Candomblé e Educação Ambiental - PPGCMA

Transcrição

Candomblé e Educação Ambiental - PPGCMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
FACULDADE DE CIÊNCIAS NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO
AMBIENTE
Felipe Rodrigues Martins
CANDOMBLÉ E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA
POSSÍVEL E CONSTRUTIVA RELAÇÃO.
Belém – PA
2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
FACULDADE DE CIÊNCIAS NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO
AMBIENTE
CANDOMBLÉ E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA
POSSÍVEL E CONSTRUTIVA RELAÇÃO.
Felipe Rodrigues Martins
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências e Meio Ambiente da
Faculdade de Ciências Naturais da Universidade
Federal do Pará, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Ciências e
Meio Ambiente.
Orientadora: Profª Drª Lucida Fonseca Santiago.
Co-Orientadora: Profª Drª Taissa Tavernard.
Belém – PA
2015
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Felipe Rodrigues Martins
CANDOMBLÉ E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA
POSSÍVEL E CONSTRUTIVA RELAÇÃO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências e Meio Ambiente, da Faculdade
de Ciências Naturais, do Instituto de Ciências Exatas e
Naturais, da Universidade Federal do Pará como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências e
Meio Ambiente. Sob a Orientação da Profª Drª Lucidia
Fonseca Santiago e da Profª Drª Taissa Tavernard de Luca.
Aprovada em: Belém, 30 de Janeiro de 2015
Banca Examinadora:
Belém – PA
2015
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A Olorum
A Exú
A Oxalufan
A Logun Edé
A Oya
A Oxum
A Oxóssi
A Ossâim
A todos os outros Orixás,
as pessoas que neles tem fé e as
Comunidades Tradicionais de
Terreiro, eu dedico esse
trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Os meus agradecimentos em primeiro lugar devem dirigir-se aos Orixás, e em
especial a Logun Edé, meu Orixá regente, por serem responsáveis pela escolha do tema
e por este trabalho. Sem a força superior eu nada seria e nada conseguiria. Já aqui na
Terra, gostaria de agradecer especialmente a minha mãe Enicyara Rodrigues, por todo
apoio, amor e confiança em meu potencial, a meus Avós Zeneide e Manuel Esteves
Rodrigues (in memoriam) por todo amor dado a mim e por, mesmo a contragosto de
minha mãe, terem sido quem de alguma forma primeiro falou comigo sobre a religião.
De todo coração e amor gostaria de agradecer a meu pai Antônio Gomes Martins
(in memoriam), por todo amor que me foi dado e por ter sido o responsável pelo meu
gosto pela docência, agradecendo também a meu irmão Marcos Tadeu Rodrigues
Martins pelos momentos de descontração quando eu estava muito preocupado e tenso, e
também por ter assim como eu abraçado a religião com carinho e respeito, e um
obrigado a Wellington Carvalho, meu irmão de santo e de “esteira”, por ter confiado em
mim e recolhido comigo na nossa iniciação no Candomblé, e por todas as conversas e
discursões sobre a religião que foram de extrema importância para esse trabalho.
Um agradecimento especial a meu marido André Luiz Borges Lima, por sempre
ter me apoiado e estimulado a ser um bom profissional e pessoa, acreditando em mim.
Agradecendo também a paciência que teve comigo em muitos momentos durante esse
mestrado, como por exemplo quando fui iniciado no Candomblé. Sem o seu amor,
apoio e companhia eu não teria chegado até aqui.
Um muito obrigado mais que merecido a Profª Drª Lucidia Santiago, por ter
aceito encarar a dissertação e ter sido minha orientadora. Pois mesmo com sua
experiência na área da educação ambiental, nunca havia antes se relacionado de alguma
forma o Candomblé, mas mesmo assim me ajudou em tudo o que pode com muita
paciência e carinho. Agradecer também a Profª Drª Taissa Tavernard por ter aceito o
convite de ser co-orientadora dessa dissertação e ter enriquecido significativamente todo
o conteúdo da mesma com sua experiência nas Ciências Humanas e na religião.
Gostaria de agradecer também as senhoras Oneide Rodrigues e Virginia
Lunalva, por terem aberto a porta de suas casas religiosas para minha pesquisa e terem
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participado de forma tão significativa da mesma, não esquecendo a senhoa Rosalidia
Tavares, que além de ser uma das entrevistadas, é também minha mãe de santo. Iya,
obrigado pelo carinho e confiança dados a mim e a minha pesquisa.
Obrigado as Faculdades de Letras e Biologia do Campus Universitário da UFPA
de Marajó/Soure, nas pessoas da Diretora Acadêmica Gyanne de Lima e Diretor da
Faculdade de Letras André Borges, por terem aberto as portas do campus para mim
como docente e pesquisador, agradecendo também aos meus queridos alunos das
Turmas de Biologia 2011 e Letras-Inglês 2014 por terem aceitado participar, pois sem
eles eu não teria conseguido completar a pesquisa.
Obrigado a todos que de alguma
forma participaram da realização desse
sonho...
Felipe Rodrigues Martins
(Kọfàmilẹ́wà)
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“Èyàn kì í mọ iyì ohun tó ní, àfi
tó bá sọọ́ nù”
O homem nunca dá o valor merecido a
aquilo que tem, dando-se conta disso só
quando perde.
(Ditado Ioruba)
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RESUMO
O ser humano está situado no mundo e dispõe de inteligência e capacidade de
refletir sobre ele, com o objetivo de transformá-lo por meio do trabalho e ações
políticas. A participação do homem como sujeito na sociedade, na cultura e na história
se faz à medida que educado para conscientizar-se assumi suas responsabilidades como
cidadão. Assim, o homem é o elemento e o sujeito da educação, que é sempre uma ação
política transformadora. A educação ambiental é definida no Tratado de Educação
Ambiental para a Sociedade Sustentáveis, como um processo dinâmico em permanente
construção, que é orientado por valores que promovem a transformação social. Esta
proposta educacional encontra equivalência na constituição e nas práticas da cultura
afro-brasileira, mais especificamente o Candomblé.
Os orixás são “forças inteligentes da natureza” e “entidades espirituais regentes”.
Enquanto forças inteligentes da natureza vinculam-se ao cosmos, identificando-se
ritualmente com os elementos e manifestações naturais. Enquanto entidades espirituais
regentes vinculam-se às pessoas, funcionando como arquétipos da personalidade
humana. Seres complexos, os orixás permitem múltiplas classificações, conforme a
genealogia, as características e a metodologia ritualística. Sua identificação maior,
porém, está no vínculo de cada qual com a Natureza e seus elementos. Relacionados
esses conhecimentos, tornou-se possível discutir e comprovar a existência dessa relação
entre a cultura das religiões afro-brasileiras, especificamente o Candomblé para essa
pesquisa, e a educação ambiental; indo até mesmo a prática pedagogica dessa
concepçõe.
Palavras – Chave: Candomblé. Ecologia. Educação Ambiental. Ensino.
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ABSTRACT
The human being is situated in the world and has the intelligence and capacity to
reflect on it, aiming to transform it through the work and political actions. The
participation of man as subject in society, culture and history is as polite to raise himself
assumed his responsibilities as a citizen. Therefore, man is the element and the subject
of education, which is always a transformative political action. Environmental education
is defined in the Treaty on environmental education for Sustainable society, as a
dynamic process in permanent construction, which is guided by values that promote
social change. This educational proposal finds equivalence in the Constitution and in the
practices of Afro-Brazilian culture, more specifically the Candomblé. The orishas are
"intelligent forces of nature" and "spiritual Regents" entities. While intelligent forces of
nature are linked to the cosmos, identifying ritually with the elements and natural
manifestations. While spiritual entities Regents are linked to people, functioning as
Archetypes of the human personality. Complex beings, the orishas allow multiple
classifications, as the genealogy, characteristics and ritualistic methodology. ID greater,
however, is the link of each with nature and its elements.
Related this knowledge, it became possible to discuss the relationship between
the culture of Afro-Brazilian religions and environmental education. The research aimed
to analyze the contributions of Candomblé religious culture in the city of Belém-PA for
the formation of a model of environmental awareness, which understands the
importance of the natural environment, to their supporters and to all. Candomblé is
based on liturgical and philosophical principles that contribute to the formation of an
ecological subject, because for the African worldview, man and nature are one, i.e. the
followers of Afro-Brazilian religions constitute a kind of multiple subject, critical and
conscious of their role in society and the environment.
Keywords: Afro-Brazilian Culture. Candomblé. Ecology. Environmental Education.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização Aciyomi (fonte: Google Earth)................................................................... 34
Figura 2: Virginia Lunalva Miranda/Mãe Nalva/Iyá Omisaa (acervo de fotos Aciyomi) ............. 36
Figura 3: Localização Instituto Nangetu (fonte: Google Earth) ................................................... 37
Figura 4: Oneide Monteiro Rodrigues/Mametu Nangetu (imagem do acervo do Instituto
Nangetu)...................................................................................................................................... 40
Figura 5: Localização Iloyany (fonte: Google Earth) .................................................................... 41
Figura 6: Rosalidia Tavares Sutelo/Mãe Rosa/ Iyá Oya Nirole (acervo pessoal) ......................... 42
Figura 7: Campus UFPA Marajó/Soure (fonte: Google Earth)..................................................... 44
Figura 8: Campus UFPA Marajó/Soure (acervo pessoal) ............................................................ 45
Figura 9: Alunos da Turma de Bilogia 2014 na Disciplina de Educação Ambiental. (acervo
pessoal) ....................................................................................................................................... 45
Figura 10: Alunos da Turma de Letras/Inglês na Disciplina de Cultura Étnico Racial (acervo
pessoal) ....................................................................................................................................... 45
Figura 11: Xirê dos Orixás (ilustração by Orádia Porciúncula) .................................................... 46
Figura 12: Orixá Exú (ilustração by Orádia Porciúncula) ............................................................. 50
Figura 13 - Orixá Ogum (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................................ 52
Figura 14: Orixá Oxóssi (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................................ 54
Figura 15: Orixá Ossâim (ilustração by Orádia Porciúncula) ....................................................... 56
Figura 16: Orixá Iroco (ilustração by Orádia Porciúncula) .......................................................... 58
Figura 17: Orixá Logun Edé (ilustração by Orádia Porciúncula) .................................................. 60
Figura 18: Orixá Omolu/Obaluaiê (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................ 62
Figura 19: Oxumarê/Bessén/Dan (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................ 64
Figura 20: Orixá Xangô (ilustração by Orádia Porciúncula) ......................................................... 66
Figura 21: Orixá Oxum (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................................ 68
Figura 22: Orixá Oya/Yansã (ilustração by Orádia Porciúncula) ................................................. 70
Figura 23: Orixá Obá (ilustração by Orádia Porciúncula) ............................................................ 72
Figura 24 - Orixá Ewá (ilustração by Orádia Porciúncula) ........................................................... 74
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Figura 25 - Orixá Iemonjá (ilustração by Orádia Porciúncula) .................................................... 76
Figura 26: Orixá Nanã (ilustração by Orádia Porciúncula) .......................................................... 78
Figura 27 – Erê (ilustração by Orádia Porciúncula) ..................................................................... 80
Figura 28 – Oxalá Oxaguian (ilustração by Orádia Porciúncula) ................................................. 82
Figura 29 - Oxalá Oxalufan (ilustração by Orádia Porciúncula) ................................................... 84
Figura 30 - Orixá Olorum (Ilustração by Caio Majado) ................................................................ 86
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LISTA DE SIGLAS
ABAMODÁ .......................... Banco Popular da ACIYOMI
ACIYOMI ............................. Associação Cultural Ilê Iyaba Omi
ANPED .................................
Política Nacional de Educação e Pesquisa
CEA ......................................
Centros de Educação Ambiental
COEA ...................................
Concelho de Educação Ambiental
CNPC .................................... Concelho Nacional de Políticas Culturais
CONSEA ..............................
Concelho Nacional de Segurança Alimentar
EA .........................................
Educação Ambiental
ECO92 ..................................
Nome do Evento da Conferência das Nações Unidades
para o Meio Ambiente
IBAMA .................................
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis
ILOYANY ............................
Associação Cultural Ilê Asê Oya Nirolê Igbalé
MDS ...................................... Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate a
Fome
MEC ...................................... Ministério da Educação
MINC .................................... Ministério da Cultura
MMA ....................................
Ministério do Meio Ambiente
ONU ...................................... Organização das Nações Unidas
PA .........................................
Pará
PNEA .................................... Política Nacional de Educação Ambiental
PNMA ................................... Política Nacional de Meio Ambiente
PRONEA ..............................
Programa Nacional de Educação Ambiental
RUPEA .................................
Rede Universitária de Programas de Educação
Ambiental
SECAD .................................
Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade
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SECULT ...............................
Secretaria de Cultura
SEMA ...................................
Secretaria de Meio Ambiente
SEPPIR .................................
Secretaria Especial de Promoção para a Igualdade
Racial
SISNAMA ............................
Sistema Nacional de Meio Ambiente
UFPA ....................................
Universidade Federal do Pará
UNESCO ..............................
Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura
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GLOSSÁRIO
Abióticos
Fatores Físicos e Químicos que compõe o meio ambiente e os
Ecossistemas
Adjá
Chocalho feito geralmente em metal, utilizados durante os
rituais afro religiosos para chamar os orixás em terra nos
médiuns.
Aganju
Umas das qualidades ou tipos de orixás da Justiça.
Agogo
Instrumento musical em formato de fole, utilizafo nos
Candomblés, nos momentos dos Xirês.
Aiye
A Terra, O Planeta Terra, Dimensão física da existência.
Asé
Energia que move a todos e tudo no mundo, originária do mais
velho dos Orixás e repassado aos demais para o equilibro do
planeta e desenvolvimento da humanidade.
Axexê
Ritual fúnebre do Candomblé aonde o espirito faz a passagem da
dimensão física pra a dimensão espiritual.
Babalorixá
Homem responsável por zelar os orixás, cargo de sacerdote
masculino dentro do Candomblé.
Bata
Em alguns terreiros são chamados também de atabaques, sendo
tocados pelos abatazeiros, ou pelos Ogãs de Toque.
Bessen
Orixá Jeje responsável pelo controle da chuva e pelo arco – íris.
Bióticos
Fatores vivos e biológicos que fazem parte do meio ambiente e
dos Ecossistemas.
Candomblé
Religião de culto aos Orixás originária no Brasil, com Matriz e
Fundamentação na África.
Dan
Vodun Jeje que representa o Infinito em forma de Serpente.
Ewa/ Iewa
Orixá que representa a beleza escondida nas paisagens naturais.
Ewe Kosi
Sem Folha
Erê
Orixás infantis que representam sues respectivos orixás adultos,
são os principais mensageiros das vontades e recados dos orixás
para com seus filhos e as pessoas do terreiro.
Exu
Orixás que nasceu do primeiro movimento de Olorum, junto a
Oxalá, responsável pelas comunicação entre os orixás e a
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Humanidade e pelos destinos de cada ser humano.
Funfun / Funfuns
Orixás mais velhos do Panteão Iorubá, geralmente se vestem de
Branco, ou tem algum ligação com Oxalufan.
Iemonjá
Orixá Ioruba responsável pelos mares e suas riquezas, mãe de
todos os Orixás e responsável pelo parte psíquica dos humanos.
Ilé Asé
Casa de Asé aonde acontecem todos os rituais, e onde os
terreiros são constituídos.
Inquissis / Inkisses
Orixás e Voduns na Nação Angola.
Iorubas
Maior grupo africano mais que chegou no Brasil com a Diáspora.
Iroko
Orixá Ioruba em forma de Árvore que representa a
ancestralidade.
Itâns
Mitos, Histórias e Lendas dos orixás, sobre como viveram e
sobre como surgiu o mundo.
Iyálorizá
Mulher responsável por zelar os orixás, cargo de sacerdotisa
dentro do Candomblé.
Iyawo
Primeiro estágio iniciático para cumprimento das obrigações
para se alcançar o sacerdócio.
Logun Edé
Orixá que representa o equilíbrio entre as florestas e as águas
doces, a união das nações e a magia do Asé.
Nanã
Mais velhas dos Orixás femininos é a dona da matéria que deu
origem ao corpo da humanidade, a lama, está diretamente
relacionada ao centro da terra aos manguezais e aos
ecossistemas onde surgem a vida.
Obá
Orixá feminino que representa a forma e o poder da mulher.
Obatalá
Uma das versões de Oxalá, aquele que criou o humanidade e
separou depois em Aiye e Orum.
Odudua
Uma das versões de Oxalá, aquele que criou o Planeta Terra.
Ofururú
Halito sagrado de Olorum que dá vida e faz nascer o Asé.
Ogum
Orixá que representação a Evolução, a Tecnologia, o Ferro e os
Caminhos das Humanidade.
Omolu
Orixá que representa o calor da terra, as doenças da
humanidade assim como suas curas.
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Olodumare
O universo visto como Orixá Supremo que deu origem a todos os
outros Orixás a Humanidade e ao Planeta.
Olorum
O universo visto como Orixá Supremo que deu origem a todos os
outros Orixás a Humanidade e ao Planeta.
Omi Kosi
“Sem Aguá”
Orisa Kosi
“Sem Orixá”
Orum
Céu, plano espiritual da existência.
Ossãe / Ossanyn
Orixá responsável pelo conhecimento medicinal, magico e
litúrgico de todas as folhas do planeta.
Oxaguiã
Versão mais nova de Oxalá, podendo ser visto também como
seu filho mais velho, responsável pela convivência em
sociedade, código de ética e urbanização.
Oxalá
O primeiro Orixá a nascer, junto com Exu, responsável pelo
criação da humanidade e do planeta.
Oxalufan
Versão mais velha de Oxalá, guarda os espíritos desencarnados,
encaminhando-os para o Orum e devolvendo a parte física ao
núcleo do Aiye, responsável também pelo equilíbrio entre o
planeta e a sociedade.
Oxossi
Orixá responsável pelos Ecossistemas florestais e pela
Agricultura e o conhecimento sobre a natureza.
Oxum
Orixá Feminino que representa a riqueza das águas doces, a
feminilidade e a beleza da mulher.
Oxumarê
Orixá Hermafrodita que representa a dubiedade da
personalidade humana, podendo ser visto também como Dan ou
Bessen.
Oya/Yansã
Orixá que representa a força da maternidade, da liberdade, das
tempestades e raios.
Voduns
Orixás e Inquisses no Jeje.
Xangô
Orixá que representa a Justiça da Humnidade, as Leis, Processos
e Tribuinais aonde ocorre os Julgamentos, sr dos trovões que
também protege seu próprio reinado.
Xirê
Momento no ritual do Candomblé, aonde se chamam através de
orações cantadas os orixás a se aproximarem e compartilharem
do seu Asé com seus filhos.
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SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................... 19
Capitulo I - O Encontro Com a Antropologia e sua Metodologia............................................... 25
Entidades e Pessoas Envolvidas .............................................................................................. 33
A Associação Cultural Ilê Iyabá Omi (ACIYOMI) e a senhora Virginia Lunalva (Iyá
Omisàá) ............................................................................................................................... 33
O Instituto Nangetu de Tradição Afro-Religiosa e Desenvolvimento Social e a senhora
Oneide Rodrigues (Mamatu Nangetu) ................................................................................ 36
A Associação Cultural Ilê Asé Oya Nirolê Igbalé (ILOYANY) e a senhora Rosalidia
Tavares Sutelo (Iyá Oya Nirolê) ......................................................................................... 40
O Campus Universitário da Universidade Federal do Pará de Marajó/Soure e as Faculdades
de Letras e de Biologia ........................................................................................................ 43
Capitulo II – Orixás, Fatores Ambientais, Candomblé e Humanidade ....................................... 46
O que são e quem são os Orixás? ................................................................................................ 46
Exu (Èṣu) ................................................................................................................................. 50
Ogum (Ògún) .......................................................................................................................... 52
Oxóssi (Ọ̀ ṣọ́òṣ ì) ....................................................................................................................... 54
Ossâim (Òsanyìn) .................................................................................................................... 56
Iroco (Iròcò) ............................................................................................................................ 58
Logun Edé (Lógun Èdẹ) .......................................................................................................... 60
Omolu /Obaluaiê ..................................................................................................................... 62
Oxumarê/Bessén/Dan (Oṣumaré) ........................................................................................... 64
Xangô (Ṣàngó)......................................................................................................................... 66
Oxum (Oṣum) .......................................................................................................................... 68
Oya/Yansã (Ọya) ..................................................................................................................... 70
Obá (Ọbà) ............................................................................................................................... 72
Ewá (Iewá) .............................................................................................................................. 74
Iemonjá (Iémọ́njá) ................................................................................................................... 76
17
Erê ........................................................................................................................................... 80
Oxalá Oxaguian (Ogiyán) ....................................................................................................... 82
Olorum (Ọlọ́run) ..................................................................................................................... 86
Os Orixás e sua relação com os seres humanos e a Natureza. .................................................... 88
Sobre Religiões Afro-Brasileiras na Amazônia .......................................................................... 95
Capitulo III – Relacionando Conceitos com o Tema ................................................................ 102
Educação Ambiental: Histórico, Conceitos e Aplicações. ........................................................ 102
O ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira através da Lei 10.639, uma análise
prática. ................................................................................................................................... 111
A Relação entre a Questão Ambiental, a Cultura Afro Religiosa e as Práticas Pedagógicas.
............................................................................................................................................... 115
Capitulo IV – Resultados, Discussão e Conclusão.................................................................... 122
Conclusão .................................................................................................................................. 129
Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 131
Anexo I: Questionário utilizado nas entrevistas sobre a relação entre Educação Ambiental e o
Candomblé. ............................................................................................................................... 137
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Introdução
Há algum tempo atrás, em uma tarde de outubro de 2005, fui carinhosamente
convidado por um amigo para ir a um terreiro de candomblé. Até este dia, a concepção
que eu tinha sobre esta religião era o que minha avó me contava sobre o que ela e meu
avô vivenciaram em um terreiro e de que se tratava de um grupo de pessoas que se
reuniam para cantar, tocar tambores e “pegar santo”. Logo ao entrar neste terreiro,
fiquei surpreso, admirado com o quanto as pessoas estavam felizes, a grande maioria
vestida de branco. Apesar de minha admiração, eu, contudo, não entendia o que se
passava e ao mesmo tempo que sentia certo receio, algo instigava minha curiosidade
para saber mais sobre aquele lugar.
De repente, ouvi o rompante som dos atabaques, como se aqueles instrumentos
musicais estivessem convocando os presentes para se apresentarem no local onde a festa
se daria, fiquei de pé no canto do barracão observando enquanto os que estavam de
branco se organizavam em uma longa fila. Cheguei a perguntar a uma moça que estava
ao meu lado o que estava acontecendo, e obtive como resposta: “Eu também não sei.
Não pergunto nada. Só sei que já vai começar”.
Em uma fila organizada, várias pessoas esperavam a mãe de santo chamar para
começar o candomblé. De repente, ouvi um som saindo de um objeto que me parecia ser
um chocalho, sendo sacudido perto das pessoas que estavam naquele local vendo e
admirando aquele momento, o som daquele chocalho entrava pelos meus ouvidos e de
uma forma muito estranha fazia vibrar meu corpo num misto de euforia e ansiedade.
As pessoas dançavam, cantavam, louvavam, numa língua que eu não
compreendia. Em alguns momentos da dança, as pessoas se lançavam ao chão, como se
estivessem fazendo referência ao solo do local, como se alguma energia ou benção
viesse de tais gestos. Percebia que em alguns momentos os atabaques eram tocados num
ritmo mais rápido até que de repente, alguns dos participantes que estavam de branco e
com muitos colares de miçangas começaram a entrar em transe. Gritos eram emitidos
pelas pessoas possuídas e se pareciam com sons de animais, brados de guerra ou
elementos da natureza como o trovão. Os comportamentos destes adeptos mudavam,
seus olhos reviravam, se tremiam, começavam a dançar freneticamente com os
atabaques, até que os rapazes que tocavam os atabaques pararam e um silêncio se
19
espalhou no barracão. Algumas mulheres muito bem vestidas, como as Baianas de
Salvador, que não estavam em transe conduziam os filhos-de-santo para uma espécie de
local reservado, cada qual com seu Orixá incorporado. Algumas pessoas bem solícitas
cuidavam das outras pessoas que ali participavam, limpando e ajeitando os que estavam
dançando no circulo e oferendo água, sucos e refrigerantes a todos, numa atitude ao meu
ver, cativante e um tanto familiar. Era como se estivessem todos ali contemplando,
reverenciando, algo muito superior.
Novamente aquele “chocalho” começou a ser balançado pela mãe de santo e os
atabaques recomeçaram a tocar, num ritmo acelerado e bem marcado. Percebi que nem
todos que estavam em transe retornaram ao barracão. Alguns estavam “acordados”,
retornando ao local de festa, quando de repente duas mulheres com roupas muito
vistosas, uma com vestes amarelas e douradas e a outra com vestes que iam do
vermelho ao cobre, bailavam pelo barracão. Perguntei ao meu amigo quem eram
aquelas mulheres, e ouvi como resposta: “São Oxum e Yansã. Hoje é a festa das Yabás
da Casa.”.
Fiquei admirado com o furor com o qual aquelas mulheres dançavam, e com a
delicadeza e ao mesmo tempo vigor daqueles gestos. Em um determinado momento do
ritual, estas fervorosas mulheres pararam em minha frente, giraram e continuaram seu
baile. A partir deste momento, senti meus sentidos apagarem, meu corpo não obedecia
meus comandos e eu sentia que ia desfalecer no chão, essa angustia durou mais ou
menos cinco minutos, embora tenha parecido que tinham se passado horas. Logo após
retomar os sentidos com a ajuda de uma das mulheres vestidas de baianas, perguntei-me
o que aconteceu. Uma mistura de tremor, medo, impaciência e uma sensação de frio e
calor tomaram conta do meu corpo. Era como se tudo o que até então mais parecia ser
um espetáculo, tenha se tornado uma descoberta para as minhas indagações e
inquietações, dúvidas existenciais e pessoais sobre quem eu era, sobre o que é e no que
ter fé.
A partir daí, continuei a frequentar este terreiro, aprender quem são os Orixás, o
que de fato havia acontecido comigo, suas histórias e fundamentos e o que mais mexeu
comigo, sua relação com a natureza e com conceitos e fundamentos da Educação
Ambiental, por conta disso ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Ciências e
Meio Ambiente, decidi realizar um estudo a respeito desta relação entre os Orixás com a
Natureza. No entanto, qual seria essa relação que eu teria encontrado dos elementos
20
religiosos do Candomblé com a Educação Ambiental que de alguma forma acabava
servindo como consciência ambiental para seus seguidores?
Sou adepto do Candomblé desde 2005, iniciando minha jornada na religião no
terreiro Ilê Asé Iyabá Omi, no município de Belém, consagrado ao Orixá Oxum. E
iniciado no ano de 2014 no Terreiro Ilê Asé Oya Nirolê, em Ananindeua, consagrado ao
Orixá Oya, fui iniciado na religião como Ìyàwó1 consagrado ao Orixá Logun Edé.
Comecei no programa de mestrado em 2012, com o projeto intitulado Educação
Ambiental e Candomblé: Consciência Ambiental Empírica. De certa forma o tema se
mostra um pouco difícil de ser discutido, pois meus questionamentos da investigação
estavam ainda confusos e eu não conseguia chegar um objetivo principal. Uma das
minhas dificuldades, até aquele momento, talvez fosse minha formação na área
ambiental (formei-me como bacharel em Ciências Ambientais, em 2008), pois não era
treinado para identificar e descrever personagens etnográficos, organizar as histórias de
vida, ou mesmo analisar as possíveis percepções ecológicas no Candomblé. Assim,
ultrapassar essa minha limitação, como aprendiz de antropólogo, foi fundamental para
desenvolver a pesquisa.
O interesse em pesquisar sobre essa relação entre a ecologia e o candomblé se
deu, inicialmente, em virtude dos poucos estudos científicos sobre o tema, embora o
Candomblé já fora devidamente estudado por outros pesquisadores, como Pierre Verger
(2005), Luís Nicolau Parés (2007), Sérgio Ferreti (2009) e Hyppolyte Brice Sogbossi
(2004). Estes estudos centravam-se na formação e consolidação do Candomblé em
Salvador e das Casas Minas em São Luís do Maranhão, destacando seus aspectos
cosmológicos, míticos, históricos e rituais. Os referidos autores preocuparam-se na
análise dos elementos constitutivos e formativos das comunidades estudadas.
Entretanto, a educação ambiental e a dinâmica da relação do homem adepto da religião
com o meio em que vive não aparecem como elementos centrais de discussão em suas
pesquisas, sendo um aspecto periférico em suas argumentações. Assim, o estudo sobre a
relação desses temas e como eles podem ser trabalhados na prática, se apresentava como
uma contribuição original.
1
A palavra yorubá Ìyàwó é ambivalente, independente do sexo. Ela pode ser traduzida como íyà/mãe e
awó/segredo, ou seja, a “mãe do segredo”. Recebe ainda o nome de omo òrìsà, “filho do orixá”, ou de
elegún, aquele que recebeu o sagrado privilégio de “ser montado” (gún) por uma divindade (KILEUY;
OXAGUIÃ, 2014).
21
Dentro do enredo da atual crise socioambiental caracterizada pela globalização e
exploração exacerbada dos recursos naturais, a Educação Ambiental tem se firmado
como um dos temas mais discutidos na área ambiental e da educação nos últimos anos.
Educadores como Leff (2010), Layragerges (2012), Loureiro (2010), Reigota (2000) e
até mesmo Freire (1988) têm tratado do assunto exaustivamente, reavaliando e mudando
suas práticas pedagógicas até então voltadas unicamente para a transmissão de
conhecimentos sobre ecologia. Trata-se de uma educação que visa não só a utilização
racional dos recursos naturais, mas também a formação de cidadãos capazes de refletir
sobre a relação de consumo e desperdício, aptos a participar de discussões e decisões
sobre a questão ambiental, levando em consideração os principais fatores da sociedade,
como a cultura, a política, a cidadania e o meio ambiente.
Sato (2005) pondera a cerca da educação ambiental: “os diferentes autores
(pesquisadores, professores, etc.) adotam diferentes discursos sobre a EA”, e de praticar
a ação educativa neste campo. Com base nas contribuições da autora, entende-se que o
contexto vigente é profundamente marcado por discursos, mas na prática são adotadas
diferentes atitudes em relação ao meio ambiente.
[...] A Área da cachoeira com a vegetação bastante alterada está sendo usada para
rituais religiosos, o que se deduz pela presença de restos materiais como vales,
panos, garrafas, materiais de caráter não biodegradável, utilizados frequentemente
nesses cultos (PRADO, 2008).
Nesse argumento podemos identificar a relação entre o conjunto de saberes
tradicionais envolvendo os elementos socioculturais, é nessa relação que podemos
sugerir alguns entrelaços e composições entre Educação ambiental e a Cultura Religiosa
de Matriz Africana.
O Candomblé é uma religião baseada nas crenças que os africanos trouxeram de
suas terras natais. Hoje em dia é difundida não apenas no Brasil, mas também em vários
países norte/latino americanos e europeus. De caráter monoteísta, o Candomblé se
caracteriza pela manifestação de vários Orixás, que são diversos aspectos de um único
Deus, criador do mundo, chamado Olorum ou Olodumare. Existem cerca de 21 Orixás,
que se manifestam também através das forças naturais e cada um possui suas
especificidades e domínios próprios: cada pessoa é tutelada especialmente por um
Orixá, que a influência nas suas ações e no seu jeito de ser, expressando, desta forma
um aspecto do Sagrado, no mundo.
