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A QUESTAO ATUAL DA INTOLERANCIA RELIGIOSA
Weiler Jorge Cintra Junior'
RESUMO: A intolerfincia religiosa a questao atual que não ficou
enterrada na antiguidade, na idade media ou no seculo passado.
Ainda hoje, no seculo XXI, existem grupos que se confrontam em
nome da diferenca de credo Em 1981, a ONU promulgou uma
declarageo em defesa do direito de liberdade religiosa.
PALAVRAS-CHAVE: ONU; Declaragao Intemacional; histeria; intolerancia religiose; direito de liberdade religiose.
IN1RODUC,.À0
Os atentados terroristas ocorridos no dia 11 de setembro de 2001, que
atingram as torres gemeas do World Trade Center, nos Estados Unidos da America, chamaram novamente a atengeo do mundo para urn fato ha muito esquecido: a intolerencia religiose.
Sem querer especular quaffs foram as causas econemicas ou politicas que,
bem se sabe, tambern motivaram os ataques dos talebans, o fator intolerencia
religiose certamente contribuiu drasticamente para lever os seguidores de Osama
Bin . Laden a investirem naqueles atentados.
0 objetivo deste trabalho, no entanto, 6 estudar esse motivo que levou
tanto os talebans como outras organizacees de hoje e do passado a se abeberarem
na ira da discriminageo religiose para praticarem atos criminosos que sempre
resultam na morte de seres humanos, invariavelmente de pessoas inocentes.
A ONU - Organize* das Nagees Unidas e seus diversos Orgâos dedicaram-se, a partir de 1950, a realizar estudos para elaboraceo de urn texto intemacional que tratasse do direito de liberdade religiosa. Grandes discussees foram
travadas por decades ate o ano de 1981, quando foi proclamada a Deciaraceo
Procured°, do Estado de Goias. Mestrando em Direfto PUblico pela UNIFRAN - Universidade de Franca, Sao Patio.
Professor convidado da UCG - Universidade CatOlica de Goias.
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nevista de Direito; Procuradoria Geral do Estado de Goias, n o 22, ian./Dez. 2002
sobre Eliminagao de Todas as Formas de Intolerancia e Discriminagao Baseadas
em Relighao ou Cretica.
As ranties que justificaram urn texto como esse serâo estudadas ao longo
deste trabalho, desde acontecimentos da antigilidade, passando pelo advento do
Cristianismo no seculo primeiro, atravessando as Idades Media e Moderna corn o
Tribunal da Inquisig5o, ate o seculo )0(, que traz assustadoras revelagOes sobre o
quadro mundial das perseguicOes religiosas.
Ha tambem uma preocupagao em investigar os motivos que levam urn
grupo social a considerar superior o seu credo e assim querendo faze-lo suplantar
os demais. As varies acepceres da palavra liberdade tambem sâo estudadas corn
o intuito de definir o que seria a liberdade religiosa proclamada pelo documento
intemacional.
Segue-se uma analise juridica da natureza e contendo das normas contidas
na referida declaragäo de direitos, como forma de entender a forge vinculativa e o
espectro de sua abrangência. Em Ultimo lugar, apresenta-se urn quadro national
sobre a liberdade religosa, colocando-se ern destaque os instrumentos juddicos
postos a disposicao dos individuos que venham a precisar amparar seu direito.
Desde jä, no entanto, adianta-se a relevancia do direito a liberdade religiose como realizacao e confirmagao das demais liberdades personalissimas, quais
sejam, de consciéncia e de expressao, todas garantidas e respeitadas pela constituicao brasileira.
1. NOSES GERAIS
0 desenvolvimento do tema direito a liberdade religiosa deve ser feito apartado de qualquer tentative de ingerancia da fe assumida pelo autor sobre as
outras manifestagOes religiosas existentes, sob pena de ele prOprio ester violando
tal direito. No entanta, deve-se reconhecer desde ja a impossibilidade de se adotar
uma postura asseptica, visto ser tal discussão uma questa° eminentemente
subjetiva. Por isso, procurer-se-a dar ao tema o enfoque mais objetivo possivel
ern um tentative de :là aqui ser respeitado o direito de liberdade religiose dos
leitores. Como ponto de particle, entende-se imprescindivel a enumeracao de
alguns conceitos relativos ao tema, tendo ern vista que this nocOes se fazem
necessaries a compreensào do contend° da Declarageo2 , comecando pelo pro2 No ambito deste estudo sera usado o termo
Declaracao, corn initial maitiscula e italic°, como abreviatura da
expressao Declaracao Sabre a Eliminacão de Todas as Rums S Intolerancia e Discriminacao Baseadas em
Reitiao ou Creep.
CINTRA JUNIOR, Weller Jorge - A questAo atual da Intolerencla religiosa
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prio titulo onde se° encontradas as expressOes: intoierencia, discrIminagao, religiao e crenga.
0 termo intolenancia significa "qualidade de intolerante, falta de tolerancia" 3 . 0 dicionario consultado remete ao termo intolerantismo, que significa: "1.
Doutrina que tern por principio a intolerencia religiosa. 2. Sistema daqueles que
nao admitem °pinkies divergentes das suas, em questOes sociais, pditicas ou
religiosas".
Por discriminagat deve-se entender: "1. Ato ou efeito de discriminar. 2.
Faculdade de distinguir ou discernir; discernimento. 3. Separageo, apartageo,
segregageo" 5 . Esse Ultimo fenOmeno (segregageo), incluido como sinOnimo de
discriminageo interessa para este estudo, uma vez que é usado pela sociologia
para caracterizar algumas realidades sociais, dentre elas a chamada segregagäo
religiose. Assim, a segregageo deve ser entendida como originaria do latim
segregatio, corn o mesmo sentido de segregare, separar do rebanho (= grex,
gregls). 0 termo se aplica especialmente na expressào segregagão racial, para
designar a pretica, vigente ern alguns parses, de confinar ern espagos delimitados
grupos humanos de ragas supostamente inferiores. "E um aspecto execravel do
problema racial. Existem formas de expresser) racial e social, as quais, sem fundamento legal, de fato isolam ern gueto os grupos desfavorecidos. Qualquer forma de segyegageo atenta contra os direitos humanos"°.
Nota-se que os termos discriminagao e intolerancia apontam para um
epicentro comum que é a diferenciagäo de seres humanos por urn criteria ou
outro, sempre fazendo preponderar a opine° de urn grupo relativamente homogèneo
e hegemenico sobre a de outro grupo (ou grupos) mais flea A easter-Ida dessa
distingeo, alias, deriva da preexistancia de concepgOes teolOgjcas diferentes, tornando-se oportuno, nesse momento, o apontamento de mais alguns conceitos,
dentre eles os de religião e de crenga.
0 termo religiao (do latim religio; re + ligare) denota a age° de ligar novamente, vender algo ou alguem. Pode-ser considerada do ponto de vista meramente sociolOgico, como urn dos elementos da vida do homem ern sociedade,
inspiradora de seu comportamento pOblico. Significaria assim urn sentimento de
vinculageo, de obrigageo (do latim ob + ligare) pars corn urn Ser Superior, Soberano, Transcendente, qualquer que seja a ideia pela qual é Ele concebido Este
3 FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. INcionado Aurelio basica da lingua portbguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988. p. 367.
FERREIRA. op. cit. p. 367.
