relatório setorial final - NMEturma012010

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relatório setorial final - NMEturma012010
RELATÓRIO SETORIAL - FINAL
SETOR: FARMACÊUTICA - LAB NACIONAIS
PESQUISADOR: MARA PINTO
DATA: 09/02/2004
ANEXOS: Ver
Sumário Executivo:
O setor farmacêutico no Brasil é composto por um número muito maior de
empresas nacionais que transnacionais, mas o faturamento total das transnacionais
é, aproximadamente, três vezes maior do que o faturamento das nacionais. Assim
como em outros setores da economia, os agentes geradores desse panorama são
históricos e podem ser estudados por diferentes aspectos. Um desses aspectos é o
nível de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D) das empresas que, por
estarem diretamente ligados à capacidade produtiva e ao lançamento de novos
produtos, são de alto valor estratégico.
Os estudos realizados anteriormente na cadeia produtiva do setor
farmacêutico indicam que as transnacionais concentram a maior parte de P&D em
seus países de origem, deslocando a parte de produção e comercialização dos
produtos para outros países. Essa tendência é constatada até mesmo quando as
empresas transnacionais dão a localização de seus centros de pesquisa em seu
material de divulgação, como por exemplo, em páginas da internet.
Medidas governamentais de implementação e estímulo para atividades de
P&D no país podem ser adotadas de maneira mais eficaz a partir de um melhor
entendimento da intensidade do esforço tecnológico que as empresas do setor
realizam. Por essa razão, dez empresas foram escolhidas para o estudo mais
detalhado e a entrevista. Os fatores em comum entre elas são a origem do capital,
nacional, e o fato de terem apresentado em seu material de divulgação menção
destacada à pesquisa pela empresa.
Considerando que uma parte importante da pesquisa em medicamentos é
realizada na fase da produção da matéria prima, duas empresas farmoquímicas,
três fitoterápicas e uma de origem biotecnológica foram avaliadas, além das quatro
farmacêuticas.
Para as farmacêuticas, com o intuito de facilitar a interpretação dos
resultados, as principais atividades tecnológicas realizadas pelas empresas são
citadas em ordem crescente de acordo com o grau de sofisticação exigido. As
atividades são:
· (A) Produção de similares;
· (B) Produção de genéricos;
· (C) Síntese química;
· (D) Inovações incrementais .
Duas empresas farmacêuticas caracterizaram-se por realizar as quatro
atividades (A-D). São as empresas de maior faturamento (R$ 300 e 400 milhões) e,
aproximadamente, a mesma porcentagem de investimento em P&D (1,5%). As
inovações incrementais, o ponto mais forte dessas empresas, coloca-as em
destaque com relação às outras empresas. Estas inovações foram basicamente
resultantes de combinações inteligentes de medicamentos, mudança em adjuvantes
e mudanças estruturais em moléculas já conhecidas que ocasionaram melhorias no
desempenho do medicamento.
Uma terceira empresa farmacêutica, que embora tenha declarado um
investimento de 19% em P&D e o faturamento de R$ 3 milhões, não apresentou
inovações incrementais em seus produtos, atendo-se às atividades A e C. Pode-se
dizer que apesar do grande empenho investido na capacidade de síntese química
desta empresa, os resultados em termos de inovação são modestos, especialmente
se a compararmos com as duas empresas citadas anteriormente.
A quarta empresa farmacêutica, com faturamento maior que a terceira (R$
144 milhões) e sem declarar o investimento em P&D, mostrou-se a mais frágil
tecnologicamente, realizando apenas a atividade de produção de similares (A).
As duas empresas farmoquímicas apresentaram discrepância na dimensão
tecnológica. Uma delas possui alto coeficiente de exportação, material humano
qualificado (dois mestres e três doutores), sintetiza 100% dos seus produtos e
parte para associação com uma empresa americana que pretende desenvolver
moléculas novas (que poderíamos classificar na categoria de inovações radicais). A
segunda empresa, que embora tenha um faturamento três vezes maior que a
primeira exporta apenas 3% dos seus produtos, possui somente um funcionário
com mestrado e sintetiza 70% dos produtos.
Quanto às três fitoterápicas avaliadas, destacam-se dois fatores comuns: o
volume de pesquisas realizadas nas empresas é nulo e muitas pesquisas clínicas
são realizadas em convênio com universidades, especialmente para atender às
novas normas de legislação da ANVISA. Apenas uma delas possui uma pesquisa em
convênio com uma universidade que foge dos estudos clínicos e tem por objetivo a
clonagem de plantas para maior padronização da matéria prima. A produção de
extratos de plantas é totalmente terceirizada em uma empresa e parcialmente
terceirizada nas outras duas empresas.
A empresa de biotecnologia avaliada é a única no país que se propõe a
montar um banco de extratos de plantas originárias de florestas brasileiras e a
extrair princípios ativos que posteriormente, depois de testes (inúmeros), poderão
tornar-se moléculas aplicadas na produção de medicamentos. Por apresentar uma
proposta diferenciada, onde os riscos envolvidos são muitos, conseguiu avançar
financeiramente por meio de um contrato com uma grande multinacional, mas
atualmente passa dificuldades em conseguir novos contratos. Posteriormente à
realização da entrevista, esta empresa conseguiu uma participação acionária de um
grande grupo privado nacional, por uma quantia que diversas fontes classificam
como muito inflacionada.
1. Fontes de Informações sobre o Setor:
1.1. Estudos acadêmicos:
Nacionais
Quatro grupos merecem destaque pela publicação de textos relevantes para
o entendimento dos diversos aspectos do setor farmacêutico brasileiro:
· Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), FIOCRUZ-RJ
·
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Grupo Inovação - Instituto de
Economia)
·
Universidade Estadual de Campinas: no Núcleo de Estudos de Políticas
Públicas - Instituto de Economia
· Universidade Estadual de Campinas: Departamento de Política Científica e
Tecnológica - Instituto de Geociências.
Os estudos acadêmicos
abordam, prioritariamente:
·
·
·
·
a
a
a
a
produzidos
por
pesquisadores
destes
grupos
estrutura produtiva
competitividade do setor,
regulação de mercado
legislação no setor farmacêutico.
Os aspectos da inovação, pesquisa e desenvolvimento são apontados, nestes
estudos, sempre como um ponto de fragilidade do setor nacional, mas sem uma
abordagem de maior profundidade.
Internacionais
A página do European Innovation Monitoring System (EIMS) oferece
estudos acadêmicos e avaliações sobre novas tecnologias e políticas de inovação em
diferentes áreas da economia européia.
Na página do European Pharmaceutical Regulation & Innovation Systems
(EPRIS), artigos mais específicos e aprofundados referentes às questões de
inovação e P&D na indústria farmacêutica são encontrados. Além disso, caminhos
de acesso a outros importantes centros de informação técnica estão disponíveis,
como por exemplo, o Centre for Research on Innovation and Internationalisation
Processes (CESPRI).
1.2. Fontes setoriais - entidades patronais:
Estudos setoriais muito elucidativos estão disponíveis na página do Ministério
do Desenvolvimento Industria e Comércio - MDIC ().
Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (www.anvisa.com.br)
encontram-se as informações mais recentes sobre a legislação do setor
farmacêutico brasileiro. As leis podem ser consultadas na íntegra, mas em alguns
casos, as dúvidas podem ser esclarecidas em textos organizados, didaticamente,
por meio de perguntas e respostas.
A Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica - FEBRAFARMA
(www.abifarma.com.br) disponibiliza dados estatísticos sobre o mercado
farmacêutico com citação das fontes, informa sobre eventos relativos ao setor,
destaca as notícias atuais e traz artigos sobre a indústria farmacêutica.
Outras instituições que trazem informações sobre o setor:
·
·
·
Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo
-SINDUSFARMA (www.sindusfarma.org.br)
Associação
Brasileira
das
Indústrias
Químicas
ABIQUIM
(www.abiquim.org.br)
Associação
Brasileira
da
Indústria
Farmoquímica
ABIQUIF
(www.abiquif.org.br)
1.3. Publicações jornalísticas:
Especialmente após a Lei de Patentes e o impacto dos genéricos no mercado
nacional, muitas publicações sobre a indústria farmacêutica podem ser encontradas
em periódicos não científicos. Nestas publicações, encontram-se análises de
políticos, pessoas da indústria farmacêutica e da academia sobre o setor. Artigos
dessa natureza, em que os pontos de vista podem variar de acordo com o grupo a
que o analista pertence, são muito saudáveis para formar o mosaico representativo
do setor farmacêutico.
Poucas análises de caráter mais técnico sobre P&D são encontradas em
periódicos como, por exemplo: Comciencia, B2B e Comtexto. A revista GRUPEMEF,
com periodicidade bimestral, aborda temas diretamente ligados à indústria
farmacêutica. Em jornais como Gazeta Mercantil e Valor Econômico encontram-se
artigos que analisam os aspectos estruturais da indústria farmacêutica.
1.4. Fontes estatísticas:
Nacionais
Para as estatísticas referentes ao comércio interno, O Grupo dos Profissionais
Executivos do Mercado Farmacêutico (GRUPEMEF) é a fonte primária citada por
todas as associações e sindicatos do setor (www.grupemef.com.br). O grupo é
formado por profissionais de 95 empresas:
·
·
60 de laboratórios que representam 82% do faturamento do setor
35 de empresas prestadoras de serviços para indústria farmacêutica.
Os dados fornecidos não são estimativas, mas compilação das informações
enviadas pelas empresas para vendas em farmácias e hospitais.
Os dados de comércio exterior citados pelas associações e sindicatos têm
como fontes primárias o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) e a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX).
Internacionais
Os dados do IMS Health (ims-global.com) são estimativas a partir dos
distribuidores de medicamentos. É uma fonte de dados fortemente reconhecida
mundialmente, que apresenta dados e análises comparativas do setor em diferentes
países.
Representada pelas indústrias líderes do mercado, a Pharmaceutical
Research and Manufacturers of America - PhRMA, (phrma.org) analisa os dados
estatísticos da indústria farmacêutica internacional sob a ótica empresarial. Os
aspectos referentes à legislação de cada país, que causam efeitos no comércio das
indústrias farmacêuticas, também são discutidos.
2. Introdução:
O setor farmacêutico, desde o seu estabelecimento na Europa, na metade do
século XIX, até os dias atuais, é um dos setores industriais que mais se sustenta
com base em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tecnológico (Achilladelis e
Antonakis, 2001).
Pelas características inerentes à produção de medicamentos, pode-se
identificar quatro estágios da cadeia farmacêutica (Queiroz e González, 2001):
o
·
1 estágio - P&D de novos princípios ativos, também chamados de
fármacos. É o estágio que mais envolve riscos de insucesso e necessita
altos investimentos. Divide-se em fase pré-clínica e clínica. Estas fases
serão abordadas com maiores detalhes na Seção 3.1.
·
2 estágio - Produção em escala de fármacos.
