Pacheco_AP_As fases de desenvolvimento de um

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Pacheco_AP_As fases de desenvolvimento de um
AS FASES DE DESENVOLVIMENTO DE UM GRUPO
Ana Paula Pacheco
A idéia deste artigo é compartilhar com os interessados em desenvolvimento de grupos,
elementos recorrentes extraídos da nossa prática de trabalho com grupos, usando a teoria
para pontuar aquilo que é generalizável e que pode servir de pano de fundo para
compreensão da complexa realidade de cada grupo.
Sempre que falamos em grupo, estamos nos referindo ao ajuntamento de pessoas em torno
de um propósito comum. Seu nascimento é mobilizado pelo desejo de existir para cumprir
determinado fim, mesmo que ele se perpetue indefinidamente. Por mais óbvio que isso
possa parecer, toda vez que um grupo entra em crise descobre que muito de seus
problemas estão enraizados na pouca consciência presente no grupo sobre seu real
propósito ou suas intenções ao se formar.
Assim como uma criança pequena, predomina nessa existência temprana uma vitalidade
inigualável, traduzida no ímpeto de agir com o outro em direção a um desejo comum. A
motivação está no auge, impulsionada pela necessidade de poder, traduzida no desejo de
influenciar e liderar outras pessoas para se conseguir fazer diferença no meio em que se
está inserido. O mote dessa fase, denominada por Tuckman de “formação1”, é a “ação”
sobre o meio, concomitante ao conhecimento dos outros indivíduos e da tarefa que têm
diante de si.
Nesse primeiro momento de existência, o grupo tem pouca consciência de si próprio. Assim
como na primeira infância em que a noção que a criança tem de si está totalmente baseada
na imagem que ela tem da mãe, um grupo recém-nascido vê no reflexo de sua ação a sua
identidade.
Se quisermos ampliar nossa consciência sobre esse momento de formação, temos que
atentar para os seguintes fatores:
1.
A vitalidade do grupo é movida pela necessidade de influenciar outros para a
realização de um objetivo comum. Quanto mais claro, mais específico e mais concreto
esse objetivo, melhor a capacidade do grupo de atrair para si indivíduos que
contribuam para a manutenção da vitalidade do grupo.
1
Tuckman é o autor que definiu os cinco estágios de desenvolvimento de um grupo como sendo: forming,
storming, norming, performing, adjourning. Eu os traduzi como formação, tempestade, normatização,
performance e encerramento. Diferente do que Tuckman indica, pela prática observo que no primeiro estágio,
quando o grupo se forma, o foco está muito mais na ação externa do que na construção interna do grupo.
2.
A abertura para participação garante a oportunidade de sustentar essa vitalidade nos
momentos de crise que com certeza surgirão. Garante também que se forme um
grupo realmente participativo que assuma integralmente a responsabilidade pelas
suas ações.
3.
Na fase da formação ainda há pouco conhecimento real dos indivíduos com os quais
se trabalha (mesmo os velhos conhecidos tem facetas desconhecidas quando num
novo grupo!) e pouco conhecimento da capacidade do grupo de agir em conjunto.
Como o grupo está concentrado na ação sobre o meio e na tarefa a ser desenvolvida,
tende-se a continuar deixando de lado o esforço de enxergar o outro ou lhe dar o
espaço necessário, algo que gradualmente passa a corroer o espírito de grupo. Neste
momento, portanto, quanto mais explícitos os acordos de interação e ação, maior a
capacidade do grupo de lidar com as dificuldades do porvir.
4.
Esse momento de formação é caótico pela sua própria natureza exploratória e
portanto carece de um líder mais do que de um sistema organizacional para
experimentar-se no mundo.
Mas, depois de dois anos explorando o mundo que a mãe faz chegar até ela, a criança sofre
a dor de descobrir que ela e a mãe são criaturas diferentes. O que por um lado dói, por outro
a liberta para continuar sua relação com o mundo sobre outra forma de interação.
Num grupo até então concentrado em sua ação sobre o mundo, eis que surgem
gradualmente desconfortos, inquietudes, dúvidas e frustrações tanto individuais como do
grupo na relação com o seu meio. A clareza das ações se turva diante das demandas
pouco priorizadas, as responsabilidades e a liderança são questionadas, as decisões
tomadas intuitivamente passam a incomodar pela falta de critério, a motivação entra em
declínio e a participação igualitária passa a dificultar o processo decisório. Formam-se
nuvens negras sobre o grupo e em algum momento a partir daí, vem o que Tuckman chama
de “tempestade”.
