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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon
Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini,
José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto
Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo
Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,
Rodrigo Corrêa de Oliveira
Uma grande
oportunidade
Um projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, o Código Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação, pode trazer, se aprovado, mudanças positivas
para o País. Como observa o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, em artigo nesta edição, “importantes avanços foram feitos na política da área e também
nos investimentos – mas ainda existe um obstáculo fundamental a ser superado.
A legislação vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada ao contexto do
Século do Conhecimento”.
Em outro artigo, o secretário de C&T do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti),
Odenildo Sena, observa que a proposta para o novo “Código da Ciência” “significa uma revolução nos marcos regulatórios que regem a vida de instituições
e pessoas que fazem Ciência no país. Agora está nas mãos do Congresso e do
Executivo”. Trata-se de uma grande oportunidade para o País avançar nas áreas
científica, tecnológica e de inovação.
Cientistas, pesquisadores e professores universitários afirmam, em consenso, que a chamada Lei de Licitações, as subvenções, os financiamentos e as
compras no exterior são as maiores dificuldades impostas pela legislação vigente.
Se aprovada a nova Lei, por exemplo, as aquisições e contratações observarão o
primado da qualidade sobre o preço. Esta nova etapa da política científica nacional é
o tema da reportagem de capa, que procura apresentar ao leitor a importância desse
novo arcabouço legal.
Outro destaque deste número promove um recuo no tempo, mais precisamente para 1981, quando o mundo enfrentava uma doença misteriosa, que
intrigava a comunidade científica. Naquele ano, estudiosos descobriram que se
tratava de um vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em
português, Sida, ou Aids, nome em inglês, como ficou internacionalmente conhecido. Ao longo de três décadas, o HIV mostrou que não escolhe idade, raça,
crença ou classe social. Ele está aí e a prevenção é o meio mais importante para
combatê-lo. Em um esforço de reportagem, Ana Flávia de Oliveira apresenta algumas das principais pesquisas e ações relacionadas ao combate à Aids.
Também na área de Saúde, Marcus Vinicius dos Santos conversou com
um dos mais reconhecidos geneticistas do Brasil, o mineiro Sérgio Danilo Pena, que tem a firme convicção de que os avanços na tecnologia podem
promover uma mudança substancial na Medicina ainda mais rapidamente, na
medida em que a sociedade e a comunidade médica absorvem os avanços da
ciência genômica e os incorporam às informações preditivas e preventivas na
rotina de manutenção da saúde.
Mas há muito mais nesta edição da MINAS FAZ CIÊNCIA que, fiel à sua
linha editorial, contempla diversas áreas do conhecimento, cobrindo assuntos
que vão da Biologia à Engenharia, da Agricultura à História.
AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Assessora de Comunicação Social e Editora Geral:
Ariadne Lima (MG09211/JP)
Editor Executivo: Fabrício Marques
Assessora Editorial: Vanessa Fagundes
Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa
Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr.,
Ana Flávia de Oliveira, Marcus Vinicius dos Santos,
Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica).
Diagramação: Beto Paixão
Revisão: Glísia Rejane
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr.
Í N D I CE
6
Especial
12
Casas resistentes
16
Aids: 30 anos de luta, esperança
e descobertas científicas que
transformaram a sociedade e a vida
dos portadores da doença
Pesquisa desenvolve projeto
de construção alternativa
economicamente viável e
resistente, principalmente a
ventos fortes
36
Pulverizador
agrícola
Insumo utiliza princípios da
Física Eletrostática para aumentar
eficiência do equipamento
Postes
fotovoltaicos
38
Entrevista
26
Artigos
42
Jovens de futuro
28
Som e imagem
45
Dicionário operário
35
Lembra dessa?
48
Leituras
49
5 perguntas para...
Pesquisadores estudam
aplicações e aperfeiçoamento de
materiais da cadeia de produção
de energia solar
Odenildo Sena, secretário de
C&T do Amazonas e presidente
do Consecti, e o presidente da
FAPEMIG e Confap, Mario Neto
Borges, opinam sobre o Novo
Código da Ciência
Projetos da Escola de Belas da
UFMG dedicam-se à pesquisa das
artes digitais e computacionais,
permitindo inovadoras interações
poéticas entre sons e imagens
Propriedades fitoterápicas do
repolho são utilizadas na produção
de pomadas e bálsamo que têm a
capacidade de cicatrizar feridas
O médico e cientista Sérgio Pena
avalia como os avanços no estudo
do genoma podem auxiliar na
prevenção e manutenção da saúde
Estudantes vencedores do III
Seminário de Iniciação Científica
da FAPEMIG se destacam pelo
ineditismo dos trabalhos e também
pela garra, foco e superação
Livro reúne diversos
momentos históricos do
trabalho em Minas Gerais
Ciência de cabeceira: “Uma história
da Ciência: experiência, poder e
paixão; e “Design e Método”
Rodrigo Mendes, pesquisador da
Embrapa, que encontrou um novo
mecanismo de defesa para as
plantas, livre de agrotóxicos
Esta é uma revista voltada para um público inteligente que se interessa principalmente por temas discutidos na atualidade. Tem uma diagramação bem limpa
que chama a atenção do leitor para os
textos que, em sua maioria, são longos,
porém interessantes.
Lei mais moderna
Proposta de “Novo Código”
promete avanços para a
Ciência no Brasil, estimulando
pesquisadores e cientistas
Karina Marques
Estudante / Curso de Comunicação Social
Instituto Metodista Izabela Hendrix
Belo Horizonte/MG
31
Taxonomia
Espécie de moluscos
terrestres na região da
Zona da Mata mineira é
mapeada e classificada por
pesquisadores da UFJF
Lendo “novos tempos para os resíduos”,
aprendi que, para haver redução no consumo, e assim a consequente redução
de lixo, primeiramente precisamos ter a
consciência de que somos responsáveis
por nossas escolhas, por nossos resíduos, pois ele vem do que consumimos e
que nossa existência tem um impacto no
ambiente em que vivemos.
Marilia Soldatelli Britto
Estudante / Curso de Comunicação Social
Instituto Metodista Izabela Hendrix
Belo Horizonte/MG
Estou me formando agora em dezembro de
2011, e desde o inicio do meu curso em
2008 recebo as edições da MINAS FAZ CIÊNCIA. Quero parabenizar a revista por tantas reportagens importantes, artigos ricos,
que me ajudaram tanto na minha formação e
no crescimento do meu conhecimento.
Francismeire dos Santos de Souza
Estudante de Licenciatura
em Ciências Biológicas
Fundação Helena Antipoff
Ibirité/MG
Um diferencial da revista é a gratuidade. Isto
prova que conteúdo de qualidade não precisa ser o fator que eleva o custo do produto.
A ideia de que publicações gratuitas não
prezam pela boa informação não se encaixa
com a linha editorial da publicação.
Luis Felipe Amaral
Produtor
Rádio Inconfidência
Belo Horizonte/MG
Gostei! Sinceramente gostei da revista MINAS
FAZ CIÊNCIA. Só de olhar a capa eu fiquei feliz. Depois de 15 anos vivendo de produção de
revistas, vi nessa publicação um aglomerado
raro de pontos que muito me agradam.
Mas não adianta ser bonitinha, tem que ter
conteúdo. Aí a MINAS FAZ CIÊNCIA fala alto.
Com textos escritos de modo claro e acessível,
a revista explora todos os conteúdos que todo
mundo adora: tecnologia, inovação, sustentabilidade, crescimento e conhecimento.
A revista Faz Ciência e fez a minha cabeça.
Não deu para dividir a leitura, parei tudo e
li toda de uma só vez. E claro, entrei no site
e me cadastrei assinante. Agora vou esperar a próxima edição em casa.
José Ary Stambassi Jr.
Assessor de Comunicação
Belo Horizonte/MG
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tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
5
CARTAS
20
ESPECIAL
Aids, 30 anos:
um desafio
permanente
Ao longo de três
décadas, o HIV
mostrou seu poder
de destruição. Saiba
o que tem sido feito
para entender e
prevenir essa ameaça
No final dos anos 1970 e início dos
anos 1980, o mundo soube do surgimento de uma nova doença misteriosa, que
intrigava a comunidade científica. Os primeiros casos foram registrados nos Estados Unidos, Haiti e África Central. Várias
pesquisas foram realizadas para entender
o que estava acontecendo e os primeiros
estudos apontaram que homossexuais,
hemofílicos, usuários de heroína e profissionais do sexo, hookers, em inglês,
eram os grupos mais vulneráveis à doença, temporariamente denominada 5H. Os
pesquisadores concluíram, ainda, que a
contaminação acontecia pelo contato sexual, compartilhamento de agulhas entre
usuários de drogas e exposição a sangue
e seus derivados. Ninguém sabia direito o
6
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Ana Flávia de Oliveira
que provocava tais reações e mortes, mas,
em 1981, estudiosos descobriram que se
tratava de um vírus causador da Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida, em português, Sida, ou Aids, nome em inglês,
como ficou internacionalmente conhecido.
No Brasil, o primeiro caso foi registrado no Estado de São Paulo em 1980 e
classificado como Aids, dois anos depois.
A partir daí, o País, ainda assustado com o
surgimento de um grave problema de saúde, viu os primeiros casos em uma mulher
e criança, em 1983. Dois anos mais tarde,
foi registrado o primeiro caso de transmissão vertical, ou seja, passado de mãe para
filho. Diante da nova realidade, foi criado
nesse mesmo ano, o Grupo de Apoio à
Prevenção da Aids (Gapa), a primeira ONG
do Brasil e da América Latina de luta contra a doença. No ano seguinte, foi criado o
Programa Nacional de DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) – Aids.
Em 1987, quando o Brasil registrava 2.775 casos notificados da doença, o
AZT, medicamento utilizado em tratamento de câncer, foi indicado também para o
controle do HIV, uma esperança para os
pacientes. No ano seguinte, com a criação do Sistema Único de Saúde, o SUS,
os medicamentos que evitam infecções
oportunistas começam a ser distribuídos
gratuitamente no País. No início dos anos
1990, o governo brasileiro passou a distribuir gratuitamente os medicamentos para o
tratamento do HIV/Aids pelo SUS.
Um dos fatores de destaque no programa brasileiro de controle e combate
do HIV/Aids é o acesso universal ao tratamento. Desde 1996, o SUS disponibiliza
medicamentos para todos os pacientes.
Isso só é possível porque o Brasil passou
a produzir localmente, por meio de laboratórios públicos, antirretrovirais de qualidade, sendo que hoje, dos 20 medicamentos
distribuídos, dez são produzidos aqui. Um
deles, o Efavirenz, foi através de licença
compulsória ou “quebra de patente”, enquanto outro, o Tenofovir, após o não reconhecimento da solicitação de patente.
Em 1999, Marylin, um chimpanzé fêmea, ajudou a confirmar que o SIV (simian
immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência dos símios) foi transmitido
para seres humanos e sofreu mutações,
transformando-se no HIV. Testes genéticos
mostram que o HIV é bastante similar ao
SIV, que infecta os chimpanzés, porém não
os deixa doentes.
No ano de 2001, o Brasil ameaça quebrar patentes e consegue negociar com a
indústria farmacêutica internacional a redução no preço dos medicamentos para Aids.
Em 2006, o País reduz em mais de 50% o
número de casos de transmissão vertical e
um acordo reduz em 50% o preço do antirretroviral Tenofovir, representando uma
economia imediata de US$ 31,4 milhões
por ano. Dois anos mais tarde, o Brasil, que
é referência mundial no combate e controle do HIV/Aids, investe US$ 10 milhões na
instalação de uma fábrica de medicamentos
antirretrovirais em Moçambique.
Mesmo com as políticas públicas no
que diz respeito à doença, o Brasil registra
atualmente, em média, 35.000 novos casos
todos os anos. Desde 1980, quando se tomou conhecimento do problema, 229.222
mortes foram registradas em decorrência da
doença. Teoricamente, ser soropositivo hoje
em dia não significa viver com a ideia de
morte iminente, e apesar de todos os avanços da medicina nesses últimos 30 anos, falar e conviver com a Aids, ainda hoje, é uma
questão delicada. O assunto continua sendo
um tabu na nossa sociedade, apesar de sabermos que o HIV não é transmitido pelo
ar, por um aperto de mão ou por compartilhamento do mesmo espaço físico. Ainda
assim, vários portadores ainda escondem
o problema a fim de evitar o preconceito. É
o caso de Juan (nome fictício), um jovem
de 23 anos, que descobriu ser portador do
vírus aos 21, quando foi fazer exames pré-operatórios para a realização de uma cirurgia. “Quando recebi a notícia, fiquei em
estado de choque e desde então entrei em
depressão porque não tenho o apoio da minha família, conto apenas com a ajuda de
pouquíssimos amigos”, relata.
Atualmente, o jovem faz o tratamento
pela rede pública de saúde em Belo Horizonte e diz que é bem tratado pela equipe
que o acompanha, mas não conseguiu se
livrar da depressão e confessa que já tentou
o suicídio uma vez porque, segundo ele, os
efeitos colaterais dos medicamentos “tira-
ram a sua alegria de viver”. “Um conselho
que posso dar é dizer que todos se previnam sempre, pois infelizmente esse é o tipo
de coisa que não dá pra voltar atrás, então
cuidem-se antes para não se arrependerem
amargamente depois”, ensina.
O caso de Juan ilustra uma constatação feita pela professora Maria Imaculada de
Fátima Freitas, da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal do Estado de Minas
Gerais (UFMG). De acordo com ela, a condição social dos pacientes é determinante na
adesão do tratamento. “A nossa experiência e
as pesquisas mostram que pessoas que são
mais desfavorecidas, financeira e socialmente, sofrem muito e têm mais dificuldade de
adesão. Há muito mais tristeza, descrença e
desmotivação, isto é inegável, além da discriminação da sociedade”, lamenta.
Uma pesquisa que deu jogo
Entre 1988 e 1991, a pesquisadora
mineira Virgínia Schall desenvolveu um trabalho no Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Osvaldo Cruz, no
Rio de Janeiro, de educação com crianças
e adolescentes de escolas do município. O
objetivo era saber quais doenças os alunos conheciam. Foi quando Virgínia, em
parceria com duas outras pesquisadoras e
psicólogas, Simone Monteiro e Sandra Rebello, introduziu questões referentes à Aids.
Os estudantes, com idade entre 9 e 18 anos,
desconheciam o termo, muito menos os
sintomas e forma de contágio com o vírus.
Após experimentos com textos didáticos, a
equipe criou um jogo, o Zig Zaids. “Quando
desenvolvemos o protótipo do jogo, nós já
sabíamos quais eram as dúvidas dos jovens.
Nós mesmas desenhamos os tabuleiros,
plastificamos, compramos os dados e pinos
em papelarias. As cartas de baralhos fizemos no computador, imprimimos e levamos
para as escolas, onde jogávamos com as
crianças. À medida que testávamos o jogo,
fazíamos mudanças, até que chegamos nesse protótipo”, conta. O Zig Zaids chegou a
ser comercializado, e a pesquisadora lembra que grandes lojas de departamento com
seção de brinquedos colocaram-no à venda,
mas houve uma polêmica: a sociedade reagiu negativamente. Por isso as lojas tiveram
que retirá-lo das suas prateleiras.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
7
“Os jovens conhecem pouco
sobre a camisinha feminina.
Nem meninos nem meninas
sabem que ela pode ser
colocada até oito horas antes
da relação sexual, o que
daria a elas maior chance de
negociação com os parceiros”
Virgínia Schall
Pesquisadora
8
Apesar da polêmica, Virgínia Schall
conta que o jogo foi solicitado por escolas e empresas. “Quando fizemos, tivemos
recursos de projeto de pesquisa, deu para
fazermos alguns exemplares. Posteriormente, tivemos o auxílio do Sesc Nacional, que nos deu 250 exemplares. Essas
unidades foram doadas às instituições que
nos pediam”, recorda. A editora que fez a
primeira edição recebeu encomendas por
parte de grandes empresas, como Petrobras, Volkswagen, Cenibra (que fabrica
celulose) e o Ministério da Saúde, que
comprou 100 mil exemplares. O jogo teve
muitas variações e hoje está disponível no
site do Instituto Osvaldo Cruz. Basta fazer o
donwload no site: http://www.fiocruz.br/
piafi/zigzaids/index.html
O jogo é composto por um tabuleiro e 23 cartas com perguntas e respostas.
Onde aparece uma camisinha, há um baralho surpresa, com informações adicionais sobre o HIV e a Aids. As cartas tratam
desde questões relativas ao sistema imune
até questões sociais. Tudo com uma linguagem bem simples, porque ele é voltado
para crianças de 9 a 12 anos. “Entendemos
que eles precisam ter informações antes de
começarem a vida sexual. A pesquisa avaliou o conhecimento, 30 dias, seis meses
e um ano após o exercício do jogo. Verificamos que os alunos que jogaram
tiveram mais conhecimento”, explica.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
O papel da educação
Virgínia Schall acredita que os jovens devem receber as orientações sobre
formas de contágio e prevenção das DSTs
antes do início da vida sexual. Atualmente,
a professora coordena o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Pesquisa René Rachou, da Fiocruz,
em Belo Horizonte. Entre um dos trabalhos
orientados por ela, está a dissertação de
Helena Campos, coordenadora do Programa Afetivo Sexual de Juventude da Secretaria de Estado de Educação. A pesquisa foi
desenvolvida com jovens com idade entre
13 e 15 anos de escolas estaduais. “O que
nós percebemos é que eles conhecem
pouco sobre a camisinha feminina. Nem
os meninos e nem as meninas sabem que
ela pode ser colocada até oito horas antes
da relação sexual, o que daria a elas maior
chance de negociação com os parceiros e
evita problemas na “hora H”, porque nem
sempre o preservativo está por perto ou, se
está, eles não usam”, diz Schall.
O estudo usou como referência informações da Pesquisa Nacional de Saúde
do Escolar (Pense), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O
acesso à informação sobre DSTs/Aids na
escola foi outro fator analisado. Em Belo
Horizonte, a proporção de alunos que receberam orientação sobre DSTS/Aids foi de
89,1% nas escolas públicas e de 91,2%
nas escolas privadas. Os altos percentuais
sugerem que a maioria dos alunos do 9º
ano do Ensino Fundamental recebeu algum tipo de orientação. O estudo aponta
que existe um consenso de que o uso
da camisinha, masculina ou feminina, é a única forma de
evitar as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs),
incluindo
o HIV/
Aids. Entretanto, como a saúde sexual e reprodutiva das mulheres depende, em grande medida, da habilidade em negociar com
seus parceiros o sexo seguro, a saúde das
mulheres pode estar ameaçada.
Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher,
realizada em 2006, revelam que 90% das
mulheres brasileiras sabem que existe um
preservativo feminino, no entanto, apenas
3,1% das entrevistadas já fizeram uso da
camisinha feminina, pelo menos uma vez na
vida. Um fator de proteção à saúde sexual
e reprodutiva seria tornar o conhecimento
e o acesso à camisinha feminina universal. “Acho que precisa de uma mídia forte
para a familiarização com o preservativo
feminino, que a mulher pode colocar antes
e não depende do parceiro aceitar usar. Ela
chega dizendo que está protegida e que não
vai tirar a sua proteção. Dá para fazer uma
negociação com o parceiro, com mais segurança. Nas entrevistas, as meninas falam
muito mal do preservativo feminino, acham
grande, difícil de colocar. Se os postos tivessem, distribuíssem e ensinassem como
usar, seria um avanço”, argumenta.
O Programa Saúde e Prevenção nas
Escolas (SPE) é uma iniciativa conjunta
entre os ministérios da Saúde e Educação.
Criado em 2003, hoje está presente em cerca de 66 mil instituições de ensino do País.
Além de distribuir camisinhas, o programa
insere a temática de prevenção e promoção
da saúde sexual e reprodutiva e a discussão dos diversos aspectos da sexualidade
no cotidiano das escolas públicas.
A Aids na vida de casais
Doenças graves, mas que têm tratamento, como hanseníase e tuberculose,
afetam a vida do portador e de sua família.
Com o vírus HIV e a Aids, a situação se repete. As alterações interferem em questões
como relacionamentos sociais, adesão ao
tratamento, perspectiva e qualidade de vida.
Pensando no dia a dia dos infectados pelo
HIV, a professora da Escola de Enfermagem
da UFMG, Maria Imaculada de Fátima Freitas, iniciou, nos anos 1990, estudos ligados
ao tema. Em 1993, havia realizado estudo
sobre as interações de cônjuges quando um
deles estava em tratamento para hanseníase
e, em 1996/1997, quando os antirretrovirais
foram introduzidos no Brasil, realizou a mesma pesquisa com casais com Aids, para, em
seguida, comparar os resultados dos dois
estudos. A partir daí, desenvolveu diversas
pesquisas sobre questões psicossociais de
pessoas vivendo com HIV ou Aids, como
aquelas relativas à adesão ao tratamento,
maternidade e HIV, experiências sociais considerando faixas etárias, além de outras.
