DUDU SANTOS — LIVRO DE ASSINATURAS Texto de Antonio

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DUDU SANTOS — LIVRO DE ASSINATURAS Texto de Antonio
GALERIA JAQUELINE MARTINS
SÃO PAULO— 2015
DUDU SANTOS — LIVRO DE ASSINATURAS
Texto de Antonio Penteado Mendonça
R. DR. VIRGÍLIO DE C
ARVALHO PINTO, 74 — CEP — 05415-020 — +55 11 2628.1943
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Sumário
Introdução – Uma longa noite de 1963
1. Tarsila do Amaral
2. Mário Schenberg
3. Clóvis Graciano
4. Lygia Fagundes Telles
5. Anita Malfatti
6. Paulo Bomfim
7. Outras assinaturas
8. Finalmente R. DR. VIRGÍLIO DE C
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Introdução
Uma longa noite de 1963
1963 poderia ser apenas mais um ano, um número perdido numa folhinha
desenvolvida muito tempo atrás, com base no nascimento de Cristo. Ou o ano em
quem mataram um presidente. Ou, dentro da relatividade do tempo, apenas uma
noite mágica, eternizada através dos séculos na imagem lúdica da estrela que
levou três reis magos saídos dos confins da terra até uma manjedoura, perdida nos
subúrbios de Belém.
Histórias, ou história, como um livro de assinaturas que perpetua o ano de 1963,
porque o que importa para nossa história não é o grande, nem o importante, mas os
fatos pequenos que fazem da vida do homem uma enorme aventura.
1963 não foi um ano comum. Não é todo o ano que matam o presidente dos Estados
Unidos. No dia 22 de novembro de 1963 o presidente Kennedy foi assassinado. O
mundo chorou, estarrecido com a brutalidade do crime e com a falta de sentido de se
tirar a vida de um homem que lutava pela dignidade de outros homens.
Na mesma hora em que os tiros disparados de uma janela em Dallas atingiam a
cabeça do presidente, um telefone de manivela tocava numa fazenda no interior de
São Paulo. Ou não.
Não há relação entre a telefonia brasileira, o preço do café e a morte de um
presidente estrangeiro. Nem há relação entre os cometas que conduzem os magos e o
nascimento dos deuses. Mas tudo é parte do mesmo contexto, plasmado na superfície
de um planeta pequeno, girando em volta de uma estrela de quinta grandeza, nos
confins de uma galáxia que se expande.
Assim também é com este livro de assinaturas, que captura retratos nos nomes
riscados nas folhas abertas, rapidamente preenchidas na noite de uma vernissage
importante, numa cidade que crescia vertiginosamente, escondida nos confins de um
país chamado Brasil.
Que nação é esta, que se estende por mais de meio continente, sem comunicação
por terra entre o sul e o norte? Que noite é esta em que a exposição de um pintor em
começo de carreira atrai com seu talento nomes de peso, como a luz dos lampiões
que queimam as mariposas?
Que mundo é este que mistura no dia a dia de sua longa história o belo e feio, como a
água do mar carregada de sal?
Era assim quando a grande pirâmide foi construída. A estátua de Palas Atena, no
alto do Capitólio, viu a mesma rotina na grandeza e na decadência de Atenas. Nada
de novo sob os olhos do Infante D. Henrique, que arrancou os confins da terra do
fundo dos oceanos. Nem na visão dos astronautas da Apolo 11, quando reentraram na
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atmosfera da Terra.
Tudo se repete permanentemente novo. Nada é e tudo permanece, na magia do
tempo sem passado e sem presente da eternidade de Deus.
Deve ser monótono viver todos os momentos no mesmo instante. Saber ao mesmo
tempo tudo o que se passa. Ser ao mesmo tempo tudo o que existe e o que não existe,
porque no infinito divino o que não é também é.
Ah, o mistério da eternidade de Deus, que só existe porque existe o ser humano. Como
seria esta eternidade se nós não estivéssemos aqui? O que seria da ideia da divindade
sem alguém para compreendê-la e adorá-la?
Os quadros expostos na vernissage de 1963 colocam estas perguntas. Os tiros que
mataram o presidente explodem estas perguntas. O tempo seguindo em frente, sem
se importar com nada disso, apenas por tédio, também coloca estas perguntas.
E elas retornam. Mansas, mas terríveis, neste texto baseado no livro de assinaturas,
onde tantos nomes importantes estão eternizados pela letra às vezes ilegível,
estampada num livro guardado ao longo de mais de 40 anos.
Os livros de assinaturas são testemunhas da história. Fontes de pesquisa do cotidiano
da vida das pessoas. Neles se encontram o famoso e o anônimo, com a mesma ternura
com que duas mãos se apertam e se reconhecem no calor do aperto.
O que vale é o momento perpetuado no livro. A razão de ser que o faz se justificar
numa determinada noite que, esquecida na solidão das pessoas, está eternizada na
lembrança coletiva de tanta gente que passou por lá, que viveu aquele momento
como uma prise de lança-perfume tonteando a música dos antigos carnavais.
As marchinhas falavam de amor e de máscaras negras, ou latas d’água na cabeça,
enquanto um bom ar refrigerado era o sonho para os dias de calor das pastorinhas
que não andavam pelo montes, mas se transformavam em cabrochas que ganhavam
rosas, enquanto tu pisavas os astros, distraída, e a garota de Ipanema abria o verde do
mar no futuro do entardecer, esperando a banda passar...
Um livro de assinaturas tem vida própria. O papel amarelado renasce a cada dia, se
reinventa na tinta gritando os nomes, nas manchas falando de ordens de chegada, de
amizade, de carinho e admiração.
Na recordação da noite guardada como os gênios dentro das lâmpadas, sua estrutura
é o álbum de fotografias das almas estampadas nas páginas, aprisionadas para o resto
da eternidade em celas de papel.
Quanto de humano, de fraco e de forte, está escondido em cada nome assinado?
Quanto de sentimento extravasou na noite perdida no tempo, que agora é resgatada
pelos novos desenhos, recriando, no mesmo papel amarelado, a eterna magia das
descobertas e dos encontros?
Que sei eu dos grandes sonhos dos grandes homens que mudaram o mundo? Será
que o presidente americano pensava em algo especial no momento em que a bala o
transformou em lenda?
Será que há diferença na hierarquia dos crimes? Será que o presidente é mais humano
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ou importante do que o índio queimado vivo num ponto de ônibus esquecido numa
rua de Brasília? Será que a vítima do campo de concentração tem mais alma ou
sentimento do que o soldado morto cinco minutos depois do fim da guerra?
Em 1963 as notícias chegavam por telegramas. Os telefones eram pretos, faziam “trim”
e falavam mal. As estradas começavam a ser pavimentadas, mas ainda não cortavam
o país de sul a norte. Brasília era um sonho de concreto e vidro, solitariamente
encravado no Planalto Central. Depois do canal onde terminava a estradinha saída do
Guarujá, Bertioga morria lentamente, atrás de um forte abandonado havia 400 anos.
Mas a noite tem sempre segredos e arranca seus coelhos de cartolas improvisadas.
A noite do livro de assinaturas foi noite de gala, foi noite de consagração, foi noite
de encontro, nos olhos sorrindo e nas palavras esquecidas, que naqueles momentos
disseram tanto.
Cada nome traz um incentivo. Cada assinatura fala de sentimentos bons, de querer
bem, de amar, de acreditar na obra do artista, homenageado na exposição de seus
quadros, recapturados com outra vestimenta nos desenhos que enfeitam as páginas
do livro, em que tanta lembrança escorre, feito mel de um oco de árvore.
Sei que sei pouco. Mas as mãos estendidas, os abraços, os beijos, e um beijo especial
dado depois, resgatam as informações positivas de uma noite como tantas outras
e, ao mesmo tempo, única na sua abrangência, na sua arquitetura cósmica, feita
de encontro e descoberta, nas realidades tão próximas e tão distantes, nos nomes
ilegíveis em tantas assinaturas, que não falam mais de uma determinada pessoa –
algumas irreconhecíveis ou até esquecidas –, mas preservam o coletivo e a poesia
criada nessa noite.
Outros nomes surgem claros. Transparentes e formidáveis, na sonoridade que invoca
os espíritos e os traz de volta a este mundo, de onde tantos partiram, deixando tanta
saudade.
Assinaturas de um livro de recordações que é muito mais que um simples lembrar. É
vida perpetuada em imagens que chegam e somem na rapidez do vento, mas marcam
a alma e dão sentido à vida, faz mais de 40 anos.
O livro é a recomposição de uma única noite, especial e eterna, nos novos desenhos
que redefinem as antigas folhas, dando ao amarelado do papel uma nova chance de
vida.
