origem, história e evolução do direito administrativo

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origem, história e evolução do direito administrativo
ORIGEM, HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO1
Hebert de Melo
RESUMO
Discute-se a evolução histórica do Direito Administrativo passando por uma breve análise
das contribuições do direito francês, alemão e italiano para o direito pátrio. Apresenta-se a
necessidade da sistematização administrativa apontando para a passagem do estado de
polícia para o estado de direito como o início propriamente do Direito Administrativo. E como
marco da sistematização deste ramos do direito apresenta-se a contribuição doutrinária e
jurisprudencial do Caso Blanco do direito francês. Por fim discute-se o seu surgimento no
direito pátrio comentando sua divisão em quatro fases (colonial, imperial, republicano e
democrático). Afirma-se seu surgimento como ramo autônomo a partir da Constituição de
1934, e com advento da Constituição Cidadã de 1988 que discrimina normas norteadoras da
função púbica, quanto à observância da lei e do direito. Enfatizam-se os princípios da
legalidade e razoabilidade como imperiosos para que se atinja o escopo deste ramo do
direito, o interesse público.
Palavras–Chave: Administração pública. Estado de direito. Legalidade. Razoabilidade.
Interesse público.
ABSTRACT
Discusses the historical evolution of Administrative Law passing a short analysis of the
contributions of the French, German and Italian law to the parental right. Shows the need for
administrative systematization pointing to the passage of the police state to the rule of law as
the beginning itself of Administrative Law. And as a mark of systematization of this branch of
law presents the doctrine and jurisprudence contribution Case Blanco French law. Finally we
discuss its emergence in the parental right commenting its division into four phases (colonial,
imperial, republican and democratic). It is said its emergence as an independent branch from
the 1934 Constitution, and with the advent of Citizen Constitution of 1988 detailing rules
guiding the pubic function, as the observance of the law and law. Emphasize the principles of
legality and reasonableness as compelling to the achievement of the scope of this branch of
law, the public interest.
Key-Words: Public administration. Rule of law. Legality. Reasonableness. Public interest.
1
Artigo científico apresentado para a publicação na Revista Eletrônica Aphonline.
Aphonline.:Trindade – GO,v.3,n.1,p.1-20,jan-dez.2013
Aphonline.:Trindade – GO,v.3,n.1,p.1-20,jan-dez.2013
1 INTRODUÇÃO
Discute-se neste artigo a evolução histórica do direito administrativo,
partindo da compreensão de que não existe governo sem administração pode-se
notar, desta forma, que mesmo incipientemente, as civilizações antigas
exerceram, de seu modo e de acordo com suas necessidades, uma organização
político-administrativa.
A vida citadina exige esta organização, embora não se possa afirmar a
existência de um direito administrativo em civilizações antigas, a necessidade de
uma sistematização jurídica é indispensável. Que justamente ocorrerá na
passagem do estado de polícia para o estado de direito.
Destacam-se também as valorosas fundamentações teóricas do discurso
filosófico que contribuíram para a constituição e legitimação do direito
administrativo (como também de outras disciplinas do direito). Os filósofos tais
como: Aristóteles e sua Política, Montesquieu e o Espírito das Leis e Rousseau
com seu Contrato Social foram os destaques em que se procurou demonstrar que
a preocupação filosófica se aproxima de forma salutar da preocupação jurídica.
Após um panorama histórico e evolutivo das noções organizacionais
político-administrativas, passa-se a discussão da importância para o ordenamento
jurídico pátrio das contribuições da doutrina jurídica francesa, alemã e italiana.
Por fim
apresenta-se
a
sistematização
evolutiva
do
direito
administrativo brasileiro discutindo as primeiras ordenações jurídicas que
vigoravam no país até a constituição de normas de direito público em que
enfatizam a função pública do Estado como também a imprescindível observância
a lei e ao direito, regindo-se sob a tutela dos princípios da legalidade e da
rezoabilidade.
2 NOÇÕES PRELIMINARES DO HISTÓRICO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Ainda que seja imprescindível estabelecer uma data como marco
inicial deste ramo do direito, é necessário ter em mente que a sua construção
histórica pode anteceder o século de referência que usualmente reconhecemos
como a de seu nascedouro.
Pode-se muito bem afirmar que como “ramo autônomo, nasceu em
fins do século XVIII e início do século XIX” (DI PIETRO, 2010, p. 1), contudo não
Aphonline.:Trindade – GO,v.3,n.1,p.1-20,jan-dez.2013
3
se pode deslindar o fato de que não houve antes normas que pudessem ser
enquadradas como administrativas, pois a administração como forma de cuidar,
dirigir e governar um país, um povo etc., é um fato que existe desde sociedades
antigas, como: minóica, egípcia, grega, romana1, chinesa etc., “onde quer que
exista o Estado2, existem órgãos encarregados do exercício de funções
administrativas” (DI PIETRO, 2010, p. 1).
