CASA DE QUITANDA BROCOLIS E REGIÃO SUDESTE

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CASA DE QUITANDA BROCOLIS E REGIÃO SUDESTE
I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS
Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012
CASA DE QUITANDA: BROCOLIS E REGIÃO SUDESTE
Bruna de Castro Mendes – CEUNSP, [email protected]
Regina Coeli Carvalhal Perrotta – [email protected]
Antonia Aparecida Pascoetto Mosca
Adriana Rodrigues Da Silva
Claudia Feijó De Mello
Katerine Bonilha Leite
GT01 – A Produção de Alimentos Tradicionais nos Territórios Rurais e Urbanos
Resumo
Este trabalho procurou investigar a cultura gastronômica da Região Sudeste do Brasil, com a
inserção do brócolis neste contexto, para a abertura de uma Casa de Quitanda na cidade de
Itu. Para tanto, foram identificados os principais insumos e pratos típicos da região, bem
como as diferentes espécies de brócolis, procurando-se o seu total aproveitamento. Com
relação ao empreendimento, aplicou-se um questionário com o objetivo de traçar um perfil
dos possíveis consumidores, no qual foi verificado além do potencial positivo de consumo,
um desconhecimento com relação ao conceito das Quitandas, sendo esse aspecto considerado
uma oportunidade no presente trabalho. Ressalta-se a possibilidade do uso efetivo do insumo
tanto em sua totalidade, como em seus diversos aspectos, seja doce ou salgado, unindo-o, de
maneira harmônica, com a região sudeste.
Palavras-chave: Região Sudeste. Brócolis. Gastronomia Brasileira. Quitandas.
Introdução
Ao estudar e pesquisar acerca de uma cultura local deve-se contemplar a análise da
alimentação, já que, como afirma Dutra (2004), é através da culinária regional que se pode
entender os povos, as pessoas, e assim caracterizar a cultura daquele lugar. É neste sentido
que a cozinha de uma sociedade pode revelar-se como eixo central da integração entre
natureza e cultura, pois, conforme Maciel (2004, p.27) ressalta, “a cozinha de um povo é
criada em um processo histórico que articula um conjunto de elementos referenciados na
tradição, no sentido de criar algo único- particular, singular e reconhecível”.
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Porém, quando se analisa a gastronomia brasileira, embora ela tenha nascido de três raízes, a
indígena, a africana e a portuguesa (RAMOS, 2004), o que se identifica, é uma cozinha
diversificada e influenciada por várias etnias. O resultado são influências com intensidades
diferentes de cada um dos imigrantes que aqui chegaram, o que, dependendo da região
analisada, acarreta em particularidades com relação a hábitos alimentares. Logo, chegar a uma
unidade cultural e identidade nacional em um território tão extenso, e com história e matrizes
complexas, é algo quase inalcançável quando se trata do Brasil (MARANHÃO, 2009).
Diante dessa diversidade, Camargo (2004) enfatiza que para ser criado um padrão
gastronômico, a culinária local deve ser consolidada preservando os ritos, a tradição e a
manutenção dos hábitos através do cotidiano e das relações interpessoais, conceito também
trabalhado por Gimenes (2009), que define que o elemento típico deve englobar além de
ingredientes, técnicas culinárias e receitas, uma delimitação geográfica, além de
características passíveis de serem reconhecidas por outras pessoas, passando a ser
reproduzidos com finalidade simbólica.
No caso do Brasil, a natureza privilegiada nos permite uma gama de diferenças regionais
ainda maiores e, procurando suas identidades, as regiões brasileiras constituíram sua culinária
característica. A individualização das tradições gerou alguns tipos de cozinha, na qual pode-se
destacar a cozinha da região sudeste do Brasil, composta de quatro estados: Espírito Santo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Cada um com suas peculiaridades ajudaram a
desenvolver uma cozinha modelo e particular e, como toda cozinha típica, fundamenta-se em
raízes regionais, preservando o uso de alimentos emblemáticos.