22
No Brasil, os povos africanos, desestruturados e modificados pela Diáspora,
acabaram por se sincretizar2 num processo de resistência e resgate cultural, criando
assim uma nova religião que agregava os muitos deuses de inúmeras regiões da África,
além de recolherem também as leis de conduta moral e religiosa das várias etnias e
procurarem moldá-las de forma homogênea e coerente para que pudessem dialogar com
a sociedade brasileira contemporânea a eles, esta religião é o Candomblé.
A religião do Candomblé tem importância social por dois motivos
principalmente. Primeiro, assegura pertencimento social e cultural: social, porque a
comunidade do Terreiro apoia seus membros e os agrega em seus processos litúrgicos
que duram o ano todo; cultural, pois liga o indivíduo a sua linhagem simbólica, de
antepassados gloriosos e milenares, o que o incentiva em seu crescimento pessoal e
profissional. Mas, além disso, os fiéis do Candomblé, por ser uma religião do coletivo,
que valoriza a família (carnal ou não), quando ascendem colaboram também com a
comunidade que os sustentou.
O aspecto que mais se destaca dessas religiões com relação à educação
ambiental esta no fato de a natureza3 ser um elemento central no seu modo de perceber
o divino, pois e nos rituais e cultos aos Orixás que a matriz africana de revela mais
intensamente, além do fato de que essa matriz também influencia diretamente outras
religiões afro-brasileiras como a Umbanda e a Mina, que possuem uma fundamentação
religiosa baseada não só na ancestralidade mas também no pensamento social brasileiro
da fábula das três raças.
“Omi kosi, éwè kosi, òrìsà kosi” é um ditado ioruba que significa: “sem água,
sem folha, não há orixá”. O culto aos orixás é realizado pelos iorubas, povo oriundo de
regiões do Benin e da Nigéria, países da costa oeste africana, que deram origem no
Brasil ao candomblé. De acordo com o Candomblé, a natureza é o sagrado, onde
acontece a comunhão entre o mundo espiritual e o material, que deve ser respeitado e
bem cuidado. Esta concepção alinha o culto milenar a uma das maiores preocupações da
atualidade: a preservação da biodiversidade.
2
Termo teórico usado historicamente pelas ciências sociais, o que aconteceu com os negros no Brasil
não foi uma mescla, mas sim um processo de ressignificação.
3
A natureza é divinizada, o Candomblé como religião, integração homem à natureza, como fazendo
parte dela. A natureza como sagrado não é transcendente, é imanente e palpável, é emanado numa
pedra, em um rio, no trovão, na floresta, e é recebido no corpo de seus adeptos. Os Deuses (Orixás) são
a energia e a própria natureza.
23
Segundo Botelho (2011), no cotidiano do terreiro observa-se essa relação e os
cuidados que se têm desde a obtenção das folhas, a preocupação com a pessoa que
cuidará delas, a forma de guardá-las entre outras. A ritualística exige um cuidado todo
especial ao recolher as plantas, prefere-se buscá-las pela manhã, quando ainda estão
orvalhadas, evitando as ervas que ficam próximas a estradas. Há uma expectativa na
certeza dos resultados, quer seja nos tratamentos de saúde, quer seja nas festas e rituais
sagrados, o início de tudo que é a manipulação das folhas tem que ser rigorosamente
observado para que nada ocorra de errado. Essa reverencia a natureza e às divindades
que ali habitam, demonstra que o homem é apenas parte de conjunto natural e
harmônico, um componente do todo complexo e organizado.
O funcionamento e interpretação de crenças e valores nessas tradições se dão na
relação da humanidade com a sua ancestralidade, seus mitos e dogmas, ligação essa que
ocorre por meio do constante manejo dos elementos naturais como a água, o fogo, a
terra e as florestas, enfim, a força da vida materializada pela religião nos ecossistemas.
Ou seja, esses elementos nos fazem supor que as afro-religiões possuem uma
cosmovisão fortemente envolvida com o viés da educação ambiental.
De acordo com os aspectos ressaltados, destaca-se que a problemática que
motiva essa pesquisa ultrapassa o âmbito privado da religião, o problema imprime uma
reflexão em um âmbito mais amplo indo às questões especificas de cidadania, sociedade
e meio ambiente. Assim, é preciso recolocar sob outros parâmetros essas as questões,
indo além de política, ética ou mesmo preservação do lugar, a preocupação deve ser
com a preservação do planeta.
Refletir sobre essas relações só faz sentido quando inseridos nessa
contextualização que não se constitui como abstração metafisica, e sim como
necessidade. Dessa forma a questão que fica vem a ser a aquela que indaga se há relação
entre os conceitos da Educação Ambiental e as contribuições das práticas religiosas do
candomblé desenvolvido na cidade de Belém – PA pelas nações Jeje, Ketu e Angola
para a formação de uma consciência ambiental, tendo como objetivo analisar quais
elementos existem nas religiões de matriz africana capazes de desenvolver
posicionamentos frente a essa complexa situação observada atualmente e como objetivo
específico analisar se essas concepções podem ser trabalhas em instituições de ensino
superior?
24
Para melhor compreensão da pesquisa o trabalho foi dividido em quatro
momentos, o primeiro aonde se estabeleceu as relação metodologias entre a
Antropologia e as Ciências Ambientais, um segundo momento, aqui visto como o
Capitulo 2, aonde se fez um relação abrangente entre os temas envolvidos, os Orixás o
Meio Ambiente e a Humanidade, um terceiro momento, que seria o Capitulo 3, aonde
se fez uma relação entre os temas, onde se discutiu as hipóteses levantadas, formulou-se
a relação entre a Educação Ambiental e o Candomblé e foi confirmada a aplicabilidade
dessas concepções no ensino superior, e um quarto momento, Capitulo 4, aonde se
mostra os resultados e conclui-se a pesquisa.
Capitulo I - O Encontro Com a Antropologia e sua Metodologia
A Antropologia integra-se à Literatura, formando uma espécie de cadeia
multidisciplinar mais apta a melhor flagrar alguns dos movimentos da dinâmica
cultural encenada nesse cenário particular que segue semeando perplexidades e
impondo a necessidade de novas formas de abordagem. (CHAVES, 2004, p. 9).
No último ano do meu curso de Especialização (2011), na Universidade Federal
do Pará, passei a ter contato com os estudos antropológicos em virtude da minha
monografia enveredar um pouco dentro dessa área. Não se tratava de um estudo
sistemático no campo antropológico, eu apenas relatava sobre o meu campo de
pesquisa, comentava sobre o trabalho etnográfico desenvolvido na minha pesquisa. Eu
ficava muito curioso em saber o que fazia um antropólogo e ouvia, atento, comentários
sobre os grandes nomes da Antropologia, como Malinowski, Geertz, Lévi-Strauss etc.
Esses diálogos, no entanto, acabaram conduzindo meu íntimo científico para essa outra
área das Ciências Humanas.
Nas conversas que eu tinha com meus amigos e conhecidos antropólogos,
sempre surgia a palavra etnografia. Imaginava, pois, o que deveria ser essa atividade,
pensava até que fosse algo parecido com a pesquisa socioambiental, porque, quando eu
era graduando em Ciências Ambientais, a minha professora de Ecologia Humana, Drª
Elena Carvalho, solicitou a minha turma que fizesse uma atividade de pesquisa sobre as
variações da cultura brasileira, por meio de uma entrevista com um número x de
sujeitos, de determinadas classes sociais. Pensava, então, que o fazer etnográfico e o
fazer socioambiental tinham em comum o uso da entrevista como recolho de dados,
mas, com o tempo, fui percebendo certas diferenças entre esses campos de estudos.
25
Todavia, o que desejo, a princípio, é discutir o meu percurso nos estudos
antropológicos, o qual acabou cruzando com minha formação ambiental. Isso se verá,
mais adiante, no momento em que eu relatar sobre minha postura com antropólogo
nativo, a qual comunga com os pressupostos de dialogia estabelecidos por Mikhail
Bakhtin (2006).
Passei a conhecer a bibliografia antropológica, de fato, por intermédio de minha
co-orientadora, Profª. Drª. Taissa Tavernard, doutora em Antropologia, pela UFPA. Ela
orientou o meu projeto de pesquisa do Mestrado em Ciências e Meio Ambiente (UFPA)
e, dentre as obras que ela me indicou, aventurei-me sobre a leitura da Nova luz sobre a
Antropologia, de Geertz (2001), para que eu pudesse compor a minha observação e
traçar os instrumentos da pesquisa que eu estaria desenvolvendo, onde de fato e por
conta do tema, Geertz foi o que mais estava de acordo com a pesquisa que eu me propuz
a desenvolver.
Dessa forma, durante o levantamento bibliográfico do trabalho e no curso com
as disciplinas do Mestrado, por meio da Profª Drª Taissa Tavernard, passei a
compreender melhor a tarefa do antropólogo. No entanto, caminhar das Ciências
Ambientais até a Antropologia não foi nada fácil, pois, no primeiro semestre da pósgraduação, eu ainda estava conhecendo a literatura antropológica sobre o meu objeto de
estudo e eu carecia de campo etnográfico, pois só se pode conhecer a antropologia
social com a prática etnográfica e é dessa maneira que passamos a entender a análise
antropológica enquanto forma de conhecimento (GEERTZ, 2008, p. 4).
Então, antes de partir para a experiência etnográfica, procurei, primeiramente,
elaborar meus instrumentos de pesquisa por meio da leitura dos trabalhos de Bronislaw
Malinowski, James Clifford, Clifford Geertz e Roberto Cardoso de Oliveira, buscando
saber desses autores quais são as funções do etnógrafo e como aplicá-las no meu campo
de pesquisa. Assim, é sobre tais leituras que julgo cabível comentar para compreensão
de como me tornei pesquisador etnográfico.
Nos “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” compreendi o método etnográfico
da Antropologia Clássica, o qual apresenta uma participação ativa do pesquisador com o
objeto de campo (os nativos), numa possível relação natural com ele. Para Malinowski,
o etnógrafo deve vivenciar as experiências dos sujeitos da pesquisa, observando o dia-a-
26
dia deles, as brigas, os fatos banais, os dramas da comunidade, procurando fazer uma
detalhada e precisa observação participante. (MALINOWSKI, 1976, p. 22-23).
Nessa obra o autor destaca-se três grandes princípios do fazer etnográfico, os
quais serviram de base para o norte da minha pesquisa:
1) registro da organização, estrutura e forma da comunidade-alvo da pesquisa;
2) observação dos tipos de comportamentos dos sujeitos-atuantes dessa comunidade;
3) anotar todo e qualquer depoimento, narrativas, ocorrências típicas desses indivíduos,
constituindo, assim, um documento da mentalidade deles. (IDEM, p. 36).
Malinowski enfatiza que as opiniões, visões, expressões própria dos sujeitos
pesquisados devem ser registradas no caderno de campo (diário etnográfico), pois esse
instrumento é obrigatório para qualquer pesquisa etnográfica. (IDEM, p. 33-34). De
forma mais prática, o que o Malinowski tentou fazer no início do século XX foi trazer
para a Antropologia o trabalho de campo, porque os evolucionistas não praticavam nada
disso, o que se fazia antes era pesquisa teórica. É no começo do século XX, durante o
surgimento das Ciências Sociais, que Durkheim4 escreve refletindo esse método das
Ciências Sociais, da Sociologia como ciência. O grande problema que esses estudiosos
estão refletindo é, justamente, como fazer ciência da sociedade distanciando-se do
objeto, para garantir uma análise objetiva.
O grande enfoque científico dessa época era a busca da objetividade. Então, a
Antropologia se forma enquanto ciência, tendo como objeto de estudo o ser humano,
mas o ser humano distante. Tenta-se buscar o campo distante como uma estratégia de
conseguir objetividade de ciência para a Antropologia. Diante disso, Malinowski não
pensava a sociedade a qual ele estava inserir como objeto de estudo possível, nem se
cogitava essa ideia, mas essa metodologia acaba sendo revista e discutida pela nova
geração de antropólogos, surgida depois da II Guerra Mundial, aliás, 20 anos após esse
período. Dicotomias como pagão-cristão, selvagem-civilizado, tradicional-moderno,
foram relativamente ficando em voga. Os antropólogos puderam passar a estudar não
mais a suposta oposição entre “nós” e “eles” mas tudo aquilo que parecia se situar do
4
Referencio Émile Durkheim (1858-1917) não como pesquisador de campo, porque ele não o é;
Durkheim é apresentado aqui apenas para elucidar a gênese das Ciências Sociais e porque ele é sensível
ao relativismo cultural, rejeita os evolucionistas e o comparativísmo especulativo.
27
outro lado da fronteira. (...) algo de universal parecia subjacente a todas as diferenças
culturais. (GOLDMAN, 2000, p. 282-283).
De Malinowski à Geertz observo as transformações da Antropologia, buscando
um método que realmente viesse condizer com a minha pesquisa de campo
especificamente. Levo em consideração, no entanto, a importância de estar no campo,
com os sujeitos da pesquisa, anotando as informações do dia-a-dia dos nativos, como
propunha Malinowski, mas me distancio do ideal de objetividade na pesquisa tão
almejado no período desse antropólogo5, pois tive de levar o meu campo de pesquisa em
consideração, ou seja, considerar o loco não como um objeto lá, tentando torná-lo alheio
a mim, mas sim fazer parte dele, como é o meu caso com o Candomblé, para o
desenvolvimento da minha observação/participação.
Em A Interpretação das Culturas, de Clifford Geertz, por exemplo, observei as
críticas que ele teceu sobre o conceito de cultura: para o autor, o conceito de cultura é
semiótico e está associado a uma ciência interpretativa que prima pela busca de
significados e não de leis, como quer a ciência experimental (GEERTZ, 2008, p. 4).
A proposta de Geertz baseia-se numa descrição densa do exótico, do estranho,
de modo a perceber a teia de significados que esse trabalho produz, é a condição de
estar lá (being there)6 no campo de pesquisa. Isso não implica dizer que a postura do
etnógrafo deve ser neutra e objetiva, porque, para Geertz, o subjetivo e objetivo estão
juntos e corroboram para a descrição densa e compreensão dos símbolos sociais.
Os etnógrafos talvez pensem, realmente, que ganham credibilidade pela extensão
de suas descrições. (...). Talvez se devesse acreditar nos etnógrafos pela extensão de
suas descrições, mas não parece ser assim que a coisa funciona. (...) A capacidade dos
antropólogos de nos fazer levar a sério o que dizem tem menos a ver com uma aparência
factual, ou com uma elegância conceitual, do que com sua capacidade de nos convencer
de que o que eles dizem resulta de haverem realmente penetrado numa outra forma de
5
Muito se discute sobre o envolvimento do antropólogo com o seu objeto, considera-se isso como um
procedimento inevitável no fazer etnográfico. Então critério como neutralidade, imparcialidade e
objetividade foram ficando em voga, à medida que essas premissas ou dogmas não são partilhados por
toda a comunidade acadêmica. A noção de que existe um envolvimento inevitável com o objeto de
estudo e de que isso não constitui.
6
Being there (estando lá) e bein here (estando aqui) são as duas etapas da investigação empírica
propostas por Geertz. A primeira é parte de um trabalho qualificativo e corresponde a vivência do
etnógrafo no campo numa observação participante; a outra é processo de textualização dos fenômenos
observados, interpretação dos dados coletados. (GEERTZ, 1988).
28
vida de realmente haverem, de um modo ou de outro, estado lá. E é aí, ao nos convencer
de que esse fato realmente ocorreu, que entra a escrita. (IDEM, 2009, p. 14-15).
É em harmonia com essas exposições de Geertz que eu vim a perceber minha
postura antropológica no campo de pesquisa. Não bastaria a minha própria produção
científica deter-me em longos relatos descritivos do campo; foi muito necessário haver
um engajamento, a comunhão com os indivíduos envolvidos na pesquisa, de modo a
reduzir as distâncias entre eu e eles.
(...) quando é possível reduzir as distâncias entre o antropólogo e o Outro, lançar
uma ponte sobre o abismo entre nós‘ e eles‘, a meta de uma antropologia
verdadeiramente humanista pode ser alcançada. (...) [Esse] desejo de reduzir a
distância entre o Eu e Outro, que instigou [minha] adoção desta [abordagem],
provém de meu trabalho de campo. (...). A distância entre o Eu e o Outro havia-se
tornado realmente pequena. (DANFORTH, 1982, p. 5-7).
Segundo Bruno Latour, quando descrevemos o objeto de pesquisa não
pretendemos dizer somente o puro pensamento técnico-científico, mas tratamos da
própria matéria da sociedade, do seu envolvimento conosco (LATOUR, 1994, p. 9).
Com isso, quero dizer que há uma relação efetiva do objeto de estudo comigo, muito
antes de iniciar esta pesquisa e que, a partir do momento em que passo a analisar à luz
da ciência, ocorre mais que um abreviamento da distância entre o Eu e Outro, uma
incorporação da cultura dele, diante das semelhanças que apresentamos. Antes de tratar
do objeto em questão, julgo oportuno observar o dizer de Márcio Goldman, ao tratar dos
processos de transformação da Antropologia no plano da pós-modernidade:
A descolonização e a imigração contribuíram decisivamente para a emergência de
novos sujeitos no campo da antropologia. Treinados nas metrópoles coloniais, ou em
seus próprios países por professores ocidentais, os “nativos” começaram a tornar-se
antropólogos. (GOLDMAN, 2000, p. 284).
Após a II Guerra Mundial, observou-se, no campo da antropologia, a flexão do
olhar antropológico, ou melhor, a possibilidade de inversão da postura do pesquisador
de campo, que ora é antropólogo, mas também é nativo da cultura que investiga. Em
outras palavras, podemos encontrar na antropologia hermenêutica crítica7 um
7
Michael M. J. Fischer (1985) discute sobre o surgimento de novas tendências no campo da
antropologia, dentre as quais a antropologia interpretativa proposta por Geertz, que buscava
compreender os homens agindo dentro de mundos intersubjetivos socialmente constituídos (p. 57).
Todavia, Fischer apresenta contribuições e expande o conceito da antropologia interpretativa, com o
que ele chama de tentativas de hermenêutica crítica (p. 64-65). Em síntese, o que deseja Fischer é
mostra a relativização da autoridade etnográfica (compartilhada entre nativo e antropólogo), visando
observar as vozes (polifonia) que interagem ente si no campo de pesquisa e que constroem a pesquisa
antropológica, fornecendo, dessa maneira, um instrumento que possa levantar a autoconsciência
crítica‖. (p. 70)
29
pesquisador que é parte do objeto que observa. Essa é uma prática que, para alguns
especialistas, é considerada um tabu, mas que já vem sendo incorporada no fazer
etnográfico de antropólogos desde o final do século XX.
Posso dizer que sou nativo do objeto que investigo, visto que possuo
envolvimento direto com o campo e pela crença a qual pratico. Neste estudo, procurei
investigar quais as relações dos conceitos e fundamentos da Ecologia nos fundamentos
da religião Candomblé e nas lendas e histórias dos Orixás. O que eu estava fazendo, na
verdade, era observando o familiar (VELHO, 1978). Mas
“o fato de dois indivíduos pertencerem à mesma sociedade não significa que estejam
mais próximos do que fossem de sociedade diferentes. (...) O fato é que existem
problemas de experiências mais ou menos comum, partilháveis que permitem um
nível de interação específico. Falar-se a mesma língua não só não exclui que existam
grandes diferenças no vocabulário, mas que significados e interpretações diferentes
podem ser dados a palavras, categorias ou expressões aparentemente idênticas. (...)
O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente
conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas até certo ponto
conhecido”. (IDEM, p. 38-39).
É com esse olhar de Gilberto Velho que me deparo no campo de pesquisa,
percebendo que entre o que eu queria pesquisar e o que de fato acontece na religião
existem grandes distâncias, apesar de haver certas familiaridades entre os assuntos e
esses apresentarem ideias comuns com relação ao meio natural. Há descontinuidades
vigorosas entre o mundo do pesquisador e outros mundos, e isso faz com que eu possa
ter experiência de estranheza, não reconhecimento ou até choque cultural se for
comparáveis a minha cultura com a cultura do outro. (IDEM, p. 40).
Outra questão que me detive é evitar a visão romântica do campo levando a
crítica em detrimento, pois ser um pesquisador, familiarizado com determinada cultura,
não é dar voz àqueles que supostamente não conseguem se exprimir (GOLDMAN,
2000, p. 287). Por isso, procurei olhar a cultura que estava estudando como se não
fizesse parte dela, encarando-a criticamente e com certo distanciamento (IDEM, p. 284),
ainda que isso pareça humanamente impossível. Mas como, então, estabelecer esse
paradigma? Ora, empenhei-me em justapor prática e teoria, solidariedade e objetividade
(HASTRUP, 1995), procurando conhecer o mundo alheio, saber que ele deveria ser um
pouco diferente e esforçar-me para que ele procurasse seguir essa direção (GOLDMAN,
2000, p 285-286).
Goldman, citando Hastrup, afirma que somos nós que determinamos o que o
outro é ou não, porque não estamos fazendo pesquisa do que nos é totalmente estranho.
30
Em suma, antropologia que eles nos propõem a fazer é sobre nós, não sobre o outro,
pois é preciso reconhecer que a antropologia diz respeito mais precisamente a nossa
relação com o outro, esteja ele onde estiver inclusive dentro de nós mesmos. (IDEM, p.
290).
Assim sendo, sem retirar o pesquisador daquilo que ele tomou como sua cultura
(o meu caso, o Candomblé por exemplo), Goldman me direciona e me revela que a
tarefa da antropologia não é recusar, mas transformar e generalizar a tradicional
metáfora da cultura como linguagem e da antropologia como tradução e interpretação,
sabendo, portanto, explicitar as experiências que temos das outras culturas de modo
prático e teórico. (IDEM, p. 291-292).
Agora partindo para o campo metodológico, procurei empreender este estudo
baseando-me na 1ª etapa de investigação que Geertz chama de being there (estando lá),
que, para Roberto Cardoso de Oliveira, faz parte das etapas de apreensão dos
fenômenos sociais: olhar, ouvir e escrever. (OLIVEIRA, 1998, p. 18). Em Oliveira é
importante salientar que O trabalho do antropólogo consiste, primeiramente, em saber
olhar e ouvir, para penetrar nas estruturas das relações sociais (estando lá: vendo e
ouvindo), buscando explicações nativas por meio de entrevistas, dialogando e
vivenciando com o nativo. Isso, sem dúvida, constitui o exercício do observador
participante que ao tentar penetrar em formas de vida que lhe são estranhas, a vivência
que delas passa a ter cumpre uma função estratégica no ato da elaboração do texto
(IDEM, p. 34).
Se o olhar e o ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos mais
preliminarmente no trabalho de campo ― atividade que os antropólogos designam
pela expressão inglesa fieldwork ―, é, seguramente, no ato de escrever, portanto na
configuração final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento tornase tanto ou mais crítica. (IDEM, p. 25).
O being here (estando aqui: escrevendo) é o produto final, pois, das faculdades
cognitivas de olhar e ouvir. É o momento de textualização da cultura, na qual o autor
exerce sua autonomia e expressa suas opiniões, mas essa autonomia não está dissociada
dos dados e o controle deles recai sobre a comunidade profissional. Ou seja, o momento
de escrever, marcado por uma interpretação no cientifico, faz com que aqueles dados
sofram uma nova refração, uma vez que todo o processo de escrever, (...), está
contaminado pelo contexto do being here (IDEM, p. 27), ou melhor, está contaminado
31
pelo contexto acadêmico8. É importante que se ressalte que processo hermenêutico da
escrita do material de campo deve constituir uma etnografia de sistema de ideias e
valores, vistos de forma relativista (o autor deve desnudar-se dos seus valores pessoais),
porque é isso que assinala o fazer antropológico: vemos a vida dos outros através das
lentes que nós próprios polimos e que os outros nos veem através das deles (GEERTZ,
2001, p. 66)
O modelo etnográfico, enquanto mecanismo para a coleta de dados qualitativos
para a pesquisa que apresento não se limita numa relação estrita de pesquisador com os
informantes, nem menos num estudo de sociedades distantes e longínquas. A
familiaridade com o meu objeto de campo valida este o trabalho etnográfico, porque ele
foi desenvolvido num ambiente social que eu compartilho, ou melhor, dentro um
contexto religioso-cultural do qual faço parte: agora somos todos nativos (IDEM, 1999)
e nessa relação intersubjetiva, ampliam-se as negociações entre pesquisador e nativo,
colaborando, assim, para o processo de interpretação da cultura que se deseja pesquisar.
Mas, ainda que eu tivesse uma relação como o meu objeto de pesquisa, foi muito
necessário saber olhá-lo com atitudes de relativização e estranhamento, porque senão eu
não estaria afinado com o trabalho do etnógrafo. É importante reiterar que, enquanto
profissional das ciências ambientais busquei versatilidade nos diferentes campos das
ciências humanas e sociais. Ou seja, pude encontrar na Antropologia uma extensão das
Ciências Ambientais para os assuntos sociais, procurando buscar olhares hermenêuticos
e compreensões mais acuradas sobre as relações ecológicas produzidas pelas
comunidades sociais que, inegavelmente, encontra-se circunscrita em contextos
religiosos. As representações das crenças são objetos de interesse tanto do profissional
ambiental quanto do antropólogo que registram e interpretam esses produtos textuais.
Então, a partir dessa relação construída pelo casamento de conceitos e definições
contidos nas Ciências Ambientais e na Antropologia, torna-se possível traçar uma
dimensão antropológica (hermenêutica), que será utilizada no decorrer da pesquisa,
sobre um dado tema (Educação Ambiental) presente na linguagem de uma religião
(Candomblé), visando, sobretudo, oferecer contribuições significativas para as Ciências
Ambientais.
8
O being here foi importante para construção da minha pesquisa, pois, por meio dos estudos científicos
e da vivência na religião, pude encontrar não somente as bases para minha pesquisa, mas também
problematizá-la e justificar a necessidade de desenvolvê-la no Mestrado em Ciências e Meio Ambiente
(UFPA).
32
Para essa pesquisa o trabalho foi de caráter exploratório sendo desenvolvida de
acordo com o método dialético, pois essa abordagem “penetra no mundo dos fenômenos
através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e mudança dialética
que ocorre na natureza e na sociedade” (MARCONI & LAKARTOS, 2006). Neste
contexto, diante da necessidade de uma atitude mais concreta em relação ao fenômeno
pesquisado é que foi utilizado como técnica de pesquisa a etnografia e a pesquisa-ação.
A pesquisa etnográfica é definida segundo vários pesquisadores, como o estudo
dos povos e de sua cultura. Ela procura descrever o conjunto de pensamentos,
conhecimentos peculiares e de comportamentos compartilhados entre os indivíduos de
um determinado grupo em um contexto específico, que é o das relações sociais.
Metodologicamente, este trabalho foi desenvolvido em uma perspectiva
preconizada por Geertz, no que alia a pratica etnográfica como uma postura
interpretativa, combinação esta que, para esse autor, resulta em interpretações
hermenêuticas de abordagens antropológicas. Onde o primeiro ponto vem a ser a
“analise do sistema de significados incorporados nos símbolos que formam a religião
propriamente dita e o relacionamento desses sistemas aos processos socioambientais”
(Geertz, 1978, p.143). Isto é, procurar aonde a ideia de natureza está inserida na liturgia
do Candomblé, e com os dados coletados e analisados, expor a simbologia subjacente,
na tentativa de construir um enredo em que o candomblé apareça em seu contexto
dinâmico e em suas múltiplas relações com a educação ambiental.
Entidades e Pessoas Envolvidas
A Associação Cultural Ilê Iyabá Omi (ACIYOMI) e a senhora Virginia
Lunalva (Iyá Omisàá)
A Associação Cultural Ile Yaba Omi está localizada na Rua da Olaria nº34,
Avenida CELSO MALCHER, Bairro da Terra Firme, Cidade Belém com o Cep 66.070710, no final da rua, próximo a um córrego, e o espaço da Aciyomi vem a ser uma casa
alugada para acomodar as ações da Associação, inclusive o Banco Popular e também o
Ponto de Leitura de Matrizes Africanas, fica na mesma rua em frente.
33
Figura 1: Localização Aciyomi (fonte: Google Earth)
A Yalorixa Nalva de Osum do terreiro Ile Yaba Omi, responsável pela
Associação Aciyomi, participa da Coordenação Nacional de Religiões Afro e Saúde, da
Rede Estadual de Saúde, do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e
Fórum Nacional de Segurança Alimentar, representando a Rede Nacional de Religiões
Afro-brasileiras, como comunidades tradicional de terreiros e participa do CedempaConselho de Defesa do Negro. A Associação, promove visita semanais aos outros
terreiros, campanhas de aconselhamento sobre AIDS (cuja prevenção ficou por conta da
matriz africana no Pará), sobre hipertensão, diabetes cestas de alimentos para a
comunidade do entorno de Aciyomi e para outros terreiros, que é um projeto do
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a fome- MDS, e a Secretaria Especial
de Promoção para a Igualdade Racial – SEPPIR. Promove oficinas, palestras e cursos de
formação de geração de renda, artesanatos, voltados para a comunidade e visando o
combate a intolerância religiosa.
A Aciyomi também supervisora o mapeamento socioeconômico dos terreiros na
região metropolitana, que tem por objetivo dar visibilidade a essas comunidades e
combater
as
formas
de
discriminação
e
intolerância
religiosa.
Na associação, um projeto de telecentro já tem os equipamentos, mas ainda não está
montado.
Atualmente tem também o projeto de um banco comunitário – ABAMODÁjunto ao Banco do Amazonas. Com o Ponto de Leitura pretende expandir as atividades
de leituras, contação de histórias infantis, e outras para a comunidade.
34
Na mesma rua e muito próximo ficam igrejas evangélicas. – Mãe Nalva diz que
ainda há intolerância, e em alguns espaços esta é cada vez maior. Há relatos de
situações em que essas igrejas impedem o uso de fio de contas; e inclusive já houve
intervenção mais frontal, com xingamentos pelo alto-falante durante os cultos do
terreiro, chamada da polícia etc. Ainda há adeptos que se intimidam em ambientes
sociais e no trabalho e renegam suas raízes por vergonha e medo de repressão.
Nalva Virginia Almeida, Mãe Nalva de Oxum se identifica e ministra os
conceitos e preceitos da religião de matriz africana da nação Ketu. No campo religioso é
filha de Ya Nare, neta de Ogum Dewi e bisneta de Oba Tundewi, da família do Terreiro
Tres Unidos, Salvador, Bahia.
Considera-se escolhida pelos Orixás para continuar as ações de sua mãe
biológica, Maria Nazaré (Sobani), e sua avó materna, cujos compromissos religiosos
acompanha desde pequena. Nesta descendência, há uma história de interdição familiar
pelos casamentos, que precisam ser desfeitos para dar lugar à identificação religiosa. A
mãe, que foi casada com pessoa da religião protestante, evangélico e bicheiro (jogo), só
quando o marido morreu pode exercer sua missão religiosa e se vinculava ao terreiro de
Pai Euclides, no Maranhão.
A avó materna, Virgínia Fonseca de Miranda era filha de dono de Engenho em
Abaetetuba e veio fugida para Belém, casando aos 12 anos, foi deserdada pela família.
Quando descasou pode realizar-se na umbanda onde era benzedeira, parteira e
curandeira – tinha uma cesta de ervas e sabia receitar remédios naturais produzidos com
mistura de ervas, mel etc.
