Retrato de família - institutofamilia

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Retrato de família - institutofamilia
DOSSIÊ
Retrato de
família
Elas formam uma imensa maioria e produzem quase a metade
do PIB mundial, mas parecem conter o estigma da autodestruição:
poucas são as empresas familiares que sobrevivem às mudanças
de geração. Reportagem HSM Management
P
ara estimar sua importância, bastam alguns dados: os negócios familiares representam 80% do universo empresarial e suas operações respondem por quase metade do
PIB mundial. No entanto, nunca foi fácil compreender a dinâmica dessas organizações: do mesmo modo como não existem duas famílias iguais, as empresas “do mesmo sangue” têm características únicas.
Nascidas do projeto e do trabalho dedicado de seus fundadores, esses estabelecimentos
tornam-se ainda mais singulares à medida que neles ingressam novos membros da família.
Os delicados (e algumas vezes conflitantes) vínculos afetivos entre os profissionais em ação
sempre dificultaram o estudo desse tipo de empresa –pelo menos até a década de 1970,
quando os pesquisadores desenvolveram o “modelo de três círculos”. Esse sistema permitiu
captar a natureza de uma empresa familiar, formada por três subsistemas independentes,
mas bastante interligados (negócio, família e estrutura da propriedade), além de viabilizar a
identificação de possíveis fontes de conflitos, das aspirações e das prioridades dos integrantes desses subsistemas.
Alguns anos mais tarde, os especialistas acrescentaram aos três círculos a variável do tempo, dando origem ao “modelo de desenvolvimento”, segundo o qual tanto o negócio como
a família e a estrutura da propriedade evoluem de acordo com três eixos:
O eixo do negócio, que passa da etapa de lançamento para a fase de expansão e depois
para a maturidade.
O eixo da família, a princípio formado por um casal jovem e seus filhos pequenos, acrescido, mais tarde, dos diversos ramos que surgem com o casamento dos descendentes e, posteriormente, dos filhos dessa segunda geração.
Sinopse
Na primeira etapa de seu ciclo de vida, as empresas
familiares enfrentam dilemas comuns: aceitar as
mudanças ou manter-se fiel à estratégia definida pelo
fundador? Empregar os integrantes da família ou
afastá-los da administração do negócio? Planejar a
sucessão ou permitir que a geração seguinte assuma
o comando naturalmente? O modo de encarar esses
dilemas determina, em grande medida, seu crescimento
e prosperidade. No entanto, mesmo as companhias que
atingem a “fase adulta” com vitalidade enfrentam
o maior desafio de todos: a continuidade.
Quais os pontos em comum das empresas que já
atravessaram várias gerações? Manter-se relativamente
pequena, não abrir o capital e atuar fora das grandes
cidades. Segundo um levantamento científico, os
verdadeiros segredos são outros: poda da árvore familiar,
regeneração da estratégia do negócio e renovação da
liderança. Não fugir da mudança também é um dado
fundamental.
Esta reportagem traz, ainda, um quadro com os dados
das 25 maiores empresas
familiares norte-americanas (veja página 86); uma
entrevista com o consultor de empresas
brasileiro Eduardo Gentil, especialista no assunto;
e recomendações do guru Peter Drucker específicas
para empresas familiares.
HSM Management 41 novembro-dezembro 2003
DOSSIÊ
Com a propriedade e a administração restritas
a poucas pessoas,
reduzem-se a
rivalidade entre
irmãos e os
conflitos entre
gestores
O eixo da estrutura da propriedade, cujas fases de evolução lógica são: “proprietário
controlador”, “sociedade de irmãos” e “consórcio de primos”.
Apesar da diversidade que caracteriza as empresas controladas por famílias, nas primeiras etapas do ciclo de vida de quase todas elas é possível identificar alguns dilemas comuns:
Aceitar as mudanças ou manter-se fiel à estratégia definida pelo fundador?
Empregar os integrantes da família ou afastá-los da administração do negócio?
Expandir a empresa ou manter a estrutura original?