“Antes só se usava o AZT, mas o
governo brasileiro passou a distribuir gratuitamente os antirretrovirais e houve uma
diferença no controle da infecção e no tratamento dos pacientes”, diz. Durante o estudo acompanhou casais da rede pública
de saúde, em que o marido, a mulher ou os
dois estavam infectados, em Belo Horizonte.
Foram ouvidos casais com relacionamentos
com mais de um ano até aqueles que estavam juntos há mais de duas décadas em
que os dois estavam infectados. O objetivo
era acompanhar uma narrativa das vidas
dessas pessoas com a finalidade de saber
como viviam. Enfim, a ideia era fazer com
que pensassem sobre os seus problemas.
Dez anos depois, em 2006, uma nova
pesquisa foi feita com outros casais, e o
que se constatou é que houve mudança no
perfil epidemiológico em decorrência da
queda das taxas de mortalidade e das melhorias no controle da doença. Ambos os
estudos evidenciaram que a revelação do
diagnóstico é sempre um grande susto. “A
pergunta que eles se fazem é: ‘por que eu?’.
O sentimento de culpa também existe e, no
momento da revelação, o medo da morte
ainda é muito forte”, comenta. De acordo
com a professora, os homens, em geral,
descobrem primeiro.
Nas duas pesquisas, notou que eles
têm muito receio de falar sobre o assunto. “Há sempre um silenciamento inicial.
O cônjuge percebe que algo está errado,
mas não sabe o que é. É um momento de
muita fragilidade no casal. Quando há a
revelação, leva-se mais susto, e eu digo
que a Aids é um revelador de traição, do
que já se sabia antes, mas não tinha certeza. Um revelador da fragilidade ou da
força da relação, do desamor. A Aids se
torna naquele momento uma tela em que
ambos enxergam o relacionamento. É um
momento de muito questionamento e sofrimento”, observa. A pesquisa mostra que
a grande questão em todo o tempo da Aids
é a gestão do segredo, não apenas sobre a
doença, mas sobre os medos, fragilidade,
culpa, como cada um se vê diante do mundo, não é só o temor de ser excluído.
O diagnóstico da Aids obriga o casal
a se reestruturar, como em qualquer outra
doença grave, como um Acidente Vascular
Cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio,
explica a pesquisadora. O modo como cada
pessoa vai tratar o assunto com seu parceiro
é que pode mudar. Segundo Maria Imaculada, existem três possibilidades: fugir; esperar o impacto da notícia passar sem aprofundar verdades que não se quer (ou não
se pode) encarar; ou enfrentar o problema,
restabelecendo ou terminando o relacionamento. Os que continuaram juntos foram os
casais que participaram das duas pesquisas.
Nelas, houve relatos de mulheres sobre a
descoberta do diagnóstico do marido, como
a que só ficou sabendo porque, precisando
de dinheiro, mexeu na carteira do marido,
quando ele dormia, e encontrou o resultado
aí guardado há mais de um mês. Estarrecida,
sentindo-se duplamente traída, essa mulher
viveu um período de sentimentos contraditórios entre raiva e medo de estar infectada.
Fazer o exame e esperar o resultado neste
caso é considerado uma tortura na relação
do casal. O homem se sente culpado, “não
tem o que dizer” e sente fortemente o desejo
de morrer, na maioria dos casos.
Em 1996, era o conflito da dor do
sentimento, do medo da morte rápida, e este
medo continua existindo hoje, mas agora
há um jogo interativo mais fácil de ser feito,
porque se vive mais tempo mesmo com a
doença. Nessa reestruturação da vida a dois,
o que se percebe é que os casais que permanecem juntos, após o diagnóstico, vão
buscar a mesma lógica interativa que eles tinham antes, como observa a pesquisadora:
“Se havia negação, silenciamento, conflitos
explícitos e uma interação conflituosa, após
a descoberta do diagnóstico e após um período há uma ‘acalmada’ na relação porque
aparece naquele momento o sofrimento do
outro e uma solidariedade amorosa. Mas,
com o passar do tempo, a lógica anterior de
‘tapas e beijos’ volta como antes”.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
9
A doença tem o poder de reorganizar
o relacionamento, mas isso aconteceria
por causa do impacto da notícia. Já nas
relações em que havia uma solidariedade
entre o casal, diálogo, vida amorosa e sexual estável e alegre, tudo isso se perde no
momento da revelação da doença. “É um
conflito, e quando eles se entendem voltam
para a fase anterior. Isso é muito forte nas
duas pesquisas. Há um período mais longo
ou curto de calmaria ou de caos na relação,
e isso é determinado pelo grau do adoecimento de um dos cônjuges”, destaca.
Entre os casais de 1996, a atividade
sexual estava comprometida, não havia
desejo, e sim raiva, impotência e descaso,
diferentemente das entrevistas de 2006. As
pessoas ouvidas dez anos depois estariam
mais dispostas fisicamente e menos adoecidas. “Não podemos afirmar, mas a possibilidade de alcançar uma vida melhor inclui
o sexo porque existe mais disposição física
e também porque os medicamentos foram
aprimorados. Ao mesmo tempo, o desejo
do outro, a atividade sexual prazerosa não
existe só porque você tem vigor, ela vem
pelo desejo emocional e psicológico do
relacionamento”, conta.
Outro fator diretamente ligado à
adesão do tratamento é a condição social
dos pacientes. Na pesquisa realizada pela
professora Maria Imaculada Freitas foram
entrevistados desde casais de classe média
alta até pessoas menos favorecidas economicamente. Mesmo que sejam assistidos
por um médico particular ou vinculado
a um plano de saúde, todos também são
acompanhados no serviço público, que faz
a distribuição dos antirretrovirais. “Casais
mais sólidos tendem a aderir melhor ao
tratamento. O casal que é mais unido vive
a sua história com mais força e se ajuda
nos momentos difíceis”, diagnostica.
Durante as entrevistas, a professora
encontrou uma situação, que ela caracteriza como anedota. Maria Imaculada Freitas
conheceu um casal jovem, que tinham um
relacionamento longo, de aproximadamente oito anos. Eles se destacavam pela beleza, aparência “saudável” e boa condição
financeira, mas o rapaz descobriu que era
soropositivo. “A namorada dele não tinha
coragem de fazer o exame e, quando se de-
10
cidiu, soube que não estava contaminada.
Eles continuaram juntos, principalmente
quando ele teve uma fase mais doente,
e depois terminaram. Tempos depois,
este homem conheceu uma outra mulher,
não-infectada, casaram-se, hoje têm uma
criança nascida por meio de inseminação
artificial e eles têm um casamento feliz.
Isso mostra que houve um acordo entre este casal de só terem relação sexual
protegida e porque ele teve coragem de se
abrir com ela. Chamo de anedota por ser
um caso raro em vários aspectos, e parte
desta história só foi possível graças à boa
condição financeira dele”, destaca.
Pesquisas e Vacina Anti-HIV
Entre os anos de 2004 e 2010, o Ministério da Saúde financiou 244 projetos
de pesquisa, totalizando R$ 55,9 milhões,
a partir de 15 editais de pesquisa lançados
em todas as áreas de conhecimento do
HIV, por meio de editais públicos anuais.
De acordo com o coordenador do Departamentode DST/AIDS e Hepatites Virais,
Dirceu Greco, o Estado de Minas Gerais
tem contribuição relevante em todas as
pesquisas executadas pelo Ministério da
Saúde. “Podemos citar como exemplo
o estudo de prevalência entre conscritos
das Forças Armadas, o estudo de sentinela
parturientes, Qualiaids, e estudos de sobrevida, além de estudos de coortes que
vêm sendo executado há muitos anos em
Minas. Estes estudos trazem dados importantes a fim de definir políticas específicas
para prevenção, melhora da qualidade de
vida e também para futuros ensaios com
vacinas candidatas anti-HIV”, explica.
Além disto, a FAPEMIG e o Departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do MS estão
em processo de estabelecer um acordo
para editais de pesquisa em Aids, financiado pelas duas instituições.
Segundo Greco, de 2006 a 2010, o
Departamento de DST/AIDS e Hepatites
Virais financiou 16 projetos de pesquisa
relacionadas às vacinas e microbicidas,
totalizando R$ 5,4 milhões. Também foi
lançado o “Plano Brasileiro de Vacinas anti-HIV 2008-2012”. “O objetivo é fortalecer
a participação do Brasil no esforço global
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
para descobrir, avaliar, produzir e propiciar
acesso a vacinas anti-HIV. O Plano propicia maior integração da comunidade científica e tecnológica brasileira no esforço
internacional e na estratégia global para o
desenvolvimento de uma vacina anti-HIV”,
conta. Esta iniciativa deverá viabilizar, também, a inserção da pesquisa e desenvolvimento nesta área, na política tecnológica
e industrial brasileira, envolvendo-o numa
perspectiva multisetorial. O médico destaca que, para que se uma vacina eficaz seja
desenvolvida, é necessário considerar os
aspectos logísticos, comportamentais, de
custo e disponibilidade, as implicações na
prevenção e éticos, entre outros elementos.
Efeitos colateriais
A qualidade de vida e as condições
de saúde das pessoas que vivem com HIV
e Aids são bem melhores do que há alguns
anos, graças à medicação disponível. Uma
pessoa recém-diagnosticada em tempo
adequado, que se utilizar dos medicamentos de maneira correta e constante (adesão
ao tratamento), provavelmente não evoluirá
para a Aids no Brasil. No entanto, existem
impactos no uso prolongado de antirretrovirais. Se, por um lado, eles reduziram a
taxa de mortalidade diretamente causada
por Aids, por outro, o aparecimento de
efeitos adversos e suas consequências podem fazer parte da vida do paciente.
Entre essas consequências estão o
aumento do risco de eventos cardiovasculares (como infartos, devido às alterações
metabólicas, como elevações de colesterol),
lipodistrofia, que pode afetar a autoestima, toxicidade renal e hepática (fígado). “É preciso
que o paciente tenha acesso a cuidados profissionais de qualidade, com capacidade para
ajudá-lo a enfrentar as dificuldades inerentes
ao tratamento prolongado. E também para
estimular e dar acesso a dieta equilibrada e
exercícios físicos”, ensina Dirceu Greco.
A polêmica da descoberta
No mundo acadêmico existiu uma
polêmica sobre a descoberta do vírus da
Aids. Uma equipe francesa e outra norte-americana lutaram durante anos pelo título da descoberta. Enquanto os pacientes
viviam com a esperança de que os cientistas
descobrissem a cura da Aids, na década de
1980, a autoria pela descoberta do vírus HIV
e a criação do primeiro exame capaz de detectar o vírus gerou uma disputa científica
e comercial entre França e EUA. O cientista
estadunidense Robert Gallo, também citado
como descobridor do vírus, chegou a ser
acusado de fraude por uma equipe francesa.
Em 1987, os então presidentes da
França, Jacques Chirac, e dos EUA, Ronald
Reagan, decidiram que os dois países iriam
dividir o crédito pela descoberta. No entanto,
nos anos 1990, os Estados Unidos reconheceram que os franceses mereciam uma parcela maior dos royalties dos produtos derivados da descoberta, solidificando a posição de
Luc Montagnier como principal descobridor.
Em 2008, três cientistas dividiram o Prêmio
Nobel de Medicina daquele ano, sendo os
franceses Françoise Barre-Sinoussi e Luc
Montagnier, pela descoberta do vírus causador da Aids, o HIV; e o alemão Harald zur
Hausen, pela descoberta de que o papilomavírus humano (HPV) pode provocar câncer
de colo do útero. Robert Gallo não recebeu
o prêmio, apesar de ter seu nome destacado
na documentação que justifica a premiação,
divulgada pelo Comitê Nobel.
Os números da Aids
Os números da Aids impressionam,
apesar das campanhas de conscientização e todos os avanços da medicina no
controle e combate à doença. O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde contabiliza, em média,
11.000 óbitos em decorrência da doença
no Brasil. Em Minas Gerais, desde 1980,
foram notificados 41.791 casos e 15.154
pessoas perderam a vida vítimas da Aids. A
maior incidência de casos ainda é entre os
homens, mas, a cada ano, essa diferença
vem diminuindo. O aumento proporcional
do número de casos entre mulheres pode
ser observado pelo número de casos em
homens dividido pelo número de casos em
mulheres. Em 1989, para cada seis casos
de Aids no sexo masculino havia um caso
no sexo feminino. Em 2009, a proporção
diminuiu, passando de 1,6 caso em homens para cada caso em mulheres.
A faixa etária em que a Aids é mais incidente, em ambos os sexos, é a de 20 a 59
anos de idade. Entre 13 e 19 anos, o número
de casos é maior entre as mulheres. São, em
média, oito casos em meninos para cada dez
em meninas. Mas, em relação aos jovens,
os dados apontam que, embora eles tenham
elevado conhecimento sobre prevenção
das DSTs, há tendência de crescimento do
HIV. Contudo, a maioria dos casos, no sexo
masculino, se dá entre jovens homossexuais (26,8%) e bissexuais (10,2%).
Estima-se que 630 mil pessoas vivam com o vírus no Brasil e, pelo menos,
255 mil não sabem que são portadoras ou
nunca fizeram o teste de HIV. Entre 2005
e 2009, com a adoção do Programa Fique
Sabendo, testes de HIV distribuídos e pagos pelo SUS mais que dobraram: passaram de 3,3 milhões para 8,9 milhões de
unidades. Os testes realizados para o HIV
no País passaram de 23,9% em 1998 para
38,4% em 2008.
A epidemia da Aids no Brasil está
estabilizada em patamar ainda não satisfatório, com a taxa de incidência em torno
de 20 casos por 100 mil habitantes. Em
2009, foram notificados 38.538 casos da
doença. Os dados do Ministério da Saúde
referem-se apenas aos casos de Aids e não
àqueles infectados pelo HIV.
Apesar de o número total de casos no
sexo masculino ser maior entre heterossexuais, a epidemia no País é concentrada.
Isso significa que a prevalência da infecção
na população de 15 a 49 anos é menor que
1% (0,61%), mas é maior do que 5% nos
subgrupos de maior vulnerabilidade para a
infecção pelo HIV – como homens que fazem sexo com homens (HSH), usuários de
drogas (UD) e profissionais do sexo (PS).
Óbitos e discriminação
“O percentual significativo dos óbitos
ocorre pelo diagnóstico ou acesso tardio
ao tratamento, e o Ministério tem buscado
junto com os estados e municípios aumentar as oportunidades para o diagnóstico e
reforçar com os profissionais de saúde a
necessidade de oferecimento de sorologia,
com os devidos aconselhamentos, não só
para o HIV, mas também para sífilis e hepatites virais”, anuncia Dirceu Greco.
Segundo o médico, esses números
relativamente baixos em todas as avalia-
ções, seja prevalência, incidência e até mesmo na mortalidade, mostram o lado positivo
do enfrentamento da epidemia. Por outro
lado, há muitos desafios e dificuldades.
“Por exemplo, o acesso universal aos insumos de diagnóstico, prevenção e tratamento, exemplo para muitos outros países, pode
levar a certa complacência, à sensação no
imaginário popular de que a epidemia está
controlada. Isto pode diminuir os cuidados
na prevenção e pode dificultar o necessário
espaço na mídia para esta discussão”, argumenta. E acrescenta que, apesar do “medo
generalizado” que existia antigamente ter
diminuído, ainda há longo caminho a percorrer para diminuir o preconceito e impedir
a discriminação que ainda afeta as populações com maior vulnerabilidade ao HIV.
A cura
Diversas pesquisas estão sendo realizadas em centros de pesquisa do Brasil e
do exterior, e toda a comunidade científica
mundial está empenhada na busca da cura
para a doença. No entanto, apesar de todos
os esforços, esta ainda não foi alcançada
e nem a perspectiva a curto prazo para a
disponibilização de uma vacina eficaz. O
que explica essa dificuldade é a complexidade e a grande capacidade de mutação do
vírus. De acordo com Greco, há pesquisas
buscando tecnologias para a cura da AIDS
e, atualmente, existem ensaios clínicos
internacionais buscando novos medicamentos para serem usados em associação
para combater os vírus latentes. “Estes são
responsáveis pela manutenção da infecção
mesmo entre pessoas que recebem hoje
tratamento eficaz, pois são incapazes de
eliminá-los”, afirma.
@
Saiba mais:
Acesse o nosso blog e leia mais
sobre os 30 anos da Adis, além
da entrevista completa com a
professora Virgínia Schall.
fapemig.wordpress.com
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
11
ENGENHARIA
Forte
como rocha
Pesquisa apresenta projeto de construção
resistente a terremotos e furacões
Prático trabalhou dias a fio para
construir sua casa de pedra, tão firme e
bem acabada que nem o sopro forte do
Lobo conseguiu derrubar. Seus irmãos,
Cícero e Heitor, mais preguiçosos e menos engenhosos, não tiveram a mesma
sorte: viram suas casinhas de palha e
madeira caírem por terra, diante do me-
12
nor sopro do malfeitor. A história dos Três
Porquinhos, tão presente no imaginário
das crianças, poderia ter um final mais
feliz se os irmãos mal sucedidos tivessem
aplicado engenharia às suas construções.
“Se os porquinhos tivessem noções de
equilíbrio, eles estariam protegidos. Bastava colocar os contrapontos no lugar
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Ariadne Lima
certo”, diz o engenheiro civil, mestre e
doutor na área, Ernani de Araújo, recordando a história infantil. Ele orientou uma
pesquisa de mestrado na Universidade
Federal de Ouro Preto (Ufop) que propõe
uma estrutura mais estável e segura às
edificações, mesmo quando submetidas a
fortes ventos e terremotos.
A proposta foi tema da dissertação
de Cristina Evangelista Silva e consiste
em um modelo arquitetônico e estrutural
específico, voltado para a construção residencial para famílias de baixa à média
renda, respeitando os conceitos de sustentabilidade. A pesquisa começou há 10
anos, com a dissertação da aluna Laila
Nuique, que propôs o desenvolvimento
de uma estrutura metálica em aço, mais
econômica para construções comerciais.
A ideia foi amadurecida e ganhou nova
forma na dissertação de Evangelista.
A nova pesquisa apresenta um projeto de construção alternativa industrializada, viável economicamente e resistente,
principalmente ao vento. Isso se dá por
meio do pórtico desenvolvido, que é
confeccionado em aço e é bidirecional,
ou seja, posicionado em duas direções,
garantindo a segurança da construção.
Segundo descreve Evangelista, os pórticos apresentados são modelos espaciais
formados por arcos que se cruzam e proporcionam a estabilidade de uma construção em duas direções perpendiculares,
quando submetidos a ações externas,
como abalos sísmicos e ventos de até 200
km/h. “Com esse tipo de pórtico, o vento
pode bater em qualquer direção e a construção fica segura”, afirma Ernani Araújo.
O trabalho incluiu uma análise estrutural por meio da construção de maquetes
físicas e de simulações virtuais, que indicaram questões como resistência e deformações provocadas na estrutura em razão
do vento. “Também foi feita a análise da
arquitetura, com o estudo da modelagem
da estrutura, da geometria e do espaço a
ser ganho. Depois, foram feitas as outras
análises, como deslocamento, vinculação
e condições de contorno”, relata Araújo.
Para as análises, foram utilizados os programas de computador AutoCad (projeto arquitetônico e estrutural); SketchUp
(modelagem em 3D) e Ansys (análise estrutural dos pórticos bidirecionais). Uma
Elemento estrutural que dá equilíbrio
e rigidez à construção no ponto em
que é aplicado, podendo ser retangular, quadrangular ou circular.
análise comparativa com outros modelos
estruturados em aço e com a construção
convencional foi realizada por meio do
programa Cypecad. “Com os resultados
obtidos, concluímos que o perfil de análise suportou os carregamentos aplicados,
não houve rompimento da estrutura e sua
deformação e deslocamento foram muito
pequenos”, relata Cristina Evangelista.
O modelo proposto também se difere
dos convencionais pelo uso de formas arredondadas. Pela análise estrutural do formato,
usando conceitos de engenharia civil, foram
investigadas as tipologias estruturais, apontando que o formato em arco é mais fácil de
ser executado e eficiente. Esse principio também foi aplicado na construção dos pórticos.
“Os romanos já sabiam que modelos circulares e parabólicos são os melhores. No Coliseu, por exemplo, muita coisa é feita em arco.
O mais eficiente é o modelo parabólico, mas,
por ser mais difícil de executar, o circular é
mais usado”, elucida Ernani Araújo.
“Com os resultados obtidos,
concluímos que o perfil
de análise suportou os
carregamentos aplicados,
não houve rompimento da
estrutura e sua deformação
e deslocamento foram muito
pequenos”.
Cristina Evangelista
Pesquisadora
Ação e reação
Quem já passou do ensino médio e
não matou as aulas de Física certamente vai
se lembrar da 3ª Lei de Newton (Lei da Ação
e Reação), segundo a qual um corpo A, que
exerce força sobre um corpo B, recebe deste
uma força de mesma intensidade, mesma
direção e em sentido contrário. É o que acontece nas construções a todo o momento, em
razão de ações externas como peso, ventos
e impactos. “Quando um vento bate em uma
construção, ele provoca pressão e sucção.