Aos 12 anos Mãe Nalva teve sua primeira experiência espiritual, embora tenha
evitado esse “dom” durante alguns anos, para esconder do seu primeiro marido (com
quem casou aos 14 anos) e da sociedade. Teve dois filhos biológicos. Após dezesseis
dias do falecimento de sua mãe, Dona Maria Nazaré, Mãe Nalva terminou o primeiro
casamento e iniciou publicamente sua vida religiosa, pois já estava incumbida continuar
(herança) na tradição da família, (década de 1990). Ao mesmo tempo em que
continuava essa tradição, inicia-se no candomblé passando inicialmente pela nação
angola, e em seguida foi buscar a sua ancestralidade de santo, e a sua iniciação na
Bahia, no Ketu. (Araquetu, mãe Beata, que é do Rio de Janeiro).
35
Recebeu os direitos para se tornar uma Iyalorixá e abriu seu terreiro, na casa
onde mora, no bairro de Terra Firme (final da década de 1990, início da década de
2000). Nesse mesmo período Mãe Nalva atuava no Projeto Atoíre, que é o inicio da
Rede de Religiões de Matrizes Africanas, e passa integrar os movimentos sociais. Em
2002 (oficialmente em 2004) surge a Aciyomy.
Representando suas atividades e a Rede de Religiões, já esteve em encontros,
fóruns na Turquia, Itália, Argentina (Foro Latinoamericano y Caribeño; Conferencia
Internacional pela Paz, Istambul). Mãe Nalva é uma das pioneiras e tem papel
importante na rede. Como resultado das iniciativas, conseguiu para a rede: cestas de
alimentos (distribuídas para famílias carentes nas comunidades onde há as casas ligadas
à rede), espaços de diálogo no governo federal, ações (diversas) na área de saúde,
parceria com governo estadual, comitês organizadores, cursos de capacitação (arte,
saúde, cultura).
Figura 2: Virginia Lunalva Miranda/Mãe Nalva/Iyá Omisaa (acervo de fotos Aciyomi)
O Instituto Nangetu de Tradição Afro-Religiosa e Desenvolvimento
Social e a senhora Oneide Rodrigues (Mamatu Nangetu)
O Instituto Nangetu de Tradição Afro-Religiosa e Desenvolvimento Social, é
constituído como associação de direito privado, sem fins lucrativos, de caráter
filantrópico, visando estreitar laços de confraternização e promover o desenvolvimento
sócio-econômico da comunidade Afro-religiosa, e está intimamente ligado ao Mansu
Nangetu – Mansubando Kekê Neta, que é um espaço sagrado de manutenção e
36
preservação das manifestações de matriz africana de origem Bantu na cidade de Belém,
e ambos funcionam na Tv. Pirajá, 1194 – bairro do Marco.
Figura 3: Localização Instituto Nangetu (fonte: Google Earth)
O Instituto Nangetu foi constituído juridicamente em maio de 2004 e funciona
no endereço: Mansu Nangetu Travessa Pirajá, 1194, Bairro do Marco da Légua Belém
do Grão-Pará. CEP 66.087-490 CNPJ - 07.113.062/0001-59 2. Missão da organização:
1. Lutar pela preservação da memória cultural afro-brasileira postulando a
defesa da comunidade afro-brasileira, sua liberdade de expressão através dos
cultos afro-religiosos, postulando a adoção de medidas legais de proteção e
amparo aos interesses morais e culturais das comunidades religiosas afrobrasileiras.
2. Enfatizar os princípios da cultura e religião afro no tocante a saúde,
educação e civismo;
3. Pleitear junto ao Governo a adoção de políticas públicas que objetivem o
desenvolvimento, a integração e preservação da cultura e religiões afrobrasileiras;
4. Contribuir para que a sociedade civil possa construir alternativas de
desenvolvimento fundadas na democracia, na justiça social e no
desenvolvimento sustentável.
37
5. Promover ações na área da cultura, defesa e conservação do patrimônio
histórico, artístico, cultural, turístico, paisagístico e meio ambiente.
6. Realização de cursos de aperfeiçoamento para o mercado de trabalho, com
ênfase na formação e capacitação profissional e de lideranças, como
instrumentos de valorização humana.
7. Promoção do voluntariado.
8. Celebração de convênios, contratos, inclusive, de comodato e cessão de uso,
acordos com instituições públicas e privadas, de âmbito municipal, estadual
e federal, inclusive internacionais, visando sempre à promoção do cidadão e
o desenvolvimento sócio- econômico do Estado do Pará.
9. Elaborar em nível de parceria, projetos nas diversas áreas de atuação do
setor público e privado, e executá-los de forma a alcançar os objetivos
propostos entre outros.
Principais projetos (seus objetivos e respectivos financiadores):
Projeto Azuelar (início em 2005) – laboratório experimental de comunicação
social comunitária. Objetivos: Informar as ações culturais e sociais do Mansu Nangetu
ou das Comunidades Tradicionas de Matrizes Africanas que tem sua parceria; Exibir
filmes (ficção, animação, documentários e de outros gêneros) que tratam da temática
afro-brasileira, em especial da temática tradicional de matrizes africanas; Contribuir
com a formação cultural de membros da comunidade tradicional de matrizes africanas
da zona metropolitana de Belém; Combater o preconceito e a discriminação às culturas
afro-brasileiras, em especial `as culturas tradicionais oriundas da África negra, de forma
lúdica. Projeto mantido por trabalho voluntário e colaborações espontâneas; premiado
pelo Edital Pontos de Mídia Livre/ Secretaria de Cidadania Cultural - MinC, 2009;
premiado pelo Edital Cine Pará Mais Cultura/ SECULT-PA, 2010, tem o apoio da
Faculdade de Ciências Sociais da UFPA através do Projeto de extensão “Diálogos em
Cabana de Caboco – Parceria com o Projeto Azuelar do Instituto Nangetu em Belém do
Pará”, coordenado pelo Professor João Simões Cardoso Filho, e com financiamento de
bolsa/PIBEX para a monitora Luah Sampaio.
Parceiro no projeto Cartografia social dos afro religiosos em Belém do Pará:
história e georeferenciamento das casas de religiões afro-brasileiras (desde 2006).
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Descrição: Projeto de Pesquisa que envolve várias universidades e é coordenado pela
pesquisadora Camila do Valle no âmbito do Projeto Nova Cartografia Social e, dentro
deste, faz parte das atividades do Núcleo de Territorialização, Identidades e
Movimentos Sociais. O Instituto Nangetu participou da pesquisa, da organização do
mapa dos afro-religiosos na cidade de Belém, da Cartilha dos Afro-religiosos na cidade
de Belém, e da organização do livro Cartografia social dos afro-religiosos de Belém.
Projeto A magia de Jinsaba – sem folhas não tem ritual (início em 2008) .
Objetivos: Criar ambiente para manter o cultivo de plantas medicinais e de uso litúrgico
no quintal do Mansu Nangetu; Incentivar cultivo de plantas medicinais e de uso
litúrgico afro-religioso em pequenas áreas de quintais e em hortas comunitárias da zona
metropolitana de Belém; Contribuir com a preservação de matas e de igarapés urbanos.
Mantido através de trabalho voluntário e colaborações espontâneas.
Projeto Ancestralidade e Resistência (início em 2006). Objetivos: Valorizar a
ancestralidade feminina nas Comunidades Tradicionais de Terreiros. Promover eventos
que: promovam a cidadania da mulher afro-religiosa; valorizem a experiência e os
conhecimentos da pessoa idosa. Mantido com trabalho voluntário e colaborações
espontâneas.
A organização participa de redes, fóruns ou coletivos, em especial: Fórum
Permanente das Culturas Paraenses, membros fundadores. Fórum de Povos e
Comunidades Tradicionais, membros fundadores. Fórum Audiovisual da Amazônia
Legal. Conselho Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - Oneide
Monteiro Rodrigues, conselheira titular. Conselho Estadual de Políticas para as
Mulheres, Oneide Monteiro Rodrigues conselheira titular Colegiado Nacional Setorial
de Culturas Afro-brasileiras/ Ministério da Cultura – Oneide Monteiro Rodrigues e
Arthur Leandro, Conselheiros titulares; e Alex Leovan Oliveira Ferreira, Conselheiro
suplente. Conselho Nacional de Políticas Culturais/ Ministério da Cultura – Arthur
Leandro conselheiro titular representando as culturas afro-brasileiras no CNPC.
Líder política e espiritual do Mansu Nangetu, Oneide Rodrigues pode ser
considerada uma das mais antigas e respeitosas “mães de santo” de Belém, pois além de
desenvolver suas atividades afro religiosas é militante assídua das causas político
sociais referentes a Cultura e Religião Afro.
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Figura 4: Oneide Monteiro Rodrigues/Mametu Nangetu (imagem do acervo do Instituto Nangetu)
A Associação Cultural Ilê Asé Oya Nirolê Igbalé (ILOYANY) e a
senhora Rosalidia Tavares Sutelo (Iyá Oya Nirolê)
A Associação ILOYANY (Ilê Asé Oya Nirolê Igbalé) foi fundada em 2011 com
o objetivo de auto afirmação enquanto Casa de Asé e polo de resistência e
desenvolvimento da cultura e religião Afro, foi uma das primeiras ONGs criadas
relacionadas as questões social, política e ambiental da religião no município de
Ananindeua, é localizado na Est do Icui-Guajara nº 20, Alameda St. Bárbara, Bairro do
Icui-Guajara, Cidade Ananindeua, com o Cep 67.125-000. Assim como o Mansu
Nangetu, possui parceria com projeto Cartografia social dos afro religiosos em Belém
do Pará: história e georeferenciamento das casas de religiões afro-brasileiras, e com um
projeto de cestas básicas do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a fomeMDS, e a Secretaria Especial de Promoção para a Igualdade Racial – SEPPIR.
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Figura 5: Localização Iloyany (fonte: Google Earth)
O Ilê Asé Oyá Nirolê Igbalé, é liderado pela Iyalorixá Oyá Nirolê (Mãe Rosa)
foi fundado para o Orixá Oya Igbalé e Xangô Airá, em maio de 1996 no bairro do
coqueiro, em uma pequena casa padrão Cohab, onde além de casa de Asé e moradia da
líder, também funcionava como atelier. (PERDIGÃO, 2011)
Rosalidia Tavares Sutelo, Mãe Rosa ou Iya Oyá Nirolê, 56 anos, é costureira e
teve a sua trajetória nas religiões afro iniciada aos doze com a incorporação da cabocla
Mariana à contragosto da sua mãe que reclamava dizendo que não havia feito uma filha
para entregar ao demônio. Sua mãe era uma senhora muito católica e havia criado a
filha dentro dos costumes da igreja católica, batizada e crismada como mandava essa
tradição (PERDIGÃO, 2011).
Deparando-se com forte resistência na casa de sua mãe por querer frequentar o
terreiro de mina do pai Celestino e consciente da sua missão, resolve casar aos quatorze
anos com um senhor muitos anos mais velho visando a sua emancipação, a
―independência espiritual. A princípio, conseguiu o consentimento para frequentar o
terreiro, mas pouco depois, ele passou a proibi-la alegando não ser um lugar adequado,
pois haviam muitos rapazes frequentando o terreiro e muitas entidades que consumiam
bebidas alcoólicas (PERDIGÃO, 2011).
Como a maioria dos sacerdotes mais antigos de Belém do Pará, começou a sua
trajetória no tambor de mina, na casa do já citado e falecido pai Celestino, no bairro da
Terra Firme, que batizou e assentou a sua cabocla, além de a ter conduzido para fazer a
bateria de testes da Federação Espírita e Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros do
41
Estado do Pará (FEUCABEP) para legitimar a sua entidade lá pelos idos de 1978
(PERDIGÃO, 2011).
Foi iniciada no Candomblé na casa de pai Omineran em Maio de 1992, pelo
senhor Ivonildo, conhecido no meio religioso como Banjo, permaneceu na casa até
tomar sua obrigação de 3 anos. Na obrigação de sete anos passou para as mãos da
Yialorixá Iyá Narê, que é atualmente a pessoa responsável pelas suas obrigações
religiosas. Pai Omineran e Iya Narê reconhecem mãe Rosa como Jeje Savalu, Pai
Omineran relata que apesar de pai Banjo ter feito os fundamentos principais, os rituais
do dia-a-dia (ebós, idorozan, banhos etc) eram realizados por ele dentro da tradição de
sua casa, no Jeje (PERDIGÃO, 2011).
Atualmente, o terreiro Ilê Asé Oyá Nirolé Igbalé tem a sua fachada pintada em
azul celeste com uma pequena varanda. Um portão largo dá acesso ao terreiro que se
inicia com a casa de jogo, um pequeno depósito e o abassá de oxalá à esquerda,
enquanto do outro lado se vê um pequeno espaço destinado aos espectadores seguido do
barracão, com o assentamento do ogum da porta, e separado por um meio muro, seguido
pelo abassá. No meio tem-se o corredor que finda na porta que dá acesso à moradia da
sacerdotisa, sua filha Fernanda e sua neta Bruna, mas antes da casa e à esquerda tem o
untó (banheiro utilizado liturgicamente). A cozinha de santo pode ser acessada por um
pequeno corredor que ladeia pela esquerda a casa e tem o comprimento dela, pois a
cozinha se situa ao final da moradia e por isso também pode-se ter acesso à ela pelo
interior da casa através de uma porta comum. Um meio muro seguido de grade que
alcança o telhado põe fim aos limites da cozinha e no quintal da propriedade está a casa
de exú (PERDIGÃO, 2011).
Figura 6: Rosalidia Tavares Sutelo/Mãe Rosa/ Iyá Oya Nirole (acervo pessoal)
42
O Campus Universitário da Universidade Federal do Pará de
Marajó/Soure e as Faculdades de Letras e de Biologia
O Campus Universitário do Marajó, com sede em Soure, foi criado em 1986,
como um dos pólos regionais de atuação da Universidade Federal do Pará, dentro de
uma estratégia que norteou a implantação dos seus Projetos de Interiorização. No ano de
1987, realizou-se o primeiro vestibular do interior do Estado, no qual foram oferecidas
Licenciaturas Plenas de Matemática, História, Geografia, Pedagogia e Letras. Nos anos
de 1988 e de 1990 foram ofertados os Cursos de Licenciatura em Ciências, uma turma
em cada ano. Tais cursos funcionaram inicialmente nas escola de Ensino Fundamental e
Médio Professor Gasparino Batista da Silva e Edda de Sousa Gonçalves até o ano de
1990, quando inaugura-se o Campus Universitário do Marajó/Núcleo Soure.
Por conta de atrasos, provocados pelo cancelamento de duas etapas dos cursos
do Projeto de Interiorização, — junho de 1989 e julho de 1991 —, somente a partir de
1992 as turmas que ingressaram através do vestibular realizado em 1987 puderam
concluir suas respectivas licenciaturas. Assim, colaram grau as turmas de Letras
(setembro de 1992), Pedagogia (janeiro de 1993); de História (março 1993), de Ciências
(1988) e de Geografia e Matemática (março de 1994). Em abril de 1994 foram
realizadas colações de graus das habilitações de Orientação Educacional e
Administração Escolar, da turma de Pedagogia.
Em 1990, criou-se o Núcleo de Breves, situado na parte ocidental da Ilha do
Marajó, com o propósito de atender a comunidade impossibilitada de tentar a formação
superior no núcleo de Soure devido às grandes distâncias e às dificuldades de transporte
entre um município e outro. Inicialmente, foi ofertada uma turma de Licenciatura Plena
e Bacharelado em História.
A partir do ano de 1993, tendo o Projeto de Interiorização ultrapassado a etapa
de implantação e reunido plenas condições para consolidar-se, o vestibular no interior
do Estado passa a acompanhar o calendário do Campus do Guamá, preocupando-se,
porém, em distribuir um número de turmas e cursos de acordo com a capacidade infraestrutura do Campus voltados às expectativas educacionais da meso-região do Marajó.
Hoje atende a população local e de outros municípios com duas Faculdades, a de
Letras, sendo seu Diretor o Profº André Borges, e a de Biologia, sendo sua Diretora a
43
Profª Gyanne de Lima, e dois cursos, o de Licenciatura em Letras Habilitação em
Língua Inglesa e o de Licenciatura em Biologia. Recentemente, o Campus se empenhou
em priorizar a melhoria das condições de ensino-aprendizagem e oferecer melhores
condições aos servidores e setores administrativos. Nesse sentido, foi dado início à
construção do Laboratório de Linguagem e do Centro de Treinamento e Informação,
ambos com recursos do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades –
REUNI. Serão mais de 330 m2 que, quando prontos, serão utilizados pela comunidade
acadêmica e contribuirão para a melhoria da qualidade do ensino deste Campus
Universitário. O laboratório de Linguagem será montado com equipamentos de alta
tecnologia importados da Finlândia, fazendo com que o Campus Universitário do
Marajó-Soure seja um dos únicos a apresentar um Laboratório deste porte em todo
estado do Pará e, até mesmo, na região Norte.
O Centro de Treinamento e Informação permitirá com que a comunidade
acadêmica possa usufruir de suporte técnico para as pesquisas acadêmicas e científicas,
além de possibilitar a execução de projetos na área de inclusão digital junto à
comunidade local e de ofertarmos cursos à distância. Somado a essa nova infraestrutura,
que em breve estará totalmente disponível, o Campus conta com equipamentos de
teleconferência que são utilizados nos programas de capacitação à distância e também
nas atividades acadêmicas. Ressaltamos que o Centro de Teleconferência deste Campus
Universitário também tem sido utilizado nas capacitações dos profissionais da área de
saúde dos municípios da região através do projeto RUTE, obtendo resultados
satisfatórios e importantíssimos para a região. É localizado na Décima Terceira Rua sem
nº, entre as Travessa 17 e 20, Bairro do Humirizal, com o Cep 68.870-000.
Figura 7: Campus UFPA Marajó/Soure (fonte: Google Earth)
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Figura 8: Campus UFPA Marajó/Soure (acervo pessoal)
Figura 9: Alunos da Turma de Bilogia 2014 na Disciplina de Educação Ambiental. (acervo pessoal)
Figura 10: Alunos da Turma de Letras/Inglês na Disciplina de Cultura Étnico Racial (acervo pessoal)
45
Capitulo II – Orixás, Fatores Ambientais, Candomblé e Humanidade
O que são e quem são os Orixás?
Figura 11: Xirê dos Orixás (ilustração by Orádia Porciúncula)
Para o povo yorubá (nação Ketu), os orixás (òrìsàs) são “os senhores das nossas
cabeças”, forças poderosas da natureza donos do Asé, que nos dão suporte físico e
espiritual. Na Nação Jeje as divindades chamam-se voduns e, na nação Angola, recebem
o nome de inquices. É através dessas divindades que o mundo se revitaliza e regenera
seu equilíbrio e a sua harmonia. Criação de divina de Olorun9, os orixás são
intermediários entre esse ser divino e onipotente e a humanidade. O orixá também pode
ser denominado de Oluwarè (senhor do mundo), porque ele é justamente isso para
aquele que o possui – o “senhor do seu mundo, da sua vida” (KILEUY; OXAGUIÃ,
2014).
9
Deus supremo do panteão dos Orixás do Candomblé.
46
Também conhecido popularmente como Axé, o termo Asé é a energia da
natureza em movimento, um poder invisível que transmite energia divina, impossível de
ser tocado e observado apenas nas emanações dos Orixás na natureza ou na
incorporação dos seus filhos, as pessoas apenas o sente. O asé é a força que move o
mundo e todos os seus elementos, segundo Mãe Nalva D’Oxum, quando Olorum criou
os cinco princípios básicos da natureza: a terra, o fogo, a água, o ar e o espirito e soprou
neles o seu ofurufú (o hálito sagrado), estava espalhando e distribuindo no Universo o
seu poder, esse poder é o asé, que se movimenta em todas as direções e entre todas as
coisas. Essa capacidade de estar e se movimentar por todas as coisas permite que o asé
se distribua primordialmente nas pessoas, fazendo com que elas funcionem como altares
sagrados, onde essa força divina pode ser observada e sentida. O asé pode ser também
distribuído também em objetos, nos alimentos, nos animais, nas folhas etc...
Para Mãe Rosa D’Yansã, sem o asé nada existe, nada se harmoniza nem se interrelaciona, pois ele é quem faz tudo acontecer, e para que isso ocorra é extremamente
necessário que haja a união do ser humano com a natureza, vista aqui como sendo os
próprios Orixás, através dos rituais, das cantigas entoadas e também com o uso de
palavras em encantamentos. O asé falado, que vibra e explode no ar, é redistribuído em
pequenas partículas nos elementos que formam os ecossistemas e a atmosfera, criando,
formando e fazendo acontecer novas condições de harmonização ao Aiê (plano terreno).
De acordo com o Babalorixá Emanuell D’Logun, o asé circula em nossas vidas,
no nosso sangue, nos quatro elementos básicos do planeta e em todos os seres vivos e
suas relações, nos objetos das casas de Candomblé, no planeta como um todo. Pertence
a todos que o recebem e transmitem a força dos Orixás e deve ser distribuído por e para
cada indivíduo que faça parte da coletividade e tenha fé nas divindades. Tendo
diversificada conotação e utilidades, a palavra asé é sempre usada dentro do contexto de
positividade e os adeptos do Candomblé a utilizam de forma bastante expressiva nos
momentos de solicitar, agradecer, desejar ou mesmo enaltecer os Orixás por algo a ser
alcançado, adquirido ou conquistado.
Dizem os itãns (mitos e lendas iorubas) que, após Odudua criar a terra, chamada
de o “berço do mundo”, os orixás foram seus primeiros habitantes. Isto nos torna, então,
seus descendentes diretos. Olorun, “senhor supremo e criador”, designou assim, a cada
divindade um elemento do mundo para que este cuidasse dele e também por ele se
responsabilizasse. De maneira resumida, podemos dizer que Olorun distribuiu os quatro
47
elementos da natureza da seguinte forma: Obatalá representa o ar, Odudua a terra,
Aganju simboliza o fogo que sai do centro da terra, Iemanjá as águas e Oxalá, o ar
atmosférico, o ar que respiramos. Dentro desses variados elementos, são divididos cinco
grandes grupos de acordo com os elementos da natureza com outras divindades que
também regem e reinam, em um conjunto harmonioso e perfeito (IDEM, 2014).
Base de toda doutrina familiar e religiosa africana, os orixás são transcendentes
ao homem e tem idade imemorial. Quando incorporados em seus filhos tornam-se
energia pura e palpável e retornam à Terra para juntos confraternizarem. Dançam com
eles e para eles, comungam de suas alegrias e infortúnios. Também escutam seus
lamentos e seus agradecimentos, ensinam e cobram daqueles que lhe devem, amam, são
amados e respeitados... (IDEM, 2014) Essa comunicação com os orixás é obtida por
meio de rituais, oferendas, rezas, festas, oráculo etc., onde justamente nesses momentos
quando nos tornamos um receptor dos nossos orixás e conseguimos interagir
diretamente com eles.
É dessa forma que eles conseguem agir no nosso cotidiano, para que possamos
ter uma estadia equilibrada no mundo. Eles nos proporcionam o livre-arbítrio, a
condição de decidirmos o que desejamos de nossas vidas, contudo, este livre-arbítrio
não deve servir como justificativa para que nos esqueçamos, diariamente, de reverenciar
e agradar nossas divindades e fazermos reflexões sobre nossos erros e acertos.
Precisamos sempre parar em um momento do nosso dia para conversar com nossos
Orixás.
As divindades encontram-se reunidas em grupos que possuem semelhanças ou
relação entre si. Algumas sendo responsáveis pelos quatro elementos da natureza, a
água, o fogo, a terra e o ar; já outros grupos sendo responsáveis pelos três reinos:
animal, vegetal e mineral. Sem esquecer também os regentes das atividades e
sentimentos humanos, como o amor, a riqueza, a beleza, a tecnologia, a agricultura, as
doenças e curas, a pesca e a caça.
Alguns Orixás possuem também características em suas personalidades que os
identificam como aguerridos, impetuosos, misteriosos e até mesmo agressivos. São
lascivos, excelentes dançarinos, sempre muito dinâmicos e vibrantes, utilizando muito
as cores vibrantes em suas vestimentas. No contraponto desses, estão os usuários do
branco, os “funfuns”, que são do grupo das divindades da criação e personificam a
48
calmaria, a placidez, o equilíbrio e estão ligados a ancestralidade. Embora tenham essas
diferenciações entres os grupos, os orixás podem de forma geral utilizar-se de elementos
uns dos outros, sem com isso despersonalizar-se ou descaracterizar-se. (KILEUY;
OXAGUIÃ, 2014)
Olorum permitiu que cada orixá escolhesse seus descendentes na Terra, para que
eles os vigiassem e cuidassem. E assim lhe foram entregues tipos diversificados de seres
humanos, alguns sendo muito especiais. Olorum também forneceu vários elementos que
então completavam ou modificavam a personalidade e a índole do homem, como a
bondade, a beleza, a maldade, a feiura, as raças e etnias, as deficiências físicas e
mentais. Isso tudo sem esquecer da determinação de que cada ser humano seja único.
Contudo, pelo fato de o homem não ser moldado de uma forma simples e singular, isso
exigiu um cuidado atencioso e especial, tudo o que fosse necessário para que sua vida
na Terra fosse digna, prospera, saudável e feliz, desde que seguindo os ditames dos
Orixás. Ocorre que os homens, com os passar do tempo, abusaram do livre arbítrio e
não obedeceram mais as regras, com alguns até mesmo criando suas próprias regras e
perdendo os parâmetros do respeito ao divino. O mais importante, porém, é sabermos
que todas as divindades do panteão do candomblé são grandes guias e amigos da
humanidade, que só deixaram de ajudar e guiar as pessoas quando não houver mais fé e
confiança neles. (CAPUTO, 2012)
Para melhor compreensão de quem e quais são os Orixás, farei aqui uma
exposição com os Orixás mais vistos e cultuados na região de Belém de acordo com as
casas pesquisadas, e as que fiz e faço parte, além de ser a região aonde a pesquisa foi
desenvolvida. Os Itans e Orikis10 descritos junto com as imagens foram passados pra o
autor durante sua trajetória religiosa no Ilê Asé Iyabá Omi, tendo a Iyalorixá Nalva
D’Oxum como líder, e no Ilê Asé Oya Nirolê Igbalé, tendo a Iyalorixá Rosa D’Oya
como líder, e do qual faz parte atualmente, além dessas duas importantes personagens,
outras pessoas serão citadas, como a Mamatu Nangetu, Ogã Wellington Carvalho de
Oxalufan, Pai Edilson Luz de Oxaguian, Pai Emanuel de Logun e Mãe Elisa de
Iemonja, além das pesquisadoras Anaiza Vergolino, Taissa Tavernard e Marilu
Campelo. Ou seja, o conteúdo a seguir é todo de acordo com os ensinamentos, crenças,
10
Itans são como se fossem os mitos, lendas e histórias dos Orixás enquanto viveram carnalmente na
terra, já os Orikis são orações cantadas em ioruba que também contam episódios das vidas dos Orixás.
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histórias e lendas, aulas e pesquisa vividas pelo pesquisador enquanto filho de santo,
pesquisador e adepto do Candomblé.
A ordem com que as divindades serão apresentadas segue a sequência observada
nos Xirês11 desenvolvidos nos Ilês12, e os desenhos utilizados para ilustra-las todos
foram feitos por Orádia Porciúncula a pedido do autor do trabalho, onde foi levada em
consideração a hipótese de serem utilizados também de forma lúdica em aulas ou
disciplinas que envolvam a cultura afro e conceitos ambientais.
Exu (Èṣu)
Figura 12: Orixá Exú (ilustração by Orádia Porciúncula)
No início tudo era o infinito, o silêncio, a imobilidade... até que Olorum cansado
de sofrer por ser um universo tão grande e solitário, sem ninguém para dividir seus
conhecimentos e opiniões, resolve tentar se mexer e criar um outro ser da sua própria
11
Xirê (Sirê dos Órísás) é um termo utilizado para denominar a sequência na qual os Orixás são
reverenciados ou invocados durante os cultos a eles destinados. É comum empregar a palavra Xirê como
sinônimo de Gira. É também chamado de Roda dos Orixás.
12
A palavra Ilê é ioruba e quer dizer “casa” em português. Coloquialmente é dita para denominar os
terreiros de Candomblé, que geralmente são chamados de Ilê Asé, ou “casa de axé”.
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matéria, criando um ser dele próprio, concedendo a esse ser o ânimo da vida através de
seu hálito, que também proporcionou a esse novo ser o dom de dar a vida a qualquer
coisa, Olorum tinha criado Oxalufan, o primeiro Orixá. No entanto, por conta do
esforço em se mexer e criar o primeiro ser, à frente de Olorum, surge um pequeno
monte de terra vermelha, mexendo-se incessantemente e freneticamente. Era Exu que
surgia antes mesmo de possuir forma. Olorum sopra sobre ele seu hálito sagrado e
poderoso, dando-lhe vida e forma. A partir desse momento começam a acontecer os
movimentos, a energia e agitação. A mobilidade surge com a chegada de Exu. Assim,
passou a existir os primeiros seres criados, mesmo podendo ser e se transformar em
muitos, seus princípios e origem são uma só, o próprio universo (Acervo de Lendas
(Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2006).
Exu representa a mobilidade do universo, tornando-se assim o seu contraponto e
o princípio ativo de todas as coisas criadas por ele. Olorum deu a Exu a cabaça com o
poder controlador e a força que lhe capacita a todos ajudar e a tudo resolver. Isso o torna
um orixá consagrado como o princípio dinâmico, transportador e organizador. Sem
classificação e sem ficar restrito a nem um caminho ou categoria dos panteões de orixás,
está inserido em todos esses grupos como sendo o acréscimo, e “um” que existe para
somar e multiplicar.
Cada ser vivo, elemento da natureza e também cada Orixá possui um Exu
particular individualizado, porque sem a presença e seu dinamismo impulsionante, seria
impossível a existência. Possuindo um poder ilimitado de ação, poder agir sobre a
pobreza e a riqueza, o sucesso e o fracasso, a saúde e a doença e também a vida e a
morte. O Orixá Exu é astucioso, interesseiro e malicioso, mas prestativo e generoso
quando as pessoas o agradam, ou quando lhe interessa. A essência desse Orixá é única,
mas possui duplicidade em suas ações, agindo para o bem e para o mal, de acordo com
sua conveniência o mesmo necessidade, é através desse caráter contraditório que surge
sua grande semelhança com o caráter e índole humana. Quando Olorum lhe deu essa
semelhança seu objetivo era para que Exu pudesse conhecer melhor os seres humanos e,
assim, poder auxilia-los quando necessário ou por merecimento. Ele se ligou então ao
destino e a orí (cabeça) de cada ser humano, inserido inclusive também na vida
alimentar, através da boca, onde vem a ser também o poder comunicador. É Exu quem
gerencia e administra a vida dos homens no Aiye (Terra), até o momento em que esses
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retornarão ao seu elemento natural e ao criador de tudo. (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe
Nalva de Oxum, 2006)
Ogum (Ògún)
Figura 13 - Orixá Ogum (ilustração by Orádia Porciúncula)
Ogum é o senhor das cidades africanas de Ondô e Irê, e um dos orixás que
pertence a criação do mundo e da humanidade. Ele viveu lutando e aprendendo pelas
Idades da Pedra e do Ferro passando a usar os elementos dessas Eras no auxilio e
desenvolvimento do progresso das civilizações. Pode ser chamado, muito corretamente,
de asiwajú, “aquele que vem na frente” ou “aquele que abre os caminhos”, que pertence
ao nascer, ao futuro, ao desenvolvimento, sendo considerado o Orixá da evolução
tecnológica. Ogum é o provedor das ferramentas que possibilitaram aos homens criar
utensílios que deram possibilidade do mesmo viver em comunidade, e nas sociedades
(Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Senhor do ferro, dos metais e ferramentas, é aquele que trouxe conquistas ao
homem, participando e colaborando como criador de várias profissões. Tido como
patrono dos engenheiros, físicos, cientistas, agricultores e soldados, é conhecido como
um Orixá organizador de diversas funções que ajudaram a humanidade a progredir.
