8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática
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8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: Exposição de Pôster As Relações do Irã com a América Latina Diogo Ives de Quadros Universidade Federal do Rio Grande do Sul As relações do Irã com a América Latina Diogo Ives de Quadros Os primeiros contatos do Irã com a América Latina se deram no início do século XX. Em 1902, foram estabelecidas relações diplomáticas com a Argentina e, em 1903, com o Brasil. Durante a época da Dinastia Pahlevi, que se estendeu de 1925 a 1979, os contatos com a região não eram significativos. Apenas em 1979, com o triunfo da Revolução Islâmica, os vínculos começaram a se estreitar, essencialmente com Cuba e Nicarágua. Por estes dois países também se oporem aos Estados Unidos na época, a relação era emblemática. Durante a presidência de Mohammad Khatami (1997-2005), a aproximação foi reforçada, porém ainda em pequena escala. A participação do Irã na América Latina se resumia a reuniões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a encontros do G-15 e a relações bilaterais com a Venezuela. Foi somente quando Mahmoud Ahmadinejad chegou à presidência iraniana, em 2005, que as relações se intensificaram. (MENA, 2010; CARO & RODRÍGUEZ, 2009) O relacionamento especial entre Irã e Venezuela data de 1960, quando a condição de potências petrolíferas os aproximou na fundação da OPEP. Entretanto, a relação somente começou a ganhar contornos mais fortes em 2001, quando Chávez fez uma visita de três dias a Teerã. Nesse primeiro encontro, com Mohammad Khatami, foi expressa, pelos dois países, a necessidade de oposição a todas as formas de opressão e de imperialismo no Terceiro Mundo, ideal que sustenta a relação bilateral até hoje. A partir desse encontro, seguiram-se outros três. No último, em uma visita de Khatami à Venezuela em 2005, os dois países já estavam fechando acordos no valor de US$1 bilhão. (BOTTA, 2009) Ahmadinejad intensificou essa relação e usou a Venezuela como porta de entrada para a América Latina. O presidente iraniano já visitou Caracas cinco vezes, e Chávez viajou ao Irã outras seis. Já na primeira visita do presidente iraniano à Venezuela, em setembro de 2006, foram assinados 26 acordos de cooperação. Em maio de 2010, o número de projetos bilaterais já totalizava 340, abrangendo campos diversos, como automóveis, residências, cimento, mineração, cultura e tecnologia. (MENA, 2010) O Irã não está entre os dez parceiros comerciais mais importantes da Venezuela, porém tornou-se o segundo país que mais investe nela, depois dos Estados Unidos. Empresas e instituições conjuntas foram formadas, como a VENIROC, empresa petrolífera binacional; a Veniran Petrochemical Company, fabricante de produtos derivados do petróleo; a Veniran Tractor, montadora de tratores; a Venirauto, montadora de carros1; o Banco Internacional de Desenvolvimento, formado em 2007, sediado em Caracas, comandado por sete diretores civis iranianos e cujas ações pertencem ao banco iraniano Toseyeh Saderat Iran2; o Banco Binacional Irani-Venezuelano, estabelecido em 2008, com uma capitalização inicial de US$1,2 bilhão (cada país contribuiu com metade), cujo propósito é financiar atividades nas áreas de indústria, comércio, infraestrutura, moradia, energia, mercado de capitais e tecnologia 3; e o Fundo Único, constituído em 2006, somando US$200 milhões para a promoção de investimentos e comércio nos dois países. (KARMON, 2010; MENA, 2009; FARAH et al, 2006) No âmbito político e diplomático, Ahmadinejad e Chávez encontraram pontos em comum nos objetivos da Revolução Islâmica, cujos ideais vigoram no Irã desde 1979, e da chamada Revolução Bolivariana, que Chávez defende como modelo nacional. Entre os pensamentos semelhantes, estão o questionamento do capitalismo e do imperialismo, a crítica às políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio e a necessidade de criar um novo equilíbrio mundial, baseado em uma ordem multipolar sem hegemonias. Chávez se converteu no