É nessa crise, vivida pelos grupos que decidem “entrar na chuva para se molhar” que está o
primeiro chamado para o desenvolvimento consciente. A pergunta retumbante soa assim:
“que tal nos comprometermos com o nosso crescimento?” Por ser apenas um ruído no
coração do grupo, essa pergunta pode ser facilmente ignorada e assim, muitos grupos
optam por se manter nessa primeira infância em que relegam a responsabilidade pelo autodesenvolvimento em nome da responsabilidade mais premente de atender as demandas
externas ao grupo. Retiram-se os incomodados e assim, inúmeros grupos permanecem
anos a fio nessa fase agindo sob o dinamismo desenfreado em que ciclicamente se vivencia
uma crise com dois tipos de sintomas: relações pautadas por emoções e sentimentos e
pouca capacidade organizacional como reflexo da ação desprovida da auto-consciência de
grupo. O grupo torna-se um ativista tomado por uma idéia, que por não ser intercambiada e
transformada na sua relação com os outros e com o mundo, vira ideologia a ser imposta
sobre os outros e o mundo.
Assim como nos indivíduos que optam por se auto-desenvolver com o intuito de se tornarem
pessoas mais capazes, o grupo que resolve atender ao chamado da crise, tem como
primeira tarefa, encará-la de frente, admiti-la como parte intrínseca de qualquer processo de
desenvolvimento e começar a se rever sob uma nova perspectiva, revelando de forma
explícita os novos acordos de relação no grupo.
Nessa fase o desafio está em promover a diferenciação funcional, caracterizada pela
necessidade de “normatização”, a terceira fase de desenvolvimento de um grupo, segundo
Tuckman. Como diz Schaefer2 quando fala sobre desenvolvimento de uma organização, é o
momento em que forma e consciência têm que ser intercambiadas. A forma que o grupo
encontra para se organizar a partir de uma maior consciência de si é o que determina sua
capacidade de ter êxito.
Nessa fase de normatização, assim como a criança que se percebe como indivíduo, o grupo
tem que lidar com sua dupla dimensionalidade: a dos indivíduos e a do conjunto de pessoas.
Considerando-se que o processo de desenvolvimento de um grupo requer transformações
nesses dois âmbitos é preciso que se dê atenção distinguida a ambos.
A energia e o tempo que antes eram gastos exclusivamente com a ação externa, têm que se
dividir entre os processos externos e internos do grupo. Acreditar que esse investimento é
válido, legítimo e principalmente, gerador de ganhos futuros é essencial para que haja um
comprometimento com a manutenção do espaço e do tempo necessários para que o grupo
olhe para si. Essa fase bem cuidada garante em grande parte a saúde vitalícia do grupo
porque aprende-se a fazer o exercício de olhar para si como parte integrante do meio e dos
objetivos para os quais se trabalha.
Há dois fatores importantes a serem analisados na dimensão pessoal: a liderança do grupo
e as características particulares que contribuem para o todo do grupo.
2
Schaefer, C. O desenvolvimento consciente de iniciativas. In: Schaefer, C & Voors, T. Desenvolvimento de
iniciativas sociais: da visão inspiradora à ação transformadora. São Paulo : Antroposófica/Christophorus,
2000.
A liderança que até então foi natural – ou pouco questionada – deve ser avaliada com o
intuito de se trazer à consciência quais as características de liderança que melhor
contribuem para que o grupo maximize sua capacidade de atuação externa. Desse modo,
favorece-se a despersonalização da liderança, o que fortalece o grupo na medida em que
ele passa a acionar e contabilizar seus ativos ao invés de se apoiar exclusivamente sobre os
subjetivos encarnados por indivíduos que à primeira vista parecem insubstituíveis. O grupo
passa então a ter consciência de sua liderança, empossada por suas características e
potenciais que podem ser acessadas e substituídas quando necessárias, sem que com isso
o grupo se fragilize ou desmorone.
A forma de reconhecimento da liderança e organização dos processos decisórios,
formatando também os modos de organizar o trabalho em função dessa estruturação serão
tanto melhores quanto maior a capacidade do grupo de instaurá-las a partir de seu processo
de conscientização.
Com o tempo, a dedicação das pessoas ao grupo tem que trazer um retorno para os
indivíduos para que a motivação antes ditada apenas pela ação externa do grupo agora
também seja constituída por outras formas de motivação. A necessidade que antes era
ditada principalmente pela vontade de influenciar e liderar outros para a realização de uma
tarefa comum, agora tem que estar mais voltada para a as necessidades do grupo. É o
momento em que o ajuste do indivíduo ao grupo e das necessidades de ambos traz à tona a
questão: eu quero mesmo ser parte desse grupo? Lembrar que essa é a questão que está
em jogo no momento ajuda o grupo a ganhar consciência sobre a importância de olhar para
os indivíduos.
