará acúmulo de sangue
nessas veias e turgência venosa. Dessa forma, provavelmente nossa paciente
já apresenta algum grau de comprometimento do coração direito, devido ao
aumento da pressão na circulação pulmonar, o que pode ser confirmada pela
presença de edema de membros inferiores.
Ortopneia (dispneia em posição de decúbito): quando ficamos em decúbito,
ocorre o aumento fisiológico do retorno venoso. Em pacientes com
hipertensão pulmonar, o aumento do retorno venoso agravará ainda mais este
quadro, propiciando a formação de edema. O edema intersticial
provavelmente estimula receptores J justacapilares, o que, por sua vez, causa
respiração reflexa, superficial e rápida. Além disso, o aumento da rigidez do
parênquima pulmonar graças ao edema pode gerar fadiga dos músculos
respiratórios. Tudo isso promove a sensação de dispneia.
A dispneia paroxística noturna (dificuldade respiratória intensa de início
súbito que ocorre durante a noite) provavelmente ocorre em razão da redução
do estímulo adrenérgico que ocorre com o sono, o que diminui a frequência e
a força de contração muscular, do aumento do retorno venoso (mecanismo já
descrito) e da depressão noturna normal do centro respiratório.
4) Se o estado geral da paciente continuar piorando, instaurar-se-á um quadro
denominado choque cardiogênico. Pesquise um pouco sobre a fisiopatologia
do choque e DEFINA choque e dê uma possível causa para cada um dos
quatro tipos de choque (hipovolêmico, cardiogênico, distributivo e
obstrutivo). Além disso, é sabido que a acidose (diminuição do pH sérico)
que ocorre durante o choque pode ser benéfica para o paciente e por isso, não
devemos trata-la imediatamente. Baseando-se nos seus conceitos de
fisiologia aprendidos até agora, explique o porquê deste benefício.
R: Choque é definido como a incapacidade do sistema circulatório de
perfundir corretamente os tecidos com oxigênio, gerando um quadro grave
de hipóxia. Hipovolêmico: hemorragia, diarreia, desidratação, grandes
queimaduras. Cardiogênico: IC, IAM, endocardite. Distributivo: sepse,
insuficiência da adrenal. Obstrutivo: pneumotórax hipertensivo,
tamponamento cardíaco. A acidose é benéfica durante o choque porque
desvia a curva de saturação da hemoglobina para a direita, promovendo
maior liberação de oxigênio para os tecidos em hipóxia.
Referências bibliográficas:
Tratado de Fisiologia Médica; GUYTON; 12ºed
Fisiopatologia da Doença, uma introdução à medicina clínica; HAMER; 7ºed
Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal – Novos Critérios Diagnósticos e
Avanços Fisiopatológicos; MESQUITA, E. Tinoco
Insuficiência Cardíaca com Função Sistólica Preservada, MESQUITA E. Tinoco
Insuficiência Cardíaca Diastólica no Idoso; CARVALHO de, E. Thomaz
Aplicando a Diretriz Européia para o Diagnóstico da Insuficiência Cardíaca com
Fração de Ejeção Normal: relato de caso; JORGE, A. J. Lagoeiro

Documentos relacionados

Atualização em Insuficiência Cardíaca na criança

Atualização em Insuficiência Cardíaca na criança peptídeo natriurético cerebral (BNP), NT-pro BNP, podem levar a cardiotoxicidade direta e necrose. Com o aumento da severidade da IC, são observados sinais de congestão venosa sistêmica e pulmonar....

Leia mais