Vinte e dois desenhos resgatam centenas de nomes, a maioria desconhecida de quem
folheia o livro. É o mistério da arte perpetuando a certeza humana, eternizada em
gestos amigos, permanentemente presentes no incomensurável do tempo no seio de
Deus.
O mesmo cometa que guiou os reis magos guia a mão do artista e o olho do atirador
que mirou a cabeça do presidente. O mundo é o mesmo. O homem é o mesmo. A
civilização finge que evolui, mas também é a mesma. Entra século, sai século, as
pirâmides assistem às mesmas paixões e aos mesmos dramas que, muito antes delas,
eram parte da rotina do ser humano.
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O que muda é o modo de quem narra a aventura que, de verdade, é um único texto,
indivisível e contínuo, narrado por bilhões de vozes, escrito por bilhões de mãos,
narrando bilhões de experiências, que no fundo são as mesmas.
Em 1963 a democracia brasileira começava a tropeçar. Esquerda e direita rasgavam o
continente americano, enquanto o ferro dos arados rasgava o chão virgem das novas
fazendas arrancadas das matas, não mais para plantar café. As fábricas vomitavam
suas primeiras fumaças. As noções de progresso podem ser tão diferentes! Houve
época em que ser a cidade que mais cresce no mundo era motivo de orgulho...
Em 1963 as coisas eram muito diferentes...
Este livro resgata um pouco da realidade daquela época, nas biografias e nos nomes
de algumas pessoas que assinaram o livro de assinaturas.
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1 — Tarsila do Amaral
O Muro de Berlim dividia o mundo em leste, oeste e os que não importavam. Quem
pagava a conta eram os que não importavam. Como sempre, a corda arrebenta do
lado mais fraco. A Guerra Fria era uma guerra curiosa, que o diga o Vietnã. Depois de
anos de luta vitoriosa contra os franceses, em 1963 sentia na pele o crescimento da
intervenção norte-americana.
Do outro lado do planeta, um continente que nunca importara, graças a Cuba, entrava
no mapa da geopolítica internacional. O antigo quintal norte-americano deveria
continuar um quintal norte-americano, doesse a quem doesse. O leste e o oeste
estavam mais ou menos de acordo, por isso a América do Sul não deveria mudar de
status. Assim como os Estados Unidos aceitavam zonas de influência soviética, os
russos aceitavam que determinadas regiões deveriam continuar sob influência norteamericana.
Cuba fora muito além das melhores expectativas. Para a União Soviética, a ilha no
Caribe, a poucas centenas de quilômetros de Miami, era o melhor dos mundos. Querer
mais seria provocar a onça com vara curta e isso não interessava para eles, nem para
a onça.
Só que ninguém contou a verdade para os moradores da América Latina. Aqui havia
gente que acreditava que era hora de fazer história. Que o continente estava pronto
para mudar de lado e que o socialismo era o único caminho para se chegar lá.
Bicampeão do mundo de futebol em 1962, em 1963, politicamente, as coisas se
complicavam no Brasil. Aos poucos a situação azedava, as relações se tornavam mais
complexas e o esperado desde a renúncia de Jânio se materializava no começo de
anarquia que subvertia a ordem social, com cabos e soldados desafiando oficiais, sob
os olhos benevolentes de um presidente fraco, que rapidamente perdia o controle do
governo, da sociedade e das forças armadas.
Mas a vida é a vida e ela se abre em diferentes planos. Com inflação ou não, o dia a
dia das pessoas seguia seu ritmo. A diferença era uma greve aqui, outra ali, enquanto
as cidades seguiam em frente, na luta insana para retirar do campo a maioria da
população.
Carros nacionais começavam a tomar o lugar dos grandes importados da década de
1950. Kombis, Fuscas, JK’s, Areo Willys, Simcas e DKW’s desfilavam brilhantes, recémsaídos das fábricas do ABC paulista para as ruas da capital.
A Rua Augusta desafiava o poder das ruas do centro e trazia a modernidade para o
outro lado da metrópole. De repente, era nela que as coisas aconteciam, que o Brasil
dançava ao som da Bossa Nova e de suas crias, embalado por uma onda de progresso
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e criatividade, nascida no fim da Segunda Guerra Mundial e crescida na liberdade da
democracia, que em 1963 estava de novo ameaçada pelo caos que se espalhava em
nome da revolução.
Era o momento mágico da mudança sonhada nas casas burguesas que se imaginavam
socialistas, bebendo uísque escocês e champanhe francês, enquanto discutiam a
revolução social que traria a felicidade para milhões de pessoas que nunca haviam
tido nada.
Indiferente a tanta teoria, a consagração de Dudu Santos se aproximava, materializada
na exposição montada com as obras do jovem artista, já com densidade para uma
exposição solo, só sua, com quadros, reflexos de seu talento, ocupando os espaços da
famosa galeria.
E a noite da abertura chegou.
Só quem já passou pela experiência sabe o que significa o instante em que as portas
se abrem e, lentamente, os primeiros convidados começam a chegar. Um depois do
outro, até ocuparem todos os espaços e alguns ficarem para fora, aguardando com
bom humor a vez de entrar e ver a obra exposta.
Os livros de assinaturas existem para eternizar esse momento. Para fazer eternamente
presentes todas as pessoas que foram prestigiar o artista. Que lhe foram dar força no
abraço carinhoso, no sorriso amigo, nas mãos juntas fazendo o sinal de vitória.
Aquele momento é infinito, mas não é eterno. A vida segue em frente e, na passagem
dos anos, as pessoas vão esmaecendo, ficam embaçadas e se perdem na distância.
Outras exposições se sobrepõem, outras experiências mudam as prioridades, outras
pessoas ocupam o lugar das que prestigiaram o primeiro passo.
Até o próprio artista, arrastado pela correnteza da vida, modifica-se e recria-se,
reinventa-se, e, apesar de ser o mesmo, é permanentemente outro.
Que o diga a grande dama da pintura modernista, Tarsila do Amaral. Na noite de
Dudu Santos ela já havia ultrapassado o apogeu. A artista que revolucionou a pintura
nacional chegava ao último trecho de sua jornada.
Mas não podia não estar lá, para prestigiar não só a noite do jovem pintor, filho de
amigos queridos, mas, antes de tudo, o talento que vinha ocupar seu espaço no
universo estrelado dos grandes artistas.
Tarsila do Amaral. Mulher de vida densa. Artista de traços fortes. Personagem real de
um momento em que a cultura brasileira rompeu suas amarras e navegou pelas águas
de um mar que gerou nomes até hoje alçados ao mais alto ponto de nossa aventura
cultural.
De Capivari para o mundo. Das fazendas de café para os salões requintados. De filha
de fazendeiro para artista plástica. De aluna de Pedro Alexandrino para artista maior
do Modernismo brasileiro.
É dela o estranho e maravilhoso Abapuru. É dela a assinatura no livro de autógrafos. É
dela a ternura pelo artista no início da carreira.
O contraste é enorme. Em 1963, consagrada, é tema de uma sala especial na Bienal
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de São Paulo. Ao mesmo tempo, vai, na noite da inauguração da exposição de Dudu
Santos, levar seu carinho aos amigos, Paulo e Emy, e sua força ao jovem iniciante que
dava os primeiros passos no traiçoeiro mundo das artes, em que a vida imita os temas
e, de repente, se abre em abismos e precipícios, se fecha em atoleiros e cipoais...
Ou brilha como uma tarde de outono de 1963, quando o capim gordura ainda tingia
de roxo a encosta dos pastos, criando uma tela mágica, composta de pôr de sol e
natureza, ao alcance apenas dos escolhidos pelos deuses para servirem de intérpretes
entre eles e os homens.
Tarsila do Amaral, que desafiou a ordem estabelecida. Que rompeu com as tradições
conservadoras de um Brasil semifeudal, encastelado nas fazendas de café, atrás de
milhares de árvores dispostas em fileiras destinadas a preservar o conhecido, a ordem
estabelecida, os privilégios de classe e as tradições de um mundo que a Primeira
Guerra Mundial colocou abaixo.
Filha e neta de grandes fazendeiros, depois da infância no interior de São Paulo
mudou-se para a capital, e depois para a Europa, onde completou os estudos em
Barcelona.
Em 1904 casou-se com André Teixeira Pinto, com quem, em 1906, teve a única filha,
Dulce. Logo depois separou-se do marido. A mulher que todos esperavam que fosse
submissa não aceitou as restrições do marido. Entre ele e a liberdade de ser ela
mesma, para Tarsila só havia um caminho: ficou com a liberdade.
Mas não começou a pintar imediatamente. Ainda que seguisse uma clara trilha em
direção às artes, a pintura só entrou em sua vida a partir de 1917, quando começou
a ter aulas com Pedro Alexandrino. Em 1920 foi para a Europa. Em Paris iniciou seu
aprendizado frequentando a Academia Julian, onde tomou contato com modelos vivos
e com o nu. Em seguida, teve aulas na Academia de Emile Renard, onde aprofundou o
contato com as tendências de vanguarda da pintura europeia.