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Ao criar as ferramentas e instrumentos para cuidar da terra, Ogum fez surgir a
agricultura, ensinando o homem a produzir o seu sustento, de sua família e de toda
comunidade. Quando criou mecanismos que permitiam cortar e talhar elementos como a
madeira e o ferro, permitiu que o homem desenvolvesse habilidades como a marcenaria,
construção, artes, carpintaria, entre outras que moldaram a dinâmica das cidades como
vemos hoje. Ao elaborar e construir a flecha e dobrar um arco, ensinou ao homem a
caçar, possibilitando o mesmo a se abastecer com animais. Dessa forma, Ogum foi
dando uma série de possibilidades ao homem de se desenvolver e melhorar sua vida,
evoluindo como sociedade e fazendo a terra prosperar. Por possibilitar todas essas
conquistas, é a Ogum que o homem recorre quando necessita ajuda para obter seus bens
materiais (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Muito liga a Exu, que é seu irmão e grande companheiro, ambos sã os guardiões
das estradas e das casas. Protetores e senhores dos homens e de seus caminhos. Pela sua
habilidade com os metais, Ogum deu início a evolução do homem com relação a
utilização de ferramentas, fundindo o outrora agricultor com o guerreiro e o caçador que
vivem em movimento pelos caminhos mundo. Com relação a sua ligação direta com os
caminhos, tem um jeito de caçador solitário, daquele que anda pelas montanhas e
florestas, dominando todos os seus mistérios e segredos.
Ogum é também considerado um Orixá guerreiro, conquistador de seus
objetivos, um tanto violento, agressivo e de gênio forte. Essas características são
perfeitamente compreensíveis visto que todo conquistador é, antes de qualquer coisa,
um desbravador, que alcança seus objetivos e desejos à custa de muito esforço e luta.
Para essa entidade, a posse e o ganho fazem parte de sua personalidade, pois além de ser
considerado um Orixá tradicionalista, é também pertencente aos primórdios do mundo.
Ogum vem de um tempo onde a guerra acontecia sem cessar e por qualquer motivo, mas
era primordialmente necessária pois permitia assim a liberdade de pessoas e cidades
(Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
No seu tempo na Terra, Ogum guerreava contra reinos opressores, devastando e
saqueando os inimigos. Na atualidade, como Orixá regente das pessoas, participa
conosco de outras batalhas, ajudando na luta diária pela sobrevivência e pela superação
dos problemas.
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Oxóssi (Ọ̀ṣọ́òṣ ì)
Figura 14: Orixá Oxóssi (ilustração by Orádia Porciúncula)
Oxossi é um Orixá que pode ser reverenciado como Alaketu, “Senhor de Ketu”,
cidade africana aonde foi rei durante sua vida na Terra e aonde teve seu culto
propagado. É considerado dentro do panteão Ioruba, um dos orixás mais importantes e
essenciais a continuidade da vida. Oxóssi pertence a família dos Odés, que são
poderosos caçadores e guardiões da floresta e da caça. Alguns também podem ser
considerados como protetores e vigias do planeta. Desde o início dos tempos, são os
caçadores que ensinam, ajudam e permitem a humanidade produzir e levar o alimento
para casa e sociedade (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2006).
Pode-se dizer que Oxóssi foi o precursor do poder administrativo e o gestor da
ordem nas matas e florestas, pois é ele que até hoje guarda as aldeias, casas e cidades de
ataques inimigos e de animais. Para que pudesse fazer isso, deu a permissão de usar
armas somente aos caçadores mais poderosos, esses eram geralmente escolhidos por
serem os mais fortes e valente. Os mais antigos e sábios eram chamados de Oxôs
(feiticeiros guardiões), que utilizavam seus conhecimentos sobre plantas, raízes e flores,
e também os segredos das florestas, para ajudar as pessoas necessitadas. Nessa époa as
pessoas reconheciam e respeitavam os mais velhos pois toda sabedoria estava contida na
longevidade daqueles que já viveram e lutaram muito.
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As aves possuem grande representação com Oxóssi pois são o maior exemplo de
liberdade, não tendo nem barreiras nem fronteiras, e com o ar, parecem tocar nos dois
polos da existência, o Orum (parte da existência aonde vivem os orixás) e o Aiyê (a
Terra). Os pássaros são animais aéreos, que se movimentam no sentido das brisas e dos
ventos de Oya, a senhora dos espíritos e mãe dos Eguns (espíritos mais velhos
pertencentes a criação), que tem relação direta com Oxóssi pois ambos em conjunto
comandam também os espíritos das florestas, sendo também ligados por um laço
amoroso em virtude de Oya ser uma de suas esposas (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe
Nalva de Oxum, 2006).
Oya ajuda Oxóssi na manutenção e surgimento de novas matas e florestas,
conduzindo com seus ventos, e também através dos pássaros, as sementes e polém que
ajudaram na germinação e nascimento de novas espécies vegetais. Esta Orixá guerreira
também auxilia Oxóssi no combate aos inimigos de seus filhos, tanto no sentido
material quando no espiritual.
Por ser um Orixá que lida diretamente com a terra, Oxóssi pertence ao grupos de
Orixás conhecidos como “senhores da terra”. É ele que promove o equilíbrio da
natureza, mostrando a humanidade que ela só pode usufruir para sua sobrevivência o
estritamente necessário dos recursos naturais. Ensinou o homem a pescar, caçar e
cultivar mas também deu a noção de que a renovação da natureza é uma característica
constante. Quando ocorre a falta sazonal ou por peste de um alimento, Oxóssi logo
fornece outra fonte de sustento. Através desse sistema, ele permite que a terra descanse,
renovando-se e recuperando sua energia. Caso não acontecesse dessa forma, a natureza
já teria perdido seus recursos necessários para manutenção da vida.
Oxóssi é um orixá muito sensível, com um sentido de proteção pessoal muito
apurado, esquivo e até mesmo desconfiado, estando sempre à espreita e preparado para
agir. Seu maior prazer é a contemplação, tendo por conta disso como uma de suas
características mais fortes ser observador. Ama o ar livre e a liberdade, não aceita ser
acuado e nem ser imposto a limites, gosta de poder ser movimentar e do direito de ir e
vir, assim como seu irmão Exu. Oxóssi, Ogum, Ossâim e Exu compões um grupo de
Orixás que possuem suas ferramentas confeccionadas em ferro bruto, justificando suas
ligações com o elemento da terra (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum,
2006).
55
Com Ossâim sua ligação é mais prática, pois o “senhor das folhas” ensinou
Oxóssi o nome e o uso das ervas, assim como a lidar com os poderes terapêuticos e
litúrgicos dessas. Aprendeu com Ossâim os mistérios das florestas e principalmente as
palavras mágicas necessárias para despertar e liberar o asé das folhas. Oxossi, Ossâim e
Iroko vivem, protegem e gerenciam as florestas e os seres que nelas habitam.
Ossâim (Òsanyìn)
Figura 15: Orixá Ossâim (ilustração by Orádia Porciúncula)
Originário da cidade africana Iraô, na fronteira entre Nigéria e Benim, Ossâim também
é chamado de Babá Ewê, o “Pai das Folhas”, é uma entidade imprescindível em
qualquer liturgia afro. Sem a sua presença e permissão para o uso das folhas nas funções
sagradas, a religião não teria continuidade, ou até mesmo nem existisse (Acervo de
Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Os Orixás necessitam-se de uma relação onde se inter-relacionam entre sí,
fazendo uma troca de forças e de conhecimentos, reforçando o equilíbrio e a harmonia,
resultando assim no asé, o qual faz acontecer o movimento e as mais diversas atividades
56
no planeta. O asé das folhas é distribuído entre os Orixás após ser animado e
potencializado por Ossâim, através de palavras sagradas e recitadas que despertam o
poder das folhas. Essas palavras produzem um efeito especial, que libera das plantas sua
seiva curativa e litúrgica usadas em todas as cerimonias da religião.
Junto a Ossâim, o pequeno Aroni habita as matas, sendo conhecido como seu
curandeiro. É ele quem ensina Ossâim o poder das ervas, no entanto, desconhece as
palavras sagradas que o mesmo utiliza para despertar os poderes das folhas. É nessa
situação que se configura a relação entre os dois, Aroni conhece, Ossâim cura e os dois
se completam. Dessa forma, é necessário tratar essa divindade como um importante
parceiro de Ossâim. Aroni, assim como as árvores tem séculos de existência e
sabedoria. Ossâim tem também um outro parceiro, Oxóssi, orixá caçador que também
vive nas florestas e possui grande conhecimento sobre as folhas (Acervo de Lendas
(Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Como os demais Orixás, Ossâim não veicula e nem distribui seu asé sozinho. Ele
precisa da dinâmica de Exu para ativar e movimentar o asé de suas folhas. Precisa
também que Orum determine aos Orixás as folhas corretas a serem utilizadas para cada
necessidade e situação.
Ossâim é um Orixá que vive na parte externas das casas de candomblé, ao ar livre,
protegido por suas árvores. Em seu assentamento é primordial a existência de uma haste
de ferro com sete pontas. Na parte superior dessa haste é colocado uma pequena
imagem de um pássaro feita de ferro, denominado vivi, que é o símbolo de seu
conhecimento e poder e também seu vigia. Juntos, Ossâim, Oxóssi, Ogum, Logum Edé
e Ewa formam o grupo de orixás que vivem nas florestas, representando o equilíbrio dos
ecossistemas (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
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Iroco (Iròcò)
Figura 16: Orixá Iroco (ilustração by Orádia Porciúncula)
Iroco é o nome de um Orixá representado pelas árvores mais velhas e frondosas,
muito temido, é imprevisível e inconsequente, precisando ser constantemente
controlado e vigiado. Por conta dessas suas características, é considerado um orixá do
tempo (tempo aqui no sentido de ambientes ao ar livre, sem empecilhos que atrapalhem
o ir e vir ou o aprisionamento de algum forma).
Atualmente a espécie originalmente considerada a árvore Iroco talvez só seja
encontrada no continente africajo, o Baobá se destaca dentre todas as outras árvores da
floresta pelo seu tamanho, imponência e longevidade, sendo muito rara e de grande
valor para os seguidores das religiões de matriz africana. Por conta da grande
diversidade florestal existente no Brasil, os primeiros religiosos africanos que chegaram
em território brasileiro, se depararam com várias espécies que observaram ter as
mesmas características do Baobá africano, como a Sumaumeira, a Castanheira, o
Bacurizeiro, a Gameleira Branca, entre outras... (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa
de Oya, 2013).
O Orixá Iroco possui sua representação nas árvores pois possui ao tempo, a
ambientes abertos e livres, no ambiente natural em sí. Ao mesmo tempo gosta também
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de viver perto de seu povo, por conta disso, seu assentamento (visto aqui como uma
imagem litúrgica representativa dos Orixás) é quase sempre feito de uma gamela de
madeira avermelhada e colocado aos pés de uma grande árvore que esteja dentro das
casas de Candomblé, para assim ser visto e reverenciado por todos. Seu assentamento e
a árvore escolhida para representa-lo são enefeitados com laços brancos, feitos de tecido
simples, o que realça o seu caráter simples e sua ligações com os Orixás mais velhos e
da criação (os Funfuns). Iroco é muito respeitado e temido também morada preferida de
vários espíritos antigos e poderosos.
Contam os Itãs que foi embaixo de um Iroco que aconteceu o primeiro Axexê (ritual
fúnebre dos afro religiosos), por ter sido o primeiro ritual ligado a morte feito do amago
da floresta, este só poderia acontecer embaixo de uma árvore sagrada, cujo patrono
tivesse ligações com a vida e a morte, os dois extremos da existência. Por conta dessa
relação, Iroco interage em parceria com Omolu, que também lida diretamente com a
morte. Possui também grande respeito e cumplicidade com Ossâim, Oxóssi e Logun
Edé, Orixás esses que o ajudam e que lhe devotam grande afeto. O seu habitat o
relaciona intrinsicamente ao elemento terra o que impulsiona certa ligação também com
os Orixás da agricultuta, como Ogum e Oxaguian (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa
de Oya, 2013).
No livro Os nagôs e a morte, Juana Elbein relata que iroco é a essência das
florestas, representando o grande Oxalá nos ambientes florestais, veste-se de branco e
sabe guerrear quando necessário. Por sua grande aceitação entre os homens, é muito
desejado em todas as casas de Asé, sendo conhecido como a divindade que não possui
fronteiras e que abraça a todos os povos, porém não pode-se esquecer que ele possui seu
próprio povo: seus filhos. Quando incorporado em uma pessoa usa saiote, um ojá
amarrado ao ombro esquerdo e seus fios de contas são verde, entremeados de preto ou
marrom.
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Logun Edé (Lógun Èdẹ)
Figura 17: Orixá Logun Edé (ilustração by Orádia Porciúncula)
Com o início de seu culto em território africano na cidade de Ilexá, na região de
Ijexá (Nigéria), Logun Edé, também conhecido como Logunedé ou Ologunedé, é
tratado no Brasil como um orixá jovem. No entanto, no panteão das divindades é um
orixá-filho de outros dois Orixás, que deve ser olhado e cuidado com muita cautela e
meticulosidade, pois possui dupla regência. Filho de Oxóssi com Oxum, Logun Edé é
um Orixá que representa a fartura, a riqueza e a beleza, qualidade e atributos herdados
de seus pais.
Possui o poder da sedução, do charme e a doçura de sua mãe Oxum, carregando
consigo também a astucia e a bravura do caçador, assim como a paciência do pescador,
herdados de seu pai Oxóssi. Possuindo também sua própria característica individual: o
poder da magia e da feitiçaria e da riqueza, sendo um grande conhecedor dos segredos
das folhas. Gosta de viver nas matas à procura de lagoas límpidas e profundas, sendo
conhecido como “príncipe das águas translucidas”.
O grande fundamento de Logun está em ser um Orixá meta-metá, que quer dizer
três características ou domínios em um só ser, a de seu pai, que controla as matas e
florestas, a de sua mãe, que controla os rios e águas doces, e a sua própria como sendo o
60
equilíbrio sagrado entre esses dois ambientes. Seu diferencial e segredos estão nesse
aspecto trino. Por essa união de predicados, tem um caráter imprevisível, impetuoso e
até mesmo infantil, mas em compensação é belo, inteligente e sedutor. Sua morada e
sua alimentação seguem, em certas ocasiões, o padrão de seu pai, quando assim se
alimenta de caça, raízes e frutas. Possuidor de apurada sensibilidade, tem extremo bom
gosto e ama música e a dança, é meio e envolvente como sua mãe. Junto a ela se
alimenta de peixes, adoçando seus momentos com o sabor do mel, vivendo em rios
mandos, lagoas rodeadas de florestas e cachoeiras turbulentas (Acervo de Lendas
(Itãns), Pai Emanuel de Logun, 2012).
É considerado um dos mais belos orixás do panteão, divindade do encanto, rege
a magia da natureza e dos feitiços. Produz a magia da vida deslumbrando e encantando
a todos com sua simplicidade, ternura e delicadeza, podendo se mostrar malicioso e
desconfiado as vezes. Por conta dessas suas características consegue se fazer aceitar nos
domínios da Iyamis (mães ancestrais detentoras do poder feminino), aprendendo com
elas os segredos da magia e feitiçaria. Possui ainda, grande ligação com Ossâim, que lhe
ensinou a utilização da magia e da cura das ervas.
Por viver em constante movimento e mudança, tem também uma conexão com
Exu, o senhor da astucia e da transformação, tão ou mais arredio que Logun. Por ser a
própria mobilidade é Exu que permite que Logun transite e penetre os ambientes de seu
pai, sua mãe e o seu próprio. Habitante do amago da floresta, a neblina é a
representação da sua existência física no planeta. Esse fenômeno natural, assim como o
próprio Orixá, envolve e encanta a todos, quando cobre a floresta e as águas, em
tomando conta de forma sutil e magica desses ambientes.
Logun Edé oscila entre duas polaridades diferentes, as florestas e as águas doces,
o que o torna a balança da natureza que mantem o equilíbrio dinâmico. Seus
progenitores são Orixás que transitam entre a guerra e a paz, a genialidade e a ternura,
ou seja, ele precisou adquirir certa neutralidade, o que o fez ser tornar o senhor da
harmonia. Com essas características controladas, conseguiu construir sua personalidade
e assimilou perfeitamente os domínios de seus pais, representados e contidos nele
mesmo (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Emanuel de Logun, 2012).
Assim, Logun Edé deveria ser seguido como exemplo pela humanidade, pois é
centrado e equilibrado em suas ações e respeita as diferenças que existem em qualquer
61
segmento da sociedade instruindo que é possível aprender com as mudanças e
transformações.
Omolu /Obaluaiê
Figura 18: Orixá Omolu/Obaluaiê (ilustração by Orádia Porciúncula)
Esse poderoso Orixá também pode ser visto como Sakpatá. Ao ser trazido para
o Brasil, foi aceito e passou a ser cultuado também pelos Iorubas e pela nação NagôVodum, tal como sua mãe Nanã e seus irmão Ewa, Iroko e Bessém/Oxumarê, recebendo
cuidados e rituais com variadas distinções (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya,
2013).
Omolu é uma divindade de grandes e significativos domínios, associado a terra,
à saúde, às doenças, à morte e aos espíritos, tendo seu nome traduzido como “senhor da
terra” ou “senhor de todos os espíritos da terra”. Está ligado literalmente e diretamente a
terra, à crosta terrestre, a parte superior endurecida e seca, pois em seu contraponto tem
sua mãe Nanã, que representa mais o centro e o núcleo da Terra, a parte inferior e úmida
do planeta. Esse Orixá responde também pela umidade contida e que emana na terra,
que propicia a manutenção dos ecossistemas, ajudando assim na manutenção da vida.
62
Omolu recebe também alguns títulos como “senhor das terras quentes” ou
mesmo “pai da quentura”, pois garante através do calor contido na terra todas as
manifestações de vida vistas no planeta. Pelo fato de ser a representação divina do calor
e da quentura, é relacionado também com a febre que afetas aos homens. A febre
geralmente é uma característica de doença, tanto física, quando psíquica ou mesmo
emocional, e Omolu com seus poderes rege os efeitos curativos das doenças. É ele quem
traz a enfermidade, ao mesmo tempo que também é ele que alivia, cura e extingue as
enfermidades, pois é ele o detentor dos segredos da cura. Se o ser humano leva-se sua
vida com cuidado e precaução, diminuiria consideravelmente as chances de contrair
algum moléstia, Omolu não produz as doenças, é a própria humanidade, que com seu
descuido, as possui e contrai. Além da febre, Omolu representa também o suor expelido
pelo seres vivos, rege o suor produzido pelo calor do sol sobre a pele, ou aquele
resultante de desgaste físico, e também o suor produzido por um corpo debilitado, tanto
que um dos sintomas de que a febre está passando é o corpo suar, ou seja, se curando.
Observamos assim, que Omolu possui sentidos antagônicos, como a cura e a moléstia, o
frio e o calor (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Usando uma roupa feita totalmente de palha trabalhada, e com seu jeito sombrio
e misterioso, sendo até mesmo solitário, Omolu incute um certo medo, se fazendo
respeitar. Mesmo em sua relação com sua mão Iemonjá, que ama, venera e respeita,
mantem uma certa distância reservada. Contudo, não permite que ninguém tenha pena
dele, seu sofrimento acabou no momento em que suas feridas e doenças foram curadas.
De extremo e significante poder, é muito cauteloso e paciente, procura sempre ajudar a
todos que dele se aproximam, mas não aceita em hipótese algum, que suas leis sejam
distorcidas ou quebradas, nesse momento pode tornar violento e assustador.
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Oxumarê/Bessén/Dan (Oṣumaré)
Figura 19: Oxumarê/Bessén/Dan (ilustração by Orádia Porciúncula)
Oxumarê é uma divindade que faz parte do grupo do céu e da terra no panteão africano
dos Orixás. Associado ao dinamismo e à contemporaneidade, esse Orixá representa a
movimentação e a continuidade e é simbolizado miticamente pelas serpentes. Animal
indivisível, a cobra é um ser único, e ao unir sua cabeça à cauda, forma a figura de um
círculo perfeito, representando então a continuidade. O início e o fim em um único ser
(Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Ao fechar esse círculo, Oxumare ajuda a manter em equilíbrio e segurança o
globo terrestre, produzindo os dois movimentos que permitem a vida na Terra, a
translação e a rotação. Um produz os dias e noites e o outro resulta nas estações do ano,
tornando Oxumarê o “senhor do tempo” controlador da evolução da humanidade e do
mundo. O círculo que esse Orixá forma em sua forma de serpente também representa a
união do passado com o futuro, dos antepassados com seus descendentes.
Outro elemento que representa esse Orixá no nosso plano é o arco-íris, que aparece
sempre antes de começar a chover e depois que essa cessa, o arco-íris também
representa o elo entre o céu e a terra, traz a boa noticia do fim de uma tormenta e indica
a volta da vida a sua normalidade. É através desses fenômenos da natureza que
Oxumarê espalha o asé de Olorum pelo mundo, permitindo a fertilização do solo, a
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geração e manutenção da vida e a distribuição dos recursos naturais (Acervo de Lendas
(Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Oxumarê é responsável por controlar o início e o fim das chuvas, fazendo a
distribuição dessa pelo planeta em um eterno ciclo. Dessa forma, essa divindade
também administra as secas e estiagens e tudo que delas resultam. Após as grandes
chuvas, quando surge um arco-íris no céu, isso indica que Oxumarê apareceu na Terra,
embelezando o céu e mostrando sua força.
Esse também é o Orixá dos opostos, dos contrastes e dos pares, tendo domínio sobre os
ciclos da vida e da natureza. Divindade que rege a energia das setes cores primárias,
poder ser visto como uma cobra colorida que enfeita os ambientes naturais. A sua forma
de serpente não faz menção a características como traiçoeira ou perigoso, mas sim a sua
proximidade com a humanidade, tendo esta a responsabilidade de saber cultua-lo e
trata-lo para que assim receba suas bênçãos. Oxumarê não costuma desculpar com
facilidade os erros, as falhar resultadas de imprudências e a desobediência do homem,
sendo companheiro e fiel aqueles que o veneram e que agem corretamente com relação
a ele. Orgulhoso, é muito convicto com suas vontades, não admitindo mudanças após
tomadas suas decisões (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
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Xangô (Ṣàngó)
Figura 20: Orixá Xangô (ilustração by Orádia Porciúncula)
Xangô é o Orixá que representa força do fogo, as altas temperaturas, o fogo que
mantem vida, tendo por conta disso atributos como o erotismo, a sedução e a atração,
em sua forma antropoformica se apresenta com porte majestoso, que inebria e encanta a
todos. Por sua ligação direta com o elemento fogo, é chamado de “rei do fogo”, sendo
representado pela cor terracota. Através do fogo, se aproxima de Exu, que por sua vez
também é quente, ousado e viril, mesmo com essas características semelhantes, Xangô é
controlado e equilibrado (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2008).
É o senhor da justiça e das leis, sejam religiosas, civis e até mesmo as morais. É
juiz, advogado e também o promotor, pois tanto pune, quanto defende e absorve, por
essa característica tem sua representação no meio ambiente pelos vulcões e montanhas,
pois esses quando entram em erupção destroem tudo ao seu redor, para os seguidores
dos Orixás esse fenômeno faz menção a Xangô aborrecido com os homens e punindoos, já as montanhas por sua imponência e por seus mandamentos terem sido gravados
nas rochas. Não aceita injustiça e nem maldade, podendo ser muito severo e energético
até mesmo com seus próprios filhos. Gosta de ser respeitado e obedecido. Em
contrapartida é muito amigo de seus filhos e daqueles que o reverenciam, pois ama a
humanidade independente de suas falhas e defeitos. Para Xangô, não existiria a morte e
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se pudesse daria vida eterna aos homens. Por esse motivo se tornou um Orixá muito
idolatrado pelas pessoas que sempre pedem que esse Orixá afaste a morte de seus
caminhos (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2008).
Embora seja conhecido como um rei guerreiro conquistador de territórios, é
também um grande e sedutor galanteador, tendo tido várias companheiros durante sua
vida na Terra. Suas principais esposas forma Obá, Oxum e Oya. Com Obá, a guerreira
amazona e justiceira, mas velha que ele, Xangô teve uma vida regrada e calma, sem
sentir de fato o grande ardor de uma paixão. Até o momento em que conheceu Oxum,
apaixonando-se perdidamente por ela. Mas logo a seguir, surgiu Oya, que era esposa de
Ogum, mas que em uma guerra travado por Xangô e Ogum foi tomada por Xangô,
tornando a partir dai sua companheira nas guerras e tempestades. Oya é a sra dos raios,
temporais, da chuva e dos ventos. Além do fogo, Xangô controla também os trovões,
tendo essa relação por conta da crença de que os trovões são o Orixá falando e
colocando em ordem a humanidade. Assim, Xangô grita e ressoa pelos céus enquanto
Oya brilha e clareia com seus raios (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum,
2008).
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Oxum (Oṣum)
Figura 21: Orixá Oxum (ilustração by Orádia Porciúncula)
Oxum é a deusa da beleza, da guerra e ao mesmo tempo da meiguice, mulhermenina e vaidosa e sedutora, a divindade responsável pelo amor em todas as suas forma
e jeitos. É homenageado ao ter seu nome dado a um rio africano que banha as regiões de
Ilexá, Ijebu e Oshogbo, na Nigéria (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum,
2008).
Filha favorita de Iemonjá e Oxalá, Oxum recebeu de sua mãe os rios, cascatas,
cachoeiras, córregos e todas as águas doces que tivessem movimento, juntamente com a
ordem de mate-las sempre belas e abundantes para o uso dos seres vivos, e de distribuir
esse recurso natural pelo mundo, reinando com sabedoria. É por meio de suas águas e o
solo é fertilizado, produzindo os mais variáveis alimentos, ajudando na manutenção da
vida. Esse recurso natural, cessa a sede e sustenta a vida, na água podemos observar a
presença de vários seres vivos, como plânctons, algas e substancia que nutrem várias
formas de microrganismos, formando a partir daí uma vasta cadeia de seres que
dependem desse recurso.
Oxum recebeu também de seus pais, joias, metais e pedras preciosas para que
sua beleza fosse realçada, essa fato fez com que ficasse conhecida como a “senhora da
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riqueza”, título que ela sustenta com muita graça e charme. É muito fina e anda
elegantemente trajada, portanto suas joias, principalmente pulseiras de ouro e cobre,
tornando-as um de seus maiores símbolos. Em terras africanas, o metal a ela resignado
era o cobre, por possuir um lindo brilho avermelhado, e ser o mais valioso da região.
Quando foi trazida para o Brasil, o ouro aqui era o mais belo e valioso, passando assim
a ser dedicado a ela, que aceitou usa-lo, sem abandonar o cobre de seus fundamentos
Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2008).
O mel, de acordo com a liturgia desse Orixá, faz um simbolismo com o sangue,
possuindo o codinome de “sangue das flores”, é muito apreciado por Oxum, tornandose seu alimento favorito e por conta disso fazendo-a ser chamada também de “senhora
do mel”. O mel representa a doçura, o apaziguamento e a calmaria, sendo muito
utilizados nos rituais religiosos das casas de Asé. Por conta de sua grande vaidade e dos
elementos a ela relacionados, Oxum é consagrada como a mais graciosa divindade,
sendo considerada a mais linda entre as mais belas.
Orixá que representa também a feminilidade e a jovialidade, é muito alegre,
gosta de dançar, de festas e alimentos doces, que fazem parte de seus domínios. Essa
relação com os alimentos doces origina-se por conta de sua proximidade com as
crianças e com os Eres, de quem é guardiã. Senhora protetora da maternidade, guarda e
protege as mãe e seus filhos, desde o ventre até o nascimento, acompanhando as
crianças em seu crescimento até que adquiram certa independência e saibam utilizar a
comunicação. Oxum também é a protetora do ventre feminino, protegendo a saúde
desse órgão e a fecundação dos gametas que dão origem as crianças, evitando os abortos
naturais e as complicações durante a gestação, ajudando no parto e promovendo a saúde
tanto da mulher quanto da criança (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum,
2008).
Sua ligação direta com a maternidade e o nascimento torna Oxum o Orixá
responsável pelo sangue que corre no corpo dos seres vivos e que mantém, revigora,
cura e dá energia a vida e ao seu poderoso Asé. Grande mãe por excelência, está
inserida no grupo das mãe ancestrais do Orum, junto a Nanã, Iemonjá e Oya. Oxum foi
esposa de Xangô e Ogum, mas foi com Oxóssi que possuiu uma ligação mais forte,
sendo este considerado seu grande amor e companheiro. Essa relação é caracterizada
pelo nascimento de seu filho com Oxóssi, Logun Edé, que é responsável por fazer a
distribuição das águas doces pelo e dentro dos ecossistemas, permitindo assim o
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equilíbrio da natureza e a manutenção da vida. Com Ossâim e Irico ela criou certa
cumplicidade, ganhando também o direito de utilizar as folhas para curas e
encantamentos. Seu poder gestacional tem também um relação direta com o solo que
após ser fertilizado por suas águas, cria abundancia de vida trazendo prosperidade para a
humanidade. Inconstante e movimentada como suas águas, Oxum se apresenta ora
meiga, dócil e recatada, ora voluptuosa, guerreira e sedutora, podendo ser também irada
e rabugenta. Esses predicados fazem parte de suas variadas características
antropomórficas.
Oya/Yansã (Ọya)
Figura 22: Orixá Oya/Yansã (ilustração by Orádia Porciúncula)
Considerada na Africa a deusa do Rio Níger, Oya é talvez, dentre os Orixás
femininos, a que possui maior quantidade de adjetivos que a qualificam e enaltecem.
Dentre eles, podemos listar: “senhora dos ventos”, “senhora das tempestades”, “senhora
dos nove filhos”, “senhora dos raios”, “mulher búfalo”, “mãe dos Eguns”, entre outros.
Oya é a Iyabá (designação aos Orixás Femininos) representante do amor ardente e
impetuoso, da paixão carnal, sendo assim conhecida como a Orixá mais sensual e
voluptuosa do panteão, desconhecendo o amor só para procriação. Seu comportamento
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irrequieto e extrovertido produz a imagem de uma mulher guerreira e destemida, que foi
companheira de vários Orixás (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya, 2013).
Tendo seu domínio nos ventos, transforma em tempestades, tufões, furacões e
ciclones, todos os fenômenos naturais relacionados a movimentação do ar são
representados por ela, esse fato possibilita que o ar que respiramos seja sempre puro e
limpo, pois através desses fenômenos Oya o recicla, fazendo com que haja a quantidade
certa de oxigênio necessário a vida no planeta. Por meio da instabilidade que Oya
provoca no ar, ela transforma esse em vento e permite que os animais aéreos possam se
locomover, carregando vida por onde passam. Além disso, Oya é capaz de transformar
uma simples a agradável brisa em perigoso tornado, esse comportamento imprevisível é
uma de suas maiores características, Oya é o inesperado, o imprevisível, o acaso é
sempre uma escolha para ela.
Ele se relaciona de forma ampla com todos os elementos da natureza, até mesmo
diretamente nos ecossistemas. Seus ventos movimentam as águas, ajuda a revolver a
terra, atiça o fogo, dá vida ao inerte, e além disso tudo oferece a humanidade sua força,
através da energia eólica. É pelos seus ventos que Oya interliga e penetra o Orum (plano
espiritual, reflexo idêntico da terra aonde vivem os Orixás e os espíritos dos
desencarnados) e o Aiyê (a terra propriamente dita), pois seu ar não encontra barreiras
que o impeçam de percorrer todas as dimensões. Outra característica marcante dessa
Orixá é sua forte relação com os Eguns (espíritos desencarnados e antepassados) e com
a morte, que tem a simbologia do frio, do fim e da inércia (Acervo de Lendas (Itãns),
Mãe Rosa de Oya, 2013).
