ocupação humana no início do holoceno às margens de uma lagoa
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ocupação humana no início do holoceno às margens de uma lagoa
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS OCUPAÇÃO HUMANA NO INÍCIO DO HOLOCENO ÀS MARGENS DE UMA LAGOA CÁRSTICA NA REGIÃO DE LAGOA SANTA - MG (Early Holocene human occupation around a karstic lake of the Lagoa Santa region – MG: an interdisciplinary approach)1 André Menezes Strauss Orientador: Astolfo Gomes Araujo Co-orientador: Joel Barbujiani Sígolo MONOGRAFIA DE TRABALHO DE FORMATURA (TF-08/05) SÃO PAULO 2008 1 No abstract in English UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS OCUPAÇÃO HUMANA NO INÍCIO DO HOLOCENO ÀS MARGENS DE UMA LAGOA CÁRSTICA NA REGIÃO DE LAGOA SANTA - MG André Menezes Strauss _______________________________________________ Orientador: Astolfo Gomes Araujo _______________________________________________ Co-orientador: Joel Barbujiani Sígolo _______________________________________________ SÃO PAULO 2008 Strauss, André Menezes Ocupação Humana no Início no Holoceno às Margens de uma Lagoa Cárstica na Região de Lagoa Santa – MG / André Menezes Strauss – São Paulo. A.M. Strauss 2008. p. 94 il. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. 1. Geoarqueologia 2. Paleoíndio 3. Lagoa do Sumidouro Dedico Às amigas e parceiras Elisângela Cordeiro Pessoa Gabriella Talamo Fontaneta Sem elas não teria conseguido (literalmente). AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador prof. Astolfo Araujo por ter investido em minha formação. Ao meu co-Orientador prof. Joel Sígolo pelas profícuas conversas. Ao meu relator anônimo pelas correções dedicadas. Aos colegas Emiliano de Castro, Paulo Haddad e Michelle Tizuka pelo pioneirismo. Ao prof. Gergely Szabó pela ajuda com as seções delgadas. À Ximena Villagrán que não hesitou em nos ajudar quando foi preciso. Ao prof. Walter Alves Neves e a toda equipe do LEEH-USP por fazerem parte do meu lar acadêmico nos últimos cinco anos. À minha fabulosa turma da Geologia que tornou estes cinco anos muito agradáveis. À equipe do LabSed, pela paciência. Aos trabalhadores Bruno, Danilo, João, Mané e Newton por terem feito boa parte do nosso trabalho. À Fundação de Amparos à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo suporte financeiro. Sumário 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 6 2. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ......................................................................................... 7 3. GEOLOGIA REGIONAL ................................................................................................................ 7 4. GEOMORFOLOGIA REGIONAL ................................................................................................. 11 4.1. PAISAGEM CÁRSTICA: A EVOLUÇÃO DO TERRENO .......................................................... 15 4.2. PAISAGEM CÁRSTICA: A EVOLUÇÃO DAS CAVERNAS ...................................................... 16 5. EMBASAMENTO TEÓRICO ....................................................................................................... 18 5.1. EMBASAMENTO TEÓRICO: SUPERFÍCIES DE APLAINAMENTO ......................................... 18 5.2 EMBASAMENTO TEÓRICO: RETRAÇÃO DE VERTENTES ..................................................... 22 5.3 EMBASAMENTO TEÓRICO: PROCESSOS PEDOGENÉTICOS ............................................... 28 5.4 EMBASAMENTO TEÓRICO: AGENTES PEDOTURBADORES ................................................ 35 6. MATERIAIS E MÉTODOS .......................................................................................................... 39 6.1 MÉTODOS DE ESCAVAÇÃO e ETAPAS DE CAMPO ............................................................. 39 6.2 MAPA TOPOGRÁFICO E PERFIL ......................................................................................... 40 6.3 ANÁLISE GRANULOMÉTRICA ............................................................................................. 41 6.4 DATAÇÃO POR LUMINESCÊNCIA ÓTICAMENTE ESTIMULADA (LOE) ................................ 42 6.5 DATAÇÃO RADIOCARBÔNICA ............................................................................................ 45 7. RESULTADOS ........................................................................................................................... 46 7.1 DESCRIÇÃO DO SÍTIO E DAS SONDAGENS ......................................................................... 46 7.2 DATAÇÕES POR LUMINESCÊNCIA ÓTICAMENTE ESTIMULADA ........................................ 83 7.3 DATAÇÕES RADIOCARBÔNIBICA ....................................................................................... 84 7.4 ANÁLISES GRANULOMÉTRICAS ......................................................................................... 87 8. DISCUSSÃO e CONCLUSÕES .................................................................................................... 88 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 96 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho é ao mesmo tempo monografia de conclusão do bacharelado em Geologia (IGc – USP) e parte do Projeto Temático FAPESP (04/01321-6) intitulado “Origens e Microevolução do Homem na América: Uma Abordagem Paleoantropológica”, desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da USP. Este projeto, desde seu início, privilegia o olhar interdisciplinar fazendo com que pesquisadores de áreas tão distintas como Ciências Sociais, História, Arqueologia, Biologia, Odontologia, Medicina, Geografia e Geologia trabalhem juntos discutindo um tema em comum. Dentro deste Projeto Temático a identificação e escavação de sítios arqueológicos do início do holoceno, relacionados a uma ocupação humana denominada “paleoíndia” pelos arqueólogos, é uma das atividades de maior relevância. Em sua maioria, estes sítios estão localizados em abrigos calcários, nos quais as condições de preservação são quase ideais. Entretanto, é evidente que os antigos habitantes da região, ou paleoíndios, não viviam confinados em tais abrigos, de maneira que seria de se esperar que também fossem encontrados sítios arqueológicos a céu aberto. Nesse sentido foi realizado um grande investimento na prospecção de tais sítios, tendo sido detectados pelo menos dois sítios potencialmente antigos, ambos às margens da Lagoa do Sumidouro. Um deles, denominado Sítio Sumidouro, foi escolhido como objeto de estudo desta monografia, por ter apresentado materiais arqueológicos em níveis discretos, uma estratigrafia bastante profunda, com aproximadamente 2 m, e idades radiocarbônicas de até 8.300 anos AP. O estudo geoarqueológico a que nos propomos neste trabalho parte da observação de que a gênese do registro arqueológico, especialmente em sítios a céu aberto, é profundamente influenciada por fatores geogênicos. O trabalho do geoarqueólogo consistiria, portanto, em entender os processos de formação do sítio e com isso discernir as feições verdadeiramente antropogênicas das feições geogênicas. Este tipo de abordagem é fundamental para acabar com a idéia ingênua segundo a qual o registro arqueológico é como a Pompéia idealizada. Pelo contrário, onde quer que estudos geoarqueológicos tenham sido realizados revelou-se a enorme complexidade do registro arqueológico, explicitando que os mais simples pressupostos podem estar equivocados. No sítio arqueológico do Sumidouro não foi diferente. 2. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO O sítio arqueológico do Sumidouro encontra-se na margem da Lagoa do Sumidouro, localizada na divisa entre os municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, dentro da Área de Proteção Ambiental do carste de Lagoa Santa (APA Carste de Lagoa Santa). Esta região encontra-se cerca de 50km ao norte da capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte (Fig. 2-1). O acesso à Lagoa é feito por estradas vicinais que ligam aqueles dois municípios. As coordenadas UTM do sítio são 611004E 78388820S (Fuso 23 SUL). 44º 15º 46º SÃ F RANCIS O 40º 17º s da RI O MINAS GERAIS Rio Velhas 48º 50º 42º CO 19º APA Carste de Lagoa Santa Belo Horizonte 21º 100 km Figura 2-1. Mapa do estado de Minas Gerais, com a localização da APA Carste de Lagoa Santa (extraído de Piló, 2003). 3. GEOLOGIA REGIONAL O cráton do São Francisco ocupa uma posição interior na placa do Atlântico do Sul a qual se uniu no final do Neoproterozóico por uma série de orogenias. Está delimitado a sul e oeste pela faixa Brasília, a noroeste pela faixa Rio Preto, a norte pelas faixas Riacho do Pontal e Sergipana e a sudeste pela faixa Araçuaí, todas elas de gênese brasiliana (Alkmim, 2004). Das três principais unidades morfotectônicas que recobrem o cráton, notadamente o Aulacógeno do Paramirim, o Rifte Recôncavo-Tucano-Jatobá e a Bacia do São Francisco, apenas esta última é diretamente relevante para este trabalho. A Bacia do São Francisco apresenta área de cerca de 500.000km2, incluindo porções dos estados de Goiás, Minas Gerais e Bahia (Fig. 3-1). A leste e a oeste seus limites coincidem com os do cráton enquanto que a norte e, principalmente a sul, os limites são de natureza erosiva. A estratigrafia desta bacia intra-cratônica registra os mais distintos ambientes tectônicos nos mais distantes períodos da história do planeta. Assim, na base da bacia encontra-se o Supergrupo Espinhaço formado há cerca de 1,75 Ga durante a tafrogênese Estateriana. Segundo Brito-Neves (1996), os quartzitos e filitos do referido super-grupo teriam preenchido os ramos de um sistema ensiálico de riftes. Figura 3-1. Mapa geológico simplificado do cráton do São Francisco (Alkmim et al. 1993) Acima do Supergrupo Espinhaço localiza-se o Supergrupo São Francisco, constituído pelo Grupo Macaúbas e pelo Grupo Bambuí. O grupo Macaúbas é constituído por arenitos e diamictitos que foram depositados durante a glaciação Sturtiana. Nas porções mais interiores ao cráton registra-se uma glaciação de caráter continental, enquanto nas regiões mais próximas às faixas que o bordejam o registro indica uma glaciação marinha. Já o Grupo Bambuí consiste em sedimentos argilosos e carbonatados Neoproterozóicos que ocupam todo o lado oriental da Faixa Brasília e recobrem o Cráton do São Francisco. Registra uma transgressão marinha generalizada e marca o comportamento flexural de antepaís que o interior cratônico passou a exibir como resposta à sobrecarga criada pelo desenvolvimento dos cinturões orogênicos brasilianos à sua volta, iniciando-se pelo desenvolvimento da Faixa Brasília. A litoestratigrafia do grupo atualmente é dividida em seis formações: Jequitaí, Sete Lagoas, Serra de Santa Helena, Lagoa do Jacaré, Serra da Saudade e Três Marias. Essa seqüência litoestratigráfica apresenta-se mais ou menos constante através dos estados de Goiás, Minas Gerais e Bahia, apesar das variações de tamanho das lentes carbonáticas e da espessura relativa das diversas formações. O grupo recobre em discordância tanto o embasamento como os metassedimentos dos grupos Araí e Paranoá. O início da sedimentação do Grupo Bambuí, também representado pelos conglomerados basais Lagamar, Carrancas e correlatos, está provavelmente relacionado a um sistema montanhoso adjacente referente às frentes de empurrão da faixa de dobramentos Brasília (Thomaz et al., 1998). As datações disponíveis colocam a base do Grupo Bambuí no final do Neoproterozóico (Tabela 3-1). O degelo no fim da glaciação propiciou as condições necessárias para a instalação de um ambiente marinho e o início da deposição dos sedimentos argilo-carbonáticos sobre a área cratônica do São Francisco. Esse conjunto sedimentar, que sucede a glaciação Jequitaí, é representado por três megaciclos regressivos, sendo que cada um é iniciado por uma rápida trangressão marinha de amplitude regional, associada a uma brusca subsidência da bacia traduzida pela aparição de fácies argilosa de ambientes marinhos profundos passando a fácies de plataforma rasa e fácies litorâneas Tabela 3-1. Idades Radiométricas mais representativas para o Grupo Bambuí Isócronas Rb-Sr em rocha total (RT) – folhelhos e siltitos Isócronas Rb-Sr em fração fina (<2 ) – folhelhos e siltitos Determinação K-Ar em fração fina (<2 ) – 590 a 640 Ma (Razão inicial= 0,711 a 0,714) 570 a 640 Ma (Razão inicial= 0,708 a 0,720) 480 a 580 Ma folhelhos e siltitos Isócrona Pb-Pb em calcários 690 ± 70 Ma Isócrona Pb-Pb em galenas (curva de 1850 ± 150 Ma e 650 ± 50 Ma evolução) Composição isotópica do Sr em calcários ~ 595 Ma (Extraído de Thomaz et al. 1998) O primeiro megaciclo de regressão ficou registrado na Fm. Sete Lagoas em cuja base estão presentes calcilutitos cinza-escuros que dão lugar, nas posições mais elevadas da estratigrafia, a calcários e dolomitos, caracterizando uma sequência granocrescente. O segundo megaciclo ficou registrado na Fm. Serra de Santa Helena, cuja natureza essencialmente argilosa indica uma subsidência brusca e generalizada que é seguida pela deposição dos calcários cinza-escuros da Fm. Lagoa do Jacaré, que apresenta sua gênese ligada à ação de correntes de maré e tempestade. Por fim, o terceiro megaciclo ficou registrado na Fm. Serra da Saudade que foi sedimentada em ambiente de plataforma profunda e pela Fm. Três Marias, predominantemente arcoseana, depositada em ambiente de plataforma rasa dominada pela ação de tempestades e correntes litorâneas. No que diz respeito especificamente à Fm. Sete Lagoas, ela foi originalmente dividida em Fácies Pedro Leopoldo e Fácies Lagoa Santa (Schöll, 1976). Posteriormente Tuller et al. (1992) elevaram estas fácies à categorias de membros. O Membro Pedro Leopoldo corresponde às porções basais em que se encontram intercalações de leitos finos de pelitos e camadas médias de calcissiltitos. Seu contato com o embasamento é abrupto e discordante, sugerindo que seja decorrente de falhas de deslocamento. O Membro Pedro Leopoldo apresenta espessura máxima na ordem dos 100 metros. Já o Membro Lagoa Santa, que ocorre no interior do planalto cárstico, é composto por calcários, calcissiltitos, brechas, estromatólitos e milonitos. Seus calcários são famosos pela pureza na ordem dos 90% de CaCO3. Segundo Piló (1998) ocorrem preferencialmente entre as cotas 850 a 650m, e é nestas rochas que boa parte do desenvolvimento cárstico tomou forma. 4. GEOMORFOLOGIA REGIONAL A primeira descrição geomorfológica da região de Lagoa Santa foi feita por Lanari em 1909, que já atentava para a natureza cárstica do terreno. Entretanto, foi só com o trabalho de Tricart em 1956 que os primeiros modelos genéticos foram propostos. A presença esporádica de formas calcárias na região não permite classificá-la como caracteristicamente cárstica. Para ele, a presença dos altos paredões era decorrência de erosão diferenciada entre as rochas metamórfica encaixantes e as rochas carbonáticas. Segundo ele, ainda que estas estivessem originalmente sobrepostas, processos geradores de falhas teriam colocado-as lado a lado em algumas regiões, gerando assim os escarpamentos retilíneos. No mesmo ano Lester King publicou seu trabalho atribuindo aos seus ciclos denudacionais o relevo cárstico da região de Lagoa Santa (Piló, 1998). Em 1977 Journaux caracteriza o carste de Lagoa Santa como pouco evoluído devido à ausência de depressões alargadas com testemunhos residuais no centro. Para ele, os paredões seriam resultado do aprofundamento gradual de dolinas periféricas a eles. Bálazs (1984) apresenta idéia oposta segundo a qual o rebaixamento do terreno teria levado ao recobrimento dos morros remanescentes por sedimentos provenientes de lagos, rios e abatimentos de vertentes. Este é um dos poucos autores que colocam o início do desenvolvimento da carstificação da região de Lagoa Santa em pleno Mesozóico. Segundo ele, os resíduos do carste foram várias vezes exumados e sepultados, e o processo atual de exumação está ocorrendo desde o fim do terciário (Piló, 1998). No final da década de 1970, Kohler elaborou a primeira carta comentada sobre a geomorfologia da região. A compartimentação fisiográfica proposta por ele será a adotada no resto deste trabalho e, portanto, será descrita em detalhes. Ao sul do Planalto de Lagoa Santa encontra-se a Depressão de Belo Horizonte, que é limitada a SW-NE pela escarpa da Serra do Curral. O relevo foi elaborado sob clima tropical e é constituído por um típico sistema de morros policonvexos desenvolvido sobre rochas graníticas. A drenagem é feita pelo Córrego dos Arrudas, tributário do Rio das Velhas. A leste o Planalto de Neves apresenta-se como um grande plano inclinado cujas arestas delimitam o limite entre a bacia do Rio das Velhas e a do Rio Paraopeba. O relevo é acidentado, marcado por esporões alongados separados por amplos vales. A drenagem intensa, direcionada majoritariamente ao Ribeirão da Mata, é abruptamente interrompida pela soleira migmatítica da Serra dos Ferradores. O Ribeirão da Mata separa o Planalto de Neves, a leste, do Planalto de Lagoa Santa, a oeste. Este rio apresenta direção NW-SE em seu alto curso, mas, após receber o Córrego das Areias inflete radicalmente, em forma de cotovelo, para leste. Após esta inflexão ele passa a drenar a Depressão de Vespasiano. Esta depressão apresenta relevos moderados e está encaixada entre o front da cuesta do Planalto de Lagoa Santa, a norte, e o relevo do embasamento a sul. O Planalto de Lagoa Santa encontra-se entre as cotas 650m e 900m. A sul é delimitado pela Depressão de Vespasiano, a leste pelo Planalto de Neves e a norte pela Depressão de Sete Lagoas. Desenvolve-se sobre rochas filíticas e carbonáticas, nas quais se desenvolve o relevo cárstico característico deste compartimento geomorfológico. O flanco norte do Planalto de Lagoa Santa foi dissecado por processos erosivos, dando origem à depressão de Sete Lagoas a uma cota de cerca de 750 metros. O bloco interfluvial Rio das Velhas – Ribeirão da Mata (IRV) é a unidade de relevo na qual se insere a Lagoa do Sumidouro. Sua topografia é decorrência do escalonamento sub-horizontal das