Não significa, contudo, que sejam tais normas reconhecidamente
administrativas, ou seja, regras de um direito administrativo tal como é entendido
nos dias de hoje. Em muitas destas sociedades o poder temporal não se
separava do poder secular (VERNANT, 1987, p. 30-31). Nestas sociedades não
havia um direito tal como percebemos hodiernamente, tão pouco uma
especialização do direito, como o administrativo. Mas também não significa que
não houvesse normas que disciplinassem sua vida citadina. Como exemplo citase a sociedade minóica com sua espetacular organização para o século XVI a.c,
em que se organizavam com um sistema de escrita conhecida por linear B
(VERNANT, 1987, p. 23). Esta escrita era realizada em tábuas de barro, que
posteriormente cozidas ao fogo preservava as informações e conhecimentos
pertinentes à sua cultura, destacando-se a vida econômica, por exemplo, a
colheita de cereais.
Ainda como título exemplificativo apresenta-se a lição de Pedro
Braga (2006), em que menciona que uma organização político-administrativa é
imprescindível para a constituição dos grandes impérios. A exemplo do que se
discute é notório a organização de Roma e Bizâncio, como a estrutura
administrativa da Igreja Católica, herdeira do legado cultural romano.
Todos os povos da Antiguidade tiveram um sistema de funções e de
serviços públicos que proporcionaram o estabelecimento de impérios.
Com efeito, nenhum povo subsiste sem administração [sem destaque no
original]. No ocidente, no tocante ao Direito Administrativo, foi estuário
das experiências de Roma e de Bizâncio. A grande legatária, no entanto,
foi a Igreja Católica desde a Antiguidade, quando tomou de empréstimo
forma e regras a fim de construir a estrutura de um novo império, no
século XII, sob o cetro do papado, sendo, destarte, criada uma ciência
pelos juristas da Igreja. (BRAGA, 2006, p. 14)
1
Como um exemplo de uma organização administrativa alude-se ao Império Romano, que com seu corpo jurídico muito
influenciou o mundo contemporâneo.
2
Deve-se entender, neste caso, que o termo „Estado‟ não significa propriamente o Estado moderno, mas sim, uma
organização com sentido de uma união, lingüística, cultural, religiosa, e até mesmo política no caso do Império Romano.
Contudo este verbete, neste caso específico, pode se assemelhar mais ao conceito de nação.
3
4
O certo é que não havia uma elaboração sistemática deste ramo do
direito, que justificasse uma autonomia epistemológica no campo das ciências
jurídicas. O que havia eram normas esparsas que regulavam a administração do
„Estado‟, como: cobrança de tributos, aplicação de multas etc, que se enquadrava
em seu jus civile. Por exemplo, a divisão administrativa do Império de Carlos
Magno3 entre altos funcionários da corte, condes, duques e marqueses; cada qual
com uma função distinta na dinastia Carolíngia, assim escreve Boulos:
Os marqueses administravam as marcas, nome dado aos territórios
situados nas fronteiras do Império; os duques controlavam os ducados,
territórios próximos às fronteiras, e eram encarregados de formar e
liderar exércitos; os condes administravam os demais territórios,
cobrando impostos, multas e fazendo cumprir as decisões do rei.
(BOULOS, 2009, p. 18)
Atualmente reconhece que é somente com a passagem do „Estado
de Polícia‟ para o „Estado de Direito‟ que se tem propriamente um direito
administrativo, pois o primeiro se caracteriza com submissão do indivíduo ao
direito, próprio das monarquias absolutas, já o segundo, ao contrário, subordina o
próprio Estado às normas reguladoras que ele mesmo edita4.
Pois somente com o Estado de Direito, que se pode falar de direito
administrativo. Com a vinculação da administração às normas de direito, ou seja,
à lei, e tendo como seus destinatários tanto os órgãos agentes da Administração,
como os particulares em geral. Somente deste modo será possível pensar
concretamente em um direito administrativo, assim leciona Oliveira:
O Estado de Polícia é típico das antigas monarquias absolutistas, em
que não havia a divisão de poderes, com todo o poder político
concentrado na pessoa do Rei, que o exercia por delegação divina.
Sendo representante de Deus, tampouco se sujeitava o Rei às próprias
leis editadas pelo Estado. Conforme a doutrina da investidura divina, os
monarcas eram responsáveis unicamente perante Deus, jamais perante
os homens. A revolução francesa veio derrubar essa doutrina e instituir o
5
Estado de Direito. (OLIVEIRA, 2012) .
3
Historicamente situa-se Carlos Magno entre os anos 742-814, final do século VIII e início do século IX.
Característica que se refere-se a primado essencial para a defesa das liberdades públicas, o „Estado Democrático de
Direito.
5
OLIVEIRA, Luciano Henrique. Origem e História do Direito administrativo. Disponível em:
http://www.editoraferreira.com.br/publique/media/toq41_luciano_oliveira.pdf Acesso em: 29 jan. 2012.
4
4
5
Nas palavras de Celso Bandeira de Mello, o direito administrativo
nasce com o Estado de Direito, porque é:
O Direito que regula o comportamento da Administração. É ele que
disciplina as relações entre Administração e administrados, e só poderia
mesmo existir a partir do instante em que o Estado, como qualquer
[outro], estivesse enclausurado pela ordem jurídico e restrito a mover-se
dentro do âmbito desse mesmo quadro normativo estabelecido
genericamente (MELLO, 2007, p. 46)
Em consequência do exposto, o regime de Estado de Direito tem
seus primórdios históricos resultantes dos princípios da Revolução Francesa,
numa dupla perspectiva: por um lado, ele é um colorário do princípio da
separação de poderes; por outro lado, é uma consequência da concepção da lei
como expressão da vontade geral, onde decorre o caráter subordinado à lei da
Administração Pública.