Possui extrema inteligência, que foi desenvolvida durante sua vida, na qual se
relacionou com vários Orixás, aprendendo com eles seus maiores poderes e segredos, o
que a tornou parceira deles em igualdade. Com Xangô, aprendeu a dominar a magia do
fogo, Ogum forjou para ela uma espada e a ensinou seus segredos bélicos, dando-a o
deito de usa-los, com Oxóssi aprendeu a caçar e os segredos dos ecossistemas, já com
Logun, que tornou-se seu filho de criação após incidente entre Oxum e Obá, aprendeu a
pescar e os segredos da magia das florestas, no entanto e nesse caso, Oya também
ensino a Logun que usando sua magia das florestas com o ar e a brisa comandados por
ela, formam a neblina, elemento da natureza que restaura a temperatura e transporta a
humidade pelos ecossistemas.
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Com Oxaguian, aprendeu os segredos da agricultura e aprimorou seus conhecimentos
sobre a guerra, com Exu, aprendeu os segredos dos caminhos do mundo, com Omolu,
ela aprendeu a lidar com a morte e os espíritos dos mortes para o Orum. Segundo as
lendas do Candomblé, Oya foi quem criou o ritual fúnebre do Axexê (funeral afro
religioso), em um momento de muita dor e amor. A partir dai, Olorum lhe deu o
controle sobre todos os espíritos desencarnados, e assim ela se transformou na “mãe que
leva os espíritos do Aiyê para o Orum” (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Rosa de Oya,
2013).
Obá (Ọbà)
Figura 23: Orixá Obá (ilustração by Orádia Porciúncula)
Obá é uma Orixá iorubana feminina, de idade avançada, guerreira e poderosa, de
temperamento forte e também grande feiticeira. Na Nigéria, um rio perigoso e
caudaloso que foi designado a ela, representa bem a personalidade irrequieta dessa
belicosa Iyabá. Sua maior característica e importância no cenário da religião é conseguir
comprovar a força e capacidade da mulher, mostrando isso quando vai a guerra e
vencendo sempre. Ela mostra que as mulheres são tão capazes quanto o sexo masculino
de realizar as funções relacionadas na manutenção da vida, no entanto, também
demonstra através de seus feitos e domínios que, na luta diária, os dois sexos participam
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da luta pela sobrevivência em pé de igualdade e se ajudando mutuamente. Perseverança
e coragem são um dos seus mais significativos predicados (Acervo de Lendas (Itãns),
Mãe Nalva de Oxum, 2008).
Corajosa e muito destemida, Obá possui características que as assemelham e a
ligam as outros Orixás femininos, como Oya e Ewa. Ambas mais jovens que Obá,
porém, também possuidores de gênio forte e incontrolável, são guerreiras e não hesitam
ou se acordavam perante um problema. Obá, porém, consegue ser mais voluntariosa,
geniosa e temperamental, pois tem a seu favor a experiência adquirida por sua avançada
idade, tornando por conta disso a líder das mulheres guerreiras.
Obá é considerada uma grande guerreia amazona da sociedade africana, é
relacionada as causas feministas, é uma divindade feminina que não aceita a submissão
e o comando impostos pelos homens, embora possa considera-los companheiros e
associados. Guerreira que possui poderes sobrenaturais, é muito ligada a prática da
feitiçaria. Embora não aceite de muito bom grado a companhia masculina, por não
admitir ter que se submeter ao domínio físico dos homens, teve alguns relacionamentos,
como com Ogum, onde participu com ele de guerras, por Oxóssi foi muito apaixonada,
indo com ele a grandes caçadas mas nunca expondo sua paixão, por último e mais com
quem mais sofreu temos Xangô, por quem também se apaixonou, mas era
menosprezada por conta de Oya e Oxum (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de
Oxum, 2008).
O gosto pela batalha da sobrevivência é o que move Obá lhe garantindo grande
liderança, sendo nesse cenário a melhor forma de admira-la e idolatra-la, pois é única
situação aonde aceita esse afeto, visto que esses sentimentos não são muito
experimentados por ela, o que realça mais ainda suas características de conservadora,
recatada e arredia. Prefere assim ser reconhecida durante o desenvolvimento de suas
funções no planeta, pois não é admirada por sua beleza ou atrativos físicos, mas sim por
seus feitos. Gosta da solidão e de lugares afastados, onde prática a meditação e a
contemplação, podendo ser muito contida em seus atos e generosa e caridosa em raros
momentos.
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Ewá (Iewá)
Figura 24 - Orixá Ewá (ilustração by Orádia Porciúncula)
Ewá é um Orixá feminino da guerra e da caça, relacionada aos rios e florestas,
possui seu culto ainda vivo na África em um rio que leva seu nome. É dotada de rara
beleza, podendo seu nome ser traduzido como “senhora da beleza e da graciosidade”.
Possui como atributos mais significativos sua habilidade de se camuflar e de mudar.
Detém o titulo de “senhora da comunicação”, pois de recebeu Olorum a missão de
ensinar a humanidade as noções sobre as diferenças que se completam e se
complementam, como a noite e o dia, o frio e o calor, o bem e o mal, a vida e a morte,
entre outras. Filha de Nanã e irmã de Omolu, Oxumarê, é um Orixá muito querido nas
casas de Asé, por ser de rara presença entre os homens e detentora de segredos e
mistérios, sua presença se torna uma honra entre as pessoas (Acervo de Lendas (Itãns),
Mãe Nalva de Oxum, 2008).
É a divindade que possui o dom de confundir através de disfarces e
metamorfoses, transforma desde sua matéria física até seu comportamento, sendo por
conta disso muito confundida com outros Orixás, como Oya, Oxum, Iemonjá e até
mesmo sua mãe Nanã. Por viver em nascentes de água cristalinas nas florestas, seus
fundamentos litúrgicos devem ser desenvolvidos no seu próprio habitat, para que assim
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possa se prosseguir com os rituais dentro das casas de Asé. Sua representação no meio
ambiente são os ambientes com águas límpidas, cristalinas e calmas, como lagos,
nascentes e fontes, e na faixa branca das cores do arco-íris, onde vive com seu irmão
Oxumarê e demonstra sua relação direta com os Orixás funfuns. Orixá aguerrido, é uma
das amazonas do grupo das deusas guerreiras, que não aceitam a presença e domínio
dos homens em seu território (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum, 2008).
É também habilidosa caçadora, que juntamente com Oxóssi, Logun,
Iroco e Ossâim, ajuda na proteção das mates e dos animais, sem manter porém relação
direta com nem um deles. Para Ewá, a utilização dos recursos naturais só deve ser
permitida quando feita de forma correta e para manutenção da humanidade. Ela não
permite que a floresta seja degradada por meras regalias ou sem motivo, quando isso
ocorre, ela juntamente com os outros Orixás da floresta, provoca castigos, como
alucinações e confusões, para os que desobedecem seus mandamentos. É extremamente
avessa, a má índole, não gostando também das deturpações que acontecem com o
caráter humano, como a injustiça, a mentira e a traição. É uma das principais guardiãs
da ética, da moral e dos bons costumes (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Nalva de Oxum,
2008).
Carrega consigo sempre um pequeno recipiente, onde ficam seus pós de
encantamento e outros poderes que só são utilizados em momentos de perigo ou grande
necessidade. Possui o incrível domínio das transformações e de iludir e ludibriar os
seres vivos, principalmente os seres humanos, alguns momentos se apresentando como
uma bela e encantadora mulher, aparecendo nessa forma só quando quer e para quem
merece. Porém, em outros momentos, quando irada e furiosa, realça seu lado misterioso,
assombrando e assustando, podendo facilmente levar a loucura.
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Iemonjá (Iémọ́njá)
Figura 25 - Orixá Iemonjá (ilustração by Orádia Porciúncula)
Orixá cultuado pelo povo Égbá, grupo étnico da Nigéria, encontram-se
localizados nas proximidades da cidade mítica de Ifé, neste local Iemonjá e
reverenciada e recebe sua devoção em um rio que também leva seu nome. No Brasil,
Iemonjá se transformou na “senhora dos mares”, talvez por conta do grande território
oceânico brasileiro, sendo também representada pelos encontros das águas doces com as
salgadas, onde recebe de sua filha Oxum, as águas doces pelas quais é responsável, por
conta disso recebe também o titulo de “mãe dos rios”, para muitos antigos da religião,
pode-se dizer que aonde há água, Imemonjá reina, por conta disso, também é conhecida
como “senhora dos seres marinhos” pois por estar em quase todas as águas, ela acolhe e
protege também seus habitantes (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Elisa de Iemonjá,
2010).
Conhecida também como “mãe de todos os Orixás”, recebeu e acolheu com
amor mesmo aqueles que não foram gerados por ela, mas que de alguma forma foram
entregues a seus cuidados. Sua premissa mais significativa é o poder e o titulo que lhe
foram concedidos por Olorum, o de “mão de todas as cabeças”, esse titulo a fez
responsável pelo equilíbrio emocional, psicologia e espiritual do ser humano, dando a
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humanidade o equlibrio para se ter uma boa existência e convivência no planeta
(Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Elisa de Iemonjá, 2010).
Iemonjá tem sua representação na natureza nas águas que refrescam, dão e
transportam a vida na Terra, ajudando no desenvolvimento dos ecossistemas como um
todo. Como um Orixá feminino, é primeiramente detentora de grande beleza, mas é
também filha, mãe e esposa, simbologia ligada diretamente a mulher. Em outros
enredos, apresenta-se guerreira, conquistadora e até mesmo, e quando necessário, uma
amante voluptuosa, ardente e sensual.
Nos oceano, Iemonjá controla suas marés através das fases da Lua e com a ajuda
dos ventos de Oya, movimentando a água e fazendo com que elas se mostrem ora
calmas ora perigosas. Em alguns momentos, tornam-se destrutivas como forma de
punição a humanidade, mas logo são abrandadas, propiciando a humanidade a
abundancia e variedade de suas riquezas, tanto mineral quando animal. É nas
profundezas dos mares que ficam guardadas suas mais valiosas e importantes riquezas,
e aonde reina com o Orixá Olokum (Acervo de Lendas (Itãns), Mãe Elisa de Iemonjá,
2010).
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Nanã (Nàná Bùruku)
Figura 26: Orixá Nanã (ilustração by Orádia Porciúncula)
Sendo um dos orixás mais antigos e que fez parte da criação, Nanã é ligada
diretamente a terra, tendo seus principais domínios sobre as lamas e ambientes
pantanosos como os mangues. No alvorecer da criação do mundo, quando a terra se
uniu a água e fez surgir a lama, material esse doado por Nanã a Oxalufan para a criação
dos seres vivos. Por ser detentora dos segredos da lama, Nanã conhece o início, o meio
e o fim de tudo o que é vivo. A primeira vista a lama pode parecer uma substancia
morta e suja, mas na verdade esse elemento camufla e protege várias formas de vida,
que também estão sobre regência de Nanã (Acervo de Lendas (Itãns), Mamaeto Oneide
de Nanã, 2013).
Essa senhora simboliza também os malefícios a saúde, dom esse herdado por seu
filho Omolu, assim como permite a saúde e a manutenção de uma boa existência. Até
mesmo no momento da morte, ajuda o homem a retornar ás suas origens físicas, quando
recebe seus corpos já sem vida na terra. Esse Orixá foi designado por Olorum para
ajudar na criação dos seres vivos e para que através da morte, renovasse o mundo,
fazendo essa transformação de maneira natural, reciclando a matéria e fazendo surgir
novas vidas (Acervo de Lendas (Itãns), Mamaeto Oneide de Nanã, 2013).
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Os domínios de Nanã vão a superfície lamacenta de mangues e pântanos até a
parte inferior e úmida da terra, fazendo no amago da terra a ciclagem da matéria dos
cadáveres para ser devolvida a mãe-terra promovendo assim a reintegração dos
elementos que foram emprestados para formação do ser vivo. Os elementos água e terra,
possuem forte representação feminina no Candomblé por serem ligados a fecundação e
a gestação e são umas das principais formas de propagação do Asé feminino.
Somente Nanã conhece os segredos de como transformar os elementos do seu
reino, sendo necessário que isso ocorra constantemente em seu habitat, para que se
mantenha sempre um equilíbrio. Para esse Orixá, se não houver a morte, não existirá a
continuação da vida, sistema que permite e mantem o equilíbrio planetário.
Nos Itãs de nanã e nos elementos que lhe dão poder, observasse a sua
antiguidade, antecessora a Era da descoberta e uso dos metais, ela não os aceita em seus
fundamentos e rituais, assim como nos elementos que fazem parte de seus domínios.
Em compensação, vivendo nos núcleos das matas e alagados, é o Orixá feminino que
mais conhece o segredo terapêutico e litúrgico das ervas e de plantas que ajudam na
saúde dos homens ou em feitiços. Pelo poder de certas folhas ela pode criar ou retirar
malefícios (Acervo de Lendas (Itãns), Mamaeto Oneide de Nanã, 2013).
Orixá de idade incontável e muito justo, Nanã condena a todos aqueles que só
querem prejudicar seu próximo com malefícios e feitiçarias, os que não sabem conviver
com o amor e a fraternidade e os que não ajudam de forma alguma os doentes e menos
favorecidos. Sendo extremamente avessa também a aqueles que desrespeitam seus
segredos e os juramentos religiosos e morais. Torna-se assim uma inimiga em potencial
desse tipo de pessoa, incumbindo-se dessa forma de dividir e multiplicar esse maleficio,
vindo dela a famosa regra que diz que tudo o que você faz volta três vezes maior, tanto
o bem quanto o mal. Porém, para aqueles que a respeitam e se enquadram em seus
parâmetros sociais, procurando viver de acordo com seus dogmas e regras, ela
proporciona condições para que tenham uma existência no planeta de forma digna. Por
pensar e agir dessa maneira, é conhecida também como a “senhora da justiça”, pois
pertence a um tempo em que sua palavra era a representação de sua honra.
No Candomblé pode ser vista também como a “senhora da opulência” e a
“senhora dos crustáceos”, por sua direta ligação com os pequenos crustáceos moradores
de seus domínios. Estes transformam-se em símbolos da prosperidade, pois em tempos
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antigos na África, já foram utilizados como moeda ou objetos de troca. Representam
também os filhos que Nanã traz consigo pois nasceram em seus domínios e são seus
desentendes diretos (Acervo de Lendas (Itãns), Mamaeto Oneide de Nanã, 2013).
Erê
Figura 27 – Erê (ilustração by Orádia Porciúncula)
Os Erês são Orixás crianças que todos os iniciados como Iyawo possuem. Seu
nome deriva do termo ioruba asiwere, que pode ser traduzido como maluco ou louco.
Apesar de palavras fortes e até mesmo chocantes para se tratar de uma divindade,
precisam ser interpretadas de forma mais amena pois se referem tão somente ao
comportamento de crianças de pouca idade (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Edilson Luz
de Oxaguian, 2014).
Para os Erês, por não possuírem compreensão e entendimento sobre o mundo
que os cerca, não há limites físicos, psicológicos ou espirituais que os detenham perante
a realização de seus objetivos e desejos, sendo também muito impulsivos e destemidos.
São entidades que precisam ser doutrinadas e ensinadas, mas sem muita rigidez e
restrições, pois isso pode acarretar em desobediência e insubordinação. Sua liberdade
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não deve ser tolhida, apenas observada com cautela (Acervo de Lendas (Itãns), Pai
Edilson Luz de Oxaguian, 2014).
Unidos aos demais Orixás adultos do panteão, os Erês se tornam seus
companheiros e amigos de maior confiança. É por intervenção dos Erês que os demais
Orixás se tornam mais brandos, amenos e amigos, aumentando a proximidade com a
humanidade. Para esses “pequenos seres de luz e alegria” não existem problemas ou
tabus que não possam ser resolvidos. Costumam seguir e vestir-se de acordo com o
Orixá o qual foi designado. Um dos principais motivos de existirem é justamente ser o
elo entre os homens e os Orixás, levando os desejos e pedidos e trazendo as ordens e as
resoluções divinas, tornando-se assim os guardiões e intercessores dos homens junto as
divindades, por essa característica são ligados diretamente a sentimentos como a
esperança e a resignação.
Ligam-se a Exu, através do movimento e da energia, e juntos são responsáveis
pela comunicação das informações do Aiyê com o Orum. Contudo, os Erês possuem a
função de protetores e comunicadores particulares da pessoa iniciada na religião com
seu Orixá, agindo no crescimento e na evolução pessoal de seu protegido, revigorando e
fortalecendo assim a existência da humanidade (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Edilson
Luz de Oxaguian, 2014).
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Oxalá Oxaguian (Ogiyán)
Figura 28 – Oxalá Oxaguian (ilustração by Orádia Porciúncula)
Senhor dos contrastes, sábio estrategista e detentor de grande astucia, Oxaguian
é o mais jovem guerreiro do grupo dos Orixás da criação, mas isso não transforma em
um jovem, nenhuma divindade que faz parte desse grupo é considerada jovial, pois
todos fazem parte dos tempos da criação, fato esse que os torna possuidores de idade
imaterial. Filho de Oxalufan, Oxaguian só se torna menos ansião que seu próprio pai. É
um Orixá que possui grande fundamento litúrgico e poder espiritual, tornando-se as
vezes perigosos aqueles que não os conhecem direito, pois esse Orixá possui duas faces:
a guerra e a paz. Além disso, Oxaguian é um grande dissimulador, que gosta de
provocar conflitos, testando constantemente a fé da humanidade (Acervo de Lendas
(Itãns), Pai Edilson Luz de Oxaguian, 2014).
Senhor da instabilidade, é também quem permite a mobilidade das coisas, dois
extremos necessários que resultam no dinamismo, elemento esse que transforma e
proporciona a evolução do planeta. Por ter a instabilidade como um de seus domínios,
Oxaguian é a divindade que provoca os delírios e desequilíbrios emocionais nas
pessoas, mas é também aquele capaz de controla-los. Numa relação que pode causar
estranheza a quem não o conhece, produz a estabilidade e o equilíbrio das coisas, pois
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até mesmo para que caos exista é preciso que se tenha um desequilíbrio surgido na
organização.
As pessoas com problemas de saúde recorrem a ele para que faça a vida
prevalecer sobre a morte, pois ele se relaciona com esses dois extremos, essa relação
com a vida e a morte pode ser comprovada nas cores que o representam: o branco, que
simboliza o ar, a vida e o Orum, e o azul que simboliza o elemento terra, o planeta.
Por ser hábil estrategista nas batalhas da vida, tenta a todo custo evitar o
confronto direto, procurando recorrer primeiro a soluções que promovam a paz. Foi
Oxaguian que ensinou a humanidade o sentido de pacificidade, da disciplina, da
hierarquia e do respeito, mas para isso precisou utilizar de ferramentas não muito
convencionais, como a guerra e a paz, pois assim dá a humanidade o direito do livrearbítrio. Como pode-se observar, Oxaguian é um Orixá dúbio: que vai a guerra mas que
promove a paz, provoca derrotas mas traz as vitorias e o equilíbrio, ama a vida e,
através dessa, consegue ludibriar a morte. A guerra desse Orixá não é física, contida de
destruição, ele representas as constantes guerras pessoais, lutando pela justiça, pelo que
é certo, pela moral e bem estar da humanidade, procurando promover sempre a paz e a
união (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Edilson Luz de Oxaguian, 2014).
Por sua grande proximidade dos homens, tornou-se patrono da observação e da
inteligência, proporcionando ao homem a condição de colocar em prática seus
pensamentos e ideias. Permite que os homens evoluam através da tecnologia e
conhecimentos produzidos por eles próprios, dando a vida novos significas e
construindo novos paradigmas.
Possui ligações com os demais Orixás, sendo o domínio sobre movimento e a
agilidade seu maior predicado, sendo assim tornou-se o grande responsável pela
comunicação entre todos os seres, entre os próprios Orixás, dos Orixás com a
humanidade e entre a própria humanidade (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Edilson Luz
de Oxaguian, 2014).
Tido também como o “senhor dos inhames pilados”, esse tubérculo é para
Oxaguian tão ou mais poderoso e energizante que as bebidas alcoólicas e o dendê para
Exu. Depois de pilado, o inhame recebe o nome de iyàn, alimento divino e litúrgico que
produz sua principal refeição, que consiste em bolas feitas de massa pilada de inhame
preparados de acordo com preceitos e fundamentos litúrgicos.
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Pertencendo ao grupo da criação e da ancestralidade, e por ser o único filho de
Oxalufan que vive com o pai e cuida diretamente da humanidade, Oxaguian deve ser
respeitado e visto como um Oxalá, nome dado também a seu pai.
Oxalá Oxalufan (Olúfón)
Figura 29 - Oxalá Oxalufan (ilustração by Orádia Porciúncula)
De movimentos lentos e idade imemorial, encabeça o grupo dos Orixás do
branco e da ancestralidade, sendo o primeiro Orixá a ser criado por Olorum. Senhor do
mundo físico, Oxalufan tem a capacidade de administra e interagir diretamente com a
humanidade e o planeta, pois foi quem os criou e também o responsável por tudo o que
existe, dos animais aos quatro elementos da natureza. Em contrapardida há seu pai e
também criador, Olorum (Orixá Supremo dentro todos os Orixás, sendo representado
pelo universo) correspondendo a parte etérea e divina de toda a criação. Por sua relação
direta com a criação do planeta e da humanidade, seu elemento representativo na
natureza também é a água, mas é como representante do elemento ar que ele se
apresenta aos homens. Sendo associado ao distanciamento, à solidão, à reclusão, vive
nas grandes altitudes (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Wellinton de Oxalufan, 2014).
84
Rege os domínios mais antigos da existência humana, como a agricultura, a
capacidade do homem viver em sociedade e mais ainda ligado ao princípio de tudo, a
ancestralidade, a vida e a morte, a quem está intimamente ligado devido ser o portador
do dom de dar a vida e de receber essa vida de volta depois da morte da matéria física.
Como patrono dos princípios que regem a moral e a ética, torna-se responsável pelas
tradições religiosas, permitindo a perpetuação e evolução das religiões através dos
ensinamentos litúrgicos, da hierarquia e dos dogmas, orientando quando há
necessidades de mudanças, evitando assim que qualquer um de seus domínios seja
extinto.
Analisa e faz seu julgamento, administrando o comportamento dos homens na
religião e em suas vidas carnais, determinando o que cada pessoa deve fazer ou receber
por merecimento, mas deixa que a liberdade de escolha, o livre arbítrio, exista e seja
sempre supervisionado pelo Orixá de cada pessoa. A criatividade dos homens e a beleza
produzida por suas mãos são tão queridas e adoradas por Oxalufan que esse se tornou
também seu protetor e facilitador. Suas principais ferramentas são o Opaxorô e o Alá,
que foram criados pelos homens justamente com a criatividade e a habilidade com as
mãe que ele tanto admira. Opaxorô é um cetro real que além da significância da
imponência da majestade, serve também para apoia-lo na sua locomoção, o Alá é o pano
branco que simboliza a parte divina, que encobre e protege a parte física, escondendo os
reais poderes desse Orixá e sua realeza no plano terreno (Acervo de Lendas (Itãns), Pai
Wellinton de Oxalufan, 2014).
Após ter dado vida aos homens, se empenhou também em criar um ser que o
complementasse, então criou as árvores. Para cada ser humano criado, foi criada uma
árvore, para que essa forneça o ar limpo, moradia, alimento e a proteção necessárias a
sobrevivência da humanidade. Cabendo assim aos homens, a simples responsabilidade
de cuidar desses seres tão especiais e símbolos vivos da natureza. Representantes do
reino vegetal, elas são primordiais para a humanidade, mas não foram destinadas
exclusivamente aos homens, as mais antigas e sagradas, servem de moradia aos
espíritos ancestrais e elementares. Essa relação com as árvores e a floresta agrega
Oxalufan também ao grupo de Orixás da mata (Acervo de Lendas (Itãns), Pai Wellinton
de Oxalufan, 2014).
85
Olorum (Ọlọ́run)
Figura 30 - Orixá Olorum (Ilustração by Caio Majado)
Olorum é a divindade suprema para os seguidores do Candomblé, tendo em si a
representação do universo e do início dos tempos, podendo até mesmo, e de acordo com
alguns Itãns, ter criado a si próprio. Seu nome pode ser traduzido como “senhor do
espaço celeste sagrado”, porém sua denominação correta vem a ser Olodumare
(Olódùmarè), nome que carrega grande poder e que não pode ser dito de forma aleatória
e leviana. Compreendido como o supremo princípio que promove e garante a existência,
a ordem e os valores morais do ser humano, é o ser infinito e perfeito que idealizou e
fez tudo o que está no Universo, seja físico, abstrato ou espiritual (PRANDI, 2001).
Com um significa de algo grandioso, amplo e sem fim, o Orum é o firmamento,
o espaço divino que possui inúmeras dimensões e se desdobra em algumas realidades,
incluso no Orum está o Aiyê, dimensão do Orum aonde vivem os mais diversos seres
vivos, os elementos da natureza e ecossistemas, que possui grandes porporções e é
compreendido com o planeta Terra e toda marte material e tangível. Quando ocorreu a
separação dessas realidade em virtude da desobediência dos homens perante as leis dos
Orixás, foi desencadeado um distancia físico do ser humano para com Olorum. No
86
entanto por ser um ser supremo em tudo, tudo o que os homens realizam para com as
divindades, é recebido no Orun e o Asé é divido igualmente por todo planeta.
Olorum é o Orixá responsável pelo dom da bondade e da maldade dado as
pessoas, mas deixou Oxalá responsável por ratificar, remediar e até mesmo consertar o
destino, sempre de acordo com as ordens de Olorum. No entanto, esse fato só se torna
possível se o próprio ser humano desejar se ajudar, seguindo essa premissa, destacamos
um dos ensinamentos aprendidos na casa de Asé que diz que a chegada de uma pessoas
ao Aiyê ocorre as vezes por seu próprio desejo, havendo algumas vezes em que essa
chagada é determinada por Olorum, que no momento da concepção, faz imposições que
não podemos e muito menos devemos deixar de cumprir (PRANDI, 2001).
Quando Olorum decidiu criar a existência, movendo-se e saindo da inercia
(momento esse demonstrado na Figura 12), criou primeiramente Oxalufan e logo depois
descobriu que com toda essa movimentação havia criado também Exu, que trouxe a
ideia de mobilidade e evolução. A partir desses Orixás, Olorum criou os demais e
dividiu com eles a criação e manutenção do Aiyê. Delegou inicialmente a Oxalufan o
poder de habita-lo com todos os seres vivos que trouxessem para o mundo a energia, o
dinamismo e o progresso. Todos esses seres foram criados com perfeição e funções
perfeitamente relacionadas, respeitando as condições, a individualidade e a
possibilidade um do outro. Em compensação e para a manutenção do equilíbrio,
Oxalufan também criou a desordem, a desvantagem e a injustiça.
Após esse momento, Olorum reunião todos os Orixás e distribuiu entre eles os
diferentes compartimentos e elementos do mundo, resignando-os de acordo com seus
domínios e personalidades, forneceu a cada um deles uma parcela de seu poder, o Asé,
para que pudessem gerencia-lo adequadamente. O Asé pode ser tido como a energia que
a tudo move e a essência do próprio Orixá Olorum. Essa essência pode ser sentida na
perfeição de tudo o que existe no planeta e no Universo, em cada coisa criada está um
pouco do seu poder, até na própria humanidade (PRANDI, 2001).
Olorum tem relação direta com cada um de nós, nos compreendendo
perfeitamente, pois conhece a todos que foram criados por ele e nenhum segredo fica a
ele oculto, pois está em todos os lugares, formas e coisas. É um Deus que olha o ser
humano com misericórdia, amor e justiça, suas ordens quando impostas não devem ser
descumpridas em hipótese alguma, mas quando acontece isso é relevado, sem que com
87
isso ele perca de alguma forma sua autoridade de poder. Faz parte da natureza de
Olorum ser complexo e completo, não necessitando evoluir ou aprender, pois é o Orixá
da perfeição plena. Já a humanidade, observada por esse Orixá desde o início dos
tempos, necessita de constante aprendizado e evolução pois mesmo tendo sido feita com
muito esmero e amor, é imperfeita (PRANDI, 2001).
Tendo visto então o que são e quem são os orixás, podemos dar continuidade a
construção da relação entre o candomblé e a educação ambiental de forma mais didática
e cientifica, veremos a seguir de forma bem direta como se a relação entre os Orixás,
com o a humanidade e a natureza, vista aqui como o meio ambiente natural.
Os Orixás e sua relação com os seres humanos e a Natureza.
Os iorubas acreditam que homens e mulheres descendem dos orixás, não tendo,
pois, uma origem única e comum, como no cristianismo. Cada um herda do orixá de
que provém suas marcas e características, propensões e desejos, tudo como está
relatado nos mitos. Os orixás vivem em luta uns contra os outros, defendem seus
governos e procuram ampliar seus domínios, valendo-se de todos os artifícios e
artimanhas, da intriga dissimulada à guerra aberta e sangrenta, da conquista amorosa
à traição. Os orixás alegram-se e sofrem, vencem e perdem, conquistam e são
conquistados, amam e odeiam. Os humanos são apenas cópias esmaecidas dos
orixás dos quais descendem. (Prandi, 2007, p. 24)
Segundo a cultura afro-brasileira, no início dos tempos os Orixás conviviam com
os seres humanos e viviam como eles. Caçavam, plantavam, guerreavam, possuíam
relações de matrimonio, amavam, odiavam e até mesmo se vingavam, mas também
possuíam dons especiais, dessa forma se destacavam entre os outros seres.
Podemos destacar essas habilidades de acordo com alguns orixás cultuados
atualmente no Brasil, Ossaim com os segredos da mata, Ogum com o domínio do
minério de ferro e a habilidade de guerrear, Oya com o poder sobre os ventos e
tempestades, Oxossi e Logun com os conhecimentos sobre a caça e funcionamento da
floresta, Omolu com o poder de cura de doenças, Iemanjá com o domínio sobre os
oceanos, Oxum e Logun com o domínio das águas doces e muitos outros.
Portadores de tais capacidades, os Orixás foram os principais agentes causadores
de grandes feitos e fenômenos naturais, e muitos mitos, ou Itãns para os iorubas, contam
que após o termino de suas vidas como seres humanos eles renasciam como Orixás, e
passavam a uma outra forma ou nível de existência, denominada Orum.
88
No Orum, nível espiritual não tangível para existência humana, governa Olorum,
“fonte última de todas as bênçãos, das chuvas, das boas colheitas, da carne e do mel em
abundância, da vitória na guerra, da paz no lar” (Berkenbrock, 2007, p. 221). Olorum,
como fonte de todo poder, bondade e sabedoria, no entanto, não se aproxima dos seres
humanos, que se encontram em outro nível de existência, denominado pelos iorubas de
Aiyê, que vem a ser a própria realidade concreta e física do mundo, incluindo todos
elementos bióticos e abióticos. Sobre as duas formas ou níveis de existência,
Berkenbrock (2007) destaca que:
O sistema Orum-Aye não se sustém nem existe por si mesmo e os orixás não têm
força e responsabilidade a partir de si mesmos. Acima dos dois níveis da existência
está Olorum, o ser supremo. É ele que deu aos Orixás a responsabilidade para reger
o Aiye e a força para tanto. Ele está acima de tudo e tudo teve nele seu início, tanto o
que está no Aiye, como o que está no Orum. A intervenção de Olorum nas coisas
não precisa se dar, porém, de força direta e ele passou aos Orixás a responsabilidade
pelos diversos setores ou aspectos da vida e a eles deu a força para exercer tal
função. (Berkenbrock, 2007, p. 184)
A existência dos seres humanos, assim como toda a existência física ou material,
está no Aiye, onde também é permitida a entrada dos Orixás em determinadas situações.