5 Ibidem. p. 225.
5 AMA, Pe. Fernando de Bastos. Pequena ancidopedia de moral e chrism°. 3' ed. Rio de Janeiro: FENAME,
1982. p. 533.
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RevIsta de Diced(); Procuradoria Gera! do Estado de Goias, n o 22, Jan./Dez. 2002
seria urn sentido subjetivo de religiào, que, analisado mais detidamente, aparece
como contendo tits elementos:
1°) o reconhecimento da crenga natural na existancia de urn poder ou
poderes que nos transcendem; 2°) o sentimento de dependencia corn relagao a
ele; 3°) entrar em qualquer forma de contato ou de relagao corn ele. Este 'entrar'
ern contato constitui o sentido objetivo de religao, porque se exprime atraves de
atos apropriados, o culto corn seus ritos, e de uma forma de vida concebida como
mais favorevel para propiciar o Ente Supremo, a Moral, e uma organize* da
comunidade que garanta a perpetuageo do movimento religjoso. A atitude religiose difere essencialmente da atitude supersticiosa e de todas as formas de maga.
Na superstigeo o homem atribui a seu gesto urn poder magic°, pelo qual pretende
captar a forma transcendente para os seus intuitos (...) De qualquer modo, o
elemento essencial de toda religeo é a referencia a urn Ser Supremo, criador do
universo, fonte de todo bem, ao qual se deve urn culto de adore* e ao qual
podemos propiciar corn nossas oragOes e sacrificios e, particularmente, corn urn
tipo de conduta de uma vida pautada segundo determinadas regras morals' .
Muito embora parega sinOnima, a expressão crenga denota uma realidade
bem diverse, especialmente se se considerarem as injungOes political que !he
renderam a incluse° na Dedarageb, o que sere abordado no item 4 2 Nesse
momento, impende saber apenas que tal expressào este incluida corn um significado o mais amplo possivel, abrangendo ideologies, misticismo e, inclusive, o
direito de nao professar f6 alguma. No entanto, essa significageo nao corresponde
ao conceito sociolOgjco de crenga. Para a Sociologia, a crenga religiose 6 o aspecto cognitivo da religeo que procura explicar a natureza e a origem das coisas
sagradas. A crenga baseia-se em atitudes habituais, na f6, e as nogOes dela
derivadas, mesmo quando coincidem corn a deride, nao se fundamentam nas
observagOes e no tipo de evidencias preprios desta Ultima°.
A Declare* sobre a elimina* de todas as formes de intolerancia e
discrimina* baseadas em religiâo ou crenga, portanto, contern ern seu prOprio
titulo a antecipageo do seu contendo, como norma destinada a erradicar toda
manifestagao no sentido de violar o direito do homem a liberdade de professar ou
de nao professar suas convicgOes, assim como este disciplinado no seu art. 1°,
item 1.
AVILA. op. ciL p. 512.
° LAKATOS, Eva Maria. Sadologia geral. 4 a ed., revista a ampliada. Säo Paulo: Atlas, 1981, p. 162.
r
1
1,1
CINTRA JUNIOR, Weller Jorge - A questdo atual da intolerAncla religiosa
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2. QUADRO HISTORICO DE PERSEGUICOES
A questa° da intoterancia religiose e da perseguicao que dela normalmente
decorre a algo seguramente muito antigo, talvez remontando as origens dos grupos socials organizados na antigGidade. A falta de dados hist6ricos precisos narrando episOdios de intolerancia religiose, pode-se citar urn fato ocorrido durante o
"exodo do povo de Israel. A narrageo este na Biblia, no Livro de NOmeros, capitulo
25, do qual sat) destaques os versiculos 1 a 5, assim transcritos:
"E Israel deteve-se em Sitim, e o povo comer ou a prostituir-se corn as
filhas dos moabitas. Estas convidaram o povo aos sacrificios dos seus deuses; e o povo comeu e inciinou-se aos seus douses. Juntando-se, pois, Israel
a Baal-Peor, a ira do Senhor se acendeu contra Israel. Disse o Senhor a
Moises: Tome todos os cabecas do povo e enforca-os ao Senhor diante do
sol, e o ardor da ira do Senhor se retirara de Israel. Então, Moises disse aos
juizes de Israel: Cada um mate os seus homens que se juntaram a BaalPeor9 ."
Outros massacres fundados em causas religiosas que podem ser apontados, tamlièm nas Sagradas Escrituras, sec) os episOdios narrados no 1° Livro dos
Reis, capitulo 18, versiculo 40 e tambOrn 2° Livro dos Reis, capitulo 10, versiculos
de 18 a 28, nesse ultimo, sob o reinado de Jell, rei de Israel, entre os anos de
841 e 813 a.C. Conta a Biblia que Je6 convocou ardilosamente os adoradores de
urn deus pagan (Baal) a oferecerem a este sacrificios em uma assembleia solene,
em que cada urn receberia vestes identificadoras. Tendo reunido ali o povo, ordenou o rei que 80 valentes soldados massacrassem os adoradores de Baal e, em
seguida, fizessem do templo uma latrine.
Desses acontecimentos da antigilidade avanga-se para o surgimento do
Cristianismo. Os ensinamentos de Jesus Cristo e a Sua doutrina revolucionaram
os costumes da epcca, convertendo os povos a uma vide sobrenatural cuja moral
era requintada pela bondade e pela mansideo A autoridade e a justice de Cristo
marcaram de tal maneira a humanidade ao ponto de esta dividir a sua histeria
global em eventos ocorridos antes (a.C.) ou depois (d.C.) d'Ele.
Como corolario dos ensinamentos de Jesus esta o surgimento de Sua Igreja. Iniciada na pessoa do ApOstolo Pedro (Evangelho de Mateus, capitulo 16,
° EliGUASAGRADA. Traduce° em portugues porta° Ferreira de Almeida. Revista e Corrigda. Sao Paulo: Sociedade
Rebate do Brasit, 1995. p. 124
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RevIsta de Dimas.; Procuradoria Geral do Estado de Goias, n o 22, Jan./Des. 2002
versiculo 18), a Igreja deu seus primeiros passos corn rusticidade, baseada na
comunheo de vida e de bens das pessoas ali reunidas, estando calcada nas licees
deixadas pelo Nazareno Nos dias que se seguiram a sua forma* apOs o Pentecostes os ApOstolos sairam a praca e anunciaram que Jesus havia ressuscitado.
Pedro e Joao foram presos, acoitados e proibidos de falar sobre Jesus. 0 Odio dos
fariseus nä° era so contra os ApOstolos, mas contra todos os seguidores de Cristo. Por isso, a Comunidade de Jerusalem comecou a ser perseguida. 0 primeiro a
testemunhar a fe corn 0 martirio foi Estevão (urn daqueles sete diaconos)1°.
0 quadro das persegukOes a Igreja havia apenas come9ado quando destacou-se a pessoa de urn fariseu chamado Saulo. 0 termo fariseu quer dizer separedo. Os fariseus formavam uma especie de seita ou escola cujo fim era preserver
a lei mosaics de influencias pages. Procuravam observer nee se as determinagees
da lei, mas tambem outran prescricOes impostas pela tradiceo. Tais fariseus seguiam Jesus corn o propOsito de o apanharem em falta e o acusarem. NO° acreditavam em sua missão divina, porque esperavam urn salvador humanamente
poderoso, que erguesse o reino temporal dos judeus.