Lembrando que ninguém motiva ninguém, cabe ao grupo criar oportunidades para que as
pessoas encontrem sua própria motivação para continuarem a ser parte do grupo. E isso se
faz através de dois processos principais: saber ouvir as necessidades, dificuldades,
vontades e saber respeitar as diferenças de cada um. O que a princípio parece uma
obviedade sem tamanho e tarefa inerente a uma pessoa bem intencionada, na prática da
vida em grupo se revela um trabalho bastante difícil e só com muito empenho um grupo
realmente se dedica a isso. Mas uma coisa é certa: se estes processos não forem
planejados, certamente não existirão e ficará o discurso no lugar da prática, realidade da
maioria dos grupos.
Uma característica comum à capacidade de ouvir o outro e à capacidade de respeitar as
diferenças é substituir o julgamento automático que se faz, pelo exercício de trazer à tona o
que está por trás do julgar. Por exemplo, pode-se fazer em conjunto o exercício de se
analisar as diferentes personalidades e necessidades individuais que existem no grupo a fim
de potencializar as qualidades e minimizar o efeito das características inibidoras de
desenvolvimento do grupo, ajustando os pontos de motivação individual à realidade da vida
do grupo3.
Aprender a dar feedback é outro exercício que se pode fazer para que se consiga aumentar
a capacidade de fazer as pessoas se ouvirem. É uma arte de difícil maestria, mas de
excelentes resultados para o desenvolvimento da saúde de um grupo.
Esses dois fatores da dimensão pessoal devem sempre ser incorporados à dimensão de
desenvolvimento do grupo através de um planejamento de ações e processos que os
contemplem. Senão, o grupo acaba ficando egocêntrico e deixa de alimentar o
desenvolvimento do seu trabalho com o desenvolvimento das pessoas ao invés de usá-lo
para enriquecer sua prática.
No que se refere à dimensão de desenvolvimento do grupo então, há que se atentar para
um fator primordial: a instauração de processos que organizem as ações do grupo em
função do seu objetivo (revisto junto com os novos acordos de trabalho). O planejamento e a
análise racional predominam.
Nessa fase de desenvolvimento, o grupo está fortalecendo sua identidade ao definir
conscientemente qual a forma com que se organiza para cumprir sua missão. O processo
de organização deve considerar que o grupo é um organismo vivo que adquiriu
características que o definiram até então. Essas características devem ser analisadas e
balizadas junto à proposta de atuação do grupo para definir as políticas, os procedimentos e
os meios de organização do trabalho. Não adianta tentar implantar procedimentos
inovadores que destituam a forma do grupo ser, porque a vida orgânica vai predominar
sobre a vida organizada. Então o que se tem a fazer é implantar os processos que
potencializem as qualidades e minimizem os impactos dos defeitos que o grupo tem. Mais
uma vez, é o intercâmbio entre forma e consciência que determinará a competência de
atuação do grupo.
3
Há instrumentos desenvolvidos que podem ser aplicados gerando oportunidade de colocar essa dimensão do
desenvolvimento individual no contexto organizacional. Um exemplo é o do trabalho com as diferentes
personalidades, definidas por cores, de Roberto Coda (FEA-USP). David Kolb também trabalha com um
instrumento (Learning Style Inventory) capaz de identificar os diferentes modos individuais de aprendizagem,
o que ajuda muito a identificar os focos de motivação de cada um.
Se reconhecermos o grupo como um organismo vivo, temos que lidar com o fato de que
com o tempo, tudo muda. A saúde vitalícia pode ser em parte garantida pela capacidade de
aprender a juntar consciência e forma como parte sistemática do trabalho do grupo e em
parte tomando uma vitamina essencial ao crescimento: a avaliação de sua prática como
modo de aprendizado.
Antes o que importava era formar o grupo para agir; a fase da formação. Com a tempestade,
vem a normatização, fase cujo foco está nos procedimentos, nos processos. Mas precisa-se
ir adiante e colocar essas normas para gerar resultados para o grupo e para fora dele. Até
este momento um grupo certamente melhorou muito em dois aspectos: sua eficiência
(capacidade do grupo de fazer os indivíduos disporem de sua competência para agir) e sua
eficácia (capacidade do grupo de implementar processos e procedimentos que os tornem
melhores naquilo que fazem). Na terceira fase de seu desenvolvimento o grupo tem que se
voltar para a efetividade: a capacidade do grupo de alcançar os objetivos estabelecidos,
transformando a realidade em que atua. É a terceira fase de desenvolvimento do grupo,
chamada por Tuckman de performance. A necessidade premente aqui é a de realização,
atingir metas, alcançar a excelência e conseguir realmente transformar4.