Sendo os principais regentes do Aiye, os Orixás são invocados através dos cultos,
cânticos,
oferendas
e
sacrifícios,
dessa
forma
desenvolvendo
também
um
relacionamento com seus filhos – que são inseridos na religião através de uma série de
rituais iniciáticos. “Os objetivos principais da iniciação são, por um lado, a introdução
paulatina da pessoa na comunidade sócioreligiosa e, por outro, o conhecimento e a
veneração de seu Orixá pessoal” (Berkenbrock, 2007, p. 213). Há um momento na
historia dos Orixás onde Aiye e Orum nem sempre estiveram separados e que para
Prandi (2001) foi o inicio do Candomblé propriamente dito:
No começo não havia separação entre o Orum, o Céu dos
orixás, e o Aiê, a Terra dos humanos.
Homens e divindades iam e vinham, coabitando e
dividindo vidas e aventuras.
Conta-se que, quando o Orum fazia limite com o Aiyê,
um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas.
O céu imaculado do Orixá fora conspurcado.
O branco imaculado de Obatalá se perdera.
Oxalá foi reclamar a Olorum.
Olorum, Senhor do Céu, Deus Supremo, irado com a
sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais, soprou
enfurecido seu sopro divino e separou para sempre o Céu
da Terra.
Assim, o Orum separou-se do mundo dos homens e
nenhum homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com
vida.
Agora havia o mundo dos homens e dos orixás,
separados.
89
Isolados dos humanos habitantes do Aiyê, as divindades
entristeceram.
Os orixás tinham saudade de suas peripécias entre os
humanos e andavam tristes e amuados.
Foram queixar-se com Olodumare, que acabou
consentindo que os orixás pudessem vez por outra
retornar à Terra.
Para isso, entretanto, Teriam que tomar o corpo material
de seus devotos.
Foi a condição imposta por Olodumare.
Oxum, que antes gostava de vir à Terra brincar com as
mulheres, dividindo com elas sua formosura e vaidade,
ensinando-lhe feitiços de adorável sedução e irresistível
encanto, recebeu de Olorum um novo encargo:
preparar os mortais para receberem em seus corpos os
orixás.
Oxum fez oferendas a Exu para propiciar sua delicada
missão.
De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e
amigos orixás.
Veio ao Aiyê e juntou as mulheres à sua volta, banhou
seus corpos com ervas preciosas, cortou seus cabelos,
raspou suas cabeças, pintou seus corpos.
Pintou suas cabeças com pintinhas brancas, como as
penas da galinha-d’angola.
Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços, enfeitou-as
com jóias e coroas.
O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé,
pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.
Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros, e nos
pulsos, dúzias de dourados indés.
O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas
e múltiplas fieiras de búzios, cerâmicas e corais.
Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori, finas
ervas de obi mascado, com todo condimento de que
gostam os orixás.
Esse oxo atrairia o orixá ao ori da iniciada e O orixá não
tinha como se enganar com seu retorno ao Aiyê.
Finalmente as pequenas esposas estavam feitas, estavam
prontas, e estavam odara.
As iaôs eram as noivas mais bonitas que a vaidade de
Oxum conseguia imaginar.
Estavam prontas para os deuses.
Os orixás agora tinham seus cavalos podiam retornar com
segurança ao Aiyê, podiam cavalgar o corpo das devotas.
Os humanos faziam oferendas aos orixás, convidando-os
à Terra, aos corpos das iaôs.
Então os orixás vinham e tomavam seus cavalos.
E, enquanto os homens tocavam seus tambores, vibrando
os batás e agogôs, soando os xequerês e adjás, enquanto
os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam,
convidando todos os humanos iniciados para a roda do
xirê, os orixás podiam de novo conviver com os mortais.
Os orixás estavam felizes.
Na roda das feitas, no corpo das iaôs,
Eles dançavam e dançavam e dançavam.
Estava inventado o candomblé. (Prandi, 2001, p. 526-528)
Não é difícil compreender o importante papel que os orixás cumprem na prática
dos rituais e sua relação com a natureza. É em um momento entre o mundo material
90
(aiyê) e o mundo espiritual (orum) que os múltiplos orixás se manifestam. Na
transposição de cultura e religiosidade aqui no Brasil, que o culto aos orixás evolui em
um estágio mais avançado.
[...] No limiar de sua civilização, o povo-de-santo, conhecido pelo nome de iorubá,
chamado de nagô no Brasil, acreditavam que forças sobrenaturais impessoais,
espíritos, ou entidades estavam presentes ou corporificados em objetos e forças da
natureza (PRANDI, 2001, p. 122).
Aterrorizados pelas forças ocultas da natureza e que segundo o autor, essas
forças para os africanos eram consideradas representações da fúria dos deuses. Sendo
impossível o homem de alguma forma controlar, em troca, para diminuir os ataques
constantes e sobrenaturais, eram oferecidos alimentos preparados como oferendas para
selar um pacto de submissão, prosperidade e proteção, que através desses rituais,
firmavam as relações de lealdade e filiação entre os homens e os espíritos.
[...] Muitos desses espíritos da natureza passaram a ser cultuados como divindades,
mais tarde designados orixás, detentores do poder de governar aspectos do mundo
natural, como o trovão, o raio e a fertilidade da terra, enquanto outros foram
cultuados como guardiões de montanhas, cursos d'água, árvores e florestas
(PRANDI, 2005, p. 125).
Nessa direção, conforme coloca o autor, cada rio era representado por um
espírito próprio, de forma que esses elementos se fundiam resultando, nesse contexto,
em cultos próximo às suas margens, automaticamente transformando esses espaços em
locais de adoração, onde eram feitos os rituais e deixadas as oferendas.
[...] Um rio pode correr calmamente pelas planícies ou precipita-se em quedas e
corredeiras, oferecer calma, travessia a vau, mas também mostra-se pleno de
traiçoeiras armadilhas, ser uma benfazeja fonte de alimentação piscosa, mas
igualmente afogar em suas águas os que nelas se banham (PRANDI, 2005, p. 127).
Para os seguidores dos orixás, esses atributos do rio, como são destacados pelo
autor, que o torna ao mesmo tempo provedor e destruidor, representa assim a sua
divindade guardiã. Esses corpos hídricos são vistos conforme seu curso e formato. Cada
nascente, cachoeira, tem seu espírito, sua alma, suas características.
Essas entidades durante os rituais são homenageadas, tanto na África, em
território ioruba, como nas Américas durante tráfico de escravos africanos,
principalmente, os nagô do centro oeste e do leste africanos, e sudaneses, da África
Ocidental. Tanto uns quanto outros foram, praticando seus ritos enquanto foram
distribuídos, durante a colônia e o império, por todo o território brasileiro. Salvador e
91
outras cidades se tornaram grandes polos irradiadores de seguidores e do sucessivo àse
de cada orisà pelos seus descendentes até os dias atuais.
[...] Nessa época, a cidade mantinha o intenso comércio com o continente africano e
principalmente com a região do Golfo de Guiné. Todas essas circunstâncias levaram
à maior coesão dos iorubanos, notadamente os de Quetu à fronteira com o Daome
,fazendo com que suas tradições, principalmente as religiosas, se tornassem
aparentemente hegemônicas entre várias outras vertentes culturais africanas no
Brasil. Essas vertentes são, sobretudo, a macumba, nome genérico e depreciativo
dos cultos africanos; o candomblé, referindo-se mais especificamente à vertente jejenagô difundida a partir da Bahia; o batuque, forma gaúcha; o xangô e o xambá,
formas desenvolvidas no nordeste; o babaçuê, o catimbó e o tore, formas mas afroameríndios (LOPES, 2005, p.227).
No início do século XIX, os iorubanos aqui chamados genericamente nagôs13,
somados aos fons (jejes), grúncis, nupês ou tapas, hauçás e outros, já se situavam como
metade da comunidade africana na capital baiana. Por volta de 1835, conforme Bastide
(1985) a população era composta de aproximadamente 65 mil habitantes, a cidade de
Salvador tinha cerca de 36 mil escravos mais da metade africanos, dos quais 60%, isto é
mais de 20 mil pessoas que pertenciam às etnias mencionadas. Por todo o Recôncavo,
os testemunhos do homem africano estão fundamentados em memórias vivas e
dinâmicas nos candomblés, não excluindo outras influencias na sociedade complexa da
região. Uma vivência diária que exibe uma herança africana no uso da vestimenta
crioula, conhecida também como roupa de baiana, nas suas irmandades religiosas e nas
famosas roças de candomblé.
[...] Através dos cultos às divindades e o crescimento das atividades laborais, passam
a pedir proteção para as colheitas, chuva para as plantas. (...) a mesma atividade era
guardada por deuses locais distintos. Só muito mais tarde alguns orixás foram
elevados à categoria de orixás nacionais. Assim, na agricultura encontramos o culto
a Ogum e Orixá-Ocô, enquanto as atividades de caça estavam guardadas por Oxóssi,
Logum Edé, Erinlé, e muitos outros orixás caçadores conhecidos genericamente pelo
nome de Odé, que significa Caçador. Alguns orixás protetores dos rios, com o passar
dos tempos, como Logum e Erinlé, ficaram restritos à caça, embora se faça
referência também a seus atributos de pescadores, especialmente no caso de Logum
Edé (LOPES, 2005, p.229).
Considerando as reflexões feitas pelo autor, nota-se que além de cultuar os
orixás no plano dos fenômenos e elementos da natureza, há também a personificação do
divino para o plano da divisão social do trabalho e das características sentimentais e
fisiológicas humanas. Os orixás passam a ser protetores da agricultura, das produções
das ferramentas agrícolas, da metalurgia, da caça, do sexo, da fertilidade e gestação das
mulheres, do amor e da sedução e se fixam no domínio das atividades humanas.
13
Segundo Santos (2008, p.29) todos os povos de origem yoruba foram chamados de nagô pelos
franceses.
92
[...] Assim Ogum, possui uma relação direta entre a agricultura e o artesanato do
ferro, permite a produção das ferramentas agrícolas, o mesmo ferro com que se
fazem as armas de guerra, faca, facão, espada, e esse mesmo ferro que transformou
Ogum no deus da metalurgia e da guerra, através do culto e a interação com a
natureza (o ferro) para depois se fixar no domínio das atividades humanas
(agricultura, metalurgia, guerra) (LOPES, 2005, p.232).
Na fala do autor, evidencia-se que através das forças sobrenaturais, o minério
extraído da natureza amplia para outros campos, utilizado na cultura, vai garantir o
sucesso nas atividades que usam artefatos com ele produzidos. Na medida em que o
trabalho se evoluía, crescia o envolvimento com os orixás situando no mundo
contemporâneo, cada vez mais próximo das atividades sociais, da cultura e do mundo
do homem.
[...] No chão, sob esse espaço fechado, será cerimoniosamente celebrado, antes da
instalação, o axé, concentrando a força vital ligada à natureza e fonte para a
comunidade. Ligando os espíritos à mata, como símbolo da união do mundo dos
vivos, aie, ao dos orixás, orum, será cultuado (LOPES, 2005, p.233).
O relacionamento das entidades espirituais, Lopes (2005) e Bastide (1985)
enfatizam que, cada vez mais vai se intensificando a relação dos orixás com a natureza
na medida em que o Candomblé ganha espaço na sociedade brasileira, onde cresce a
ideia de que o meio natural com todos os seus recursos são fonte pura de axé, que
segundo os ensinamentos da religião, é a força vital sem a qual não existe vida ou
movimento e sem a qual o culto não pode ser realizado.
As folhas utilizadas nos rituais não são simplesmente os que estão em qualquer
mata, mas aquela que tem a intervenção do poder transformador realizado pela
intervenção de Ossaim, pois, através das rezas e encantamentos que o devoto profere,
propiciam a liberação do axé nelas contida.
Os orixás possuem poder frente à energia primordial do universo, o axé,
podendo controla-la e compartilhá-la para fins de ações benéficas ou destrutivas. O axé
é a energia mística que movimenta o universo, é o princípio dinâmico que torna possível
todo o processo de realização da vida no planeta. É uma energia que pode ser
transmitida, conduzida, acumulada e perdida, podendo estar contida em substratos
materiais e simbólicos e presente em momentos e fenômenos naturais. Por se tratar de
uma energia elemental, o axé pode enfraquecer ou mesmo desaparecer.
Santos (2008) explica que cada orixá se constitui uma unidade. Na realidade é o
elemento de cada um deles, com seus atributos, que executa suas funções. No “terreiro”,
cada orixá é acompanhado de um espírito particular. No rito de oferendas, eles
93
“comem” juntos. O nome de cada um acompanhante é conhecido, invocado e cultuado
junto ao orixá, como elemento indestrutivelmente ligado a este.
Silva (1994) fala que os orixás se comportam como “forças inteligentes da
natureza” e “entidades espirituais regentes”. Enquanto forças inteligentes da natureza
vinculam-se ao cosmos, identificando-se ritualmente com os elementos e manifestações
naturais. Enquanto entidades espirituais regente vinculam-se às pessoas, funcionando
como arquétipos da personalidade humana. Personagens complexos, os orixás permitem
múltiplas classificações, conforme a genealogia, as cores, o gênero, os dias de culto e o
cardápio ritualístico. Sua identificação maior, porém, está no vínculo de cada qual com
a Natureza.
94
Sobre Religiões Afro-Brasileiras na Amazônia
Quando falamos de religiões afro-brasileiras, estamos nos referindo a que
exatamente? Berkenbrock (1997) esclarece que do ponto de vista histórico, a África é o
campo de origem, e o Brasil, o campo de desenvolvimento das religiões afro-brasileiras,
Religiões africanas, de acordo com ele, formam a base a partir da qual se
desenvolveram essas religiões no Brasil. Esse desenvolvimento posterior, explica, é
influenciado por diversos fatores, tanto de outras religiões (cristianismo, religiões dos
indígenas, espiritismo), como influencias contextuais (escravidão, proibição das práticas
religiosas, falta de pessoas iniciadas/praticantes).
Prandi (2003) afirma que, desde o inicio, as religiões afro-brasileiras se fizeram
sincréticas, ou seja, estabeleceram paralelismo entre os Orixás e santos católicos,
adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a frequência aos ritos e
sacramentos da igreja. Assim, de acordo com Prandi, aconteceu com o Candomblé da
Bahia, o Xangô de Pernambuco, o Tambor de Mina do Maranhão, o Batuque do Rio
Grande do Sul e outras denominações, todas elas, diz Prandi, arroladas pelo IBGE sob o
nome de único e mais conhecido: candomblé, religião afro-brasileira na qual se pratica o
culto aos Orixás. Sobre os Orixás, por hora, basta dizer como Verger que: “O Orixá é
uma força pura, Asé imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos
incorporando-se em um deles”. (Verger, 2012, p. 19)
O Candomblé é uma religião14 que foi criada no Brasil por meio da herança
cultural, religiosa e filosófica trazida pelos africanos escravizados, sendo no Brasil
reformulada para poder se adequar e se adaptar as novas condições ambientais. É a
religião que tem como objetivo principal o culto aos Orixás, seres esses que são a força
e poder da natureza, sendo seus criadores e também administradores. Sem depender da
14
Vamos fazer aqui uma observação para explicar o porquê utilizei o termo religião para o candomblé
nessa dissertação. É necessário que haja o entendimento e a compreensão de que o candomblé não é
uma “seita”. Esse termo define um grupo de dissidentes que rompeu com uma religião na tentativa de
criar outra. A seita caracteriza-se como uma facção minoritária necessitada de mudar as doutrinas
originais da religião da qual fazia parte, assimilando características de outras religiões, tentando assim,
conciliar em um só segmento várias doutrinar e diversos pensamentos. Isto não acontece com o
Candomblé, pois ele é a continuação de uma religião iniciada na África, sem ter renegado seus
fundamentos e doutrinas. O sentido de religião, de acordo com muitos seguidores, dentro do
Candomblé é o da confraternização do homem com suas divindades e desse com ele, não tendo o ser
humano receio de se relacionar diretamente com seus criadores.
95
mídia ou diretamente do poder monetário, o Candomblé vem se mantendo há séculos
graças à força e à garra de nossos ancestrais, e também de seus adeptos, mas,
primordialmente, ao grande poder de suas divindades. A palavra “Candomblé” foi
originada da nação Banto, vinda da palavra candombe, podendo ser traduzido como
“dança, batuque”. Essa palavra se refere às brincadeiras, festas, reuniões, festividades
profanas e também divinas dos negros, em seus momentos de folga nas senzalas onde
popularizavam-se. Posteriormente passou a dominar as liturgias que eles trouxeram de
sua terra natal. O termo Candomblé se modificou e se secularizou na religião africana
que floresceu no Brasil. (KILEUY; OXAGUIÃ, 2014) Além desta, existem outras
interpretações etimológicas, no entanto a que é utilizada para esse insumo é a descrita a
cima.
De Acordo com Mãe Nalva D’Oxum, durante a passagem de ensinamentos que
recebi quando fazia parte de seu terreiro, a religião carrega muito a ancestralidade e o
respeito a natureza e aos mais velhos, o Candomblé possui muitos simbolismos e
representações que ajudam a compreender o passado e também a discernir melhor as
verdades e mentiras, permitindo assim definir considerações. Na religião dos Orixás
nada se inventa ou se cria, só se aprende e se aprimora, conhecimentos esses que são
conquistados com a prática do dia-a-dia, com o tempo, a humildade, o merecimento, a
inteligência e, principalmente, com a fé.
Dissertando com Campelo (2015) e Caputo (2012) certa semelhança entre o
Candomblé e a Umbanda, obtive o seguinte comentário que corrobora com a questão,
“apesar de terem certa semelhança, principalmente na nossa região, onde quase todos os
terreiros de Candomblé também praticam a Umbanda ou a Mina, o Candomblé não
pode ser chamado de “religião espírita”, de acordo com Alan Kardec. No espiritismo, o
relacionamento e a comunicação somente podem ser realizadas com os “espíritos”, que
são as almas daqueles que já se foram para um outro plano. No entanto, já para o
Candomblé, a interação com o divino é feita através dos diversos desdobramentos e
segmentações dos Orixás.”
O Candomblé, apesar das modificações ocorridas com o tempo em virtude da
urbanização, não sofreu mudanças muito profundas nem radicais em suas tradições,
seus dogmas e, principalmente, nos fundamentos deixados pelos ancestrais e mais
velhos. Suas adaptações foram mais pragmáticas, no sentido de ter que se fazer aceitar
em uma nova sociedade, procurando ambientar-se tanto as questões antrópicas quando
96
as religiosas. Necessitou adequar-se e buscar novos elementos a partir conseguisse
reconstruir todo seu enredo de relações litúrgicas. O Candomblé, no Brasil, se integrou,
adaptando-se e florescendo ainda mais, pois encontrou aqui uma biodiversidade rica e
exuberante e uma grande quantidade de elementos necessários a sua existência.
(CAMPELO, 2008)
O Candomblé surge em Belém como um grupo organizado, nos anos de 1970,
dividindo e reorganizando o campo afro-religioso e, é claro, trazendo temas novos: a
afirmação da identidade religiosa e o discurso da identidade e da cultura negra. Até
aquele momento, a identidade religiosa era legitimada pelo critério antiguidade, ou os
mais antigos ou aqueles que chegaram primeiro (LUCA, 1999). Havia, e ainda há um
discurso que justificava as perseguições e o preconceito pelo fato destas práticas
religiosas serem equiparadas a feitiçarias praticadas por pessoas de baixa renda. O fato
de serem práticas de origem africana é colocado como uma ideia de segunda mão. A
questão racial foi diluída durante anos na ideia do sincretismo e da mestiçagem e da
morenidade. Isto não quer dizer que não há racismo na cidade, pelo contrário, são
constantes denúncias na Delegacia de Crimes Raciais e a existência, na OAB, de uma
comissão que procura discutir a equidade racial e uma Coordenaria na Secretaria
Estadual de Educação (COPIR) encarregada de divulgar as culturas afro-brasileiras e
promover uma educação antirracista. Do mesmo modo, são constantes conflitos e atos
de intolerância religiosa envolvendo os praticantes de alguma modalidade de religião de
matriz africana. (CAMPELO, 2013)
A partir do final dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado, tendo como
pano de fundo o processo de redemocratização no país, alguns homens e mulheres
trazem para Belém, propostas de organização que pudesse combater o racismo que
sofriam. Entre várias escolhas e discussões apontam as religiões afro-brasileiras como
sendo privilegiadas, elegendo o Candomblé porta-voz. (IDEM, 2013)
O Candomblé foi introduzido em Belém por intermédio de dois movimentos: o
primeiro por iniciativa pessoal de alguns paraenses que foram à Salvador fazer o santo
e, o segundo, foi a importação de pais e mães de santo que vieram para região iniciar
filhos e acabaram instalando-se na cidade, passando a fazer parte da memória afroreligiosa na região (CAMPELO, 2001;2008;2009).
97
Esses candomblecistas eram praticantes de Linha de Cura (chamada pelos
pesquisadores de Pajelança), umbandistas (que surge na capital paraense por volta dos
anos 30) e mineiros (uma variação do Tambor de Mina presente na região desde o fim
do século XIX) foram buscar a feitura na Bahia. Suas narrativas remetem a outras
tradições e terreiros fora do Pará, como por exemplo: Bate-Folhas, Tumbajunçara,
Gantois, ou por pessoas específicas tais Manuel Rufino de Souza, Jirolando de Oliveira,
entre outros, tendo suas falas permeadas por nomes de pessoas desconhecidos até então
na história das religiões afro-paraenses. Mais recentemente outras casas foram abertas
em Belém através da formação das redes de famílias de santo. As novas lideranças
religiosas emergentes na cidade deixam aos poucos a invisibilidade e lutam para
consolidarem-se numa região onde tradicionalmente a Mina, a Umbanda e a Pajelança
são predominantes na cultura do lugar. (CAMPELO, 2013)
A história do Candomblé em Belém é, em parte, a história de vida desses
sacerdotes. Esse grupo é formado por pessoas que possuem uma memória seletiva e
qualitativa. A história do culto é contada com a preocupação em afirmar a legitimidade
candomblecista dos seus dois modelos ou nações: ketu e angola, e de seus sacerdotes, e
mais recentemente por grupos que se identificam como jejês. Prosseguem incorporando
um vasto relato sobre suas próprias vidas e emitindo opiniões sobre aqueles que
consideram importantes. (CAMPELO, 2008) A feitura é extremamente valorizada
mesmo que a pessoa já fosse um sacerdote reconhecido e com grande clientela em
Belém. No seu conjunto, essas pessoas construíram um discurso, que tem como marco
divisor do campo religioso paraense de um lado: ser feito, ou seja, iniciado em Salvador
ou pelos menos por um sacerdote baiano que tenha vindo para Belém com esta
finalidade. E de outro, a construção inicial de dois grupos de lideranças: ketu e o angola,
que procuram manter variações internas que marcam a construção de suas identidades,
contudo lutam por melhores condições para a realização de seus cultos e por políticas
públicas. (CAMPELO, 2013)
De acordo com Campelo e Luca (2007), existem três nações ou tipos de
candomblé na região amazônica: ketu (de origem ioruba, a qual pertence grande parte
dos terreiros brasileiros), Banto ou Angola (trazido pelos povos do Congo e de Angola;
nesta vertente, os deuses são chamados de nkisi) e jeje ou mina-jeje (oriundo das etnias
ewe, fon, mina, fanti e ashanti, do atual Benin; estes cultuam os voduns). O respeito ao
98
meio-ambiente, no entanto, é comum às três vertentes. “A nossa religião é ambiental,
nossos deuses gostam da água limpa, das folhas sadias, não gostam de poluição”, afirma
Mãe Nalva de Oxum.
Pensar em religião de matriz africana no estado do Pará é inegavelmente remeter
a dois tipos de cultos adentrados neste território em momentos históricos distintos; são
eles a Mina e o Candomblé. O primeiro precursor chegou a Belém em meados do século
XIX, enquanto o outro migrou, entre as décadas de cinquenta e setenta do século XX
(CAMPELO; LUCA, 2007)
De origem histórica mais antiga em terras paraenses, a Mina é uma vertente da
religião Afro trazida pelos escravos vindos do Daomé (República Popular do Benim)
para os estados do Maranhão e Pará. O termo Mina faz referência ao maior empório de
escravos sob domínio português; o Forte São Jorge de Elmina, situado na Costa do
Ouro, atual Gana, que exportava mão-de-obra negra para diversas partes do Brasil
(VERGOLINO; SILVA, 2003).
Tanto os “orixás” quanto os “voduns” representam forças da natureza, são
entidades máximas no que tange a hierarquia do panteão. Além deles citamos os
“nobres gentis nagôs” ou “senhores de toalha” que são os donos do poder, representados
pela nobreza europeia, principalmente de países cristãos. Esses personagens, de alguma
forma possuem relação com o processo de expansão marítima e com a colonização do
Brasil. Personagens hierarquicamente importantes, muitas vezes referidos como “os
brancos”, que tematizam, cada um ao seu modo, valores como o cristianismo,
lusitanismo, hierarquia e nobreza (CAMPELO; LUCA, 2007).
Cada orixá pode ser cultuado segundo distintas invocações, que no Pará são
conhecidas como qualidades ou caminhos, como por exemplo, pode-se cultuar uma
Yansã jovem e guerreira, nomeada Onira, e outra sábia madura, Yansã Igbalé, entre
tantas outras. Dessa forma, cada orixá pode se desdobrar em vários criando assim uma
grande diversidade de formas de cultuá-los, cada um com um conjunto singular de
orações, ritos, folhas, danças, cores, roupas, comidas, cujo sentido pode ser visto nas
lendas de suas origens.
Para as religiões de matriz africana homens e mulheres descendem dos orixás
não tendo, pois, uma origem única e comum, como no cristianismo. Cada pessoa herda
do orixá de quem descende suas marcas e características, propensões e desejos, tudo
99
como está relatado em seus mitos. Os orixás em conflitos uns contra os outros,
defendem seus territórios e seus descendentes, valendo-se de todos os artifícios e
artimanhas da intriga dissimulada à guerra aberta e sangrenta, da conquista amorosa a
traição (PRANDI, 2001).
Os orixás alegram-se e sofrem, vencem e perdem, amam e odeiam, ou seja, os
humanos possuem suas mesmas capacidades de lidar com os sentimentos e desejos e de
viver em sociedade, comprovando assim a ideia de que são copias muito tênues dos
orixás dos quais tem origem.
Não podemos deixar de citar os “cabocos” que “são encantados e não espíritos
de índios mortos” (VERGOLINO; SILVA, 2003 pág 22), nem tampouco são todos
índios. Na verdade os “cabocos” representam o filão mestiço do panteão mineiro. Tratase do não branco, como os “juremeiros” (índios), “mouro”, “codoense” e “bandeirante”.
Organizam-se em famílias que também podem possuir nobres, geralmente “não tão
nobres” quanto os “senhores de toalha”, ou sem as mesmas insígnias rituais
demarcadora de nobreza. Algumas casas também absorveram a imagem de “exu”
advinda da Umbanda. Um corpo de entidades que representam o povo da rua e
formados por prostitutas, ladrões, ciganas, malandros que são devidamente
representados (CAMPELO; LUCA, 2007).
O Candomblé não teve uma entrada harmoniosa em Belém, pelo contrário, a
busca por esta modalidade é uma estratégia trazida na busca pela legitimação. Alguns
iniciados optaram por tentar manter um culto mais africanizado, seguindo o modelo
baiano pureza; outros tentaram manter os dois cultos, retomando suas atividades
religiosas cotidianas como “mineiros” e festejando apenas o seu orixá. Esses só cultuam
seus orixás e fazem festas anualmente. Os “mineiros” que se misturaram passaram a ser
criticados pelos “candomblecistas” na medida em que “misturam” os dois rituais
criando o que chamam pejorativamente de “minomblé” (CAMPELO; LUCA, 2007).
A expansão do Candomblé é constatada então pela visibilidade de seus terreiros,
pela formação de uma cúpula e pela inserção numa rede social onde são possíveis as
trocas e as mediações dentro do campo religioso paraense. No processo de afirmação
das identidades afro religiosas, os candomblecistas são vistos como um bloco único cuja
ritualística está voltada para o culto dos orixás. A história do Candomblé na região
amazônica está intimamente ligada a história de um homem, o Sr. Astianax Gomes
100
Barreiro, mais conhecido como Prego, iniciado em 1952, em Salvador por Manuel
Rufino de Souza, no antigo bairro do Beiru, hoje Tancredo Neves, para o orixá
Oxumarê. Ele passou 10 anos vivendo entre Salvador e Rio de Janeiro e só retornou à
Belém em 1968, começando sua jornada na tentativa de implantar o novo culto. Não
logrou êxito, mas ganhou um lugar de destaque na memória religiosa de todo
candomblecista paraense tornando-se uma referência obrigatória à história desse
movimento religioso. (CAMPELO, 2013)
101
Capitulo III – Relacionando Conceitos com o Tema
Educação Ambiental: Histórico, Conceitos e Aplicações.
O ser humano está situado no mundo e com o mundo, dispõe de inteligência e
capacidade de refletir sobre ele, com o objetivo de transformá-lo por meio do trabalho e
de ações políticas. A participação do homem como sujeito na sociedade, na cultura e na
história se faz à medida que educado para conscientizar-se e assumir suas
responsabilidades de ser humano. Por conseguinte, de acordo com Freire (1981), o
homem é o objeto e o sujeito da educação, a qual é sempre um ato político
transformador. A educação ambiental é um componente essencial e permanente da
educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal.
Os últimos 40 anos foram pródigos em encontros, conferências, seminários
tratados e convenções voltados à temática ambiental e, no que indica a necessidade de
ações educacionais que contribuam para a construção de sociedades sustentáveis. Esse
quadro configura um grande desafio para construção de um Brasil sustentável,
entendido como um país socialmente justo e ambientalmente seguro.
Nota-se ainda um distanciamento entre a letra das leis e sua efetiva aplicação,
sobretudo no que se refere às dificuldades encontradas por políticas institucionais e
movimentos sociais voltadas a consolidação da cidadania entre segmentos sociais
excluídos com efeito, diante da constatação da necessidade de edificação dos pilares
das sociedades sustentáveis, os sistemas
sociais atualizam-se para incorporar a
dimensão ambiental em suas respectivas especificidades
fornecendo os meios
adequados para efetuar a transição societária em direção à sustentabilidade.
Assim,
o
sistema
jurídico
cria
um
direito
ambiental,
o
ambiente
acadêmico/científico desenvolve uma ciências complexa, o sistema tecnológico cria
uma tecnologia coeficiente, o sistema econômico potencializa uma econômica
ecológica, o sistema político oferece uma política verde, mesmo sendo mera ficção, e o
sistema educativo fornece uma educação ambiental, cabe assim, a cada um dos sistemas
sócias o desenvolvimento de funções de acordo com as suas atribuições especificas,
102
respondendo as múltiplas dimensões da sustentabilidade, buscando
superar os
obstáculos da exclusão social e da má distribuição da riqueza produzida no pais.
É preciso ainda garantir o efetivo controle e a participação social na formulação
e execução de políticas públicas, de forma que a dimensão ambiental seja sempre
considerada junto a proposta de mudança cultural na sociedade, entende-se assim, que
são necessárias mudanças nos desejos e formas de olhar a realidade, nas utopias e nas
necessidades materiais e simbólicas, nos padrões de produção e consumo, laser e
religiosidade.