principal aliado e defensor do presidente iraniano em todo o mundo, chegando a chama-lo de “herói” e “gladiador anti-imperialista”, afirmado que o Irã é um modelo de desenvolvimento e declarando ao Financial Times, em 2006, que “a batalha do Irã é a nossa batalha”. (MENA, 2010; BRUN, 2008) Farah salienta, no entanto, que as Revoluções Iraniana e Bolivariana, ainda que anti-imperialistas, sustentam pontos de divergência grandes, sugerindo que elas não são sustentáveis de modo sério. Enquanto o bolivarismo clama por igualdade, secularismo, socialismo, direito das mulheres e participação da massa no governo, a 1 A Venirauto é formada pela estatal iraniana de automóveis Iran Khodro e pela companhia de investimentos venezuelana VENNISA. Ela começou a produzir dois carros de design iraniano na Venezuela, chamados de “primeiros carros anti-imperialistas”. 2 Em 2007, o Departamento de Estado dos Estados Unidos classificou o banco como veículo financeiro com o qual o Irã subsidia o Hezbollah, o Hamas e outros grupos terroristas, e com o qual consegue escapar das sanções financeiras impostas pela comunidade internacional. 3 Farah comenta que nunca encontrou um registro de projeto sendo financiado pelo banco. teocracia nega direitos às mulheres e a participação democrática é restrita à interpretação do Corão. Essa falta de crenças comuns ajudaria a explicar a relação um tanto opaca, na qual o Irã assina centenas de milhões de dólares em acordos (para manter a aparência de alianças fortes), mas não oferece mecanismos eficazes de monitoramento e accountability. (FARAH et al, 2006) Para além da retórica, Venezuela e Irã têm, de fato, juntado esforços práticos para minar a hegemonia dos Estados Unidos, atacando, em especial, o dólar. Em outubro de 2005, Chávez ameaçou converter suas reservas cambiais de dólares para euros e propôs a criação de um banco central sul-americano que guardasse as reservas cambiais dos países participantes na forma da moeda europeia. Com a mesma postura contestatória, em 2003, o Irã começou a pedir euro pelo seu petróleo e anunciou a intenção de abrir uma bolsa de valores do petróleo para rivalizar com a NYMEX (New York Mercantile Exchange) e a IPE (London‟s International Petroleum Exchange). A Iranian Oil Bourse foi efetivamente criada em 2008. (BRUN, 2008; CARO & RODRÍGUEZ, 2009) Vários gestos simbólicos procuram mostrar a solidez da aliança entre Venezuela e Irã. Uma estátua do astrônomo iraniano Omar Khayan foi erguida em Caracas, e outra, de Simón Bolívar, foi posta em Teerã. O ex-presidente iraniano Mohammad Khatami ganhou a Chave da Cidade de Caracas. A partir de 2008, Caracas e Teerã passaram a ter um voo direto semanal. Universidades na Venezuela começaram a ensinar farsi. Chávez mudou o nome de uma das principais avenidas de Caracas para “Avenida Teherán”. Em julho de 2006, Chávez recebeu a Medalha Suprema da República Islâmica do Irã e, em setembro do mesmo ano, foi a vez de Ahmadinead receber a Ordem do Libertador Simón Bolívar, a condecoração de maior nível da Venezuela. (FARAH et al, 2006; MALAMUD & ENCINA, 2007; BRUN, 2008; KARMON, 2010) Segundo Botta, os discursos e gestos semelhantes entre Teerã e Caracas devem ser levados em consideração, mas não com importância exagerada. A diplomacia iraniana seria altamente refinada e profissional, tendo consciência de que são os interesses nacionais de longo prazo que devem dirigir as ações políticas, e não critérios religiosos ou discursivos. O fortalecimento das relações com Chávez teria sido mais uma oportunidade percebida pelo governo de Ahmadinejad do que uma política seriamente perseguida. (BOTTA, 2009) Dorraj e Dodson vão além da política externa e encontraram semelhanças nas políticas domésticas que aproximam Chávez e Ahmadinejad. Os autores os classificam como “neopopulistas”. Os dois presidentes, personalistas e autoritários, sustentam discursos cuja intenção é construir uma nova cultura política nos seus países. Chávez busca um nacionalismo secular, enquanto Ahmadinejad tenta recuperar o espírito nacionalista da Revolução