·
3 estágio - Produção de medicamentos - fase em que os fármacos são
misturados aos adjuvantes e embalados.
·
4
o
o
o
estágio - Introdução dos medicamentos no mercado.
Acompanhando as fases da cadeia de produção, compreende-se que a
indústria farmoquímica, responsável pela matéria-prima necessária à formulação de
medicamentos, está ligada à indústria farmacêutica de forma bastante intrínseca.
Observa-se, porém, peculiaridades inerentes a cada setor (farmoquímica e
farmacêutica). No que se refere à localização de plantas, por exemplo, a produção
de fármacos e de medicamentos comporta-se de maneira diversa. A indústria
farmacêutica é fortemente internacionalizada, ao passo que a produção de fármacos
é mais concentrada em determinados centros como os EUA, países da Europa, Índia
e China. Esse dado indica que a importância da proximidade dos mercados é maior
para a produção de medicamentos que de fármacos (Hasenclever, 2001).
o
o
Para a execução dos 3 e 4 estágios da cadeia produtiva, há a necessidade
de interação da indústria farmacêutica com os segmentos de embalagens,
equipamentos especializados, marketing e distribuição dos produtos às clínicas,
farmácias e hospitais (Hasenclever, 2001).
As grandes multinacionais farmacêuticas realizam os quatro estágios, porém,
centralizam os dois primeiros em seus países de origem e os dois últimos em outros
países, valendo-se do comércio intra-firmas (Queiroz, 1993).
2.1. Classificações do setor:
Critérios utilizados internacionalmente para a classificação dos medicamentos
Os medicamentos podem ser classificados segundo:
· natureza da matéria prima
· necessidade de prescrição médica
· caráter de essencialidade
· características dos produtos
Natureza da matéria prima: a matéria-prima utilizada para a produção de
medicamentos pode ser (Hasenclever, 2002):
· originária da síntese fina de materiais orgânicos (farmoquímicos);
·
obtida a partir de processos que utilizem a biologia molecular
(biotecnológicos);
·
obtida a partir do isolamento de substância medicamentosa
encontrada em material botânico integral ou em seu extrato
(fitoterápicos).
Atualmente, os farmoquímicos, esmagadoramente, representam a maior
parte da matéria prima utilizada mundialmente. Entretanto, as mudanças na
estrutura de P&D do setor apontam para um aumento na matéria prima obtida por
processos biotecnológicos (Malerba e Orsenigo, 2001). As Novas Firmas de
Biotecnologia (NFBs), que fazem parte desta nova estrutura, serão tratadas adiante
com maior detalhamento. Quanto ao terceiro tipo de matéria-prima, os
fitoterápicos, também representam um mercado razoavelmente novo, tendo
iniciado seu crescimento nos anos sessenta (Queiroz e González, 2001). Os valores
de vendas de medicamentos fitoterápicos para o ano de 2000 na Europa e nos EUA
foram de US$ 8,5 e US$ 6,3 bilhões, respectivamente (Simões e Schenkel, 2001).
Necessidade de receita médica: de acordo com este critério, os medicamentos são
diferenciados entre (Hasenclever, 2001):
· os que necessitam de prescrição médica (éticos);
·
os que são de venda livre (não éticos ou também chamados OTC,
sigla da nomenclatura inglesa, over the counter).
Os produtos éticos participam com 70% do faturamento do setor (Romano e
Bernardo, 2001). A análise do mercado dos medicamentos não éticos é semelhante
à análise de outros bens de consumo não duráveis, diferentemente dos
medicamentos éticos, em que a decisão de consumir não está, em condições
normais, nas mãos do consumidor (Frenkel, 2001).
Caráter de essencialidade: são os medicamentos classificados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) como de máxima importância e
indispensáveis à saúde da população. Esta classificação formal, entretanto, não
garante que os remédios essenciais sejam produzidos. Um trabalho realizado pela
Organização Internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), denominado Remédios
para Doenças Negligenciadas, mostrou o grau da defasagem de medicamentos para
doenças tropicais (Galeno e Jansen, 2002):
·
dos 1.393 novos medicamentos aprovados nos últimos 25 anos, 13
tratam de doenças tropicais e dois de tuberculose;
·
dos 13 medicamentos para doenças tropicais, seis foram desenvolvidos
com o apoio de um programa financiado pela Organização das Nações
Unidas, Banco Mundial e OM S. Este programa, chamado Treinamento
para Doenças Tropicais (TDR), funcionou com a modesta cifra de US$ 30
milhões anuais.
Características do produto: este critério pode ser subdividido em:
·
forma de apresentação - líquidos, injetáveis, comprimidos,
pomadas;
· classes terapêuticas (atuação).
Os dados do IMS, obtidos nos 13 países com maior faturamento do setor
farmacêutico, no período de fevereiro de 2001 a janeiro de 2002, apontaram que as
cinco classes terapêuticas mais vendidas foram os medicamentos:
! cardiovasculares;
· para o sistema nervoso central;
· para o metabolismo alimentar;
· os respiratórios;
· os antiinflamatórios.
Pelas características do setor, as empresas disputam fatias do mercado, de
modo que as inovações em uma classe terapêutica não asseguram o sucesso em
outra (Malerba e Orsenigo, 2001). Mesmo nos EUA, país mais representativo do
setor farmacêutico, observa-se que as diferentes empresas dominam classes
terapêuticas distintas. Por exemplo, os cinco produtos mais vendidos, suas
respectivas classes terapêuticas e empresas, em 2001 foram (IMS, 2002):
· Lipitor (cardiovascular - Pfizer)
· Prilosec (metabolismo alimentar- Astra Zeneca)
· Zocor (cardiovascular - Merck)
· Prevacid (metabolismo alimentar - Tap)
· Celebrez (antiinflamatório - Pharmacia)
Classificação ANVISA - Brasil
No Brasil, o Ministério da Saúde, através da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), regulamenta e fiscaliza a produção da indústria farmacêutica
brasileira. A ANVISA adota a seguinte classificação e definições técnicas para
delinear as normas do setor (ANVISA, 2002):
!
Medicamentos de referência ou marca: são, normalmente, medicamentos
inovadores, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas
cientificamente, por ocasião do registro junto ao Ministério da Saúde,
através da ANVISA. São os medicamentos que, geralmente, se encontram há
bastante tempo no mercado e têm uma marca comercial conhecida;
! Medicamentos similares: os similares são medicamentos que possuem o mesmo
fármaco, a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração,
posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência, mas não
têm sua bioequivalência com o medicamento de referência comprovada;
! Medicamento genérico: é aquele que contém o mesmo fármaco (princípio ativo),
na mesma dose e forma farmacêutica, é administrado pela mesma via e com
a mesma indicação terapêutica do medicamento de referência no país,
apresentando a mesma segurança que o medicamento de referência no país.
Classificação das atividades - IBGE - CNAE
Em termos de classificação de atividades, o Cadastro Nacional de Atividades
Econômicas (CNAE) classifica:
·
a indústria farmoquímica na Classe 24.51 - Fabricação de
farmoquímicos
·
a indústria farmacêutica na Classe 24.52 - Fabricação de
medicamentos para uso humano.
Ambas estão dentro do Grupo 24.5 (Fabricação de Produtos Farmacêuticos),
que por sua vez está na Divisão 24 (Fabricação de produtos químicos).
Classificação de produtos
A Nomenclatura Comum de Mercadorias (NCM) é comum aos dois setores
para o nível de Divisão, diferenciando-se a partir de Grupo e Classe.
Classificação patentária
As categorias patentárias podem ser divididas, de acordo com a natureza de
produção dos medicamentos, em produtos químicos e biotecnológicos. Os
biotecnológicos são entendidos como aqueles derivados de processos tecnológicos
aplicados a seres vivos ou às suas partes funcionais isoladas. A descoberta e o
desenvolvimento do DNA recombinante em 1974 foi o marco para dividir produtos
biotecnológicos em tradicionais e modernos (Bermudez et al., 2000). A
possibilidade de manipulação do DNA, ou seja, do material genético dos organismos
trouxe a base da engenharia genética que, por exemplo, pode produzir
microorganismos modificados artificialmente capazes de fornecer produtos como a
insulina e o interferon.
Considerando a legislação de propriedade industrial, os medicamentos
podem ser divididos entre os que apresentam patentes e aqueles com patentes
expiradas. Internacionalmente, os medicamentos protegidos por patentes são, mais
uma vez, subdivididos em duas categorias. Os que apareceram pela primeira vez no
mercado, ou os produtos inovadores, e o medicamento desenvolvido
posteriormente com atividade terapêutica semelhante ao primeiro produto, mas
com características químicas diferentes do medicamento inovador, denominado me
too (Frenkel 2001).
2.2. Importância do setor em termos quantitativos:
O faturamento do setor farmacêutico mundial em 2001 foi de US$ 364,2
bilhões, representando um aumento de 12% sobre o ano anterior. Deste montante,
a proporção de vendas de medicamentos referentes às principais regiões do mundo
foi de (IMS, 2002):
·
·
·
·
·
50% para a América do Norte
24% para a Europa
13% para o Japão
8% para a Ásia, África e Austrália
5% para a América Latina.
É considerado um setor oligopolista, pois embora existam 10.000 empresas
fabricantes de produtos farmacêuticos, em apenas 100 estão concentrados 90% dos
produtos farmacêuticos para consumo humano (Bermudez, et al. 2000).
As dez empresas do setor que apresentaram maiores faturamentos no
período de julho de 2001 a julho de 2002 foram (IMS, 2002):
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
Pfizer (EUA)
Glaxo SmithKline (Inglaterra)
Merck (EUA)
Astra Zeneca (Inglaterra)
Novartis (Suécia)
Johnson & Johnson (EUA)
Bristol Myers Squibb (EUA)
Aventis (Alemanha)
Pharmacia (EUA)
Wyeth (EUA).
Em 2001, as duas empresas que apresentaram maiores lucros foram Pfizer
(atualmente unida com a Pharmacia) com US$ 7,8 bilhões e Merck com U$ 7,3
bilhões, contando cada uma com quatro blockbusters (medicamentos com mais de
US$ 1 bilhão em vendas) no mercado (Citizen, 2002). A representatividade dos
blockbusters nas vendas do setor farmacêutico aumentou de 18% em 1997 para
45% em 2001.
A indústria farmacêutica brasileira ocupa, atualmente, a décima posição
mundial dentre os países com maior faturamento no setor (Frenkel, 2002), sendo
os EUA, Japão e Alemanha, os três primeiros.
O faturamento brasileiro apontado para o ano de 2000 foi de US$ 6,7 bilhões
e para 2001 foi de US$ 5,6 bilhões (Sindusfarma, 2002), uma variação que está
relacionada à oscilação cambial do período. Sempre que ocorre uma desvalorização
importante da moeda nacional, os fabricantes têm alguma dificuldade de repasse
integral imediato, e absorvem uma parcela deste impacto.