Profissionalizar a gestão ou, apostando no sucesso conquistado, manter a “administração
intuitiva”?
Planejar a sucessão ou permitir que a geração seguinte assuma o comando naturalmente?
No entanto, está muito enganado quem reduz uma empresa familiar a um negócio
“tocado pelo pai e pela mãe”: ainda que pequenas em sua origem, algumas crescem
muito e se transformam em imensas corporações. A Wal-Mart, a Ford, o Carrefour e a
Fiat, para citar alguns exemplos internacionais, são companhias que abriram seu capital
para negociações em bolsa de valores, mas nas quais os herdeiros dos fundadores ainda
mantêm boa parte do controle da propriedade.
Como é óbvio, as organizações capazes de se expandir e de amadurecer conseguiram
solucionar com êxito muitos dos problemas surgidos. Mesmo assim, todas têm em seu caminho o grande desafio da continuidade. Segundo as estatísticas, de cada cem empresas familiares, apenas 30 sobrevivem à segunda geração, somente 15 resistem à terceira e não mais
do que quatro superam a quarta.
14 trocas de comando
Como dado curioso, vale destacar o caso de uma empresa que sobreviveu a 14 trocas de
comando na mesma família: a Zildjian Cymbal, fundada em 1623 por um alquimista de Constantinopla chamado Avedis I, descobridor de uma liga metálica ideal para a fabricação do
címbalo (instrumento de percussão também conhecido como prato). O sultão deu ao novo
objeto o nome de zildjian, termo armênio que significa “forjador de címbalos” e que, desde
então, passou a designar também a família do inventor. Os Zildjian chegaram aos Estados
Unidos em 1929 e se estabeleceram em Norwell, no Estado de Massachusetts. Além do momento oportuno, o lugar facilitou o sucesso ao permitir que Avedis Zildjian III criasse vínculos com
os melhores percussionistas das bandas de jazz da época. Mais tarde, seu filho Armand (19212002) assumiu a missão de modernizar a empresa e atualmente as duas filhas deste, Craigie e
Debbie, administram a Zildjian Cymbal. São as duas primeiras executivas na longa história da
companhia.
Na verdade, a Zildjian Cymbal é bem mais do que uma lenda para quem se propõe medir o
sucesso das empresas familiares. Como isso deve ser feito? Tomando por base o faturamento
anual? Pela lucratividade? Pelo impacto causado na comunidade? Todos esses parâmetros são
válidos, mas sabe-se que o tamanho e o poder de um empreendimento podem ter vida curta –
como comprovam os estrondosos fracassos de corporações imensas e poderosas ocorridos nos
últimos anos. Um aspecto concreto é que, na seara do prestígio, nada encanta mais que a subsistência de um projeto por diversas gerações.
Segredos de empresas antigas
Quais são as características das organizações longevas? De acordo com os resultados de uma
pesquisa da revista Family Business, é possível identificar alguns traços comuns:
a) Muitas se mantiveram relativamente pequenas (dos 102 negócios mais antigos, quase a
metade emprega até 15 pessoas e apenas sete podem ser considerados empresas de grande
porte).
b) Em geral, não negociam suas ações em bolsa de valores (com exceção de três casos: a
Corning, a 65ª mais antiga da lista elaborada pela pesquisa; a Anheuser-Busch, que aparece
em 88º lugar; e a R.R. Donnelley, na 94ª colocação).
c) Boa parte dessas empresas funciona fora das grandes cidades (das 50 mais antigas, apenas
sete situam-se em áreas urbanas importantes).
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Saiba mais
As 25 maiores empresas familiares do mundo
1. WAL-MART STORES*
Família Walton
Rede varejista/EUA
Ano de fundação: 1962
Faturamento anual:
US$ 244,5 bilhões
Funcionários: 1,3 milhão
Funcionários: 382.821
É a maior empresa varejista
da Europa, com hipermercados,
supermercados e lojas de
desconto em 25 países.
