06 Capítulo 2 - A bicicleta

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06 Capítulo 2 - A bicicleta
Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas
2 A BICICLETA
2 A BICICLETA
2.1
Breve histórico sobre a bicicleta
A bicicleta, desde a sua origem, tem sido a mais eficiente máquina já criada para
converter energia humana em propulsão. Como citado em Super Interessante
(1990:v.4:21), “apenas irrisório 1% da energia transmitida à roda traseira se perde, o
que torna possível ao ciclista manter facilmente a marcha entre 16 e 19 quilômetros
por hora [...] quase quatro vezes a velocidade do caminhar”, este fato tem despertado
alguns a realizar estudos a seu respeito e seus aficionados a passar a utiliza-la, seja para
lazer, esporte ou transporte.
De acordo com dados levantados por Pequini (2000:2.1), não se sabe ao certo a data
de nascimento da bicicleta, assim como quem foi seu inventor. Apontam-se como
seus autores, Leonardo Da Vinci e o Conde Sirvac. Tem-se também sua
representação nos baixo-relevos do Egito e Babilônia e em afrescos de Pompéia, o
que torna seu surgimento ainda mais impreciso.
A autora ainda menciona que em
poucos registros encontrados temse que em 1790, após uma série de
estudos, o Conde Sirvac inventou
o que chamou de celerífero, que
significa velocidade, marcha, ou
cavalo de duas rodas (Figura 2.1).
Esse invento era bastante rude,
Figura 2.1 – Celerífero
Fonte: Pequini (2000:2.2).
composto por uma trave de
madeira prolongada por
uma cabeça de animal e colocada sobre duas rodas, também de madeira, uma atrás da
outra, com direção fixa. A arrancada era dada com os pés firmes no chão os quais o
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impulsionava, com a ajuda de alguém que o empurrasse, pois não tinha tração na roda
como as de hoje.
Apesar de muito primitivo, com grandes passadas alcançava-se velocidade média de
oito ou nove quilômetros por hora. Do ponto de vista da Ergonomia, não devia ser
nada cômodo, pois os impactos sofridos pelo celerífero abalavam diretamente o
motorista por falta de amortecimento. O seu maior problema, porém, era o fato de
não ser dirigível, o que o tornava inviável como meio de transporte.
Pode-se imaginar a dificuldade que se tinha para conduzir um celerífero, devido ao
fato de que, em alta velocidade, era praticamente impossível guiá-lo numa curva, o
que somente se conseguia fazendo uso da força bruta, esmurrando a cabeça do
invento.
De acordo com Rauck et al. (apud
PEQUINI, 2000:2.5), o aperfeiçoamento
do celerífero se deu a partir da criação da
Drasiana (Figura 2.2) pelo Barão Karl Drais
von Sauerbronn, em 1816, quando ele
acrescentou molas ao assento e o guidão.
É considerada a primeira bicicleta dirigível
e foi criada em madeira.
Figura 2.2 – Drasiana do Barão Von Drais.
Fonte: Pequini (2000:2.4).
Rauck ainda relata que, em 1818, Drais
conseguiu a patente do seu veículo por
dez anos. O fato de ser dirigível
transformou-a em um grande meio de transporte, pois, com a direção, tornava-se
fácil conduzi-la e manter o equilíbrio. Em 1817, percorreu 50 quilômetros em uma
hora do trajeto que o correio da época levava quatro horas para percorrer. A partir
daí, a imprensa começou a divulgá-lo, alegando que era uma das novidades mais
importantes no campo das ciências mecânicas, o que o fez conhecido por toda a
Alemanha.
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Mas, já em outubro de 1817, Georg von Reichenbach, engenheiro da corte de Maiz,
cria um veículo com os mesmos princípios da drasiana, porém com um centro de
gravidade bem mais baixo, devido ao fato de que a barra que servia de trave e assento
era muito baixa. Tinha, contudo, um assento acolchoado que podia subir e descer
para acomodar os diversos tamanhos de usuários. A roda traseira movia-se dentro de
um garfo. O garfo dianteiro era arqueado como aparece na Figura 2.3 (PEQUINI,
2000:2.5).
Em 1819, ele lança a bicicleta para damas, que tinha armação de madeira recoberta de
ferro muito curvada para abaixar, de maneira que as damas não tivessem problemas
com as saias longas e fartas. Apesar de inúmeros inventos depois do surgimento do
celrífero e da drasiana, todos os autores são unânimes em afirmar que Drais é o
inventor da bicicleta dirigível, ficando conhecido como “pai espiritual da bicicleta”,
segundo dados levantados por Pequini (2000:2.7).
A autora também ressalta que as
bicicletas foram evoluindo em sua
forma de dirigir e com assentos
reguláveis e outros acessórios,
porém faltava ainda a criação de um
mecanismo de propulsão que não
fosse o contato dos pés com o chão.
Perguntavam ao Barão Drais por
que ele não havia construído
bicicletas que fossem impulsionadas
com manivelas, mecanismo já
utilizado desde séculos anteriores,
nos coches de tração muscular. Ele,
porém, defendia seu sistema de
impulsão direta contra o solo,
Figura 2.3- Drasiana de George von Reichenblank
1817. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.6).
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alegando que nós temos mais força
nas pernas que nos braços.
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Pequini (2000:2.10) ainda observa que já havia estudos a este respeito desde 1817,
porém era tudo muito complicado e nada realizável. O mecanismo foi estudado nessa
época pelo mecânico Neremberg Johan Carl Siegismund Bauer (Figura 2.4). Contudo
não tardou muito para em 1821, o inglês Lewis Compertz dar uma solução, que ainda
consumia muita energia humana (Figura 2.5). Acoplou a uma drasiana um mecanismo
composto por uma manivela e uma roda dentada que impulsionava a roda dianteira.
Figura 2.4 – Drasiana com mecanismo de
propulsão de Nerembereg Bauer.
Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11).
Figura 2.5 - Bicicleta de Compertz com
manivela e roda dentada.
Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11).
A autora que, também em 1838, Kirkpark MacMillan, ferreiro escocês, aclopou
elementos ao eixo da roda traseira a qual, através de duas manivelas, se acionava com
dois pedais unidos à parte dianteira do quadro e, pela primeira vez, torna-se realidade
a tração da roda traseira, mecanismo utilizado até hoje.
De acordo ainda com Pequini (2000), depois de um espaço de quinze anos, em 1853,
o alemão Philip Moritz Ficher, montou um par de manivelas à roda dianteira de uma
drasiana e aros metálicos a ambas as rodas, transformando-a assim numa bicicleta.
Apesar do sucesso, este invento não influenciou no desenvolvimento da bicicleta.
Pequini (2000) continua a citar uma série de evoluções tecnológicas ocorridas na
bicicleta, algumas das quais relatamos algumas a seguir:
No ano de 1861, Pierre Michaux, um construtor de carruagem colocou dois pedais
facilitando sua impulsão (Figura 2.6).
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Figura 2.6 - Drasiana com pedais. Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.13).
Aparecem as Lallemente, construídas por Pierre Lallamente em Paris, e que logo
consegue patente americana. Não teve, porém, o êxito comercial como esperava.
Havia outras bicicletas com manivela aclopadas à roda dianteira, porém não se sabe ao
certo se foram inventadas ou copiadas, como é o caso de uma bicicleta construída em
1844 por Gattilieb Mylius e seu filho, Heinrich von Mylius. Uma outra bicicleta italiana,
que se encontra no Museu Nacional da Ciência e Tecnologia Leonardo Da Vinci, em
Milão a qual se atribui sua construção ao ano de 1855, o que é improvável devido ao
fato de seu assento possuir molas de lâminas, o que não era característico da época.
James Starley inventou os raios e Jules Truffant escavou o aro da roda, cobrindo-o de
borracha. Robert Thompson, em 1815, requereu a patente para o tubo de borracha.
