Trauma na Grávida - Forum Enfermagem
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TRAUMA NA GRÁVIDA Palavras-Chave: Trauma; Grávida; Gravidez; Emergências Obstétricas Albino Gomes Enfermeiro Graduado, Hospital Garcia Orta (Almada) e Pós Graduação em Ciências Criminais Enf. Coordenador da VMER Almada [email protected] RESUMO - A abordagem da grávida devido a um útero muito volumoso, a traumatizada, segue a regra geral da mulher perde parte da sua agilidade física. abordagem de toda a vitima de trauma, no Toda a equipa médica que assiste uma entanto existe uma excepção. Neste caso grávida estamos a tratar 2 pessoas. Devemos conhecimento das alterações anatomo- vigiar o estado hemodinâmico da grávida, fisiológicas uma vez que o choque tarda em aparecer, influenciar o diagnóstico e a conduta mas terapêutica. Deve ter-se em conta que quando se instala é de difícil traumatizada da grávida deve que ter podem tratamento. estamos a assistir duas vítimas, onde a INTRODUÇÃO principal causa de lesão do feto é a A importância do estudo do traumatismo na grávida consiste no facto da incidência de traumatismos durante este período estar a aumentar nos últimos anos, devido à crescente participação da mulher na sociedade actual, inclusive quando grávida, o que a torna mais exposta alteração da homeostase materna. Mesmo que não ocorram lesões directas sobre o feto, as alterações da homeostase materna como hipóxia e hipotensão, causam vários danos e, por isso, deve dar-se prioridade à sobrevida materna. a atropelamentos, acidentes de viação, actos ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS de violência ou qualquer outro tipo de FUNCIONAIS DA GRAVIDEZ traumatismo. Estas modificações ocorrem naturalmente O trauma apareceu como a causa mais durante a gravidez e são necessárias para importante de morte de etiologia não o desenvolvimento do feto e para preparar obstétrica na grávida (cerca de 22%). a mãe para o parto. Contudo, se não forem Apresenta uma incidência de 6 a 7% e a bem conhecidas pela equipa, podem ser mortalidade fetal apresenta valores de confundidas com situações patológicas, cerca de 70%. levarem a Mais de metade dos acidentes ocorrem no dados último trimestre, já que neste período, terapêuticas inapropriadas. interpretações diagnósticos Albino Gomes, Trauma na Grávida e erradas a E dos condutas 1 Alterações Morfológicas probabilidade de lesões associadas Até a 12ª semana de gestação o útero é diminui, pois o útero funciona como uma intrapélvico, estando bem protegido pela barreira protectora aos órgãos abdominais. pélvis; a partir de então passa a ser abdominal, alcançando a cicatriz umbilical Alterações Cardiovasculares em torno da 20ª semana. A partir desta, a Um altura a conhecido, é a influência postural materna corresponder à idade do feto em semanas. sobre o seu sistema circulatório. Em Na 36ª semana o útero atinge a sua altura decúbito máxima supra-umbilical no rebordo costal. comprime a veia cava inferior, reduzindo o Nas últimas semanas de gravidez o feto retorno venoso alterando as condições desce lentamente e o seu segmento hemodinâmicas e aumentando a pressão cefálico encaixa-se na pélvis. venosa no sistema venoso dos membros No primeiro trimestre da gravidez o útero inferiores e das veias ilíacas. encontra-se protegido pelos ossos da bacia Durante a gravidez o débito cardíaco e a espessura das suas paredes está encontra-se aumentado, podendo atingir aumentada. No segundo trimestre o útero até 6L/min. Porém, em decúbito dorsal o deixa pélvis, débito pode estar diminuído cerca de 30 a passando a ser abdominal, porém o feto é 40%. É, portanto, importante, sempre que protegido por grande quantidade de líquido possível, aminiótico. No terceiro trimestre o útero traumatizada adopte a posição de decúbito atinge as suas maiores dimensões, as suas lateral. Quando esta posição não for paredes a possível, deve desviar-se o útero grávido quantidade de líquido aminiótico diminui, para a esquerda, através de manobras ficando então o feto mais susceptível ao manuais ou de inclinação lateral de leito. trauma neste período. A frequência cardíaca da mulher grávida Em relação à placenta, sabe-se que esta encontra-se aumentada cerca de 15 a 20 atinge o seu tamanho máximo entre a 36ª e batimentos por minuto. a 38ª semanas e que a quantidade de A pressão arterial diminui, principalmente, fibras elásticas é pequena, o que predispõe nos dois primeiros trimestres, sofrendo uma a falta de adesividade entre a placenta e a elevação parede uterina, induzindo a complicações atingindo, no entanto, os níveis pré- como o descolamento da placenta. A gravídicos. A pressão sistólica pode sofrer placenta apresenta vasos muito dilatados e uma diminuição de 5 mmHg e a pressão sensíveis a estimulação por catecolaminas. diastólica de 15 mmHg. O feto é considerado viável a partir da 28ª Níveis de pressão diastólica superiores a semana e é considerado prematuro quando 75 mmHg no segundo trimestre e 85 mmHg tiver