litologias que o compõem. No extremo oeste aloja-se o vale do Ribeirão da Mata. Adjacente a ele erguese a Serra dos Ferradores, em cujo topo encontram-se os filitos da unidade Serra de Santa Helena. Trata-se do ponto mais alto do bloco interfluvial. A partir dele estabelece-se, para leste, uma redução altimétrica escalonada, que culmina nas planícies cársticas. Estas por sua vez estabelecem a conexão hidrológica entre o carste e o Rio das Velhas. Os relevos não cársticos constituem 30% do interflúvio e se desenvolveram ou sobre o embasamento, ou sobre a unidade dos calcifilitos ou sobre os próprios filitos. O primeiro caso tem pequena expressão em área, estando presente apenas no vale do Ribeirão da Mata e nas soleiras da Serra dos Ferradores. Já os calcifilitos estão presentes na Depressão de Vespasiano, nas bordas do Planalto de Lagoa Santa e na região do Fidalgo. Eles constituem o embasamento impermeável do carste, podendo apresentar feições cársticas em função da corrosão de lentes de carbonato neles contidas (Kohler, 1989). Os filitos estruturam o cume dos alinhamentos serranos de Confins e da Serra dos Ferradores, localizados entre 830-850 metros de altitude. A superfície delimitada por estas serras seriam remanescentes da Superfície Sul-americana estabelecida por King (1956), cujos topos caracteristicamente apresentam-se aplainados e alongados na direção SE-NW. Os relevos cársticos constituem 70% do IRV. Segundo Kohler, eles podem ser divididos em quatro unidades fisiográficas distintas. A primeira delas corresponde aos “Desfiladeiros e abismos com altos paredões”, que se encontram nas cotas mais altas do calcário. Este compartimento encontra-se próximo à cidade de Matozinhos, onde um corredor deprimido estabeleceu-se no sentido SW-NE, criando uma conexão entre a planície do Mocambeiro e o compartimento do Ribeirão da Mata. O compartimento dos “Cinturões de Ouvalas” localiza-se dentro de uma depressão irregular, marginal ao flanco leste da Serra dos Ferradores, na qual há um alto índice de ocorrência de ouvalas. O “Planalto de Dolinas” situa-se abaixo das cotas de 800 m e a cima das cotas de 700 m. As dolinas apresentam um alinhamento SW-NE sugerindo um rígido controle estrutural em sua gênese. Alguns dos sítios arqueológicos mais conhecidos estão inseridos neste compartimento fisiográfico, como são os casos de Cerca Grande, Lapa Vermelha e Lapa do Santo. O último compartimento fisiográfico estabelecido por Kohler são as “Planícies Cársticas (poljés)”. Os poljés são uma forma típica dos terrenos cársticos. Segundo Piló (1998:57): “... polje é uma ampla depressão fechada, com comprimentos e larguras que chegam a dezenas de quilômetros de largura, com paredes abruptas, fundo plano rochoso ou, mais comumente, recoberto por argilas de descalcificação, aluviões ou depósitos lacustres”. Segundo Gams (1978, Apud Piló, 1998) para se classificar uma depressão como polje ela precisa apresentar um largo piso horizontal de rocha ou material inconsolidado, uma bacia fechada com bordas íngremes, pelo menos em um lado, e drenagem tipicamente cárstica. A gênese do poljé está profundamente relacionada com algum fator que impeça o prosseguimento do entalhamento vertical do terreno. Assim, quando a erosão atinge uma rocha insolúvel ou o nível de base, o vetor erosivo horizontaliza-se levando à dissolução progressiva das bordas da depressão. O compartimento das planícies cársticas localiza-se abaixo dos 670 metros de altitude com uma superfície contínua de mais de 4 quilômetros quadrados. Ambas planícies cársticas do IRV, a do Fildalgo e a do Mocambeiro, estão próximas ao Rio das Velhas e são alimentadas por águas autóctones do carste e periodicamente são inundadas pelas águas do aqüífero cárstico. A Lagoa do Sumidouro ocupa cerca de 80% da planície do Fildalgo, um amplo vale cego alimentado pelo córrego do Samambaia. O fundo da lagoa é constituído por calcifilitos impermeáveis, o que condicionou o seu desenvolvimento lateral. Inclusive, segundo Journaux et al. (1978. Apud Kolher 1989), a presença de quartzo no edifício rochoso do Rochedo do Fidalgo sugere uma fácies próxima ao calcifilito. O sítio arqueológico do Sumidouro, foco do presente trabalho, situa-se na margem sudoeste da Lagoa do Sumidouro, próximo ao Rochedo do Fidalgo. 4.1. PAISAGEM CÁRSTICA: A EVOLUÇÃO DO TERRENO Em meados do século XIX, o termo karst passou a ser empregado para se referir a uma região específica do nordeste da Itália e noroeste da Eslovênia, na qual se desenvolveram os primeiros estudos sobre o tema. A escola geográfica de Viena, da qual era integrante A. Penck, foi quem primeiro elaborou estudos teóricos sobre este tipo de relevo. São dessa época as noções de que o carste é um relevo característico de áreas onde ocorrem rochas solúveis, sendo a água o principal agente na evolução do terreno. Já no século XX, com os trabalhos de Tricart, deu-se grande atenção à influência do clima na morfologia da região cárstica (Piló, 1998). Ainda que as contingências estruturais do relevo cárstico do IRV possam remontar ao pré-cambriano, a gênese da atual configuração morfológica do terreno teve início no Terciário, com os ciclos denudacionais Velhas. Estes ciclos entalharam, durante o Terciário Médio, a superfície Sul-americana que se estendia por todo bloco interfluvial nas cotas superiores a 900m. Nesta época, o Rio das Velhas passava diretamente sobre o bloco interfluvial e não à sua margem como ocorre atualmente. Ao invés de ser tributário do Rio São Francisco, o Rio das Velhas teria sido tributário do Rio Paraopeba, correndo no sentido NW pelo o que hoje é o vale do Ribeirão da Mata, justamente no contato entre o embasamento e a cobertura carbonática. Assim, se poderia explicar o super dimensionamento do vale do Ribeirão da Mata, cujos mais de 100 metros de largura são incompatíveis com o atual fluxo hídrico. Conforme entalhava a Superfície Sul-americana do IRV, o paleo Rio das Velhas depositava os seixos que hoje podem ser encontrados entre as cotas 850m e 900m. Quando no Pleistoceno Médio a dinâmica denudacional enfim exumou as rochas carbonáticas, o paleo Rio das Velhas se tornou um rio cárstico, depositando grande quantidade de seixos rolados e sedimentos nos condutos. Segundo Kohler (1989:57): “A própria evolução do relevo cárstico só pode ser explicada com um fluxo de água muito maior que o atual, que gira em torno de 3 metros cúbicos por segundo. O volume atual do Rio das Velhas, da ordem de 200 metros cúbicos por segundo, explicaria e justificaria os processos paleocársticos responsáveis pela configuração atual do Relevo”. Uma vez exumadas as rochas carbonáticas, tem início o desenvolvimento do relevo exocártisco com suas características vertentes decapeadas e verrugas. Os vales cegos são represados e as vertentes dos paredões assumem um perfil côncavo da base para o topo, gerado pelo contato com as águas das lagoas temporárias. Finalmente, no Pleistoceno Inferior, algum processo tectônico teria gerado um adernamento do IRV para SE, acarretando uma mudança radical do curso do rio das Velhas e na instalação do Ribeirão da Mata com seu curso anômalo no sentido NW-SE. 4.2. PAISAGEM CÁRSTICA: A EVOLUÇÃO DAS CAVERNAS Em sua grande maioria as cavernas da região de Lagoa Santa ocorrem como passagens secas no fundo de dolinas ou na base de maciços calcários e apresentam padrão anamostosado. Comumente o assoalho e a parede das cavernas estão cobertos por sedimentos, evidenciando uma dinâmica policíclica de sedimentação. Segundo Auler (1999), os condutos cársticos de Lagoa Santa foram gerados majoritariamente por paragênese. Afinal, em muitas cavernas não existem juntas no teto, atestando que o nível inicial do conduto não correspondia ao do teto atual. No lugar das juntas encontra-se um canal meandrante, sugerindo um fluxo lento de água não saturada. Como os tetos das cavernas de Lagoa Santa não são muito planos, assume-se que a paragênese não atingiu o lençol freático. Entender a cronologia envolvida na gênese dos condutos é fundamental para entender a própria dinâmica da evolução de todo relevo do IRV, já que o início das carstificação é correlato com a exumação das rochas carbonáticas. Ainda que King (1956) e Kohler (1989) tenham, respectivamente, sugerido que o início da drenagem dos condutos ocorrera no Plioceno e no Pleistoceno, foi apenas a partir do trabalho de Piló (1998) que métodos mais precisos foram utilizados para abordar a questão. Através de uma série de datações em Urânio, ele estabeleceu uma taxa de incisão para a dolina em estudo de 110m/Ma. Extrapolando este valor para a altura que existiu entre o assoalho da dolina e a superfície Terciária Sul-americana, Piló (1999) estabeleceu que a idade máxima para a exumação das rochas carbonáticas seria de 1.9 Ma. Entretanto, Auler (1999) identifica uma série de problemas nas premissas utilizadas por Piló (1998), como a de que existiria uma superfície de aplainamento Terciária ou de que o nível de calcita datada realmente seja contemporâneo ao assoalho da dolina. Apesar das críticas, as idades oferecidas por Auler (1999) para a exumação das rochas carbonáticas (1.93.7Ma) se baseiam na pura extrapolação das taxas de denudação cratônicas estabelecidas por Harman et al (1998). Ainda assim, Auler (1999: 138) afirma que: “Estes dados demonstram que o desenvolvimento das cavernas começou ainda no meio do Terciário, e que o começo da drenagem e carstificação antes do Pleistoceno. A antiguidade das cavernas de Lagoa Santa é ainda sustentada pelo fato de que muitas cavernas são atualmente meros resquícios em cima das torres cársticas”. De qualquer maneira, não há duvida de que as cavernas apresentam evidência inconteste de eventos pretéritos de aporte e erosão de sedimentos. Assim como ocorre em superfície, os ciclos de sedimentação clástica das cavernas é fortemente controlado pelos ciclos paleoclimáticos. Entretanto, enquanto em superfície o registro sedimentar é completamente obliterado por eventos mais recentes, dentro das cavernas existem muitas possibilidades para que haja a preservação deste registro. Em regiões cratônicas o quadro é ainda mais interessante, pois as baixas taxas de rebaixamento do nível de base faz com que as cavernas permaneçam por um período muito mais longo na zona de atividade hídrica. O resultado disso é um registro sedimentar policíclico de longa duração que foi afetado por diversos eventos de mudanças climáticas. Atualmente, o Carste de Lagoa Santa encontra-se numa fase de remoção ativa de sedimentos das cavernas que deve ter se iniciado após a última glaciação (Auler, 1999). Em regiões onde o aporte de sedimento é majoritariamente originado das vertentes das dolinas, como é o caso da Lagoa Santa, os períodos de seca são os que mais contribuem para o preenchimento da caverna. Já a erosão ocorre nas épocas de transição de climas úmidos (nos quais se desenvolveriam espeleotemas) para climas secos, que induziriam a erosão do solo. 5. EMBASAMENTO TEÓRICO 5.1. EMBASAMENTO TEÓRICO: SUPERFÍCIES DE APLAINAMENTO Durante o século XIX James Hutton introduziu a idéia revolucionária de que pequenas mudanças acumuladas durante longos períodos de tempo seriam capazes de explicar a conformação atual do planeta. Do ponto de vista geomorfológico, isto era o mesmo que afirmar que processos denudacionais subaéreos de ampla extensão seriam capazes de modelar a paisagem tal qual ela se apresenta hoje. Em 1883 W. M. Davis começou a desenvolver seu conceito de “ciclo geográfico” segundo o qual as paisagens, assim como os organismos, avançavam sucessivamente por estágios juvenis, maduros e senis. Eventualmente, em decorrência de algum tipo de soerguimento tectônico, os terrenos senis voltavam ao início do ciclo. No fundo, a teoria de Davis era profundamente marcada por elementos evolucionistas não Darwinianos. Afinal, apesar do termo “ciclo” aparecer no próprio título da teoria, ele só se realizava fora da dinâmica evolutiva proposta por Davis. Para ele, o processo erosivo tinha início logo após o soerguimento tectônico. Nos primeiros momentos deste processo, o relevo jovem apresentava rios que entalhavam rapidamente seus vales, levando a uma rápida evolução da paisagem regional. O estágio maduro seria caracterizado pelo desenvolvimento de meandros em vales aluvionares. Outro critério era a remoção total das superfícies inter-fluviais da paisagem regional. Já o estágio senil, é mais difícil de ser caracterizado pois apresenta em relação ao maduro apenas diferenças quantitativas e não qualitativas. Assim, Davis sugere que em estágios senis os vales fossem muito mais largos do que a área de alcance dos meandros que o cortavam e que seriam invariavelmente preenchidos por material aluvionar. Segundo Davis, regiões tectonicamente estáveis que foram submetidas a longos períodos de erosão e intemperismo tenderiam a apresentar uma paisagem que ele chamou de “peneplano”. O prefixo “pene” é uma derivação do latim que significa “quase”. Portanto, o peneplano nada mais é do que uma superfície regional com relevo pouco acidentado, baixas altitudes absolutas, e que foi gerado pela ação continua e prolongada da erosão fluvial. Em contraposição quase que absoluta às idéias de Davis estão as idéias de Walther Penck. Este cientista alemão morreu antes de publicar seus trabalhos, de maneira que grande parte de sua produção foi levada ao público de língua inglesa por outros pesquisadores, dentre eles o próprio Davis. Penck aceitava a idéia de que as paisagens poderiam ser reduzidas às formas finais de baixo relevo, mas sustentava que estas formas jamais voltavam a ser o ponto de partida para novos episódios de dissecação. Uma diferença fundamental entre a teoria de Penck e a de Davis é que, enquanto este último via os processos de soerguimento crustal como eventos quase instantâneos, o primeiro acreditava que estes eventos começavam com baixa intensidade e aos poucos iam se intensificando até atingir uma taxa máxima de soerguimento, após a qual o ritmo ia diminuindo até eventualmente cessar. Segundo Penck, os estágios iniciais do soerguimento, enquanto ele ainda é lento e gradual, levam à destruição das paisagens pretéritas gerando uma nova superfície pouco acidentada. É sobre esta nova superfície que os eventos decorrentes agiriam. Penck nega categoricamente a possibilidade de que distintas formas de relevo pudessem se suceder numa seqüência temporal. Isso porque as vertentes, uma vez desenvolvidas, retrairiam paralelamente a si próprias, conservando assim sua morfologia inicial até que interceptassem outra vertente. Juntando esta idéia com sua maneira de entender o processo de soerguimento crustal, Penck foi capaz de oferecer uma explicação inédita para os perfis côncavo-convexos tão típicos das vertentes. Os topos convexos seriam resultado dos períodos nos quais haveria uma aceleração positiva da taxa de soerguimento. Quando a taxa se mantinha constante as vertentes ficam planas e, quando a aceleração era negativa, formavam-se os perfis côncavos. Os geomorfólogos que vieram após Penck deram continuidade as suas idéias na forma dos “pediplanos”. Ao retraírem, as vertentes deixam em suas bases o pedimento: um material residual que se acumula em baixo ângulo. Conforme as vertentes retraem paralelamente a si mesmas, elas deixam em seus caminhos verdadeiros campos de pedimentos recobertos por matacões e pedimentos mais antigos. A estas camadas de pedimento chamou-se pediplanos. Numa mesma paisagem é possível que diversas gerações de pediplanos coexistam e interajam entre si. Nesta perspectiva não há uma seqüência de paisagens que se sucedem no tempo já que, uma vez formados, os pedimentos são estáveis e imutáveis. Na década de 1960 Hack propôs a teoria de que as paisagem se encontrariam num estado de equilíbrio dinâmico. Profundamente influenciado pela teoria dos sistemas, Hack enxergava o relevo como um sistema físico aberto no qual variáveis interdependentes se regulariam num processo homeostático. Na analogia pictórica recorrentemente utilizada pelos estudiosos da teoria dos sistemas, o redemoinho formado no fundo da pia seria o melhor exemplo de um sistema em equilíbrio dinâmico. Neste caso, a forma (estrutura) do redemoinho está em equilíbrio, ainda que haja um fluxo constante de matéria através dele. Assim, o que caracteriza e define o redemoinho não é exclusivamente a matéria que o compõe, mas sim os aspectos relacionais desta que geram a estrutura emergente reconhecida como o redemoinho. Para Hack a paisagem seria como o redemoinho: uma estrutura necessária que emerge das relações estabelecidas pelas partes que a compõem. Para ele, a maioria das paisagens que haviam sido consideradas como maduras dentro da perspectiva Davisiana nada mais eram do que superfícies em equilíbrio dinâmico, sem conotação alguma de desenvolvimento seqüencial. Ainda que Hack se colocasse contra o modelo cíclico de Davis, é impossível não reparar que seu próprio modelo também é sequencial. A diferença reside no fato de que para Hack o estágio de equilíbrio dinâmico ocuparia quase que a totalidade do processo de desenvolvimento do relevo. Outra importante extensão da idéia de pediplanação de Penck é o conceito de superfície de aplainamento, fundamental na geomorfologia de áreas tectonicamente estáveis. Estas superfícies são facilmente reconhecíveis na paisagem e se encontram distribuídas em ampla extensão territorial em continentes como África, Austrália e América do Sul. Lester King foi quem popularizou a idéia a partir de um modelo no qual uma série de superfícies erosivas delimitadas por escarpas se formavam em decorrência de eventos globais de soerguimento crustal. Entretanto, conforme alerta Auler (1999), uma das premissas centrais da teoria de King é a existência de episódios de rápido soerguimento crustal. Entretanto, Gilchrist e Summerfield (1991) privilegiam um modelo no qual o soerguimento é contínuo e devido a causas isostáticas. Assim, após o evento tectônico de soerguimento gerado pela separação dos continentes, a altimetria do interior do cráton permaneceria constante já que o soerguimento isostático estaria em equilíbrio com as taxas de denudação. Harman et al. (1998) calcularam as taxas de denudação para o cráton de São Francisco através da análise da “fission track” da apatita e chegaram a um valor entre 20 e 40 metros por milhão de ano. Além disso, eles também identificaram um aumento na taxa de denudação conforme se aproxima da margem passiva. Amaral et al (1997) realizaram estudos similares e chegaram a taxas na ordem de 18m/Ma. Auler (1999) analisou as inversões paleomagnéticas dos sedimentos de uma caverna localizada no norte do Cráton de São Francisco e estabeleceu uma taxa entre 25-34m/Ma para o rebaixamento do nível de base regional. No Brasil as superfícies de aplainamento foram determinadas pelo próprio Lester King num trabalho de 1956. Segundo ele, era possível identificar cinco principais superfícies a que ele chamou de Gondwana, Pós-Gondwana, Sul-americana, Velhas e Paraguaçú. A mais antiga seria a Gondwana, que teria se desenvolvido antes da separação do supercontinente homônimo e que atualmente estaria restrita às porções mais altas de serras e montanhas. A superfície pós-Gondwana teria se estabelecido após a separação dos continentes, durante o Cretácio Médio. A Superfície Sul-americana, também conhecida como Superfície de Moorland, é a mais extensa de todas e funciona como guia para o estabelecimento das demais superfícies. A superfície Velhas teria se iniciado no Oligoceno (34-24Ma), tendo atingindo o nível de aplainamento apenas nas regiões norte do cráton enquanto que nas porções meridionais apresenta-se na forma de entalhes na superfície Sul Americana. O ciclo Paraguaçu, do Plioceno, é o mais recente, não tendo atingido, em nenhum local, o grau de pediplanação. Segundo Kohler, no estado de Minas Gerais a superfície Sul-americana encontra-se entre as cotas 800m e 900m, é recoberta por solos lateríticos e nela predomina cobertura vegetal de cerrado: “A Superfície Sul Americana de King é, sem dúvida, o maior testemunho fisiográfico do Terciário. É uma constante do relevo brasileiro de norte a sul.” (Kohler,1989:31). Na região em estudo, os locais onde esta superfície melhor se apresenta é no topo da Serra dos Ferradores e em Confins, onde seu mergulho de 2,7% coincide com o gradiente do Ribeirão da Mata (Kohler 1989). 