O escocês Thomas McCall, equipou a bicicleta de MacMillan com freios. Surge na
Itália, em 1868, um modelo bastante delicado deste estilo de bicicleta. Em Nova York,
dois americanos deram continuidade às bicicletas do tipo MacMillan.
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Surgem, em 1869, os modelos de bicicletas com tração traseira construídas por Trefz,
um professor de Stuttgart, modernizando definitivamente a técnica de tração com
pedal. Ele substituiu o pedal oscilante, criado por MacMillan, por um pedal com
manivela através de varas. (Figura 2.7)
Figura 2.7- Bicicleta tipo MacMillan de
tração com pedal.
Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.18).
Figura 2.8 - Primeira bicicleta com tração
por corrente contínua de transmissão
Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.19).
Nesse mesmo ano, Micahux constrói em Paris uma grande fábrica de bicicletas. Mas o
descobrimento mais significativo deste ano foi relativo a Guilmet-Meyer com a criação
da tração não mais sobre a roda traseira, mas, pela primeira vez, através de uma
corrente continua de transmissão, que se tornou antecessora imediata das bicicletas
atuais (Figura 2.8).
As bicicletas de roda dianteira maior que a roda traseira (Figura 2.9) eram muito
perigosas devido ao fato de a parte dianteira ser bem mais pesada que a traseira o que
provocava o seu capotamento facilmente. O aumento de tamanho das rodas
dianteiras se explicava porque, quanto maiores fossem, mais velocidade se conseguia.
Isto também passou a ser sinônimo de status, pois, quanto mais alto estivesse o
motorista mais distante dos outros ficava. Eram tão perigosas que foi criado um
dispositivo para que o guidão se soltasse facilmente caso ela capotasse não deixando o
ciclista preso nele. Elas chegaram a ter rodas de um metro e meio de diâmetro.
As firmas Singer & Co., Hilman, Herbert & Cooper, produziram em 1884, na cidade
de Coventry, a bicilceta de segurança chamada “kangaroo” (Figura 2.10), ou seja,
canguru, que possuía, para evitar as perigosas capotagens, novamente uma roda
dianteira menor, ou seja, de tamanho igual a roda traseira.
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Figura 2.9 - Bicicletas com roda dianteira
maior que a roda traseira
Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.21)
Figura 2.10 - Bicicleta Kangaroo
Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.22)
Em 1887, John Bloyd Dunlop descobre o pneu a ar, sendo a Fire Fly da firma Cycle
Co., uma das primeiras bicicletas equipadas em série com pneus a ar. O tubo era
muito rudimentar, quando estourava ou furava, gastavam-se várias horas para o seu
reparo. Mas mesmo assim, em 1891, Cahrles Terront venceu a prova Paris-Brest,
mesmo depois de ter furado o pneu cinco vezes, com uma vantagem de oito horas
sobre o segundo colocado, que correu com rolos de borracha.
A popularidade que a bicicleta consegue com este invento é enorme, já existiam cinco
mil ciclistas em 1890 somente na França. Dez anos depois, este número já era de dez
milhões.
A bicicleta foi utilizada durante a guerra pelas unidades de infantaria da Itália, França e
logo também pela Holanda, Bélgica e Espanha como meio de transporte, quando foi
criada a bicicleta dobrável, que os soldados a carregavam nas costas como mochilas
(Figura 2.11).
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John Starley termina a era das bicicletas altas lançando a sua bicicleta Rover III, com
quadro trapezoidal curvado e rodas com raios tangenciais de tamanhos quase iguais e
transmissão por corrente para a roda traseira (Figura 2.12).
A partir daí, foram inúmeras as inovações com o sucesso da BMX nos anos 70 (Figura
2.13), da Mountain Bike nos anos 80 (Figura 2.14), até chegarmos aos dias atuais com
o exemplar dos anos 90 da Multi Sport Zipp-Speed considerada a bicicleta mais
aerodinâmica já projetada até hoje (Figura 2.15).
Figura 2.11 - Bicicleta dobrável
Fonte: Pequini (2000:2.23).
Figura 2.12- Bicicleta Rover III
Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.24).
Foi criada uma série de acessórios que tornaram a bicicleta mais ágil e confortável,
como: suspensão, freios a disco e até hidráulicos, pneus adequados a cada tipo de
terreno, selins mais anatômicos, câmbio de marchas, materiais mais leves, e vários
estilos de bicicletas específicas para cada atividade. Foram inúmeras inovações
tecnológicas que tornaram o veículo cada vez mais popular.
Figura 2.13 – BMX
Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.25).
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Figura 2.14 – Mountain Bike
Fonte: Bici Sport (apud PEQUINI, 2000:2.25).
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Figura 2.15 – Bicicleta Speed Zipp 2001, da Multi Sport Zipp-Speed
Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.26).
Segundo Busto (1992, v. 35:19), a bicicleta foi também o veículo que abriu caminho
para a produção em massa de automóveis. Fábricas mundialmente conhecidas
(Peugeot, Ford, Morris, Opel) tornaram-se famosas construindo, primeiramente,
bicicletas.
Na virada do século XX, a bicicleta se associa a todos os avanços tecnológicos e à
mentalidade progressista de então. A bicicleta tem o seu primeiro grande boom, sendo
utilizada para divulgar moda para homens e mulheres da alta sociedade de Londres e
Paris. Na Europa e nos Estados Unidos, a indústria trabalhava a todo vapor para suprir
a grande demanda, ressalta o autor.
Também surgem os monopólios dos fabricantes. Os Estados Unidos entram com
vontade no mercado e é lá que Albert E. Pope começa a montar o seu monopólio ao
comprar várias fábricas menores. O preço das bicicletas despenca, caindo cerca de
70%, encaixando-se no poder aquisitivo das grandes massas, o que facilitaria sua
entrada nos países mais pobres.
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Em 1900, a explosão havia acabado e o veículo de duas rodas tornou-se parte do diaa-dia, rompendo todas as barreiras sociais e estabelecendo, também, uma nova
maneira de transporte, individual e de fácil acesso às massas. Nos países
industrializados (Inglaterra, França, Estados Unidos), a bicicleta sofre um declínio com
a escalada da produção automobilística, sendo relegada ao lugar de “prima pobre” da
tecnologia. Busto em sua pesquisa, encontra dados segundo os quais, após a Primeira
Guerra Mundial, não eram só os países da América, Ásia e África os únicos a
consumirem bicicletas, mas a população européia viu-se obrigada a utilizá-la por
problemas econômicos. Os exércitos das potências também formavam seus pelotões
ciclistas e, nos países que adotaram o regime socialista, a bicicleta entrou como forma
imediata e econômica para atender às necessidades de transporte da população. O
maior exemplo é a China e isto acabou resultando numa indústria forte e competente
(BUSTO, 1992, v.35:19).
Durante o período de “reconstrução mundial” pós-guerra no século XX, a indústria
européia produziu como nunca bicicletas para exportação, euforia que durou até a
década de 60, do século passado. Na Índia, devido à grande população e à cultura
adquirida ao longo dos anos de colonização inglesa, a indústria de bicicleta de modelos
populares cresceu assustadoramente. Os asiáticos entram no mercado com maior
força a partir da década de 70 e não apenas com produtos japoneses, mas com a
efervescente indústria de Taiwan e com alguns produtos trazidos do país-continente:
a China. Afinal, a bicicleta é o seu principal meio de transporte.
No final dos anos de 70, os norte-ameriacos lançam para o mercado o mundo do
bicicross, voltado para um público infanto-juvenil que não vinha consumindo bicicletas
e que logo se viu atraído para a novidade. Eles criam novos modelos e produzindo-os
nas fábricas de Taiwan e também da Coréia, pulverizaram o mercado. Na década de
80 os Movimentos Verdes, o ambientalismo e a preservação da natureza tomam conta
da opinião pública e alguns jovens faziam suas loucuras despencando morro abaixo nas
reservas florestais dos Estados Unidos, o que vem a ser o boom da Mountain Bike.