Não será muito dizer que a filosofia tem especial contribuição nesta
busca histórica, como também dos fundamentos deste ramo específico do direito,
qual seja o direito administrativo. Aponta-se na Filosofia Antiga, o filósofo
Aristóteles, que em sua reflexão sobre política definia poderes separados, em sua
obra „Política‟ (1997). Entretanto será com o filósofo iluminista Montesquieu que
esta divisão dos poderes será melhor sistematizado em sua obra „Espírito das
Leis‟ (1997). Como também importante foi o pensamento do filósofo iluminista
Jean Jacques Rousseau em sua obra „Contrato Social‟ (1983), o qual já menciona
a vontade do cidadão como expressão legítima do poder; nas palavras do filósofo
„vontade geral‟.
Interessante pontuar que com divisão de poderes abre-se o caminho
para o reconhecimento do direito de limitar o poder do Estado, em relação aos
direitos do indivíduo. Estabelecendo uma relação entre o Estado e o particular. É
claro que nem sempre foi assim. Na Idade Média reinava-se uma situação de
„Estado de Polícia‟, na qual o desejo do soberano é era lei. Muitas vezes
confundindo o Estado com a própria figura do rei.
Como exemplo histórico, temos os reis absolutistas da Europa,
especialmente o rei francês Luís XIV, o Rei-Sol, que exigia de seus súditos total
obediência e lealdade, e agia de acordo com a frase que ele mesmo lhe atribuiu:
5
6
L’État c’est moi6. Esta frase manifesta uma forma de pensar onde não há
possibilidade de um direito público, pois não há limites para o rei.
Há muitas consequências para este pensamento, um vez que sua
justificação teórica procura apresentar o rei como representante de Deus na
Terra, é como tal é infalível. Assim o rei tinha o direito de governar de forma
absoluta, porque a origem e o fundamento de seu poder vinham diretamente de
Deus. Essa teoria foi criada por Jacques Bossuet e é conhecida por „teoria do
direito divino dos reis‟7. Representa o Estado de Polícia, que se mostra
diametralmente oposto ao Estado de Direito, pois naquele o rei é possuidor de um
direito ilimitado para administrar e sua autoridade é incontestável. Desta forma
leciona Di Pietro:
A Idade Média não encontrou ambiente propício para o desenvolvimento
do Direito Administrativo. Era a época das monarquias absolutas, em
que todo o poder pertencia ao soberano; sua vontade era a lei, a que
obedeciam todos os cidadãos [súditos], justificadamente chamados
servos ou vassalos (aqueles que se submetem à vontade de outrem).
Nesse período, do chamado Estado de Polícia, [...] que o direto público
se esgota num único preceito jurídico, que estabelece um direito
ilimitado para administrar, estruturando sobre princípios segundo os
quais quod regi placuit lex est, the king can do no wrong, le roi ne peut
mal faire. (DI PIETRO, 2010, p. 1)
Essa teoria de que o rei não pode errar (le roi ne peut mal faire), pois
é o escolhido de Deus, e, portanto, legitima sua autoridade na vontade divina
perdurou por muito tempo, findando na França com a queda da Bastilha, isto é,
com a deflagração da Revolução Francesa. É claro que esta revolução não
ocorreu apenas pelo fato do rei legitimar seu poder em Deus, mas pelas
consequências advindas desse poder absoluto, como o excesso do poder,
arbitrariedades, privilégios etc.
Antes da queda do poder real (na França ou em outros Estados) ou
a diminuição da extensão ou da influência do „Estado de Polícia‟, os monarcas,
por sua vontade, criam Tribunais com a prerrogativa de julgar os particulares.
Contudo “o rei não podia ser submetido aos tribunais, pois seus atos se
colocavam acima de qualquer ordenamento jurídico” (DI PIETRO, 2010, p. 1),
6
O Estado sou eu.
Este posicionamento teórico será seriamente criticado por John Locke em seu Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil
(2001)
7
6
7
pois seu poder não emana de si mesmo, mas de Deus, e Deus não é
questionado, isto é, não há como a criatura contestar o criador!
Por outro lado, por terem sido estes criados pelos monarcas, não
havia, como se esperar, tribunais independentes, muitas vezes decidindo o rei os
conflitos entre particulares ou quando delegava as funções judicantes a um
conselho este ficava subordinado ao próprio rei.