De acordo com a Lei 9795/99 o Programa Nacional de Educação Ambiental –
PRONEA surge com o objetivo de desenvolver o enraizamento de uma cultura de
respeito e de valorização da diversidade e da identidade do ser humano, de ser
brasileiro, de ser do município x, da raça z do gênero y, da classe social w de ser
diferente e gostar disto, sem deixar de lutar para superar aquelas diferenças que
incomodam e oprimem, mas valorizando o outro em suas especificidades e com ele
dialogando no sentido de trabalhar os conflitos, visando não a sua supressão, mais ao
seu equacionamento democrático.
Ou seja, promover a articulação das ações educativas voltadas ás atividades de
proteção, recuperação e melhoria socioambiental, e de potencializar a função da
educação com relação as diferentes culturas e classes sócias, resgatando-as e
valorizando esse patrimônio, nesse cenário que se insere a educação ambiental no
planejamento estratégico do governo federal do país.
Apesar da literatura registrar que já se ouvia falar em educação ambiental desde
meado da década de 60, o reconhecimento internacional se fez a partir de 1975 como
uma estratégia para se desenvolver sociedades sustentáveis, em Estocolmo, quando se
instituiu o programa internacional de educação ambiental.
Faz-se necessário mencionar que a educação ambiental surge no Brasil muito
antes da institucionalização no governo federal além de artigos de brasileiros ilustres e
de uma primeira legislação conservacionista já no século XIX e início do século XX,
temos a existência de um movimento conservacionista e, no início dos anos 70, ocorre a
emergência de um ambientalismo que se une as lutas pelas liberdades democráticas, que
manifestam através de ação isolada de professores, estudantes e escolas, por meio de
pequenas ações de organizações da sociedade civil ou mesmo de prefeituras municipais
103
e governos estaduais com atividades educacionais relacionados, também surgem os
primeiros cursos de especialização em educação ambiental.
A extinta SEMA (Secretaria de Meio Ambiente) deu ainda início a projetos de
educação ambiental voltados para a inserção da temática ambiental nos currículos
escolares dos antigos 1ª e 2ª graus, na região norte. Outras iniciativas foram a realização
de seis cursos de especialização em educação ambiental e de cinco seminários sobre
universidade e meio ambiente, além da estruturação de uma rede de produção e
circulação de materiais educativos, envolvendo diversas publicações e audiovisuais
referentes á área ambiental.
Outro passo na institucionalização da educação ambiental foi dado com a
Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) que estabeleceu em 1981, no âmbito
legislativo, a necessidade de inclusão da educação ambiental em todos os níveis de
ensino, incluindo a educação da comunidade, objetivando a capacitá-la para a
participação ativa na defesa do meio ambiente, evidenciando a capilaridade que se
desejava imprimir a essa pratica pedagógica. Reforçando essa tendência, a constituição
federal, em 1988, estabeleceu, no inciso VI do artigo 225, a necessidade de “promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização publica para a
preservação do meio ambiente”.
Em 1991, a comissão interministerial para a preparação da conferencia das
nações unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento (ECO 92) considerou a
educação ambiental como um dos instrumentos da política ambiental brasileira. Ainda
em 1991, foram criadas duas instancias no poder executivo, destinadas a lidar
exclusivamente com esse aspecto: o grupo de trabalho de educação ambiental do MEC,
que
em 1993 se transformou na coordenação geral de educação ambiental
(COEA/MEC), e a divisão de educação ambiental do instituto brasileiro de meio
ambiente e dos recursos naturais renováveis (IBAMA), cujas competências
institucionais foram definidos no sentido de representar um marco para a
institucionalização da política de educação ambiental no âmbito do sistema nacional de
meio ambiente (SISNAMA).
No ano seguinte, em 1994, foi criado o ministério do meio ambiente (MMA), e
em julho desse mesmo ano, o IBAMA instituiu os núcleos de educação ambiental em
todas as suas superintendências estaduais, visando operacionalizar as nações educativas
104
no processo de gestão ambiental na esfera estadual como desdobramento da carta
brasileira para educação Ambiental, o MEC promoveu, em 1992, em Foz de Iguaçu, o I
encontro nacional de centros de educação ambiental (CEA), onde os coordenadores dos
centros já existentes e os técnicos das secretarias de educação debateram propostas
pedagógicas e recursos institucionais e apresentaram projetos e experiências em
educação ambiental. Em decorrência, o MEC passou a incentivar a implantação de
centros de educação ambiental como espaços de referência, visando a formação integral
do cidadão para interagir em diversos níveis e modalidades de ensino e introduzir
práticas de educação ambiental junto ás comunidades.
Com o intuito de criar instâncias de referência para a construção dos programas
estaduais de educação ambiental, o IBAMA e o MMA fomentaram a formação das
comissões interinstitucionais de educação ambiental. O auxílio à elaboração dos
programas dos estados foi, mais tarde, prestado pelo MMA. Pode-se citar, entre os
desdobramentos, a criação dos programas de Rondônia, em 1995, de Tocantins e do
Acre, em 1996, do Pará, em 1998 e do Amapá, em 2000, bem como a expansão da
iniciativa a outros acordos internacionais assumidos com a Conferência do Rio, foi
criado, pela presidência da república, o programa nacional de educação ambiental
(PRONEA), compartilhado pelo então ministério do meio ambiente, dos recursos
hídricos e da Amazônia legal e pelo ministério da ciência e tecnologia.
O PRONEA foi executado pela Coordenação de educação ambiental do MEC e
pelos setores correspondentes do MMA/IBAMA, responsáveis pelas ações estados. Em
dezembro de 1994, em função da Constituição Federal de 1988 e dos compromissos
internacionais assumidos na Conferência do Rio (Eco92), foi criado o grupo de trabalho
de educação ambiental, visando a cooperação técnica e institucional em educação
ambiental, configurando-se num canal formal para o desenvolvimento de ações
conjuntas.
Durante a 1ª conferencia de Educação Ambiental, realizada em Brasília, foi
produzido o documento “Carta de Brasília para a Educação Ambiental “, contendo
cinco áreas temáticas:
1. Educação Ambiental e as vertentes do desenvolvimento sustentável
2. Educação Ambiental formal: papel, desafios, metodologias e capacitação
3. Educação no processo de gestão ambiental: metodologia e capacitação
105
4. Educação Ambiental e as Políticas Públicas: PRONEA, políticas de recursos
hídricos, urbanos, agricultura, cultura, ciências e tecnologia
5. Educação
Ambiental
ética,
formação
da
cidadania
nos
processos
educacionais, comunicação e informação da sociedade.
Em 2004, a mudança ministerial e a consequente criação da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), permitiu um maior
enraizamento no MEC e junto ás redes estaduais e municipais de ensino, passando a
atuar de forma integrada a áreas de diversidade, educação escolar indígena, educação no
campo e Quilombola, conferindo assim maior visibilidade á educação ambiental e
oportunizando sua vocação de transversalidade e interdisciplinaridade.
Segundo o PRONEA, a educação ambiental através do MEC é trabalhada, ou
pelo menos deveria ser, em todos os níveis de ensino formal, mantendo ações de
formação continuada de 32 mil professores e 32 mil alunos do ensino fundamental por
meio do programa “Vamos cuidar do Brasil com as a escolas”, que deu continuidade ao
processo de conferência nacional infanto-juvenil pelo meio ambiente, como parte de
uma visão sistêmica de educação ambiental.
O fortalecimento da educação ambiental no ensino público superior se dá por
meio de pesquisas em parceria com a rede universitária de programas de educação
ambiental (RUPEA) na proposta de criação de uma política de educação e pesquisa em
educação (ANPED) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, que desenvolve o projeto “O que fazem as escolas que fazem educação
ambiental? Conhecendo os caminhos da educação ambiental nas escolas do ensino
fundamental a parti do censo escolar”.
Compete ao poder Público, nos termos dos Arts 205 e 225 da Constituição
Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na
conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; às instituições educativas,
promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que
desenvolvem aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de
conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; aos meios de comunicação de
massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e
106
práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua
programação às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas,
promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e
ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do
processo produtivo no meio ambiente; À sociedade como um todo, manter atenção
permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação
individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas
ambientais.
São princípios básicos da educação ambiental a concepção do meio ambiente em
sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico
e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade, do pluralismo de ideias e concepções
pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinariedade; a vinculação entre a
ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; a garantia de continuidade e
permanência do processo educativo a permanente avaliação crítica do processo
educativo a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e
globais o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
São objetivos fundamentais da educação ambiental o desenvolvimento de uma
compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações,
envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos,
científicos, culturais e éticos a garantia de democratização das informações ambientais o
estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e
social o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na
preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade
ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania, o estímulo à
cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com
vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos
princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social,
responsabilidade e sustentabilidade o fomento e o fortalecimento da integração com a
ciência e a tecnologia o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e
solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade.
Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental, de acordo
com a Lei 9795/99, serão respeitados os princípios e objetivos fixados por esta Lei. A
capacitação de recursos humanos voltar-se-á para a incorporação da dimensão ambiental
107
na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e
modalidades de ensino a incorporação da dimensão ambiental na formação,
especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas a preparação de
profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental, a produção de material
educativo da Educação Ambiental no Ensino Formal, entende-se por educação
ambiental na educação escolar a desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições
de ensino públicas e privadas, englobando educação básica, educação infantil e ensino
fundamental, ensino médio, educação superior e educação especial.
A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada,
contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. A educação
ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.
Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da
educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina.
Segundo Pelicioni e Philippi Jr (2002), a educação ambiental (EA) é um
processo de educação política que possibilita aquisição de conhecimentos e habilidades,
bem como a formação de atitudes que se transforma necessariamente em práticas de
cidadania que garantam uma sociedade sustentável.
Em razão da complexidade da questão ambiental, surge a necessidade de que os
processos educativos venham a dar condições para que as pessoas desenvolvam
conhecimentos, habilidades e atitudes podendo dessa forma intervir de forma
significativa nos processos decisórios.
A EA nos seus aspectos de educação política visa à participação do cidadão na
busca de alternativas e soluções aos graves problemas ambientais locais, regionais e
globais. Ela não deve perder de vista os inúmeros e complexos desafios políticos,
ecológicos, sociais, econômicos e culturais que tem pela frente, seja no momento
presente, seja no futuro, sob uma visão de médio e longo prazo. Os aspectos políticos de
educação ambiental envolvem o campo da autonomia, da cidadania e da justiça social,
cuja importância às transforma em metas que não podem ser conquistadas no futuro
distante, mas devem ser construídas no cotidiano das relações afetivas, educacionais e
sociais (REIGOTA, 1997).
108
A UNESCO tem considerado como uma das características mais importantes da
educação ambiental a resolução de problemas ambientais locais como elemento
aglutinador na construção da sociedade sustentável.
De acordo com Layrargues (1999), a promoção da educação ambiental por meio
da resolução de problemas locais, carrega um valor altamente positivo, pois foge da
tendência desmobilizadora da percepção de problemas globais, distantes da realidade
local, e parte do princípio de que é indispensável que o cidadão participe da organização
e gestão de seu ambiente e objetivos de vida cotidiana.
Segundo Castro e Canhedo Jr. (2005), cabe à EA como processo político
pedagógico, formar para o exercício da cidadania, desenvolvendo conhecimento
interdisciplinar baseado em uma visão integral de mundo, permitindo que cada
indivíduo investigue, reflita e aja sobre efeitos e causas dos problemas ambientais que
afetam a qualidade de vida e a saúde da população. A interdisciplinaridade visa a
superação da fragmentação dos diferentes campos do conhecimento, buscando campos
de convergência e propiciando a relação entre os vários saberes.
A EA permite principalmente, que o indivíduo, como membro de um fórum, no
conselho de meio ambiente e a coletividade disponham de instrumentos que lhes
possibilitem compreender a complexidade do meio ambiente não apenas dos seus
aspectos biológicos e físicos, mas, ainda, dos sociais, econômicos e culturais. A
resultante desse processo deverá ser além da aquisição de conhecimentos, habilidades e
valores, a mudança de comportamento por meio da participação responsável, ou seja, da
pratica de preservação e solução dos problemas ambientais, mediante a gestão acertada
da qualidade do meio ambiente (CASTRO e GEISER, 2000).
Em 1999, foi promulgada a Lei no 9.795, que dispõe sobre a educação ambiental
e institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). A seguir a definição de
EA segundo a Lei:
Art. 1o – Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
individuo e a coletividade constrói valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes
e competências voltadas para a conservação/preservação do meio ambiente, bem de uso
comum do povo, essencial a sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
109
É importante levar em consideração a apropriação do conhecimento cientifico
que foi sendo acumulado no decorrer da história, assim como utilizar a grande variedade
de métodos e técnicas de acordo com os objetivos que se pretende alcançar. Nesse
processo deve-se priorizar métodos ativos da consecução dos objetivos dos níveis
cognitivos, afetivos e técnicos, já que a educação ambiental precisa estar voltada para a
compreensão e a solução dos problemas, preparando as pessoas para uma analise
reflexiva e crítica sobre eles, para tomadas de decisões e para participação (CASTRO e
CANHEDO JR. 2005).
A elaboração de programas de educação para o ambiente e a forma de se leválos ao público deve considerar as características desse público a que são dirigidos, sendo
necessário que se adaptem a suas particularidades. A interpretação ambiental atende a
esses requisitos. Ela é uma técnica didática, flexível e moldável as mais diversas
situações, que busca esclarecer os fenômenos da natureza para determinado público
alvo, em linguagem adequada e acessível, utilizando os mais variados meios auxiliares
para tal. A interpretação procura promover neste público o renascimento do sentimento
de pertinência à natureza, através da sua transformação íntima em relação aos recursos
naturais, da sua compreensão e de seu entendimento, na esperança de gerar seu
interesse, sua consideração e seu respeito pela natureza e, consequentemente, pela vida.
A interpretação ambiental é uma atividade educacional que trata de revelar
significados e relações através do uso de objetos originais, pela experiência direta e por
meios ilustrativos e não simplesmente comunicar informação atual (TILDEN, 1982).
Outra definição para interpretação ambiental é a dada por Silva (1988), que expressa a
interpretação ambiental como a arte de explicar o lugar do homem em seu meio, para
aumentar a consciência do visitante ou público sobre a importância desta relação e
despertar um desejo de contribuir para a conservação ambiental.
Através dos Programas de Educação/Interpretação Ambiental, poderão ser
minimizados os conflitos de interesse, com a participação da comunidade na
conservação da área e seu entorno, passando a ser compreendida e defendida por
indivíduos ecologicamente conscientizados, tornando-se uma maneira efetiva de
fortalecê-la e torná-la sustentável. Para o desenvolvimento das possibilidades
interpretativas podem ser utilizados vários meios com diversificados métodos e
técnicas. Entre alguns destes meios tem-se o centro de visitantes, o quiosque de
110
informações, pequenos museus, exposições marginais, painéis descritivos, letreiros e/ou
trilhas interpretativas.
A Interpretação Ambiental oferece alternativas que facilitam a conexão das
pessoas com o lugar e quando bem planejadas e praticadas, se tornam um eficaz
instrumento para o plano de manejo, contribuindo para seu fortalecimento. Porém, não
existem fórmulas prontas para a adequação dos programas educativo-interpretativos; as
orientações existentes auxiliam muito nas tomadas de decisão, que cada local deve
adequar-se, conforme suas necessidades (TONIN, 2007).
Assim, a educação ambiental deve se pautar por uma abordagem sistêmica,
capaz de integra os múltiplos aspectos da problemática ambiental contemporânea, essa
abordagem deve reconhecer o conjunto das inter-relações e as múltiplas determinações
dinâmicas entre os âmbitos natural, cultural, histórico, social, econômico e político.
Mais que essa abordagem sistêmica, a educação ambiental exige uma perspectiva da
complexidade, que leva em consideração que no mundo há distintas interações de
ambientes e realidades onde se constroem diferentes olhares decorrentes das diferentes
culturas e trajetórias individuais e coletivas.
Aqui então tendo sido explicado o que é e como funciona a Educação
Ambiental, partiremos para as concepções didáticas e pedagógicas das concepções
ambientais do candomblé vistas pela Lei 10639/03 e a sua possível aplicabilidade junta
a educação ambiental no ensino superior.
O ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira através da
Lei 10.639, uma análise prática.
A Lei 10.639/2003 instituiu que todos os estabelecimentos de ensino, públicos e
particulares, devem ter, como conteúdos obrigatórios e trabalhados de forma transversal
em seu currículo, o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, com o intuito
de possibilitar aos estudantes o aceso à história e à contribuição que as sociedades
africanas deram para a formação da população brasileira.
Nos últimos anos, o debate, o questionamento e a valorização da diversidade
étnico-racial brasileira decorrentes das ações e de iniciativas do movimento negro e de
intelectuais comprometidos com a busca da implementação dessa lei trouxeram um
111
importante desafio à educação em nosso país: o de abordar de forma adequada e através
de práticas interdisciplinares a história e a cultura provenientes do continente africano.
Docentes de todos os componentes curriculares, inclusive das áreas das ciências
ambientais, passam a se questionar sobre as formas concretas de promoção do ensino.
Uma série de questionamentos vem sendo levantada pelos educadores no ambiente de
ensino sobre como abordar as práticas para a implementação da Lei 10.639/03. Dentre
eles, os mais frequentes são: por que ensinar história e cultura africana e afro-brasileira?
Por que é obrigatório? Como fazer isso se, de forma geral, os profissionais envolvidos
não possuem capacitação para tal ação?
Tornam-se necessárias ações que desenvolvam novos caminhos para essa
implementação de forma sistemática e efetiva nas diversas áreas do currículo, como nas
disciplinas de Cultura Étnico Racial, Políticas Educacionais e Educação Ambiental.
Uma abordagem de ensino que considere práticas culturais de origem africana e afrobrasileira poderia contribuir para que os discentes passassem a conhecer e respeitar a
diversidade étnico-racial do povo brasileiro e, ao mesmo tempo, aprender os conteúdos
das disciplinas sobre uma nova perspectiva de conhecimento não etnocentrado. Para
tanto, é preciso que os estudantes, assim como seus mestres, vivenciem processos
educativos orientados por valores das populações tradicionais africanas e afrobrasileiras.
A transmissão oral de conhecimentos seculares e a relação direta da cultura afro
com a natureza são um dos importantes patrimônios da cultura imaterial de origem
africana que podem contribuir diretamente com esses processos educativos. Diante
dessa forma de transmissão de cultura e de educação, tais como contos, provérbios,
histórias, fábulas, mitos e lendas de matriz africana e afro-brasileira, são abordados
elementos como a origem da vida, os fenômenos naturais e atmosféricos, os animais, as
plantas e a etnobotânica, as relações entre formas vivas, à saúde e a agricultura, a
ancestralidade, as relações inter e intra sociais, a oralidade os quais são objetos de
estudo das ciências como um todo e que podem ser pedagogicamente trabalhados nessa
contextualização.
Dessa forma, o docente pode se valer de tais fenômenos e temáticas que serão
estudados, estimulando seus estudantes a se apropriarem de conteúdo do âmbito das
disciplinas pela perspectiva cultural africana e afro-brasileira, o que provavelmente irá
112
ampliar suas possibilidades de aprendizagem. O desafio de ensinar conhecimentos
tradicionais de matriz africana e afro-brasileira no ensino superior, assim como nos
demais componentes curriculares, tem papel importante na promoção de relações
sociais e na construção de uma identidade cidadã.
Verrangia (2010) nos dá a luz para o esclarecimento desse desafio quando nos
diz que produzir convívio e respeito entre as dimensões “científica” e “tradicional” de
nossa herança cultural requer que sejam apresentadas e discutidas, nas disciplinas,
diferenças e semelhanças entre elas. Aprender sobre o conhecimento tradicional pode
ajudar a aprender sobre o sentido, os objetivos e as práticas da vida profissional.
Com base nas ideias de Verrangia, abro caminhos para essa discussão nas
atividades que exerço como professor nos cursos de Licenciatura em Biologia,
Licenciatura em Letras – Habilitação em Inglês e no Mestrado em Ciências da
Educação nos municípios de Soure (Ilha do Marajó) e Belém, ambos no estado do Pará,
abordando questões que compõem o universo das africanidades que se referem às raízes
da cultura brasileira, a qual tem origem africana. Segundo Silva e Gonçalves (2003), são
os modos de como viver, de organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros, às
marcas da cultura africana que, independente da origem étnica, fazem parte do
cotidiano.
Novas metodologias educacionais no ensino superior e a construção de uma
educação antirracista são resultados do desenvolvimento de novos dispositivos
pedagógicos que somados as ações e os estudos produzidos por intelectuais que já vêm
desenvolvendo experiências sistemáticas para a implementação da Lei 10.639/03
resultam na perspectiva das estratégias já desenvolvidas durante décadas pelo
movimento negro brasileiro, que, no decorrer de todo o período pós-abolição aos dias
atuais, exige do Estado brasileiro a reparação às atrocidades realizadas através do
escravismo criminoso, na tentativa de corrigi-las através das políticas de ações
afirmativas.
Nesse viés, essas políticas se propõem à exposição e à produção de
conhecimentos antirracistas que sejam capazes de conduzir à essa reeducação das
relações entre grupos sociais diferentes, à procura do reconhecimento e da valorização
da história, da cultura e das identidades negras, condições essenciais e indispensáveis
para uma educação de qualidade em todos os níveis de ensino.
113
As políticas de ações afirmativas estimularam as diversas atuações que viriam a
ser desenvolvidas pelos governos federal, estadual e municipal nos anos seguintes a
homologação da Lei 10.639/03 e, posteriormente, o Governo Federal e o Ministério da
Educação, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação, no dia 17 de junho de
2004, homologam o parecer que dita as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana, abrindo caminhos para a fiscalização e a cobrança do movimento
negro das diversas ações que seriam desenvolvidas posteriormente.
De posse dessas ações e do caminho apontado pelo Parecer nº 01/2004, podemos
perceber em seu texto que, quando tange às políticas de reconhecimento e valorização
de ações afirmativas,
A demanda por reparações visa que o Estado e a sociedade tomem medidas
para ressarcir os descendentes de africanos negros dos danos psicológicos, materiais,
sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em
virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de
manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de
influir na formulação de políticas, no pós-abolição. (Parecer das Diretrizes
Curriculares, 2004, p. 3).
As novas pedagogias de combate ao racismo e a discriminações evidenciam
experiências de docentes em suas instituições na busca de elementos que ajudem a
empreender a construção de novos valores, desfazendo os equívocos sedimentados no
decorrer da história pelos livros didáticos e imaginários populares criados em torno da
figura da população negra, de sua cultura e religião.
Apontar novas temáticas no sentido de trabalhar relações étnico-raciais em sala
de aula e no ambiente acadêmico é de importância fundamental para reforçar a
identidade e a valorização da autoestima da população negra.
A cultura africana e afro-brasileira, presente no cotidiano do Brasil, se expressa
e é mantida, transformada nas manifestações histórico-culturais diretamente vinculadas
a visões do mundo de raiz africana, também chamadas de africanidades. Essas visões de
mundo estão enraizadas em jeitos de ser, viver, pensar e de construir existências
próprias do mundo africano – lembrando que o mundo africano inclui a diáspora. Dessa
forma, entende-se que, para pensar e ensinar cultura africana e afro-brasileira é preciso
compreender sua continuidade com conhecimentos e significações que começaram a ser
elaborados no continente africano milênios antes da chegada de povos colonizadores lá.
114
A ancestralidade está na base da história e das culturas de raiz africana. De
acordo com essa perspectiva, a conexão entre os afrodescendentes e o continente
africano é mais do que uma idealização, pois é por meio da diáspora que os
afrodescendentes mantêm conexão com o mundo africano. O ensino de dessa cultura no
nível superior, ao arcar com o compromisso de abordar adequadamente a diversidade
cultural brasileira, pode contribuir para valorizar a ancestralidade presente em formas de
ser africanas e afrodescendente. (VERRANGIA, 2010)
Ao analisarmos a legislação educacional vigente, percebe-se que essa
reeducação vai ao encontro das proposições mais gerais que circunscrevem o nível
superior de ensino e todos os componentes curriculares ao contexto de formação para a
cidadania. Assim, a lei 10.639 não coloca uma questão “nova” aos profissionais das
mais diversas áreas, mas sim torna mais evidentes e objetivas as intenções já presentes
na legislação em vigor antes de 2003, que se refere a uma formação para a cidadania.
Tributária da experiência tradicional africana, a ancestralidade converte-se em
categoria analítica para interpretar as várias esferas da vida do negro brasileiro. Eduardo
Oliveira (2007) mostra que a ancestralidade é retroalimentada pela tradição, ela é um
signo que perpassa as manifestações culturais dos negros no Brasil, desenvolvendo sua
dinâmica para qualquer grupo racial que queira assumir valores africanos. Passa, assim,
a configurar-se como uma epistemologia que permite conceber estruturas sociais
capazes de confrontar o modo único de organizar a vida e a produção no mundo
contemporâneo.
A Relação entre a Questão Ambiental, a Cultura Afro Religiosa e as
Práticas Pedagógicas.
Na sociedade contemporânea, falar da ancestralidade africana é necessário para
combater a perseguição religiosa contra as práticas tradicionais afro-brasileiras. As
perseguições são transformadas em medos e essas práticas são difundidas nos ambientes
educacionais e no imaginário popular. Devido às diversas formas de amedrontar, as
perseguições se reproduzem e a partir delas, criam-se tabus em se falar sobre as
religiões de base africana nos ambientes educacionais. Tratar com respeito não implica
aderi-las ou com elas pactuar: consiste em ser democrático e pluralista, respeitando
115
todas as formas de valores religiosos presentes na sociedade brasileira, assim como
dentro da sala de aula.
A escola não deve ser proselitista, não buscando abraçar nenhuma tradição
religiosa nem a conversão de novos adeptos às diversas religiões, mas sim atuar na
perspectiva de garantir um Estado laico e diverso. O Candomblé, assim como as demais
tradições religiosas de matriz africana, deve ser trabalhado na direção do esclarecimento
sobre a importância da cultura brasileira e africana, no sentido de combater os
preconceitos e o racismo contra a população negra e a sua cultura.
Segundo Oliveira (207) a cultura é o relacionamento das singularidades no plano
de imanência, concomitante aos valores produzidos no plano de transcendência. Para
aprender a ação de um povo, é preciso averiguar qual o conceito produzido pela ação
axiomática desse mesmo povo, ou seja, entender qual o sentido (ou os sentidos)
atribuído às ações dos sujeitos que produzem suas experiências e interpretações. Nese
contexto, venho a apontar um novo dispositivo pedagógico de combate ao racismo e às
discriminações evidentes em minha experiência em salas de aulas nas instituições de
ensino, na busca de elementos que ajudem a desenvolver a construção de novos valores,
desfazendo os equívocos sedimentados no decorrer da história pelos livros didáticos e
imaginários populares criados em torno da figura da população negra, sua cultura e
religião.
Apontar novas temáticas no sentido de trabalhar relações étnico-raciais em sala
de aula é de importância fundamental para reforçar a identidade e a valorização da
autoestima da população negra nos ambientes educacionais. Dessa forma, o ambiente
acadêmico/educacional não se configura apenas como um espaço de dominação e
controle, mas também como um espaço de luta, tendo de ser pensado como território
contestador, como lugar de diferentes grupos sociais, diferentes saberes e experiências
que, segundo Rodrigues (2004), serão instituídos e tomados como legítimos e
verdadeiros.
Evidenciamos isso muito bem à luz dos escritos de Botelho (2005), quando a
autora fala que a educação nos abre portas para buscar ações diversas, pensando em
uma inversão radical ao encontro de valores comunitários, de igualdade e de inclusão,
seja de raça, de credo ou de gênero. Sabemos que no terreiro está presente a herança
coletiva de várias tradições africanas, que são propagadas por meio de um processo
116
educativo baseado na transmissão oral de lendas e mitos conhecidos sobre os rituais, o
uso de folhas e objetos de culto.
Trivelato e Silva (2001) nos falam a respeito do ensino de Ciências e de
Educação Ambiental e da consolidação que vem exercendo em uma prática educativa
integrada, a qual pode ocorrer em diversos contextos, podendo oferecer uma
contribuição muito grande ao processo educativo em geral e à formação de cidadãos
mais conscientes do seu papel na sociedade, em relação ao meio ambiente e às
contribuições trazidas pelos africanos que aqui chegaram escravizados:
[.] a flora e a fauna brasileira apresentam um número enorme de espécimes vindos
do continente africano, estes vieram pela sua utilidade e por fazerem parte do acervo
civilizatório africano no qual se estruturou a sociedade brasileira. O Brasil, Colônia
Império, em seus aspectos tecnológicos, começa no continente africano e nos
conhecimentos trazidos pela mão de obra africana. Assim, é muito importante
termos conhecimento mínimo das tecnologias africanas desenvolvidas na história do
Brasil (CUNHA JR., 206, p. 10).
Com base nessas contribuições trazidas, adoto como minha referência geográfica
o continente africano, por um lado, e o território brasileiro africanizado, por outro. Por
isso é fundamental entender segundo Oliveira (2007), que a cultura de matriz africana é
o movimento da ancestralidade comum a esses territórios de referência. A
ancestralidade, inicialmente, seria o princípio que organiza o Candomblé e justifica
todos os princípios e valores caros ao povo-de-santo na dinâmica civilizatória africana.
Ela não é, como no início do século XX, uma relação de parentesco consanguíneo, mas
o principal elemento da cosmovisão africana no Brasil. Ela já não se refere às linhagens
de africanos e seus descendentes: a ancestralidade é um princípio regulador das práticas
e representações do povo-de-santo. Devido a isso, a ancestralidade tornou-se o principal
fundamento do Candomblé.
Assinalar os elementos presentes nessas interpretações é também traçar táticas
para a educação das relações étnico-raciais, que tem por alvo a formação de cidadãos,
pessoas empenhadas em promover condições de igualdade no exercício de direitos
sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver e pensar próprios aos diferentes
pertencimentos étnico-raciais e sociais. Ou seja, persegue o objetivo de desencadear
aprendizagens e ensinos em que se efetive a participação no espaço público.
Deve-se ter em vista que o conhecimento trazido pelos africanos a cultura
brasileira contemplava áreas como agricultura, mineração, metalurgia, tecelagem,
astronomia, matemática, botânica, medicina, dentre outras. Caminharei então no sentido
117
que concerne referência e articulação as relações étnico-raciais, a educação ambiental e
o ensino superior na perspectiva de dialogar com a ancestralidade africana e afrobrasileira presente nos muros dos terreiros, nas lendas, contos, mitos, na preservação
ambiental ensinada pelas religiões de matriz africana e nos diversos fenômenos
ambientais ligados à natureza dos Orixás. Tem-se a perspectiva de que no ambiente
acadêmico o multiculturalismo vem a assumir as lutas e esforços de resignificar os
estereótipos e as representações negativas que nomeiam como minorias (RODRIGUES,
2004).
Traçado brevemente esse o escopo, torna-se possível discutir a relação entre
religiões afro-brasileiras e a natureza. Comecemos ressaltando que essas religiões se
diferenciaram das religiões originalmente africanas já no momento da sua constituição.
Correspondendo a uma situação social na qual o negro estava impossibilitado de manter
as suas estruturas sociais (baseadas na linhagem, no clã e na tribo), as religiões negras
só se reproduziram parcialmente no Brasil, mesmo havendo certa tradicionalidade a
metodologia litúrgica trazida da África muita coisa foi mudada e adaptada à cultura
brasileira.