De volta ao Brasil, em 1922, é apresentada por Anita Malfatti aos modernistas Mario
de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia. Em 1923, na Europa, une-se a
Oswald de Andrade, com quem viaja por Portugal e Espanha. De volta a Paris, estuda
com os cubistas, conhece Pablo Picasso e fica amiga de Fernand Leger.
Em 1924 Tarsila dá início à fase “pau-brasil”, na qual, usando temas brasileiros,
explora as cores fortes e vibrantes da natureza tropical, misturando-as a símbolos da
industrialização e do urbanismo que modificavam a realidade nacional.
Em 1926 casa-se com Oswald de Andrade e no mesmo ano realiza sua primeira
exposição individual, na Galeria Percier, em Paris. Em 1928 pinta o seu quadro mais
famoso, Abapuru, trazendo para a pintura os ideais do movimento antropofágico,
criado por Oswald de Andrade, como consequência direta do movimento modernista.
1929 é um ano importante na vida de Tarsila do Amaral. Pela primeira vez ela expõe
no Brasil, no Rio de Janeiro. Em seguida, a crise de 1929 afeta diretamente a fortuna
de sua família. E, para completar um ano que começou bem, mas evoluiu mal, é
abandonada por Oswald de Andrade, que a troca pela ativista política Patrícia Galvão.
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Em 1931, com seu novo companheiro, o médico Osório César, Tarsila vai à Europa,
numa longa viagem por Moscou, Leningrado, Odessa, Constantinopla, Belgrado e
Berlim. De regresso a Paris, a falta de dinheiro a coloca em contato com a realidade do
proletariado francês, levando-a a trabalhar como operária da construção e pintora de
paredes, até conseguir o necessário para pagar a viagem de volta ao Brasil.
Em 1933, com o quadro Operários, dá início a uma fase com forte viés social. Em
meados dessa década, passa a viver com o escritor e crítico Luís Martins.
Nos anos 1940 retoma os temas das fases anteriores. Expõe nas duas primeiras
Bienais de São Paulo e em 1960 é homenageada com uma retrospectiva no Museu de
Arte Moderna paulista.
Em 1963, no mesmo ano em que assina o livro de assinaturas da exposição de Dudu
Santos, ganha uma sala especial na Bienal de São Paulo para, em 1964, expor na
Bienal de Veneza.
Muito embora ainda não o soubesse na noite mágica em que abonou a obra do artista
iniciante, a vida pegaria pesado, cobrando um preço muito alto da grande pintora.
Em 1965, Tarsila submete-se a uma cirurgia de coluna, que a deixa paralítica e limitada
por uma cadeira de rodas. No ano seguinte, a filha única, Dulce, morre de diabetes.
Devastada, a artista busca consolo no espiritismo. Começa a vender os quadros de
sua coleção particular e torna-se amiga de Chico Xavier, com quem se corresponde
nos últimos anos de vida. Tarsila morre no dia 17 de janeiro de 1973, deixando atrás de
si mais de 80 anos de vida e uma das obras mais consistentes da pintura brasileira.
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2 — Mário Schenberg
O crítico de arte abre espaço lentamente, entra na galeria cumprimentando as
pessoas e vai direto em direção ao artista. Abraça Dudu Santos e, em seguida,
abraça a mãe e o padrasto do pintor, todos nervosos em função da primeira noite da
exposição e das críticas a respeito dela, que começariam a pipocar no dia seguinte.
O crítico de arte é relativamente novo na profissão, mas sobejamente conhecido no
Brasil e no exterior. Antes de ser crítico de arte, é um dos principais físicos do planeta,
responsável pelo desenvolvimento de teorias altamente sofisticadas, capazes de
nos aproximar dos mistérios maiores, inatingíveis ao comum dos mortais, exceto se
traduzidos pela mente brilhante de seres humanos como ele, dotados de inteligência
fora do comum, ao ponto de permitir que, além de cientista de renome e professor
brilhante, seja também político influente, deputado recém-eleito e, há pouco tempo,
crítico de arte.
Para o jovem pintor que iniciava sua carreira, a presença de Mario Schenberg,
prestigiando a noite e deixando o nome no livro de assinaturas, foi a consagração. As
portas escancaradas para uma caminhada rumo ao sucesso, para o reconhecimento
de outros críticos, de marchands e de galeristas, todos influenciados pelo criterioso
julgamento de um dos maiores nomes da ciência, da cultura e da política brasileira.
Mário Schenberg nasceu em Recife, em 1914, e faleceu em São Paulo, em 1990. Na
noite de estreia da exposição de Dudu Santos, ao assinar o livro de assinaturas, havia
sido eleito, recentemente, deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Mas
não chegou a tomar posse, por ser acusado de pertencer ao Partido Comunista.
Crítico importante e profundo conhecedor das artes plásticas, foi amigo e conviveu
com alguns dos maiores artistas de seu tempo, como Di Cavalcanti, Portinari, Pancetti,
Bruno Giorgi, Marc Chagall e Pablo Picasso. Em 1963 já era conhecido e reconhecido
como crítico criterioso e competente, com posições e opiniões acatadas também no
mundo das artes, da mesma forma que no universo da ciência.
Mário Schenberg começou seus estudos na Faculdade de Engenharia do Recife.
De lá se transferiu para a Universidade de São Paulo, onde, em 1935, se formou em
Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica e, em 1936, em Matemática, na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras.
Em 1939 vai para a Europa, onde trabalha com Enrico Fermi, na Universidade de Roma,
e com Wolfgang Pauli, em Zurique. Nas vésperas do começo da Segunda Guerra
Mundial muda-se para Paris, onde trabalha com Frederick Joliot-Cury.
No ano de 1940, ganha uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim e trabalha
em astrofísica com George Gamow, na cidade de Washington. Com ele, desenvolve
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importante trabalho no campo da astrofísica, resultando no “Processo Urca”, que
explica o ciclo de reações nucleares que leva à formação de estrelas supernovas.
Em seguida, torna-se membro do Institute for Advanced Studies da Universidade
de Princeton. E trabalha com Subrahmanyan Chandrasekhar no Observatório
Astronômico de Yerks. Os dois, em conjunto, desenvolvem os trabalhos que resultam
no “Limite Schenberg-Chandrasekhar”, publicado em 1942, com importantes
contribuições para a astrofísica.
Em 1944 está novamente no Brasil, onde fica até 1948, ligado à Universidade de São
Paulo. Dois anos depois é eleito deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil,
sendo depois cassado e preso por motivos políticos.
Em 1948 retorna à Europa, para trabalhar durante cinco anos com raios cósmicos e
mecânica estatística, em Bruxelas.
De 1953 a 1961 foi diretor de Departamento de Física da USP, criando o “Laboratório de
estado sólido” e os primeiros cursos de computação da Universidade.
Em 1962 é novamente eleito deputado estadual, mas não recebe o diploma, por ser
acusado de pertencer ao Partido Comunista.
Com a Revolução de 1964, tem mandado de prisão expedido contra ele. Depois de
cinco meses foragido, o mandado de prisão é revogado, em função das pressões
exercidas pela comunidade científica internacional.
Em 1969, a ditadura baixa o A-5. Com base nele, Mario Schenberg foi aposentado
compulsoriamente e impedido de entrar no campus da USP. Essa situação só viria a
ser modificada após a abertura política.
De 1979 a 1981 foi presidente da Sociedade Brasileira de Física.
Na noite em que assinou o livro da exposição de Dudu Santos estava no auge de sua
forma e de sua fama. Intelectual consagrado no campo das ciências, era respeitado
pelos trabalhos nas áreas da termodinâmica, mecânica quântica, estatística,
relatividade, astrofísica e matemática. De outro lado, recém-eleito deputado estadual,
entregava-se à carreira política e, ao mesmo tempo, desenvolvia importante trabalho
no campo das artes plásticas, com diversos artigos sobre artistas como Alfredo Volpi,
Lygia Clark e Oiticica. Além disso, tinha presença sólida como crítico de arte.
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3 — Clóvis Graciano
A viagem da Barra do Sahy para São Paulo é longa. Entre São Sebastião e Bertioga,
em 1963, a ligação era um misto de estrada de terra e de praias, ligadas por desvios,
quebradas e toscas pontes de madeira. Não havia a Rodovia Rio-Santos, o mar era
mais azul e as praias praticamente desertas. Cada uma com sua meia dúzia de casas,
no máximo. Perto de Bertioga havia uma concentração um pouco maior, mas nada
que tirasse a paz secular da pequena vila adormecida à beira do canal que lhe dá o
nome, protegida pelas ruínas do forte onde Hans Staden serviu, na primeira metade
do século XV.