Quando esses dois efeitos se somam, ele
tende a arrancar parte da construção. Assim,
o vento pode arrancar janelas, portas e telhas
de uma edificação”, explica Araújo.
As reações acontecem em movimentos internos e, com base nesses esforços, os
pesquisadores chegaram às medidas exatas
e mais adequadas aos tubos que formam os
pórticos. Outra inovação apresentada na pesquisa é a flexibilidade desses tubos, alcançada por meio de indução eletromagnética. “Ela
permite a curvatura do material, formando
pórticos em arcos que se cruzam no espaço,
em direções travadas, deixando a construção
livre de ações horizontais (ventos). Não existe
na história da engenharia, nem da arquitetura,
o conceito de pórticos de estabilização bidireMINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
13
cionais. Esta é a grande inovação do projeto”,
diz Araújo. “Além disso, nossa construção é
mais leve, mais resistente estruturalmente,
mais barata e dentro do conceito de sustentabilidade, com poucos resíduos e poucas
perdas”, completa.
De acordo com o engenheiro, para a
próxima etapa, o ideal é fazer a análise numérica da estrutura, desenvolver um protótipo e testá-lo em um laboratório apropriado
para a simulação de vento em estruturas,
o que ainda não existe na Universidade. A
ideia é fazer o pedido da patente do projeto,
que será apresentado no ano que vem em
um congresso na Inglaterra.
Sons e temperaturas
A preocupação com o conforto térmico e acústico do tipo de construção proposta também fez parte da pesquisa. Para
isso, Cristina Evangelista teve a orientação
do engenheiro mecânico, mestre e doutor
na área de Engenharia Térmica, Henor Artur de Souza. De acordo com o orientador,
os resultados da pesquisa apontaram que,
no que se refere aos confortos térmico e
acústico, o projeto apresenta desempenho
adequado, considerando as características
do material utilizado. “O projeto tem todas
as aberturas propostas e material adequado de fechamento de alto desempenho. Ele
se adequa às varias regiões climáticas do
país. A única alteração que poderia ser proposta diz respeito à ventilação, que pode
ser alterada de acordo com as condições
locais do clima”, diz.
Segundo Souza, a intenção é continuar a avaliação do desempenho térmico
da construção, em uma fase de continuidade ao trabalho. As avaliações são realizadas por meio de simulação numérica,
utilizando um programa de computador
chamado Energyplus. São considerados
os dados de dimensão do projeto (volume)
e os materiais utilizados no fechamento,
como piso e cobertura, com simulações de
variados climas, para analisar o comportamento da estrutura.
No sistema convencial: a estrutura das construções é
composta por pilares e vigas de concreto armado.
Na construção proposta: a estrutura que sustenta a
cobertura é composta por dois módulos de pórticos bidirecionais.
14
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
País Tropical
Popularmente, o Brasil é considerado
alvo das dádivas divinas pelo clima tropical
e por não ser um país propenso à ocorrência de terremotos e furacões. O que torna
interessante, então, a construção de edifícios resistentes a desastres naturais desse
tipo? De acordo com o Secretário Executivo
do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas
Globais, Milton Nogueira, embora não sejam de grande impacto, o Brasil registra tremores em vários pontos, devido a situações
como o ajuntamento de camadas de terra.
Conforme mostra o site do Observatório Sismológico da Universidade de
Brasília (UNB), disponível em http://www.
obsis.unb.br/, os abalos mais recentes
ocorreram em Minas Gerais, nas cidades de
Nova Lima, Montes Claros, Caraíbas e Ijaci.
Os tremores ocorrem, principalmente, em
regiões de solos calcários, mais propensos
ao ajuntamento de terra, e onde há prática
da mineração, devido aos impactos provocados pela atividade. Segundo Nogueira, o
aumento de casos conhecidos nos últimos
anos não deve ser atribuído ao aumento de
ocorrências, mas ao desenvolvimento de
sismógrafos mais sensíveis. Apesar das alterações no clima global, o Brasil permanece pouco vulnerável a grandes terremotos,
uma vez que não está sob ação de placas
tectônicas em seu território.
Já no caso de ventos fortes, o Brasil está
mais propenso, embora nunca tenha registrado grandes furacões. Nogueira afirma que é
possível que as mudanças climáticas afetem
a velocidade dos ventos em todo o mundo,
mas não é possível prever casos assim nas
microrregiões, como Minas Gerais, por
exemplo. Diante disso, o especialista acredita
na importância da pesquisa para a prevenção
de ações provocadas pelas alterações no
clima. “As mudanças climáticas vão afetar
as construções não só pela velocidade dos
ventos, mas também pelo aumento do volume de água e as variações de temperatura. A
construção deve ser resistente na estrutura,
mas também não deve estar sujeita a mofo,
excesso de umidade ou trincas na época da
Aparelhos que registram a ocorrência
e a intensidade de tremores de terra
seca. É preciso que a arquitetura e a engenharia estejam preparadas para isso”, alerta.
De acordo com Ernani Araújo, uma
construção leve como as mais modernas
está vulnerável à ação de ventos mais fortes.
“Até quando teremos estruturas seguras?”,
indaga. “A ciência não consegue prever
quando pode ocorrer o próximo terremoto em qualquer lugar no mundo. Por isso,
prevenir é importante”, afirma. “No Brasil, já
temos registros de fortes ventos em cidades
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São
Paulo, etc. Os casos de coberturas arrancadas em postos de gasolina são exemplos da
ação de ventanias, que provocam pressão e
sucção sobre as construções.”
Mercado
Ernani Araújo afirma que, ainda que
o Brasil não represente um amplo mercado para os edifícios resistentes, o produto
poderá ser exportado para países mais propensos à ocorrência de terremotos e furacões. “É uma forma de agregar valor à nossa
matéria-prima, que vai para outros países a
preços irrisórios. Precisamos de gente que
invista nisso”, diz.
Para o presidente da regional Minas
Gerais da Associação Brasileira de Engenheiros Civis (Abenc) e vice-presidente
da Abenc Nacional, Iocanan Moreira, é
importante trabalhar o tema da construção
resistente, especialmente em casos como
o da pesquisa da Ufop, que também inclui
a preocupação com a questão ambiental, a
geração de resíduos e a redução de custos.
“Nossa engenharia tem sido uma engenharia de exportação, mas ainda estamos engatinhando em termos de avanços e eles têm
que ser colocados no mercado por meio de
estudos como este”, destaca. O engenheiro
também alerta para a importância da preocupação com a prevenção de impactos em
todas as etapas de uma construção. “A falta
de estudo real de questões relacionadas à
urbanização da cidade tem causado catástrofes como as que temos visto na televisão.
É preciso estudar criteriosamente a situação
do terreno e a estrutura do local, e é importante que órgãos públicos façam um trabalho de prevenção. Na engenharia não há
obras que não possam existir. Tudo precisa
ser estudado”, alerta.
Vantagens
do modelo
proposto sobre
as construções
convencionais
• Rapidez e facilidade
na execução da obra.
• Possibilidade de desmontagem e
reutilização em outro local.
• Canteiro de obra limpo e com menos
entulho.
• Racionalização de materiais, diminuindo o desperdício.
• Sistema estrutural mais eficiente que
o convencional, apresentando maior
resistência estrutural a fortes ventos e
até mesmo a abalos sísmicos.
• Economia e menor
consumo de aço da estrutura.
• Apresenta uma solução de construção
com menor impacto ao meio ambiente.
• Economia e ganhos em área apresentando maior área construída com menor
consumo de aço.
• Apresenta maior eficiência econômica
e estrutural com o uso de pórticos
bidirecionais.
• Apresenta melhor organização espacial
dos ambientes com área íntima mais
reservada da área social.
• Possui área de serviço bem planejada
e coberta.
• Possui possibilidade de ampliação
da casa sem sofrer alterações na sua
volumetria.
FONTE: SILVA, Cristina Evangelista. Sistema de
Cobertura com pórticos de estabilizações bidirecionais em perfis metálicos de seção circular
com costura para construção residencial industrializada. 2011, 176f. Dissertação (Mestrado
em Construções Metálicas) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade
Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2011.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
15
ENERGIA
Pesquisadores estudam aplicações e
aperfeiçoamento de dispositivos da
cadeia de produção de energia solar
O Sol possui uma massa 330 mil vezes maior que a da Terra. No seu interior, a
temperatura média pode chegar a 15 milhões de graus Celsius. É neste núcleo que
ocorrem reações químicas, como a fusão
entre átomos de hidrogênio, produzindo
energia que é transferida para as regiões externas do astro e alcança o espaço como luz
solar. A luz emitida por esta estrela, distante
150 milhões de quilômetros, é a principal
fonte de energia do planeta e elemento indispensável para a vida no globo terrestre.
Nas últimas décadas, pesquisas em
todo o mundo têm buscado formas eficientes de se usar e armazenar esta energia. Um dos processos mais utilizados é a
captação por meio de painéis ou módulos
com células fotovoltaicas, capazes de converter a luz solar que nelas incide em eletricidade. Com o objetivo de desenvolver
e aperfeiçoar esses módulos, bem como
os processos para fabricá-los, o Centro
Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) iniciou, em suas dependências, um conjunto
de aplicações da energia solar fotovoltaica.
16
O primeiro deles, pela simplicidade e valor
da aplicação, trata da iluminação pública
com “postes solares”. O trabalho está sendo conduzido pelo Núcleo de Excelência
em Materiais Solares (NMS).
A instalação do poste, realizada em
agosto de 2011, deu início a testes de aplicabilidade, limitações e confiabilidade da
tecnologia. O modelo, o primeiro de uma
série, foi instalado no jardim da entrada
principal do Cetec – local escolhido devido
à boa incidência de luz solar, à necessidade
de iluminação à noite e à visibilidade na instituição. “As atividades iniciais são de engenharia. Ainda serão instalados outros sistemas energizados pela luz solar, agora com
apoio de empresas. Estes e outros sistemas
em operação em regiões diversas do Brasil
serão estudados”, explica o coordenador do
NMS, José Roberto Tavares Branco.
A partir da energia captada durante o
dia (armazenada em baterias), o sistema escolhido para demonstração permite manter
a iluminação por um período de seis horas
e possui autonomia de dois dias sem inci-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Virgínia Fonseca
dência de raios solares. Foram utilizados
recursos facilmente disponíveis na região
metropolitana de BH, como lâmpadas fluorescentes compactas de 15W, acionadas
automaticamente por um relé fotossensível,
que identifica presença ou ausência de luminosidade. Alternativas mais modernas
serão implementadas futuramente.
Um dos principais objetivos do grupo
do NMS é mostrar o potencial da energia
solar para Minas Gerais e para a economia
do Estado. A forma que os pesquisadores
adotaram para fazer isto foi dando visibilidade a aplicações. Branco explica que a
experiência está sendo utilizada para atrair
a atenção para as oportunidades existentes.
“Queremos facilitar a percepção das pessoas de que esta energia tem um número de
aplicações maior, muitas delas corriqueiras,
e mais, Minas tem toda a matéria-prima de
que precisamos”, explicita.
Tudo se transforma
A tecnologia fotovoltaica consiste na
geração de eletricidade a partir da luz solar.
“Com a tecnologia
estabelecida, cada vez que
se dobra a capacidade
de produção, tem-se
uma redução de 20% no
custo. Ou seja, o custo
desta energia vem caindo
progressivamente, enquanto
o das outras está subindo”
José Roberto Tavares Branco
Coordenador do NMS
Esta energia é tratada por equipamentos
para que possa ser utilizada e também armazenada em baterias ou de outras formas.
O módulo fotovoltaico é um conjunto de
células que podem ter dimensões variadas,
de cm² a m², compostas por um material capaz de absorver a luz – atualmente, o mais
utilizado é o silício cristalino. A absorção
dos raios solares provoca a liberação de
elétrons, que deixam uma lacuna com carga
positiva na estrutura eletrônica. A separação
desses dois elementos cria uma diferença
de potencial, que é o chamado efeito fotovoltaico ou tensão voltaica. Uma outra camada fina, no fundo da placa, permite criar
uma situação de interface. Ao conectar as
duas superfícies, o elétron pode circular,
gerando a eletricidade.
A maior ou menor eficiência do
dispositivo, segundo Branco, depende das condições ou especificidades da
aplicação. “Como nós trabalhamos toda
a cadeia de produção, faltava nos envolvermos com a aplicação, a fim de trazer
resposta para a pergunta: que variáveis
é preciso entender para melhorar os materiais e processos que produzimos até
aqui?”, analisa. Neste processo, o grupo
elencou algumas prioridades de aplicações e pretende dar visibilidade a elas.
O sistema utilizado no poste implantado é classificado como de geração isolada, pois a energia é produzida e utilizada
no mesmo ponto, sem contato com a rede
elétrica convencional. A conexão é do sistema, diretamente do sol para a aplicação
- é possível utilizá-la para iluminar pontos
específicos e em situações mais elaboradas, como carros e mochilas, uma vez que
já existem tecidos com este dispositivo.
Existem, ainda, sistemas conectados à
rede. Neste caso, a utilização em residências
é a mais conhecida. Países como a Espanha e a Alemanha tornaram-se exemplos
para o mundo. “Eles criaram um sistema
de incentivo, pagando pela energia elétrica que a pessoa contribui para distribuir”,
conta Branco. Os consumidores instalam
painéis fotovoltaicos em seus telhados e a
eletricidade gerada que não é consumida
naquela residência é disponibilizada para a
rede. “Com a tecnologia estabelecida, cada
vez que se dobra a capacidade de produção,
tem-se uma redução de 20% no custo. Ou
seja, o custo desta energia vem caindo progressivamente, enquanto o das outras está
subindo”, contabiliza o pesquisador.
Branco esclarece que, apesar do potencial do país – o pior lugar do Brasil em
termos de radiação que poderia ser utilizada tem 40% a mais de incidência do que
o melhor local na Alemanha – a energia
fotovoltaica ainda não faz parte da matriz
energética nacional, embora existam algumas ações específicas implantadas. Daí a
importância, segundo o pesquisador, de
chamar atenção das pessoas para o fato de
que há aplicações muito simples – como
a utilização em pontos de iluminação de
casas e sítios ou para bombear água em
uma pequena irrigação, por exemplo. O
uso para suprir processos de tratamento
de água e o acionamento de equipamentos
que funcionam com eletricidade de forma
remota (geradores) também são citados.
Outros conjuntos de aplicações a
serem implementadas incluem bases para
armazenamento de energia, para carregar
baterias em geral, como de celular, que
estariam disponíveis para utilização do
público dentro do Cetec. “Por enquanto,
são ações de demonstração e validação
de competências, a partir do conhecimento existente, tirando aprendizado do uso
desses sistemas de geração para melhorarmos os produtos e processos com que
trabalhamos”, ressalta o coordenador. Ele
acrescenta que já há um projeto em parceria com empresa mineira. Nesta ação, o
NMS conta em sua equipe com o professor
Luís Guilherme Monteiro e estudantes de
Engenharia de Energia do Instituto Politécnico da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-MG).
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
17
Foto: ACS/Cetec
O modelo de “poste solar” instalado na entrada do Cetec é o primeiro de uma série
Made in Brazil
A cadeia de produção de energia
solar por meio de módulos fotovoltaicos
passa pela obtenção do silício, fabricação
das lâminas das células e construção do
módulo propriamente dito, integração
com componentes elétricos e eletrônicos.
“Na parte de eletrônica existem alguns
equipamentos com os quais temos pouca experiência no Cetec, então, estamos
firmando projetos e cooperações com
empresas do Vale da Eletrônica, de Santa
Rita da Sapucaí, [a 420 km de Belo Horizonte] e com o Green Solar da PUC-MG”,
detalha Branco. Ele explica que o grupo
está promovendo a mobilização de atores
em toda esta cadeia produtiva, o que deve
contribuir para consolidar uma indústria
fotovoltaica no Brasil, ação que vai ao
encontro dos objetivos do Instituto de
Energias Renováveis (Bioerg) – que busca dar suporte à implantação de pesquisa
e desenvolvimento de produtos tecnológicos na área energética.
Branco chama atenção para a necessidade de economia de energia em
nível mundial e busca de alternativas,
com a consciência de que algumas fontes – como o próprio sistema hidrelétrico brasileiro – encontram-se próximas
do limite de produção. Energias limpas,
como a eólica, que já entrou na matriz
energética do país, e a solar tendem a
se expandir. “Existem vários projetos em
18
As ações no Cetec começaram a partir
de uma parceria com a Cemig. Em um
primeiro momento, foram empreendidos esforços também na formação de
recursos humanos por meio da Redemat
(Rede Temática em Engenharia de Materiais) e outros programas em Minas.
Atualmente, a iniciativa conta com o
apoio também da FAPEMIG, do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),
da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
A PUC-MG possui trabalhos relacionados à parte eletrônica e ao desempenho
elétrico do sistema, bem como o Centro
Federal de Educação Tecnológica (Cefet-MG). As Universidades Federais de
Minas Gerais (UFMG), de Viçosa (UFV)
e de Uberlândia (UFU) também possuem
projetos a respeito. As atividades não
estão totalmente interligadas, mas existe
interesse, segundo o pesquisador, em
promover esta organização de esforços.
andamento, acredito que dentro de uns
três anos as empresas já vão conhecer
o negócio e o custo desta energia estará
competitivo com a eletricidade conven-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
O Sistema Brasileiro de Tecnologia
(Sibratec), operado pela Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep), é um
instrumento de articulação e aproximação da comunidade científica e tecnológica com empresas. Um dos seus
componentes são as Redes Temáticas
de Centros de Inovação, formadas por
grupos de desenvolvimento de institutos de pesquisa tecnológica com
experiência na interação com empresas. Elas têm como objetivo gerar e
transformar conhecimentos científicos e tecnológicos em produtos, processos e protótipos com viabilidade
comercial para promover inovações
radicais ou incrementais.
cional”, prevê o pesquisador, que coordena também a rede temática de Centros
de Inovação em Tecnologias para Energia Solar Fotovoltaica do Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec).
A preocupação com soluções que
resultem na redução do custo da energia
fotovoltaica é fator comum entre as pesquisas nesta área, já que hoje ela custa em
média o triplo da convencional, devido aos
investimentos em equipamentos. O armazenamento é outro ponto de convergência.
Alguns estudos apontam que, se fosse
possível reter adequadamente a energia
do sol que diariamente é recebida e não é
utilizada, seria possível manter metrópoles
inteiras, com um nível de emissão de carbono que se aproximaria de zero. O grupo
do Cetec tem expectativas de, em breve,
começar a trabalhar processos também
voltados para armazenagem.
PROJETO: Engenharia de Superfícies
para Energias Renováveis - Eficiência
Energética e Biomateriais
COORDENADOR: José Roberto
Tavares Branco
MODALIDADE: Programa
Pesquisador Mineiro
VALOR: 48.000
Minas é destaque no Prêmio Jovem Cientista
Ao acessar o endereço fapemig.br, o
internauta vai encontrar o portal com um
visual diferente, dinâmico, moderno e
navegação rápida. O projeto foi desenvolvido por uma equipe da Universidade
Federal de São João Del Rei (UFSJ), e,
sob coordenação da pesquisadora Elisa
Tuller, foram realizados testes com professores, alunos e servidores da universidade, colaboradores da FAPEMIG e usuários
do site. O objetivo era reunir informações
para construção do novo layout do portal.
Outra novidade que pode ser encontrada
na página é o acesso ao Projeto Minas
Faz Ciência, em que o internauta poderá
ouvir os podcasts “Ondas da Ciência”,
assistir aos programas “Ciência no Ar” e
ler os textos do blog Minas Faz Ciência.
Além disso, será possível ler as edições
da revista MINAS FAZ CIÊNCIA online. “O
novo portal permitirá ampliarmos nosso
trabalho e fortalecer o papel da FAPEMIG
A ciência mineira foi contemplada em três
categorias da tradicional premiação: graduado,
estudante de ensino superior e mérito institucional, sendo que nas duas primeiras os jovens
pesquisadores conquistaram o primeiro lugar. A
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
recebeu o prêmio de mérito institucional como a
entidade de ensino superior com o maior número de trabalhos de valor científico. A Universidade foi premiada com 35 mil reais. Na categoria
graduado, a vencedora foi Uende Aparecida
Figueiredo Gomes, da UFMG, premiada com
30 mil reais com a pesquisa Intervenções de
saneamento básico em áreas de vilas e favelas:
Um estudo comparativo de duas experiências na
Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Já o vencedor da categoria estudante de
ensino superior, Kaiodê Biague, estudante do 2º
período de arquitetura e urbanismo do Centro
Universitário Izabela Hendrix, recebeu a premiação no valor de 15 mil reais, com a pesquisa
Mini Usinas solares fotovoltaicas em sistemas
de transporte rápido por ônibus BRT (BUS RAPID TRANSIT). Para o estudante, ser o vencedor
foi uma surpresa e ao mesmo tempo uma motivação para trilhar a carreira científica. “Fiquei
muito orgulhoso e ainda mais motivado a continuar pensando em uma arquitetura comprometida com o desenvolvimento das cidades e das
pessoas.” No dia 6 de dezembro, os vencedores
vão receber o prêmio da presidente Dilma Roussef no Palácio do Planalto, em Brasília.
de divulgação científica”, explica a chefe
da Assessoria de Comunicação Social
(ACS), Ariadne Lima. Para o presidente
da FAPEMIG, Mario Neto Borges, o novo
portal está compatível com as atividades e
a missão da FAPEMIG, que é induzir e fomentar a pesquisa e a inovação científica
e tecnológica para o desenvolvimento do
Estado. Visite o site, acessando
www.fapemig.br
Projeto
Imagens
do Conhecimento
O Projeto Imagens do Conhecimento, desenvolvido pelo Cedecom-UFMG, propõe a divulgação de imagens vinculadas ao conhecimento.