Na América Latina, México e Brasil se destacam como os países com maiores
faturamentos do setor. No período de Julho/2001 até Julho/2002, as vendas
aferidas em farmácias apontaram US$ 5,9 bilhões para o México e US$ 4,1 bilhões
para o Brasil. Em relação ao ano anterior estes números representam um aumento
de 12% no mercado mexicano e, contrariamente, um decréscimo de 12% no
mercado brasileiro (IMS, 2002). Comparativamente, o primeiro país da lista, ou
seja, os EUA obtiveram em 2001 um faturamento de US$ 172 bilhões (Blankenhorn
e Lipson, 2002).
Brasil: farmacêutica e farmoquímica
Em consequência da interdependência das indústrias farmacêutica e
farmoquímica, os dados obtidos por meio da Relação Anual de Informações Sociais
(RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram desagregados com a
finalidade de avaliação comparativa entre os setores (Anexos 2.2a e 2.2b ).
Dos dados levantados a partir da RAIS, dois itens chamam a atenção por
ilustrarem, por um lado, uma grande diferença na magnitude e, por outro, uma
semelhança entre os setores farmacêutico e farmoquímico. A grande discrepância
está no número de empregados, sete vezes maior na indústria farmacêutica que na
farmoquímica. A semelhança aparece na distribuição de empregados em suas
funções. Na indústria farmacêutica e farmoquímica, respectivamente, dá-se da
seguinte maneira:
· químicos ou físicos 0,9% e 1,4%;
· engenheiros 0,4% e 0,6%;
·
·
técnicos 3,3% e 4,4%;
demais funções 95,4% e 93,8%.
Para áreas consideradas de alto nível tecnológico, esse baixo número de
funcionários em funções mais especializadas é, no mínimo, intrigante.
2.3. Elementos Institucionais:
Historicamente, em âmbito mundial, o desenvolvimento da legislação para
novas drogas foi impulsionado pela repercussão dos efeitos teratogênicos (mal
formação em fetos), causados pela droga talidomida na década de sessenta.
Embora a estrutura da legislação apresente diferenças de país para país, etapas
como o desenvolvimento, produção, forma de estocagem, distribuição e vendas de
medicamentos sofrem intervenção governamental na maioria dos países. Garantias
de boas práticas de fabricação e testes de eficiência e segurança de novos
medicamentos fazem parte das normas exigidas pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) para o setor.
Provavelmente, o Food and Drug Administration (FDA), órgão americano de
regulamentação do setor, seja o mais conhecido internacionalmente e suas normas
consideradas as mais restritivas. Uma análise mais detalhada das normas adotadas
pela legislação americana para o setor farmacêutico, em comparação com aquelas
adotadas por alguns países da África e América Latina (Colômbia), pode ser
encontrada em um estudo realizado pela OMS (Wondemagegnehu, 1999).
Como já salientado na Seção 2.1, no Brasil a ANVISA é o órgão responsável
pela regulamentação do setor e adota definições específicas para os diversos tipos
de medicamentos.
A partir da Lei 9787 de 10 de fevereiro de 1999, os medicamentos genéricos
passaram, obrigatoriamente, a vigorar no Brasil. A ANVISA avalia os testes de
bioequivalência entre o genérico e seu medicamento de referência, apresentados
pelos fabricantes, para comprovação da sua qualidade (ANVISA, 2002).
A partir de abril/2001, os medicamentos similares tiveram que comprovar
equivalência farmacêutica e bioequivalência com o medicamento de referência,
transformando-se em genérico ou medicamento de marca.
Equivalência farmacêutica e Teste de Bioequivalência
Segundo a legislação brasileira
(...) o medicamento genérico deve ser equivalente farmacêutico ao
seu respectivo medicamento de referência, ou seja, deve conter o
mesmo fármaco, na mesma dosagem e forma farmacêutica. O teste
de equivalência farmacêutica é realizado in vitro (não envolve seres
humanos), por laboratórios de controle de qualidade habilitados pela
ANVISA. O teste de bioequivalência consiste na demonstração de que
o medicamento genérico e seu respectivo medicamento de referência
apresentam a mesma biodisponibilidade no organismo. A
biodisponibilidade relaciona-se à quantidade absorvida, à velocidade
do processo de absorção do fármaco liberado e à forma farmacêutica
administrada. Quando dois medicamentos apresentam a mesma
biodisponibilidade no organismo, sua eficácia clínica é considerada
comparável (ANVISA, 2002).
Os testes clínicos ou pesquisas clínicas são realizados em seres humanos
para a avaliação da segurança, toxicidade e eficácia da ação terapêutica de um novo
fármaco, ou para validar testes de bioequivalência. O desenvolvimento e as etapas
das pesquisas clínicas serão detalhados na Seção 3.2.
Para entrar com pedido de autorização para a realização de uma pesquisa
clínica, a empresa farmacêutica deverá providenciar 11 documentos exigidos pela
ANVISA. Entre eles, um parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
instituição onde será realizada a pesquisa, aprovando o protocolo clínico e seu
Consentimento Livre e Esclarecido. Neste documento devem constar o nome do
pesquisador responsável, o embasamento científico e a adequação dos estudos da
fase pré-clínica, com ênfase na segurança, toxicidade, reações ou efeitos adversos,
eficácia e resultados.
Além disso, faz-se necessária a comprovação de que este parecer está
devidamente registrado e aprovado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP), órgão que avalia as condições éticas envolvidas na pesquisa solicitada.
Exige-se também um projeto de pesquisa clínica oriundo do pesquisador principal
ou patrocinador, quando houver, à Secretaria de Vigilância Sanitária, e uma
declaração do patrocinador ao diretor da área de pesquisa nacional ou internacional,
dando todas as informações a respeito da pesquisa que pretende viabilizar.
Lei de Patentes
Através da Lei de Patentes, ou Lei da Propriedade Industrial 9279/96,
aprovada em 14 de maio de 1996, a legislação brasileira passou a conceder o
direito de patenteamento a produtos e processos farmacêuticos. A patente tem
validade de 20 anos, a partir da data de depósito do pedido (Hasenclever, 2002).
Comércio de produtos farmacêuticos
As taxas de importação para produtos farmacêuticos (NCM 3000 até 3499)
variam de 18% a 25%, dependendo do produto (Mendonça, 1999).
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é de 18% no
Estado de São Paulo, mas decresce para 7% a 12% em outros estados brasileiros
(Mendonça, 1999).
3. Estrutura de Mercado, Padrão Competitivo e Estratégias:
3.1. O contexto internacional:
Desde a década de oitenta, fatores como aumento nos gastos com P&D,
políticas públicas destinadas a aumentar o acesso da população a medicamentos e a
entrada da biotecnologia mudaram a estrutura do setor farmacêutico
mundialmente. As empresas responderam com o estabelecimento de alianças e
fusões para manter e ampliar seus mercados (Sharp e Patel, 2003).
Países com indústria farmacêutica fortemente estabelecida realizam P&D e
centralizam a produção de fármacos e medicamentos dentro do país. Para a
expansão do comércio, suas empresas distribuem-se por outros países onde
realizam a produção e distribuição dos medicamentos. Raramente desenvolvem P&D
fora de seus países de origem e, quando o fazem, são em países que compartilham
alto grau de avanço tecnológico. O alto grau de tecnologia já conquistado e o
comércio intra-firma são pontos fortes para a manutenção destes países como
líderes no setor farmacêutico.
Paralelamente, o segmento dos genéricos atraiu grandes indústrias de países
da Europa e dos EUA devido ao estímulo dos governos em substituir medicamentos
de referência por genéricos, em função do preço (Hasencler, 2002).
Um fenômeno que, já há algum tempo, vem ganhando força nos EUA é a
terceirização das atividades de P&D das grandes multinacionais (Avila, 2003). Essa
tendência ocorre, especialmente, com empresas de biotecnologia, porém
aparentemente ainda é mais característico dos EUA do que de países europeus
(Arora et al. 2000).
3.1.1. Existem configurações nacionais típicas?:
Tradicionalmente, empresas alemãs e suíças se estabeleceram como
farmacêuticas manufatureiras com forte base científica. No pós guerra, houve um
domínio do mercado farmacêutico por empresas americanas, porém, empresas
européias, especialmente as de origem inglesa, permanecem entre as líderes do
setor.
Tomando como parâmetro de mensuração tecnológica o número de novos
medicamentos mais vendidos, as empresas alemãs estão em desvantagem em
relação às inglesas, que são as líderes dentre as européias do setor (Sharp e Patel,
2003). Cabe a ressalva que a mensuração adequada da inovação tecnológica na
indústria farmacêutica é complexa, porque uma grande parte de P&D é destinada a
duplicar o trabalho de concorrentes, como por exemplo, pequenas mudanças
estruturais em compostos já conhecidos e uma estratégia de patenteamento
defensivo.
Estudos acadêmicos mostram uma certa relutância das empresas européias
em mudarem o paradigma da pesquisa de novos fármacos, que tem a química
como ferramenta básica, por empreendimentos de base biotecnológica (Arora et al.
2000; Sharp e Patel, 2003). Esse processo tende a ser acelerado em consequência
do estabelecimento de associações entre empresas européias e empresas de base
tecnológicas americanas (Sharp e Patel, 2003).
A política européia para aumentar as inovações do setor farmacêutico são
centradas em (Sharp e Patel, 2003):
· dar suporte para as pesquisas básicas realizadas em instituições públicas;
·
·
·
encorajar as grandes empresas européias a acompanhar pesquisas
realizadas em instituições públicas;
ampliar esforços para um único sistema regulamentar europeu, ao invés
de políticas nacionais para o setor com o intuito de facilitar o
financiamento entre firmas;
promover mecanismos para dar maior suporte às empresas de base
tecnológica.
A indústria farmacêutica nos países em desenvolvimento
A configuração da indústria farmacêutica nos países em desenvolvimento é,
de maneira geral, marcada pela presença de empresas e instituições locais e das
grandes multinacionais européias e americanas. Estas tendem a dominar parcela
significativa do mercado.
No Brasil, por exemplo, embora as empresas nacionais representem 80% do
número total de empresas instaladas no país, elas detêm menos de 20% do
mercado, daí, parte das limitações das empresas nacionais em investir em P&D.
Em relação à indústria farmacêutica instalada na Argentina, o núcleo central
do setor está formado por, aproximadamente, 75 empresas, dentre empresas
nacionais, filiais de grandes empresas multinacionais e laboratórios públicos. Assim
como na maioria dos países, a indústria farmacêutica na Argentina é muito
concentrada, dado que as quatro maiores empresas respondem por 25% do
mercado e as oito maiores empresas possuem 28% de todo o mercado argentino de
medicamentos. Outro elemento é que 71% do faturamento dos laboratórios teve
origem no mercado interno. A concentração naquele mercado é mais pronunciado
quando se avalia as vendas locais de importados. Neste critério, as quatro primeiras
empresas são responsáveis por 30% das importações (INDEC, 2002).