Pouca coisa mudou desde aquela época até 1963. A marca de Bertioga, quem sabe o
mais pobre distrito de Santos, era a de decadência e indolência. Suas casas pequenas
e, na média, maltratadas refletiam a realidade da população, em sua maioria caiçaras
vivendo da pesca artesanal e de um começo de turismo, vindo de Santos e do Guarujá.
A Barra do Sahy ficava longe de Bertioga. Não apenas em quilômetros, mas muito mais
em tempo. E nem sempre se tinha a certeza da chegada. Variáveis como as marés, as
chuvas, alguma ponte cair, um atoleiro se formar no meio da estrada de terra rasgada
entre as praias, o mangue e a serra, eram riscos concretos, que faziam da viagem uma
aventura e, para quem não tinha pressa, um prazer.
Por conta da distância, da solidão da Mata Atlântica, ao fundo, e dos espaços abertos
diante do mar, cada casa amiga era um bom motivo para uma parada. Depois de
algumas horas de tensão, dirigindo a Kombi ou o jeep pela estrada permanentemente
esburacada, nada melhor que parar para um papo gostoso. Para não falar na
possibilidade de assistir a uma cena inesquecível, na transparência do dia, na cor do
céu, no tom do mar, no vento, nas nuvens ou no sol brilhando forte, vista do alto do
morro que separa a Barra do Una da praia do Juqueí.
A Barra do Sahy era viagem para vários dias. Ninguém ia num dia para voltar dois dias
depois. Não, a proposta era outra, ainda mais quando a casa na praia oferecia todas
as razões para uma temporada de paz, merecido descanso fora da vida agitada de São
Paulo, que em 1963 era a cidade que mais crescia no mundo.
A Barra do Sahy era o refúgio do grande pintor e muralista Clóvis Graciano. Podendo,
era para lá que ele ia. Tinha uma casa encantadora e, na frente dela, a praia e a magia
da vista deslumbrante de três ilhas próximas.
Mas ele não poderia deixar de estar na noite de abertura da exposição de Dudu
Santos.
O traço de Dudu tinha muito de Clóvis Graciano. O jovem pintor estudara com ele.
Frequentava seu ateliê, sua casa. As famílias eram amigas de longa data. E a amizade
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estava selada no Armorial, livro de poemas de Paulo Bomfim, padrasto de Dudu,
ilustrado por Clóvis Graciano poucos anos antes.
Não, nem a magia da Barra do Sahy era suficientemente forte para impedir que o
homenzarrão estabanado, mas terno, com seu olho de vidro e sua simpatia, estivesse
na noite encantada da exposição de Dudu Santos.
Clóvis Graciano nasceu em Araras, no interior do estado de São Paulo, em 1907, e
morreu na capital, em 1988.
Começou a vida profissional em Conchas, no interior paulista, como funcionário de
estrada de ferro, pintando placas e letreiros para sinalizar a linha e as estações. Em
1934 mudou-se para São Paulo, onde começou a estudar pintura. Depois de conhecer
a pintura de Alfredo Volpi, em 1937, além do próprio Volpi, Aldo Bonadei, Mario Zanini,
Fúlvio Penacchi, Francisco Rebolo e outros artistas, cria o “Grupo Santa Helena”.
No fim da década de 1940 vai para a Europa e mora em Paris, onde aprende as
técnicas do mural e do mosaico, que marcariam sua obra depois de seu retorno ao
Brasil. E é após esse retorno que tem início a fase mais rica de sua produção. Pinta
um mural representando a partida de uma bandeira no saguão do edifício do jornal
O Estado de S. Paulo, na rua Major Quedinho, usando como modelos os membros da
família Mesquita, proprietária do jornal, e seus amigos mais próximos.
Amigo do teatrólogo e fundador da Escola de Arte Dramática (EAD), Alfredo Mesquita,
primeiro trabalha como cenógrafo e figurinista das peças encenadas pela EAD, depois
passa a dar aulas de cenografia em seus cursos. Paralelamente, funda a Editora
Gaveta, responsável pela publicação de um único livro, o maravilhoso Silvia Pélica na
Liberdade, de Alfredo Mesquita.
Ao longo das duas décadas seguintes, pinta alguns dos murais mais importantes do
estado de São Paulo, entre outros lugares, na FAAP, no Palácio do Morumbi, em vários
edifícios da cidade e até nos muros de arrimo de algumas avenidas, como a Rubem
Berta. Desenvolve, também, intensa produção de quadros, gravuras e desenhos, com
vigoroso estilo próprio, pautada por, além dos temas históricos paulistas – matériaprima de seus murais –, figuras de músicos, dançarinos e composições com pássaros.
Em 1971 foi diretor da Pinacoteca do Estado e presidente da Comissão Estadual de
Artes Plásticas, do Conselho Estadual de Cultura, presidido pelo poeta Paulo Bomfim,
padrasto de Dudu Santos.
Entre 1976 e 1978 foi adido cultural da embaixada brasileira em Paris, de onde, mais
uma vez, retornou para continuar pintando intensamente, sempre fiel ao figurativismo
e a um estilo que aperfeiçoou, mas que manteve ao longo de toda a sua carreira.
Na noite da abertura da exposição de Dudu Santos, em 1963, Clóvis Graciano foi um
dos mais animados, orgulhoso do trabalho de mais um discípulo que começava a
carreira.
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4 — Lygia Fagundes Telles
Inauguração de uma exposição de pintura na cidade de São Paulo, em 1963. Os
homens de paletó e gravata, as mulheres elegantemente vestidas, de sapato de salto
alto e, quase obrigatoriamente, de saia. Não era comum que as mulheres usassem
calças compridas. As casas de alta costura eram Vogue e Madame Rosita. E dezenas
de costureiras faziam o guarda-roupa das senhoras da sociedade.
A contrapartida era os homens usarem paletó e gravata ao longo de todo o dia.
Não entravam em cinemas, restaurantes ou teatros sem estarem apropriadamente
vestidos. Até nos jogos de futebol era comum os torcedores irem vestidos com paletó
e gravata, quando não com chapéu.
O guarda-chuva era peça comum na mão dos senhores que andavam pelas ruas
elegantes do “centro novo”: Marconi, Xavier de Toledo, Dom José de Barros, Avenida
São Luiz. A Galeria Metrópole e o Conjunto Zarvos davam o tom à cidade que crescia
sempre, inexoravelmente, enchendo de orgulho seus dinâmicos moradores.
Na Avenida Paulista, o Conjunto Nacional, inaugurado em 1956, desde 1962 se
transformara em garoto propaganda da fábrica de veículos Willys do Brasil, recebendo
no seu telhado um enorme luminoso com a palavra Willys, que, anos depois, se
transformaria no famoso “relógio do Itaú”.
Enquanto isso, a Rua Augusta, no trecho entre a Avenida Paulista e a Rua Estados
Unidos, se consolidava como a grande vitrine da cidade, abrigando o comércio mais
fino, saído do centro com o progresso da metrópole.
São Paulo, em 1963, tinha bondes que, juntamente com os ônibus a diesel e elétricos,
eram integralmente responsáveis pelo transporte público.
A indústria automobilística começava a produzir em larga escala e veículos nacionais
como Fuscas, DKW’s, Kombis, Simcas, Aero Willys, Rurais e JK’s dividiam as ruas com
os modelos importados dos Estados Unidos e da Europa.
Foi em 1963 que surgiu o primeiro carro desenvolvido de um projeto brasileiro: o
revolucionário e então muito avançado Aero Willys 2600. Juntamente com o Simca
Chambord e o JK, eram o que havia de mais luxuoso produzido no país e competiam
de igual para igual com os importados.
Boa parte das ruas era calçada com paralelepípedos. E a garoa que caía constante
deixava o piso escorregadio e perigoso, provocando derrapagens dos veículos com
sistemas de freios a tambor.
Mas a noite de Dudu Santos corria longe da rua. A festa era dentro de uma galeria
de arte, na qual as pessoas entravam e se misturavam com as que já estavam lá,
admirando os quadros, analisando o talento do artista, bebendo e jogando conversa
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fora. Grande parte se conhecia, o que facilitava o papo e integrava rapidamente os
que estavam chegando.
Aí chegou ela. Lygia Fagundes Telles. No auge da fama, vivendo com Paulo Emílio
Salles Gomes desde 1962, linda na beleza madura da mulher realizada, reconhecida
nacional e internacionalmente, dona de obra mais que consistente, que já a fazia uma
das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos.
Amiga da família, Lygia levava Paulo Emílio Salles Gomes para abraçar Dudu, junto
com ela. A literatura e o cinema, irmanados numa grande amizade. Mas, mais que
tudo, Lygia encheu a galeria com seu brilho deslumbrante, seu sorriso que sorria mais
com os olhos do que com a boca, seu charme e sua simpatia.