Embora diante destes relatos negativos quanto a este histórico da
Idade Média, é possível mencionar que incipientemente houve tentativas de
glosadores entre os séculos XIII e XIV em comentar esta função do direito, e até
mesmo lançar o germe de uma teoria moderna de Estado. Como ilustra Losano:
No entanto, apontam-se algumas obras de glosadores da Idade Média,
principalmente dos séculos XIII e XIV, nas quais se encontra o germe
dos atuais direitos constitucional, administrativo e fiscal. Indica-se a obra
de Andréa Bonello (1190 a 1275 d.c), dedicada ao estudo dos três
últimos livros do Código Justiniano, que tinham sido deixados de lado,
porque dedicados a estruturas fiscais e administrativas de um império
que já não existia. Outro texto o qual trabalharam os juristas, na época,
foi o Liber Constitutionis, publicado pelo parlamento de Melfi em 1231. no
século XIV, a obra de Bartolo de Sassoferrato (1313-57) lança as bases
da teoria do Estado Moderno (LOSANO, 1979 apud DI PIETRO, 2010,
p. 2)
Pode-se afirmar que o Direito Administrativo, como um arcabouço
epistemológico próprio e independente terá início somente a partir da submissão
do Estado à lei, “o direito administrativo surgiu com a instauração dos governos
subordinados a uma constituição”(MAFRA FILHO, 2012)8. Desta forma, o Estado
de Direito concretiza-se como uma estrutura jurídica em que se apresenta uma
divisão das funções do poder em legislativo, executivo e judiciário; outrossim, a
isonomia jurídica entre os partícipes da sociedade política, considerada entre
particulares9 como também entre Estado e particulares.
Sendo inerente ao conceito de Estado Moderno o conceito de
Estado de Direito, pois este se funda sobre o princípio da legalidade 10 como
também sobre o princípio da separação dos poderes. Nas sábias palavras de
8
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. História do Direito Administrativo: idéias para um debate. Disponível
em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=918. Acesso em 29 jan.
2012.
9
A relação entre o público e o privado, isto é, a relação jurídica entre Estado e o cidadão.
10
O princípio no qual muitos doutrinadores afirmam ter nascido propriamente o Estado de Direito, pois constitui uma das
principais garantias de respeito à lei, entre todos os partícipes da sociedade política. Pois é a lei uma representação
abstrata, da vontade de todos que plasma-se sobre todos.
7
8
Celso Bandeira de Melo, tem-se: “O Direito Administrativo só se plasmou como
disciplina autônoma quanto se prescreveu processo jurídico para atuação do
Estado-poder, através de programas e comportas [comportamento] na realização
de suas funções” (MELLO, 1979 apud DI PIETRO, 2010, p. 2)
De sua origem e evolução histórica, o Direito Administrativo teve em
cada país uma estruturação distinta. Contudo são marcantes na história da
formação do Estado Moderno os princípios levantados pela Revolução Francesa,
pois estes marcam radicalmente a passagem do „Estado Antigo‟, para o „Estado
Moderno‟.
Assim a ampliação do Direito Administrativo, com a forma de Estado
e a forma de poder irá determinar a abrangência da atuação estatal no ramo do
direito público. Desta forma têm-se três países que contribuíram muito com a
evolução do Direito Administrativo. De que modo que é inegável a participação
francesa na formação do Direito Administrativo, mas também se faz necessário
descrever a participação do direito alemão e italiano para a sua consolidação
como ramo do direito de forma autônoma. Discute-se a seguir a influência do
direito francês, alemão e italiano11 para uma elaboração sistemática e científica do
Direito Administrativo.
DIREITO ADMINISTRATIVO: FRANCÊS, ALEMÃO E ITALIANO
É notório entre muitos doutrinadores administrativistas apontarem o
direito francês como uma inegável contribuição para a consolidação e autonomia
do Direito Administrativo. Como leciona Di Pietro, “costuma-se indicar, como
termo inicial do nascimento do Direito Administrativo, a Lei de 28 pluvioso do Ano
VIII (1800), que organizou juridicamente a Administração Pública na França.” (DI
PIETRO, 2010, p. 4)
No Estado francês, pós-revolucionário, criou um tribunal específico
para julgar as lides em que o Estado era parte, e, esse órgão foi conhecido por
„Conselho de Estado‟. O importante é que os franceses darão eficácia à doutrina
11
Segundo Di Pietro („A‟, 2010, p. 3-4), o direito francês inaugura a escola legalista ou exegética, pela característica da
interpretação de textos legais. O direito alemão (influenciado pelo direito francês), por sua vez, procurou dar uma
elaboração científica, e o direito italiano (o qual sofre a influência do direito francês e alemão) procura fazer uma
sistematização do Direito Administrativo.
8
9
da separação das funções do poder de Montesquieu, pois até mesmo em âmbito
administrativo haverá uma jurisdição independente. Na França terá, portanto, uma
jurisdição administrativa ao lado da jurisdição comum, tem-se, desta forma, um
12
contencioso administrativo . Como confirma Di Pietro:
Com efeito, os constituintes franceses pós-revolucionários deram
alcance mais amplo à teoria da separação de poderes, entendendo que
a solução dos litígios nos quais a Administração Pública é parte não
pode ser atribuída ao Poder Judiciário, sob pena de criar-se
subordinação de um Poder ao outro. (DI PIETRO, 2010, p. 4)
Embora no seu início a própria Administração decidisse seus
conflitos com os particulares, característica que será conhecida por administrador13
juiz . Mas com a criação do Conselho de Estado tem-se início, verdadeiramente,
de uma jurisdição administrativa.