2. FORD MOTOR*
Família Ford
Setor automobilístico/EUA
Ano de fundação: 1903
Faturamento anual:
US$ 162,4 bilhões
Funcionários: 354.431
Família Agnelli
Holding diversificada/Itália
Faturamento anual:
US$ 59,2 bilhões
Funcionários: 198.764
A família Agnelli controla 20%
da Fiat e 50% da Finanziaria di
Partecipazioni. O grupo atua
em vários setores: varejista,
editorial, de seguros e
açucareiro, entre outros.
3. SAMSUNG GROUP*
Família Lee
Conglomerado/Coréia do Sul
Ano de fundação: 1938
Faturamento anual:
US$ 98,7 bilhões
Funcionários: 175 mil
A Samsung Electronics,
divisão-símbolo do grupo,
figura entre os maiores
fabricantes do mundo de chips
para computadores. Produz
também eletrodomésticos,
telefones celulares e fornos
microondas. Outras empresas
do grupo operam no setor
de seguros, títulos e
comércio internacional.
4. LG GROUP
Família Koo
Conglomerado/Coréia do Sul
Faturamento anual:
US$ 81 bilhões
Funcionários: 130 mil
Com operações em mais de 120
países, suas principais atividades
concentram-se nos setores
químico, energético, eletrônico,
de telecomunicações, de serviços
financeiros e de comércio
internacional.
5. CARREFOUR*
Família Defforey
Rede varejista/França
Faturamento anual:
US$ 61,6 bilhões
6. ISTITUTO FINANZIARIO
INDUSTRIALE*
9. PSA PEUGEOT CITROËN*
Família Peugeot
Setor automobilístico/França
Faturamento anual:
US$ 45,8 bilhões
Funcionários: 192,5 mil
A Peugeot é a segunda maior
empresa automobilística
francesa (menor apenas
que a Renault) e a segunda
maior da Europa em seu
setor (fica atrás apenas da
Volkswagen). Entre os outros
produtos que fabrica estão
maquinário industrial,
ciclomotores e veículos de
armamento leve. A família
Peugeot detém 37% das ações
com direito a voto.
7. FIAT GROUP*
Família Agnelli
Setor automobilístico/Itália
Faturamento anual:
US$ 54,7 bilhões
Funcionários: 198.764
A centenária empresa produz
os automóveis Fiat, Alfa
Romeo, Ferrari e Maserati,
mas diversificou suas atividades
e também está presente nos
setores de construção, seguros,
aviação e editorial.
10. KOCH INDUSTRIES
8. CARGILL
11. BMW*
Família Quandt
Setor automobilístico/
Alemanha
Faturamento anual:
US$ 34,1 bilhões
Funcionários: 97.275
É um dos principais exportadores de automóveis da
Europa. Os veículos BMW
representam 60% das vendas
da empresa, que também
produz motocicletas e atua
no setor de software.
Famílias Cargill/MacMillan
Comércio internacional de
commodities/EUA
Ano de fundação: 1865
Faturamento anual:
US$ 50,8 bilhões
Funcionários: 97 mil
Maior empresa privada do
mundo, a Cargill dedica-se
à compra e venda de grãos,
carne, aço, sementes e
outras commodities
nos seis continentes. Os
integrantes da família
controlam cerca de 85%
da empresa e o restante
pertence aos funcionários.
Família Koch
Petróleo, gás, agricultura/EUA
Ano de fundação: 1918
Faturamento anual:
US$ 40 bilhões
Funcionários: 11,5 mil
Fred Koch fundou um vasto
império, que inclui negócios
nos setores de gás e de petróleo,
fazendas de criação de gado,
minas de carvão e atividades
no ramo imobiliário.
12. SCH (BANCO SANTANDER
CENTRAL HISPANO)
Família Botín
Banco/Espanha
Ano de fundação: 1857
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Faturamento anual:
US$ 32,7 bilhões
Funcionários: 114.927
13. ROBERT BOSCH
Família Bosch
Autopeças/Alemanha
Faturamento anual:
US$ 30,1 bilhões
Funcionários: 218.377
Além de autopeças, a empresa
produz maquinário industrial,
ferramentas e eletrodomésticos.