A noite de Dudu era dela também. A escritora famosa servia de escada para o brilho
do jovem pintor. Da mesma forma que, anos depois, com a mesma generosidade,
prefaciou um livro do cronista que escreve esta história.
Lygia dos gestos largos, das posições definitivas, dos atos de heroísmo, da postura
sempre forte diante da vida. Lygia, mulher e escritora, ela própria uma obra de arte,
pintura que engrandeceria qualquer grande mestre.
Lygia nasceu em São Paulo, em 19 de abril de 1923. Neta do Capitão Fagundes que
deu o nome à rua do bairro da Liberdade, é filha de Durval de Azevedo Fagundes e de
Maria do Rosário Silva Jardim de Moura.
Seu primeiro livro de contos, Porão e sobrado, é de 1938, quando ainda era aluna do
Instituto de Educação Caetano de Campos. Em 1939 terminou o curso Fundamental e
no ano seguinte entrou na Escola Superior de Educação Física. Ao mesmo tempo, fez o
curso pré-jurídico para ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Em 1941 terminou o curso de Educação Física e entrou na faculdade de Direito. Foi lá
que começou a participar de debates literários e conheceu Mario de Andrade, Oswald
de Andrade e outros grandes escritores da época. Participar dos debates na Academia
de Letras da Faculdade foi um passo natural... bem como sua colaboração com jornais
acadêmicos.
Nessa época, Lygia trabalhava no Departamento Agrícola do Estado de São Paulo,
para viver e pagar os estudos.
Em 1950 casa-se com seu antigo professor Gofredo da Silva Telles Junior, grande
jurista e deputado federal, que a leva para morar no Rio de Janeiro, então capital
federal, onde funcionava a Câmara dos Deputados. Nessa época, aproxima-se dos
escritores e intelectuais do Rio, entre eles Carlos Drummond de Andrade e Manoel
Bandeira.
Em 1952, de volta a São Paulo, escreve seu primeiro romance, Ciranda de pedra,
publicado em 1953.
Em 1960 Lygia e Gofredo da Silva Telles se separam. E no ano seguinte ela começa
a trabalhar como procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo,
função na qual se aposentou, depois de trabalhar até atingir o período de tempo
necessário.
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Em 1962 passa a viver com Paulo Emílio Salles Gomes, homem de inteligência superior,
intelectual respeitado e um dos pais do cinema brasileiro. O período em que viveu
com Paulo Emílio é o mais rico, produtivo e feliz de sua vida.
Quase como se quisesse comemorar a felicidade, ou por conta dela, no mesmo
ano Lygia escreve As meninas, até hoje um belo romance. E, em parceria com Paulo
Emílio, escreve, poucos anos depois, uma adaptação para o cinema do romance
Dom Casmurro. Capitu, feita para o cineasta Paulo Cesar Sarraceni, é das melhores
adaptações já feitas da obra de Machado de Assis.
Em 1970 recebeu o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros, em
França, por seu livro de contos Antes do baile. Em 1973, seu romance As meninas
arrematou os principais prêmios literários brasileiros: o Prêmio Coelho Neto, da
Academia Brasileira de Letras; o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; e o
Prêmio de Ficção da Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 1977, foi galardoada
pelo Pen Club do Brasil na categoria de contos, pela coletânea Seminário dos ratos.
Logo após a morte de seu companheiro, Paulo Emílio Salles Gomes, Lygia assumiu a
presidência da Cinemateca Brasileira, que ele havia fundado.
Em 1982 foi eleita para a Cadeira 28 da Academia Paulista de Letras e, em 24 de
outubro de 1985, por 32 votos a 7, foi eleita para ocupar a Cadeira 16 da Academia
Brasileira de Letras, na vaga deixada por Pedro Calmon. Tomou posse em 12 de maio
de 1987.
Em 1995, Emiliano Ribeiro apresentou o filme As meninas, baseado no romance da
escritora. Em 2001, ela voltou a receber o Prêmio Jabuti, na categoria de ficção, por
seu livro Invenção e memória. Em março de 2001 recebeu o título de Doutora Honoris
Causa pela Universidade de Brasília.
A 13 de maio de 2005 recebe o Prêmio Camões, distinguida pelo júri composto
por Antônio Carlos Sussekind (Brasil), Ivan Junqueira (Brasil), Agustina Bessa-Luís
(Portugal), Vasco Graça Moura (Portugal), Germano de Almeida (Cabo Verde) e José
Eduardo Agualusa (Angola).
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5 — Anita Malfatti
Mesmo no meio das crises é possível viver momentos de alegria. Em 1962 a situação
brasileira já se deteriorava, mas o país, para alegria da galera, foi bicampeão mundial
de futebol. Numa Copa em que Pelé se machucou, o herói foi Garrincha que, à frente
de um time de craques, encantou o mundo com seus dribles desconcertantes, dados
sempre do mesmo jeito e sempre impossíveis de marcar.
Foi durante a Copa que surgiu a expressão “combinar com os russos”. O técnico
Aymoré Moreira, da seleção brasileira, antes do jogo com a União Soviética deu as
instruções para os jogadores. Ele explicou que a melhor jogada seria passar a bola
para Garrincha que, pela ponta direita, driblaria um, depois outro e mais outro russo,
para chegar na linha de fundo e cruzar para a área onde um atacante brasileiro saltaria
e faria o gol de cabeça. Garrincha ouviu as instruções até o fim. Quando o técnico
indagou se estava claro ou se alguém tinha alguma dúvida, ele levantou a mão e
perguntou: “Já combinaram com os russos?”.
O Brasil voltou do Chile bicampeão do mundo, consolidando-se como a grande força
do futebol e o celeiro dos maiores craques da história deste esporte. Por conta disso,
a crise nacional se alongou, por falta de clima político que permitisse o movimento
militar que acabaria por vir em 1964, dando a João Goulart mais quase dois anos de
mandato na presidência da República.
Desde 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda da ditadura de Getúlio
Vargas, o Brasil se debatia para consolidar sua incipiente democracia. Abalada por
crises como o suicídio de Getúlio Vargas, corroída pelo mau uso do dinheiro público,
pelo custo excessivo da construção de Brasília, pela renúncia do presidente Jânio
Quadros, a democracia prevista como forma de governo pela Constituição de 1945
estava com os dias contados, levada ao melancólico final pela figura opaca e sem
brilho de João Goulart, eleito vice-presidente da República na mesma eleição que
elegeu Jânio Quadros.
Curiosamente, a Constituição de 1945 determinava que nas eleições se votasse para
presidente da República e para vice-presidente. Jânio ganhou para presidente e
Jango, que era da outra chapa, ganhou para vice-presidente.
Em pouco tempo a nação, estarrecida, descobriu que o salvador da pátria, o homem
que a levaria a seu grande futuro, era um completo desequilibrado, que, ainda no
começo de seu governo, tentando dar um golpe no Congresso Nacional, renunciou ao
mandato, lançando o país numa crise institucional gravíssima, porque a nação sabia
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que João Goulart, o Jango, não tinha as mínimas condições de exercer a presidência
da República.
Mas Jango assumiu. Em nome da manutenção da ordem e do estado democrático
de direito, as Forças Armadas permitiram a posse do vice-presidente, desde que a
República se transformasse numa República Parlamentarista.
Assim foi feito. E, por pouquíssimo tempo, o Brasil teve um primeiro-ministro, logo
derrubado por um plebiscito que trouxe de volta o sistema presidencialista, com
Jango assumindo integralmente os poderes de chefe da nação.
Rapidamente a situação fianceira, que já não era boa, piorou, devorada pela inflação
galopante, pelo desabastecimento e pela baderna que se instalou no país, criada
essencialmente pela esquerda política, que tinha à frente o governador do Rio Grande
do Sul, Leonel Brizola, cunhado do presidente da República.
Mas na noite da vernissage de Dudu Santos ninguém pensava nisso. Era noite de festa.
A crise estava do lado de fora da galeria cheia de gente. Dentro, gente como Anita
Malfatti trazia o carinho de seu abraço para incentivar o artista no começo da carreira.
Filha do engenheiro italiano Samuel Malfatti e de Betty Krug, Anita Malfatti nasceu no
ano de 1889, em São Paulo.
Segunda filha do casal, nasceu com atrofia no braço e na mão direita. Aos três anos
de idade foi levada pelos pais a Lucca, na Itália, na esperança de corrigir o defeito
congênito. Os resultados do tratamento médico não foram animadores e Anita teve de
carregar essa deficiência pelo resto da vida. Voltando ao Brasil, teve à sua disposição
Miss Browne, uma governanta inglesa que a ajudou no desenvolvimento do uso da
mão esquerda e no aprendizado da arte e da escrita.