14
Como leciona Oliveira (2012) , a evolução do Conselho de Estado
francês passa por três fases distintas. Em 1799 „justiça retida‟, pois teria
competência apenas consultiva e recursal, podendo o Chefe de Estado alterar o
que foi decidido pelo Conselho. E em 1872 a „justiça delegada‟, uma evolução da
verdadeira função do Conselho, pois extinguia a homologação do Chefe de
Estado, podendo apenas revisá-las, mas não havia constância desta prerrogativa.
E em 1889 foi extinta totalmente esta função, pelo próprio Conselho de Estado,
surgindo, assim, na França a dualidade na jurisdição.
Este Conselho inaugura o contencioso administrativo, e, por
conseguinte a instrução dos princípios informativos do Direito Administrativo com
uma rica elaboração jurisprudencial. E, a partir desta elaboração pretoriana ter-seá a incorporação noutros regimes jurídicos de diversos países, como no brasileiro.
Todavia não será a contribuição francesa apenas jurisprudencial,
pois será o sistema francês o primeiro a colocar a disciplina de Direito
Administrativo de forma regular para o ensino universitário dos bacharéis em
12
Como salienta Di Pietro, se institui na França o contencioso administrativo a partir do texto da Lei de 16-24 de agosto
de 1790, em seu artigo 13 menciona que: “as funções judiciárias são distintas e permanecerão sempre separadas das
funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar de qualquer modo as operações dos
corpos administrativos, nem citar diante de si os administradores por motivo das funções que estes exercem” (DI
PIETRO „A‟, 2010, p. 4)
13
Este termo significa que a administração pública era, ao mesmo tempo, juiz e parte na relação jurídica-administrativa.
14
OLIVEIRA, Luciano Henrique. Origem e História do Direito administrativo. Disponível em:
http://www.editoraferreira.com.br/publique/media/toq41_luciano_oliveira.pdf Acesso em: 29 jan. 2012.
9
10
Direito. E desta forma, com uma cátedra regular e obrigatória a contribuição
doutrinária será pujante.
Destaca-se as obras de Macarel (Les éléments de jurisprudence
administrative,1818); de Cormenin (Questions de droit administratif, 1822), de
Gerando (Institutes du droit administratif français,1830); Ducroq (Cours de droit
administratif), Aucoc (Conférences sur le Droit) e Laferrière (Traité sur la juridiction
administrative). E como catedrático da “Faculdade de Direito de Paris [...]
ministrada pelo Barão de Gerando, que publica o seu Programe du Cours de Droit
Public Positif Administratif à la Faculte de Droit de Paris [...] Em 1829, ele publica
as Institutes du Droit Administratif Français” (MELLO, 2007 apud DI PIETRO,
2010, p. 6-7)
No entanto foi somente no „caso Blanco‟ que o direito administrativo
francês se consolida com uma ciência jurídica com um estatuto epistemológico
definido, assim menciona Di Pietro:
Pode-se dizer que a autonomia do Direito Administrativo, ou seja, a sua
posição como ciência dotada de objeto, método, institutos, princípios e
regime jurídico próprios, começou a conquistar-se a partir do famoso
caso Blanco, ocorrido em 1873, e que envolveu uma menina (Agnes
Blanco) que, ao atravessar uma rua da cidade francesa de Bordeaux, foi
colhida por uma vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de
Fumo, que transportava matéria-prima de um para outro edifício.
Naquela oportunidade, o Conselheiro Davi, do Tribunal de Conflitos,
preferiu o seu voto, colocando de lado o Código Napoleão e afirmando,
pela primeira vez, o equacionamento e a solução da responsabilidade
civil do Estado [sem destaque no original] em termo publicísticos.
(CRETELLA, 1969 apud DI PIETRO, 2010, p. 5)
A importância deste caso foi a decisão sobre a controvérsia a quem
cabia decidir o conflito, isto é, a competência seria da justiça comum ou justiça
administrativa, sendo este representado pelo Conselho de Estado. A competência
foi dada ao Conselho de Estado, por ser o Estado parte da relação jurídica.
Assim, cristaliza no âmbito do Direito Administrativo a responsabilidade do
Estado, contudo com um instituto próprio da seara que agora se inaugura, o
Direito Administrativo. Sendo diferente a perspectiva da responsabilidade civil no
campo do Direito Privado e no Direito Público. Assim afirma Horoshkeyeff:
Neste momento, houve a saída do instituto da responsabilidade do
campo do direito civil, como até então era tratado, para integralizar o
10
11
campo do direito administrativo, onde a relação entre preposto e
preponente é diversa dessa mesma relação no campo do direito civil.
(HOROSHKEYEFF, 2012)15
Já o Direito Administrativo alemão, embora influenciado pela
sistemática francesa, seguiu uma orientação diversa. A evolução do Direito
Administrativo alemão não foi produto de uma elaboração pretoriana como no
francês, mas de um trabalho acadêmico de doutrinadores alemães. Não sendo
um objeto de uma revolução (tal como aconteceu na França), mas de um
processo de evolução, pois “decorreu da prática das autoridades, da jurisdição
administrativa e do trabalho silenciosa da doutrina” (FLEINER, 1933 apud DI
PIETRO, 2010, p. 9)
Na Idade Média alemã, figurava-se um território fragmentado que
persistiu até mesmo quando algumas nações européias se constituíam como
Estados16, isto é, com uma estrutura que lhe garantem os elementos básicos e
constitutivos, como a população, território e governo (MALUF, 2003, 23).