Resgatando o uso desses alimentos para manutenção das tradições, percebe-se que o brócolis
se faz presente na culinária típica da região sudeste desde o século XVIII, como afirmam
Madeira, Reifscheneider e Giordano (2008), salientando que este foi trazido pelos
portugueses, juntamente com outros legumes europeus, com a vinda da corte portuguesa para
o Brasil, definição considerada para o desenvolvimento do presente estudo. Porém, outros
estudos relatam que o brócolis foi introduzido nos Estados Unidos por imigrantes italianos,
durante o início do século XX, tornando-se popular e espalhando-se pelo mundo nos últimos
cinqüenta anos (DIXON; DICKSON, 2006 apud MELO; MADEIRA; PEIXOTO, 2010).
O brócolis ou brócolos é oriundo do litoral da Europa Ocidental, da mesma forma que a
couve-flor, a couve manteiga, a couve tronchuda, a couve de Bruxelas, a couve rábano e o
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repolho (TIVELLI, 2011). Tal vegetal, como afirmam Gomensoro (1999), Algranti (2004) e
Gonsalves (2001), do ponto de vista nutricional, é rico em enxofre, potássio, ferro e cálcio,
caracterizando-se também como uma fonte de fibras e vitaminas lipossolúveis e
hidrossolúveis, mais especificamente a vitamina A e a vitamina C. Ainda segundo os
mesmos, o brócolis possui cinco vezes mais cálcio que o leite de vaca sendo uma boa fonte
deste mineral, já que o cálcio presente no brócolis é mais biodisponível que o do leite.
Desta forma, pretendendo-se resgatar o uso do brócolis, presente na região desde o século
XVIII, definiu-se como objetivo desse presente estudo, investigar a cultura gastronômica dos
estados da região sudeste do Brasil,com posterior inserção do brócolis no seu contexto, para o
desenvolvimento de uma Casa de Quitanda .
Para alcançar o objetivo traçado, constituíram como objetivos específicos identificar os
principais insumos da região sudeste; o público alvo do empreendimento; reconhecer os
principais pratos típicos; levantar as diferentes espécies de brócolis; relacionar o brócolis e a
cozinha do sudeste. Logo, de acordo com os objetivos gerais e específicos, utilizou-se o
método indutivo, de caráter exploratório, com tratamento de dados quantitativo.
O brócolis como destaque
Segundo Gomensoro (1999), o brócolis pode ser definido como um vegetal, com a
denominação científica de Brassica oleracea, pertencente à família das crucíferas, sendo
comestível suas inflorescências, folhas e a parte tenra do caule, que deve ser descascado.
Dessa forma, torna-se possível um aproveitamento quase total do insumo, sendo necessária
apenas a escolha correta do método de cocção a ser aplicado, para que se tenha a textura , o
sabor ideal para a preparação e a manutenção de suas vitaminas e seus minerais. O método de
cocção mais indicado para a manutenção da vitamina C, por exemplo, nas inflorescências do
brócolis é o cozimento à vapor por quatro minutos (AQUINO et al., 2011).
Freire e Lima (2009) fazem uma ressalva ao destacarem que os vegetais da família Cruciferae
ou Brassicaceae possuem uma proteína denominada feniltiocarbamida que ao ser ingerida
provoca um gosto amargo para algumas pessoas, fato este relacionado a características
genéticas ligada a um gene dominante, que é passado de pai para filho, o que significa que
para alguns, o sabor pode ser desagradável.
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Apesar da preocupação acima, o insumo em questão apresenta características interessantes
que superam esse detalhe. Estudos relatam que esta crucífera apresenta açúcares como a
glicose, frutose e sacarose, o que pode lhe evidenciar um grau de doçura (EVANGELISTA et
al., 2003), sendo descrito, também, como possuidor de uma ação calmante, remineralizante e
laxativa (GONSALVES, 2001). Pesquisas realizadas na Escola de Medicina David Geffen, na
Universidade da California e na Environmental Protection Agency dos Estados Unidos, citada
por Jobst (2011), concluíram que esta crucífera possui potentes efeitos biológicos devido a
presença de sulforanos,que são compostos com enxofre, que estimulam uma resposta
antioxidante em seres humanos, o que confere proteção contra processos inflamatórios e
podem ajudar no bloqueio dos efeitos nocivos da poluição do ar.