Imagens podem ilustrar, representar ou condensar dimensões a serem discutidas e difundidas. O
fascínio da imagem soma-se ao do conhecimento.
Maria-Exphotos, de Marcelo Kraiser, integra o Imagens do Conhecimento. O trabalho
Exphotos inicia-se com pesquisa sobre processos analógicos de produção de imagens. Kraiser
se interessava mais pelos defeitos do que pelos
acertos fotográficos e, por meio de processos
digitais, passou a simular esses defeitos da produção analógica. Para ele, a fotografia pode ser
vista de duas formas: sob a ótica de padrões de
como fotografar ou sob a visão de que a imagem
é sempre uma invenção sobre o mundo.
A pesquisadora Maria do Céu Diel (UFMG),
no texto Onde foi que eu vi essa ex-foto, onde foi
que eu vivi?, escreve: “Para além da representação, mais que narrativa ou retórica empobrecida, as fotografias de Marcelo Kraiser são quase
afrescos, reveladas, impressas e desenhadas nas
paredes imemoriais do passado nunca vivido”.
Confira a imagem na página 50 desta edição.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
19
CURTAS DA CIÊNCIA
O site da FAPEMIG mudou
LEGISLAÇÃO
Código que
rompe amarras
Projeto de lei
que tramita
no Congresso
Nacional permitirá
desburocratização
dos processos
que envolvem a
Ciência no Brasil
Fabrício Marques e
Maurício Guilherme Silva Jr.
20
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Se o criador da Apple, Steve Jobs,
e seu colega Steve Wozniak vivessem no
Brasil em 1976, jamais teriam tido acesso
aos componentes eletrônicos usados na
montagem dos primeiros computadores da
empresa em uma garagem. Desde então,
houve alguma melhora, um avanço tímido, como lembrou o jornalista Fernando
Rodrigues, em sua coluna na Folha de S.
Paulo, em 8 de outubro de 2011. Mas os
entraves legais, muitas vezes, atrasam ou
mesmo impedem o avanço da Ciência, da
Tecnologia e da Inovação no País.
Uma proposta pode alterar esse quadro e atuar como divisor na história da
Ciência no Brasil, animando e estimulando inovadores, cientistas, pesquisadores
e empreendedores. No final de agosto, os
presidentes dos Conselhos Nacionais das
Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa
(Confap), Mario Neto Borges e dos Secretários para assuntos de C,T&I (Consecti),
Odenildo Sena, entregaram o Código da Ciência, Tecnologia e Inovação a autoridades
do Executivo e do Legislativo, em Brasília.
O documento, que ora chega às
mãos daqueles que criam e gerenciam
as leis numa democracia representativa
como o Brasil, simboliza a concretização
de antigas reivindicações dos mais diversos setores sociais. Conforme ressalta
Catarina Barreto Linhares, procuradora do
Estado de Minas Gerais, procuradora chefe da FAPEMIG e uma das coordenadoras
do grupo responsável pela elaboração
da proposta do Novo Código, a iniciativa formal do Consecti e do Confap é fruto
dos reiterados reclamos das comunidades
acadêmica e empresarial, assim como do
Poder Público, quanto à morosidade, à
burocracia, aos entraves e prejuízos ocasionados ao setor de Ciência, Tecnologia
e Inovação, principalmente no que diz respeito ao engessamento da legislação.
“Daí constituiu-se o Grupo de Trabalho, a fim de elaborar proposta de novo
marco legal. Houve reuniões presenciais
em Belo Horizonte, Goiânia e Brasília,
além de um sem número de contatos à distância, para troca de textos, discussões e
debates”, explica Linhares. Os encontros e
discussões culminaram com a entrega, em
agosto último, da proposta ao Congresso
Nacional, que, segundo a procuradora,
“a encampou plenamente, assumindo-a”.
Agora, a iniciativa tramita sob a denominação de Projeto de Lei n0. 2177/11.
“A questão legal foi a motivação principal para iniciarmos o trabalho que resultou no PL 2177/2011”, afirma o deputado
federal Sibá Machado, membro titular da
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e vice-líder
da bancada do PT na Câmara dos Deputados. Mas o parlamentar ressalta que o financiamento para Ciência e Tecnologia no
Brasil é outro grande problema porque ainda é muito pequeno. Hoje, todo o dinheiro
para o setor representa 1.197% do PIB.
Desse valor, 70% vêm do setor público.
A iniciativa privada contribui com apenas
30%. “Estamos trabalhando para aumentar
esse percentual de recursos para 2,5% do
PIB”, diz Machado.
A ideia de mudança na legislação brasileira surgiu em Audiência Pública realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia
da Câmara, em final de abril deste ano. Ouvindo o ministro Aloízio Mercadante, convidado à época para aquele debate, ficou claro
que o Brasil só recuperará o tempo perdido
se investir em pesquisa e inovação. “Essa é
a ponte para um futuro de desenvolvimento
com geração de emprego, renda e bem-estar social. Para chegarmos lá, é necessário
acabarmos com as amarras legais que hoje
engessam os pesquisadores, intimidam os
profissionais que, temendo a burocracia,
acabam renunciando à pesquisa”, comenta
o deputado federal.
Depois dessa audiência pública,
houve um período de três meses em que,
segundo Machado, mais de 1.200 entidades públicas e privadas de todo o País
colaboraram com ideias e sugestões para
consolidar o projeto. A amplitude dessa
participação é diretamente proporcional à
importância do tema e ao grau de preocupação existente entre os cientistas brasileiros, quando o assunto é a legislação
que regula o setor.
Ao longo do processo de criação do
Novo Código, “modelos” internacionais,
a exemplo das experiências de Coreia e
Estados Unidos, serviram de base aos
princípios gerais do documento. Outras
“Daí constituiu-se o Grupo
de Trabalho, a fim de elaborar
proposta de novo marco legal.
Houve reuniões presenciais
em Belo Horizonte, Goiânia
e Brasília, além de um
sem número de contatos à
distância, para troca de textos,
discussões e debates”.
Catarina Barreto Linhares
Procuradora chefe da FAPEMIG
Além da procuradora Catarina Linhares (FAPEMIG), o Grupo de Trabalho
Confap/Consecti foi composto pelos
advogados Breno Rosa (SECT/AM),
Clóvis Squio (FAPESC), Cristina Leftel (FAPESP) Gianne Azevedo (FAPEAM) e Valéria Firme (FAPES).
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
21
Trata-se, respectivamente, da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais
de Ensino Superior.
“As maiores dificuldades
que percebi podem ser
resumidas em quatro
grandes grupos: Lei de
Licitações, subvenções,
financiamentos e compras
no exterior.”
Sibá Machado
Deputado federal
22
importantes referências foram o regime de
contratações e aquisições do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a
Organização Mundial de Comércio (OMC),
que, segundo Catarina Linhares, “possuem
regras bem mais céleres e razoáveis para o
fomento e demais ações junto ao setor de
C,T & I”. Apesar disso, as entidades nacionais e suas necessidades revelaram-se os
principais norteadores para elaboração da
proposta final. “Várias delas, entre as quais
SBPC, CNPq e Andifes, contribuíram com
o apontamento de entraves e sugestões de
alteração”, conta.
as ações, em qualquer setor. A flexibilização não é, de forma alguma, sinônimo
de informalidade, omissão ou desídia”,
ressalta Linhares. O que se pretende é
destacar a importância aos resultados
alcançados, eliminando-se, segundo a
procuradora, “entraves formais de prestação de contas que, atualmente, desestimulam os pesquisadores e instituições,
até mesmo a buscar fomento público.
Por óbvio que deve haver prestação de
contas, clara e objetiva, e a fiscalização,
sempre que se entender necessário, pelos Órgãos competentes”, completa.
Mas o que muda, afinal?
Camaleônicos obstáculos
Um dos objetivos dos responsáveis
pela elaboração da proposta enviada ao
Congresso Nacional foi, segundo esclarece a procuradora Catarina Linhares, o
agrupamento da legislação de regência
em documento único. Seriam mais fáceis, afinal, o manuseio e a aplicação
das normas legais, que não aparecem
esparsas e difusas, por usuários e destinatários. “Assim, estando as normas
diretamente ligadas à C,T & I num único diploma, não restará mais qualquer
dúvida acerca de sua aplicabilidade e
pertinência, afastando-se de pronto a
incidência de regramentos divergentes e
diferentes”, ressalta. Desse modo, a Lei de Inovação
foi aperfeiçoada para estender seus incentivos e benesses a um maior número de entidades de Ciência, Tecnologia
e Inovação, além de “facilitar o acesso
e a execução dos projetos de pesquisa
e inovação pelos parceiros Estado-Academia-Empresa”. Nos capítulos do
documento apresentado ao Congresso
Nacional, há referências a diversas etapas e nuances do processo da produção
científica. No que se refere, por exemplo,
às aquisições e contratações, prevêem-se, entre outras melhorias: otimização
da interação entre professores/pesquisadores; facilitação das importações de
materiais para pesquisa e desburocratização da prestação de contas, com foco
nos resultados.
“Os princípios constitucionais e a
boa-fé devem ser norteadores de todas
Os entraves à produção científica revelam múltipla face: dos pequenos obstáculos cotidianos à imensa “engrenagem”
da burocracia, muitos são os fatores de
morosidade a solapar o desenvolvimento da pesquisa no Brasil. Em entrevista à
edição especial de Minas faz Ciência, que
tratou do processo de internacionalização das instituições brasileiras, o Reitor
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), professor Clélio Campolina Diniz, destacou o que, em sua visão, configuraria a “maior de todas as dificuldades”
para ampliação da ciência no Brasil: “As
normas legais que, nas universidades,
são as mesmas para todo o setor público. Há, por exemplo, a lei das licitações,
nº 8.666, que diz que tudo precisa ser
licitado, pelo menor preço. A pesquisa,
contudo, precisaria ter certa autonomia
para eleger o que lhe é prioritário. Seriam
necessários critérios científicos de avaliação, e não mercadológicos”.
O professor Jalver Machado Bethônico, do departamento de Fotografia, Cinema
e Teatro da Escola de Belas da UFMG, cita
a “dureza” dos processos para aquisição
de equipamentos de pesquisa, mesmo que
facilitados até certa etapa.
Recentemente, Bethônico preparava listagem para aquisição de aparelhos
de áudio, fundamentais a seus estudos
sobre a relação entre som e imagem (Leia
reportagem à página 28). Tempos depois
de descritas e enviadas as especificações
técnicas ao setor responsável pela compra
dos equipamentos, o professor recebe co-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
municado oficial, a relatar que nada havia
sido feito, em função de dúvidas relativas às
configurações do pedido: desejava-se, afinal, o X-mini ou o X-mini Max? Ao invés de
rapidamente resolvido, por meio de simples
esclarecimento com o autor da demanda, o
processo acabou interrompido: “Não pude
seguir com a compra. Fui obrigado a fazer
outro formulário de requisição”, conta.
Com a implementação da nova
proposta de legislação para C, T & I,
experiências negativas como a de Jalver Bethônico podem deixar de existir.
Conforme ressalta Catarina Linhares,
os pesquisadores, assim como as instituições públicas ou privadas que atuem
no setor, “terão desburocratizadas suas
ações, o que trará celeridade e efetividade
aos projetos de pesquisa e de inovação.
Terão todos maior liberdade para fazerem
parcerias, em prol de que haja circulação
do conhecimento em favor do desenvolvimento econômico e social do País”.
Além disso, ressalta a procuradora,
o Poder Público terá ampliada a possibilidade de cumprir “sua missão de agente
indutor e fomentador da nova Economia
do Conhecimento. Espera-se consolidar
um ‘círculo virtuoso’ onde a parceria entre
Estado, Academia e Empresa seja benéfica
a todos os parceiros, e se realimente de
forma contínua, gerando novos produtos
no mercado, emprego, renda, patentes etc.,
em favor da população brasileira”.
Propostas
para desburocratizar
Quando confrontado com os principais problemas do arcabouço legal vigente, o deputado federal Sibá Machado entende que trabalhar com Ciência,
Tecnologia e pesquisa no Brasil é um
desafio de diversas ordens. “Mas para
responder a essa pergunta diria que as
maiores dificuldades que percebi nas
conversas com cientistas, pesquisadores, professores universitários, podem
ser resumidas em quatro grandes grupos: a chamada Lei de Licitações; as
subvenções; financiamentos e compras
no exterior”.
O deputado federal enumera seis
das principais propostas para um novo
arcabouço legal, defendendo um novo
olhar da lei sobre temas como, por exemplo, as licitações. “Não é mais possível,
se quisermos acompanhar os países desenvolvidos, que o cientista, para adquirir
equipamentos e produtos indispensáveis
à sua pesquisa, tenha que comprar pelo
menor preço ou percorrer todas as etapas
exigidas na Lei de Licitações”, observa.
Para ele, a espera comprometerá o sucesso de sua pesquisa e o produto de menor preço, provavelmente, comprometerá
a qualidade e precisão dos resultados.
Se aprovada a nova Lei, as aquisições e
contratações observarão o primado da
qualidade sobre o preço. “Defendemos a
aquisição direta, inclusive por importação para equipamentos de alta tecnologia
voltados para CT&I, mediante justificativa
técnica, sendo desnecessário o exame de
similaridade. Os insumos e serviços de
natureza comum poderão ser adquiridos
e contratados por Seleção Simplificada,
levando em consideração qualidade, garantia e assistência”.
Quanto aos prazos, a proposta que
os instrumentos jurídicos decorrentes
da atividade de CT&I devem ter os seus
prazos vinculados à duração do projeto,
sem limitação de aditivos, desde que justificados, podendo ser acrescidos valores
suficientes para fazer frente às despesas.
“Queremos que a legislação brasileira estabeleça um regime diferenciado
quando o assunto é Ciência, Tecnologia
e Inovação. Que todo aporte de capital em
ações de CT&I sejam considerados investimento”, diz Sibá.
Sobre as pesquisas por empresas
privadas, o Projeto de Lei, à exemplo do
que já se pratica nos países desenvolvidos, abre a possibilidade de incentivo e
fomento público às empresas atuantes
em pesquisas de CT&I, para constituição
de parcerias e criação de incubadoras de
novas empresas. Cria instrumentos de es-
PRÓXIMOS PASSOS
Confira alguns dos trâmites pelos quais passará o documento “Sugestões de
alteração do marco legal para ciência, tecnologia e inovação”, entregue ao
Congresso Nacional em 31 de agosto deste ano e que agora responde pelo nome
de Projeto de Lei nº 2177/11.
1. O presidente Marco Maia determinou que a proposta deverá ser
analisada em Comissão Especial e depois pelo Plenário da Câmara. No
momento aguarda-se a indicação, pelos líderes dos partidos, dos membros
da Comissão Especial. Instalada a Comissão, será eleito presidente e relator
para iniciar a apreciação da proposição.
2. No Congresso Nacional, ao invés de passar por diversas sucessivas
comissões, o Projeto será analisado por comissão mista, especialmente
formada para rápido exame do tema.
3. Ou seja, simultaneamente, por entendimento com a Comissão de
Ciência e Tecnologia do Senado, o senador Eduardo Braga apresentou o
mesmo projeto naquela Casa, como forma de agilizar sua tramitação. No
Senado, a proposição é identificada pelo PLS nº 619/2011, que se encontra
na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda designação do relator.
4. Até que a proposta entre em votação, prevê-se, segundo o deputado
Sibá Machado, a realização de audiências públicas e de recebimento e análise
de emendas.
5. Após a votação, o Projeto será enviado à Presidente da República,
para sanção ou veto.
6. Caso sancionado, o Projeto é publicado e, efetivamente, torna-se lei.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
23
tímulo à inovação, como as subvenções
econômicas, financiamentos, participação
societárias e o voucher tecnológico, que é
um crédito não reembolsável concedido
pelas agências ou órgãos de fomento,
resgatável exclusivamente pelas empresas de Ciência e Tecnologia credenciadas,
destinado ao pagamento de transferência
de tecnologias, compartilhamento e uso
de laboratórios ou contratação de serviços especializados.
Para as importações de equipamentos, o Projeto de Lei considera que
as instituições de pesquisa possam
adotar os procedimentos do Programa
“Importa Fácil”, tendo tratamento aduaneiro simplificado, com maior agilidade,
equipe especializada da Receita Federal
com treinamento para despacho de cargas relativas a produtos destinados à
pesquisa, determinação de aeroportos
específicos para internalização dessas
compras realizadas no exterior.
Em relação à prestação de contas,
o Projeto estabelece que a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios
deverão adotar sistemas de prestação
de contas flexíveis com obediência aos
seguintes princípios: a) foco na análise
do resultado do projeto, e não na contabilidade; b) limite para remanejamento
com justificativa posterior, e além deste
limite, mediante prévia manifestação; c)
prestação de contas mediante relatório
eletrônico, com obrigação de guarda dos
documentos comprobatórios do bom uso
dos recursos, a exemplo do que é hoje a
Declaração do Imposto de Renda.
Outro ponto importante que não ficou esquecido diz respeito à dedicação
exclusiva. Pela proposta, os professores
de dedicação exclusiva poderão realizar
atividades de pesquisa e extensão em
horário concomitante, sem prejuízo das
vantagens do cargo público, fazendo jus
ao recebimento de bolsa de incentivo à
inovação, se for o caso. Além disso, permite que os pesquisadores estrangeiros,
detentores de visto provisório de permanência no Brasil, possam atuar em projetos de Ciência, Tecnologia e Inovação,
recebendo bolsas de qualquer natureza.
24
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
As novas leis da (ciência) dinâmica
Confira algumas das sugestões de alteração do marco legal para Ciência,
Tecnologia & Inovação, proposta pelo grupo de grupo de trabalho Consecti-Confap:
Construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação
Estímulo à inovação nas
ECTIs privadas com fins lucrativos
As diversas instâncias governamentais (União, Estados, Distrito Federal, Municípios) e suas respectivas agências de
fomento poderão estimular e apoiar alianças estratégicas para projetos de cooperação com empresas nacionais e internacionais, Entidades de Ciência, Tecnologia e
Inovação (ECTIs) – públicas e privadas – e
organizações de direito privado voltadas à
formação de Recursos Humanos qualificados, à pesquisa e ao desenvolvimento de
produtos e processos inovadores.
As diversas instâncias governamentais e suas agências de fomento
poderão promover e incentivar o desenvolvimento de produtos e processos
inovadores em ECTIs privadas, com fins
lucrativos e voltadas a atividades de
pesquisa, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais
ou de infraestrutura, a serem ajustados
em instrumentos específicos, destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para atender
às prioridades da política industrial e
tecnológica nacional.
Unificação de nomenclaturas
Para facilitar processos, contratos e
acordos, o novo código descreve conceitos
diversos, dos significados de “contrato” a
“aquisição”; de “criação” a “criador”; de “financiamento” a “parque tecnológico”.
Inventor independente
A ele será facultada a possibilidade
de solicitar, desde que comprove depósito de pedido de patente, a adoção de sua
criação por ECTI, agência ou órgão de
fomento, que decidirá livremente quanto
à conveniência e à oportunidade da solicitação, com vistas à elaboração de projeto.
Ações conjuntas
ECTIs públicas e privadas poderão
compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais
instalações em atividades voltadas à inovação tecnológica.
Formação de Recursos Humanos
As diversas instâncias governamentais e seus órgãos e agências de fomento
concederão bolsas destinadas à formação
e capacitação de Recursos Humanos e à
agregação de especialistas em ECTIs, que
contribuam para a execução de projetos de
pesquisa ou de desenvolvimento tecnológico e atividades de extensão inovadora e
transferência de tecnologia.
Acesso à biodiversidade
Não dependerá de autorização prévia o acesso a amostra de componente do
patrimônio genético e de conhecimento
tradicional, desde que associado a fins
exclusivos de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, em
quantidades razoáveis, nos termos de
regulamentação.
Importação
Serão isentas dos impostos de importação e sobre produtos industrializados e do
adicional ao frete para renovação da marinha mercante as importações de máquinas,
equipamentos, aparelhos e instrumentos,
bem como suas partes e peças de reposição, acessórios, matérias-primas e produtos intermediários destinados à pesquisa
científica, tecnológica e inovação.
Aquisições e contratações
As aquisições de bens e as contratações de serviços destinados exclusivamente, à pesquisa, desenvolvimento e
inovação serão regidos pelos princípios
básicos de legalidade, impessoalidade, moralidade, probidade, publicidade,
sustentabilidade, razoabilidade e busca
permanente e prioritária pela qualidade,
durabilidade e adequação a seus objetivos.