E é nessa fase que o grupo volta a se questionar sobre o seu papel no mundo e sobre sua
capacidade de agir. Tenta-se rever a missão, avaliar o impacto de seu trabalho, checar a
competência de seus indivíduos.
É um momento de muito mais maturidade, e esperemos, de maior consciência. Nessa fase,
as necessidades de afiliação, poder e realização estão mais equilibradas porque há melhor
canalização das motivações individuais, uma renovada compreensão da atuação do grupo e
uma melhor divisão das tarefas e do poder de cada um dentro dele.
Mas, o grupo que chegou até aqui tem uma tarefa de responsabilidade ainda maior: de
sobreviver às mudanças externas e internas para continuar a existir, caso seja essa a sua
vontade. E aí há um grande motor a ser posto em marcha: do aprendizado baseado na
4
Mencionei três tipos de necessidade até aqui: a necessidade de poder, necessidade de afiliação e
necessidade de realização. Essas necessidades que aqui eu usei para falar de grupo, foram desenvolvidas
por McClelland para falar sobre os tipos de motivação individuais. Este psicólogo, bastante polêmico aliás,
desenvolveu um teste para identificar as motivações humanas e as dividiu nestes três grupos. Não tenho
nenhuma pretensão de fazer uma transferência de aplicação dessa teoria nesse contexto. A idéia aqui é
perceber que em cada fase de seu desenvolvimento o grupo está focado em algo diferente e mobilizado por
necessidades diferentes que, grosso modo, observo que são necessidades presentes no grupo em suas
diferentes fases de vida. O que vale é atentar para as diferenças e ganhar consciência sobre o impacto delas
sobre as atitudes do grupo.
experiência. Quanto maior a capacidade do grupo de balizar suas ações sobre a reflexão
profunda de sua experiência, maior sua qualidade de performance. Surge aqui um desafio
inédito: o de ser capaz de sistematizar estes aprendizados de modo que eles deixem de ser
anedotas, fatos soltos, experiências circunscritas a momentos específicos da vida do grupo
para transformá-los em informação capaz de subsidiar tomadas de decisão e mudanças no
grupo. O que se aprendeu até aqui deixa então de pertencer aos indivíduos que viveram no
grupo e passa a ser um ativo do grupo, em que eficiência, eficácia e efetividade são
definidos a partir de elementos concretos e acessíveis a todos.
A maioria das pessoas que falam do desenvolvimento de grupos citam essas quatro fases.
Tuckman acrescenta a fase do “encerramento” do grupo. Apesar de parecer simples,
poucos grupos conseguem chegar a essa fase com dignidade. O encerramento de um
grupo, além de exigir que se assuma que se chegou ao fim, exige uma atitude pouco
comum que é a de compartilhar a experiência, passar as informações e principalmente abrir
para outros um espaço que seu grupo ocupou durante muito tempo. O que melhor ilustra
essa fase é a do sábio idoso que quer preparar outros para dar continuidade a algo valioso.
Ele se vale de seu vasto conhecimento acumulado pela experiência, de sua habilidade de
formar outras pessoas e de uma atitude de doação, de abertura, de flexibilidade para aceitar
que outras pessoas podem e são capazes de nos substituir, mesmo quando têm
características tão diferentes das nossas.
Encerro eu esta pequena contribuição reiterando o fato de que com certeza não lhes contei
nada de novo sobre a vida de um grupo, ainda que tenha lhes contado sobre a vida de
vários grupos com os quais convivi. O que nos dá essa sensação de que fala-se sobre o
óbvio é que os movimentos de vida são arquetípicos e se sobrepõe a um outro movimento
arquetípico que é o do processo de aprendizagem. Um grupo se forma, passa pela
tempestade, encontra suas normas, faz sua grande performance e sai de cena. São cinco
fases de um ciclo, que pode se repetir em outras fases da vida do grupo. Quanto ao
aprendizado, temos a experiência, a reflexão sobre a nossa experiência, a capacidade de
sistematizá-la em sob forma de novos conhecimentos e a capacidade renovada de planejar
novos caminhos, caminho de desenvolvimento com o qual nos deparamos continuamente
ao longo da vida, principalmente nas crises de crescimento. Não é nas idas e vindas dessas
fases e desses ciclos que pautamos a nossa história de vida, de nossos grupos, de nossas
organizações? Conhecer quais são essas fases e ciclos nos ajuda a apreender que fases e
que ciclos estamos vivendo para então compreender um pouco mais sobre nossa
existência. E tudo isso só acontece se há consciência e esforço concentrado nessa tarefa.
Portanto, aos grupos que querem crescer e viver com mais consciência, há uma grande
tarefa diante de si: mãos à obra e boa sorte!

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