Sabe-se que existem cultivares do tipo “ramoso” e do tipo “cabeça”, sendo os do tipo ramoso,
de inverno e de primavera–verão, denominados como “Ramoso Santana” e “Ramoso
Piracicaba”, além de um híbrido com adaptabilidade termoclimática intitulado “Flórida”, já os
do tipo “cabeça” também são híbridos, sendo os mais conhecidos “Karatê” e o “Legacy”
(FILGUEIRA, 2000 apud EVANGELISTA et al, 2003). Por ter exigências climáticas que
favoreçam o seu crescimento em temperaturas inferiores a trinta graus Celsius, o brócolis
cresce em diferentes partes do mundo, mas se a temperatura ultrapassar este valor pode-se ter
uma deformação nas cabeças de cultivares sensíveis (BJORKMAN e PERARSON, 1998 apud
TREVISAN et AL, 2003), e por isso foram desenvolvidos os híbridos, que são definidos por
Kokopelli (2011) como o “cruzamento de duas variedades diferentes resultando numa planta
com traços de ambas as variedades, [...] geralmente são maiores e produzem sementes ou
frutos maiores, ou tem alguma característica desejável não possuída por nenhum dos pais” .
Algranti (2004) e Gonsalves (2001) enfatizam que no Brasil os tipos mais cultivados são o
especial- da –sicília e o roxo- da- Itália. Entretanto, para Tivelli (2011) os mais cultivados
diferenciados apenas pelas características do cultivo, são o brócolis de cabeça única e o
ramoso. O primeiro pode também ser chamado de ninja, um híbrido mais fácil de cultivar,
pois além de ter colheita única, tem uma durabilidade maior para o consumo, enquanto o
ramoso não suporta mais de dezoito horas após sua colheita, sendo esse segundo Tivelli
(2011) o mais saboroso, podendo ambos serem consumidos cru ou cozido.
Para Gomensoro (1999), em decorrência do seu sabor característico e delicado, o brócolis
pode ser cozido, em água e sal; com molhos variados;na forma de suflês, misturado ao arroz,
como recheio de tortas e em sopas. “Pode ser comido frio em saladas, refogado em óleo e
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temperos (alho e cebola) ou gratinado, assim como recheio de tortas, pudins e bolos salgados”
(ALGRANTI, 2004 p.89), sendo também freqüentemente usado como acompanhamento para
o bacalhau, aplicando-se técnicas de cocção tipicamente portuguesas.
Considerando todas as potencialidades do brócolis e procurando recuperar o seu uso em
pratos tradicionais de uma região que já o utilizava anteriormente, selecionou-se a região
sudeste como base para o processo de releitura e inovação a que se propõe esse trabalho,
conforme explicado abaixo.
O Sudeste
A região sudeste do Brasil é composta por quatro estados, sendo eles Espírito Santo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, tendo duas das principais metrópoles nacionais,
consideradas cidades globais, possuindo a maior concentração populacional do território
brasileiro, ou seja, maior densidade demográfica e o mais alto índice de urbanização,
contribuindo para o reconhecimento da região como o principal gerador de riquezas
econômicas para o país (BRASILESCOLA, 2011).
As variadas paisagens e os diferentes costumes fazem desta região um interessante local de
descobertas e tradições do povo brasileiro, fato também observado na cultura alimentar, pois
se tem uma complexa interligação de técnicas e representações sobre o que, quando, como,
onde, com quem e por que se come, além das influências do ambiente onde se vive
(ESPEITIX, 2004 apud LOBO, 2008).
Utilizando-se como base uma pesquisa realizada por Lobo (2008) em pólos ecoturísticos e
complementadas por Abril (2009), podem-se destacar algumas influências gastronômicas em
cada estado dessa região, fato que pode ser observado no quadro 01.
ESTADO
INFLUÊNCIA
Cozinha indígena e quilombola (Apiaí e Eldorado), Cozinha caiçara
(Cananéia), Cozinha Típica de Fazenda (Brotas e Socorro).