Patrimônio
Os bens ou serviços gerados ou
adquiridos com a aplicação dos recursos
destinados ao estímulo ou inovação de
CT&I serão incorporados, desde sua aquisição no âmbito dos projetos, ao patrimônio da ECTI recebedora.
Prestação de contas eletrônica
União, Estados, Municípios, Distrito
Federal e órgãos e agências de fomento
estabelecerão formas simplificadas e uniformizadas de prestação de contas dos
recursos repassados com base nesta lei, a
ser realizada, preferencialmente, mediante
envio eletrônico de informações.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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O Código Nacional da CT&I
Urge “concertar” a legislação da Ciência, Tecnologia
e Inovação no Brasil. Importantes avanços foram feitos na
política da área e também nos investimentos – mas ainda
existe um obstáculo fundamental a ser superado. A legislação vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada
ao contexto do Século do Conhecimento. Neste sentido e,
como um “concerto de orquestra” surge o Código Nacional
da CT&I que diz respeito à regulamentação legal para a ciência no Brasil. Moderno, articulado, simplificado, enxuto
e apropriado para colocar o País numa posição de avanços
mais rápidos na ciência e especialmente na inovação.
O documento, subscrito pela maioria das instituições que atuam na área, está circulando na sociedade, no
Congresso Nacional e no Executivo Federal. É resultado de
muito trabalho - de muitas cabeças - que vem atender aos
anseios da comunidade científica nacional, demandas estas lideradas pelo atual Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação – MCTI que prepara uma nova etapa da política
científica nacional.
O País precisa falar a mesma língua quando se referir
à ciência, seja quando falam as agências de fomento, as
instituições de pesquisa ou os órgãos de controle. Assim,
o Código proposto, mais do que unificar a nomenclatura,
define conceitos que facilitarão o diálogo entre os atores
mencionados. Será o “livro de cabeceira” de gestores, usuários e operadores do controle nesta área. Neste sentido,
simplifica procedimentos administrativos e burocráticos
para os processos de importação, priorizando o desembaraço aduaneiro; a isenção de impostos e a fiscalização
da Receita e da Anvisa. Da mesma forma, agiliza o acesso
à biodiversidade, independentemente de autorização do
Ministério do Ambiente, quando se tratar de amostras do
patrimônio genético para fins de pesquisa.
As aquisições e contratações; os convênios e contratos; o controle do patrimônio e a prestação de contas em
projetos e programas de ciência, tecnologia e inovação
ganham novo entendimento e modernos mecanismos. No
caso das aquisições, o Código destaca a prevalência da
qualidade, garantia e assistência sobre o mito do “menor
valor” e com processos simplificados, incluindo a possibilidade de prazos superiores à sessenta meses. Propõe
modelo de prestação de contas eletrônico dispensando a
imediata apresentação da documentação comprobatória,
que só será exigida quando despertar a dúvida do uso inadequado dos recursos – procedimento similar ao adotado
pela Receita Federal no caso do imposto de renda.
O Código estimula a inovação na medida em que
amplia, flexibiliza e substitui, em novos artigos legais, os
fundamentos da vigente Lei de Inovação. Neste aspecto,
não só permite amplo compartilhamento de acervos públicos mediante remuneração de infraestrutura e recursos humanos, mas também regulamenta o aporte de recursos nas
empresas, especialmente micro e pequenas, em diversas
modalidades – inclusive a subvenção direta. Garante ainda
o direito do pesquisador-inventor ter participação financeira
nos royalties de sua criação.
Não menos importante é o uso indistinto dos recursos que passam a ser vistos como investimento em
pesquisa e inovação, e não mais como apenas rubricas
contábeis (custeio, capital, bolsas) que infernizam a vida
de gestores e usuários destes recursos. Assim, passam
a focar no resultado da aplicação do recurso ao invés do
processo de execução.
Não se pretende esgotar aqui todos os benefícios
contidos no documento, mas pode-se afirmar que as alterações constantes da proposta do Código constituem
avanços que permitem vislumbrar um futuro promissor
para CT&I no Brasil. O País já vem tendo reconhecimento
científico e tecnológico internacional e não pode perder
essa grande oportunidade!
Mario Neto Borges
Presidente da FAPEMIG e do Conselho
Nacional das Fundações Estaduais de
Amparo à Pesquisa (Confap)
26
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Código da Ciência
Há consenso. Nos anos mais recentes, os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação no
Brasil tiveram aumento progressivo. O que se tem
criticado, a partir da administração da presidenta
Dilma, é o contingenciamento de recursos destinados à CT&I, numa quebra de compromisso assumida lá atrás pelo então presidente Lula de que,
até final de 2010, recursos para essa área seriam
intocáveis. Sei que está em jogo o excesso de zelo
da presidenta para com a crise econômica mundial.
Entretanto, mesmo leigo na seara da economia, trabalho com a convicção de que manter fortes investimentos em CT&I é poderosa arma para se exorcizar
uma crise. De qualquer modo, alimento a crença de
que, a partir do próximo ano, as coisas retomem a
velocidade dos últimos anos e que a presidenta nos
surpreenda, como tem feito em outras áreas, com
seu estilo de gestão.
Mas, voltando ao consenso aqui lembrado,
há notáveis evidências dos desdobramentos do ciclo virtuoso por que passou o País. O aumento dos
investimentos federais do MCTI, por meio de suas
agências de fomento, aliado à brilhante ideia de um
Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
(PACTI), com metas a serem cumpridas, contagiou
diversos estados da federação e os desafiou a participarem ativamente da empreitada. Os sistemas
estaduais se organizaram com suas secretarias e
se criaram novas fundações de amparo à pesquisa
(hoje já são 25!), estabelecendo-se a cultura das
parcerias e potencializando-se recursos. Disso
decorrente, formaram-se mais pesquisadores, ampliou-se a iniciação científica, fortaleceram-se os
programas de pós-graduação, lançaram-se ações
ousadas, como os institutos nacionais de C&T e
tantas outras; deslancharam-se os programas de
subvenção econômica, estimulando-se empresas
a comprar os desafios da inovação e os ganhos
da competitividade. E, no meio de tudo isso, um
fenômeno novo que eu reputo da maior relevância:
a descentralização dos investimentos associada à
sua desconcentração, fato que revelou, por meio
dos indicadores, o aumento proporcional de recursos destinados às regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, o que sinaliza para a redução das
desigualdades regionais, ainda que se tenha muita
estrada a percorrer nesse sentido.
Ao lado desse consenso, entretanto, caminha
outro que representa uma força paradoxal, verdadeiro entrave a tudo que se tem conseguido até aqui
para o Brasil ocupar o seu devido lugar entre as
nações que lideram a produção de conhecimento,
tecnologia e inovação. Se, por um lado, tem-se o
que comemorar com os avanços aqui referidos, por
outro, se tem a lamentar que a legislação em vigor
(imprópria, ultrapassada e dispersa) tenha sido o
maior obstáculo para maiores saltos quantitativos e
qualitativos. Neste sentido, a proposta para o novo
“Código da Ciência”, capitaneada pelos conselhos nacionais dos secretários estaduais de CT&I
(Consecti) e presidentes de fundações estaduais
de amparo à pesquisa (Confap), com contribuições
de entidades e instituições representativas da área
(SBPC, ABC, Andifes, Abruem, Finep, CNPq, Capes), significa uma revolução nos marcos regulatórios que regem a vida de instituições e pessoas
que fazem ciência no país. Agora está nas mãos do
Congresso e do Executivo.
Odenildo Sena
Secretário de C&T do Amazonas e presidente do Conselho Nacional
de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti)
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
27
ARTE E TECNOLOGIA
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28
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Na enorme tela branca, a galinha preta anda de um lado a outro. Diante dela,
o espectador banca o sádico algoz. Com
um afiado tridente nas mãos, diverte-se
por cutucar a pobre ave, que foge em frenético desespero. De beleza estética ímpar
– apesar da aparente crueldade –, a cena
esconde ainda outros atrativos: equipado
com fone nos ouvidos, o “torturador” da
galinácea digital ouve, a cada alfinetada no
animal, uma série de sons e versos da peça
Hamlet, de William Shakespeare, a questionar os desígnios da existência.
Fruto de pesquisas em torno das
possibilidades interativas da arte computacional, o poético embate entre homens e galinhas digitais é capaz de,
num átimo, revelar as muitas facetas de
algumas das mais inovadoras iniciativas
estéticas da contemporaneidade. Trata-se,
em síntese, de experimentações, práticas
ou conceituais, responsáveis por configurar complexas redes de interconexão entre
imagem e som, assim como de estimular
os indivíduos a inéditos modos de fruição
da obra e/ou performance artística.
“Investimos, assim, em interação
multimodal. Por meio da voz, do tato e de
outros movimentos ou ações, o espectador
interage com a obra, que lhe responde imediatamente”, explica o comunicador visual
Jalver Machado Bethônico, professor do
Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Se, até pouco tempo, não havia na
EBA a tradição de pesquisas acerca de novas relações entre sons e imagens – posto
que o ensino de desenho revela-se protagonista na instituição –, hoje, destacam-se por
lá dois instigantes caminhos de investigação estética. A primeira vertente reúne pesquisas sobre a relação entre música e artes
gráficas. Trata-se do estudo da representação visual da voz, assim como das especificidades da pintura que busca interpretar os
sons. Já na outra seara de inquirições, investe-se na exploração da rede de conexões
entre signos visuais e sonoros, como forma
de compreender e promover comparações,
traduções e escrituras audiovisuais.
Como resultado desta segunda “via”
de pesquisas, nasce, em 2004, sob co-
ordenação de Bethônico e do professor
Francisco Marinho, o grupo interSignos,
cujo “S”, maiúsculo e ao centro do vocábulo, busca, justamente, revelar a força e
as peculiaridades das (inter)mediações.
Desde sua formação oficial, a iniciativa
pretende, entre outros objetivos, “ampliar
o conhecimento do universo dos encontros
entre imagem e som; explorar as possibilidades de articulação da(s) linguagem(ns)
audiovisual(is); melhorar a formação dos
alunos, por meio de metodologias capazes
de ampliar o trânsito intersemiótico, e produzir textos e obras individuais e, preferencialmente, coletivas”.
Com base em tais princípios, uma
série de experimentações em artes digitais – todas muito instigantes e desafiadoras – passou a fazer parte da rotina
dos pesquisadores. Em 2006, durante
o 38º Festival de Inverno da UFMG, por
exemplo, Jalver Bethônico e Francisco
Marinho desenvolveram as ideias para
o engenhoso Palavrador, ambiente interativo, com estrutura de software, que
funcionava como “gerador de poesia”. A
obra – que, atualmente, é um “livro físico
capaz de interagir com um mundo poético
cibernético construído em 3D” – chegou
a ser exposta, nos Estados Unidos, em
2007, quando integrou o evento ACM Siggraph Art Gallery – Glogal Eyes.
O projeto de Galinha foi realizado por
Daniel Pinheiro Lima, sob orientação
dos professores Jalver Bethônico e
Francisco Marinho, para exposição
na Escola de Belas Artes em agosto
de 2008.
A obra ganhou, em 2006, o Prêmio de
Poesia Digital da Cidade de Vinarós,
na Catalunha, na categoria de arte-software.
Arte graduada
Como fruto direto das ininterruptas
ações do grupo de pesquisa, surge em
2006, com financiamento da FAPEMIG, o
projeto O silêncio, a sombra e o silício: experiência da arte computacional em instalações interativas e imersivas com fomento, iniciativa que se revelaria riquíssima
em possibilidades, a ponto de estimular,
até mesmo, novas oportunidades de oferta acadêmica na própria Escola de Belas
Artes da UFMG. Inicialmente, contudo,
os pesquisadores propunham-se, apenas,
a aprimorar a estrutura do chamado Museu Museu, galeria com acervo de obras
criadas pela professora Mabe Bethônico,
que, apesar de inteiramente virtual, jamais
assume tal condição.
No desenvolvimento inicial do projeto, portanto, os pesquisadores propunham-
Syggraph é o nome de uma associação norte-americana especializada em
computação gráfica.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
29
-se a ampliar a complexidade do conteúdo
do Museu Museu, a partir da instauração
de diversos ambientes interativos. “Buscaríamos um exercício de forma no interior de
um acervo”, explica o professor Jalver Bethônico, ao ressaltar, porém, que os planos
se diversificaram: “As coisas começaram a
tomar rumos inesperados, como resultado
das pesquisas com arte digital”. Surgem
daí propostas as mais diversas. Além de
ateliês e oficinas para discussão do tema,
tanto na graduação quanto na pós, são realizadas diversas exposições com o material
gerado a partir de tais iniciativas. “Percebemos, então, a necessidade de montar um
outro espaço de investigação”.
Eis o mote para a criação do 1maginari0, grupo de pesquisa abrigado no
Laboratório Midia@rte da EBA e que, em
convênio com o interSignos, dedica-se à
pesquisa de interfaces multimodais e ao desenvolvimento e à produção em artes digitais, computacionais e poéticas. “De repente, buscávamos consolidar uma nova área
dentro da Escola de Belas Artes. E por meio
de uma nova habilitação”, explica Bethônico. Iniciava-se, desse modo, o curso de
graduação em Cinema de Animação e Artes
de Digitais (CAAD), hoje já na quarta turma.
Confira o blog do projeto:
www.1maginari0.blogspot.com
Fotos: Divulgação
“No curso, que hoje já conta com sete professores, o estudante recebe formação híbrida e, ao mesmo tempo, tem a possibilidade
de se especializar em um dos percursos
oferecidos”, esclarece o professor.
Dos sopros à Babel
Criatividade, tecnologia e interação
são palavras verdadeiramente fundamentais às iniciativas propostas pelos
pesquisadores ligados ao grupo 1maginari0. Que o diga a instalação Dente de
Leão, experiência estética que costuma
provocar inesperadas sensações nos
espectadores. O funcionamento da obra,
de autoria de Chico Marinho, Francisco
Chaves e Jalver Bethônico, é bastante
simples – apesar dos efeitos surpreendentes: ao soprar um microfone camuflado de flor, a pessoa faz aparecer, numa
tela de projeção, imagens de milhares
de sementes esvoaçantes, que, pouco a
pouco, transformam-se em poemas. “Ao
mesmo tempo, no fone de ouvido, percebem-se construções sonoras e musicais
que variam de acordo com a intensidade
do sopro”, relata Bethônico.
Outra maravilhosa experimentação
em arte digital desenvolvida pelo grupo de
pesquisa é a obra Babel, fruto de parceria
de Jalver com Marcelo Bicalho, apresentada em 2008 numa exposição da Escola
de Belas Artes. Na instalação, é preciso
chacoalhar um teclado para a que torre de
versos, belissimamente projetada numa
tela, se sustente ou se movimente. “Nesta
e em outras obras, a ludicidade está presente. Apesar disso, não podemos deixar
de lado as proposições e experimentações
estéticas”, completa Bethônico.
Projeto: O silêncio, a sombra
e o silício: experiência da arte
computacional em instalações
interativas e imersivas
Coordenador: Jalver Machado
Bethônico
Modalidade: Grupos Emergentes
de Pesquisa
Valor: R$ 70.000
Pessoas interagem com o Palavrador e ajudam a movimentar a tecnológica Babel
30
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
31
BIOLOGIA
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“As espécies de menor porte
não são um problema tão
grande porque elas já têm
predadores aqui, ao contrário
do caramujo africano, cujo
predador é um gavião que só
existe na África, o que facilita
sua proliferação”
Elisabeth de Almeida Bessa
Coordenadora do projeto
32
Determinar quais, quantos e como
vivem os moluscos terrestres da região da
Zona da Mata mineira: esses foram os objetivos de um estudo de pesquisadores do
Departamento de Zoologia da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), na região
da Zona da Mata, Sudeste do Estado.
Com o nome “Taxonomia de Moluscos Terrestres da Microrregião de Juiz de
Fora, Minas Gerais, e Avaliação da Atividade Moluscicida, Repelente e Ovicida de
Produtos Naturais”, o projeto visou ainda
investigar a eficácia de substâncias naturais para controle biológicos dos moluscos
gastrópodes terrestres, aqueles que se locomovem arrastando-se por meio de uma
espécie de pé na região do ventre.
A área de cobertura da pesquisa incluiu, além de Juiz de Fora, as cidades de
Chácara, Coronel Pacheco, Bicas, Lima
Duarte, Matias Barbosa, Piau, Rio Preto e
São João Nepomuceno, Ponte Nova, Viçosa, Carangola e o Parque Estadual Serra
de Ibitipoca, situado nos limites entre Lima
Duarte e Santa Rita do Ibitipoca.
A iniciativa, realizada entre 2007 e
2009, integra um projeto de abrangência
maior chamado “Biologia, Comportamento
e Participação de Moluscos Terrestres no
Ciclo Biológico de Parasitos”, mantido
desde 1998 pelo departamento.
A classe deve seu nome ao termo grego
“gastropoda”, junção das raízes gaster, estômago, e podos, pé, e inclui, além das lesmas
e dos caramujos, que habitam ambientes
terrestres, espécies aquáticas, tanto de água
doce quanto salgada. Estima-se que haja
hoje 35 mil espécies de moluscos terrestres,
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
número expressivo que coloca o grupo como
um dos de maior biodiversidade. Em Minas
Gerais, de acordo com levantamentos do começo dos anos 2000, o rol de espécies varia
entre 56 e 70, das quais 40 estão presentes
na localidade da Zona da Mata.
Elisabeth de Almeida Bessa, da UFJF,
coordenadora do estudo e também do Núcleo de Malacologia, ramo da biologia que
se dedica ao estudo dos moluscos, explica
que a pesquisa foi motivada pelo interesse
em confirmar a quantidade e quais são as
espécies na região de Juiz de Fora e proximidades, empregando uma metodologia
de identificação que leva em conta outras
características dos indivíduos que não
apenas a concha ou as partes moles, como
se costuma fazer tradicionalmente.
Na etapa de revisão taxonômica, à
qual esteve à frente a professora Flávia
Junqueira, as espécies seriam determinadas conforme a análise morfológica macro
e microscópica dos sistemas reprodutor,
digestório, do complexo palial e a morfologia das conchas.
A taxonomia é a ciência que trata da
classificação das espécies em grupos, de
acordo com sua semelhança. Na análise
proposta pelo estudo, os animais foram
examinados quanto à morfologia, que trata da forma das estruturas do organismo,
tanto de suas conchas, e de seu complexo
palial, que compreende o material no interior da cavidade da concha.
Esse tipo de análise, mais completa,
considerando também as estruturas do organismo para determinação das espécies,
se opõe a uma tendência de estudos que
focavam apenas o comportamento dos animais, muito comum nas últimas décadas,
e tem como vantagem contribuir para uma
aferição mais precisa.
A necessidade desse tipo de abordagem, conta a coordenadora, se deve à
possibilidade de que espécies de moluscos
sejam ameaçadas de extinção, antes mesmo
de serem identificados, graças à redução das
áreas habitáveis provocada pelo aumento do
desmatamento e intensificação do processo
de urbanização. Uma das implicações dessa
dinâmica é a diminuição da oferta de alimentos: essencialmente herbívoros, as mudanças
ocasionadas pela expansão das cidades aca-
Foto: sxc.hu
bam por reduzir drasticamente os locais onde
encontram meios para sobreviverem.
No caso da população de moluscos
terrestres, que se encontram na Zona da Mata
mineira, o quadro se torna ainda mais grave
pela velocidade com que os focos de Mata
Atlântica, bioma natural da região, vêm se
devastando. De acordo com levantamento
da ONG SOS Mata Atlântica e do Instituto de
Pesquisas Espaciais (Inpe) referente ao período de 2008 a 2010, em terras mineiras, a destruição das áreas de floresta Atlântica cresceu
15% em comparação ao triênio de 2005 a
2008, com a diminuição de aproximadamente 13 mil hectares de cobertura vegetal.
Mas os problemas não param aí: as
espécies do local têm que enfrentar, também, a concorrência das espécies exóticas
ou invasoras de moluscos, aquelas que não
são endêmicas, ou seja, típicas do local em
que são encontradas e que disputam com as
nativas a sua alimentação, levando ao desequilíbrio ecológico daquele ecossistema.
A presença dessa fauna ou flora estranhas
a um dado ecossistema altera as relações
ecológicas que ali havia, principalmente as
da cadeia alimentar, sendo, por isso, considerada a segunda maior causa de extinção
de espécies, perdendo apenas para a redução dos biomas por ação humana.
Uma das espécies invasoras mais
conhecidas e que tem causado danos consideráveis é o caramujo gigante africano
(Achatina fulica). Conta-se que a espécie foi
trazida para o País na década de 1980 para
ser exposta em feira no Paraná como uma
alternativa ao escargot, espécie comestível de
molusco. Como os brasileiros não tinham o
hábito, tipicamente francês, de consumir esse
prato, os produtores acabaram por liberar os
animais na natureza. Com condições propícias à sua reprodução, resultante da postura
de mais de 400 ovos por indivíduo, dos quais
99% chegam a filhotes, a espécie hoje se encontra em quase todo o país.