5.2 EMBASAMENTO TEÓRICO: RETRAÇÃO DE VERTENTES Os processos de retração de vertentes talvez estejam entre os principais elementos de toda teoria geomorfológica. Portanto, nesta seção será feita uma breve discussão sobre o tema. Ainda que agentes específicos sejam importantes em regiões específicas do globo, parece ser bastante seguro afirmar que o fluxo hídrico na superfície terrestre é o agente dominante na transformação das paisagens. Davis, por exemplo, afirmava que uma região era climaticamente normal se ela não fosse quente a ponto de evaporar toda água ou fria a ponto de congelar toda água disponível. Este fluxo hídrico superficial ocorre predominantemente através de rios que formam sistemas fluviais. Estes sistemas são alimentados pela conversão da energia potencial solar e da energia potencial gravitacional em energia cinética. Grande parte dessa energia é dissipada nas mais diversas formas, sendo que uma delas é no trabalho mecânico da erosão (Bloom, 1978). A erosão começa com a água meteórica. Após o substrato estar saturado, a água começa a correr junto à superfície levando consigo partículas e sedimentos. Quanto mais profundo no solo, maior a participação da componente verticalizada do movimento da água. Assim, apenas próximo à superfície é que ocorre um fluxo laminar. Este fluxo muitas vezes não possui energia suficiente para remover grãos do substrato, levando consigo apenas o material que foi removido pelo próprio impacto da gota de chuva. O fluxo de água laminar sub-superficial ganha velocidade e energia conforme avança vertente abaixo, tornando-se um agente erosivo. Assim, o fluxo d’água nas vertentes só consegue erodir o material que esteja há uma certa distância do topo da vertente. Isso ajuda a explicar a concavidade das partes mais inferiores das mesmas. Por mais plana, jovem e homogênea que seja uma vertente, processos estocásticos garantem que condutos preferenciais de escoamento serão formados. Estes condutos acabam sendo regiões de intensificação do processo erosivo que formam pequenos canais. Num primeiro momento, estes canais são tão estreitos que são obliterados pelo rastejamento da vertente. Entretanto, quando estes canais são suficientemente grandes para sobreviverem ao intervalo entre duas chuvas, eles passam a funcionar como coletores de água, especialmente nas suas porções mais próximas ao topo da vertente. Formam-se pequenas cachoeiras entre a superfície da vertente e os canais recém-formados. Estas pequenas cachoeiras são regiões de intensa atividade erosiva fazendo com que os canais se expandam rapidamente em direção à vertente, gerando um padrão de canais paralelos e não dendríticos. Conforme estes canais se expandem e se interceptam eles formam ravinas, que é o primeiro passo no processo de dissecação fluvial da paisagem (Bloom, 1978). O passo seguinte seria a extensão destas ravinas formando sistemas fluviais. Entretanto, por mais intuitiva que esta idéia possa parecer, não há consenso entre os geomorfólogos a respeito do modo exato através do qual se dá este processo. Afinal, quais são as provas científicas de que os vales realmente foram formados pelos rios que neles correm? A primeira apreciação sobre o tema foi feita no início do século XIX e ficou conhecida como lei de Playfair. Segundo este matemático e geólogo escocês, a probabilidade de que os sistemas de vales fossem tão bem adaptados uns aos outros por mero acaso era efêmera. Já no século XX pesquisadores deram prosseguimento aos trabalhos de Playfair através do que ficou conhecido como geomorfologia fluvial quantitativa. Shreve (1967, 1975) abordou a questão através de modelos aleatórios e demonstrou que a organização dos sistemas de drenagem era muito provável. Para ele, as configurações assumidas pelos sistemas de drenagem são resultado de processos aleatórios altamente previsíveis. Por outro lado, Howard (1971) mostrou que é igualmente possível estabelecer um sistema de drenagem a partir de processos não estocásticos. Assim, ele fez uma simulação baseada no crescimento para montante e na ramificação dos canais, e conseguiu obter um sistema fluvial de drenagem. Ou seja, teoricamente o sistema de drenagem pode-se formar quer seja pelo avanço à montante de ravinas pré-existentes, quer seja pela intersecção progressiva de pequenos canais conforme a água corre para jusante. Uma vez estabelecido o sistema fluvial, os canais assumem diferentes morfologias em decorrência de uma série de fatores. Nesse sentido, conforme a quantidade de água no canal aumenta, a inclinação do leito do rio diminui. Como conseqüência, em rios efluentes nos quais a descarga hídrica aumenta conforme se aproxima da foz, o perfil do rio será côncavo para cima. Estudos empíricos revelam que é exatamente isso que ocorre (Carlston, 1969). É claro que esta tendência se realiza mais facilmente nas porções em que o rio corre sobre substrato aluvionar. Trechos onde o substrato é rochoso podem fazer com que o perfil seja plano e até mesmo convexo. Outra propriedade fundamental de um rio, no que diz respeito à sua influência nos processos erosivos de retração de vertentes, é a competência. A competência de um rio define a sua capacidade de transportar um certo tamanho máximo de grãos. Este tamanho máximo é função direta da velocidade da água do rio. A Figura 5.2-1 mostra esta relação, salientando uma diferença entre erosão e transporte. Enquanto a fração fina pode ser transportada por correntes muito suaves, é necessária uma grande quantidade de energia para erodi-la, ou seja, iniciar seu transporte. Assim, um rio que carrega predominantemente argila e silte tenderá a desenvolver canais mais estreitos e profundos com uma seção transversal na forma de trapézio. Por outro lado, rios que carreguem areia e seixos irão desenvolver canais aluvionares largos e rasos. 1000 erosão Velocidade (cm/s) 100 10 transporte deposição 1 0 0.001 0.01 argila silte 0.1 1.0 areia 10 100 cascalho Tamanho da Partícula (mm) Figura 5.2-1. Curva de Hjulström mostrando a relação entre a velocidade do fluxo hídrico e sua competência (Hjulström 1935; Apud Bloom 1978). Por uma necessidade quase que lógica, os sedimentos constituintes do leito de um rio estão na maior parte do tempo acima da competência do mesmo. Não fosse este o caso tais sedimentos estariam em suspensão e não fariam parte do leito. Em decorrência disto, infere-se que a movimentação dos sedimentos presentes no leito do rio ocorrem em eventos onde a vazão aumenta significativamente, tal como uma cheia. Como existe uma correlação linear entre a vazão de um rio e a quantidade de sedimentos suspensos no mesmo, o primeiro efeito que o aumento da vazão surte no leito é uma agradação de material aluvionar decorrente do aumento repentino do aporte de sedimentos. Entretanto, esta agradação leva a um aumento da inclinação do leito do rio e, conseqüentemente, à sua erosão. Eventualmente, esta erosão pode fazer com que o leito do rio atinja patamares mais baixos do que originalmente apresentava. Entretanto, se o sistema fluvial estiver em equilíbrio, o leito do rio tenderá a retornar à sua disposição original. Portanto, após o evento de grande vazão, o que ocorre é uma reciclagem do leito do rio que apresenta a mesma configuração de antes da cheia, mas é constituído por novos sedimentos. Os sedimentos “velhos” por sua vez foram descarregados em algum ponto à jusante e, em algum momento, chegarão ao oceano (Selby 1985). O processo descrito acima favorece a idéia de que os sistemas fluviais são sistemas abertos que mantém a si próprios num equilíbrio dinâmico por mecanismos de auto-regulação. Entretanto, nem todo sistema fluvial está em equilíbrio. Sistemas jovens podem ser reconhecidos em ambientes tectonicamente ativos durante os últimos milhões de anos. Do ponto de vista sistêmico, pode-se dizer que ele não está em equilíbrio enquanto as variáveis intrínsecas ao sistema não forem capazes de se auto-regular. Num rio jovem, por exemplo, a quantidade de sedimento em suspensão é determinada por deslizamentos que ocorrem ao acaso na margem do rio. As dimensões do canal dependem exclusivamente do substrato rochoso, não sendo possível adequá-la a outros parâmetros fluviais, como a competência e a vazão. Da mesma maneira, num rio jovem a inclinação do leito é fortemente determinada pela topografia original do terreno. Este quadro começa a mudar quando o substrato do rio passa a ser aluvionar. A partir de então, o rio começa a definir a si próprio. Além de tornar o rio mais maleável, o alúvio ainda funciona como um protetor em situações de pico de energia: é como se o alúvio funcionasse como uma solução tampão que fornece tempo para que o sistema se autoregule. Portanto, a presença de um substrato aluvionar é indicativa de que naquele trecho o rio está num estado de equilíbrio dinâmico. Normalmente, este estado de equilíbrio é atingido primeiro à jusante e, posteriormente, avança à montante (Summerfield, 1991). Além dos sistemas fluviais, os processos de movimento de massa são responsáveis em grande parte pela retração das vertentes. Existem diversos tipos de movimentos de massa, desde aqueles lentos e localizados até avalanches e corridas de lamas. Dentre eles, o escorregamento é aquele que atua de modo mais constante e ubíquo. Trata-se de um movimento não acelerado da cobertura pedológica vertente abaixo. O efeito cumulativo deste processo pode ser verificado nas fendas presentes na vertente, na inclinação de objetos verticais como postes de eletricidade ou na curvatura do tronco de árvores. A movimentação ocorre por camadas tabulares de tal forma que, quanto mais profundo, menores são os efeitos do escorregamento. Além da gravidade, o escorregamento ocorre como conseqüência da expansão e contração do solo. Durante a expansão volumétrica as partículas são movimentadas perpendicularmente à superfície do solo. Entretanto, quando ocorre a contração a partícula não retorna exatamente para a mesma posição, pois neste caso a força gravitacional exerce influência (Figura 5.2-2). Figura 5.2-2. Seta vermelha indica movimento da partícula durante a expansão e a seta azul o movimento durante retração. O caráter temporalmente constante dos diferentes processos de movimentação de massa fazem com que as vertentes sejam entidades transicionais, tanto em sua forma como no processo que leva à sua criação. Ainda assim, é possível descrever esquematicamente a morfologia de uma vertente como tipicamente convexa em seu cume, côncava em sua base e com um segmento plano entre os dois extremos. Eventualmente há uma parede vertical livre rica em material intemperizado a montante do segmento plano. Neste caso o segmento plano a jusante da face é chamado talus, que não é um tipo de material, mas sim um tipo de relevo. Muitas vezes o talus é visto como o simples resultado do empilhamento de blocos caídos da parte superior da parede livre. Entretanto, muitas vezes, o talus é o uma entidade dinâmica na qual há renovação constante de seu material constituinte (Bloom, 1978). A porção superior convexa da vertente é fortemente controlada pelos processos de movimentação de massa, especialmente o escorregamento. Ao que tudo indica, contingências intrínsecas a este processo são responsáveis pela morfologia convexa do topo da vertente. Esta idéia foi originalmente proposta por Gilbert em 1909 e se baseia no fato de que a quantidade de material escorregando é proporcional à distância de um determinado ponto da vertente em relação ao seu topo. Como o escorregamento é um fenômeno gravitacional, o ângulo da vertente deve aumentar radialmente a partir do cume permitindo a movimentação cada vez maior de matéria. Como vimos anteriormente, o fluxo hídrico em uma vertente só adquire energia suficiente para transportar o solo quando já está consideravelmente afastado do cume. Assim, nas porções inferiores da vertente a água passa a ter uma importância maior do que o escorregamento. No início de sua trajetória vertente abaixo a água meteórica distribui-se em diversos caminhos preferências muitos finos. Conforme continuam descendo, estes diversos caminhos se juntam, formando cursos ligeiramente maiores, e assim progressivamente até a base da vertente. Acontece que cada vez que dois cursos mais finos de água se juntam há uma redução da fricção da superfície do curso da água em relação à sua vazão. Como resultado, o novo curso d’água pode transportar a carga conjunta de seus dois predecessores à mesma velocidade que estes, mas numa superfície menos inclinada. Assim, nas regiões da vertente onde os processos hídricos são os agentes remodeladores predominantes estabelece-se uma morfologia côncava (Selby, 1985). 5.3 EMBASAMENTO TEÓRICO: PROCESSOS PEDOGENÉTICOS O solo surge da interação entre a atmosfera, a litosfera, a biosfera e a hidrosfera. Ainda que sua composição varie enormemente é possível dizer que, de maneira geral, o solo é composto por uma mistura de material orgânico e inorgânico num sistema onde a matéria está presente em seus três estados fundamentais: gasoso, sólido e líquido. A fase sólida é composta principalmente por minerais e matéria orgânica decomposta. A fase líquida é composta por uma solução aquosa rica em nutrientes e íons e ocupa os espaços existentes entre as partículas sólidas. O ar do solo também ocupa estes poros e, de maneira geral, se assemelha ao ar atmosférico, do qual provém. Tradicionalmente, conforme proposto por Dokuchaev no final do século XIX, a formação dos perfis pedológicos é considerada como dependente de cinco fatores: tipo de rocha parental, clima, topografia, atividade biológica e tempo. A rocha parental que dá origem aos solos faz parte da porção superior da crosta terrestre. Esta parte da crosta é chamada de Sial pois é constituída majoritariamente por oxigênio (47%), silício (27,5%), alumínio (8,6%) e ferro (5%). Usualmente os átomos de oxigênio se organizam na forma de um tetraedro, cuja região central é usualmente ocupada por um átomo de silício. Esta é a unidade fundamental dos alumino-silicatos, que são os principais constituintes da crosta terrestre. Os silicatos compõem 99% do peso e do volume da crosta terrestre (Luchese et al., 2002). Ainda que os tetraedros de oxigênio comumente apresentem um átomo de silício em seu centro é possível que outros átomos de tamanho compatível substituam-no. No caso específico do tetraedro de oxigênio, esta substituição é feita pelo átomo de alumínio cujo raio iônico de 0.45 Å é compatível com o raio iônico do silício, que é de 0.38 Å. Tal substituição, ainda que isomórfica, acarreta na alteração da carga do tetraedro que passa de 4+ para 3+. Outras substituições comuns são entre o cálcio e o sódio ou entre o ferro e o magnésio. Estas substituições estão na essência de todo processo pedogenético já que são elas que permitem a neoformação de minerais autóctones nos distintos horizontes do solo (Klein, 2002; Luchese et al., 2002). O processo de modificação do material parental e a decorrente formação de um perfil característico para cada solo é chamado de intemperismo. Ainda que na natureza não seja possível efetuar tal dissociação, tradicionalmente a ação do intemperismo é dividida em física, química e biológica. O intemperismo físico é decorrente de alterações mecânicas sobre a rocha, levando à sua cominuição. Um exemplo de intemperismo físico são os minerais que apresentam diferentes coeficientes de dilatação. Com isso, a oscilação diária de temperatura leva à ruptura da fábrica da rocha. Outro caso bastante conhecido é o do alívio de pressão de rochas recém exumadas, levando a um fraturamento sub-horizontal das camadas superficiais da rocha, gerando as feições conhecidas como juntas de alívio. O intemperismo físico