São Paulo
Cozinha típica mineira (Lima Duarte e a região das cidades históricas),
Cozinha sertaneja (Januária)
Minas Gerais
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Cozinha caiçara (Angra dos Reis, Paraty), Cozinha típica Alemã e Suíça
(Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo).
Rio de Janeiro
Cozinha típica Italiana (Venda Nova do Imigrante e Santa Teresa),
Cozinha típica Alemã (Domingos Martins)
Espírito Santo
Quadro 1: Influências gastronômicas nos estados da Região Sudeste
Fonte: adaptado pelas autoras de Lobo (2008), Abril (2009).
Como se pode observar pelo quadro há uma grande diversidade de influenciadores na região
sudeste. Percebe-se que o próprio estado de São Paulo tem influências variadas, dependendo
da região selecionada, e por isso, a cidade de São Paulo, é eleita como o maior cenário
gastronômico nacional, sendo considerada capital brasileira da gastronomia (CHAVES;
FREIXA, 2007). Tal cidade tem suas raízes culinárias baseadas nos formadores da cozinha
brasileira, com uma forte herança portuguesa com pinceladas de influência indígena e negra,
tendo aprendido com os últimos, o uso da mandioca, do milho e do feijão e com os
portugueses o gosto pelos peixes e frutos do mar (RAMOS, 2004). Além do gosto pelas frutas
herdado dos índios, como o pinhão, a jabuticaba, o araçá, a pitanga e o cambuci (ABRIL,
2009).
Os bandeirantes que partiram em direção ao interior de São Paulo e chegaram às Minas
Gerais, em busca de ouro e índios para escravizar, também constituem personagens
importantes na formação da culinária paulista e mineira,e os insumos que eles utilizavam,
tinham características de alimentos que fornecessem energia, para dar força e vitalidade
durante suas caminhadas, e ao mesmo tempo, não tivessem chance de se deteriorar tão
facilmente, devido às condições em que eles viviam. A dieta era composta basicamente de
feijão, carne seca, toucinho, mandioca, milho, frutas e carnes de caça (ABRIL, 2009),
ressaltando que as frutas silvestres, palmitos, peixes de rio também pertenciam da mesma
forma no cotidiano da culinária paulista (CAVALCANTI, 2007).
E como a culinária paulista e mineira guardam estreita relação, tem-se como ponto de
aproximação o Tutu à mineira, que se assemelha com o Virado à Paulista, com algumas
diferenças, sendo ambos herança dos bandeirantes (CHAVES, FREIXA, 2007). Entretanto,
Ramos (2004), afirma que a culinária paulista típica está acabando, pois está misturada e
dominada pelas culinárias dos imigrantes, sendo que São Paulo tornou-se uma miniatura do
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mundo, onde os gostos, costumes e comidas se misturam e entrecruzam, tanto que, este fato
pode ser reiterado como relata Cavalcanti (2007), justamente porque a cidade de São Paulo
acolheu migrantes do Brasil e imigrantes do mundo, criando uma variedade de cardápios sem
paralelos em qualquer lugar do país
Resgatando os costumes, a culinária mineira é caracterizada principalmente pelo hábito de
oferecer quitandas, tendo como principal e mais famoso, o pão de queijo, juntamente com o
biscoito de polvilho, a broa de fubá, o curau, os doces, e os bolos, sempre servidos com café,
todos acompanhados dos queijos mineiros, que são consumidos frescos ou curados, sendo as
variedades mais conhecidas, o tipo minas, reino e do serro (ABRIL, 2009).
Porém, é nos doces que a culinária mineira se supera, como afirma Ramos (2004), ao
combinar tradição dos portugueses com as frutas da terra, resultando em doces em pasta ou
compotas, como a goiabada, o doce de laranja e o de banana, e ainda como ressalta Cavalcanti
(2007), a geléia de jabuticaba, tudo acompanhado pelo queijo de minas.
A influência da cozinha mineira não se dá apenas no Rio de Janeiro e São Paulo como
enfatiza Ramos (2004), pois como ressalta Erbetta (2010), a culinária de Minas Gerais guarda
também relação com a cozinha capixaba, apesar do predomínio do toque indígena nas suas
preparações.
