Resumo/Abstract Background. As refeições rápidas (fast

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Resumo/Abstract Background. As refeições rápidas (fast
OS EFEITOS DO CONSUMO DE REFEIÇÕES RÁPIDAS (FAST-FOOD) NO CONSUMO ENERGÉTICO E
NA QUALIDADE DA DIETA ENTRE CRIANÇAS NUM INQUÉRITO NACIONAL ÀS FAMÍLIAS
Resumo/Abstract
Background. As refeições rápidas (fast-food) tornaram-se uma característica
proeminente na dieta das crianças nos Estados Unidos da América, a qual tem vindo a
aumentar por todo o mundo. No entanto, poucos estudos examinaram qual o impacto do
consumo de refeições rápidas a nível nutricional ou nas implicações para a saúde. Este estudo
visa testar a hipótese de que o consumo de refeições rápidas afecta adversamente factores
dietéticos ligados ao risco de obesidade.
Método. O presente estudo incluiu 6212 crianças e adolescentes dos Estados Unidos,
com idades compreendidas entre os 4 e os 19 anos, que participaram no nacionalmente
representativo Inquérito Continuado de Consumo de Alimentos por Indivíduos, conduzido
desde 1994 a 1996, e no Inquérito Suplementar Infantil realizado em 1998. Examinámos as
associações entre o consumo de refeições rápidas e medidas de qualidade dietética através de
comparações entre sujeitos envolvendo todo o grupo, e comparações intra-sujeitos
envolvendo 2080 indivíduos que comeram apenas num dos dois dias do inquérito.
Resultados. Num dia típico, 30,3% da amostra total referiu consumir refeições
rápidas. O consumo de refeições rápidas foi predominante em ambos os sexos, em todos os
grupos étnicos/raciais e em todas as regiões do país. Controlando as variáveis
socioeconómicas e demográficas, verificou-se um aumento do consumo de refeições rápidas
independentemente associado com o sexo masculino, maiores idades, rendimentos do
agregado familiar mais elevados, etnia/raça negra não hispânica, e a residir no Sul. As
crianças que comeram refeições rápidas, em comparação com as que não comeram,
consumiram um maior total energético (187 kcal; intervalo de confiança de 95% [IC]: 109265), mais energia por grama de alimento (0,29kcal/g; IC 95%: 0,25-0,33), um maior total de
gordura (9 g; IC 95%: 5,0-13,0), um maior total de hidratos de carbono (24g; IC 95%: 12,635,4), mais açucares adicionados (26 g; IC 95%: 18,2-34,6), mais bebidas açucaradas (228 g;
IC: 184-272), menos fibra (-1,1 g; IC 95%: -1,8 to -0,4), menos leite (-65 g; IC 95%: -95 to 30), e menos frutos e vegetais não farináceos (-45 g; IC 95%: -58,6 to -31,4). Foram
observados resultados muito similares através de análises intra-sujeitos onde os próprios
sujeitos eram usados como grupo de controlo: resumindo, as crianças consumiram maiores
totais de energia e apresentaram dietas de pior qualidade nos dias em que comiam refeições
rápidas, comparando com os dias em que não as comiam.
Conclusão. O consumo de refeições rápidas entre as crianças nos Estados Unidos
parece ter um impacto adverso na qualidade da sua dieta, de um modo que torna plausível o
aumento do risco de obesidade.
Desde a sua origem em 1950, as refeições rápidas cresceram até tornarem-se um
padrão dietético dominante entre as crianças nos Estados Unidos dos dias de hoje. O
consumo de refeições rápidas por crianças aumentou umas espantosas cinco vezes, de 2% de
energia total no final da década de 70 para 10% de energia total em meados da década de 90.
O número de restaurantes de refeições rápidas mais que duplicou de 1972 a 1995 e agora
atingiu uma estimativa de 247 115 a nível nacional. As refeições rápidas infiltraram-se
virtualmente em todos os segmentos da sociedade, incluindo comunidades locais, escolas
públicas e hospitais. Estas tendências parecem ter sido impulsionadas por campanhas de
publicidade e marketing massivas apontadas para as crianças e para os seus pais.
Diversos factores dietéticos inerentes às refeições rápidas podem causar aumento de
peso excessivo tais como as porções de tamanho massivo, densidade energética elevada,
palabilidade (palability) (característica referente ao apelo às preferências primordiais do
paladar como gorduras, açúcar e sal), conteúdo elevado de gorduras saturadas e trans
(gorduras sintéticas não saturadas), cargas glicémicas altas, e baixo teor de fibras. Contudo,
poucos estudos examinaram os efeitos do consumo de refeições rápidas nas crianças. Na
ausência desses dados, actualmente, as agências nutricionais profissionais nos Estados
Unidos apoiam as alegações da indústria de que as refeições rápidas podem fazer parte de
uma dieta saudável.