Iraniana de 1979. O objetivo de ambos é conquistar a unidade nacional em torno dos seus projetos revolucionários. (DORRAJ & DODSON, 2009) Ainda segundo Dorraj e Dodson, a ideologia neopopulista tem sua ênfase na justiça social e por isso facilita a mobilização da massa. Ambos os governos recebem um apoio heterogêneo, especialmente concentrado nos setores de menor renda. O regime iraniano se apoia fortemente no clientelismo, sistema que cria a patronagem e rende apoiadores dependentes da ajuda financeira do governo, enquanto os programas sociais de Chávez também lhe dão apoio entre os mais pobres. As falhas políticas e econômicas geralmente são atribuídas à imposição da cultura ocidental. Desse modo, segundos os autores, dois regimes revolucionários frágeis se protegem com uma camada grossa de apoio popular e culpam um agente externo por seus insucessos. (DORRAJ & DODSON, 2009) A partir de Caracas, o governo de Ahmadinejad entrou em contato com demais países da América Latina. Em especial, estabeleceu vínculos próximos com os países da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), bloco de retórica essencialmente contrária aos Estados Unidos e patrocinado com o dinheiro do petróleo venezuelano. (CARO & RODRÍGUEZ, 2008) As relações diplomáticas entre Irã e Bolívia foram estabelecidas em 2007, por intermédio de Chávez. Ahmadinejad fez sua primeira viagem ao país em menos de um mês, e Evo Morales retribuiu com uma viagem ao Irã naquele mesmo ano, ocasião em que o presidente iraniano afirmou que as “duas nações revolucionárias” tinham governos que eram “aliados naturais e se apoiariam em qualquer circunstância”. Os dois presidentes assinaram vários tratados de comércio e energia na ocasião, e o Irã se comprometeu a dar assistência técnica e econômica nas áreas de geologia, agropecuária e defesa. (MENA, 2010) A maioria dos projetos de cooperação não foi concretizada, mas já há investimentos em petróleo, gás natural, mineração (exploração de lítio e de urânio), agricultura, hospitais, fábricas de laticínios, centrais hidrelétricas e financiamento de estudos para estudantes bolivianos no Irã. Com a ajuda milionária do Irã e da Venezuela, foi criada uma empresa pública de cimento na Bolívia. A promessa iraniana é de investir US$1 bilhão no país. Morales mudou a única embaixada da Bolívia no Oriente Médio do Cairo para Teerã, e permitiu que iranianos não precisem mais tirar visto para viajarem à Bolívia. (FARAH et al, 2006) O Equador se aproximou política e economicamente do Irã desde que Rafael Correa convidou Ahmadinejad para a sua posse como presidente em 2007. Nessa ocasião, Correa afirmou que o Irã encontraria “de imediato um lugar especial na política exterior de seu país” e criticou a política anti-iraniana dos EUA. Já foram feitos projetos de cooperação militar, técnica e industrial, além de investimentos e empréstimos iranianos no Equador, que incluem construir duas centrais elétricas, impulsionar as exportações equatorianas para o Irã e treinar trabalhadores equatorianos do setor petrolífero. (MENA, 2010; FARAH et al, 2006) As relações diplomáticas entre Irã e Nicarágua haviam sido interrompidas em 1990, quando a Frente Sandinista saiu do poder, mas foram retomadas em 2007, apenas quatro dias após Daniel Ortega voltar ao poder (Ahmadinejad fez questão de ir à posse). O fato de ambos os países terem passado por revoluções em 1979 para derrubar ditadores apoiados pelos Estados Unidos faz Ortega e Ahmadinejad se verem como “aliados naturais”. Segundo Ortega, as duas nações passaram por “revoluções gêmeas, com os mesmos objetivos de justiça, liberdade, soberania e paz”. (FARAH et al, 2006; MENA, 2010) Em uma missão feita a Manágua em 2007, o governo iraniano se comprometeu a financiar vários projetos de desenvolvimento, como a construção de 10 mil casas, a reconstrução do porto de Monkey Bay, o envio de 4 mil tratores, a edificação de cinco fábricas processadoras de leite, a implementação de projetos de purificação de água e grandes projetos de infraestrutura que cruzariam o país. Em 2008, foi