Esse homem realizava duras perseguicOes aos cristeos, considerando, com
isso, estar cumprindo a lei e prestando urn servico a Deus. As Sagradas Escrituras
revelam que "Saulo assolava a igreja, entrando pelas casas; e arrastando homens
e mulheres e os encerrava na prisão" (Atos dos ApOstolos, capitulo 8, versiculo 3)
Contudo, "'leo bastasse perseguir os cristaos ern Jerusalem, Saulo dirigiu-se a
Damasco, pars trazer algemados os que 16 encontrasse. Mas a graca de Deus o
esperava no carninho: foi o dia de sua conversäo" 12 . Desde esse momenta, aquele
que era chamado Saulo passou a ser conhecido como Paulo, o qual abracou a fe
e tomou-se, de Cato, UM apOstolo de Cristo.
0 alivio provocado pela conversed de Saulo foi comemorado por urn tempo, mas as perseguicees passaram a ter urn carater politico, contando corn o
suporte dos imperadores romanos. Nero (54-68 d.C.) foi o primeiro deles, seguido por Domiciano (81-96 d.C.), Marco Aurelio (161-180 d.C.), Septimio Severo
(193-211 d.C.), Decio (249-241 d.C.), Valerian (253-260 d.C.) e Diocleciano
(284-305 d.C.). Somente com o reinado do imperador Constantino (306-337
d.C.) houve a concesseo da liberdade total aos cristaos, como constava do edit°
de Mile°, do anode 313, que preceituava: "Havemos por bem anular por completo todas as restricOes contidas em decretos anteriores, acerca dos cristeos - res-
CECHINATO, Wiz. Os vinte sectdos 6e caminhada da Ise* principals acontecimentos da cristandade, dead.
os tempos de Jesus ate Joilo Paulo II. Petropolis/FU: Vows, 1996. p. 31.
BIBUA SAGRADA. Tsar:1u* em portugults por lotto Ferreira de PJmeida. op. cit. p. 102 {Novo Testamento).
CECHINATO. op. cit. p. 33.
CINTRA JON/OR, Weiler Jorge - A guest g o atual da 41[01cl-fine la religiose
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trigOes odiosas e indignas de nossa clemencia - e de dar total liberdade aos que
quiserem praticar a religâo cristä"13.
2.1 A IgreJa perseguldora
Existe uma tendencia, na historiogratia eclesiastica oficial, no sentido de
identificar a perseguicao da Igreja corn um determinado period° de sua histOria: o
periodo da perseguicao per parte do imperio romano nos ties primeiros seculos
da histOria do cristianismo.
Dentro desta perspectiva as perseguicOes estariam 'concluidas' corn a 'paz
constantiniana' de 313 e corn o estabelecimento da Igreja livre. 0 hvro do Apocalipse
de Joao, contudo, ve a HistOria da Igreja de maneira diferente: nela, a perseguicao
seria urn elemento constante ate a vitOria completa de Deus sobre os 'poderes do
mundo'. A HistOria da Igreja seria essencialmente a do conflito entre o projeto
cristao, feito de luta pela fraternidade entre todos, e os diversos projetos baseados na nao-fraternidade estabelecida14.
Assim, a partir do reinado de Constantino, os ensinamentos da Igreja Crista
foram considerados como a base da lei e da ordem. Dessa forma, a heresia era
uma ofensa nao s6 a Igreja mas tambem ao Estado. Por centenas de anos, os
governantes tentaram acabar corn todas as heresias, em urn esforgo que permaneceu moderado para os padrties da epoca.
Contudo, urn outro evento histerico de grande relevo reacendeu a perseguigab fundada em motivo religiose) entre os seculos XII e XVIII: a Inquisicao. A Igreja
Catelica, antes vitima das atrocidades cometidas contra seu corpo pelos imperadores romanos passou, a partir do Condit) de Verona (sec. XII), a investigar as
parequias suspeitas de heresia.
Em 1231, o papa Gregerio IX criou urn tribunal especial para investigar as
vidas dos suspeitos e obrigar os hereges a mudar de convicgOes. Em 1542, a
Congregagão do Santo Oflcio passou a controlar a Inquisicao. Frades dominicanos
e franciscanos atuavam como juizes. Os inquisidores freantemente torturavam
os suspeitos, o que havia sido autorizado ern 1252 pelo papa Inocencio IV e
confirmado ern seguida per Urbano IV. Os hereges, na maioria judeus que se
recusavam a mudar de convicgOes, eram condenados a morte em fogueiras, pretica instituida desde o fim do sec. XII. No sec. XVI, a Inquisicao foi usada contra os
13 Ibid. p. 75.
HOORNAERT, Eduardo et alit Histeda gene da trip na Am&tca Laura- Histida da Igreja no Brasil: remake
iiipoca. 3° ed. Petropolis: Vozes, 1983. p. 409.
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Revista de Direito; Procuradoria Gera do Estado de Goias, n o 22, Jan./Dez. 2002
protestantes. Mais tarde em Portugal, passou a perseguir os cristeos-novos (judeus convertidos a fa cristà) e os partidarios das ideias dos enciclopedistas e dos
iluministas. Com muita frecyliéncia, os motivos das perseguigees eram mais
econOmicos do que religiosos. Alain de na Espanha, a Inquisigâo atuou principalmanta na Franca, Alemanha, Italia e Portugal Neste Ultimo pals, ela foi estabelecida
em 1536. Em 1761, foi executado na fogueira o ultimo portugues condenado
pela Inquisigao. E, em 1765, realizou-se o Ultimo auto-de-fa (cerimOnia em que
se proclamavam e executavam as sentengas). No Brasil, a Inquisigao nunca instalou um tribunal em meter oficial. Todos os casos referentes ao Pais eram tratados pela Inquisigao em Lisboa, que aqui atuava por intermedio de visitadores,
comisserios, bispos e vigarios. Muitos brasileiros foram condenados ao suplicio
da fogueira pela Inquisigao de Lisboa, cujo tribunal suspendeu suas atividades no
Brasil somente em 176115.
2.2 A persedulcao da Igroja no Brasil
No Brasil, por causa de sua posigao diante dos indigenas, sobretudo, a
Igreja sofreu perseguigOes durante o primeiro period() colonial, sendo certo que
nao teve ela a mesma sensibilidade diante dos africanos. A historiografia destas
perseguigees consta de diversas crOnicas acerca da perseguigeo brasileira em
relagâo aos jesuitas.
Foi este poder de testemunho e compromisso com a sorte dos indigenas
maranhenses e brasileiros, manifestado sobretudo pelos missionarios jesuitas,
que este na origem da mais brutal e violenta perseguigao que a Igreja conheceu
durante o period() portugues: a perseguigao pombalina nos anos 1759-1760.
Foram embarcados nos diversos portos do Maranhao e do Brasil um nümero
impressionante de jesuitas: 115 no Maranhao, 119 em Pernambuco, 133:em
Salvador- da Bahia, 107 no Rio de Janeiro. Estes foram levados pars diversas
privies em Portugal, onde muitos morreram, sendo que outros foram encaminhados pars Roma posteriormente16.