O objectivo deste estudo foi: primeiro, examinar os padrões nacionais de consumo de
refeições rápidas entre as crianças, e segundo, averiguar se as refeições rápidas têm um
impacto adverso na qualidade da dieta, de modo que tornem plausível o aumento do risco de
obesidade.
Resultados
Das 6212 crianças no estudo, 51% eram do sexo masculino e 49% eram do sexo
feminino (Tabela 1). A composição étnica/racial foi de 66% brancos, 16% negros não
Hispânicos, 14% Hispânicos, e 5% de outros. Num dia normal, 1720 crianças (30,3% do
total) comeram refeições rápidas. O consumo de refeições rápidas foi predominante entre
todos os grupos etários, em ambos os sexos, em todos os níveis de rendimento do agregado
familiar, em todos os grupos étnicos/raciais, em todos os graus de urbanização, e em todas as
regiões do país. A análise de regressão logística múltipla com controlo de variáveis
socioeconómicas e demográficas (Tabela 2) indicou que o aumento do consumo de refeições
rápidas está independentemente associado (P < ,05) com o sexo masculino, maiores idades,
rendimentos do agregado familiar mais elevados, etnia/raça negra não hispânica, e a residir
no Sul.
A Tabela 3 mostra consumos, não ajustados, de energia total, de nutrientes, e grupos
alimentares por categoria etária consoante o seu consumo de refeições rápidas. As crianças
que consumiram refeições rápidas obtiveram uma média de 29% a 38% de energia total a
partir das refeições rápidas dependendo da categoria etária. Comparando consumidores de
refeições rápidas com não consumidores, o total do consumo energético foi de 63 kcal ou
3,6% maior por dia dos 4 aos 8 anos de idade (P = não significativo), 132 kcal ou 6,4% maior
dos 9 aos 13 anos de idade (P < ,05), e 379 kcal ou 16,8% maior dos 14 aos 19 anos de idade
(P < ,05). Os consumidores de refeições rápidas também ingeriram mais gorduras, mais
gorduras saturadas, maior total de hidratos de carbono, mais açucares adicionados, mais
bebidas açucaradas, menos leite líquido, e menos frutas e vegetais não farináceos, diferenças
estas que são estatisticamente significativas na maioria das categorias etárias. A densidade
energética, excluindo consumo de bebidas, foi maior em todas as categorias etárias em ~15%
entre crianças consumidoras de refeições rápidas.
A Tabela 4 mostra consumos, ajustados, de energia total, de nutrientes, e grupos
alimentares entre todas as crianças do estudo consoante o seu consumo de refeições rápidas.
Após ajustamento de factores socioeconómicos e demográficos que pudessem
adulterar os resultados, o consumo de refeições rápidas manteve-se significativo e
positivamente associado com a energia total, total de gorduras, gorduras saturadas, total de
hidratos de carbono, açúcares adicionados, bebidas açucaradas, e densidade energética
excluindo consumo de bebidas. O consumo de refeições rápidas foi inversa e
significantemente associado com consumo de fibra, leite, fruta, e vegetais não farináceos.
Estes resultados não foram materialmente afectados por ajustamentos posteriores para BMI
(dados não mostrados).
A Tabela 5 mostra comparações intra-sujeito de total de energia, nutrientes, e grupos
alimentares entre 2080 crianças que ingeriram refeições rápidas em apenas um dos dias do
inquérito, com ajustamento para covariáveis. Os resultados foram semelhantes aos obtidos
utilizando comparações entre sujeitos (Tabela 4).
Discussão
A prevalência da obesidade em crianças aumentou três vezes, ou mais, durante as
últimas três décadas, levantando sérias preocupações de saúde pública. Diversos factores
ambientais contribuíram, sem dúvida, para esta epidemia. O presente estudo sugere que o
consumo de refeições rápidas possa ser um desses factores. As crianças que ingeriram
refeições rápidas consumiram uma média de mais 187 kcal/dia que aqueles que não o
fizeram. Em análises adicionais usando sujeitos como o seu próprio controlo, as crianças
ingeriram mais 126 kcal/dia em dias em que comeram refeições rápidas, quando comparado
com os dias em que não as comeram. Estas comparações intra-sujeito fornecem um elevado
grau de confiança de que as associações entre refeições rápidas e factores dietéticos são
causalmente relacionadas, e não apenas uma consequência de adulteração devido a factores
socioeconómicos
ou
demográficos
não
completamente
controlados
ou
factores
desconhecidos.
