Formalidade e Realidade José R. A. de Sant`anna * A sociedade em
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Formalidade e Realidade José R. A. de Sant`anna * A sociedade em
Formalidade e Realidade José R. A. de Sant’anna * A sociedade em geral e os operadores do Direito em particular compreendem perfeitamente – ou presume-se – que não poderia ser acidental ou desimportante o caráter de Constituição Cidadã da nossa Lei Magna. O grande Ruy já nos advertia: “Tratar os desiguais com igualdade e os iguais com desigualdade é desigualdade flagrante”. Não é pois sem razão que a nossa Carta, no particular, consagra o entendimento, expresso em várias passagens, da igualdade formal e da igualdade substancial. Já a própria Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 5º determina “que o juiz, ao aplicar a lei, deve ater aos fins sociais a que a ela se dirige e às exigências do bem comum”. Joaquim Falcão, jurista respeitável em estudo recente ousa atacar: “(...) Houve um momento, durante o autoritarismo, em que a doutrina jurídica imaginou outro país. De tanto imaginar formalizou a realidade. Perdeu contato com o Brasil real, através de um formalismo legal. (...) A justiça (...), fortemente baseada na equidade, pôde escapar com mais facilidade do fetichismo da lei, da armadilha do formalismo legal. Pois situação é insustentável onde a lei, (...) em vez de ser a expressão do interesse de todos é apenas a volúpia de poucos. (...) O país precisa que juristas e juízes recuperem essa indignação sem a qual a vida social não há. (...) Como se não existissem outros princípios jurídico-constitucionais que devem ser obedecidos”. A propósito então de todo esse intróito, passemos aos fatos, não por acaso, envolvendo protagonistas afrodescendentes, veiculados pela imprensa nacional que dão bem a medida desse fosso abismal decorrente do formalismo versus realidade trágica. No Rio, recentemente, dois jovens, no Morro da Providência, constatados fotograficamente, por helicóptero, foram executados depois de rendidos pela polícia por dez e doze tiros respectivamente. “O juiz do 3º Tribunal do Júri, ordenou o encerramento do caso a pedido da Promotora, para qual, o fato de os disparos terem sido feitos a 1,5 m de distância não comprova que eles tenham sidos assassinados sumariamente, ao contrário do que teria apontado o laudo cadavérico”. Outro fato: Na Baixada Fluminense, em São João de Meriti, foram encontrados mortos com sinais de tortura, dentro de um posso depois de terem ido a mas Casa de Espetáculo. Quatro jovens. Oito dos nove PMs acusados do caso estão em liberdade um ano após o crime, depois de presos por cinqüenta dias e liberados após pedido de “hábeas corpus” obtido na 6ª Câmara Criminal. O Desembargador acatou a decisão. O pedido de soltura a um dos policiais acusados, foi estendido para os outros presos. O advogado diz: “ Argumentei ilegalidade na prisão e falta de provas. È lamentável a morte dos quatro rapazes, mas a precipitação leva a impunidade”. Outro fato: Uma liminar do Juiz substituto da 7ª Vara Federal de Curitiba, derrubou o sistema de cotas para afrodescendentes e oriundos de escola pública adotado pela Universidade federal do Paraná. No despacho “O juiz compara à adoção das cotas prática de violência como meio de combater a violência e que a reserva de vagas afronta o princípio constitucional da isonomia e reforça práticas sociais discriminatórias”. O Procurador que entrou com a ação, cuja liminar foi acatada, argumentou: “Que à adoção de cotas é uma solução compensatória que não ataca o problema na raiz”. O Reitor da UFPR que irá recorrer, “ defendeu o sistema de cotas como uma ação afirmativa de inclusão racial e social, justa para a universidade e justa para a sociedade”. Felizmente e posteriormente, o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, suspendeu a liminar por “manifesto interesse público” e argumentou: “ A Constituição persegue a redução das desigualdades sociais e a igualdade de condições para acesso e permanência na escola. Uma das maiores aspirações da sociedade brasileira atualmente é a igualdade de oportunidade a todos. (...) O ensino público básico é ineficiente e, por isso os que buscam as universidades públicas e têm sucesso, na maioria dos casos, são egressos de escolas particulares e, conseqüentemente, de classe social mais alta”. Fica assim claro, sem dificuldade que é falsa a dicotomia entre o formalismo jurídico e a dura realidade social, marcadamente entre nós no Brasil. Isso nos leva inelutavelmente ao aforisma que também pode e deve se ajustar à nossa verdade social de que “ainda há juízes”. A tarefa de desbravar esse cipoal, ingente e diuturna já que as barreiras a suplantar envolve necessariamente o conhecimento, sensibilidade dos marcos histórico e cultural do nosso processo evolutivo como povo, nação e sociedade. Tal percepção natural e efetivamente no comprometimento de todos os nossos segmentos representativos, como não poderia deixar de ser, também, o mundo jurídico nacional e os seus operadores do Direito. Finalmente, a propósito, como bem lembra o notável mestre Mário Figueiredo Barbosa: “ A igualdade em todos as previsões constitucionais é sempre material, no sentido de que se devem tratar os desiguais de maneira desigual, equilibrando-os no plano concreto pelo desequilíbrio no plano jurídico”. * José R. A. de Sant’anna Advogado. Professor da Faculdade de Direito da UFBA. 2º Diretor-Secretário da ANAAD- Associação Nacional dos Advogados Afrodescendentes