Nos dias de hoje, neo se pode afirmar a existencia de urn quadro
institucionalizado de perseguigOes. 0 que se nota é um confronto tolerevel entre
as ideias que sustentam cada manifestagao religiosa, podendo-se dizer que, no
Brasil, existe uma coexistencia pacifica entre as diversas denominagees. Os con-
" ENCICLOREDIA DELTA UNIVERSAL. v. 8, Rio de Janeiro: Delta, 1986 p. 4326.
HOORNAERT. op. cit. p. 409-410.
CINTRA 101410R, Weller Jorge - A questa° atual da intolerSncla religiose
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flitos que ocorrem, quando ocorrem, sac) noticiados pela imprensa, como o caso
do bispo Sergio von Heide Luiz, da Igreja Universal do Reino de Deus, que no dia
12 de outubro de 1995, perante as cameras da TV Record, chutou a imagem de
uma santa17.
Outro caso registrado, muito embora nao se trate de discriminacâo propriamente dita, mas de fato alheios ao direito a liberdade religiose, e o que envolve
urn processo judicial movido pelo Ministario POblico da Uniao e pela Associagao
Brasileira de Antropologia (ABA) contra o grupo missionario evangalico Missão
Novas Tribos do Brasil, em rale° da morte de 40 indios da tribo Zo'e (Estado do
Para). Como se y e, nao se trata de discriminagão religiose, mas de apuragao de
responsabilidades sobre a morte dos indios em fungäo do contato corn o homem
branco18.
2.3 As persegulcires em outros paises
Segundo fontes de estatistica, tern havido mais pessoas martirizadas pela
sua fa em Jesus Cristo no seculo )0( do que ern todos os outros dezenove seculos
juntos 19 . De acordo ainda corn a World Mission Digest, existem perto de 100
milhOes de martires no seculo )0(, o que computa mais mortes do que aquelas
registradas nas guerras nele ocorridas20.
Uma das principais razaes para o surgjmento da perseguicao, especialmente nos Oltimos anos, parece ser o crescimento exponencial dos evangelicos
ern lugares como a America Latina, Africa sub-Saara e Asia. Nao surpreende que
essas sejam as mesmas areas do mundo ern que os cristaos estejam experimentando discriminagao, assedio e perseguigao daqueles que detem o poder. A mudance no crescimento evangelico a partir do mundo ocidental nas decades passadas foi notOria. Em 1960, acima de 70% de todos os evangelicos moravam na
America do Norte e na Europa Ocidental. Em 1990, 70% de todos os evangelicos
viviam no assim chamado terceiro mundo, e os nOmeros continuam a crescer a
taxes impressionantes21.
" MAGALHAES. Tent) de Magalhäes. Justice condena bispo que chutou imagem de sante. 0 Estado de Sao Paulo,
Sal o Paulo, 1997. 30/04/1997.
" RAMOS, Judith. Pelo direlto de pregar o Evangelho. 1998, 1 pagina. http:/Avwmeditorase pal. com.br. (Internet).
' HEFLEY, James, e Monti. Fonte. By their blood. 2000, 1 pagjna. http://vnvw.solaccom.br/— rubenv persegui.html.
(Internet).
COMISSAO de liberdade religiose (World &angelical Fellowship Religious Liberty Commission). 1998, 3 pignas.
http://www.xc.or8/wer/wefiritro (Internet).
'1 JOHNSTONE, Patrick. Fonte: Operation world. 2000, 1 pagna. hittp://WVAY.solar.cOrn.bri —rubent/ persegui.html.
(Internet).
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Revista de Direito; Procuradorla Geral do Estado de Golds, n o 22, lan./Dez. 2002
Relatos de incidencia de perseguigeo tern crescido desde a queda do Comunismo, na antiga Uniao Sovietica. Cristaos em todo o mundo sentem que tem
estado calados por tempo demais, e porque eles sentem um novo apoio de companheiros cristaos, eles estäo agora afirmando publicamente a fe em Jesus, aceitando o risco da perseguigeo, advinda de sua declarageo pQblica.
2.3.1 Uma amostra da persegulgeo aos edsteos
em alguns prises
Lei Is'arnica - Robert Hussein é um cidadeo do Kuwait, que se converteu
do Isle ao Cristianismo. No dia 29 de maio de 1996, ele foi julgado numa corte
religosa Kuwaitiana por apostasia22 e o juiz sentenciou que, sob a lei islarnica
"ele deveria ser morto." A partir de enter:), Robert apelou da decisao e deixou o
pals, entre outras razees, por questa° de seguranga. Sua situageo, no entanto,
ilustra o modo como os mugulmanos convertidos se() tratados em muitos paises
islarnicos.
Movimento Igrejas nos Lares na China - Viajando a noite, pregando e
falando durante o dia, os pastores das igrejas nos lares da China trabalham em
uma das mais perigosas vinhas do mundo. Eles carregam sempre a possibilidade
de serem presos pelo governo hostil, ao tempo em que dao suas vidas para
fortalecer e edificar o corpo de Cristo. De acordo corn o Centro de Pesquisa da
Igreja Chinesa, ha mais evangelicos na China que em outro pals qualquer do
mundo. Talvez 75 milhoes. Manter uma reuniao de crentes cristaos em casa é
ilegal. Aqueles que sea pegos sec) freantemente torturados, atraves do use de
agua fervente, para que confessem lealdade ao governo comunista chines. Muitos dos que são presos sec) mandados para campos de trabalho forgado, onde
Ihes sec) negados agua e comida, alem de serem torturados com choques eletricos.
Surpreendentemente, as pessoas ainda yam a esses congragamentos dornasticos, onde eles podem ouvir a proclamageo da palavra de Deus, partilhar suas
vidas com outros crentes.
C. Sudeo - As Nagees Unidas relatam que o governo militante Islamic° do
Sudeo, na Africa Central declarou uma batalha sisternatica contra os cristaos.
Desde 1982, 300.000 cristaos sudaneses foram mortos. A cada ano, centenas
de crentes cristaos se() vendidos a escravideo e levados a lugares onde tem que
trabalhar como escravos ou concubinas para seus mestres mugulmanos.
Apostasia:
separacao ou desergao do corpo constituldo ao qual pertencia. 2. Abandono da ft de uma igreja.
3. Abandono do estado religioso ou sacerdotal". c.f. FERREIRA. op. cit. p. 53.
ANTRA JUNIOR, Weller Jorge - A questao atual da intolerincia religiose
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Vietna - 0 governo do Vietna desencadeou uma agao de opressiva brutalidade, destinada a varrer o Evangelho e a Igreja Crista. Cristbos que professam
sua abertamente, sem se submeter ao controle governamental tern sido presos, aprisionados e sentenciados a reeducagao cultural.
Paises Comunistas - Enquanto no Ocidente numerosos cristäos so viam
no comunismo uma ameaga para a sua tranqUilidade e urn atentado as suas
liberdades politicas, e a sua seguranga econOmica; enquanto outros, mais clarividentes, se esforgavam por combater o comunismo no terreno social, nem por isso
perceberam a amplitude do drama religoso que o comunismo representou. Estes, como o prove a perseguigao, consideravam o cristianismo e a fidelidade aos
ensinamentos de Cristo como o major obstaculo a instauragao da sua ditadura e
ao triunfo do materialismo. A perseguigão pelos comunistas constituiu-se em Arias etapas, sendo uma delas, a mais cruel, a expulsao dos missionarios na China, exterminio na Albania e Bulgaria, campos de concentragao e trabalho forgado
na antiga URSS, pris6es na Romania, lugoslavia, Checoslovaquia e PolOnia.23
3. CONSIDERACOES AXIOLOGICAS SOBRE
A UBERDADE REUGIOSA
Na primeira parte deste estudo foram apontadas diversas definigOes ern
torno dos termos discriminacào, intoleráncia, religlao e crenga. Antes, por6m, de
se fazer qualquer consideragao valorativa sobre a liberdade religiosa, impbe-se
que o termo liberdade tambarn seja esmiugado. Existem Arias acepgOes da palavra liberdade, mas importa aqui destacar somente tits delas: a acepgão sOciopolitica, a acepgao psicolOgca, e a acepcao moral.