Assim, não houve inicialmente uma uniformidade entre os territórios
alemães fragmentados jurídica e politicamente. Persistindo muitas vezes novas
concepções jurídicas ao lado de velhos direitos. Não obstante a função da
autoridade, como o príncipe, apesar dos privilégios não se compara com o
exemplo francês.
Afirma Di Pietro (2010, p. 9) que a proteção jurídica para o particular
e para a autoridade eram as mesmas, sujeitando-se ambas as instâncias
jurisdicionais. Contudo o príncipe possuía, por conta de sua autoridade, um direito
eminente (jus eminens), o qual lhe dava a prerrogativa de exercer sua autoridade
em benefício à coletividade. Posteriormente houve uma ampliação de seu poder,
podendo o príncipe intervir na vida privada de seus súditos, sob o pretexto, ainda,
de atingir os interesses da coletividade; este era o direito de política (jus politiae).
Com este novo direito o príncipe passa a editar normas de polícia e
normas de justiça. No entanto, houve consequências para o particular, pois nas
primeiras normas o príncipe age de forma absoluta, não podendo o particular
15
HOROSHKEYEFF,
Kathia
Loviat.
História
do
Direito
Administrativo.
Disponível
em:
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3924. Acesso em: 29 jan. 2012.
16
Deixa-se de ser uma realidade sociológica, para se afirmar com uma realidade jurídica, como uma unidade orgânica.
11
12
apelar a nenhuma instância superior. Todavia a justiça, mesmo com normas
editadas pelo príncipe, ficava fora de sua ação, sendo deste modo independente.
Diante disso, no direito alemão houve uma preferência para dirimir
os conflitos em que era parte o poder público as normas regidas pelo Direito Civil.
Não havia direitos como penal, processual etc., havia um sentimento de direito,
isto é, de justiça. Mas com as decisões da justiça foram dando vitória às
pretensões do indivíduo, mesmo fundamentas em direito privado “deixou este de
ser o direito único, pois se desenvolveu o direito público, em especial o Direito
Administrativo, para reger as relações entre o Estado e os administradores; o
Direito Civil passou a ter aplicação apenas subsidiária” (DI PIETRO, 2010, p. 9)
O direito alemão, como já salientado, é diferente do sistema francês,
surge de forma diversa, contudo “não se rompeu drasticamente com o sistema
anterior como o francês” (HOROSHKEYEFF, 2012)17. Não foram normas
derrogatórias e exorbitantes do direito comum (tal como ocorreu na França), mas
uma sistematização da dogmática administrativista, contudo sem desprezar a
contribuição do direito privado.
No sistema italiano o seu Direito Administrativo seguiu uma
tendência mista, apoiando ora na escola exegética como na científica. Assim
como o alemão não foi consequência de uma revolução, mas uma sistematização
evolutiva das normas de direito público, isto é, de Direito Administrativo.
Como Di Pietro (2010, p. 10) leciona, o direito italiano apresenta três
períodos. O primeiro refere-se ao início de normas administrativista no direito
italiano, sob a influência do direito francês. Uma época sob o domínio da França,
vez sentir a influência do direito francês, a qual tratava sobre a „unificação
administrativa do reino‟. O segundo período vai de 1865 até a Primeira Guerra
Mundial, em que se altera a lei supracitada para atender as exigências liberais da
Europa do século XIX. A terceira fase ocorreu entre 1922 a 1943, pós Primeira
Guerra, em que o regime totalitário fascista deu início a uma derrogação das
instituições democráticas. Com o fim do fascismo voltam às instituições
democráticas, e por sua vez a sistematização de um Direito Administrativo e uma
noção de Administração Pública:
17
HOROSHKEYEFF,
Kathia
Loviat.
História
do
Direito
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3924. Acesso em: 29 jan. 2012.
Administrativo.
Disponível
em:
12
13
Começaram a surgir manuais sobre a matéria de Direito Administrativo,
dando início uma sistematização própria da disciplina. Em 1814
Romagnosi edita a obra Principi fondamentali del diritto amministrativo
onde tesserne le istituzioni. Em Milão, cria-se a cátedra denominada
“Alta legislação em referência à Administração Pública”, regida por
18
Romagnosi.
Como fruto de duas correntes do Direito Administrativo, o direito
italiano operou uma sistematização, não se apegando excessivamente a nenhum
dos dois, como o francês e ao alemão19.
3 DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL
O Direito Administrativo no Brasil teve a influência, sobretudo, do
direito alienígena, francês e italiano. Entretanto há também a participação do
sistema jurídico norte-americano, conhecido por common law, em nosso direito
pátrio administrativo.