No que concerne ao estado do Rio de Janeiro, nota-se uma influência marcadamente
portuguesa e africana (CHAVES; FREIXA, 2007), já que com o estabelecimento da corte
portuguesa no Brasil, no início do século XIX, foram deixadas fortes influências de Portugal
no paladar fluminense (ERBETTA, 2010). O gosto pelo bacalhau, cozidos, ensopados e
caldos evidencia bem este fato, tendo o bacalhau, como um dos principais insumos
portugueses presentes no estado, sendo consumido grelhado, cozido ou assado, acompanhado
de brócolis, azeitonas, cebola, grão de bico, batata, ovo cozido e arroz branco ou com brócolis
(ABRIL, 2009). No campo gastronômico, o Rio de Janeiro sempre se destacou, já que as
grandes novidades culinárias da época, como explica Cavalcanti (2007), sempre estreavam na
cidade, como foi o caso do sorvete em 1834, tendo sido trazido pelos portugueses em um
navio americano, com um carregamento de cento e sessenta toneladas de gelo.
Devido ao predomínio do gosto europeu, tem-se como destaque a feijoada, que deriva dos
cozidos praticados na Europa, à base de feijões e favas (CASCUDO apud ABRIL, 2009). Para
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Chaves e Freixa (2007) e Erbetta (2010), outros clássicos cariocas são o bolinho de bacalhau,
o caldo verde, o filé à cavalo, o bolinho de aipim, o croquete de carne, a empadinha de
camarão e os doces de confeitaria.
Na região serrana, devido à presença de imigrantes e descendentes de alemães, suíços e
finlandeses, tem-se fondue e o kassler, sem esquecer-se da truta na região de Visconde de
Mauá, indo para o interior, com influências dos mineiros, tem-se também o tutu de feijão e a
farinha de mandioca (ERBETTA, 2010).
Caracterizando a culinária do Espírito Santo, percebe-se que a mesma, baseia-se na utilização
de peixes, palmito, urucum, coentro, pimenta malagueta, farinha de mandioca, milho e frutos
do mar, tendo como principais atrativos, a moqueca e a torta capixaba, sendo que a primeira
normalmente não leva azeite de dendê nem leite de coco, e é acompanhada de pirão ou banana
da terra, utilizando-se a fruta tanto para doces quanto para salgados (ABRIL, 2009).
Nas cidades litorâneas a influência é predominantemente indígena, como relata Chaves e
Freixa (2007), porém na região serrana nota-se traços da culinária de imigrantes italianos,
portugueses e alemães, com a presença de tortei de abóbora, produção de lingüiças
defumadas, e o brote (pão de milho pomerano feito com fubá, batata-doce ou inhame), fato
que Cavalcanti (2007), define como o cruzamento de diversas espécies culinárias, que
resultam em extraordinários produtos híbridos. Ainda segundo ele, ao norte do estado tem-se
uma influência baiana, com o consumo de beijus de tapioca e coco para acompanhar o café
com leite matinal e produção de carne seca como acompanhamento para o quibebe; e no
sudoeste, a proximidade com os mineiros faz com que os doces de compota e os doces
caseiros sejam presença marcante.
Ainda com relação aos doces, Chaves e Freixa (2007), reafirmam que as guloseimas típicas
com influências estrangeiras são inúmeras, destacando-se as brevidades com raspas de limão,
o apfelstrudel, as geléias e as rosquinhas, enquanto que, as mais tradicionais com
aproveitamento dos ingredientes locais, são a pamonha, o muxá, feito com milho vermelho e
côco ralado, e a machacota, preparada com rapadura, gengibre e farinha de mandioca
(ABRIL, 2009). No norte do estado, os doces típicos baseiam-se na mandioca, na tapioca ou
no milho, sendo tradicionais os beijus de moqueca (CAVALCANTI, 2007).