anunciado um empréstimo iraniano de 150 milhões de euros para a construção de uma represa e de uma central elétrica. Entretanto, a recusa do Irã em perdoar uma dívida de US$152 milhões da Nicarágua mostra que a sua política externa é limitada por considerações de ordem econômica. Uma embaixada da Nicarágua foi aberta em Teerã. (MENA, 2010; FARAH et al, 2006) Cuba e Irã são próximos há décadas. Ambos têm em comum o histórico contra os Estados Unidos e os embargos sofridos. Cuba foi um dos primeiros países a reconhecerem a Revolução Islâmica, em 1982, e, como os outros países da ALBA, apoia o programa nuclear de Teerã. A primeira visita de Fidel ao Irã ocorreu apenas em 2001, quando foi recebido com as honras mais altas. O comércio entre os dois países era de US$50 milhões em 2003 e passou para US$327,3 milhões em 2009. (VANN, 2007; FARAH et al, 2006) Além dos países da ALBA, o Irã mostra empenho em se aproximar de outros países da América do Sul. O Brasil, em especial, é o grande mérito da política latinoamericana de Ahmadinejad. Quando Lula chegou ao poder, também buscando uma política externa que diversificasse alianças, entendimentos no campo energético já começaram a ser feitos entre as duas partes, e a PETROBRAS ganhou direito de exploração no mar Cáspio. Em 2004, foi assinado um Memorando de Entendimento para aumentar o comércio e a comunicação entre os dois países. (VANN, 2007) Uma maior aproximação se deu no segundo mandado de Lula, quando o Irã encontrou um aliado de peso que o apoiou no desenvolvimento de seu programa nuclear. O Itamaraty se posicionou contra o isolamento internacional do Irã nessa questão, ganhando, em troca, um Estado disposto a aceitar o papel de maior destaque do Brasil no cenário internacional. Ainda no segundo mandato de Lula, durante uma visita do ex-presidente braisleiro a Teerã em 2010, o Brasil se comprometeu a financiar em 1 bilhão de euros a exportação de alimentos do Irã nos próximos cinco anos, a fim de que o comércio entre os dois países seja menos dependente do crédito de bancos estrangeiros, dando coro ao discurso antiimperialista iraniano. (MENA, 2010) O comércio com o Brasil é de suma importância para o Irã. Deliberadamente, as sanções econômicas internacionais são dribladas através de um processo pelo qual as empresas brasileiras vendem seus produtos a Dubai, para depois seguirem para o Irã. O embaixador do Brasil nos Emirados Árabes Unidos, Flavio Sapha, já confirmou que o açúcar e a carne de gado brasileira chegam ao Irã dessa maneira. (MENA, 2010) Outro episódio que mostra a importância que o Brasil tem para o Irã pôde ser observado em maio de 2009, quando Ahmadinejad faria uma viagem ao Brasil, à Venezuela e ao Equador. Como buscava a reeleição em seu país, Ahmadinejad queria mostrar que tinha conquistado aliados no exterior. No entanto, o presidente iraniano recentemente havia feito declarações em que negava o Holocausto, o que desagradou ao Brasil. Temendo sofrer críticas em sua passagem pelo país, Ahmadinejad cancelou a viagem inteira à região. Sem o Brasil, não havia sentido viajar apenas para Venezuela e Equador. Evidenciou-se, nessa ocasião, o limite entre a política ideológica e o pragmatismo de Ahmadinejad. Ainda assim, não houve constrangimento entre Brasil e Irã por muito tempo. Meses depois, após Estados Unidos, França e Reino Unido contestarem as eleições presidenciais no Irã, acusando-as de terem sofrido fraude, o Brasil não questionou os resultados que deram vitória a Ahmadinejad. O Itamaraty quis reforçar o elo Sul-Sul. (BOTTA, 2009) Botta acredita que, como os preços do barril de petróleo vêm baixando – o que limita o poder da Venezuela – ao mesmo tempo em que o Brasil ganha mais destaque na América Latina, o Irã buscará desenvolver mais a sua relação com ele, seu maior parceiro comercial local, sem, contudo, abandonar Chávez. O objetivo, segundo Brun, seria construir uma posição política mais estável na região ao mesmo tempo em que atua com a Venezuela para manter os preços do petróleo elevado (conforme ambos os países disseram