Já na indústria farmacêutica indiana o que se observa é uma alta
fragmentação no setor. São mais de 20.000 empresas produtoras domésticas para
fins farmacêuticos, isso porque até recentemente havia baixa exigência de capital.
Porém, somente 300 empresas estão organizadas setorialmente. E é exatamente
esta estrutura que causa intensa competição, especialmente nas drogas a granel
(bulk drugs) (Radaelli, 2003).
3.1.2. Marcos do processo de internacionalização:
Ao estudar a dinâmica da inovação tecnológica na indústria farmacêutica,
desde o seu surgimento até os dias atuais, Achilladellis e Antonakis (2001)
identificam três fases no que se refere ao de fluxo de tecnologia e
internacionalização no setor.
A primeira fase (1880-1950), em que surgiram todas as indústrias que
atualmente desenvolvem esforços intensivos em pesquisa e desenvolvimento, foi
marcada por limitada transferência de tecnologia entre os países. O cenário político
que se apresentava, com a Primeira Guerra Mundial, o período de recessão nos
anos 20 e início dos anos 30, e a preparação para a Segunda Guerra Mundial, levou
os governos a aumentar as barreiras protecionistas e a diminuir as importações.
Na segunda fase (1950-1980), o intercâmbio entre os países foi intensificado
através de legislação nacional e acordos internacionais. A transferência de
tecnologia foi acelerada, porém as empresas que investiam fortemente em P&D
mantiveram seus departamentos de P&D nos países de origem.
A fase seguinte iniciada em 1980, e ainda em andamento, caracteriza-se
pela globalização dos mercados e mudança na concepção tecnológica que passa a
não ser mais totalmente centrada apenas em química orgânica, farmacologia e
rastreamento (screening) de moléculas mas, beneficia-se dos avanços em áreas de
fisiologia, biofísica, biologia molecular, bioquímica e enzimologia. As empresas com
alto esforço em P&D passaram a investir em outros países e as fusões e aquisições
ocorreram entre empresas de diferentes países.
As inovações alcançadas na fase anterior em determinadas classes
terapêuticas,
como
anti-hipertensivos,
analgésicos,
antibactericidas
e
medicamentos para o sistema nervoso central, tornaram-se, nas décadas de 80 e
90, genéricos ou OTCs. As empresas, visando a demanda do mercado, direcionaram
suas pesquisas para doenças cardiovasculares, doenças causadas pelo avanço da
idade, câncer e doenças virais. As Novas Firmas Biotecnológicas (NFBs), originárias
nessa fase, serão detalhadas na Seção 3.2.
A associação entre maturidade tecnológica e comercial fez com que algumas
empresas mantivessem seus investimentos em P&D ao mesmo tempo que
verticalizassem suas atividades com a produção de genéricos e OTCs. Na prática,
essa verticalização ocorreu através de dois processos:
· deslocamento de segmentos manufatureiros de baixa rentabilidade, mas
alta capacitação tecnológica, para países em desenvolvimento (o que
criou um fluxo de capital para os setores de pesquisa);
· e as aquisições/fusões de outras empresas de manufatura e distribuidores
de medicamentos.
Como conseqüência desse processo, houve uma concentração de grandes
companhias integradas globalmente e a diminuição do número de firmas
competindo entre si.
A diversificação horizontal das atividades do setor farmacêutico é calcada
nas classes terapêuticas. A grande parte das empresas continua desenvolvendo
pesquisas em seus países de origem, entretanto, como anteriormente ressaltado, o
sucesso em uma classe terapêutica não é correlacionado com o sucesso em outras
classes. Porém, através do processo de fusões ou aquisições de empresas com
diferentes competências, uma empresa líder em uma área terapêutica pode
também ganhar competência em outra.
Um exemplo que abrange a diversificação horizontal e a verticalização em
uma mesma empresa é o caso da Merck. A fusão com a Sharp & Dohme trouxe-lhe
competência na área de diuréticos (Achilladellis e Antonakis, 2001). Em 1993, a
Merck comprou a distribuidora de medicamentos Medco Containment Services
(Queiroz e Gozález, 2001).
3.1.2.1. Comércio:
A América do Norte é o mercado consumidor mais importante e os Estados
Unidos o país com o maior nível de consumo e produção em termos monetários,
seguido por Japão e Alemanha. Esses três países concentram mais de 60% das
vendas totais do setor.
Cabe ressaltar que os níveis de consumo do setor farmacêutico estão ligados
à renda da população. Por serem produtos na maioria das vezes essenciais à vida
do consumidor, o preço não influencia a decisão de compra nas camadas de renda
superior (demanda inelástica). Nas camadas intermediárias, a elasticidade-preço é
considerável e estratégias de comprar o medicamento mais barato, ou o mais
importante, são utilizadas. Em camadas de renda mais baixa, o consumo é difícil
mesmo com preços baixos e, especialmente, nestes casos as políticas de
distribuição gratuita pelo Estado são fundamentais (Frenkel, 2001).
Em 1990, os sete países da OCDE concentravam 67,3% do mercado mundial
de medicamentos. Isso se deve, sobretudo, à alta correlação entre o consumo e
poder aquisitivo da população (Radaelli, 2003).
As grandes líderes do setor concentram, em seus países de origem, as
etapas iniciais do processo produtivo, que demandam maior esforço tecnológico e
distribuem em outros países unidades de manufatura e comércio dos
medicamentos. Nesse contexto, o comércio intra-firma é de elevado valor para as
multinacionais.
3.1.2.2. Produção:
Um dos fenômenos mais agressivos do setor está relacionado com o
crescente grau de centralização e concentração do capital na indústria, manifestado
sobretudo, por uma sistêmica onda de fusões e aquisições. A explicação dada pelas
grandes empresas baseia-se na necessidade de ganhar escala para manter-se
competitivo, para suprir os altos custos em pesquisa, que correspondem em média
a 14% do faturamento das grandes empresas.
Segundo especialistas, há três razões principais pelas quais as fusões e
aquisições (F&A) ocorrem na indústria farmacêutica:
·
a primeira diz respeito à redução de custos, dado que as empresas
envolvidas em F&A normalmente podem reduzir pessoal e fechar fábricas
obsoletas;
·
segundo motivo é a ampliação da capacidade das equipes de venda das
empresas. Isso porque os laboratórios farmacêuticos não querem ser vistos
como comerciantes agressivos, mas sim, prefeririam que o público
acreditasse que os médicos prescrevem seus remédios simplesmente porque
são os melhores. Aqui cabe ressaltar que os laboratórios, através de seus
representantes, tentam alcançar o consumidor final (o paciente) através de
um cliente intermediário (o médico), pois o primeiro não é capaz de avaliar
aspectos da qualidade dos medicamentos, sendo preciso a ajuda de um
profissional especializado.
·
a terceira e maior motivação para fusões e aquisições é o aumento do
orçamento para pesquisa e desenvolvimento. Embora as grandes empresas
farmacêuticas continuem sendo lucrativas, o tempo e os gastos com a
descoberta e testes de novos medicamentos têm aumentado ao longo dos
anos. Desse modo, a competitividade do setor está baseado no lançamento
cada vez mais rápido de medicamentos (Radaelli, 2003).
Seguem alguns exemplos dentre as operações de F&A ocorridos na década
de noventa.
Em termos de aquisições:
·
a American Home Products (USA) comprou a American Cyanamid (USA)
(1994);
· Glaxo (UK) comprou a Wellcome (UK) (1995);
· Sanofi (FR) comprou a Sterling na linha OTC (USA) (1994);
· Johnson & Johnson (USA) comprou a Centour (USA) (2000).
Como exemplos de fusões, temos:
· Sandoz e Ciba formando a Novartis (1996);
· Astra e Zêneca formando a Astra Zêneca (1999);
·
em 1995 ocorreu a fusão entre a Pharmacia (Suécia) e a Upjohn (USA)
formando a Pharmacia & Upjohn;
·
no ano de 1998 surge a Aventis, resultado da fusão entre o laboratório
alemão Hoechst Marion Roussel e o Grupo francês Rhone Poulenc
·
em 1999, a Pfizer, empresa norte americana, fundiu-se com a também
norte americana Warner Lambert, formando Pfizer Inc.
· no ano 2000, outra importante fusão ocorreu entre a Pharmacia & Upjohn
(Suécia/USA) e a Monsanto (USA) formando a Pharmacia Corp.
3.1.3. Configuração internacional da cadeia / setor / segmento:
Um aspecto de grande relevância no setor farmacêutico é o fato de que as
empresas líderes acumulam, em média, um século de experiência com crescimento
e diversificação, permitindo que se formassem estruturas controladoras de recursos
gigantescos, assegurando assim a possibilidade de criação de novas funções, tais
como, as produtivas, tecnológicas, comerciais e financeiras. Isso permite às grandes
corporações a vantagem de uma atuação verticalizada, isto é, em todos os estágios
da produção de medicamentos.
A diferenciação entre as grandes empresas farmacêuticas e as químicas é
que as primeiras, embora produzam os princípios ativos para seus medicamentos,
realizam a maior parte de suas vendas e P&D na fase farmacêutica. Estas
empresas, como por exemplo Merck, GlaxoSmithkline, Pfizer, Eli Lilly, compõem a
maior parte do setor. De outro lado, as empresas químicas de grande porte, como
Bayer, Hoechst, Ciba-Geigy e Rhône-Poulenc, investem na pesquisa e
desenvolvimento de farmoquímicos (Queiroz, 1993).
Assim, os principais agentes da indústria farmacêutica são empresas de
grande porte. Entretanto, nenhuma delas controla uma porcentagem muito elevada
do mercado (em média 4%) como se observa em outras indústrias, o que pode
caracterizar um setor altamente concentrado. Como os produtos farmacêuticos não
são homogêneos, na medida que cada medicamento pertence a uma classe
terapêutica, é dentro de cada classe terapêutica que a concentração pode ser muito
elevada.
Segundo dados do Intercontinental Medical Statistics (IMS), o número de
fabricantes de produtos farmacêuticos está por volta de dez mil empresas.
Entretanto, deste número, apenas cem empresas são responsáveis por cerca de
90% de todos os produtos farmacêuticos produzidos e destinados ao consumo
humano.
3.2. Fatores relevantes para a competitividade no setor:
No contexto do setor farmacêutico, os fatores mais relevantes para a
competitividade ligados à estrutura interna da empresa são a capacitação e o
desenvolvimento tecnológico e as atividades de marketing. Medicamentos não
éticos dependem mais do marketing, os genéricos mais da capacitação tecnológica
e os de referência de ambos (Queiroz, 1993).
As atividades de propaganda e marketing constituem barreiras à entrada de
novos produtos uma vez que a manutenção de antigos produtos e o lançamento de
novos produtos, requer uma cara e enorme estrutura de marketing. A lealdade à
marca é considerada característica histórica da indústria, o que permite lucros
contínuos, mesmo depois de expirado o prazo de exclusividade, concedido pela
patente (Radaelli, 2003). Com os genéricos essa relação não é tão direta pois sua
atuação é na competição por preços, sendo necessário que a propaganda seja
intensiva com relação à marca e sua confiabilidade. Além da mídia, bastante
utilizada, especialmente, por grandes empresas, a mais forte estratégia de
divulgação é realizada na classe médica.