Mais do que ameaçar a fauna nativa, o
invasor africano acarreta prejuízos econômicos, por destruir plantações, e pode implicar
outros ainda mais graves à saúde humana,
por ser hospedeiros de uma série de parasitos que provocam doenças, como a angiostrongilíase, que ataca o sistema nervoso central, e a angiostrongilíase abdominal,
Típico da Ásia,o caracol de jardim(Bradybaena similaris) adaptou-se com sucesso ao climabrasileiro
que pode levar à morte por perfuração do
músculo e consequente hemorragia.
Daí a importância do outro objetivo do
projeto. Paralelamente às análises morfológicas, a pesquisa se dedica ainda a estudar os
hábitos das espécies de moluscos em condições de laboratório, utilizando como amostra
uma geração criada com esse propósito, para
avaliar os efeitos moluscicidas de algumas
substâncias naturais – que controlaria o
crescimento da população de animais – ou
repelente – que reduz presença de moluscos
no local. “Os dados obtidos por esses estudos podem nos ajudar a trabalhar com maior
segurança no controle de moluscos e, por
consequência, no controle de parasitoses”,
justifica a coordenadora do projeto.
Dessas amostras, foram coletados dados como a densidade populacional – a razão
entre o espaço total e o número de indivíduos que o ocupam -, o tempo para atingirem
a maturidade sexual, o ritmo e a quantidade
de ovos de cada ovipostura, além do tempo e
a taxa de eclosão dos filhotes, características
reprodutivas dos animais, especialmente a
ocorrência de autofecundação.
A busca por meios de controlar as espécies de moluscos data do início do século
XX, com o emprego de materiais que não
eram específicos para isso, tais como cal,
fosfato de cálcio, cianeto de cálcio ou sulfato
de cobre, chegando-se, na década de 1970,
à pesquisa de mais de 7 mil produtos para
a finalidade. Dentre eles, um dos de maior
destaque foi o medicamento Bayluscide,
que, apesar de eliminar os animais, prejudicava a fauna e a flora do local de aplicação, além de ter altos custos de produção. O
problema levou a que se pesquisassem moluscicidas naturais, com o intuito principal
de controlar os gastrópodes hospedeiros
do agente causador da esquistossomose, o
Schistosoma mansoni. Foi quando se descobriu o sucesso de substâncias extraídas
de plantas como a castanha de caju (Anacardium occidentale) e a piteira ou agave
(Agave americana) para esse fim.
No estudo mineiro, o objetivo foi
investigar a resposta das plantas e outros
materiais naturais para controlar a população de indivíduos jovens ou adultos, bem
como os ovos de três espécies exóticas,
encontradas na região de Juiz de Fora: a
Bradybaena similaris, conhecido comumente como caracol de jardim e típico da
Ásia; Subulina octona, com ocorrência em
regiões tropicais, especialmente do continente americano; e Leptinaria unilamellata,
também presentes nos trópicos.
Como as condições climáticas do Brasil são muito semelhantes às de seus locais
de origem, as espécies tiveram grande sucesso de adaptação, vivendo de forma semelhante às nativas, inclusive com integração ao
ciclo biológico da área onde estão. “Essas espécies de menor porte já não são um proble-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
33
Resultados
Quanto à primeira etapa do estudo, a análise taxonômica de moluscos
coletados em doze localidades da microrregião de Juiz de Fora, foi constatado um número maior de espécies
no local do que as computadas pelos
levantamentos anteriores. Em vez das
quantidades esperadas de 16 famílias,
24 gêneros e 40 espécies, foram encontrados 21 famílias, 36 gêneros e 51 espécies. Todos os animais encontrados
são de espécies já conhecidas, mas das
quais não se sabia sobre a presença na
Zona da Mata. Dentre elas, nove ainda
precisam ser confirmadas.
Para chegar a esse número, Flávia
coletou amostras de animais entre 2006
e 2009 e as analisou considerando não
apenas a sua concha e a parte mole – que
inclui os sistemas do organismo –, mas
34
também seu material genético, em parceria com outra professora da casa, Sthefane
D´ávila, especialista em biologia molecular
e histologia – estudo dos tecidos dos órgãos – de moluscos terrestres.
Os dados resultantes da pesquisa foram
tema da tese de doutoramento de Flávia, defendida em abril deste ano, e já foram submetidos
a periódicos para publicação. “Os estudos
continuam para confirmar tais espécies, um
processo demorado e que exige pesquisas
mais aprofundadas”, explica Flávia.
Já quanto à segunda fase, o teste com
as substâncias utilizadas para controle dos
animais apresentou resultados positivos na
avaliação da equipe. “Nossa conclusão é de
essas plantas têm ação ovicida, jovencida e
adultocida. Controlar o número de ovos é
muito bom porque filhotes não nascem e,
logo, não temos adultos. Estamos tentando
controlar sem exterminar”, afirma Elisabeth.
Por ora, as informações sobre as proporções de cada material estão sob sigilo devido ao processo de obtenção de patente das
fórmulas dos moluscicidas naturais criados.
O estudo tem ainda contribuições
acadêmicas importantes para a pesquisa
na área da malacologia. Já foram defendidas 15 trabalhos de pós-graduação strictu
sensu, entre dissertações de mestrado e
teses de doutorado, ligadas ao programa
“Biologia e Comportamento Animal” da
universidade. Mais três dissertações na
área de controle biológico deverão ser
defendidas em breve: uma em fevereiro
de 2012 sobre o Subulina octona, o caracol de jardim, e as outras em 2013, sobre
Achatina fulica, o caramujo africano.
Houve ainda participações em bancas de avaliação de trabalhos de pós-graduação e em congressos, publicações
de artigos, orientações em monografias e
iniciações científicas. “O bom da pesquisa
é que, a cada resposta que encontramos,
há dezenas de outras perguntas que motivarão outros estudos. É trabalho para a
vida toda”, brinca Elisabeth.
Museu de Malacologia
Para quem pretende ir a Juiz de Fora
nas férias e se interessa pelo universo dos
moluscos, uma boa dica é visitar o Museu
de Malacologia Professor Maury Pinto de
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Oliveira, que integra o Núcleo de Malacologia da UFJF. O local possui laboratórios,
sala de microscopia, locais de criação de
animais, sala de estudos especiais e biblioteca especializada no tema, com registros raros dos séculos XVIII e XIX.
Com visitas guiadas de escolas e grupos de estudos e aberto também ao público
em geral, o museu possui uma das maiores
coleções de conchas do país, de moluscos
terrestres e marinhos. Mais informações
pela página do museu http://www.ufjf.br/
malacologia/ ou pelo tel. (32) 2102-3221 e
e-mail [email protected].
Foto: Arquivo pessoal
ma tão grande porque elas já têm predadores
aqui, ao contrário do caramujo africano, cujo
predador é um gavião que só existe na África,
o que facilita sua proliferação”, relata.
Na iniciativa da universidade juiz-forana, foram averiguadas as propriedades
das seguintes plantas: a erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides), piteira-azul agave americana (Agave Americana), coroa-de-cristo (Euphorbia millii),
dedal-de-dama ou alamanda amarela
(Allamanda cathartica), piteira (Furcraea foetida), guaco (Mikania glomerata),
picão (Bidens pilosa), além de antibióticos extraídos de fungos, cafeína e timol,
obtido através dos óleos de plantas como
o tomilho e o orégano. Os experimentos
foram feitos cruzando cada planta isoladamente ou combinada a outras com cada
espécie de molusco individualmente.
Esses materiais foram escolhidos
por já terem sido mencionados como possíveis moluscicidas pela literatura especializada e, no caso de alguns dos vegetais,
por pertencerem a famílias de plantas que
já apresentaram essas propriedades. A
novidade do trabalho, explica Elisabeth,
é pesquisar esses efeitos sobre moluscos
terrestres, já que, até então, os textos tratavam apenas dos moluscos aquáticos, que
têm hábitos completamente diferentes.
O caramujo gigante africano (foto 1), do gênero Achatina, e o caramujo branco pequeno, do
gênero Bulimulus (foto 2) tiveram seus hábitos
analisados pelo projeto
PROJETO: Taxonomia de moluscos
terrestres da microrregião de Juiz de
Fora, Minas Gerais e avaliação da
atividade moluscicida, repelente e
ovicida de produtos naturais
COORDENADOR: Elisabeth Cristina
de Almeida Bessa
MODALIDADE: Programa Pesquisador Mineiro (PPM)
VALOR: R$ 48.000
LEMBRA DESSA?
Do laboratório para a
prateleira da farmácia
Propriedades fitoterápicas do repolho são utilizadas na produção
de pomadas e bálsamo que têm a capacidade de cicatrizar feridas
tivo do repolho, afirma que os principais
avanços conquistados com os produtos é
a credibilidade alcançada junto aos profissionais da saúde. “Colocar na prática o que
as pesquisas comprovaram e saber que a
pomada poderá se consolidar como principal marca no tratamento de feridas é muito
importante”, avalia.
No que diz respeito à parte cientifica, o engenheiro agrônomo e doutor em
fitopatologia Marcelo Barreto explica que,
após a comprovação da capacidade da pomada ativar a produção de colágeno e disposição das fibras da pele, novos estudos
puderam ser iniciados. “Temos novas pesquisas sendo estruturadas especialmente
na área da nanotecnologia, envolvendo o
extrato da Brassica. Com equipamentos
mais elaborados, como o espectrofotô-
metro de massa, estamos trabalhando no
conhecimento mais detalhado da química
da planta”, afirma.
O trabalho, que foi iniciado há mais
de quatro anos, ainda gera desenvolvimento cientifico e industrial. De acordo
com Lima, foram firmadas parcerias,
para continuidade de estudos com a
Brassica, com a Universidade de Santa
Maria, Rio Grande do Sul e Universidade Federal do Espírito Santo, onde está
o professor Barreto. Ainda está previsto
o lançamento de novos produtos para
tratamento de fissura labial e mamilar e
assaduras. “A Brassica nos surpreende a
cada momento. Temos muito ainda o que
investigar e creio que poderemos lançar
produtos inovadores e de grande benefício para diversos tratamentos”.
Foto: sxc.hu
Há muitos e muitos anos, as pessoas costumavam buscar a cura de gripes,
enjoos, dor de dente e feridas no canteiro
plantado no fundo de casa. Misturavam
folhas ou frutos com água ou álcool, entre outros ingredientes, e colocavam em
garrafas para tomar ou passar na pele. Até
2007 a Medicina ainda não reconhecia esses métodos caseiros, porém, depois que
o Ministério da Saúde aprovou o programa
nacional de plantas medicinais e fitoterápicos, alguns remédios da “vovó” são estudados em laboratórios e transformados em
soluções eficazes no combate de doenças.
Na edição nº 28 da MINAS FAZ CIÊNCIA, em 2007, foi publicada matéria
sobre pesquisadores que encontraram, nas
folhas do repolho - o mesmo que usamos
para fazer saladas -, substâncias que apresentavam capacidade de cicatrizar feridas.
A pomada era fabricada e vendida apenas
na cidade de Governador Valadares, entretanto, a eficácia do produto no tratamento
de ferimentos fez com que fosse necessário o inicio de estudos laboratoriais para
comprovar cientificamente que a Brasica
oleracea var.captata (nome cientifico do repolho) é um remédio natural que pode ser
comercializado em larga escala.
Em 2008 a pomada e o bálsamo deixaram de ser produtos de manipulação e
adquiriram o status de produtos para industrialização, com o nome de Debridan.
O farmacêutico e empresário Moacir Lima,
que iniciou os estudos com o poder cura-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
35
AGRICULTURA
Pulverizador desenvolvido por empresa fabricante
de eletrônicos utiliza princípios da física eletrostática
para aumentar eficiência do equipamento
Desireé Antônio
A eletrostática, ramo da física que se
dedica ao estudo das cargas elétricas, não
tem relação direta com a agricultura, mas a
aplicação de seus princípios pode contribuir
para cultivos mais produtivos e sadios. Essa
é a proposta do modelo de pulverizador eletrostático de defensivos agrícolas Eletrobell’s,
desenvolvido pela empresa Bell’s Ind. Eletrônica, com sedes na cidade de Timbó, Santa
Catarina, e em Santa Rita do Sapucaí, em
Minas Gerais. Nos pulverizadores convencionais, a calda, ou seja, a mistura de água
e defensivos agrícolas, atinge as plantas
graças à pressão feita por uma bomba, um
dispositivo que funciona como um êmbolo
de seringa, “empurrando” o líquido para fora
do recipiente. Já no novo projeto, as gotas de
calda recebem uma ajuda a mais para atingirem seus alvos: a um campo elétrico, um
campo de forças produzido pela atuação de
cargas elétricas sobre uma área, no interior
da máquina, que faz com que as gotas da calda fiquem eletricamente carregadas e sejam
atraídas pelos vegetais.
Esse campo de forças é gerado por
uma fonte de alta tensão alimentada por
uma bateria de 12 volts, fazendo com que a
tensão atinja o valor de 40 mil volts, ligada
a um eletrodo, objeto que vai possibilitar
a constituição de um circuito elétrico através da passagem de cargas, instalado no
cabeçote do pulverizador. A colocação do
eletrodo na extremidade do equipamento
tem uma justificativa: conforme descrito pelo “Princípio do Poder das Pontas”,
enunciado pelo inventor e político norte-americano Benjamin Franklin, no século
XVIII, as cargas elétricas presentes em cer-
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to corpo que conduza eletricidade tendem
a se acumular em regiões pontiagudas ou
de menor diâmetro, razão pelas qual as
pontas de objeto terão maior concentração
de cargas em comparação ao restante de
sua extensão. Essa teoria foi a base para o
desenvolvimento dos para-raios, também
de autoria de Franklin, em 1752.
Graças a essa dinâmica, o cabeçote
do pulverizador se torna um local com um
campo elétrico fortemente carregado, fazendo com que as gotas que passam por ele adquiram cargas positivas, perdendo elétrons
(partículas atômicas que possuem carga
negativa), e sejam atraídas pelas plantas,
que ficam negativamente carregadas devido
à proximidade da calda com os vegetais. A
aproximação da carga positiva das gotas
provoca uma reorganização das cargas da
superfície das folhas, fazendo com que a
parte mais próxima da calda fique negativa,
e a mais distante, positiva. Como cargas
opostas se atraem, a mistura é “puxada”
pelas plantas com mais facilidade, tornando
sua aplicação mais eficiente, já que evita a
dispersão indesejada das gotas.
Até chegar ao cabeçote do pulverizador e ser expelida, a calda faz o seguinte
trajeto: sai do tanque, o reservatório onde
fica armazenada, segue para o gotejador,
de onde passam por um disco dispersor,
que age dividindo as gotas em outras ainda
menores, para facilitar a dispersão do produto. A redução da massa e da dimensão
das gotas potencializa o efeito da atração
eletrostática, já que, quanto menor o corpo
sobre o qual atuam, maior o efeito da força
exercida pelas cargas.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Aliadas a essa novidade, estão ainda
outras alterações destinadas a tornar o pulverizador mais facilmente manuseável, e o uso
mais eficiente dos defensivos, por ser um modelo
manual, e não costal, com tanque em forma de mochila, transportado nas costas do operador, facilitando o controle e manuseio pelo agricultor; além do uso
de menores volumes de calda e gotas com dimensões
cada vez mais próximas das definidas como ideais pela
literatura da área, que seria de 100 micrômetros – um
micrômetro equivale a um milionésimo do metro. O
equipamento é voltado às necessidades dos pequenos
e médios produtores de hortaliças e flores.
“O Eletrobell’s é único. No Brasil, até então nenhuma empresa produz um idêntico a esse”, afirma o
engenheiro agrônomo e supervisor de vendas Adálcio
Alberton, que trabalha na matriz. Ele conta que o modelo
começou a ser concebido em 2007, quando os diretores
da Bell’s tiveram contato com o projeto desenvolvido por
um pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de Jaguariúna (SP). Esse projeto ainda estava no papel, aguardando
recursos financeiros e humanos para ser concretizado.
Uma das fontes de captação do investimento necessário
foi a FAPEMIG: em 2008, a empresa, que possui uma filial em
Minas Gerais, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, submeteu o
projeto ao edital para financiamento de projetos do setor privado e
foi um dos contemplados. A participação mineira, no entanto, não
se limitou à captação de recursos: a equipe da filial desenvolveu,
em parceria com a da matriz, a parte eletrônica do pulverizador. “O
trabalho foi feito com os dos grupos trocando experiências, erros
e acertos”, explica Marco Passos, engenheiro mecânico da matriz.
Apostando no apelo da proposta, as ideias passaram à fase
de execução em 2009, realizada por uma equipe de profissionais
da Bell’s. Os dois anos de trabalho, diz Adálcio, incluíram grande
volume de testes de laboratório para determinar como seria e
como funcionariam os componentes do pulverizador. A maior
dificuldade foi definir qual o dimensionamento e a otimização da
fonte de que seria usada.
O engenheiro revela que, como as informações sobre o
novo modelo ainda eram essencialmente teóricas, foi necessário
encontrar um similar, que já tivesse sido produzido, para servir
como referência. “Como apenas encontramos dois modelos chineses, os importamos e realizamos as comparações”, justifica.
A avaliação baseada no contraste com o produto asiático
aconteceu em outubro do ano passado e foi fundamental para
acertar as características das peças do pulverizador. Na ocasião,
foram analisadas variáveis como a faixa de aplicação efetiva,
densidade, espectro das gotas e o efeito da eletrostática dos dois
tipos, em diferentes situações: ora sem, ora com o uso da fonte
de energia, e com duas velocidades de aplicação distintas.
Paralelamente às simulações no laboratório, foram realizados testes de campo em propriedades rurais de cultivos de hortaliças e flores no Estado, em parceria com o Departamento de Fitotecnia da Udesc, que colaborou com a pesquisa organizando ensaios
e avaliações do produto, de acordo com a metodologia científica.
Os resultados dos testes foram promissores: o
Eletrobell’s apresentou bom desempenho quanto à efetividade da aplicação – a capacidade para atingir o alvo
visado – e quanto à densidade das gotas, o que facilita a
cobertura de uma área maior com o uso de menor volume
de defensivos, em comparação ao produto chinês.
Os experimentos, tanto os de laboratório, como os de
campo, deram uma indicação também sobre os pontos em
que o produto deve melhorar: um deles é a dimensão das
gotas, que estava variando entre 40 e 320 micrômetros, enquanto a literatura da área define como ideais valores que
variem entre 80 a 120 micrômetros. O tamanho das gotas,
cujo termo técnico é diâmetro médio volumétrico (DMV),
tem especial importância porque está ligado ao sucesso da
indução por eletrostática: quanto menores as gotas, maior
é o efeito das cargas sobre elas. O problema está sendo
sanado com a substituição de discos rotativos, que tinham
a função de reduzir o DMV das gotas, por bicos hidráulicos,
que desempenha a mesma função de melhor forma.
Hoje, a empresa, que ainda não tem data para lançamento do equipamento, está pesquisando uma nova fonte
de energia para o pulverizador, ao que devem se seguir
testes comparativos com outros modelos nacionais. “Ao
realizar experimento em lavoura comercial, durante todo o
ciclo da cultura, fazendo os tratamentos com o Eletrobell’s,
poderemos avaliar os índices de eficiência no controle de
pragas e doenças, em comparação com pulverizadores
comuns”, projeta Adalcio.
Foto: Bell’s Ind. Eletrônica
Um dos testes em plantações de hortaliças feitos pelo projeto
Projeto: Pulverizador EletroBells
Coordenador: Adalcio Alberton
Modalidade: Eletroeletrônico
Valor: R$ 158.293
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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Entrevista
A nova
fronteira da vida
Depois de se lançar às estrelas e ao oceano, o ser humano
vem avançando na tentativa de controlar a influência da relação
entre gene e ambiente sobre nossa saúde
Marcus Vinicius dos Santos
Nem Júlio Verne, autor francês que
escreveu alguns dos maiores clássicos
mundiais da ficção científica e que sempre
apostou em romper fronteiras, foi capaz de
imaginar. O ser humano fechou o século
XX abrindo a caixa secreta que contém
todas as instruções para o funcionamento
do nosso organismo: o genoma humano,
ou seja, o conjunto de genes de uma espécie que é transmitido, com pequenas
variações, de pais para filhos. Mapeá-los,
conhecer seu exato posicionamento na hélice do DNA, as estruturas que compõem o
gene, por meio da genômica, podem permitir saber a probabilidade de um indivíduo ou etnia desenvolverem uma ou outra
doença, por exemplo. A intenção é poder
preveni-las ou retardá-las ao máximo.
Mas isso é algo como ler uma obra
com cerca de 800 volumes, em uma língua
desconhecida. Os genes são apenas 5%
dessa “leitura”, que nos seres humanos
somam cerca de 25 mil. Apesar dos desafios por vir, com esse novo jeito de olhar o
indivíduo a Ciência ultrapassa a fronteira
da compreensão das células e das moléculas e avança no sentido de alcançar um de
seus principais objetivos, controlar a relação saúde-doença. MINAS FAZ CIÊNCIA
38
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
foi conversar sobre esse tema com um dos
mais reconhecidos geneticistas do Brasil,
o mineiro Sérgio Danilo Pena. Ele acredita
que os avanços na tecnologia podem agilizar mudança substancial na medicina a
partir de agora, à medida que a sociedade
e a comunidade médica absorvem os avanços da ciência genômica e os incorporam
às informações preditivas e preventivas na
rotina de manutenção da saúde.