menos de 2,5 Kg. no terceiro trimestre são consideradas Quanto maior for o útero maior é a anormais (Lindheimer e cols, 1980). do de fundo ser uterino protegido tornam-se mais passa pela finas e facto importante dorsal, fazer no o deve útero com final que da que ser volumoso a grávida gestação, não probabilidade de sofrer ferimentos, porém a Albino Gomes, Trauma na Grávida 2 A pressão venosa central diminui com o gravidez com a leucocitose causada por evoluir da gestação, principalmente quando um quadro infeccioso ou pela ruptura de a paciente se encontra em decúbito dorsal. um órgão parenquimatoso abdominal. Nos últimos meses de gestação a PVC Os pode chegar a 3,8 cmH²O na posição aumentados principalmente o fibrinogénio e lateral esquerda. os factores VII, VIII, IX, X. Isto não Quanto às alterações electrocardiográficas, acarreta, na prática, uma maior incidência o eixo QRS pode estar desviado para de trombose venosa profunda e nem uma esquerda em cerca de 15°. As ondas T modificação podem anticoagulação profilática. Na existência de encontrar-se invertidas. achatadas As e até extra-sístoles supraventriculares são frequentes. sinais factores de de das coagulação indicações coagulação estão de intravascular disseminada, deve ter-se em conta a possibilidade de embolização por líquido aminiótico. Alterações Sanguíneas O volume plasmático apresenta-se elevado, podendo chegar a um aumento de Alterações Respiratórias 50% gestação. O volume corrente e o volume minuto Concomitantemente, ocorre um aumento aumentam consideravelmente, levando a do volume eritrocitário em torno de 30%. um estado de hiperventilação pulmonar, Contudo, este aumento é pequeno em com uma pCO² em torno de 30mmHg que relação ao aumento do volume plasmático leva a uma alcalose respiratória, onde o PH e varia pouco devido a um declínio do na isto 34ª leva semana a uma de diminuição do hematócrito, que pode apresentar valores bicarbonato sérico. entre 31 e 35%. Esta diminuição do As mulheres grávidas resistem pouco a hematócrito caracteriza a anemia fisiológica períodos de apneia, pois têm a sua da gravidez. capacidade residual funcional diminuída Devido a esta hipervolémia (aumento da por diminuição do diafragma devido ao volémia em aproximadamente 48% do crescimento uterino. volume pode Em condições de grave hipotensão e de perder até 1/3 da volémia, sem exibir os hipóxia, o fluxo sanguíneo uterino pode cair sintomas de hipovolémia. mais de 50%, devido a um aumento da A albumina sérica cai durante a gravidez resistência vascular do útero, que é maior para valores entre 2,2 e 2,8 g/100mL, do que o aumento verificado na resistência levando sistémica, e que é causado pelo aumento plasmático), a uma a gestante descida da pressão coloidosmótica. Ocorre um aumento do tónus uterino ou pela libertação local de do número de catecolaminas. Isto faz com que o feto leucócitos, que pode chegar a valores entre em sofrimento com hipóxia tecidular e próximos de 20.000 leucócitos por mm³. O acidose progressiva. conhecimento deste dado é importante para que não se confunda a leucocitose da Alterações Gastrointestinais Albino Gomes, Trauma na Grávida 3 Na gravidez trato aminiótico e grande adelgaçamento) e o gastrointestinal está diminuída, com um facto de o abdómen protuberante da tempo grávida tornar-se um alvo fácil, sendo de a motilidade do esvaziamento gástrico prolongado. Por isso, para efeito prático, frequentemente deve-se fechados e penetrantes. sempre considerar que o afectado por traumas traumatismos directos, estômago da grávida traumatizada está cheio. Desta forma, para evitar aspiração Trauma Fechado do conteúdo gástrico, deve proceder-se à Podem entubação nasogástrica da vítima. quando a parede abdominal é atingida por Alterações Urinárias um objecto ou traumatismos indirectos que As vias urinárias encontram-se dilatadas a ocorrem por desaceleração, por efeito de partir do 1º trimestre. A filtração glomerular contragolpe ou por compressão súbita. e o fluxo plasmático renal encontram-se O feto encontra-se protegido pelo corpo do aumentados na gravidez e os níveis de útero e pelo líquido aminiótico e é atingido ureia e creatinina diminuem para metade. em ocorrer traumatismos frequentemente fechados quando existe mais ruptura Alterações Endócrinas uterina ou fractura dos ossos da bacia A hipófise sofre um aumento de 30 a 50%, materna. o que a torna dependente de um maior Pelo facto de o útero ser uma víscera oca, fluxo sanguíneo. Desta forma, um choque a força que se transmite através do seu hipovolémico durante a gestação pode conteúdo, faz com que, nem sempre, o determinar a necrose isquémica da hipófise local de ruptura seja o mesmo local onde anterior (Síndrome de Sheehan). ocorreu a contusão. O fundo do útero, onde está a placenta, por Alterações Músculo-Esqueléticas ser um ponto de menor resistência, é um O alargamento da sínfise púbica e o dos locais onde frequentemente ocorre aumento dos espaços das articulações ruptura; um