tende a ser mais comum em regiões secas, onde a disponibilidade hídrica impede que as reações químicas ocorram de forma intensa. Nas regiões tropicais onde a disponibilidade hídrica é grande predomina o intemperismo químico. Como o próprio nome diz, o intemperismo químico envolve a decomposição da rocha parental através de reações químicas tais como hidrólise, dissolução de sais e oxirredução que levam à formação de novos minerais, mais estáveis nas condições da superfície terrestre. Na região de estudo deste projeto os dois tipos de reações químicas mais importantes são a dissolução de sais e a hidrólise. A própria formação do terreno cárstico é decorrente da dissolução do carbonato segundo a reação: A hidrólise é o processo mais importante no intemperismo tropical. Envolve, necessariamente, íons de hidroxila (OH–) ou de hidrogênio (H+). A presença destes elementos quebra as ligações originais do retículo cristalino dos silicatos. Os desequilíbrios químicos gerados por estas quebras são compensados pela inclusão de grupamentos hidroxila ou hidrogênio. Na superfície terrestre tais reações dependem fortemente de agentes aceleradores como álcalis, ácidos e enzimas hidrolizantes. A hidrólise pode ser parcial ou total, dependendo da disponibilidade de água. Na hidrólise total praticamente toda silica e cátions são removidos na forma de ácido metassilícico (H2SiO3) e íons em solução. Os produtos finais deste processo, que permanecem no perfil de alteração, são oxi-hidróxidos de ferro e alumínio. Aos processos que levam à formação destes produtos chamase, respectivamente, ferritilização e alitização. Já na hidrólise parcial tanto os cátions como a silica não são completamente lixiviados de maneira que os produtos finais são argilo-minerais e não hidróxidos. Dependendo da intensidade da hidrólise os argilo-minerais formados podem ser do tipo 1:1, como a caulinita, ou do tipo 2:1, como a esmectita e a montmorilonita. Ao primeiro caso chama-se monossiliatização e, ao segundo, bissiliatização. (Klein, 2002; Toledo et al., 2003). Um exemplo clássico que ilustra os diferentes processos descritos acima é a alteração do feldspato potássico (KAlSi3O8). Após o início da hidrólise parte do potásio e parte da sílica foram removidos em solução. Assim, o feldspato potássico transforma-se no argilo-mineral 2:1 esmectita, o qual ainda possuí átomos de potássio em sua composição (hidrólise parcial, bissialitização): 2,3KAlSi3O8 + 8,4H2O → Si3,7Al0,3O10Al2(OH)2K0,3 + 2K+ + 2OH-+3,2H4SiO4 Conforme o processo de hidrólise se intensifica, a perda de sílica é acentuada e todo potássio é eliminado, tornando a estrutra bilaminar da esmectita instável. Forma-se, assim, a caulinita que é uma argila 1:1 que não possui potássio em sua composição (hidrólise parcial, monossialitização): 4KAlSi3O8 + 22H2O → Al4Si4O16(OH)8 + 4K+ + 4OH- + 8H4SiO4 O próximo passo é a hidrólise total, na qual não só os cátions foram completamente eliminados como também a silica não está mais presente. Formam-se então os hidróxidos, que estão entre as formas químicas mais estáveis sobre a superfície terrestre, e que não possuem em sua composição nem potássio nem sílica (hidrólise total): KAlSi3O8 + 8H2O → Al(OH)3+ + 3H4SiO4 +K+ + OHO intemperismo químico gera, portanto, minerais secundários que são constituintes importantes da fase sólida do solo não apenas pelo volume que ocupam mas também por conferirem a ele seu caráter químico ativo. Dentre os minerais secundários, os mais importantes são as argilas bilaminares do grupo 1:1, as argilas trilaminares do grupo 1:2, as argilas tetralaminares do grupo 2:2, e os óxidos. As argilas bilaminares do grupo 1:1 são formadas pelo arranjo de uma lâmina tetraédrica contendo o silício ao centro envolvido por oxigênios, com uma lâmina octaédrica contendo alumínio ao centro envolvido por oxigênios e oxidrilas. Estes arranjos são unidos através de ligações do tipo ponte de hidrogênio o que faz com que a estrutura seja rígida e não expansível. Ou seja, a distância entre as duplas de lâminas tetraedro-octaedro, que são a unidade cristalográfica deste tipo de argila, é fixa não permitindo que ocorra adsorção interna às lâminas. Com isso, as argilas 1:1, especialmente a caulinita, apresentam uma baixa capacidade de troca de cátions (Luchese, et al., 2002). As argilas trilaminares 2:1 formam-se pela intercalação de uma lâmina octaédrica de alumínio por duas lâminas tetraédricas de sílica, unidas entre si pelos oxigênios apicais. Os principais integrantes deste grupo são as vermiculitas, smectitas e montmorilonitas. A vermiculita, por exemplo, apresenta alta frequência de substituição isomórfica nos tetraédros de silica por alumínio. Isto gera um déficit negativo de carga que é suprido pela inserção de cátions, como o magnésio, entre as unidades trilaminares. A presença de cátions entre as unidades cristalográficas torna estas regiões hidrofílicas tornando estes minerais expansíveis. No caso da vermiculita, o espaçamento entre as camadas aumenta em 50% entre os estados não expandido e expandido. A presença de água entre as camadas não apenas torna as argilas expansíveis como aumenta enormemente sua superfície de adsorção interna o que, por sua vez, implica em capacidades de troca catiônica elevadas (Klein, 2002). Os principais óxidos são os de ferro e de alumínio. A gibsita Al(OH) 3 é o principal óxido de alumínio e sua estrutura pode ser definida como o empilhamento de dois planos de hidroxilas, com Al3+ preenchendo dois terços dos interstícios octaédricos (Klein, 2002). Já os óxidos de ferro mais frequentemente encontrados nos solos são a goetita, FeOOH, de cor brunoamarelada e a hematita Fe2O3 de coloração avermelhada. A hidrólise rápida dos íons Fe (III) favorece a formação de ferrihidrita, que por agregação e desitradação, origina a hematita. Já a hidrólise lenta dos íons Fe(III) favorece a formação de goetita. Além da porção mineral, a fase sólida do solo é composta de matéria orgânica cujo teor pode variar muito entre diferentes tipos de solo. A matéria orgânica no solo corresponde a restos de animais e vegetais que se encontram em constante processo de decomposição. Os processos de degradação da matéria orgânica são de natureza bioquímica e envolvem organismos como as bactérias e os fungos. Existem basicamente dois processos pelos quais ocorre a decomposição da matéria orgânica: a mineralização e a humificação. A mineralização é um processo de queima no qual matéria orgânica mais oxigênio resultam em gás carbônico, água e energia. Além de CO2 e água a mineralização também produz uma série de compostos orgânicos. A formação do húmus provém da polimerização destes compostos orgânicos formados pela decomposição da matéria orgânica. A matéria orgânica influencia as propriedades do solo, aumentando a sua tonalidade escura e reduzindo sua plasticidade e ecoesão. Assim o solo torna-se mais permeável, elevando sua taxa de aeração. Além disso, a matéria orgânica exerce um efeito de solução tampão para o pH e aumenta a capacidade de troca catiônica e aniônica do solo. Por fim, a matéria orgânica é um importante agente pedogenético já que contribui para a peptização, coagulação e quelação das partículas do solo. Tanto a parcela orgânica como inorgânica podem estar presentes na forma de micelas coloidais. A fração coloidal é a mais ativa do ponto de vista físico-químico. No caso das argilas existem dois tipos de cargas elétricas: as permanentes e as dependentes de pH. As cargas permanentes são geradas por substituições isomórficas nas estruturas das argilas, como a substituição de sílica por alumínio discutida acima. Já as cargas dependentes de pH localizamse nas superfícies quebradas dos cristais de argila. Já as micelas orgânicas apresentam exclusivamente cargas dependentes de pH. Micelas com cargas permanentes apresentam sempre uma carga definida, seja ela negativa ou positiva. Já micelas cuja carga é dependente de pH podem apresentar tanto carga positiva, negativa ou neutra, dependendo o valor do pH. No caso da somatória das cargas dependentes de pH ser zero diz-se que a micela está no ponto de carga zero. Assim, quando o pH é maior do que este ponto de carga zero, aumentam as cargas negativas e, quando o pH é menor do que este ponto, aumentam as cargas positivas. As propriedades eletro-químicas da fração coloidal vão determinar os tipos de interações que ocorrerão entre a parcela sólida e a parcela líquida do solo. A fase líquida do solo é composta principalmente por água. Uma propriedade fundamental da molécula da água é que ela é polarizada. Com isso, ocorre uma interação entre as moléculas de água e os íons em solução. Esta relação leva à hidratação dos íons que, uma vez hidratados, apresentam um comportamento distinto do seu estado não hidratado. Assim, no equilíbrio tem-se ao redor de cada íon uma camada de água de densidade diferente da água pura. A esta camada chama-se camada de hidratação e o número de moléculas de água que a compõe determina o número de hidratação de um íon (Figura 5.3-1). + - + - + + + - - + Molécula de água + - - + - + + - + - + + + - + + + + - - Camada de hidratação Figura 5.3-1. Representação gráfica do cátion e do ânion hidratado formando a camada de hidratação No caso de uma micela carregada negativamente, os cátions hidratados serão atraídos para perto da superfície carregada, neutralizando o campo elétrico. Entretanto, o deslocamento de cátions para próximo das micelas deixa uma porção da solução com carência de cátions e, portanto, com carga relacional negativa. No equilíbrio estabelecem-se duas regiões na solução. A chamada solução interna apresenta uma concentração de íons de carga oposta à da micela maior do que na solução como um todo. Já na chamada solução externa há um equilíbrio de cargas eletrostaticamente neutro (Figura 5.3-2). caracterizando um ambiente Concentração + Solução Interna Solução Externa Distância da superfície da micela Figura 5.3-2. Distribuição das cargas elétricas na camada interna e na camada externa. (Luchese, et al., 2002) 5.4 EMBASAMENTO TEÓRICO: AGENTES PEDOTURBADORES Pedoturbação refere-se ao distúrbio pós-deposicional do sedimento ou do solo devido à exumação ou mistura.Trata-se de um fenômeno global que ocorre em sub-superfície. A pedoturbação pode tanto obliterar a estratificação como criar feições que mimetizam níveis estratigráficos. Portanto, é muito importante que seus efeitos no registro arqueológico sejam levados em consideração (Bateman, 2003). A atividade de invertebrados em sub-superfície é reconhecidamente um dos fatores mais importantes nos processos de perturbação da estratigrafia de sítios arqueológicos. Ainda que outros agentes, tais como mamíferos possam contribuir de forma significativa neste processo (Araújo, 1995), a ação dos pequenos invertebrados é menos óbvia e, portanto, muitas vezes acaba passando despercebida. O primeiro a chamar a atenção para a potencialidade da ação cumulativa de minhocas e vermes no processo de mobilização das partículas do solo foi Charles Darwin. Já naquela época ele realizava seus pequenos experimentos nos quais observava pedras afundarem em seus jardins em decorrência da ação da mesofauna e microfauna. Existem mais de 3000 espécies de minhocas em todo mundo. Elas vivem no horizonte mineralizado do solo (classificação MSW), particularmente na camada onde ocorre a decomposição da matéria orgânica. Alimentam-se de qualquer tipo de matéria orgânica, possuem sangue frio, respiram pela pele e, apesar de não possuírem olhos, são fotossensíveis. Todas as minhocas são hermafroditas e se reproduzem tanto por auto-fecundação como por partenogênese. São divididas em três grandes categorias: habitantes da superfície (litter dwellers), cavadoras profundas e cavadoras horizontais. Os buracos feitos pelas minhocas são facilmente reconhecíveis durante as escavações como feições verticais com espessura entre 1 e 3 cm preenchidas por sedimentos de cor e textura distinta do material no qual foi feito o buraco. Enquanto a minhoca está viva, o buraco permanece vazio. A densidade de buracos por metro quadrado pode variar, mas em seu estudo sobre Lumbricus terrestris, Pitkanen e Nuuitinen (1997) encontraram cerca de 10 buracos ativos por metro quadrado. Conforme colocado por Canti (2003): “Obviamente, se tal quantidade de buracos estivessem sendo escavados regularmente pelas minhocas haveria pouca arqueologia pré-histórica para ser investigada nos primeiros metros de solo em regiões tropicais”. Ainda segundo a mesma autora, se cada minhoca vive cerca de cinco anos e homogeneíza 1cm2 de solo, em 5000 anos toda área teria sido completamente revolvida. Entretanto, não é isso que parece ocorrer: provavelmente existe um intenso processo de reutilização de um mesmo buraco por diversas gerações de minhocas. Estes buracos são gerados na medida em que estas ingerem o solo em busca de alimentos. Posteriormente, o material ingerido é expelido na forma de fezes. Algumas minhocas defecam em subsuperfície, próximo ao local no qual ingeriram o solo. Neste caso os danos à estratigrafia são pequenos. Por outro lado, algumas minhocas defecam na superfície, em volta da boca de seu buraco, formando feições características. Este hábito é potencialmente danoso para a estratigrafia do sítio, na medida em que acarreta no transporte constante de sedimentos originalmente em níveis profundos para a superfície. Assim, qualquer objeto deixado na superfície irá afundar rapidamente durante os primeiros anos, posteriormente tendo o ritmo de rebaixamento gradualmente diminuído. Eventualmente, o objeto atingirá uma profundidade na qual a atividade das minhocas não chega, estabilizando-se. Com o passar do tempo haverá uma acumulação de materiais de fração grosseira neste nível. O grau de impactação dependerá fortemente da profundidade máxima que uma minhoca pode atingir. Originalmente pensava-se que a profundidade máxima de escavação era uma característica peculiar a cada espécie (Stein, 1983). Entretanto, o grau de compactação do solo é um fator importante já que existe um limite físico a partir do qual se torna impossível para as minhocas escavarem o solo. Binet e Le Bayon (1999), por exemplo, estabeleceram que para um aumento de 20% na compactação dos solos ocorre um aumento de 100% na quantidade de fezes expelidas em superfície. Ainda que minhocas sejam capazes de chegar até a um metro de profundidade, parece que o enterramento de artefatos não ultrapassa os 25 cm. Além do enterramento de artefatos decorrente dos processos de digestão das minhocas, conforme descritos acima, outro hábito completamente distinto gera resultados similares. Algumas espécies de minhocas coletam material (sedimento, sementes...) de cerca de 2 mm na superfície e o depositam em sub-superfície. Normalmente este material é utilizado para forrar a câmara subterrânea na qual a minhoca hiberna durante períodos de seca. Ainda não se sabe quais benefícios este tipo de comportamento traz às minhocas. De qualquer maneira, após algum tempo, a câmara colapsa resultando numa feição característica conhecida em inglês como “pea grit”. Uma vez que as maiores partículas que as minhocas podem carregar não possuem mais do que cinco milímetros de diâmetro seu impacto na movimentação direta de artefatos arqueológicos não deve ser expressiva. Outro hábito interessante das minhocas é que elas costumam acumular montículos de gravetos ou grânulos em volta da boca de seu buraco. Cada montículo é construído e habitado por uma única minhoca e podem permanecer inalterados por muitos anos. A construção destes montículos ocorre à noite e sua função é absolutamente desconhecida. Além de carregar grânulos para dentro de seus buracos, as minhocas ainda são capazes de criar pequenos grãos de carbonato de cálcio através de glândulas especiais, localizadas próximas a suas bocas. Estes grânulos, que podem atingir até 2mm, apresentam uma morfologia característica. Além disso, sua presença é muito mais expressiva em níveis próximos à superfície do que em níveis profundos. Assim, sua freqüência em distintos níveis de uma seção colunar podem ajudar a determinar eventuais paleo-solos. 6. MATERIAIS E MÉTODOS 6.1 MÉTODOS DE ESCAVAÇÃO e ETAPAS DE CAMPO A unidade básica de escavação é chamada Sondagem e constitui uma área quadrada com lados de 1 m. As escavações procedem por níveis artificiais de 10 cm, que acompanham a topografia original da superfície da sondagem. O material escavado é peneirado para que todo e qualquer vestígio arqueológico seja recuperado. Basicamente três tipos de materiais são recolhidos: artefatos líticos, cerâmica e carvão. O material recuperado é separado por níveis, ou seja, o carvão do nível 0-10cm é acondicionado separadamente do carvão do nível 10-20cm, e assim por diante. O mesmo é válido para todo e qualquer tipo de material recolhido durante a escavação. Todo material coletado recebe um número de proveniência. A cada nível de 10cm também é feita uma descrição do material sedimentar incluindo cor, compactação, textura e inclusões. Após o término da escavação de cada sondagem são desenhadas seções colunares na escala 1:10, identificando os distintos horizontes presentes. Tais horizontes são estabelecidos pelo contraste de características como cor, textura, compactação e composição. As seções colunares também servem ao propósito de sintetizar de forma esquemática todas as informações disponíveis para uma dada sondagem. Assim, além de informações estritamente pedológicas/sedimentológicas, as seções colunares também incluem dados a respeito do material arqueológico que foi recuperado durante as escavações. Outra função fundamental das seções colunares é orientar a coleta de amostras. O desenho das seções colunares é feito através de um sistema de marcação. Ou seja, uma vez estabelecidos, os limites entre horizontes são marcados por palitos coloridos fincados no sedimento. A posição destes palitos é lida a partir de um sistema cartesiano estabelecido de maneira conveniente para que os valores das ordenadas correspondam à profundidade e o das abscissas à localização lateral na seção colunar. Isto é feito colocando-se uma trena verticalmente ao longo da seção colunar. O zero desta trena é colocado no piso inferior da sondagem. Esta trena será responsável pelos valores das ordenadas dos palitos coloridos. A obtenção destes valores é feita através de um barbante associado a um nível de bolha. Assim, alinha-se o barbante horizontalizado com o palito que se quer estabelecer o valor das ordenadas e faz-se a leitura na trena verticalizada. Em seguida, com outra trena, mede-se a distância do palito até a altura correspondente na trena vertical. Com isso, têmse os valores de “y” e “x” para determinado palito (Figura 2). O procedimento é repetido quantas vezes forem necessárias e as coordenadas de cada palito são marcadas num papel milimetrado. Estes pontos são então unidos, delimitandose assim a geometria dos horizontes previamente estabelecidos. Além dos horizontes, também são representados nos perfis raízes, carvões, fissuras ou qualquer outra feição que se julgue relevante. Atenção especial é dada para estruturas indicadoras de bioturbação, tais como crotovinas. Estas feições também são desenhadas a partir do mesmo sistema de marcação. Posteriormente os desenhos feitos em campo são digitalizados para uma melhor apresentação. 