Sérgio Pena é médico, Ph.D. em
Genética Humana, professor titular do departamento de Bioquímica e Imunologia do
Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
diretor do Laboratório de Genômica Clínica
da Faculdade de Medicina da UFMG, entre
outras atividades.
Que conhecimentos o Projeto Genoma
trouxe para a saúde?
Em 2003, foi anunciado o fim oficial do Projeto Genoma Humano. Mais de 99% dos 2,9
bilhões de pares de base de DNA, que constituem a principal porção do genoma humano, foram sequenciados com uma exatidão
superior a 99,9%. Entretanto, as promessas
feitas durante o Projeto foram muitas e algumas pessoas têm ficado impacientes com
Foto: Bruna Carvalho
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
39
a demora na translação do conhecimento
genômico para o tratamento e a cura de doenças. Mas o importante é que os avanços
têm ocorrido inexoravelmente e aos poucos
a Medicina vai se tornando mais científica e
certeira, para o benefício de todos. Já temos
muito a oferecer no presente.
Como o senhor traduziria a importância desse conhecimento para a
humanidade?
Do ponto de vista médico a importância
do Projeto Genoma Humano só pode ser
comparada à publicação do primeiro tratado científico completo de anatomia humana, De Humani Corporis Fabrica, por
Andreas Vesalius, em 1543. Este livro representou o alicerce da medicina moderna.
E o conhecimento anatômico propiciou o
florescimento lento e gradual da fisiologia
humana, da patologia humana e da farmacologia humana nos séculos subsequentes. Da mesma maneira, o Projeto permitiu
o conhecimento anatômico completo do
genoma humano. Aos poucos vão florescendo a fisiologia genômica, a patologia
genômica e a farmacologia genômica.
E são essas as bases da Medicina Genômica?
Conhecer a anatomia do genoma humano
representa apenas o ponto de partida de
construção da Medicina Genômica. As novas
técnicas de sequenciamento genômico, 50
mil vezes mais rápidas do que em 2003, têm
acelerado ainda mais esse processo. Tanto
que só em 2011 foram sequenciados mais de
30 mil genomas humanos. Esse acúmulo de
informações provocou mudança radical nos
conhecimentos sobre a biologia normal do
ser humano e o desenvolvimento de doenças.
Sobre quais doenças os estudos estão
mais avançados?
Mantendo o foco nas doenças comuns,
certamente o entendimento de todas elas
tem avançado em conjunto. Para algumas,
que dependem mais de variações genômicas, como o diabete juvenil, a degenera-
40
ção macular senil e a doença de Crohn, já
temos excelentes ferramentas diagnósticas
que permitem a prevenção ou a detecção
precoce para tratamento. Já com respeito
a outras, como a Doença de Alzheimer, que
tem aumentado a sua prevalência extraordinariamente com o aumento da expectativa de vida da população, temos um bom
entendimento de como a doença se instala
e evolui, mas ainda não conseguimos traduzir esse conhecimento em medidas médicas práticas.
E quanto à obesidade?
Este é outro desafio enorme. A obesidade
é uma doença complexa, que depende de
fatores genômicos e ambientais. Milhões
de dólares estão sendo investidos nos
estudos genômicos para entender o desenvolvimento da obesidade e evitar seu
desenvolvimento no paciente individual.
Já a verdadeira epidemia de obesidade que
afeta os países ocidentais, especialmente
os Estados Unidos, parece ser principalmente devida a fatores ambientais, ou seja,
um excesso de oferta de comida em proporções nunca antes experimentadas na
história da humanidade, aliada a lobismo e
propaganda pela indústria alimentícia.
É possível identificar os mecanismos
de ação das doenças complexas, cuja
base genética depende de muitos genes e do ambiente?
Todas as características físicas, intelectuais e comportamentais de uma pessoa,
em um dado momento, são determinadas
tanto pelo seu genoma como pela sua
história de vida. Nasce daí o paradigma
genômico de saúde, como sendo o equilíbrio harmônico entre genoma e ambiente.
As doenças representam a desarmonia
genoma/ambiente. Tal desequilíbrio pode
ser devido a insultos genômicos (doenças
genéticas, como, por exemplo, a síndrome de Down) ou ambientais (como, por
exemplo, traumas físicos). Entretanto, na
vasta maioria das vezes, as doenças emergem da confluência de ‘gatilhos’ ambien-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
tais agindo sobre genomas predispostos.
As doenças comuns, como o câncer, a
aterosclerose, a hipertensão, as grandes
psicoses etc, são multifatoriais e complexas. Sua análise é difícil porque são
causadas por múltiplas predisposições
genômicas, agindo em interação com
fatores ambientais desencadeantes. É
justamente o envolvimento do ambiente
na etiologia [causas] dessas doenças comuns que abre perspectivas preventivas
personalizadas, a partir de modificações
do estilo de vida e da dieta, da introdução
ou suspensão de medicamentos e do aumento da frequência de exames clínicos,
laboratoriais ou imaginológicos.
Em 2002, um ano antes do fim do projeto, o Sr. já falava em medicina “pós-genômica” e afirmava que, no futuro,
ela seria principalmente preventiva.
Melhor: que as pessoas morreriam
muito mais velhas, com expectativa
de vida superior aos cem anos de
vida. Nós estamos perto de alcançar
esse estágio?
Sim. Hoje em dia, um bebê recém-nascido
no Japão ou Canadá tem probabilidade de
mais de 50% de viver além dos 100 anos.
Vale a pena ressaltar que esse aumento
extraordinário na esperança de vida talvez
tenha mais a ver com saneamento básico e nutrição do que propriamente com
avanços médicos. Mas o papel fundamental da medicina pós-genômica (ou
seja, aquela baseada no conhecimento do
mapa genômico do Homo sapiens) será
o de promover o envelhecimento com
saúde, fazendo a prevenção das doenças
crônicas e debilitantes. Assim, não basta colocar “mais anos em nossas vidas”,
mas compete à medicina pós-genômica
colocar “mais vida em nossos anos”.
Temos avançado igualmente ética e
cientificamente nessa espécie de ‘globalização do fazer ciência’?
De fato, eu caracterizaria a comunidade
médica da atualidade como eminente-
mente ética. Pela sua própria complexidade, a Ciência Genômica de fronteira é
sempre uma atividade de grupo, no qual
existe uma regulação ética mútua entre os
membros. Ademais, todos os projetos de
pesquisa em humanos passam obrigatoriamente por Comitês de Ética em Pesquisa locais ou mesmo em nível nacional,
para conseguirem apoio de entidades
responsáveis, como a FAPEMIG. Assim,
posso dizer com certeza que a população
pode ficar tranquila que não há nenhum
Dr. Frankenstein ou Dr. Moreau operando
na comunidade genômica.
E o tratamento com o uso de técnicas
genômicas já está disponível via SUS?
Um dos nossos grandes sonhos é poder
estender os nossos conhecimentos de
Medicina Genômica de fronteira para a
grande população de pacientes brasileiros atendidos pelo SUS. Atualmente, um
dos nossos projetos apoiados pelo CNPq,
feito em colaboração com o Serviço de
Genética Médica do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais
(que atende pacientes do SUS), visa exatamente desenvolver testes de viabilidade com esse objetivo. A implantação de
novos procedimentos do SUS vai muito
além da pura Ciência, envolvendo aspectos políticos e econômicos que atrasam
sobremaneira o processo. Mas, sou otimista. Teremos isso em poucos anos.
O senhor tem afirmado que é biologicamente impróprio usar o velho conceito de raça para designar esse ou
aquele indivíduo. Então, isso significa
dizer que a cor da pele não é evidência suficientemente relevante para
designar a “composição” biológica de
um indivíduo?
Ao longo dos anos, a crença na existência de “raças” humanas impregnou-se na
nossa sociedade. “Raças” têm sido usadas não só para sistematizar as populações humanas, mas também para criar um
esquema que mantém o status quo social
e é usado para justificar a dominação de
alguns grupos por outros. Assim, a persistência da ideia de “raça” está ligada à
visão de que os grupos humanos existem
em uma escala de valor. Os avanços da
genética molecular e o sequenciamento do genoma humano permitiram um
exame detalhado da correlação entre a
variação genômica humana, a ancestralidade biogeográfica e a aparência física
das pessoas, mostrando que os rótulos
previamente usados para distinguir “raças” não têm significado biológico. Pode
parecer fácil distinguir um europeu de
um africano ou de um asiático, mas tal
facilidade desaparece completamente
quando penetramos por baixo da pele e
procuramos evidências destas diferenças
“raciais” nos genomas das pessoas.
A genética influencia os conceitos de
“raça” e a genealogia, a história das
famílias?
Nos últimos dez anos, realizamos estudos
sistemáticos da ancestralidade de brancos, pardos e pretos no Brasil, usando
marcadores de DNA. Nossos estudos
revelaram que, no Brasil, a cor avaliada
fenotipicamente tem uma correlação fraca com o grau de ancestralidade africana
estimada geneticamente. Em outras palavras, no Brasil, em nível individual, a cor,
como socialmente percebida, tem pouca
relevância biológica.
Sobre este ponto, favoreço a ideia de que
o fato científico da inexistência das “raças” deva ser absorvido pela sociedade e
incorporado às suas convicções e atitudes morais, sendo usado em oposição a
qualquer forma de hierarquia entre povos
ou grupos humanos. Argumento que uma
postura coerente e desejável, especialmente no Brasil, seria a valorização da
singularidade e da dignidade de cada
indivíduo. Todo brasileiro tem o direito
visto como um ser humano único em seu
genoma e em sua história de vida e não
meramente como pertencente a um sexo,
religião ou grupo de cor.
E o aconselhamento genético: o que
esse termo significa, quem deve fazer
e quando?
“Aconselhamento genético” (tradução de
“genetic counseling”) é um termo usado
para designar coletivamente as interações
médicas dos casais com os geneticistas
clínicos. Ele essencialmente visa ajudar
os casais a entenderem e resolverem seus
problemas reprodutivos e familiares. O
aconselhamento pode ocorrer antes, durante ou após a reprodução. Ou seja, pode
ser pré-reprodutivo, quando se identificam fatores de risco (consanguinidade,
idade materna elevada, história de doenças genéticas em um dos membros do
casal ou na família etc.) para o casal que
ainda pretende engravidar. Reprodutivo,
quando se identificam fatores de risco no
transcorrer da gestação, como malformações fetais ao ultrassom, interrupção da
gravidez e idade materna elevada, mais
conhecido como “diagnóstico pré-natal”.
E o pós-reprodutivo é quando o casal já
tem uma criança com uma doença presumivelmente genética e, nesse caso, o
geneticista busca um diagnóstico preciso
que permita estabelecer um prognóstico, propor um tratamento e aconselhar o
casal com respeito a gravidezes futuras.
Outra situação comum é o casal com múltiplas perdas gestacionais, que tem muito
a se beneficiar de uma consulta de aconselhamento genético.
@
Saiba mais:
Conheça a sequência mapeada do
DNA humano:
http://genome.ucsc.edu/
cgi-bin/hgGateway
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
41
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Mentes
brilhantes
Estudantes vencedores do III Seminário de Iniciação Científica
da FAPEMIG se destacam pelo ineditismo dos trabalhos e
também pela garra, foco e superação
Juliana Saragá
Muitas mentes jovens e brilhantes.
Cerca de duzentas autoras de projetos de
iniciação científica das mais variadas áreas do conhecimento. Vieram de diferentes
regiões e instituições de ensino de Minas
Gerais. Muitos nunca tinham vindo à capital mineira e as expressões revelavam a
empolgação de concorrer ao que poderia
ser o primeiro prêmio de suas vidas acadêmicas. Em meio às faces dos jovens
estudantes, uma não mais jovem, mas
igualmente brilhante e entusiasmada. Luiz
Fernando Bandeira de Melo, graduando de
filosofia da Faculdade Católica de Uberlândia, de 60 anos, teve um ótimo motivo
para voltar à sua cidade orgulhoso. Ele foi
o vencedor na categoria BIC (alunos de
graduação) do III Seminário Estadual de
Iniciação Científica da FAPEMIG, realizado
durante os dias 29 e 30 de setembro no
Hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte. O
objetivo do evento é incentivar a vocação
científica de estudantes mineiros.
O trabalho de Luiz Fernando recebeu
nota máxima em todos os parâmetros avaliados, como relevância do tema, inovação,
metodologia e coerência. O tema, “A Busca
de Sócrates do Conhecimento da Verdade
42
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
ção Costa, de 16 anos, também têm bons
motivos para comemorar. Determinadas,
elas já estão certas da carreira que vão seguir: Medicina. Alunas do 2º ano do Ensino
Médio do Colégio Marista Dom Silvério,
conquistaram a bolsa na instituição através
do mesmo projeto que recebeu a medalha
de ouro no Seminário. Antes de entrar para
o Colégio Marista Dom Silvério, Gabriela e Natália estudavam na Escola Estadual
Professor Pedro Aleixo, quando tiveram os
primeiros contatos com a coordenadora de
Pesquisa e Pós-graduação da Fundação
Mineira de Educação e Cultura (Fumec),
Andréia Laura Prates Rodrigues, em agosto do ano passado. Depois de uma seleção
na escola, além de participar do Projeto de
Iniciação Científica como bolsistas da FAPEMIG, as alunas começaram a frequentar
aulas da orientadora e se destacaram entre
os estudantes da Universidade. Foi então
que a coordenadora do projeto e acadêmicas de Biomedicina, ex-alunas do Marista,
indicaram as meninas ao Colégio.
Natália e Gabriella fizeram provas de
seleção, passaram a estudar no Colégio
e continuaram na pesquisa. O projeto, desenvolvido pela Fumec, em parceria com
a Universidade Estadual de Minas Gerais
(UFMG), investigou a atuação de íons em
células relacionadas ao câncer de mama. A
participação dos íons, através dos canais iônicos, é fundamental para a divisão, comunicação e sinalização celular (processos que
se encontram alterados em células tumorais)
e tem sido cada vez mais alvo de estudo no
câncer. Mas a maior parte destes estudos
se dá em células cancerosas em estágios
avançados. O trabalho premiado investigou
de forma pioneira a participação destes íons
em células cancerígenas no estágio inicial.
“Na primeira etapa, conhecemos as células
normais e todas as suas estruturas e eventos. Estudamos sobre os canais iônicos e
passamos a conhecer as células do câncer,
que são alteradas”, relata Natália.
Na segunda etapa, as estudantes
acompanharam e participaram de todo o
desenvolvimento da pesquisa em laboratório. “O projeto mudou minha vida”,
orgulha-se. Natália mora no Aglomerado
da Serra, região pobre da capital. Trabalha
como caixa em um açougue para ajudar
a família, já que o pai, por causa de um
acidente, se aposentou. Ele fica em casa
cuidando da esposa, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que deixou
graves sequelas. O problema de saúde da
mãe impulsiona ainda mais a vocação de
Natália para a Medicina. “Eu descobri que
existe um mundo fora do lugar onde vivo
e que posso fazer algo para ajudar as pessoas, posso saber mais e transmitir meu
conhecimento. Só Deus sabe a alegria
que sinto por passar por todas as dificuldades, vencer os obstáculos. A sabedoria,
o conhecimento aprendido, a esperança
e a fé são minhas ferramentas para uma
grande conquista. Estou em uma lição de
vida”, emociona-se.
Foto: Gáucia Rodrigues
Religiosa de Êutifron”, apesar do alto nível
de dificuldade, foi apresentado de forma
clara e objetiva, conquistando a medalha de
ouro. “A ideia surgiu no primeiro período da
faculdade, quando comecei a estudar Sócrates. Êutifron é um dos primeiros diálogos de
Platão, no qual Sócrates e Eutifron tentam
estabelecer uma definição para “piedade”.
Puxei desse diálogo pontos a respeito da
religião”, explica. Segundo ele, o ineditismo
do trabalho é tratar de um tema muito melindroso para os filósofos, que é a religiosidade de Sócrates. Luiz Fernando fala sobre o
assunto com tranquilidade e propriedade de
quem possui uma biblioteca em casa com
mais de 300 livros de filosofia.
No último dia do Seminário, o estudante e seu orientador, Gilzane Silva Naves, professor da Católica de Uberlândia,
iam pegar estrada mais cedo, antes da
premiação, quando foram advertidos pelo
presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges: “É melhor vocês ficarem, senão vão
perder uma palestra excelente, além da
premiação, que promete grandes surpresas”, conta. “Resolvemos ficar. Quando
ouvimos nosso nome em primeiro lugar,
foi muito emocionante. Para mim foi inusitado receber o prêmio no meio de tantos trabalhos de alto nível, o que também
demonstrou que a FAPEMIG valoriza todas
as áreas do conhecimento com a mesma
importância”. O trabalho premiado se tornou monografia e também já faz parte de
seu projeto de mestrado, quase finalizado.
“Quando somos jovens, estudamos incentivados por um futuro promissor para si e
para constituição de uma família. Quando
estamos mais velhos, somos incentivados
por projetos pessoais. A experiência nos
traz menos afobação e mais foco.” A idade,
na opinião de Luiz Fernando, acarreta vantagens para trilhar o caminho acadêmico
e ainda é motivo para muito bom humor.
“Meu orientador tem a mesma idade do
meu filho. Durante o Seminário era confundido como meu orientando”, diverte-se.
Juventude e superação
Com bem menos experiência, mas
muita garra, as ganhadoras do primeiro
lugar na categoria BIC Jr (Ensino Médio),
Gabriella Pires de Almeida e Natália Concei-
Estudantes apresentaram seus projetos a uma comissão julgadora durante o evento
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
43
O Seminário
Ao todo, 71 instituições mineiras
enviaram participantes, entre orientadores
e estudantes, todos bolsistas de Iniciação
Científica da FAPEMIG, para participar da
terceira edição do Seminário de Iniciação
Científica da Fundação. “Nós notamos o entusiasmo dos estudantes e a nossa missão
no seminário foi despertar o interesse desse
público para trabalhar com Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento”, afirmou o presidente da FAP mineira, Mario Neto Borges.
David Collares Ache, estudante da
Universidade Federal de Uberlândia, foi
um dos participantes do seminário. Recém-formado em Ciências Biológicas, ele
foi bolsista de Iniciação Científica e segue
na área de pesquisa, dessa vez, no mestrado. Para ele, o evento é uma forma de a
Fundação mostrar como é realizado o seu
trabalho. “Nós recebemos a nossa bolsa,
fazemos as pesquisas, mas não temos a
dimensão da grandeza do trabalho da FAPEMIG”, destacou.
Um dos palestrantes, o diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Sérgio Lacerda Beirão, falou sobre a Iniciação
Científica no contexto do “Programa Ciências sem Fronteiras”, lançado recentemente
pelo governo federal. A iniciativa pretende
conceder 100 mil bolsas de intercâmbio
para estudantes e pesquisadores em modalidades que vão do nível médio ao pós-doutorado. “Nosso objetivo é levar os maiores
talentos para estagiarem nos melhores
centros de desenvolvimento e pesquisa do
mundo, para que o Brasil dê um salto nessa
área e se torne um país de frente na sociedade do conhecimento”, enfatizou. A estudante
Júlia Soares Parreiras, vencedora do Prêmio
Jovem Cientista em 2008, na categoria Ensino Médio, falou aos estudantes sobre a
importância do envolvimento com a pesquisa científica ainda na adolescência. “Foi
muito legal compartilhar a minha experiência com os participantes porque eu tive um
ganho pessoal e profissional muito grande
com a carreira científica”, disse. Além dos
debates, foi realizada uma mostra com os
trabalhos dos estudantes. Eles apresenta-
ram seus projetos a uma comissão julgadora e, ao final do seminário, os três melhores
trabalhos foram premiados.
Apoio a jovens pesquisadores
O 3º Seminário Estadual de Iniciação
Científica fez parte da programação comemorativa de 25 anos da FAPEMIG. O apoio à
iniciação Científica integra as atividades da
Fundação. Só em 2010, foram destinados
mais de R$ 13 milhões à iniciativa. A modalidade Iniciação Científica Junior (Bic-Jr) destinada aos alunos de Ensino Médio - em
parceria com o CNPq, concedeu, só no ano
passado, 1.273 cotas de bolsas (450 CNPq
e 823 FAPEMIG). Essa iniciativa é baseada
no sucesso da iniciação científica em nível
da graduação (PiBic), que tem demonstrado, ao longo dos anos, ser uma das atividades responsáveis pela melhoria dos cursos
de graduação e a melhor forma de gerar
quadros para a pós-graduação no País, reduzindo o tempo de formação de pesquisadores. Na modalidade Iniciação Científica na
Graduação, em 2010, a FAPEMIG concedeu
3.064 cotas a 71 instituições mineiras.