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Os Estados Unidos saem na frente mais uma vez, colocando agora um novo esporte
que pode facilmente ser praticado por qualquer pessoa de 8 a 80 anos, aliado ao forte
apelo ecológico trazido pela Mountain Bike. Esta nova mania é fortalecida pela idéia da
bicicleta de montanha (ou as BTT - bicicletas todo terreno) e suas facilidades trazem
uma nova maneira de viver.
A explosão da Mountain Bike dominou até os europeus, que a princípio não
acreditavam muito nesse movimento, mas que acabaram por se render e aderir com
muita força a este novo mercado. Em 1990, um grande fabricante japonês enfrentou
sérios problemas, pois a procura por seus produtos era tão grande que não conseguiu
atender aos pedidos.
Em 1987, a Europa importava 70 mil bicicletas; quatro anos depois, este número
saltou para a casa de 3,6 milhões de bicicletas. A Comunidade Econômica Européia
elaborou um documento contrário à importação asiática, aprovado pelos 12 países
membros. Outro resultado dessa invasão foi a recente união de três grandes
fabricantes: a espanhola BH e as francesas Peugeot e Gitane, surgindo assim a
Eurocycle, que pretendia colocar no mercado dois milhões de bicicletas por ano,
voltadas para um público que exige bicicletas de nível médio e modelos mais
sofisticados.
Os fabricantes norte-americanos já procuram novos parceiros comerciais, pois os
custos de fabricação em Taiwan estão ficando elevados e a demanda estava esticando
cada vez mais os prazos de entrega. A necessidade de um centro produtor próximo
acabou apontando o México, que fica a poucas horas de avião das grandes fábricas,
alguns fabricantes já aderiram a esta nova nacionalidade da bicicleta.
Na América do Sul, ainda não se viu um movimento para conter o avanço asiático,
mas o Brasil e a Argentina tiveram grandes fábricas. Além disso, nos outros países do
continente a bicicleta já faz parte da cultura.
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No Brasil, as fábricas de bicicletas voltam a ocupar lugar de destaque entre as maiores
do mundo, assunto de que trataremos no item sobre a introdução da bicicleta no Brasil.
No século XX, a bicicleta sofreu inovações tecnológicas significativas nos seus
subsistemas. O assunto passou a ser do interesse de várias publicações na área dos
esportes, resultando em aumento do interesse pelas pessoas em possuir uma, seja
para lazer, transporte ou prática de esporte.
Listamos, a seguir, algumas das inovações tecnológicas que foram tema de matéria
especial na Super interessante (1990:v.4):
A empresa americana Specialized Bicicly Components criou uma nova roda
com três aros grossos (Figura 2.16), feitos de material especial, mais leve e
resistente, composto de uma mistura de fibras de carbono, resina epoxi,
Kevlar e alumínio. [...] sua aerodinâmica perfeita representa uma valiosa
economia de 10 minutos numa corrida de 160 quilômetros.
Figura 2.16 – Rodas com três raios e materiais muito mais leves.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
[...] guidão scott: ciclista Boone Lennon, (Figura 2.17) [...] descobriu [...] que
os esquiadores conseguiam um avanço maior quando diminuíam sua largura,
e não a altura, como se pensava até então. [...] ao jogar os braços para
frente e apoiar os cotovelos, os ciclistas,
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imitando os esquiadores,
diminuem sua largura sobre a
bicicleta em importantes oito
centímetros. A altura [...] baixa
15 centímetros. [...] o esportista
adota uma posição mais
relaxada, [...] com esse guidão,
se apóia também nos cotovelos.
Reduzir [...] o peso cerca de 12
quilos numa bicicleta comum de
dez marchas para 8 num
modelo especial de competição.
Figura 2.17 – Guidão scott.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21)
[...] Phil Anderson competiu com Le Mond sobre quadro feito de uma liga
com 91% de magnésio fundido, que ‘bate’ no alumínio, [...] em leveza,
resistência e custo. [...] o alumínio demonstrou ser bastante frágil, [...] não
agüenta solda, precisa ser rosqueado e colado num processo delicado. [...]
os quadros tendem a se dobrar mais, quebrando-se também com a maior
facilidade. [...] o quadro de magnésio, embora igualmente frágil, é mais
resistente devido ao seu processo de construção. [...] os engenheiros
fizeram tubos mais grossos, [...] o que dispensa as pesadas juntas, [...] Os
tradicionais tubos de aço, [...] surgiram no começo do século [...] desde a
década de 30, misturam-se a novos componentes metálicos: molibdênio,
manganês e cromo.
[...] um dos sistemas que mais tem evoluído é o mecanismo de transmissão
de marchas. [...] todo sistema evoluiu bastante a partir de 1990.
[...] bicicletas para todo terreno (ATB), [...] quadros mais robustos, pneus
mais largos e principalmente um número maior de marchas, [...] mudadas
com suavidade e precisão. O moderno sistema de marchas descarrilhante,
criado pelo ciclista italiano Tulio Campagnolo em 1930 [...] consiste em um
braço na roda traseira, que move a corrente sobre um conjunto de até sete
rodas dentadas de tamanhos diferentes, variando assim a intensidade da
força transmitida à roda. Outro braço perto do pedal move a corrente
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sobre duas ou três rodas dentadas mais largas, duplicando o número de
marchas possíveis para 14 ou 21.
O avanço definitivo [...] veio em 1986, [...] a fábrica japonesa criou para as
ATBs o sistema indexado, que substitui o descarrilamento contínuo por
pequenos saltos precisos. [...] funciona com dentes menores (Figura 2.18),
que atuam como ponto de entrada para a passagem da corrente. [...] foi
adotado para as rodas passarem a ser ovais e os dentes localizam-se nos
pontos onde a pressão do pedalar é maior. [...] a precisão alcançada permite
espremer até oito rodas dentadas no eixo traseiro.
A novidade: manopla de freio que também controla a mudança de marchas,
até agora disponível só para as grandes equipes, permitindo ao ciclista
realizar as duas operações sem tirar o apoio do guidão. A nova manopla é
conectada também a um novo sistema de freios. Em vez de um, dois braços
de borracha reduzem o giro das rodas, com uma intensidade 30% maior.
Cabos hidráulicos reduzem seu acionamento e a parada da bicicleta,
[...] Os pedais, como o sistema de marchas, também mudaram radicalmente
nos últimos cinco anos. Cada pedalada tem sua eficiência duplicada quando
se prende os pés aos pedais, [...] deste modo se aproveita também o
movimento dos pés para cima (Figura 2.19).
Tal pedal é uma medida perigosa, porque não se consegue soltar os pés com
rapidez em caso de acidente [...] em 1985 o engenheiro francês Michael Beyl
da companhia Look, [...] criou um pedal que se encaixa numa plataforma
fixada numa sola de sapato especial. Um movimento lateral do pé o solta do
pedal, [...] Recentemente, Beyl aperfeiçoou o invento, de forma a permitir
um leve giro dos pés, sem soltá-los dos pedais. [...] vantagem do pedal Time;
esse giro reduz o risco lesões nos tendões do joelho.
O invento foi superado em 1988 pelo pedal da empresa Americana Aerilote,
[...] eixo cilíndrico que se conecta ao sapato por uma série de dentes.
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Figura 2.18 – Mudança automática de
marchas por dentes menores.
Fonte: Super interessante
(1990:v.4:21).
