Hidradenite Supurativa Perineal
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Hidradenite Supurativa Perineal
Galdino José Sitonio Formiga Clínica cirúrgica Hidradenite Supurativa Perineal hidradenite é uma doença supurativa DIAGNÓSTICO bacteriana que compromete os ductos das glândulas sudoríparas apócrinas.1-10 Foi descrita pela priQuadro clínico meira vez por Velpeau (1839) que relatou a localização peculiar de abscessos axilares, mamários e Os sintomas e sinais são de longa duração, podendo chegar a 30 anos de evolução. Caracterizam-se por perineal. Coube a Aristides Verneuil, em publicapresença de abscessos e fístulas recidivantes, que, após cesções entre 1854 e 1865, difundir os conhecimentos sobre a doença, baseados em aspecsada a fase inflamatória, deixam como tos clínicos. Pollitzer e Dubreuilh seqüelas áreas de fibrose, orifícios A hidradenite supurativa é (1893) relacionaram a afecção com fistulosos e escassa secreção purulenta. uma doença bacteriana Quando a doença é de localização as glândulas sudoríparas.1,4,6-8 Finalque acomete as glândulas mente, Brunsting (1939) publicou perineal, raramente ocorre envolvisudoríparas apócrinas um trabalho completo e esclarecedor, mento do aparelho esfincteriano. O pela primeira vez em língua inglesa, diagnóstico, na forma crônica, é clínifeito na clínica Mayo.7,8 As principais localizações co e feito com facilidade, dependendo da experiência do coloproctologista. Em determinadas situações, necessitasão axilar, inframamária, retroauricular, inguinal e perineal.8 As lesões perineais, glúteas e sacrais são se fazer biopsia para se firmar o diagnóstico, como nos casos atípicos de Crohn perineal, úlcera tuberculosa e carpouco freqüentes, porém, quando são crônicas, excinoma. A associação com carcinoma espinocelular, nos tensas e recidivantes necessitam atuação multidisciplinar, principalmente do coloproctologista e casos de evolução prolongada, é muito rara.3,7 cirurgião plástico. A doença é mais freqüente no homem e manifesta-se com maior intensidade na Complicações clínicas fase adulta. A complicação aguda mais importante é caANATOMIA PATOLÓGICA racterizada por processo inflamatório e, posteriormente, infeccioso, atingindo tecidos superficiais e proÀ microscopia, verifica-se uma reação celular fundos com celulite, abscessos e supuração. na luz das glândulas sudoríparas apócrinas, com As crônicas são decorrentes de fístulas e do distensão por leucócitos e infiltração celular do tecicomprometimento de estruturas importantes, como do conjuntivo circundante. Do ponto de vista macroso sacro e o cóccix, aparelho esfincteriano, uretra e cópico, há um espessamento dos tecidos subcutâneos, vasos calibrosos, como os inguinais. descoloração purpúrea da pele e presença de orifícios fistulosos com pouca secreção purulenta. A cultura Exames complementares da secreção pode isolar Streptococcus milleri, Stasphylococus aureus, Streptococcus anaerobios e A necessidade de exames complementares so6,8 Bacteróides sp. mente se justifica nos casos de áreas supurativas ex2001;6(1):37-9 - Revista Diagnóstico & Tratamento 37 tensas, fístulas profundas e invasão de estruturas nobres. Podem ser feitas bacterioscopia e cultura de secreções, radiografia de sacro e cóccix, fistulografias e tomografia computadorizada de pelve. Diagnóstico diferencial A hidradenite supurativa na fase inicial pode se confundir com outras afecções, entretanto, um bom exame e a experiência do cirurgião são suficientes para diferenciar de outras doenças.1,6,8 A concomitância de lesões em outras partes do corpo, como a axilar, tiram qualquer dúvida diagnóstica. A diferenciação se faz com: • Cisto pilonidal sacrococcígeo; • Abscesso e fístula anorretal de origem críptica; • Furunculose; • Doença de Crohn perineal; • Tuberculose cutânea; • Carcinoma espinocelular do canal anal. TRATAMENTO Clínico O tratamento inicial pode ser medicamentoso com o uso de ácido 13-cisretinóico (1mg/Kg/dia), administrado