Em seu artigo sobre „500 anos de Direito Administrativo Brasileiro‟,
Di Pietro divide o Direito Administrativo no Brasil em quatro fases:
a) período colonial, sob domínio da legislação portuguesa;
b) período imperial, já com o início da influência do direito francês,
decorrente da criação do Conselho de Estado;
c) período republicano, até a Constituição de 1988, em que se plasmou o
direito administrativo como ramo autônomo;
d) período atual, posterior a Constituição de 1988, quando o direito
administrativo altera, de certa forma, o seu perfil, em decorrência da
instauração do Estado Democrático de Direito, dos princípios
informadores da Reforma do Estado e da globalização. (DI PIETRO,
20
2011)
Na constituição jurídica do ordenamento pátrio é inegável a
participação do sistema europeu, entretanto, não nasceu no Brasil como um ramo
autônomo, visto ser o direito da metrópole, isto é, o direito português as normas
jurídicas que vigoram em nosso país, pois era o Brasil sua colônia. Estava desta
forma ligada ao regime de uma monarquia absoluta.
Como a coroa portuguesa preferiu dividir a colônia brasileira em
capitanias hereditárias, buscando incentivar nobres portugueses a povoar as
18
Para esta citação bibliográfica não foi possível localizar o autor da mesma, pois o sítio em que fora feito a pesquisa não
está mais disponível na rede mundial de computadores, há um direcionamento para outro sítio, mas não há como localizar
mais o artigo em que foi extraída esta citação direta. http://www.cardanfe.com/?tag=direito-administrativo acessado em
01 fev. 2012.
19
Na primeira fase ou período desta-se há influência do sistema francês, mas também uma aspiração ao direito privado.
Já a segunda fase assume um caráter científico colocando-se ao lado do sistema alemão.
20
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 500 anos de Direito Administrativo Brasileiro. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 05 out. 2011. p. 3
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terras brasileiras, esta concessão dava aos “respectivos donatários [...] poderes
absolutos que lhes eram outorgados pelo monarca português e que abrangiam,
sem qualquer controle, a administração, a legislação e a distribuição da justiça”
(DI PIETRO, 2010, p. 20).
Di Pietro (2011) ainda salienta que certa forma havia uma
distribuição de funções, ou seja, do exercício da administração. Embora sejam
normas que caracterizam um Estado de Polícia, não sendo muito estranhas as
formas como as monarquias do passado exerciam seu poder; havia uma
distribuição de atribuições, entre governador-geral (representante do rei), o
provedor-mor (representante do fisco) e ouvidor-geral (distribuidor da justiça).
Entretanto, mesmo com tal divisão, o poder concentrava-se nas
mãos do governador-geral, pois legislava e presidia a justiça, sendo até mesmo
conhecido por „vice-rei‟; recebendo, mais tarde, poderes que em matéria civil e
criminal, até mesmo de aplicar a pena capital (DI PIETRO, 2010, p. 20).
Quanto às normas jurídicas
da metrópole,
poucas tiveram
repercussão na colônia, pois detinham poderes absolutos os donatários. Algumas
ordenações, como eram chamadas, em tese poderiam ser aplicadas, mas de fato
o que regia na colônia eram os usos e costumes.
Quando foi „descoberto‟ as terras brasileiras vigoravam em Portugal
as Ordenações Afonsinas. Foram substituídas a partir de 1511, pelas Ordenações
Manoelinas. Estas foram revogadas em 1613, que passaram a vigorar as
Ordenações Filipinas ou Ordenações do Reino como também eram conhecidas.
Estas últimas normas jurídicas vigoraram no Brasil até mesmo após a
independência, “só deixando de ser aplicada na medida em que foram baixados
os grandes códigos” (DI PIETRO, 2011)21
Do modelo escolhido pela coroa portuguesa, as capitanias
hereditárias, se mostrariam hoje em dia, como uma autarquia territorial ou
geográfica independente e com autonomia, mas com submissão ao monarca.
Seria, assim, um início de uma administração pública, em nosso território, normas
emanadas de um poder absoluto, mas que estipulavam atribuições entre os
funcionários do rei.
21
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 500 anos de Direito Administrativo Brasileiro. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 05 out. 2011. p. 4
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Já na época do Império, com a promulgação da primeira
Constituição de 1824, pode-se afirmar a existência, ainda que de forma incipiente,
de normas administrativas.
Neste período o Brasil é fortemente influenciado pelo sistema
francês, tanto que haverá também um Conselho de Estado, tal como na França,
todavia não independente como o francês.
Essa Constituição do Império teve influência liberal, dividiu o Império
em províncias, como também o poder, havendo quatro funções do poder:
executivo, legislativo, judiciário e moderador. No entanto, os dois últimos poderes
concentravam-se nas mãos do imperador, e sendo o poder moderador, uma
função que exorbitava a divisão constitucional dos poderes, ou seja, como o
próprio nome diz, „moderava‟ ou controlava os „excessos‟ dos outros poderes.
O Conselho de Estado existiu mesmo antes da Constituição de
1824, mais foi oficialmente previsto nesta Carta Magna. Contudo este Conselho
exercia somente atribuições consultivas, não jurisdicionais, ou seja, não era
independente, pois dependia do Imperador, sujeitando-se as determinações
deste. Posteriormente foi extinto, recriado e definitivamente extinto em 1889.
Mesmo sem as atribuições, pelo menos consultiva, do Conselho de
Estado, foi nesta época que se tem no Brasil a criação da primeira cátedra de
Direito Administrativo22. Foi “instalado em 1856, na Faculdade de Direito de São
Paulo e regida por José Antônio Joaquim Ribas” (DI PIETRO, 2010, p. 20).