A Fundação Bosch detém 92%
da empresa e a família Bosch
controla os 8% restantes.
14. MOTOROLA*
Família Galvin
Telecomunicações/EUA
Ano de fundação: 1928
Faturamento anual:
US$ 30 bilhões
Funcionários: 111 mil
15. ALDI GROUP
Família Albrecht
Rede varejista de alimentos/
Alemanha
Faturamento anual:
US$ 30 bilhões
A ALDI (sigla de “Albrecht
Discounts”) vende, em suas 4,4
mil lojas, produtos a preços
reduzidos e uma marca própria
de alimentos.
16. PINAULT-PRINTEMPS
REDOUTE*
Família Pinault
Rede varejista e negócio de
venda por catálogo/França
Faturamento anual:
US$ 24,6 bilhões
Funcionários: 107.571
A rede reúne lojas (Printemps,
Fnac, Conforama, Redoute) que
comercializam roupas, produtos
para lazer e móveis. É dona de
várias linhas de perfume (Yves
Saint Laurent, por exemplo) e
de 53% da italiana Gucci.
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17. J SAINSBURY*
Família Sainsbury
Rede varejista de alimentos/
Grã-Bretanha
Faturamento anual:
US$ 24,5 bilhões
Funcionários: 174,7 mil
Segunda maior empresa
varejista de alimentos do Reino
Unido, menor apenas que a
Tesco, é dona da rede de
supermercados Sainsbury,
cujas vendas representam
82% do faturamento da
empresa. Também controla
o Sainsbury’s Bank.
18. VIACOM*
Família Redstone
Lazer e meios de
comunicação/EUA
Ano de fundação: 1954
Faturamento anual:
US$ 23,2 bilhões
Funcionários: 122.770
A empresa possui canais e redes
de televisão (Black Entertainment Television, CBS, MTV,
VH1, Nickelodeon, Showtime
Networks, entre outras), o
estúdio cinematográfico
Paramount Pictures e a empresa
editorial Simon & Schuster.
Controla ainda 82% da rede de
videolocadoras Blockbuster.
19. AUCHAN
Família Mulliez
Comércio varejista/França
Faturamento anual:
US$ 23,1 bilhões
Funcionários: 136 mil
O grupo Auchan controla os
hipermercados Auchan, os
supermercados Atac e a rede de
produtos para o lar Leroy Merlin.
Está presente na Europa, no
Sudeste Asiático, nos Estados
Unidos e na América Latina.
20. TENGELMANN GROUP
Família Haub
Comércio varejista/Alemanha
Faturamento anual:
US$ 22,6 bilhões
Funcionários: 186 mil
Controla milhares de supermercados, farmácias e grandes
depósitos.
21. ITO-YOKADO*
Família Ito
Lojas de venda 24 horas/Japão
Faturamento anual:
US$ 22,4 bilhões
Funcionários: 106.911
Em 1974, Masatoshi Ito
introduziu no Japão as lojas
24 horas. A empresa controla
73% da rede 7-Eleven, com mais
de 9 mil pontos-de-venda no
Japão e 5,8 mil na América
do Norte.
22. LOEW’S*
Família Tisch
Grupo diversificado/EUA
Ano de fundação: 1919
Faturamento anual:
US$ 19,4 bilhões
Funcionários: 27.820
Inicialmente concentrado no
ramo imobiliário, com o tempo o
grupo diversificou as atividades.
Hoje controla salas de cinema e
de teatro e atua no setor de
cigarros, seguros, azeite, hotéis
e comunicação (cadeia CBS).
23. NOVARTIS GROUP*
Família Landolt
Produtos farmacêuticos/Suíça
Faturamento anual:
US$ 19,3 bilhões
Funcionários: 71.116
É uma das cinco maiores
empresas farmacêuticas do
mundo.