por via oral, durante 20 semanas. A remissão completa das lesões com esse esquema não é comum, ocorrendo em menos de 29%.4 O acetato de ciproterona e o etinilestradiol, para tratar a hidradenite em mulheres, podem ser considerados, para aqueles que aceitam a doença, como sendo androgênio dependente.5 Cirúrgico É o tratamento de eleição, devendo-se delimitar a área a ser ressecada e identificar os trajetos fistulosos com estiletes. A técnica preferencial é a ressecção em bloco das lesões, incluindo pele e tecido celular subcutâneo.1,6,7,10 São realizadas também fistulotomias complementares. O tipo de anestesia mais indicado é o bloqueio intramedular ou peridural. Nos casos de hidradenite com lesões nas regiões sacral e glútea a posição em decúbito ventral é a mais usada. Quando o acometimento for exclusivamente perineal, pode-se utilizar a posição de litotomia, que dá melhor exposição cirúrgica. O tratamento da ferida operatória pode ser feito de várias maneiras: Cicatrização por segunda intenção. A preferência é para as ressecções não muito extensas, as profundas e, principalmente, aquelas localizadas próxi38 mas ao ânus. A cicatrização pode ultrapassar 30 dias e é feita com prejuízo estético e, às vezes, funcional. Sutura primária. Deve ser utilizada em regiões de pouca fibrose, onde a elasticidade da pele encontra-se preservada, como coxa, inguinal e perineal. É desaconselhável fazer sutura primária em áreas extensas e é contra-indicada na presença de infecção. Procedimentos plásticos. São usados os enxertos, retalhos e associação de técnicas. Os enxertos são indicados em grandes áreas que se encontram com boa granulação, ausência de infecção e pouca fibrose cicatricial. O tipo de enxerto freqüentemente usado é o parcial de pele, cuja integração é quase imediata.1,2,6,10 Podem ser aplicados a partir da segunda semana de cicatrização, após a ressecção das lesões. A área doadora geralmente é a face interna e posterior das coxas. A perda parcial do enxerto pode ocorrer e não constitui falha do tratamento, devendo-se deixar a parte deiscente da ferida cicatrizar por segunda intenção. A partir do ato cirúrgico, os curativos permanecem por três ou quatro dias, sendo a seguir retirados, ficando as feridas expostas. Sempre é aconselhável a administração de antibióticos de largo espectro, por um período mínimo de dez dias. Retiram-se os pontos em torno de dez dias e faz-se seguimento rigoroso desses doentes. Não foram encontrados relatos na literatura de aparecimento de novas lesões de hidradenite em zonas de enxertia. Utilizam-se os retalhos fasciocutâneos que promovem melhor reconstituição e cicatrização. São usados com maior freqüência em regiões próximas ao ânus e para recobrir áreas cruentas em linha mediana sacral. A opção da utilização do retalho pode ser de imediato ou após uma semana, sempre na ausência de infecção. É comum o uso de enxertos, retalhos e cicatrização por segunda intenção, principalmente quando o acometimento é extenso e profundo, atingindo áreas diversas, como sacral, glútea bilateral, perineal, inguinal, coxas, vulvar, escrotal e perianal. Procedimentos complementares. A colostomia derivativa e a cistostomia estão em desuso. No passado, grandes áreas ressecadas justificavam a feitura de colostomia com o intuito de se evitar infecção e facilitar a realização de curativos, promovendo uma cicatrização mais precoce. A derivação urinária somente está indicada na vigência de lesão iatrogênica de uretra, durante a abordagem de lesões perineais profundas, ou quando existem fístulas para a uretra.1,6 A administração de antimicrobianos, como sulfamidas e penicilinas, não exclui a ressecção ampla das lesões, mas servem para reduzir o processo infeccioso.8 2001;6(1):37-9 - Revista Diagnóstico & Tratamento A degeneração para carcinoma espinocelular é uma situação rara. É mais freqüente na região anogenital, com lesões crônicas ou recidivantes, com evolução superior a dez anos. Uma vez estabelecido