Iniciou seus estudos em 1897 no Colégio São José, de freiras, na Rua da Glória. Aí foi
alfabetizada. Posteriormente, passou a estudar na Escola Americana e em seguida no
Mackenzie College, onde, em 1906, recebeu o diploma de normalista.
Nesse meio tempo faleceu Samuel Malfatti, esteio moral e financeiro da família. Sem
recursos para o sustento dos filhos, Dona Betty passa a dar aulas particulares de
idiomas e também de desenho e pintura. Chegou a submeter-se à orientação do pintor
Carlo de Servi para, com mais segurança, ensinar suas discípulas. Anita acompanhava
as aulas e nelas tomava parte. Foi, portanto, sua própria mãe quem lhe ensinou os
rudimentos das artes plásticas.
Anita pretendia estudar em Paris, mas, sem a ajuda do pai, isso parecia impossível,
tendo em vista que sua avó vivia entrevada numa cama e sua mãe passava o dia dando
aulas de pintura e de idiomas. Ela tinha umas amigas, as irmãs Shalders, que iam
estudar música na Europa. Assim, surgiu a ideia de acompanhá-las à Alemanha e o tio
e padrinho de Anita, o engenheiro Jorge Krug, aceitou financiar a viagem.
Anita e as Shalders chegaram a Berlim em 1910, ano marcante na história da Arte
Moderna alemã. Berlim era então o grande centro musical da Europa. O grupo Die
Brucke fazia diversas exposições expressionistas e foi na Alemanha que Anita travou
contato com a vanguarda europeia.
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Ao acompanhar suas amigas às aulas no centro musical, acabou recebendo a sugestão
para estudar no ateliê do artista Fritz Burger, um retratista que dominava a técnica
impressionista. Foi o primeiro mestre de Anita. Ao mesmo tempo, prestou os exames
para ingressar na Real Academia de Belas Artes.
Durante as férias de verão, Anita e as amigas foram às montanhas de Harz, em
Treseburg, região frequentada por pintores. Continuando a viagem, ela visitou a
4a Sonderbund, uma exposição que aconteceu em Colônia, na Alemanha, na qual
conheceu o trabalho de Van Gogh.
Teve aulas também com Lovis Corinth, nome bem mais conhecido do que o de seu
primeiro mestre. Corinth, um tipo bem germânico, não tinha a menor paciência com
seus alunos. Mas com Anita era diferente. Talvez porque se identificasse com ela.
Alguns anos antes sofrera um AVC que, como sequela, lhe deixara alguma dificuldade
motora, tal como a da aluna.
Anita estava cada vez mais interessada na pintura expressionista e desejava aprender
sua técnica. Em 1913, iniciava aulas com o professor Ernest Bischoff Culm.
Com a instabilidade causada pela aproximação da guerra, Anita Malfatti resolve deixar
Berlim. Em São Paulo, em 1914, Anita, com 24 anos e depois de 4 anos de estudo na
Europa, finalmente voltava para o seio familiar. A cidade crescia, mas o ambiente
artístico ainda era incipiente, o gosto da arte predominante ainda era acadêmico. Ao
mostrar suas obras – nada acadêmicas – Anita tentava explicar os avanços da arte na
Europa, onde os jovens haviam levado às últimas consequências as conquistas vindas
do impressionismo.
Anita ainda continuava firme no desejo de partir mais uma vez em viagem de estudos.
Sem condições financeiras, tentou pleitear uma bolsa junto ao Pensionato Artístico
do Estado de São Paulo. Por essa razão, montou, no dia 23 de maio de 1914, uma
exposição com obras de sua autoria, exposição essa que ficou aberta até meados de
junho.
O senador José de Freitas Valle foi visitar a exposição. Dependia dele a concessão da
bolsa. Mas o influente político não gostou das obras de Anita, chegando a criticá-las
publicamente. Entretanto, independentemente da opinião do senador, a bolsa não
seria concedida. Notícias do iminente início da guerra fizeram com que o Pensionato
as cancelasse. Foi aí que, mais uma vez financiada pelo tio, Anita embarcou para os
Estados Unidos.
No início de 1915, Anita Malfatti já se encontrava em Nova York e matriculada na
tradicional Art Student’s League. Nessa escola, Anita ia de um professor a outro na
tentativa de encontrar o caminho que sonhava para seus trabalhos. Após três meses
de estudos, desistiu de qualquer curso de pintura ou desenho nessa escola. Trazendo
em sua pintura as marcas do expressionismo, dificilmente Anita conseguiria adaptarse a uma escola de ensino tradicional.
Em 1916, Anita se encontrava de novo em casa, no aconchego familiar. Nada daquilo
que Anita trazia dos Estados Unidos se assemelhava à “pintura suave” esperada por
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seus amigos e parentes. Sua força masculina, que causara estranheza na sua primeira
individual em 1914, atingira o ponto máximo de exagero. Anita, inconscientemente,
rompera com as regras da pintura acadêmica. A surpresa e a incompreensão foram
inevitáveis. As obras que a pintora trouxe dos Estados Unidos deixaram em sua família
uma sensação tão grotesca, que o mal-estar durou por anos.
Após o artigo de Lobato, publicado em O Estado de S. Paulo, edição da tarde, em
20 de dezembro de 1917, com o título “A propósito da Exposição Malfatti”, as telas
vendidas foram devolvidas, algumas quase foram destruídas a bengaladas. O artigo
gerou uma verdadeira catilinária de trechos em jornais contra Anita. A primeira voz
que se levantou em defesa da pintora foi a de Oswald de Andrade. Num artigo de
jornal, ele elogiou o talento de Anita e a parabenizou pelo simples fato de ela não
ter feito cópias. Pouco depois, jovens artistas e escritores, como Mário e Oswald
de Andrade, Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, possuídos pelo desejo de
mudança que as obras de Anita suscitaram, uniram-se a ela.
Anita iniciou estudos com o pintor acadêmico Pedro Alexandrino, no ano de 1919, e
também com o alemão George Fischer Elpons, bem mais moderno que o velho mestre
das naturezas mortas. Foi nessa ocasião que conheceu Tarsila do Amaral, que tinha
aulas com os mesmos professores. Depois do pai, também o tio Jorge Krug, que a
havia ajudado tanto, faleceu e Anita precisou buscar caminhos para vender suas
obras.
Após a enorme confusão causada por Monteiro Lobato, a vida de Anita Malfatti
começou a ter certa normalidade. O tempo que se seguiu após a exposição foi de
assimilação do novo, da percepção daquilo que até então não fora nem sonhado.
Anita estava feliz entre o círculo modernista, uma vez que ele vinha ao encontro de
suas aspirações artísticas, e entraria também para o comentado “grupo dos cinco”.
A Primeira Guerra Mundial pôs um ponto final aos hábitos e costumes da belle
époque. Foi fatal também para o academismo. Seus espaços eram ocupados pela arte
moderna, que, com grande sucesso, se espalhara por todos os cantos e continuava
em expansão acelerada nos salões, galerias e coleções.
Há muito tempo Paris atraía os artistas brasileiros – que eram e continuavam
acadêmicos. Em 1923 o modernismo brasileiro estava em Paris, atualizando-se. E
Anita estava lá, na tentativa incansável de encontrar-se. Apesar das muitas dúvidas
que ainda tinha em relação a que caminho seguir na sua arte, Anita não deixou
de trabalhar, de produzir. Logo no início do estágio francês, Anita parece ter se
aconselhado com o pintor Maurice Denis, possivelmente atraída pelos aspectos
da pintura religiosa. Nesse último estágio, uma das características mais fortes de
Anita era a busca por uma postura menos polêmica em comparação com a época
norte-americana. Em Paris muitos pintores das mais diversas origens passavam
pela experiência da releitura da arte de séculos passados, como Picasso, por
exemplo. Nessa fase de, pode-se dizer, “um aprender de novo”, Anita testou várias
possibilidades e frequentemente produzia obras interessantes. Nesses cinco anos, a
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crítica francesa notaria seu trabalho em algumas telas como Interior de Mônaco, A
dama de azul, Interior de igreja e A mulher do Pará.
No final de setembro de 1928, Anita já se encontrava no Brasil. O ambiente artístico
encontrado por Anita na volta era bem diferente do que deixara em 1923. O grupo
inicial evoluíra muito, surgiam novos adeptos e novos movimentos. O número de
artistas plásticos também crescera.
Em 1929 Anita abriu em São Paulo sua quarta individual. Depois de fechar sua
exposição, e até 1932, Anita dedicou-se ao ensino escolar. Retomou suas aulas na
Escola Normal Americana e foi trabalhar também na Escola Normal do Mackenzie
College.