24. BOUYGUES*
Família Bouygues
Construção/França
Faturamento anual:
US$ 18,1 bilhões
Funcionários: 125 mil
Controla mais de 40 filiais em
80 países.
25. HYUNDAI MOTOR*
Família Chung
Setor automobilístico/Coréia
do Sul
Faturamento anual:
US$ 17 bilhões
Funcionários: 50 mil
A empresa-mãe, Hyundai Group,
foi dividida em cinco partes pelo
governo coreano para reduzir a
influência da família Chung.
* Empresa que negocia suas ações em bolsa de valores.
Fonte: revista Family Business.
A pesquisa da revista Family Business identificou as 102 empresas familiares mais longevas
dos Estados Unidos, distribuídas por 36 Estados e Porto Rico. Entre elas, 43 se dedicam à
manufatura, 21 atuam no setor agropecuário, 25 são prestadoras de serviço (categoria que
inclui, curiosamente, 12 funerárias), e 13 trabalham com comércio varejista. Todas estão sob
o controle de uma mesma família há pelo menos cinco gerações, algumas há oito ou nove e
apenas uma há 14.
A lista de empresas fundadas nos séculos 17 e 18 não exibe nenhum nome “famoso”, mas,
na relação de negócios criados no século 19, o panorama é outro: destacam-se companhias
como a Corning (1851), a Levi Strauss (1853), a Anheuser-Busch (1860), a Baccardi (1862), a
R.R. Donnelley & Sons (1864) e a Cargill (1865).
Estratégias de sobrevivência
Antigas ou de história recente, as empresas familiares também se destacam por uma peculiaridade comum: a presença constante de conflitos e disputas, que obedecem a objetivos e
prioridades diferentes dos que regem as relações estritamente familiares. Todos os estudos
revelam que os problemas se intensificam à medida que a empresa “envelhece”. Se a visão a
longo prazo for um aspecto secundário para a primeira geração, sua importância crescerá na
gestão dos descendentes, tornando-se uma questão essencial para os gestores da terceira geração. Com o passar do tempo, o mesmo trajeto de curva ascendente costuma ser percorrido por
outras possíveis fontes de atrito, como o dinheiro, a propriedade e o controle da empresa.
Ainda que inevitáveis, essas dificuldades podem ser solucionadas –garantem os especialistas–
por meio de um planejamento adequado, capaz de levar em consideração os interesses da
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empresa e da família. Planejar não é, porém, a única saída para a sobrevivência: segundo o
professor John L. Ward, autor de um detalhado estudo com mais de 200 empresas familiares,
os negócios mais saudáveis destacam-se por implementar três estratégias:
1. Poda da árvore familiar. Quase dois terços das companhias familiares mantiveram o mesmo número de funcionários durante o período estudado (1924-1984) ou reduziram o quadro
de colaboradores. Esse dado pode revelar uma timidez no desempenho –o que é verdade, de
certo modo–, mas representa uma conquista notável, sobretudo se pensarmos que apenas
15% dessas empresas resistem. Os negócios sobreviventes de crescimento nulo ou quase
nulo destacam-se mais ainda, tendo em vista que, de geração para geração, o tamanho das
famílias tende a um rápido crescimento. Essa aparente “contramão” indica que as famílias
resistiram à tentação de incluir muitos de seus integrantes na gestão ou na propriedade do
negócio para, em vez disso, “fazer a poda” da árvore familiar: com a propriedade e administração restritas a poucas pessoas, reduzem-se a rivalidade entre irmãos e os conseqüentes
conflitos entre gestores.
2. Regeneração da estratégia empresarial. As companhias que sobrevivem nem sempre
prosperam, especialmente se seus administradores não seguirem um pensamento estratégico nem fizerem um planejamento prévio. O custo de não investir nas inovações fundamentais do setor de atuação ou nas tecnologias produtivas em geral é elevado: a “economia” resulta em mediocridade dos rendimentos. No universo analisado por Ward,
apenas algumas empresas familiares (3% do total) conseguiram prosperar, levando em
conta um crescimento do quadro de funcionários superior a 10% entre 1924 e 1984. Em
geral, o êxito ocorreu ao ser superado o primeiro obstáculo no crescimento ou nos ganhos diante de uma “regeneração estratégica”, que alterou de algum modo o caráter do
negócio –por exemplo: expansão geográfica, agregação de produtos complementares,
incorporação da venda varejista ou da produção e mesmo a diversificação para um novo
ramo de atuação.