Figura 2.19 – Pedais mais seguros com encaixe para
os sapatos.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
Figura 2.20 – Quadro monobloco mais leve
e resistente.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
Figura 2.22 – Cabos embutidos para evitar
atrito com o ar.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
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Figura 2.21 – Tubos em forma
aerodinâmica.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
Figura 2.23 – Garfos flexíveis para
esforços maiores.
Fonte: Super interessante
(1990:v.4:21).
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Figura 2.24 – Eixos reforçados nos pontos
de grande peso.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
Figura 2.25 – Freios com dois braços de
borracha 30% mais eficientes.
Fonte: Super interessante (1990:v.4:21).
2.2 A introdução da bicicleta no Brasil
Não foi localizada, do ponto de vista acadêmico, nenhuma publicação sobre a chegada
da bicicleta no Brasil. Os dados encontrados foram do historiador Valter Busto que,
através de exaustiva pesquisa, conseguiu coletar registros sobre este fato. Valter
Busto, durante um período de três anos, publicou suas pesquisas a este respeito na
revista nacional Bici Esporte, especializada em ciclismo, dados que tomamos como
referência para a elaboração deste capítulo, tendo em vista que seus relatos foram
confirmados por muitas pessoas envolvidas com o ciclismo desde a sua chegada ao
Brasil, as quais entrevistamos.
Segundo Busto (1989a, v. 15:53), a bicicleta chega ao Brasil no século XIX através das
famílias mais abastardas, tendo em vista seu elevado custo para importação. Uma das
primeiras bicicletas trazidas para São Paulo foi a do jovem Fortunato de Camargo e se
tratava de uma bicicleta procedente da Europa, ativamente freqüentada pela alta
sociedade paulista.
Dona Veridiana da Silva Prado constrói a primeira praça de esportes ao ar livre do
País, constando campo de futebol e de velódromo, em uma área de sua chácara na
Consolação, que hoje é a Praça Roosevelt. Foram dois velódromos construídos, o
primeiro construído em terra batida, e o segundo utilizando concreto (pista) e
madeira (arquibancada), segundo projeto do arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio
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Bezzi. Sua pista, em tamanho oficial, obedecia aos padrões europeus e era assentada
em concreto armado, tornando-se, dessa forma, Dona Veridiana, um nome muito
importante para o ciclismo no Brasil. O pedido para construção do velódromo foi
encaminhado ao Presidente da Comarca de São Paulo, Dr. Pedro Vicente de
Azevedo, em 15 de fevereiro de 1895.
Outro importante documento é o requerimento feito pelo empreiteiro Pedro
Macaggi, em 1º de março de 1896, para a construção da arquibancada do velódromo,
projetada pelo arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio Bezzi, também autor do projeto
do Museu do Ipiranga.
Busto relata que outro dado altamente relevante foi a fundação do “Veloce Club
Olímpico Paulista”, que teve como fundadores: Edgar da Conceição Nogueira, Pedro
Luiz Pereira de Souza Jr., entre outros.
O ciclismo, a partir desses acontecimentos, ganha muitos adeptos que passam a se
dedicar à prática deste esporte. Já em 1896, Prado Jr., ciclista brasileiro, do qual se
desconhece nome completo, bate recorde sul-americano dos 1.100m, tornando-se o
primeiro recordista brasileiro em provas de ciclismo. Além do seleto grupo que
fundou o Veloce Club, participavam das competições alguns imigrantes europeus
(italianos, ingleses e alemães). Em 29 de dezembro de 1900, um grupo liderado por
Prado Jr. resolve criar um clube visando a recreação e a prática de esportes e, para
tal, alugam o velódromo de D. Veridiana Prado, fundando assim o Clube Athlético
Paulistano.
Em 20 de outubro de 1896, o Sr. José Noschese construiu o seu circo de velocípedes.
Após dez meses de fundação, o velódromo passou por uma profunda reforma em
suas instalações. Em 1915, o velódromo desapareceu, através de um ato de
desapropriação, para possibilitar a abertura da Rua Nestor Pestana. Após um período
de crise, desânimo e garra de alguns poucos, foi adquirida uma área de 23.000 m²
entre as Ruas Colômbia, Honduras e Estados Unidos, onde o clube está localizado até
hoje.
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2.17
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Busto (1989b, v 16:59) diz que, apesar da Segunda Guerra Mundial que perfurava o
solo com toneladas de bombas, as bicicletas continuaram atuando sempre no
anonimato e nunca pedindo ou cobrando nada. Tanto na Europa como nos Estados
Unidos, durante a Primeira e Segunda Guerra, as bicicletas foram usadas por vários
motivos: o automóvel ainda era um meio de locomoção pessoal muito caro, apesar da
produção em série. Em 1929, as bicicletas, então muito populares nessas duas partes
do mundo, deslocavam as massas trabalhadoras e possuíam uma função quase “vital”
em nível de sobrevivência, ou seja, ela levava e trazia o indivíduo ao seu local de
trabalho, ia às compras ou chamava o médico em caso de emergência. Já em termos
de Brasil, a situação aconteceu de maneira inversa: a massa trabalhadora utilizava-se
principalmente do bonde, pois não se tinha uma indústria nacional voltada para a
produção de bicicleta. Havia alguns poucos fabricantes, como Miguel Chiara, Caloi e
Dimas X Félix Pneus, porém o processo era quase todo artesanal, utilizando máquinas
e ferramentas adaptadas. Faziam-se quadros, selins, aros, pára-lamas etc., sendo que
os materiais deslizantes e de tração eram importados, a exemplo dos cubos, eixos,
correntes e catracas etc. e, com isto, o seu custo ainda continuava alto.
O processo decorrente da crise de 1929 atrasou bastante a implantação de uma
indústria voltada para a produção de bicicletas. Mas terminada a Segunda Guerra
Mundial, a bicicleta realmente aconteceu no Brasil, tornando-se popular e mais
acessível a todos.
De acordo com as pesquisas de Busto (1989c, v. 17:59), o período pós-guerra
significou uma grande abertura no âmbito político, assinalando o fim do “Estado
Novo” que durou de 1937 até 1945. Houve muita importação, principalmente os
bens de produção e foi nesse contexto que a bicicleta chegou ao Brasil com mais
força, principalmente as européias. Já havia alguns importadores em São Paulo, a
exemplo de B. Herzog, Casa Luis Caloi, Mappin Stores e Cassio Muniz. As bicicletas
mais conhecidas eram: Bianchi, Lanhagno, Peugeout, Dupkopp, Phillips, Hercule,
Raleigh, Prosdócimo, Singer e Monark, entre outras.
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Nesse período, as bicicletas assumiram um papel importantíssimo no cotidiano
brasileiro à medida que deslocavam a “massa trabalhadora”, empenhada na produção.
Outro benefício da abertura econômica foi o nosso processo de industrialização,
iniciado no final da década de 40, cujo apogeu veio na virada dos anos 60.
O ano de 1948 foi muito importante para a história do ciclismo no Brasil por dois
motivos, em primeiro lugar, no dia 1º de abril, a Monark iniciou as suas atividades no
País, montando bicicletas importadas da Suécia, vindo a produzi-las a partir dos anos
50; em segundo na data de 10 de abril, a Caloi Indústria e Comércio procedeu ao
requerimento de seu registro para abertura de firma. Além destes fabricantes, havia
pequenos produtores como NB, Herpe, Role, Partavium, IRCA, entre outros, sendo
que o último foi o resultado de uma cisão da dupla José Henrique com Guido Caloi. A
IRCA (Irmãos Caloi) produziu durante anos e desapareceu do mercado. Estes
pequenos produtores montavam suas bicicletas com material nacional como os
quadros, pára-lamas, selins etc. e importavam os eixos, cubos, catracas e correntes.
Porém a embrionária indústria nacional não conseguia competir com as bicicletas
importadas em termos de preço e qualidade.