outro local bastante atingido é sacroilíacas devem ser considerados ao a face posterior do útero, sendo este um interpretar as radiografias da bacia. local de difícil visualização e diagnóstico. Há ainda a possibilidade de ocorrerem lesões na placenta com o útero íntegro, MECANISMOS DE TRAUMA trauma são como o descolamento da placenta. encontrados nos Cerca de 10% das grávidas traumatizadas politraumatizados em geral. Todos os tipos apresentam fracturas ósseas. Nestas, o de agressão traumática podem ocorrer tratamento das fracturas não difere do durante tratamento ortopédico de rotina, porém Os mecanismos semelhantes a diferenças de aos gestação, porém, importantes algumas devem ser algumas fracturas como as da bacia e da ressaltadas, entre elas, o facto de o útero coluna estar mais susceptível ao trauma no complicações no momento do trabalho de terceiro trimestre (diminuição do líquido parto. Albino Gomes, Trauma na Grávida vertebral podem trazer 4 Sabe-se que a causa mais frequente de A traumatismo são os acidentes de viação. O politraumatizada não difere dos padrões uso adoptados nas pacientes não grávidas, do cinto de segurança diminui avaliação inicial iniciando-se mortalidade pode avaliar-se as condições respiratórias e aumentar a frequência de ruptura uterina e corrigi-las, se necessário, mantendo a boa de morte fetal. Os cintos que protegem oxigenação materna. apenas a bacia estão mais associados a Em relação à avaliação das condições ruptura uterina, já os restritivos do tronco hemodinâmicas, melhoram as perspectivas do feto. consideração que, devido a hipervolémia Mesmo assim, o porém ser levado em recomendado, uma vez que as estatísticas perfusão tecidular e sofrimento fetal, antes comprovam confere que a grávida apresente sinais clínicos de protecção segura e que a principal causa hipovolémia, podendo ocorrer alterações de morte fetal em acidentes de transito é a da perfusão tecidular e sofrimento fetal. morte materna. As contracções uterinas sugerem trabalho seu cinto deve Devem fisiológica, podem ocorrer alterações da o do (ABCDE). é que uso o grávida significamente a gravidade do trauma e a materna, com da uso de parto e as contracções tetânicas, Trauma Penetrante acompanhadas O útero, como já foi referido, devido ao seu sugerem descolamento de placenta. tamanho aumentado, acaba por formar No caso de lesão abdominal a lavagem uma barreira protectora aos outros orgãos peritoneal está indicada como diagnóstico abdominais, baixa auxiliar, e deve ser realizada com a incidência de lesões associadas. Em contra colocação de um cateter sob visão directa partida, pode ser facilmente atingido e os na região supra-umbilical. ferimentos transfixantes podem não só As indicações cirúrgicas não mudam em ficarem restritos ao útero, como também função da gravidez, e a laparotomia atingirem o feto, o cordão e a placenta. precoce é indicada em caso de dúvida o que justifica a de hemorragia vaginal, diagnostica. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA a reconstrução, está indicada a sutura GRÁVIDA TRAUMATIZADA Neste momento, já é conhecido que o útero comprime a veia cava inferior, diminuindo o retorno venoso: assim, a grávida deve ser transportada e avaliada em decúbito lateral esquerdo e, quando isso não for possível, por exemplo, na suspeita de trauma de coluna vertebral, deslocado o útero manualmente Nas lacerações do útero que seja possível deve para o ser lado esquerdo, ou o leito deve ser inclinado para deste, mesmo que haja perda de líquido aminiótico e suspeita de morte fetal, pois o líquido aminiótico refaz-se e, se o feto estiver morto, é expulso espontaneamente. Nas lacerações grandes com hemorragia é indicada a histerectomia subtotal. Nos ferimentos penetrantes do útero a conduta é conservadora, e a gravidez evolui no curso normal. esse lado. Albino Gomes, Trauma na Grávida 5 O descolamento prematuro de placenta, 4. sempre que ultrapassa 25% desencadeia o trabalho de parto. Nestes caso, é indicado 5. o esvaziamento do útero, pois este quadro 6. representa alto risco para a mãe. 7. Em urgência, quando for necessária a realização de uma histerectomia a opção é feita pela subtotal; a histerectomia total é 8. 9. só indicada quando o útero for um foco de infecção. 10. Em caso de fractura de bacia, lesões de coluna vertebral e fracturas com traços que 11. dificultem a mobilização é indicada a cesariana se a paciente entrar em trabalho de parto. 12. 13. A cesariana pós-mortem é indicada nos casos em que a mãe está morta e que o 14. 15. feto seja viável. O parto deve ser feito no menor tempo possível. A cesariana pósmortem também está indicada em caso de 16. 17. morte cerebral da mãe. 18. CONCLUSÃO - Abordar sempre a grávida 19. traumatizada, como um caso de excepção, pensando sempre que são 2 vitimas, e que o melhor tratamento é a prevenção. 20. 21. Calcular aproximadamente o tempo de gestação, torna-se prioritário. Efectuar 22. 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