6.2 MAPA TOPOGRÁFICO E PERFIL O mapa topográfico é uma ferramenta tanto para a escavação quanto para a interpretação de um sítio arqueológico. Os dados para a confecção do mapa consistem em coordenadas tridimensionais obtidas por uma estação total (Sokkia). Optou-se pela configuração de estação livre, o que permite que o equipamento seja alocado em qualquer local do sítio. A ordenada do sistema cartesiano foi definida de maneira que ficasse paralela às paredes Norte-Sul das sondagens. A origem do sistema cartesiano foi estabelecido no extremo sudoeste do sítio, a cerca de 50 metros para sul e para oeste em relação a sondagem S-07. Com isso, todo o sítio arqueológico fica locado em valores positivos de “x” e “y”. Já o valor de “z” (altura) foi estabelecido como 10.000mm, próximo a sondagem S-07. Como sabemos que o desnível entre esta sondagem até a parte mais rebaixada do sítio é inferior a 10 metros, esta escolha garante que todo o sítio será cotado com valores positivos (o que não é necessário mas é conveniente). Por outro lado, o desnível máximo entre a sondagem mais alta e a mais baixa é inferior a 20 m, o que levou à escolha de um mapa topográfico com curvas de níveis a cada meio metro. Ao todo foram coletados 83 pontos dispersos por toda a área do sítio arqueológico e seu entorno. Além da topografia, o mapa é importante na medida em que permite a localização precisa de cada sondagem, tanto vertical quanto horizontalmente. A partir do mapa topográfico foi elaborado um perfil no sentido Norte-Sul, com exagero vertical de cinco vezes. Neste perfil, além da topografia foram incluídas todas as sondagens feitas no sítio. Também foram incluídas informações sobre densidade de material arqueológico, níveis pretéritos da lagoa e a profundidade da linha de cascalho. 6.3 ANÁLISE GRANULOMÉTRICA Durante os meses de fevereiro, março e abril foram realizadas 18 análises granulométricas das quais três tiveram de ser descartadas por apresentarem erro superior ao admitido de 5%. Ou seja, houve uma diferença superior a 5% entre a massa inicial e a massa final do material analisado. As análises granulométricas foram feitas no LabSed do IGc-USP e o protocolo utilizado foi aquele proposto por Suguio (1973). O primeiro passo do processo é a secagem em estufa de cerca de 100 gramas de amostra durante pelo menos dois dias. Isto feito, separa-se 60 gramas de sedimentos, massa máxima recomendada para não saturar a dispersão aquosa em 1000 ml, nem sobrecarregar as peneiras. Em seguida, 1 grama do antifloculante pirofosfato de sódio (Na2P2O7) é adicionado. Este sal evita a agregação das partículas de argila, o que é especialmente importante em materiais de textura muito argilosa como os do sítio do Sumidouro. Esta mistura de sedimento e antifloculante é então colocada num Becker e é recoberta por cerca de 200 ml de água destilada. Em seguida, com o uso de um misturador de polpa à hélice, a solução é homogeneizada durante cerca de 20 minutos. Isto feito, leva-se a cabo o processo de desagregação física num almofariz de porcelana com o uso de um pistilo de borracha. O processo de desagregação física é considerado como terminado apenas a partir do momento em que a água destilada utilizada esteja completamente transparente. Uma vez terminado este procedimento toda solução com sedimento desagregado e pirofosfato de sódio está contida dentro de uma proveta em 1000ml de água destilada. Antes de iniciar o processo de pipetagem, cinco placas de petri de 50 ml são pesadas e identificadas. Estes recipientes receberão a solução aquosa que posteriormente irá determinar a proporção de cada uma das cinco faixas granulométricas de interesse. A pipetagem foi feita de acordo com a tabela padrão disponível no LabSed que indica o intervalo de tempo entre cada coleta. Tal tabela é baseada na lei de Stokes, que prevê o comportamento de partículas em fluídos estacionários. Uma vez encerrada a pipetagem, as placas de petri são levadas à estufa onde permanecem por pelo menos dois dias ou até toda água evaporar. Em seguida, as placas de petri são pesadas e os dados inseridos numa planilha, o que permite avaliar se o erro está dentro do aceitável ou não. Caso o erro não seja admissível, o processo de pipetagem deve ser repetido. Caso contrário, a amostra restante na proveta é colocada em um funil pelo qual passa um fluxo ascendente de água corrente. Com isso a fração fina (<62mm) é lavada no processo de elutriação. Este processo leva cerca de 30 minutos. Uma vez concluída a elutriação, o sedimento lavado é filtrado a vácuo e levado para secagem em estufa. Após seco, a fração grossa é separada em 12 frações granulométricas distintas através de peneiramento (< 0,062mm; 0,088-0,062mm; 0,150-0,088mm; 0,177-0,150mm; 0,250- 0,177mm; 0,354-0,250mm; 0,500-0,354mm; 0,707-0,500mm; 1,00-0,707mm; 1,410-1,00mm; 2,00-1,410mm; >2,00). Com estes dados, estabelece-se a distribuição granulométrica da amostra. 6.4 DATAÇÃO POR LUMINESCÊNCIA ÓTICAMENTE ESTIMULADA (LOE) A datação por luminescência parte da premissa que cada grão individual de quartzo ou feldspato se comporta como micro dosímetros. A quantidade de energia armazenada por eles é proporcional à quantidade de radiação ionizadora à qual eles ficaram expostos após seu enterramento. Toda vez que os grãos são expostos à luz do sol ou altas temperaturas esta energia armazenada é liberada zerando o sinal de radiação e, portanto, reiniciando o relógio isotópico. Outra premissa da datação por luminescência é que o sedimento a ser analisado foi completamente zerado por exposição à luz solar antes de ser enterrado e que, após isto ter ocorrido, nenhum tipo de perturbação pós-deposicional ocorreu. Portanto, o sedimento coletado para este fim não pode, sob hipótese alguma, ser exposto à luz solar. Tradicionalmente o método de coleta de sedimento para LOE utiliza um tubo oco e opaco de cerca de 50mm de diâmetro e 30 cm de comprimento que é introduzido no perfil. Quando retirado o tubo traz consigo o sedimento. Na etapa de campo de 2007 foram coletadas 5 amostras utilizando este método. Entretanto, este procedimento apresenta três problemas. O primeiro deles é que o diâmetro do tubo é maior do que seria desejado. Afinal, quanto menor a espessura do pacote sendo amostrado maior será a precisão da data obtida. Em segundo lugar, ao se introduzir um tubo de 30cm dentro do perfil perde-se completamente a noção da natureza do sedimento que está sendo amostrado. Um exemplo óbvio é alguma bioturbação que está ausente no perfil mas presente alguns centímetros no seu interior. Neste caso o material bioturbado seria coletado sem a consciência do pesquisador. Por fim, uma limitação prática é que a 3 metros de profundidade o solo é tão compacto que a introdução de um tubo de PVC não é tarefa fácil. Tendo em vista estas considerações, optou-se por um método inédito para a coleta de amostras de LOE no qual o sedimento é retirado de uma ampla superfície horizontal completamente visível ao pesquisador. O primeiro passo é estabelecer no perfil a exata profundidade da qual deverá ser extraída amostra. Isto pode ser feito com um barbante que, com a ajuda de um nível, é esticado horizontalmente. O próximo passo é criar no perfil uma superfície ampla e horizontal da qual será coletado o sedimento. É fundamental que, num primeiro momento, esta superfície seja estabelecida cerca de três ou quatro centímetros acima do nível escolhido para a coleta da amostra. Quanto mais ampla esta superfície menor será a espessura necessária para preencher o recipiente que ira receber o sedimento. No caso do Sítio do Sumidouro, as superfícies estabelecidas apresentavam cerca de 40 cm de largura e adentravam cerca de 30 cm no perfil. Uma vez estabelecida esta superfície ampla e horizontal a cerca de 4 cm do nível a ser extraída a amostra, o próximo passo é cobrir a sondagem com lonas plásticas de maneira que o ambiente dentro desta seja absolutamente afótico. Dentro da sondagem deve permanecer uma pessoa para dar procedimento à coleta. Esta pessoa pode contar com uma pequena lanterna recoberta por papel celofane vermelho, o que não irá afetar a luminescência dos grãos. Uma vez certificado que o ambiente está absolutamente escuro, o processo de coleta pode continuar. Para isso deve-se retirar aqueles três ou quatro centímetros excedentes em relação ao nível horizontal estabelecido para a coleta. Também deve-se retirar cerca de 3cm de sedimento da parede do perfil. Com isto garante-se que o material que será efetivamente coletado não entrou de maneira alguma em contato com a luz solar. Uma vez realizados estes procedimentos têm-se enfim a superfície horizontal ampla da qual o sedimento será efetivamente coletado. É importante que a superfície seja horizontal, o que deve ser verificado com um nível. A coleta é feita com o auxilio da lanterna recoberta por celofane vermelho e instrumentos metálicos previamente limpos, evitando qualquer tipo de contaminação. O recipiente que receberá o material deve ser totalmente opaco. Nossas amostras foram guardadas em canos de PVC de 30cm de comprimento e 5cm de diâmetro. Ao contrário do que pode parecer o PVC não é absolutamente opaco, de maneira que cada tubo foi recoberto por uma camada dupla de papel alumínio e posteriormente enrolado em fita isolante preta. O recipiente deve ser completamente selado ainda em ambiente afótico. Uma vez coletadas as amostras, sua localização é inserida nos perfis esquemáticos previamente desenhados. Na etapa de campo de 2008 foram coletadas 6 amostras para LOE. 6.5 DATAÇÃO RADIOCARBÔNICA Existem três isótopos de carbono. Dois deles são estáveis (12C e um instável 14 ( C). Este isótopo instável apresenta uma meia 13 C) e vida consideravelmente curta de aproximadamente 5730 anos. Conseqüentemente, não seria de esperar que após mais de 4 bilhões de anos de existência do Planeta ainda se conseguisse encontrar o elemento carbono em sua versão radioativa. Por outro lado, a ação dos raios cósmicos leva à transformação do N2 em 14 C na alta atmosfera, garantindo o suprimento do isótopo radioativo do carbono. Assumindo-se que a taxa de transformação seja constante é possível estabelecer que a razão entre os isótopos estáveis e o radioativo também seja constante. Uma vez que o 14 C insere-se na estrutura molecular do dióxido de carbono ele acaba fazendo parte de plantas e animais. Ficam satisfeitas, assim, as condições para utilizar o decaimento radiocarbônico como um relógio isotópico. Neste trabalho a datação radiocarbônica foi feita sobre amostras de carvão recuperadas em sub-superfície. As amostras de carvão são inicialmente desagregadas em água deionizada. Em seguida, são lavadas em ácido clorídrico para remoção de carbonatos e em hidróxido de sódio para remoção de ácidos orgânicos secundários. Durante este processo, contaminantes mecânicos como sedimentos e raízes são removidos. Antes de serem levadas para o espectrômetro de cintilação as amostras são neutralizadas. Por fim, é obtida a razão entre carbono 13 e carbono 14 que fornece uma idade não calibrada para a amostra. Esta idade é usualmente expressa seguida da sigla AP, que é abreviação de Antes do Presente. Por convenção o ano de 1950 foi adotado pela comunidade científica como “presente”. Entretanto, o pressuposto da constância da concentração de 14 C ao longo do tempo não é satisfeito na realidade. Esta variação pode ser determinada através da análise de anéis de crescimento em árvores ou através do estudo de isótopos presos em camadas de gelo polar. Isto permite que curvas de calibração sejam estipuladas, permitindo uma aproximação mais fiel entre a idade radiocarbônica e a idade real. Todas as datações radiocarbônicas foram feitas no laboratório Analytic Inc.”, localizado em Miami, Flórida. “Beta 7. RESULTADOS 7.1 DESCRIÇÃO DO SÍTIO E DAS SONDAGENS A Lagoa do Sumidouro apresenta uma forma semi-eliptica, com seu eixo maior apresentando cerca de 1.2km orientado no sentido NW-SE e seu eixo menor com cerca de 0.7km orientado no sentido NE-SW. Em sua extremidade SE há um maciço calcário residual com cerca de 50 metros de altura. Em suas margens Norte e Sul a lagoa é bordejada por vertentes com declividade de cerca de 10-15º com que se elevam até 80 metros em relação ao nível da mesma. A lagoa é alimentada pelo Córrego do Samambaia, que chega até ela pela extremidade oeste (Fig. 7.1-1). A Lagoa do Sumidouro localiza-se a não mais do que 2km da Rio das Velhas, nível de base regional. Toda água da lagoa escoa pelo sumidouro, localizado na base do maciço calcário, e chega ao Rio das Velhas (Fig. 7.1-2). O sítio arqueológico do Sumidouro localiza-se na extremidade SE da lagoa, cerca de 30 metros ao sul do maciço calcário, numa depressão que atua como um braço da lagoa em períodos de cheia. O maciço calcário apresenta uma faixa horizontal nítida, de coloração esbranquiçada, que foi interpretada como sendo a marca deixada pela água da lagoa em eventos de cheia. Com o auxílio da estação total a marca d’água do maciço calcário foi projetada na vertente que se encontra ao sul do sítio, evidenciando que todas as quadras exceto a S-09 e S-10 estiveram submersas durante os picos de cheia (Fig. 7.13 a 7.1-6). As sondagens foram dispostas numa malha ortogonal a cerca de 15 metros uma das outras. Parte da área em que se encontra o sítio é descampada, e parte florestada. Entre a sondagem mais elevada e a menos elevada, S-10 e S-06 respectivamente, existe um desnível de cerca de 9,6 metros. Com exceção da S-10, as sondagens estão localizadas na porção côncava da vertente (Fig. 7.1-3 a 7.1-6). Das 10 sondagens que constituem o sítio arqueológico optamos por descrever apenas as seis que melhor descrevem o perfil topográfico. Figura 7.1-1. Vista aérea da Lagoa do Sumidouro e do Rio das Velhas, indicado pela seta azul. Toda água da Lagoa do Sumidouro desemboca no Rio das Velhas, que é o nível de base regional. A distância entre o sumidouro da lagoa e o rio não passa de 2km. A seta vermelha indica a posição do sítio arqueológico do Sumidouro. Figura 7.1-2. Vista aérea da Lagoa do Sumidouro. A elipse vermelha delimita a área do Sítio Arqueológico do Sumidouro. As setas vermelhas indicam o Córrego do Samambaia. A elipse azul delimita o maciço calcário em cuja base encontra-se o sumidouro através do qual ocorre toda descarga do fluxo hídrico do carste de Lagoa Santa. O nível da lagoa está consideravelmente baixo na imagem. Figura 7.1-3. Vista aérea do Sítio Arqueológico do Sumidouro. O polígono vermelho delimita a área do sítio e a linha amarela indica o trajeto do perfil topográfico. 