que agiriam em um comunicado conjunto de janeiro de 2007). (BOTTA, 2009; BRUM, 2008) Farah ressalta, contudo, que o trato do Irã com o Brasil precisa ser bem diferente do que é com os outros países da região. Os relacionamentos pessoais entre Ahmadinejad, Chávez, Ortega, Morales e Correa suplantaram políticas formais, guiadas por demandas de parlamentares ou de ministros das Relações Externas e da Economia. O mesmo não acontece com o Brasil, onde os laços são institucionalizados e diferentes da diplomacia pessoal que prevalece ao redor. Quando uma relação mais institucionalizada se sobressai, os planos do Irã geralmente são rejeitados ou forçados a serem mais transparentes. Em 2005, por exemplo, o Brasil se recusou a ajudar a Venezuela em seu programa nuclear quando ela lhe pediu transferência de tecnologia de enriquecimento de urânio, pois havia ficado claro que o Irã estaria diretamente envolvido no projeto, o que desagradou ao Itamaraty. (FARAH et al, 2006) Outros países com que o Irã busca relações, mas em menor grau, são Uruguai, Paraguai e México. O Uruguai é fornecedor de arroz, lã, pele e carne de gado, e o comércio bilateral tem aumentado consistentemente. Uma delegação iraniana visitou o Paraguai em 2009, buscando oportunidades de importação e investimento. O grupo mostrou interesse em comprar soja e carne e em desenvolver uma cooperação bilateral em tecnologia e agricultura. Com o México, foi assinado, em 2006, um Memorando de Entendimento para promover cooperação nos setores de petróleo, petroquímica e gás, reforçando o esforço iraniano em garantir acordos na área de energia. (MENA, 2010; KARMON, 2010; VANN, 2007) A Argentina tem uma relação muito particular com o Irã. Atos terroristas cometidos contra a embaixada de Israel em 1992 (29 mortos e 242 feridos) e contra a Asociación Mutual Israelita Argentina, AMIA, em 1994 (85 mortos e 300 feridos), provocaram uma tensão diplomática entre os dois países que até hoje não foi superada (ainda que as relações diplomáticas não tenham sido rompidas, nem o comércio tenha sido afetado). Os dois atentados são considerados os primeiros ataques terroristas islâmicos no hemisfério ocidental. (MALAMUD & ENCINA, 2007) O governo argentino atribui os ataques ao Hezbollah e a vários funcionários iranianos (inclusive o presidente à época, Alí Akbar Rafsanjani), contra quem emitiu ordens de prisão. Em depoimento, um ex-funcionário da alta inteligência iraniana revelou que quem ordenou o ataque à AMIA foi o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Suspeita-se que o motivo dos ataques teria sido a recusa da Argentina em cumprir sua promessa, à época, de fornecer tecnologia e material nuclear ao Irã. O ex-presidente Néstor Kirchner acusou o Irã de não cooperar com o Judiciário argentino e se recusou a ir à posse presidencial de Evo Morales em 2007, uma vez que Ahmadinejad estaria lá. Ahmadinejad é mal visto porque seu ministro de Defesa é Ahmad Vahidi, um dos cinco funcionários do governo iraniano buscado pela Interpol para ser julgado na Argentina. (MENA, 2010; KARMON, 2010; FARAH et al, 2006) Há suspeitas de que atividades legais e ilegais na Fronteira Tríplice, entre Brasil, Argentina e Paraguai, financiem grupos islâmicos terroristas, como o Hezbollah e o Hamas (apoiados pelo Irã), que receberiam verba através de instituições financeiras do Paraguai. A comunidade árabe no local é de cerca de 30 mil pessoas, especialmente sírios e libaneses. Considera-se a hipótese de que os ataques a Buenos Aires podem ter sido planejados nessa região. (VANN, 2007) A comprovação de uma ligação entre o terrorismo islâmico e a América Latina não seria uma novidade. Em outubro de 2008, 36 pessoas foram presas na Colômbia sob acusação de tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro. A investigadora-chefe do caso declarou que os lucros das vendas financiavam o Hezbollah. Seria uma hipótese possível que o Hezbollah aja em parceria com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) no tráfico de drogas e no treinamento de grupos armados. As FARC têm