Aplicada ao piano social e politico, liberdade significa um estado de ausência de coerce() provinda do grupo, notadamente do poder publico. E Uwe, neste
sentido, o-individuo que pode fazer tudo o que nao a proibido pela lei. 0 (wilco
sentidc auténtico de liberdade politica dentro de urn regime democratico 6 o use
responsavel dos direitos e o exercicio consciente dos deveres.
Nesta ordem de idóias, importa ter presente a distingao entre liberdade
teOrica e real. A primeira 6 a mere permissao legal para agir; a segunda exige a
criagão de estruturas sociais que deism de fato a todos a possibilidade de agir, no
sentido de usufruir de seus direitos de homem e de cidadao. No sentido psicolOgico, "liberdade 6 a capacidade do ser rational e consciente de autodeterminar-
23 GALIER, Nbert. 0 Miro vermelho de Igreja Perseguida.
r ed. PetrOpolis: Vozes 1959. p. 11-23.
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Revista de Vivito; Procuradorla Geral do Estado de Goias, n o 22, Jan./Dez. 2002
se, ante a multiplicidade de alternatives de opgao que se the oferecem, em cada
situageo concreta, se identificando com o livre arbitrio. No sentido moral, liberdade é a condi* de urn ser imune de qualquer coergão que o impega de tender,
atraves de seus atos, a realize*, cada vez mais perfeita de sua natureza Nesse
sentido, a liberdade é risco e conquista. E risco enquanto, pelo seu preen()
indeterminismo, deixa ao homem nao se a gloria de optar pelo bem voluntariamente, mas tambem o tremendo poder de optar pelo mai, E conquista enquanto
exige do homem urn esforgo continuo de luta contra todas as forgas internas e
externas que comprometem a realize* de sua plenitude"24.
0 significado secio-politico do termo liberdade aponta para as garantias
que o ordenamento juridico de cada pals deve dar aos seus habitantes, provendolhes o direito de filiar-sea qualquer seita ou religi5o, bem como de abandonar a
que porventura professe, ou, ainda, de neo aderir a nenhuma delas. Je no piano
psicolegco, encontra-se a liberdade como uma situagao pessoal de autodeterminage°, de manifestar as convicgOes para corn uma ou outra vertente conforme
indique a consciéncia de cada individuo. 0 sentido moral, contudo, interessa sobremaneira a este estudo porque dele se origna a discriminageo corn relagäo a
outras seitas e religiees.
Quando se entende que a liberdade na sua acepgao moral constituiu-se
ern risco e em conquista, tornam-se limpidos os fundamentos da intolerancia
religiose. Concebendo-a moralmente como risco, notamos a divisOo de agues que
se de entre aqueles que optam pelo bem, atraves de uma convivancia harmoniosa, e aqueles que optam pelo mal, adotando atitudes de discrimina* e de
persegui*. No espectro da conquista, a liberdade demonstra ser urn escudo de
resistência contra investidas daqueles que desejam fazer prevalecer as suas convicgees sobre a dos outros. Nesse sentido, este o que a Revelageo Divine entende
por 'liberdade', sendo a liberdade de escolha que desabrocha em maturidade
humana. Afirma, plenamente, ainda que seja apenas como principio de
humanize*, o valor que se chama comumente 'liberdade de escolha': o ester
livre de coageo interne e externa, a possibilidade de auto-expressào esponténea,
o desdobramento do preprio juizo e do preprio modo de viver, a auto-causalidade
ou 'ser-causa de si mesmo', como ja explicava Aristeteles25
A Biblia, livro sagrado para os cristdos, tambem adotado corn algumas
restrigees ou ampliagees por umas e outras denominagees religiosas, contem a
Palavra de Deus pare os homens. Sobre o terra liberdade religiosa, pode-se apontar
como fundamentais as passagens dos livros de Romanos, capitulo 10, versiculos
14 AVILA. op. cit. p. 368-369.
KESSEL R van etalli. Conseieneia a nbandade. SA° Paulo: Herder, 1969 p. 12.
C1NTRA JUNIOR, Weiler Jorge - A questäo atual da Intolerincia religiose
47
12 e 13 (Porquanto nao ha diferenga entre judeu e grego, porque urn mesmo é o
Senhor de todos, rico para corn todos os que o invocam. Porque todo aquele que
invocar o nome do Senhor sera salvo) 26 e Apocalipse, capitulo 3, versiculo 20 (Eis
que estou a porta e bato; se *Liam ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa e corn ele cearei, e ele, comigo) 27 . Ambas as citagees denotam que
cada pessoa tern a liberdade de manifestar sua vontade pela aceitaceo ou nao do
Evangelho, ou parodiando Cristo, tendo a liberdade de abrir ou nee a porta.
Ao mesmo tempo em que Jesus demonstra a justeza de sua doutrina facultando aos homens aceita-la ou nao, Ele tambern adverte, profeticamente, os
que 0 aceitam a respeito das perseguicees que enfrentariam e das divisees que
haveriam de suportar. Assim se le no Evangelho de Mateus, capitulo 10, versos
17 e 18 (Acautelai-vos, porem, dos homens, porque eles vos entregarao aos
sinedrios e vos agoitarà o nas suas sinagogas; e semis ate conduzidos a presenga
dos govemadores e dos reis, por causa de mim, para Ihes servir de testemunho, a
eles e aos gentios)28.
Nota-se, portanto, que a liberdade vista como risco pelo engulo da moral
alia-se ao ser humano e segue-Ihe os designios, seja de forma a contribuir para
uma coexistencia de ideias diferentes, seja para provocar as mais duras segregagees conforme a palavra profetica de Jesus citada acima.
4. A DECLARA9A0
4.1. Conceit° e Meteoric°
Ern Direito Internacional PUblico, declaracão é o ato juridico, de cater
contratual, celebrado entre duas ou mais nacees e organismos
intergovernamentais, ou entre estes Ultimos, tendo em vista a proclamageo de
certos principios ou notificar outras nagees sobre circunstancias ou eventos determinados 29 . As declaracees podem ser inseridas sob o genero tratado, uma vez
que esta palavra "se refere a um acordo regido pelo direito intemacional, qualquer
que seja a sua denominageo"30.
Especificamente sobre a liberdade religiosa, os primeiros estudos sobre o
BiBLIA SAGRADA. Traducao em portugués per lo go Ferreira de Almeida, p. 130 (Novo Testamento).
27 Ibidem. p. 199 (Novo Testamento).
ni Ibidem. p. 10 (Novo Testamento).
2° AVILA. op. cit. p. 13.
3° ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulalto do Nascimento e. Manual de dIrelto Internacional. 12 8 ed. Sao
Paulo: Saraiva, 1996. p. 43.