o carcinoma, o potencial de letalidade atinge 50%. O tratamento é feito com radioterapia (5000cGy) e quimioterapia (5-FU e Mitomicina C).10 O tratamento da hidradenite supurativa nem sempre é gratificante para o cirurgião, sendo muitas vezes decepcionante para os doentes, necessitando vários tempos cirúrgicos e novas formas de intervenção. Portanto, deve-se prevenir o doente da possibilidade de persistência de lesões ou mesmo de recidiva precoce e tardia. No serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo (SP), foram tratados 38 doentes com hidradenite supurativa extensa, durante o período de janeiro de 1978 a maio de 1999. Em todos foram feitas fistulotomias e ressecção em bloco das lesões. Quanto ao tratamento da ferida operatória, em 26 doentes foi deixado cicatrizar por segunda intenção e 12 foram submetidos a procedimentos plásticos: enxertos, retalhos ou associação. Nos 26 doentes, em que a ferida evoluiu por segunda intenção, houve maior demora na cicatrização e recidiva de dois casos (7,6%).7 No grupo de procedimentos plásticos, a cicatrização ocorreu entre duas e três semanas e não houve recidiva. Não ocorreu caso de degeneração para carcinoma espinocelular ou óbito nessa série. CONSIDERAÇÕES FINAIS A hidradenite supurativa perineal é uma doença benigna que pode incapacitar o doente do ponto de vista familiar, social e profissional. O tratamento exige atuação multidisciplinar, com a finalidade de se obter melhores resultados funcionais e estéticos e, principalmente, redução das complicações e da recidiva. Galdino José Sitonio Formiga. Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo (SP) e Presidente do Departamento de Coloproctologia da Associação Paulista de Medicina. Local onde foi produzido o manuscrito: Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo (SP) Endereço para correspondência: Av. Libero Badaró, 1.208 - Jardim São Caetano São Caetano do Sul/SP - CEP 09581-610 Telefone: (11) 4238-9739 - Fax: (11) 4238-0638 E-mail: [email protected] Conflito de interesse: Nenhum declarado. Fontes de fomento: Nenhuma declarada. Data da última modificação: 16/05/2000 Data de aprovação: 26/06/2000 Trabalho previamente publicado em: Formiga GJS, Silva JH. Hidradenite Supurativa Perineal. In: Silva JH, editor. Manual de Coloproctologia, São Paulo: Associação Paulista de Medicina; 2000:211-6. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. Barros DE, Resende MS, Macedo EJO, et al. Tratamento cirúrgico de hidradenite supurativa perianal. Rev Bras Coloproct 1988;8(3):98-101. Bell BA, Ellis H. 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Br J Plast Surg 1985;38:567-9. 10. Willians ST, Busby RC, DeMuth RJ, Nelson H. Perineal hidradenites suppurativa: presentation of two unusual complications and review. Ann Plast Surg 1991;26(5):456-61. 7. Destaques • • • • • • • • A hidradenite supurativa é uma doença bacteriana que acomete as glândulas sudoríparas apócrinas. As principais localizações são axilar, inframamária, retroauricular, inguinal e perineal. A doença de localização proctológica caracteriza-se por celulite e abscessos e evoluem com fibrose, fístulas e secreção purulenta. O diagnóstico é essencialmente clínico, necessitando raras vezes de realização de biopsia, apenas para diagnóstico diferencial. O tratamento clínico na região anoperíneo-sacral não oferece cura definitiva. O tratamento da hidradenite supurativa de localização proctológica exige atuação multidisciplinar proctologista e cirurgião plástico - com o objetivo de se obter bons resultados funcionais e estéticos. O tratamento cirúrgico inicial consiste em ressecção em bloco das lesões, seguida de fistulotomias. Atualmente, os procedimentos plásticos – enxertia e retalhos – têm indicação precisa após a ressecção em bloco das lesões, com o objetivo de promover uma cicatrização mais rápida e uniforme. 2001;6(1):37-9 - Revista Diagnóstico & Tratamento 39
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