PREMIADOS – BIC JÚNIOR
QUADRO - LISTA DE PREMIADOS – BIC
1º - CARACTERIZAÇÃO ELETROFISIOLÓGICA DOS CANAIS IÔNICOS NA LINHAGEM DE CÉLULAS MGSO-3 DERIVADAS DE
TUMOR DE MAMA
Alunas: Gabriella Pires de Almeida e Natália Conceição Costa
Coordenadora: Andréia Laura Prates Rodrigues
Instituições: Fumec e UFMG
1º - A BUSCA DE SÓCRATES DO CONHECIMENTO DA VERDADE
RELIGIOSA DE ÊUTIFRON
Aluno: Luiz Fernando Bandeira de Melo
Coordenadora: Gilzane Silva Naves
Instituições: Católica de Uberlândia
2º - DOENÇA FALCIFORME: IMPLICAÇÕES NA SAÚDE PÚBLICA
REVISÃO BIBLIOGRAFIA
Aluno: Rafael Felipe Gonçalves Miranda
Coordenadora: Ione Maria do Socorro
Instituição: Funec Contagem
2º - SENSORES INTELIGENTES E DE BAIXO CUSTO PARA CONTROLE E MONITORAMENTO DA FOTOTERAPIA NEONATAL
Aluna: Marcella Rocha Franco
Coordenador: Rodrigo Fernando Bianchi
Instituição: Ufop
3º - CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DE UM SECADOR CONVECTIVO COM AQUECIMENTO ELÉTRICO
Aluna: Paula Alves Costa de Assis Vieira
Coordenador: André Guimarães Ferreira
Instituição: Cefet
3º - PRODUTOS NATURAIS DO CERRADO BRASILEIRO COMO
INIBIDORES DE PROTEASES DE LEISHMANIA
Aluno: José Roberto de Sousa Filho
Coordenador: Ivan de Oliveira Pereira
Instituição: Unincor
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
HISTÓRIA
Movimento
operário:
de A a Z
Dicionário reúne, em
formato diferenciado,
dados sobre história do
trabalho em Minas Gerais
Virgínia Fonseca
Em 1943, o presidente Getúlio Vargas aprovou a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que regula as relações
trabalhistas individuais e coletivas no país.
A CLT já passou por várias adequações e
outras normas surgem para dar suporte na
medida em que muda o contexto socioeconômico nacional. Mas até que o Brasil
chegasse ao seu primeiro modelo de legislação trabalhista, muita história ficou para
trás, na atuação de pessoas e instituições
que militaram no movimento operário brasileiro. Organizar em um único documento
dados sobre aqueles que representaram
esta luta nas primeiras décadas da República é a proposta dos pesquisadores responsáveis pelo Dicionário do Movimento
Operário de Minas Gerais.
O trabalho integra um projeto idealizado pelo professor de História da UniverMINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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Portanto, homens e mulheres, associações
anarquistas, socialistas reformistas, comunistas, católicas e mesmo mutualistas (ou
seja, aquelas em que mediante contribuição o participante buscava fazer jus a algum tipo de assistência) são atores dessa
história em Minas Gerais.
Houve uma preocupação dos pesquisadores em resgatar e transformar em
verbetes o máximo de militantes e organizações identificadas, mesmo que fossem
escassas as informações disponíveis.
“Procuramos reunir dados e registrar a
passagem daquele ator que às vezes só
é mencionado vagamente, formando um
ponto de partida. Fica registrado que essa
pessoa ou instituição existiu e isso pode
auxiliar em futuras pesquisas”, detalha o
coordenador. Nos casos em que, apesar
dos esforços, a quantidade de dados não
permitiu a constituição de um verbete, o
professor explica que será feita citação
dos nomes no final do dicionário, apontando sua participação como militantes.
Ao lado destes, figuram também verbetes
mais complexos, considerados consagrados pela historiografia. Como exemplos,
são apontados o imigrante italiano Donato
Donati e instituições como a Confederação
Católica, tidos como referência.
Um levantamento inicial aponta que
serão abordadas algo em torno de 130
instituições, todas específicas de Minas
Gerais, com atuação local ou regional.
Somam-se cerca de 490 verbetes de
pessoas e algumas entradas registradas
como citações apenas, totalizando 700
referências. Lanna ressalta que esse número é uma estimativa, a partir da primeira seleção, mas pode haver mudanças.
Grande parte dos verbetes são de Juiz de
Fora, em função do papel econômico que
a cidade teve até 1930, como principal
polo industrial de Minas Gerais.
O grupo – que conta com os pesquisadores Deivison Amaral, da Unicamp; Andréia Casanova, da UFRJ; Cláudia Viscardi, da UFJF; e Carlos Veriano,
da PUC-MG – já finalizou a prospecção
de dados e está na fase de redação e
compilação dos verbetes. Até o final de
2011, todo o conteúdo deve estar pronto,
e o próximo passo é o processo de captação para publicação, que eles esperam
acontecer em meados de 2012.
No máximo, o mínimo
O período considerado na pesquisa
de Minas Gerais abrange do final do século XIX até 1930, a chamada fase liberal
do movimento operário. A referência inicial
é o ano de 1888, que representa o fim da
escravidão e coincide com o começo da
República. E a historiografia já tem 1930
como marco da transformação do movimento operário, pois é quando surgem as
leis de regulamentação do trabalho. A partir desse momento, os sindicatos passam a
Foto: Marcelo Focado
sidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Cláudio Batalha, de articular nacionalmente vários dicionários do movimento
operário (leia box). A intenção é reunir, no
formato de verbetes, informações e dados
bibliográficos de organizações e militantes
que atuaram em todo o país, criando obras
de referência. Em Minas, a coordenação
está a cargo do Centro de Memória e Pesquisa Histórica da Pontifícia Universidade
Católica (PUC-MG), por meio do professor
adjunto do curso de História Mário Cleber
Lanna. Trata-se de um projeto interinstitucional que, além da colaboração da Unicamp, tem o envolvimento de docentes
da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF) e da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Lanna explica que o formato adotado
foge à tendência geral da historiografia,
que privilegia a análise da cultura. Entretanto, ele aponta uma mudança, bastante
visível no campo da história do trabalho,
de os pesquisadores se voltarem com mais
frequência para os estudos biográficos,
devido à aproximação com as escolas européia e norte-americana, que têm se dedicado à busca do entendimento de ideias
políticas por meio de experiências de vida
dos indivíduos. No âmbito nacional, há o
ineditismo de procurar compilar em trabalhos de referência para cada região dados
que resgatam do mais simples, individual,
ao mais importante dos agentes que participaram dessa história. “Temos muitas
informações dispersas em livros, dissertações, teses, mas não consolidadas em uma
única obra”, diz.
Militantes e instituições
A pesquisa pautou-se em uma minuciosa análise bibliográfica de publicações
da época e produções acadêmicas atuais
sobre o tema. Foram consideradas todas
as culturas militantes, em suas diferentes
ideologias, que fizeram parte, cada uma à
sua maneira, da formação do operariado
organizado no Brasil. A expressão “militante”, por sua vez, não se refere apenas a
operários, mas também a intelectuais, políticos, médicos, advogados que atuavam
de alguma forma junto aos trabalhadores,
fossem conservadores ou revolucionários.
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Publicações da época serviram como fonte para as pesquisas da equipe coordenada por Mário Cleber Lanna
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
ser oficializados e há uma política de organização do movimento operário via Estado.
A expressão “liberal” refere-se ao
fato de que o movimento era organizado
por conta própria. Os sindicatos não eram
unificados, em sua maioria formavam-se a
partir de empresas e não de profissões –
não existia o sindicato dos metalúrgicos,
mas sim de uma indústria ou de outra. As
categorias profissionais também eram diferenciadas, pois a presença da indústria no
cenário não era preponderante. Inicialmente, a força vinha dos sindicatos dos ferroviários, dos serviços como o comércio e dos
pedreiros. Em um segundo momento é que
começam a aparecer instituições ligadas
aos metalúrgicos, operários.
O movimento acompanha o perfil da
economia política do país e a intervenção
do governo. Inicialmente, a concepção do
Estado era de que o embate entre os empregados e os empresários precisava ser
resolvido pelos próprios envolvidos. “Se
existia um conflito mais violento, era questão de polícia, não de política”, observa
Lanna. A partir de 1930, esta visão se inverte e o tema passa a ser de interesse público,
regulamentado pelo Estado. “Daí nosso
recorte, pois isso muda o cenário e, das
instituições que existiram até então, poucas
permaneceram, os operários precisaram se
encaixar em modelo de organização dos
sindicatos imposto pelas leis, embora, na
verdade, tenha sido um ganho terem sua
luta reconhecida pelo Estado”, comenta o
professor, acrescentando a expectativa de
que futuramente possam ser desenvolvidos
dicionários sobre épocas seguintes.
No período estudado, existe uma
tendência do chamado sindicato dos reformistas. Em geral, estavam vinculados
a um tipo de ação assistencialista, em um
sentido objetivo: almejavam uma pensão
que pudesse cuidar do trabalhador quando ele ficasse doente ou garantir auxílio
para enterrá-lo quando morresse. Não
estavam ligados a nenhuma ideologia,
mas a questões práticas do seu cotidiano.
Na medida em que essas associações se
unem, ganham uma força para reivindicar
algo maior: a jornada de 8 horas, já que o
usual era trabalharem entre 12 horas e 15
horas. “Eles não buscavam uma revolução,
não tinham um projeto diante da sociedade, queriam o mínimo para sua situação de
vida”, observa Lanna.
Luzes sobre o movimento
operário brasileiro
O Dicionário do Movimento Operário Brasileiro é um projeto discutido no Grupo Mundos do
Trabalho da Associação Nacional de História desde 2001. Entretanto, o embrião da ideia existe
desde a década de 1980, por ocasião dos estudos de doutorado do professor de História da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cláudio Batalha, e veio tomando forma por
meio de pesquisas e debates empreendidos ao longo dos anos. A inspiração partiu de obras
internacionais do gênero, em especial, o dicionário do movimento operário francês.
Em sua primeira fase, o projeto visa organizar e publicar volumes por cidade, estado ou região,
contendo verbetes de militantes e instituições operárias, cobrindo o período que vai do século XIX à Primeira República. Para Batalha, um dos principais aspectos reside no fato de que
o trabalho permite lançar luz sobre aqueles agentes que usualmente não figuram nos livros
de história e permanecem quase anônimos. “Possibilita ver mais claramente que movimentos sociais não são resultantes exclusivamente da ação de líderes, mas dependem da atuação,
com diferentes graus de militância e envolvimento, de um número bem maior de indivíduos”,
analisa. Segundo ele, os históricos das organizações, também previstos no projeto, por outro
lado, permitem mapear o rico e variado mundo associativo dos primeiros anos da República,
colocando em xeque a ideia consagrada de que ao longo de toda sua história o Brasil teve uma
sociedade civil fraca.
Cada volume tem uma coordenação responsável, que define as características específicas da
pesquisa local, uma vez que alguns fatores, como o recorte cronológico inicial, podem variar.
Além do dicionário da cidade do Rio de Janeiro, já publicado, estão em fase final de produção
os dicionários de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Projetos para o Estado de São Paulo
e para o Rio de Janeiro no período pós-1930 também estão em andamento. Ainda em fase de
elaboração e discussão, estão os estudos relativos aos Estados da Bahia, de Pernambuco, de
Alagoas e do Amazonas. “A expectativa é que todos os Estados da Federação acabem contemplados nesta primeira etapa”, explica Batalha. Períodos posteriores da história do movimento
operário seriam trabalhados em uma segunda fase.
PROJETO: Dicionário do movimento
operário em Minas Gerais
COORDENADOR: Mário Cléber
Martins Lanna Jr.
MODALIDADE: Auxílio especial
e endogovernamental
VALOR: R$ 79.136
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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A ciência,
LEITURAS
do micróbio ao universo
Ao contar essa história, mostraremos como
se construiu o mundo moderno. A ciência está de
tal modo intricada em nossas vidas que mal notamos sua presença. Nossas redes de comunicações
móveis dependem da mecânica orbital, que permite
o posicionamento de satélites no céu; da química do
combustível de foguetes; dos materiais usados em
plásticos e chips de silício dos computadores, telefones e baterias.
Milhares são as narrativas acerca do
desenvolvimento dos princípios e produtos
científicos. Pouquíssimas, porém, revelam-se
capazes de oferecer, ao leitor, equilibrada e instigante junção entre texto e imagem, liame sem
o qual seria impossível compreender as lógicas
e nuances de uma das mais complexas atividades criadas pelo homem. Bastante conhecida
por suas produções de altíssimo nível, a British Broadcasting Corporation (BBC), emissora
pública do Reino Unido, investiu em fascinante
série televisiva sobre os grandes momentos da
Ciência no planeta. Tal iniciativa acabaria por
se transformar em bela obra impressa, na qual
relatos, fotografias e ilustrações atraem o leitor
a uma irrecusável “viagem no tempo”.
Escrito por Michael Mosley e John Lynch, o livro Uma história da ciência: experiência,
poder e paixão, recentemente publicado pela
Zahar, é a saborosa “astronave” que faltava aos
apaixonados por desvendar os mistérios do
progresso científico: dividida em seis grandes
áreas – Cosmo, Matéria, Vida, Energia, Corpo
e Mente –, a obra alia textos divertidos (e rigorosos) a imagens repletas de beleza (e informação). Somem-se a tal dueto as maravilhas
do acurado projeto gráfico, expressas em capa
dura e páginas de papel couché.
De modo a facilitar a “viagem” de tantos apaixonados por Ciência, o livro oferece,
ainda, sugestões de leitura e detalhado índice
remissivo sobre temas, cenas e protagonistas.
Garantem-se, assim, as mais confortáveis condições de navegação, para que, aos curiosos
leitores, seja requerida, exclusivamente, a ânsia
por arquitetar – a exemplo dos mais importantes cientistas da história – um sem número de
dúvidas acerca da vida, do tempo, da natureza
e do homem.
Livro: Uma história da ciência:
experiência, poder e paixão
Autor: Michael Mosley e John Lynch
Tradução: Ivan Weisz Kuck
Revisão técnica: José Claudio Reis
Editora: Zahar
Título original: The story of the science: power,
proof and passion
Páginas: 288
Ano: 2011
Bases metodológicas
para o design
Na atualidade, existe uma infinidade de métodos, técnicas e ferramentas dedicadas ao desenvolvimento do projeto, mas seu emprego não pode ser
transferido para qualquer contexto sem os necessários ajustes. Nesse contexto, o design, como lugar de
projeção, necessita de bases metodológicas sólidas
de sistematização de tarefas para organizar seu percurso criativo, delimitando seu campo de atuação
profissional para seus resultados serem revertidos em
benefício da coletividade, contribuindo para melhoria
de vida do indivíduo.
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Metodologias e experiências de ensino
organizadas em Minas Gerais e em outros estados são descritos no recém-lançado Design
e Método, quinto volume dos Cadernos de
Estudos Avançados em Design. O objetivo é
chamar atenção para a importância do método
no ensino, na pesquisa e na prática dessa área
do conhecimento. Os artigos que compõem o
livro abordam as relações do design com procedimentos metodológicos diversos, sejam
eles atualmente utilizados ou ainda em estado
de consolidação.
O volume completa a coleção composta
pelos títulos Design e Multiculturalismo, Design e Transversalidade, Design e Sustentabilidade I e II, Design e Identidade. Os artigos são
assinados por pesquisadores reconhecidos da
área, do Brasil e do exterior. Juntos, os Cadernos oferecem um panorama atual das discussões sobre design, promovendo o debate de
alto nível e a produção do conhecimento. Todos
os volumes da coleção possuem uma versão
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
digital, que pode ser acessada, gratuitamente,
pelo endereço www.tcdesign.uemg.br.
Uma novidade deste quinto volume, que
contou com o apoio da FAPEMIG, é a inauguração
da versão bilíngue: os artigos vêm acompanhados
de sua versão em inglês, ampliando o alcance da
publicação. A iniciativa é do Centro de Estudos,
Teoria, Pesquisa e Cultura em Design (Centro
T&C Design) da Universidade Estadual de Minas
Gerais (Uemg), grupo interdisciplinar que pretende criar um novo espaço para o debate sobre a
cultura material e a pesquisa teórica em design.
Livro: Design e Método
Organização: Dijon de Moraes,
Regina Álvares Dias, Rosemary Bom Conselho
Coleção: Cadernos de Estudos Avançados
em Design (volume 5)
Editora: Ed. Uemg
Páginas: 245
Ano: 2011
Foto: Arquivo pessoal
Em maio de 2011, o engenheiro agrônomo Rodrigo Mendes, formado pela Universidade do Estado de
São Paulo (USP), publicou artigo na revista Science, no qual aponta um novo mecanismo de defesa para
as plantas, sob a ameaça de 33 mil espécies de fungos residentes no solo situado próximo ao vegetal.
Sua pesquisa de pós-doutorado começou a ser desenvolvida na Universidade de Wageningen, na
Holanda. A expectativa do cientista é dar continuidade ao seu estudo na Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), local onde trabalha desde o começo do ano. O estudo de Mendes pode levar ao
desenvolvimento de plantas com um sistema de defesa eficaz ao ponto de dispensar o uso de agrotóxicos.
Exemplo de um solo naturalmente supressivo ao tombamento causado
pelo patógeno Rhizoctonia. No solo supressivo (esquerda), a incidência
da doença é muito baixa, enquanto que no solo condutivo a maioria das
plantas está infectada. No solo supressivo, as bactérias estão naturalmente
protegendo as plantas de beterraba.
Os solos supressivos são conhecidos pelos agricultores por “protegerem” suas plantações do ataque
de doenças e pragas, porém ainda
não se sabia como era realizada essa
proteção. Quando o senhor iniciou os
estudos com esse tipo de solo, já se
trabalhava com a possibilidade de a
proteção vir de uma relação ecológica
entre as plantas e outros seres vivos?
Esse fenômeno, no qual, a despeito
da presença do patógeno de solo, a planta
não é infectada, é conhecido como “solos
supressivos a doenças”. A base microbiológica do fenômeno já era conhecida:
exemplos clássicos são o trigo nos Estados
Unidos e na Austrália, e tomate e tabaco na
França. Porém, os mecanismos utilizados
pela comunidade microbiana durante a
proteção estavam ainda por serem elucidados. A abordagem metagenômica utilizada
no estudo deu uma nova dimensão a um
tópico bem conhecido, e se mostrou como
uma poderosa ferramenta para se estudar a
interação planta/microrganismos.
2
análise aplicados para compreender a
estrutura de defesa dos vegetais?
Conhecendo-se previamente a natureza microbiológica do fenômeno, decidimos acessar diretamente a comunidade
microbiana associada às raízes da beterraba em solos com diferentes níveis de
supressão ao patógeno Rhizoctonia. Tradicionalmente, técnicas dependentes de cultivo de micro-organismos são utilizadas, o
que limita o número de micro-organismos
estudados durante a interação. Neste estudo, utilizando uma técnica conhecida
como metagenômica, isolamos diretamente o DNA a partir do solo aderido às raízes
de beterraba e descobrimos mais de 30 mil
espécies bacterianas na interação.
multaneamente, 33 espécies foram as mais
dinâmicas no processo de supressão.
Explique como funciona o processo de defesa em estudo e, especifique, qual é a participação do solo,
plantas e bactérias.
A planta, crescendo na presença de
um patógeno, libera nutrientes que são usados pelas bactérias do solo. Em resposta,
as bactérias se aderem às raízes e ajudam a
planta atuando como guarda-costas, produzindo antibióticos que contra-atacam o fungo durante a infecção, impedindo, assim, o
desenvolvimento da doença.
4
1
5
3
Foi escolhido o cultivo de beterrabas para realizar testes das formas
como os vegetais se defendiam de
fungos. Quais foram os métodos de
No estudo em desenvolvimento,
foram encontradas 33 espécies de
bactérias que barravam o avanço de
doenças. Existe uma atuação especifica definida para essas bactérias? Elas
agem consorciadas?
Os resultados demonstraram que
o principal meio de ação das bactérias é
sua atuação em consórcio com diferentes espécies, no qual grupos bacterianos
dominantes atuam suprimindo a doença.
Embora milhares de bactérias atuem si-
A descoberta desse novo mecanismo de proteção para as plantações
pode gerar quais benefícios para o desenvolvimento da agricultura?
A aplicação direta desse conhecimento seria “engenheirar” plantas para que elas
recrutem as bactérias benéficas a fim de se
defenderem naturalmente de patógenos. O
impacto da utilização desta estratégia seria
a redução da aplicação de químicos na agricultura, contribuindo para o uso sustentável
do solo e, consequentemente, evitando a
contaminação de ambiente. MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
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5 PERGUNTAS PARA...
Rodrigo Mendes
Maria-Exphotos, de Marcelo Kraiser; o trabalho iniciou-se com pesquisa sobre processos analógicos
de produção de imagens, e integra o Imagens do Conhecimento (leia mais na página 19)
VARAL
Crédito: Marcelo Kraiser (professor do Departamento de Desenho da Escola de Belas Artes – UFMG)
50
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

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