48
Revista de Direito; Procuradoria Geral do Estado de Goias, n o 22, Jan./Doz. 2002
fenemeno da intolerhncia religiose ou por motivo de religiho no embito das Nagoes Unidas advern, porque lhe competem, da Subcomissho para Prevencho da
Discriminageo e Protecao das Minorias, nos anos 50. Deles emergiu uma serie de
principios sobre a liberdade de religiho e a nho-discriminacho religiose, corn base
nos quais, desde o inicio dos anos 60, a Assembleia Geral decidiu que se procedesse a elaboracâo de normasn
0 fundamento juridico para a atuacho das Nagees Unidas em defesa da
liberdade religiose este fixado no art. 1°, §3° da Carta de Sao Francisco, ao
consagrar a promocho do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentals entre os propasitos da ONU, estabelecendo o postulado essencial da naodiscriminageo por motivo de religiho, no mesmo nivel da nho-discriminacho por
raga, sexo ou idioma.
4.2. Injuncioes politicas
Como todo documento internacional que envolve a sujeigeo dos paises
signaterios, a Declaraqâo ern estudo teve seu conteado amplamente debatido de
forma que o seu resultado final pudesse atender aos anseios de todos. As discussees se prolongaram de tal forma que, ate 1978, somente se havia chegado ao
consenso sobre o anteprojeto do Preambulo32
0 momento histerico de elaboracho da Declaraceo, como se pode notar,
estava bem propicio as injungees da Guerra Fria. Ao passo que delegagees ocidentais defendiam a liberdade irrestrita, tendo ern mente sobretudo os dissidentes perseguidos e os judeus impedidos de sair do Leste europeu. Os paises do
bloco socialista criticavam as propostas ocidentais par se concentrarem exclusivemente na defesa dos direitos dos individuos que professam algum tipo de fe, sem
atencho para corn os direitos dos agnesticos e ateus e sem preocupagees corn a
ordem pUblica dos Estados33.
Nesse ponto, os paises socialistas tiveram exito nas sues exigencies qua:17
do viram inserida no art. 1° da Declaraciao a expressao ou qualquer crenga, garantindo o direito individual daqueles que ern nada cream ou nho praticam nenhuma
religiao.
Tambern houve pressho por parte dos paises islamicos, especificamente
a' ALVES. Jose Augusto Lundgren. A arquitetura Internacional dos direitos humanos. Sao Paulo: Mica. p. 198.
32 ALVES. op. cit. p. 198.
lbsclem. p. 198-199.
CINTRA JUNIOR, Weller Jorge - A guestäo atual de intolerancla religiose
49
quanto a apostasia, que a refutada pelo islamismo. A solugao encontrada foi
esposada no art. 8° da Declaraceo, em que se oferece alguma garantia ao direito
de mudar de religi5o, atravas de uma formula genarica estipulando que nenhum
dispositivo da Declora* fosse entendido de forma a restringir ou derrogar qualquer dos direitos definidos na Declaragao Universal e nos Pactos internacionais de
direitos humanos.
0 projeto da Declare* foi aprovado sem votos contrarios, mas corn 5
abstenciies, no hid° do anode 1981 e logo foi adotada por consenso na Assemblaia Geral, tendo sido finalmente proclamada pela Resolugão 36/55, da Assembleia Geral, em 25 de novembro de 1981.
4.3 Natureza, coMeódo e vaildade das normas
contidas na Declaraei o
As normas contidas na Declare* säo normas instituidoras de direitos
fundamentais, cujo conteOdo expressa urn reconhecimento pela ordem juriclica
de uma qualidade inerente a pessoa humana considerada como de relevante .
protecfio juridica. Assim, os direitos fundamentals cumprem a fun* de direitos
de defesa dos cidadáo sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num piano
juridico-objetivo, normas de competencia negativa para os poderes pUblicos, proibindo fundamentalmente as ingeräncias destes na esfera juridica individual; (2)
implicam, num piano juddico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos
fundamentals (liberdade positiva) por parte dos mesmos (liberdade negativa)34.
Em sua totalidade, a Declare* possui apenas 8 artigos. 0 art. 1° estabelece o direito a ampla liberdade de pensamento, bem como de consciancia e
religiäo. No art. 2°, a Declare* ja consign a proibicao de discriminacao por.
motivo de religiäo ou outra crenca e define, no paragrafo 2°, a intoleráncia e a
discriminacâo re!igiosa. 0 art. 3° declare que a discriminacho corn base na reli- •
gião ou crenca ofende a dignidade humana, seguindo o art. 4° enunciando o
dever de os Estados adotarem medidas eficazes para prevenir e eliminar toda
discriminagäo nesse sentido.
Ja o art. 5° diz respeito ao direito dos pais e tutores de organizar a vida
familiar em conformidade corn suas conviccOes, seguido pelo art. 6° que pormenoriza as manifestagees, do exercicio das liberdades de pensamento, consciäncia, religâo e crenca, explicitando as areas por etas abarcadas no tocante aos
CANOTILHO, J.J. Gomel.
Direito constitutional. Coimbra: AJmedina, 1993. p. 541.
50
Revista de Direito; Procuradoria Geral do Estado de Goias, n o 22, lan./Dez. 2002
cultos e outras ramificacOes sociais. 0 art. 7° dispOe que os direitos enunciados
na DecIaracao sera° garantidos nas legislagOes nacionais de forma que todas as
pessoas possam dela usufruir. 0 art. 8°, Ultimo do documento, foi como dito
anteriormente, a formula encontrada pelos paises laicos do ocidente para oferecer alguma garantia ao direito de mudar de religiao, objetado pelos paises mugulmanos35
ApOs a discussào e conclusâo da Deciaragáo, tendo sido ela firmada pelo
representante diplomatic° de cada pals, este fica obrigado a submeter o texto ao
Poder Legislativo, que podera aprovar o texto assinado pelo Poder Executivo. Neste ato, o Parlamento da seu assentimento para que se conclua o ato internacional
e, ao mesmo tempo, exterioriza sua aquieseancia a mathria nele contida, corn as
ressalvas de que o texto nao pode sofrer emendas, devendo ser instrumentalizado
por ato normativo, no caso brasileiro, por decreto legislativo.
Em seguida, deve ser publicado na Imprensa Oficial para ser observado
pelos particulares. Cumpridas as exigéncias da Constituic5o, o tratado, se for
auto-executavel, como o sac) as declaragOes de direitos, deve ser imediatamente
aplicado. Caso contrario, tambern em obediancia a comando constitucional, sera
preciso expedir regulamento para sua fiel execucão36.
0 esforco para se obter uma conclusbo se this normas sac> auto-executive's
ou nao pode ser abreviado se se observar que as NacOes Unidas atribuiram ao
direito de liberdade religiosa a condigeo idéntica dos direitos humanos fundamenthis Disso decorre a sua auto-aplicabilidade, a exemplo da Constituicao Federal
de 1988, que em seu art. 5°, §1°, atribui aos direitos fundamentais o status de
normas auto-aplicaveis, pois nao se concebe, ao menos em tese, direito inerente
a condi* de pessoa humana subordinado a implementagão legislativa.