Em 1949, foi feita uma alteração na administração da Monark, sendo adotada a razão
social “Fábrica de Bicicletas Monark SA”. A fábrica, instalada no bairro do Ipiranga,
montava princicpalmente bicicletas de modelo masculino. Em seguida, vieram as
bicicletas “para senhoras”. Além das bicicletas Monark, a fábrica montava bicicletas
com as marcas Erlan, Centrum, Marathon e Luxor. Estas excelentes bicicletas eram,
na sua grande maioria suecas, com componentes feitos em aço inoxidável (raios e
estirantes de pára-lama), alumínio (cobre-corrente) e até madeira (manoplas do
guidão). Um detalhe era que os freios marcantes eram do tipo contrapedal, da marca
“Torpedo” (alemã) ou “Perry” (inglesa) - (BUSTO, v. 21, 1990b:58).
A Caloi, segundo Busto (1990c, v. 23:59), era um imenso aglomerado de encabeçados
pela Bicicletas Caloi S/A, seguida pelas empresas: Indústria e Comércio Ducor Ltda
(produzindo: pedais, bombas de ar, selins e descanso lateral); Caloi Norte S/A (linha
de ciclomotores); Mecânica Cairu (peças e acessórios diversos para bicicletas e
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2.19
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ciclomotores), Novociclo de Propaganda; Metalúrgica Estampotécnica Ltda.
(sociedade por quotas) que produzia componentes plásticos para os seus produtos;
BRB da Amazônia (produção de motores a explosão) e a BCAL Comercial Ltda, hoje
produzindo toda a “griffe” que leva o nome Caloi.
Em 1932, a Caloi introduziu o sistema de vendas para bicicletas através de crediário.
Em 1933, teve início a mais importante prova do Ciclismo brasileiro, com a edição da
19 de Julho, idealizada pelo jornalista Casper Líbero. Neste mesmo ano, a Casa Luis
Caloi passou a dar o seu apoio ao ciclismo através de sua equipe, Brasil Esporte
Clube, que permaneceu até a década de 50, quando passou a chamar-se Caloi
Esporte Clube.
No período de 1935 até 1948, os negócios da família Caloi expandiram-se
rapidamente. E, em 1936, a Casa Luis Caloi assumiu a representação de mais duas
marcas: a Peugeot francesa e a Steel Horse da Inglaterra. Com a dificuldade de
importação trazida pela Segunda Guerra, a Caloi passa a produzir as suas próprias
peças e em 1945, a empresa foi para uma grande área no bairro do Brooklin, São
Paulo, onde produzia diversos componentes tais como: quadros, cubos, eixos,
guidões, paralamas, aros, pedais, selins e garfos. Os nípeis, correntes e catracas foram
importados até a década de 60, pois o material importado era mais barato e possuía
uma boa qualidade.
A década de 50 foi marcada pelo lançamento da Linha “Fiorentina”, nos modelos para
adulto e crianças que permaneceu até os anos 60, quando surgiram os modelos
dobráveis e as berlinetas.
O Governo baixa em 9 de outubro de 1953, uma Instrução Normativa ordinária de
número 70, oriunda da Superintendência da Moeda e Crédito, que encarecia e taxava
os bens de produção e a bicicleta não escapou à taxação, passando a entrar em menor
quantidade. Das milhares de bicicletas importadas entre 1946 e 1958, as inglesas
foram as que mais entraram, a exemplo da Phillips, Hercule, Raileigh e Rudge. Porém,
mesmo assim, o Brasil não deixou de importar bicicletas, mas em número bem
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2.20
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menor. O carro passa a ser acessível, pois a gasolina fica barata, então, a bicicleta fica
esquecida.
Em seus estudos, Busto (1989e, v. 19:61) afirma que uma das melhores bicicletas já
produzidas no Brasil foi a da marca Hélbia. Tal marca fora de propriedade do senhor
Hélio Bianchini, que, durante os anos 30, iniciou uma pequena casa de importação.
Nessa época, as bicicletas de marca Phillips e Hercule assumiram a liderança nas
importações do seu estabelecimento, pois não davam qualquer problema e também
pela facilidade de montagem.
Na década de 50, o governo federal, visando fortalecer a indústria nacional, aplicou
um corte drástico nas quotas de importações dos bens de consumo, atingindo
também as bicicletas. Nesse período, o Sr. Bianchini possuía um conceituado nome na
praça, e assim começou a produzir as bicicletas Hélbia, fabricava seus quadros e
garfos mediante um desenho e padrão próprios, e utilizava tubos produzidos pela
Pérsico Pizzamiglio, entre outros. Os pára-lamas eram fornecidos por Miguel Chiara e
Irmão, selins confeccionados em couro procedencentes de Curitiba, da “Knauer” de
Guilherme Knauer; o movimento central completo era produzido pelo Sr. Putra,
russo; os cubos, nípeis, raios e chavetas, a princípio, eram importados. Alguns cubos
eram adquiridos junto à Mecânica Cairu.
Outro dado relevante na história da Hélbia diz respeito ao lançamento de uma
bicicleta que levaria o nome “Bianchini”, que veio a ser feita de fato somente em
meados da década de 50.
Em 1950, a Monark iniciou a fabricação de algumas peças mais simples, como páralamas e bagageiros, fato que levou a empresa a alugar uma área no bairro da Móoca,
onde foram instalados os seus escritórios e a linha de montagem. No bairro do
Ipiranga, ficava o setor de galvanoplastia e tratamento de material, onde a empresa
detinha todas as fases e processos. A Monark colocava-se no mercado com muito
arrojo e dinamismo.
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2 A BICICLETA
O início dos anos 60 trouxe muita instabilidade ao País devido à inflação alta, às crises
sucessivas de âmbito político e social, que levaram à Revolução de 1964, daí que, em
dezembro de 1965, a Hélbia foi vendida aos próprios funcionários e, depois desta,
outras tantas desapareceram do mercado, devido a um processo degenerativo, que
assolou o parque industrial nos anos seguintes.
Em 1962, a empresa teve nova alteração em sua razão social, mudando para
“Bicicletas Monark SA”, razão que mantém até hoje. Lança, em 1966, a Monareta
Dobramatic, que viria a ser superada somente pela “Barra Circular” em 1978, com o
lançamento da linha BMX visando o público infanto-juvenil. Na década de 70,
acontece o lançamento da linha esportiva de bicicletas dotadas de câmbio de 10
marchas, aro 27, como a “Positron 10”.
Ainda na década de 70, a Caloi experimentou os mais altos níveis de crescimento
iniciando a exportação para o mercado internacional. Em 1972, lança a “Caloi 10”, a
primeira bicicleta dotada de câmbio no Brasil. Também foi a década da Barra Forte.
No ano de 1975, foi a vez da Mobilette, o ciclomotor da Caloi. Em 1978, acontece o
lançamento da linha de bicicletas para cross, que ditou uma tendência nas linhas
infantis e infanto-juvenis, e, em 1979, há o lançamento da “Ceci”. Os novos modelos –
cruiser, caloisinho, ventura e Mountain Bike – vem posteriormente, sendo este último
o grande sucesso da Caloi para os anos 90, com os novíssimos modelos da linha
Ranger, dotados de câmbio Shimano S.I.S, acionados pelo sistema “soft-touch”.
O mercado de bicicletas volta a crescer no Brasil, surgindo a Associação Brasileira dos
Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares –
ABRACICLO, em 1976, que, segundo seu Presidente, Paulo Takeuchi (apud MANO,
2005:1), tem entre seus objetivos: desenvolver atividades dedicadas às bicicletas
(ciclovias, ciclofaixas, bicicleteiros etc.); incentivar o uso da bicicleta como meio de
transporte; participar do programa Bicicleta Brasil, dirigido a estimular o uso da
bicicleta; participar do grupo de trabalhos sobre bicicletas dentro da ANTPAssociação Nacional dos Transportes Públicos; participar ativamente em ações que
visem segurança ao conduzir que são realizadas junto aos departamentos de trânsito
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2.22
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de todo o Brasil e participar ativamente das discussões para o estabelecimento do
novo PPB (Processo Produtivo Básico), para bicicletas e motociclos.