50 51 52 Sondagem S-06 A sondagem mais baixa do perfil topográfico é a S-06. Esta sondagem foi aberta na etapa de julho de 2007 e sua localização foi determinada em relação à sondagem S-05, localizada 15 metros ao sul desta. Nos primeiros dez centímetros foram identificadas conchas funiliformes de animais aquáticos, evidenciando que se trata de região que deve eventualmente ficar recoberta (ou pelo menos muito próxima) d’água. Atualmente, este mesmo tipo de carapaça pode ser encontrada em grande abundância no sedimento localizado a até 10 metros do nível da Lagoa (uma estimativa visual indica que cerca de 30% da parte superficial do sedimento que margeia a Lagoa é composto por estas carapaças). No segundo nível da escavação foi encontrado um instrumento metálico histórico, provável fecho de carroça. Já no terceiro nível da escavação apareceram os primeiros artefatos líticos: três lascas das quais uma foi feita sobre sílex. Também é a partir do terceiro nível que aparecem os primeiros fragmentos de carvão. A quantidade de artefatos líticos recuperados aumentou no nível seguinte (30-40cm) totalizando 12 lascas. Neste mesmo nível foi recuperado um fragmento de âmbar. No nível seguinte ocorre um aumento expressivo na quantidade de carvão e nenhum artefato foi recuperado. Os níveis seguintes (50-60, 60-70 e 70-80cm) ficaram caracterizados por uma quantidade muito expressiva de carvão. O pico ocorre em 85 fragmentos no nível 60-70, em seguida diminui para 46 fragmentos, para então reduzir drasticamente para 8 fragmentos, já no nível 80-90. Em compensação, neste nível foram recuperados três artefatos líticos feitos em quartzo hialino. É interessante notar que quase nenhum material arqueológico foi recuperado nos níveis ricos em carvão, sugerindo que não se trata de material de origem antrópica. Eventualmente o material poderia ter deslizado de áreas mais altas, como por exemplo da região onde foi escavada a sondagem S-07, muito rica em carvão. Neste mesmo nível foi recuperado um fragmento de quartzo hialino com cerca de 3cm de diâmetro. Se trata do mesmo material presente nos conglomerados (descritos a mais a frente). Este fragmento merece atenção na medida em que o sedimento é constituído quase que plenamente por argila. No que diz respeito à coloração, até o nível 6070cm o sedimento apresentava cor 75YR 4/4 (Marrom), mas a partir do nível 53 70-80cm é possível perceber uma mudança na coloração que se torna ligeiramente mais clara (7,5YR 4/6 – Marrom Escuro). Analogamente conforme aprofunda-se a sondagem, o sedimento vai se tornando cada vez mais duro de ser escavado. O nível 90-100cm também apresentou pouquíssimo carvão mas em compensação 6 lascas feitas em sílex foram recuperadas. Já no nível 100110cm foi encontrada uma concentração muito grande de carvão, cerca de 136 fragmentos. Entretanto, este carvão estava concentrado num único ponto da quadra. Neste mesmo nível foi encontrado um único artefato lítico feito em sílex, de cerca de 4cm de diâmetro (grande para os padrões locais). Este é o nível mais profundo no qual foi recuperado material arqueológico. De maneira similar, o nível seguinte é o último nível em que foram recuperados fragmentos de carvão, ainda que em pequena quantidade. Ou seja, nesta sondagem tanto o material arqueológico como os fragmentos de carvão estão restritos a uma mesma profundidade, notadamente 1,20m. O alcance máximo das raízes também é por volta desta mesma profundidade. Além disso, 1,30m também é a profundidade máxima a que chegam as fissuras mapeadas na seção colunar. Estas fissuras apresentam cerca de meio centímetro de espessura e parecem continuar para dentro das seções colunares. Nas porções superficiais (0-20cm) elas são difíceis de serem identificadas, eventualmente nem mesmo estando presentes. Elas são subverticalizadas e algumas vezes se ramificam dando origem a duas fissuras. Sua densidade na sondagem S-06 é de cerca de duas por seção colunar, ou seja, cerca de uma a cada 50cm. Estas fissuras estão presentes em todas as paredes da sondagem, não apresentando, portanto, nenhuma orientação preferencial. Mais do que isso, também é por volta de um metro de profundidade que o sedimento assume coloração mais amarelada (10YR 5/6 Marrom Amarelado) e passa a apresentar um capeamento de cor negra, provavelmente óxido de manganês. Este capeamento de cor negra encontra-se disperso pelo sedimento atribuindo-lhe um aspecto mosqueado. Alguns torrões de terra retirados do nível 120-130cm estavam “recobertos” por um sedimento muito avermelhado (2,5 YR 3/6) com óxido de ferro (Fig. 7.1-7). 54 Figura 7.1-7. Sondagem S-06. Sedimento avermelhado recoberto com óxido de ferro. O nível 130-140 também apresenta estes capeamentos de óxidos metálicos. Nele foi recuperado um seixo de quartzo leitoso de 6x4cm. Ou seja, parece que existem clastos centimétricos flutuando na matriz argilosa. Inclusive, um destes seixos foi registrado na seção colunar leste da sondagem S-06 a 160cm de profundidade. O último nível a ser escavado na etapa de julho de 2007 foi o 140-150cm. Nele foi registrado um aumento sensível na participação do material escuro (óxido de manganês) mesclado ao sedimento 10YR 5/6. Os trabalhos na sondagem S-06 foram retomados na etapa de julho de 2008. Os dois níveis seguintes (150-160cm e 160-170cm) apresentaram a mais alta concentração de hidróxidos metálicos da sondagem. Quando avaliados pela seção colunar ficou claro que se trata de um nível com cerca de 30cm de espessura, no qual há um acúmulo de óxido de manganês (Fig. 7.1-8; 7.1-10). As feições diapíricas assumidas pelo material de cor escura sugerem que o nível esteja em processo de decomposição. Este nível foi interpretado como óxido de manganês precipitado devido à oscilação do lençol freático. Uma vez que não constitui um horizonte bem delimitado deve estar em processo de desagregação, indicando que sua formação não está vinculada à dinâmica hídrica atual da vertente. O padrão de distribuição das evidências dos 55 processos de redução e oxidação, com concentrações de óxidos de ferro e/ou manganês no interior dos elementos estruturais constitui uma boa indicação do caráter epiáquico deste pacote. Logo abaixo deste nível encontra-se uma camada horizontalizada de cerca de 3 cm de espessura que apresenta inclusões centimétricas de argila vermelha. A delimitação espacial destas inclusões não pôde ser feita com um alto grau de certeza. Ainda assim, algumas feições sugerem que se trate de canais ou túbulos preenchidos que se prolongam para dentro do perfil. Se este fosse o caso, seria possível interpretar este nível como um aquitarde gerador de um plano preferencial para o fluxo hídrico subterrâneo. Figura 7.1-8. Vista em planta do nível 150-160 da sondagem S-06. Detalhe para as manchas negras dispersas pelo sedimento argiloso. 56 Figura 7.1-9. Sondagem S-06, perfil leste. Detalhe, nível a 150cm de profundidade com acúmulo de hidróxido de manganês. Figura 7.1-10. Sondagem S-06 perfil norte. Detalhe do nível de 30cm de espessura rico em hidróxido de manganês. Reparar na morfologia diapirica, sugerindo que está ocorrendo a decomposição do material. 57 Entre os níveis 140-150cm e 160-170cm foram recuperados vários clastos de quartzo leitoso cujo diâmetro máximo oscilava entre 2cm e 8cm. São em sua maioria subangulosos. Sua morfologia lembra muito a de um veio de quartzo. Após o nível de óxido de manganês, que ocorre entre as profundidades de 140 e 160cm, o sedimento volta a assumir coloração 10YR 5/6 (Marrom Amarelado). Com relação ao sedimento de mesma cor que se encontra acima do nível de óxido de manganês o sedimento abaixo dele apresenta uma porcentagem maior de óxido de manganês, disperso pela matriz argilosa. A partir do nível 160-170cm a presença de clastos diminui quase que completamente. Apenas alguns poucos fragmentos de calcário alterado foram recuperados no nível 210-220cm. No nível seguinte foi recuperado um único seixo alongado, sub-anguloso de 2cm de comprimento. O mesmo padrão é recorrente até o nível 260-270cm, quando aparecem os primeiros indícios de que a “linha de cascalho” foi atingida. Ou seja, entre as profundidades de 160cm (fim do nível de hidróxido de manganês) e 260cm (início da linha de cascalho) existe muito pouca variação do sedimento. Ainda assim, é possível identificar uma suave mudança de cor conforme se desce pela seção colunar na qual o Marrom Amarelado (10YR 5/6) assume tonalidades mais escuras (10YR 4/6). Além disso, há uma diminuição na presença dos capeamentos de óxido de manganês conforme se aprofunda no perfil. No que diz respeito à linha de seixos, ela pode ser descrita como um conglomerado clasto-sustentado. É constituído por fragmentos angulosos e sub-angulosos de quartzo leitoso, que em sua maioria se apresentam na fração calhau. Estes fragmentos apresentam uma orientação da trama de cristais de quartzo imprimindo um aspecto “fibroso” à superfície do material. Alguns destes clastos apresentam pequenos (no máximo 1cm de espessura) cristais prismáticos de quartzo hialino, tipicamente presentes nos veios de quartzo encontrados na região. Portanto, interpreta-se este material como proveniente de veios de quartzo da formação Serra de Santa Helena. Além destes fragmentos encontram-se seixos arredondados, de no máximo 3cm, cuja superfície é polida por processos naturais. São muito similares aos seixos encontrados em rios e são interpretados como tal. Ainda que nenhuma abordagem estatística tenha sido empregada, observações de campo indicam 58 que cerca de 85% da fração grossa são constituídas pelos fragmentos subangulosos de quartzo leitoso e apenas os 15% restante seriam compostos pelos seixos arredondados. Os calhaus e seixos encontram-se em contato entre si. Entre os clastos há uma matriz de textura muito argilosa de cor marrom escuro amarelado (10YR 4/6). Esta matriz, entretanto, não deve compor mais do que 20% do pacote. O contato entre este conglomerado e o pacote superior é abrupto, caracterizando uma discordância erosiva. Na porção norte do perfil, o pacote apresenta cerca de 30 cm de espessura enquanto que na porção sul não chega aos 5cm. Caracteriza-se assim uma inclinação para sul. Entretanto, tal topologia deve ser entendida como uma feição localizada. O limite inferior deste conglomerado não pode ser observado. O último nível escavado da sondagem S-06 foi o 290-300cm, no qual ainda estava presente o dito conglomerado. Portanto, é possível resumir as principais feições da sondagem S-06 da seguinte forma: existe um nível superior de cerca de 10cm profundamente afetado pela ação de organismos aquáticos, tal como evidenciado pelas carapaças, e tantos outros tipos de invertebrados. Um instrumento de metal foi encontrado entre 10 e 20cm de profundidade, revelando que este nível não deve ser muito antigo. Entre 10 e 120cm de profundidade o sedimento apresenta cor castanha (Marrom Escuro 7,5 YR 4/4), textura muito argilosa, intensa ação biótica (tal qual indicada por muitas raízes capilares originadas em vegetação rasteira), pouco compacto, porosidade intergranular atribuindo uma aparente permeabilidade, presença de fissuras sub-verticalizadas com cerca de meio centímetro de espessura. Tanto o material arqueológico como os fragmentos de carvão só ocorrem neste intervalo. A abundância de carvão se comporta de forma Gaussiana com pico entre 60 e 70cm de profundidade. No que diz respeito aos artefatos líticos é possível sugerir dois níveis distintos de ocorrência: um primeiro entre 20 e 40 cm e, um segundo, entre 80 e 100cm. É interessante notar que os artefatos líticos ocorrem logo antes e logo depois do nível rico em carvão. No que diz respeito à matéria-prima estão presentes tanto quartzo hialino como sílex em ambos os níveis sugeridos acima. Os níveis inferiores a 120cm são absolutamente estéreis quanto à presença de material arqueológico e carvão. De maneira geral é possível dizer 59 que dos 120cm até o início dos conglomerados o sedimento é basicamente o mesmo: cor marrom amarelado (10YR5/6 para as partes mais próximas aos 120cm e 10YR4/6 para as partes mais próximas à linha de cascalho), textura muito argilosa com alguns clastos esparsos (quartzo leitoso e calcário) flutuando na argila, ausência de ação biótica, ausência de fissuras, muito compacto, porosidade muito incipiente indicando uma menor permeabilidade, presença generalizada de uma capa de óxidos de manganês recobrindo aglomerados de argila. A homogeneidade deste pacote é quebrada por um nível de óxido de manganês com cerca de 25cm de espessura localizado entre 140 e 160cm de profundidade. Imagina-se que este nível tenha se formado pela oscilação do lençol freático. Entretanto, a maneira como o óxido está disposto sugere que, atualmente, ele esteja em fase de decomposição. Na base deste nível de óxido de manganês há uma concentração, de não mais do que 3cm de espessura, de argilas vermelhas dispostas em estruturas que poderiam ser canalículos. Sendo este o caso, esta região deveria acomodar um fluxo preferencial de água subterrânea. Por fim, abaixo deste sedimento, a partir 270cm de profundidade, se encontra o conglomerado. Este é composto majoritariamente por clastos de quartzo leitoso sub-angulosos, muito provavelmente advindos dos veios de quartzo da Fm. Serra de Santa Helena. Entretanto, também estão presentes, ainda que em muito menor proporção, seixos arredondados com superfície polida, típicos de ambientes fluviais. A matriz deste conglomerado parece ser exatamente a mesma argila amarelada. 60 61 62 Sondagem S-05 A sondagem S-05 encontra-se 15 metros a norte da S-06. As maiores concentrações de carvão estão nos dois primeiros níveis sub-superficiais e entre 70 e 130cm de profundidade (Fig. 7.1-13). Já o material lítico ocorre quase que exclusivamente nos quatro primeiros níveis, ainda que algumas peças tenham sido recuperadas a até 150cm de profundidade. A principal característica desta sondagem é a grande quantidade de crotovinas presente entre 50 e 130cm de profundidade. São pelo menos oito crotovinas com formato aproximadamente elíptico, com cerca de 30cm de extensão em seu maior eixo. Estas crotovinas são particularmente importantes na medida em que são preenchidas por dois tipos distintos de sedimento. Em sua metade inferior o sedimento apresenta cores amareladas e, em sua metade superior, cores mais escuras, sendo o contato entre eles sub-horizontalizado (Fig. 7.114). Além das crotovinas, a ação pedoturbadora nesta sondagem também fica evidente através da presença de macro-poros (decimétricos) encontrados a até 250cm de profundidade (Fig. 7.1-15). Por fim, a ação bioturbadora na medida em que promove a mistura de sedimentos de distintos horizontes confere ao material desta sondagem um aspecto variegado no qual porções de sedimento amarelado “intrudem” o pacote mais avermelhado (Figura 7.1-16). Apesar de estar localizada a apenas 15m da sondagem S-06, na qual o nível de cascalheira aparece claramente, a sondagem S-05 não apresenta tal nível. Outra feição peculiar desta sondagem, em comparação às tendências gerais do sítio, é que os níveis mais profundos (250-300cm) apresentam sedimento com cores francamente avermelhadas (5 YR 5/8) e não amareladas. 63 Figura 7.1-13. Seção colunar norte da sondagem S-05. Detalhe das crotovinas em forma de elipses preenchidas por sedimento amarelado. Figura 7.1-14. Seção colunar norte da sondagem S-05. Detalhe de uma crotovina mostrando como em sua metade inferior ela é preenchida por sedimento de cor amarelada enquanto em sua porção superior por sedimento de cor mais escura. 64 Figura 7.1-15. Sondagem S-05. Vista em planta do nível 250cm. Detalhe para as estruturas vazias de tamanho decimétrico, prováveis galerias de insetos. Reparar que o fundo da sondagem apresenta cor avermelhada, estando o pacote com cor amarelada restrito à uma faixa estreita. Figura 7.1-16. Sondagem S-05. A ação bioturbadora imprime ao sedimento um aspecto variegado. 65 66 Sondagem S-04 A sondagem S-04 está entre a S-07 e a S-05 no perfil Norte-Sul. Nela foi recuperado um vaso cerâmico inteiro, ainda que bastante fragmentado, associado a fragmentos de carvão e terra queimada (Fig. 7.1-18). A ocorrência do material arqueológico pode ser dividida em duas zonas. Uma delas, contendo 10 artefatos líticos e o vaso cerâmico vai dos 10cm até os 90cm de profundidade. A outra, que contém 9 artefatos líticos, vai de 160 a 200cm de profundidade. Quanto à presença de carvão, as maiores concentrações estão logo abaixo da superfície e entre 110 e 170cm de profundidade. Foram recuperados 4 fragmentos de âmbar entre 150 e 170cm de profundidade. No nível 180-190cm foram encontradas 4 lascas de quartzo hialino que se remontavam duas a duas. Isso indica que essas peças se movimentaram pouco desde o momento de sua deposição. Entre 240-250cm de profundidade há um nível rico em matéria orgânica que se apresenta na forma de manchas escuras em meio ao sedimento (Fig. 7.1-19). Foram observadas em planta gretas de contração nesse nível orgânico, sugerindo um evento de exposição subaérea (Fig. 7.1-20). Este material foi enviado para ser datado mas até o momento os resultados ainda não ficaram prontos. Logo abaixo deste nível há um horizonte rico em clastos na fração cascalho. Entretanto, a pequena densidade dos clastos e seus tamanho diminutos (não mais do que 6cm) não permitem que este nível seja associado às cascalheiras típicas do sítios tais como encontrada nas sondagens S-03, S-06, S-07 e S-08. Por fim, é importante salientar que a sondagem S-04 apresentou ação marcante de bioturbação na forma de orifícios ocos, inclusive em seus níveis mais profundos (Fig. 7.1-21). 67 Figura 7.1-18. Sondagem S-04. Vaso cerâmico encontrado a cerca de 10cm da superfície. Ainda que bastante fragmentado, o vaso está inteiro. Figura 7.1-19. Sondagem S-04. Detalhe do nível rico em matéria orgânica. Logo abaixo dele é possível visualizar o nível rico em cascalho. Nitidamente não se trata do mesmo tipo descrito em outras sondagens (Vide Fig. 7.4-16) 68 Figura 7.1-20. Sondagem S-04. Vista em planta das feições que foram interpretadas como gretas de contração associadas ao nível rico em material orgânico. Figura 7.1-21. Sondagem S-04. Detalhe do orifício vazio presente a quase 3m de profundidade. 69 70 Sondagem S-07 A Sondagem S-07 encontra-se no limite entre a região florestada e o descampado. No que diz respeito à presença de material arqueológico, das 13 peças encontradas 9 foram recuperadas entre 130 e 200cm de profundidade. Outros três artefatos líticos foram encontrados no nível superficial. Já quanto à presença de carvão pode-se considerar esta como uma sondagem abundante. É possível determinar dois picos distintos de concentração de carvão, um a 20cm de profundidade e outro a 130cm de profundidade. Em ambos os casos há uma distribuição normal dos desvios em relação a estes picos. A ocorrência do pacote mais rico em artefatos líticos (entre 130-200cm) coincide, grosso modo, com o segundo pico de presença de carvão. O sedimento apresenta textura muito argilosa por toda sondagem até o aparecimento da linha de cascalho, a cerca de 260cm de profundidade. Entre a superfície e cerca de 60cm de profundidade predominam cores próximas ao marrom escuro. A partir deste ponto, até a linha de cascalho, há um avermelhamento do sedimento, passando do marrom escuro (7,5YR 5/6) para um vermelho amarelado (5YR 5/8). É apenas na matriz da linha de cascalho que se encontra aquele sedimento francamente amarelado recuperado nas demais sondagens com cor 10YR5/8 (Marrom amarelado). Da mesma maneira que ocorre nas demais sondagens, há um aumento progressivo da compactação do solo conforme aumenta a profundidade. O material constituinte da linha de cascalho é idêntico ao descrito para a sondagem S-09 (Fig 7.1-23). Esta sondagem é profundamente afetada por processos biomecânicos de pedoturbação. A ação de cupins é intensa tal qual explicitado não apenas por uma enorme crotovina de meio metro de extensão a 200cm como pela observação, durante as escavações, de cupins vivos até 277cm de profundidade. Ou seja, mesmo próximo ao limite superior da cascalheira, a ação de cupins ainda está presente. Entretanto, parece que nos níveis mais profundos a ação bioturbadora é menos intensa. Sugestivamente, a base da supracitada crotovina coincide com o fim do material arqueológico e dos carvões. Também estão presentes raízes capilares e de maior porte nos níveis 71 mais superiores (Fig. 7.1-24). No que diz respeito às fissuras sub-verticalizadas elas se prolongam da superfície até o início do nível de cascalho. Esta é a única sondagem na qual as fissuras chegam até o pacote com cascalho. Figura 7.1-23 – Seção colunar leste da sondagem S-07. Detalhe do nível de cascalheira. Figura 7.1-24. Seção Colunar da Sondagem S-07. Detalhe das raízes capilares presentes até cerca de 180cm de profundidade. 