3. Regeneração da liderança. Em todas as organizações avaliadas por Ward, as “regenerações estratégicas” aconteceram quando uma nova liderança assumiu a companhia. Provavelmente, essa é a lição mais importante a ser aprendida com as empresas familiares bemsucedidas: a necessidade de combinar revoluções estratégicas com a mudança de líderes,
sejam eles filhos, sobrinhos ou gerentes externos. Como ocorre naturalmente, esses novos
líderes trazem idéias próprias para o negócio e revelam maior disposição que seus antecessores para questionar certezas consolidadas. Por isso, é indispensável preparar a nova liderança familiar para garantir o impulso à estratégia de cresSaiba mais
cimento da empresa.
Recomendações de Peter Drucker
Há três regras de ouro recomendadas pelo guru Peter Drucker para administração das empresas familiares, descritas em um dos capítulos de seu livro Administrando em Tempos de Grandes Mudanças (ed. Pioneira):
1. Os integrantes da família não devem trabalhar na empresa, a menos que sejam tão capacitados quanto qualquer outro colaborador e atuem com dedicação. Se o
quadro de funcionários incluir um filho ou sobrinho
medíocre ou improdutivo, os demais profissionais perderão o respeito pela companhia.
2. Independentemente de quantos membros da família
atuam na gestão da empresa e da capacidade de cada
um desses profissionais, é essencial que pelo menos um
posto elevado sempre seja ocupado por alguém de fora
do grupo familiar.
3. Com a única exceção das empresas familiares muito
pequenas, o resto necessita, cada vez mais, de profissionais sem vínculos de sangue nos cargos essenciais.
Impulsionando a mudança
A tendência para a concentração em diversos setores, a
redução dos ciclos de vida dos produtos e serviços, os avanços tecnológicos e as transformações em matéria de logística
e gestão da cadeia de fornecimento, entre outros fatores,
anunciam modificações constantes no mundo dos negócios.
Mais do que para outros tipos de estabelecimento, as
mudanças rápidas são mais assustadoras para empresas familiares. Isso ocorre porque estas muitas vezes vivem aferradas a suas tradições; adotam uma cultura que privilegia a
lealdade, a estabilidade e, em algumas ocasiões, o paternalismo; seus proprietários em geral são avessos a riscos; e os
sucessores hesitam em desafiar a filosofia ou o estilo de gestão vigentes.
Em conseqüência, é essencial que seus líderes abandonem a mentalidade ancorada no passado e se esforcem
para fomentar uma cultura orientada para a mudança –
mas sem sacrificar os valores familiares. Segundo John
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Ward, a idéia central consiste em “reinterpretar o passado para ressaltar o fato de que o
sucesso obtido até então resultou da promoção ativa da mudança e não da manutenção de
determinadas estratégias”. O especialista cita exemplos de lemas adotados por empresas
envolvidas nessa mudança:
“Nossa tradição é a mudança.”
“Inovar é nossa tradição.”
“Acreditamos em idéias novas e ideais antigos.”
No entanto, os slogans não bastam por si sós: é necessário ampará-los com ações precisas.
Ward aconselha: “Celebre as novas idéias mais do que a lealdade; compartilhe informação
com o máximo possível de pessoas; reavalie com sua equipe de executivos os sistemas e práticas empregados; e atribua a um comitê independente a responsabilidade de desafiar as certezas estratégicas”. Para o especialista, os líderes têm outra missão inequívoca: a de “garantir à
empresa que as mudanças são possíveis e que levarão o negócio a um futuro melhor”.
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