As diferenças relativamente pequenas, nos pontos estimados obtidos a partir destes
dois tipos de análise, podem ter resultado em parte devido às diferenças nas amostras dos
sujeitos: as comparações intra-sujeito não incluíram aqueles indivíduos que ingeriram
refeições rápidas mais frequentemente ou mais raramente (isto é, nos dois dias ou em nenhum
dia). Porque 30,3% dos participantes ingeriram refeições rápidas num dos dias, estes
alimentos parecem contribuir umas adicionais 57 kcal (187 kcal × 30,3%) para a dieta diária
da criança média nos Estados Unidos. Este incremento energético, teoricamente, pode
explicar o aumento de peso adicional de 2,7 kg por criança por ano, presumindo 7778 kcal/kg
de peso corporal, se o gasto energético se mantiver. Os resultados preliminares de um estudo
exploratório de 5114 jovens adultos corroboram esta possibilidade. A probabilidade de se
tornarem obesos ao longo de um período de 15 anos aumentou 86% entre jovens adultos
brancos (mas não entre negros) que se dirigiam a restaurantes de refeições rápidas mais de
duas vezes por semana, comparando com aqueles que se dirigiam a restaurantes de refeições
rápidas menos de uma vez por semana, após ajustamento de potenciais factores espúria.
Diversos factores inerentes às refeições rápidas podem aumentar o consumo de
energia, promovendo assim um balanço energético positivo e aumentando o risco de
obesidade. As crianças e adolescentes que ingeriram refeições rápidas em dias normais,
comparados com aqueles que não o fizeram, consumiram um maior total de gorduras e de
gorduras saturadas, um maior total de hidratos de carbono e açucares adicionados, menos
fibra alimentar, e mais energia por grama de alimentos sólidos (isto é, maior densidade
energética excluindo as bebidas). Este perfil reflecte a composição típica das refeições
rápidas (cheeseburguers [hambúrguer com queijo], batatas fritas, bebidas açucaradas, etc.)
populares entre os jovens. A alta densidade energética e palabilidade (palability) das gorduras
podem promover o excesso de consumo energético, e o total de lípidos tem sido directamente
associado com a adiposidade, em alguns, mas não em todos os estudos. Devido às refeições
rápidas serem ricas em amido refinado e açúcares adicionados, eles apresentam um alto
índice e carga glicémica. Refeições com cargas glicémicas altas parecem induzir uma
sequência de eventos fisiológicos que promovem o consumo energético a curto prazo, apesar
da relevância do índice e da carga glicémica no controlo do peso corporal a longo prazo ser
ainda tema de debate.
As fibras alimentares promovem a saciedade e podem proteger do ganho de peso
excessivo através de efeitos que podem ser mediados por e/ou independentes do índice
glicémico. Mais, os tamanhos das doses das refeições rápidas têm vindo a aumentar. O
tamanho das doses tem sido associado ao consumo energético voluntário em diversos estudos
recentes.
As refeições rápidas podem também comprometer a qualidade da dieta de tal forma
que podem afectar o peso corporal através da preterição de opções de alimentação mais
saudáveis. As crianças que ingeriram refeições rápidas, em comparação com aquelas que não
o fizeram, consumiram mais bebidas açucaradas, menos leite, e menos frutas e vegetais não
farináceos. Estudos exploratórios indicam uma associação positiva para refrigerantes
açucarados e uma associação inversa para o leite com probabilidade de se tornarem obesos
em crianças e jovens adultos. A fruta e os vegetais não farináceos podem proteger do ganho
de peso excessivo devido à baixa densidade energética, teor elevado de fibra, e baixo índice
glicémico. Além disso, o consumo inadequado de frutas e vegetais tem sido associado com
perturbações relacionadas com a obesidade, tais como doença cardiovascular e diabetes.
O perfil alimentar e nutritivo dos sujeitos que ingeriram refeições rápidas, reflecte
aproximadamente os padrões dietéticos das crianças que raramente comem jantar com as suas
famílias. Estas crianças consomem menos frutas e vegetais, mais fritos e refrigerantes, mais
gorduras trans e saturadas, cargas glicémicas mais altas, e menos fibra e micronutrientes.
