O futebol como bolha financeira

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O futebol como bolha financeira
O futebol como bolha financeira
Robert Kurz
Geralmente, a alma do povo ferve de forma especialmente espumante, quando se trata
de coisas sem importância. As coisas essenciais no entanto são tabus, porque disso
depende também a própria identidade. Àquele que recebe um salário médio, parece
impensável, criticar o sistema capitalista do ganho de dinheiro; em vez disso excita-se tão
alegre como inconsequentemente sobre os falhados de fato, os super-bonzos,
especuladores e outros vencedores de guerra da economia de concorrência, que ganham
dinheiro sem esforço e apesar disso nunca ficam satisfeitos.
Nem sempre, mas cada vez mais frequentemente, entra aí em mira a coisa secundária
mais bela do mundo, a saber o desporto. Melhor dito: o circo do desporto profissional, que
explora o corpo de alta competição como mercadoria num negócio lucrativo em grande
escala. Os mesmos amigos de copos e grupos de adeptos, que celebram as suas estrelas
como familiares tornados famosos, também celebram a desgraça na falta de sucesso, e
insultam os despromovidos de milionários saturados, que já não querem suar as
estopinhas à maneira alemã. Na interdependência de combates de gladiadores e
interesse passivo das massas, tolos adolescentes em botas de exército, médias primitivos
populistas e vendedores de tapetes novos-ricos chegados a presidentes de clubes, criouse um complexo desportivo-mediático com as áreas de referência futebol profissional,
Fórmula 1, boxe, ténis, circo do esqui e numerosos suportes. Este complexo fornece
pseudo-eventos sociais e compromete uma parte da consciência colectiva, ao oferecer
opções de identificação, que ao mesmo tempo servem de válvulas para o ódio aos
concorrentes e a tranquilização do medo social. Tradicionalmente trata-se de um foco de
tendências nacionalistas e racistas (a história do DFB (1) é uma mina no que respeita a
isto), onde também pulula um ébrio anti-semitismo latente com impulsos contra o "capital
financeiro rapinante": é que o desporto deve ser o género de uma continuação do trabalho
ariano no relvado verde, na pista ou no ringue.
Com isto combina, como o punho de Klitschko no olho do adversário, que o próprio
complexo mediático-desportivo representa um produto especialmente bizarro do
capitalismo financeiro mais elevado e opaco. Enquanto esta relação, na era das indústrias
fordistas de grande escala, era apenas fracamente desenvolvida, ela tem evoluído desde
o início da terceira revolução industrial micro-electrónica até à perfeição. As possibilidades
tecnológicas dos novos médias tiveram aí apenas um papel secundário. Essencial foi
muito mais o carácter da revoluçaõ micro-electrónica de assassino global de postos de
trabalho, que não pode originar uma nova acumulação real do capital. A "New Economy"
sem substância definida daí tinha inevitavelmente que aparecer como bolha financeira.
Deste capitalismo de bolhas alimentava-se também o progresso comercial do complexo
desportivo-mediático até dimensões astronómicas de rendimentos. O que antigamente
era reservado a sectores derivados da indústria cultural como Hollywood e os seus
grandes do cinema alastrou-se agora também ao desporto de alta competição. Entretanto
os valores de passe e os rendimentos anuais das estrelas do topo atingiram a dimensão
de orçamentos nacionais de países mais pobres, e os clubes de futebol são negociados
na bolsa como companhias de automóveis ou grandes bancos. Esta transposição absurda
dos critérios remete para que se trata do fenómeno marginal de uma insuflação do "capital
fictício". A verdadeira representação desportiva e o seu público directo já só são o ponto
de partida e o ornamento para uma máquina de dinheiro, em cujo centro estão
empreendimentos mediáticos como os de Rupert Murdoch, Sílvio Berlusconi e Leo Kirch.
O primeiro pilar da exploração mediática é a economia publicitária: Com publicidade nos
equipamentos, publicidade nas vedações e blocos de publicidade durante a transmissão
de acontecimentos desportivos move-se uma grande roda. Para optimizar
quantitativamente este nível da comercialização, os czares dos médias impuseram um
inflaccionamento de eventos: Os dias de jogos das ligas de topo são distribuídos pela
semana inteira, os intervalos de verão e de inverno são preenchidos com copas
adicionais, os inícios são adiantados, com vista à eficácia geral. O segundo pilar é
constituído pelos canais codificados: Por taxas horrendas pode-se vender como
mercadoria exclusiva a transmissão completa de eventos desportivos então
mediaticamente já não públicos. Fundamento para as duas formas são os direitos de
transmissão, que foram adquiridos aos clubes e associações desportivas por biliões de
euros. A capitalização de bolsa tanto dos grupos televisivos como dos próprios clubes
constitui o último nível da corrente de valorização fictícia.
No entanto o complexo desportivo mediático pertence aos sectores mais sensíveis do
capitalismo de bolhas. A grande baixa da bolsa e a daí resultante queda da conjuntura
mundial, poderiam levar à grande bancarrota, aqui mais rapidamente. Enquanto as
empresas mediáticas assim como os clubes se endividaram até ao pescoço em
antecipação de ganhos futuros, os rendimentos de publicidade caiem fora. Na RFA os
canais pagos revelam-se um fracasso, e o populismo vulgar reivindica o direito absoluto a
uma satisfação sucedânea. O boss alemão dos média de olhos esbugalhados tornou-se
um espantalho e não só o Borussia Dortmund é negociado na bolsa abaixo do valor de
emissão. Uma inteiramente possível queda da casa Kirch seria não só o início do fim da
magnificência bilionária no desporto profissional, mas também um Menetekel (2) para o
capitalismo financeiro na sua totalidade.
(1) Deutscher Fussball Bund , liga de futebol alemã.
(2) Expressão bíblica (Daniel, 5,25-25) que profetiza a dissolução do reino de Baltasar e
sua divisão entre os medos e os persas. Aqui como "ameaça de perigo" ou "destino
fatídico" (N. T.).

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