No período imperial começou a pensar o Direito Administrativo como
uma ciência jurídica, assim afirma Di Pietro (2011):
[...] constitue hoje uma sciencia positiva, verdadeira e completa, que de
um lado divide com o direito civil, e de outro com o publico positivo. Tem
sua legislação, que por não estar codificada, não é menos numerosa,
variada, constante e obrigatória, sua jurisprudência cujas regras vão se
formando, assentadas por precedentes bem definidos. (DI PIETRO,
23
2011)
Há neste período uma rica produção acadêmica, mas apensar de se
pensar nesta seara do direito como uma ciência, não havia entre os doutrinadores
uma uniformidade quanto ao tratamento da matéria ou ao seu objeto.
22
Instituída pelo decreto de 09-01-1825, o qual criava o curso jurídico na corte.
FERNANDO apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 500 anos de Direito Administrativo Brasileiro. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 05 out. 2011. p. 10
23
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16
Com o período republicano, supre-se o poder moderador, em
consequência disso à administração pública afasta-se do campo do direito
privado, visto também terem sido diminuídas à influência da dupla jurisdição do
sistema francês. Submete-se a Administração Pública ao controle jurisdicional24.
E com a extensão das atividades estatais, a partir da previsão
constitucional de 1934, assumindo o Estado atividades sociais e econômicas,
como saúde, higiene, educação, previdência social etc., amplia-se seu campo de
atuação e, por conseguinte a necessidade de aparato administrativo. Como afirma
Di Pietro (2011), neste período há uma intensa atividade doutrinária:
Como conseqüência, cresce a máquina estatal, pela criação de novas
pessoas jurídicas públicas, quer as de capacidade específica para
execução de serviços públicos (autarquias), que as de capacidade
genérica (territórios); paralelamente, aumenta o quadro de funcionários
públicos necessários para o atendimento das novas tarefas assumidas
pelo Estado.
Na realidade, já estava definido, a essa época, o direito administrativo,
como ramo autônomo do direito público, com institutos, princípios e
regime jurídico próprio, tendo por objeto os órgãos, agentes e pessoas
jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a
atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza
para a consecução de seus fins, de natureza pública. (DI PIETRO,
25
2011)
Com estes apontamentos históricos da origem e evolução do Direito
Administrativo, especialmente em nosso direito administrativo pátrio, pode-se
afirmar que surge como um ramo autônomo a partir da Constituição de 1934.
Como qualquer ciência pode-se perceber uma evolução deste ramo
do direito em relação com a constituição de Estado que o país adotou ao longo de
sua história. Por exemplo, na Constituição de 1891, teve-se o Estado Liberal de
Direitos, na Constituição de 1934, fala-se do Estado Social de Direitos; assim na
atual Constituição de 1988 já se tem o Estado Democrático de Direitos.
Assim a atuação da administração pública segue esta concepção de
Estado adotada, ou seja, do Estado Democrático de Direitos, influindo o direito
público e a atuação do Estado de acordo com as concepções políticas assumidas.
Atualmente o Direito Administrativo a partir da Constituição de 1988, assume
como normas norteadoras da função pública a observância à lei e ao direito. São,
24
Destaca-se, agora, a influência do sistema americano, que é a unidade da jurisdição.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 500 anos de Direito Administrativo Brasileiro. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 05 out. 2011. p. 17
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16
17
portanto, fundamentais os princípios da legalidade e razoabilidade para alcançar a
interesse público, propósito finalístico deste ramo do direito.
17
18
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito administrativo se inicia quando as funções públicas do
Estado se submetem à lei, ou seja, quando se instala o estado de direito. Esta
figura somente se concretiza no Estado Moderno, em que os princípios da
legalidade e da separação dos poderes são empregados.
O excesso de poder, arbitrariedades, e privilégios são características
que estão na contramão da função pública que o Estado deve exercer, e não
sendo muito dizer do próprio direito administrativo.
Assim é necessário compreender como se constituiu o direito
administrativo, sua evolução história e contribuições doutrinárias, em especial, do
direito administrativo pátrio, para que se perceba a relevante função pública no
atendimento ao interesse público.
O pensamento filosófico e as reminiscências históricas são salutares
para o entendimento da sistematização do direito administrativo; inclusive de sua
autonomia enquanto ramo do direito.
A contribuição jurídica de doutrinas alienígenas, em especial a
francesa, alemã e italiana, fomentaram a constituição do direito administrativo
pátrio, contribuindo para iniciar a discussão. Mas apontando a reflexão pátria para
as peculariedades próprias do Estado brasileiro, pois não há em nosso
ordenamento jurídico um contencioso administrativo, visto ter o legislador optado
por uma unicidade da jurisdição.
Por fim reconhece-se a importância do trabalho jurisprudencial e
doutrinário, podendo-se afirmar que o sentido da evolução do Direito
Administrativo Brasileiro, após se distanciar dos sistemas francês e americano,
foi, em seu início, os estudos doutrinários, passando pelos acórdãos
jurisprudências das cortes e, por fim, a positivação deste ramo do direito em leis
esparsas e específicas.
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