5. A poragAo JURIDICA DA LIBERDADE RELIGIOSA
5.1. A Ilberdade religiose no direito comparado
Os Estados Unidos da Am6rica, pals onde a variedade cultural e religiosa
enorme, declaram na sua Constituicao que "o Congresso nao podera passar nenhuma lei estabelecendo uma religtho, proibindo o livre exercicio dos cultos". A
Declaracáo de Direitos da Virginia, de 12 de junho de 1776, expressa que "...
35 ALVES, op. cit. p. 199 - 200.
36 FRAGA, Mot& 0 =Mk° entre tratado Inteniaelonal a norma de Matto Intemo. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
4
4
'1'
CINTRA JUNIOR, Weller Jorge - A guestho atual da intolerincia religiose
51
todos os homens tern igual direito ao livre exercicio da religiao, segundo os ditames da consciencia"37.
Na Franca, a Declare* de Direito de 1789 enunciou o seguinte principio
em seu art. 10: "Ninguem deve ser inquietado por suas opini6es mesmo religiosas, desde que sua manifestagáo neo perturbe a ordem pablica estabelecida pela
lei". Mais tarde a Convenceo Nacional estabeleceu em 1795 a separaceo da
Igreja e do Estado. Napolea° em 1802 assinou uma concordata com a Igreja
Catelica, tornando-a a igreja oficial do Estado, podendo nomear bispos e arcebispos, e em 1803 confraternizou corn as igrejas protestantes. Novamente em 1905
foi votada a separagao da Igreja e do Estado38.
0 art. 124 da Constituicao da antiga União Sovietica (1936) declarava:
fim de assegurar a liberdade de consciencia ao cidadeo, a Igreja da URSS este
separada do Estado e a escola da Igreja.". Lenin em seu Socialismo e religião
afirma que "a religiao é uma das formas daquele jogo espiritual que, sempre e em
toda a parte, foi imposto as massas populares pela miseria" 38 . A maxima de que
"a religião é o Opio do pave" vem da doutrina de Lenin.
Trazendo a cola* um exempla mais recente, tem-se que da Peninsula
lberica surgju, em meados de 1998, um grande clamor popular por uma legislacao sobre o terra liberdade religiose. Existem \ferias manifestos espalhados pela
Internet e em urn deles pode-se ler o seguinte:
Hoje, embora a Constituicao diga que as igrejas estäo separadas do Estado, temos ainda ern vigor uma Concordata corn o Vaticano que concede privilegios
a Igreja CatOlica Romana, e segundo o criteria internacional os acordos entre os
värios paises tern prioridade sobre as suas leis internas. Sera que a nossa situacao é na pratica, muito diferente do que foi na epoca do nosso primeiro rei ? Nao
basta mudar a legslacao, se nä° houver vontade politica para a cumprir, e principalmente se nee houver a iniciativa da revogaceo da Concordata acabando-se de
vez com o secular complexo de vassalagem que vem desdeo nosso primeiro rei.4°
Essa busca por uma legislageo que regule a liberdade religiose em Portugal
este ligada primordialmente a relacao entre o Estado e a Igreja CatOlica, em
relaceo a qual as demais denominagOes permanecem a margem, em uma situacao de quase ilegalidade em funceo de nao serem reconhecidas como institui-
37 FERREIRA, Luiz Pinto. Corso de direito constitutional. 5° ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1991.
p. 114.
Ibidem. p. 115.
Ibidem. p. 115.
4° GRANDE, Camdo Mari nha.Terdando compreender a discdminacim religiose em Portugal. 1998, 3Pa gi nas. httig
iwww- iP.PU — i p2349 18/tentando.html. (Internet)
52
Revista de DIreito; Procuradorla Geral do Estado de Goias, n o 22, lan./Dez. 2002
goes religiosas e, sim, sociedades civis de acordo corn a Lei de Liberdade Religiose (Lei n o 4/71 de 21 de agosto de 1971).
Como se pode notar, nao se trata, ao menos em primeiro piano, de uma
discriminageo teolOgica ou calcada nos fundamentos de uma ou outra religjeo. 0
que ocorre é que o tradicionalismo dos lagos entre o Estado e a Igreja CatNice
impedem que outras religiaes se expandam legalmente naquele pals, o que acaba gerando uma situagao de desigualdade entre as denorninagOes religiosas, o
que é lamentavel.
5.2. A liberdade religiose no Brasil
A conquista constitucional da liberdade religiose é a verdadeira consagracao da maturidade de urn povo, pois é ela o verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestagão 41 . A abrangência do preceito constitucional
é ample (art. 5°, inciso VI), pois sendo a religjäo o complexo de principios que
di rigem os pensamentos, agues e adore* do homem para corn Deus, acaba por
compreender a crenga, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. 0 constrangimento
a pessoa human de forma a renunciar sua fe representa o desrespeito a diversidade democratica de labs, filosofias e a prOpria diversidade espiritual.
Saliente-se que na histOria das constituigOes brasileiras nem sempre foi
assim pois a Constituigao de 25 de margo de 1824 consagrava a plena liberdade
de crenga, restringindo, porem, a liberdade de culto, pois determinava em seu art.
5° que "a Relige° Catholica Apostolica Romana continuare a ser a Religiäo do
Impêrio. Todas as outras Religiees sera° permitidas corn seu culto domestic°, ou
particular em casas para isso destinadas, sem fOrma alguma exterior de Templo".
Porem, ja na 1° Constituigão da RepOblica, de 24 de fevereiro de 1891, no art.
72, §3°, foram consagradas as liberdades de crenga e de culto, estabelecendose que "todos os individuos e contissaes religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, obsmadas as
disposigaes do direito comum" 42 . Tal previsão foi seguida por todas as constituiVies ulteriores.
Assim, a Constituigao Federal de 1988, ao consagrar a inviolabilidade de
crenga religiose este tambern assegurando plena protegao a liberdade de culto e
41 CAVALCANR,Themistocles Brenda°. Principles gerals de &alto seance. 3 5 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p.
253.
42 MORAES, Alexandre de. Direlto constitutional. 6 a ed. revista, ampliada e atualizada corn a EC n° 22/99. Sao
Paulo: Atlas, 1999. p. 69.
CINTRA JUNIOR, Weiler Jorge - A questa° atual da intolerancia religiose
53
a suas liturgias. A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem a aparice() de minorias religiosas que defendiam o direito de cada urn a verdadeira fe,
de forma que esta defesa da liberdade religiose postulava, pelo menos, a dela de
tolerancia religiose e a proibicao do Estado em impor ao foro intimo do crente
uma religião oficial. Por este fato, alguns autores, como G. Jellinek, väo mesmo
ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos
fundamentais. Parece, porem, que se tratava mais da ideia de tolerancia religiose
para credos diferentes do que propriamente da concepcao da liberdade de religiao e crenca, como direito inalienevel do homem, tal como veio a ser proclamado
nos modernos documentos constitucionais.43
0 UR:lig° Penal Brasileiro, no Titulo V (Dos crimes contra o sentimento
religioso e contra o respeito aos mortos), Capitulo I (Dos crimes contra o respeito
aos mortos), em seu art. 208, tipifica o crime de "ultraje a culto e impedimento
ou perturbaceo de ato a ele relativo", estabelecendo pena de detengão de 1. (um)
més a 1 (um) ano, ou multa para aquele que "escarnecer de alguem publicamente, por motivo de crenga ou fun* religiose; impedir ou perturbar cerimOnia ou
pratica de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso". He previsào de uma causa de aumento em urn tergo da pena se houver
emprego de violancia, sem prejuizo da pena correspondente a esta.