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Apesar das diferenças gastronômicas de cada estado, é possível identificar insumos comuns
aos pertencentes à região Sudeste, dentre os quais pode-se destacar: a utilização das carnes em
geral, em especial a de porco, e seus embutidos; os peixes e os frutos do mar, com atenção ao
bacalhau; os feijões variados, milho, arroz; a banana, a couve, a mandioca, a batata, a
abóbora, e os temperos (alho, cebola, louro, salsinha, pimenta), sendo alguns destes alimentos
selecionados para compor o cardápio de um empreendimento gastronômico, item a ser
descrito abaixo.
Casa de Quitanda
Procurando-se contribuir com a manutenção da cultura gastronômica da região sudeste,
desenvolveu-se um empreendimento gastronômico que unisse as características regionais
citadas anteriormente com utilização do brócolis, insumo já utilizado localmente, mas sem ter
todo o seu potencial explorado. Para apresentar esse cardápio, optou-se por uma tipologia
ainda não existente na região, especificamente, uma Casa de Quitanda, fazendo-se referência
as quitandas oferecidas pelos mineiros aos seus convidados, porém, instalando-a na cidade de
Itu (SP).
A idéia desse tipo de empreendimento partiu da descrição de Cavalcanti (2007) de que “a
mandioca deu em São Paulo toda espécie de bolos e biscoitos, as quitandas como são
chamadas nas Minas Gerais, e uma infinidade de pratos de sal [...]”, complementada por Abril
(2009) e Chaves e Freixa (2007) que destacam que as quitandas, geralmente são consumidas
em Minas Gerais no lanche da tarde, composto basicamente de bolos, roscas, broas, biscoito
de polvilho, curau, pamonha, canjica com leite, pão de ló d’água, sequilhos e pão de queijo,
sempre acompanhados de café. Entretanto, Cavalcanti (2007) afirma que as quitandas fazem
parte do hábito mineiro logo pela manhã, sobretudo na forma de fubá, em biscoitinhos
“quebra-quebra”, brevidades, sonhos e broas, diferenciando-se do conceito compreendido no
resto do país, como um local apenas para venda de frutas.
Apesar das definições contraditórias, o projeto em questão procurou adaptar o conceito
mineiro a realidade paulista, escolhendo Itu como a cidade-base do projeto, devido ao fato de
a mesma, ser uma estância turística, que atrai muitos visitantes que buscam o conhecimento
acerca das cidades que fizeram parte da rota dos bandeirantes, fato que potencializa um
empreendimento gastronômico com enfoque na tradição e valorização dos recursos típicos,
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pois, como definem Gimenes (2006) e Barreto (2000 apud Lobo 2008), a culinária típica pode
ser ampliada e utilizada como instrumento de diferenciação ao trazer símbolos locais.
Porém, após aplicação de um questionário na cidade, com 128 respondentes, identificou-se
que os moradores locais seriam um público também atendido pelo empreendimento, sendo a
maior parte pertencente ao sexo feminino, residente em Itu, entre 20 a 29 anos, com grau de
escolaridade referente ao Ensino Médio completo, ocupação remunerada e renda familiar
mensal entre R$2.103,00 a R$4.206,00. Quanto ao perfil de consumo, observou-se que a
grande parte sai para comer fora de casa, principalmente em restaurantes e lanchonetes,
acompanhados por amigos, chegando a gastar em média uma quantia superior a R$50,00. Já
com relação ao conhecimento acerca da culinária da região sudeste e seus principais insumos,
um número superior de respondentes afirmou conhecer a cozinha da região, e identificou
como principais insumos: o feijão, a banana, o arroz e o palmito, seguidos nesta ordem,
enquanto que, com relação ao conceito de Quitanda, a maioria identificou como sendo um
estabelecimento onde são vendidas frutas, legumes e verduras.