Com relação à parte responsável pelo impulso dessa indústria, ou seja, a
capacitação e o desenvolvimento tecnológico, conforme salientado na Seção 2, a
produção de um medicamento envolve quatro estágios: P&D de novos princípios
ativos; produção em escala de fármacos, produção de medicamentos, introdução
dos medicamentos no mercado O primeiro estágio, o de pesquisa e
desenvolvimento, é o de maior investimento. A cifra de US$ 500 milhões para a
pesquisa e desenvolvimento de um medicamento é uma avaliação da Associação
dos Empresários da Indústria Farmacêutica Americana (The Pharmaceutical
Research and Manufactures of America), utilizada na maioria das referências sobre
o assunto. Entretanto, esse valor é questionado, mesmo nos EUA, pelo Instituto
Nacional de Saúde Americano que menciona o contrastante valor de US$ de 16
milhões. Nesse intervalo, um estudo realizado em 1997 estima o valor para US$
312 milhões (Macedo, 2002). Avaliando apenas o aspecto técnico dessa questão
pode-se entender que esta discrepância seja causada pela variabilidade da
tecnologia inerente à pesquisa e desenvolvimento de um medicamento. Números
mais precisos só podem ser obtidos se os processos utilizados para a mensuração
forem melhor definidos.
A seqüência dos eventos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento de um
medicamento será detalhada abaixo para um melhor entendimento do processo e
das estratégias utilizadas para a promoção dos produtos. Dividem-se as etapas de
desenvolvimento de um medicamento em fases pré-clínica, clínica e galênica
(Queiroz, 1993; Asta Médica, 2002).
A fase pré-clínica (química e biológica) consiste em descobrir uma nova
substância e avaliar suas características em animais. Basicamente, três rotas
podem ser utilizadas para a descoberta de um novo produto:
· pelo isolamento de moléculas a partir de produtos naturais;
· pela modificação química de moléculas já conhecidas;
· por processos biotecnológicos.
A fase clínica envolve cinco etapas:
·
fase clínica 1 - a primeira fase envolve um pequeno número de
voluntários, de 12 a 50, e dura no máximo um ano. Nesta etapa,
comparam-se os resultados obtidos em animais e no ser humano.
·
fase clínica 2 - esta fase, a de investigação clínica, determina-se
a utilidade do novo produto e seu potencial terapêutico, onde alguns
poucos investigadores, no máximo dez, aplicam a droga em um número
ainda reduzido de pacientes, que varia de 5 a 300. Para entrar nesta
fase, os protocolos de pesquisa já precisam estar aprovados pelo Comitê
de Ética Hospitalar e devem ser efetuados dentro da legislação vigente
em cada país.
·
fase clínica 3 - nesta etapa determina-se qual a posologia
adequada. O fármaco pesquisado é comparado com um placebo ou um
produto eficaz já conhecido.
·
fase clínica 4 - na fase dos ensaios clínico terapêuticos, a
intenção é efetuar um estudo clínico mais amplo, no qual se pretende
determinar a eficácia clínica comparada e a segurança do novo produto.
Nesta etapa, de 500 a 1.000 pacientes participam, geralmente
envolvendo mais de um centro de pesquisa. É nesta fase que possíveis
efeitos adversos, como toxicidade ou fenômenos alérgicos, podem ser
detectados através de um processo conhecido como farmacovigilância.
·
fase clínica 5 - na fase entre a divulgação e promoção do produto
já testado, o novo fármaco será utilizado em hospitais e clínicas como um
novo produto, registrado em órgãos governamentais, numa estratégia de
promoção. A aceitação da classe médica é fundamental neste ponto do
processo. Além disso, é preciso provar as vantagens econômicas do novo
produto, com base em um número de pacientes que varia de 2 mil a 10
mil.
A fase galênica é realizada simultâneamente à fase clínica objetivando
avaliar composição, pureza e estabilidade do produto ao longo do tempo (Queiroz,
1993).
Na fase pré-clínica, de natureza químico-farmacêutica, concentra-se a maior
parte das dificuldades tecnológicas da produção de um medicamento e nas fases
clínicas e galênicas estão as atividades estritamente farmacêuticas, com tecnologia
de relativa simplicidade e difusão (Queiroz, 1993).
O exemplo do Japão ilustra a relevância de P&D para a competitividade no
setor farmacêutico. Na década de 50, o governo japonês adotou medidas para criar
uma forte indústria nacional, aumentou os preços dos medicamentos (com 90% do
valor subsidiado pelo governo) e dificultou a entrada de companhias estrangeiras
que se viram obrigadas a licenciar seus produtos para as empresas japonesas. Os
medicamentos estrangeiros chegaram a representar 35 a 40% do total. Além disso,
a Lei de Patentes protegia apenas processos de manufatura, mas não produtos, o
que encorajou as empresas japonesas a desenvolverem processos para a
manufatura de produtos já existentes ou com alguma modesta modificação, ao
invés de investirem no desenvolvimento de drogas originais.
A maioria das inovações japonesas ficou restrita ao desenvolvimento de
drogas imitadas. Com a crise econômica dos anos setenta, essa situação começou a
ser alterada quando o governo, por pressão dos EUA relaxou as medidas
protecionistas contra empresas estrangeiras. Como as empresas estrangeiras
começaram a introduzir drogas originais, a Lei de patentes passou a ser extensiva
aos produtos. As companhias japonesas foram forçadas a competir em mercados
mundiais, aumentaram seus gastos com P&D focando também o desenvolvimento
de produtos biotecnológicos e estabeleceram joint ventures com empresas
estrangeiras (Achilladelis e Antonakis, 2001).
No ano de 1997, os investimentos com P&D em relação ao faturamento de
cinco grandes empresas farmacêuticas foram os seguintes (Hasenclever, 2002):
· Eli Lilly 16%
· Roche e Pfizer 15%
· Glaxo Wellcome 14%
· Novartis 11%
Até o início dos anos 80, a maioria das novas drogas provinha de
investimentos em P&D realizados nos laboratórios das grandes indústrias, porém,
algumas mudanças ocorreram com o advento da biotecnologia moderna,
especialmente nos EUA, com o surgimento das Novas Firmas Biotecnológicas
(Malerba e Orsenigo, 2001).
Novas Firmas Biotecnológicas - NFBs
As NFBs são especializadas nos estágios iniciais da pesquisa de um
medicamento. Muitas vezes originadas a partir de centros universitários, são um
entremeio entre as universidades (apresentam características universitárias) e as
grandes indústrias farmacêuticas (com finalidade comercial) (Albuquerque e
Cassiolato, 2000). Embora as NFBs tenham habilidade para a síntese de novos
produtos, não possuem força competitiva para as fases de desenvolvimento, testes
e comercialização. As grandes indústrias farmacêuticas, embora mantenham seus
laboratórios de pesquisa, têm adotado a estratégia de fazer acordos com as NFBs
para a obtenção de novos compostos (Arora et al., 2001).
Esta modalidade de cooperação é caracterizada como um fenômeno norteamericano, pois mais da metade dos projetos de pesquisa nos EUA são oriundos das
NFBs, ao passo que na Europa quase 90% dos projetos têm origem em empresas
farmacêuticas (Arora et al., 2001).
Os dados mais recentes sobre NFBs, entretanto, não são tão promissores
quanto se acreditava na década de noventa. No início de 2002, o medicamento
Erbitux, produzido por uma destas empresas (ImClone Systems) e licenciado pela
Bristol-Myers Squibb por US$2 bilhões, recebeu parecer negativo da Food and Drug
Administration (FDA) para o registro. Novos testes clínicos estão em andamento,
porém a cautela roubou o lugar da confiabilidade de investimentos em tais
empresas (IMS, 2003). Acredita-se ainda no potencial das NFBs, mas as estimativas
apontam a necessidade de 5 a 10 anos para que resultados mais concretos
retomem a confiança dos investidores. No quadro atual, uma série de cortes de
despesas, fusões e venda das NFBs para empresas maiores são observados (IMS,
2003).
3.3. O setor / segmento no Brasil:
3.3.1. Características e configurações do setor / segmento no país:
Embora o parque industrial brasileiro no que se refere à produção de
medicamentos seja bastante desenvolvido, inclusive com capacidade produtiva
tanto de produtos finais quanto como para alguns produtos da química fina, o
segmento químico-farmacêutico em seu conjunto é ainda pouco desenvolvido
(Radaelli, 2003). A Associação Brasileira da Indústria de Química Fina reúne 20
associados com uma produção de US$ de 359 milhões e é uma parte da cadeia
produtiva com possibilidades de crescimento no Brasil, embora tenha perdido
espaço, nos últimos 10 anos para Índia e China na produção de fármacos (Frenkel,
2002).
A estrutura econômica dos setores farmoquímico e farmacêutico é muito
contrastante (Seção 2). Aproximadamente, 80% dos medicamentos são produzidos
no Brasil, em contraste com os 20% de fármacos que são produzidos nacionalmente
(Galembeck, 2001). Um estudo realizado pela ABIQUIM em 2000 mostrou que de
93 produtos importados com valores acima de US$10 milhões, 17 eram fármacos
(Hasenclever, 2002).
Uma retrospectiva histórica esclarece as razões desta discrepância entre os
dois setores, demonstrando que esta relação consolidou-se a partir da década de
90.
Durante a década de 80, certas medidas governamentais de fomento ao
setor farmoquímico foram adotadas, com destaque para duas delas. A Portaria n. 4
de 1984, que proibia a importação dos fármacos que viessem a ser produzidos no
Brasil, e a construção de laboratórios especializados na produção de fármacos.
Estas medidas, inseridas em um cenário onde a legislação patentária permitia a
cópia de moléculas, propiciaram um aumento na produção nacional de fármacos. A
situação promissora do setor farmoquímico foi alterada com as medidas
governamentais adotadas já no início da década de 90 e perpetuadas ao longo do
período. De forma resumida, ressalta-se (Queiroz e González, 2001):
· redução das tarifas de importação;
·
alteração na legislação patentária (com proibição de cópias de
moléculas);
·
desativação de centros governamentais destinados à produção de
fármacos.
Os produtos éticos seguem a tendência mundial por predominarem em
relação aos não-éticos. A magnitude de sua participação no faturamento do setor
varia de 70% (Romano e Bernardo, 2001) a 93% (Hasenclever, 2002).