Essa associação considera importante sua atuação tendo em vista que, no ano 2004, o
Brasil conquistou no mundo a terceira colocação como pólo produtor de bicicletas e
detém o quinto lugar como o maior mercado consumidor de bicicletas, de acordo
com Takeuchi (apud MANO, 2005:1).
O crescimento da indústria de bicicletas é muito grande. Em 1990, a Caloi inaugurou
uma subsidiária nos Estados Unidos – a Caloi Inc. localizada em Jacksonville, na
Flórida. A Caloi começou a comercializar bicicletas no mercado americano, em 1997,
e expandiu seus negócios, entrando no segmento de Home Fitness. Lançou também
uma linha de equipamentos de ginástica com esteiras e bicicletas ergométricas e, em
2004, inaugurou sua nova sede em uma região nobre da cidade de São Paulo. Esta
renovação na estrutura, somada à mudança de gestão, marca ainda mais a nova era da
empresa. (CALOI, 2005)
Por sua vez, a Monark, de importadora e montadora, passou também a ser fabricante
de bicicletas. Foi adquirindo novas áreas, modernizou as instalações, trouxe uma
maior tecnologia às suas linhas de produção e aperfeiçoou seus recursos humanos
(MONARK, 2005).
Nesse cenário, surge em 1998, a indústria de bicicletas Companhia Brasileira de
Bicicletas (CBB), cujo nome fantasia é Sundown, com uma linha completa de
bicicletas para consumidores de todas as idades. Os modelos de produtos vão da
linha infantil à de adulto, específicos para a prática de esportes como Mountain Bike e
uma nova linha de bicicletas TOP, voltadas para o público especializado de bicicleta.
Com 600 funcionários e um parque fabril totalizando 54 mil metros quadrados, que
abriga duas fábricas, a CBB foi uma das primeiras indústrias a receber a Certificação
de Qualidade ISO 9001/2000, a versão mais moderna do certificado de qualidade
ISO (SUPERO, 2005).
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2.23
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2 A BICICLETA
Além do crescimento das indústrias, ressurgem as associações e os clubes de
ciclistas, que podem ser profissionais ou apenas grupos de apreciadores desta
atividade que gostam de pedalar.
De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Planejamento de
Transportes (GEIPOT) em 2001, foi registrada a existência de 18 associações nas
cidades brasileiras, que foram criadas com os objetivos de: conscientizar a população
de que a bicicleta é um veículo; esclarecer o ciclista quanto aos seus direitos e
deveres; esclarecer o motorista quanto aos seus deveres em relação ao ciclista;
conscientizar as autoridades quanto à necessidade de adotar medidas que protejam
os ciclistas; obter espaços seguros para circulação de bicicletas; inserir a bicicleta nas
discussões das diretrizes de trânsito como alternativa viável para solução de
problemas relativos aos deslocamentos urbanos; alertar para melhoria geral da
qualidade de vida pela adoção de um meio de transporte urbano rápido, barato,
silencioso, não poluente, econômico, saudável, acessível e discreto.
2.3 A bicicleta no contexto urbano brasileiro
O Brasil não é um país que se preocupe com o pedestre e também com ciclista,
exemplo disso é que não há campanhas voltadas para a educação, tanto do motorista
como de pedestres, e nem tampouco para ciclistas. O motorista não respeita o
pedestre nem o ciclista, estes, por sua vez, também não obedecem às regras e
colocam suas vidas em risco. Em relação ao ciclista, o problema é ainda maior, pois
como se sabe são poucas as cidades que possuem ciclovias. Como já foi relatado neste
trabalho, a chegada da bicicleta no Brasil data do século XIX, tempo bastante para que
se tivesse desenvolvido um ambiente urbano que propiciasse a utilização desse
veículo. Considere-se inclusive que, de acordo com dados da ABRACILCO (2005), o
Brasil conta com uma frota de 60 milhões de bicicletas. Mesmo assim, a educação
para o trânsito não aborda a bicicleta como meio de transporte na maioria das cidades
brasileiras. A exceção é a Região Sul que, de acordo com Silva (1992:22), apesar de
quantitativamente não apresentar a maior frota do País, qualitativamente, por
questões de influência dos imigrantes estrangeiros que colonizaram a região, ela
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2.24
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2 A BICICLETA
apresenta as experiências mais notáveis para o estímulo ao uso da bicicleta: pistas
exclusivas, bicicletários, sanitários, oficinas, borracheiros e sistema de integração com
ônibus.
De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Transportes – GEIPOT
são muitos os municípios que já realizaram estudos cicloviários no passado, mas
também muitos são aqueles que, tendo estudos e projetos concluídos, pouco fizeram
para implantar as propostas elaboradas e dar continuidade à expansão de suas malhas
cicloviárias: até1999, existiam 24 cidades com ciclovias e 17 em andamento conforme
aparece na Quadro 2.1 (GEIPOT, 2001:41).
Esse estudo mostra que na década de 80, muitas cidades realizaram planos diretores,
estudos e projetos voltados para a melhoria das condições de circulação e segurança
de ciclistas e de suas bicicletas. À frente de muitos desses projetos, estava o GEIPOT,
que incorporou estas preocupações nos Estudos de Transportes Urbanos em Cidades
de Porte Médio (ETURB-CPM). Em cidades mineiras, como Governador Valadares,
Ipatinga, Timóteo, Itajubá e Patos de Minas, os estudos voltaram-se para projetos de
rede cicloviária, de bicicletários e recomendações diversas para favorecer o uso da
bicicleta. Outros municípios também elaboraram estudos, com destaque para as
cidades de Arapongas, Joinville, Várzea Grande, Volta Redonda e Teresina.
Apesar desse procedimento do Ministério dos Transportes, depois de meados da
década de 80, as iniciativas estancaram e muito pouco se fez em favor desta
modalidade de transporte no País até meados dos anos 90. Após 1992, as cidades do
Rio de Janeiro e de São Paulo buscaram melhorar suas infra-estruturas em prol das
bicicletas, tentando acompanhar os passos de Curitiba e Governador Valadares, que
já detinham mais de 30 km de vias implantadas. Enquanto São Paulo fazia opção por
projetos em parques da cidade, o Rio de Janeiro desenvolvia projetos em dois campos
distintos: atendimento da demanda por construção de ciclovias de lazer e implantação
de vias cicláveis em bairros operários da zona norte do município.
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2.25
Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas
2 A BICICLETA
No Brasil, a bicicleta apresenta diferentes graus de utilização, tanto nas áreas urbanas,
quanto nas rurais. Em ambas as áreas, as bicicletas leves são usadas como instrumento
de lazer e como meio de transporte.
Silva (1992:16) ressalta que, por conta dos freqüentes acidentes com veículos, a
imprensa escrita, por um tempo, divulga a necessidade de se criar programas de
educação de trânsito, para serem aplicados nas escolas e para o público, em geral,
através da imprensa escrita e falada.
Quadro 2.1 – Planejamento Cicloviário – Existência de estudos e planos cicloviários
Sim – 24 cidades
Rio de Janeiro: em 1993, Capítulo 3 – da Política de
Transportes - do Plano Diretor da Cidade; Em 1993/94,
Ciclovias Cariocas – SMMA; Em 1996, Sinalização Cicloviária
Vertical e Horizontal.
Volta Redonda: Plano Diretor Cicloviário – janeiro/1980.