um histórico de fazerem alianças com outros grupos terroristas. Chávez também poderia estar implicado na parceria, uma vez que já mostrou apoio público ao Hezbollah e há suspeitas de que o seu governo financie as FARC. Em novembro de 2008, funcionários do governo da Turquia retiveram um carregamento suspeito que ia do Irã para a Venezuela. Declarado como “peças de trator”, o carregamento continha, na verdade, nitrato e sulfito, comumente usados para explosivos, além de equipamentos de laboratório desmontados. (FARAH et al, 2006) Segundo Farhi, a aproximação do Irã com a América Latina faz parte de uma nova “política externa agressiva”, em oposição à diplomacia passiva dos governos anteriores. Essa linha de ação é concebida como necessária por Ahmadinejad para conter as políticas que países ocidentais, especialmente os Estados Unidos, usam para prejudicar o Irã. No âmbito doméstico, opositores dizem que a estratégia internacional serve apenas para distrair a opinião pública em relação ao desempenho econômico ruim do país. No parlamento iraniano, criticam-se algumas ajudas e empréstimos a países latino-americanos. Ahmadinejad defende a sua estratégia. Conforme já declarou certa vez, “enquanto os países ocidentais tratavam de isolar internacionalmente o Irã, nós fomos até o „quintal‟ dos Estados Unidos”. (MENA, 2010; BOTTA, 2009; FARAH et al, 2006) Os Estados Unidos, por sua vez, veem com receio o relacionamento entre Irã e América Latina, temendo a disseminação de um sentimento anti-norte-americano e a formação de um eixo de poder alternativo que questione seu poder. Segundo Moya, os Estados Unidos produzem uma paranoia que tenta satanizar o Irã, às vezes por meio de inverdades. Em julho de 2009, Hillary Clinton manifestou inquietude pela construção de uma “megaembaixada” iraniana em Manágua, onde haveria uma grande quantidade de diplomatas circulando. Jornalistas do The Washington Post constataram que a “megaembaixada” era apenas uma pequena residência alugada em que viviam o embaixador iraniano, a esposa e a filha. Em outro caso de falsa desmoralização, um relatório do Pentágono de abril de 2010 indicava que a Guarda Revolucionária Islâmica tinha presença na América Latina e particularmente na Venezuela. Dias depois, o comandante do Comando Sul, General Douglas Fraser, reconheceu que não havia presença militar do Irã na região. (MENA, 2010) É objetivo declarado do governo iraniano aumentar a sua influência e o seu prestígio em nível mundial para constituir uma grande potência. O Irã já se tornou o terceiro país do Oriente Médio com maior presença diplomática na América Latina, tendo embaixadas residentes em Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, Equador, México, Nicarágua, Uruguai e Venezuela. O êxito da sua crescente presença na região deve ser relacionado à falta de atenção que os Estados Unidos deram a ela nos últimos anos. Ahmadinejad visitou a América Latina mais vezes em quatro anos do que Bush o fez em oito. (MENA, 2010; BOTTA, 2009) O Irã não é um parceiro comercial significativo para nenhum país da América Latina – apesar de as trocas estarem crescendo –, nem a América Latina é prioridade para a diplomacia de Teerã (que se ocupa mais com seus vizinhos do Oriente Médio, repúblicas do Cáucaso e Ásia Central). Entretanto, a América Latina é vista com interesse por possibilitar um rompimento do cerco diplomático e econômico a que o Irã está submetido. Outras alianças regionais são buscadas intensamente, inclusive na África, para driblar o distanciamento imposto pelas potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França) e reforçado por quatro rodadas de sanções do Conselho de Segurança da ONU. (MENA, 2010) O fato de Bolívia, Venezuela, Equador, Nicarágua e Brasil terem expressado apoio ao direito do Irã de desenvolver energia nuclear com fins pacíficos evidencia que talvez o melhor resultado da estratégia diplomática de Ahmadinejad tenha se dado na América Latina. Entretanto, há de se considerar que as alianças são frágeis, uma vez que, em 2006, apenas Venezuela e Cuba (além da Síria) não condenaram o programa nuclear iraniano na Agência Internacional de Energia Atômica da ONU. (KARMON, 2010; MENA, 2010; BOTTA, 2009) Outra ação diplomática que teve certo êxito ocorreu em meio ao conflito de Gaza, em janeiro de 2009, quando Mohammad Abasi, ministro de Cooperativas do Irã, e Ali Akbar Mehrabian, ministro de Indústrias e Minas, viajaram à América Latina para obter apoio a favor da posição iraniana no conflito (e, portanto, opor-se a Israel). Venezuela e Bolívia atenderam ao pedido e cortaram relações diplomáticas com Israel no momento das visitas. (BOTTA, 2009) Segundo Vann, a aproximação em direção à América Latina ocorreu em um momento oportuno, no qual líderes populistas que assumem o poder na região veem nessa relação um realinhamento político que distancia os Estados Unidos, enquanto estes estão focados em outras áreas do mundo. Os governos latino-americanos que estreitaram laços com o Irã o justificaram com diversos argumentos: ampliação estratégica da fronteira diplomática no Oriente Médio, defesa do interesse nacional, expansão do comércio e dos investimentos, construção de eixos diplomáticos alternativos. Haja vista que o Irã conseguiu se relacionar bem com governos esquerdistas, Moya especula que uma guinada à direita neles poderia levar a um congelamento dessa aproximação. (MENA, 2010; VANN, 2007) Nos últimos meses, Ahmadinejad reforçou a diplomacia em direção à América Latina. Em dezembro de 2011, seu governo lançou um canal de televisão público, transmitido via satélite, chamado Hispan TV, com programação inteiramente em espanhol. O objetivo é fortalecer os laços culturais com pessoas que falam espanhol na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Notícias, documentários e filmes iranianos serão veiculados durante 24h. Em janeiro de 2012, Ahmadinejad fez um tour de cinco dias pela América Latina, visitando Venezuela, Equador, Nicarágua e Cuba. A decisão de fazer a visita ocorreu no momento em que Ahmadinejad estava sendo criticado pelas potências ocidentais pelo seu projeto de enriquecimento de urânio. Em semanas anteriores, Estados Unidos e Europa haviam imposto sanções contra o Irã, afim de pressioná-lo a abandonar seu programa nuclear. Os governos visitados mostraram seu apoio costumeiro ao presidente iraniano. Ao não incluir o Brasil no roteiro, Ahmadinejad evidenciou que, ao contrário do que acontecia com Lula, não conta com o apoio fácil de Dilma Rousseff, cuja política externa adotou uma posição crítica a violações de direitos humanos. Referências bibliográficas BOTTA, Paulo. Irán en América Latina: desde Venezuela hacia Brasil. Ágora Internacional, Vol. 4, Nº 9, 2009, pp. 43 - 47. BRUN, Elodie. Irán-Venezuela: hacia un acercamiento completo. POLITEIA, vol. 31, núm. 40, enero-junio, 2008, pp. 19-40 CARO, Isaac; RODRÍGUEZ, Isabel. La presencia de Irán en América Latina a través de su influencia en los países del ALBA. Atenea, número 500 (2009), pp. 21-39 DORRAJ, Manochehr; DODSON, Michael. Neo-Populism in Comparative Perspective: Iran and Venezuela. Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East Volume 29, Number 1, 2009 pp. 137-151 FARAH, Douglas et al. Iran in Latin America - Threat or 'Axis of Annoyance'? Woodrow Wilson Center Reports of the Americas #23. 2010 KARMON, Ely. Iran and its Proxy Hezbollah: Strategic Penetration in Latin America. Elcano Royal Institute Working Paper, Madrid, 18/2009 KARMON, Ely. Iran Challenges the United States in its Backyard, in Latin America. American Foreign Policy Interests Volume 32, Issue 5, 2010 MALAMUD, Carlos; ENCINA, Carlota García. Los actores extrarregionales en América Latina (II): Irán. ARI Nº 124/2007 MENA, Sergio I. Moya. La política exterior del presidente Mahmud Ahmadinejad hacia América Latina (2005-2010). Revista Centroamericana de Ciencias Sociales, Vol. VII, n. 1, julio de 2010 VANN, Dina Siegel. Iran’s Presence in Latin America: Trade, Energy, and Terror. Hispanic American Center for Economic Research (HACER). 2007.
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