Como a religião dos orixás foi refeita no Brasil por africanos ou descendentes,
escravos ou livres, que, no século XIX, viviam nas grandes cidades costeiras,
ocupando-se em atividades urbanas, a preocupação com atividades agrícolas era
muito secundária, de sorte que os orixás do campo foram sendo esquecidos ou
tiveram sua importância e seus governos reorganizados (PRANDI, 2007, p. 5).
Em vista desse distanciamento gradual e parcial da natureza, muitas divindades
foram perdendo a característica animista e assumindo aspectos de pessoas divinas, cada
orixá com uma mitologia. No Brasil, cuja geografia era distinta da africana, alguns
orixás de rio, como Logum e Erinlé, ficaram restritos à caça, embora se faça referência,
também, a seus atributos de pescadores, especialmente no caso de Logum Edé. A
referência animista destas divindades foi sendo substituída por uma referência mais
personalista (PRANDI, 2005, p. 103).
Por exemplo, Iemanjá, divindade do rio Ogum, ganhou no Brasil, assim como
em Cuba, o patronato do mar, que na África pertencia a Olocum, enquanto os demais
orixás de rio deixaram de estar referidos a seus cursos d’água originais, ganhando novos
domínios, cabendo a Oxum o governo dos rios em geral e de todas as águas doces.
Espíritos das velhas árvores foram antropomorfizados; “iroco, que na África é
118
simplesmente o nome de uma grande árvore, no Brasil, transformou-se no orixá Iroco,
situando-se mais longe da natureza” (PRANDI, 2007, p. 5).
Conforme Gonçalves e colaboradores (2008), o processo de antropomorfização
das divindades parece ter modificado o caráter da natureza divinizada. Assim, Ogum
não é mais o ferro ou todos os metais, mas o dono deles; Iemanjá não é o mar, mas a
dona do mar, Oxum não é o rio, mas a dona das águas doces. Essa percepção acaba por
instituir uma dissociação entre o deus e a natureza, em diferentes nuances, tal como foi
mencionado por Rodrigues (2005) ao tratar da diferença entre o fetichismo e a idolatria.
De qualquer modo, o processo de antropomorfização opera uma separação entre
os orixás (senhores) e a natureza (vista agora como serva). Tal processo iniciara-se,
ainda, em território africano, com a expansão política de algumas comunidades e o
desenvolvimento cada vez maior das atividades como a manufatura, a metalurgia, etc.
No Brasil, as referências à natureza foram preservadas simbolicamente nos altares
(assentamentos) dos orixás e em muitos elementos rituais. Também a importância
atribuída às folhas serve para atestar a vinculação entre a ritualística das religiões afrobrasileiras e os elementos naturais:
(...) As plantas são utilizadas para lavar e sacralizar objetos, para purificar a cabeça e
o corpo dos sacerdotes nas etapas iniciáticas, para curar doenças e afastar males de
todas as origens. Mas, a folha ritual não é simplesmente a que está na natureza, mas
aquela que sofre o poder transformador operado pela intervenção de Ossaim, cujas
rezas e encantamentos proferidos pelo devoto propiciam a liberação do axé nelas
contido (PRANDI, 2005, p. 103).
A consciência ambiental é primordial para os seguidores e seguidoras dos
Orixás. A Cosmovisão Africana e Afro-Brasileira identifica os Orixás como sendo a
natureza, assim é natural que nos Candomblés, se aprenda a conservar e conviver a
natureza, tornando cada Ilê (templo), um polo de resistência aos descuidos com o Meio
Ambiente, e no qual, cada habitat ou elemento natural está relacionado a um Orixá, que
por sua vez, tem como uma de suas características, preservar o planeta com sua natureza
e a humanidade.
A Educação Ambiental segundo Trivelato e Silva (201) vem se consolidando
como prática educativa integrada, que pode ocorrer em diversos contextos, podendo
oferecer uma contribuição grande ao processo educativo em geral e à formação de
cidadãos mais conscientes do seu papel na sociedade, e, relação aos outros e ao meio
ambiente. Um pensamento que converge diretamente com as interações entre o
119
conhecimento ocidental e os conhecimentos tradicionais de matriz africana e afrobrasileira presentes nos mitos dos Orixás, mostrando uma estruturação consolidada para
a elaboração de atividades, sob a ótica cultural das populações tradicionais vindas de
África.
Nos ritos religiosos de matriz africana a utilização e a identificação com os
elementos da natureza são fundamentais. Sem natureza não há orixás. Como destaca
Prandi (2005), o candomblé conserva a ideia de que as plantas são fontes de axé, a força
vital sem a qual não existe vida ou movimento e sem a qual o culto não pode ser
realizado. “Kosi ewê Kosi orixá”, que pode ser traduzida por “não se pode cultuar
orixás sem usar as folhas”, resume bem a importância da natureza para o candomblé.
Todo o ritual exige a utilização de recursos provenientes da natureza, desde a
preparação da terra para a construção de um terreiro de candomblé, pois o solo é
sagrado, ele é quem dá a licença inicial para os ritos sacramentais do candomblé; até as
festividades periódicas que acontecem nos terreiros. Nos terreiros de candomblé esta
analogia entre natureza e religião, na qual estes elementos estão intimamente ligados,
constitui um terreno fértil ao processo de respeito e conservação ambiental (ARAÚJO,
2009)
Para que cada ecossistema tenha o seu representante responsável, o Ser Supremo
Olurum, designou cada divindade com um atributo para auxiliá-lo na grande obra de
perpetuação da humanidade. Dessa forma, as forças da natureza tornam-se reflexos das
emanações dos Orixás no planeta viabilizando o encontro do sagrado com o homem.
Preservar, cuidar e manter o meio natural, é condição fundamental para os seguidores
do Candomblé. Os ritos e rituais só acontecem e são feitos propiciados por meio de
folhas, banhos e elementos naturais consagrados aos Orixás. “Ewe Orixá, Orixá Ewe”.
O Candomblé possibilita aos seus participantes, leituras do mundo, das relações
humanas harmoniosas e de convivências igualitárias, em que todos podem viver com
autoconfiança, dignidade e respeito e, também, que se deve ter respeito pelo planeta que
os acolhe. Da mesma forma que os Iyaôs quando recolhidos para a sua iniciação,
passam pelos ciclos de morte e renascimento, é necessário renascer para novas ideias,
valores e culturas. É preciso que, os conhecimentos dos Quilombolas, do Povo de Santo,
das comunidades da floresta, de grupos que carregam o respeito à natureza, sejam
multiplicados, criando-se assim, uma “Rede de Consciência Ambiental”. A terra acolhe,
as águas curam e acalmam, as folhas carregam sabedoria. A natureza é dadivosa com a
120
humanidade. O que resta a todos, é exercitar o que se aprendeu. Como? Retribuindo (A
Gaxéta).
A educação ambiental é definida no Tratado de Educação Ambiental para a
Sociedade Sustentáveis, como um processo dinâmico em permanente construção, e que
é orientado por valores que promovem a transformação social. Neste tratado foram
definidos os três pilares da educação ambiental: sustentabilidade, complexidade, e
interdisciplinaridade. Esta nova proposta educacional encontra equivalência na
constituição e nas práticas do candomblé, que contribuem para a formação do sujeito
integral, ou seja, um sujeito ecologicamente consciente. Além desse fato, as bases
definidas no Tratado reforçam a interação homem-natureza existentes nos cultos afrobrasileiros, que contribuem para a formação de uma identidade cultural afro.
Seguir essa linha de pensamento a partir dos itans (lendas mitológicas dos
Orixás) é dialogar diretamente com os paradigmas atuais em cerne na sociedade, na
busca de ampliar o diálogo acerca de questões como ecologia, ecocidadania, meio
ambiente sustentável ou sustentabilidade, temáticas que exigem que o homem
estabeleça uma relação com a natureza não como uma presença intrusa ou destruidora,
mas um agente que pertence à teia de relações da vida social, natural e cultural que
interage com ela. Desta forma, a criação de uma mentalidade sustentável nas pessoas
passa, a princípio, pela criação de uma rede que seja capaz de fornecer a educação
ambiental necessária para o correto entendimento e a criação de uma cultura de
sustentabilidade que se espalhe por todas as camadas da sociedade.
Iniciar a formação de uma mentalidade sustentável e fornecer os conhecimentos
necessários para isso deve se iniciar desde a mais tenra infância fazendo assim com que
esses indivíduos consigam compreender os conceitos existentes por trás deste tema
importantíssimo. Isso permitirá que num futuro próximo, eles se transformem em
multiplicadores e, com o tempo, em profissionais conscientes e competentes para buscar
métodos e modelos de vida que garantam a sustentabilidade.
121
Capitulo IV – Resultados, Discussão e Conclusão
Segundo Santos (2008), a mãe natureza através dos orixás, repõe o equilíbrio da
ação humana junto à natureza na prática do culto. Durante os ritos, determina que as
imagens sejam lembradas cada vez em comunhão com a natureza. A natureza é o
espelho material do Orum, portanto a missão é cuidar dela em todos os seus aspectos. A
comunidade africana reunida encontra na sua estrutura os mecanismos motores
ancestrais. Lugar, sociedade, gestos e memória constituem uma só unidade. Mais, certos
números de fatos podem desvirtuar o processo. Com efeito, o negro, ao contrário do
branco, era arrancado à força de sua terra, transportado para um novo habitat, integrado
numa sociedade que não era a sua e onde se encontrava numa posição de subordinação
econômica e social impedindo a subsistência das estruturas sociais nativas. O medo se
impunha, mas a fé, a crença - o que se sabia - exigia ser expresso. Surgiram os cultos.
Da nação Jeje foi entrevistada a Yalorixá Rosalidia Sutelo (Oya Nyrolê), durante
a entrevista Mãe Rosa demonstrou possuir algum conhecimento sobre as questões
ambientais, pois a mesma possui filhos de santo que são acadêmicos e esses passam a
ela um pouco da noção das coisas, no entanto quando se aprofundou a conversa a nível
religioso, Mãe Rosa demonstrou possuir significativo conhecimento sobre a relação do
candomblé com a natureza, respondendo em quase todas as perguntas que a importância
de um meio ambiente equilibrado é total para o desenvolvimento da religião, pois os
orixás são a própria natureza.
Da nação Angola, foi entrevistada a Yalorixá Oneide Monteiro (Nangetu), com a
Mametu Nanjetu a entrevista foi muito interessante, pois por se tratar de uma religiosa
que entre todas as entrevistadas é a mais idosa, a mesma passou através da entrevista e
dos questionamentos informações baseadas em seu conhecimento empírico da religião,
ou seja, ela falou e respondeu as perguntas de maneira coloquial e sem nem um teor
científico, um exemplo disso foi quando indagada sobre o que vem a ser Educação
Ambiental de acordo com a religião, a mesma respondeu:
“É você não deixar sua casa, sua roça, o espaço aonde você vive, sujo e
maltratado. É cuidar de tudo aquilo que você usa e sabe que são os inkisses! É colher
122
uma folha para fazer um banho, mas pegar uma quantidade que não maltrate a planta e
a deixe continuar vivendo.”
Da nação Ketu, foi entrevistada a Yalorixá Virginia Lunalva (Iya Ominisaá), no
caso da Mãe Nalva a entrevista foi um pouco mais demorada, pois a mesma além de já
desenvolver projetos com a sua ONG Aciyomi, também é envolvida com uma série de
conselhos e grupos de trabalho que envolve as causas das Comunidades Tradicionais de
Terreiro, dessa forma trouxe um gama de conhecimentos não só sobre os fundamentos
da religião, mas também como a mesma se desenvolve atualmente. Para Mãe Nalva,
Educação Ambiental no candomblé é
“Todo aprendizado desenvolvido dentro dos Ilês (terreiros), é a educação
primaria que os iniciantes possuem, pois é através dessa educação que são passados os
valores que o candomblé desenvolve e assim desenvolvida a noção do respeito que se
deve ter pela natureza como um todo”.
Além disso, Mãe Nalva ressaltou que a forma de pensamento desenvolvido pela
noção de respeito do Candomblé pode ajudar na proteção do meio ambiente através da
passagem de valores que ocorre no cotidiano dos terreiros onde são desenvolvidos o
amor e o carinho que deve haver pelos orixás e através desses sentimentos incutidos nos
seguidores é desenvolvida a ideia de que se deve proteger o meio ambiente.
Completando a sua fala, Mãe Nalva afirma que por conta do desmatamento e do
crescimento desenfreado na cidade, hoje é muito mais difícil o acesso às folhas e ervas
(utilizadas nos cultos, benzimentos, banhos). O que antes era encontrado nas ruas, nas
matas, hoje tem que ser comprado (em casas especializadas, feiras livres… mas não são
frescas, geralmente secas) ou tem que ir muito longe para conseguir. E sempre precisa
pedir autorização para colher e atuar na mata, enfrentando a burocracia e a acusação de
que os ‘terreiros acabam com as matas’.
Ou seja, pelo importante papel que o meio ambiente representa para a
espiritualidade afro-brasileira, a religião deve ser responsável por estruturar a visão dos
adeptos e, em alguns casos, resultar em iniciativas no cotidiano dos rituais visando à
preservação. No candomblé entende-se, que a falência dos elementos naturais resulta
em falência espiritual e religiosa, o fim de tudo.
123
De maneira geral, todas as entrevistadas demonstraram possuir a noção de que o
meio ambiente está diretamente relacionado aos Orixás, ou seja, independente da nação
os Orixás são a própria Natureza e para desenvolver a religião é preciso haver um meio
ambiente equilibrado. Mãe Nalva destacou em sua fala:
“O culto aos orixás tem muita fundamentação capaz de responder às necessidades da
conservação ambiental, e até mesmo de desenvolvimento sustentável e educacional,
bem mais do que a forma capitalista desenvolvida atualmente”
A utilização dos recursos ambientais nas práticas religiosas do candomblé é de
forma equilibrada e sustentável. Cada elemento ou item utilizado nos rituais representa
um orixá: a terra, a água, as plantas, o raio, a chuva etc., todo o ciclo ecossistêmico é
considerado sagrado e ao fazer uso desses elementos, os iniciados recebem a energia
dos orixás, conservando e renovando a energia vital de si próprios e do meio, sendo que
a coleta do material utilizado é feita de forma consciente, uma forma de manejo
sustentável.
Banhos ritualísticos como os abôs e amacis, por exemplo, utilizam as folhas de
plantas sagradas no candomblé, como citado pela Mametu Nangetu, no momento da
coleta ao invés da planta em si são retiradas somente a quantidade necessária de folhas,
conservando desta forma, o princípio vital do recurso ambiental. Este manejo garante a
utilização do recurso em momentos diversos dos rituais. Este tipo de manuseio é
chamado de desenvolvimento sustentável, o que na cosmovisão africana, chama-se de
respeito. O culto aos orixás transmite uma coerência que é a de se relacionar com a
natureza, produzindo a prática da conservação, através do sentimento de pertencimento
a natureza e não o de posse.
Fazendo um contraponto entre as informações obtidas na pesquisa e o que vem a
ser conservação ambiental ou da natureza segundo o Vocabulário Básico de Recursos
Naturais e Meio Ambiente, que diz:
Utilização racional dos recursos naturais renováveis (ar, água, solo, flora e fauna) e
obtenção de rendimento máximo dos não renováveis (jazidas minerais), de modo a
produzir o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mantendo suas
potencialidades para satisfazer as necessidades das gerações futuras (IBGE, 2004,
p.84).
Pode-se perceber que o candomblé se encaixa nessa definição de utilização
racional dos recursos com vistas à conservação ambiental, visto que cada recurso
existente na natureza representa um orixá e que deve ser preservado para manter a
ligação com o divino e assegurar de alguma forma a subsistência no planeta.
124
De forma geral e de acordo com a ideia passada pelas entrevistas, todos os orixás
estão intimamente ligados ao meio ambiente, e à medida que se destrói um elemento da
natureza, causa-se uma reação em cadeia que pode ser considerada como uma
penalidade dos orixás por tal degradação. Dessa forma, é correto pensar na possibilidade
de conhecer os princípios éticos e filosóficos do candomblé para fundamentar uma
educação ambiental que contribua para a formação de uma consciência ambiental. Para
BOTELHO (2008, p.214), esta formação “além de promover o respeito por uma prática
sócio-religiosa herdada pelos negros e negras africanos e afro-brasileiras (as), ainda
pode facilitar aos educadores uma ação pedagógica mais solidária em relação ao meio
ambiente”.
Outro fator muito citado nas entrevistas é a questão da sustentabilidade que além
de ser de grande importância ambiental também se caracteriza por um grande desafio,
pois, há a necessidade de utilizar os recursos ambientais de forma racional, para LEFF
(2001, p.15) ela surge no contexto da globalização como marca de uma transformação
de pensamento e sinal que reorienta o processo civilizatório da humanidade. Melhor
definida durante a Eco-92, a sustentabilidade, é o reconhecimento da função primordial
da natureza, que vem a ser a manutenção da vida. A correta utilização dos recursos
naturais, com garantia do manejo e conservação, são práticas do candomblé para que
estes possam ser utilizados por gerações futuras nos seus rituais e possam manter o
próprio orixá em seu princípio vital. Afinal, este princípio rege não só os princípios e
fundamentos da religião como também a vida dos seres humanos pois é da natureza que
é retirado todo o sustento da humanidade.
Empregando três principais conceitos: Sustentabilidade, Interdisciplinaridade e
Complexidade, a educação ambiental deve ser refletida como um processo de
transformação que promoverá uma reforma no pensamento, para assim incorporarmos,
de fato, os valores ambientais tidos no candomblé. A educação é a principal ferramenta
de mudanças e transformações de valores culturais, sociais, econômicos e éticos, através
da assimilação subjetiva de saberes e produção de significados.
Segundo LEFF (2002), a interdisciplinaridade é necessária para a análise critica
da discussão dos efeitos gerados pela convergência dos fenômenos naturais, fatores
tecnológicos, de mecanismos econômicos e de condições políticas e institucionais sobre
a problemática ambiental. Dessa forma, cada área pode apreender, a partir de suas
especificidades, os aspectos mais significativos que ressaltam essa problemática,
125
colaborando com conhecimentos úteis, para elaboração de novas ideias sobre as
diferentes questões e problemas ambientais.
Dentro da visão apresentada pelas entrevistadas podemos ressaltar que o
conhecimento trazido por elas pela religião encaixa-se perfeitamente no que Carvalho
(2008) diz quando afirma que a educação ambiental é um “campo de interações entre a
cultura, a sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os
termos dessa relação se modificam dinâmica e mutuamente,” e dessa forma não pode
ser visto de maneira separada. Cultura e natureza são indissociáveis e levando em
consideração, por exemplo, as Comunidades Tradicionais, que desenvolvem suas
culturas de acordo com a Biodiversidade presente no seu território, na constituição dos
cultos do candomblé elas são os elementos primordiais da construção da identidade
cultural do povo de santo brasileiro.
Desta forma, as práticas desenvolvidas pelo candomblé e a educação ambiental
são o resultado de dois fatores: a complexidade do processo educativo presente na
religião e a complexidade da teoria ecossistêmica relacionada de forma empírica aos
orixás, onde se ambas forem analisadas pelo prisma pedagógico ambiental, resultaram
em uma interessante concepção dita por LEFF (2002), quando sugere que essa
complexidade
“é o ato de apreender o mundo, como parte do próprio ser de cada sujeito” [...] e de
contemplar o mundo como potência e possibilidade, entendendo a realidade como
construção social mobilizada por valores, interesses e utopias e, mais, “um processo
dialógico que desdobra toda a racionalidade comunicativa construída sobre a base de
um possível consenso de sentido de valores”.
Apresentarei a seguir itans do Orixá Ossaim, que vem a ser na natureza a energia
mágico/curativa das folhas e por isso divinizado na forma do senhor das folhas e dos
remédios. Seu interesse pela ciência tornou-o um solitário desde que desceu do Orum (o
céu ioruba). Embrenhou-se pelas florestas e vive para descobrir e se apoderar dos
segredos mágicos das folhas. Alguns mitos dizem que Ossaim aprendeu os segredos das
folhas com Aroni, uma espécie de gnomo africano, que tem uma perna só, e com os
pássaros. Ossaim recusa-se a cortar as ervas miraculosas, pois:
[.] era o nome de um escravo que foi vendido a Orumilá. Um dia ele foi a floresta e
lá conheceu Aroni, que sabia tudo sobre as plantas. Aroni, o gnomo de uma perna só
ficou amigo de Ossain e ensinou-lhe todo o segredo das ervas. Um dia, Orumilá,
desejoso de fazer uma grande plantação, ordenou a Ossain que roçasse o mato de
suas terras. Diante de uma planta que curava dores, Ossain exclamava: “Esta não
pode ser cortada, é a erva que cura as dores”. Diante de uma planta que curava
hemorragias, dizia: “Esta estanca o sangue, não deve ser cortada”. Em frente de uma
126
planta que curava a febre, dizia: “Esta também não, porque refresca o corpo”. E
assim por diante. Orumilá, que era um babalaô muito procurado por doentes,
interessou-se então pelo poder curativo das plantas e ordenou que Ossain ficasse
junto dele nos momentos de consulta, que o ajudasse a curar os enfermos com o uso
das ervas miraculosas. E assim Ossain ajudava Orumilá a receitar e acabou
conhecido como o grande médico que é. (PRANDI, 201, p.152).
A folha tem uma importância vital para o povo do santo, sem ela é impossível
realizar qualquer ritual, todas as folhas possuem poder, mas algumas têm finalidades
específicas. O seu uso deve ser estritamente recomendado pelo Babalorixá ou em
comum acordo com o Babalossaim (sacerdote conhecedor da ação, reação e
consequência do poder das folhas), pois só estes sabem a polaridade energética,
"positiva ou negativa" de cada uma delas e a necessidade de cada indivíduo. Para sua
utilização nos ritos, deve- se saber as Sasanha (cânticos específicos para folha) e o Ofó
(palavras sagradas) que despertam seu asé.
O itan de Ossain abriu caminhos para a construção de uma identidade ecocidadã,
de forma que concebi possibilidades de trabalho com a temática ambiental em sala de
aula, como abordar a importância das ervas e plantas medicinais explorando seus
princípios ativos e o desenvolvimento de novos medicamentos a partir do conhecimento
afro- brasileiros e ameríndios. Como esses princípios podem ser utilizados pela
indústria farmacêutica ou podem ser substituídos pelo uso da medicina popular? Outro
tema relacionado que foi possível de se explanar foi a Ecocidadania e a preservação
ambiental da flora e fauna local, através da construção de uma identidade sustentável
nas comunidades. Outro assunto relacionado ao Itan poderia ser as relações tróficas nos
ecossistemas, assim como as estratégias de vida. Partindo para uma vertente mais
socioambiental poderia expor sobre a agricultura sustentável, esgotamento do solo e
adubação, rotação de cultura e desertificação, extrativismo e manejo adequado de
culturas agrícolas e de florestas, fertilidade do solo, os nutrientes do solo, desequilíbrio
do solo e desmatamento. Como o solo sustenta a vida. Os tipos de solo brasileiro e
africanos. O papel das plantas, respiração das plantas e clorofila. A importância da
fotossíntese. Preservação ambiental e qualidade de vida. A construção de uma horta
medicinal. Entre tantos outros assuntos que podem ser relacionados.
Depois desse primeiro momento da pesquisa, com as entrevista e analises para
formação das concepções sobre a relação da Educação ambiental com o Candomblé e
assim tendo comprovado de que essa relação é real e que além de poder ser praticada é
também uma ferramenta de conscientização ambiental, eu sendo pesquisador da
127
dissertação e professor no ensino superior, resolvi testar todo esse arcabouço na prático,
pois reconheci nele objetivos contidos na Lei 9975, na parte que diz que a educação
ambiental deve ser desenvolvida de acordo com as características ambientais e culturais
da região aonde se está trabalhando, e na Lei 10639, no seu objetivo geral que é a
divulgação da cultura e história afro brasileiras nas instituições de ensino.
Após leitura de ambas, chegou-se a um compreendimento de que elas se
interacionam em alguns momentos, e que além disso podem ser trabalhadas juntas em
disciplinas de caráter inter e multi disciplinar no ensino superior. Sendo assim, após ter
chegado a essas considerações e sendo docente das disciplinas de Educação Ambiental e
Cultura Étinico Racial, ambas no Campus da UFPA de Soure/Marajó, resolvi testar a
veracidade e até mesmo a praticidade do que havia concebido.
Assim, quando ministrei a Disciplina de Educação Ambiental para a turma de
2011 de Licenciatura em Biologia e a Disciplina de Cultura Étnico Racial para a turma
de 2014 de Licenciatura em Letras - Inglês, preparei as aulas e materiais pedagógicos,
utilizando também as imagens contidas na pesquisa, de acordo com as concepções que
havia elaborado no primeiro momento da pesquisa e dei início as disciplinas. Durante o
desenvolvimento das mesmas obtive respostas significantemente positivas tanto com
relação ao conteúdo utilizado, quando a resposta dos alunos, que mesmo havendo uma
diversidade grande de adeptos e seguidores de diferentes religiões conseguiram entender
que a relação dos afros com os orixás pode ser usada como exemplo de uma
característica étnico cultural e também como exemplo de boas práticas ambientais por
conta do respeito e relação dessas pessoas com a natureza antropomorfizada nos Orixás.
De posse de toda experiência obtida com essa pesquisa, recorro a Oliveira
(2007), para fazer uma consideração final, quando fala que a ancestralidade e a relação
com a natureza tornam-se os signos de uma resistência afrodescendente, protagonizando
a construção histórico-cultural do negro no Brasil e gestando, ademais, um novo projeto
sociopolítico fundamentado nos princípios da inclusão social, no respeito às diferenças,
na convivência sustentável do homem com o meio ambiente, no respeito à experiência
dos mais velhos, na complementação dos gêneros, na diversidade, na resolução dos
conflitos, na vida comunitária, entre outros.
128
Conclusão
É comum dizer que os “Orixás não dormem nem descansam”, visto que se isso
acontecesse não seriam eles os “guardiões da natureza e das pessoas”. Por terem
domínios sobre todos os elementos da natureza e os seres vivos, devem prestar contas
pela boa manutenção do meio ambiente, respondendo ainda pelos grandes fenômenos
naturais, como as tsunamis, furacões, terremotos, enchentes, incêndios, explosões
vulcânicas, trombas d’água, tempestades etc... Tem também entre suas atribuições zelar
pelos domínios da vida, da saúde, da doença e da morte.
Em tudo o que se refere ao homem e à natureza, o comando dos Orixás é intenso
e soberano, essa é a maneira deles mostrarem o cumprimento as determinações de
Olorum quando este distribuiu entre eles os elementos que compõe o Universo.
Possuem a liberdade de administrar esses poderes da forma como melhor julgarem, mas
tem a incumbência moral de manter o mundo funcionando de forma equilibrada, sob
suas totais responsabilidades. Por apreciarem primordialmente a pureza e o equilíbrio do
mundo, criaram o ar puro, as águas límpidas e potáveis, a biodiversidade e imponência
das florestas, essas que produzem e abrigam microrganismos que eliminam e reciclam a
matéria. O homem, por sua vez, no ímpeto de subjugar a natureza e alcançar poder,
destrói a cada dia um pouco desse ambiente e dessa relação.
Mesmo com a complexidade das concepções religiosas do candomblé
desenvolvido em Belém, a pesquisa mostrou que a afro-religiosidade relaciona
diretamente os orixás á natureza e pode ser reconhecido nas concepções da educação
ambiental, designando a cada orixá uma representação específica no meio ambiente,
assim como dentro de um ecossistema onde os fatores bióticos e abióticos se interrelacionam de forma equilibrada.
A ancestralidade está ligada à natureza nas religiões africanas, cuja herança
transmite a reverência à “natureza” aos ritos das religiões afro-brasileiras, constituindo
responsabilidade em seus adeptos. Mais do que presente na natureza, os orixás no
panteão africano seriam transfigurações dos elementos naturais.
Esta relação favorece nos seguidores do culto um sentimento de pertença visto
que para o Candomblé todos somos descendentes diretos dos orixás que nos regem e
assim devemos cultuar, amar e proteger nossos antepassados através de suas
129
representações na natureza. Na cosmovisão africana a relação homem-natureza é
simbiótica, tal que um deve ser adaptado ao outro, e através do desenvolvimento dessa
visão ocorre à conservação e a conscientização ambiental.
Esse valor de pertencimento à natureza favorece a formação de uma consciência
ambiental, que
compreende
de
forma
empírica
a
multidimensionalidade
a
sustentabilidade e a interdisciplinaridade essencial à mitigação da problemática
ambiental. No entanto, com a escravidão no Brasil, a cultura africana foi subjugada e
subtraída, surgindo assim vários mitos, lendas e interpretações erradas a respeito da
mesma, esses fatores provocaram o medo, preconceito e até mesmo a negação da
construção de uma identidade da sociedade brasileira com a cultura africana, deixando
excluídas, as contribuições socioculturais deste povo à sociedade como um todo.
Compreende-se então, que os espaços religiosos denominados terreiro ou Ilê,
locais aonde se praticam a religiosidade afro-brasileira, devem ter destaque e uma
função educativa nos planos intercultural e ambiental, transmitindo ensinamentos,
hábitos e criando valores não só ambientais, mais também valores cidadãos, junto a seus
adeptos, indicando e construindo novas e possíveis ações de organização direcionadas
as perspectivas da educação ambiental.
O resgate e a utilização da cosmovisão africana, de acordo com as Leis 10639 e
9975 e no ensino superior como foi o caso desse trabalho, neste momento de grande
degradação ambiental se faz muito necessário, pois traz contribuições do povo africano
para a sociedade brasileira, desmitificando as equivocadas interpretações das suas
práticas religiosas, contribuindo de forma significativa para a conservação ambiental,
para a valorização da cultura negra, que é a base da cultura brasileira, e para construção
de um novo ser e pensar. Uma das mais viáveis e eficientes maneiras de haver esse
resgate se dá através do fortalecimento da educação ambiental, apoiada pelo pela
difusão da História e Cultura Afro-Brasileira.
130
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Anexo I: Questionário utilizado nas entrevistas sobre a relação entre
Educação Ambiental e o Candomblé.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
FACULDADE DE CIÊNCIAS NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE
Questionário Sobre a Relação da Afro-Religiosidade com a Educação
Ambiental.
Questionário referente ao levantamento de
informações que faz parte da pesquisa da
monografia de mestrado do aluno Fellipe
Rodrigues Martins.
Belém - PA
2013
137
Nome:
Orunkó:
Endereço:
Idade:
Bairro:
Contato:
Religião:
Nação:
Entidade Regente do Responsável:
Nome da Ong:
O que é Meio Ambiente segundo sua Religião?
De acordo com a histórias, doutrinas, itans e/ou dogmas da sua religião, qual a relação que
ela possui e desenvolve com o meio natural (natureza)?
138
Segundo a Concepção da sua Religião, qual deve ser a relação do homem com a natureza? E
com o ambiente em que está inserido?
Qual a importância de um Meio Ambiente equilibrado para sua Religião?
O que você entende por Educação Ambiental?
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Há o desenvolvimento de algum projeto de educação ambiental no seu terreiro ou no terreiro
que você frequenta? Caso positivo qual?
Analisando a relação da sua religião com as questões ambientais, na sua opinião como essa
forma de pensamento pode ajudar na proteção do meio ambiente?
Autorizo que os dados respondidos sejam utilizados e divulgados nos meios científicos.
( ) Permito que meu nome e trechos do que eu respondi sejam citados.
( ) Não permito que meu nome e trechos do que eu respondi sejam citados.
Ass:
Gostaria de agradecer pelo tempo e paciência dados a mim respondendo esse questionário, e
deixo aqui meus contatos para quaisquer dúvidas ou esclarecimentos, (91) 988766881 /
[email protected].
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