Numa sociedade agitada, as rotinas das famílias ocupadas mantém a necessidade de refeições
rápidas e convenientes e podem impedir a preparação de jantares mais saudáveis em casa. Os
adolescentes estão, de facto, a obter um aumento da proporção do total do consumo
energético fora de casa, frequentemente em restaurantes de refeições rápidas.
Apesar de existirem algumas diferenças no consumo de refeições rápidas entre grupos
socioeconómicos e demográficos, a preponderância entre qualquer destes grupos foi de >23%
num dia normal. Duma perspectiva sociocultural, a ubiquidade dos restaurantes de refeições
rápidas pode ser responsável pelo elevado nível do consumo. Uma tendência especialmente
relevante é o aumento da disponibilidade de refeições rápidas nas cafetarias/bares das
escolas. Num estudo ecológico de 23 escolas preparatórias em São Diego, as vendas “à la
carte” (cada produto pode ser comprado em separado, opostamente à compra de menus que
incluem vários produtos) de marcas conhecidas e refeições rápidas pré-preparadas pela
escola, excederam 15 000 itens por semana. De particular interesse, foi o facto do status
socioeconómico escolar estar directamente relacionado com o número total de vendas “à la
carte”, das quais ~27% eram refeições rápidas. Apesar da ubiquidade das refeições rápidas, as
crianças de status socioeconómico mais elevado podem ter mais dinheiro para os seus gastos
não essenciais, e consequentemente, maior acesso a refeições rápidas, e este facto pode ser
responsável pela relação independente do rendimento mais elevado com o maior consumo de
refeições rápidas no nosso estudo.
A associação directa observada do consumo de refeições rápidas com a idade não
surpreende. A adolescência representa uma altura de aumento de autonomia, e os
adolescentes compram mais refeições rápidas com o seu próprio dinheiro que consumidores
mais jovens. A força de trabalho nos restaurantes de refeições rápidas é constituída
maioritariamente por adolescentes que podem receber descontos ou comida grátis como
compensação. Mais, os jovens podem ser progressivamente influenciados ao longo do tempo
por publicidade pervasiva, devido aos efeitos cumulativos da repetição das mensagens. A
indústria de refeições rápidas tem as crianças como principal alvo de marketing, com o
objectivo de fomentar o hábito de comer refeições rápidas, o qual irá persistir durante a
adultez.
Deve ser assinalado um problema metodológico. O estudo baseia-se no auto relato do
consumo (assistido por um membro adulto do agregado familiar de crianças jovens), uma
técnica de avaliação dietética que pode revelar-se pouco precisa. Contudo, a metodologia de
evocação das 24 horas utilizada, fornece, discutivelmente, estimativas válidas do consumo
dietético a um nível grupal nas crianças. Quando a metodologia de evocação foi comparada
com o total de energia dispendida utilizando a técnica aquática duplamente rotulada,
aproximadamente 80% das crianças foram classificadas como relatadores “precisos” ou
“superiores”. Dado o escalar da epidemia da obesidade, é possível que alguns dos relatadores
superiores, apesar de terem evocado de uma forma precisa o consumo dietético, continuem a
comer em excesso relativamente ao seu gasto total energético.
Os nossos resultados são amplamente consistentes com os de estudos anteriores.
French e colaboradores verificaram que o consumo de refeições rápidas está associado com
níveis de consumo mais elevados e uma qualidade de dieta mais pobre entre adolescentes
numa área metropolitana de Minnesota. McNutt e colaboradores descobriram que as
adolescentes que ingeriram refeições rápidas mais do que quatro vezes por semana,
consumiram um maior total de energia do que as adolescentes que ingeriram refeições
rápidas menos frequentemente. Cusatis e Shannon observaram que o consumo de refeições
rápidas era um preditor significativo de lípidos entre as raparigas, mas não nos rapazes.
Conclusões
Este estudo utilizou dados nacionalmente representativos dos agregados familiares
para examinar as dietas habituais das crianças nos Estados Unidos da América. Num dia
normal, quando comem refeições rápidas, as crianças consomem um substancialmente maior
total de energia e apresentam uma pior qualidade alimentar, quando comparado com um dia
normal em que não comam refeições rápidas. As associações entre refeições rápidas e dieta
parecem ter uma relação de causalidade, como demonstrado pelas comparações entre sujeitos
com controlo de factores espúria, e pelas comparações intra-sujeito potencialmente livres de
factores espúria relacionados com as influências socioeconómicas e demográficas. À luz
destes resultados e doutros estudos recentes, pode ser necessário impor medidas restritivas às
campanhas de marketing e publicidade das refeições rápidas.

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