72 73 Sondagem S-09 A Sondagem S-09 foi aberta com o objetivo de se obter uma unidade que estivesse acima da cota delimitada pela marca d’água presente no maciço calcário. Sua posição foi determinada a partir do alinhamento Norte-Sul formado pelas sondagens S-06, S-05, B-02 e S-07. Assim ela ficou localizada cerca de 21 metros ao Norte da sondagem S-07. A sondagem S-09 foi a primeira a ser aberta dentro da zona de mata. Próximo a ela, havia dois cupinzeiros com cerca de 40cm de altura e 60cm de diâmetro cada. Ambos aparentam ter sofrido bastante erosão mas, conforme foi possível verificar, ainda são habitados por colônias ativas. Ainda que na sondagem em si não tenha sido reconhecido nenhum cupinzeiro propriamente dito, em seu centro foram encontradas larvas de cupim. Já no primeiro nível da escavação foi recuperado um fragmento de cerâmica com um entalhe na superfície. Os dois primeiros níveis apresentaram muitos fragmentos de carvão, presença marcante de raízes capilares e também de raízes grossas (2-3cm diâmetro). Alguns vermes foram detectados e o sedimento parecia estar muito ressecado. Concreções e nódulos centimétricos de terra de cor escura são encontrados de forma esparsa durante as escavações. Interpreta-se este material como terra queimada. Nos dois níveis seguintes (20-40cm) há uma redução na quantidade de carvões para, em seguida, nos níveis 40-70cm ocorrer um novo aumento. A partir dos 40cm de profundidade há uma nítida diminuição na quantidade de raízes capilares. A partir dos 40cm também é possível detectar uma ligeira mudança na coloração do sedimento, passando do 7,5YR 4\4 para 7,5YR 5\6. Conforme se aprofunda no perfil estas desaparecem, permanecendo apenas raízes mais grossas. O material sedimentar destes níveis é friável e pouco compacto. No nível 6070cm a escavação interceptou, em sua parede Norte, uma porção do cupinzeiro. A partir do nível 70-80cm há uma nova redução na quantidade de carvão. É neste nível que foi recuperado o primeiro artefato lítico desta sondagem. Uma estilha de quartzo hialino que foi coletada sob o número 169. No nível 80-90cm foi encontrada uma “estrutura” bastante comum pelo sítio. 74 Ela apresenta formato esférico, com cerca de 4-5cm de diâmetro. Sua parte externa forma uma crosta de cerca de 3-4mm, que por ser de argila compacta confere resistência à estrutura (Fig. 7.1-26). A parte interna é preenchida pelo mesmo sedimento presente na sondagem. Entretanto, esta estrutura não é uma esfera completa, apresentando um orifício. Ao que parece esta estrutura é um ninho de algum inseto, como besouro ou cigarra. Figura 7.1-26. Estrutura esférica produzida por algum invertebrado. Reparar que logo abaixo e logo acima desta estrutura estão presentes fissuras verticalizadas. No nível 100-110cm há novo aumento nas concentrações de carvão. O sedimento apresenta-se levemente mais compacto e argiloso. Nos dois níveis seguintes há nova redução na quantidade de carvão. No nível 110-120cm uma porção localizada da sondagem apresentou material em fração mais grosseira (cascalho). Entretanto, era uma feição que não se desenvolveu. No nível seguinte foi recuperada uma lasca com cerca de 1cm feita em algum tipo de arenito silicificado. Neste mesmo nível foram recuperados nódulos bem desenvolvidos de hidróxido de manganês. No nível seguinte, 130-140cm, ocorre novo aumento na quantidade de carvões, que permanece elevada pelos próximos quatro níveis. Além disso, neste nível foi recuperada uma daquelas estruturas esféricas descritas acima. No nível seguinte (140-150cm) foi encontrado um ramo de cupinzeiro ativo. Entretanto, não houve maiores desenvolvimentos do cupinzeiro dentro da sondagem. Ao término do nível foi 75 recuperada uma estilha de quartzo hialino. O nível 160-170cm é o mais rico em carvão de toda sondagem, apresentando cerca de 95 fragmentos. Em seguida (nível 170-180cm), há nova redução na quantidade de carvão e o aparecimento de mais uma estilha de quartzo hialino. No nível 180-190cm, a quantidade de carvão diminui e duas estilhas são recolhidas. O sedimento permanece basicamente inalterado, apenas progressivamente mais compacto conforme aprofunda-se a sondagem. Também estão presentes, de forma esparsa, fragmentos sub-angulosos de quartzo leitoso de cerca de 5cm de comprimento. Os dois níveis seguintes são os últimos nos quais há presença, ainda que pequena, de carvão na sondagem. O nível 200-210cm marca uma mudança nítida na coloração do sedimento, que assume tons mais amarelados (7,5YR 5\8). O último artefato lítico foi encontrado no nível 210-220cm, marcando o fim da presença de material arqueológico e carvão na sondagem. A partir de então, o sedimento torna-se cada vez mais amarelado e compacto. A partir do nível 270-280cm a cor é 10YR 6\8, que se mantém até o último nível escavado (320330cm). Portanto, é possível resumir as principais feições da sondagem S-09 da seguinte forma. Entre a superfície e 210cm de profundidade pode-se identificar um horizonte no qual o sedimento apresenta cor Castanha, sendo que nos primeiros 50cm se trata de Castanho Puro (Castanho 7,5 YR 4/4), e entre os 50-210cm de Castanho Escuro (7,5YR 5\6). A textura é muito argilosa, ainda que haja presença esparsa de material na fração de grânulos e cascalho. Próximo à superfície é pouco compacto, com porosidade intergranular, atribuindo uma aparente permeabilidade ao material. Conforme aumenta a profundidade, a compactação aumenta, mas mesmo a 210cm é possível dizer que, pelo menos quando comparado com o sedimento mais amarelado que se encontra abaixo, este material de cor mais avermelhada ainda é menos compacto e mais poroso. Este horizonte também é marcado pela presença de fissuras subverticalizadas que atingem até 210cm de profundidade. Assim como ocorre em outras sondagens, as fissuras estão presentes em todas as paredes, não apresentando portanto nenhuma orientação preferencial. Na seção colunar Norte da Sondagem S-09 foram registradas 3 principais fissuras verticalizadas 76 (Fig. 7.1-27). É comum que estas fissuras passem por regiões onde o sedimento se encontra mais friável em decorrência da ação bioturbadora, sugerindo uma eventual contribuição da biota na formação destas feições. Além disso, foi possível observar carvões dentro das fissuras, comprovando que estas podem potencialmente ser responsáveis por algum grau de movimentação vertical do material arqueológico (Fig. 7.1-28). Dentre as três fissuras duas terminam a cerca de 150cm de profundidade mas outra prolongase até 200cm de profundidade. Esta fissura mais profunda termina na extremidade de uma feição horizontalizada com meio metro de extensão e cerca de 4 cm de espessura. Esta feição contém sedimento friável rico em fração grosseira (cascalho) composta por nódulos de argila e hidróxidos de ferro ou manganês. Ou seja, pelo menos até 200cm de profundidade ocorreu remobilização de sedimento. Por fim, nesta sondagem também foi identificada uma fissura sub-horizontalizada a 180cm de profudidade (Figura 7.1-29). Figura 7.1-27. Seção Colunar Norte da Sondagem S-09. Detalhe das fissuras subverticalizadas indicadas pelos palitos coloridos 77 Figura 7.1-28. Seção Colunar Norte da Sondagem S-09. Detalhe de um carvão (indicado pela seta) localizado dentro de uma fissura vertical. Figura 7.1-29. Colunar Norte da Sondagem S-09. Fissura sub-horizontalizada localizada a 180cm de profundidade. 78 A ação biótica é intensa em toda extensão deste horizonte, conforme indicado pela presença de cupinzeiros tanto a 60cm, como a 150cm de profundidade. Ainda que as raízes capilares estejam restritas aos primeiros 50cm da sondagem, raízes de até 3cm de diâmetro estão presentes até cerca de 170 cm de profundidade. Ainda que em sua maioria estas raízes estivessem em posição sub-horizontalizada, houve uma raiz verticalizada que acompanhou o rebaixamento da sondagem até cerca de 140 cm de profundidade. Por fim, casulos de algum tipo de invertebrado (as estruturas esféricas descritas acima) foram encontrados numa profundidade de até 140cm. A presença de carvão esta limitada, grosso modo, à extensão deste horizonte. É possível identificar pelo menos três picos de abundância de carvão na sondagem. O primeiro deles é logo nos primeiros 20cm abaixo da superfície topográfica. O segundo ocorre entre 40 e 70cm de profundidade. Por fim, há carvão entre 100 e 200cm, com um pico de 95 fragmentos no nível 160-170. No que diz respeito ao material arqueológico foram recuperados 8 artefatos líticos e um fragmento de cerâmico. Os artefatos líticos apresentam tamanho muito pequeno, não excedendo os 2cm no eixo de maior comprimento. Tanto quartzo hialino como sílex foram usados como matéria-prima. Os artefatos líticos estão distribuídos de forma esparsa pela sondagem desde os 80cm até os 220cm de profundidade. Portanto, o fim do nível de material arqueológico coincide com o fim do nível com carvão. Abaixo deste horizonte o sedimento assume cores cada vez mais amareladas, indo de um amarelo avermelhado (7,5YR 5\8|6\8) entre os 220280cm profundidade, até um amarelo acastanhado (10YR 6\8) nos níveis mais profundos da sondagem. Analogamente, ocorre um forte aumento da compactação conforme avança-se na profundidade, o que acarreta numa permeabilidade intergranular muito baixa. Não há nenhum sinal de atividade bioturbadora ou fissuras. Por fim, é importante ressaltar que na sondagem S-09 não ocorre o nível de cascalho descrito em outras sondagens. Entretanto, é preciso levar em consideração que este nível pode estar presente em profundidades maiores, simplesmente não tendo sido alcançado pelas nossas escavações, o que é justamente o que nós assumimos neste trabalho. 79 80 Sondagem S-10 A sondagem S-10 é a mais alta no perfil Norte-Sul, estando cerca de 10 metros a cima da S-06. Nesta sondagem foi recuperado um único artefato lítico, logo no primeiro nível escavado. Portanto, o limite Norte do sítio pode ser estabelecido em algum ponto entre a S-09 e a S-10. No que diz respeito à presença de carvão esta sondagem apresenta uma acumulação muito intensa a 130cm de profundidade. Também há uma acumulação sub-superficial no nível 10-20cm. O último nível em que foi recuperado carvão foi o 210-220 cm, mas desde 170cm de profundidade a concentração já é bem baixa. Quanto ao solo ele é bastante homogêneo, de textura muito argilosa. Da superfície até cerca de 200cm de profundidade apresenta cor vermelho amarelado (5YR 5/6). A partir deste ponto até o fim da sondagem assume cores mais amareladas 7,5YR 6/8. Não atinge, entretanto, nem nos níveis mais profundos, cor francamente amarela tal qual encontrada nas demais sondagens. Entre 280 e 290cm de profundidade foi identificado um nível de cascalho incipiente. Ainda que o material constituinte seja o mesmo dos demais níveis de cascalho do sítio este é muito menos denso, apresentando poucos clastos. Uma feição particular desta sondagem é a existência de pequenos bolsões de uma argila de cor branca, provavelmente caulinita (Fig. 7.1-31). Figura 7.1-31. Sondagem S10. Material argiloso de cor branca encontrado em bolsões de cerca de 10cm de diâmetro. 81 As fissuras sub-verticalizadas atingem 170cm de profundidade e apresentam-se em todas as paredes da sondagem. Portanto, não parece haver nenhuma orientação preferencial das fissuras. Nesta sondagem, o fim das fissuras coincide com o fim da presença de carvões. Além disso, as três raízes registradas na seção colunar (Fig. 7.1-32 – FIGURA AUSENTE) encontram-se também na zona de maior presença de carvão. Como agentes bioturbadores também foram reconhecidas as estruturas esféricas descritas acima, que estavam localizadas justamente dentro de uma fissura sub-vertical a 115cm de profundidade. 82 7.2 DATAÇÕES POR LUMINESCÊNCIA ÓTICAMENTE ESTIMULADA Foram obtidas cinco datações por LOE realizadas pelo Dr. James Feathers, do Laboratório de Luminescência da University of Washington, Seattle, EUA (Tabela 7.2-1). Todas são da coluna sul da sondagem B-01. Dentre as cinco datas disponíveis, não há nenhuma inversão cronológica. As taxas de sedimentação sugeridas por estas datas são: 0,16mm/a entre 1900 e 4300; 0,12mm/a entre 4300 e 9900; 1mm/a entre 9900 e 10100; 0,12mm/ka entre 10100 e 12500 AP. Com exceção da taxa de 1mm/a, os valores obtidos estão de acordo com aqueles encontrados por outros pesquisadores. Gouveia e Pessenda (2000), por exemplo, encontraram taxas de deposição entre 0,21 e 0,26mm/a para colúvios do Brasil Central e Interior Paulista. Em relação às datações radiocarbônicas, as datas obtidas por LOE são sistematicamente mais antigas para uma mesma profundidade. Assim, enquanto a datação por LOE para o nível 140-150cm resulta numa idade de 10100±700 AP, o carvão recuperado no nível 150-160cm resulta numa idade calibrada de 9450 AP. Entretanto, como apenas duas datas 14C estão disponíveis para a sondagem B01 estas relações devem ser vistas com incerteza. As seis amostras coletadas em 2008 foram enviadas para Washington para serem datadas mas foram retornadas pela Receita Federal. No momento estamos pedindo uma autorização para o DNPM para enviar novamente estas amostras. 83 Tabela 7.2-1. Datações por LOE. Nº Amostra Sondagem Profundidade (cm) Data (LOE) UW1392 B-1 10-20 1900±200 UW1391 B-1 50-60 4300±300 UW1390 B-1 120-130 9900±700 UW1389 B-1 140-150 10100±700 UW1388 B-1 170-180 12500±900 7.3 DATAÇÕES RADIOCARBÔNIBICA Foram obtidas 16 datações radiocarbônicas (Tabela 7.2-1). Todas as idades 14C serão apresentadas tanto em anos antes do presente (AP) como em sua forma calibrada para anos calêndricos. De maneira geral, existe coerência entre as datas. Ou seja, os carvões coletados das porções mais profundas das sondagens apresentam datas mais antigas. A unidade de escavação mais bem datada até o momento é a sondagem S-04. No nível 20-30cm, rico em material cerâmico e artefatos líticos, as idades são de 340 e 540 AP e, dois níveis abaixo, a idade é de 1350 AP. A próxima idade disponível encontra-se já no nível 100-110cm e é de 2210 AP. Logo abaixo dela, uma idade de 4220 AP evidencia a primeira incongruência nas datas. A próxima data de 3450 AP é a primeira inversão cronológica do perfil. Os níveis 120-130cm até 150-160cm estão muito bem caracterizados por seis datações radiocarbônicas. Apesar de existirem algumas inversões cronológicas estas são pouco expressivas e de maneira geral, estas seis datas seguem uma lógica temporal com início em 3450 AP e fim em 5820 BP. Em nenhum destes níveis há material arqueológico. A datação seguinte está no nível 220-230cm e é de 5860 AP. Ou seja, apesar de se localizar a mais de 70cm abaixo daquele pacote com seis datações, este carvão se encontra absolutamente dentro do espectro temporal 84 do dito pacote. Da mesma maneira, no nível 230-240cm um carvão foi datado em 430 AP, tratando-se da data mais “problemática” da sondagem S-04. Entretanto, justamente por se tratar de uma aberração tão nítida, a data de 430AP não é capaz de ameaçar a legitimidade das outras datas do perfil. Por outro lado, se levarmos em conta a data de 5860AP do nível 220-230, fica evidente que processos de migração vertical estão ocorrendo de maneira expressiva no sítio. Assumindo-se que as datas de 340 e 540 AP no nível 2030cm sejam autóctones no perfil, então o carvão datado em 430 AP deve ter migrado cerca de 2,2m até o local onde foi recolhido. Analogamente, o carvão datado em 5860AP teria de ter migrado cerca de 70cm verticalmente. Esta migração vertical pode ser atribuída basicamente a dois fatores. Por um lado, animais escavadores e raízes de árvores geram zonas de bioturbação pelas quais os materiais de níveis superiores podem migrar para níveis inferiores. Além disso, o fato da textura do solo do sítio e de seu entorno ser muito argilosa (ver seção 7.4), junto com a existência de uma distinção marcante entre as estações secas e úmidas, leva à formação de fissuras pelas quais a migração vertical também pode ocorrer. Os dois tipos de feições foram observados nas secções colunares descritas na etapa de campo de julho de 2008. 85 Tabela 7.3-1. Datas radiocarbônicas N º Amostra Sondagem Profundidade (cm) Idade Convencional (AP) Idade Calibrada Delta 13C 1181 S-04 25 340± 40 500 até 300 -25.8 1136 S-04 20-30 510±40 620 até 610 ou 560 até 500 -27.1 814 S-04 31 400±40 520 até 420 -26.6 1180 S-04 46 1350±40 1320 até 1240 ou1200 até 1190 -26.4 1104 S-04 100-110 2210±40 2340 até 2120 -24 1105 S-04 110-120 4220±40 -25.7 1173 S-04 130 3450±40 4850 até 4800 ou 4760 até 4690 ou 4680 até 4640 3830 até 3620 1176 S-04 135 4640±40 5470 até 5300 -26.5 1102 S-04 130-140 4580±50 -26.4 1103 S-04 140-150 5810±40 5450 até 5380 ou 5330 até 5220 ou 5190 até 5060 6720 até 6500 1174 S-04 146 4460±40 5290 até 4960 ou 4920 até 4910 -24.3 1175 S-04 154 5130±40 5940 até 5860 ou 5830 até 5750 -25.5 1101 S-04 220-230 5860±50 6790 até 6550 -25.7 1019 S-04 230-240 450±40 540 até 470 -27.5 0137 B-01 130-140 5030±70 5920 até 5600 -25.6 0160 B-01 150-160 8310±40 9450 até 9240 -25.3 -25.8 -25.8 86 7.4 ANÁLISES GRANULOMÉTRICAS Todas as 15 amostras para as quais foram estabelecidas as distribuições granulométricas são da sondagem B-2. Com isso, foi possível estabelecer o comportamento granulométrico ao longo da coluna. Fica evidente que se trata de material com predomínio da fração argila. Estes resultados estão de acordo com as descrições fornecidas por Piló (1998) e por CPRM (2000), segundo os quais os solos da região apresentam, caracteristicamente, textura argilosa e muito argilosa. É possível perceber um aumento tênue na porcentagem da fração argila conforme se aprofunda no perfil. Assim, os níveis mais superficiais apresentam cerca de 55% de argila enquanto que a 2m de profundidade a argila responde por cerca de 70% do total do sedimento. Abaixo de 2m, entretanto, há um aumento sensível na participação da fração areia, com uma conseqüente diminuição da fração argila. Os resultados estão sintetizados no gráfico da Figura 7.4-1. 