Como citado anteriormente, um dos Cmicos casos (sena() o Unico) de processos levados a termo versando sobre discriminagão religiose no Brasil é o referente ao bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Sergio von Heide Luiz que no
dia 12 de outubro de 1995, perante as cameras da TV Record, chutou uma
imagem de uma santa. Ele foi condenado a dois anos e dois meses de prises:), por
crimes de discriminaceo religiose e vilipandio de imagem.
A sentence - a primeira proferida no Brasil envolvendo discriminageo religiose - é do juiz Ruy Alberto Leme Cavalheiro, da 12 a Vara Criminal. 0 magistrado
aplicou as penas no grau minimo (dois anos para a discriminacâo e dois meses
para o vilipéndio), determinando que fosse cumprida ern regime semi-aberto, por
ser o reu primario. 0 ineditismo da materia e a conseante ausancia de jurisprudancia obrigaram o juiz Leme Cavalheiro a intensas pesquisas para fundamentar
a decisao, que tern 16 laudas datilografedes. 0 Unico caso parecido encontrado
foi urn processo por discriminaceo politics, instaurado no Rio Grande do Sul,
contra um acusado de pregacao nazista."
43 CANOTILHO. op. cit. p.503.
" MAGALHAES. Justice condena bispo que chutou imagem de sante. 0 Estado de Sao Paulo, Sao Paulo, 30/04/
1997.
54
Revista de DireIto; Procuradoria Gera! do Estado de Goias, n o 22, lan./Dez. 2002
Outrodispositivo legal que pole ser invocado por alguma pessoa porventura
discriminada por outra 6 o art. 159 do COdigo Civil, que trata da responsabilidade
civil. No caso de violagao do direito de liberdade religiosa, como nao ha previsao
expressa, pode-se invocar a protecão contra o dano moral que atinja os direitos
personalissimos de cada individuo. Cabe observar, porem, que a tutela dos direitos da personalidade, sob o plan da responsabilidade civil - quer material ou
moral - nao a especifica. Inexiste uma previsao de tutela apenas aos direitos da
personalidade. Esta se insere em um contexto major e mais abrangente, cuja
protecâo e garantia este hoje expressamente prevista na Constituicao Federal
posta a lume em 5.10.88, quando assegura a indenizacao por dano moral e
afirma invioleveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
que se mostram especie da personalidade que a ganero45.
Outra forma de se tutelar a discriminacao por motivo religioso a pela via
constitucional. Sao inconstitucionais as discriminagOes nao autorizadas pela Lei
Maior. HO duas formas de cometer essa inconstitucionalidade:
Uma consiste em outorgar beneffcio legitima a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de pessoas ou grupos em igual situagab. Neste caso, nao se estendeu as pessoas ou grupos discriminados o mesmo
tratamento dado aos outros. A solucâo por tal ofensa ao princfpio da isonomia e
que os individuos discriminados postulem seus direitos perante o PoderJudicierio,
caso a caso. A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em impor obrigacao, dever, onus, sancao ou qualquer sacriflcio a pessoas ou grupos de pessoas,
discriminando-as em face de outros na mesma situagäo que, assim, permaneceram em condicees mais favoreveis46.
0 ato a inconstitucional por fazer discriminacao nao autorizada entre pessoas em situa0o de igualdade. Neste caso, ao contrerio, a solucao da desigualdade de tratamento nab este em estender a situacão juridica discriminateria a
todos, pois nao a constitucionalmente admissfvel impor constrangimentos desta
maneira. A solucao, enter), este na declaracão de inconstitucionalidade do ato
discriminatOrio em relacao a quantos o solicitarem ao Poder Judicierio, cabendo
tambarn a Nä° direita da inconstitucionalidade por qualquer das pessoas indicadas
no art. 103, da Constituicao Federal de 1988.
45 STOCO, Rut. Responsabilidade civil e sus interpretassiojurispnidencial. 4. ed. Sao Paulo: RT, 1999 p 692
e SILVA, losaAfonso do. Curse de &eke constitucloual positive. 8. S. Säo Paulo: Malheros, 1992. p. 207-208.
n
CINTRA JUNIOR, Weller Jorge - A questäo atual da Intoleráncla religiosa 55
CONCLUSA0
Ha uma maxima difundida pelo povo a qual enuncia que religiáo nä° se
discute. Exageros a parte, pode-se atribuir a essa frase popular uma nota de
sabedoria e de reconhecimento ao considers-la como aliada na defesa do direito
de liberdade religiosa. Bern se sabe, por ser notorio, que cada ser humano desenvolve o seu carâter de maneira diferenciada, levando consigo as impress6es do
aprendizado social, dentre elas as de carâter religioso.
Na histOria da evolugâo da humanidade, pOde-se constatar varios momentos em que esse vinculo de ligaceo entre o homem e o seu Deus foi questionado
e levado a situagOes extremas de dissolucto por causa das perseguicOes. Outros
grupos sociais, exercendo eventualmente o poder, se acharam legitimados a discutir a realidade religiosa de outros grupos, o que quase inevitavelmente terminava em banimentos, massacres e outras atrocidades.
Ja na vigência do constitucionalismo, principalmente nos stculos XVIII e
XIX, entenderam os Estados que a liberdade de conviccâo religiosa deveria ser
preservada como direito fundamental de todo homem, de forma que as constituicOes daquela epoca foram as origens desse direito. A separacão entre o Estado e
a Igreja tambem contribuiu de forma decisiva para a desinstitucionalizagáo das
perseguicOes, as quais involuiram para o nivel meramente ideolOgjco e, quando
muito, permanecem mascaradas em grupos sociais isolados.
0 advento do stculo XX pareceu ser o marco que aniquilaria corn a discrimina* religiosa. Mas isso nä° se mostrou uma verdade 0 secuIo que já se
findou foi considerado o mais sangrento em termos de perseguic6o religiosa,
carregando consigo estatisticas tenebrosas, principalmente em ratho da ideologia
dos paises socialistas e islernicos fundamentalistas.
Sabendo disco, a ONU pOs-se inquieta e disposta a criar urn documento
internacional que instituisse a liberdade de credo e que se tornasse referenda de
respeito a esse considerado direito humano. ApOs as discussOes-, em 1981, foi
aprovado urn texto de agrado geral para regular o tema: a Declaragâo sobre Eliminagio de Todas as Fomias de IntolerOncia e Discriminagáo Baseadas em Religiäo
ou Crenca.
A falta de uma convencâo que vincule os paises pactuant• a Declaragao
contem normas bem simples e diretas, constituindo-se em modelo para os Estados que desejem adotar legislagao nesse sentido. Aos que nab possuem tal legisem rail() da forte perseguicão imprimida ou sofrida, recta o texto da Declarack), respectivamente, como alerta de reprovagäo ou como instrurnento de fibertacão.
56
Revista de Direito; Procuradorla Geral do Estado de Goias, n o 22, lan./Dez. 2002
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ABSTRACT: Religious intolerance is a present issue not buried in
Ancient Times, Medieval Times or in the last century. Nowadays, in
the 21st century, groups there are that battle in the name of creed.
In 1981, United Nations issued a declaration stating the right of
religious freedom.
United Nations; international declaration; history;
religious intolerance; right of religious freedom.
KEY WORDS:
I
pia

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