São Paulo: Projeto Ciclista – Implantação de Ciclovias em
Parques da Cidade – início: junho/94.
Cubatão: Manual do Ciclista (sem data).
Guarujá: Organização do Fluxo de Ciclistas na Estação de Barcas
do Guarujá.
Peruíbe: Plano Cicloviário Municipal – Capítulo do Plano
Diretor.
Ribeirão Preto: Plano Cicloviário com 132,6km de ciclovias –
1994.
Rio Claro: Relatório das Placas de Sinalização da Ciclovia – 1998.
Santos: Relatórios Trimestrais de Acidentes com Bicicletas;
Projeto Piloto para Educação no Trânsito.
Arapongas: Plano para Implantação de Rede Cicloviária,
com 14km de extensão. Inclui pesquisa de O/D, análise de linhas
de desejo etc. (Realizado em 1994 – pouco usado pela
prefeitura).
Maringá: Estudo para Malha Cicloviária Interligando
Municípios Vizinhos – Secretaria de Transporte Municipal - 1991.
Florianópolis: Plano de Desenvolvimento da Planície
Entremares; Plano de Urbanização do Santinho; Estudos de
fechamento do canal da Av. Hercílio Luz.
Blumenau: Sistema Cicloviário/1990 – 14km de ciclovias;
Sistema Cicloviário/91 - 23km; Sistema Cicloviário Global - 96km
(1a etapa: 33km de ciclovias).
Natal: Termo de Referência para Formulação de Políticas e
Implantação do Plano Cicloviário – elaborado pelo ITC-94;
Estudos para Construção de Ciclovias – elaborado pela
STTU.
João Pessoa: Estudo Desenvolvido pelo GEIPOT/EBTU – década
de 80.
Recife: Projeto Beira-Rio que consta do Plano Diretor;
Relatório “Recife Pólo Ciclístico” – 1993; Projeto Cura Boa
Viagem, inclui ciclovias em 4 ruas.
Maceió: Estudo realizado pelo GEIPOT, em 1977.
Teresina: Pesquisa Domiciliar (O/D) realizada pela Fundação
Cristiano Otoni (UFMG), que constatou que 11% das viagens são
realizadas por bicicleta (1999).
Betim: Item “ciclovias” no capítulo do sistema viário do Plano
Diretor da Cidade - 1998.
Govenador Valadares: ETURB/CPM/MG – Capítulo
Bicicletas – 1985.
Ipatinga: Estudo Cicloviário Elaborado pelo GEIPOT, década de
80.
Juiz de Fora: Capítulo VI do Plano Diretor – Viabilidade de
Implantação de Ciclovias no Município.
Patos de Minas: Capítulo Diagnóstico e Diretrizes do Plano
Diretor do Município – 1990.
Belém: Ciclovia da PA -400, elaborado pelo GEIPOT em
1979, dentro do TRANSCOL.
Em andamento – 17 cidades
Rio de Janeiro: Pesquisa de Demanda de Bicicleta nas Barcas.
Duque de Caxias: Estudo, em parceria com ACIMDCX,FECIRJ e
SMEL, para elaboração de projeto e
construção de uma ciclovia em cada Distrito do município, além
de algumas ciclofaixas.
Cubatão: Parque do Porto Geral do
Cubatão.
Guarujá: Sinalização Viária para Ciclistas em Enseada e
Pitangueiras.
Santos: Programa Cicloviário.
Curitiba: Plano de Expansão da Rede Cicloviária; Implantação de
Bicicletários junto aos Terminais de
Transporte Coletivo.
Porto Alegre: Termo de Referência para Contratação de Plano
Diretor Cicloviário.
São Leopoldo: Plano Diretor Cicloviário.
Brusque: Sistema Cicloviário no Plano Diretor do Município.
Joinville: Plano Cicloviário.
Fortaleza: Plano de Circulação de Transporte, incluindo
ciclovias.
Maracanaú: Implantação de Ciclovias, prevista no Plano Diretor.
Mossoró: Estudo para Implantação de Ciclovias.
Campina Grande: Ciclofaixa na Av. Almeida Barreto.
Recife: Plano Diretor de Circulação, levando em conta a
bicicleta.
Betim: Estudos e Projetos de Ciclofaixas e Ciclovias nas Regiões
Norte e Centro.
Ipatinga: Estudo para Implantação e Regulamentação do Uso da
Bicicleta no Município. Atualmente todos os
projetos viários na cidade deverão levar em consideração os
pedestres e as bicicletas.
Fonte: GEIPOT/Finatec 1999 (2001:41)
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2 A BICICLETA
À medida que foi crescendo o número de usuários de bicicletas, ampliaram-se as
irregularidades de uso. As exigências de licenciamento e condições de uso da bicicleta
já faziam parte do Código Nacional de Trânsito - CNT, instituído pela lei nº 5108, de
21 de setembro de 1966. Com a adoção de diretrizes da Convenção de Viena, a
obrigatoriedade passou a vigorar apenas para bicicletas com motor de 50 cilindradas,
enquanto, para as bicicletas simples, o licenciamento passou a ser opcional. Em
decorrência desta opcionalidade, o licenciamento foi caindo em completo desuso
pelos Departamentos Estaduais de Trânsito apesar de continuar explicito no último
Código Nacional de Transito instituído pela Lei nº .9.503 de 23 de setembro de 1997.
A não obrigatoriedade de licenciamento das bicicletas levou à criação do que Silva
(1992:17), denominou de estágio de ostracismo das bicicletas. Este estágio incentivou,
ainda mais, o uso dos veículos em condições inadequadas, acarretando, assim,
conseqüências negativas tanto para os usuários, quanto para o trânsito das cidades.
Para os usuários, as principais perdas foram expressas por:
a) suspensão do imposto anual de licenciamento, que era acompanhado de
vistorias das condições mínimas de segurança do veículo (Código Nacional
de Trânsito, 1966), tal suspensão acarretou no relaxamento do uso de
equipamentos de segurança e inerente risco de vida; e b) cessão do seu
espaço de circulação, nas vias urbanas, acelerada pelo predomínio dos
outros meios de transporte. Por outro lado, a eliminação da licença pode
até ter representado, para os ciclistas, a economia de um imposto, porém
teve como preço um tratamento ostracista, ou seja, a bicicleta passou a não
ser considerada nas atividades de planejamento e fiscalização dos órgãos de
Trânsito. Para o trânsito da cidade as perdas ficaram por conta de: 1)
incentivos a meios de transporte com maiores níveis de poluição, em
detrimento de um não poluente; 2) criação de infra-estruturas viárias com
maiores áreas de circulação, em prejuízo das bicicletas que requerem pouco
espaço; e 3) não aproveitamento da topografia plana [...].(SILVA, 1992:17)
Algumas iniciativas surgiram, paralelamente, a algumas outras, isoladas, de
implementação de ciclovias em cidades brasileiras. As crises da alta internacional do
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petróleo, em 1977 e 1980 (DOURADO apud SILVA, 1992:19), correspondem ao
período de maior implementação da política das bicicletas leves. Um exemplo de
iniciativa foram os estudos da GEIPOT expressos pelo trabalho: Planejamento
Cicloviário: Uma política para as bicicletas, de 1976, que representou instrumento de
uma política urbana.
Na década de 80, a Comissão Nacional de Energia do Ministério dos Transportes
propôs reformulações, como a transferência dos usuários do automóvel privado para
ônibus (GEIPOT, 2001), e para desafogar o trânsito urbano, o Governo Federal
chegou a realizar financiamentos para a compra de bicicletas para a população, tal
medida repercutiu, de modo marcante, na produção destes veículos. Nesse período,
surgem diversos programas para implementar a economia de combustíveis, a exemplo
dos Programas de Transportes Alternativos para Economia de Combustíveis –
PTAEC.