Podemos dividir as fases artísticas de Anita Malfatti em três: a primeira seria quando
define sua forma expressionista de pintar. A segunda seria a das dúvidas de que
caminho seguir na arte. Depois da morte de Mário de Andrade e de sua mãe, Dona
Betty, a artista sofreria uma terceira transformação: a da Anita Malfatti recolhida
na sua chácara, em Diadema. Lá iria finalmente, em paz consigo mesma, “ pintar à
vontade”, “a seu modo”.
Anita morreu em São Paulo, em 1964.
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6 — Paulo Bomfim
A vernissage da exposição de Dudu Santos, perdida numa distante noite de 1963, foi a
largada para uma carreira de sucesso, reconhecida e admirada pela crítica em geral.
Ao longo de todos estes anos Dudu Santos esteve e está presente na cena cultural
paulista, sempre com intervenções fortes, montagens ousadas e o traço definido que
identifica sua obra, mesmo em meio a quadros de outros pintores.
Na longa carreira iniciada ainda antes da noite eternizada por este livro de assinaturas,
Dudu sempre teve, antes de tudo, dentro de casa o apoio para seguir em frente. Sua
mãe, Emy Bomfim, e seu padastro, Paulo Bomfim, desde os primeiros traços estiveram
a seu lado, incentivando, ensinando, colocando o jovem artista no ateliê dos mestres.
E Dudu aprendeu com eles. Criado pela mãe e pelo padastro, Dudu desde cedo
conviveu com o que havia de melhor na cultura paulista e brasileira. E esta convivência
foi essencial para moldar o caráter do homem, dando-lhe a força e a retidão que
transparecem em sua obra.
Por isso, na noite mágica da inauguração de sua exposição de 1963, Paulo e Emy
Bomfim estavam tão felizes quanto o filho. E eles andavam pela galeria lotada
conversando, saudando os amigos, recebendo os desconhecidos com a proverbial
hospitalidade dos paulistas de antigamente, cepa de gente forte, rude e hospitaleira,
que nunca deixou ser humano ao relento porque conhecia a vida no sertão e a
importância de um teto numa noite de chuva.
Paulo Bomfim é um dos maiores intelectuais brasileiros do século 20. Em 1963 estava
no auge de sua forma, como poeta, radialista, homem de televisão, incansável criador
de beleza, recém-entrado na Academia Paulista de Letras, como reconhecimento
da gente de cultura do estado bandeirante e como homenagem ao descendente dos
homens que desbravaram o Brasil, arrancando o ouro de seus esconderijos milenares
e, depois, cultivando café em fazendas que se estendiam por léguas.
Descendente dos maiores da terra, Paulo Bomfim resgata suas origens em Bartira
e João Ramalho, em Cayubi e nos índios e portugueses que, no distante século 16,
povoavam o planalto de Piratininga e davam início à saga fantástica da metrópole
atual, então pequena vila, permanentemente em movimento, que se protegia do
ataque dos índios atrás de tranqueiras rudimentares, até se instalar na região do
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Colégio dos Jesuítas e definir o nome de São Paulo.
Na vernissage de Dudu Santos, Paulo Bomfim e Emy, juntos, repartiam com o filho
a glória e o sucesso da noite. Do lado de fora o clarão da aurora trazia um quê do
cinza opaco que em poucos meses desandaria em desordens, arruaças e quebra de
hierarquia, que jogariam o Brasil mais uma vez numa sinuca de bico que barraria o
desenvolvimento da democracia, desmantelada por um governo fraco, por ideologias
totalitárias e por militares que se recusavam a deixar o poder por mais tempo que o
necessário.
Paulo Bomfim nasceu em São Paulo, no dia 30 de setembro de 1926, e descendia
de bandeirantes e de fundadores de cidades. As origens da temática do Armorial
circulam em suas veias. De seu amor à terra surge também a comemoração do “Dia
do Bandeirante”, celebrado pela primeira vez em 14 de novembro de 1961. Iniciou suas
atividades jornalísticas em 1945, no Correio Paulistano, indo a seguir para o Diário de
São Paulo a convite de Assis Chateaubriand. Lá escreveu durante uma década “Luz
e Sombra”. Também redigiu “Notas Paulistas” para o Diário de Notícias, do Rio de
Janeiro. Foi diretor de Relações Públicas da Fundação Cásper Líbero e fundador, com
Clóvis Graciano, da Galeria Atrium. Homem de TV, produziu “Universidade na TV”,
juntamente com Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho, no Canal 2, “Crônica da
Cidade” e “Mappin Movietone”, no canal 4. Apresentou, no Rádio Gazeta, “Hora do
Livro” e “Gazeta é Notícia”.
Seu livro de estreia foi Antônio Triste, publicado em 1947, com prefácio de Guilherme
de Almeida e ilustrações de Tarsila do Amaral.
Em sua apresentação, Guilherme de Almeida saudava o jovem estreante como “o
novo poeta mais profundamente significativo da nova cidade de São Paulo”. Antônio
Triste foi premiado em 1948 pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Olavo
Bilac. Fizeram parte da comissão julgadora Manuel Bandeira, Olegário Mariano e Luiz
Edmundo. Bomfim publica a seguir Transfiguração (1951), no qual envereda, por meio
do soneto inglês, nos roteiros de Gama, transpostos para a descoberta do mar secreto
e das Índias interiores. Depois, em Relógio de Sol (1952), lida com a alquimia poética e
lança as primeiras cantigas, musicadas por Dinorah de Carvalho, Camargo Guarnieri,
Theodoro Nogueira, Sérgio Vasconcelos, Oswaldo Lacerda e outros.
Lança em 1954 Cantiga de desencontro e Poema do Silêncio, surgindo depois Armorial,
de profundas vivências ancestrais, no qual o bandeirismo é projetado no reino mágico
dos mitos. “Volta proustiana ao passado paulista”, como escreveu Cassiano Ricardo.
Clóvis Graciano é o ilustrador dessa edição. Em 1958, lança Quinze anos de poesia
e Poema da descoberta. Publica a seguir Sonetos (1959), Colecionador de minutos,
Ramo de rumos (1961), Antologia poética (1962), Sonetos da vida e da morte (1963),
Tempo reverso (1964), Canções (1966), Calendário (1963), Poemas escolhidos (1973),
com prefácio de Nogueira Moutinho, Praia de sonetos (1981), com prefácio de Almeida
Salles e ilustrações de Celina Lima Verde, Sonetos do caminho (1983), com prefácio
de Gilberto de Mello Kujawski, Súdito da noite (1992), com prefácio de Ignácio da
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Silva Telles e capa de Dudu Santos, 50 anos de poesia, com prefácio de Rodrigo Leal
Rodrigues e Sonetos, pela Universitária Editora de Lisboa.
Suas obras foram traduzidas para o alemão, o francês, o inglês, o italiano e o
castelhano. Em noite memorável de 23 de maio de 1963, entrou para a Academia
Paulista de Letras, onde foi saudado por Ibrahim Nobre
Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Estadual de Honrarias
e Mérito, na década de 1970. Em 1981 foi eleito Intelectual do Ano pela União Brasileira
de Escritores, conquistando o Troféu Juca Pato. Em 1991 recebe o título de Príncipe
dos Poetas Brasileiros, outorgado pela Revista Brasília, e o prêmio Obrigado São Paulo,
da TV Manchete. É hoje o Decano da Academia Paulista de Letras.
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7 — Outras assinaturas
O livro de assinautras da noite de Dudu Santos, em 1963, traz outros nomes
fantásticos, reconhecidos nas mais diferentes áreas da atividade humana.
Entre eles, Thomaz Ianelli (São Paulo, 1932-2001). Pintor, gravador, aquarelista
e desenhista. Começa a trabalhar como aprendiz em uma empresa de desenho
publicitário, a Companhia de Anúncios em Bondes, onde ficou de 1948 a 1955.
No início da década de 1950, frequenta o ateliê de seu irmão, o pintor e escultor
Arcângelo Ianelli (1922). Em 1953, tem aulas de desenho e pintura com Angelo
Simeone (1899-1974), na Associação Paulista de Belas- Artes, em São Paulo. Entra em
contato com os artistas Mario Zanini (1907- 1971), Flexor (1907-1971) e Arnaldo Ferrari
(1906-1974), entre outros. A partir de 1957, dedica-se à pintura e, no ano seguinte,
integra o Grupo Guanabara, participando de suas mostras coletivas. Em 1961, com o
Prêmio Viagem, que recebe no Concurso Velázquez, do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro – MAM/RJ, viaja para a Europa e conhece obras de artistas como Paul
Klee (1879-1940) e Karel Appel (1921-2006), que passam a influenciar sua pintura. Em
1965, ministra curso de desenho no Centro de Estudos Brasileiros, em Lima. Recebe
Prêmio Aquisição nas 9ª e 12ª edições da Bienal Internacional de São Paulo, em 1967
e 1975. Torna-se membro do conselho da Associação Internacional de Artes Plásticas
da Unesco, em 1972, e, dez anos depois, é eleito o primeiro presidente da Associação
Profissional de Artistas Plásticos. Em 1979, participa do Congresso Internacional de
Artes Plásticas, realizado em Stuttgart, na Alemanha, e trabalha em um ateliê de
Rothrist, na Suíça. Em 1981, produz séries de têmperas e gravuras em metal. Em 1997,
ilustra o livro Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, publicado pela editora Bibla,
e, em 2000, é lançado pela editora Berlendis & Verteccia o livro Pinturas de Thomaz
Ianelli: arte para criança, de Alberto Goldin.