Para atender o anseio destes consumidores em potencial, foi desenvolvido um cardápio, com
características de lanches, com pães compostos de ingredientes de destaque de cada estado,
acompanhados sempre pelo brócolis e por uma proteína, fazendo com que este sanduíche
possa ser substituído por uma refeição (almoço ou jantar), tornando-o mais completo. E para
ter praticidade, o cardápio foi elaborado seguindo a idéia de “Combos”, que remetem a
opções já combinadas de entrada, prato principal e sobremesa, representando a união dos
estados da região. Dessa forma, foram desenvolvidos os seguintes Combos de acordo com a
tabela abaixo:
COMBO
ENTRADA
P. PRINCIPAL
SOBREMESA
Pampulha do
Ibirapuera
Pastel de carne seca
com folhas
Bolo verde com
creme de café
Bondinho da
Pedra dos olhos
Camarão com
palmito,brócolis e
banana de terra
Pão de queijo com
pernil e relish de
brócolis
Pão de feijão preto com
frango e requeijão de
brócolis
Estação da Luz de
Ipanema
Salada de fusili com
pesto de brócolis
Pão de pinhão com
refogado de legumes à
chinesa
Cocada com talos
de brócolis
Frozen de iogurte
com calda de
brócolis
Quadro 2: Composição dos combos da Casa de Quitanda.
Fonte: As autoras, baseado na pesquisa realizada.
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Para o desenvolvimento do empreendimento na cidade de Itu, foi escolhido um casario com
tombamento histórico, na região central da cidade próxima a alguns pontos turísticos. Por ser
uma construção tombada, não é permitido que se altere a fachada, e dessa forma, as
características foram mantidas, modificando-se apenas a cor da fachada, e o interior da
construção. O casario também possui alguns empecilhos no que concerne a ventilação de
algumas áreas, mas que serão solucionadas com a presença de clarabóias que permitirão a
circulação de ar.
Considerações Finais
Para o desenvolvimento deste trabalho foi necessário inicialmente uma pesquisa bibliográfica
detalhada sobre o brócolis e a região sudeste. Para a região, as referências encontradas foram
variadas, enquanto, no que se refere à inserção do brócolis no país, teve-se uma maior
dificuldade, já que existe uma divergência com relação a datas e origens. Mas apesar desta
discordância, foi verificado que o brócolis sempre esteve presente no sudeste do Brasil, mas
sem ser sinônimo de insumo emblemático, ou seja,sempre foi usado mas sem destaque.
Outro aspecto de relevância foi a percepção da capacidade de total aproveitamento desta
crucífera: flores, talos e folhas, o que representa uma vantagem sobre outros vegetais, seja do
ponto de vista nutricional, ou do ponto de vista econômico.No que se refere ao sabor,
percebeu-se que apesar das evidências científicas demonstrarem que para alguns, por causa
genética, o gosto amargo se faz presente, o brócolis revelou ser um vegetal com sabor
agradável, sendo necessário a aplicação correta do método de cocção, bem como o tempo de
cozimento adequado.
Já no que concerne ao empreendimento, ao relacioná-lo as tradicionais quitandas mineiras,
notou-se, através da aplicação do questionário, que a maioria das pessoas desconhece este
conceito oriundo de Minas Gerais, existindo outra definição em estados da mesma região.
A escolha do casario para reforma e abertura da Casa de Quitanda na cidade de Itu, exigiu
algumas adaptações para o funcionamento de um estabelecimento comercial na área de
alimentação, mas que não foi descartado, devido ao fato do mesmo ter características que
traduzem de forma visual o conceito do estabelecimento.
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Para o desenvolvimento das receitas, buscou-se a utilização total do brócolis, para que se
demonstrasse sua versatilidade, sem esquecer de selecionar os métodos de cocção ideais para
o mesmo, já que,ao escolher métodos inadequados, o brócolis perdia em sabor,cor e textura.
Por isso, optou-se na maioria das receitas criadas, o emprego de técnicas de cocção rápida,
através de calor úmido, como cozimento a vapor ou branqueamento.
Para finalizar, acredita-se que muitas receitas ainda podem ser desenvolvidas tendo como
insumo de destaque o brócolis, sendo essa uma área de pesquisa futura sugerida a novos
pesquisadores.
Referências Bibliográficas
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ALGRANTI, M. Pequeno Dicionário da Gula. 2. ed. São Paulo: Record, 2004.
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BRASILESCOLA. A região sudeste. Disponível em http:// www.brasilescola.com Acesso
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