Esse programa contemplou bicicletas, recomendando medidas de estímulo às
bicicletas, aos ciclomotores, às ciclovias e estacionamentos para tais veículos
(GEIPOT, 2001), como mencionado anteriormente e apresentado na Quadro 2.1. A
GEIPOT conseguiu ampliar sua estrutura de escritórios e técnicos de Brasília, para
diversos Estados brasileiros, que apoiaram administrações estaduais e municipais.
Mas, de acordo com Silva (1992: 19), apesar da política de bicicletas criar um conjunto
de objetivos que determinaram um programa de ação governamental e
condicionaram a sua execução, esta não conseguiu sobreviver ao poderio dos
interesses privados e às descontinuidade dos Governos federais. Mesmo com as
perdas sofridas, os incentivos às bicicletas tiveram efeitos mais palpáveis no
desenvolvimento de uma qualificação profissional, e, de modo menos marcante, para
os usuários. Tal afirmação pode ser feita, tendo em vista estudos e projetos
realizados. Apesar de se ter vencido parte da inércia técnica, ainda não se chegou a
sensibilizar a “cultura do automóvel”, pois, comparando-se aos incentivos dados ao
Pró-álcool, estes foram mais intensos. Assim, mais uma vez, deu-se o favorecimento
ao automóvel.
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2 A BICICLETA
Com a crise da Guerra do Golfo Pérsico em 1991, o Governo brasileiro volta a lançar
mão do racionamento de combustíveis por fontes alternativas de energia. Então
diante da crise, mais uma vez sugere-se que a população utilize a bicicleta. Tal
iniciativa, no entanto, não vinga, e a conseqüência é que continuamos ainda hoje sem
nenhum programa de incentivo. Os que insistem em utilizar a bicicleta como veículo
continuam correndo grande risco de acidentes.
As informações sobre os estudos e projetos das cidades ou locais nem sempre
traduzem a completa implementação destes. A bicicleta encontra-se presente em
cerca de, aproximadamente, quatro mil municípios brasileiros (Ary apud SILVA,
1992:22), e tais registros representam um número inexpressivo, menos de 1%. E o
que é ainda pior, como anteriormente apresentado, só 24 municípios possuem
ciclovias e 17, até 1999, estavam com seus projetos em andamento.
Apesar de todo o problema da falta de preocupação com este veículo e, nas cidades
brasileiras, o transporte urbano ser sinônimo de veículo motorizado, a bicicleta,
enquanto veículo não motorizado, vem desempenhando papel de transporte
complementar ao sistema formal. Segundo estudos do GEIPOT (2001), raízes
históricas indicam a bicicleta, também, como meio de transporte de trabalhadores de
áreas industriais, porém as condições de uso impostas aos ciclistas, os transformam
em usuários de um transporte informal, ou seja, submetidos à clandestinidade.
A bicicleta, como meio de transporte, assume papel de destaque por se
situar entre as alternativas mais adequadas às características sócioeconômicas dos brasileiros (GEIPOT, 1965), tanto no meio urbano, quanto
no rural. No momento em que atua como meio de transporte, ela participa,
tanto nos transportes de carga, quanto nos de passageiros. Em diversas
repartições públicas ou privadas, alguns serviços e pequenas entregas, são
realizadas com a utilização de bicicletas. Como transporte de passageiros,
ela é usada para atender diversas necessidades de deslocamento,
principalmente, na condução para o trabalho. Enquanto meio de lazer e
esporte, a bicicleta reflete uma utilização espontânea, ao passo que, para o
transporte de passageiros, a “espontaneidade” está fortemente dependente
Suzi Mariño Pequini
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Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas
2 A BICICLETA
das estruturas econômicas, sociais, políticas, de fatores culturais e psíquicos.
(WRIGHT apud SILVA, 1992:33)
Silva (1992:34) levanta algumas características da bicicleta que justificariam a
implementação de programas educacionais para o trânsito, assim como a construção
de bicicletários e ciclovias por parte do governo e tudo que fosse necessário para que
a população tivesse condições de utilizá-la como meio de transporte:
Flexibilidade: segundo Bastos (1984), a bicicleta permite uma ampla
utilização, cujas restrições são impostas apenas pela infra-estrutura e pela
regulamentação do tráfego;
Simplicidade: permite tanto às crianças, a partir dos cinco anos, quanto aos
adultos o seu uso;
Baixo custo: a GEIPOT (1980) afirma que sobre o aspecto econômico, a
bicicleta, possui baixo custo de aquisição e manutenção, ao alcance de toda
a população brasileira. Tal visão também é compartilhada por Ary, que
acrescenta a poupança pela sociedade dos custos com combustíveis,
congestionamentos, poluição etc.
Oportunidade de condicionamento físico: a sua utilização proporciona uma
saudável atividade física.
Porém, pelo fato de não termos uma consciência sobre a utilização da bicicleta no
meio urbano, existem restrições quanto ao seu uso as quais também são relatadas por
Silva (1992:34):
Raio de ação limitado: de Acordo com a GEIPOT (1976), a distância ideal
varia entre 2 a 3 km, podendo se admitir, 5 a 6 km, no deslocamento casatrabalho;
Insegurança: segundo Bastos (1984), o efeito “parede” causado pela
circulação de veículos motorizados e a facilidade de roubo das bicicletas,
sintetizam os mais graves problemas de segurança para o uso da bicicleta;
Suzi Mariño Pequini
FAU-USP/2005
2.30
Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas
2 A BICICLETA
Vulnerabilidade: reconhecidamente, são grandes as limitações da bicicleta,
em proteger seus usuários dos rigores das intempéries.
As circunstâncias adequadas para que a bicicleta desempenhe, a contento, o seu papel
como meio de transporte urbano, tanto em percursos curtos como longos,
necessitam, de acordo com Bianco (apud SILVA, 1992:38), uma estrutura física com
um sistema cicloviário. Este pode ser decomposto em formas de circulação: ciclovias,
ciclofaixas e circulação partilhada; tratamento dos cruzamentos; sinalizações:
horizontal, vertical e de sinaleiras; bicicletários e estacionamentos; programas e
atividades educativas, e só a partir da implantação dos componentes citados, em sua
totalidade, é que se tem um adequado sistema viário.
Além disso, deve atender aos critérios de conforto, que compreendem o tipo de
pavimento, a visualização da rota e a uniformidade do movimento e direção. Bastos
(apud SILVA:40), “estabelece uma especificação de um revestimento liso,
antiderrapante, sem buracos ou lombadas e sem desníveis transversais. [...] tornam-se
[...] fundamentais, a sinalização, a iluminação e a boa definição do projeto geométrico,
de forma a assegurar ligações lógicas”.
Além das características favoráveis já citadas, um programa para a utilização de
bicicletas nas vias públicas contribuirá para o equacionamento dos orçamentos das
populações de baixa renda, com a conseqüente diminuição das despesas com
transporte e o baixo custo de aquisição e manutenção do veículo (SILVA, 1992:38).
Em 2001, a GEIPOT publica um diagnóstico sobre o planejamento cicloviário nacional.
Este estudo teve como objetivo descrever o atual estado da arte do uso de bicicletas
no Brasil, sendo composto de cinco capítulos e três anexos. As informações utilizadas
foram obtidas através de questionários, relatórios técnicos, fotografias e relatórios
estatísticos sobre os volumes de tráfego de bicicletas e de acidentes, realizados por
pesquisadores em visita aos municípios selecionados e mantidos o mais fielmente
possível. Com esta iniciativa, a GEIPOT pretendeu contribuir para o processo de
implantação de políticas cicloviárias no Brasil, pois dispõe de soluções adequadas à
realidade nacional, mas até o momento não se tem notícias de que este material esteja
sendo utilizado para desenvolver algum programa.
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