Luiz Paulo Baravelli (São Paulo, 1942), desenhista, pintor, gravador e escultor
brasileiro. Estudou pintura e desenho na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP),
tendo permanecido ali dos dezoito aos vinte anos. Passados dois anos, recorreu à
Universidade de São Paulo, onde estudou Arquitetura. Simultaneamente, começou a
estudar pintura e desenho com Wesley Duke Lee. Começou então, nesse período, a
retratar modelos ao vivo, método que até hoje mantém.
Em 1971, surgiu pela primeira vez, numa exposição coletiva no Museu de Arte Moderna
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de São Paulo (MAM). No ano seguinte, perto do reconhecimento nacional, participou,
com uma sala especial, na exposição Brasil Plástica 72, na Fundação Bienal de São
Paulo, agraciado com o Prêmio Aquisição.
No ano de 1979 concebeu o óleo sobre tela No museu. O quadro, que hoje se encontra
no Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi doado ao museu pelo próprio artista. No
museu é visto como uma das mais interessantes e relevantes pinturas de toda a obra
de Baravelli.
Após o Prêmio Aquisição, seguiu-se uma série notável de outros, dos quais se
destacam o de Melhor Pintor de 1982 e 1992, prêmios entregues pela Associação
Paulista de Críticos de Arte. Seguidamente, consagrou a sua carreira em exposições
internacionais de destaque, entre as quais se contam a participação na XLI Bienal
de Veneza, em 1984, e a exposição individual, no ano seguinte, no Hara Museum of
Contemporary Art, em Tóquio, no Japão.
Até a atualidade, as críticas têm sido favoráveis. Dessas críticas sobressai a de
Roberto Pontual, que afirmou que “Baravelli situa-se como pesquisador de múltiplas
técnicas e materiais, desde o Desenho à Pintura até a Escultura; do objeto, desde o
ferro e a madeira até o acrílico e a fórmica. Ao mesmo tempo introspectivo e crítico,
a sua obra desenvolve-se como anotação e transfiguração constantes, ao nível
aproximado de um diário autobiográfico”.
A sua última exposição na cidade de São Paulo foi inaugurada na Galeria Nara Roesler,
no dia 13 de Agosto de 1996, e intitulava-se “Série Branca”, com grande sucesso e
repercussão. Deitando um olhar retrospectivo à sua carreira artística e fazendo uma
análise dessa exposição, Baravelli afirmou que “o fundo branco raramente é figurativo,
no sentido de representar objetos brancos; é mais neutro, mas multidimensional,
onde a ação se passa; estas pinturas são narrações, representação de cenas. As
figuras têm o mesmo papel do espectador: observam.”
Wesley Duke Lee (São Paulo, 1931-2010). Filho de William Bowman Lee Jr, descendente
de uma família do sul dos Estados Unidos, e de Odila de Oliveira Lee, filha de
portugueses do Douro e Beira Alta, Wesley inicia seus estudos no curso de desenho
livre do MASP, em 1951. No ano seguinte, embarca para Nova York, onde estuda na
Parsons School of Design e no American Institute of Graphic Arts até 1955 e entra em
contato com a obra de Robert Rauschenberg, Jasper Johns Cy Twombly e com a pop
art em geral. De volta ao Brasil, abandona a carreira publicitária e estuda pintura com
o italiano Karl Plattner, que então vivia no Brasil. Acompanha-o à Itália e à Áustria até
1960. Também viaja a Paris, onde tem aulas na Académie de la Grande Chaumière e no
ateliê de Johnny Friedlaender.
Novamente retorna ao Brasil, em 1963. Ousado e polêmico, inicia um trabalho com
jovens artistas e realiza, em 23 de outubro do mesmo ano, no João Sebastião Bar, em
São Paulo, “O Grande Espetáculo das Artes”, um dos primeiros happenings do Brasil.
Com Maria Cecília Gismondi, Bernardo Cid, Otto Stupakoff e Pedro Manuel-Gismondi,
entre outros, procura formar um grupo dedicado ao Realismo Mágico. Participou
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também, em 1966, da fundação do Grupo Rex, com Geraldo de Barros, Nelson
Leirner, José Resende, Carlos Fajardo e Frederico Nasser. A iniciativa, uma reação
combativa e bem-humorada ao mercado de artes na década de 1960, perdurou até
1967, desdobrou-se no espaço alternativo Rex Gallery & Sons e no jornal Rex Time.
Desenhista, gravador, pintor e professor, Wesley Duke Lee foi um dos introdutores
da Nova Figuração no Brasil. Entre 1964 e 1966, a convite de Walter Zanini, primeiro
diretor do MAC-USP, participa, juntamente com Bin Kondo, Fernando Odriozola e Yo
Yoshitome, do Phases, movimento artístico surgido na França, com base surrealismo.
Em 1964, foi um dos primeiros voluntários para testes sobre os efeitos do LSD, numa
clínica em São Paulo. Tomava o ácido e se trancava numa sala para desenhar. Essa
experiência resultou nas séries Lisérgica e Da Formação de um Povo, ambas dotadas
de forte carga política contra o regime militar que se instalava no país.
Nos anos 1980, trabalhou no Centro de Reprodução Xerox, em Nova York,
incorporando fotocópia, polaroid, vídeo e computação gráfica ao seu trabalho. Duke
Lee teve trabalhos expostos na 44ª Bienal de Veneza e na 8ª Bienal de Tóquio. Dizia-se
influenciado pelo movimento dadaísta, pela pop art e pela publicidade.
O artista expôs em São Paulo, pela última vez, em 2006. Sofria, desde 2007, do mal
de Alzheimer e faleceu em 12 de setembro de 2010, aos 78 anos de idade, vítima
de complicações respiratórias decorrentes de sua doença. No dia de sua morte,
realizava-se no Rio de Janeiro uma exposição retrospectiva da sua carreira.
Maria de Lourdes Teixeira (1907-1989), escritora. Recebeu o Prêmio Jabuti de
Literatura, categoria Romance, nos anos de 1961 e 1970. Foi a primeira mulher a
ser eleita para a Academia Paulista de Letras e casada em segundas núpcias com
o também acadêmico José Geraldo Vieira (1897-1977). O seu filho Rubens Teixeira
Scavone (1925-2007) também pertenceu à Academia Paulista de Letras e foi vencedor
do Prêmio Jabuti de Literatura, categoria Romance, em 1973.
Mario Zanini (São Paulo, 1907-1971), pintor. Descendente de família humilde, ainda
adolescente frequentou a Escola de Belas-Artes. Participou dos principais certames
oficiais do país. Fez viagem de estudos à Europa em 1950. Participou das três primeiras
bienais de São Paulo.
Fez parte do Grupo Santa Helena, núcleo da futura Família Artística Paulista. O que,
entretanto, o distingue dos demais integrantes do Grupo Santa Helena e da Família
Artística Paulista é o seu colorido, intenso, profundo, quase ingênuo: ao lado de
Alfredo Volpi, Zanini é um dos grandes coloristas da moderna pintura brasileira.
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8 — Finalmente
Se uma noite tem o dom de marcar uma vida, essa noite de 1963, indelevelmente
gravada no livro de assinaturas por gente das mais variadas origens e com os mais
variados graus de reconhecimento, tem o dom de trazer de volta um Brasil que não
mais existe. Um país em plena mudança, com os traumas e dificuldades de todas
as mudanças. Um país que transitava do rural para o urbano, que via suas cidades
explodirem, as fábricas tomarem os horizontes, enquanto cafezais se espalhavam pelo
interior, ainda gerando riquezas, mas dividindo os espaços com a cana, o algodão e o
gado que começavam a lhe fazer concorrência.
A moda de viola dava lugar à bossa nova. A pinga no botequim de beira de estrada
abria espaço para bebidas mais sofisticadas, uisque, gim, vodca, servidas em bares
refinados, ao som de um piano.
O Brasil de 1963 vivia um de seus melhores momentos no campo das artes e da
criação.
Dudu Santos é fruto deste período. Por isso, até hoje é reconhecidamente um dos
grandes pintores de sua geração.
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