100% 90% 80% 70% 60% 50% Areia 40% Silte 30% Argila 20% 10% 0% 15 25 45 55 95 125 145 155 165 185 195 205 235 245 255 Profundidade (Cm) Obs: Nem todos os níveis foram analisados Figura 7.4-1. Contribuição das frações argila, silte e areia para cada nível de 10 cm. 87 8. DISCUSSÃO e CONCLUSÕES O objetivo deste trabalho é integrar dados de cunho arqueológico, geológico e geomorfológico, de maneira a permitir que as informações advindas de diferentes disciplinas, comumente estanques, possam ser integradas em uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar, evitando a simples acumulação de informações na forma de apêndices e anexos. Nosso objetivo transcende o tradicional empréstimo que a arqueologia costuma fazer das Ciências da Terra, uma vez que não só os dados arqueológicos puderam ser melhor entendidos por meio de uma abordagem geológica e geomorfológica, mas também a observação e análise dos dados arqueológicos permitiram que se procedesse a algumas interpretações e se colocassem algumas questões a serem pensadas por pesquisadores de outras áreas. Além das particularidades de cada sondagem é possível observar alguns elementos gerais que podem se relacionar diretamente com os processos de formação do sítio arqueológico. O sítio do Sumidouro é composto basicamente por três horizontes pedológicos distintos. O horizonte superior apresenta cores próximas ao marrom e ao vermelho (7.5YR 5/6; 5YR 4/4; 5YR 5/4), é profundamente bioturbado, apresenta porosidade intergranular e uma grande permeabilidade. Outra característica fundamental é que o material arqueológico está restrito a esse primeiro horizonte. Abaixo dele encontra-se um horizonte composto por um solo muito mais compactado, sem porosidade intergranular e pouca evidência de ação bioturbadora. Apresenta cores amarelas caraterísticas (7.5 YR 6/8) e é chamado pela população local de “aricanga”. Ainda que ambos os horizontes tenham textura muito argilosa, há um aumento na proporção de argila conforme se passa do horizonte mais avermelhado para o horizonte mais amarelado, o que pode eventualmente se dar por translocação de argilas. Estes horizontes estão presentes em toda região do carste de Lagoa Santa, não constituindo assim uma feição particular do sítio arqueológico em questão (Piló, 1998). O terceiro horizonte é constituído por uma cascalheira composta majoritariamente por calhaus de quartzo leitoso oriundos de veios da Fm. Serra 88 de Santa Helena, contendo, também, uma proporção menor de seixos rolados, típicos de ambiente fluvial. A profundidade relativa e espessura dos dois primeiros horizontes parece estar fortemente determinada pela sua posição topográfica na vertente. Assim, nas sondagens mais próximas à lagoa (ex. S-06), a transição entre o horizonte superior e o horizonte de cor amarela ocorre a cerca de 100cm de profundidade. Já em sondagens em cotas intermediárias como a S-07 a transição ocorre a 150cm. Na sondagem S-09, a transição ocorre a quase 280cm de profundidade. Por fim, na sondagem S-10, que se localiza 70 metros a sul e está topograficamente elevada em 11 metros acima da S-06, o horizonte amarelado sequer aparece. A mesma relação não pode ser observada para o nível rico em cascalho, já que ele pode ou não estar presente numa mesma cota da vertente. Parece que este horizonte inicia-se preferencialmente entre 200 e 250cm de profundidade, sendo constituído ora por pacotes densos e espessos (ex: S-06 e S-03) ora por pacotes mais esparsos e finos (ex: S-05 e S-10). Geralmente essas cascalheiras são consideradas como relíquias de eventos de aridez, sendo a elas imputado um significado paleoclimático. São o que autores como Ab’Sáber (1966) e Bigarella et al. (1965) chamaram de “paleopavimentos detríticos” (com conotação interpretativa) ou o que outros autores denominam “stone lines” ou “linhas de pedra” (com conotação descritiva). No caso do Sítio do Sumidouro, é patente o caráter descontínuo dessa cascalheira, o que sugere, ao invés de um pavimento, o preenchimento de ravinas por seixos advindos das porções superiores da vertente. Ainda assim, é possível que tais cascalheiras tenham significado paleoambiental, uma vez que podem ser o resultado do ravinamento produzido por eventos de chuva torrencial em meio a períodos geralmente secos, com escassa cobertura vegetal. No maciço calcário é possível identificar diversas marcas d’água, sendo uma delas especialmente proeminente. Esta marca encontra-se a cerca de 12 metros acima do atual nível da lagoa (julho 2008). Relatos orais descrevem a ocorrência de uma grande cheia da Lagoa do Sumidouro durante boa parte da década de 1940. Assumimos, portanto, que a dita marca seja decorrência deste grande evento de cheia. Seja este o caso ou não, ao projetarmos a 89 marca d’água na vertente sul do sítio arqueológico, verificamos que ela coincidia não só com o limite entre a mata e o descampado como também com uma quebra de relevo (knick-point), provável margem da lagoa durante tal evento de cheia. Isto significa que, com exceção de duas sondagens (S-09 e S10), todas as demais se encontraram submersas durante considerável período de tempo. As conseqüências de tal fato não são certas, mas algumas sugestões podem ser feitas. Em primeiro lugar é preciso que se considere o efeito que uma lâmina d’água mais alta teria sobre a vertente. Partindo do pressuposto que a grande cheia dos anos 1940 deve ter se repetido inúmeras vezes ao longo dos milênios, a erosão laminar pode ter sido bastante ativa em grande parte do sítio. Que a última grande cheia tenha formado uma quebra de relevo é fato bastante sugestivo. A Lagoa do Sumidouro apresenta duas características que podem favorecer, de maneira bastante incisiva, a erosão das margens: 1) flutuações sazonais extremas no nível d’água; e 2) a existência de um sumidouro, ou ponto de escoamento por onde toda a água é drenada periodicamente, ao menos uma vez por ano. Se levarmos em conta que o material que chega à lagoa é predominantemente constituído por argila (vide item 7.3), seria esperado que o efeito das ondas nas margens resultasse na remoção de boa parcela do solo, constituído de material fino. Os artefatos arqueológicos, por sua vez, tenderiam a sofrer menos transporte. Esta hipótese poderia explicar a menor espessura do horizonte superior de solo (avermelhado) nas porções mais baixas da vertente. Apesar de intuitivamente esperarmos uma maior espessura de colúvio avermelhado na porção mais baixa e mais plana da vertente, ocorreu justamente o contrário. Todas as sondagens escavadas apresentaram material arqueológico. Ainda assim, é possível perceber uma tendência de aumento na concentração conforme se desce a vertente. Assim, a sondagem S-09 apresenta 8 artefatos recuperados e, a sondagem S-06, 28 artefatos recuperados. Arqueologicamente isto poderia ser explicado na medida em que regiões com cotas mais baixas tivessem sido utilizadas de forma mais intensa pelos Paleoíndios. Alternativamente, a maior concentração nas porções mais baixas da vertente poderia ser resultado de um acúmulo decorrente da erosão das porções superiores. Algumas observações 90 parecem apoiar a idéia de que processos erosivos tenham ocorrido nas porções inferiores da vertente. Enquanto que na S-09 (alta vertente) o pacote arqueológico tem início a cerca de 100cm de profundidade na S-06 (baixa vertente) ele está logo abaixo da superfície. Ainda assim, ambos pacotes apresentam uma espessura na ordem de 90cm. Poder-se-ia sugerir que os cerca de 100 cm de sedimento que recobrem o pacote arqueológico na alta vertente foram removidos pela erosão. Isto seria também uma maneira alternativa para entender a redução (também de cerca de 100cm) na espessura do horizonte superior de cor avermelhada conforme se desce a vertente. Quando esse colúvio proveniente das porções superiores chegasse na baixa vertente, seria mais facilmente erodido por ação da lagoa, sendo a fração fina removida diferencialmente, concentrando os artefatos em um pacote menos espesso. Desse modo, a sondagem S-06 representaria um conjunto heterogêneo, uma composição de artefatos in situ associados a artefatos que foram erodidos de porções superiores da vertente. Além destes efeitos estritamente geogênicos, é possível que tais eventos de grande cheia tenham algum tipo de impacto sobre a distribuição do material arqueológico propriamente dito. Estudos de monitoramento realizados nas margens de lagos nos EUA (Will & Clark 1996) mostram que pode haver movimentação considerável de artefatos vertente acima, especialmente por ação de ondas. É tambem preciso que se leve em consideração que praticamente todo o sedimento do sítio arqueológico e do entorno da lagoa apresenta textura argilosa. Espera-se, portanto, que haja uma considerável diminuição volumétrica após a secagem da área alagada levando à formação de fissuras no solo. Em alguns trechos da margem atual da lagoa (fora do sítio) foram observadas fissuras de até 3cm de espessura que se prolongavam por mais de 30 metros. Supõe-se que logo após um evento de grande cheia, fissuras ainda maiores possam ter se formado. Conforme descrito acima, fissuras de até 1cm de espessura estão presentes nas sondagens. Ainda que não seja uma regra, em pelo menos três sondagens (S-06, S-08 e S-09) foi possível observar que existe uma coincidência entre o fim do nível arqueológico, das ocorrências de carvão, e da profundidade máxima das fissuras. Além disso, foram observados 91 carvões dentro das ditas fissuras. Portanto, é possível que ocorra migração vertical de peças por tais fissuras. Entretanto, não se pode afirmar que este fenômeno seja importante a ponto de alterar a relação estratigráfica entre os artefatos e os carvões. Com relação aos carvões, nas sondagens S-07, S-09 e S-10 sua distribuição é caracteristicamente normal, com um pico em torno de 150cm de profundidade. Ainda nesse sentido, é importante realçar que esta distribuição não parece estar associada diretamente ao material arqueológico. Tal observação foi feita em várias sondagens, principalmente na B-01, onde a maior concentração de carvão não coincide com os níveis arqueológicos, e na S-10, sondagem sem material arqueológico. Outro ponto importante é que nas sondagens localizadas abaixo da cota d’água da grande cheia a distribuição de carvão não segue o mesmo padrão tão bem definido. Tais dados sugerem que a produção de carvão ao longo do Holoceno se deu mais por fatores naturais (fogo de cerrado) do que por ação humana (fogueiras). Outro dado importante fornecido pelo comportamento quantitativo dos carvões no sítio é que, enquanto há um aumento na quantidade de material arqueológico nas porções mais inferiores da vertente, há também uma sensível diminuição na quantidade de carvão. Tal observação reforça a hipótese de erosão nas porções mais baixas da vertente, uma vez que a ação das ondas removeria facilmente os carvões, muito menos densos do que os artefatos de pedra. Outra questão fundamental diz respeito à dispersão vertical do material arqueológico. Enquanto nas sondagens S-06 e S-09 existe um único nível de material arqueológico, em sondagens como S-04, S-08, S-03 e B-02 o material arqueológico encontra-se dividido em dois níveis razoavelmente distintos. Determinar se estes níveis distintos representam ou não dois eventos separados no tempo de ocupação humana é um dos principais objetivos deste trabalho. Em ambos os níveis estão presentes artefatos líticos, mas apenas no nível superior é que foi encontrado material cerâmico. Isto sugere que a distinção entre os dois níveis seja real. Além disso, a integridade do vaso cerâmico recuperado na S-04 e as lascas localizadas próximas umas das outras e que remontavam sugerem que o grau de movimentação não tenha sido intenso. Já as datações radiocarbônicas apontam para um quadro no qual, 92 apesar de ocorrerem algumas inversões, há uma coerência que indica que o material arqueológico se encontra in situ. Novamente, estes dados se coadunam com a hipótese de erosão por ação de ondas na porção inferior da vertente, com aumento da concentração de peças na sondagem S-06 devido à remoção diferencial de material fino. No caso da sondagem S-09, topograficamente mais alta, a ocorrência de apenas um nível arqueológico, com peças esparsas, pode se dever tanto à não existência de ocupação humana mais antiga neste ponto da vertente, como ao fato de ela existir, mas estar mais profunda (a sondagem foi escavada até 3m de profundidade). Por fim, os dados obtidos pela escavação do sítio suscitaram uma importante questão a respeito das relações entre os horizontes de solo, principalmente envolvendo sua cronologia e seu significado paleoambiental. Foi observado, tanto no Sítio do Sumidouro como no Sítio Coqueirinho, localizado na mesma situação, que os materiais arqueológicos sempre estão associados ao horizonte de solo superior, bruno-avermelhado, e nunca ocorrem no horizonte de solo inferior, amarelado, independente da espessura dos mesmos. O mesmo pode ser dito dos carvões. Tal fato sugere fortemente que o limite entre os horizontes de solo é eminentemente cronológico, e não relacionado a circulação de água, topografia ou quaisquer outros fatores microclimáticos ou geoquímicos atuais / subatuais. Ou seja, segundo este modelo o horizonte amarelo estaria se transformando no horizonte vermelho. O principal agente desta transformação seriam plantas e animais. O exemplo da sondagem S-05 é muito sugestivo neste sentido já que, apesar de estarem localizadas nos níveis de material mais avermelhado, as crotovinas estão preenchidas por sedimento nitidamente amarelo. Tal transformação teria se iniciado antes, mas talvez não muito antes, da chegada dos primeiros humanos na região de Lagoa Santa. Esses primeiros habitantes teriam “pisado” sobre o solo bruno-avermelhado, que na época seria ainda pouco espesso. Cabe então a pergunta: o que teria promovido tal transformação? Uma possibilidade seria justamente o aumento das condições de temperatura e umidade que ocorreram após o Último Máximo Glacial (UMG), promovendo consigo o aumento da flora e da fauna de solo. A ausência de carvões no horizonte de solo amarelado seguiria o mesmo 93 raciocínio, na medida em que a vegetação durante o UMG seria muito esparsa, talvez composta de gramíneas. Trabalhos futuros devem ser desenvolvidos no intuito de melhor esclarecer os pontos discutidos acima. A relação entre os três horizontes pedológicos presentes no sítio poderá ser melhor entendida frente à uma caracterização geoquímica e micromorfológica. Amostras da matriz argilosa da linha de cascalho foram enviadas para serem datadas por LOE o que permitirá, através da correlação entre distintas sondagens, verificar se este horizonte possui ou não um significado cronológico. Futuras análises tipológicas dos artefatos líticos ajudarão a avaliar se existe ou não mais de um nível de ocupação do sítio. Para avaliar a ocorrência de migração vertical das peças seria interessante proceder à pesagem dos artefatos e verificar se existe algum tipo de correlação entre profundidade da sondagem e a massa da pedra. Analogamente, a pesagem do carvão permitirá uma avaliação mais precisa da abundância relativa deste, tanto dentro como entre as sondagens. Igualmente importante será datar mais sondagens, especialmente a S-09, única com material arqueológico localizada acima do nível d’água da cheia de 1940. Esta monografia procurou apresentar os múltiplos aspectos que estão envolvidos no entendimento de um sítio arqueológico. Demos ênfase aos processos naturais que podem potencialmente modificar o registro arqueológico. Nitidamente, mesmo os três princípios básicos da estratigrafia não podem ser tomados como certos. Entretanto, e ai reside a principal contribuição desta monografia, essa complexidade do registro arqueológico não é auto-evidente. Caso não tivessem sido feitas 14 datações para uma única sondagem de 1m2 muito dificilmente se perceberiam as inversões cronológicas por nós observadas. Não se tivesse datado uma mesma sondagem por dois métodos distintos não teríamos observado as discrepância entre eles. Sem os perfis detalhados de cada sondagem não teríamos reparado nas relações entre os distintos horizontes e sua relação com o material arqueológico. Da mesma maneira, se não tivéssemos mapeado meticulosamente cada uma das fissuras verticais, jamais notaríamos que nestas residem carvões tão pequenos que quase não podem ser vistos. Ou seja, é apenas vendando os olhos que é possível encontrar um sítio que não 94 tenha sido modificado por processos geogênicos. O estudo geoarqueológico comumente contribui mais para complicar do que para simplificar a interpretação de um sítio arqueológico. Não se trata, entretanto, de afirmar que a geoarqueolgia gere mais perguntas do que respostas, mas sim que o estudo geoarqueológico traz à tona questões fundamentais que de outra maneira jamais seriam feitas. 95 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ab’Sáber, A. N. 1966. Revisão dos conhecimentos sobre horizonte subsuperficial de cascalhos inhumados do Brasil Oriental. Notícia Geomorfologica, ano VI, Campinas, v.11: 59-80 Alkmim, F.F. Brito-Neves, B.B. Alves, J.A.C. 1993. Arcabouço tectônico do Cráton do São Francisco – uma revisão. Congresso Brasileiro de Geologia Alkmim, F.F. 2004. O que faz de um cráton um cráton O cráton do São Francisco e as revelações almeidianas ao delimitá-lo. In: Mantesso-Neto, V. Bartorelli, A. Carneiro, C.D.R. 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