O amplo leque de classes terapêuticas, aproximadamente 264, faz com que
o setor seja formado por oligopólios e monopólios (Romano e Bernardo, 2001). Os
cinco medicamentos mais vendidos no Brasil, de 2000 a 2001, foram (Hasenclever,
2002):
· Cataflan (Novartis)
· Hipoglós (Procter & Gamble)
· Neosaldina (Knoll)
· Novalgina (Aventis)
· Tylenol (Janssen Cilag)
Nenhuma empresa detém mais que 7% do faturamento do mercado
farmacêutico no Brasil. As cinco empresas que apresentaram maiores faturamento
no período de 1999 a 2000 foram (Hasenclever, 2002):
· Aventis Pharma (6,5%)
· Novartis (5,9%)
· Aché (5,7%)
· Bristol Meyers Squibb (3,9%)
· Roche (3,7%)
Os laboratórios públicos no Brasil, 15 no total, são responsáveis por 3% da
produção nacional em valor e 10% em volume de produção. O grau de importância
destes institutos está na função de minimizar o suprimento de medicamentos de
menor interesse para o setor privado. Dentre estes laboratórios destaca-se o
Instituto Oswaldo Cruz (Far-Manguinhos), que em 1998 entrou com pedido para os
dois únicos pipelines solicitados no Brasil, na área de biotecnologia (Bermudez et
al., 2000). Em 2000, os gastos com P&D na Fiocruz representaram 26% das
despesas totais em programas da instituição (Hasenclever, 2002).
A porcentagem de faturamento das empresas nacionais corresponde a 20%
do setor (Albuquerque e Cassiolato, 2000). A tradição de produção do setor, de
acordo com informações obtidas na ANVISA, é das empresas farmacêuticas
estrangeiras instaladas no Brasil fabricarem mais medicamentos de referência e as
nacionais, mais os produtos similares ou, atualmente, os genéricos.
Dentro dos quatro estágios da cadeia de produção de medicamentos, no
Brasil, as empresas transnacionais concentram suas atividades nos dois últimos
estágios, ou seja, na formulação de medicamentos e sua introdução no mercado
(Romano e Bernardo, 2001). Queiroz e González (2001) consideram que o aumento
no número de pesquisas clínicas desenvolvidas no Brasil, por empresas
transnacionais na década de 90, embora ainda aquém do desejado, não deve ser
menosprezado, por representarem uma parte significativa da pesquisa e
desenvolvimento de um medicamento.
Dados da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia
das Empresas Inovadoras (ANPEI) de 1996, retirados de 15 empresas do setor
farmacêutico, registram uma aplicação de 0,78% em P&D em relação ao
faturamento bruto. Comparativamente, os investimentos dessa ordem nos EUA são
de aproximadamente 17%. Tais valores denotam como, no Brasil, a imagem da
indústria farmacêutica não corresponde à caracterização mundial do setor como
intensivo em P&D (Albuquerque e Cassiolato, 2000).
Com referência aos pedidos de patentes no Brasil, é interessante observar a
sua distribuição ao longo do tempo e a sua classificação de acordo com a natureza
do produto final. Durante o período de 1992 a 1998, observa-se claramente o
aumento de patentes a partir de 1996, quando a nova lei de Propriedade Industrial
foi aprovada. Os produtos de origem Química são quantitativamente superiores aos
obtidos por Biotecnologia tradicional ou moderna (Gráfico 3.3.1a) e os países com
maior número de patentes solicitadas naquele período foram: EUA e Alemanha para
produtos de origem Química, EUA e Brasil para produtos originados de Biotecnologia
tradicional e EUA e França para aqueles originados a partir de Biotecnologia
moderna (Bermudez et al, 2000).
3.3.2. Agenda do setor no país e questões ausentes:
Algumas sugestões de políticas governamentais, feitas por especialistas do
setor, para tornar o país mais competitivo tecnologicamente são destacadas:
·
Incentivo às fusões de empresas nacionais, que com maior faturamento
possuem mais recursos para aplicação em P&D.
·
Estímulo à produção de genéricos visando mercado doméstico e
exportação para países da América Latina.
·
Aumento de condições técnico-científicas para que as transnacionais,
aproveitando a reestruturação de redução de plantas, passem a
desenvolver atividades de P&D no Brasil. Centros de excelência como a
Fiocruz, por exemplo, podem ser base para que as transnacionais
invistam em doenças tropicais.
·
Fortalecimento do setor farmoquímico, com maior fiscalização da
qualidade dos fármacos importados, não penalizando empresas nacionais
que muitas vezes não conseguem competir com preços, mas que
possuem maior qualidade na produção.
· Estratégias de apoio às empresas de base tecnológica.
Pesquisas clínicas e P&D
Hasenclever (2002) entende que uma alteração na regulamentação dos
testes clínicos poderia refletir em benefícios para as atividades de P&D. Este efeito
positivo pode ser obtido com a obrigatoriedade de testes clínicos que utilizem como
padrão o perfil epidemiológico da população brasileira para toda a importação,
produção ou comercialização de medicamentos.
O número de centros para a realização de estudos clínicos tem aumentado
gradativamente e uma preocupação relevante na condução deste estudos é a sua
normatização, i.e., a legislação brasileira não pode ser flexível ao ponto de tornar o
país um campo aberto para pesquisas onde a ética e a preocupação com as pessoas
envolvidas nos testes não sejam prioridades. Estas questões têm sido cada vez
mais debatidas por universidades, instituições públicas e privadas. Um exemplo de
avanço nessa área é que, em certos casos, o CONEP não aprova pesquisas clínicas
onde o medicamento a ser testado seja comparado com um placebo (substância
inerte). O grupo controle deve ser tratado com um outro medicamento já utilizado,
impedindo que pessoas fiquem sem o tratamento. A indústria farmacêutica prefere
a comparação com o placebo por obter com facilidade e agilidade resultados sobre a
atuação do medicamento.
O pesquisador e professor Gilberto de Nucci, salienta os pontos positivos da
realização de pesquisas clínicas no Brasil como uma fonte geradora de aprendizado
(protocolos vêm prontos) e empregos qualificados. Sua visão também é positiva
quanto à legislação brasileira referente às pesquisas clínicas, que, segundo sua
avaliação, é tão restritiva quanto à americana. A vantagem para as empresas
transnacionais realizarem pesquisas clínicas no Brasil é aumentar seu marketing no
país (comunicação pessoal).
Genéricos e P&D
A relação entre a produção de medicamentos genéricos e P&D no setor
farmacêutico é um aspecto que causa divergência de opiniões.
Alguns especialistas acreditam que pode haver uma relação positiva na
associação destes fatores e que a tendência da indústria nacional em copiar
moléculas existentes não é desprezível do ponto de vista tecnológico. Os ganhos
são destacados em três passos (Frenkel,1990 apud Albuquerque e Cassiolato,
2000):
·
conhecimentos tecnológicos são gerados com a instalação e a
manutenção da produção;
·
desenvolvimento de conhecimentos necessários para as alterações dos
processos e produtos já em operação;
·
indução da necessidade de atividades rotineiras de P&D, referentes à
possibilidade de desenvolvimento de novos processos e produtos.
O diretor do Laboratório de Avaliação de Substâncias Bioativas (Lassbio) da
UFRJ, professor Eliezer Barreiro, acredita que a política dos genéricos não levará a
avanços tecnológicos, embora atenue a exclusão social. Seu posicionamento é de
que o governo deveria investir na melhoria das universidades públicas, onde está a
maior parte da pesquisa inovadora no Brasil. Seu alerta é que a generalização de
que a pesquisa de um novo medicamento é sempre um processo muito oneroso, e
por isso desmotivador, não é totalmente correta, pois os custos variam dentro das
classes terapêuticas (Comciencia, 2002b). Outro especialista do setor que concorda
que o genérico somente age como instrumento indireto para o desenvolvimento
tecnológico é professor Sérgio Queiroz do Instituto de Geociências da UNICAMP. Sua
avaliação é que a função básica dos genéricos é sobre os preços e que,
eventualmente, podem alavancar recursos para desenvolvimento de P&D da
empresa.
Biodiversidade e P&D
A investigação da fauna e da flora brasileiras, aliada à competência científica,
é uma tática bastante defendida por diferentes pesquisadores como possível
ferramenta para uma alteração no quadro de baixo desenvolvimento tecnológico
doméstico.
Este otimismo em relação à biodiversidade é explicado por Queiroz e
González (2001) por meio de análises do mercado internacional, que demonstram o
aumento nas vendas de fitoterápicos e as fusões de empresas, ditas tradicionais
com empresas de fitoterápicos. No Brasil, o aumento no número de grupos de
pesquisa em química e farmacologia de produtos naturais, aproximadamente 70 de
acordo com os autores, é estimulante para o desenvolvimento de medicamentos a
partir de plantas.
Camargo (2002) analisa que a abordagem genômica, tão difundida
mundialmente, e a química combinatória, são processos que possuem seus méritos,
mas, em contrapartida, são de elevado custo e baixo sucesso no curto prazo. O
pesquisador aposta que o conhecimento acumulado por pesquisadores brasileiros
sobre as riquezas da biodiversidade brasileira pode ser o caminho para as inovações
terapêuticas da indústria nacional. Para a realização desse objetivo, sua sugestão é
a união de esforços entre os setores públicos e privados como, por exemplo, a
iniciativa da FAPESP na criação de um consórcio em que participam três indústrias
nacionais, o Instituto Uniemp (Universidade-Empresa) e instituições públicas como
o Instituto Butantan e o Ipen.
Empresas de base tecnológica
Como citado acima por Camargo (2002), as iniciativas conjuntas entre
universidades/empresas podem levar, no Brasil, a um sistema semelhante ao
adotado pelos EUA, com o desenvolvimento de empresas de base tecnológica.
Alguns dos mais interessantes exemplos de sucesso de empresas nacionais com
desenvolvimento tecnológico de porte respeitável vieram de pequenas empresas de
base tecnológica, com forte interação com instituições de pesquisa. Microbiológica,
Biobrás e Quiral são resultantes desse tipo de iniciativa.
4. Inserção Internacional:
A despeito de ter ocorrido nos anos 80 uma série de iniciativas com o
objetivo de desenvolver a produção nacional de fármacos, o que se verifica é que
nos anos 90 a pesquisa e o desenvolvimento de novos fármacos no Brasil continuou
incipiente.
À medida que se permite que essa capacidade inovativa situe-se fora do
país, e caso a indústria farmacêutica nacional considere-se satisfeita em atuar em
fases menos complexas e rentáveis, irá ocorrer entre os mais diversos elos
produtivos, a cristalização de uma inserção tradicional na divisão internacional do
trabalho (Radaelli, 2003).
Como já mencionado, o volume de produção nacional de medicamentos
(formulação) é bastante superior ao de fármacos. Entretanto, dados comparativos
apontam uma curva ascendente de importações, iniciada entre 1992 e 1993, para
os dois setores.
Na década de 90, o aumento de importações de medicamentos acabados foi
de 1.304% e o de fármacos e intermediários de 204% (Frenkel, 2002). A maior
parte das importações de medicamentos são originárias de países onde estão
localizados os laboratórios das grandes transnacionais do setor. Os principais
fornecedores de insumos são Itália, Índia e Espanha. Países como China, Coréia do
Sul e Israel ganharam importância como países exportadores de fármacos para o
Brasil (Frenkel, 2002).
No ano de 2002, os valores de importação para medicamentos foram de US$
1,4 bilhões e de fármacos, US$ 830 milhões (ABIQUIF, 2003).
As exportações do setor também sofreram um aumento a partir de 1993,
especialmente para os países do Mercosul. No entanto, de acordo com especialistas,
esse aumento não foi suficiente para equilibrar a balança comercial (Queiroz e
González, 2001).
No ano de 2002, os valores de exportação para medicamentos foram de US$
204 milhões e de fármacos, US$ 187 milhões (ABIQUIF, 2003).
5. Mudanças recentes e estratégias das empresas:
Do ponto de vista da produção de medicamentos, existe uma tendência das
transnacionais em reduzir o número de suas plantas no Brasil e aumentar a
especialização das mesmas (Queiroz e González, 2001). Na América latina, as
grandes empresas têm concentrado suas produções em três grandes mercados:
Argentina, Brasil e México. As conseqüências dessa reestruturação das empresas
transnacionais têm aspectos positivos negativos. Se por um lado, tornam o Brasil
mais relevante no processo produtivo destas empresas no plano regional, podendo
abastecer o mercado interno, além de outros mercados com produtos tradicionais
mais baratos, por outro aumentam as importações e a dependência de produtos,
mais caros, não abarcados pela planta mais especializada.
·
Do ponto de vista tecnológico, como já discutido ao longo do relatório,
observa-se somente o aumento das pesquisas clínicas no país e algumas
tímidas interações com projetos conjuntos entre empresas e
universidades. As variáveis envolvidas no desenvolvimento tecnológico do
setor estão relacionadas com questões de ordem econômica e política.
Por essa razão, mudanças estruturais que propiciem o desenvolvimento
tecnológico no país são bastante complexas.
6. Estudo Proposto:
6.1. Definição da amostra: critérios e justificativas:
Do ponto de vista da pesquisa e desenvolvimento, a indústria farmacêutica
no Brasil está muito aquém do esperado para um setor que tem características
mundiais de intensa atividade tecnológica.
As fontes de informações sobre o setor deixam claro que as transnacionais
não aplicam em recursos para pesquisa no Brasil e, quando o fazem, estão restritas
às pesquisas clínicas. Quanto às nacionais, existe um enorme desconhecimento
sobre o que está acontecendo no âmbito dos esforços tecnológicos. Pode-se pinçar
exemplos, aqui e ali, de empresas nacionais com projetos de sucesso que, ou
partiram da iniciativa de professores universitários, ou desenvolvem projetos em
conjunto com essas instituições.
Nesse contexto é que esta pesquisa está inserida. O grande objetivo é
identificar empresas nacionais com empenho tecnológico e encontrar os parâmetros
mais adequados para mensurar os níveis desse empenho.
O estágio preliminar para o estudo sobre a indústria farmacêutica e o
desenvolvimento tecnológico foi realizado com um levantamento em páginas de
empresas industriais nacionais e transnacionais deste setor. O intuito deste
levantamento foi averiguar a ênfase que estas empresas dão à pesquisa e ao
desenvolvimento tecnológico.
Duas observações surgiram em decorrência desta investigação:
·
termo pesquisa é amplamente utilizado como parte da estratégia das
empresas, nacionais ou transnacionais. Seu significado, entretanto, pode
ser aplicado tanto para testes clínicos quanto para desenvolvimento
tecnológico propriamente dito. Desta forma, uma empresa que cita o
item pesquisa como uma de suas estratégias, pode simplesmente estar
indicando que realiza testes, já padronizados, para avaliar os efeitos de
novas drogas em animais e seres humanos (testes clínicos), não
necessariamente contribuindo para o desenvolvimento tecnológico dentro
do país.
·
Grande parte das empresas transnacionais que, em suas páginas em
Português, citam o Brasil como país onde se desenvolve pesquisa, não o
incluem na lista dos países que fazem parte de seus Centros de Pesquisa,
nas páginas de suas matrizes.
Este levantamento inicial, embora possa ser considerado pouco profundo,
mostrou certa corroboração de que o desenvolvimento tecnológico, no que diz
respeito às transnacionais, não está ocorrendo no Brasil. Quanto às empresas
nacionais, o sentido dúbio da palavra pesquisa, se aplicada a estudos clínicos ou
desenvolvimento tecnológico, deixa margem a alguma interpretação.
Considerando estas duas observações, optamos por amostrar empresas
nacionais que citam pesquisa como parte de suas estratégias para averiguar o real
sentido do emprego do termo, e a contribuição destas empresas ao
desenvolvimento tecnológico do país. Numa segunda etapa do trabalho, de posse
de um levantamento mais amplo e com uma reflexão mais aprofundada,
passaremos à análise de uma amostra com empresas de outras procedências.
Com o objetivo principal de entender e tornar mais claro o grau de
desenvolvimento tecnológico do setor farmacêutico no país, e considerando a
estreita relação entre a matéria prima e o produto final - medicamento - foi
considerado pertinente incluir na amostra, além de empresas farmacêuticas,
empresas farmoquímicas, fitoterápicas e uma empresa de biotecnologia. As análises
abordarão os aspectos comuns a estes subgrupos e, quando necessário, as
peculiaridades serão ressaltadas.
As empresas selecionadas (e seus respectivos subgrupos) foram (Anexo
6.1a):
· Quiral - farmacêutica
· Biossintética - farmacêutica
· Cristália - farmacêutica
· Biolab Sanus - farmacêutica
· Microbiológica - farmoquímica
· Labogen - farmoquímica
· Herbarium - fitoterápica
· Laboratório Catarinênse - fitoterápica
· Laboratório Simões - fitoterápica
· Extracta - biotecnologia
6.2. Empresas-reserva:
Nortec; Sintefina; Medley, Aché, Eurofarma.
6.3. Características da amostra:
Farmacêuticas
Das quatro empresas farmacêuticas analisadas, três são de médio porte e
uma de pequeno porte. Uma delas trabalha com a produção de medicamentos
similares a produtos licenciados. As outras três fabricam genéricos e sintetizam uma
parte da matéria prima utilizada. Duas demonstram grande interesse e potencial
para o desenvolvimento de novos produtos, com pesquisas centradas na parte
farmoquímica e/ou na fase galênica da produção do medicamento (novas
apresentações, formulações, dosagens e interações medicamentosas). Algum
interesse, porém sem grande expressão, foi observado com relação às pesquisas
com fitoterápicos. Produtos de origem biotecnológica também aparecem com
potencial de investimento.
Farmoquímicas
As duas empresas farmoquímicas amostradas apresentaram capacidade
diferenciada para a síntese dos fármacos. Uma com maior e outra com menor poder
de desenvolvimento de síntese química. Quanto menor o desenvolvimento
tecnológico na atividade de síntese, maior a dependência de produtos importados.
Fitoterápicas
A característica comum às três empresas de fitoterápicos avaliadas foi o
impacto das medidas adotadas pela ANVISA referentes aos medicamentos
fitoterápicos. A exigência de testes para avaliar a segurança e a eficácia dos
fitoterápicos fez com que alguns produtos fossem retirados do mercado.
Concomitantemente, o número de estudos clínicos desenvolvidos em parceria com
Universidades aumentou significativamente. O desenvolvimento tecnológico para a
produção interna dos extratos variou entre as empresas, mas há a preocupação de
ampliação dessa capacidade pelas empresas menos qualificadas para essa
atividade. Outro ponto de fragilidade apresentado como preocupação por uma das
empresas foi a padronização da matéria-prima, com a parceria de Universidades
para a clonagem de plantas.
Biotecnologia:
A empresa visitada é a única empresa privada no Brasil que tem como
objetivo pesquisar plantas em florestas brasileiras para a indústria farmacêutica.
7. Esforços e Mudanças:
7.1. Esforço tecnológico - produto e processo:
As fontes de informação e/ou conhecimento tecnológico citadas nos quatro
subgrupos foram múltiplas: universidades, artigos científicos, bases de dados,
patentes, concorrentes e fornecedores. Destas fontes, as universidades são as
citadas com mais ênfase em função das parcerias estabelecidas. As patentes
também são valorizadas como fonte de informação, sendo que, em algumas
empresas existe a presença de uma pessoa responsável pela leitura de patentes. Os
concorrentes e fornecedores aparecem mais como fontes de idéias de produtos que
podem ser interessantes do que propriamente fontes de conhecimento tecnológico.
No segmento fitoterápico, além das fontes acima citadas, foi ressaltada a
importância das associações específicas para o grupo e dos órgãos regulatórios.
Com relação às parcerias, todas as empresas pesquisadas têm projetos com
universidades brasileiras e institutos de pesquisa. A divisão de tarefas depende do
objetivo da pesquisa, mas de modo geral as empresas pagam por determinados
serviços ou providenciam a compra de equipamentos para a universidade. As
motivações ressaltadas para essas parcerias são a formação de vínculos com
universidades, divisão de competências, know how acumulado pelos pesquisadores
das instituições públicas e a facilidades para testes em menor escala. As atividades
desenvolvidas em parceria com instituições públicas incluem:
· desenvolvimento de processos de síntese
· desenvolvimento de produtos biotecnológicos
· estudos de estabilidade e farmacológicos.
Com exceção das empresas farmoquímicas pesquisadas e de base
tecnológica, os estudos clínicos foram as atividades em parceria com universidades
mais citadas pelas empresas farmacêuticas e, especialmente, pelas fitoterápicas. As
motivações citadas foram o alto custo das pesquisas clínicas e a necessidade de
adequação às normas da ANVISA. As dificuldades ressaltadas nas parcerias com
universidades foram a falta de agilidade dos parceiros e, em muitos casos, a
dificuldade de formalização dos vínculos por questões burocráticas. As empresas
farmoquímicas citaram parcerias com empresas farmacêuticas para o
desenvolvimento de novos produtos. A empresa de biotecnologia associa-se,
prioritariamente, às universidades para a identificação das plantas coletadas.
Com relação às atividades realizadas internamente, existem variações dentre
os segmentos avaliados de acordo com as suas características. As atividades mais
citadas pelas empresas farmacêuticas foram:
· formulação dos medicamentos
· pesquisas centradas na fase galênica
· controle de qualidade.
Em três, das quatro empresas avaliadas, o desenvolvimento de síntese
química, atividade para a produção de princípios ativos utilizados nos
medicamentos, é parcialmente realizado internamente. O grau de capacidade de
síntese variou entre as empresas em relação à matéria prima comprada e,
geralmente importada. A produção interna de princípios ativos nas três empresas
foi de 20%, 40% e 50%. A quarta empresa não realiza nenhum processo de síntese
química porque trabalha com produtos licenciados ou produz similares com matéria
prima importada.
Mesmo nas farmoquímicas, a proporção de síntese química variou entre as
empresas. Esse dado é confirmado com a estimativa citada por uma das empresas
de que aproximadamente, 30% dos princípios ativos são comprados prontos de
países asiáticos. Por tratar-se de uma atividade prioritária para o setor, esse valor
ganha uma proporção expressiva.
As empresas fitoterápicas realizam internamente atividades como:
· desenvolvimento analítico
· testes de estabilidade
· controle de qualidade.
A matéria prima é praticamente toda comprada, na forma de plantas secas
ou na forma de extrato. Uma das empresas produz 80% dos extratos, outra 15% e
a terceira não produz nada internamente. A maior dificuldade alegada para a
produção interna dos extratos é que cada planta exige processamento e tecnologia
diferenciada para a produção de extratos de boa qualidade. Uma das empresas tem
investido na produção de plantas clonadas em parceria com universidades. No
futuro, o objetivo dessa empresa é produzir e padronizar sua própria matéria-
prima.
Pelas características inerentes à empresa de base tecnológica entrevistada,
as atividades realizadas internamente são:
· produção de extratos das plantas coletadas
·
fracionamento e isolamento de substâncias químicas presentes nos
extratos.
As moléculas encontradas são repassadas para a contratante, normalmente
uma empresa farmacêutica, que avaliará o potencial de ação terapêutico dessas
moléculas. De acordo com as expectativas do presidente da empresa, o intuito para
o futuro é torná-la uma empresa capaz de realizar essas avaliações e,
consequentemente, transformam-se em uma empresa farmacêutica.
A mínima e a máxima porcentagem de investimentos em P&D, nos três
segmentos, foram respectivamente de 1,5 a 19% do faturamento, mas valores
abaixo de 5% foram os mais freqüentes. De modo geral, a rubrica P&D engloba
salários, equipamentos, gastos com banco de dados, estudos clínicos e patentes.
A maior parte dos funcionários ligados aos processos tecnológicos é de nível
médio. Seis funcionários com Doutorado por empresa foi o número máximo
encontrado, tanto nas empresas farmacêuticas como nas farmoquímicas e de base
tecnológica. Nas empresas de fitoterápicos pesquisadas não há nenhum funcionário
com pós-graduação. As empresas estão satisfeitas com a qualidade técnica da
formação dos funcionários. A reclamação mais freqüente foi a da falta de visão de
mercado, que as universidades não têm preocupação em desenvolver na formação
dos estudantes. Uma observação recorrente das empresas farmacêuticas foi a
inexistência na formação de um profissional com perfil para gerenciar atividades de
P&D.
7.2. Mudanças nos produtos e processos:
7.2.1. Mudanças nos produtos:
As mudanças nos produtos das empresas farmacêuticas pesquisadas foram
associadas à diminuição dos efeitos colaterais de produtos antigos. Essas alterações
foram alcançadas por duas estratégias básicas:
· associação de medicamentos já conhecidos e racionalmente combinados
· mudança estrutural de uma molécula já existente.
Um exemplo de sucesso do primeiro caso, ou seja, a utilização de associação
medicamentosa, ocorreu com duas substâncias utilizadas isoladamente para o
controle da pressão arterial. O efeito colateral de um desses medicamentos é o
edema de membros inferiores e por essa razão os médicos receitavam um segundo
remédio capaz de reduzir esse efeito. Observando isso, uma das empresas decidiu
associar os dois medicamentos em um só, o que além de diminuir o efeito colateral
propiciou a redução das doses desse medicamentos anteriormente administrados
isoladamente.
Das farmoquímicas pesquisadas, uma apresentou desenvolvimento sintético
de novas moléculas para hepatite B e C, a partir dos conhecimentos previamente
acumulados com a síntese de anti virais específicos para AIDS. As inovações nessa
empresa foram alcançadas após associação com uma empresa americana que
desenvolveu uma tecnologia de detecção viral para avaliar a atividade biológica de
novas substâncias desenvolvidas. Os testes são feitos em cultivos celulares in vitro
onde pode-se observar o efeito inibidor da substância alvo na reprodução das
partículas virais.
Nas empresas fitoterápicas, a mudança de produtos baseou-se na melhoria
da qualidade de um produto a partir de planta clonada ou na forma de
administração de alguns produtos, como por exemplo o desenvolvimento de
cápsulas para a administração do produto, anteriormente ingerido somente por via
líquida. A clonagem de plantas propicia a padronização dos princípios ativos,
aumentando assim a qualidade do produto final. Essa metodologia ainda é bastante
incipiente, com apenas uma planta clonada na empresa visitada, mas a intenção
manifestada por essa empresa é ampliá-la para o maior número possível de
plantas.
A fundação da empresa de base tecnológica ainda é recente e, de acordo
com o entrevistado, por essa razão ainda não sofreu alteração em seus produtos.
7.2.2. Mudanças nos processos:
Para as empresas farmacêuticas analisadas, a principal tecnologia citada
como crucial para ser competitivo no processo produtivo é a capacidade de síntese
química por diminuir a dependência de importações. Conhecimento científico, visão
racional e estratégica, ou seja, capacidade de avaliar as tendências do mercado e
encontrar soluções científicas para atendê-las, também foram citados como fatores
importantes para a competitividade da empresa.
Somente uma das empresas relatou uma alteração nos processos nos
últimos três anos. Essa mudança ocorreu em consequência da alteração na
substância utilizada para potencializar a ação de determinado princípio ativo
(adjuvante). A troca do adjuvante potencializou o produto antigo.
Para as farmoquímicas, a capacidade de inovação tecnológica da empresa
(conhecimento científico) e a melhoria na rotas dos processos (diminuição de tempo
e custos) são as estratégias cruciais para esse segmento. Uma das empresas
alcançou melhoria de processo de formulação de um produto a partir da associação
com uma empresa farmacêutica.
As empresas fitoterápicas, unanimamente, destacaram três práticas
fundamentais para o segmento:
· capacidade de desenvolvimento analítico
· capacidade de produção de extratos
· capacidade produção da matéria prima (plantio).
Com exceção do desenvolvimento analítico, praticado por todas as empresas
pesquisadas, as outras duas práticas citadas como importantes são realizadas com
potencial fraco ou médio.
7.2.3. Mudanças nos produtos e processos:
O patenteamento foi a forma mais citada para a proteção de conhecimentos
ou novas tecnologias das empresas dos três segmentos. Em poucos casos, o
segredo industrial também foi citado como estratégia da empresa. As empresas
farmacêuticas foram as que apresentaram maior número de patentes (quatro ou
cinco). As farmoquímicas e fitoterápicas, quando apresentaram patentes, não
ultrapassaram uma por empresa.
Com variações individuais, as empresas dos três segmentos efetuam
pagamentos referentes às mudanças tecnológicas, como por exemplo, uso de
marcas, serviços de pesquisa, serviços de desenvolvimento, máquinas,
equipamentos, estudos clínicos. Nenhuma delas recebe pagamento por mudanças
tecnológicas nos produtos ou processos produtivos.
7.3. Financiamento dos esforços e mudanças:
As fontes próprias de recursos para atividades tecnológicas são as mais
utilizadas.
FINEP foi o órgão financiador mais citado pelas empresas farmacêuticas e
farmoquímicas e CNPq o mais citado pelas fitoterápicas (especialmente pelo
estímulo dado pelo órgão para o desenvolvimento de estudos clínicos para produtos
de origem vegetal).
As manifestações sobre financiamentos públicos foram mais direcionadas à
FINEP. As impressões positivas ou de desconhecimento foram manifestadas pelas
maiores empresas farmacêuticas e as impressões negativas pelas demais empresas
analisadas. As opiniões descritas abaixo foram direcionadas à FINEP.
· “Os juros são altos”.
· “A contrapartida para as empresas é muito alta”.
· “As garantias exigidas são exorbitantes para empresas pequenas”.
· “Não há possibilidade de troca de uma garantia por outra”.
·
“Não há uma parceria no sentido de ajudar o empresário
(especialmente um bom técnico, mas inexperiente no mundo dos
negócios) a ter uma melhor visão do mercado e do seu produto”.
· “Descrédito com a instituição”.
·
“Falta de critérios para o empréstimo para empresas que importam
mais do que investem em desenvolvimento tecnológico”.
9. Considerações finais:
O que foi observado no subgrupo das farmacêuticas foram três empresas com
capacidade de realizar síntese química, duas das quais com uma estrutura montada
de pesquisa e aparentemente um bom potencial para realizarem desenvolvimento
tecnológico de excelente qualidade. Pode-se dizer que nesse cenário de atraso
tecnológico, essas duas empresas destacam-se de modo expressivo e apresentam
uma potencial para desenvolvimento tecnológico bastante muito promissor.
Nas farmoquímicas houve um desnível tecnológico muito grande entre as duas
empresas avaliadas. Possivelmente, a competência técnica e o desempenho
individual do proprietário de uma delas tenha causado essa visão desnivelada.
Outras empresas do setor necessitam ser avaliadas para que se possa perceber
quantas estão mais de um lado ou de outro das extremidades.
Com relação à tão falada biodiversidade brasileira e seu potencial para o
desenvolvimento de medicamentos, a empresa de biotecnologia, embora com
problemas de investimento, faz o que esperava-se de empresas de fitoterápicos, ou
seja, pesquisar novas moléculas a partir de plantas. É verdade que as empresas de
fitoterápicos, por conta de medidas normativas deliberadas pela ANVISA,
demonstram maior empenho em associar-se a outros centros para a realização de
pesquisas. Entretanto, qualquer avaliação sobre até que ponto essa maior
necessidade de pesquisas e aprimoramento tecnológico será incorporada pelas
empresas de fitoterápicos e poderá alterar a mentalidade de um simples ramo de
negócios para uma área de maior exploração científica, ainda é prematura.
A defasagem tecnológica do Brasil na área farmacêutica e farmoquímica, em
relação a outros países, é de tal proporção que seria ingenuidade procurar
inovações incrementais em grande volume. Que se pode dizer, então, das inovações
radicais?
Possuir capacidade de sintetizar moléculas (fazer cópias), por exemplo, parece
muito primário quando comparado à capacidade de criar moléculas novas, mas no
cenário nacional essa capacidade não é tão banal assim. Esse exemplo de
fragilidade demonstra que os problemas, e os caminhos para as soluções em termos
de ganhos do desempenho tecnológico nacional para o setor, são muito peculiares.
Colocar o atual estágio de desenvolvimento tecnológico de países desenvolvidos
como meta a ser alcançada pelas empresa nacionais é desestimulante se os passos
para o longo caminho não forem calculados em função das dificuldades
apresentadas pelas diferentes empresas.
Cabe ressaltar que as empresas entrevistadas não foram escolhidas
aleatoriamente para amostrar o universo brasileiro nesse setor. A escolha foi
direcionada para empresas que, ao menos, declaravam realizar pesquisas. Essa
observação é fundamental para que as conclusões não sejam tiradas de modo
generalizado e, portanto, equivocadas.
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